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EDITORES EXECUTIVOSCarlos E. M. Tucci, IPH, UFRGS, Brasil

Andrei Jouravlev, CEPAL, ChileMaria Elena Zúñiga, GWP, Chile

EDITORES ASSOCIADOS

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAABRH – Associação Brasileira de Recursos Hídricos

Av. Bento Gonçalves, 9500 – IPH/UFRGSCaixa Postal 15029

CEP 91501-970 – Porto Alegre, RS, BrasilFone: (51) 3493-2233 / 3316-6652

Fax: (51) 3493 2233E-mail: [email protected]

IMPRESSÃOEditora Evangraf

Rua Waldomiro Schapke, 77 – Porto Alegre, RSFone (51) 3336-0422

CAPA / PLANEJAMENTO GRÁFICO / EDITORAÇÃOCarla M. Luzzatto e Fernando Piccinini Schmitt

Adolfo VillanuevaAlejandro León

Andrei JouravlevAri Rosemberg

Arlindo PhillippiArmando Bertranou

Armando LlopColin Green

Daniel Joseph HoganDavid Harrison

David Motta MarquesEduardo Mario Mendiondo

Eduardo ZegarraErnesto Brown

Francisco LobatoGeraldo Lopes da Silveira

Gisela Dam ForattiniGuilermo ChavezGustavo ChaconHumberto Peña

Ivanildo HespanholJosé Nilson B.CamposJuan Carlos AlurraldeJuan Carlos Bertoni

Juan José NeiffLidia OblitasLuis AyalaLuis Garcia

Márcio B. BaptistaMartin Lascano

Miriam Moro MineMônica PortoNelson Pereira

Nilo de Oliveira NascimentoPierre Chevallier

Roger MonteRosa Mantos Roldão

Valeria Nagy de O. CamposVictor Pochat

PUBLICAÇÃO SEMESTRALPede-se permuta . We demand exchange. Se pide permuta.

Rega / Global Water Partnership South America. – Vol.2, no. 2 (jul./dez. 2005) –Santiago: GWP/South America, 2005 –v.

SemestralISSN 1806-40511. Recursos hídricos. I. Global Water PartnershipSouth America.

CDU 556.18

REVISTA DE GESTÃO DE ÁGUA DA AMÉRICA LATINAREVISTA DE GESTION DEL AGUA DE AMERICA LATINA

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Rega é uma revista proposta pelo GWP GlobalWater Partnership da América do Sul e conta coma parceria de várias entidades nacionais e regio-nais na área de recursos hídricos, entre elas:CEPAL, BID, Banco Mundial, ABRH - AssociaçãoBrasileira de Recursos Hídricos, IARH - InstitutoArgentino de Recursos Hídricos, RedeCap-Net Ar-gentina, APRH - Associação Paraguaia de Recur-sos Hídricos, Sociedade Brasileira de Limnologia,Organização das Nações Unidas para a Educação,a Ciência e a Cultura, Organização dos EstadosAmericanos e RIGA - Red de Investigación y GestiónAmbiental de la Cuenca del Plata.

Os objetivos da revista são de divulgar o conheci-mento adquirido nas Américas sobre a Gestão Inte-grada de Recursos Hídricos. Considera-se importantea troca de informações entre os diferentes atores naárea de recursos hídricos: técnicos, decisores de go-verno e instituições privadas, membros de comitê eagências de bacias, usuários de águas, etc.

Os principais aspectos enfatizados são os seguin-tes: - resultados comparativos e experiências sobrepolíticas públicas em recursos hídricos; - estudos so-bre a cadeia produtiva dos diferentes setores de re-cursos hídricos; - gerenciamento integrado dos re-cursos hídricos dentro de uma visão interdisciplinar;- aspectos institucionais e de gestão de recursoshídricos e meio ambiente; - setores usuários da águae impactos sobre a sociedade.

Rega es una revista propuesta por la GWP-GlobalWater Partnership de América del Sur, y cuentacon el apoyo de varias entidades nacionales y re-gionales en el área de recursos hídricos, entre ellas:CEPAL, BID, Banco Mundial, ABRH - AssociaçãoBrasileira de Recursos Hídricos, IARH - InstitutoArgentino de Recursos Hidricos, Red Cap-Net Ar-gentina, APRH - Asociación Paraguaya de Recur-sos Hidricos, Sociedade Brasileira de Limnologia,Organización de las Naciones Unidas para la Edu-cación, da Ciencia y la Cultura, Organización delos Estados Americanos y RIGA - Red de Investiga-ción y Gestión Ambiental de la Cuenca del Plata.

El objetivo de la revista es divulgar el conocimientoadquirido en las Americas sobre la Gestión Integradade Recursos Hídricos. Se considera importante el in-tercambio de información entre los diferentes acto-res en el área de Recursos Hídricos: técnicos, tomado-res de decisiones del gobierno y de instituciones pri-vadas, miembros de comités y agencias de cuenca,usuarios de recursos hídricos, etc.

Los principales aspectos enfatizados son los siguien-tes: - resultados comparativos y experiencias sobre po-líticas públicas en recursos hídricos; - influencia eco-nómica de los recursos hídricos sobre las cadenas pro-ductivas; - gestión y gerenciamiento integrado de re-cursos hídricos dentro de una visión interdisciplinaria;- aspectos institucionales y de gestión de recursos hí-dricos y medio ambiente; - sectores usuarios del aguae impactos sobre la sociedad.

Sociedade Brasileirade Limnologia

Red de Investigacióny Gestión Ambiental

de la Cuenca del Plata

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REVISTA DE GESTÃO DE ÁGUADA AMÉRICA LATINA

REVISTA DE GESTIÓN DEL AGUADE AMERICA LATINA

Vol.2 - N.2 - Jul./Dez. 2005

Sumário

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Algumas reflexões sobre os mecanismosde gestão de recursos hídricose a experiência da União Europeia / 5

Francisco Nunes Correia

Instrumentos legais pertinentesà gestão do solo e da água urbanose sua inserção nas políticas públicas / 17

R. O. Silva Júnior e M. F. Chagas Coelho

Reservatórios de regularização:alocação de água para usos múltiploscom diferentes garantias / 27

Marcelo Cauás Asfora e José Almir Cirilo

Custo, valor e preço da água na agricultura / 39Jerson Kelman e Marilene Ramos

Comitê de bacia hidrográfica:um canal aberto à participação e à política? / 49

Valeria Nagy de Oliveira Campos

International economic law:water for money’s sake? / 61

Howard Mann

Desenvolvimento institucionaldos recursos hídricos no Brasil / 81

Carlos E. M. Tucci

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Algumas reflexões sobre os mecanismosde gestão de recursos hídricos

e a experiência da União Europeia

Francisco Nunes Correia

RESUMO: Os mecanismos de gestão constitu-em um tema central da problemática dos recur-sos hídricos e da forma como cada sociedade seorganiza para fazer face ás suas necessidades quan-titativas e qualitativas de água, no curto e no lon-go prazo. A abordagem deste tema concita a dis-cussão de questões muito diversas e que vão des-de aspectos estritamente técnicos até questões dealcance social como a democraticidade e a trans-parência de cada sociedade. Este artigo tem emvista focar esta discussão em torno dos principaisinstrumentos de gestão da água, pondo em evi-dência a sua natureza e a sua complementarida-de. Começa-se por produzir alguns comentáriosrelativamente aos vários tipos de instrumentos, de-signadamente os de comando e controlo, os quese baseiam numa gestão participada e na constru-ção de consensos, os econômicos e os que assen-tam em mecanismos de adesão voluntária, pon-do em evidência a necessidade de desenvolvercomplementaridades e sinergias entre os váriostipos de instrumentos. Seguidamente faz-se umaapresentação sucinta da experiência da UniãoEuropeia relativamente a estas matérias no qua-dro da implementação da nova Directiva-Quadroda Água, que pode ser encarada como um gran-de laboratório das politicas da água, dado que temem vista estabelecer, de forma efectiva, bases co-muns para a gestão dos recursos hídricos numespaço marcado pela diversidade geográfica esócio-econômica. Finalmente, apresentam-se al-gumas reflexões de índole conclusiva onde sepõem em evidência a estreita articulação entre osvários instrumentos de gestão e a relação íntimaque existe entre as formas de organização sociale os mecanismos adotados por cada sociedadepara gerir os seus recursos hídricos.

PALAVRAS CHAVE: Gestão de recursos hídri-cos, instrumentos de gestão, Directiva-Quadroda Água, gestão da água e organização social

ABSTRACT: The management mechanisms area central topic of the water resources debate andof the discussion on how society is organized toface its quantitative and qualitative water needs,in the short and the long term. The discussionof these topics induces the discussion of very di-verse issues, ranging from strictly technical mat-ters up to social issues, such as the democraticityand transparency of each society. This paper aimsat focusing the discussion around the main in-struments for water management, clarifying itsnature and its complementarities. It starts bypresenting a few comments on each type of in-strument, notably those based on command andcontrol, those based on participated manage-ment and consensus building, the economicbased instruments and those based on voluntaryagreement, highlighting the need to build onthe complementarities and the synergies amongseveral types of instruments. Afterwards, a suc-cinct presentation of the European Union ex-perience with respect to these matters, in theframework of the implementation of the newWater Framework Directive, is presented. Thisimplementation process can be seen as a labora-tory of water policies, because it attempts at es-tablishing, in an effective way, a common basisfor managing the water resources in a space ofdistinct geographic, social and economic diver-sity. Finally, some considerations are presentedas a conclusion on the close coordination re-quired among the various instruments that areused, and on the intimate relationship betweenthe social organization forms and the mecha-nisms adopted by each society for managing itswater resources.

KEY WORDS: Water resources management,management instruments, Water FrameworkDirective, water management and social organi-zation

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REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

INTRODUÇÃOO objectivo deste texto consiste em debater

alguns aspectos dos instrumentos utilizados paraa gestão dos recursos hídricos, nomeadamentea sua complementaridade e a sua natureza comoreflexo de determinadas formas de organizaçãosocial. O texto baseia-se nos comentários feitos auma comunicação apresentada por Porto e Lo-bato, 2004, no I Seminário Latino-Americano dePolíticas Públicas em Recursos Hídricos, realiza-do em Brasília, em Setembro de 2004. Julga-seoportuno exprimir alguns ênfases e pôr em evi-dência aspectos que resultam, seguramente, deuma vivência muito específica associada ao pro-cesso em curso na União Europeia em matériade política da água. Julga-se que essa experiên-cia pode ter alguma relevância para outras regi-ões do mundo, independentemente dos contex-tos geográficos e sócio-econômicos, dado que elaprópria é gerada em sociedades que apresentamgrande diversidade, como é o caso dos 25 Esta-dos-membros da União Europeia (UE).

Deve-se começar por destacar a importân-cia do tema. Gerir os recursos hídricos signifi-ca não apenas tomar decisões sobre a melhorforma de proceder à sua conservação e à suaalocação a diferentes usos, mas também sobrea melhor forma de assegurar a aplicação des-sas decisões, condicionando e alterando com-portamentos. Assim, os “mecanismos” ou, tal-vez antes os “instrumentos”, são elementos es-senciais de qualquer politica da água que aspi-re a não ficar apenas no papel. Pode afirmar-se que os “mecanismos” (e correspondentesinstrumentos) são relevantes quer para a go-vernabilidade quer para a governança dos recur-sos hídricos. Para a governabilidade porquesem meios não é possível alcançar os fins. Paraa governança porque nem sempre os fins jus-tificam os meios. Os instrumentos não são,portanto, um mero expediente ou acessório.Eles são parte indissociável do exercício dopoder e, portanto, da sua legitimidade e da suapermanente legitimação.

Os instrumentos servem uma politica da águae essa política assenta em vários pressupostos.Esses pressupostos podem corresponder a umaatitude mais preocupada com o crescimento eco-nômico ou mais preocupada com a preservaçãodos valores ambientais, admitindo-se todo o tipode posições intermédias. Importa sublinhar, con-

tudo, que posições aparentemente antagónicasno curto prazo, podem ser conciliáveis no mé-dio ou longo prazo. É com uma lógica de longoprazo que a Directiva-Quadro da Água da UE(EU, 2000) estabelece como grande objectivo aboa qualidade ecológica em todas as massas deágua do território europeu. A razão que leva àformulação deste objectivo é, não apenas o valorque é atribuído à ecologia em si mesma, mas so-bretudo porque esta é a única forma de garantira satisfação de todas as necessidades de águanuma lógica de longo prazo. Aquilo que pareceser uma atitude ecocêntrica radical é, afinal, umaatitude essencialmente antropocêntrica perspec-tivada no longo prazo. Como é sabido, o concei-to de “desenvolvimento sustentável” procurousuperar a dicotomia entre ambiente e desenvol-vimento preconizando, relativamente a essa di-cotomia, uma abordagem “win-win”.

Cabe aqui distinguir entre os conceitos desustentabilidade fraca e forte, sendo evidenteque sociedades menos desenvolvidas prefiramadoptar um conceito de sustentabilidade fraca,isto é, aquele em que alguma capital naturalpode sacrificado em nome do desenvolvimen-to. Contudo, uma sociedade que se desenvolvecom base em medidas que conduzem a umagrande permissividade ambiental é uma socie-dade que terá de enfrentar dificuldades sériasno futuro que podem comprometer a sua sus-tentabilidade. O relaxamento das exigênciasambientais, tal como o relaxamento das exigên-cias sociais, são caminhos indesejáveis de desen-volvimento econômico dado que podem com-prometer seriamente o futuro das gerações vin-douras. A competitividade de uma economiadeve, tanto quanto possível, assentar na sua pro-dutividade e não na degradação da sua forçade trabalho ou na externalização dos danos am-bientais. As vantagens de curto prazo em pro-ceder dessa forma podem vir a ser pagas comjuros elevadíssimos. Assim, as preocupaçõesambientais de curto prazo podem constituir umestímulo a um desenvolvimento econômicoduradouro e socialmente desejável.

Nos pontos seguintes fazem-se algumas re-flexões sobre cada um dos principais tipos deinstrumentos, designadamente os de coman-do e controlo, os participativos, os econômi-cos, e os que se baseiam em sistemas de certifi-

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Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

cação, complementadas por algumas conside-rações sobre a necessidade de usar de formaarticulada os diversos tipos de instrumentos.Fazem-se, depois, algumas considerações sobrea forma como a Directiva-Quadro sobre Políti-ca da Água na União Europeia (UE), presen-temente em fase de implementação, aborda aquestão dos instrumentos de gestão. A finali-zar, apresentam-se algumas considerações fi-nais de natureza conclusiva.

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE OSINSTRUMENTOS DE COMANDO E CONTROLOOs mecanismos de comando e controlo cons-

tituem a forma mais direta de intervenção dospoderes públicos. Assenta na atribuição de ou-torgas para o uso da água e licenças para a des-carga de efluentes e no desenvolvimento demeios adequados para assegurar o respectivocumprimentos. Ao regular de forma normativao acesso de utilizações privativas a um bem pú-blico, coloca inevitavelmente os poderes públi-cos numa posição de protagonismo. Isso nãosignifica que esse protagonismo não seja aceitepela sociedade se for exercido com equidade ecom critérios transparentes.

Uma das vantagens dos mecanismos de co-mando e controlo consiste precisamente empor em evidência de forma pública e notóriaos critérios utilizados pelos poderes públicos.Com efeito, ao estipular de forma imperativao que pode e o que não pode ser feito, os ins-trumentos de comando e controlo afastam-sedaqueles instrumentos em que as condiçõesde utilização dos meios hídricos resultam deprocessos socialmente complexos baseados noconsenso ou na aquiescência dos utilizadoresou na sua capacidade económica para adqui-rir direitos, antes reflectindo, directamente,objectivos e prioridades pressupostamente deinteresse público. Naturalmente que estas van-tagens apenas são reais se os poderes públicosdispuserem de uma legitimidade democráticasocialmente reconhecida. Se os poderes públi-cos forem encarados como um “corpo estra-nho” relativamente à sociedade e se forem vis-tos como usurpadores e corruptos, o coman-do e controlo torna-se numa forma de prepo-tência. Em qualquer caso, as sociedades quepretendem construir ou consolidar sistemas

democráticos não devem desistir de reforçar aautoridade do Estado, forçando o seu aperfei-çoamento, e submetendo-a permanentemen-te ao escrutínio da sociedade.

Os sistemas baseados no comando e controlotêm, contudo, algumas limitações importantes,especialmente se não forem complementadospor outros instrumentos de gestão. om efeito oscustos de transação podem ser significativos, es-pecialmente no que se refere à componente do“controlo”, isto é da execução com efectiva ga-rantia de cumprimento. Estes sistemas são tam-bém pouco mobilizadores de sinergias, dado quesão aceites de forma passiva pelos agentes sociaise econômicos que os encaram apenas como maisum “obstáculo” legal a que têm de fazer face.Esta atitude agrava-se porque nem sempre oscritérios que servem de base à regulamentaçãoexistente são devidamente apreendidos pelos uti-lizadores e, nesse sentido, a sua desejada trans-parência corre o risco de, ao invés, se tornar obs-cura. Neste sentido, os mecanismos de coman-do e controlo tornam-se desresponsabilizadoresporque os usuários apenas se preocupam (quan-do se preocupam) com o cumprimento “formal”da legislação, não sendo encorajados e partici-par na definição das “regras do jogo” ou sequera compreender o seu fundamento.

Existem duas abordagens distintas e, numaprimeira análise contraditórias, relativamenteaos mecanismos de comando e controlo. A pri-meira impõe valores limites de emissão paradeterminados poluentes, independentementedo meio receptor. A segunda, visa objectivos dequalidade do meio receptor pelo que admitecargas poluentes consentâneas com a naturezado meio e, portanto, variando de caso para caso.À primeira vista a primeira é irracional e arbi-trária e a segunda muito mais fundamentada.Todavia, a simplicidade administrativa da pri-meira abordagem é evidente, além de que per-mite uma aplicação inequívoca e livre de qual-quer controvérsia o que é importante em socie-dades em que a concorrência é muito intensa eos agentes econômicos precisam conhecer asregras do jogo sem qualquer ambiguidade. Asegunda abordagem é muito mais flexível e efi-caz de um ponto de vista ambiental, mas intro-duz uma margem de discricionariedade queperturba os agentes económicos, especialmen-te em sociedades muito competitivas. As regras

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do jogo são, neste caso, ditadas por modeloscomplexos e sempre criticáveis. É por isso quena grande maioria dos países acabou por triun-far a simplicidade e a previsibilidade em detri-mento de uma abordagem mais racional masde resultados incertos.

Vale a pena referir que os mecanismos decomando e controlo, ao colocarem exigênciasrigorosas aos utilizadores da água, contribuempara a sua modernização tecnológica uma vezque tecnologias mais modernas são, em geral,menos poluentes. A poluição não é mais do queum desperdício pelo que sistemas mais eficien-tes tendem a causar menos desperdício ou abasear-se na reutilização de algumas das subs-tâncias poluentes. Naturalmente, as exigênciasfeitas aos utilizadores da água têm de ser realis-tas e adaptadas à tecnologia disponível.

ALGUNS COMENTÁRIOSSOBRE GESTÃO PARTICIPADAE CONSTRUÇÃO DE CONSENSOSA sintonia dos agentes econômicos e soci-

ais, e da sociedade em geral, com os desígniosde uma politica de recursos hídricos constituium elemento essencial para o sucesso dessapolitica. É neste plano que se coloca a impor-tância de uma gestão participada e da cons-trução de consensos como instrumento para aprossecução de politicas. O assumir voluntá-rio de um caminho comum, é desde logo meiocaminho andado.

O planeamento constitui a sede privilegia-da para a utilização deste tipo de mecanismos.De fato, planear consiste em definir um cami-nho a percorrer e objectivos a alcançar peloque a definição de uma vontade colectiva aju-da a clarificar esses objectivos e a forma de osalcançar. A participação e a construção de con-sensos é inquestionavelmente o tipo de instru-mentos que mais responsabiliza os usuários ea sociedade em geral e que mais energias esinergias pode mobilizar.

Um elemento essencial para que a gestãoparticipada tenha êxito e para que a constru-ção de consensos seja possível é o desenvolvi-mento de uma boa base de informação queseja reconhecida como credível. É importantenas discussões sobre recursos hídricos ser ca-paz de separar fatos de opiniões. As opiniões

exprimem diversos pontos de vista legítimos,mas com um elevado grau de subjectividadeque reflecte, necessariamente, interesses e ati-tudes. Os fatos devem ser estabelecidos de umaforma tão objectiva e consensual quanto pos-sível, devendo estar disponíveis numa base dedados acessível aos vários intervenientes e àsociedade em geral.

ALGUNS COMENTÁRIOSSOBRE OS INSTRUMENTOS ECONÔMICOSA cobrança pelo uso da água e pela rejei-

ção de efluentes tem pelo menos dois objecti-vos distintos mas complementares. O primei-ro, e porventura mais nobre, consiste em in-duzir comportamentos adequados nos utiliza-dores. Com efeito, a cobrança pelo uso da águaleva a uma utilização racional do recurso e àadopção de medidas de redução na fonte, per-mitindo, também, atrair os utilizadores paralocais ou períodos do ano mais convenientes.O segundo, que não deve ser menosprezadoem regiões carentes de investimento em infra-estruturas hídricas, permite alavancar recursossignificativos para prover às necessidades deinvestimento.

Os economistas tendem a sobrevalorizar aimportância destes instrumentos porque en-contram neles uma forma de induzir compor-tamentos racionais nos agentes econômicos.Assim, dedicam “tratados” a estabelecer valo-res e custos com o objectivo de estabelecersistemas de preços bem fundamentados e ra-cionais. A experiência mostra que se trata, emgrande medida, de uma ilusão porque, nomundo real, são constrangimentos bem maissimples que determinam qualquer sistema decustos da água (ou da rejeição de efluentes).Não se conhece até hoje nenhum caso em queos valores cobrados se baseiem exclusivamen-te em cálculos económicos apesar destas ques-tões virem a ser teorizadas desde há algumasdécadas.

Os custos de transação dos instrumentoseconômicos são menores do que os que se ve-rificam nos sistemas baseados no comando econtrolo. Todavia, é necessário ter presenteque estes instrumentos também têm custos deíndole administrativa e que obrigam igualmen-te a dispor de mecanismos de força que asse-

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Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

gurem um efetivo cumprimento. Contudo,estes instrumentos assentam menos na “forçabruta” e requerem uma administração maissofisticada.

A aplicação do princípio do poluidor-paga-dor não se pode confundir com aplicação demultas. Tal confusão seria o mesmo que numaauto-estrada confundir o pedágio com a mul-ta. O pedágio é o que se paga para circularlegalmente tal como a taxa de poluição é o quese paga para rejeitar efluente dentro dos limi-tes impostos pela licença. Se os limites sãomuito baixos, o poluidor é compelido a reali-zar maiores investimentos para os poder cum-prir, tornando praticamente inócuos os instru-mentos econômicos. Se os limites são muitoaltos tenderá a poluir mais e a pagar mais, “so-ciabilizando” de alguma forma a resolução doproblema e permitindo vários tipos de pere-quação. Contudo, a cobrança não deve ser vis-ta como um objectivo em si mesmo mas sim-plesmente como um instrumento pelo que oque parece essencial é que se alcancem, deuma forma ou de outra, os objectivos defini-dos para a qualidade do meio hídrico e para asatisfação dos vários usos.

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBREMECANISMOS DE ADESÃO VOLUNTÁRIAImporta chamar a atenção para um tipo de

mecanismos que são pouco utilizados e poucoreferidos na literatura, os mecanismos de ade-são voluntária. Trata-se de uma chamada deatenção com muita atualidade dado que osmecanismos de certificação tendem a genera-lizar-se, especialmente junto da indústria, eestão em larga medida associados à globaliza-ção dos mercados.

Com efeito, os mercados mais exigentesexigem crescentemente a certificação com aISO 14 000, dedicada à certificação ambientaldas empresas. Esta exigência tem efeitos mui-to positivos nas atitudes das empresas que nãosó ganham uma maior consciência das incidên-cias ambientais das suas actividades, como tam-bém são obrigadas a adoptar sistemas de ges-tão que minimizem essas incidências.

Os mecanismos de certificação podem serconsiderados em dois planos. Um primeiro, maistradicional tem a ver com os mecanismos de cer-

tificação consagrados internacionalmente e quetêm já hoje um impacto positivo pelas razões re-feridas. A sua generalização pode, assim ser en-carada como um instrumento para melhorar ascondições de utilização da água. Um segundo,propostos pelos autores, que consiste em trazerpara o nível da gestão por bacia mecanismos decertificação que permitam diferenciar os usuári-os de acordo com o seu desempenho incenti-vando-os ou penalizando-os em conformidade.Com efeito, é possível conceber um sistema emque os níveis de participação dos vários utiliza-dores da água tenham reflexo na aplicação dosmecanismos econômicos, penalizando ou boni-ficando os comportamentos negativos ou positi-vos respectivamente.

COMPLEMENTARIDADES E SINERGIASENTRE INSTRUMENTOS DE GESTÃOEm todo o mundo, os modelos de gestão

baseados no uso exclusivo, ou quase exclusi-vo, dos mecanismos de comando e controlotêm vindo a ser substituídos por mecanismosmais elaborados e flexíveis que recorrem a umamaior diversidade de instrumentos. Importacontudo reter a ideia que nenhum instrumen-to pode ser usado em exclusivo com sucesso,sendo recomendável uma utilização articula-da de instrumentos que retire vantagem dasparticularidades de cada um. Assim, mais doque identificar os “melhores” instrumentos degestão, é necessário reflectir sobre a forma deos utilizar de forma conjugada, tanto mais que,em alguns casos, eles estão estreitamente rela-cionados entre si e potenciam-se mutuamen-te. Esta complementaridade é ainda mais ne-cessária onde o Estado é mais fraco porquenesses casos a capacidade de fazer aplicar alegislação é pequena e os instrumentos de co-mando e controlo têm dificuldade em assegu-rar sozinhos as exigências da gestão.

Numa análise superficial pode-se pensar,por exemplo, que os mecanismos participati-vos e baseados nos consensos estão necessaria-mente nas antípodas dos sistemas baseados nocomando e controlo. Eles estão realmente nasantípodas quando os sistemas de comando econtrolo são vistos como uma “prepotência”de poderes públicos mal aceites ou de idonei-dade não reconhecida. Mas numa sociedade

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que viva em harmonia com os seus poderespúblicos e reconheça a sua legitimidade de-mocrática, emanação da própria sociedade ci-vil, a participação e a construção de consensospodem ser encarados como mecanismos quecontribuem para a definição dos critérios de“comando” cuja execução é assegurada pormecanismos de “controlo” socialmente aceites.

Aliás os mecanismos de comando e contro-lo continuam a constituir a retaguarda dosmodelos de gestão, mesmo nos casos em queoutros instrumentos são abundantemente usa-dos. Os próprios mecanismos econômicos as-sentam num sistema de concessão de outor-gas e licenças que está estreitamente ligado aosmecanismos de comando e controlo. É tam-bém frequente que mesmo onde os sistemasde cobrança pela poluição rejeitada estão emvigor, existam mecanismos complementaresque impõem coercivamente limites máximosa essa poluição. Aliás, a generalidade dos paí-ses que adoptaram o princípio do poluidor-pagador, fizeram-no em conjunto com a ma-nutenção de um sistema de multas para quemultrapassa os limites permitidos legalmentenuma lógica de comando e controlo.

Vale a pena sublinhar que os instrumentoseconômicos, para além dos contributos sig-nificativos, já referidos, nomeadamente noque se refere à capacidade para alavancar re-cursos e para induzir comportamentos ade-quados por parte dos utilizadores, têm aindaum importante benefício indirecto que con-siste em fomentar a participação e a constru-ção de consensos. Com efeito, o fato dos uti-lizadores contribuírem financeiramente deforma directa para melhorar a gestão dos re-cursos hídricos, contribui também para a au-mentar o seu envolvimento e compreensãodos problemas. Este envolvimento cria con-dições para que possam participar nas deci-sões sobre as melhores formas de utilizar osrecursos alavancados, recuperando eventual-mente alguns dos recursos financeiros queforam obrigados a pagar tendo em vista me-lhorar o seu desempenho no que concerne àutilização da água ou rejeição de efluentes.Gera-se assim uma espiral positiva em que opagamento gera direitos e o exercício dosdireitos gera melhor utilização da água.

Resulta assim claro que os vários mecanis-mos de gestão se potenciam mutuamente eque, em vez de excludentes, devem ser enca-rados como complementares. Comando e con-trolo, cobrança pela utilização da água e parti-cipação na construção de consensos constitu-em os vértices de um triângulo que, numa so-ciedade amadurecida, coexistem e se legiti-mam mutuamente.

A DIRECTIVA-QUADRO DA ÁGUA DA UNIÃOEUROPEIA E OS MECANISMOS DE GESTÃOA análise comparativa dos sistemas institu-

cionais de gestão da água contribui semprede forma muito significativa para uma com-preensão aprofundada das questões da gover-nança. Um exemplo de análise comparativados diferentes modelos e instrumentos degestão da água na Europa é dado pelo pro-jecto EUROWATER (Correia ed., 1998). Al-guns resultados deste estudo, cotejados coma realidade do Brasil, são apresentados porCanali et al., 2000.

No momento actual, vinte e cinco países daUnião Europeia (UE) estão obrigados a im-plementar até 2015 a “Directiva do Parlamento edo Conselho para o Estabelecimento de um Quadropara a Ação Comum no Domínio da Politica daÁgua” (EU, 2000), vulgarmente conhecida porDirectiva-Quadro da Água. O que é particular-mente interessante nesta Directiva é que elapretende definir linhas de rumo e objectivoscomuns para a gestão da água que se ajustema realidades tão diversas e contrastantes comoas zonas árcticas da Lapónia, no norte da Fin-lândia, ou as ilhas semi-áridas de Chipre ouMalta, no mar Mediterrâneo. Em síntese, podeafirmar-se que o que está em causa é aplicarsoluções diferentes a problemas comuns e im-plementar soluções comuns em realidadesmuito diferentes (Correia, 2003a). Estas cir-cunstâncias transformam todo o processo deimplementação da Directiva-Quadro num ver-dadeiro laboratório, cujos resultados são im-portantes, não apenas, de forma directa, paraas sociedades europeias mas, de forma indi-recta, para todo o mundo dado constituíremuma importante fonte de experiência e refle-xão (Correia, 2003b).

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Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

O objectivo central da Directiva-Quadro con-siste em alcançar uma boa qualidade da água emtodo o território da UE. O conceito de boa qua-lidade da água afasta-se dos conceitos tradicio-nais baseados em parâmetros físicos, químicosou mesmo biológicos, para colocar no centro daspreocupações a qualidade ecológica das massasde água. Como já foi referido, este objectivo cen-tral, para além de dar satisfação às exigênciasambientais de largos sectores das sociedades eu-ropeias, é encarado como uma garantia transge-racional de dispor a longo prazo de água parasatisfazer todas as necessidades humanas.

Para alcançar os objectivos da Directiva, es-tabelecem-se um conjunto de orientações e devalores de referência, deixando a cada Estado-membro da UE a obrigação de definir no deta-lhe as soluções institucionais e legislativas quepretende adoptar. Um bom equilíbrio entre adefinição dos objectivos e a escolha dos meiospara os alcançar constitui um dos aspectos inte-ressantes da Directiva-Quadro, resultante, emlarga medida, da própria diversidade das socie-dades a que se dirige. A flexibilidade resultatambém da UE não poder ser vista como umEstado Federal com níveis hierárquicos de po-der bem definidos. Pelo contrário, a UE consis-te, essencialmente, num tratado de adesão vo-luntária entre Estados soberanos que entendempartilhar algumas dimensões da sua soberania.Não se julgue, contudo, que a flexibilidade con-duz ao laxismo. A Comissão Europeia tem umpapel crucial na monitorização de todo o pro-cesso de implementação da Directiva, poden-do impor pesadas sanções aos países que nãodêem os passos julgados adequados.

Uma versão integral da Directiva-Quadro daÁgua (DQA) em língua portuguesa pode serencontrada em http://dqa.inag.pt. Versões nasvárias línguas da UE podem ser obtidas no siteoficial da Comissão Europeia:http://europa.eu.int/comm/environment/water/water-framework/index_en.html. Sintetizam-se, a seguir, alguns dos aspectos mais relevan-tes com base nos trabalhos de Chave, 2001 eCorreia, 2003b.

Arranjo institucional básicoAté ao final de 2003 (Artigo 3º da DQA)

todos os Estados-membros identificaram as

bacias hidrográficas e as massas de água sub-terrâneas que se encontram no seu territórioe procederam à sua integração numa regiãohidrográfica. O mesmo procedimento deve seradoptado em relação às bacias partilhadas pormais de um Estado-membro que devem serintegradas numa região hidrográfica interna-cional. No mesmo prazo deverão ter sido iden-tificadas as autoridades competentes para aaplicação da directiva em cada região hidro-gráfica e adoptadas as disposições administra-tivas necessárias para assegurar essa aplicação.É interessante referir que em versões iniciaisda Directiva constava a exigência de órgãos degestão específicos para cada bacia. Esta exigên-cia acabou por ser retirada essencialmente pelapressão de Estados Federais como a Alemanhaem que as estruturas politicas estaduais sãosuficientemente fortes para não ver com agra-do estabelecer-se uma malha territorial dife-rente da existente e que está consagrada emtermos administrativos e políticos. Este dilemafoi por vezes referido como o dilema entre asolidariedade e a subsidiariedade. A solidarieda-de refere-se a órgãos de gestão por bacia, comuma forte participação dos utilizadores daágua, encarados como parceiros solidários. Asubsidiariedade refere-se ao respeito pelas es-truturas descentralizadas de poder politicodemocrático já existentes, como são, por exem-plo, os länder alemães.

Caracterização das regiões hidrográficase dos impactos das actividades humanasAté ao final de 2004 (Artigo 5º) foi feita uma

caracterização completa de todas as regiões hi-drográficas (Anexo II e III da DQA) tendo emconta as características biofísicas das bacias, oimpacto das actividades humanas sobre o esta-do das águas superficiais e subterrâneas e a aná-lise económica da utilização da água. Esta ca-racterização é especialmente exigente e inova-dora no que se refere aos aspectos ecológicos,considerados essenciais para o estabelecimen-to de objectivos ambientais. Podem ser consi-derados dois sistemas, de acordo com o AnexoII: o sistema A baseia-se nas características ge-rais de grandes eco-regiões europeias enquan-to o sistema B se baseia numa análise mais es-pecífica da massa de água em consideração. Aanálise económica que é necessário realizar para

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cada região hidrográfica é também inovadorae obriga a considerar separadamente as diver-sas utilizações da água, especialmente para aagricultura, indústria e para fins domésticos, ea incluir a amortização dos custos dos serviçosde água, custos ambientais e de recursos. Nomesmo prazo foi feito o registo das zonas sujei-tas a regimes especiais de protecção no que serefere a águas superficiais, subterrâneas ou àconservação de habitats (Artigo 6º).

Procedimentos de monitorizaçãoA monitorização do estado das águas de

superfície, do estado das águas subterrânease das áreas protegidas deverá estar operacio-nal até 2006 (Artigo 8º). Os procedimentosde monitorização devem seguir o que está es-tipulado no Anexo V. As dimensões ecológi-cas dessa monitorização são especialmenteexigentes e inovadoras. A preocupação coma monitorização resulta de se considerar es-sencial dispor de informação credível antesde avançar com os Planos de Bacia Hidrográ-fica e com os Programas de Medidas adiantereferidos. Esta informação é essencial paratornar útil a participação dos utilizadores eda sociedade em geral, uma vez que é neces-sário partir de uma base sólida e, tanto quan-to possível, consensual relativamente à situa-ção existente e aos problemas a que é precisofazer face. Estas preocupações têm vindo aganhar relevância no quadro da União Euro-peia, sendo de referir o trabalho meritórioque tem vindo a fazer a Agencia Europeia doAmbiente na última década.

Objectivos ambientaisDe acordo com o Artigo 4º, até 2015 todos

os Estados-membros devem alcançar um bomestado das águas superficiais e subterrâneas.De acordo com a definição que consta da pró-pria Directiva (Artigo 2º), entende-se por bomestado das águas superficiais “…o estado em quese encontra uma massa de água quando os seus es-tados ecológico e químico são considerados, pelo me-nos, bons”. No caso de massas de água forte-mente modificadas, como por exemplo a mon-tante de barragens, em que é difícil obter umestado ecológico bom, exige-se apenas um bompotencial ecológico acompanhado de um es-

tado químico bom. Um bom estado das águassubterrâneas é “… o estado em que se encontrauma massa de águas subterrâneas quando os seusestados quantitativo e químico são considerados, pelomenos, bons”. O Anexo V especifica os elemen-tos que devem ser tidos em conta para os vári-os tipos de massa de água, as definições quedeverão ser adoptadas para os diferentes ní-veis de qualidade e os procedimentos necessá-rios para proceder à sua monitorização. OsProgramas de Medidas, adiante referidos, cons-tituem o principal instrumento para alcançarestes objectivos em termos operacionais.

Instrumentos econômicosSegundo o Artigo 9º, as políticas para a de-

finição do preço da água constituem um ele-mento importante da sustentabilidade da ges-tão dos recursos hídricos. Essas políticas esta-rão em aplicação em 2010. Mais especifica-mente, os Estados-membros devem assegurarque o preço da água crie incentivos adequa-dos para que os vários utilizadores usem aágua com eficiência e contribuam para alcan-çar os objectivos da Directiva. Pretende-se aanálise de todos os sectores, considerando-sede forma autónoma pelo menos o industrial,o doméstico e o agrícola. Os preços da águadevem contribuir para a amortização dos cus-tos dos serviços de água com base na análiseeconómica feita de acordo com o Anexo III etendo em conta o princípio do poluidor-pa-gador. Como válvula de segurança para evi-tar incumprimentos da Directiva, é estabele-cido que os Estados-membros, neste proces-so de estabelecimento dos preços da água,podem atender às consequências sociais, am-bientais e económicas da amortização, bemcomo às condições geográficas e climatéricasda região ou regiões afectadas. É interessan-te referir que, no decurso do processo nego-cial, evoluiu-se de uma posição rígida de amor-tização integral de todos os custos da água,sempre e em todas as condições, para umasituação economicamente discutível mas po-liticamente viável de admitir uma aproxima-ção tendencial à amortização dos custos, ten-do sido salvaguardadas algumas situações “so-ciais, ambientais e económicas” justificadorasde uma excepção ao princípio geral. Um dosargumentos utilizados foi o de que os países

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Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

mais desenvolvidos da Europa alcançaramníveis de serviço de elevada qualidade à custade pesados investimentos públicos a fundoperdido, pelo que se revestiria de naturezadiscriminatória exigir, agora, que nas regiõesmenos desenvolvidas fossem os utilizadores asuportar integralmente os custos. Proceder àredistribuição de renda é uma das atribuiçõesdo Estado, reconhecendo-se, assim, que essaredistribuição pode passar por investimentospúblicos no domínio dos recursos hídricos.Todavia, a Directiva impõe o princípio da to-tal transparência de quaisquer mecanismos desubsidiação direta ou cruzada, a concretizardesde já nos es tudos econômicos para a ca-racterização de cada região hidrográfica.

Programa de MedidasCom base na análise das características das

regiões hidrográficas e na monitorização pre-viamente referidas, os Estados-membros deve-rão preparar até 2009 um Programa de Medi-das para cada região hidrográfica, tendo emvista atingir os ambiciosos objectivos ambien-tais estabelecidos na DQA (Artigo 11º e Ane-xo III). Estes programas serão objecto de am-pla discussão pública e devem estar operacio-nais antes de 2012, podendo ser revistos e ac-tualizados até 2015. Os Programa de Medidas,em conjunto com os Planos de Bacia Hidro-gráfica tratados a seguir, são os principais me-canismos de integração que asseguram a arti-culação entre os vários instrumentos e a suaadequação aos objectivos estabelecidos. Sãotambém a principal base para a participaçãodos utilizadores da água e da sociedade emgeral. Os Programas de Medidas constituem,também, um elo essencial com as anterioresdirectivas relativamente à gestão dos meioshídricos. Com efeito, os Programas de Medi-das deverão permitir alcançar em cada baciahidrográfica o cumprimento da seguintes di-rectivas: Directiva relativa à qualidade das águasbalneares (76/160/CEE); Directiva relativa àconservação das aves selvagens (79/409/CEE);Directiva relativa às águas destinadas ao con-sumo humano (80/778/CEE), alterada pelaDirectiva 98/83/CE; Directiva relativa aos ris-cos de acidentes graves (Seveso) (96/82/CE);Directiva relativa à avaliação de efeitos no am-biente (85/337/CEE); Directiva relativa às la-

mas de depuração (86/278/CEE); Directivarelativa ao tratamento de águas residuais ur-banas (91/271/CEE); Directiva relativa aosprodutos fitofarmacêuticos (91/414/CEE);Directiva relativa aos nitratos (91/676/CEE);Directiva relativa aos habitats (92/43/CEE);Directiva relativa à prevenção e controlo inte-grados da poluição (96/61/CE).

Plano de Gestão de Bacia HidrográficaPara cada região hidrográfica deve ser pre-

parado até 2009, e revisto até 2015, um Planode Gestão de Bacia Hidrográfica de acordo como Artigo 13º e o Anexo VII. Este Plano deve in-cluir a descrição das características da regiãohidrográfica no que diz respeito a águas super-ficiais e subterrâneas, uma síntese das princi-pais pressões e impactos das actividades huma-nas, a identificação e mapeamento das zonasprotegidas, um mapa das redes de monitoriza-ção, uma lista dos objectivos ambientais para asvárias massas de água, uma síntese da análiseeconómica do uso da água, uma síntese do pro-grama ou programas de medidas dentro de cadaregião hidrográfica, uma referência a progra-mas ou planos de gestão mais detalhados relati-vos a sub-bacias, a questões sectoriais ou a tiposde recursos, com uma síntese dos respectivosconteúdos, uma síntese das medidas adoptadaspara a informação e consulta do público, umalista das autoridades competentes pela aplica-ção da directiva em cada região hidrográfica eas formas de contacto com essas instituições eos procedimentos para obter documentação debase ou informação corrente. Estes planos degestão têm uma natureza muito abrangente eincluem toda a informação relevante no que serefere a objectivos e medidas adoptadas para aaplicação da Directiva em cada região hidrográ-fica. Tal como os Programas de Medidas, deve-rão ser revistos pela primeira vez até 2015 e, apartir de então, de seis em seis anos. O objecti-vo central, já referido, consiste em alcançar umbom estado de todas as massas de água em todoo território da UE até 2015. Contudo, este ob-jectivo pode ser impossível de alcançar em al-guns casos, devidamente justificados, por razõesde viabilidade técnica, custos desproporciona-dos ou condições naturais particularmente di-fíceis. Os ciclos de revisão a cada seis anos dosProgramas de Medidas e dos Planos de Gestão

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têm em vista alcançar esse objectivo num prazomais dilatado que não deve ultrapassar 2027.

Bacias internacionaisAs bacias partilhadas por mais de um Esta-

do-membro ou envolvendo países que não per-tencem à UE terão um tratamento semelhanteno que se refere à caracterização, elaboraçãode Planos de Gestão e de Programas de Medi-das. Assim, de acordo com o Artigo 3º, “Os Esta-dos-membros garantirão que uma bacia hidrográficaque abranja o território de mais de um Estado-mem-bro seja incluída numa região hidrográfica internaci-onal. A pedido dos Estados-membros interessados, aComissão actuará para facilitar essa inclusão numaregião hidrográfica internacional. Cada Estado-mem-bro tomará as disposições administrativas adequadas,incluindo a designação das autoridades competentesadequadas, para a aplicação das regras da presentedirectiva na parte de qualquer região hidrográfica si-tuada no seu território”. Prevendo-se que em al-guns casos a coordenação entre Estados-mem-bros pode ser difícil, determina-se no Artigo 12ºque “se um Estado-membro identificar uma questãoque tenha impacto sobre a gestão das suas águas masque não possa resolver, pode informar desse fato aComissão e qualquer outro Estado-membro interessa-do, podendo apresentar recomendações para a resolu-ção do problema em causa. A Comissão dará respostaaos relatórios ou recomendações dos Estados-membrosdentro de um prazo de seis meses”. Reforça-se, as-sim, o papel da Comissão, numa lógica de sub-sidiariedade, nos casos em que os Estados-mem-bros tenham dificuldades de articulação. Con-tudo, privilegia-se uma abordagem bi-lateral oumulti-lateral sempre que possível. Como é sabi-do, a gestão de recursos hídricos em bacias par-tilhadas por mais de um país é uma matéria quetem merecido atenção crescente por parte dacomunidade internacional e cuja importâncianão cessará de aumentar. As disposições da DQAafiguram-se particularmente interessantes namedida em que não prejudicam a soberania decada Estado-membro mas condicionam-na noquadro de um planeamento e gestão coorde-nados entre países.

Informação, consulta e participaçãoSerá encorajado, de acordo com o Artigo 14º,

o envolvimento activo de todas as partes inte-

ressadas na aplicação da Directiva e no desen-volvimento dos programas e planos. Até 2006os Estados-membros informarão e consultarãoo público, incluindo os utilizadores da água,sobre o calendário e programa de trabalhospara a preparação dos Planos de Gestão de Ba-cia Hidrográfica. Uma visão global de todas asquestões relevantes para a gestão dos recursoshídricos será apresentada ao público até 2007 euma primeira versão dos Planos de Gestão seráapresentada até 2008. A preparação dos planosé assim assumida como a instancia privilegiadapara a participação e construção de consensos.Todavia, a participação não se esgota nessa fase.Cada país tem toda a liberdade de desenvolvera aprofundar os seus sistemas de participação,estando todos obrigados a regras de transparên-cia dos actos administrativos regulados, aliás, poroutras directivas.

CONSIDERAÇÕES FINAISJulga-se oportuno fazer algumas reflexões

finais, baseadas na experiência em curso naUE, que podem ser relevantes para o tema dagestão dos recursos hídricos noutras regiõesdo mundo:

Os mecanismos de comando e controlocontinuam a desempenhar um papel es-sencial como suporte básico do sistemade gestão. Todavia, este sistema é exerci-do no quadro dos Planos de Bacia e doscorrespondentes Programas de Bacia. Asexigências de todas as directivas anterio-res mantêm-se em vigor, mas a sua im-plementação deve agora de ser feita deforma integrada no quadro específico decada bacia. Recorda-se que o acervo deexigências é grande e diversificado. Aprópria Directiva-Quadro determina quesejam tidas em conta as exigências relati-vas à qualidade das águas balneares, àqualidade para a produção de água paraconsumo humano, às águas residuais ur-banas, aos produtos fito-farmacêuticos eagro-tóxicos, aos nitratos, às lamas de de-puração, à preservação dos habitats, àconservação das aves selvagens, aos ris-cos de acidentes graves e ainda que se-jam cumpridas as disposições sobre pre-venção e controlo integrado de poluição.

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Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

A DQA vem pôr fim a um dilema entreduas abordagens distintas e algo confli-tuantes na cena europeia: os valores li-mites de emissão e as normas de quali-dade. Os valores limites de emissão têma ver com a definição de cargas poluen-tes máximas susceptíveis de autorizaçãopor meio de licenças. Esses máximosaplicam-se independentemente da capa-cidade de carga do meio receptor. Asnormas de qualidade tem a ver com osprocedimentos que em alguns países sedesignam como enquadramento doscorpos de água, isto é, a definição deobjectivos de qualidade em função dosusos actuais ou potenciais, tal como naResolução N.º 20 de 1986 do ConselhoNacional do Meio Ambiente do Brasil.A Directiva-Quadro da Água determinaque seja utilizada uma “abordagem com-binada” que consiste em utilizar o maisexigente dos dois critérios. Esta disposi-ção significa que se mantêm os limitesde emissão em todo o espaço da UE(correspondendo a preocupações denão distorcer a concorrência entre osagentes económicos), mas quando talnão for suficiente para alcançar os ob-jectivos de qualidade estabelecidos, es-ses limites devem ser ainda mais exigen-tes de forma assegurar todos os usospotenciais para cada massa de água.Os instrumentos econômicos passam adesempenhar um papel essencial na ges-tão do recurso, generalizando-se a todoo espaço da UE. Tendencialmente o pre-ço a cobrar pela água (e pela rejeição deefluentes) deve “amortizar os custos dos ser-viços hídricos, mesmo em termos ambientais ede recursos” (Artigo 9º). A enorme con-trovérsia suscitada por esta disposição nafase de negociação da DQA, fez compre-ender que, neste processo, prevaleceránecessariamente uma abordagem basea-da na viabilidade social e politica em de-trimento de uma pura abordagem eco-nómica. Por esse motivo, a DQA só podeser aprovada com a inclusão de uma dis-posição que mitiga explicitamente asexigências antes formuladas: “Neste con-texto os Estados-Membros podem atender às

consequências sociais, ambientais e económi-cas da amortização, bem como às condiçõesgeográficas e climatéricas da região ou regiõesafectadas”. Não se deve considerar, tam-bém neste caso, que esta mitigação abrea porta ao não cumprimento do princí-pio geral que está estabelecido. Cabe àComissão Europeia, à semelhança do queacontece em outras circunstâncias aná-logas, negociar com cada país as condi-ções de aplicação, o que costuma fazercom um elevado grau de exigência.Todos mecanismos de participação sãovivamente encorajados, embora a formu-lação dos mecanismos concretos seja algovaga e abrangente. Esta situação resultada grande diversidade das tradições ins-titucionais, jurídicas e culturais de cadaEstado-Membro da União Europeia, quetorna difícil a imposição de um modeloúnico. Mais uma vez, cabe à ComissãoEuropeia avaliar e aprovar os passos da-dos por cada país nesta matéria. Consi-dera-se essencial a identificação dos agen-tes relevantes em cada bacia hidrográfi-ca e o estabelecimento de mecanismosde participação, especialmente para aelaboração dos Planos e Programas deMedidas. Exige-se, também, a identifica-ção das autoridades responsáveis porcada bacia. As formas concretas de parti-cipação e os arranjos institucionais são,contudo, deixados à consideração decada Estado-Membro.Para além dos mecanismos de gestãohabituais, tais como o comando e con-trolo, os instrumentos econômicos ou ossistemas de participação, é atribuídagrande importância à componente tec-nológica, aproximando-se, aliás, dosmecanismos de certificação antes referi-dos. Com efeito, a DQA obriga à utiliza-ção das “melhores tecnologias disponí-veis que não impliquem custos incompor-táveis”, criando uma pressão significati-va para a modernização tecnológica dosagentes econômicos. Esta disposição estápresente noutras directivas recentes daUE tal como a designada Directiva PCIP(Prevenção e Controlo Integrado da Po-luição) e parte do pressuposto que essa

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modernização é boa tanto para o ambi-ente como para a economia.

A gestão dos recursos hídricos é um processosocialmente complexo em que se cruzam desíg-nios contraditórios. Em última instância, impor-ta fazer prevalecer o interesse público e geral faceaos múltiplos interesses particulares. Contudo, adialéctica entre uns e outros deve assentar empressupostos de legitimidade e de eficácia. A le-gitimidade remete para a questão da governan-ça, cuja relevância é crescentemente reconheci-da. A eficácia remete para a questão da governa-bilidade, isto é a capacidade de implementar deforma efectiva as determinações socialmente acei-tes e legitimadas. O “excesso” de preocupaçõescom a governança pode levar à perda de eficá-cia. O “excesso” de preocupação com a eficáciapode levar a uma menor consideração da ques-tão da legitimidade. Os instrumentos e mecanis-mos de gestão constituem a componente essen-cial deste processo e a sua adequação é funda-mental para conciliar legitimidade com eficácia.

A gestão da água, pela sua riqueza e pelasua complexidade, obriga a reflectir sobre aessência do Estado, sobre a sua ação e sobre asua relação com a sociedade civil. A reformae a modernização do sistema de gestão dosrecursos hídricos é indissociável da reformae da modernização do Estado. Um sistema de

gestão de recursos hídricos moderno e eficazconstitui, em si mesmo, um contributo paraa modernização do Estado. Um sistema degestão de recursos hídricos equitativo e par-ticipativo constitui um contributo importan-te para a democratização do Estado. Esses atri-butos são, não apenas compatíveis, mas mes-mo potenciados por um Estado bem apetre-chado e forte desde que socialmente reconhe-cido na sua legitimidade. A água e, de umaforma geral, os bens de domínio comum, sãoum ponto de encontro privilegiado entre ospoderes públicos e os interesses particularespelo que a forma como dirimem e superamos conflitos traduz de forma expressiva os tra-ços essenciais da forma como está organiza-da a vida social e o grau de amadurecimentode cada sociedade.

AGRADECIMENTOSAgradece-se ao Prof. Carlos Eduardo Tucci,

Presidente da Comissão Organizadora do I Se-minário Latino-Americano de Politicas Públicasem Recursos Hídricos a oportunidade de parti-cipar no evento. Agradece-se aos autores doposition paper do Workshop 3, Prof.ª MônicaPorto e Francisco Lobato, o convite para deba-tedor e as interessantes trocas de ideias que esseconvite proporcionou.

ReferenciasCANALI, G. V., et al. (eds.), 2000. Water Resources Management: Brazilian and European trends and approaches. IPorto Alegre: ABRH.345p.CHAVE, Peter. 2001. The EU Water Framework Directive: an Introduction. London: IWA Publishing. 207p.CORREIA, Francisco. N. (ed.). 1998. Water Resources Management in Europe: institutions for water. Rotterdam: Balkema Publishers.V.1CORREIA, Francisco N. (ed.). 1998. Selected Issues in Water Resource Management in Europe. Rotterdam: Balkema Publishers. V.2CORREIA, Francisco N. 2003a. Políticas da Água e do Ambiente na Construção Europeia. In : O desafio da água no século XXI: entre oconflito e a cooperação. I Lisboa : Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança/Editorial Notícias.CORREIA, Francisco N. 2003b. INSTITUTIONAL WATER ISSUES IN EUROPE. IN: WORLD WATER CONGRESS, 11., 2003, Madrid.Anais... Madrid: IWRA.PORTO, M., F. LOBATO, 2004. Mecanismos Econômicos, Ambientais e Sociais da Gestão da Água. SEMINÁRIO LATINO-AMERICANODE POLITICAS PÚBLICAS EM RECURSOS HÍDRICOS, 1., 2004, Brasília, Anais... Porto Alegre : ABRH. 1 CDRom.UNIÃO Européia.2000. Directive of the european parliament and of the council establishing a framework for community action inthe field of water policy. (Directive 2000/60/EC). Disponível em: < http://europa.eu.int/eur-lex/pri/pt>

Francisco Nunes Correia IST, Lisboa, Portugal, [email protected]

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Instrumentos legais pertinentesà gestão do solo e da água urbanose sua inserção nas políticas públicas

R. O. Silva JúniorM. F. Chagas Coelho

RESUMO: A acelerada urbanização pela qualpassou, e vem passando, a sociedade brasilei-ra se constitui em uma das principais questõessociais experimentadas pelo Brasil no séculoXX. De acordo com dados oficiais, enquantoem 1960 a população urbana representava44,7% da população total, em 2002 já repre-sentava cerca de 84,1%. O processo de urba-nização brasileiro caracterizou-se, nas últimasdécadas, pela expansão desordenada, na peri-feria dos grandes centros urbanos, de lotea-mentos destituídos de infra-estrutura básica.Vastas extensões do território destas cidadesforam parceladas e ocupadas, sem levar emconta padrões de qualidade ambiental, à mar-gem de qualquer regulação urbanística que ga-rantisse segurança quanto à posse da terra eum mínimo de qualidade de vida, principal-mente para a população de baixa renda. Des-sa forma, configura-se uma expansão horizon-tal extensiva, avançando sobre áreas frágeis oude preservação ambiental, caracterizando umaurbanização de alto risco, pois a ocupação deáreas frágeis ou estratégicas, sob o ponto devista ambiental, contribui para a ocorrência deenchentes e para a intensificação de proces-sos erosivos. Diante dos problemas decorren-tes desse processo de urbanização, pretende-se, com o presente trabalho, realizar uma ava-liação integrada de alguns importantes instru-mentos legais brasileiros, pertinentes à gestãodo solo e da água no meio urbano, conside-rando os limites de sua efetiva aplicação, fren-te ao contexto social estabelecido. Entre essesinstrumentos destacam-se a Constituição Fede-ral de 1988, o Código Florestal e a Legislaçãode Proteção aos Mananciais (Lei 4.771/65 eLei 7.803/89), a Legislação do Uso e Parcela-mento do Solo Urbano (Lei 6.766/79 e Lei9.785/99), o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), os Instrumentos de Planejamento eGestão Urbana (IPEA, 2002), a Política Nacio-

ABSTRACT: The accelerate urbanization pro-cess whereby the brazilian society has passedthrough – and still is – became one of the mainsocial point experimented by Brazil in the lastcentury. According to official governmental data,while brazilian urban population represented44,7% of the total population in 1960, it grewup to 84,1% in 2002. The Brazilian process ofurbanization was characterized, in the last de-cades, for the disordered expansion, in the pe-riphery of the large urban centers, of land divi-sions destitute of basic infrastructure.

Vast extensions of the territory of these citieshad been parceled out and busy, without takingin account standards of environment quality, with-out any urbanistic regulation that would guaran-tee security concerning to the ownership of theland and a minimum of quality of life mainly forthe low income population. This way, a limitlesshorizontal expansion is configured, advancingthrough fragile areas and also over environmentpreservation areas, characterizing an urbanizationof high risk, therefore the occupation of fragileor strategical areas, under environment point ofview, contributes for the flood occurrence and tothe erosive processes intensification.

Ahead of the decurrent problems of this urban-ization process, it is intended, with the present work,to carry through an integrated evaluation of someimportant brazilian pertinent legal instruments tothe management of the ground and water in theurban areas, considering the limits of its real appli-cation, front to the established social context.Among these instruments are the 1988 FederalConstitution, the Forest Code and the Legislationof Protection to the Sources (Federal Law nº 4,771/65 and Federal Law nº 7,803/89), the Legislationof Use and Parcel of the Ground Urban (FederalLaw nº 6,766/79 and Federal Law nº 9,785/99),the Statute of the City (Federal Law nº 10,257/2001), the Instruments of Planning and UrbanManagement (IPEA, 2002), the National Politics

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nal de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e asResoluções do Conselho Nacional de Recur-sos Hídricos, correlatas ao tema.

PALAVRAS CHAVE: Instrumentos legais, uso dosolo e água urbanos, processo de urbanização,políticas públicas.

of Hidrics Resources (Federal Law nº 9,433/97)and the Resolutions of the National Advice of Hid-rics Resources, related to the subject.

KEY WORDS: Instrumentos legais, uso do soloe água urbanos, processo de urbanização, políti-cas públicas.

INTRODUÇÃOO processo de urbanização brasileiro carac-

terizou-se, nas últimas décadas, pela expansãodesordenada, na periferia dos grandes centrosurbanos, de loteamentos destituídos de infra-estrutura básica. Vastas extensões do territó-rio destas cidades foram parcelados e ocupa-dos sem levar em conta padrões mínimos dequalidade ambiental, e à margem de qualquerregulação urbanística que garantisse seguran-ça quanto à posse da terra e um mínimo dequalidade de vida, principalmente para a po-pulação de baixa renda.

A intensa e rápida urbanização pela qualpassou, e vem passando, a sociedade brasileiraé certamente uma das principais questões so-ciais experimentadas pelo Brasil no século XX.Enquanto em 1960, a população urbana repre-sentava 44,7% da população total – contra 55,3% da população rural, a proporção de pessoasresidentes em áreas urbanas, representada pelataxa de urbanização, passou de 78%, em 1992,para 84,1%, em 2002 (Ibge, 2004). Essa trans-formação, já expressiva em números relativos,torna-se ainda mais assombrosa quando avali-ada em números absolutos, que revelam tam-bém o crescimento populacional do país comoum todo: entre 1960 e 1996, a população ur-bana aumenta de 31 milhões para 137 milhões,ou seja, as cidades recebem 106 milhões denovos moradores no período (Brasil, 2001).De acordo com as projeções populacionaisbaseadas nas recentes informações do CensoDemográfico 2000, o Brasil contará, em 2030,com uma população total de 237 737 676 ha-bitantes, o que representará um crescimentoabsoluto da ordem de 38,5% (Ibge, 2004).

A urbanização vertiginosa, coincidindo como fim de um período de acelerada expansãoda economia brasileira, introduziu no territó-rio das cidades um novo e dramático significa-do: mais do que evocar progresso ou desen-volvimento, elas passam a retratar – e repro-

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duzir – de forma paradigmática as injustiças edesigualdades da sociedade.

Estas se apresentam no meio urbano sobvárias morfologias, todas bastante conhecidas:nas imensas diferenças entre as áreas centraise as periferias das regiões metropolitanas, naocupação precária dos leitos maiores de dre-nagens principais ou nos entornos dos manan-ciais de abastecimento de água, em contrapo-sição à alta qualidade dos bairros da orla nascidades de estuário, na eterna linha divisóriaentre o morro e o asfalto, e em muitas outrasvariantes dessa cisão, presentes em cidades dediferentes tamanhos, diferentes perfis econô-micos e regiões diversas (Brasil, 2001).

Em geral, a população de baixa renda sótem a possibilidade de ocupar terras periféri-cas – muito mais baratas na medida em quenão dispõem de infra-estrutura – e construirsuas casas, aos poucos; ou ocupar áreas ambi-entalmente frágeis que, teoricamente, só po-deriam ser urbanizadas sob condições muitomais rigorosas, com a adoção de soluções ge-ralmente dispendiosas, exatamente o inversodo que acaba acontecendo (Brasil, 2001).

Dessa forma, vai se configurando uma ex-pansão horizontal extensiva, avançando voraz-mente sobre áreas frágeis ou de preservaçãoambiental, que caracteriza uma urbanizaçãodesordenada e de alto risco para todos, pois aocupação de áreas frágeis ou estratégicas, sobo ponto de vista ambiental, agrava a ocorrên-cia de enchentes e erosões. Quem mais sofre éo habitante desses locais, porém as enchentes,a contaminação dos mananciais e os proces-sos erosivos mais acentuados atingem a cida-de como um todo.

Este modelo de crescimento e expansão ur-bana, que atravessa as cidades de Norte a Suldo país, tem sido identificado, no senso comum,como “falta de planejamento”. Segundo esta

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acepção, as cidades não são planejadas e, poresta razão, são “desequilibradas” e “caóticas”.

Entretanto, sob um ponto de vista mais amplo,pode-se dizer que se trata não essencialmente da au-sência de planejamento, mas sim de uma interaçãobastante perversa entre os processos sócio-econômicos,opções de planejamento e de políticas urbanas, e prá-ticas políticas, que construíram um modelo excluden-te em que muitos perdem e pouquíssimos ganham.

PRESSUPOSTOSConstituem-se como hipóteses básicas das

discussões deste artigo, as idéias expostas a se-guir, que tiveram como base de consulta o tra-balho “Instrumentos de Planejamento e GestãoUrbana”, desenvolvido pelo Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada - IPEA, em conjuntocom a Universidade de Brasília (UNB), Univer-sidade de São Paulo (USP) e a UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Ipea, 2002):

A ação pública na regulação do parce-lamento, uso e ocupação do solo urba-no, restrita ao âmbito de uma parcelaminoritária da população que dispõe derecursos para pagar os preços pratica-dos no mercado imobiliário formal,pode contribuir para a escassez de terraurbana acessível e, conseqüentemente,para agravamento das condições deacesso à moradia para a população debaixa renda. Até que ponto esta ação con-tribui para a ocupação desordenada em áre-as de risco por parte daquela população ex-cluída do processo?;Nenhum instrumento é “eficaz” ou “ine-ficaz” em si mesmo. Esses atributos de-pendem de sua aplicação real em umcontexto social concreto e do juízo devalor que se faça como resultado de suaaplicação. Os instrumentos que têm sido apli-cados têm concretamente contribuído para oordenamento do uso e parcelamento do solourbano? e, particularmente, para o gerencia-mento das águas no meio urbano ?;Tão importante quanto o conteúdo for-mal do instrumento é o seu processo deaplicação, incluindo a interpretação geral-mente dada a seus preceitos substantivos, queem última instância determinará o con-teúdo real do instrumento e os limites

de sua aplicação. Até onde tais instrumen-tos podem atuar ou são eficazes, quais são efe-tivamente seus limites de atuação?.

REGULAMENTAÇÃO DE USOE OCUPAÇÃO DO SOLO URBANOComo tem sido enfrentado a problemática

do processo de expansão urbana nas cidadesbrasileiras?

Em primeiro lugar, estabelecendo uma con-tradição permanente entre ordenamento ur-banístico (expresso no planejamento urbanoe na legislação) e a gestão das cidades. O pla-nejamento – principalmente empreendido pormeio de Planos Diretores e do zoneamento douso e ocupação do solo – estabelece uma cida-de virtual que não se articula com as condi-ções reais de produção da cidade pelos agen-tes que atuam no mercado informal, ignoran-do que a maior parcela das populações urba-nas tem baixíssima renda e nenhuma capaci-dade de investimento frente a uma mercado-ria de alto custo: o espaço construído.

Produzidos de forma autoconstruída nosespaços “que sobram” da cidade regulada – ouseja, áreas vedadas para o estabelecimento dosmercados formais, como margens de córregos,encostas, áreas rurais ou de preservação –, osassentamentos precários serão, então, objetoda gestão cotidiana.

A questão da ocupação do solo nas margensde rios – áreas reservadas e várzeas, muitas de-las protegidas por legislação específica, casos doCódigo Florestal (Lei 4.771/65 e Lei 7.803/89) eda Legislação de Proteção a Mananciais-, queem muitas bacias urbanas é causa de inunda-ções com graves acidentes e prejuízos, passa poruma vertente que não é apenas legal ou institu-cional, mas social e política.

As áreas de preservação permanente, segun-do a Lei 4.771/65, são aquelas protegidas nostermos dos Art. 2º e 3º desta Lei, cobertas ounão por vegetação nativa, com a função ambi-ental de preservar os recursos hídricos, a pai-sagem, a estabilidade geológica, a biodiversi-dade, o fluxo gênico de fauna e flora, prote-ger o solo e assegurar o bem estar das popula-ções humanas.

Portanto, do ponto de vista legal, está asse-gurada a manutenção em áreas de preserva-

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ção permanente de florestas e demais formas devegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer cursod’água desde o seu nível mais alto em faixamarginal cuja largura mínima será: (Redaçãodada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

1 – de 30 (trinta) metros para os cursosd’água de menos de 10 (dez) metros de largu-ra; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989);

2 – de 50 (cinquenta) metros para os cur-sos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cin-quenta) metros de largura; (Redação dada pelaLei nº 7.803 de 18.7.1989);

3 – de 100 (cem) metros para os cursosd’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200(duzentos) metros de largura; (Redação dadapela Lei nº 7.803 de 18.7.1989);

4 – de 200 (duzentos) metros para os cur-sos d’água que tenham de 200 (duzentos) a600 (seiscentos) metros de largura; (Númeroacrescentado pela Lei nº 7.511, de 7.7.1986 e alte-rado pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989);

5 – de 500 (quinhentos) metros para os cur-sos d’água que tenham largura superior a 600(seiscentos) metros; (Número acrescentado pelaLei nº 7.511, de 7.7.1986 e alterado pela Lei nº7.803 de 18.7.1989);

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatóri-os d’água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes enos chamados “olhos d’água”, qualquer queseja a sua situação topográfica, num raio míni-mo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Re-dação dada pela Lei nº 7.803 de 18.07.1989)

O Parágrafo Único, do Art. 2º, estabelece,ainda, que para o caso de áreas urbanas, en-tendidas aqui como sendo aquelas compreen-didas nos perímetros urbanos definidos por leimunicipal, e nas regiões metropolitanas e aglo-merações urbanas, em todo o território abran-gido, observar-se-á, o disposto nos respectivosplanos diretores e leis de uso do solo, respei-tados os princípios e limites a que se refereeste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº7.803 de 18.07.1989)

No entanto, e apesar de todo um arcabou-ço legal constituído, a população de baixa ren-da invade terrenos “non edificandi” e ali per-manece. Com justificativas em sua situação ir-regular, são como que ignorados pelo PoderPúblico, que tende a tratar apenas de lotea-mentos legais, estes sim, onerados por umasérie de exigências e fiscalização. Já os “invaso-res”, clandestinos, acabam por efetuar todasas infrações: ocupação ilegal, poluição, despe-jo de lixo, etc. E porque a questão não é infringir anorma, mas sobreviver onde for possível, a situaçãoacaba se perpetuando, com prejuízos a todos: PoderPúblico, população carente, e o restante da popula-ção, dita não excluída (Granziera, 2001).

A despeito de sua aparente irracionalidadeurbanística, esta dinâmica tem alta rentabilida-de política. Separando interlocutores, o poderpúblico pode, ao mesmo tempo, ser “sócio” denegócios imobiliários rentáveis e estabelecer umabase política popular nos assentamentos. A basepopular, de natureza quase sempre clientelista,sustenta-se no princípio mesmo da contraposi-ção entre a cidade legal e a ilegal. A condição deilegalidade e informalidade dos assentamentospopulares os converte em reféns de “favores” dopoder público, quando passam a ser reconheci-dos e incorporados à cidade, recebendo infra-estrutura urbana e equipamentos sociais. Estatem sido a grande moeda de troca nas contabili-dades eleitorais, fonte de sustentação popular degovernos e, o que é mais perverso, de manuten-ção de privilégios na cidade, definidos no marcode “planos” que expressam a política urbana.

O viés tecnocrático dos planos e do proces-so de elaboração das estratégias de regulaçãourbanística completa o quadro, o que implicana abordagem da cidade, pelos planos, comoobjeto puramente técnico, no qual a funçãoda lei é estabelecer padrões satisfatórios, igno-rando qualquer dimensão que reconheça con-flitos, como a realidade da desigualdade decondições de renda e sua influência sobre ofuncionamento dos mercados urbanos.

O Governo Federal, numa tentativa de rever-ter o quadro de deterioração urbano-ambientaldas cidades, instituiu a Lei nº 6.766/79, tambémconhecida como Lei Lehman, estabelecendoexigências mínimas para padrões urbanísticosnecessários à aprovação de loteamentos urbanos:drenagem de águas pluviais, redes de abasteci-

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mento de água potável e de esgotamento sanitá-rio, energia elétrica pública e domiciliar e viasde circulação, pavimentadas ou não.

Além desses padrões mínimos, a Lei esta-beleceu, também, limites para a ocupação dosolo, observando cuidados com a preservaçãodo meio ambiente, não permitindo, por exem-plo, o parcelamento em terrenos alagadiços esujeitos a inundações, em terrenos com decli-vidade igual ou superior a 30%, em áreas quetenham sido aterradas com materiais nocivos,ao menos que fossem tomadas medidas parasanear esses problemas. Também determinouque os loteamentos deveriam reservar, semedificações, uma faixa de 15 metros, de cadalado, ao longo de cursos d’água, rodovias, fer-rovias e dutos, e exigiu a doação para o poderpúblico de, no mínimo, 35% da área da glebaa ser loteada, para a implantação de sistemade circulação, áreas verdes e de equipamentossociais, como escolas, creches, postos de saú-de e similares.

Em 1988, a Constituição Federal estabele-ceu que a política de desenvolvimento urbano(Artigo 182) deverá ser executada pelo poderpúblico municipal, conforme diretrizes geraisfixadas em lei, determinando que o Plano Di-retor, obrigatório para cidades com mais devinte mil habitantes, é o instrumento básico dapolítica de desenvolvimento e expansão urba-na. Por sua vez, a propriedade urbana devecumprir a sua função social, atendendo às exi-gências fundamentais de ordenamento da ci-dade, expressas no plano diretor.

É dada maior autonomia aos municípios notrato das questões pertinentes ao parcelamen-to do solo urbano, tanto sob o ponto de vistada formulação dos requisitos urbanísticos, soba perspectiva da prática dos procedimentosadministrativos de aprovação, de regularizaçãoe de registro dos parcelamentos, destacandoas ações do poder público nesse campo comode interesse social.

Por outro lado, é importante reconhecerque os governos municipais enfrentam gran-des dificuldades em controlar o uso do solo eordenar o desenvolvimento e a expansão dascidades, particularmente susceptíveis ao com-portamento dos mercados imobiliários, formale informal, que objetivam o atendimento de

demandas imediatas dos diversos segmentossociais, sempre de forma a maximizar os inte-resses financeiros de seus empreendedores.

Mais recentemente (2001), após mais de dezanos de tramitação legislativa, foi aprovadopelo Congresso Nacional o Estatuto da Cida-de, lei que regulamenta o capítulo de políticaurbana da Constituição de 1988 (artigos 182 e183). Com ele, os municípios dispõem de ummarco regulatório para a política urbana, quepode levar a importantes avanços.

Pela primeira vez no Brasil tem-se uma regu-lação federal para a política urbana, definindouma concepção de intervenção no territórioque se afasta do tradicional caráter tecnocráti-co, que apenas aponta os usos ideais ou desejá-veis para cada parte do território. O Estatutoda Cidade dá respaldo constitucional a umanova maneira de realizar o planejamento urba-no. Sua função é garantir o cumprimento dafunção social da cidade e da propriedade urba-na, o que significa o estabelecimento de “nor-mas de ordem pública e interesse social queregulam o uso da propriedade urbana em proldo bem coletivo, da segurança e do bem-estardos cidadãos” (Artigo 1º). Para isso, o Estatutoda Cidade coloca à disposição dos municípiosuma série de instrumentos que podem intervirno mercado de terras e nos mecanismos queengendram a exclusão social.

Os instrumentos que fazem parte do Esta-tuto situam-se em três campos: um conjuntode novos instrumentos de natureza urbanísti-ca voltados para induzir – mais do que norma-tizar – as formas de uso e ocupação do solo;uma nova estratégia de gestão que incorporaa idéia de participação direta do cidadão emprocessos decisórios sobre o destino da cida-de; e a ampliação das possibilidades de regula-rização das posses urbanas.

A grande ênfase dada ao planejamentomunicipal, por intermédio do Estatuto da Ci-dade, diz respeito ao equilíbrio ambiental,numa preocupação constante com a necessi-dade de preservar a natureza, corrigindo oserros e inconseqüências já cometidos pela nos-sa e pelas gerações passadas, para legar às ge-rações futuras uma cidade que ofereça todasas condições de vida saudável e bem estar dosmunícipes.

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Em seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade pre-coniza que a política urbana deve ordenar opleno desenvolvimento das funções sociais dacidade e da propriedade urbana, mediante agarantia do direito a cidades sustentáveis, enten-dido como o direito à terra urbana, à mora-dia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutu-ra urbana, ao transporte e aos serviços públi-cos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes efuturas gerações.

Durante estes três primeiros anos de vigên-cia da Lei Federal 10.257/2001, muita discus-são, muitos cursos, muitos artigos têm sido pro-duzidos, no sentido de aprofundar o conheci-mento desta lei brasileira tão importante e ino-vadora. Talvez o fato principal que se possa ve-rificar seja justamente essa grande movimenta-ção em todas as esferas a partir da promulga-ção da lei, e em torno dela. Afinal, trata-se deum projeto elaborado coletivamente pelos se-tores populares, e que depende fundamental-mente do controle social para que seus instru-mentos possam transformar a realidade.

Mesmo antes de serem constatados efeitosconcretos, o poder desta lei se impõe. Logoapós sua promulgação, em 2001, o governofederal reconhece esta força e edita uma me-dida provisória, onde inclui e faz valer os arti-gos referentes à concessão de uso especial quehaviam sido vetados na lei. A mesma medidaprovisória cria o Conselho Nacional de Desen-volvimento Urbano que, em 2003, foi consti-tuído mediante o processo das Conferênciasde Cidades, onde foram eleitos seus membros.O Conselho Nacional das Cidades, como pas-sou a ser chamado, é mais uma comprovaçãoda necessidade de articulação e controle soci-al das políticas urbanas.

Até o presente, a avaliação da lei tem sidobastante positiva, pois não resta dúvida de queela traz muita inovação para as cidades, comênfase na participação da comunidade nas di-versas etapas do planejamento e da gestão doterritório. Outro mérito da lei é a separaçãodo direito de propriedade do direito potenci-al de construir, dado pela legislação urbana. Aquestão ambiental também está presente nasdiretrizes do Estatuto e, ainda, há como inova-ção o desafio do planejamento das áreas ru-rais, já que o Plano Diretor deve englobar todo

território municipal. É importante destacartambém o planejamento regional, já que exis-tem temas que extrapolam as fronteiras admi-nistrativas do território de municípios isolados.

Não obstante seu caráter inovador, esta novalegislação não terá efeito legal se não for apli-cada no âmbito local. É cedo para um balançoglobal dos efeitos de sua aplicação, sobretudoporque o próprio Estatuto estabelece um pra-zo até 2006 para que os municípios elaboremseus planos diretores, que são o instrumentobásico da política de desenvolvimento e expan-são urbana, e também definidores da funçãosocial da propriedade. A maioria dos instru-mentos da Lei nº 10.257/01 devem estar pre-vistos no Plano Diretor. Portanto, mesmo ascidades que já elaboraram ou reformularamseus Planos Diretores à luz da nova lei, têmpouco tempo de aplicação para avaliar resul-tados. Em última análise, vale lembrar que o ins-trumento legal tem que ser um meio, e não um fim. Épreciso haver um projeto de cidade justa, democráti-ca e sustentável, para que, então, sejam aplicados osmelhores instrumentos para a sua construção.

Assim, a política urbana instruída pela Cons-tituição Federal de 1988, combinada com oEstatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e como texto da Medida Provisória nº 2.220, dão asdiretrizes para a política urbana do país, nosníveis federal, estadual e municipal.

É, portanto, no processo político e no en-gajamento amplo ou não da sociedade civil,que repousará a natureza e a direção de inter-venção e aplicação dos instrumentos propos-tos no Estatuto, o qual pode ser interpretado,atualmente, como a mais importante legisla-ção brasileira em matéria de tutela do meioambiente construído, pois disciplina suas prin-cipais diretrizes, fundado no equilíbrio ambi-ental, e ordena juridicamente as cidades deacordo com suas realidades: a formal e regu-lar e a irregular e informal.

Nesse contexto, a responsabilidade de apli-cação do Estatuto da Cidade não está restritaapenas ao Poder Público municipal, mas prin-cipalmente à própria população brasileira,desarticulada ou organizada, mediante a utili-zação imprescindível dos instrumentos da po-lítica urbana previstos em seu Artigo 4º. Poroutro lado, as ações individuais e coletivas,

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autorizam a população a atuar, de forma orga-nizada, em proveito do controle democráticodas cidades em todo o Brasil, viabilizando efe-tivamente, no mundo real, a aplicação do Es-tatuto da Cidade.

Finalmente, como a prática tem demonstrado,aprovar e ter um marco legal, como o Estatuto daCidade, é apenas o começo. Fazer a lei ser implemen-tada, universalizando a aplicação de seus princípi-os na reconstrução do território brasileiro é um gran-de desafio.

POLÍTICA DE GERENCIAMENTODA ÁGUA URBANAA ocupação territorial desordenada, prin-

cipalmente nos grandes centros urbanos, afe-ta de forma negativa o meio no qual se inse-re. Estes aspectos já foram amplamente dis-cutidos no item precedente. Os recursos hí-dricos sofrem alguns dos maiores impactoscausados pela urbanização, tendo em vista queas demais interferências ambientais tambémtêm conseqüências diretas e/ou indiretas so-bre eles. Os resultados desse processo são adegradação da qualidade de vida nas regiõesurbanas e a conseqüente diminuição da dis-ponibilidade qualitativa e quantitativa dosrecursos hídricos.

No tratamento dessas questões, o planeja-mento deve ser realizado sob a ótica do desen-volvimento sustentável, visando reduzir os im-pactos da expansão urbana sobre o ambientee, mais especificamente, sobre os recursos hí-dricos. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e a Política Nacional de Recursos Hídri-cos (Lei nº 9.433/97) são exemplos de diretri-zes norteadoras que trazem no seu escopo umasérie de instrumentos que devem ser efetiva-mente aplicados, conjuntamente, objetivandoo desenvolvimento urbano num contexto maisamplo, abrangendo o planejamento integra-do dos recursos naturais (Pompêo, 2000; Har-dt & Coelho, 2003).

A água, como bem natural escasso, deve serpreservada; e a urbanização, como principalfator de indução da deterioração hídrica, deveser ordenada. No contexto do desenvolvimen-to sustentável, o planejamento territorial regi-onal deve ocorrer de maneira equilibrada, vi-sando o bem-estar da população e a conserva-

ção dos recursos naturais, em especial da água(Hardt & Coelho, 2003).

No que se refere ao domínio dos recursoshídricos, a Constituição Federal de 1988 esta-belece que as águas pertencem aos estados(Artigo 26, I), quando a extensão do corpohídrico encontra-se limitada ao território deuma unidade federativa, ou à União (Artigo20, III) quando drena mais de um estado oudelimita fronteira entre eles ou com países vi-zinhos. Não mais existe a figura das águas dedomínio municipal, que foram estabelecidasno Código de Águas, mas revogadas pela Cons-tituição Federal de 1946. Cabe, dessa forma, àUnião o gerenciamento das águas federais, eaos estados a gestão das águas estaduais, deforma articulada, tal como disposto no artigo4º da Lei nº 9.433/97.

A Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997,além de instituir a Política Nacional de Recur-sos Hídricos e criar o Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos, regula-mentou o inciso XIX do Artigo 21 da Consti-tuição Federal de 1988.

Os fundamentos da Lei nº 9.433/97 reve-lam convergência entre as políticas de recur-sos hídricos e a do desenvolvimento urbano(objeto do Estatuto da Cidade), cabendo des-taque aos incisos IV, V e VI do Artigo 1º, osquais dispõem que a bacia hidrográfica é aunidade territorial de planejamento, a gestãodos recursos hídricos deve sempre proporcio-nar o uso múltiplo das águas, ser descentrali-zada e contar com a participação do PoderPúblico, dos usuários e das comunidades.

Em adição, a Lei preconiza, em seu Artigo3º: Constituem diretrizes gerais de ação para imple-mentação da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I – a adequação da gestão de recursos hídri-cos às diversidades físicas, bióticas, demográfi-cas, econômicas, sociais e culturais das diver-sas regiões do País;

II – a integração da gestão de recursos hí-dricos com a gestão ambiental;

III – a articulação do planejamento de re-cursos hídricos com os dos setores usuários ecom os planejamentos regional, estadual enacional;

IV – a articulação da gestão de recursos hí-dricos com a do uso do solo.

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Dessa forma, a responsabilidade pela pre-venção dos impactos decorrentes do uso inadequa-do dos recursos naturais e a mitigação dos seusefeitos, em última análise, divide-se entre oEstado e o Município, sem que haja uma deli-mitação rígida sobre a matéria. É, portanto,necessária à articulação entre essas duas esfe-ras, pois ações isoladas não têm sido suficien-tes para resolver esse grave problema. No cam-po institucional, é imprescindível a participação dapopulação local, pois a experiência tem demonstra-do que apenas obras – medidas estruturais – nãosão suficientes para tornar ideais as condições quese pretende implantar.

Os problemas decorrentes da obsolescên-cia dos sistemas urbanos de drenagem pluvial,de sua crescente ineficiência em controlar osdiferentes impactos sobre o meio, são contem-porâneos ao aumento significativo das preo-cupações com a preservação ambiental (Bra-sil, 2001; Tucci, 2002; Baptista, 2002; Granzie-ra, 2001). No meio urbano, essas preocupaçõestêm se manifestado pela crescente demandade valorização da paisagem urbana e, em de-corrência, melhoria da qualidade hídrica epreservação global de cursos d’água, lagos eáreas úmidas.

Tucci (2002) constata que nos países desen-volvidos grande parte dos problemas, relativosao abastecimento de água, tratamento de es-goto e controle quantitativo da drenagem ur-bana, foram resolvidos. No caso da drenagemurbana, foi priorizado o controle de inunda-ções mediante intervenções não-estruturaisobrigando a população a mitigar na fonte osimpactos devido à urbanização. Enquanto nospaíses em desenvolvimento, a prioridade en-contra-se na viabilização de elevados investi-mentos para o tratamento de esgotos.

Portanto, impõe-se uma nova abordagempara tratar a questão da água no meio urba-no, mais elaborada e integrada, plenamentesintonizada com os instrumentos de planeja-mento de uso e ocupação do solo, mas fun-damentalmente integrada com os princípiosdo desenvolvimento sustentável e da gestãoambiental. Por outro lado, esse tipo de abor-dagem representa um desafio importantepara as municipalidades, pois demandamquestionamentos, tanto dos aspectos pura-mente técnicos, quanto das próprias estrutu-

ras jurídicas e organizacionais que têm, atéentão, sido adotadas.

O caráter descentralizador e participativoda Política Nacional de Recursos Hídricos bus-ca efetivar uma parceria entre o Poder Públi-co, os usuários e a sociedade civil organizada.O poder de decisão passa a ser compartilhadono âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográfi-cas e nos Conselhos de Recursos Hídricos (Na-cional e Estaduais). Entre as decisões compar-tilhadas, está a viabilização financeira, destinan-do-se parte dos recursos arrecadados com acobrança pelo uso da água ao custeio dos or-ganismos que integram o sistema e à constitui-ção dos financiamentos das intervenções iden-tificadas pelo processo participativo e de pla-nejamento.

Apesar da legislação sobre uso e parcelamen-to do solo definir a competência municipal so-bre problemas de enchentes urbanas, os esta-dos e a União podem estabelecer normas parao disciplinamento do uso do solo visando à pro-teção ambiental, controle da poluição, saúdepública e segurança. Poucos municípios têmcontemplado preocupações com aspectos rela-cionados à drenagem urbana e contenção deinundações. Observa-se, em geral, a adoção delegislações restritivas quanto à proteção de ma-nanciais e ocupação de áreas ambientais, queapenas produzem reações negativas e desobe-diência (na forma de invasão de áreas e lotea-mentos irregulares), não atingindo, dessa for-ma, os objetivos pretendidos.

Conforme constatam Tucci et al.(2003), ape-sar de avanços institucionais, observa-se que asadministrações estaduais, de um modo geral,ainda não estão preparadas técnica e financei-ramente para planejar e controlar os impac-tos das diferentes atuações antrópicas nas ba-cias hidrográficas, uma vez que os recursoshídricos continuam sendo tratados de formasetorizada (energia elétrica, abastecimentourbano, coleta e tratamento de esgoto, irriga-ção, navegação e outros usos), sem que hajauma maior articulação e integração adminis-trativa e de instrumentos de gestão.

Trata-se, portanto, de um problema de ca-ráter muito mais político-institucional do quetécnico, mas que influi diretamente na situa-ção dos recursos hídricos, não podendo serdeixado de lado.

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Silva Júnior, R. O. Chagas Coelho, M. F. Instrumentos legais pertinentes à gestão do solo e da água urbanos...

Na situação atual, propõe-se que os arran-jos jurídico-instucionais para o controle decheias que afetam mais de um município ve-nham a articular a legislação adequada a cadacidade, com leis estaduais que estabeleçamparâmetros limitando as vazões a serem trans-feridas àqueles de jusante (Tucci et al.,2003):

Em última análise, para os autores citados,esta articulação entre estados e municípiosdeverá ocorrer a longo prazo. A curto prazo,deve-se contar com a adequação das legislaçõeslocais, até que o respectivo comitê de bacia eos planos estaduais desenvolvam a devida re-gulamentação setorial.. Portanto, quando fo-rem elaborados e desenvolvidos os Planos deBacias, envolvendo mais de um município,dever-se-á acordar ações conjuntas visando oplanejamento integral da bacia.

CONSIDERAÇÕES FINAISComo pode ser visto, os diferentes diplo-

mas legais federais analisados, que tratam e/ou disciplinam o uso e ocupação do solo e agestão da água no meio urbano, oferecem aopoder público instrumentos de planejamen-to que servem como orientação e/ou diretri-zes gerais para os diferentes níveis de inter-venção necessários em cada bacia hidrográfi-ca, ou mais especificamente em cada espaçogeográfico urbano.

Contudo, muitas das intervenções e solu-ções a serem propostas, com certeza, apontampara uma ampla e profunda reestruturação nosdiferentes níveis e instâncias governamentaisdo Brasil.

Por outro lado, percebe-se, também, que astransformações que passaram a ser propicia-das a partir do advento dos novos diplomas

legais (Estatuto da Cidade e Lei das Águas),devem ser processadas de forma gradual, semrupturas, em sintonia com a ordem política,institucional e jurídica vigente.

Nas agências e órgãos do governo, sobretu-do nos níveis federal e estadual, em institutosde pesquisa e universidades e na engenhariaconsultiva brasileira, existem recursos huma-nos capacitados, bem como, meios técnicos dealto nível para tratar estas questões adequada-mente. Cabe, então, o desenvolvimento de umprograma nacional reunindo esforços de go-verno nas esferas federal, estadual e munici-pal, visando mitigar os problemas discutidosanteriormente. Assim, entre outros tópicos,este programa deveria enfocar:

a atualização tecnológica dos corpos téc-nicos municipais e estaduais que lidamcom a questão de uso e ocupação do soloe gestão da água no meio urbano;a elaboração de estudos de avaliação so-bre a ocupação de áreas de risco de inun-dação e a implantação de medidas não-estruturais de controle visando a redu-ção da vulnerabilidade das populações aliinstaladas;a difusão de alternativas tecnológicas ede gestão do risco no contexto urbano,incluindo-se diretrizes para proteção eremoção de populações já instaladas emáreas de risco e planos de contingência;a adequação às realidades locais dos ins-trumentos de planejamento e de uso eocupação do solo urbano;o fomento à cooperação intermunicipalpara tratar destes problemas;a concepção e implementação de meiosde financiamento.

ReferenciasBAPTISTA, M. B. ; NASCIMENTO, N. O. 2002. Aspectos Institucionais e de Financiamento dos Sistemas de Drenagem Urbana. In: RevistaBrasileira de Recursos Hídricos - RBRH, v. 7, n.1, Jan/Mar., p. 29-49.BRASIL. 1965. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 .Institui o novo Código Florestal.Diário Oficial da União. Brasília, 16 de setembro.1965, p.9529BRASIL. 1979. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 . Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. DiárioOficial da União. Brasília, 26 de junho de 1979, p.8937.

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BRASIL. 1988. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. - Edição atualizada em março de 2002 com o Texto Consti-tucional de 5 de outubro de 1988, consolidado pela Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, com as Alterações adotadaspelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 35/2001 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94.BRASIL. 1989. Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989. Altera a redação da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e revoga as Leis n. 6.535,de 15 de junho de 1978, e 7.511, de 7 de julho de 1986. Diário Oficial da União. Brasília , 20 de julho de 1989. p.12025.BRASIL. 1997. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do Art. 21 da Constituição Federal. In: Recursos Hídricos – Conjunto deNormas Legais. 2 ed., Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. 2002. p. 23-33. Diário Oficial da União.Brasília, 9 de janeiro de 1997. p.470.BRASIL. 1999. Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999 - Altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (desapropriação por utilidadepública) e as Leis nºs 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (registros públicos) e 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (parcelamento do solourbano). Diário Oficial da União. Brasília, 1 fevereiro de 1999. Brasília, p.5BRASIL. 2001. Lei 10257de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos Municípios e Cidadãos –Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, 273 p – Série fontes de referência; nº 40.BRASIL.MEDIDA PROVISÓRIA nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Altera os arts. 1o, 4o, 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei no

4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal, bem como altera o art. 10 da Lei no 9.393, de 19 de dezembro de 1996,que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, e dá outras providências.CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS.2000. Resolução n.12 de 19 de julho de 2000. Dispõe sobre o Enquadramento deCorpos de Água. In: Recursos Hídricos : conjunto de Normas Legais. 2 ed., Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério doMeio Ambiente. 2002. p. 82-84.CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS.2001. Resolução n.17 de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre os Planos de RecursosHídricos de Bacias Hidrográficas. In: Recursos Hídricos : conjunto de Normas Legais. 2 ed., Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos doMinistério do Meio Ambiente. 2002. p. 98-100.GRANZIERA, M. L. M. 2001. Controle de enchentes na Região Metropolitana de São Paulo. In: Revista Saneamento Ambiental, v.12, n.81, outubro 2001., p. 22-25.HARDT, L. P. A. ; COELHO, A. C. P. 2003. Ocupação territorial regional e disponibilidade dos recursos Hídricos no contexto dodesenvolvimento sustentável. In: Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 15, Curitiba-Pr. Anais... 2003. 21 p.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. 1998. Anuário Estatístico do Brasil – 1997. Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística, Rio de Janeiro, 1998. 1 Cd-rom.INSTITUTO DE PESQUISAS ECONOMICAS APLICADAS - IPEA. 2002. Gestão do Uso do Solo e Disfunções do Crescimento: Instru-mentos de Planejamento e Gestão: Brasília e Rio de Janeiro.Brasília: IPEA, USP, UNB, UFRJ. , v3.NASCIMENTO, N. O.; BAPTISTA, M. B., 2003. Por que chuvas e enchentes são um problema para nós? In: Jornal Noticia do Dia.Redação-Agência Notisa. Belo Horizonte, Agosto, 2003. Disponível em http://www.notisa.com.br.POMPÊO, C. A. 2000. Drenagem Urbana Sustentável. In: Revista Brasileira de Recursos Hídricos – RBRH. v. 5, n. 1, Jan/Mar. 2000, p.15-23.TUCCI, C. E. M. 2002. Gerenciamento da Drenagem Urbana. In: Revista Brasileira de Recursos Hídricos -RBRH. v. 7, n. 1, Jan/Mar.2002, p. 5-27.TUCCI, C. E. M. 2003. Águas Urbanas. In: Carlos Eduardo M. Tucci, Juan Carlos Bertoni. (orgs.). Inundações urbanas na América do Sul.Porto Alegre: ABRH, p. 11-44, 2003.

Silva Júnior, R. O. Professor da Faculdade de Geografia do CentroUniversitário de Brasília (UniCEUB) e Geólogo Sênior da EmpresaGolder Associates Brasil - [email protected];Chagas Coelho, M. F. Consultora em Planejamento e Gestão de Re-cursos Hídricos - [email protected]

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Reservatórios de regularização:alocação de água para usos múltiplos

com diferentes garantias

Marcelo Cauás AsforaJosé Almir Cirilo

RESUMO: Nos dias atuais o Brasil passa por umprocesso de aperfeiçoamento da gestão partilha-da dos recursos hídricos. Em muitos locais, as de-cisões sobre a alocação de água para usos múlti-plos vêm sendo feitas por comitês de bacia e con-selhos de usuários. A maioria absoluta dos esta-dos brasileiros tem conselhos de recursos hídri-cos instalados, embora a maioria deles ainda emprocesso de melhor organização. Tais avanços têmexigido a melhoria dos processos de operação dosreservatórios para o uso múltiplo dos recursos hí-dricos. A metodologia apresentada neste artigotem como objetivo avaliar a variação do potencialde regularização de um reservatório decorrentedas retiradas a montante do mesmo para diferen-tes garantias de atendimento.

PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento partilhado,reservatórios, operação, metodologia de avaliação

ABSTRACT: In the current days Brazil goesby a process of improvement of the waterresources shared management. In many places,the decisions on the water allocation formultiple uses are made by basin committees anduser councils. Most of the Brazilian states haswater resources councils installed, althoughmost of them still in process of betterorganization. Such progresses have beendemanding the improvement of reservoirsoperation processes. The methodologypresented in this article has as objective toevaluate the variation of reservoir operationrange due to upstream retreats for differentattendance warranties

KEY WORDS: Shared participatory management,reservoirs, operation, evaluation methodology

INTRODUÇÃOO Brasil encontra-se no presente em pro-

cesso de aperfeiçoamento crescente da gestãocompartilhada dos seus recursos hídricos. Vin-te e uma unidades federativas dispõem de con-selhos estaduais de recursos hídricos e em ape-nas uma delas não existe ainda legislação es-pecífica sobre as águas; em doze estados dafederação dezenas de comitês de bacia encon-tram-se instalados, embora ainda em diferen-tes estágios de consolidação; conselhos de usu-ários de reservatórios, especialmente no Nor-deste, participam das decisões sobre o usomúltiplo das águas; agências de bacia come-çam a operar junto aos comitês mais consoli-dados (BRASIL, 2005).

Estes avanços no processo de gestão necessi-tam, para sua consolidação, que o conhecimen-

to técnico subsidie as decisões colegiadas, comprocedimentos adequados às especificidades decada região. Para isso, é fundamental que osórgãos gestores dos recursos hídricos, as agên-cias de água, as câmaras técnicas assessoras dosdiferentes colegiados tenham seu corpo técni-co continuamente capacitado. Ao mesmo tem-po, urge a criação de base sólida de informa-ção, lastreada no Sistema Nacional de Informa-ções de Recursos Hídricos e seus corresponden-tes estaduais. Também nesse processo de cons-trução é necessário que as instituições de ensi-no e pesquisa se agreguem a esse esforço, sejana capacitação em diferentes instâncias, seja nodesenvolvimento de técnicas que possam serincorporadas às rotinas de trabalho dos profis-sionais que dão suporte á decisão.

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Pode-se seguramente afirmar que a constru-ção do processo está nitidamente em franca evo-lução: as bases de informação estão sendo mon-tadas a partir de muitos estudos sobre as baciashidrográficas brasileiras, há melhoria no moni-toramento dos corpos d’água, embora lacunasespaciais significativas existam e precisam serpreenchidas, assim como seja premente a ins-talação de monitoramento das águas subterrâ-neas e o reforço das estações que monitorem aqualidade das águas superficiais. O Sistema Na-cional de Informações dos Recursos Hídricosestá sendo estruturado, em parceria da Agên-cia Nacional de Águas com diversas instituiçõesde pesquisa de todo o Brasil e o suporte do Fun-do Setorial de Recursos Hídricos do Ministériode Ciência e Tecnologia. Centenas de pesquisa-dores de todo o país vem sendo apoiados emmuitas instâncias desse esforço coletivo (AGÊN-CIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil).2005).Opresente artigo busca contribuir mais especifi-camente nos aspectos técnicos da alocação deágua, baseado na experiência dos autores estu-dando a bacia do rio São Francisco em diferen-tes instâncias de tempo, como pesquisadores,membros de órgão gestor estadual e por fim docomitê da bacia.

ALOCAÇÃO DE ÁGUAPARA USOS MÚLTIPLOSOs processos hidrológicos que determinam

as vazões dos rios são estocásticos no tempo eno espaço. Portanto, a disponibilidade hídri-ca em um trecho de rio será sempre uma esti-mativa de vazão associada a um determinadorisco de falha.

Diferentes tipos de empreendimentos desti-nados ao aproveitamento da água necessitam dediferentes garantias de suprimento. Empreendi-mentos menos exigentes quanto à garantia deabastecimento podem explorar melhor a sazo-nalidade das vazões. Quanto menor a garantiarequerida para um dado uso da água, maior seráa disponibilidade hídrica. Usos que necessitamde uma maior garantia de atendimento, por suavez, estão sujeitos a disponibilidades mais restri-tas, havendo portanto uma complementaridadeentre disponibilidade e uso.

No Brasil, as outorgas pelo uso dos recursoshídricas, emitidas pelas autoridades outorgan-

tes estaduais e federal, incorporam, de ummodo geral, o conceito de risco associado à dis-ponibilidade hídrica. Devido as diferentes con-dições hidrológicas existentes nas várias regiõesdo País e por não haver qualquer referêncialegal que norteie esta questão, as unidades dafederação adotam diferentes parâmetros de dis-ponibilidade hídrica no estabelecimento dasvazões outorgáveis. A Tabela 1 apresenta os li-mites de vazões outorgáveis utilizados em algunsestados do Brasil, onde se observa a adoção devazões com diferentes garantias como parâme-tros de disponibilidade hídrica (AGÊNCIANACIONAL DE AGUAS (Brasil), 2004).

Em geral, estes limites de disponibilidadehídrica são aplicados de maneira uniforme so-bre todos os usos, não se levando em conta aspeculiaridades de cada um deles. Os termosde outorga não estabelecem explicitamente,em função das prioridades estabelecidas paraos diferentes usos, os critérios de corte do aten-dimento das demandas. A priorização dos usosfica restrita às situações de escassez hídrica pre-vistas na Lei Federal 9.433/97, que instituiu aPolítica Nacional de Recursos Hídricos e criouo Sistema Nacional de Gerenciamento dos Re-cursos Hídricos.

TABELA 1Limites de Vazões Outorgáveisem alguns estados brasileiros

Q90% - Vazão mínima com permanência de 90%Q95% - Vazão mínima com permanência de 95%Q7,10 - Vazão mínima com permanência 7 dias e tempo de re-torno de 10 anos.

Em regiões onde a disponibilidade hídrica élimitada, a alocação da água para usos múltiplospoderia se beneficiar do uso de procedimentosque contemplassem a complementaridade exis-tente entre o caráter estocástico da disponibili-

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Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

dade hídrica e as diferentes garantias requeri-das pelos vários tipos de uso, otimizando assim aaplicação da água para fins de produção.

A adoção deste paradigma implica, notada-mente, na necessidade de um sistema de ge-renciamento dos recursos hídricos dinâmicoe bem estruturado. Infelizmente, esta premis-sa não corresponde, geralmente, à realidadedas regiões com limitações hídricas.

Historicamente, a implantação de reserva-tórios de regularização tem sido o principalinstrumento na busca da sustentabilidade hí-drica nas regiões onde os recursos hídricos sãolimitados ou apresentam uma distribuição tem-poral desfavorável. A redução do potencial deregularização destes reservatórios devido àsretiradas de água a montante dos mesmos, fre-qüentemente tem sido objeto de conflitos en-tre usuários, sendo bastante comum os confli-tos entre o uso da vazão regularizada para finsde geração de energia e a irrigação a montan-te dos reservatórios. Estes conflitos poderiamser minimizados caso fossem consideradas asdiferentes garantias requeridas por estes usose adotados critérios de gerenciamento basea-dos em níveis de garantia previamente nego-ciados entre os usuários.

A metodologia apresentada neste artigo temcomo objetivo avaliar a variação do potencialde regularização de um reservatório, decorren-te das retiradas a montante do mesmo paradiferentes garantias de atendimento. Comoestudo de caso, a metodologia proposta á apli-cada ao reservatório de Sobradinho, principalreservatório de regularização das águas do rioSão Francisco e estratégico para setor elétri-co, pois determina a vazão firme necessária àprodução de energia. A bacia hidrográfica doSão Francisco é a terceira maior em área e aúnica totalmente inserida no território Brasi-leiro. São apresentadas curvas para diferentesgarantias de atendimento das retiradas a mon-tante de Sobradinho e as correspondentes va-zões regularizadas pelo mesmo, bem como cri-térios de restrição das retiradas a montante.

DEFINIÇÃO DO PROBLEMAEm condições naturais, as vazões médias de

longo período existentes na calha de um riorepresentam a capacidade de produção hídri-

ca de sua bacia (potencialidade). No caso derios onde as interferências no curso d’água nãosejam relevantes, a curva de permanência (fre-qüência acumulada) das vazões estabelece opadrão de comportamento do rio e forneceos patamares das vazões (disponibilidades) as-sociadas a diferentes garantias.

A implantação de reservatórios de regulari-zação modifica a permanência das vazões nosrios e altera a garantia do suprimento de águaa jusante do mesmo. As vazões a montante e ajusante do reservatório passam, portanto, aapresentar comportamentos diferentes quan-to à garantia das disponibilidades. A jusanteocorre um aumento do valor da vazão mínimadisponível (vazão de maior garantia) a qualtende a se aproximar do valor da vazão média.Notadamente, as disponibilidades hídricas,seja a montante ou a jusante da barragem, nãopodem ultrapassar a potencialidade da bacia,a menos que haja importação de água.

Em geral, quando se deseja avaliar a redu-ção da capacidade de regularização de um re-servatório em decorrência das retiradas a mon-tante, considera-se que estas retiradas ocorremde forma contínua. Este procedimento pres-supõe uma garantia de atendimento plena (em100% do tempo) para as demandas a montan-te do reservatório. Tal garantia, no entanto,nem sempre é requerida pelo tipo de empre-endimento gerador da demanda de água. Des-ta forma, ao se aplicar uma garantia maior quea desejada, cria-se uma restrição das disponi-bilidades em termos quantitativos, tanto amontante quanto a jusante do reservatório.

A questão proposta, portanto, consiste emse estabelecer uma metodologia que permitarelacionar as retiradas de água para diferentesgarantias de atendimento a montante de umreservatório de regularização e as vazões regu-larizadas pelo mesmo.

ABORDAGEM HEURÍSTICASeja, inicialmente, a situação em que a reti-

rada a montante de um reservatório de regu-larização ocorre de forma contínua, ou seja,com garantia de 100% ao longo de todo o his-tórico das afluências. Neste caso, com algumasvariações devidas ao efeito da evaporação, sabe-se que a vazão regularizada será reduzida de

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valores próximos aos das retiradas a montan-te. Os pares de valores assim obtidos produ-zem uma curva que relaciona as retiradas comgarantia de atendimento de 100% para as de-mandas a montante do reservatório e as vazõesregularizadas pelo mesmo.

Seja, agora, a situação em que as retiradas amontante do reservatório estejam condiciona-das à ocorrência de vertimentos no mesmo,conforme ilustrado na Figura 1 onde apresen-ta-se o histórico de acumulação de um reserva-tório hipotético. A garantia para uma retiradaa montante do reservatório, QM1, com valor igualao menor dos vertimentos, será igual à relaçãoentre o número de vertimentos, NV, e o núme-ro de períodos totais observados, NP. Para umaretirada a montante com valor QM2, maior queQM1, o número de falhas aumentará uma vezque este valor de vazão é superior ao de algunsdos vertimentos. Para se obter o mesmo núme-

ro de falhas (mesma garantia) para este novovalor, o procedimento óbvio é reduzir a vazãoregularizada pelo reservatório, aumentando ovolume dos vertimentos e possibilitando a reti-rada QM2 com a mesma freqüência que a retira-da QM1. Procedendo desta forma para diversosvalores de retiradas a montante, desde que fisi-camente possíveis, tem-se a curva que relacio-na as retiradas a montante do reservatório, parauma garantia de atendimento de (NV/NP)%, eas vazões regularizadas pelo mesmo.

As curvas obtidas para estas duas situações,esquematizadas na Figura 2, sugerem a exis-tência de uma família de curvas, entre estas,capaz de estabelecer uma relação entre as re-tiradas a montante para diferentes garantiasde atendimento e a capacidade de regulariza-ção de um reservatório. Neste texto, estas cur-vas serão denominadas de Curvas de Garantiade Atendimento(CG).

Figura 1. Históricode Operação de um Reservatóriode Regularização

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Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

FORMULAÇÃO GERALDada a equação de conservação de massa

para o balanço hídrico de um reservatório emum intervalo de tempo i,

(1)

Sujeita às seguintes restrições:

Qmi > 0 para Vi > Vc (2)

Qmi = 0 para Vi d.Vc (3)

Vmin d.Vc d.Vmax (4)

Qmi < Qai (5)

Onde,V= volume acumulado no reservatório;∆t= passo da discretização;∆Q= balanço das vazões afluentes e defluentes;∆L= balanço das lâminas precipitada, evapo-rada e escoada na bacia hidráulica;

A= área do espelho d’água do reservatório;Qmi = vazão retirada a montante do reservató-rio;Qa = Vazão afluente ao reservatório;Vmax= capacidade máxima do reservatório;Vmin= volume mínimo de operação do reserva-tório; eVc= volume de corte abaixo do qual é suspen-sa a retirada a montante do reservatório.

Deseja-se determinar o conjunto de pontosdados pelas variáveis, Qr, Qm e Nf %respectiva-mente a vazão regularizada pelo reservatório,a vazão retirada a montante do reservatório eo numero de interrupções das retiradas à mon-tante, para o domínio compreendido pelosvalores possíveis de Vc.

A soluções possíveis podem ser representa-das graficamente por uma superfície cuja for-ma é apresentada na Figura 3. Nesta, a variá-vel Nf foi substituída pela garantia de atendi-mento, G, que é dada por:

(6)

Figura 2. CurvasHipotéticas de Garantiade Atendimento

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As Curvas de Garantia de Atendimento paraas retiradas à montante, resultam da interse-ção da superfície com os planos perpendicu-lares ao eixo das garantias de atendimento.Deve-se observar que as curvas obtidas no itemanterior correspondem aos casos particularesonde G= 100% e G= (1-Nf / Nv)x100.

1. Aplicação ao reservatório de SobradinhoA bacia hidrográfica do rio São Francisco

drena uma área de 640.000 km² e ocupa 8%

do território do Brasil, sendo a terceira mai-or em área e a única totalmente inserida emterritório nacional. Abrange áreas dos esta-dos de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,Sergipe, Alagoas, Goiás e Distrito Federal.Entre as cabeceiras, na Serra da Canastra, emMinas Gerais, e a foz, no oceano Atlântico,localizada entre os estados de Sergipe e Ala-goas, o rio São Francisco percorre cerca de2.700 km (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS(Brasil), 2004).

Figura 3. Obtenção das curvasde atendimento para diferentesgarantias

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Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

A vazão média na foz do rio São Francisco éde aproximadamente 2.850 m3/s. Para se ob-ter uma vazão garantida para fins de geraçãode energia, foram construídos dois grandesreservatórios de regularização na calha do rioSão Francisco, o reservatório de Três Marias eo de Sobradinho. O primeiro tem capacidade

de acumulação de 19 bilhões de metros cúbi-cos e o segundo acumula até 34 bilhões demetros cúbicos.

A Figura 4 apresenta uma vista geral da ba-cia do rio São Francisco, onde estão identifi-cados os reservatórios de Três Marias e Sobra-dinho. Estes reservatórios são os principais re-

Figura 4. Localização da Bacia do Rio São FranciscoAdaptado de: AGÊNCIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil), 2004

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guladores do regime das vazões na calha dorio São Francisco. A permanência das vazões éfortemente influenciada pelas regras de ope-ração destas barragens, gerenciadas pelo setorelétrico de modo a gerar a vazão firme neces-sária à produção de energia.

O potencial total de geração de energia emoperação na bacia do São Francisco é avalia-do em 10.484 MW e responde por mais de90% da demanda do Nordeste do Brasil. Dopotencial total, 95% é gerado no terço inferi-or da calha do rio São Francisco, compreen-dendo um conjunto de usinas hidroelétricaslocalizadas entre Sobradinho e a foz. A últi-ma destas usinas, Xingó, localiza-se a menosde 200 Km da foz e responde por 30% dageração de energia.

Existe um sério conflito de usos entre a irri-gação situada a montante do reservatório deSobradinho e a necessidade do setor elétricode produzir uma vazão firme que atenda aosrequisitos de geração de energia (Paiva et al.,2003). Notadamente, a irrigação e a geraçãode energia são atividades que utilizam a águacom níveis diferenciados de garantia.

Para construção das Curvas de Garantia deAtendimento para o reservatório de Sobradinhofaz-se necessário a simulação de sua operaçãoem conjunto com a do reservatório de TrêsMarias, uma vez que as vazões afluentes ao pri-meiro dependem da operação do segundo. Osdados dos reservatórios de Três Marias e So-bradinho e as séries de vazões mensais médiasutilizadas nas simulações foram disponibiliza-dos pela Companhia Hidroelétrica do SãoFrancisco - CHESF e a Companhia Energéti-ca de Minas Gerais - CEMIG (Asfora, 2000).Os dados disponibilizados correspondem aoperíodo de 1934 a 1994, totalizando 61 anos.

Considerou-se como afluência ao reserva-tório de Três Marias o histórico de vazões na-turais mensais médias. A afluência ao reserva-tório de Sobradinho foi obtida pela soma dasdefluências do reservatório de Três Marias edo incremento das vazões naturais entre osreservatórios, considerando-se um tempo mé-dio de viagem de 15 dias entre os mesmos. Paravalidação da modelagem, simulou-se a opera-ção dos reservatórios de Três Marias e Sobra-dinho para o período de 1936 a 1968, mesmo

período utilizado pela CHESF para determi-nação da vazão regularizada máxima de 2.060m3/s a jusante de Sobradinho. A simulaçãorealizada resultou em uma regularização má-xima em Três Marias de 517 m3/s e em Sobra-dinho de 2.063 m3/s. Este resultado foi consi-derado satisfatório.

Para o período de 1934 a 1994, a regulari-zação máxima obtida para o reservatório deSobradinho foi de 2.003 m3/s. Este valor di-fere do valor obtido recentemente pela Agên-cia Nacional de Águas – ANA para o períodode 1931 a 2001, possivelmente por não incor-porar períodos críticos ocorridos entre 1994e 2001.

As Curvas de Garantia de Atendimento apre-sentadas na Figuras 5 foram construídas con-siderando-se dois cenários de regularizaçãopara o reservatório de Três Marias. No primei-ro, simulou-se a operação do reservatório parauma regularização de 517 m3/s, valor corres-pondente à sua capacidade máxima de regu-larização. No segundo foi utilizada como va-lor de regularização a vazão de 300 m3/s, cor-respondente à vazão mínima de restrição.

Nos dois cenários apresentados na Figura5, observa-se que para uma mesma vazão re-gularizada a disponibilidade a montante do re-servatório de Sobradinho é significativamenteamplificada quando se utilizam diferentes ga-rantias de atendimento. Seja, por exemplo, ascurvas de 100% e 90% de garantia para umavazão regularizada de 1.700 m3/s. Para o pri-meiro cenário, as disponibilidades a montan-te de Sobradinho, com garantias de 100% e90%, resultam respectivamente em 305 m3/se 525 m3/s, ou seja, a disponibilidade a mon-tante do reservatório é amplificada em 72%.Para o segundo cenário, têm-se os valores de235 m3/s e 355 m3/s respectivamente para asgarantias de 90% e 100%. Neste caso observa-se um aumento da disponibilidade de 51%.

De forma semelhante, observa-se que a re-tirada de um mesmo valor de vazão com ga-rantias diferentes a montante do reservatóriode Sobradinho, reduz consideravelmente oimpacto da mesma sobre a capacidade de re-gularização do reservatório. Seja, por exemplo,uma retirada de 300 m3/s a montante de So-bradinho com garantias de 100% e 90%. Utili-

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Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

zando-se novamente as curvas apresentadas naFigura 5, para o primeiro cenário observa-seque a decréscimo da vazão regularizada porSobradinho cai de 298 m3/s para 159 m3/s. Ouseja, o impacto da retirada a montante sobre avazão regularizada é reduzido em 53%. Para osegundo cenário, tem-se uma redução no im-pacto de 61%.

O uso de garantias inferiores a 90% resul-taria em valores ainda mais significativos. Nocaso de Sobradinho, contudo, os usos prepon-derantes são a geração de energia, que utili-za uma garantia de 100% para cálculo da ener-gia firme, e a irrigação para a qual se admiteuma garantia de suprimento de água na or-dem de 90%.

As curvas obtidas para Sobradinho mos-tram que a disponibilidade hídrica requeri-da por um uso que necessita de uma maiorgarantia de fornecimento, como a geração deenergia, pode ser amplificada de modo signi-

ficativo quando transferida para um uso me-nos exigente, como é notadamente o caso dairrigação. Este fato deve ser considerado naavaliação dos benefícios que a transferênciados recursos hídricos entre estes usos podepropiciar.

ESTABELECIMENTO DO CRITÉRIO DE CORTEAs curvas de garantia apresentadas na Figu-

ra 5 estabelecem relações entre as vazões re-gularizadas pelo reservatório de Sobradinho eas retiradas a montante do mesmo para dife-rentes garantias. Estas curvas pressupõem que,para uma dada garantia, haverá situações emque as retiradas a montante do reservatóriodeverão ser suspensas de modo a não compro-meter a vazão regularizada pelo reservatório.Em complementação a essas curvas, portanto,faz-se necessário o estabelecimento das condi-ções sob as quais haverá o corte no atendimen-to das demandas a montante do reservatório.

Figura 5. Curvas deGarantia de Atendimentopara o Reservatório deSobradinho

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No caso de um reservatório de regulariza-ção, este critério pode ser estabelecido facil-mente definindo-se o percentual da capacida-de de acumulação do reservatório (volume decorte) abaixo do qual as retiradas a montanteseriam suspensas.

De forma semelhante àquela utilizada nadeterminação das curvas de garantia, é possí-vel relacionar os volumes de corte com as reti-radas a montante do reservatório para diferen-tes garantias. As curvas resultantes para o ce-nário I são apresentadas na Figura 6.

Uma vez definidas, a partir das curvas degarantia, a vazão regularizada pelo reserva-tório e as retiradas a montante para umadada garantia, o volume de corte correspon-dente pode ser obtido a partir das curvas daFigura 6.

Seja, por exemplo, para o cenário I umaconfiguração onde se deseje uma vazão regu-larizada a jusante de Sobradinho de 1.700 m3/s. As retiradas a montante com garantias de95% e 90% de garantia poderiam chegar, res-pectivamente, a 450 m3/s e 525 m3/s. Nestescasos as retiradas a montante seriam interrom-pidas sempre que o volume acumulado peloreservatório fosse igual ou inferior a 34% e40%, respectivamente.

Deve-se observar que os volumes de corteapresentados não consideram as regras ope-racionais estabelecidas pelo do setor elétricopara os reservatórios de Três Marias e Sobra-dinho. A inclusão destas condicionantes podeser feita a partir da elaboração de cenáriosde disponibilidade hídrica que consideremestas regras, a exemplo do cenário II apre-sentado neste artigo.

Figura 6. Curvasde Restrição paraRetiradas a Montantede Sobradinho

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Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

CONCLUSÕESA alocação da água para usos múltiplos po-

deria se beneficiar do uso de procedimentosque contemplassem a complementaridadeexistente entre o caráter estocástico da dispo-nibilidade hídrica, geralmente representadapor uma estimativa de vazão associada a umdeterminado risco de falha, e as diferentesgarantias requeridas pelos vários tipos de uso,otimizando assim a aplicação da água para finsde produção.

A irrigação a montante dos reservatórios deregularização utilizados para fins de geraçãode energia tem provocado sérios conflitos. Es-tes conflitos poderiam ser minimizados casofossem consideradas as diferentes garantiasrequeridas por estes usos e adotados critériosde gerenciamento baseados em níveis de ga-rantia previamente negociados entre os usuá-rios.

A metodologia apresentada possibilita aconsideração de níveis de garantia diferencia-dos na alocação de volumes de água para aten-der às demandas a montante e a jusante deum reservatório de regularização.

O uso das Curvas de Garantia de Atendimentopossibilita um aproveitamento mais racionaldos recursos hídricos disponíveis a montantede um reservatório, bem como uma avaliaçãomais correta do impacto destas retiradas sobrea vazão regularizada produzida pelo mesmo.

A metodologia apresentada também forne-ce subsídios para uma avaliação mais adequa-

da dos custos e benefícios, advindos da trans-ferência de recursos hídricos entre usos querequeiram diferentes garantias de atendimen-to. Quanto menor a garantia requerida paraum dado uso da água, maior será a disponibi-lidade hídrica. Portanto, a disponibilidade hí-drica retirada de um uso que necessite umamaior garantia, pode ser amplificada quandoaplicada a um uso menos exigente nesse senti-do.

As Curvas de Garantia de Atendimento gera-das para Sobradinho indicam que a reduçãode sua vazão firme apresenta-se 50% a 60%menor, quando se adota uma garantia de 90%para atendimento das demandas a montantedo reservatório. Por outro lado, a alocação deágua a montante de sobradinho com garantiade 90% amplia de 1,5 a 1,7 vezes as disponibi-lidades a montante do mesmo. Este fato deve-ria ser considerado na avaliação dos benefíci-os que a transferência dos recursos hídricosentre a geração de energia e a irrigação podepropiciar.

Ressalta-se, finalmente, que a adoção dediferentes garantias para usos concorrentesrequer um gerenciamento dinâmico, que es-tabeleça claramente as prioridades, limites ecritérios de corte de fornecimento de águapara os diferentes usuários. Contraditoriamen-te, regiões com limitações hídricas e com con-flitos de uso múltiplos das águas apresentam,em geral, sistemas de gerenciamento frágeistanto do ponto de vista operacional como ins-titucional.

ReferenciasAGÊNCIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil). 2003. Programa de ações estratégicas para o gerenciamento integrado da bacia do RioSão Francisco e da sua zona costeira : relatório final. Brasília: ANA/GEF/PNUMA/OEA, 333p.AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil). Comitê da bacia do Rio São Francisco. 2004a. Plano de recursos hídricos da bacia do RioSão Francisco: módulo1- resumo executivo. Brasília: MMA. 150p.Disponível em: < http://www.ana.gov.br/prbsf/arquivos/sintese_resumo_exe.pdfAGÊNCIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil).2004b. Estudo Técnico de apoio ao PRHBSFn.16: alocação de água.Brasília : ANA/GEF/PNUMA/OEA. Disponível em:http://www.ana.gov.br/prhbs.htmAGÊNCIA NACINAL DE ÁGUAS (Brasil). 2005. [ Documentos]. Brasília : ANA. Disponível em: http://www.ana.gov.br

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REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

ASFORA, M.C.(Coord.). 2000. Avaliação preliminar das disponibilidades e demandas na Bacia do rio São Francisco. Recife : MMA/SRHP.BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. secretaria de Recursos Hídricos. 2005.[ Documentos]. Brasília: MMA . Disponível em < http://www.mma.gov.br/port/srh/index_cfim. >PAIVA, M.F.A. et al. 2003. Os usos múltiplos e a gestão dos recursos hídricos da Bacia do São Francisco. In: VASCONCELOS, MarcoAurélio (Org.). 2003. O estado das águas no Brasil 2001-2002. Brasília : ANA. p. 419-434.

Marcelo Cauás Asfora ITEP - Instituto de Tecnologia de Pernambuco.E-mail: [email protected]é Almir Cirilo UFPE - Universidade Federal de Pernambuco –CTG/DEC/Lab. Hidráulica. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃOEm meio à caatinga, lavouras verdejantes.

Invés de pobreza crônica, riqueza resultanteda agricultura irrigada e da indústria. É possí-vel transformar a realidade do semi-árido nor-destino?

Embora a maior parte do solo que cobre oSemi-árido seja de má qualidade, com rochasaflorantes; embora a água subterrânea seja es-cassa (exceto no Piauí); embora chova ape-nas em três ou quatro meses por ano; embo-ra ocorram seqüências de anos com poucachuva; embora apenas 10% da chuva escoesuperficialmente através de rios intermiten-tes, para eventual armazenamento nos açu-des, sendo o resto perdido por evaporação;embora a tradição sertaneja seja pouco per-meável às práticas de uma cultura irrigada;embora parcela atrasada da elite nordestinaainda busque riqueza na intermediação derecursos federais para combate às endêmicassecas (a chamada indústria da seca); embora,enfim, as elites do Sul desconfiem da possibi-lidade de desenvolvimento sustentável noSemi-árido, possível é.

Custo, valor e preço da água utilizada na agricultura

Jerson KelmanMarilene Ramos

RESUMO: O investimento em infra-estruturahídrica é condição necessária, mas não suficien-te, para a segurança hídrica. Adicionalmente, énecessário que os usuários estejam envolvidos noprocesso decisório e que paguem, ainda que par-cialmente, o benefício recebido. O custo da águapara a irrigação percebido pelo irrigante e incor-porado ao seu custo de produção representa ape-nas uma parcela dos custos reais incorridos portoda a sociedade. Os preços que começam a serpraticados no Brasil para cobrança do uso da águana agricultura são ainda muito baixos.

PALAVRAS-CHAVE: infra-estrutura hídrica, ir-rigação, cobrança.

ABSTRACT: Water infrastructure invest-ments are a necessary condition, but not suffi-cient, to achieve water security. In addition,its necessary that the water users be involvedin the decision process and that the pay at leastpart of the benefit they receive. The cost ofwater for irrigation perceived by the farmer,which is incorporated to the production cost,is just part of the actual cost accrued to thesociety. The price of bulk water for irrigationin Brazil is still very low.

KEY WORDS: water infrastructure, irrigation,charging.

As manchas de solos férteis, não muito fre-qüentes, são mais do que suficientes para criarriqueza capaz de sustentar condignamente aatual população do Semi-árido. Só na bacia dorio Jaguaribe, por exemplo, que corresponde àmetade do estado do Ceará, existem estudos(projetos básicos, executivos, ou estudos de via-bilidade) que identificam 178 mil hectares irri-gáveis no vale. A rigor não há água suficienteno próprio vale para irrigar toda essa área. Tal-vez haja o suficiente para irrigar apenas 20%.Ou seja, o fator limitante é água, e não terra. Épor isso que, ao longo das gerações, a reparti-ção de espólios no Semi-árido têm resultado empropriedades estreitas e compridas, alinhadasperpendicularmente aos leitos dos rios. Ou seja,a parte estreita coincide em geral com algumcurso de água, ainda que intermitente. É a par-te nobre da propriedade. Ao se caminhar nadireção comprida da propriedade, afastando-se do curso de água, atinge-se áreas de pouquís-sima serventia. Qualquer proposta, por exem-plo de reforma agrária, para a região tem quepartir do conhecimento dessa realidade.

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REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

Grande parte da irrigação existente no valedestina-se à produção de lavouras de baixovalor agregado - por exemplo, feijão - com oemprego de tecnologia inapropriada, que des-perdiça a pouca água existente. Já haveria umsalto notável de prosperidade caso a maiorparte da irrigação fosse destinada à produçãode lavouras de alto valor agregado, e com tec-nologia que possibilite o uso racional da água.Isto porque a receita líquida de um hectare demelão irrigado é mais de três vezes maior doque a de feijão. Sendo assim, por que alguémiria plantar feijão, em vez de mamão?

A resposta a essa pergunta tem múltiplas fa-cetas, mas vamos nos fixar em apenas uma: a ine-xistência de segurança hídrica. Trata-se do prin-cipal elemento formador da cultura sertaneja,que se caracteriza pela maior valorização de ati-vidades “robustas”, sob a ótica da sobrevivência,em comparação com atividades econômicas vin-culadas à noção de lucro. Uma coisa é perder oinvestimento numa safra de feijão, que tem cur-ta maturação. Outra, é ver as árvores frutíferasmorrerem depois de alguns anos de cuidados,antes mesmo da primeira safra, devido à falta deágua. Analogamente, a falta de segurança hídri-ca inibe a instalação industrial, apesar do baixocusto da mão de obra na região.

Existe uma relação entre pobreza e falta desegurança hídrica. É necessário um estoque ini-cial de investimentos em infra-estrutura hídri-ca para que se atinja o ponto de inflexão apartir do qual o desenvolvimento comece aocorrer. As regiões do globo que são próspe-ras, em geral não tiveram necessidade de rea-lizar esse investimento inicial por gozarem declima temperado ou, como é o caso do oestenorte-americano, foram beneficiadas por sig-nificativas obras de infra-estrutura hídrica(Grey e Sadoff, 2006).

Todavia, o investimento em infra-estruturahídrica é condição necessária, mas não sufici-ente, para a segurança hídrica. Adicionalmen-te, é necessário que os usuários estejam envolvi-dos no processo e que paguem, ainda que par-cialmente, pelo benefício recebido. Sem isso,que os norte-americanos chamam de ownership,não há sustentabilidade dos investimentos.

No Brasil, o envolvimento dos usuários ocor-re por meio, principalmente, da atuação doscomitês de bacia, em particular na definição da

cobrança pelo uso da água. Trata-se de umaexperiência ainda muito recente. Apenas oscomitês dos rios Paraíba do Sul e Piracicabachegaram ao final do processo de implantaçãoda cobrança previsto na Lei nº 9.433/97. En-tretanto, a fixação dos valores unitários resul-tou mais de considerações políticas do que eco-nômicas. Isto é, os comitês não tentaram calcu-lar o “preço ótimo”, definido como aquele queprovoca a alocação dos recursos hídricos demáximo benefício para o país. Ao contrário, secontentaram em estabelecer o preço possível.

Contudo, mesmo uma decisão política, ne-cessita de balizamento econômico. No momen-to em que se discute a realização de pesadosinvestimentos na integração de bacias hidrográ-ficas e que se começa a cobrança pelo uso daágua, é importante avaliar o real custo de aloca-ção e o valor da água para os diversos setoresusuários. Neste artigo analisa-se o custo e o va-lor da água para a irrigação, tomando-se porbase a bacia do São Francisco e a do Paraíba doSul. São analisadas também algumas experiên-cias de cobrança pelo uso da água (preço) noBrasil em comparação com as de outros países.

CUSTO DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃOO custo da água para a irrigação percebido

pelo irrigante e incorporado ao seu custo deprodução representa apenas uma parcela doscustos reais incorridos por toda a sociedade.Uma avaliação mais completa do custo totalde alocação na irrigação deve considerar asseguintes parcelas (Rogers et alli, 1998):

1. Custo de capital: representa o valor dosinvestimentos em infra-estrutura hídrica, ne-cessários para levar a água até a área irrigada(construção de canais, barragens, instalação debombas, etc.).

2. Custo de O & M: representa os recursosdespendidos para operação e manutenção dainfra-estrutura (energia elétrica, pessoal, repa-ração de equipamentos, entre outros).

3. Custo de oportunidade: reflete o valorda água para alocação em sua melhor alterna-tiva de uso. Este é o custo incorrido pela socie-dade, em situações de escassez, pela alocaçãodo recurso hídrico a um usuário em detrimen-to de outro que apresente uma rentabilidademaior para a água em seu processo produtivo.

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Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água utilizada na agricultura

O melhor uso pode ser apresentado por outrousuário do mesmo setor ou de setores diferen-tes, ou até para um uso ambiental. O custo deoportunidade é zero quando não existe usoalternativo ou quando não existe escassez.

4. Externalidade Econômica: é o custo ge-rado para outras atividades econômicas em de-corrência do uso do recurso hídrico na irriga-ção (por exemplo, aumento de custos de tra-tamento da água para abastecimento públicopela presença de poluentes oriundos da irri-gação na água bruta).

5. Externalidade Ambiental: é o custo gera-do para a sociedade em geral em decorrênciado uso do recurso hídrico na irrigação (porexemplo, aumento de custos de tratamento dedoenças ou redução da biodiversidade decor-rentes da presença de poluentes oriundos dairrigação na água bruta).

A análise de viabilidade de um empreendi-mento agrícola, quando feito por um investi-dor privado, considera pelo menos os custos decapital e de O & M (parcelas 1 e 2). Quando oinvestimento é feito pelo setor público, o custorepassado ao irrigante é, principalmente, o deO & M. Na maioria dos países, as parcelas 3, 4 e5 não são pagas pelo irrigante. A diferença en-tre o custo total de alocação e o preço pago peloirrigante recai sobre toda a sociedade.

Como exemplo ilustrativo, apresenta-se aseguir estimativas do custo de capital, custo deO&M e custo de oportunidade para implanta-ção de projetos de irrigação que utilizem águada bacia do rio São Francisco. Trata-se de umaanálise comparativa entre os custos de aloca-ção da água para irrigação na própria baciado São Francisco e nas áreas beneficiadas pelatransposição por meio do chamado “Eixo Nor-te”, neste caso considerando-se duas hipóte-ses de bombeamento: contínuo (projeto ori-ginal) e “dual” (proposto pela Agência Nacio-nal de Águas - ANA). A quantificação das ex-ternalidades, tanto econômicas quantoambientais, ainda não se encontra disponível.Deverá ser objeto de futuros estudos.

Custo de CapitalO investimento necessário para disponibili-

zar água no lote de irrigação depende, basica-mente, do custo de transporte do manancial

para o lote, que, por sua vez, depende da dis-tância e dos desníveis a serem vencidos. Vamosexaminar o eixo norte do “Projeto de Transpo-sição do Rio São Francisco”, em estudos noMinistério da Integração Nacional, mostrado,de forma esquemática, na figura a seguir.

O eixo norte é um conjunto de obras hidráu-licas cujo objetivo é levar água do rio São Fran-cisco para as bacias do rio Jaguaribe (CE), Pira-nhas-Açu (PB e RN) e Apodi (RN). Quandoestiver totalmente implementado, servirá paraabastecimento urbano e para irrigação. O Pro-jeto tem capacidade máxima de transporte de99 m3/s e custo de implantação de cerca de R$2 bilhões (Funcate, 2000). Supondo taxa dedesconto de 6% ao ano, o investimento inicialseria pago por um fluxo financeiro contínuode R$ 120 milhões por ano. Embora possa trans-portar instantaneamente 99 m3/s, o Projetoprevê um transporte médio de 47 m3/s, queequivale a 1.482 milhões de m3/ano.

Todos os envolvidos na intensa polêmica emtorno do Projeto concordam com a utilizaçãode água do São Francisco para abastecimentodas populações, inclusive daquelas localizadasfora da bacia. Entretanto, muitos questionamse é razoável transportar água por centenas dequilômetros, vencendo desníveis de centenasde metros, para utilizá-la na irrigação. Inda-gam da razão para não realizar a irrigação nopróprio vale do São Francisco, onde remanes-cem centenas de milhares de hectares férteis,ainda não aproveitados.

Por outro lado, ninguém de bom senso dis-cordaria do uso da água do São Francisco parairrigar lavouras localizadas fora da bacia hidro-gráfica, desde que esta água não faça falta aosusuários da própria bacia. No caso específico,esta circunstância ocorrerá sempre que o reser-vatório de Sobradinho estiver cheio. Nesta situ-ação, todo o excesso de afluência verte em di-reção ao mar, não fazendo falta a quem querque seja. E, se a água em vez de passar pelosvertedores passasse pelas turbinas, seria geradauma energia extra, a custos praticamente nu-los, que poderia acionar as bombas hidráulicasutilizadas na transposição. Todavia, nenhumirrigante localizado fora da bacia se sujeitaria aum regime tão inseguro de suprimento de água.

Realmente, ninguém poderia irrigar rece-bendo água apenas quando Sobradinho estiver

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cheio. Há, no entanto, uma circunstância favo-rável: grandes açudes foram construídos nos Es-tados receptores, ao longo de muitas décadas,com suficiente volume para armazenar as so-bras de água do São Francisco, para serem pos-teriormente liberadas de modo gradual. É ocaso dos açudes Castanhão, Poço da Cruz e Ar-mando Ribeiro Gonçalves, localizados respecti-vamente nos rios Jaguaribe, Apodi e Piranhas-Açu. É por esta razão que a Agência Nacionalde Águas – ANA - decidiu recomendar que osestudos da transposição considerem a hipótesede que o sistema de bombeamento funcioneem dois modos, respectivamente “normal” e“máximo”. No modo normal, e para o cenáriode até o ano 2025, o bombeamento seria deapenas de 12 m3/s, o suficiente para atender aspopulações. No modo máximo, todas as bom-bas seriam ligadas 21 horas por dia (fora dohorário de pico do consumo energético), re-sultando num bombeamento médio diário de86 m3/s. O modo máximo só seria acionadoquando o reservatório de Sobradinho estivessequase cheio. A simulação desta operação, ao

longo da série histórica de vazões, resultou numtransporte médio de 35 m3/s (em vez dos47 m3/s que prevê o Projeto), que equivale a1.104 milhões de m3/ano.

Hipótese do projeto: Supondo que 70% da águaretirada do rio São Francisco atinja efetivamen-te o destino (hipótese otimista), o custo decapital para transporte até os açudes da regiãoreceptora é de:

R$ 120.106 (custo anual médio) ÷(0,7 X 1482.106 m3, volume) = R$ 0,11/m3

Hipótese ANA: Neste caso resulta para osnúmeros semelhantes:

120 ÷ (0,7 X 1104) = R$ 0,15/m3

Há ainda um custo de transporte do açudeou do trecho perenizado a jusante para o lo-cal da irrigação, chamado de k1 (Lei 6662/79). Este custo de investimento “off farm” é daordem de R$ 7.500,00 por hectare. Para a taxa

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Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água utilizada na agricultura

de desconto de 6% ao ano, este investimentoequivale a um fluxo financeiro contínuo de R$450,00 por ano. Admitindo que cada hectarereceba 16.000 m3 por ano, cerca de 0,4 l/(s.ha),o custo unitário é de R$ 0,03/m3. Interessanteobservar que a Portaria do Ministério de Inte-gração Nacional no 559, de 08 de maio de 2003,fixa o k1 em R$ 66,77 por hectare/ano, queequivale, assumindo-se os mesmos 16.000 m3/ha, a R$ 0,004/m3 (sete vezes menos do que ocalculado). Esta enorme discrepância decor-re, provavelmente, da falta de correção mone-tária dos investimentos realizados no passado.

Custo de operação e manutençãoNo bombeamento contínuo de 3.600 m3 ao

longo de uma hora (1 m3/s), para vencer umdesnível de aproximadamente de 180 m, utili-za-se cerca de 2 MWh. Como se trata de um novouso energético, o custo para a sociedade, deprover esta quantidade de energia, equivale aodo custo marginal de expansão (“energia nova”)que se situa próximo de R$ 130,00 por MWh1.Assumindo, uma vez mais, que 70% da águaretirada do rio São Francisco atinja efetivamen-te o destino, o custo energético para transporte(custo de operação) é de:

(2 X 130) / (0,7 X 3600) = R$ 0,10/m3

Este custo unitário se aplica à água destina-da ao abastecimento das populações e tambémao setor agrícola, na hipótese prevista no Pro-jeto, de forma contínua para todos os setores.

Entretanto, se for adotada a regra operati-va sugerida pelo estudo da ANA, de só bombe-ar no máximo quando houver excesso de ofer-ta de água e de energia na bacia do São Fran-cisco, aí então o custo unitário de energia étipicamente R$ 10,00/MWh (comprado nomercado “spot”) e, portanto, o custo de ope-ração energética para o setor agrícola reduz-se a menos de R$ 0,01/m3.

Há que se considerar o custo de manuten-ção de um sistema de gerenciamento de recur-sos hídricos que deve estar implantado, tanto

na região doadora como na receptora. Uma boaestimativa destes custos podem ser obtida ana-lisando-se o caso do Ceará, que dispõe de umbom sistema, centrado na atuação da Compa-nhia de Gestão de Recursos Hídricos – CO-GERH, cujo custo de operação é de cerca deR$ 0,03/m3 disponibilizado (FUNCATE, 2000).

Custo de oportunidadeNa bacia do São Francisco, a água que for

utilizada para irrigação fica disponível para pro-dução de energia elétrica. Neste caso, o custode oportunidade a ser considerado na avalia-ção do custo total da água para irrigação equi-vale ao valor produção de energia elétrica.

Cada m3/s continuamente retirado do reser-vatório de Itaparica implica a diminuição de 2,54MW da energia firme da CHESF (CompanhiaHidrelétrica do São Francisco). Ao longo de umahora, a retirada contínua de 1m3/s resulta numvolume de 3600 m3 alocado para a irrigaçãonuma redução de energia firme de 2,54 MWh.Assumindo o custo unitário de R$ 130,00/MWhpara a nova energia firme (térmica ou transmiti-da da região Norte), que substitua a energia fir-me da CHESF perdida pelo efeito da irrigação,o acréscimo de custo para os consumidores deenergia elétrica seria igual a:

∆ Custo = 2,54 MWh/h X R$ 90,00/MWh =R$ 330,20/h

Portanto, pode-se afirmar que o custo deoportunidade da água é:

Custo de Oportunidade = R$ 330,20/h ÷3600 m3/h = R$ 0,09/m3

Este é o custo de oportunidade a ser consi-derado na hipótese de bombeamento contínuo.No caso da regra operativa da ANA, o custo deoportunidade é praticamente nulo porque,quando Sobradinho está vertendo, não existeuso alternativo com retorno econômico.

Custo Total (custo econômico)O custo total econômico corresponde à

soma das parcelas definidas anteriormente,como resumido na Tabela 1.

1 Naturalmente, o preço a ser pago pela energia será inferior,aproximando-se do custo médio de produção energética, enão do custo marginal.

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Supondo a regra de operação estudada pelaANA, o custo econômico da água para irriga-ção, trazida do São Francisco para as baciasreceptoras do Nordeste Setentrional é de R$0,22/m3. Na hipótese de bombeamento contí-nuo este custo se eleva para R$ 0,36/m3. Se airrigação ocorresse na própria bacia, deveriaser descontado o custo de capital e de O&Mrelativa à obra de transposição, resultando emR$ 0,12/m3. Portanto, o custo econômico deirrigação na região receptora (eixo norte)pode ser de 80% a 200% maior que o corres-pondente custo para irrigação na própria ba-cia, dependendo da regra operativa adotada.

O VALOR DA ÁGUAAssim como o custo da alocação da água não

se restringe ao custo de capital e de O & M, ovalor da água não se restringe ao benefício quegera para o usuário. A alocação da água em umadeterminada atividade gera benefícios sociais,econômicos e ambientais que não são apropri-ados somente pelo usuário, mas também poroutros setores da sociedade. Muitos investimen-tos em infra-estrutura hídrica realizados no pas-sado resultaram em benefícios que ultrapassa-ram em muito as hipóteses mais otimistas dosque conceberam essas obras. É o caso, por exem-plo, das transposições de água do rio Colora-do, tanto para a vertente leste das MontanhasRochosas como para a Califórnia. A avaliaçãoda sustentabilidade do uso da água necessita,obrigatoriamente, da correta mensuração dasdiversas parcelas componentes do valor da água.

Contudo, a presente análise se limitará àparcela relativa ao “valor da água para o usuá-rio” (VU). O valor da água para o usuário re-presenta o retorno econômico líquido obtidopor metro cúbico de água aplicada na produ-ção, definido como:

No caso específico do valor da água para ousuário na agricultura irrigada, a expressãopode ser reescrita como:

Numa situação de escassez, deve-se priori-zar o abastecimento público e manter umadescarga mínima para preservar metas ambi-entais. A água excedente, utilizada como insu-mo de processo produtivo, pode ser alocadasob diversos critérios, inclusive o econômico,baseado no valor da água para o usuário (Kel-man & Kelman, 2001).

O conhecimento do valor da água para ousuário é fundamental para se estimar o custode oportunidade mencionado no item 2. Ouseja, o custo de oportunidade para um setor éo maior valor da água para o usuário encon-trado entre todos os demais setores concorren-tes. Além disso, o valor da água para o usuárioreflete a sua “disposição de pagar” para nãoser racionado.

A tabela 2 apresenta o valor da água para ousuário irrigante de algumas culturas na baciado São Francisco. Como no médio São Fran-cisco é praticamente impossível obter-se pro-dução agrícola sem irrigação, assumiu-se comonula a renda bruta sem captação de água. Se-gundo os dados apresentados, o valor da águapara os irrigantes da bacia do São Franciscovaria entre R$ 0,04/m3 e R$ 1,62/m3.

Comparando-se o valor da água para o usu-ário obtido com o custo econômico da águapara irrigação na própria bacia (R$ 0,12/m3)e na transposição, pela regra operativa da ANA(R$ 0,22/m3), verifica-se que, do ponto de vis-ta estritamente econômico, a maioria das cul-turas apresenta viabilidade, seja na própriabacia do São Francisco, seja no Semi-ÁridoSetentrional. Com exceção do coco verde, ocultivo dos demais produtos analisados gerarenda superior ao custo de alocação, conside-rando-se inclusive o custo de oportunidade.

Com os dados aqui disponibilizados, não sepode afirmar se o uso da água na irrigação é

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ou não sustentável. Para isso, seria necessáriovalorar as externalidades econômicas e ambi-entais, pelo lado do custo, e os demais benefí-cios sociais ou indiretos gerados pela alocação,pelo lado do valor.

PREÇO DA ÁGUASegundo a Organização para a Cooperação

e o Desenvolvimento Econômicos - OCDE,1998, na maior parte dos países, o preço daágua na agricultura tende a refletir apenas os

custos de operação e manutenção dos sistemasde irrigação, acrescendo-se, em alguns casos,a cobrança pelo uso da água, cujo objetivo éinternalizar as “externalidades” econômicas eambientais. Como o setor agrícola permanecesubsidiado na maior parte dos países, este ob-jetivo tende a ser alcançado apenas parcialmen-te. O mesmo estudo da OCDE constata que:“apesar de diversos países entenderem a necessidadede aumentar a cobrança pelo uso da água na agri-cultura de forma a assegurar a estabilidade finan-ceira dos seus sistemas de abastecimento, apenas pou-

Nota: (1) Produtividade do coco em unidades de fruto e o preço em R$/unidade de fruto.Fontes:CODEVASF - Custo de Produção, produtividade e consumo de água das culturas; CEASA - DF 70% do Preço Médio no atacado de1995 a 2002 corrigido pelo IGO-DI (batata); CEAGESP - 70% do Preço Médio no Atacado (melão, manga e uva itália); EMBRAPA - Preço médiodos últimos 10 anos corrigido pelo IGPM (feijão) EMBRAPA Janaúba - Preço médio anual

TABELA 2Valor da água para o usuário na agricultura do Semi-árido

TABELA 1Custo Econômico Total da Água para Irrigação –

Bacia do São Francisco e Transposição Eixo Leste

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cos já deram passos decisivos nesta direção”. Namaioria dos países existem limitações (políti-cas, econômicas, etc.) ao repasse aos agricul-tores dos custos de capital e de O&M dos siste-mas de abastecimento e praticamente não secobra pelas externalidades econômicas e am-bientais.

A tabela 3 apresenta um resumo dos preçosda água para a agricultura em alguns dos paí-ses abrangidos pelo estudo da OCDE, e tam-bém no Brasil, considerando-se o preço pagopelo irrigante na bacia do São Francisco, noCeará e na bacia do Paraíba do Sul. Em quepese a dificuldade de se comparar sistemas deprecificação tão díspares, verifica-se que o pre-ço da água no Brasil é bastante baixo. No Cea-rá, o preço da água aduzida pelo Canal do Tra-balhador já demonstra a tentativa de recupe-ração, pelo menos, do custo de O & M.

COBRANÇA PELO USO DA ÁGUAE SEU IMPACTO SOBRE O SETORAGRÍCOLA – ESTUDO DE CASODA BACIA DO PARAÍBA DO SULEm todo o mundo, na fixação do valor da

cobrança pelo uso da água, um dos fatores limi-

tantes é a capacidade de pagamento dos usuári-os agrícolas (ability to pay), a qual depende darentabilidade das culturas produzidas. No Bra-sil, a limitação da cobrança à capacidade de pa-gamento dos usuários surgiu de forma explícitano caso da Bacia do Paraíba do Sul. A cobrançanaquela bacia, aprovada em 2002 e iniciada em2003, abrange todos os setores usuários, inclusi-ve o agrícola. O setor agropecuário, representa-do no Comitê, exigiu que a cobrança não provo-casse acréscimos superiores a 0,5% nos seus cus-tos de produção. Os representantes do setor ale-garam que não poderiam arcar com aumentossuperiores face à baixa rentabilidade da produ-ção agrícola. Em função desta limitação, o pre-ço unitário para captação fixado para o setoragropecuário foi 40 vezes menor que o estipula-do para os setores de saneamento e industrial,como se pode observar na tabela 4. A fixação deum valor tão baixo levou a que, no primeiro anoda cobrança, para uma arrecadação total estima-da em cerca de R$ 8 milhões, o setor agrícolacontribuísse com apenas R$10 mil. Este é o valorpago por 35 usuários, de um universo de 700cadastrados, que fazem captação em rios de do-mínio da União, estando, portanto, sujeitos à co-brança nesta etapa inicial.

TABELA 3Preço da Água na Agricultura

Notas:1. Assumindo-se derivação de 16.000m3/ha.ano.2. Valor mínimo3. Usuário do Canal do trabalhadorFontes:OCDE, 1998COGERH, 2002, informações do site www.cogerh.com.br

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Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água utilizada na agricultura

TABELA 4Preço unitário da água (captação)

na bacia do Paraíba do Sul

TABELA 5Impacto da cobrança pelo uso da água sobre o setor agrícola na Bacia do Rio Paraíba do Sul

Fontes: CIDS/FGV, 2003- Abacaxi, Cana-de-Açúcar, Coco, Goiaba e Maracujá: Custos de produção foram fornecidos pela FUNDENOR e os preços são da Fapur/Frutificar;-Arroz (SP), Cebola (SP): Custos e preços (média de 1999 a 2001, janeiro a maio, deflacionados para março/2000) do IEA-Batata (MG) e Tomate (MG): Custos e preços da Emater-MG

A tabela 5 apresenta os resultados de umaavaliação do impacto da cobrança sobre o cus-to de produção e sobre a renda potencial doprodutor agrícola, segundo estudo elaboradopelo Centro Internacional de Desenvolvimen-to Sustentável da Fundação Getulio Vargas, apartir dos dados do cadastro de usuários dabacia. O valor da cobrança refere-se apenas àcobrança por captação, que é a parcela que,efetivamente, vem sendo cobrada dos produ-tores pela Agência Nacional de Águas.

Observa-se que os impactos sobre os cus-tos de produção são rigorosamente desprezí-veis, bem inferiores ao percentual de 0,5%,que seria o limite superior, segundo a Delibe-ração CEIVAP no 15/2002. Da mesma forma,

os impactos sobre a rentabilidade também sãomuito baixos. A única exceção a ser aponta-da seria o arroz irrigado (São Paulo), queapresenta impacto de cerca de 1% sobre a ren-tabilidade.

O mesmo estudo demonstrou que o impactoda cobrança na produção industrial da baciapode atingir até 1% sobre os custos, chegando a1,5% sobre a rentabilidade. O impacto sobre ocusto do setor hidroelétrico é mais alto, chegan-do a 4,4%. Mas, este resultado tende a ser poucosignificativo porque, na hidroeletricidade, o custode produção tem pouco peso sobre o custo to-tal, que é majoritariamente composto pelo cus-to de capital. Ainda para o setor hidroelétrico, oimpacto sobre a rentabilidade ficaria em tornode 0,6%, similar ao resultado encontrado para osetor industrial. Os resultados dos impactos po-tenciais sobre os três setores analisados são apre-sentados na tabela 6. Em termos médios, o maiorimpacto sobre a rentabilidade tende a ocorrerno setor hidroelétrico.

Na realidade, observa-se que o valor da co-brança estabelecido para os setores industriale agrícola é bastante baixo. A cobrança para osetor agrícola poderia ser, pelo menos, quatrovezes maior e o limite de 0,5% dos custos ain-da seria respeitado.

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ReferenciasCIDS/FGV, 2003. Estudos Econômicos Específicos de Apoio à Implantação da Cobrança para os Setores Agropecuário, Industriale Hidrelétrico. RE CIDS/EBAPE/FGV – 008/18/2002. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.FUNCATE, 2000. Estudos de Viabilidade do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional, R31 –Análise Econômica e Justificativa do Empreendimento. Funcate.Gray, D. & Sadoff, C., 2006. “Water for Growth and Development”, A theme document for the IV World Water Forum, Mexico.Kelman, J. & Kelman, R., 2002. “Water Allocation for Economic Production in a Semi-Arid Region”. International Journal of Water Resour-ces Development, Carfax Publishing, Volume 18, Number 3, pg. 391-407.OCDE, 1998, Agricultural Water Pricing in OECD Countries. ENV/EPOC/ GEEI(98)11 / FINAL. OCDE, Paris.Rogers, P, et alli, 1998. Water as a Social and Economic Good: How to Put the Principle into Practice. Global Water Partnership,Estocolmo. Suécia.

Jerson Kelman Diretor-Presidente da Agência Nacional de EnergiaElétrica e Professor da COPPE-UFRJMarilene Ramos Professora da EBAPE – Fundação Getulio Vargas –e Coordenadora do Núcleo de Águas do CIDS/FGV

CONCLUSÃOEste trabalho demonstrou que os preços

que começam a ser praticados no Brasil paracobrança do uso da água na agricultura são,efetivamente, bem pequenos. Seriam signifi-cativos caso se aproximassem do custo de alo-cação ou do valor para o usuário. Como seviu, não é o caso. Na realidade, há ainda es-paço para futuras decisões de comitês de ba-cia, no sentido de incrementar o valor unitá-rio da cobrança, em relação ao fixado peloCEIVAP. Preliminarmente, no entanto, é pre-ciso vencer a luta política, através da demons-tração da utilidade do sistema de gerencia-mento de recursos hídricos para o conjuntoda sociedade.

TABELA 6Impacto da cobrança pelo uso da água sobre custos

de produção e rentabilidade – Bacia do Paraíba do Sul

Fonte: CIDS/FGV, 2003

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Comitê de bacia hidrográfica:um canal aberto à participação e à política?

Valeria Nagy de Oliveira Campos

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apre-sentar uma análise preliminar sobre os comitês debacia hidrográfica, criados no âmbito do SistemaIntegrado de Gerenciamento de Recursos Hídri-cos no estado de São Paulo (Lei 7663/91).

Idealmente, estes comitês foram estruturados,tendo como um de seus princípios básicos, a par-ticipação; contudo, a experiência tem mostradoque o processo de implementação sempre encon-tra obstáculos. Sendo assim, nos perguntamos seos comitês estão se efetivando enquanto espaçosabertos à participação efetiva dos atores e à nego-ciação, política e social, para a tomada de deci-são, ou se são meros espaços discursivos. Em casode que estejam se efetivando nos indagamos so-bre quais fatores podem estar contribuindo paraque os atores participem dos comitês - uma vezque eles foram criados a partir uma lei -, e paraque o comitê seja bem sucedido.

Visando responder a estas questões, fizemosuma análise preliminar de alguns casos - ComitêPiracicaba, Capivari e Jundiaí e Subcomitês Co-tia-Guarapiranga e Billings-Tamanduateí -, a par-tir da qual pudemos constatar que: estes comi-tês, apesar de algumas limitações, estão atingin-do os objetivos propostos - gerenciamento parti-cipativo -; e que estas áreas apresentavam, ante-riormente à implementação do comitê, um his-tórico de mobilização e de ações coletivas, rela-cionadas, sobretudo, a questões ambientais ehídricas, o que pode ser responsável pelo bomdesempenho destes espaços.

Contudo, estas informações obtidas são apenassinais que abrem um caminho para que novas pes-quisas sejam realizadas, utilizando ferramentas quepermitam mensurar e comparar os dados obtidos.

PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento de recur-sos hídricos, comitês, participação, política.

ABSTRACT: This work has as objective topresent a preliminary analysis on the river ba-sin committees, created as a component of theIntegrated Water Resources Management Sys-tem – SIGRH, in São Paulo State (Law 7663/91).

These committees were created accordingthree principles, one of them is participation.However, the experience has been showing thatit’s very difficult to implement a proposal andthere are many hindrances to meet. Because ofthis, we wondered if the committee is succeed-ing as a space open to participation and to nego-tiation or if it is becoming a discursive space. If itis an open space, we wondered which factorscould be contributing to different actors’ partic-ipation and to its success.

Aiming at answering these questions, wemade a preliminary analysis of the Piracicaba,Capivari and Jundiaí River Basin Committeeand the Cotia-Guarapiranga and Billings-Tamanduateí Subcommittees. With this analy-sis we could verify that: these committees, de-spite some limitation, are reaching one of themain objective – participative management -;and that these areas had, previously to the com-mittee implementation, a tradition in mobili-zation and collective actions, concerning, aboveall, to environmental problems, what could beresponsible for the good performance of thesecommittees.

However, this analysis is just signalizing thatthere is a field in the water management thatneeds more researches, and if it’s possible, us-ing tools that allow to measure and to com-pare data.

KEY WORDS: Water resources management,committees, participation.

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REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

INTRODUÇÃOEste trabalho tem como objetivo apresen-

tar uma análise preliminar sobre os comitêsde bacia hidrográfica, enquanto espaços aber-tos à participação dos diferentes segmentos eà negociação – política e social –, nas tomadasde decisão, no campo dos recursos hídricos.

No estado de São Paulo, os comitês de baciaforam criados no final do século XX. Naquelemomento, estava-se adotando uma nova abor-dagem sobre os recursos hídricos, influenciadapor uma série de transformações políticas, eco-nômicas, sociais e ambientais e pela emergên-cia de um novo paradigma – o desenvolvimen-to sustentável –, as quais repercutiram na revi-são da política de águas1 vigente e em uma res-truturação institucional. (Campos, 2001)

No processo de revisão efetuada, eviden-ciou-se um questionamento sobre a localiza-ção dos centros decisórios, os métodos utiliza-dos para tomada de decisões e os atores consi-derados nas diversas etapas do processo – ela-boração, implementação, gestão e avaliação depolíticas públicas –, adotados até então.

A gestão das águas, tendo em vista os no-vos parâmetros estabelecidos, passou a incor-porar, além da preocupação com a oferta deágua e a realização de obras hidráulicas, a pre-ocupação com a demanda e com os aspectossociopolíticos. Além disto, a partir da análisede experiências significativas, como a france-sa, houve uma reformulação das práticas degerenciamento de recursos hídricos, as quaispassaram a se basear em novos princípios – adescentralização, a participação e a integra-ção –, tendo como unidade de referência abacia hidrográfica.

O conjunto de princípios adotados e as re-comendações efetuadas resultaram na criação

de novos arranjos2 em diversos níveis, os quaisdevem compor o sistema de gerenciamentodos recursos hídricos proposto. Tais arranjostêm como objetivo abordar os conflitos, a par-tir do estabelecimento de regras comuns, paraque cada um dos diferentes participantes pos-sa expor sua posição e para que se possa che-gar a um acordo, mesmo que temporário, so-bre tais conflitos.

Esta nova abordagem ganhou espaço por-que: i) muitas regiões – especialmente aquelasextremamente urbanizadas e industrializadas –estavam convivendo com problemas referentesà escassez de água, em termos de qualidade ouquantidade3, e com um crescimento constantedo número de conflitos sociais relacionados aouso de tais recursos; ii) o modelo de gerencia-mento dos recursos hídricos em vigor – centra-lizado, impositivo e setorializado – não estavaatendendo às demandas; e iii) desde a décadade 80, havia sido reiniciado o processo de de-mocratização e descentralização em vários paí-ses, o qual implicou no restabelecimento denovas relações entre Estado e Sociedade e emuma ampliação dos espaços públicos.

No caso de São Paulo, a estrutura de geren-ciamento de recursos hídricos proposta consi-derou estas recomendações e incluiu a parti-cipação de novos atores na arena decisória.

Cabe ressaltar que, para muitos, a participa-ção tem sido vista como uma solução para: in-cluir o maior número de demandas possível;identificar as relações entre os atores e entre osatores e o ambiente – a bacia –; assegurar mai-

1 Por política de águas podemos entender o “conjunto de prin-cípios doutrinários que conformam as aspirações sociais e/ou governamentais no que concerne à regulamentação oumodificação nos usos, controle e proteção das águas”. Suamudança tem influências diretas sobre o gerenciamento derecursos hídricos, entendido como um “conjunto de açõesgovernamentais, comunitárias e privadas destinadas a regu-lar o uso, o controle e a proteção das águas.” (ABRH, 1986apud LANNA, 1999).

2 No caso do gerenciamento dos recursos hídricos, têm sidocriados novos arranjos, cuja denominação, composição, ca-racterísticas e modus operandi variam conforme o contextoonde surgem. Além disto, possuem especificidades relacio-nadas com os objetivos estabelecidos e com os correspon-dentes: status jurídico, função, atribuições, incidência sobreo território, horizonte temporal, entre outros fatores. Na Amé-rica Latina, alguns destes arranjos criados foram: as Mesasde Concertación, no Peru; os Consejos de Cuenca, no Méxi-co; e os Comitês de Bacia Hidrográfica, no Brasil, sobre osquais iremos tratar.3 Entre 1970 e 1995, a quantidade de água potável disponívelpor habitante, no mundo, caiu 37%. In: jornal Folha de SãoPaulo. 02/07/99. Caderno especial: Ano 2000. Água, comidae energia.

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or discussão sobre o uso de um bem comum – aágua –, e proporcionar transparência e conti-nuidade ao processo de democratização.

Contudo, é preciso considerar que este ter-mo abriga diferentes definições, possibilitan-do sua manipulação de acordo com o contex-to e os interesses presentes. Neste trabalho, otermo participação é adotado em sentido es-trito, referindo-se àquelas situações em que osmembros de uma comunidade se envolvem nasdecisões políticas. Neste envolvimento, encon-tramos diferentes tipos de atores – protagonis-tas, coadjuvantes e figurantes (Cardoso,2003) – e um gradiente considerável entre osdiferentes níveis de participação – o represen-tante pode ser um ouvinte em uma sessão; umrealizador de tarefas; um consultor ativo ou umtomador de decisão.

Uma vez criados os comitês e estabelecidasas regras de seu funcionamento, deu-se inícioà composição de cada um destes colegiados.Entretanto, a simples existência destes espa-ços de negociação, não é garantia da partici-pação dos indivíduos ou grupos4, nem da re-solução de conflitos. A liberdade para – ou odesejo de – participar não garante(m) que to-dos tenham as mesmas condições de acesso àparticipação; os mais organizados e com maisrecursos políticos5 acabam sendo privilegiados.Por outro lado, a abertura destes canais parti-cipativos também não é garantia de que os se-tores tradicionais não apresentarão resistênci-as a esta inovação. As iniciativas participativasrompem com a tradição, onde a atividade po-lítica é exercida por profissionais – a elite po-lítica –, procuram resgatar a dimensão públi-ca e cidadã da política e acabam desestabili-zando as estruturas e fluxos já existentes nasorganizações governamentais e no processo detomada de decisões. Em decorrência disto, sur-giram vários obstáculos a transpor para efeti-var a alternativa proposta.

Esta diversidade de aspectos relacionados aoscomitês faz com que, atualmente, existam mui-

tas expectativas com relação aos mesmos porparte de pesquisadores, de formuladores depolíticas públicas e de seus próprios membros.

Embora estes arranjos, em geral, venhamdesempenhando um importante papel, permi-tindo que os conflitos sejam expostos e debati-dos publicamente e contribuindo para umatomada de decisão mais informada, não existeum consenso com relação aos resultados doscomitês. Se de um lado existem setores que osvêem como um caminho para o empodera-mento da sociedade civil e o fortalecimentoda democracia; por outro, existem setores queos vêem como uma forma de coordenar a di-versidade de organizações em um campo ain-da fragmentado; ou ainda, que sustentam quese trata apenas de uma forma do Estado esqui-var-se de suas responsabilidades e que a exis-tência dos mesmos não impedirá que os con-flitos continuem se agravando e que a disputapelo recurso escasso se mantenha.

O fato é que a existência destas expectati-vas com relação aos resultados dos comitês nãoimpede que se constate que existem limites aoseu funcionamento. Tais limites têm origemno momento de definição dos objetivos da cri-ação dos comitês, passam por seu desenho –composição, organização e regras –, sua imple-mentação e desenvolvimento e pela interaçãoentre os atores entre si e entre o colegiado e arealidade na qual opera.

Sob esta perspectiva é preciso considerarque a estruturação e a implementação destesistema de gerenciamento, objetivando alcan-çar a sustentabilidade do sistema hídrico eambiental, deve observar dois conceitos fun-damentais: a cultura e o território (Santos,1993). Considerando que cultura pode serentendida como a forma como o homem serelaciona com o mundo e toma decisões paramelhorar sua vida, inferimos que o sistema degerenciamento depende do contexto onde elenasce e é aplicado. Estando vinculado aos ter-ritórios que o homem ocupa ou usa, tem es-treita relação com a etapa política e econômi-ca neles detectada. Assim, são as relações soci-ais e políticas locais, que vão dar o tom aomodelo implementado. (Campos, 2004c)

O nível de participação, por exemplo, estárelacionado, entre outros fatores, à existênciade uma cultura de participação política no

4 Neste trabalho, não entraremos na discussão sobre as dife-renças de atuação de indivíduos e de grupos.5 Por recursos políticos entende-se: riqueza, dinheiro, educa-ção, recursos cognitivos, tempo livre para a atividade políti-ca, facilidade maior ou menor de superar problemas de açãocoletiva.

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contexto em que se atua; isto é, à existênciade um “conjunto de atitudes, normas, crenças,mais ou menos largamente partilhadas pelosmembros de uma determinada unidade sociale tendo como objeto fenômenos políticos.”(Bobbio et al, 1993, 306) O grau de compro-metimento dos atores, a capacidade de supe-rar os interesses particulares em prol do bemcomum e o sucesso do processo participativoestão relacionados diretamente à existênciadesta cultura.

Paralelamente a isto, também é importantea presença do chamado capital social6. Entre-tanto, ressaltamos que não compartilhamos deuma visão determinista (Putnam, 1996), segun-do a qual instituições transparentes e partici-pativas somente podem se desenvolver em re-giões onde já exista uma cultura de associati-vismo arraigada. Consideramos que é possíveldesenvolver capacidades associativas, uma vezque se promovam mudanças no ambiente ins-titucional e nas relações de poder, incorporan-do novos atores.

Contudo, como nos alerta Houtzager et al(2004; 2), “conhecemos muito pouco sobre osefeitos dos desenhos institucionais dos diferen-tes espaços de participação ou sobre as forçassociais que dão forma à dinâmica de tomadade decisões no interior dos mesmos, muitomenos sua efetividade para produzir políticaspúblicas”.

No que diz respeito ao desenho institucio-nal destes espaços de participação, é impor-tante considerar que ele pode facilitar ou difi-cultar a inclusão dos diferentes atores, bemcomo a própria participação no processo dediscussão e de tomada de decisão. No que dizrespeito às forças sociais, que dão forma à di-nâmica nestes arranjos, é preciso considerar eanalisar o histórico da região, em termos depráticas associativas, ações coletivas e nível departicipação permitido.

Para Avritzer (2002), a existência de práti-cas associativas anteriores e a incorporação depráticas preexistentes no desenho institucio-nal participativo, contribuem para que os no-vos arranjos participativos criados tenhammaior chance de se desenvolver com sucesso.

Já para Houtzager et al (op.cit., 3), “a ca-pacidade de participar está condicionadapela história da construção dos atores, pelassuas relações com outros atores (...) e peloâmbito das instituições políticas, no qual es-sas relações são negociadas.” Devemos enten-der que “a participação é um resultado con-tingente, produzido numa teia de relaçõesnegociadas entre atores coletivos (organiza-ções civis, Estado e outros) situados em umterreno institucional preexistente que repri-me e/ou facilita formas de ação particula-res.” (op.cit, 8)

Para estes autores, o sucesso de espaços plu-rais de negociação está relacionado à preexis-tência de determinadas condições: existênciade capital social, mobilização e práticas associ-ativas; bem como à incorporação da análise einterpretação destas condições preexistentesao desenho institucional.

No caso dos comitês de bacia, criados ten-do como uma de suas bandeiras a participa-ção e divulgados como verdadeiros “parlamen-tos das águas”, é notório que não se tem con-seguido obter uma participação ampla; exis-tem dificuldades para alguns segmentos parti-ciparem, fisicamente ou efetivamente. Comrelação àqueles que conseguem ter acesso, sur-ge uma dúvida com relação ao alcance destaparticipação? Os comitês têm realmente seconstituído em canais abertos ao exercício dapolítica – enquanto habilidade no trato das re-lações humanas e, conseqüente, conjugaçãodas ações dos indivíduos e grupos, com vistasà obtenção de um fim comum –, contribuin-do para o empoderamento da sociedade civil,ou são meros espaços discursivos?

Visando verificar, de modo preliminar, emque medida estas idéias são válidas no campodos recursos hídricos, tomamos como objetode estudo os seguintes casos no estado de SãoPaulo: Comitê de Bacia Hidrográfica Piraci-caba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) e os Sub-comitês de Bacia Hidrográfica Cotia-Guara-piranga (SCBH-CG) e Billings-Tamanduateí

6 Capital social pode ser definido como o conjunto de benssociais, psicológicos, cognitivos e institucionais que possibili-tam a produção de comportamento cooperativo (Cunha et al,2004a). No campo dos recursos hídricos, pode-se encontraralgumas pesquisas que buscam avaliar o desempenho insti-tucional dos comitês de bacia hidrográfica e mensurar o capi-tal social nelas existente (Cunha, 2004; Cunha et al, 2004a;Cunha et al, 2004b).

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(SCBH-BT), ambos na Bacia HidrográficaAlto Tietê.

A seguir, antes de apresentarmos os objetosde estudo, vamos pontuar alguns aspectos dosistema de gerenciamento adotado no estadode São Paulo, os quais são necessários ao en-tendimento da problemática.

GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOSNO ESTADO DE SÃO PAULODesde a década de 90, vem sendo imple-

mentado, no Brasil, um sistema de gerencia-mento dos recursos hídricos baseado na des-centralização e na participação da sociedadecivil nas tomadas de decisão. Tal sistema foigestado no arcabouço das transformações po-líticas e econômicas do Estado brasileiro, pós-governo autoritário, e anunciado na Constitui-ção Brasileira de 1988 e na Constituição dosestados de 1989, as quais incluíram em seuspreceitos artigos ou capítulos, direta ou indi-retamente, ligados à questão dos recursos hí-dricos. A lei federal sobre o tema – “Lei dasÁguas” (nº 9433) –, foi sancionada em 1997,mas alguns estados-membros da federação jáhaviam se adiantado na questão, promulgan-do suas próprias leis. Um destes estados é SãoPaulo, cuja lei data de 1991.

De acordo com a lei paulista nº 7663/91, oSistema Integrado de Gerenciamento de Re-cursos Hídricos – SIGRH, deve se pautar emtrês conceitos fundamentais:

gestão descentralizada e participativa;adoção da bacia hidrográfica como uni-dade de gestão e planejamento; eadoção de instrumentos legais para coi-bir o desperdício, promover o reuso,entre outras ações.

O SIGRH estrutura-se em três instâncias dearticulação: deliberativa, técnica e financeira.

A instância deliberativa é composta peloConselho Estadual de Recursos Hídricos – ór-gão central –, pelos Comitês de Bacia Hidro-gráfica (CBH’s) – órgãos regionais –, e pelasAgências de Bacia – órgão executor, com per-sonalidade jurídica.

Embora esta instância seja composta porvários órgãos, a fim de buscar elementos quepossam validar, ou não, as idéias apresentadas

anteriormente, optamos por centrar nossaatenção nos comitês, os quais, graças a sua es-trutura e a sua escala de atuação, constituem-se em canais mais abertos à participação.

Trata-se de um órgão colegiado de caráterconsultivo e deliberativo, que tem como al-gumas de suas atribuições aprovar: o Planode Bacia Hidrográfica; o enquadramento doscorpos de água em classes de uso preponde-rante; a proposição de critérios e valores aserem cobrados pela utilização dos recursoshídricos e o uso dos recursos obtidos com estacobrança. Também deve promover acordos,cooperação e conciliação de interesses entreos usuários da água na bacia e fazer estudos,divulgação e debates dos programas prioritá-rios de serviços e obras a realizar, em acordocom a coletividade.

Cada CBH possui composição e regras defuncionamento próprias, regidas por seu Es-tatuto. No entanto, a lei estadual fixou que,assegurada a participação paritária dos Muni-cípios em relação ao Estado, o Comitê deveser composto por:

representantes das Secretarias de Estadoou de órgãos e entidades da administra-ção direta e indireta, com atuação nabacia hidrográfica correspondente;representantes dos municípios contidosna bacia hidrográfica; erepresentantes de entidades da socieda-de civil, sediadas na bacia, respeitado olimite máximo de um terço do númerototal de votos.

Para compor o segmento sociedade civil noComitê vem se adotando o seguinte processo: aSecretaria Executiva do CBH divulga o editalsobre o processo eleitoral e as entidades se ca-dastram ou atualizam seus dados. Depois, a Se-cretaria faz uma listagem das entidades, classifi-cadas em 8 grupos: associações científicas, asso-ciações técnicas ligadas aos recursos hídricos,organizações sindicais vinculadas a recursos hí-dricos, saneamento e meio ambiente, associa-ções de defesa do meio ambiente, usuários daágua para comércio, lazer e serviços, usuáriosagrícolas da água, usuários industriais e usuári-os para abastecimento público. A seleção derepresentantes de cada grupo é feita entre “pa-res”. Posteriormente, a Secretaria seleciona os

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eleitos para ocupar as vagas, de acordo com oestatuto de cada CBH e de acordo com umanova classificação: i) comunidades técnico-cien-tíficas; ii) entidades ambientalistas, de defesade direitos humanos, sociais e trabalhistas; iii)usuários econômicos e iv) usuários domésticos(rurais e urbanos) (Neder, 2002). O processode cadastramento das entidades permanecepermanentemente aberto.

Foi de acordo com estas regras e conceitosque foram implementados os comitês de ba-cia que elegemos para estudo e sobre os quaistrataremos na seqüência.

ESTUDO DE CASOSA bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jun-

diaí, assim como a bacia do Alto Tietê, possu-em graves problemas relacionados aos recur-sos hídricos, alguns dos quais lhes são comuns.

São áreas extremamente urbanizadas e in-dustrializadas, que estão interligadas através deum conjunto de obras hidráulicas realizadas,desde o final da década de 60, com o objetivode contribuir com o abastecimento de águapotável – Sistema Cantareira – e o abastecimen-to de energia elétrica – Represa Billings e Usi-na Henry Borden –, da Região Metropolitanade São Paulo.

Com o passar dos anos, a construção desteSistema hidráulico-sanitário inter-regional e adisputa pela utilização dos recursos hídricostêm trazido problemas às áreas envolvidas, osquais se agravam diariamente. (Campos, 2001e Campos, 2004b)

A existência destes problemas – contamina-ção das águas, escassez de água de boa quali-dade, grande número de conflitos sociais –, ali-ada ao histórico de ações participativas nestasáreas impulsionaram a criação do Comitê Pi-racicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ)7 e do

Comitê Alto Tietê (CBH-AT), em 1993 e 1994,respectivamente (Alvim, 2003). Estes comitêsforam os primeiros a serem implantados noestado de São Paulo.

No caso do Comitê Alto Tietê, há que se res-saltar que, em virtude da complexidade da ba-cia, decidiu-se pela descentralização administra-tiva do Comitê e pela criação de cinco Subco-mitês: Cotia-Guarapiranga, Tietê-Cabeceiras,Billings-Tamanduateí, Juqueri-Cantareira e Pi-nheiros-Pirapora, instalados entre 1997 e 1998.Entre estes, optamos por estudar o SubcomitêCotia-Guarapiranga e o Billings-Tamanduateí.

Examinando o processo de implementaçãodo gerenciamento descentralizado, integradoe participativo na bacia do Piracicaba, Capiva-ri e Jundiaí e nas sub-bacias Cotia-Guarapitan-ga e Billings-Tamanduateí, nos últimos 10 anos,verificamos que tem havido a participação denovos atores nos comitês, os quais não eramanteriormente considerados – municípios esociedade civil –, e que têm ocorrido avançose retrocessos neste processo. (Campos, 2004c)

Os avanços ocorreram principalmente nodesenvolvimento das capacidades de pressãoe inserção das necessidades de alguns setores,que anteriormente não encontravam espaço;na proposição e implementação de projetos,ainda que em menor grau que o desejado; eno fortalecimento da sociedade, especialmen-te através da criação de redes, as quais têmpossibilitado a soma de esforços para fiscalizare pressionar o governo quanto às políticas e àsleis relacionadas ao tema, além de possibilitaro intercâmbio de informação e comunicaçãoentre as organizações.

Os retrocessos, por sua vez, podem ser ve-rificados nas manobras políticas do governoque, muitas vezes, utiliza-se do discurso téc-nico, da experiência e do capital humano acu-mulados para conduzir as reuniões ou, atémesmo, atrasar algumas sessões. Existe umaassimetria de poder entre as agências e enti-dades dos governos federal e estadual frenteàs do governo municipal. Por outro lado, exis-tem situações em que os municípios se unemao governo estadual, dando ao setor públicoum peso maior.

No que diz respeito à participação da socie-dade civil nestes comitês, é preciso observar

7 Em maio de 2002, tendo em vista que o rio Jaguari, afluentedo Piracicaba nasce em Minas Gerais, sendo de domínio daUnião, foi criado o Comitê Nacional das Bacias dos Rios Pi-racicaba, Capivari e Jundiaí, designado, PCJ Federal. É com-posto por 50 membros divididos entre representantes daUnião, dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, dosmunicípios dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, edos usuários e da sociedade civil destes dois estados.

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que, dada a multiplicidade de interesses pre-sentes no interior do segmento, torna-se bas-tante difícil conseguir uma coesão interna, nãose aproveitando de todos benefícios que umaação em conjunto poderia trazer.

Contudo, podemos destacar alguns eventos(Campos, 2004c) que demonstram que a parti-cipação nas tomadas de decisão, nestes espaços,tem ocorrido de fato – ou seja, que os comitêstêm possibilitado o exercício da política –, e quea participação pode fazer a diferença.

Um primeiro evento que pode ser citado éa discussão sobre o Plano Emergencial de Pro-teção aos Mananciais – 1998-99, ocorrida em1997. Naquele momento, diversas entidades dasociedade civil apoiaram o processo de elabo-ração do referido plano, promovendo deba-tes e realizando inspeções às áreas objeto daLei com a finalidade de atualizar informaçõese fixar suas posições. No entanto, o processode votação do Plano teve alguns percalços e asreferidas entidades tiveram apenas dois diaspara analisar a proposta. Uma vez superado oproblema, as entidades conseguiram incluiralgumas demandas8 e a questão foi levada aoConselho Estadual de Meio Ambiente, o qualconcedeu direito de voz para os representan-tes da sociedade. Contudo, a implementaçãodo Plano Emergencial dependia de recursosfinanceiros e isto era um outro problema a serenfrentado.

Outro exemplo que pode ser apresentadoé o caso do Projeto de “Flotação”9 para o rioPinheiros, proposto em 2001. Em uma reu-

nião do Conselho Estadual de Recursos Hí-dricos – CRH, na qual seria votado o referidoprojeto, algumas entidades da sociedade civilse organizaram e apresentaram algumas crí-ticas à proposta, pressionando para que elanão fosse votada, sem que as Câmaras Técni-cas do Comitê a examinassem e que se fizes-sem estudos mais intensos. Propuseram umaação judicial junto ao Ministério Público doEstado de São Paulo e enviaram cartas à po-pulação, explicando os conflitos. Esta inicia-tiva foi bem-sucedida e o projeto não foi vo-tado naquela reunião.

O terceiro caso que podemos mencionar éa Revisão do Manual de Procedimentos doFundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHI-DRO. Em 1999, o governo do Estado de SãoPaulo, através do COFEHIDRO e do CRH, re-tomando alguns antecedentes jurídicos dosanos de 1997 e 98, determinou que “as Orga-nizações da Sociedade Civil jamais deveriamter acesso a tal fundo”. Isso resultou na Deli-beração 05/99, que excluiu tais organizaçõescomo tomadoras de recursos do FEHIDRO. Osrepresentantes da sociedade civil no CBH-AT,valendo-se de sua força junto aos outros CBH’sdo estado, se articularam rapidamente parareverter este processo. Eles conseguiram con-vencer o Secretário de Recursos Hídricos ereverteram a Resolução 05/99, através do Pro-jeto de Lei 675/00.

Por fim, podemos citar o episódio da nego-ciação da renovação de outorga do SistemaCantareira, que estava para finalizar em agos-to de 2004. Visando discutir a renovação daoutorga e, posteriormente, encaminhar pro-postas aos níveis competentes – Agência Naci-onal de Águas – ANA, e Departamento Esta-dual de Água e Energia Elétrica – DAEE, foicriado, em dezembro de 2003, o Grupo deTrabalho Cantareira, composto por represen-tantes do três níveis de governo e da socieda-de civil. Entre as ações desenvolvidas, pelo cha-mado GT Cantareira, podemos citar: coleta esistematização de informações, e organizaçãoe divulgação dos resultados dos debates, estu-dos e demais trabalhos efetuados. Apesar deque a decisão final sobre a outorga estava forade seu alcance, a mobilização destes atores teveresultados positivos e eles conseguiram incluiralgumas de suas demandas.

8 Entre estas demandas destacamos: a compatibilização dosdados; atualização dos mapas e limites; definição das fontesde recursos; harmonização das ações e programas; inclusãodo Ministério Público nas intervenções em áreas invadidasou irregulares; designação da equipe de fiscais com capaci-dade e qualificação, exigindo ação imediata; exigência, demodo inédito, de uma Auditoria Independente da SociedadeCivil. Informações obtidas junto a representantes do Institutode Arquitetos do Brasil – IAB/SP, em 10/09/2001.9 Este projeto, que visava produzir mais energia elétrica naUsina Henry Borden, contaria com a participação da iniciati-va privada e com a adoção de uma técnica conhecida comoflotação para remover certas substâncias das águas, antesde enviá-las à represa Billings. Esta técnica utiliza-se da adi-ção de sais à água, os quais ao reagir fazem com que certosresíduos flutuem na água para depois serem recolhidos.

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O que estes quatro eventos têm comum?Eles têm em comum o fato de que, neles, no-tou-se uma presença marcante dos represen-tantes da sociedade civil, especialmente, noComitê Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) e no Subcomitê Billings-Tamanduateí(SCBH-BT). Esta particularidade nos levou aquestionar sobre o que estaria por trás do su-cesso destas ações participativas. Consideran-do que estes comitês foram criados pela lei,ponderamos se a causa desta mobilização eparticipação não seria a preexistência dos fa-tores mencionados anteriormente: capital so-cial, cultura política e práticas associativas.

A fim de buscar respostas a esta questão,procuramos conhecer os antecedentes da cri-ação de cada um destes arranjos, bem como aspráticas associativas que por ventura existissemnestas bacias.

CRIAÇÃO DOS COMITÊS – ANTECEDENTESComitê de Bacia Hidrográfica-Piracicaba,Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ)Embora o Comitê PCJ tenha sido criado

pela lei no. 7663, de 1991, podemos observarque, na Bacia dos rios Piracicaba, Capivari eJundiaí, já havia um histórico de sensibiliza-ção, mobilização e participação dos diferentesatores frente às questões que se apresentavamna região com relação aos recursos hídricos,fato que colaborou com o desenvolvimento docomitê.

Neste sentido, desde a década de 60, têmsido realizados, protestos, campanhas e açõesem prol da descontaminação das águas do rioPiracicaba e contra a mortandade de peixes.Estas atividades foram impulsionadas pelosproblemas hídricos existentes e coordenadaspor vários atores sociais: entidades de classe,como a dos engenheiros e a dos arquitetos;universidades; políticos, tais como deputadosem nível federal e estadual (Ojima, 2003); ci-dadãos, que sofriam os impactos da contami-nação das águas; entre outros.

A Campanha “Ano 2000 – Redenção ecoló-gica da Bacia do Piracicaba”, realizada em 1985,pelo Conselho Coordenador das Entidades Ci-vis de Piracicaba e pela Associação de Engenhei-ros e Arquitetos de Piracicaba, é um bom exem-plo desta mobilização. Esta campanha encami-

nhou uma “Carta de reivindicações” ao Gover-no estadual; que tinha como uma de suas rei-vindicações a formação de um organismo in-termunicipal para fazer a gestão das águas nabacia do Piracicaba (Brochi et al, 2002).

Outro resultado da mobilização destes ato-res, foi a criação, em 1989, do “Consórcio In-termunicipal das bacias dos rios Piracicaba eCapivari”10, que contou, inicialmente, com aparticipação de 11 municípios, representadospelos seus prefeitos, e que, hoje, abriga 39municípios, 33 empresas e diversas entidadesda sociedade civil.

O Consórcio Intermunicipal PCJ teve umaatuação bastante importante no processo decriação do Comitê de Bacia Hidrográfica PCJ,dando, inclusive, suporte aos usuários, em ter-mos técnicos, legais e institucionais, para queeles pudessem participar do comitê. Desde1997, o Consórcio PCJ tem assento no ComitêPCJ, como usuário (sociedade civil).

A partir de então, tanto o Consórcio, quan-to o Comitê PCJ, têm tido uma atuação impor-tante no trato das questões hídricas e tambémregionais. Um exemplo é a negociação sobrea renovação da outorga do Sistema Cantarei-ra, citada anteriormente. (Campos, 2004a)

Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê(Subcomitê Cotia-Guarapiranga e SubcomitêBillings-Tamanduateí)A criação do Comitê de Bacia Hidrográfica

do Alto Tietê também foi estabelecida pela leide 1991, mas o Comitê só foi implementadoem 1994.

Antes de se iniciar efetivamente os trabalhos,houve uma discussão sobre a descentralizaçãoadministrativa do referido Comitê e ele foi divi-dido em cinco subcomitês, dois dos quais o sub-comitê Cotia-Guarapiranga e o Billings-Taman-duateí, sobre os quais iremos tratar.

10 Nas negociações referentes aos recursos hídricos da re-gião, sempre foram considerados os rios Piracicaba e Capi-vari, porque sua bacia contém parte significativa da área ur-banizada do município Campinas e porque cerca de 50% dosesgotos de Campinas são lançados no Ribeirão Piçarrão, aflu-ente do rio Capivari. O rio Jundiaí só foi incorporado apenasem 2000, por pressão política; o Consórcio tornou-se, então,Consórcio PCJ. (Ojima, op.cit.)

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Estas unidades menores – as sub-bacias –,apresentam diferenças entre si, as quais têminfluenciado o desenvolvimento e a atuaçãodos subcomitês. Eles não são homogêneos eos resultados têm dependido muito dos repre-sentantes envolvidos.

Os subcomitês escolhidos para análise sãoos que têm tido uma maior atuação, na Baciado Alto Tietê; são justamente aqueles onde,anteriormente à instalação do Sistema de Ge-renciamento de Recursos Hídricos – SIGRH,já eram desenvolvidas atividades políticas.

No processo de constituição do SubcomitêCotia-Guarapiranga, é preciso ressaltar as açõesdesenvolvidas para a implementação do Pro-grama de Saneamento Ambiental da Bacia doGuarapiranga (1991), o qual contou com re-cursos internacionais e com o envolvimentode vários níveis de governo e da sociedade.

De acordo com Cunha (2004, 83), “asprincipais iniciativas para a criação do sub-comitê de bacia hidrográfica Cotia-Guarapi-ranga – SCBH-CG, foram a legislação esta-dual, que previa na lei os comitês e subco-mitês; o Programa Guarapiranga, que pre-via a instalação de um organismo de gestãode recursos hídricos na bacia, e que posteri-ormente se transformou no subcomitê, e oagravamento das condições ambientais dabacia e do reservatório em função da dinâ-mica de ocupação do solo.”

Previamente ao estabelecimento do subco-mitê, já existiam na bacia movimentos sociaisligados aos recursos hídricos e preservaçãoambiental, como é o caso das associações SOSGuarapiranga e Gaia – Horizonte Azul.

O Subcomitê – Billings-Tamanduateí(SCBH-BT), por sua vez, tem suas origensna instância de articulação criada para a exe-cução dos trabalhos do Programa de Recu-peração Ambiental para a Bacia Billings.Também influiu na criação deste subcomitê“a ocorrência de eventos críticos como asenchentes, o agravamento das condiçõesambientais da bacia, especialmente o com-prometimento da qualidade das águas doreservatório e o conflito pelo uso das águas,em decorrência das ocupações irregularesem áreas de manancial e usos concorrenci-ais.” (Cunha, op.cit.,73-74 ).

De acordo com Neder (op.cit., 216), “trata-se do [sub]comitê com maior penetração re-gional e maior capacidade governativa diantede uma divisão de trabalho político mais avan-çada preexistente.”

Anteriormente à sua instalação, já eramdesenvolvidas atividades políticas na região,destacando-se a atuação de importantes arti-culadores regionais, tais como o ConsórcioIntermunicipal Alto Tamanduateí – Billings, aCâmara Regional do ABC e a Agência de De-senvolvimento do Grande ABC.

O Consórcio Intermunicipal Alto Taman-duateí-Billings, conhecido como ConsórcioABC, foi criado em 1990 e suas primeiras ati-vidades tinham como preocupação a questãoambiental. Este Consórcio congrega setemunicípios: Santo André, São Caetano do Sul,São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires, RioGrande da Serra e Mauá, os quais possuem amaior parte de seu território em área de pro-teção aos mananciais.

A Câmara Regional do ABC, por sua vez,foi criada em 1997. Trata-se de um espaçoonde o poder público e a sociedade civil sereúnem para elaborar um planejamento es-tratégico, a fim de equacionar os problemas –social, econômico, ambiental, físico-territori-al, de transporte e de circulação – e buscarsoluções aos mesmos.

Neste mesmo ano, também foi criada aAgência de Desenvolvimento do Grande ABC,com o objetivo de produzir e disseminar in-formações sócioeconômicas da região e darsuporte institucional ao Consórcio ABC e àCâmara Regional.

Além disto, historicamente, a sub-bacia Bi-llings-Tamanduateí tem sido palco da atuaçãode diversos movimentos ambientalistas, taiscomo: a Comissão de Defesa da Billings, oMovimento de Valorização da Vida – MDV, aSOS Billings, a Billings eu te quero viva, o Vi-tae Civilis, entre outros, a maioria dos quais,criados na década de 80. Estas associações têmestado presentes na discussão e resolução dediversos problemas, entre os quais está o Pro-jeto de flotação, já citado.

Para Cunha (op.cit, 6), “o subcomitê debacia hidrográfica Billings-Tamanduateí, porpossuir uma densa rede de atores sociais e uma

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maior articulação política entre Estado e Soci-edade Civil apresenta níveis de desempenhoinstitucional superiores” aos demais subcomi-tês do Comitê Alto Tietê.

Nestes três casos apresentados, nota-se que,a existência de movimentos organizados emobilizados, bem como sua articulação comgovernos municipais, têm contribuído para apolitização das questões relacionadas aos re-cursos hídricos e possibilitado que os comi-tês tenham uma atuação considerável desdeseu início.

CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕESEste trabalho teve como objetivo apresen-

tar uma análise preliminar sobre os comitêsde bacia hidrográfica, criados no estado deSão Paulo, tendo como princípios norteado-res a descentralização, a participação e a in-tegração. Neste trabalho, enfocamos a parti-cipação – entendida como o envolvimento dediferentes atores no processo de tomada dedecisão em assuntos públicos –, buscando ele-mentos que nos permitissem compreenderseu alcance, sua contribuição e as perspecti-vas existentes.

A alternativa adotada para o gerenciamen-to dos recursos hídricos apresenta duas inova-ções. A primeira inovação refere-se à partici-pação de novos atores na discussão sobre ques-tões que incidem sobre a coletividade; a segun-da, refere-se ao fato de que, pelo menos emteoria, tal participação deve ocorrer na toma-da de decisão.

Contudo, em várias situações, podemos ob-servar que as construções teóricas e seus mo-delos encontram dificuldade para serem im-plementados. Surge, então, uma dúvida comrelação aos comitês de bacia. Na prática, elesestão se efetivando enquanto arranjos partici-pativos?

A partir de uma análise preliminar de al-guns eventos em que estiveram envolvidos oComitê de Bacia Hidrográfica Piracicaba, Ca-pivari e Jundiaí e os Subcomitês Cotia-Guara-piranga e Billings-Tamanduateí, obtivemos al-gumas informações que nos permitem dizerque, embora a participação nestes comitês nãoseja ampla, ela está ocorrendo, tem permitidoo exercício da política e com bons resultados.

Considerando que tais comitês foram cria-dos a partir da promulgação de uma lei, nosindagamos quais fatores contribuíram para osucesso destes comitês; se existiram alguns ele-mentos, anteriores à implementação dos co-mitês, que podem ter colaborado com o êxitode seu funcionamento.

Novamente, os casos estudados nos trou-xeram elementos que parecem corroborar aidéia de que a pré-existência de capital sociale de práticas associativas na área, de um his-tórico de mobilização e ação coletiva, podemcolaborar no processo de implementação doscomitês.

Por um lado, a existência de grupos atuan-tes tem contribuído para uma maior partici-pação e um melhor desempenho do comitê e,por outro, a participação nos comitês tem con-tribuído para o exercício da política e para oempoderamento da sociedade civil.

Ressaltamos, porém que, apesar desta aná-lise colaborar para comprovar esta idéia, elanão prova o contrário, isto é, ela não provaque se não houver estas pré-condições o comi-tê estará fadado ao fracasso.

Podemos considerar que as informaçõesobtidas sinalizam um campo na área do geren-ciamento de recursos hídricos que necessitade mais investigações; existem poucos estudosdesenvolvidos sobre o desempenho destes ar-ranjos e sobre os fatores a ele relacionados.Neste sentido, é preciso que se desenvolvammais pesquisas científicas, utilizando, inclusi-ve, ferramentas que permitam mensurar ecomparar os dados obtidos.

A implementação do processo de gestãointegrada, descentralizada e participativa nãoé fácil. Trata-se de um processo longo que de-manda aprendizado, tanto do poder públicoquanto da sociedade civil organizada. Esteaprendizado está relacionado entre outros fa-tores, ao diálogo entre os envolvidos, à consci-entização e maior participação dos diversossetores envolvidos com a questão e à constru-ção de uma nova postura, uma cultura de par-ticipação política.

No momento, duas ações parecem necessá-rias. De um lado, é preciso manter o interessedos envolvidos; aprimorar o processo, redefi-nindo a questão da representatividade dos seg-

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Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

mentos e respeitando o colegiado como umespaço para tomada de decisão. De outro, épreciso enfrentar o desafio de trabalhar umterritório sem identidade (Cardoso, 2003),buscar formas de conscientizar aqueles queainda não participam dos colegiados e resistiraos interesses contrários à participação.

A participação da sociedade não é apenasum fim em si mesma. Ela é também um meioque contribui para equacionar as variáveis quecompõem o problema hídrico e para pressio-nar o Estado a realizar suas obrigações.

Acreditamos que o gerenciamento descen-tralizado, integrado e participativo dos recur-

sos hídricos terá boas perspectivas, dependen-do do nível de participação possibilitado e dosresultados desta participação, isto é, quantomais os atores puderem conhecer, opinar edecidir sobre os problemas que os envolvem,direta ou indiretamente, vendo suas decisõesserem implementadas, mais próximos estare-mos da consolidação destes espaços, com gan-hos mais amplos que extrapolarão o campo dosrecursos hídricos.

O Sistema de Gerenciamento de RecursosHídricos – SIGRH, “é ao mesmo tempo umfato e uma promessa”, nos cabe agir. (Mar-tins, 2002)

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International economic law:water for money’s sake?

Howard Mann

ABSTRACT: This article considers the differ-ent ways in which international trade law andinternational investment law can impact waterresources management at the local or nation-al level. These areas of international econom-ic law are substantially different from the tra-ditional role of international law relating towater. Whereas traditional sources of interna-tional law have centred on issues concerningshared waterways – rivers or lakes that eitherform a boundary between states or cross aboundary – and sought to apportion roles, re-sponsibilities and rights among the states thatshare such waterways, as well as tried to securean equitable distribution of water uses fromavailable resources, with a growing emphasison meeting basic human needs, these areas ofinternational economic law are increasinglycreating foreign rights to access water resourc-es in other states, whether to provide servicesor to exploit the available water resources forother economic purposes. The specific ques-tions that the author seeks to answer in thisarticle are: (i) how trade law may lead to im-pacts on access to freshwater resourcesthrough trade in those resources; (ii) how in-ternational trade and investment agreementsare creating new rights of access by foreign cor-porations to provide water services; and (iii)how international investment law protects for-eign investors and their access to water resourc-es or to provide water services in certain cir-cumstances. The political and policy pressuresthat are being created by the ongoing negoti-ations at the multilateral, regional and bilater-al levels to expand the scope of internationaleconomic law will also be considered, and whatthis means for basic issues of water manage-ment and access by all to vital water services.Finally, the author formulates some specificrecommendations to address the key problemsidentified.

KEY WORDS: International laws, trade, com-merce agreements, impacts, water resources

RESUMEN: Este artículo considera las diferentesmaneras en las cuales las leyes de comercio interna-cional y las leyes de inversión internacional puedenimpactar a la gestión de los recursos hídricos a nivellocal o nacional. Estas áreas de la legislación econó-mica internacional son sustancialmente diferentesdel rol tradicional de la legislación internacionalrelativa al agua. Mientras que las fuentes tradiciona-les de legislación internacional se han centrado entemas concernientes a recursos hídricos comparti-dos – ríos o lagos que sean limítrofes entre estados oque cruzan una frontera – y han buscado asignarroles, responsabilidades y derechos entre los esta-dos que comparten dichos cursos de agua, así comohan tratado de asegurar una distribución equitativade los usos del agua de las fuentes disponibles, conun énfasis creciente en satisfacer las necesidadeshumanas, estas áreas de derecho económico inter-nacional están crecientemente creando derechosextranjeros para acceder a los recursos hídricos enotros estados, ya sea para proveer servicios o paraexplotar los recursos disponibles con un fin econó-mico. Las preguntas específicas que el autor buscaresponder en este artículo son: (i) como las leyes decomercio pueden guiar a impactos en el acceso alos recursos de agua dulce a través del comercio dedichos recursos, (ii) como los tratados de comercioe inversión internacional están creando nuevos de-rechos de acceso a través de corporaciones extran-jeras para proveer servicios de agua; y (iii) como lasleyes de inversión extranjera protegen a los inver-sionistas extranjeros y su acceso al recurso hídrico opara proveer servicios de agua bajo ciertas circuns-tancias. Las presiones políticas y de política que es-tán siendo generadas a través de las negociacionesen marcha a niveles multilateral, regional y bilatera-les para expandir el ámbito de la legislación econó-mica internacional también será considerado, ade-más de lo que esto significa para temas básicos degestión del agua y del acceso de todos a los serviciosde agua vitales. Finalmente, el autor formula algu-nas recomendaciones específicas para abordar losproblemas claves identificados.

PALABRAS CLAVES: Legislación internacional,comercio exterior, acuerdos comerciales, impac-tos, recursos hídricos

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INTRODUCTIONThe issue that frames this discussion is: in

whose interest and for whose benefit does in-ternational economic law address water man-agement issues? The title is actually derivedfrom an old rock song of the 1980’s which con-tains the refrain, “Art for art’s sake, money forGod’s sake”. The question posed in this paperis: for whose sake is water addressed in today’sinternational economic law?

The need for the sound management ofincreasingly scarce water resources is wellknown. The issue for discussion here is whatdo specific aspects of international law have tosay about meeting this need? What values anddemands take priority on water uses under in-ternational economic law?

International law has, for well over a centu-ry, addressed issues concerning shared water-ways – rivers or lakes that either form a bound-ary between states or cross a boundary. In morerecent decades, this has expanded to includenotions of water basin management amongseveral states that share a common river basin.International law today seeks to apportionroles, responsibilities and rights among thestates that share such waterways. Over the years,international law in this area has moved fromnarrow concepts of riparian rights to broaderconcepts of equitable rights between states, andfrom protecting navigable uses to ensuringadequate water quantity and quality for thewide range of non-navigational uses of water:drinking and other human uses, agriculture,sewage treatment, small and large industry.1This is the most traditional domain of interna-tional law in relation to water: state-to-staterights and obligations in relation to sharedwater resources.

International law today also addresses wa-ter issues from a human rights perspective:does international law create a right to safe,clean water for drinking, subsistence, agricul-

tural, or even industrial uses? If so, what is thescope of that right? Clearly, with water becom-ing a scarcer commodity, the human right tosafe, clean water is going to continue to growas a factor in water use and allocation decisions.As international human rights law is generallyaimed at placing obligations on states to pro-tect the human rights of their citizens, ensur-ing the right of all people to clean water willbecome as much of a benchmark as a challengein this field.

Other branches of international law also deal,in varying ways, with water today: the laws ofwar seek to prevent states from using water as aweapon, for example. And agreements to re-duce or prevent acid rain developed, in largepart, in order to protect lakes that were beingpolluted from distant sources of pollution.

This paper considers the different ways inwhich two critical branches of internationaleconomic law – international trade law andinternational investment law – can impact wa-ter management decision-making at the localor national level. First, how trade law may leadto impacts on access to freshwater resourcesthrough trade in those resources is considered.It is this issue that initially sparked the tradelaw and water debate in 1993. Second, the pa-per will look at how international trade andinvestment agreements are creating new rightsof access by foreign corporations to providewater services. Known as “services liberaliza-tion” and “privatization”, both trade and in-vestment agreements play a role here. Third,the role of international investment law andhow it protects foreign investors and their ac-cess to water resources or to provide water ser-vices in certain circumstances will be reviewed.An important part of this and the previous sec-tion is the so-called investor-state dispute set-tlement arbitration process, which allows indi-vidual investors to seek to enforce their rightsunder international law and outside of domes-tic legal processes. This dispute settlementright has been exercised in several ways to date,including several claims to damages arisingfrom changes in domestic water service situa-tions,2 a claim that a pollution control mea-sure aimed at protecting groundwater violat-

1 Several recent works describe the current state of the lawand dispute settlement in this state-state area. See, e.g., Ibra-him Kaya, Equitable Utilization: The Law of the Non-Naviga-tional Uses of International Watercourses, 2003; See also thePermanent Court of Arbitration/Peace Palace papers, Reso-lution of International Water Disputes, 2003. 2 This issue is returned to in more detail below.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

ed investor rights,3 and a very recent claimunder the North American Free Trade Agree-ment (NAFTA) Chapter 11 that Mexico mustallow more water to flow into Texas from theRio Grande for farmers in Texas to access asthey are, it is claimed, the owners of the legalrights to this water flow.4

These areas of international economic laware substantially different from the traditionalrole of international law relating to water.Whereas traditional sources have created rightsbetween states, and sought increasingly to se-cure an equitable distribution of water usesfrom available resources, with a growing em-phasis on meeting basic human needs, theseareas of international economic law are in-creasingly creating foreign rights to access wa-ter resources in other states, whether to pro-vide services or to exploit the available waterfor other economic purposes.

Finally, the political and policy pressuresthat are being created by the ongoing negoti-ations at the multilateral, regional and bilat-eral levels to expand the scope of all the ar-eas of law noted above will be considered, andwhat this means for basic issues of water man-agement and access by all to vital water ser-vices. Some specific recommendations to ad-dress the key problems identified are includ-ed in Annex 1.

How well this growing part of internation-al law responds to the critical human demandsfor water, and concepts of equity and the hu-man right to safe water supplies is part of theinvestigation below. The goal of this paper is,however, rather modest: to ensure that thechallenges to sound water management posedby developments in international economiclaw are understood so that they can be ad-dressed though legal, administrative and pol-icy measures that allow their benefits to becaptured but their risks to be eliminated, orat least mitigated.

TRADE IN WATERThe first significant debate on trade and

water took place under the NAFTA regime, justas soon as the ink was dry. The chief source ofconcern was Canada: would NAFTA mean thatCanada had to export water from its lakes andrivers to the United States if the US demand-ed it? This issue became so serious in 1992-93,that Canada demanded an interpretive notefrom its NAFTA partners ensuring that it couldnot be compelled to export freshwater. The keytext of the NAFTA statement of September1993 states that:

Unless water, in any form, has entered intocommerce and become a good or product, it isnot covered by the provisions of any trade agree-ment including the NAFTA. And nothing in theNAFTA would oblige any NAFTA Party to ei-ther exploit its water for commercial use, or tobegin exporting water in any form.5

The Statement went on to say that water inits natural state was governed by other trans-boundary water agreements between Mexicoand the United States and Canada and theUnited States, of the type noted in the intro-duction.

The NAFTA water statement left as muchopen to question as it possibly could have whileaddressing the political crisis the protection ofCanada’s water raised. First and foremost, it isclear that if water has entered into commerceand become a good or a product it is coveredby NAFTA. This is so even, for example if it issold through a water diversion project. (It isimportant to note here that this means whenwater is sold, not shared on a non-commercialbasis between states under other internation-al agreements.) Second, while the statementsays that water in its natural state in lakes andrivers is not a good or product, this does notmean that rights to use or take the water maynot be subject to NAFTA or other economicagreements. Third, the apparently categoricalgovernmental view that trade law does not ad-

3 Methanex v. United States of America, under NAFTA’s Chap-ter 11, written docuements available at www.naftalaw.org, oralhearings completed in June 2004, decision pending.4 Texas Water Claims, Notice of Intent to Submit a Claim toArbitration under NAFTA Chapter 11, August 27, 2004, atwww.naftalaw.org

5 1993 Statement by the Governments of Canada, Mexico andthe United States. This statement does not appear to have aformal name or number, but is referred to on many occasionsby Canada and the United States. The author has a copy ofthe statement.

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dress water in its natural forms has since beenpulled back from in other important officialstatements. The bilateral International JointCommission, for example, stated that

The Commission’s initial analysis indicates thatit would appear unlikely that water in its naturalstate (e.g., in a lake, river, or aquifer) is includedwithin the scope of any of these trade agreementssince it is not a product or good, and indeed theNAFTA parties have issued a statement to thiseffect. When water is “captured” and enters intocommerce, it may, however, attract obligationsunder GATT, the FTA, and NAFTA.6

How broad “captured” is as a concept is notestablished.

This was similar to the government of Cana-da view in 2000-2001 on its own proposed legis-lation on water exports. In 2001, Canada adopt-ed a regulatory licensing approach for exportsrather than a direct prohibition in order, in itsview, not to trigger the application of trade lawto an effort designed to prevent the commer-cialization of freshwater resources.7

Thus, the key issue of whether trade lawcan compel states to sell freshwater, throughdiversions, bulk exports, bottling, or othermeans, remains a live one. Bottling is the eas-iest to answer. There is no doubt that whenwater is sold in a package – a bottle, can, etc. –it becomes a good in commerce. The sameholds true if it is sold in a bulk container likea ship or large floatable bag. When this hap-pens, all the rules on trade come into play.Imports and exports of bottled water, for ex-ample, cannot be constrained without dueconsideration for trade rules such as non-dis-crimination as regards the place of consump-tion. In many cases, this may mean that nolegal constraints on exporting water in suchforms would be allowed. This does not mean

that any potential exporter would have a rightto draw water from any source for export:water draws on any one water source couldbe subject to the environmental limits andcontrols appropriate to that source. Howev-er, the fact that the water is being exported asopposed to domestically consumed could notbe a factor in a decision under trade law.8

Domestic consumption requirements for with-drawals of this type cannot be imposed.

An important question arises as to whethera single license or permit to export water fromfreshwater sources, especially water in bulkcontainers like ships, large floating bags, tank-ers, or canal-type diversions means that wateras a whole, water from that state or provincehas now entered into commerce. If it has, thenthis would mean that other potential sellers ofwater could ask for equal, non-discriminatoryaccess to that freshwater resource, thereby al-lowing or even requiring water to be sold toother purchasers. This poses an obvious andsignificant risk for freshwater management,especially as demands for water continue torise. To forestall this risk, it is imperative thatall water withdrawals, including those for do-mestic consumption in any packaged form, bepermitted in accordance with the environmen-tal conditions that prevail for the use of thatwater source. A failure to account for the envi-ronmental sustainability of the water re-source – and for other equitable use consider-ations of local users – would make it harder toimpose conditions relating to such concernslater on should pressures to export freshwaterfrom the same source arise.

There is no definitive answer on this “trip-wire” problem. As a result, some jurisdictions

6 Source: Protection of the Waters of the Great Lakes: InterimReport to the Governments of Canada and the United States”,online: International Joint Commission, www.icj.org/php/pub-lications/html/interimreport/interimreporte.html.7 Bill C-6, An Act to Amend the International Boundary WatersTreaty Act, Legislative Summary, Library of Parliament, Par-liamentary Research Branch, 12 February 2001, at p. 10-11,available at http://www.parl.gc.ca/37/1/parlbus/chambus/house/bills/summaries/c6-e.pdf

8 Trade law has made significant strides in recognizing thatenvironmental and human health issues are important aspectsof regulating business conduct, and integrating this recogni-tion into trade disciplines. However, it remains very unclearwhether export-oriented pressures can be used as a factor inlimiting withdrawals on water, as opposed to an export-do-mestic use neutrality. For a more general review of trade andenvironment issues see John H. Knox, “The Judicial Resolu-tion of Conflicts between Trade and the Environment” 28 Harv.Envtl. L. Rev. 1, 2004; Howard Mann and Stephen Porter,The State of Trade and Environment Law, 2003, at http://www.iisd.org/publications/publication.asp?pno=570

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

have laboured to prevent the initial large scaleexport of water in bulk from taking place. TheCanadian province of Ontario in 1998, for ex-ample, made it clear that this was a factor inwithdrawing a bulk water export permit after itwas issued.9 Others, however, have establishedregulatory schemes instead of prohibitions, in-cluding the government of Canada in its 2001amendments to the International BoundaryWaters Treaty Act to address water exports.10

Similarly, the Great Lake States and Provincesin Canada and the United States have all signeda draft agreement that they say will enhance thebasin through the conditions and requirementsit sets out for permitting any exports.11 Criticssuggest, however, that this approach was in bothcases due, at least in part, to the kind of govern-mental view of trade law reflected upon above,and that it in fact creates the exact risk it no-tionally seeks to foreclose.12

What is also not clear is whether selling wa-ter to private water service companies for pub-lic consumption or sanitation purposes (i.e.privatization or concession agreements for wa-ter or sanitary services) would amount to acommercialization of water, or simply a newform of delivering a public service. For the ser-vice provider, the water is an essential commer-cial need, paid and utilized on commercialterms. From a consumer’s perspective, this may

simply be a different way to deliver the samepublic service. If this were to constitute a com-mercialization measure, then it could lead tothe same tripwire problem described above,and become an entry issue for potential com-petitors in water supply or related services.

In short, there remains significant uncertain-ty as to how trade law will or will not constraingovernmental abilities to prohibit or to restrictexports of freshwater resources. This uncertain-ty is compounded by elements of internationalinvestment law which have led to rulings, in atleast three cases in recent years, that the right toexport products can be seen as part of the set ofprotected rights of foreign investors.13 This mayallow private investors to enforce certain aspectsof trade law through the private investor rightsand remedies discussed below, even if states maynot be tempted to initiate a case against anotherstate to compel it to export water.

INTERNATIONAL ECONOMIC LAW ANDTHE “LIBERALIZATION” OF WATER SERVICESOne of the underlying principles of inter-

national economic law today is that the pro-gressive movement towards more free trade ingoods and services, and free movement of cap-ital between states is in itself a valid objective.Free trade and free movement of capital, it isargued will lead to higher levels of growth, andas a result to higher levels of development.

The language for the promotion of free tradein services is the “progressive liberalization” ofthe service sectors. This implies freeing the ser-vice sectors of limitations on the provision of ser-vices from outside or on foreign investment orforeign ownership of service companies insidethe liberalizing state. The latter is often preced-ed by the privatization of sectors that are in pub-lic hands: water and sewage, electricity, tele-phone, and others. Once included for liberal-ization, other states party to the agreement canuse the dispute settlement processes of the agree-ment to enforce the commitment and ensure

9 Notice of Withdrawal of Licence, issued by Paul Odom, Di-rector, Ministry of the Environment, Ontario to Nova Group,July 7, 1998.10 Bill C-6, An Act to Amend the International Boundary WatersTreaty Act, Legislative Summary, Library of Parliament, Par-liamentary Research Branch, 12 February 2001, available athttp://www.parl.gc.ca/37/1/parlbus/chambus/house/bills/sum-maries/c6-e.pdf11 The Great Lakes Charter Annex, 2001, http://www.cglg.org/1pdfs/Annex2001.pdf ; (Draft) Great Lakes Basin SustainableWater Resources Agreement, at http://www.cglg.org/1projects/water/docs/7-19-04Agreement-PublicRelease.pdf .12 In addition, some critics maintain the scheme set up in theagreement will act as an export licensing scheme and in facttrigger the very trade law impacts described above. See, forexample, Sierra Club of Canada, comments, at http://www.sierraclub.ca/national/postings/scc-comments-proposed-annex.pdf and Andrew Nikiforuk, “Political Diversions: Annex2001 and the Future of the Great Lakes”, Munk Centre forInternational Studies, University of Toronto, June 2004, at http://www.powi.ca/nikiforuk_June2004.pdf

13 These three cases are Pope & Talbot Inc. v. Can. (U.S.-Can.) NAFTA (June 1, 2000); S.D. Myers, Inc. v. Can. (U.S.-Can.), NAFTA/UNCITRAL Tribunal, (Nov. 13, 2000); MarvinFeldman v. Mexico, (US-Mexico) NAFTA, Final Award, 16December 2002, all available at www.naftalaw.org.

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that their businesses are able to enter that mar-ket.14 In other words, including a service sectorfor liberalization creates a right for foreign in-vestors to enter that service market, subject onlyto any specific limits imposed when it is includ-ed. The most common limitation is that foreigninvestors will not receive absolute rights, but na-tional treatment rights, i.e. the same legal rightsas domestic investors receive, but other limita-tions can and do frequently arise.

At least five different sources of law or poli-cy are at work promoting such liberalizationin service sectors:

The WTO’s General Agreement onTrade in Services, GATS;WTO Accession Agreements for statesthat were not original members of theWTO in 1995, mainly developing states;International investment agreements,whether bilateral or regional in nature;Regional Free Trade Agreements, whichare increasingly being driven by largereconomic actors to be “WTO plus” agree-ments, i.e. to go beyond the existing ob-ligations from the WTO; andThe World Bank, which through variousmeans is understood to promote privati-zation and hence the liberalization ofmany service sectors.

Of these, the first four are the subject ofsome discussion below. The work of the WorldBank, however, is beyond the scope of the pa-per per se, though in its work both it and thestates involved must be very cognizant of theinternational law implications they are creat-ing. This is often not the case today.

THE GATS15

In the water services context, the primaryissue is “trade” in services by way of what the

GATS calls “commercial presence”: when aforeign service provider establishes a businesspresence in the new state where it will providethe service in question. In more common lan-guage, this means making an investment.16

There are two approaches to liberalizationof services in a trade law agreement as it re-lates to services and to investment in services.One is a bottom up approach, where only sec-tors listed by a state are covered. The second isa top down approach, where all sectors areconsidered covered by an agreement exceptthose specifically excluded in a schedule. Thebottom up approach is used in the GATS. Thetop down approach is used in the NAFTA chap-ter on Services and on investment, and repli-cated in several other bilateral or regionalagreements in the hemisphere.

The GATS in general seeks to promote lib-eralization of all service sectors through a pro-cess of requests and offers during the negotia-tion of the agreement, and now its revision inthe Doha Round. The requests and offers areessentially bilateral processes that ultimatelytranslate into GATS schedules for each WTOMember state.

One additional note here: generally speak-ing, when a state lists a service sector, all levelsof government are bound, unless a limitationon the listing is included. Consequently, sec-tors with large state or municipal involvementwill be covered by a listing.

There is much myth around how the GATSor its equivalent agreements address water andwater related services. To date, no country haslisted its water sectors as being subject to liber-alization in a GATS schedule.17 Hence, they arenot covered to date.

Even when a sector is listed, there are arange of mechanisms that WTO Members canemploy to protect certain policy prerogatives.Some broadly worded exclusions for publicly

14 This is seen, for example, in Mexico’s successful effort toopen the US trucking service market to Mexican truckers. SeeIn The Matter of Cross-Border Trucking Services, Final Re-port of the Panel, February 6, 2001, available atwww.naftalaw.org15 General Agreement on Trade in Services, Annex, MarrakechAgreement establishing World Trade Organization. Availableat www.wto.org

16 Indeed, negotiators of the GATS during the Uruguay Roundhave confirmed informally that they originally intended to usethe word “investment” but that for political reasons this wasnot allowed. Commercial presence was the term used to cov-er investment without using that word.17 World Bank, Global Economic Prospects, 2004, Realizingthe Development Promise of the Doha Agenda, page xxi.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

provided services are available, though theselack proper definition and hence are subjectto some debate as to their full scope. Statescan also establish specific conditions for a sec-tor, imposing limits on the scope of a sectorbeing included, establishing universal serviceobligations, and grandfathering inconsistentlaws or regulations.18 What is critical is thatany such limitations or conditions must bemade clearly and expressly. Indeed, a recentWTO decision, the Mexican telecommunica-tions case, has indicated that both what is stat-ed and what is not stated will be strictly ad-hered to.19 This means that high degrees ofexpertise and foresight are needed to pre-serve policy and legal space in any listed sec-tor. A failure to establish limits and conditionswill lead a dispute settlement body to rule thatnone were intended.

This places a high burden on capacity build-ing. Given the disparity in legal capacity inGATS and similar trade negotiations, the high-er risk level clearly falls on developing coun-tries in this regard, as seen in the Mexican tele-communications case.

While the current state of GATS is such thatthere are no water sectors expressly includ-ed, and there is a broad legal capacity to gen-erate conditions or limitations on listed ser-vice sectors, both of these elements are sub-ject to change under the Doha Round nego-tiations. The expansion of services liberaliza-tion was foreseen in the original Doha Decla-ration. The most recent negotiating docu-ment, the July 2004 WTO statement that re-sumed the Doha Round negotiations afterCancun, includes a specific statement that nosectors are to be a priori excluded from nego-tiations.20 Hence, all public utility and service

sectors are subject to negotiations and thepressures that come with them.

Accompanying the liberalization commit-ments of the GATS negotiations is a secondtranche of GATS-based negotiations. The orig-inal GATS of 1994 included a built-in negotia-tion on “disciplines” or rules for making regu-lations that apply to listed sectors.21 Negotia-tions on such limits continue in the DohaRound. One proposal would see states limitedto taking measures to ensure “the quality” of aservice. How this would relate to critical issuessuch as universal service obligations and pric-ing levels in the water sector is not clear. As aresult, the inclusion of water and water-relat-ed services (or any other public sector service)in a schedule by a WTO Member will requirean increased level of care and skill to ensurethe results from the combined negotiations onliberalization and disciplines on regulationmaking are what is intended and appropriatepolicy space is left. There is no track recordfor the WTO or any other organization in pro-viding levels of technical assistance that willensure this need is met.

WTO ACCESSION AGREEMENTSWhile perhaps not particularly critical for

Latin American, the WTO does today have asecond process by which service sector obliga-tions can be included in a member’s commit-ments. This is through the WTO Accessionprocess, where commitments in excess of thosemade in the GATS 1994 schedules are beingsought in many cases, and achieved in some.

The WTO Accession process has involvedsuch large economies as China (completed)and Russia (still in progress), and numerousdeveloping countries. In Latin America, Ecua-dor and Panama have completed their acces-sion negotiations and are now WTO members.There are no ongoing accession negotiationswith Latin American or Caribbean states.

For the sake of completeness, however, oneshould note that accession negotiations, whichtake place through a series of bilateral andgroup negotiations under WTO auspices, do

18 Elizabeth Tuerk, Aaron Ostrovsky, Robert Speed, “GATSand Water: Retaining Policy Space to Serve the Poor”, forth-coming, Chapter 6 in Edith Brown Weiss, Laurence BoissonDeChazournes and Nathalie Bernasconi-Osterwalder, eds.,Water and International Economic Law, Oxford UniversityPress, forthcoming.19 Mexico - Measures Affecting Telecommunications Services,Report of the Panel, 2 April 2004, WT/DS204/R.20 World Trade Organization, Doha Work Programme, deci-sion Adopted by the General Council on August 1, 2004, WT/L/579, 2 August 2004, Annex C, para d.

21 GATS, Article VI:4, reiterated in Doha Work Programme,ibid, Annex C, para. E.

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include negotiations on services liberalizationand some agreements have included liberal-ization commitments for public service sectors.

International Investment Agreements andBilateral/Regional Free Trade Agreements

The GATS is not the only international ne-gotiation on services liberalization. Services lib-eralization is also being done in investmentnegotiations and the agreements that resultfrom them. These can include bilateral invest-ment treaties (BITs), regional agreements, andinvestment sections of Regional and BilateralFree Trade Agreements. Investment agree-ments can include what trade policy calls ser-vice liberalization commitments and what in-vestment policy calls “pre-establishment rights”or “rights of establishment”.

The most common understanding of inter-national investment agreements is that theyapply after an investment has been started, or isoperational, a subject returned to shortly be-low. But, many investment agreements also in-clude pre-establishment rights. These createrights for foreign investors from the countriesthat are party to the agreements to establishbusinesses in the covered sectors, usually underthe same rules that would apply to domesticinvestors (“National treatment”). However,there are also some circumstances where for-eign investor rights can both legally and prag-matically exceed domestic rights, for exampleif the right to establish is not made subject tonational treatment or if, in practice, only for-eign companies have the financial or technicalresources for a large service sector investment.

Just like trade law, commitments can bemade by express listing (the bottom up ap-proach) or by a general inclusion of all sectorssubject to a listing out (the top-down ap-proach). The NAFTA and the current US Mod-el Bilateral Investment Treaty take a top-downapproach, reflective of their aggressive positionon promoting all areas of investment liberal-ization. Most other regional or bilateral agree-ments appear to be more cautious, employinga bottom up listing approach when includingpre-establishment rights at all.

Regional and bilateral free trade agreementscontinue to gain negotiating steam, notwith-standing the stalled Free Trade Agreement of

the Americas (FTAA) process. Beyond the NAF-TA, at least seven Agreements or frameworksintegrating trade and investment obligationsalready exist within the Americas,22 and the de-mand for more such agreements continuesunabated. Increasingly, these are also beingdeveloped between developing countries on abilateral as well as regional basis. When negoti-ations are between developed and developingcountries, the demands for market access forgoods and agricultural products by developingcountries are often now being met by demandsfor investment market access by developedcountries. For some, this is based on an eco-nomic philosophy that argues that liberalizationis good for all.23 For others it is being driven bya need to find less mature investment marketsfor service sector businesses that have little scopefor real expansion at home. For some, perhapsit is a combination of both factors.

Whatever the driver, when market access foragricultural and non-agricultural goods isplaced into a negotiating context with increasedaccess for foreign investors, final agreements canreflect greater concerns for the benefits of theformer than the risks of the latter. These risksare, for all practical purposes, the same as forthe risks associated with GATS liberalizationnegotiations: the loss of policy space to ensureessential services are available for all, a declin-ing ability to offset rich and poor service areasand higher and lower return service deliverymodes,24 and ensuring disadvantaged groups

22 US-Chile FTA, Canada-Chile FTA; US-CAFTA FTA; Cana-da-CAFTA FTA, EU-Chile FTA, MERCOSUR, Andean Pact,at a minimum.23 This is not the place to debate the rationale of services liberal-ization, but one may note some recent studies that suggest thisbelief is, at best, overstated, and that the primary benefits ac-crue, as often as not, to the service exporter. In a Latin Ameri-can context see, Bouzas, Roberto and Chudnovsky, Daniel,Foreign Direct Investment and Sustainable Development: TheArgentine Experience, March 2004, http://www.iisd.org/pdf/2004/investment_country_report_argentina.pdf; Da Motta Viega,Pedro, Foreign Direct Investment in Brazil: regulation, flows andcontribution to development, May 2004; http://www.iisd.org/pdf/2004/investment_country_report_brazil.pdf; United NationsEconomic Commission for Latin America and the Caribbean,Foreign Investment in Latin America and the Caribbean, 200324 This is what Mexico was ruled to have lost in the Mexico -Telecommunications case at the WTO, supra.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

have equal access to essential services under ahuman rights concept. A failure to fully addressand mitigate these risks in an agreement canbe very difficult to overcome later.

A critical reason for the difficulty in over-coming any negotiating failures in an invest-ment agreement or an investment chapter ofa free trade agreement is that private investorswill almost always have access to special inves-tor-state dispute settlement processes, as dis-cussed below. These dispute settlement pro-cesses can and do allow for the overriding ofdomestic law when it is deemed to conflict withthe international law rights granted to a for-eign investor, thus privileging them with addi-tional rights and remedies outside the domes-tic legal context. This includes the ability toseek damages for any infringement of pre-in-vestment rights granted in an agreement.

To date, it does not appear that significantliberalization or pre-establishment rights forthe water services sector has been seen in in-vestment agreements, but the present authoris unaware at any effort to careful review theover 2200 agreements that exist to consider thisspecific issue. However, as pressures to expandinvestment liberalization generally and servic-es liberalization specifically in bilateral andregional FTA or investment negotiations in-crease, one can expect the ethos of the DohaGATS negotiations to prevail, that no sectorshould be a priori excluded form a negotiation.

INTERNATIONAL INVESTMENT LAW ANDTHE PROTECTION OF FOREIGN RIGHTSIt has been noted that international invest-

ment agreements can and do provide rightsof establishment for foreign investors into do-mestic economies, including the services sec-tors. Although investment agreements have notbeen a leading vehicle to date for water servic-es and related liberalization, they are a power-ful and increasingly frequently used instrumentfor post-investment enforcement of rights.

The basic rights have been explored in alarge variety of writings in the last few years:

National treatment and its (lack of clear)scope to date;Most favored nation treatment;

Prohibitions on performance require-ments (states cannot impose minimumdomestic purchase or sale require-ments, etc.);Minimum international standards oftreatment;Prohibition of expropriation without fullcompensation.

A concept that is increasingly motivatingdecisions in arbitral rulings in relation tothese disciplines is the “legitimate or reason-able expectations” of an investor. This appearsto have been applied in varying contexts, con-cerning at least the national treatment, mini-mum international standards, and expropri-ation obligations of a state.25 These expecta-tions can be derived from two things: the laws,regulations and policies in place before aninvestment is made, and statements of gov-ernment officials surrounding an investment.This language, coming from arbitral decisionsas opposed to textual provisions of interna-tional investment agreements (IIAs), placesa high emphasis on the investor’s economicexpectations, not governmental or societal ex-pectations relating to social welfare, humanhealth or environmental protection. Whilethis may not fully exclude the social and oth-er welfare interests of a government, it cer-tainly limits the ability of a government tooverride a finding of any given “legitimateexpectation” for a public welfare purpose.

Over the last few years, the state of the lawrelating to each of these disciplines has becomeincreasingly broadened by investor-state arbi-tration tribunals that have invoked these pro-visions to protect their rights in relation to aninvestment. Today, in this author’s view, it isfair to say that it is not possible to define withcertainty the precise scope of any of them (withthe possible exception of the performance re-quirement obligations).26 Thus, rather than

25 One example of a broad ranging application of this idea isfound in Tecnicas Medioambientales Tecmed v. United Mexi-can States, Case No ARB(AF)/00/2 Award, May 29, 2003.26 The views of the author and his colleagues at the Interna-tional Institute for Sustainable development on the currentuncertainties in this area, and how they relate specifically toissues of sustainable development, which is at the heart ofthe current discussion, can be found in Aaron Cosbey, Howard

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look at the details of these disciplines, the sec-tions below will consider different ways inwhich they may apply to water managementand water rights issues, and how some of theuncertainties can impact water managementdecisions at a domestic level. As an importantkey to understanding these impacts lies in thenature of the dispute settlement system thatcomes with the investor rights, this issue isturned to first.

DISPUTE SETTLEMENTAND ENFORCEABILITYAlmost all IIAs today include a dispute settle-

ment mechanism known as the investor-state ar-bitration process. This allows private foreign in-vestors to use an international arbitration againstthe host government in order to challenge gov-ernment acts as a breach of their IIA rights. Theapplicable law in such arbitrations is the interna-tional law of the agreement in question, and oth-er applicable international law relating to theprotection of foreign investments. It remains veryunclear whether such arbitration tribunals wouldapply other sources of international law, such ashuman rights and international environmentallaw, when considering the scope of a states rightsand obligations.27

In addition, it is clear today that these arbi-tration tribunals will accept onto themselvesthe authority to interpret and rule on the ap-plication of domestic law and any contractsbetween the investor and the host state, irre-spective of whether a domestic court has orcould be involved in such a review.28 Thus,

these arbitration bodies can rule on any issueof law relevant to the dispute. Further, thesedecisions are not subject to review by domes-tic courts, but only to limited arbitration re-view processes that do not usually permit thereversal of general errors in law, even in rela-tion to the interpretation of domestic laws.

In a similar vein, it is clear from the arbi-trations that when domestic law and interna-tional law under an investment agreementappear to be in contradiction, it is interna-tional law that will prevail. This is consistentwith the Vienna Convention on the Law of Trea-ties, which says very clearly that the content ofdomestic law is not a legitimate excuse forbreaching international commitments.29 How-ever, in the context of the linkages betweenan investment and the domestic legal regime:labour law, health standards, zoning, pollu-tion controls, taxation, and many more, thesingular focus of investment agreements onthe rights of foreign investors when comparedto the complex interaction of many types oflaws on domestic investors carries a significantadvantage for foreign investors.

The investor-state process can be initiated,usually, by the foreign investment or by an in-vestor, including a minority shareholder in acompany. In some cases, both an investmentand an investor have initiated proceedings, andin one well known case, this has led to two dif-ferent results. One was a finding of no fault bythe Czech Republic, while the second was afinding of a breach of an investment agree-ment and an award of over $300M US to theinvestment. Despite the conflicting results, thefinding of culpability held and the award hasbeen enforced.30

Over the past decade, there has been a sub-stantial rise in the use of the investor-state dis-pute settlement process. This may be due tothree factors:

Mann, Luke Eric Peterson, Konrad von Moltke, Investment andSustainable Development: A Guide to the Use and Potential ofInternational Investment Agreements, 2004, IISD, at http://www.iisd.org/publications/publication.asp?pno=627 in Englishand Spanish. See also, UNCTAD, Review of Investment Dis-putes Arising from BITS and NAFTA, forthcoming, 2004.27 For a recent discussion of this see Luke Eric Peterson, In-ternational Human Rights in Bilateral Investment Treaties andin Investment Treaty Arbitration, 2003, at http://www.iisd.org/publications/publication.asp?pno=577.28 E.g., Metalclad Corp. v. Mexico, Final Award, 2 September2000, available at www.naftalaw.org; Compania de Aguas delAconquija & Vivendi Universal (formerly Compagnie Generaledes Eaux) v. Argentine Republic (Case No. Arb/97/3), Deci-sion on Annulment, July 3 2002, 41 ILM 1135 (2002).

29 Vienna Convention on the Law of Treaties, (1969) 1155UNTS 331, Art. 27.30 Ronald S. Lauder v. Czech Republic, UNCITRAL Arbitra-tion, Final Award, September 2001; CME Czech Republic v.Czech Republic, UNCITRAL Arbitration, Partial Award, Sep-tember 13, 2001; damages upheld in The Czech Republic v.CME Czech Republic, B.V, Court of Appeal, Stockholm Swe-den, Case No. T-8735-01, 2003.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

The large increase in foreign investmentflows in the past decade has undoubted-ly spawned more conflicts between inves-tors and host governments, a perfectlyunderstandable phenomena in oftencomplex investment and business envi-ronments;There are an ever larger number of in-vestment agreements in place today thatallow for increased access to the process –over 2100 such agreements are in forceaccording to UNCTAD; andThe use of the process has itself generat-ed a lot of publicity about its viability andits use as a desirable, from the investor’sperspective, alternative to the domesticlegal system of the host state.

As previously noted, with the increased usehas come increased breadth to the disciplinesapplicable to states, and hence an increasedincentive for investors to continue to look tothe agreements to protect their interests.

In addition to using the process for actualdisputes – i.e. to challenge measures that havealready taken effect and had an impact on aninvestment – threats of the use of the processare becoming increasingly common as a wayto lobby against a new measure being taken.This use of the investor-state process as a swordcan have significant impacts on the normalpolitical processes, especially with the uncer-tainty attached today to the scope of the vari-ous obligations. What is known is that inves-tors will use this threat when it is consistentwith their interests.31

It is important to note that many of the in-vestor-state cases take place in strict privacy, tothe point that it is impossible to know with anyreal precision the number of arbitrations thathave taken place or are taking place today. Inother cases, the arbitration may be known tobe taking place, but the rationale for the dis-pute and the legal issues remain secret. Andin only two investor-state arbitrations to date

has any type of non-disputing party involve-ment been allowed, either as an observer ofthe hearings or to present additional writtenbriefs as an amicus curiae.32 This level of secre-cy means that there may well be instanceswhere cases are not divulged, including in wa-ter and related service sectors.

In sum, today one must expect IIAs to beused and the dispute settlement process to beinvoked whenever a potential dispute arises ora dispute actually materializes. What can suchdisputes encompass?

Protection of Market Access Through Lib-eralization or Pre-establishment Rights

While the most common disputes underinvestor-state arbitrations have arisen after aninvestment has been made active, the right tomake an investment has and is currently thesubject of disputes.33 Existing disputes raisedirectly the issue of what type of environmen-tal and social conditions and limitations canbe placed upon an investment that a foreigninvestor wishes to make in a sector where theright to establish has been granted. In a waterservices context, this means what limitationscan be placed upon a service provider seekingto provide services to a new market? Can, forexample, universal service obligations be im-posed? Can differential rates be required? Canservice to subsistence or traditional users beguaranteed?

These and other issues, as already argued,raise the question of the conditions of liberal-ization. When no conditions are added to aliberalization commitment, an investor-statedispute settlement body will be loathe to readthem in at a later date. This, as already noted,places a significant responsibility on the nego-

31 The best known use has been the invocation of the UK-South Africa BIT by UK investors to ward off the introductionof new minimum domestic, black ownership requirements forall businesses. This has caused delay in the design and im-plementation of this program of economic empowerment.

32 These are the Methanex v. USA hearings on the merits, June2004, in Washington DC, and the UPS v. Canada, hearing onjurisdiction, 2002. Both of these cases are under NAFTA’sChapter 11 on investment.33 Milhaly International Corp v. Democratic Socialist Republicof Sri Lanka, (ICSID Case No. ARB/00/2); Glamis Gold Ltd. v.United States of America, Notice of Intent to Arbitrate, 21 July2003; Notice Of Arbitration Under The Arbitration Rules OfThe United Nations Commission On International Trade LawAnd The North American Free Trade Agreement, December10, 2003; Kenex Ltd. v. United States of America, Notice ofArbitration, 2 August 2002.

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tiators addressing these issues. The absence ofconditions also raises the probability of arbi-trations being initiated when conditions areraised or imposed after an agreement is con-cluded but before an investment is actuallyauthorized or permitted.

One type of restriction or limitation com-mon to liberalization obligations is the grand-fathering of pre-existing laws and regulations.When laws and regulations exist that createspecific limitations on how sector participantsmust act, they can be grandfathered and theirapplication preserved even if they may other-wise be inconsistent with the obligations ofan agreement. Pre-existing laws that are notgrandfathered may be challenged as incon-sistent with the agreement in question. Newlaws or regulations in “liberalized” sectors willalways be subject to the strict terms of anagreement, unless their subject matter hasbeen reserved through an express conditionof some type.

In short, where a liberalization or pre-estab-lishment obligation is included in an agree-ment that also has an investor-state process, onecan anticipate potential foreign investors uti-lizing this to try to enforce its right of marketaccess to the strict letter of the agreement andany conditions or limitations it includes. Thiswill include water sectors where rights of es-tablishment are granted.

PROTECTION OF POST ACCESS USESAND BENEFITS IN THE WATER SECTORIn the water services context, the most com-

mon use of the investor state dispute settlementprocess is to promote and protect the inves-tor’s view of its rights relating to post-invest-ment government measures that alter its oper-ations or impact on its profitability.

To date, at least eight water service relatedarbitrations are known to have been com-menced, though none appear to have finishedas yet.34 Seven of these known cases are againstArgentina, following changes to operating con-

ditions as a result of the financial crisis in thatcountry. The eighth is the very well known caseagainst Bolivia concerning the Cochibambawater privatization that was eventually an-nulled.35 In each case, specific issues and cir-cumstances arise. What is common to all thesecases is the use of the investor-state process asthe primary dispute settlement option, overdomestic tribunals. In at least one case, thishas materialized despite an express provisionin the privatization and concession contractsthat disputes over the implementation of thesecontracts are subject to local state law.36

The details of the existing cases are eithernot sufficiently known or are too complex todo justice here.37 What is certain, however, isthat changes in the operating conditions ofthe water license or contract have triggeredthe arbitrations. This is the key point: anychanges that substantially impact an autho-rized foreign investment and its profit levels,can be made subject to an investor-sate arbi-tration even when tied to a period of truenational crisis. Of course, not every changewill lead to an arbitration, and not every arbi-tration initiated by an investor will be success-ful, but on both counts those changes with asignificant impact do raise the risk level. Thus,challenges can be brought against changesdesigned to ensure users not able to pay forwater can have access, delivery requirements

34 (1) Aguas de Aconquija S.A. and Vivendi Universal v. Ar-gentina, ICSID Arb. No. ARB/97/03; (2) Azurix corp. v. Argen-tina, ICSID Arb. No. ARB/01/12; (3) Aguas Provinciales deSanta Fe S.A., Sociedad General de Aguas de Barcelona S.A.

and Interagua Servicios Integrales de Agua S.A. v. Argentina,ICSID Arb No. ARB/03/07; (4) Aguas Cordobesas S.A., Suez,y Sociedad General de Aguas de Barcelona v. Argentina, IC-SID Arb No. ARB/03/18; (5) Aguas Argentina S.A., Suez, So-ciedad General de Aguas de Barcelona and Vivendi Univer-sal v. Argentina, ICSDI Arb No. ARB/03/19; (6) Azurix Corp v.Argentina, ICSID Arb No ARB/03/30; (7) SAUR Internationalv. Argentina, ICSID Arb No ARB/04/4. See Annex 1 and ac-companying discussion in Bouzas and Chudnovsky, supra.35 Aguas del Tunari v Republic of Bolivia, ICSID ArbitrationARB/02/03.36 Compania de Aguas del Aconquija & Vivendi Universal (for-merly Compagnie Generale des Eaux) v. Argentine Republic(Case No. Arb/97/3), Decision on Annulment, July 3 2002, 41ILM 1135 (2002).37 Some of the background is digested in Luke Eric Peter-son, Research Note: Emerging Bilateral Investment TreatyArbitration and Sustainable Development (current as of Au-gust 2003), section 2, at http://www.iisd.org/pdf/2003/trade_bits_disputes.pdf

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

to poor boroughs or potentially non-payingboroughs, new standards of water quality, andhigher standards for sewage treatment beforerelease into waterways.

What are the implications? As internation-al finance institutions continue to promoteprivatization of water delivery as the approachof choice to in developing countries, this willcontinue to promote the growth of foreigninvestment in this sector. The reason is sim-ple: the financial and technical resources tobuild or manage water services in a private sec-tor context exist in very few companies, all fromdeveloped countries. In effect, with very fewpotential exceptions, when these institutionsor others promote privatization they are pro-moting liberalization of the sector for EU andUS investors. These investors have very sophis-ticated legal departments and advisors, and willaggressively use the investor-state process whenit is in their interest. As any change in condi-tions of operations impacting the profit of aninvestment can be made the cause of a dispute(this does not mean every case wins of course,several do not), entering into a privatizationand foreign investment process requires as apreliminary and precautionary measure to achievethe social and environmental objectives of develop-ing countries that the laws and regulations andpolicies that will be applied to those processesare completed and in place. Proposed chang-es after the fact can and will trigger threats ofthe use of the investor-state process to eitherdissuade a government from making changesor to reduce the social welfare objectives thatthey embody. Changes imposed after the factcan and will lead to challenges based on oneor more of the above noted disciplines con-tained in the IIAs.

One might also note here that even if it ap-pears that the state whose services are beingopened to foreign investors does not have anIIA with the home state of the investing com-pany, this no longer prevents the use of thisprocess. The reason is because a variety of tri-bunals have allowed investors with an other-wise limited connection to a jurisdiction to es-tablish holding companies or joint ventureheadquarters in other countries that do havean agreement in force. This new form of“home state shopping” has begun to raise eye-

brows, and one recent decision and a dissentin another case have sought to impose somelimitations.38 Nonetheless, this approach byinvestors can be expected to grow in the com-ing years. Thus, given the relatively small num-ber of international players in this field, theirlegal sophistication and large resources, oneshould anticipate that every investment in thissector will be covered by IIA obligations andremedies, and that these will be used when itis in the interest of the investor to do so.

Finally, there is a growing concern that con-tractual clauses that give precedence to domes-tic courts to resolve any legal disputes are notbeing fully respected by arbitration tribunals.While the full extent of the problem is not clearyet, several instances have seen contractualchoices of domestic dispute settlement essen-tially overturned to allow foreign investors touse the international arbitration process in-stead. The legal reasoning is beyond the scopeof this paper, though it is worth noting herethat the leading case to have done this is actu-ally in the water service sector, involving Viv-endi and Argentina.39 The impact of this ap-proach, however, is again to increase the like-lihood of such cases going to international ar-bitration instead of domestic courts, or evenin addition to domestic courts. Contractualclauses and agreements can be written to pre-clude this being done, but as the issue is new,few will have done so in an effective way to date.

PROTECTION OF ACQUIRED “RIGHTS”IN NON-WATER SECTORSIssues also arise outside the water services

sector under investment agreements that canhave a significant impact on water manage-ment decisions. Two separate issues can beidentified:

38 Hussein Nuaman Soufraki v. United Arab Emirates, ICSIDCase No. ARB/02/07, decision on Jurisdiction, July 7, 2004;Tokios Tokelés v. Ukraine, ICSID Arb No. ARB/02/18, deci-sion on Jurisdiction, April 29, 2004, but note Dissenting Opin-ion on Jurisdiction, April 29, 2004.39 Compania de Aguas del Aconquija & Vivendi Universal (for-merly Compagnie Generale des Eaux) v. Argentine Republic(Case No. Arb/97/3), Decision on Annulment, July 3 2002, 41ILM 1135 (2002).

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Water quantity and allocation issues forforeign investors, andImpacts on water quality by foreign in-vestors.

By accepting a foreign investment, hoststates accept that they will provide the meansfor them to operate, even if no formal autho-rization is required, for example to draw wa-ter for industrial uses. This becomes, one mightargue, part of the “legitimate expectation” ofthe foreign investor. When significant quanti-ties of water are required for the operationinvolved, this means that foreign investors willhave acquired international law rights to ac-cess that water, even if it conflicts with existingor future local needs for potable water, agri-culture, small scale industry, subsistence uses,etc. Unless water allocation issues are clearlyspelled out, and the relationship of such allo-cations to other users and uses made clear, theinvestor should be understood as having anacquired right under international law to thequantity of water the investment requires, atleast in the form in which it was originally au-thorized or begun.

The impact of this is simple: the foreign in-vestor will be able to protect its allocation byrecourse to the international agreement andthe resulting threat of significant financialcosts, and do so through mechanisms unavail-able to domestic users. Moreover, in contextswhen many other users may not have clearlyestablished legal rights to their water use – sub-sistence farmers, indigenous peoples, villagesin traditional tribal lands, and so on – the in-ternational law rights will be matched againstwhat many would qualify as non-legal claims.

Whether a foreign investor is in the agricul-tural sector using water for irrigation, in thetextile business drawing water for stone wash-ing denim, in the cement or chemicals sectors,IIAs can lead to the right to use water prevail-ing over other uses. It is, therefore, critical thatthe impacts on water quantity and allocationsbe fully considered before an investment isinitiated, though the responsibility for doingthis is often not clear, and has never yet beenset out in an IIA. As a reflection of one of themajor concerns of civil society groups with IIAsin general, that they establish rights with no

responsibilities for the investors, this examplestands as one of the most troubling given thecritical importance of water resources.

The operations of foreign investors may, likedomestic businesses, pollute local waters. Inkeeping with the well recognized “polluter paysprinciple”, one can expect that new regulato-ry measures to reduce pollution loads will bedeveloped over time and such new laws willnot be compensable. However, the obligationsunder an IIA, in particular the national treat-ment, minimum international standards, andexpropriation provisions, may all lead to a dif-ferent conclusion today. While there is no ex-isting case where a simple change in environ-mental or human health standards has beenheld to constitute a breach of an IIA, none haveruled out such a finding either. The arbitra-tions that are emerging are mixed, at best, in-consistent at worst.40 Thus, the potential forgovernments to have to pay the polluter to stoppolluting remains real.41 Indeed, internation-al investment lawyers are already looking atways to make claims for mandatory CO2 re-ductions under national and international cli-mate change regimes.

Moreover, many claims in relation to chang-es in regulations for human health or environ-mental purposes can be brought under obli-gations relating to national treatment or theprocedural elements of minimum internation-al standards obligations. The former can beespecially relevant when one major actor isresponsible for significant levels of pollutionand that actor is a foreign investor. If new reg-ulations impact that investor to a higher de-gree – not unusual in such a scenario – then aclaim to de jure or de facto differences in treat-ment may be attempted. The latter can be usedwhenever an investor feels either that a pro-cess leading to a new regulation has not been

40 This issue is one of the focal points of the discussion on theimpacts of IIAs on sustainable development in Cosbey et al,supra, n. 27.41 For example, the author is aware through personal discus-sions that some international investment lawyers are alreadylooking at ways to make investment treaty claims for manda-tory CO2 reductions that might be imposed under nationaland international climate change regimes.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

subject to enough notice or consultation, sim-ilar to OECD standards of government opera-tion. Thus, the lack of capacity of many devel-oping countries to meet these standards posesa clear risk for them when imposing new mea-sures on a foreign investor.

Finally, the issue of whether a new regula-tion can constitute an expropriation if it has asignificant economic impact is one of the mostcontroversial in international investment arbi-tration today. Quite simply, there is no clearanswer to this. Investors continue to press suchclaims while states continue to defend them,and arbitrators continue to issue decisions thatleave room to argue both ways. Host states can-not know with certainty today whether the trea-ties they have already signed will lead to suchclaims, or whether they will be successful. Forfuture treaties, there is a trend to better artic-ulate the linkages between IIA obligations andregulations. This is itself a positive develop-ment, but its implementation is disjointed andoften inconsistent in terms of the concepts andstrategies being applied. Greater focus is re-quired here.

Finally, the same issues raised in this sectionin terms of regulatory changes can be applica-ble to water service investors if the standardsapplicable to them are changed. Water emis-sion quality standards for sewage services, po-table water standards, reduced draws on watersources, pollution prevention requirements,etc., can all change in time. Yet, even techni-cal adjustments to standards on these lines can,due to today’s uncertainties, lead to claimsunder an IIA. To the extent a contract or rep-resentation by a government official has sug-gested that standards would not be changed,this can add to the case for an investor, irre-spective of the motives or circumstances caus-ing the change to be made. The greater theimpact on the investor, the higher the chanc-es of the claim succeeding.

INTERNATIONAL ECONOMIC LAW:POLITICAL AND POLICY PRESSURESON DOMESTIC WATER MANAGEMENTWhere the more traditional sources of in-

ternational law relating to freshwater havemoved in recent decades to give greater weight

to human needs for water, little suggests todaythat this basic requirement has been reflectedto date in international economic law as it im-pacts on water management and uses. It is truethat the WTO dispute settlement system, bydint of the efforts of the Appellate Body, hasmade significant strides in addressing the link-ages between trade and environment.42 Thisdoes suggest some additional consideration onan issue as vital as water may be forthcomingin the event of a state to state dispute in theWTO. The reality is, however, that such a chal-lenge will be rare. Much more prevalent andimmediate are the types of issues being raisedby IIAs today, and the access to internationalarbitration processes that they include. With avariety of negotiations taking place to expandthe scope of trade and investment law, the chal-lenges this poses in relation to water manage-ment are only likely to grow.

One of the most critical challenges is goingto be political in nature: with market accessfor goods into developed countries being setup as tradable for market access into develop-ing countries on investment, including in ser-vices, the pressure to trade one against the oth-er will increase. Measuring the true benefitsof one against the other is complex, and nego-tiating pressures can truncate if not eliminatetime for proper analysis and reflection. Secur-ing a broad agreement on market access forgoods or agricultural products can, therefore,lead to pressures to give up an equally broaddeal on investment issues. The political pres-sure can be expected to be real and significant.

For developing countries, one option is towork together, as was done in Cancún at the2003 WTO Ministerial meeting. This approachwould, however, require limiting bilateral orregional negotiations with major powers, or atleast coordinating positions in relation to suchnegotiations.

In the WTO context now, with investmentper se off the agenda, much of this trade-offwill fall to the services liberalization negotia-tions under the GATS Council. Infrastructureservices of all kinds will be involved, includ-ing water and water-related services. With the

42 See note 9, supra.

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second tranche of negotiations addressingother regulatory disciplines on services, thisremains an area to watch very closely.

A second issue that arises is the need forsignificant capacity building in relation to in-ternational negotiations in the economic field.If this paper has attempted to show one thing,it is that international economic law is connect-ed to water management issues in several crit-ical ways. Ignoring them as tangential or unre-lated is no longer an acceptable alternative,especially in the face of the rapid growth inwater shortages. Yet, training for negotiatorsand other policy makers, academics, civil soci-ety groups, and others on these linkages inorder to ensure acceptable outcomes appearsto be completely unavailable. In addition, it isless than clear that training in issues such asbetter defining the obligations in an IIA or inboth tranches of the GATS negotiations, bet-ter articulating the relationship to regulations,and so on is taking place in a manner that willhave a significant impact.

Similarly, the capacity to address inadequa-cies or incompleteness in the domestic law andadministration of water services and other wa-ter-related aspects of trade and investmentagreements is also limited in many cases. Whenthe international economic regime, includingthe promotion of privatization and foreigninvestment by international financial institu-tions, leads to agreements and obligations be-fore this capacity is available and effectivelyused, the likelihood of conflicts arising are sig-nificantly increased. Again, while there aresigns of international institutions recognizingthis issue, training and capacity building toensure the necessary domestic measures aretaken prior to developments through interna-tional negotiations or banks does not appearto be a key target.

Both the above lead to the ability to sum-marize many of the challenges in a single wordtoday: sequencing. The clearest signal thatemerges from international investment lawtoday is that foreign investors will react stronglyto changes in laws and regulations that impacttheir economic welfare. The social or healthaspects underlying the changes may be of lit-tle concern to them. With changes in domes-tic law carrying the elevated risks of challeng-

es, getting a sound legal and administrativebasis in place before liberalizing and privatiz-ing services, especially in crucial areas such aswater, is indeed critical. It is here, in this au-thor’s view, that capacity building is an essen-tial requirement, and that democratic princi-ples of transparency and accountability mustcome to the fore.

It is worth noting that the Report of the WorldPanel on Financing Water Infrastructure 43 identi-fied weak domestic regimes as the principlecause of the problem in water management,including inadequate national governmentattention to water services, political interfer-ence in water management, inadequate legalframeworks, lack of transparency in awardingcontracts, non-existent or weak regulators, andother related issues. The view that these aspectsof water management need to be addressedbefore the weaknesses are locked in was alsostated recently in relation to the privatizationprocess, in a report prepared by the Econom-ic Commission for Latin America and the Car-ibbean: “An appropriate regulatory frameworkmust, therefore, be in place before private sec-tor participation is introduced in the provisionof water supply and sewage services.”44 Thepotential impacts of trade and investment re-gimes add one more degree of urgency fordoing this.

In practice, however, over 2000 bilateral andregional agreements on investment and ontrade are already applicable around the world.So what can be done to prevent the locking inof weak domestic laws and administrative prac-tices? The most effective answer is to avoid cre-ating the combination of investment agree-ments and privatization of water and waterrights that allows foreign investors to protectall the benefits that accrue to them as a resultof decisions made by weak and perhaps evencorrupted regimes. It is this combination ofdomestic and international processes and tim-

43 Report of the World Panel on Financing Water Infrastruc-ture, Executive Summary, p. 2., Third World Water Forum,Kyoto, Japan, March 2003.44 Andrei S. Jouravlev, Water Utility Regulation: Issues andoptions for Latin America and the Caribbean, Economic Com-mission for Latin America and the Caribbean, LC/R.2032 11October 2000, p. 6.

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Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

ing that can be most challenging to effectiveand sustainable local water management. Suchcombinations should be avoided until the wa-ter management regimes at the relevant gov-ernmental levels have achieved the legal andadministrative standards necessary to protectall water users and the resource itself.

Annex 1 provides some more specific rec-ommendations, derived largely from a paperon this same subject prepared about a year ago.The developments in international investmentarbitrations and agreements confirm, in thisauthor’s view, the issues raised then, and thedirection of the recommendations to respond

to them. Over the past five or six years, sinceinternational economic law and water manage-ment issues have begun to achieve some de-gree of public attention, nothing has occurredto alleviate the concerns that have been raised.Quite the contrary: the decisions and direc-tions from international investment arbitra-tions seem to confirm that civil society concernswere not misplaced. The wholesale inclusionof public sector services, including water ser-vices, in the Doha Round negotiations on ser-vices liberalization, without any recognition ofthe need for additional reflections in this area,serves to confirm the concerns.

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INTERNATIONAL LEVEL MEASURES1. Clearer rules in trade and investment

agreements: This is an essential elementtoday. Too often, trade and investmentagreements have led to unintended con-sequences. That greater clarity can beachieved is clear from the efforts alreadybeing made in some negotiations to doso.45

2. Part of the negotiating process must fo-cus on the details, including how theyrelate to water issues: definitions, scope,the right of governments to regulate, andthe rights of local and indigenous peo-ples, must all be addressed and the im-pacts of proposed investor rights on theseissues considered.

3. The same careful standards must be ap-plied to the negotiation of Bilateral In-vestment Agreements (BITs) as to multi-lateral or regional agreements. BIT ne-gotiations still tend to fly under the ra-dar today, but are progressing in manyjurisdictions. They contain many of thesame provisions as major trade and in-vestment agreements, and establishrights for foreign investors that are en-forceable in the investor-state process.This importance is magnified by homestate forum shopping by foreign inves-tors.

4. In all these negotiations, it is time to con-sider water as a special resource, and dif-ferentiate its treatment from other natu-

Annex 1Steps to maintain and enhance

national control over water policyin the face of international economic law

ral resources. Water, in essence, needsspecial and differential treatment. Thisis critical where negotiations place weak-er economic powers into an eventualagreement with stronger powers.

DOMESTIC MEASURES5. Because the effects of poor water man-

agement laws, policies and administra-tion tend to get locked in by trade andinvestment agreements, it is essential thatthese areas be improved significantly be-fore entering into these agreements, orat least before they are made applicablein relation to water.

6. It must be recognized early that interna-tional agreements apply, in most cases,to all levels of government. Thus, thesame domestic responses are required bywhatever level of government is respon-sible for each different aspect of watermanagement.

7. Clear and committed national, state andprovincial, and local laws and regulationsmust be developed to clarify communitywater needs, for all the people in the com-munity, and ensure respect for them.Sound administration must be put in placeto back this up. It is here that domestic in-terests and the rights of foreign investorsmust first be balanced, prior to the combi-nation of investment agreements and priva-tization coming into effect and limitingpossible options in this regard.

8. Where time periods or other limitationson licenses, permits contracts, etc., maybe warranted, they must be clear on theirface. Otherwise, longer-term investorrights may be created than intended.

45 The United States-Singapore Free Trade Agreement, Chap-ter 15 on Investment and Chapter 18 on Environment, areexamples of some more recent thinking in this regard, if notconceptually new thinking. See, www.ustr.gov for the text, re-leased to the public on 7 March 2003.

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TRANSPARENCY9. The principle of transparency must be

addressed. This applies at all phases ofwater management, and for all negotia-tions impacting upon water managementand conservation. In the awarding of con-tracts, developing of national and locallaws and regulations and the administra-tion of water systems and rules, transpar-ency must be a critical factor. The ab-sence of transparency allows corruptionand inadequacy to flourish, and the con-sequences to be locked in for long peri-ods of time. Domestic actors, financialinstitutions, development banks, and for-eign investors are all players today in al-lowing the consequences of non-transpar-ency to endure. All share the responsi-bility for reversing this problem.

10. The same transparency must also be ap-plied at the international level, to all aspectsof the negotiation, implementation anddispute resolution processes of internation-al agreements that impact public goods like

water. As a starting point, the request andoffer process of the GATS and of accessionnegotiations, and in bilateral services andinvestment negotiations must, thereforetake place in a transparent way. All disputesunder these agreements must also be con-ducted in a transparent way.

ACKNOWLEDGEMENTSThis paper was prepared with the financial

support of the World Bank for presentation atthe I Seminario Latino-Americano de Politicas Pub-licas em Recursos Hidricos,

Brasilia, Brazil, 22 September 2004The support of these organizations in this

work is gratefully acknowledged. The assistanceof Reuben East, University of Ottawa LawSchool, is much appreciated. The views ex-pressed here do not necessarily reflect thoseof the above agencies. All content is solely theresponsibility of the author, and all errors ofomission and commission are, of course, like-wise solely the responsibility of the author.

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INTRODUÇÃOO século vinte passou por várias transições

que marcaram o desenvolvimento dos recur-sos hídricos e o meio ambiente no Brasil e anível internacional (tabela 1). Este processocaracteriza a relação entre o crescimento eco-nômico e populacional e a busca da sustenta-bilidade ambiental.

Logo após a 2o guerra mundial, houve anecessidade de grande investimento em infra-estrutura, principalmente para recuperar ospaíses que sofreram com o conflito, seguidopor uma fase de crescimento econômico e depopulação em muitos países desenvolvidos.Neste período ocorreu uma forte industriali-zação e aumento dos adensamentos populaci-

Desenvolvimento institucionaldos recursos hídricos no Brasil

Carlos E. M. Tucci

RESUMO: O desenvolvimento dos recursoshídricos no Brasil foi marcado para algumas fa-ses distintas. Na primeira, antes da existência deum marco legal integrado o país era governadopor interesses setoriais.

Após a criação da lei Nacional de recursoshídricos em 1997, o desafio foi de implementare regulamentar as instituições previstas e passarà descentralização setorial e espacial (Estados ebacias) e à sustentabilidade econômica de lon-go prazo. Esta construção institucional é a con-dição necessária, mas não é suficiente para ob-ter o desenvolvimento sustentável dos recursoshídricos e do meio ambiente, pois o marco insti-tucional é um processo e não o fim em si pró-prio. Este processo deve ser suficiente para criaros arranjos, as informações e as decisões paraque o desenvolvimento da água seja sustentável.

Este artigo apresenta o cenário evolutivo des-tas fases, dos componentes institucionais atuaise destaca os futuros cenários, desafios e oportu-nidades.

PALAVRAS CHAVE: Institucional, gestão, Brasil.

ABSTRACT: Water resources development inBrasil has been implemented in some phases. Inthe first, before an integrated legal frameworkthe country was legally developed by sectors re-lated to water resources.

After the National Law on water resources wasapproved the challenge was implementation andregulation of the institutions and developed thedecentralization to sector and space (States andbasins) and economical sustainability of long term.The institutional construction is a necessary con-dition but it is not enough to achieve the devel-opment sustainable on water resource and envi-ronment, since it is a process and it does not endin it self. This process should be enough to createthe organizations, informations and allow thedecisions for the sustainable development.

This paper presents an overview of the sce-narios, actual institutional components, the fu-ture scenarios, challenges and opportunities re-lated to the institutional development in thecountry.

KEY WORDS: Institutional, management, Brazil.

onais que resultou numa crise ambiental devi-do à degradação das condições de vida da po-pulação e dos sistemas naturais.

No início da década de 70 iniciou a pressãoambiental para reduzir estes impactos, comênfase no controle dos efluentes das indústri-as e das cidades. O Brasil investia fortementeem hidrelétricas, anos em que as grandes bar-ragens do rio Paraná foram construídas. Omovimento ambiental no Brasil era quase ine-xistente. Nos anos 80 o mundo enfatizou osefeitos do clima global, onde os principais fo-cos foram: o acidente de Chernobyl, impactodo desmatamento de florestas e o uso de bar-ragens. No Brasil observou-se a aprovação dalei ambiental em 1981; grande pressão sobre

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os investimentos internacionais em hidrelétri-cas, pelo seu impacto ambiental local e porvezes, global em regiões como a Amazônia.Foram reduzidos os empréstimos internacio-nais para construção de hidrelétricas, comgrande impacto na capacidade de expansãodeste sistema no Brasil. A maioria da empre-sas consultoras voltadas para projetos hidrelé-tricos tiveram redução de pessoal da ordemde 90%. No final dos anos 80 (em 1987) co-meça a discussão da lei de recursos hídricosonde três grupos setoriais disputam espaços:energia, meio ambiente e agricultura.

Os anos 90 foram marcados pelo seguinte:concepção do desenvolvimento sustentávelque busca o equilíbrio entre o investimentono crescimento dos países e a conservaçãoambiental; o desenvolvimento dos recursoshídricos de forma integrada, com múltiplosusos; e o início do controle da poluição difu-sa nos países desenvolvidos. Os investimen-tos internacionais no Brasil, que atuavam prin-cipalmente no setor energético, se voltarampara investimentos na recuperação ambien-tal, de efluentes domésticos e industriais dascidades (estágio observado nos países desen-volvidos nos anos 70), iniciando com as gran-des metrópoles brasileiras e na conservaçãodos grandes biomas brasileiros. No ambienteinstitucional, na metade da década, foi cria-da a Secretaria de Recursos Hídricos, queapoiou a discussão e finalmente a aprovaçãoda lei de recursos hídricos em janeiro de 1997.Algumas legislações estaduais já tinham sidoaprovadas e outras foram induzidas pela le-gislação federal. Assim, se completa o primei-ro estágio do desenvolvimento institucionaldo país. Também neste período, entre o finalda década de 80 e os anos 90 houve reformasno Estado brasileiro que permitiram apoiar aaprovação da legislação e a formação do se-tor de recursos hídricos dentro do governo.

O início do novo século (e milênio) estámarcado internacionalmente pelo movimen-to pela busca de uma maior eficiência no usodos recursos hídricos dentro de princípios bá-sicos de Dublin e consolidados na Rio 92. AsNações Unidas definiram as chamadas Metasdo milenium para redução pobreza, e tem naágua e saneamento o foco principal. Estasmetas foram consolidadas em Johanesburgo

e discutidas em diferentes Fóruns como a 3ºConferência Mundial da Água em Kyoto em2003. Em síntese, estas metas, no âmbito daágua, estabelecem que se deve procurar re-duzir pela metade o número de pessoas semágua potável e saneamento até 2015. O rela-tório contratado pela Global Water Partner-ship, GWP e World Water Council (WWC) de-nominado de Camdessus (coordenado peloex-presidente do FMI), introduziu propostaspara os elementos econômicos financeirospara busca da viabilidade das metas propos-tas. O Brasil tem uma aceitável cobertura deserviços de abastecimento de água, se com-parados com a maioria dos países em desen-volvimento, mas necessita de fortes investi-mentos para atingir a meta do saneamento.

De outro lado para buscar atender esta eoutras metas existe um movimento enfatizadopelo GWP, WWC, IWRA International WaterResource Association, entre outras ONGs in-ternacionais, que buscam impulsionar o deno-minado IWRM Gerenciamento Integrado dosRecursos Hídricos, como meio de busca dasustentabilidade hídrica. A legislação brasilei-ra contempla os princípios básicos do Geren-ciamento Integrado, portanto a primeira eta-pa deste processo foi vencida. O desenvolvi-mento institucional pós 1997 (depois da apro-vação da lei de recursos hídricos) tem sido aregulamentação e implementação da legisla-ção de recursos hídricos. Este processo de ins-titucionalização foi marcado no Brasil pela cri-ação da Secretaria de Recursos Hídricos (cita-do acima) e posteriormente a criação da ANAAgência Nacional da Água (em 2000) e a re-gulamentação da legislação que pressupõe acobrança pelo uso da água e a penalização dospoluidores através do comitê e agências debacia hidrográfica. Este cenário se mostra pro-missor à medida que existem regras e procedi-mentos que permitem a participação de todosos atores na definição do uso dos recursos hí-dricos e da sua preservação dentro do desen-volvimento econômico e social.

Este artigo trata justamente desta fase re-cente do desenvolvimento institucional dosrecursos hídricos no Brasil como um exemploa ser avaliado pela comunidade internacionalna busca de utilizar suas vantagens e evitar seusproblemas. No item seguinte é apresentado um

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Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

TABELA 1Comparação dos Períodos de desenvolvimento (adaptado de Tucci, et al, 2000).

diagnóstico dos recursos hídricos no Brasildentro de uma visão global.

CENÁRIO INSTITUCIONAL BRASILEIROLegislação de recursos hídricos: O texto legalbásico que criou a Política Nacional de Recur-sos Hídricos é a Lei n. 9433 de 8 de janeiro de1997. Esta política se baseia nos princípios deDublin, ou seja: (a) a água é um bem de domí-nio público; (b) a água é um recurso limitado,

dotado de valor econômico; (c) estabelece aprioridade para o consumo humano; (d) prio-riza o uso múltiplo dos recursos hídricos; (e) abacia hidrográfica como a unidade de planeja-mento; (f) gestão descentralizada.

Os principais instrumentos da Política sãoos Planos, enquadramento dos rios em clas-ses, outorga dos direitos de uso dos recursoshídricos, sistema de informações e a cobran-ça pelo uso da água. Os Planos devem englo-bar os Planos Estaduais e os Planos de Recur-

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sos Hídricos de bacias. Estes planos devembuscar uma visão de longo prazo, compatibi-lizando aspectos quantitativos e de qualitati-vos da água. O enquadramento trata de defi-nição da compatibilidade da qualidade daágua e os usos da mesma, buscando a mini-mização dos impactos de qualidade da água.O processo de outorga trata de assegurar ocontrole quantitativo e qualitativo dos usos daágua. A cobrança pelo uso da água visa in-centivar o uso racional da água e reconhecera água como um recurso natural dotado devalor econômico.

A lei também estabelece que o mecanismode gestão descentralizada ocorrerá através docomitê de bacia com o apoio de agência exe-cutiva. Apesar de enfatizar a descentralização,a própria legislação se contradiz ao estabele-cer que o Conselho Nacional de Recursos Hí-dricos deverá ter até 51% de representantesde entidades federais, o que o governo temexercido neste limite. Os Estados que no Bra-sil são 26, possuem apenas cinco representa-ções regionais.

A lei federal n. 9984 de 17 de julho de 2000dispõe sobre a criação da Agência Nacional deÁguas ANA, entidade de implementação daPolítica Nacional de Recursos Hídricos. Algu-mas das principais atribuições da ANA são:outorgar o direito de uso dos recursos hídri-cos em rios de domínio da União; prevençãocontra secas e estiagens; fiscalizar os usos derecursos hídricos em rios de domínio daUnião; estimular a criação de comitês de baci-as. No que se refere à energia hidráulica aANEEL – Agência Nacional de Energia Elétri-ca deverá promover junto à ANA, a prévia ob-tenção de declaração de reserva de disponibi-lidade hídrica.

A ANA, assim como o IBAMA, é vinculadaao Ministério de Meio Ambiente. Este minis-tério por meio da Secretaria de Recursos Hí-dricos- SRH estabelece as políticas de recursoshídricos e ações como o Plano Nacional deRecursos Hídricos. O Conselho Nacional deRecursos Hídricos é o órgão deliberativo dosetor a nível federal. Este Conselho é constitu-ído por membros federais (em sua maioria),representantes dos Estados, ONGs, setores usu-ários da água e entidades de pesquisa.

A Constituição Federal de 1988 define comoum rio de domínio da União todo rio que es-coa através de mais de um Estado ou por tre-chos internacionais. De outro lado a lei 9.433define a bacia como a unidade de abrangên-cia de planejamento. Esta combinação de le-gislações tem gerado diferentes interpretaçõespara bacias em que o rio na sua cabeceira éestadual e a jusante federal.

Os cenários são: (a) Um rio que escoa todoele por um mesmo Estado (até a seção de in-teresse) e tem bacia hidrográfica em mais deum Estado; (b) um rio que escoa e tem suabacia totalmente num mesmo Estado, mas éafluente de rio federal. Este é um vazio legalque pode gerar contestações judiciais. Com-binando a constituição e a lei das águas, ape-nas os rios que nascem num Estado e escoampara o mar seriam de domínio estadual, osdemais de domínio da União, já que o princí-pio de adoção da bacia como espaço de ges-tão se baseia no efeito integrado de montan-te para jusante. Na prática a ANA tem estabe-lecido convênios com os Estados. De outrolado, existem contestações sobre a abrangên-cia da licença ambiental dentro do mesmocontexto, principalmente no caso (a) acima.A licença ambiental está relacionada com aárea de influência do empreendimento e seurespectivo impacto, que muitas vezes pode le-var a diferentes interpretações. Se a área deinfluência envolve áreas de mais de um Esta-do o ambiente de licença passa a ser federal.Outorga: A outorga dos direitos de uso de re-cursos hídricos foi estabelecida na lei 9.433,art 14, onde especifica que a mesma será efeti-vada por ato da autoridade competente doPoder executivo Federal, dos Estados ou doDistrito federal. No art 12, a referida lei dis-põe que estão sujeitas às outorgas: (I) a deriva-ção ou captação de água superficial ou subter-rânea para consumo final, ou para insumo deprocesso produtivo; (II) o lançamento de es-gotos resíduos líquidos e gasosos, tratados ounão, para fins de diluição, transporte ou dis-posição final; (III) o aproveitamento hidrelé-trico das águas e qualquer outro uso das mes-mas que altere o regime, quantidade ou quali-dade das águas de um rio.

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No caso da geração de energia elétrica amesma estará subordinada ao Plano Nacio-nal de Recursos Hídricos, obedecida à disci-plina da legislação setorial específica. A ou-torga poderá ser suspensa, parcial ou total-mente, em definitivo ou prazo determinado,quando não forem cumpridos, pelo outor-gado, os termos da outorga. Estas condiçõessão: ausência de uso por três anos consecu-tivos; necessidade premente de água paraatendimento de condições adversas; mantera navegabilidade do rio. Esta outorga nãopoderá concedida por prazo que exceda 35anos, mas é passível renovação. A outorganão implica na alienação das águas, mas odireito de uso.

TABELA 2Resumo das declarações recebidas. Classificaçãopor finalidade do empreendimento e dominialidade

dos pontos de captação e/ou lançamento (ANA,2003a)

Observação: A soma dos valores correspondentes às di-ferentes dominialidades para uma dada finalidade podenão coincidir com o valor do número total de declara-ções indicado para esta finalidade, uma vez que nem to-das as declarações podem ser classificadas do ponto devista de dominialidade, ou, ainda, uma vez que há decla-rações que são classificadas em duas ou mais categoriasde dominialidade.

A cobrança pelos usos outorgados da águafoi prevista na Lei 9.433, art 20. Os recursosresultantes da cobrança devem ser aplicadosprioritariamente nas bacias hidrográficas emque foram gerados. Em 2003 o processo decobrança foi decidida pelo comitê da bacia einiciado no rio Paraíba do Sul por meio deconvocação à regularização de todos os usuá-rios da bacia. Foi realizada uma ampla cam-panha de divulgação pública por meio de ra-dio, televisão e jornais. Na tabela 2 é apresen-

tado o resultado da declaração realizada deacordo com o tipo de usuário e a origem dosEstados envolvidos no Rio Paraíba do Sul. Aoutorga foi dada por três anos considerandoo valor declarado pelo usuário como corretoe feita uma ampla fiscalização após da decla-ração dos usuários.Meio ambiente: No âmbito de meio ambiente, alicença ambiental tem sido definida pelo Estadoquando a área de influência é estadual e de ou-tro lado, quando o impacto envolve mais de umEstado a licença tem sido dada pelo IBAMA.

A complexidade é que o processo de im-plementação dos usos da água passa por vári-os órgãos federais com diferentes entradas. Noprocesso de outorga a avaliação dos usuários ea quantidade de água outorgada passa peladefinição das condições de escoamento paraconservação ambiental. Não existem critériosbem definidos ou unificados sobre o assunto.Na tabela 3 abaixo são apresentados os critéri-os adotados em alguns estados Brasileiros

Para um trecho de rio onde o impacto funda-mental é a carga efluente de esgotos domésticose industriais a avaliação das suas condições sani-tárias e a vazão remanescente associada deve pri-orizar as condições sanitárias e estabelecidas se-gundo uma vazão mínima. Na tabela 3 observa-se que o critério de definição de uma vazão re-manescente está relacionado a um valor máxi-mo outorgado. Isto indica que, por exemplo, aodefinir a Q90 como vazão de referência, a vazãoremanescente será 20% deste valor para garan-tir uma quantidade mínima de vazão no rio quepermita a vida aquática e o atendimento da qua-lidade da água. No entanto, esta metodologia nãogarante que o rio manterá a sua biota, se porexemplo, toda a vazão for desviada, mantendo-se este valor mínimo durante todo o tempo.

Para um trecho de rio onde o impacto fun-damental é um aproveitamento hidrelétricodeve-se procurar garantir através da vazão re-manescente a variabilidade natural das vazõespara que não produzam impactos sobre a bio-ta do sistema aquático ao longo do tempo.Onde vários usos e seus impactos estiverempresentes num rio, deve-se procurar garantiros diferentes cenários ambientais e de dispo-nibilidade hídrica para definição das vazõesremanescentes no rio.

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O critério de enquadramento dos rios emclasses tem sido disciplinado pelo CONAMAConselho Nacional de Meio Ambiente (Reso-lução CONAMA 357 de 17 de março de 2005).O enquadramento dos corpos de água em clas-ses, segundo seus usos preponderantes, visaprincipalmente assegurar às águas, qualidadecompatível com os usos mais exigentes a queforem destinadas.Financiamento : O setor de recursos hídricosestá sendo financiado pela legislação de com-pensação financeira pela inundação de áreaspelos reservatórios energéticos. No futuro oobjetivo será de ser financiado pela cobrançapelo uso da água. A Lei nº 9.984, de 17 dejulho de 2000 estabelece que 6,75 % da ener-gia produzida na Usina deve ser utilizada nes-ta compensação, onde 0,75 % é para financi-ar as ações referente a implementação daPolítica Nacional de Recursos Hídricos da lei

federal pela ANA (A Agência recebe tambémoutros recursos orçamentários). Do restanteque são 6 % , 45% para Estados e a mesmaparcela para municípios atingidos. Do restan-te, 3% para o Ministério de Meio Ambiente,3% para o Ministério de Minas e Energia e4% para Ciência e Tecnologia. A estimativados valores médios de 2001-2003 são apresen-tados na tabela 4 dos valores envolvidos. Es-tes são valores do orçamento, mas infelizmen-te no Brasil o valor orçado não está disponí-vel para execução. O Ministério da Fazendacontingencia os recursos do orçamento e ape-nas uma parcela do mesmo pode ser executa-da, variando de ano para ano. Apesar dos re-cursos ficarem em conta para uso futuro, oacesso ao mesmo não é permitido, visando ocontrole do déficit público do país. A parcelaefetivamente executada pode ser da ordemde 50% do valor disponível.

TABELA 3Legislações adotadas nos Estados Brasileiros (Pereira, 2000)

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Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

Em resumo, a boa notícia é que o setor derecursos hídricos tem fonte permanente definanciamento, mas a má notícia é que mes-mo arrecadado e explicitado em lei o recursonão fica disponível devido a artifícios geradopelo governo para controle de gastos públicosque englobam todo o orçamento.

TABELA 4Valores médios aproximados do período 2001-2003

baseados em dados da ANA e ANEEL

(*) estimativa com US $ 1 = R$ 2,9

Está prevista na legislação a cobrança pelouso da água que deve financiar as ações des-centralizadas de gerenciamento de recursoshídricos na bacia hidrográfica. Este processoestá no seu início com a bacia do Paraíba doSul entre São Paulo e Rio de Janeiro pela suaestratégica representatividade econômica.

AVALIAÇÃOA década de 90 foi promissora quanto ao

desenvolvimento institucional em recursos hí-dricos. Foram mencionadas as legislações es-tabelecidas e a governabilidade através da SRHe da ANA a nível federal e de várias entidadesa nível estadual. Alguns comitês de bacias fe-derais e muitos estaduais estão funcionando.Em 2003 iniciou a cobrança pelo uso da águano rio Paraíba do Sul.

A evolução deste processo institucional nagestão macro das bacias parece seguir um ca-minho promissor. Os principais avanços e difi-culdades identificados são os seguintes:

Observa-se de forma geral uma forte pre-ocupação com os recursos hídricos dopaís na agenda pública, que no passadopraticamente não existia. Atualmente éfreqüente a busca de informação sobreo assunto por setores da população;vários setores têm sido receptivos à co-brança pela água, como o industrial, ape-sar da resistência do setor agrícola;existe uma grande desconfiança da po-pulação quanto à cobrança e ao uso dosrecursos obtidos, já que a experiênciarecente com impostos que são aprova-dos para uma finalidade e depois utili-zados para outra finalidade é muitogrande no Brasil;caso não ocorra uma concordância en-tre todos os atores para a execução dacobrança definida pelos comitês de ba-cias as ações judiciais podem impedir oprocesso e a gestão das bacias;um dos grandes riscos para o sistema ins-titucional está na gestão dos recursos,pois os valores arrecadados, que inde-pendentemente da disponibilidade dosfundos, poderá condicionar sua libera-ção como faz com todo o orçamento.Esta situação poderá ser mortal para aconfiança dos atores e para a cobrançapelo uso da água e seus impactos. Omaior risco para que o sistema de ge-renciamento tenha sucesso pode estarnas próprias práticas de administraçãodos governos;a permanência, ao longo do tempo, daestrutura técnica de administração públi-ca é fundamental para dar continuidadeà gestão hídrica. Deve-se evitar esta des-continuidade técnica em função dos gru-pos políticos de pressão;enquanto existe apenas o comitê de ba-cia e não existe agência associada e re-cursos para desenvolver ações o resul-tado é mínimo e muitas vezes desesti-mula a participação dos membros quenão observam evolução do processo degestão;Algumas dificuldades devem ainda servencida na governabilidade na gestão

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das bacias, que ainda está de certa for-ma indefinida. Por exemplo, em baciasde grande porte que passa por muitosEstados, onde existirão vários comitês,como os mesmos tomarão decisão? e suaabrangência? na medida que as mesmaspodem interferir uma na outra (princi-palmente as de montante sobre as dejusante);Os contingenciamentos dos recursos têmlimitado o funcionamento da SRH e daANA nos últimos anos, criando dificul-dades para a manutenção da rede de mo-nitoramento (condição básica para o fun-cionamento do sistema);A rede de coleta de dados federal é sig-nificativa e os dados estão disponibiliza-dos sem custo na internet. Este é umavanço importante considerando que emmuitos países da região a obtenção dosdados é uma tarefa quase impossível. Noentanto o sistema necessita ser atualiza-do com relação ao seguinte: (a) o bancode dados não recebe dados com interva-lo menor que um dia, o que faz com queuma parte importante da informação nãoesteja disponível e existe o risco destainformação se perder com o tempo; (b)modernização da rede nacional e aumen-tar a densificação para bacias médias epequenas ( > 500 km2 ). A falta de dadoslimita a gestão em bacias menores. Comoos Estados geralmente não possuem mo-nitoramento, o país te problemas de ges-tão de usos da águas que são típicos debacias menores como o abastecimento deágua, irrigação de pequenas áreas, con-servação ambiental e inundação; (c). háum déficit bastante grande na coleta edivulgação dos dados de monitoramen-to de sedimentos e qualidade da água,área onde o sistema de informações éainda incipiente.

O desenvolvimento institucional é a condi-ção básica para todo processo de gerenciamen-to do País. A tendência mostra que haverá umconjunto legal instituído consolidado, mas comgrandes variações regionais quanto à sua im-plementação. Nas áreas onde o conflito pelouso da água é mais intenso, serão estabeleci-

dos acordos devido à necessidade de se che-gar a soluções (veja o caso do Ceará, que atin-giu este estágio). Nas regiões sem um aparen-te conflito, poderão ocorrer discussões maisprolongadas com processo decisório poucoefetivo. Essa situação, por um lado, é benéficapor seu caráter didático, mas, por outro, nãofavorece o processo de planejamento. No en-tanto, o fator de demonstração poderá alteraresta tendência.

SÍNTESE EVOLUTIVANa Tabela 5 é apresentado um resumo das

diferentes fases do desenvolvimento dos recur-sos hídricos que de alguma forma é reprodu-ção de cenários em que se encontram diferen-tes países a nível mundial.

O Brasil até a década de 80 era um paísem que a gestão dos recursos hídricos erarealizada de forma setorial sem nenhuma in-tegração. Os setores atuantes eram de: ener-gia (o setor mais bem organizado com pla-nejamento setorial); irrigação, pois nesteperíodo o país chegou a possuir um ministé-rio da Irrigação, priorizando o seu uso, prin-cipalmente no Nordeste; meio Ambiente,com a implementação da legislação ambien-tal e a criação das agências ambientais esta-duais; o abastecimento de água e saneamen-to representado pelas companhias de águae saneamento; e na navegação dentro doMinistério dos Transportes um setor maismarginal. Aspectos como inundação e saú-de por doenças veiculadas pela água estavamdispersos dentro da estrutura do Estado semgrande significância.

Dentro do contexto institucional existiaapenas o Código de Águas aprovado em 1934e a aprovação de projetos passava pelos órgãossetoriais. A base de dados hidrológica estavano Ministério de Minas Energia e os projetoseram desenvolvidos com um único objetivo esem visão de bacia por entidades setoriais ecom limitada observância ambiental. O únicoplanejamento era realizado pelo setor hidre-létrico que adotava as etapas de: Potencial hi-drelétrico e Inventário (bacia toda); Viabilida-de, Projeto Básico e Executivo para cada em-preendimento.

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Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

No setor de água e saneamento as compa-nhias estaduais ampliaram de forma significa-tiva o abastecimento de água, mas despreza-ram a cobertura de coleta e tratamento do es-gotamento sanitário, sendo que drenagem ur-bana e resíduos sólidos não estavam na agen-da, apesar das freqüentes inundações urbanas.

Neste período da segunda metade da déca-da de 80, principalmente após as restriçõesimpostas ao financiamento de hidrelétricas porparte das entidades de fomento internacionaise o início de financiamento do controle ambi-ental das cidades e dos biomas, aumentou adiscussão sobre a necessidade de uma gestãointegrada dos recursos hídricos no país. Esteprocesso foi discutido principalmente dentrono âmbito da ABRH Associação Brasileira deRecursos Hídricos de forma técnica e sem com-ponentes políticos partidários que pudessemgerar impedimentos a sua evolução e consoli-dação. A ABRH criou vários Fóruns para dis-cussão em vários eventos, inclusive aprovandoos elementos de consenso nas suas cartas deSalvador em 1987, (Usos Múltiplos, descentra-lização, Sistema Nacional de Gestão de recur-sos Hídricos, aperfeiçoamento de legislação,desenvolvimento tecnológico e recursos huma-nos, sistemas de informações e política nacio-nal de recursos hídricos) e Foz de Iguaçu, em

1989, (Política Nacional de Recursos Hídricos,Sistema Nacional de Gerenciamento, Legisla-ção, Tecnologia e Recursos Humanos e siste-mas de Informações, ABRH,1995). Todos osprincípios aprovados em Dublin, no qual sebaseia a Agenda 21 de recursos hídricos, esta-vam presentes nestes documentos.

Em 1990 o setor conseguiu aprovar a legis-lação de compensação pela inundação das áre-as de barragens, que passou ser a base de fi-nanciamento setorial, apesar de atender prio-ritariamente a mais interesses de Estados eMunicípios. A lei de Compensação financeirapelo alagamento de terras produtivas, retira6% do valor da energia na Usina para com-pensar o Estado e Município, mas uma parce-la do recurso é destinada a coleta de dadoshidrológicos, ciência e tecnologia e estudoshidrológicos. No entanto, o destino dos recur-sos ia para o setor de energia, que garante abase de dados hidrológicos de forma perma-nente. Esta é primeira grande lição de sucessodesenvolvida, pois independentemente do or-çamento, foram garantidos em lei os recursospara a coleta de dados e estudo básico.

Neste período existiam algumas forças pre-ponderantes na negociação da legislação: osetor de energia que pela sua organização erecursos sempre dominou o desenvolvimento

TABELA 5Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos

1. Grande maioria dos Estados brasileiros implementou as leis estaduais.

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dos recursos hídricos, o meio ambiente quecontrapunha os potenciais impactos e deseja-va participar da gestão do processo, a irriga-ção por circunstâncias da época e pelo grandeconsumo de água. O setor de água e sanea-mento se manteve distante deste processo prin-cipalmente devido a sua ação mais estadualenquanto que a discussão era muito mais anível federal.

Com a reforma do Estado na década de 90,foi criada a Secretaria de Recursos Hídricosem 1995. Com um trabalho político junto aocongresso foi possível preparar uma minutade lei que contivesse os principais elementostécnicos discutidos, restando alguns artigospara discussão. Em 1997, finalmente é apro-vada a lei de recursos hídricos após forte ne-gociação dos setores envolvidos. Com a legis-lação aprovada era necessário passar a etapaseguinte de implementação das suas ações.Dentro do governo, neste momento estavasendo realizada uma segunda reforma com acriação de Agências que permitissem o con-trole do desenvolvimento setorial, ficandopara os Ministérios a definição das políticas.A Agência das Águas – ANA foi criada nestemomento político-institucional de governan-ça (em 2000). Com a criação da Agência tam-bém foi alterada a lei de compensação paradar financiamento ao setor, ficando a ANAcom 11,1% dos recursos que passaram a serde 6,75% do valor da energia gerada. A pes-quisa (Ciência e Tecnologia) em recursos hí-dricos ficou com 3,67 % dos fundos da com-pensação. São valores expressivos para umarealidade que antes desta legislação vinha sen-do sustentado por pequeno orçamento. AAgência recém criada também recebeu recur-sos orçamentários.

Pode-se dizer que foi concluída a constru-ção das duas primeiras fases institucional dosRecursos Hídricos do Brasil, onde foram esta-belecidos elementos legais a nível federal dagestão e criadas as instituições para a gover-nança. A nível estadual praticamente todos osEstados criaram sua legislação com base nalegislação estadual e alguns estabeleceramagências para seu desenvolvimento, mas ain-da em número reduzido. Neste período foramtambém estabelecidos os comitês e as agênci-as de bacias com diferentes experiências. A

maioria delas somente com estrutura do co-mitê, sem a agência, o que limitou as ações.No setor de Ciência e Tecnologia houve umaumento considerável no investimento de pes-quisa no setor com foco nos problemas e compermanência de recursos.

A fase em desenvolvimento possui váriasfrentes, as principais são as seguintes:Legislação setorial: Deve-se considerar que alegislação e gestão são do conjunto dos recur-sos hídricos, mas os setores ainda necessitamde elementos que permitam seu desenvolvi-mento econômico social e ambiental sustentá-vel. Principalmente os setores de água e sane-amento como o de energia estão desenvolven-do elementos legais para dar sustentabilidadeao seu desenvolvimento. Esta é a fase atual deconstrução legal que permite compatibilizaros objetivos da lei de recursos hídricos com osdesenvolvimentos setoriais. Neste documento,foram apontados vários problemas e ações emcurso para a busca destes elementos legais econstrução de uma visão de gestão integradados recursos hídricos.Implementação e desenvolvimento dos instru-mentos de gestão: estabelecimento de comitêde bacia e as agências com recursos da cobrançapelo uso da água. Para que este desenvolvimen-to ocorra é necessário que os três elementosmencionados existam, caso contrário dificil-mente haverá sucesso.Plano Nacional de Recursos Hídricos, PlanosEstaduais e Planos de Bacias: o gerenciamen-to integrado dos recursos hídricos será desen-volvido quando os planos foram implementa-dos. Desta forma, é possível conciliar os seto-res, estabelecer outorga, controlar o meioambiente.Sistema Nacional de Informações: o sistemade informações hidrológicas foi mantido aolongo do tempo, mas necessita de ampliaçãoe modernização. Atualmente as informaçõessão de fácil acesso pela sociedade. A amplia-ção e modernização da base de dados envol-vem: (a) ampliar as informações além das hi-drológicas básicas; (b) ampliar a rede de cole-ta cobrindo um universo de escala de baciasmais amplo e representativo; (c) modernizaro banco de dados e acesso à informação. Alémdisso, deve-se evitar o que está atualmente ocor-

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rendo que é a falta de recursos (antes garanti-dos) para a coleta básica.Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia: fo-ram realizados investimentos no setor e o pros-seguimento deste processo é importante namedida que tenderá a aumentar a demanda porpessoal qualificado para atuar nas agências debacias. Além disso, o desenvolvimento de co-nhecimento voltado para os instrumentos de

gestão e dos sistemas hídricos é essencial para asolução dos problemas críticos do país.

Na tabela 6 é apresentada uma seleção resu-mida dos principais resultados das fases iniciaisdeste processo de desenvolvimento dos recur-sos hídricos. A fase em desenvolvimento possuivários desafios que dependem muito da cons-trução e entendimento político dos agentesenvolvidos na governança. Esta fase conclui coma sustentabilidade econômica do sistema.

TABELA 6Resultados do desenvolvimento dos recursos hídricos

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Estas etapas constroem o sistema institucio-nal, mas não garantem o desenvolvimento sus-tentável dos recursos hídricos. O sistema insti-tucional é uma condição necessária, mas nãoé suficiente para dar esta garantia. Ë necessá-rio que este sistema funcione e evolua paradecisões sustentáveis de longo prazo.

DESAFIOSOs principais desafios são:

A efetiva disponibilidade dos recursosorçamentários em lei para sua execuçãodurante o ano. O contingenciamento éo principal problema de execução orça-mentária. Um dos problemas freqüenteé a limitada disponibilidade efetiva paraoperação e manutenção da rede de ob-servação hidrológica do país, que temsofrido dificuldades de receber os recur-sos orçamentários, além de um progra-ma de modernização necessária aos de-safios dos recursos hídricos do país;Os recursos arrecadados nas bacias estãosujeitos ao contingenciamento os setoresde governo. Isto poderá desacreditar osistema de cobrança pelo uso da água,pois o usuário poderá contestar na justi-ça o pagamento;O desafio de desenvolver a visão integra-da dos recursos hídricos no ambiente se-torial como água e saneamento e ener-gia. No primeiro falta a visão integradano meio urbano e busca de resultadosde melhoria ambiental a jusante das ci-dades. No segundo, os conflitos ambien-

tais e a busca de projetos mais sustentá-veis de produção de energia.Ampliar o processo descentralizado deação da gestão de recursos hídricos atra-vés da gestão nas bacias;Melhoria do sistema de informações hi-drológicas e ambientais para a gestão sus-tentável das bacias hidrográficas;Manutenção da política de investimentoem Ciência e Tecnologia com participa-ção dos agentes de governo e comunida-de científica, mas com aumento da par-ticipação empresarial.

CONCLUSÕESEste documento não tem a pretensão de ser

completo, apenas apresenta a análise de umprocesso rico que pode ser visto com otimis-mo na medida que foram obtidos resultadosestruturais importantes ao longo dos anos oucom pessimismo na medida que ainda faltamuito para ser alcançada a gestão integradados recursos hídricos nos diferentes setores ede forma descentralizada. Seja como for, o ca-minho por meio do qual o desenvolvimentodos recursos hídricos no Brasil está ocorren-do é promissor, mas é necessária uma forteparticipação da sociedade na sua construção.

A construção institucional apresentada é umexemplo rico para ser observado e entendidocomo lição para países em desenvolvimento,apesar das especificidades de cada sociedade.O futuro dirá se o país conseguirá continuaravançado nesta construção para que se torneum exemplo completo de sucesso.

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Carlos E. M. Tucci Instituto de Pesquisas Hidráulicas – UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil - [email protected]

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