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Editora Shu apresenta A ARTE NA CHINA W. SPEISER e E. V. ERDBERG-CONSTEN Rio de Janeiro, 2002. Introdução A situação da arte do Extremo Oriente no conjunto da arte universal ainda não se encontra claramente determinada. A arte desta região possui, justificadamente, reputação elevada e atraiu numerosos amadores e coleccionadores. A partir do século XVIII influenciou a arte européia, e pode até ser considerada como uma descoberta do estilo Rococó. Pelos fins do século XIX, as gravuras em madeira e a pintura revolucionaram a arte mundial e inspiraram os artistas modernos. E, no entanto, isso não impede que existam ainda hoje inúmeros preconceitos a respeito do Extremo Oriente. A China não se inclui entre as mais antigas civilizações do Mundo; foi pelo menos um milénio depois do Egipto e da Ásia Anterior que alcançou um nível de alta civilização. As escavações, iniciadas em 1922, mas somente protegidas e conduzidas sistematicamente desde 1950, fazem progressivamente aparecer os limites em que podem inscrever-se as nossas investigações. É quase certo não descobrirmos obras de arte de grande categoria antes de 1500 a. C.; mas por volta dessa época já existiam cidades, uma arte do bronze muito avançada e provavelmente a escrita, que encontramos desde 1300 a. C. Também seria errado crer que, atrás da Grande Muralha, erguida em 220 a. C. e originariamente simples anteparo de terra, a China tenha vivido fechada em si própria, sem qualquer contacto com o resto do Mundo. [n.t: no ano de publicação deste livro, as pesquisas arqueológicas chinesas não haviam forçado os limites cronológicos desta civilização até um passado mais remoto, o que seria feito posteriormente] Já no começo do Neolítico, cerca de 2000 a. C., as relações com importância histórica entre todas as partes do continente euro-asiático eram muito mais intensas do que temos imaginado. As cerâmicas, de qualidade surpreendente e muitas vezes de grande finura, que constituem o contributo mais antigo e mais belo da China para a arte universal, mostram representações e decorações indiscutivelmente semelhantes à cerâmica «de faixas» e à cerâmica “de cordas” européias. A origem, a idade e a dispersão destas civilizações pré -históricas são problemas que não se resolverão, verossimilmente, enquanto não se tiver um mais exacto conhecimento da evolução da China. [...]

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Editora Shu apresenta

A ARTE NA CHINA

W. SPEISER e E. V. ERDBERG-CONSTEN

Rio de Janeiro, 2002.

Introdução

A situação da arte do Extremo Oriente no conjunto da arte universal ainda não se encontra claramente

determinada. A arte desta região possui, justificadamente, reputação elevada e atraiu numerosos amadores e

coleccionadores. A partir do século XVIII influenciou a arte européia, e pode até ser considerada como uma

descoberta do estilo Rococó. Pelos fins do século XIX, as gravuras em madeira e a pintura revolucionaram a

arte mundial e inspiraram os artistas modernos. E, no entanto, isso não impede que existam ainda hoje

inúmeros preconceitos a respeito do Extremo Oriente.

A China não se inclui entre as mais antigas civilizações do Mundo; foi pelo menos um milénio depois do

Egipto e da Ásia Anterior que alcançou um nível de alta civilização. As escavações, iniciadas em 1922, mas

somente protegidas e conduzidas sistematicamente desde 1950, fazem progressivamente aparecer os limites

em que podem inscrever-se as nossas investigações. É quase certo não descobrirmos obras de arte de grande

categoria antes de 1500 a. C.; mas por volta dessa época já existiam cidades, uma arte do bronze muito

avançada e provavelmente a escrita, que encontramos desde 1300 a. C. Também seria errado crer que, atrás da

Grande Muralha, erguida em 220 a. C. e originariamente simples anteparo de terra, a China tenha vivido

fechada em si própria, sem qualquer contacto com o resto do Mundo.

[n.t: no ano de publicação deste livro, as pesquisas arqueológicas chinesas não haviam forçado os limites

cronológicos desta civilização até um passado mais remoto, o que seria feito posteriormente]

Já no começo do Neolítico, cerca de 2000 a. C., as relações com importância histórica entre todas as partes do

continente euro-asiático eram muito mais intensas do que temos imaginado. As cerâmicas, de qualidade

surpreendente e muitas vezes de grande finura, que constituem o contributo mais antigo e mais belo da China

para a arte universal, mostram representações e decorações indiscutivelmente semelhantes à cerâmica «de

faixas» e à cerâmica “de cordas” européias. A origem, a idade e a dispersão destas civilizações pré-históricas

são problemas que não se resolverão, verossimilmente, enquanto não se tiver um mais exacto conhecimento

da evolução da China. [...]

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Para mais, temos propensão para simplificar e atribuir indiscriminadamente ao Extremo Oriente todo o gênero

de descobertas, como o papel, a imprensa, a pólvora para armas, a bússola e a porcelana. Simultaneamente

imaginamos que tudo se desenvolveu de maneira contínua e que a China alcançou um alto nível de civilização

mas de modo relativamente lento e numa quase imobilidade. Convém recordar que a distância de Pequim a

Hong - Kong - cerca de 2000 quilômetros - corresponde mais ou menos à de Nápoles a Estocolmo e que, por

conseqüência, a arte extremo-oriental e a arte européia dominam espaços sensivelmente idênticos. Por esse

motivo, também a sua história aparece tão rica e tão movimentada como a da Europa, se bem que não tenha

conhecido, no mesmo grau, catástrofes e devastações violentas e duradouras.

Tendemos ainda para figurar a população do Extremo Oriente como 700 milhões de indivíduos idênticos uns

aos outros. Consoante a simplificação que nos faz considerar a França como o país da literatura, a Itália o da

pintura e a Alemanha o da música, poder-se-ia caracterizar a China como o país da cerâmica e o Japão o da

laca. Estes dois países criaram nestes dois gêneros, e também na arte têxtil, particularmente na da seda, obras

que outros podem igualar, mas que não conseguem ultrapassar.

A escrIta considerada como uma arte

Num domínio essencial, a China e o Japão distinguem-se do resto do Mundo, incapaz de nele os seguir e até

de compreendê-los: trata-se da escrita e do valor supremo que estes dois povos lhe concedem. Não temos

palavras para o exprimir, e aquilo a que chamamos “caligrafia” não é mais do que uma grosseira

aproximação. A caligrafia é uma escrita ornamental, desenhada por especialistas ou por técnicos de arte; mas

para os Extremo-Orientais a escrita não comporta apenas um alto valor estético: é a expressão e o próprio

símbolo da arte humana e até da civilização. Segundo eles, só desde que se sabe escrever existe uma

civilização; a palavra wen pode significar «literatura», «arte» ou «ornato».

A escrita é, simultâneamente, a primeira e a suprema arte do Extremo Oriente. A China é talvez o único país

do Mundo em que existe uma arte livre, a da escrita, que se pratica apenas por si própria, sem qualquer

finalidade lucrativa. Os instrumentos que servem para escrever são os mesmos que servem para pintar, e a

quem aprende a escrever com ajuda do pincel faz-se pintar ao mesmo tempo algumas flores ou canas de

bambu, a fim de formar o seu sentido da composição dos caracteres; assim, quem simplesmente aprendeu a

escrever domina ao mesmo tempo os utensílios do pintor. Por volta do século IV a. C., a pintura torna-se

passatempo dos espíritos mais delicados, que tiveram o mais severo treino, e que manejam o pincel com uma

segurança funambulesca. Mas aprender a escrever significa também dizer-se o que se tem a dizer de uma

forma perfeitamente clara e agradável e, por conseqüência, possuir um estilo, no sentido literário da palavra.

Além disso, desde a época de Confúcio que os Chineses aprendiam de cor tanto cantos como poemas, que não

se limitavam a ler: cantavam-nos. Disso resultaram quatro géneros essenciais: a caligrafia, a pintura, a poesia

e a música, podendo somente eles ser considerados como artes livres e autênticas. Seria possível, embora

difícil, fazer uma história do estilo das artes do Extremo Oriente, do século XIII aos nossos dias, seguindo

unicamente a história da caligrafia.

O Yin e o Yang. A Sombra e a Luz

No século XIII a. C. a capital da dinastia Chang encontrava-se em Ngan-Yang, na província de Honão. Há

cerca de cinquenta anos, as escavações descobriram mais de cem mil carapaças de tartaruga, sobre as quais

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haviam sido gravados sinais de escrita. Estas carapaças e estas inscrições, que serviam para a prática dos

oráculos, contêm os nomes dos reis que os livros de história posteriores mencionam. São abstracções

pictográficas estes sinais da escrita, representando as coisas e não a pronúncia. No total, já se dispunha de

cerca de três mil caracteres, que, em grande parte e sob formas diversamente estilizadas, ainda se empregam

actualmente. Estes textos relativos aos oráculos documentam-nos pouco acerca da vida quotidiana da época,

mas muito sobre a vida religiosa e espiritual. Os dois conceitos, de certo modo arquetípicos, do Yin e do Yang

(que na sua origem significam o Escuro e o Claro) já então eram correntemente empregados. Até hoje, os

Chineses não pensam em verdadeiras oposições, entendendo estas como aparências que se completam e que

não podem, em absoluto, existir uma sem a outra.

Conseqüentemente, o conhecimento dos conceitos do Yin e do Yang dá-nos a chave da mais antiga das artes,

cujas realizações mais preciosas são os belíssimos bronzes sagrados encontrados em grande quantidade,

principalmente nos túmulos dos reis antigos. Houve grande dificuldade em descobrir o sentido das inscrições

que figuram neles. Para nos atermos ao essencial, podemos resumi-lo assim: no centro da civilização

camponesa e da vida rural de então, que abrangia somente alguns centros urbanos, encontrava-se a terra,

substância sombria, tranqüila e fértil, da qual toda a vida procede e à qual tudo o que é vivo regressa.

Ofereciam-se-lhe sacrifícios, e a ela se destinavam altares ao ar livre; também se lhe referem as inscrições

mais antigas.

Na Antiguidade Chinesa, para figurar as forças inacessíveis que se encontram em todas as religiões

primitivas, empregava-se o animal de maneira quase exclusiva.

Os antigos caracteres das inscrições relativas aos oráculos que designam as serpentes e os dragões devem

considerar-se sinónimos, e a representação do dragão com o sentido que terá mais tarde parece não ter

existido nesta época. A par de bronzes de animais facilmente identificáveis aparecem combinações de corpos

de serpente e cabeça de tigre, com chifres de boi ou de carneiro. Mil anos mais tarde, quando o significado

destes símbolos compósitos já não era apercebido, foram designados por uma palavra estranha e intraduzível:

t'ao-t'ieh.

Considera-se o espírito transparente, móvel, que não possui substância, um elemento secundário e fraco,

como uma criatura da terra. Era simbolizado pela representação do ar e pelos animais que o habitam,

nomeadamente as corujas. Mais tarde, o faisão, por exemplo, foi considerado símbolo do claro Sol e do

princípio Yang. O ciclo no qual a vida se cumpre, começando na terra e finalmente regressando à terra, é

significado pela representação de grilos - erradamente qualificados de cigarras -, cujas larvas

vivem na terra, que depois saem na Primavera para se metamorfosearem em animais do ar que, de novo,

confiam à terra os seus ovos. Estas idéias fundamentais, muito simples, com múltiplas variantes, fornecem a

chave-mestra da arte religiosa da Antiguidade Chinesa. Nessa época não existe, a bem dizer, outra arte, e o

facto de fundir em bronze, material então sem dúvida extremamente precioso, os objectos destinados aos

sacrifícios correspondia a uma extraordinária despesa.

Um sumptuoso bronze sagrado deste género encontra-se no Museu de Etnologia de Munique. O corpo deste

vaso, quadrangular e rigorosamente articulado, tem uma tampa que lembra um telhado. Os lados são

ornamentados com motivos que, possivelmente, não possuíam finalidade decorativa, antes indicam o sentido

religioso e a intenção desta oferenda.

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Para melhor se compreender este mundo das formas convém sempre partir da representação dos olhos, o ele-

mento que melhor se distingue. O triângulo inferior apresenta, por exemplo, um t'ao-t'ieh clássico, ou a sua

cabeça sob a forma de máscara. Esta cabeça é dividida, por uma aresta média, em duas metades simétricas.

Reconhecem-se os olhos e, ao lado, uma orelha; acima, um chifre curvo de carneiro, e, em baixo, os dentes

arqueados para o interior. Esta máscara aparece ainda no cimo, enriquecida com um corpo de serpente que

possui uma espécie de patas. Ao lado vê-se um pássaro de perfil, que olha para o exterior.

As asas do vaso retomam também o tema do t'ao-t'ieh, que aparece ainda na tampa em forma de telhado. Mas

aqui a máscara do t'ao-t'ieh está de certo modo invertida: os chifres estão em baixo e a fauce, com os dentes,

abre-se para a parte superior em direcção ao orifício do defumador, protegido por uma espécie de telhado

mais pequeno. Talvez seja temeridade interpretar esta representação como se os t'ao-t'ieh, símbolos da terra,

expulsassem o ar deste habitáculo, mas um conhecimento mais exacto do simbolismo da época torna esta

interpretação muito significativa.

Os bronzes da Antiguidade Chinesa

Os bronzes sagrados da Antiguidade Chinesa oferecem apenas um limitado conjunto de tipos e de formas.

Desprende-se deles uma grande força, que toma directamente perceptível o significado religioso e que

freqüentemente dá uma impressão de monumentalidade fascinante.

Cerca do ano 1000 a. C. surge uma novidade marcante. A forma exterior dos bronzes não se modifica, e

conserva-se a alta qualidade artesanal da execução, mas encontram-se agora inscrições nos fundos e nas

tampas.

Trata-se quase sempre de uma homenagem feudal ou de uma elevação a um plano social superior, e o dia e o

mês são quase sempre indicados com exactidão. Também é nestas inscrições que pela primeira vez aparece o

titulo de «Filho do Céu) aplicado ao soberano chinês, titulo que ainda não existia nas inscrições de oráculos

de Ngan- Yan. Esta novidade encontra a explicação num importante acontecimento histórico.

Por volta do século X a. C., um povo do Noroeste da China tinha atacado a dinastia Chang, utilizando carros

de combate puxados por cavalos, e destronara-a. No lugar dos antigos reis cultivadores, que também

existiram, sem dúvida, ao mesmo tempo que os Chang, instalaram-se os guerreiros Tcheu. Distribuíram terras

em feudo aos chefes dos seus exércitos e aos parentes da casa real. De começo, adoptaram as formas de arte

dos Chang e os antigos artesãos continuaram a fabricar os mesmos vasos, enriquecendo-os, por vezes, com

inscrições que para nós são fontes históricas capitais. Por elas sabemos que os reis Tcheu praticavam

provavelmente outra religião, mais conforme à sua vida de guerreiros. Nas inscrições salienta-se o tema do

culto dos antepassados, e os vasos rituais são colocados nos templos e salas de antepassados, no interior de

grandes moradas, em honra dos ascendentes e para edificação dos descendentes.

Cerca de 900 a. C., quando o poderio dos reis Tcheu atinge o apogeu, o estilo dos bronzes de sacrifício

transforma- -se, sem que se modifique a importância e a redacção das inscrições. Da decoração dos vasos

desaparecem as representações simbólicas da Antiguidade, ou, então, reduzem-se a uma estreita faixa

ornamental e degeneram em puros ornatos, pobres de significado. Ao mesmo tempo, nota-se freqüentemente

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um evidente declínio na execução técnica dos bronzes. Encontram-se peças defeituosas, cujas formas foram

fundidas em série na cera sem que os elementos sejam sempre devidamente nivelados nas juntas, deixadas em

bruto. Além dos bronzes, este estilo aparece também em trabalhos de jade (jade ou nefrite é uma pedra de um

verde acinzentado), decorados com os mesmos desenhos, mais ornamentais do que simbólicos.

Este estilo mantém-se durante perto de trezentos anos, até 600 a. C., e é vulgarmente denominado "estilo

Tcheu médio”, mas talvez conviesse considerá-lo antes simplesmente como “estilo Tcheu”. É nele que se

expressa mais pura- mente a concepção destes conquistadores militares, que criaram a primeira grande

federação de estados no solo chinês e introduziram a idéia da unidade do Império sob um único soberano.

A época feudal

Cerca de 600 a. C., quando os príncipes das províncias de há muito se haviam tomado senhores feudais

independentes, o estilo muda de novo e desenvolve uma magnificência profana como nunca se vira na China.

As formas da época média Tcheu, consagradas pela tradição real, conservaram-se, sem dúvida, ainda por

muito tempo, nos bronzes de sacrifício, mas os contornos e os pormenores obedecem agora a leis mais

rigorosas e mais claras. Por outro lado, as formas da Antiguidade reaparecem em grande parte, mas

interpretadas com um sentido novo, secular e quase racionalista. Surge uma multidão de outras novidades,

quer nos motivos ornamentais quer nas representações, nos materiais ou nas técnicas. Já não é somente o

bronze que está ao serviço do sagrado. Este material, outrora extremamente precioso, é agora utilizado em

muitos objectos de uso pessoal, como espelhos, caixas de toucador, fivelas de cinturão e fíbulas. Ao mesmo

tempo, associa-se o bronze a outros materiais e, em geral, procuram-se os mais variados efeitos de cor, graças

a magníficas incrustações de ouro e prata, de jade, de turquesa e de malaquita. Exactamente como os

príncipes europeus do século XVIII, os senhores chineses da época feudal (cerca de 600-200 a. C.) rivalizam

entre si na profusão das riquezas, na aquisição de objectos preciosos de adorno, no esplendor dos seus

palácios, jardins e parques de caça. Infelizmente, nada disto subsiste, exceptuando descrições que mencionam

ainda uma rica pintura ornamental e figurativa.

Conhecemos, desde há pouco, finas pinturas sobre laca do século V a. C., por fragmentos decorados e

representações figurativas em exemplares do século IV. A mais antiga peça de seda chinesa que se conhece,

ornamentada com um motivo de losangos tecidos, data igualmente do século IV e foi encontrada no Altai.

Surpreende ver-se aparecer, desde 600 a. C., uma série de motivos figurativos até então desconhecidos na arte

chinesa, mas correspondendo a uma antiquíssima tradição da Ásia Menor: faixas entrançadas ou entrelaçadas,

rosáceas, círculos de pontos, motivos de virgulas, gotas e pinças. Em si próprio, cada um destes motivos não

poderia ter grande significado, mas a aparição simultânea de um número tão grande de temas novos não pode

explicar-se senão pelo contacto com a Asia Menor. O aparecimento do motivo da planta, por exemplo, é

inteiramente novo na China. Entre os milhares de bronzes sagrados antigos é impossível encontrar a mínima

alusão a uma planta, embora se tenha de admitir que é um motivo desde sempre oferecido aos artistas de todo

o Mundo.

Nos bronzes vêem-se pela primeira vez, ao mesmo tempo que os motivos decorativos, combates de animais -

motivo que pode seguir-se sem interrupção da Acádia do final do terceiro milénio até ao Irão sassânida. Este

motivo é completamente desconhecido da Antiguidade Chinesa, e as circunstâncias precisas da sua difusão na

arte do Mundo Antigo, a oeste até à Etrúria, como a leste até à China, devem ser ainda objecto de

investigações mais aprofundadas, de que muito se tem a esperar. Para mais, na China encontram-se então

cenas de caça e de batalhas, nas quais pode o observador menos treinado pode traçar alguma relação com a

arte da Ásia central.[...]

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Até cerca de 600 a. C., os Chineses lutaram duramente contra os seus vizinhos do Norte; parece que então se

estabeleceu a paz, seguida de trocas muito activas. Ora bem, sabemos que um contacto, ou somente a

“sugestão” de novas formas, não produz frutos, a menos que estas formas sejam julgadas dignas de imitação.

A disposição de aceitar as influências é bastante admissível na China desta época, porque pela sua própria

evolução progredia num caminho de secularização, de apreensão racional das coisas e de um gosto acentuado

pelos ricos enfeites de cor. Nada indica melhor esta direcção e o carácter deste estilo novo sob o aspecto

puramente chinês do que a “caligrafia” das linhas desenhadas pelos artistas e artesãos. Nunca, e em arte

alguma do Mundo, se inventaram jogos de linhas tão cheios de fantasia e de espírito como na época do

feudalismo chinês.

Fantasias das linhas

A partir do começo do século V a. C., época de Confúcio, podemos seguir, graças a objectos datados, o novo

estilo linear, ao mesmo tempo racionalista e cheio de espírito e de fantasia, no decurso dos séculos seguintes.

Do ano 482, por exemplo, possuímos quatro sinos cuja data consta das inscrições.

Um destes pertence ao Museu de Amesterdão; a peça que serve para o pendurar transmite uma agradável

impressão de linhas contínuas; a suspensão propriamente dita, consta de dois tigres com asas em forma de

volutas sobre as articulações e a cabeça e com uma serpente na boca. Devemos observar, contudo, que na

China Antiga nunca um tigre combateu com uma serpente ou tão-pouco comeu alguma. No meio da faixa

inferior do sino reaparece uma máscara t'ao-t'ieh em relevo muito acentuado, perfeitamente reconhecível

pelos olhos e narinas; esta máscara está, por seu turno, entrelaçada e rodeada de serpentes, que formam uma

espécie de trança e terminam ora em cabeças de tigre ora em cabeças de ave.

A bela vasilha com tampa, da colecção Vannotti, totalmente decorada com silhuetas de contornos marcados

fortemente e um modo muito espiritual, acompanhadas de quadrúpedes, é uma verdadeira obra de arte. Sobre

a pátina, quase sempre lisa e de um verde profundo, sobressaem estes. perfis, realçados pelo vermelho das

incrustações, provavelmente pela maior percentagem de cobre.

Entre os numerosos espelhos de bronze descobertos em Tch'ang-cha, o grupo com figuras de ursos possui

encanto particular. A face anterior destas peças de bronze planas e circulares era perfeitamente polida e servia

de espelho; a face dorsal, que tem uma pega no centro, era, por norma, ricamente decorada, e alguns motivos,

a que se pode atribuir um significado astronômico, freqüentemente fazem pensar que várias destas peças

tinham finalidade cultural, como mais tarde acontece no Japão.

Quatro ursos-lémures que dançam e mutuamente agarram as caudas deviam inspirar, decerto, um franco

prazer, pois que a sua disposição ainda hoje nos agrada. As formas são tão naturais que um zoólogo não tem

dificuldade em identificá-los. O movimento, particularmente o das cabeças voltadas de lado, quase não

poderia ser manifestado de maneira mais concreta; e, no entanto, os contornos e as curvas, que mais não

fossem os das caudas, são traçados com demasiado espírito para que possa falar-se de um estilo naturalista.

Na época feudal encontram-se, sem dúvida, exemplos típicos de uma “renaturalização”; a própria figura dos

dragões, animais sobrenaturais, ganha então, pela primeira vez, forma tipicamente chinesa: as acumulações de

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símbolos de todos os animais da terra, tal como se vê nos t'ao-t'ieh da Antiguidade, e os exageros

contraditórios são eliminados; disso resulta um animal evidentemente fantástico.

O aspecto dos novos dragões, rodeados de variações espirituais de volutas triangulares, os motivos em feitio

de gota, na pelagem de animais com formas plásticas perfeitas, e o significado da caligrafia, em arabescos da

época feudal, manifestam-se de maneira exemplar no pequeno trípode com tampa, de bronze, com

incrustações de prata, do Museu de Minneapolis, que pode datar-se do século III a. C., no apogeu e no fim

desta época.

A unificação

A época feudal termina de modo violento no ano 221 a. C. A região de Ts'in, no vale de Wei, pátria da antiga

dinastia Tcheu, conquista, uma após outra, as várias províncias, ficando quase todo o território da China

Interior reunido e submetido à autoridade central de um imperador, que toma o título de “Primeiro Imperador

da Casa Ts'in” (Ts'in Che Huang-ti), e que declara assim abertamente a pretensão de, como Filho do Céu,

exercer por sua vez a autoridade política.

O primeiro imperador Ts'in foi um amador de arte. Pelo menos, fez construir para si um palácio de lendária

magnificência e um túmulo não menos admirado. Pouco depois da sua morte, porém, o palácio foi incendiado

e o túmulo saqueado. Para os seus grandes empreendimentos artísticos organizou administrações centrais, ou

sejam oficinas reais, cuja actividade continuou sob os imperadores Han. Desde então, nos vasos de bronze

pode ver-se nitidamente a mudança de concepção: as inscrições já não falam da honra dos antepassados nem

da concessão de feudos; apenas indicam, com grande exactidão, o peso dos objectos ou, tratando-se de

objectos de laca, os nomes dos artesãos responsáveis por cada fase do trabalho e os dos controladores, a fim

de que estes pudessem, por seu turno, ser vigiados.

Uma importante iniciativa do imperador, tanto para a China como para o Mundo, foi a unificação da escrita e

a forma standard que lhe imprimiu. No tempo do pluralismo feudal, criaram-se numerosas formas particulares

de caracteres e estabeleceram-se maneiras locais de serem lidos. O número de caracteres era teoricamente

ilimitado; criaram-se - e ainda hoje se criam - novas combinações a partir de cerca de duzentos caracteres que

compõem o fundo desta escrita ideográfica.

Todavia, os tipos de escrita impostos pelo primeiro imperador modificaram-se tão pouco até à actual escrita

da imprensa que se lê tão facilmente como um jornal moderno uma inscrição chinesa gravada em pedra há

dois mil anos.

A época Han

Da época Han (200 a. C. - 200 d. C. aproximadamente) possuímos muitíssimos objectos, particularmente os

vasos e as figuras extraídos dos túmulos por escavações clandestinas e vendidos no Mundo inteiro. Os vasos

substituíam então, pelo seu baixo preço, os bronzes que na Antiguidade e na época feudal eram, por vezes,

colocados em quantidades espantosas ao lado dos mortos. As cerâmicas da época Han imitam visivelmente as

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formas de bronze. Apresentam, por exemplo, anéis de preensão modelados, que nestes objectos não são mais

do que ornatos fixos e inúteis. Também o vidrado, quase sempre verde ou castanho-avermelhado, visa

lembrar a tonalidade do bronze. A técnica simples deste vidrado com chumbo expunha as superfícies a fácil

ataque por parte dos elementos do solo; assim, muitos destes vasos adquiriram uma pátina de cores

espelhantes, por vezes magnífica.

Nas paredes dos objectos mais em voga nesta época, quer seja nas jarras altas ou nas bilhas em forma de

vasos e em recipientes mais baixos e arredondados, que imitam as formas das caixas de toucador em moda

desde a época feudal, encontram-se todos os gêneros de representações dos atractivos da vida quotidiana e,

em primeiro lugar, as cenas de caça. As mais das vezes caça-se a cavalo e dispara-se o arco em pleno galope,

voltando-se o caçador para trás de acordo com a táctica dos cavaleiros partas contra os legionários romanos.

As abundantes figurinhas funerárias, envernizadas como os vasos ou quase sempre pintadas a frio para poupar

uma cozedura, dão-nos em redução uma imagem da vida na época Han, imagem mais precisa do que a dos

séculos seguintes. Servidores, servidoras, dançarinos, cavalos, cães e bois, instalações de cozinhas, lares e até

casas inteiras e quintas acompanham o morto na sua sepultura. Contudo, na maior parte dos casos, é

impossível datar exactamente estas reproduções, muito semelhantes entre si; poucas se elevam acima de uma

qualidade média geral, apesar de possuírem sempre um certo encanto.

Estamos incomparavelmente mais bem esclarecidos pelas lacas descobertas em grande número, que nos

oferecem algumas excelentes representações da vida quotidiana. A maior parte foi feita na província de

Szechwan e difundida a mais de mil quilômetros de distância. Esta informação é-nos fornecida pelas

inscrições que dão o ano preciso da execução de um grande número de taças nos primeiros séculos a. C. e d.

C. As primeiras escavações importantes foram efectuadas no vasto recinto dos túmulos de Lo-Lang, em frente

da actual Pyong-Yang, na Coréia do Norte. Mas foi em Tch'ang-cha, na China Central, que se encontraram

recentemente lacas antigas, freqüentemente pintadas com extrema finura, que nos permitem imaginar o que

terá sido

a grande pintura nos séculos que precederam a nossa era. Uma das taças descobertas em Lo-Lang que ostenta

um

circulo protector de bronze, outrora dourado, apresenta sobre um fundo de laca hoje acastanhado, mas que

originariamente era, decerto, mais escuro, e sob a forma de uma pintura em laca prateada quase pastosa, uma

decoração fantástica constituída por linhas muito alongadas, que se enrolam na extremidade e nas quais se

encontram as invenções e a caligrafia em volutas da época feudal. No espelho em forma de medalhão,

destacado do fundo da taça, vêem-se três ursos dançando, dos quais apenas algumas poucas linhas de laca

marcam os contornos, cada um deles numa moldura traçada com vivacidade e separado dos outros por uma

fiada de pontos que igualmente lembram a técnica de granulações ou granalha aplicada então na China.

Se o efeito geral é espirituoso e cheio de verve, herança da época feudal precedente, o emoldurado do espelho

redondo consiste apenas nas simples e secas figuras de quadrados e losangos que desempenharam tão grande

papel na época Han. A unidade e a sobriedade da composição, que então se encontram também nas sedas, não

reflectem somente as novas concepções da época Han; permitem a esta arte ser facilmente compreendida e

procurada muito para além das fronteiras da China. As lacas, tal como as sedas, foram objecto de comércio

com países muito distantes: a Mongólia, a Sibéria e até o Anão e o Meganistão.

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A China, na época feudal, foi influenciada nas suas artes pela Asia Ocidental; doravante, será ela que

influenciará o resto do Mundo. Por exemplo, retenhamos apenas a arte do Império das Estepes, do Altai à

Hungria, que pode essencialmente datar-se graças às peças importadas da China, e à utilização de modelos

chineses entre os Hunos, os Sármatas e outros povos cujos nomes nos dão muitas vezes apenas escassas

indicações acerca da sua localização e da sua época.

Pelo caminho, tornado célebre, da «Estrada da Seda», cuja exploração fez a glória de um Sven Hedin e de Sir

Aurel Stein, as sedas e outros objectos chineses chegavam até ao mar Negro, à Síria e a Roma. Este caminho

conduzia, através do Pamir, a Damgan (no Irão) e, pela via do Tigre, a Dura-Europos e a Palmira (dois locais

onde se descobriram importantes vestígios do comércio de sedas); mais longe ainda, até Antioquia, uma das

quatro grandes cidades do Império Romano.

O que melhor nos elucida a respeito da arte da época Han são certamente os baixos-relevos das capelas

funerárias, descobertas primeiramente no Xantum do Sul e depois em Setchuan. Perante os tumulus dos

sepulcros propriamente ditos, de bom grado as famílias nobres erguiam capelas - simples edificações com o

tamanho de um quarto, com um lado aberto, onde se sacrificava aos antepassados. As paredes de pedra eram

ornadas com baixos-relevos, que, segundo todas as probabilidades, transpunham na pedra as imagens murais

dos palácios e das casas.

Entre os mais notáveis exemplares destes baixos-relevos devem contar-se as lajes da capela do príncipe An,

verossimilmente provenientes de Liang Tcheng-chan, no Xantum do Sul. Foram esculpidas cerca de 120 d.

C., e mais tarde quebradas e utilizadas em outros edifícios, onde ainda provavelmente se encontram. Devemos

a Adolf Fischer as fotografias originais, obtidas em 1906, destas lajes, que mostram acontecimentos da vida

quotidiana. Um casal está sentado num pavilhão construído sobre um lago; numerosas servidoras estão

sentadas à entrada do pavilhão, no telhado do qual um macaco pratica acrobacias; em baixo, os servos, em

barcos, procuram arpoar magníficas carpas ou pescá-las com redês; na parte superior, quatro animais de caça

completam a cena.

Ao lado destas imagens da vida corrente aparecem imagens históricas ou morais; em primeiro lugar,

exemplos de amor filial, uma das virtudes cardeais na China. Por poucas idéias que estes motivos nos dêem

do que na realidade foi a pintura, com os seus temas e a linguagem das suas linhas e das suas cores, não

deixam, no entanto, dúvida alguma quanto à temática, à vivacidade das representações e à mestria técnica.

Destaque do indivíduo

No século IV d. C., particularmente em Nanquim, apareceram dois novos factores a desempenhar funções de

grande importância na arte chinesa até aos nossos dias. Wang Hsi-tche (321-379) inventou um novo estilo de

escrita, utilizando as possibilidades do pincel terminado em ponta triangular e que, em regra, é seguro

verticalmente sobre a folha de papel ou sobre a seda. Abandonou assim o sistema rígido e severo das linhas

rectas, e ligou estas entre si, graças a arabescos cursivos. Desde então falou-se da «escrita-erva», que ondula,

flexível, como a erva sob o vento, e que foi adoptada em numerosos manuscritos. Dois pormenores devem ser

apontados para o profano: cada vez que se levanta ou se baixa o pincel seguem-se directamente as linhas

traçadas, que se tomam então mais largas ou mais finas. Esta alternância de cheios e de finos tomou-se, depois

de Wang Hsi-tche, critério da caligrafia estética e, um pouco mais tarde, da própria pintura.

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Para desenhar os traços do pincel com o maior prazer possível, mantendo entretanto um controle absoluto,

criava-se o hábito de fazer linhas desde o ataque até ao levantar do pincel, perfeitamente distintas umas das

outras, mas com o mínimo possível de cortes. Em breve se executa um fundo com alúmen, sobre o papel ou a

seda, a fim de que o pincel adira exactamente e a tinta não escorra. O que implica que os motivos devem ser

pintados alIa prima, sem esboço prévio nem correcção ou repinte.

No Extremo Oriente os letrados eram raros, formando uma minoria que se encontrava, devido ao seu acesso a

funções públicas, liberta de qualquer preocupação material. Os funcionários de nível inferior, os chefes de

província, administravam e julgavam dezenas de milhares de homens. A China ultrapassou tudo, quanto ao

pequeno número de funcionários que empregou, assim como quanto às exigências de perfeita moralidade e

educação elevada que lhes impunha. Não bastava que pudessem ler os clássicos, mas ainda que os lessem e os

compreendessem. Não deviam apenas saber escrever, como também tinham de ser capazes de bem escrever,

nos sentidos tanto literário como caligráfico, e finalmente qualquer letrado devia poder compor um poema.

Este ideal foi alcançado pela primeira vez por Wang Rsi-tche, o “mestre das três artes”, gênio autêntico -

calígrafo, poeta e pintor -, que ocupou um posto de general.

Mas foram poucos os que atingiram idêntico plano. As obras de pintores livres e de alta cultura são nesta

época extremamente raras, e os frescos executados por conscienciosos artesãos, nomeadamente nos túmulos,

não se lhe podem comparar. Descobriram-se frescos desses no Ropei, no Liao-Ning (Manchúria) e na Coréia;

mas ainda não é certa a datação da época em que foram criados, e somente correspondem a um pequeno

contributo para o conhecimento da pintura chinesa propriamente dita. Possuímos ainda elementos muito

insuficientes quanto às relações da arte com o budismo, que, desde 200 d. C., foi propagado e ardorosamente

adoptado na China*.[...]

*[situação atualmente revista pela arqueologia e história da arte. N. T.]

A descentralização da China

No ano 208 d. C., a dinastia Han acabava com a Batalha naval da Muralha Vermelha, no Iansequião médio. O

Estado unificado, que durara quatrocentos anos, dividiu-se em três Estados que, cinquenta anos depois, se

alteraram. Uma dinastia mais poderosa pretendeu dominar, mas não conseguiu impor-se aos senhores das

províncias, que fundaram dezesseis dinastias “ilegítimas”. possuidoras de uma independência de facto. Em

seguida, o império dividiu-se em duas partes: o Norte, onde reinavam os conquistadores turco-mongóis, sob o

nome de uma dinastia Wei, e o Sul, onde se sucederam na capital, Nanquim, seis dinastias que se pretendiam

legitimas.

Somente em 589 foi reunificado o Império. A partir de 630, a dinastia T'ang, entretanto chegada ao poder,

libertou-o pela força das armas e aumentou-o. De 630 a 750, a China atingiu o cume do seu poderio político e

o apogeu da sua arte. As suas fronteiras chegavam à Pérsia, e tornara-se uma potência mundial cujo nome

desfrutava de grande consideração em toda a Ásia.

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Os dois séculos entre 250 e 450 d. C. representam a época mais obscura da história da arte chinesa, mas não é

de esquecer que as escavações sistemáticas na China são recentes, o que nos leva a confiar que estas lacunas

virão a ser preenchidas. Sem dúvida alguma houve então grandes artistas, e os nomes dos pintores célebres

que nos foram transmitidos indicam-no-los como Wang Hsi-tche e Ku-Kai- -tche (por volta de 346-407), de

quem se conhecem diversas cópias de dois rolos, cópias estas que possuem um certo valor documental.

A arte búdica na China

Aproximadamente em 450 d. C. começa a série de obras escultóricas búdicas: por um lado, grandes estátuas

de pedra que recobrem os Bancos de montanhas inteiras, onde se cavaram hipogeus, e, por outro, os bronzes,

quase sempre de pequeno formato, visto que os maiores foram derretidos para se cunharem moedas. As

inscrições permitem-nos seguir o desenvolvimento destas esculturas de inspiração religiosa de decénio em

decénio, até 750. A maioria dos monumentos de pedra encontra-se no Norte, no território da dinastia Wei,

cujo nome é empregado para designar esta época de arte; mas não se limita a estas esculturas toscas ou

meramente simples toda a arte búdica de então, nem tão pouco a arte chinesa desta época, nem sequer o

essencial desta arte. A importância de um centro como Nanquim, capital das Seis Dinastias (Lieu-Tchau), não

pode ser subestimada, apesar de ainda não ser possível apreciá-la com justiça.

Poucas destas obras se conservam. Apenas as colossais e grandiosas figuras de animais que guardam os

túmulos dos imperadores e dos príncipes testemunham esta antiga glória. As formas destas esculturas,

poderosas, rigorosamente articuladas e de contornos firmes, não têm equivalente senão na caligrafia do estilo

epigráfico de então. A série destes animais começa, igualmente, por volta de 450 d. C. e continua até ao

século IX, com algumas lacunas e sem que esta pode- rosa grandeza, alcançada justamente pelos mais antigos

monumentos de Nanquim, tenha sido mantida.

Depois da dinastia Han principiou uma época de fermentação que não termina simplesmente em 589 quando

da reunificação da China. A par de idéias novas e de novas representações, as do budismo tiveram nesta época

um papel importante, apesar de não ser primordial. Uma verificação antiga, enriquecida por descobertas

recentes, põe aos historiadores de arte um problema importante e que necessita de pesquisas mais avançadas

para ficar esclarecido; trata-se das relações entre a China e o Irão dos Sassânidas, cerca de 500 d. C.

As cerâmicas desta época, há alguns anos descobertas na China do Norte, permitem, por um lado, atribuir-lhe

outras peças provenientes de escavações clandestinas e que não haviam sido datadas com precisão, e, por

outro, levaram um investigador tão prudente como Th. Dexel a estabelecer que, por volta de 500, uma

verdadeira revolução se processara na cerâmica chinesa. Todas as obras posteriores, pondo-se de parte as.

formas incontestavelmente retrógradas, quase não manifestam parentesco com as obras antigas.

Outros exemplos vêm auxiliar esta tese e, como sempre, os mais significativos são os ornatos; em primeiro

lugar, as plantas, sob formas que nos são familiares, grinaldas, palmetas, meias-palmetas, etc., sistemas

ornamentais de há muito correntes na Ásia Anterior e no mundo antigo mediterrânico; em segUndo lugar, os

alinhamentos de pérolas, simples ou múltiplos, que servem de orla, mas que também se apresentam como

medalhões redondos, e em fiadas de corações e outras formas semelhantes, que são importantes temas da arte

sassânida - mesmo que se não encontrem exclusivamente no Irão e retomem motivos mais antigos, como os

das esculturas de Palmira.

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A China e o Irão

Seria desprezar o essencial não relacionar esta ruptura do estilo com uma influência do budismo e o contacto

com a Índia. A arte hindu dos séculos V e VI d. C. está muito pouco explorada, talvez menos ainda do que a

arte sassânida, que tanto desejaríamos conhecer melhor e com mais certeza.

Os historiadores indicam-nos que o imperador Wei da China do Norte, T'ai Wu-t'i, depois da primeira grande

perseguição aos budistas, que decorreu em 446 e se prolongou por seis anos em todo o Império, empreendeu

uma expedição de grande envergadura em direcção ao Oeste, tendo alargado as fronteiras do seu império até

ao Irão, cerca de 450. Estabeleceu assim um contacto directo com os Sassânidas, e os tesouros de moedas

sassânidas recentemente descobertos na China do Norte trazem-nos o testemunho concreto das trocas

comerciais entre esta e o Irão, que pouco conhecia do budismo e não desejava conhecê-lo melhor.

As fronteiras entre a China do Norte e a China Central nunca foram tão efectivas que impedissem a

comunicação nos dois sentidos.

Bodhidharma, filho do príncipe de Ceilão, ficou célebre por ter ido, cerca do ano 500, a Nanquim e daqui ter

alcançado sem dificuldade a China do Norte, onde viveu como eremita no Song-Chan. É venerado como

fundador, na China, da Escola da Meditação, a Escola do Tch'an, que se tornou ainda mais famosa sob a

forma japonesa da mesma palavra, o Zen. Não longe do local em que converteu o seu principal discípulo Hui-

Ko, em japonês Eika, ergue-se hoje o pagode construído em 530, o mais antigo monumento de arquitetura

conservado em território chinês.

A questão que nos pusemos, a propósito da arte sassânida e da acção que pôde exercer na arte chinesa, está

ligado o importante problema da influência da Antigüidade Ocidental sobre o Extremo Oriente. Os Sassânidas

seguiram-se aos Partas, os mais encarniçados adversários dos Romanos e cujos reis se designam a si próprios

nas suas moedas como “filo-helenos", “amigos dos gregos”; mas os Sassânidas foram ainda mais longe do

que os Partas, pelo menos na adopção da ornamentação e das formas de arte greco-romana, da qual

guardaram, melhor do que o Ocidente, toda a pureza, quando já o império e arte romanos caiam em ruínas.

Quando se descobriram em Gandara, no vale de Cabul e nos arredores os primeiros sinais de formas antigas,

julgou-se dever ao jovem conquistador Alexandre Magno a honra de uma acção civilizadora; mas de há muito

se reconhecera que a arte de Gandara lhe é posterior e, de qualquer modo, relacionada com a arte imperial de

Roma. Assim, que papel se haverá de atribuir, nesta sequência de tradições, aos Sassânidas e aos seus

aparentados das planícies vizinhas do Norte? Este é, hoje ainda, um grande enigma da história universal da

arte*.

*[ibidem comentários anteriores. N.t.]

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Um dos monumentos mais característicos do estilo do século VI, e que mostra a larga extensão das relações

nesta época, é certamente o grupo de baixos-relevos funerários que recentemente foi objecto de renovado

interesse e de frutuosas discussões. Trata-se de cinco ou sete lajes de pedra de um túmulo conhecido de há

muito tempo pela população local e situado nas redondezas de Tch'ang- Té, no território da antiga Ngan-

Yang, a capital dos Chang - ou, se se prefere, de Ye, capital da dinastia turco-mongólica dos Ts'i do Norte

(550-575).

Estes baixos-relevos ornavam, segundo toda a verossimilhança, o túmulo de um comerciante de classe

elevada ou de um príncipe de origem iraniana vindo de uma região da vertente ocidental do Pamir, chamada

Fergana. Não tem nada de surpreendente que um dos numerosos súbditos destas regiões, que cem anos antes

pertenciam à federação do Império dos Wei, tenha vivido na capital dos seus sucessores e que, quando

faleceu, fosse inumado faustosamente. O seu túmulo foi, sem dúvida, edificado conforme os costumes da sua

pátria.

As interessantes questões que se põem a respeito deste culto, dos usos e dos objectos representados foram,

desde há pouco, notavelmente esclarecidas por Gustina Scaglia. A procissão que se dirige a uma cerimônia de

sacrifício é provavelmente conduzida pelo próprio defunto. Os servidores seguem-no, com estandartes e

cavalos, e o conjunto dá uma imagem muito livre e muito concreta dos usos estrangeiros e dos tipos de

construção então empregados na China. Não há dúvida possível: o artista que esculpiu este baixo-relevo era

um chinês, e era corrente confiarem-se a chineses trabalhos idênticos.

O incentivo que das trocas com o Irão resultou para a arte chinesa manifesta o seu efeito cerca de 600, quando

se integrou no seu sistema decorativo. As grinaldas, os orna- tos e as coroas de lótus são, desde então,

traçados por mãos incontestavelmente chinesas, de tal modo que ninguém poderia reconhecê-los como

contributos estrangeiros. Na mesma época, as características do estilo chinês ganham firmeza própria. [...]

Buda e Bodhisattva

Em 630 os imperadores da dinastia T'ang decidiram desenvencilhar-se dos perturbadores que afectavam a paz

no Norte, consolidar as fronteiras da China e ampliá-las para além do Pamir. Até 751 a China é o maior e

mais poderoso império asiático, que assegurava a todos os povos e a todas as religiões uma protecção livre e

segura. A arte atingiu o seu apogeu com o imperador Ming-Huan (713-756), na corte de quem trabalharam

algum tempo Li T'ai-po e Wu Tau-tsé, o maior pintor do Extremo Oriente. As formas esculturais sublinham

as etapas desta ascensão e permitem-nos considerar esta evolução como uma progressão em linha recta de um

estilo pré-clássico até um elevado classicismo.

No mosteiro de Chugu-ji, perto de Nara, uma estátua de madeira, esculpida decerto por volta de 660, com

formas doces e lisas que poderiam fazê-la crer um modelo destinado à fundição de bronze, representa

provavelmente o bodhisattva Maitreya, a figura do futuro Buda. Nenhum sinal permite uma caracterização

mais exacta da sua aparência carnal. É simplesmente uma figura humana, expressando uma terna e quase

irreal disposição benevolente. Às puras curvas do corpo, de uma inexprimível delicadeza, correspondem as

pregas da veste, orientadas mais pela idéia de uma beleza quase ornamental do que por um desejo de

realismo.

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Um bodhisattva representa o último estado da existência real antes da dissolução, a entrada no estado do

nirvana, do qual não se pode dizer nem o que é nem o que não é. É por esta razão que os bodhisattvas

acompanham freqüentemente as figuras dos budas, formando trindades ou até grupos mais importantes. Por

vezes ostentam ricas jóias ou correntes, enquanto a ausência de enfeites nos budas, regra geral, indica que a

sua aparência terrena não representa mais do que um habitáculo de essências ideais de uma ordem muito

diferente, impessoais e suprapessoais.

Os bodhisattvas de T'ien-Iong-chan são figuras que acompanham o Buda; e, assim, é difícil compreender

imediatamente todos os seus movimentos e os seus gestos se se não tiver em vista o conjunto de que faziam

parte. No grés mole das cavernas de T'ien-Iong-chan cavaram-se durante séculos santuários e esculpiram-se

nas paredes as figuras das personagens sagradas. Nos nossos dias, muitas foram arrancadas em fragmentos;

primeiro as cabeças, depois corpos inteiros, dispersaram-se por colecções de todo o Mundo, quando os

coleccionadores começaram a entusiasmar-se por um estilo escultural que se situa na fronteira entre o

arcaísmo e o classicismo.

As esculturas da gruta 14, do fim do século VII, não mostram ainda esse pleno sentido corporal, essa

fidelidade à realidade que tão facilmente pode dominar o conteúdo simbólico. Tudo nelas deve ainda ser

adivinhado, tudo fica ainda como uma promessa de maturidade e de conhecimento, sem que nada se refira

ainda ao rigor e à dificuldade deste conhecimento. Depois do ornato dos meados do século VII, espécie de

imagem revestida do sagrado, que era apenas amável e bela, um passo foi dado para uma representação mais

rude, mas ainda não perfeita da realidade.

Este passo em frente foi efectuado pela escultura na primeira metade do século VIII, o seu século clássico. A

cabeça, quase de tamanho natural, de Kuan-yin (ou seja, literalmente, do bodhisattva que escuta os gritos da

criatura atormentada) mostra a vida na sua plenitude e, sob formas doces e amáveis, um rosto humano com o

qual se poderia dialogar, apesar de os elementos secundários, como, por exemplo, os cabelos, serem de

execução inferior. Sem negar a realidade humana pessoal, esta cabeça expressa uma elevação e uma

dignidade transcendentes. Esta extraordinária escultura de bronze deve ser hoje considerada perdida, e deve-

se ao Dr. K. R. von Roques tê-la fotografado em Xangai há alguns anos, existindo poucos bronzes deste

gênero e com semelhante qualidade na China do século VIII.[...]

A China decadente

A viragem decisiva para a grandeza do império T'ang foi a Batalha de Samarcanda em 751, onde ficaram

vitoriosos os chefes dos exércitos árabes, que já haviam conquistado o Irão em 642, e que depois realizaram

freqüentes incursões na China. Não conseguiram conquistá-la, mas após essa pesada derrota (que, por outro

lado, revelou ao Próximo Oriente, graças aos prisioneiros, o processo da fabricação de papel) a China, no

interior, caiu durante duzentos anos de catástrofe em catástrofe, a ponto de, em 895, os Japoneses

suspenderem as suas relações com este império outrora tão admirado.

Esta decadência teve uma considerável repercussão na religião ou, pelo menos, nos sentimentos religiosos e

nas formas de expressão artística. Punha-se necessariamente o problema de saber em que sentido se dirigiria a

arte, depois de ter alcançado o ponto máximo com as formas clássicas. Seria preciso parar, voltar a formas

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anteriores, ou era possível continuar neste sentido sem cair num forçado exagero? Ainda não descobrimos na

China as suficientes esculturas de qualidade que tragam uma resposta definitiva a estas perguntas, embora

possuamos, todavia, as suficientes para concluirmos que o desenvolvimento da arte chinesa foi paralelo ao

que mais fácil e demoradamente podemos estudar no Japão - o do budismo místico, para o qual as figuras

tomam um valor de símbolo e são como um receptáculo de potências e forças que podem trazer a salvação,

embora existam independentemente de qualquer desejo de salvação. As formas são, de agora em diante,

pesadas e fechadas, encarnando forças poderosas e até brutais, atrás de que se oculta um poder espiritual. [...]

Poder-se-ia qualificar o século IX de "século de Kuan-Hieu" (832-912). Este Monge - pintor criou um estilo

que das personagens sagradas deu uma interpretação quase chocante, fazendo-as de algum modo uma espécie

de burgueses seculares, por vezes feios, mas sempre fortemente expressivos. No lugar dos bodhisattvas,

Kuan-hieu colocou os Lo-han, ascetas que, graças à sua própria energia e a duras provas, adquirem o

conhecimento do nada da existência. Reproduções de obras de Kuan-hieu, freqüentemente gravadas em pedra,

podem hoje ainda ser adquiridas com facilidade.

Da arte búdica chinesa depois de 751 pouco conhecemos; e somente nos territórios exteriores, como em Tuen-

huang, no caminho do Turquestão Oriental, e mais precisamente no oásis de Turfan, podemos ver hoje várias

dezenas de templos trogloditas. Da sua decoração restam ainda frescos em grande número e algumas

esculturas. Encontram-se também quartos murados, rolos pintados, escritos e algumas gravuras em madeira

que provam que na China do século IX esta técnica artística já era florescente. Os frescos apresentam material

inesgotável, sobretudo pelos inúmeros temas da iconografia búdica. Às vezes são imitações de antigos

modelos célebres, particularmente nas representações do paraíso em que reina o Buda Amida. Mas é raro que

a execução se eleve acima de um mero trabalho provincial.

Os séculos X e XI constituem hoje ainda uma lamentável lacuna, tanto mais deplorável quanto é certo

sabermos que nestes dois séculos a arte esteve florescente tanto na China como no Japão e que se produziram

muitas obras novas e originais. Na China, a dinastia dos Song desde 960 que se sobrepôs à fragmentação do

país, estabelecendo uma paz que mais do que nunca foi rendosa para as artes. Os imperadores Song

favoreceram-nas, alguns deles até pintaram, como também numerosos membros da sua família. A par da

pintura com personagens expande-se então a pintura de flores e de aves, representadas em grupos

determinados, de inspiração muitas vezes poética. Estes temas, de extrema delicadeza, tomam-se pela

primeira vez, e ao mesmo tempo que a paisagem, a preocupação dominante da pintura. [...]

A Época Song

A bem dizer, a história da arte do Extremo Oriente só começa por volta dos anos 1100, visto que os dois

séculos anteriores pertencem sobretudo à arqueologia. A partir de 1100, possuímos ainda, principalmente de

pintura, as obras originais, e de tal qualidade que se reconhece nelas a personalidade dos grandes mestres. A

partir deste momento, portanto, pode-se determinar se uma pintura é o original ou uma cópia de valor

documental, ou até obra de um falsário. O grande pintor chinês Wu Tao-tseu (cerca de 690-760), o “Rafael do

Extremo Oriente”, assim como Wang-Wei (699-759), o célebre iniciador da pintura de paisagens, são-nos tão

pouco conhecidos como Apeles. Contudo, dos grandes mestres que viveram por volta de 1100 ou depois,

ficaram ainda algumas obras originais e cópias de Li Long-mien (1049-1106), o Rolo dos Cinco Cavalos, do

imperador Huei-Tsong (1082-1135), e pelo menos três exemplos de flores e aves pintadas, de Mi-Fei (1051-

1107), o criador da paisagem subjectiva, que pinta numa caligrafia quase abstracta. Conhecemos as obras

destes pintores graças aos acasos que as conservaram, e todavia somos levados a perguntar se terá sido apenas

graças ao acaso que a partir desse momento a personalidade do artista desempenha um tão grande papel. De

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qualquer maneira, parece que a evolução realizada na arte européia durante o século XVI, ou seja, a

proeminência concedida à personalidade, já se efectuara na China e, pouco depois, no Japão, desde 1100

aproximadamente.

Depois desta data, já não temos necessidade de considerar as formas do estilo, que frequentemente eram

apenas ornatos acessórios, para determinar mais ou menos a data das obras, como o fazem os arqueólogos. A

personalidade dos artistas, o génio e o carácter dos pintores surgem doravante nas obras, no mesmo plano do

objecto; e muitas vezes passam até para o primeiro plano. Em breve será a paisagem, a caligrafia dos pintores

e das escolas, que arrebatará o observador, mais do que o motivo e o lugar. Mesmo nas obras religiosas é o

indivíduo que se impõe, e esta nova maneira tanto se observará na China como no Japão. [...]

Na época, surge o hábito de representar inúmeros deuses e figuras femininas. Em 1126, a dinastia Song,

expulsa da sua capital Kai-fong, no Norte, pelas invasões dos povos tunguses, estabelece-se com capital em

Hang-Cheu, a sul do estuário do Iansequião, onde os imperadores favoreceram a arte ainda com maior

entusiasmo. Em Hang-Cheu, o bodhisattva Kuan-yin era de há muito mais admirado e venerado do que em

qualquer outra parte, a tal ponto que a ilha montanhosa de Pu-To-chan, em frente do estuário do Iansequião,

passava por ser o local onde se erguia o seu trono terreno. Aqui, Kuan-yin era mulher, muito embora o estado

de bodhisattva não tenha sexo, e apesar de haver também representado os Kuan-yin sob forma masculina. Era

protectora de crianças, marinheiros e pescadores.

Mas as numerosas figuras pintadas ou esculpidas de Kuan-yin, tão humanas e amigáveis, foram sem dúvida

consideradas pelos artistas como modelos ideais. É certo que a fixação de datas ainda se encontra sujeita a

discussão, e pode acontecer que nem todas as obras pertençam à época Song, visto que durante longo tempo

não cessaram de corresponder ao gosto do público. Mas, seja como for, não existe outra expressão mais

directa da arte Song do que a representação graciosa, muitas vezes tenra e completamente humana de Kuan-

yin, e pode-se erigi-la como entidade tutelar dos Song.

Juntamente com a pintura e a escultura de madeira, é de mencionar a cerâmica, que, com os seus meios

específicos, caracteriza e expressa a época Song e que numerosos coleccionadores consideram como o que de

mais belo foi criado pelos ceramistas do Mundo inteiro. Para apreciar inteiramente estas peças é necessário

tocar-lhes, ou melhor, utilizá-las. As suas formas são sempre muito funcionais e pode sublinhar-se o interesse

com que os amadores seguram nas mãos estas canecas Song, simplesmente para estudarem as formas de um

bico que nunca pinga.

O refinamento da decoração e a arte do vidrado enchem os conhecedores de admiração. Por vezes, o vidrado

castanho não cobre a vasilha totalmente; deixa ver, em camadas irregulares, aparentemente sem ordem nem

intenção, o próprio material na base do objecto. Esta autenticidade do material, unida ao rigor e à harmonia do

conjunto, caracteriza a cerâmica Song. Foi o poeta e pintor Son T'ong-po, amigo de Li Long-mien, quem

formulou esta exigência para toda a obra de arte.

A aguada com tinta-da-china

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Em que época se criaram na China as fórmulas audaciosamente sintéticas e cursivas que entusiasmaram os

impressionistas? Não o sabemos com exactidão, mas conservam-se numerosas obras magníficas desta escola,

pintadas no século XIII. A predilecção dos impressionistas pelas aguadas com tinta da época Song oferece-

nos o exemplo clássico do “mal-entendido fecundo”. Viram-se nas grandes pinturas chinesas esboços geniais,

lançados rápida e instantaneamente no papel, uma atmosfera flutuante e fugidia, uma matéria poética,

aparentemente sem ligação com os objectos reais e sem significado objectivo. Ora, estas pinturas são

exactamente o contrário de esboços rápidos; são as formas finais, sintetizadas até ao extremo limite, de um

ideal que consistia em dizer e sugerir o máximo com o mínimo de meios. Mas a técnica do pincel no Extremo

Oriente, quer tratando-se de caligrafia ou de pintura, não conhece nem o retoque nem o repinte, e nada se

apaga nem se corrige.

Havia, desde o século XI, um ciclo de paisagens pintadas muitas vezes retomado: o das Oito Vistas do Rio

Hsiau e Hsiang, cujos diversos temas procuravam expressar algo de poético, bem mais do que uma

localização exacta. Duas séries de imagens houve que no Japão adquiriram grande celebridade; tinham sido

criadas por dois pintores da seita chinesa da Meditação, no século XIII- Mu-K'i, de quem ainda se conhecem

cinco imagens entre as oito da série, e Ying Yu-Tchien, de quem apenas subsistem três obras. Por volta de

1200, a Escola da Meditação foi transferida para o Japão. Como dissemos, o seu nome chinês é Tch'an, e no

Japão é Zen. Desde o século XIII, todo o aderente japonês do budismo Zen alimentava o desejo de fazer uma

vez uma peregrinação à China, onde nos arredores da capital, Hang-Cheu, se localizavam os grandes

mosteiros Zen e de onde se podiam trazer algumas das imagens pintadas nesse estilo por monges, muitas

vezes notavelmente dotados, bem como por membros da Academia de Hang-Cheu. Quando esta capital caiu

nas mãos dos Mongóis, em 1280, muitos monges e pintores emigraram para o Japão, certos de serem

recebidos com solicitude.

É a este gosto do Japão pelas pinturas Zen, adquiridas ao preço de grandes sacrifícios e conservadas com os

maiores cuidados, que o mundo hoje deve o conhecimento desta arte quase completamente desaparecida. Mu-

K'i -Mokkei, em japonês-, que quase não é citado na China, toma-se o grande modelo do Japão, durante

séculos, e é considerado como mestre incontestado da aguada. Hoje levanta-se aqui e além a questão de saber

se a interpretação das Oito Vistas por Mu-K'i é ou não superior à de Ying Yu-tchien. Ambos os mestres

podem ser considerados representantes de igual valor da aguada da época Song tardia, esta arte tão singela e

notável pela concentração de efeitos e pelas abreviaturas quase abstractas.

Na Lua de Outono sobre o Lago de Tong-t'ing, de Ying Yu-tchien, a Lua é indicada por um simples círculo de

tinta, como se o artista tivesse somente desejado convidar o espectador a reconhecer a atmosfera desta noite

de Outono na névoa da qual emergem simples manchas, alguns ramos sem folhas, o telhado de um edifício,

um muro com ameias e a silhueta de montanhas esboçadas de modo impreciso. Estas imagens, que sugerem

mais do que descrevem, requerem do espectador que acrescente por si próprio a visão do que está ausente

nelas, sentindo toda a poesia da paisagem. Ying Yu-tchien acrescentava a cada uma das suas pinturas um

breve poema, como este, que acompanha a Lua de Outono:

De todos os pontos a face do lago.

As montanhas cintilam ao luar.

Eis que os seus círculos pousam na água do lago.

Em Yoyang, do cimo da torre, ouvimos a flauta.

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Mas, ai! o caminho que sobe até lá é muito difícil.

Este poema, na primeira leitura, pode ser mal compreendido pelos não iniciados. Poder-se-ia crer que o

mestre pretendeu chamar a atenção para um particular da paisagem do lago de Tong-t'ing. Fá-lo decerto, mas

de um modo original que só pode ser verdadeiramente entendido quando se conheçam os numerosos poemas

e inscrições célebres a respeito da torre de Yoyang. O simples nome da torre de Yoyang evoca a lembrança de

numerosas melodias que acompanham as poesias clássicas. [...]

O século XIV

Cerca de 1300, o mundo inteiro, de Palermo a Quioto, mudou violentamente de fisionomia. Gengiscão (1162-

1227) e Frederico II (1194-1250) estiveram na origem desta mudança. A Europa venceu pouco a pouco o seu

atraso em relação à China, que sob o domínio dos Mongóis empobreceu em homens e em bens. Um

importante número de chineses emigrou, no século XIII, para o Japão, onde, desde o inicio do século, em

Kamakura, um regente enérgico governava o país e estava pronto a acolher os imigrantes. Por duas vezes, em

1274 e em 1284, os Mongóis tentaram a conquista do Japão, mas o “vento dos deuses” favoreceu os

Japoneses, fazendo soçobrar a frota mongólica. Nesta época, o Japão sofreu a forte influência da pintura

Song.

Os quatro grandes mestres chineses da época Yuan criaram um estilo inteiramente novo, com as suas obras

picturais, claras e frequentemente transparentes, de uma frescura outonal. A riqueza das tonalidades, as

nuvens vaporosas e envolventes, os efeitos de atmosfera, que conferiam às paisagens Song um ambiente tão

poético, desapareceram simplesmente. Ao mesmo tempo, os pintores abandonaram a composição por toques

sucessivos e pintaram grandes vistas de conjunto de densa composição. Por outro lado, realizaram o antigo

ideal do pintor-poeta, segundo o qual era desejável que qualquer pintor fosse simultâneamente poeta.

Os quatro grandes - Huang Kong-wang, Wu- Tchen, Wang-Meng e Ni-Tsan -, sem falarmos dos seus

discípulos, poder-se-iam contar entre os maiores mestres da história universal da arte. Nenhum, contudo,

iguala Ni-Tsan (1301-1374), que é ao mesmo tempo um grande poeta lírico e o mestre das paisagens em que,

quando muito, o abrigo de um telhado ou algumas cabanas desertas evocam a humanidade. Ni- Tsan escrevia

poemas, que mais tarde foram copiados e publicados separadamente. É considerado ao mesmo tempo como o

tipo clássico do poeta lírico, desprendido do mundo, solitário e ligeiramente misantropo, e como o mais puro

representante de um estilo paisagista que consegue manifestar, com as linhas e as manchas de tinta raras e

delicadas, a solidão da natureza. Uma inscrição em prosa de 1353 fala da sua melancolia, que nunca é soturna,

porque sabe ser capaz da amizade e da alegria:

No fim do Inverno de 1352 quis ir a Wu-Song. A barca passou em frente de Fou-li. Como o velho (Lou).

Sian-su aí tinha uma casa onde vivia retirado, prendi a minha barca na ilha do sul. Mudou a lua quatro vezes.

O filho mais novo de Sian-su, Chu-yang, tinha-se tornado, seguindo caminhos secretos, um mestre dos

«chapéus amarelos» (os tauistas). Banqueteamo-nos com vinho e com poesia. No vigésimo dia do terceiro

mês escreveu um poema, veio ter comigo e ofereceu-mo. Logo pintei esta paisagem, que lhe ofereci, dizendo-

lhe que se Wang-Meng (Chu-Ming) o visse, teria certamente um ataque de riso.

Aquele que vai errando como as ondas: Ni- Tsan.

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A imagem possui no lado esquerdo um segundo poema de Sin-Pen, poeta e pintor célebre, que tinha

conhecido Ni- Tsan e que profundamente deplora a perda do grande mestre:

A corrente da luz afasta pouco a pouco a onda fugitiva.

Poesia e pintura, houve, sim, no tempo de Yong Ho.

E embora o grou de Liao visite ainda

as velhas paredes, os antigos lugares,

quase nada fica do espírito de outrora.

As lacas

Na mesma época -final do século XIV-, aparece uma forma de arte que se inclui entre o que o Extremo

Oriente criou de mais original, a arte da laca. Uma vez mais, é aos peregrinos japoneses na China e ao amor

dos budistas Zen japoneses pela arte chinesa que devemos a possibilidade deste estudo. Entre estes amadores

contavam-se então, no primeiro plano, os regentes e os xóguns, que desde o século XIV governavam em

Quioto. Desejando possuir imagens e objectos chineses para a cerimônia do chá, que então começava a

desempenhar uma função importante na civilização japonesa, os seus mandatários adquiriam em Tsia-sing,

perto de Hang-Cheu, bandejas e caixas de perfume de laca vermelha esculpida. Os mestres Tchang Tch'eng e

Yang Mao, que assinaram estes objectos com um fino risco de agulha, ganharam a celebridade por via do

Japão. No templo Zen, em Quioto, conservam-se quatro das suas obras. Mas em breve a sua técnica teve

imitadores no Japão, onde um mestre se distinguia quando recebia o título honorífico de Yosei.

Os mestres Yosei trabalham ainda hoje, na sua vigésima segunda geração; pode encomendar-se-lhes uma laca

cinzelada no estilo de Tchang Tch'eng, que dificilmente se distinguirá de um original antigo. A sua fama

chegou até à corte do imperador da China, o enérgico Yong-lo (1403-1424). Terceiro imperador da dinastia

Ming, expulsou os Mongóis, transferiu de novo a capital para Pequim e quis que esta fosse dignamente

decorada. Para as oficinas da corte, renovadas graças aos seus cuidados, chamou os mestres de Tsia-sing, que

infelizmente tinham falecido entretanto. Foram os seus descendentes quem introduziu em Pequim a técnica da

laca cinzelada. Como outrora, assim hoje se considera uma laca da época Yong-lo ou Siuan-to como uma

obra-prima do seu gênero.[...]

O Século XV - A Escola de Chekiang e de Wu

Com o século XV parece que renasce na China a arte na época Song. O imperador Sinan-to (1426 - 1435),

que também pintava, fez com que viesse para a corte de Pequim um grupo de mestres da antiga capital Song -

Hang-Cheu e arredores -, que pintavam segundo o estilo da Antiga Academia. Quanto a escultura, a história

da arte pouco se ocupou ainda com a “época tardia”, a pretexto de que as obras posteriores à época Tang não

merecem ser consideradas. O que possuímos quanto a inscrições autênticas e a obras que podem datar-se não

é muito importante e, entre as raras peças de que dispomos, uma figura de bronze representando uma

divindade tauista ainda não determinada, de 1424, não incita de modo algum a combater o preconceito geral.

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Todavia, mostra que o sentido plástico não estava inteiramente morto na China e que ainda se sabia muito

bem modelar uma forma e fundi-la depois no material suave e fluido que é o bronze. [...]

Estando a pintura volta a moda, na China, todavia, é impossível recomeçar literalmente uma arte, e mesmo

um grande mestre não o conseguiria, ainda que o desejasse. Assim, as obras da Escola de Che-kiang, que

floresce por volta de 1500, ganham em breve um aspecto diferente dos seus modelos dos anos 1200. A

atmosfera, o assunto cheio de sentimento, esbatem-se perante os temas narrativos, que, contudo, podem ter

desempenhado na época Song um papel mais importante do que se possa hoje imaginar.

Assinalemos, por exemplo uma pintura de Sin Lin, um dos grandes pintores de Chekiang, que cerca de 1500

vivia, muito respeitado, na corte de Pequim. Trata-se da Paisagem de Inverno, que faz parte da série

perfeitamente conservada das paisagens nas quatro estações do ano, tendo cada uma a sua cena. Sin Lin não

inventou esta, que, visivelmente, foi retomada fielmente de uma obra de Li Long-mien e transposta para o

género em voga no seu tempo.

Trata-se da história, muito apreciada, de Yuan-An, que vivia nos tempos dos Han. Houvera então uma grande

penúria, devido à queda de muita neve, e todas as comunicações estavam interrompidas, enquanto muitos

habitantes morriam de fome. Fizeram-se esforços de auxílio e, numa dessas diligências, chegou-se a uma

quinta bloqueada pela neve onde se não via nenhum sinal de pegadas. Com grande surpresa dos salvadores,

Yuan-An estava na sua cama, lendo placidamente, embora sofresse com a fome. Perguntando-se-lhe por que

não tentava, como todos, encontrar algo para comer, deu uma célebre resposta: “A escassez é tamanha que

ninguém tem nada para dar; e, assim, é inútil diminuir ainda mais as magras rações alheias”. Yuan- An

tornou-se pouco depois um alto funcionário e o modelo da isenção e da incorruptibilidade. Na pintura de Lin

Sin lê-se esta quadra:

Dorme na neve e no vento, a sua porta está fechada,

Passou além da fome, de todo cuidado se libertou.

Porque iria fugir do frio, introduzir-se na idéia dos outros,

Porque iria à cidade pedir que se ocupassem dele?

Havia mil anos que os pintores cultivavam freqüentemente este tema - nomeadamente um mestre tão

importante como Li Long-mien, cerca de 1100. A sua pintura perdeu-se, mas existe uma descrição datada de

1600, publicada por Song Tcheng-tsé, no seu Keng-tsu Hsiau-Hsia-tchi, e traduzida por A. E. Meyer, na sua

exaustiva monografia sobre Li Long-mien. Eis a descrição:

Numa paisagem de inverno, com altas montanhas cobertas por árvores, vê-se Yuan-An deitado. O seu rosto

manifesta a expressão de uma serena indiferença. O prefeito chega a cavalo. Um homem, perto dele, conduz a

montada, enquanto outra personagem o abriga com um guarda-sol. Parecem estar já de partida, quando um

homem bate à porta e volta a cabeça, pronto a segui-los.

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Estamos habilitados a relacionar tão exactamente a representação e a descrição que nos seria possível fazer

uma idéia, pelo menos aproximativa, da obra perdida de Li Long-mien e da pintura das personagens, tão

apreciada então.

Além da Escola de Chekiang, havia na China, por volta de 1500, um grande número de outros mestres

eminentes que se mantinha afastado de Pequim e da sua corte. São agrupados sob o nome de Escola de Wu,

porque os seus mais notáveis representantes, os quatro grandes mestres da época Ming, viviam em Su-Tcheu,

na antiga província de Wu, e, com uma excepção apenas, eram originários daí. Não possuíam decerto o desejo

de pintar por encomenda do imperador ou dos seus amigos, segundo os princípios da Academia Song.

Chen Tcheu, T'ang Ying e Wen Tcheng-ming eram pessoas de alta cultura, independentes e ricos, suficiente-

mente artistas e grandes senhores para admitirem no seu círculo e ajudarem Kieu Ying, pobre mas muito

dotado, que não passara por exame algum e que primeiro tivera que ganhar o seu sustento como operário

laquista.

Chen Tcheu e T'ang Ying contavam-se igualmente entre os melhores poetas do século XV. Os quatro mestres

tinham um verdadeiro amor pelos versos de Sin Lin, que atrás citámos e não seguiam as idéias de qualquer

outro. T'ang Ying contentava-se em pintar muito cuidadosamente personagens e figuras de mulheres; Kieu

Ying era até considerado um especialista do género mas, como os outros, pintava excelentes paisagens no

«estilo literário», ou seja, consoante as idéias dos membros deste círculo, para quem um poema valia mais do

que um favor imperial. Gostavam ainda de pintar algumas flores ou rochedos - a que se dava o nome de

«jogos de tinta», e que são mais exercícios gráficos do que representações objectivas.

Neste género dos «jogos de tinta» podem classificar-se os Crisântemos, de Wen Tcheng-ming; este tema

simples e exacto é freqüentemente utilizado pelos pintores letrados, homens de grande cultura para quem a

arte, de acordo com a exigência de Confúcio, era uma distracção, e que não concebiam nem a poesia nem a

pintura como um modo de vida.

Na aguada de Tcheng-ming encontra-se este breve poema:

Pesam com a geada as flores no nono mês de Outono

E parecem abandonadas as estacas dos crisântemos.

Mas Yuan-ming gostava imenso de vê-Ias

E todos os dias passava em torno da sebe do leste.

No Extremo Oriente estes versos singelos não precisam de comentário, pois que todos, e não somente os

letrados, conhecem o poema da Sebe do Leste de T'ao Yuan-ming (365-427):

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Construí a minha casa no meio do país dos homens,

Mas não se ouve nela o ruído da sua passagem.

E, se me perguntas a razão, eu digo:

Tenho o coração muito longe - estiolou por si.

Na sebe do lado leste ociosamente apanho crisântemos;

Vejo do meu local tranqüilo a Montanha do Sul,

Com um sopro tão belo ao crepúsculo.

Filas de pássaros voam aos pares.

Tudo isto tem um profundo sentido,

E bem o queria dizer - mas esqueci a palavra.

Graças a estes versos, os crisântemos tornaram-se, desde há um milénio e meio, no Extremo Oriente, o

símbolo da vida simples e natural, perpassada pela melancolia do Outono e da renúncia, afastada do vasto

mundo.

O século XVI

Manifesta-se uma certa renitência em aplicar à arte do Extremo Oriente termos como «arcaico», «clássico» ou

«maneirista», que têm um emprego corrente na história da arte européia. Sem dúvida que também no Extremo

Oriente existem pontos máximos e médios, mas o que de facto caracteriza a sua arte e a distingue da europeia

é precisamente a duração e a continuidade, tornando difícil a utilização das noções de progresso e declínio,

que pressupõem altos e baixos nas predisposições artísticas, consoante um ritmo determinado e fatal.

Se se pode falar na Europa de uma arte clássica no século V a. C. e de outra, cerca de 1500 d. C., entre as

quais parecem contar-se longos períodos estéreis, reconhecem-se hoje no Extremo Oriente pontos altos, por

volta de 1100 e 300 a. C., e 750 e 1500 d.C., mas só com a presunção da ignorância se poderia afirmar que os

séculos ainda obscuros representem um declínio ou uma queda. Simplesmente ainda não foram explorados, e

quase mensalmente chegam do Extremo Oriente relatórios sobre novas escavações, novas descobertas e novos

trabalhos, até mesmo a respeito de assuntos que se julgava há muito estarem conhecidos ou que se tinham

classificado com excessiva pressa. Os próprios chineses empregam expressões como os “quatro mestres” da

época Yuan, os “quatro mestres” da época Ming, os “oito originais” de Yang Tcheu, etc.

Por “quatro mestres” da época Ming designam o que nós chamaríamos os seus clássicos de aproximadamente

1500. Posteriormente, os chineses do século XVI deram-se conta de que um Chen Tcheu e um T'ang Yin, um

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Wen Tcheng-ming e um Kieu Ying constituíram pontos de referência para os artistas - e não apenas para os

pintores-, de tal maneira que nenhum queria ficar aquém deles. [...]

Na China, também desde meados do século XVI, não apenas as formas se afinaram e se tornaram

visivelmente construídas com total consciência como ainda se arriscam harmonias de cor muito mais ousadas,

claras e luminosas.

Nas artes decorativas o primeiro plano pertence à porcelana. Desde o século VIII que era objecto de

exportações para a Ásia Menor. Hárune al Rashid possuía um gabinete com porcelanas chinesas, o que não

poderia causar espanto pois que, se houve lugar fora da China onde se soubesse apreciar as qualidades da

porcelana chinesa, esse lugar foi decerto o Próximo Oriente. Desde o século XIV que um continuo

fornecimento de cerâmicas chinesas tomava o caminho do Ocidente, chegando algumas peças até à Europa e

ganhando considerável preço durante a viagem.

Foi em 1517 que os navios portugueses chegaram pela primeira vez a Cantão, a fim de estabelecerem relações

comerciais directas com a China, ou seja, antes de mais, comprar as porcelanas chinesas no local de origem.

Em tal facto os Chineses viram uma homenagem prestada à sua arte e assim não sentiram a tentação de

adaptar, para exportação, as formas e motivos das decorações ao gosto dos clientes europeus. No entanto, sem

que tenha havido influência estrangeira, observamos cerca de 1550 tentativas audaciosas: motivos novos, em

forma de faixas, e junções de cores que quatrocentos anos mais tarde são particularmente apreciadas. Talvez

tenha sido a pintura moderna que nos tomou sensíveis à audácia das formas - por exemplo, dos peixes - na

porcelana da época Kia-tsing, e que nos ensinou a apreciar os efeitos luminosos, absolutamente irreais, do

amarelo dos esmaltes. Este amarelo oferece, juntamente com o azul cobalto e o verde, cores durante muito

tempo tradicionais da cerâmica chinesa, novos e profundos contrastes.

Além das porcelanas, conservou-se um número relativamente elevado de obras de laca da época Wan-Li

(1573- 1619), e um pequeno armário de laca vermelha talhada, datado de 1598, mostra o estilo da época. O

tema que decora as diversas almofadas, divididas com muita clareza, é o dos dragões na caça às “pérolas da

felicidade”, rodeadas originariamente por chamas, símbolo de longa vida e da revelação búdica do nirvana, e

motivo decorativo desde há muito usado na arte chinesa. O desenho dos corpos, de contornos ondulantes em

longas linhas irregulares, não podia ser mais vivo. O fundo está inteiramente decorado com águas e nuvens, e

as molduras e coiceiras estão ornadas com grinaldas. Embora nenhuma superfície esteja livre, tudo é claro e

fácil de apreender num relance; nenhuma grinalda é demasiado espessa ou sobrecarregada; o desenho permite

ao gravador, seguindo-o de perto, gravar cada linha ou cada forma com nitidez e precisão. Se se passa a mão

na superfície deste armário, não se sente nenhuma aspereza ou saliência irregular.

E a mão, freqüentemente, é mais apta a detectar a autenticidade de uma obra de laca ou, mesmo, fixar-lhe a

sua idade. É sobretudo no final do século XVIII que as lacas gravadas apresentam por vezes traços agudos em

arestas que desagradam ao tacto. Pelo contrário, a notável concepção e a excelente execução da época Wan-Li

satisfazem quer o gosto quer a mão que se sirva destes objectos.

A maior figura desta época é Tong Ki-tch'ang (1555- 1636), cuja vida é o modelo ideal de um pintor letrado

chinês. Aos 34 anos, admitido aos mais altos exames de Estado, passou imediatamente para a Academia Han-

lin, o que significava que conhecia de cor os clássicos e que além disso era capaz de comentá-los de maneira

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tão viva que dele se esperava mais do que de um vulgar candidato. Segundo a filosofia chinesa, todos os dias

cada pessoa - e principalmente o funcionário - é colocada perante decisões a tomar, que nenhuma lei pode

determinar previamente. Eis por que razão os Chineses quanto menos importância dão às leis e aos decretos

tanto mais esperam que as pessoas situadas em postos-chave sejam seguras, insensíveis às influências,

conscienciosas e respeitadoras do direito. Tong Ki-tch'ang já no seu tempo passava por ser um modelo neste

género. Aos 39 anos foi escolhido como preceptor do príncipe herdeiro e seguidamente tomou diversos cargos

elevados: juiz, comissário de educação e até comissário provincial das finanças. A idéia moderna da

especialização era ainda inteiramente alheia a este ideal de cultura humanista.

Na corte de Pequim havia dois partidos que então se opunham: o dos eunucos, dirigido por Wei Tchong-sien,

que o imperador ouvia com demasiada freqüência, e o dos ministros e altos funcionários. Entre estas intrigas,

Tong Ki-tch'ang manteve toda a sua lealdade e, quando pretenderam afastá-lo oferecendo-lhe um lugar mais

importante, demitiu-se de todas as suas funções. Durante mais de vinte anos, viveu retirado não longe de

Hang-Cheu, pintando, escrevendo ensaios e tornando-se o conselheiro de um importante circulo de amigos

que se interessavam pelas artes e pelas letras. Tornou-se igualmente grande conhecedor de textos e quadros

antigos: uma peça ostentando a sua assinatura era praticamente indiscutível. Em 1620, o seu antigo aluno sobe

ao trono, mas falece depois de um ano no governo.

O sucessor conferiu a Tong Ki-tch'ang as mais honrosas funções. Não tendo, porém, conseguido impor-se

contra o poderoso partido dos eunucos, Tong retirou-se novamente. Somente em 1627 foram afastados os

eunucos, e Tong viu então recompensada a sua isenção e firmeza. Confiou-se de novo a este homem com

setenta e sete anos a educação do príncipe herdeiro, função esta que desempenhou até aos oitenta anos.

Muitas obras lhe são atribuídas, mas ninguém sabe hoje com exactidão o que ele próprio pintou. Dadas as

suas altas funções, numerosos amigos quiseram possuir uma pintura ou um autógrafo deste homem célebre,

que, se dificilmente podia recusar-se, não tinha desejo algum de executar estas numerosas encomendas como

se fosse um jovem encarregado.

E, assim, ensinou os seus dois alunos mais dotados a pintar no seu estilo, assinando ele as imagens e

acrescentando (consoante o nível social do destinatário, a crer-se em malévolos críticos) uma inscrição mais

ou menos longa. Vemo-nos perante concepções sobre a propriedade artística e a originalidade da

personalidade do artista completamente diferente das européias. Aliás, temos a certeza de o nível da sua

pintura corresponder à sua incontestável dignidade moral, porque na pintura chinesa, livre, independente de

qualquer encomenda, em cada imagem o que conta é a expressão do ideal moral e não apenas a assinatura

pessoal do autor. [...]

Seria erro grave considerar a pintura chinesa, por volta de 1600, como simplesmente moralista, ou até

didáctica e sem humor, enquanto a japonesa teria uma tendência estética e poética. Um leque com fundo de

ouro da época Wan-Li, que se encontrava outrora na colecção do imperador K'ang-hsi, tem a assinatura de

Sun K'o-hung, o que origina algumas dúvidas. É possível que se trate de pintor um pouco mais novo, Lan

Ying, que conhecemos graças a pinturas deste género.

Os motivos representados no leque de Wu-t’ong pertencem à imagética das flores e das aves. Vê-se nos ramos

de uma paulóvnia um pardal de máscara. Isso já é um jogo de palavras, porque o pássaro em chinês chama-se

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Wu-t'ong, como a árvore. E ambos possuem qualidades aproximadas: da árvore Wu-t'ong, diz-se que

“conhece o Outono” e que no primeiro dia desta estação deixa cair as primeiras folhas; o pardal é uma ave

migradora que no Verão vai para o Norte e com os primeiros frescores do Outono regressa à China Central.

Esta imagem representa, portanto, um desejo de frescura, expresso ao possuidor do leque, em perfeita

conformidade com o uso prático do objecto, e a assinatura indica que o leque foi pintado num dia de Verão.

[...]

O século XVII

Na história da arte européia, o século XVII evoca uma fecundidade e uma abundância particulares. Os nomes

dos grandes e pequenos mestres - Rubens e Rembrandt, Bernini e os holandeses - acumulam-se, formando

uma multidão no nosso espírito. O mesmo não acontece quanto ao Extremo Oriente. Tong Ki-tch'ang, os

individualistas, Kao k'i p'ei, Koetsu, Sotatsu e Korin não pertencem menos do que os seus contemporâneos

europeus à história universal da arte. E a paixão de coleccionar, no Japão, na América e, em menor escala, na

Europa, concentra-se hoje quase exclusivamente na pintura chinesa do século XVII.

O acontecimento mais considerável do século XVII foi a invasão dos Manchus, que, em 1644, se instalaram

no trono de Pequim, sob o nome, de dinastia Ts'ing. Desde o inicio do século que os partidos e as facções

haviam perdido qualquer consideração quanto aos interesses gerais superiores. Acossado por uma situação

insustentável, um dos partidos acabou por chamar os vizinhos tunguses, os Manchus, que desceram do Norte

e puseram termo ao caos, por um golpe de Estado.

Os Manchus ficaram, ocuparam o trono imperial, conquistaram o conjunto do país e impuseram aos

habitantes, como sinal de submissão e sob pena de morte, o uso da trança. Este sinal infamante de um

domínio estrangeiro afectou e transtornou os Chineses no mais profundo de si mesmos. Os textos históricos

relatam que houve inúmeros suicídios de homens importantes. É certo que os monges budistas não eram

obrigados a usar trança, estando autorizados a rapar o cabelo.

Com uma precisão quase científica, pode supor-se que a geração nascida entre 1610 e 1630 se viu

completamente isolada do resto da população, e que por sua vontade se colocou estritamente à parte, ainda

que tenha havido, como sempre, algumas excepções a esta regra. Ora, todos os grandes pintores denominados

individualistas nasceram durante esses dois decénios, enquanto os que nasceram depois de 1630, como Wang-

Huei (1632-1720), em 1644 ainda muito novos para ficarem seriamente afectados pelos acontecimentos,

tiveram outras concepções e buscaram novas finalidades.

Não é por acaso que quase todos os individualistas se fizeram monges; alguns por razões formais e

anteriormente a 1644, mas a maioria depois desta data e sem que se possa acreditar inteiramente no motivo

religioso de tal atitude. Segundo documentos recentemente descobertos, conhecemos agora a época em que

viveram os mais conhecidos destes monges pintores, que se retiraram da sociedade para, freqüentemente,

errarem através do país: Hong-jen, 1610-1663; Kong-Hien, 1616-1689; Che-K'i, 1617-1680; Pa-ta Chan-jen,

1626-1705, aproximadamente; Che-t'ao, 1630-1707. Os dois últimos pertenciam a ramos colaterais da casa

imperial destronada e tinham ainda mais razões do que os outros para se dissimularem sob as vestes monacais

e desaparecerem nas ordens búdicas.

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Nas suas obras, é a paisagem que tem a maior importância. Hong-jen pinta-a com finura e delicadeza; possuía

o traço de pincel de um Ni-Tsan, que parece renascer nas suas obras e se toma então um modelo. Os outros

artistas pintam com maior largueza e liberdade e executam - facto surpreendente na época - o . que poderia

chamar-se “retratos de paisagens”. As pinturas de Che-K'i convidam a visitar as montanhas que rodeiam

Nanquim, onde era abade de um mosteiro, a fim de reencontrar as paisagens das suas obras. Kong-Hien

pintou igualmente numerosas paisagens das montanhas para além de Nanquim, nas quais construíra o seu

eremitério. As formas, criadas com extrema nitidez, permitem identificar imediatamente as suas pinturas. E

mesmo quando o local não é indicado, como no caso da grande e magnífica «paisagem» de Pa-ta Chan-jen,

crê-se poder situá-lo na margem do lago Po- Yang, na região perto do Iansequião. A aldeia, com a torre de

vigia, o pagode, as cabanas e as barcas, mostra-se numa vista de conjunto muito exacta e numa representação

muito concreta de uma aldeia de pescadores da China Central. Não se trata, de maneira nenhuma, de um

quadro de costumes: não se vê personagem alguma e, quando muito, nas duas barcas à vela pode adivinhar-se

a sua presença. Parece que tais pormenores prejudicariam a obra, que, à caligrafia genial das linhas e dos

toques, ora suaves, ora profundos, acrescenta o realce de um pouco de vermelho acastanhado e de azul-

esverdeado.

A mesma caligrafia, genial, e quase sempre executada em contraste de pormenores, os mesmos realces de

vermelho e azul que tão claramente caracterizam este estilo encontram-se em Che-t'ao, um dos membros da

família imperial que se fez monge e viajou através da China, antes de se instalar em Yang-tcheu. O seu

Álbum das Montanhas de Lo-fu contém doze paisagens, cujo nome se lê nas inscrições. Na última folha, Che-

t'ao indica que, havia muito, desejava ir ver as montanhas de Lo-fu na China do Sul e que conseguiu fazê-lo

provavelmente entre 1660 e 1670; fixou cada um dos aspectos, como num diário de viagem, onde coloca

também uma ou outra personagem e frequentemente com muito espírito. O livro de esboços de Che-t'ao

parece, portanto, despertar no mais alto grau a curiosidade e o interesse, como o do seu contemporâneo

Rembrandt. Todavia, seria errado crer que Che-t'ao se limitou a pintar apenas as paisagens que via; só depois

de uma longa contemplação e apenas no fim da sua viagem pintou estas doze folhas - para as quais escreveu,

numa caligrafia infelizmente demasiado genial para que possa ser sempre legível, um texto relativo às lendas

e às histórias dos diferentes lugares.

Pode perguntar-se por que eram estes pintores - os mais pessoais, os mais independentes e desprendidos da

vida, estes individualistas que rejeitavam todas as convenções e os limites de uma sociedade e de uma escola -

quem ia reencontrar continuamente a natureza em si própria, e por que deixaram de fazer variações sobre os

temas clássicos da paisagem, como as Oito Vistas, as Torres ou as Montanhas Sagradas. Se é certo que Tong

Ki-tch'ang proclama que na pintura o que interessava acima de tudo era a fidelidade ao espírito dos velhos

mestres, Che-t'ao, por seu lado, opõe-se a isso formalmente num programa do qual provém a denominação de

“individualistas” : “Eu sou eu, tenho a minha barba e o meu ser interior - porque deveria usar postiça a barba

dos Antigos?”

Desde sempre, a paisagem foi para os pintores chineses o símbolo da ordem sagrada que os homens e os seus

trabalhos perturbam, mas que não pode ser destruída. Ninguém o sentira melhor do que os pintores do século

XIV, os “Quatro Grandes Mestres de Yuan”, que se emanciparam das velhas convenções quando estas foram

destruídas por estrangeiros ignaros.

Os individualistas do século XVII encontraram-se numa situação análoga, se não idêntica. Os clássicos da

época Yuan tinham descoberto a paisagem pura, como uma grande composição transcendida pelo significado

e da qual o homem e suas obras estão quase excluídos. Os individualistas do século XVII não seguiram o

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mesmo caminho e tão-pouco deram um passo a mais. As suas paisagens são organizadas, isto é, compostas, a

fim de formarem uma construção fechada em si própria e não uma perspectiva aberta, como tanto gostavam

de fazer os paisagistas da época Song. [...]

No tempo do imperador K’ang-hsi (1662-1722), a arte representa uma plenitude e uma segurança não

desprovida de grandeza. Ao nome deste imperador manchu, K'ang-hsi, que reinou durante sessenta anos, liga-

se indissoluvelmente a arte da porcelana, que atingiu então o apogeu. Neste caso preciso, ela possui com justo

titulo o nome do imperador que a marcou com a sua personalidade. K'ang-hsi esforçou-se, com um sentido

muito lúcido das realidades e uma total ausência de preconceitos, por sanar as feridas que a agitação e as

guerras haviam causado. Cerca de 1644, quando os Manchus fundaram a sua dinastia, a manufactura de

porcelana de Tching te Tchen, na China Central, que comportava centenas de fomos, achava-se

completamente destruída. Os Japoneses, aproveitando imediatamente este colapso, produziam cerâmicas do

mesmo estilo, com as mesmas marcas da China, e exportavam-nas aos barcos cheios para a Europa, que

desconhecia o caulino e tentava fabricar, sob a forma de faiança de Delft e de outros locais, uma espécie de

imitação que copiava os modelos chineses.

O imperador K'ang-hsi decidiu tomar a pôr em funcionamento a manufactura de Tching te Tchen. Enviou

para ali um alto funcionário, que conseguiu não só restabelecer a fabricação como ainda produzir peças

excelentes, num estilo que agradava ao imperador e ao governo. Gostava-se de decorar as porcelanas com

azul cobalto, que resiste ao fogo sob o vidro, e derretiam-se sobre este as cores, principalmente o verde e o

amarelo. Só em 1730 se tomou completamente praticável a utilização do vermelho. Com a mesma

simplicidade, a mesma força e o mesmo processo de adaptação impôs-se uma decoração oscilante entre o

figurativo e o ornamental, sem se recorrer a uma minuciosa simetria. Dificilmente podem as flores de jardins

e dos arbustos ornamentar um objecto de maneira mais delicada, e o conhecedor vê imediatamente, nas

composições da época K'ang-hsi, alusões a temas da poesia clássica. Por vezes, as borboletas e as aves voam

aos pares em volta de crisântemos que evocam o célebre poema de T'ao Yuan-ming A Sebe do Este.

Em Pequim o imperador reedificou as oficinas da corte, cujas produções foram tão excelentes como as

porcelanas de Tching te Tchen. Pelo menos, podemos supô-lo, visto que, em 1677, K'ang-hsi proíbe que o seu

nome surja entre as assinaturas e as marcas, como se fazia então. Pode admitir-se que o pretexto, muito

simples e realista, fosse que, naqueles tempos ainda agitados e de pouca segurança, o imperador não desejasse

provocar a cólera e arriscar à destruição as obras de arte que ostentavam o seu nome. Mas essa proibição foi

em breve olvidada, e o nome de K'ang-hsi ficou como um título de honra.

Quanto aos trabalhos de jade e de bronze que admiramos, talvez sejam mais antigos, pois não podemos dizer

ao certo como eram as peças autênticas da época de K'ang-hsi. Também conhecemos apenas um número

extremamente escasso de trabalhos de laca que sem hesitação se atribuam a esta época; entre eles, uma caixa

com oito lados feita de esteira entrançada com a data de 1719. Na sua parte inferior encontra-se uma bandeja

com oito concavidades, que pode ser retirada e servia para fruta ou doces. As zonas especialmente valorizadas

pela decoração mostram, sobre um fundo de laca negra brilhante, cenas figurativas em laca de ouro, flores e

ornatos sinuosos, cujos motivos se encontram de maneira característica nas porcelanas da época. Nesta arte,

que há já dois mil anos desempenhava um importante papel no mobiliário, esta caixa é, de momento, uma

peça única no seu género.

No reinado de K'ang-hsi, a pintura perdeu o carácter agressivo e chocante de que os individualistas tanto a

tinham impregnado. O imperador revelou-se cheio de benevolência para com os pintores, nunca impondo

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trabalhos que lhes desagradassem. Chamou para Pequim o grande monge pintor Che- T'ao, da casa imperial

dos Ming, que depois de longas viagens se fixara em Yang Tcheu. Mas Che-T'ao limitou-se a uma simples

visita, regressando para perto do Iansequíão.

A geração seguinte de pintores, nascida entre 1630 e 1660, tendo à frente os dois Wang - Wang Huei e Wang

Yuen-ki -, manifesta concepções muito diversas das dos individualistas. Estes pintores redes cobriram, de

certo modo, toda a história da arte da China.

Engana-se inteiramente quem tome à letra as indicações dadas nas inscrições e creia que a partir deste

momento os pintores chineses não procuram mais do que reproduzir as obras do passado. Abstraindo da

humildade testemunhada nestas inscrições e que se tornara quase uma moda, a expressão “pintar consoante o

espírito dos antigos mestres” explica-se de dois modos: por um lado, fazer renascer os grandes ideais depois

da geração dos individualistas; por outro, atrair a atenção dos Manchus, bem como dos contemporâneos, para

a orgulhosa tradição de uma grande arte antiga.

Wang Huei passou alguns anos em Pequim, onde pintou para o imperador; depois, regressou à pátria. Wang

Yuen-k'i continuou em Pequim; alto funcionário e grande letrado, pintava por distracção e como prazer

elegante, como Confúcio entendia e como Tong K'ai-tchang fizera. Mas entretanto o individualismo teve um

curioso renascimento na geração seguinte, nascido mais ou menos entre 1660 e 1695. A segurança da época

de K'ang-hsi não lhe oferecia de modo algum uma oportunidade, mas o carácter excessivo destes pintores

pode manifestar-se e não é por acaso que o principal centro dos novos “mestres estranhos” haja sido a cidade

de Yang-tcheu, onde Che-T'ao e, sem dúvida, também Pa-ta Chan-jen viveram. Fala-se correntemente dos

“Oito originais de Yang-tcheu”, sem se insistir particularmente no número de oito, a propósito dos pintores

que viveram mais ou menos demoradamente em Yang-tcheu e criaram obras estranhas e provocadoras.

Um dos primeiros mestres que contribuíram para o aparecimento desta nova concepção foi, sem dúvida, Jao

Chi-p'ei (1662-1734), que pintava sem pincel e utilizando os dedos. Nascido na Manchúria, provavelmente de

pais chineses, viveu no Siquião e certamente passou algum tempo em Yang-tcheu, onde tomou contacto com

os pintores ai residentes. Posteriormente, foi promovido a vice-ministro da Justiça em Pequim e tomou-se

general comandante de um dos oito corpos do exército chinês. Estas funções não o impediram de ganhar

gosto pela pintura e de vir a ser o mestre incontestado da técnica que consiste em trabalhar sem pincel. Servir-

se das unhas, dos dedos e dos punhos, ou pelo menos utilizá-los para acentuar uma composição pincelada, não

era uma novidade. Houve igualmente pintores que utilizaram hastes de lótus, papel enrolado e até outros

objectos.

Kao Chi-p'ei pintava também à maneira clássica. Existem várias obras suas, com animais e paisagens,

desenhadas com extrema fidelidade, como as dos pintores da corte. Perante Kao Chi-p'ei põe-se novamente o

problema de se saber quantas obras são executadas pela sua mão. Tinha alunos que pintavam para ele segundo

as duas maneiras: paisagens desenhadas ao natural e extravagantes jogos de tinta compostos com os dedos.

Mas de modo algum devemos considerar esta pintura como um simples jogo de espírito: trata-se de obras

muito elaboradas, de uma concepção grandiosa, e que manifestam independência e novidade.

Li Tai-po e a Cascata de Lu-Chan, de Kao Chi-p'ei, mostra o poeta em contemplação perante uma queda-

d'água das montanhas da China Central. Li T'ai-po escreveu os poemas em 756, ano em que o império

soçobrou, cinco anos após a Batalha de Samarcanda, quando o imperador, que outrora recebera o poeta na

corte, foi expulso da capital por um favorito traiçoeiro, e o brilho da antiga capital, Tch'ang-ngang,

desapareceu definitivamente. A idéia da fragilidade de toda a beleza e da imutabilidade da Natureza é

indicada nos dois poemas da Cascata de Lu-Chan de maneira tão alusiva que é praticamente impossível

mostrá-la numa tradução.

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À primeira vista, a pintura de Kao Chi-p'ei dá uma impressão quase oposta. O poeta inclina-se com

curiosidade tão perigosamente por cima do abismo que o seu servidor tem que segurá-lo, e qualquer

observador não iniciado não vê mais do que uma cena vibrante e realista. Se se analisa melhor o assunto,

verifica-se quanto há de paradoxal, a ponto de falsear completamente o sentido, na versão de Kao Chi-p'ei,

rujas concepções, comuns aos «Originais», empregam a herança dos individualistas da maneira mais

assombrosa, e precisamente sob uma forma que encontrou um parentesco espiritual no Japão - por muito

surpreendente que isto possa parecer - e em especial em Korin. Entre Tong K'ai-tchang e Koetsu, por um

lado, e Kao Chi-p'ei e Korin, por outro, está a distância entre o espírito altamente refinado dos anos 1600 e a

grandiosa plenitude de 1700. Entre os dois pontos situa-se o grupo, a um tempo original e notável, dos

individualistas chineses. [...]

Arquitetura chinesa

A arquitectura chinesa deu provas de tão grande unidade que temos a impressão de que durante milénios, no

decurso dos quais os outros estilos sofreram transformações e desenvolvimentos de toda a espécie, nenhuma

evolução se operou na arte da construção. Esta conclusão errônea tem duas causas: a maior parte das

construções históricas que subsistem hoje na China data da época Ming e da época Ts'ing, e as obras mais

antigas - correspondendo à nossa Idade Média - são menos numerosas do que no Ocidente; e as diferenças no

processo de construir no decorrer dos séculos são pequeníssimas, se comparadas às características

permanentes do estilo, ao contrário da Europa, onde cada estilo novo implicou uma mudança fundamental na

maneira de edificar. Por outro lado, a ausência de arquitectura sagrada - apenas o pagode possui uma

finalidade exclusivamente religiosa - acrescenta à uniformidade histórica a unidade tipológica: o palácio, o

edifício administrativo, o salão e o templo são edificados com as mesmas formas arquitectónicas.

O facto de cada obra nova possuir, apesar de tudo, o seu carácter próprio deriva da concepção do arquitecto

chinês, que dedica a sua atenção mais a um conjunto de edificações do que a um edifício individual. Um salão

ou um pavilhão correspondem praticamente apenas a uma finalidade limitada, e assim é completado por

outras construções destinadas a diferente utilização. A construção individual também não constitui em si

própria uma obra de arte e, portanto, não é mais do que um elemento em complementaridade com outros

salões, galerias, portas e pavilhões, e só se completa com a sua integração na paisagem.

Construção e géneros de edificações

Não eram estes os princípios que animavam e guiavam os arquitectos chineses no final do segundo milénio a.

C. Encontravam-se então perante problemas técnicos: edificar uma armação que sustentasse um telhado, e

cujos intervalos pudessem fechar-se com paredes, pois a habitação era uma caverna ou um buraco na terra,

coberto por uma espécie de telhado, e assim continuou durante vários séculos para os camponeses e a maioria

dos habitantes das cidades. Se se desejava edificar uma construção representativa, recorria-se antes madeira, e

construía-se sobre pilares deste material.

A forma redonda da cabana de taipa, com telhado de palha ou de canas, não podia evoluir como forma

especial, ritual ou artística. Inversamente, os espaços cavados de forma rectangular com um telhado de duas

águas podiam permitir um desenvolvimento. Nos quatro cantos ergueram-se pilares e, entre estes, outros

ainda, consoante o comprimento dos lados; depois eram ligados por traves e acima deles levantava-se um

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telhado de duas águas. O pau de fileira de uma construção bastante grande devia ser sustentado por uma fiada

de estacas erguidas a meio do interior. Num salão em Ngan-Yang, no Honão, última capital dos Chang,

fundada cerca de 1300 a. C., cuja planta pode ser reconstituída graças aos vestígios das bases dos pilares,

aqueles pilares intermédios ainda tinham uma função, mas procurava-se eliminá-los, a fim de se criar uma

verdadeira sala, delimitada mas sem interrupção.

A solução A, encontrada durante o primeiro milénio a. C., ficou como norma para toda a arquitectura da

China. Sobre as traves do telhado, assentes nos pilares, construiu-se uma armação de traves curtas

intermédias, cada uma das quais sustém uma trave mais curta, diminuindo progressivamente no sentido da

altura, até que uma só trave curta, assente a meio do pilar mais alto, sustentasse a cumeeira.

A curvatura do telhado, característica da arquitectura extremo-oriental, levantou muitos problemas a respeito

da sua origem. Não deriva decerto da tenda, porque os Chineses nunca viveram em tendas, e as dos Mongóis

têm forma convexa e não côncava. Seria de procurar a sua origem antes no emprego de bambu,

freqüentemente utilizado no Sul, não esquecendo que a cobertura de palha e de canas verga com o tempo. A

esta tentativa de explicação pode objectar-se que as primeiras coberturas de telha, que conhecemos devido às

reproduções figurativas do fim da época Tcheu, não têm curvatura. É somente na época Han que esta aparece,

isolada e timidamente, por exemplo, na pintura mural do túmulo de Liao-yang, na Manchúria. Para proteger

da chuva do sol as paredes e as aberturas, era indispensável um telhado que excedesse os limites de mera

cobertura; mas para evitar-se privar do sol as janelas durante o Inverno, era preciso quebrar a linha do beiral.

Praticamente, um só corte no sistema de apoio exterior bastaria para levantar a linha do beiral, mas

multiplicando-se as travessas na construção da armação, tornava-se possível uma progressiva passagem do

telhado oblíquo para o telhado horizontal ao utilizar-se uma linha quebrada tomada em curva côncava, graças

ao uso de telhas.

Não há dúvida que foram considerações estéticas que determinaram esta passagem para a linha curva e,

conseqüentemente, que tal facto haja sido um processo activo e não passivo. Teve o seu prolongamento no

esforço para levantar as pontas do telhado, como foi de regra a partir da época Song, o que se obteve por meio

de uma tábua que se apóia no barrote e no rincão. Enquanto na China do Norte esse arqueado é muito

moderado e os cantos se elevam pouco, a China do Sul prefere uma linha grandemente arqueada e tendo força

suficiente para elevar os cantos em longas pontas.

Invenção particular dos arquitectos chineses são os capitéis em consola. O pilar de madeira chinês não

sustenta apenas a arquitrave sobre o seu capitel, como a coluna grega; tem funções diversas nos vários lados,

a alturas diferentes. As vigas inferiores da arquitrave, por exemplo, são encaixadas no pilar como se o

atravessassem, e para reduzir os vãos das vigas saem do pilar consolas que alargam a superfície de suporte e

que, graças a uma pequena escora, sustentam o peso total. Sobre a escora podem encaixar-se ainda outros

braços - e assim a consola desenvolve-se até seis níveis e mais, formando um conjunto complexo. O

desenvolvimento rico da armação e o telhado largamente saliente, a repugnância de reforçar em diagonal e de

empregar aduelas resultaram em consolas formando conjuntos complicados, que a partir da época Song se

tomam características da arquitectura extremo-oriental.

Se se ergue uma armação de pilares e vigas sobre uma plataforma rectangular, e se cobre com um telhado de

telhas, e se se formam as paredes por um enchimento de alvenaria e de tijolo, no qual se englobam as janelas e

portas de madeira, obtém-se a forma fundamental da arquitectura chinesa: o salão. A entrada situa-se a meio

do lado maior, onde estão igualmente todas as janelas, ou pelo menos as maiores. Uma fila de colunas em

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frente da parede, do lado da entrada, ou em toda a volta do edifício, pode formar uma varanda ou um peristilo,

freqüentemente protegido por um telhado em coroa de uma só vertente. O telhado de duas águas pode

também ser substituído por um telhado de empena. Tais são as variantes mais importantes do motivo do salão.

As diversas partes da construção podem ser modificadas de várias maneiras: a plataforma pode tornar-se um

terraço de mármore, com três degraus e balaustradas. Às vezes, apenas as paredes das empenas testeiras são

de alvenaria; as paredes dos lados maiores podem ser inteiramente compostas por portas altas ou grandes

janelas, com grades de madeira ornamentada, sobre um soco baixo em alvenaria; ou então, as paredes sobem

até à arquitrave e são rasgadas por pequenas janelas. O intervalo entre os pilares é variável, sendo o maior

tramo no meio e conservando-se sempre a simetria. Muitos telhados podem sobrepor-se e rematar em

empenas ornamentadas. No interior, o madeiramento aparece em toda a riqueza dos seus elementos,

acentuada ainda pela cor, ou então um tecto, a maior parte das vezes constituído por pequenos caixotões de

madeira, esconde-o.

Quando o rectângulo da planta se reduz a um quadrado, tem-se o tipo da construção central com telhado

piramidal. Já nos primeiros séculos da era cristã se encontram na China os tectos “em lanterna”, ou seja, em

clarabóia. As vigas cortando obliquamente o ângulo do quadrado formam no interior um quadrado mais

pequeno, repetindo-se até ao fecho da abertura. A cúpula sobre consolas, que inscreve um círculo num

quadrado, é um processo que, em vez de destacar claramente a construção, como o tecto em clarabóia,

multiplica os meios de enriquecer a ornamentação.

A máxima variedade tanto na planta como nos alçados encontra-se em pavilhões que se erguem sobre

rectângulos, quadrados, losangos, hexágonos e octógonos, círculos, e em leque, podendo mesmo ter a forma

de dois círculos ou de dois quadrados que se cortam. Plantas em forma de cruz - com braços largos e curtos -

também se encontram nos grandes edifícios.

Deste modo, é característico da arquitectura chinesa possuir sempre uma planta geométrica na qual nenhuma

consideração de utilização ou de disposição interior pode introduzir uma irregularidade. Os pagodes em

andares são construções sobrepostas, do tipo centrado, que se erguem a uma altura invulgar. Assim, também a

importância de uma obra arquitectónica só pode ser aumentada dentro de certos limites por um edifício

individual, por exemplo um salão. A justaposição característica de corpos de edificações, formando cada qual

um todo, surge com especial nitidez nos pagodes com andares e galerias. Também nos pagodes com degraus e

nos pagodes T'ien-ning se sucedem os níveis em gradual diminuição. As linhas horizontais dominam as

verticais, que apenas ficam indicadas ao longo da construção. O pagode de madeira é construído em tomo de

um grande pilar que atravessa todos os andares e ao qual se prendem todas as partes do edifício, o que não é

visível no exterior.

Tal como a stupa indiana, assim o pagode chinês é um relicário, embora tenha mantido esta finalidade sem lhe

tomar a forma. Deriva antes das torres de guarda com vários andares, e ficou com uma função de vigilância.

Por exemplo, a torre do Mosteiro T'ien-ning, perto de Pequim, protegia o palácio imperial contra as

influências nefastas que poderiam penetrar por um desfiladeiro de montanhas do Oeste, em frente da capital; o

pagode está situado exactamente no eixo do desfiladeiro e do palácio dos imperadores Ts'in.

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Uma outra forma típica da arquitectura chinesa é o p'ai-lu, isto é, porta de honra. Um p'ai-lu aponta certas

direcções: acesso aos templos, cruzamentos, pontes, etc. Muitos deles são monumentos dedicados a pessoas

virtuosas ou de mérito. É bela a idéia de honrar a sua memória, por meio de uma porta através da qual

diariamente passam numerosas pessoas. Originariamente, foram edificados em madeira, e depois quase

sempre com pequenos telhados de telha, por cima das suas três ou cinco aberturas de passagem. Mas existem

também de mármore ou de tijolos vidrados, pouco se afastando, porém, da forma das construções de madeira.

A madeira e o tijolo são materiais perecíveis e, ao contrário dos Japoneses, os Chineses cuidaram

pouquíssimo dos seus monumentos. Os que caiam em ruínas eram quase sempre abandonados, até que fosse

necessário e financeiramente possível construir uma edificação com nova planta. Por esse motivo tão poucas

obras antigas chegaram até nós. Existe um grande número de templos e mosteiros cuja história remonta a

mais de mil anos, mas não há um único edifício que pertença à época dos fundadores e nenhum possui mais

do que algumas centenas de anos.

As excepções a esta deplorável carência devem-se ao facto de a arquitectura chinesa não empregar

exclusivamente madeira. A construção maciça de pedra e tijolo não era desconhecida, e a abóbada (falsa ou

verdadeira) empregava-se na época Han; mas os Chineses recorreram a estes materiais somente quando

coagidos por exigências práticas. Foi sobretudo com fins defensivos que utilizaram a construção maciça de

tijolos e que cobriram as galerias com abóbadas de berço. Um pequeno número de salões de tijolo abobadados

ainda se conserva, como, por exemplo, em Wu-t'ai-chan, no Shansi. A pedra, material nobre, era empregada

em vez de tijolo no soco das edificações representativas. O mármore substituía a pedra comum nas

balaustradas dos terraços e das pontes e enquadrava as arcadas das janelas e das portas nas construções

importantes.

Os salões de menor importância e os pavilhões eram por vezes inteiramente construídos de pedra, mas são

raríssimos. À frente dos túmulos, na época Han, erigiam-se pilares de entrada maciços (chamados chü-e) e

pequenas salas de sacrifícios. Em ambos os casos a construção de pedra. imita a de madeira, e assim podemos

saber como eram as primitivas formas das consolas e das telhas. O metal muito raramente era empregado na

construção. Um pequeno pavilhão de bronze no Palácio de Verão de Pequim não é mais do que uma fantasia,

e foi a pedido do imperador K'ien-long que os missionários jesuítas dirigiram a sua fundição. Por sua vez, o

Templo Hing-kong, em Jehol, mostra um telhado de bronze dourado.

É no pagode que se empregam mais livremente os diferentes materiais de construção. Um alto pagode de

ferro, esbelto, com treze andares, ergue-se em Yu-Kien-seu, em Chinchu, no Hupei; foi ediflcado em 1061.

Um terraço de templo num mosteiro da montanha sagrada de Wu-t'ai- chan, no Shansi, tem cinco pagodes de

bronze, e uma imaginação livre realça neles as formas arquitectónicas tradicionais, que não são impostas pelo

material. Os pagodes de pedra, como os de mármore, nas montanhas a oeste, perto de Pequim, são

extremamente raros, ao contrário dos pagodes de tijolo.. que foram conservados em grande número; o Pagode

do Ganso Bravo, em Sian, construído por volta de 650 e renovado entre 701-705, apresenta um aspecto

determinado pelo material, com um telhado muito pouco saliente, as paredes lisas moderadamente articuladas

e as vigas da arquitrave também imitadas em fieiras de tijolos.

Os pagodes de tijolo dos séculos posteriores imitam as ,construções de madeira, sendo os pilares e as consolas

exactamente reproduzidos em tijolo, com minúcia exagerada; esta riqueza de formas é ainda salientada por

uma ornamentação em relevo. Nos pagodes denominados “de porcelana”, rujas superfícies estão guarnecidas

com tijolos vidrados multicolores, a cor acrescenta-se ao relevo, dominando o amarelo, o verde, o azul-

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turquesa e o branco. O maior e mais célebre dos pagodes de porcelana, reproduzido em todos os livros de

viagens do século XVIII, erguia-se em Nanquim, desde 1431 até 1853, data da sublevação dos T'ai-p'ing. Mas

nos parques imperiais em tomo de Pequim subsistem ainda três pequenos pagodes vidrados, que se edificaram

por ordem de K'ien-long, em meados do século XVIII.

Articulação e planta

A própria essência da arquitectura chinesa encontra-se no salão e no pavilhão. Os pagodes, os pórticos, os p'

ai-lu e os terraços contribuem apenas para acrescentar a esta base essencial as características de liberdade,

inventiva e engenho.

O que caracteriza cada edificação é a sua clara divisão em três partes: o soco e os degraus; os pilares e as

paredes, com portas e janelas; a armação em consola e o telhado. Os andares não derivam uns dos outros;

adicionam-se como elementos independentes e de igual importância. As linhas de separação são linhas

horizontais muito nítidas, que não deixam penetrar nenhuma vertical no andar superior, e só raramente se

encontrando interrompidas por uma guarnição do telhado ou um alpendre protector colocado acima da

entrada. O peso dos três andares é mais ou menos o mesmo nos edifícios representativos. Somente nas

edificações mais simples é que o soco se encontra tão baixo que se torna menos evidente.

O soco é constituído por tijolos ou pedra, tal como o pavimento. Para as paredes, têm o mesmo valor a

madeira e o tijolo: a madeira para os pilares, portas e janelas; o tijolo para as paredes cheias, que podem ser

decoradas, até à altura da arquitrave, a partir da qual domina exclusivamente a madeira. As pesadas telhas,

ocas e compridas, assentes numa alternância côncavo-convexa, determinam, pelas linhas acentuadas de

sombras, o carácter do nível superior da edificação.

Os três andares são tratados diferentemente. O soco não é pintado, mostrando o tom pardo do tijolo ou o

branco do mármore. A parede de tijolo é também parda, ou rebocada a branco, ou negro e branco, mas nos

edifícios imperiais é rosa-escuro. Os pilares vermelhos reservavam-se para o imperador, mas hoje as paredes,

as portas e as janelas são igualmente vermelhas. Nas construções decoradas com riqueza, colocam-se no

reboco rosa medalhões de tijolo vidrado verde, amarelo e branco. Por vezes, tijolos de cor sublinham a

estrutura da fachada de madeira.

No interior, quando não há decorações murais figurativas, as superfícies são larga e tranqüilamente

articuladas e as cores são opacas, como por exemplo o ocre nas paredes. A decoração em cerâmica colorida

acentua o aspecto liso da parede, que raramente recebe ornatos em relevo, como a empena do templo da deusa

T'ai-chan, em Kling-yan-chu, no Xantum, que está coberta por uma densa decoração de figuras em relevo, de

tijolo vidrado, com cores.

A cor e o movimento animam-se na zona do telhado, e sobretudo à sombra dos telhados salientes. À cor de

pilares e traves acrescentam-se formas ornamentais esculpidas, principalmente na extremidade das vigas. As

próprias consolas ostentam motivos de um efeito plástico muito directo, de cores brilhantes, que caracterizam

as diversas partes consoante a sua função. As largas superfícies das vigas cobrem-se abundantemente com

motivos tradicionais pintados; a par de motivos simbólicos - como as plantas aquáticas, que protegem dos

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incêndios -, vê-se grande quantidade de flores, aves, paisagens e cenas de género. O aspecto discreto da

decoração, juntamente com as sombras profundas dos telhados, que protegem e velam as cores resulta no

facto de aquela não se impor visualmente. Também no interior, a pintura do vigamento e dos caixotões se

mantém na penumbra. Acima deste movimento colorido desenvolve-se uma zona de pinturas indicadas mais

fortemente, mas sem articulações.

Os telhados dos edifícios imperiais são cobertos com telhas vidradas de amarelo; os templos têm-nas verdes; e

as edificações do Templo do Céu, em Pequim, possuem-nas de um azul profundo. Nas pequenas construções,

nomeadamente nos jardins, os telhados mostram o jogo variegado de telhas amarelas, verdes, azul-turquesa e

violetas, tal como os pavilhões da colina do Carvão, também em Pequim. As casas simples são cobertas com

telhas cinzentas: nelas não se aplica a cor senão nos pilares e nas vigas, nas portas e nas janelas, e mesmo nos

edifícios públicos são sobretudo os elementos plásticos de cerâmica vidrada, sob a forma de filas de figuras

animais, que alegram o conjunto, sem contudo quebrarem a unidade e o volume do telhado protector.

Na Antiguidade, a parte anterior do salão servia de zona de recepção; do lado de trás encontrava-se uma série

de pequenos quartos privados. Os palácios dos Han tinham, à direita e à esquerda da sala principal, uma sala

anexa. Não era de regra, segundo parece, que uma edificação devesse ter uma única sala. Mais tarde, também

isso se observa raramente, com excepção dos grandes salões dos palácios e dos templos. A divisão em quartos

separados é o mais das vezes obtida por ligeiras divisórias de madeira, que se vê claramente terem sido

acrescentadas. A unidade exterior e interior, característica de qualquer construção chinesa mantém-se sempre.

Uma única edificação não pode constituir por si só um palácio, um templo ou um mosteiro, e não basta

mesmo para uma família que haja ultrapassado o nível de vida mais modesto. O pátio interior é uma zona

importante de toda a construção, porque os Chineses desviam as suas edificações do mundo exterior, em

direcção a este pátio, que ganha assim uma importância particular. Nas grandes famílias, para separar as

mulheres e as crianças da zona do senhor, da vida social e dos negócios, havia atrás do salão outros pátios

com outros edifícios de habitação. Sendo a China um país onde se podem prever com alguma segurança os

períodos secos e chuvosos, torna-se conveniente arranjar os exteriores e os interiores com uma finalidade

complementar. Nos palácios e nos templos, para as festas e cerimônias em que participam numerosas pessoas,

os panos e os terraços são muito espaçosos. Nas casas particulares, o pátio é um local importante para se estar

durante a estação quente. Não é arranjado como um jardim; pavimenta-se, crescendo as árvores em canteiros

quadrados, e as flores em vasos ou selhas.

Tão corrente como a divisão em três andares de cada edifício, a organização do conjunto consiste numa série

de pátios quadrangulares. No meio, do lado sul, encontra-se um pórtico; no lado norte, com entrada virada ao

sul, o grande salão. Edificações anexas, mais baixas, limitam o pátio dos lados este e oeste. Neste somatório

de elementos equivalentes, cada um destes encontra-se simultaneamente independente e relacionado com os

demais; cada salão, por exemplo, exige um pátio de dimensões determinadas para a sua valorização; pavilhões

e anexos devem relacionar-se, por sua vez, uns com os outros e com o espaço livre.

Esta organização depende, todavia, de numerosas variantes. O terreno pode obrigar a deslocar o eixo

principal, que, em regra, tem o sentido norte-sul, para a casa, o palácio, o templo e a cidade. À porta sul

podem acrescentar-se as portas este ou oeste, bem como o acesso a outros pátios localizados nos lados. Mas

são principalmente as diferenças de altura e da forma do telhado que conferem aspecto particular a cada grupo

de edificações. O grau de curvatura do telhado, o comprimento da cumeeira, os telhados simples ou duplos, a

alternância entre a empena e as águas dão à arquitectura chinesa o aspecto variado que faz a sua beleza.

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Nos palácios e nos templos, a planta e os alçados dos pátios e dos salões estão mais rigorosamente obrigados

à axialidade e à simetria do que nas habitações privadas, sobretudo se estas possuem jardins em vez de pátios.

Nos grandes parques, as construções adaptam-se ao terreno, ruja forma natural é acentuada pelos pavilhões e

pontes. Na criação do jardim como obra de arte, a arquitectura tem uma função de igual importância.

Nos livros rituais da época Tcheu, é de rigor o eixo do palácio no sentido norte-sul. Neste eixo situam-se os

salões principais, o santuário dos antepassados fica do lado este, e o altar da divindade da Terra do oeste.

Acontece o mesmo na Cidade Proibida de Pequim, cujo centro é formado por dois grupos de três salas de

cerimónias. No sul encontra-se, desde a época dos Ming, o T'ao-miao, templo dos antepassados do imperador,

e a oeste o altar da Terra, sobre o qual foi espalhada terra de cinco cores, que simbolizam os quatro pontos

cardeais e a do meio a própria China. Nas edificações laterais, reservadas para administração, à direita e à

esquerda da ala principal que conduz ao palácio propriamente dito, encontra-se do lado este o Wen-Hua-tien,

“a sala do brilho da escrita”, e a oeste o Wu-ying-tien, “a sala da coragem guerreira”. Os caracteres wen e wu,

que na administração significam “civil” e “militar”, mostram princípios de igual importância mas com

funções opostas, ocupando na planta simétrica lugares de igual plano. A construção chinesa propõe-se

expressar pela arquitectura uma ordem de acordo com as relações humanas, e, como uma tal ordem se deve

integrar na ordem universal, a arquitectura representa esta relação com o cosmos. Por isso a direcção norte-sul

possui tanta importância em qualquer construção de conjunto como a simetria que estabelece o equilíbrio.

Segundo a preferência dedicada em diversas épocas a diferentes teorias a respeito da edificação do mundo,

seguiu-se uma certa divisão do calendário ou tomaram-se por base os cinco elementos, etc. Estas relações

cósmicas complicadas deviam ser particularmente respeitadas nas edificações cuja função era a representação

de uma ordem de valor reconhecido por todos. A disposição do Ming-t'ang, no Palácio Real, do “salão

luminoso”, que data da época Tcheu, é um exemplo célebre. Encontra-se citado em numerosos textos e, desde

a época Han, como símbolo venerável da soberania; infelizmente não se conseguiu reconstituir a planta e os

alçados, visto os textos serem obscuros e contraditórios. Toda- via, encontra-se claramente exposta a

concepção da arquitectura como expressão de uma ordem suprema que permite ao homem separar-se do fluxo

atordoador dos fenómenos naturais. Um edifício não pode existir sem um conjunto, e marca o lugar que o

homem e a ordem da sua comunidade ocupam no plano da ordem universal, não podendo evoluir o homem

senão por via desta integração.

A ciência secreta dos Chineses, a geomântica, estabeleceu, sob o nome de feng-shui (vento-água), uma

infinidade de regras segundo as quais cada construção, que se insere na paisagem, deve ser realizada de

maneira que traga felicidade.

A maneira de qualquer grande conjunto de construções, a cidade está inteiramente submetida a essas regras,

às mesmas necessidades e às mesmas exigências. A disposição da capital num quadrado ou rectângulo

remonta à época Han. De cada lado encontravam-se uma ou mais portas, e as ruas principais ligavam-nas,

dividindo assim a cidade em rectângulos, no interior dos quais um emaranhado de ruelas tortuosas se

desenvolvia isento de qualquer preocupação de ordem. O palácio situava-se no eixo central, quase sem- pre a

norte, de maneira que a cidade se espalhava perante o Filho do Céu voltando o seu rosto para sul.

A nova capital edificada pelos imperadores Suei - Tch'ang-ngan, hoje Si-ngan, no Shensi - tinha, já na época

T'ang, numerosas características que prefiguravam o aspecto que tomou Pequim mais tarde, quando Yung-lo,

imperador Ming, transferiu a capital de Nanquim para o Norte, em 1417. No interior de um retângulo

muralhado, um outro retângulo mais pequeno continha os edifícios oficiais, os palácios principescos e os

grandes templos, rodeando estas edificações o próprio palácio, que era protegido e encerrado por fossos e

muralhas. A cidade de Pequim, denominada dos Tártaros, mostra ainda hoje nitidamente essa disposição.

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Yung-lo prolongou um pouco para o sul o retângulo que contivera Khan-balik, a capital da dinastia Yuan;

assim, as torres com sinos e címbalos que se elevavam bem acima das casas, a fim de protegê-las do fogo e

dos inimigos, encontram-se agora na parte norte de Pequim em vez de se situarem ao centro. Como a cidade

imperial, que rodeava o Palácio de Inverno, os seus parques com lagos artificiais, os grandes templos e os

palácios ocupavam muito espaço na cidade tártara, acrescentou-se do lado sul, também no século XV, uma

“cidade chinesa” - cidade comercial e artesanal, com a forma de um retângulo comprido. Esta cidade era

rodeada pela própria muralha e espalhava-se por um terreno maior do que as oficinas e as casas que então

podiam ocupar, pois era concebida como refúgio para as épocas agitadas.

O facto de não ser um templo mas o palácio imperial o que forma o centro do Império do Meio é

característico da ligação estabelecida pelos confucianistas entre a religião e a política. Do palácio, o

imperador, na sua qualidade de Filho do Céu, dispensava as forças benéficas sobre o império. O Altar da

Terra e do Céu, o Salão dos Antepassados, o Templo de Confúcio, do deus das Letras e do deus da Guerra, e

depois o crescente número de santuários budistas, lamaístas e tauistas, estavam subordinados e unidos à sede

do Filho do Céu como as estrelas em volta da Estrela Polar.

Evolução da arquitectura dos palácios

Na época Chang, até as paredes das edificações representativas eram feitas de terra batida, sendo o telhado

uma simples cobertura de palha ou de canas. Os edifícios mais importantes eram guarnecidos com enfeites

nas portas, nos pilares e nas vigas. Encontraram-se em Ngan-yang, capital dos Chang, obras plásticas

arquitecturais de mármore, figuras de animais e máscaras de demónios. A face do t'ao-t'ieh. que tão

frequentemente aparece nos bronzes sagrados desta época, figura no cimo das paredes e dos pilares.

Encontram-se igualmente fragmentos de pinturas murais, executadas a vermelho e negro sobre argila amarela,

e em parte incrustadas de nácar e osso. Nelas reconhecem-se os dragões e os t'ao-t'ieh como principais

motivos.

Parece que desde o final da época Tcheu se utilizaram telhas, primeiramente para a protecção da cumeeira, e,

em seguida, na consolidação dos beirais do telhado, mas neste caso ornadas com os rostos de demónios ou

espíritos prótectores. Na época Han, o emprego de telhas já tem fins múltiplos, e as placas redondas que

fecham as longas telhas semi-cilíndricas estão ornamentadas com animais orientados nas quatro direcções do

céu, e com caracteres de escrita que prometem a felicidade. Grandes placas de tijolo oco, com mais de um

metro de comprimento, formavam as paredes interiores das câmaras funerárias. Desenhos lineares em relevo

pouco acentuado, de cavalos, tigres, aves, árvores, guardas e viaturas encontram-se nas lajes de pedra dos

túmulos mais ricos, e são um substituto das pinturas murais figurativas, que já nos últimos séculos antes da

nossa era decoravam os salões das grandes personagens.

As placas de argila e de pedra do século II d. C. do Szechwan e do Xantum documentam-nos nomeadamente

sobre o estado da arquitectura. O telhado em curva ainda não se implantara, e a ligação entre os pilares e as

vigas, graças a capitéis-consolas, era realizada de maneira singela. Os edifícios dos salões eram, em parte, de

dois andares: no rés-do-chão os servidores preparavam a refeição de cerimónia, que era servida na sala do

andar superior. Largas escadarias conduziam ao salão.

O desenvolvimento que tomou a arquitectura dos palácios no reinado de Che-Huang- Ti, primeiro imperador

Ts'in, a partir de 221 a. C., manifesta os progressos realizados na técnica da construção. Os imperadores Han

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quiseram retomar a magnificência dos edifícios de Che-Huang- Ti que haviam sido pasto das chamas quando

da queda da dinastia e cuja glória todos louvavam ainda. Nas capitais Tchang-ngan e Loyang edificaram-se

novos palácios com torres-pórticos e salões de cerimónia imensos com terraços e galerias. O que ainda hoje

resta da plataforma em que se elevava outrora o salão do Palácio Wei-yang, em Loyang, tem cerca de cem

metros de comprimento.

Os pavilhões que se encontravam no exterior da muralha da cidade eram rodeados por parques zoológicos,

com lagos, colinas artificiais e rochedos estranhos. Os cronistas descrevem a rica decoração, os ornatos

preciosos de bronze e jade e os dourados, que faziam destes palácios mundos maravilhosos que nada tinham

de comum com as cabanas cobertas de palha. O relevo arquitectural parece haver alcançado o seu apogeu na

época Han, com tigres nos batentes das portas, ursos sustentando as vigas e dragões enrolando-se à volta dos

pilares. Nas colunas de pedra, chu-e, que protegem o acesso aos túmulos dos Han - dos quais vários se

conservam no Szechwan - vemos reproduzidos estes relevos arquitecturais e estas formas gravadas. No

decorrer das épocas seguintes a ornamentação em relevo perde progressivamente a importância, sendo na

maioria dos casos substituída pela pintura.

Dos palácios Han não resta qualquer edificação e, para o conhecimento das seis dinastias da época T'ang até

às dinastias Song e Yuan, vemo-nos obrigados a recorrer aos textos que comportam grande número de

descrições. Por outro lado, como a arquitectura do templo deriva da dos palácios e não se afasta dela

essencialmente nas linhas gerais, os poucos templos que subsistem, bem como os mosteiros japoneses,

permitem-nos seguir a história desta evolução. O sistema de consolas foi melhor concebido, e a construção de

tectos e telhados foi sistematicamente aperfeiçoada para se obter maior solidez. Depois de uma super-

abundância de decorações, chegou-se a uma relação equilibrada entre construção e ornamentação; assim, o

telhado de várias águas predominou sobre o telhado de empena, o qual, no entanto, quebrando a curva das

linhas das arestas, retomou o predomínio na época T'ang. Os salões dos templos de Nara, no Japão, como o de

Toshodaiji, no Hokaido, que foram construídos no século VIII e que seguem de perto os modelos da

arquitectura T'ang, têm um simples telhado de várias águas, embora o telhado do edifício do Salão de Ouro de

Toshodaiji tenha sido sobrelevado mais tarde. A construção sobre pilares de madeira continua como regra na

arquitectura chinesa, e as formas derivadas da madeira servem de modelo quando se emprega qualquer outro

material.

A pintura da época Song dá-nos uma rica imagem da arquitectura de então, que teve grande predilecção pelo

arranjo de jardins, construções de planta muito livre e edifícios graciosos. Nela encontramos igualmente a

indicação do carácter arquitectural dos palácios, que também se orientavam para a graciosidade, e um aspecto

mais alegre do que imponente e mais confortável do que representativo. O salão era sempre ligado aos

pavilhões por galerias; preferia-se um grupo de construções médias ricamente diferenciadas ao predomínio de

um grande edifício principal, de maneira que a forma fundamental do salão, embora identificável, não se

distinguia já claramente dos restantes corpos. Os arquitectos chineses edificaram os palácios dos soberanos e

príncipes mongóis da dinastia Yuan utilizando este mesmo critério. No Ying-tsao Pa-chi, obra em vários

volumes sobre arquitectura, apresentada ao imperador pelo arquitecto do estado Li-Ming-Chong, em 1100,

pode ver-se até que ponto este estilo e esta técnica de construção se desenvolveram e fixaram na época Song.

O aspecto sobrecarregado não aparece, na época Ming e Ts'ing, senão nas pequenas edificações anexas, como

as torres de canto da Cidade Proibida, com os seus telhados fantasistas, e nos pavilhões de jardim. Os grandes

edifícios ficam à parte, maciços e isolados.. como o do grande Salão dos Sacrifícios que Yung-lo, imperador

Ming, fez construir em 1409 em frente do seu túmulo, a norte de Pequim. As paredes são lisas e grossas; na

armação, a madeira é utilizada com prodigalidade para dar a impressão de peso e de riqueza. Entre as

poderosas massas severas da parede e do telhado comprimem-se formas miúdas de pinturas e cinzelagens que,

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na arquitectura Ts'ing, possuem uma aparência de barroco tardio mas sem o comunicarem, no entanto, ao

resto do edifício. Somente o exagero que os Japoneses deixaram desenvolver sem limites nos mausoléus dos

xóguns Tokugawa, em Nikko, no fim do século XVII.. nos mostra esta origem; é uma arte menor, sem relação

com a arquitectura, projectada para além das suas naturais dimensões, um virtuosismo que, em conseqüência

da repetição imposta pela importância das suas funções, se torna finalmente assaz fatigante.

A par da Cidade Proibida, o Salão das Orações Anuais, no Templo do Céu, em Pequim, é também

característico desta época. Foi construído em 1754 com a sua forma actual, mas depois de um incêndio, em

1889, o edifício, com os seus 38 metros de altura, teve de ser refeito. No sentido arquitectónico, não é

verdadeiro salão, porque possui excepcionalmente planta redonda. No vasto pátio, rodeado por salões laterais

e pórticos, ergue-se o salão sobre um triplo terraço. O corpo da construção - símbolo das forças que se

conjugam para unirem as influências do céu e da terra- pode abranger-se clara e facilmente num relance.

Sugestões Bibliográficas Atualizadas

Bedin, F. Como reconhecer a Arte chinesa. Lisboa, 1986

Brinker, H. O zen na arte da pintura. São Paulo, 1980

Cahil, J. La peinture chinoise. Paris, 1977

Pischel, G. A Arte chinesa. Lisboa, 1977

Prodan, M. Chinese art. London, 1958

Rawson, J. Ancient China – art and archaeology. London, 1980

Treager, M. El arte chino. Madrid, 1980

Watson, W. China Antiga. Lisboa, 1969

Ficha técnica:

O presente texto é uma versão produzida com base na tradução do livro de W. Speiser e E. v. Erdberg-

Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969. PARA OBTER AS ILUSTRAÇÕES PRESENTES NO

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