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EDIÇÕESBESTBOLSO

RainhaVitória

Lytton Strachey (1880-1932) inaugurou uma nova era das narrativas biográficas no final da PrimeiraGuerraMundial, adotando uma atitude irreverente em relação ao passado, o que contrastava com osvolumesmonumentaisqueeramescritossobreahistóriavitoriana.Stracheypublicouostensivamentenaárea de crítica literária, especialmente sobre literatura francesa, mas destacou-se na produção debiografias.Revelandopersonagenshistóricossignificativos,oautoralcançoureconhecimentoefama.AsobrasEminentVictorians,ElizabethandEssexePortraitsinMiniaturesãoseusmaioressucessos,masfoiRainhaVitória,biografiasobreatrajetóriadarenomadamonarcainglesa,queconferiuaStracheyostatusdeintérpretedeseutempo.

TraduçãoeprefáciodeLUCIANOTRIGO

1ªedição

Riodejaneiro–2015

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃOSINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

Strachey,GilesLytton,1880-1932RainhaVitória[recursoeletrônico]/LyttonStrachey;traduçãoLucianoTrigo.-1.ed.-RiodeJaneiro:BestBolso,2016.recursodigitalTraduçãode:QueenVictoriaFormato:epubRequisitosdosistema:adobedigitaleditionsMododeacesso:worldwidewebprefácioISBN:978-85-7799-548-6(recursoeletrônico)1.Vitória,RainhadaGrã-Bretanha,1819-1901.2.Rainhas-Grã-Bretanha-Biografia.3.Livroseletrônicos.I.Trigo,

Luciano.II.Título.16-38648

CDD:923.1CDU:929:320

RainhaVitória,deautoriadeLyttonStrachey.Títulonúmero380dasEdiçõesBestBolso.Primeiraediçãoimpressaemjaneirode2015.TextorevisadoconformeoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.Títulooriginalinglês:QUEENVICTORIACopyrightdatradução©byEditoraRecordLtda.DireitosdereproduçãodatraduçãocedidosparaEdiçõesBestBolso,umselodaEditoraBestSellerLtda.EditoraRecordLtda.eEditoraBestSellerLtdasãoempresasdoGrupoEditorialRecord.www.edicoesbestbolso.com.brCapa:CarolinaVazsobreimagem“1842PortraitofQueenVictoria”.Todososdireitosreservados.Proibidaareprodução,notodoouemparte,semautorizaçãopréviaporescritodaeditora,sejamquaisforemosmeiosempregados.DireitosexclusivosdepublicaçãoemlínguaportuguesaparaoBrasilemformatobolsoadquiridospelasEdiçõesBestBolsoumselodaEditoraBestSellerLtda.RuaArgentina171–20921-380–RiodeJaneiro,RJ–Tel.:2585-2000.ProduzidonoBrasilISBN:978-85-7799-548-6

ParaVirginiaWoolf

Sumário

Prefácio

1.Antecedentes2.Infância3.LordeMelbourne4.Casamento5.LordePalmerston6.Últimosanosdopríncipeconsorte7.Viuvez8.Sr.GladstoneelordeBeaconsfield9.Velhice10.Ofim

Bibliografia

Prefácio

Umarainhaemtamanhonatural

“AchobastantedifícilavaliarsesereieuquematareiVitória1ouelaquememataránofinaldolivro”,escreveuLyttonStracheynumacartaaseucolegadoGrupodeBloomsbury,oeconomistaJohnMaynardKeynes,emnovembrode1920,quandolutavaparaescreveraspáginasfinaisdabiografiadarainha,umtrabalho “extremamente exaustivo”. O comentário pode parecer exagerado ao leitor contemporâneo,levando-se em conta as dimensões modestas do livro que tem em mãos. De fato, hoje estamosacostumados a associar a palavra “biografia” a verdadeiros tijolos, com uma massa esmagadora deinformações nem sempre relevantes. É o caso, por exemplo, da biografiaVictoria R.I., de ElizabethLongford,commaisde800páginas;oumesmodabiografiaLyttonStrachey,deMichaelHolroyd,commaisde1.100páginas(!)–asduassãoexcelentes,mastalvezpequemporofereceraoleitorcomummaisdo que ele deseja consumir.Na época de Strachey, isso não eramuito diferente:mesmo personagenssecundáriosdapolíticaedaculturainglesasjustificavambiografiasemváriosvolumes.Strachey,comobomleitor,nãoestavasatisfeitocomissoedecidiuescreverelepróprioasbiografias

quegostariadeler.Acabousetornandonãoapenasumfenômenodasletrasinglesas,mastambémopaideumanovaeranogênerobiográfico.Emsuaexistênciarelativamentebreve(1880-1932),eleescreveurelativamente pouco (meia dúzia de volumes); mas em tudo o que escreveu alcançou um nível deexcelência e originalidade raras vezes igualado. Ignorando convenções formais, adotando uma atitudeirreverente em relação ao passado e valorizando a interpretação psicológica dasmotivações de seuspersonagens,Stracheyrejeitouorecursocatalográficodasimensastranscriçõesdecartasedocumentos,então em voga, propondo em vez disso relatar vidas com “uma brevidade que exclui tudo o que éredundanteenadadoqueéverdadeiramente significativo”. Já tinha sidoocasode seu livroanterior,Eminent Victorians, de 1918, com pequenos ensaios sobre quatro “ídolos” vitorianos – o cardealManning,FlorenceNightingale,oDr.ThomasArnoldeogeneralCharlesGordon.Eseriaocasotambémdoslivrosseguintes,ElizabethandEssex–ATragicStory(1928)ePortraitsinMiniature(1931).Strachey tratava seus personagens de um ponto de vista altamente idiossincrático. Ele se deixava

fascinar pelos aspectos menos notórios e lisonjeiros de suas personalidades e parecia encontrar umverdadeiro prazer em desmascarar suas pretensões e motivações mais íntimas, reduzindo figurasgrandiosase“eminentes”aoseutamanhonatural.Numaépocacaracterizadaporpanegíricos,issobastoupara lhevalera reputaçãode iconoclasta.ÉcertoqueemalgunsmomentosStracheyquase resvalanacaricatura;mas isso jamais compromete a qualidade de seu texto, ao contrário: seus retratos, se nemsempresãofavoráveis,sãosempreconvincentes.Ecertamente,emboraaquiealielepossasemostrarimpreciso, pouco rigorosooumesmo tendencioso, seus livros têmodomde trazerdevolta àvidaospersonagensqueretrata,delançarluzesreveladorassobreelesedetorná-los(demasiado?)humanos.Comsuarefinadaironia,seutextoelegante,suacapacidadedeseduzireconduziroleitor,Stracheyfoi

responsávelporumarevoluçãodasbiografiassócomparávelàquelacomandadanasegundametadedoséculoXVIII por seu conterrâneo JamesBoswell, autor do clássicoVida de Samuel Johnson (1791).Como Boswell, o autor de Rainha Vitória teve uma série de imitadores, que invejavam a suapopularidade(que,aliás,nãooagradava,edaqualeletentavasinceramentefugir),mascareciamdeseutalento. Sob sua influência, nas décadas de 1920 e 1930, tornaram-se comuns ensaios biográficos

marcadospela ironiaequesupostamentedesmascaravamladosobscurosdepersonagenshistóricosousimplesmente famosos; uma chuva dessas pseudobiografias invadiu omercado editorial inglês,muitasdelasconfundindoficçãoerealidade.MasomodismopassoucomaSegundaGuerraMundial,ehojesereconhece que Strachey é inimitável, não somente por aquela característica subjetiva inassimilávelchamada talento,mas tambémporqueseus livrosnãopodemser tomadoscomo“modelos”,no sentidoestrito do termo, nem se pode extrair deles, sem alto risco, um “método” biográfico consistente. IssoporqueStracheyéumintérprete,maisqueumbiógrafoconvencional.O quemais se pode dizer sobre Lytton Strachey?Que ele incorporou em seus textos elementos de

“ciências”entãoincipientes,comoapsicanálise,equeseserviufartamentederecursosdaficçãoparaconferirmaisveracidadeaosseusensaios.Éocaso,particularmente,deElizabethandEssex:ATragicHistory, no qual a estrutura dramática fica mais evidente – isto porque Strachey acreditava que aenigmáticarelaçãodaRainhaElizabethIcomoseumaisfamosocortesãoseprestavaaumtratamentoquase teatral. É nesse livro, também, que chama mais a atenção a aplicação de elementos da teoriapsicanalíticaàinterpretaçãodocomportamentodospersonagens.Maselenãoera,deformaalguma,umfofoqueiro: ele descarta, por exemplo, a hipótese de qualquer relaçãomais íntima entreVitória e seucavalariço John Brown – tema do recente filme Sua Majestade, Mrs. Brown, de JohnMadden, quedificilmenteteriaagradadoaoescritor.Masesseestiloextremamentepessoal tambémdeumargemacríticas severas: avisãodemundode

Strachey seria limitada; ele via a política como um jogo de intrigas, e considerava a religião umanacronismo;julgavaqueasrelaçõesinterpessoaiseramoúnicoaspectoimportantedaexistência;faziaescolhastendenciosasaoomitirou“editar”episódiosbiográficos;eseurigorcomopesquisadortalveznãofosseassimtãoacurado.MasbastalerasprimeiraspáginasdesteRainhaVitóriaparaconstatarqueobrilhodotextodeStracheysobreviveatodasessascríticas,porverdadeirasquesejam.SeemsuaobraLyttonStracheysemostravaumhomemàfrentedeseutempo,navidapessoaleleera

quaseumsobreviventedeumpassadoremoto.Talvez tenhasidooúltimointelectualdoséculoXIX,oúltimoverdadeirohommedelettres.Ouseja,umintelectualque,emboravivessenomundodapalavraescrita e tenha passado toda a vida cercado de livros, não parecia disposto emuitomenos se sentiaobrigado a fazer das letras uma profissão. Ao contrário, Strachey sempre se empenhou em manterdistânciatantodoEstadoquantodasociedade.Suaexistênciamaterialeragarantidaporumarendasemtrabalho,esuavisãodomundosecaracterizavaporumaatitudedeceticismoedesdémsuperior.Depoisdele, os intelectuais se integraram (e se entregaram) definitivamente aos imperativos da lógicacapitalista,colocandosuasideiasaserviçodabuscadosucessoedoreconhecimento,etransformandoaliteraturanummeiodevida.ParasócitarumepisódioilustrativodapersonalidadedeStrachey:convidadoem1918paraescrever

regularmente no conceituado New Statesman, ele declinou. Apesar do excelente pagamento e da“visibilidade”queseunomeganharia(parausarmosumapalavrahojenamoda),eleconfessouquenãosesentiriaàvontadevendoseunomeimpressonumjornalquesimpatizavacomapolíticabeligerantedogoverno.VirginiaWoolf,aquemesteRainhaVitóriaédedicado,apoiouinteiramenteoamigo,masporuma questão pessoal: ela considerava J.C. Squire, o editor do New Statesman, um homem “maisrepulsivodoqueaspalavraspodemexpressar”.

TalvezaideiadeescreversobreaRainhaVitóriatenhanascidojáem1895,quandoLyttonStracheytinha15anos.Numacartaàmãe,elecontacomo,numdeseuspasseiosdebicicleta,encontroucasualmenteumpersonagem de presença discreta neste livro, o príncipe de Gales, filho da rainha; este lhe fez umamesura,devidamenteretribuída,episódioqueficoumarcadonamemóriadofuturoescritor.Sejacomofor,VitóriaeraumpersonagemsobmedidaparaapenadeStrachey.Aseumodo, tambémelaerauma

sobrevivente,tambémelarepresentavaofimdeumaépoca.Inquestionavelmente,Vitóriafoiaúltimasoberanainglesaamarcardemaneirapessoalavidapolítica

deseupaís.Aolongodemaisde60anosdereinado(de1837a1901,quandomorreu),elaacompanhoude perto todas as questões de Estado, muitas vezes entrando em choque com os ministros. Suainterferência foiparticularmentenotávelnaconduçãodapolíticaexternada Inglaterra,assuntonoqualeladeuprovasdegrandepatriotismo–edeumespíritofortementeimperialista(valelembrarqueVitóriaera tambémimperatrizdaÍndia).Naépoca, longedecarregarumaconotaçãonegativa,o imperialismoeraquaseumcredoreligioso,eVitóriaeraumadesuasfiéismaisdevotadas.ApósamortedeAlbert,opríncipeconsorte, em1861,oconservadorismosocial epolíticoda rainhaganhoucontornoscadavezmaisextraordinárioseinflexíveis.Eaverdadeéque,seacoroaestavaextremamentedesacreditadanaépocadesuacoroação,Vitóriasouberecuperaradignidadeeoprestígiodafamíliareal:naépocadesuamorte,aInglaterraestavanovamentenoapogeu.Mas omundo já não era omesmo: a escalada da concorrência econômica estrangeira, o gradativo

declíniodoimperialismo,aradicalizaçãodasquestõessociaiseonascimentodoPartidoTrabalhistaedosmovimentosoperárioseramsinaisnãodafraquezadasoberanaquedeunomeaumaépoca,masdaemergênciadeumnovoestadodecoisas,noqualjánãohaveriaespaçopararainhascomoVitória–nemparaintelectuaiscomoStrachey.Ummundonovo,radicalmentetransformadopelarevoluçãoindustrial,pelainfluênciadateoriadaevolução,pelaslutasporreformassociaisepolíticas.ÉdessedescompassoentreVitóriaesuaépocaquenasceoparadoxoformuladopelohistoriadorPeterGayemAeducaçãodossentidos:Vitórianãoeravitoriana.ArainhaquedeuseunomeàIdadedasFábricasedoevolucionismode Darwin não teria gostado nem um pouco de saber que sob o seu reinado ocorreu a mais radicalevoluçãopolíticadahistóriainglesa,decujasimplicaçõeselasequersuspeitava.Ainda assim, a importância deVitória como rainha só é comparável à deElizabeth I – que, quatro

séculosantes, tambémascenderaao trononumaépocadedificuldadese tambémsoubera reconduzir aInglaterraàsuavocaçãodepotênciamundial.Mas,seéverdadequeVitória–sobretudosecomparadaaElizabeth – reinou mais do que governou, também é verdade que ela gozou de uma popularidadeinigualável, em parte porque soube fazer, com sua austeridade e a firmeza de seus princípios, que asclassesmédiasdeseupaísseidentificassemprofundamentecomsuaconduta.Valeobservaraquiqueaaristocracia inglesasempresedistinguiudafrancesaedasdemaisnobrezasdocontinenteeuropeupormanter um contato razoavelmente estreito como povo.Comparados aos nobres franceses, os inglesessempretiverammenosprivilégiosesempredemonstraramumaatitudemenosdesdenhosaearroganteemrelaçãoàplebe.Além disso, a era vitoriana foi um período de intensa atividade literária, o que também ajuda a

explicarointeressedeStrachey.Romancistas,poetas,filósofoseensaístasnotáveisproliferavamnaGrã-Bretanha. Entre outros, pode-se destacar: Oscar Wilde, Rudyard Kipling, Charles Dickens, LewisCarroll,RobertLouisStevenson,CharlotteeEmilyBrontë,SamuelButler,Swinburne,ThomasHardy,Gerard Manley Hopkins, Thomas Love Peacock, Carlyle, William Barnes, Disraeli (que também foiprimeiro-ministrodarainha),J.S.Mill,ElizabethBarrett,Tennyson,W.M.Tackeray,RobertBrowning,Edward Lear, George Eliot, Ruskin, Matthew Arnold, T.H. Huxley, George Meredith, Dante GabrielRossetti eWilliamMorris.Umageração cuja contribuição ao aperfeiçoamento cultural doOcidente éinestimável.

FilhodeumgeneralqueserviunaÍndia,GilesLyttonStracheynasceuemLondresem1880emorreuemBerkshireem1932.Suaformaçãodeu-senumaatmosferaaltamentefavorávelparaqueeledesenvolvesseo gosto pela literatura, já que sua mãe era uma escritora de talento: sua casa era um dos pontos deencontrodopequenomas seleto círculode escritores, artistas e intelectuaisque formavamochamado

GrupodeBloomsbury, entreosquais sedestacavamLeonard eVirginiaWoolf,ArthurWaley,Clive eVanessa Bell, Roger Fry, Duncan Grant, JohnMaynard Keynes e E.M. Forster. Ainda que não tenhaconstituídopropriamenteumaescola(apesardeseusmembroscompartilharemideiasevalores),ogrupoteveinfluênciadecisivasobreaevoluçãodasletrasinglesas,porvoltadaPrimeiraGuerra.Strachey estudou no Trinity College, em Cambridge, e não precisou se preocupar em seguir uma

profissão, jáquea fortunade sua famíliagarantia sua subsistência.Elecomeçousuacarreira literáriaescrevendo poesia, mas a péssima acolhida o fez desistir. Só voltaria a pegar na pena aos 32 anos,quandojáocupavaamaiorpartedeseutempofazendopesquisassobreliteraturafrancesa–temadeseuprimeirolivro,LandmarksinFrenchLiterature,de1912.Estesimrecebeuexcelentecrítica.Seisanosdepois,veioEminentVictorians,noqualjáestavampresentesassuasmarcasregistradas:aconcisão,amordacidade,ainteligência,aironiasutilouferoz.DepoisdosucessodeEminentVictorians,Stracheyplanejavaescreverumasegundasériederetratos

breves, desta vez abordando cientistas – que já faziam parte da sua lista inicial de 12 candidatosbiografáveis.Maselelogotrocouesteprojetopelabiografiadarainha.“ARainhaVitória”,eleescreveua Clive Bell, “é um tema interessante, mas obscuro... É muito difícil penetrar nos muitos véus dediscriçãoqueacercam.Opríncipeconsorteéumafiguranotável;masabiografiaqueTheodoreMartinlhededicou,emcincoestupendosvolumes(!),nãoérecomendávelaopúblicoemgeral.VocêjáouviufalardeEmilyCranford?Ela escreveuum livro sobre a rainhanão totalmentedesprovidodeméritos.Começoapensarqueamaioriadosbonslivrospassadespercebida.”ValeressaltaraquiqueoretratoqueStracheyfazdopríncipeAlbertébastanteelogioso–umaatitudecorajosa,levando-seemcontaqueAlberteraalemãoequeasrelaçõesentreInglaterraeAlemanhanãoeramnadaboasnaépoca.Nofinalde1918,Stracheyjátinhafeitoleiturasepesquisassuficientesparasesentirrazoavelmente

seguro de que – como ele expôs à Editora Chato andWindus, em janeiro de 1919 – o tema de suapróxima biografia seria “A vida da falecida rainha”. Escrevendo em seguida à sua mãe, suacorrespondenteecríticacontumaz,eprevendotalvezoseudesconfortoemrelaçãoaoprojeto,Stracheysemostramais tímido. “Estoucomeçandoumestudo sério sobreaRainhaVitória;masaindaédifícildizersealgosairádaí.”Comoeleprevira,aSra.Stracheyreagiumal:elareceavaqueaveneradarainharecebesseumtratamentoaindamaisirônicoqueosseuseminentessúditosdolivroanterior.“NãogostomuitodaideiadevocêlidarcomaRainhaVitória”,respondeusuamãe.“Semdúvida,éum

temaabertoaumtratamentodramático,masissonãoérazãosuficienteparanãodeixá-laempaz.Vitórianãopodiaevitarserestúpida,maspelomenostentoucumpriroseudever.(…)Elaconquistouumlugarnocoraçãodopovoeumareputaçãonanossahistóriaqueseriaaltamenteimpopular,epoucorazoável,tentar comprometer.” A Sra. Strachey sugeriu em seguida que o filho escrevesse sobre Disraeli, umpersonagem“distanteobastanteparaserinteressante,maspróximodemaisparaquejásejaumassuntoesgotado”.LyttonStracheyacabariaseguindoessasugestãoem1920,quandoescreveuumartigosobreDisraeli para aWoman’s Leader, a propósito de uma biografia em seis volumes (!) deMonypenny eBuckle.Maselejáestavadecidido.Passariaosdoisanosseguinteslendocopiosamentebiografiasdopríncipe

AlbertedaprópriaVitóriaeensaiossobreapolíticaeahistóriavitorianas.Olivroquemaisofascinoufoi a obra emdois volumesdeSirHerbertMaxwell,TheCreeveyPapers, sobre o qual escreveu umensaio biográfico à parte. “Como se pode ler romances quando se tem àmão este livro, no qual estápresente tudo o que é de interesse humano, político e histórico?”, ele escreveu a Clive Bell. Comoocorreu com todosos seus livros, as leituras preparatórias paraRainhaVitória tomarammais que odobrodotempodaescritaemsi.EmLondres,elemergulhavaempesquisasnaLondonLibraryenasalade leitura do British Museum, para então retornar a sua casa em Tidmarsh com poucas páginas deanotações manuscritas. Lia de seis a dez horas por dia, e cada livro rendia apenas meia página deanotaçõesalápis,tamanhoeraoseudiscernimentocrítico.

Adedicaçãoaonovolivronãolhedeixavatempoparamaisnada.NoscincoanosdecorridosdesdeapublicaçãodeEminentVictorians,Stracheyescreveuapenasoitoensaiospara jornais,sendoquedoisdeles,“Dizzy”e“Mr.Creevey”,saíramdiretamentedaspesquisasparaaRainhaVitória(osoutroseramtextosdepropagandapacifistaouabordavamasvidasdeHoraceWalpole,VoltaireeShakespeare).Poroutro lado, ele não parou de escrever peças teatrais, não para serem publicadas, mas por purodivertimento. Entre elas Quasheemaboo ou The Noble Savage, um drama escrito para madameVanderveldee JackHutchinsonencenaremnum jantardegala.A trama lhe fora sugeridapor suamãe:umamulherquesetornaumaatrizdesucessosemqueseumaridosaiba;quandoelaconta,omaridonãoacredita.Estafarsa,porém,nuncafoiencenadaprofissionalmente.O resultado dessa vida altamente disciplinada e reclusa foi que Strachey concluiu rapidamente os

primeiros dois capítulos do livro, “Antecedentes” e “Infância”. “Estive completamente absorvido porVitórianesteúltimomês”,elevoltouaescreveremagostode1919,“ejáacabeideescreverapartedeabertura–quevaiatéacoroação.Atéaquiavariedadedeepisódiosepersonagenscuriososéenorme.Acreditoqueasdificuldades serãomuitomaioresapósamortedopríncipeconsorte”.Menosdedoismesesdepois, elepareciabemmenosanimadoemumacartaendereçadaaMaryHutchinson:“RainhaVitóriaavançacomlentidãoinfinita,masaindasemove.”Todasasmanhãs,sozinhonabiblioteca,eletrabalhavacercadetrêshoras,dasquaisresultavamcerca

de trezentaspalavrasmanuscritas, edificilmente seviauma rasura.Ele compunhamentalmente (comodisseaRalphPartridge,quedatilografavaecorrigiaomanuscrito),nãoapenas frases,masparágrafosinteiros,antesdecomeçarapôraspalavrasnopapel,oqueajudaaexplicaraextremafluidezdeseuestilo.TrechosdesuascartasnosmesesseguintesdeRainhaVitória, coligidosporMichaelHolroyd,mostramaevoluçãodoestadodeespíritodeStrachey:“ARainhaVitória,pobrezinha,cambaleiapassoapasso.Eelaaindaestánajuventude(...)Sóesperoquecomaidadeelafiquecadavezmaisveloz”,eleescreveuemoutubrode1920.Naprimaveraseguinte,eleconcluiumaistrêscapítulos.Antesdeescrevera parte final, tirou algumas semanas de férias. “Estou curiosamente feliz agora”, escreveu a Keynes(16/12/1919).“Sinto-meligeiramentemelancólico”,escreveuaDavidGarnett(26/5/1920).Oitomesesdeconstantesoscilaçõesdehumor.“Aquiestoueu”(cartaaMaryHutchinson,de4/10/1920)“sentadoemfrenteà lareira, tentandomecontrolarparadarocoupdegrace emVitória;maseuhesito;elamefulminacomseuolhardepeixe.”Olivrofinalmenteficouprontoemmarçode1921.Seguiu-seumlongoperíododeprostração.Ainda

assimStrachey discutiu outros projetos biográficos comVirginiaWoolf, entre eles o de escrever umaHistóriadoreinadodeGeorgeIV,queeleconsideravaumtemamagnífico.Mashaviadificuldades:“OpiorsobreGeorge IVéquenenhumautormencionaos fatosqueme interessam.Ahistóriaprecisasertodareescrita.Háumexcessodemoralidade”.“Edebatalhas”,Virginiaacrescentou.Sepudessepassarosolhosnasmanchetesdostabloidesinglesesdehoje,emquemembrosdafamília

realprotagonizamumescândaloatrásdooutro,Stracheycertamente ficariaestarrecido.Vitória, então,nem se fala. Basta lembrar que, durantemais demeio século, nenhuma senhora divorciada sequer seaproximoudosrecintosdacorte,equeVitóriadesaprovavaseveramentequalquerviúvaquevoltassease casar. Ela também se opunha fortemente ao movimento de emancipação das mulheres. Sinal dostempos:paradoxalmente,hojeomoralismoexacerbadodeVitóriaseriaquaserevolucionário.

LucianoTrigo2

Notas:1.Optou-sepelaadoçãodagrafiaadaptadaaoidiomaportuguês,“Vitória”,consagradapelouso,emlugarde“Victoria”,quandosetratardarainha.Nosdemaiscasos,foimantidaagrafiaoriginalinglesa(Albert,Leopoldetc).(N.doT.)

2. Luciano Trigo, tradutor, escreveu este prefácio para a edição original (Editora Record,Rainha Vitória, Rio de Janeiro, 2001, coleçãoGrandesTraduções),reproduzidonestaediçãodebolso.(N.doE.)

1Antecedentes

I

Nodia6denovembrode1817,morreuaprincesaCharlotte,filhaúnicadoprínciperegenteeherdeirada coroa da Inglaterra. Sua vida breve dificilmente poderia ser classificada como feliz. De naturezaimpulsiva,caprichosaeveemente,elasemprealmejouumaliberdadedequenuncaconseguiriadesfrutar.Crescendo em meio a violentas disputas familiares, cedo foi separada de sua mãe excêntrica eindecorosa,eentregueaoscuidadosdeseupaiegoístaeimoral.Quandoelacompletou17anos,seupaidecidiu casá-la com o príncipe de Orange; Charlotte, inicialmente, consentiu; mas, subitamenteapaixonadapelopríncipeAugustusdaPrússia,decidiu romperonoivado.Estenão foio seuprimeirocaso amoroso, já que anteriormente ela tinhamantido uma correspondência clandestina com um certocapitão Hess. O príncipe Augustus já era casado, morganaticamente, mas ela de nada sabia, e ele,naturalmente,nãolhecontou.EnquantoCharlotteprolongavaaomáximoasnegociaçõescomopríncipedeOrange,ossoberanosaliados–erajunhode1814–chegaramaLondresparacelebrarasuavitória.Entre eles, na comitiva do imperador da Rússia, estava o jovem e belo príncipe Leopold de Saxe-Coburg.Elefezváriastentativasparaatrairointeressedaprincesa,masela,comocoraçãopertencenteaoutro,lhedeupouquíssimaatenção.Nomêsseguinte,oprínciperegente,descobrindoquesuafilhavinhatendo encontros secretos com o príncipe Augustus, inesperadamente apareceu em cena e, depois dedispensarsuacriadagem,condenou-aaumisolamentoseveroemWindsorPark.“DeusTodo-Poderoso,dai-mepaciência!”,exclamouela,caindodejoelhos,numaagitadaagonia;emseguida,porém,levantou-sedeumsalto,desceucorrendoasescadas,saiuparaarua,chamouumtílburiquepassavaefoiparaacasadamãe,emBayswater.Elafoidescoberta,perseguidae,porfim,cedendoàpersuasãodeseustios,osduquesdeYorkeSussex,deBroughamedeSalisbury,elaregressouaCarltonHouseàs2horasdamanhã.CharlotteficouencarceradaemWindsor,enuncamaisseouviufalardopríncipedeOrange.O

príncipeAugustus tambémdesapareceu de cena. Finalmente, o caminho estava aberto para o príncipeLeopolddeSaxe-Coburg.1O príncipe foi hábil o suficiente para tratar, em primeiro lugar, de se aproximar do regente, de

impressionarosministrosedeconquistaraamizadedeoutrotiodaprincesa,oduquedeKent.Graçasaoduque,elepodiasecomunicarprivadamentecomCharlotte,queagoradeclaravasereleabsolutamentenecessárioparasuafelicidade.Quando,depoisdeWaterloo,eleseencontravaemParis,oassessordoduque atravessava sem parar o Canal da Mancha, levando e trazendo cartas. Em janeiro de 1816,LeopoldfoiconvidadoairàInglaterra,eocasamentoaconteceuemmaio.2A personalidade do príncipe Leopold contrastava estranhamente com a de sua esposa. Filho mais

jovem de um principelho alemão, ele tinha na época 26 anos; servira com distinção na guerra contraNapoleão;tinhademonstradoumahabilidadediplomáticaconsiderávelnoCongressodeViena;3eagoraenfrentava o desafio de domar uma princesa rebelde. De maneiras formais e frias, controlado naspalavrasecuidadosonasações,elelogodominouacriaturaselvagem,impetuosaegenerosaqueestavaaseulado.Naturalmente,haviamuitacoisanelaqueelenãopodiaaprovar.Elagracejava,batiaospéseriadeumamaneiraescandalosa;tinhamuitopoucodaqueleautocontrolequeseesperaespecialmentedeumaprincesa;suasmaneiraseramdecididamenteabomináveis.Quantoaissonãopoderiahavermelhorjuiz, tendoLeopold frequentado, comoelemesmoexplicaria à sua sobrinhamuitos anosmais tarde, amelhorsociedadedaEuropa,sendodefato“oqueemfrancêssechamadelafleurdespois”.Haviaumatensãopermanente entre os dois,mas todas as cenas terminavamdamesma forma.Depé diante dele,comoumgarotorebeldeusandoanáguas,elacurvavaocorpo,comasmãoscruzadasnascostas,orostoflamejanteeosolhoscintilantes,edeclarava,porfim,queestavadispostaafazeroqueelequisesse.“Sevocê quer, assim o farei”, dizia ela. “Não quero nada para mim”, respondia ele invariavelmente.“Quando eu a pressiono e tento lhe inculcar uma atitude, é coma convicção de que é no seu própriointeresseepeloseuprópriobem.”4EntreosmembrosdafamíliaemClaremont,pertodeEsher,ondeocasalrealse tinhaestabelecido,

havia um jovemmédico alemão,Christian Friedrich Stockmar. Ele era filho de ummagistrado poucoimportantedeCoburge,depoisdeterparticipadodaguerracomoumoficial-médico,voltouaexerceramedicina em sua cidade natal. Lá ele conheceu o príncipe Leopold, que, impressionado com a suahabilidade, após o casamento o levou para a Inglaterra comomédico particular. Um destino curiosoaguardava aquele jovem;muitos eram os presentes que o futuro lhe reservava –muitos e variados –influência, poder, mistério, infelicidade, um coração irremediavelmente partido. Em Claremont, suaposiçãoerainicialmentebastantehumilde;masaprincesateveumcaprichoporele,aquemchamavade“Stocky”,ecomquemfaziatravessuraspeloscorredores.Dispépticoporconstituição,melancólicoportemperamento,eleconseguiacontudomostrar-sealegreemalgumasocasiões,eeraconhecidoemCoburgcomoumhomemespirituoso.Eleeratambémvirtuoso,eobservavacomaprovaçãooménagereal.“Meumestre”,escreveuemseudiário,“éomelhordetodososmaridosnoscincocontinentesdoglobo;esuaesposalhedevotaumamortãointensoqueasuagrandezasópodesercomparadaàdadívidanacionaldaInglaterra.” Logo ele daria provas de outra qualidade – uma qualidade que constituiria o traçocaracterístico de sua existência – uma prudente sagacidade. Quando, na primavera de 1817, ficou-sesabendoqueaprincesaesperavaumbebê,opostodeumdeseusmédicos-assistenteslhefoioferecido,eeleteveobomsensoderecusar.Stockmarsabiaqueosseuscolegasficariamcominvejaequeosseusconselhosprovavelmentenãoseriamseguidos,masque,sequalquercoisadesseerrado,oculpadoseriacertamente o médico estrangeiro. Em pouco tempo, na verdade, ele chegou à conclusão de que aminguadadietaeasconstantessangriasaqueerasubmetidaadesafortunadaprincesaeramumequívoco;elechamouopríncipeelhepediuquetransmitisseessaopiniãoaosmédicosingleses,masfoiinútil.Otratamentocombaseemdietas,entãonamoda,seprolongouporváriosmeses.Nodia5denovembro,às

21horas,depoisdeumtrabalhodepartoqueduroumaisde50horas,aprincesadeuàluzummeninomorto.Àmeia-noite,suasforçasseexauriram.Então,finalmente,Stockmarconsentiuvê-la;quandoeleentrou, obviamente percebeu que ela estava morrendo, enquanto os médicos tentavam reanimá-laoferecendo-lhevinho.Elasegurouamãodeleeaapertou.“Elesmeembebedaram”,disseela.Algunsminutosdepois,Stockmaradeixoue já estavanoaposentoao ladoquandoaouviuchamandoemvozalta:“Stocky!Stocky!”Quandoelevoltoucorrendo,oestertordamortejáestavanagargantadaprincesa.Elasacudiaocorpoviolentamente,deumladoparaooutrodoleito.Entãosuaspernaspararamdesemexeretudoestavaterminado.O príncipe, depois de longas horas de vigília, tinha deixado o quarto para descansar por alguns

momentos;eStockmaragoratinhaquecontaraelequesuaesposaestavamorta.Inicialmente,elepareceunãosedarcontadoquetinhaacontecido.Nocaminhoparaoquarto,afundounumapoltrona,eStockmarseajoelhouaseulado:tudonãopassavadeumsonho;não,aquiloeraimpossível!Porfim,eletambémseajoelhouaoladodacamaebeijouasmãosjáfriasdeCharlotte.Então,levantando-se,exclamou:“Agoraestou completamente desolado. Prometa-me que jamais irá me deixar”; e atirou-se nos braços deStockmar.5

II

AtragédiadeClaremontfoidasmaisdesconcertantes.Ocaleidoscópiorealsubitamentesemovimentara,eninguémpoderiadizercomoseriaoseunovodesenho.Asucessãoaotrono,quepareciaumassuntotãosatisfatoriamenteresolvido,agorasetornavaumaquestãoduvidosaeurgente.GeorgeIIIaindaviviaemWindsor,maseraumvelholunático,totalmenteimpenetrávelàsimpressões

domundoexterior.Deseussetefilhos,omaismoçojátinhaultrapassadoameia-idade,enenhumtinhadescendência legítima.Ohorizonte,portanto,erabastante incerto.Pareciaaltamente improvávelqueoprínciperegente,queultimamentetinhasidoforçadoadeixardeladoosespartilhoseexibiaumafiguraridículaedeobscenaobesidade,6pudesseumdia,mesmoquesedivorciassedaesposaevoltasseasecasar, ser pai novamente. Além do duque de Kent, que deve ser analisado separadamente, os outrosirmãos,porordemdeprecedência,eramosduquesdeYork,Clarence,Cumberland,SussexeCambridge;suas situações e perspectivas requerem uma breve descrição. O duque de York, cujas escapadas emtempospassadoscomaSra.Clarkeetravessurasnoexércitolhetinhamcriadoproblemas,agoradividiaa sua vida entre Londres e uma casa de campo extravagantemente decorada e extremamentedesconfortável, onde ele se ocupava com corridas de cavalos, jogos deuíste e histórias indecorosas.Mas havia uma razão que o tornava notável entre os príncipes: era o único deles – assim fomosinformadosporumobservadoraltamentecompetente–quetinhaossentimentosdignosdeumcavalheirode sua categoria.Durantemuito tempo ele foi casado com a princesa real da Prússia, uma dama queraramente ia para a cama e estava perpetuamente cercada por um vasto número de cães, papagaios emacacos.7Elesnãotiveramfilhos.OduquedeClarenceviveumuitosanosemcompletaobscuridadecomaSra.Jordan,afamosaatriz,emBusheyPark.Comela,teveumagrandefamília,comfilhosefilhas,edefatoparecequeosdoisestiveramprestesasecasar,quandosubitamenteeleseseparoudelaparapediremcasamentoaSrta.Wykeham,umamulheramalucadaedegrandefortuna,que,contudo,nadatinhaparalhedizer.Poucodepois,aSra.Jordanmorreuemcircunstânciasverdadeiramentepenosas,emParis.8OduquedeCumberlandera,provavelmente,ohomemmaisimpopulardaInglaterra.Hediondamentefeio,com um olho torto, ele tinha um temperamento ruim e vingativo na vida privada, era um violentoreacionárioempolítica,emaistardeseriasuspeitodeassassinarseucriadoedeterseenvolvidonumaintrigaamorosaextremamenteescandalosa.9Ele tinha se casadopouco tempo antes comumaprincesa

alemã, mas ainda não havia filhos desse casamento. O duque de Sussex tinha discretos interessesliteráriosecolecionavalivros.10ElesecasaracomladyAugustaMurray,comquemtiveradoisfilhos,masocasamentoforadeclaradonulopelasAtasdosCasamentosReais.ApósamortedeladyAugusta,elesecasoucomladyCeciliaBuggin;elamudouseunomeparaUnderwood;masestecasamentotambémfoianulado.SobreoduquedeCambridge,omais jovemdos irmãos,nãosesabemuito.EleviveuemHanover,usavaumaperucaloura,eeraconhecidoporseutemperamentoirrequietoesuatagarelice;elenãosecasou.11Alémdossetefilhos,GeorgeIIItinhacincofilhasvivas.Destas,duas–arainhadeWürtembergea

duquesadeGloucester–eramcasadasesemfilhos.As trêsprincesassolteiras–Augusta,ElizabetheSofia–játinhambemmaisde40anos.

III

Oquarto filhodeGeorge III eraEdward,duquedeKent.Ele tinhaagora50anos–umhomemaltoevigoroso,corado,comsobrancelhascerradaseumacalvíciepronunciadano topodacabeça;ocabeloquerestavaeracuidadosamentetingidodeumnegrolustroso.Seustrajeseramextremamenteelegantes,e,noconjunto,suaaparênciasugeriaumarigidezquenãodesmentiaoseucaráter.Elepassaraajuventudenoexército–emGibraltar,noCanadá,nasÍndiasOcidentais–e,sobainfluênciadotreinamentomilitar,setornarainicialmenteumdisciplinador,emseguidaumoficialsevero.Em1802,tendosidoenviadoaGibraltarpararestauraraordemnumforteamotinado,demonstrouumrigorexcessivo,oquepôsfimasua carreira ativa. A partir daí, ele passou a vida administrando questões domésticas com grandeexatidão, ocupando-se comos assuntos de seus numerosos dependentes, projetando relógios e lutandopararestabeleceraordemdesuasfinanças,jáque,apesardeser–comodissealguémqueoconheceubem–“reglécommedupapieràmusique”,12eapesardeumarendade24millibrasporano,eleestavairremediavelmente endividado até a raiz dos cabelos. O duque tinha rompido com amaioria de seusirmãos, particularmente com o príncipe regente, e era bastante natural que ele tivesse se aliado àoposiçãopolítica,tornando-seumdospilaresdoPartidoWhig.Quais eram de fato suas opiniões políticas é uma questão que fica em aberto; frequentemente se

afirmouqueeleeraumliberal,oumesmoumradical;e,sedevemosacreditaremRobertOwen,eleeraum socialista, necessariamente. Suas relações com Owen – o astuto, ardiloso, arrogante, cabeçudo,ilustree ridículopaidosocialismoedacooperação–eramestranhasepeculiares.Oduque falouemvisitarasfábricasemNewLanark;echegou,defato,apresidirumdossemináriosdeOwen;osdoissecorresponderamemtermosconfidenciais,eoduquechegoumesmo(assimnosasseguraOwen)avoltar,depois de suamorte, da “esfera dos espíritos”, para estimular as ações deOwen na Terra. “De umaformaespecial”,dizOwen,

tenhoquecitarapreocupaçãoaflitadoespíritodeSuaAltezaReal,ofalecidoduquedeKent(que,aliás, me informou não existirem títulos nas esferas espirituais nas quais ele ingressou), debeneficiar,nãoumaclasse,umaseita,umpartidoouqualquerpaísemparticular,masoconjuntodaraçahumana,emtodaaparte,nofuturo.

“Todaasuacondutaespiritualcomigofoicorretíssima”,acrescentaOwen.“Elemarcavaseuspróprioscompromissosenunca,emmomentoalgum,seuespíritodeixoudeserpontualemumminutosequeraoque ele tinha previamente determinado.” Mas Owen tinha um temperamento sanguíneo. Ele também

contava,entreosseusprosélitos,comopresidenteJefferson,opríncipeMetternicheNapoleão;deformaquealgumaincertezadevepersistiremrelaçãoàsopiniõesdoduquedeKent.Masnãoresta incertezaalguma sobre outra circunstância: Sua Alteza Real tomou emprestadas de Robert Owen, em diversasocasiões, varias importâncias em dinheiro, que nunca foram pagas, e que juntas chegavam a váriascentenasdelibras.13DepoisdamortedaprincesaCharlotte,eraevidentemente importante,pormaisdeumarazão,queo

duquedeKentsecasasse.Dopontodevistadointeressedanação,afaltadeherdeirosnafamíliarealparecia tornar esse passo quase obrigatório; também é provável que o casamento fosse altamenteconvenientedopontodevistapessoaldoduque.Ocasamentocomoumdeverpúblico,paraobemdasucessãoreal,certamentemereceriaoreconhecimentoeagratidãoporpartedanação.QuandooduquedeYorksecasou,ficouestabelecidoqueeleteriaumarendade25millibrasporano.PorqueoduquedeKentnãodeveriaesperarumtratamentosemelhante?Masasituaçãonãoeratãosimples.TambémsedevialevaremconsideraçãooduquedeClarence;esteeraoirmãomaisvelhoe,seelesecasasse,certamentereivindicariaaprimaziadosdireitos.Poroutrolado,seoduquedeKentsecasasse,eraimportantelembrarqueeleestariafazendoumsacrifíciosério;umadamaestavaenvolvidanocaso.Oduque,refletindocomcuidadosobretodasessasquestões,visitouBruxelas,cercadeummêsapósa

mortedesuasobrinha,esoubequeoSr.Creeveyestavanacidade.OSr.CreeveyeraumamigoíntimodosdirigentesdoPartidoWhigeumfofoqueiro inveterado;ocorreuaoduquequedificilmentehaveriaumcanalmelhor para ele comunicar seuspontos devista sobre a situação aos seus círculos político-domésticos.Aparentemente,nãolheocorreuqueoSr.Creeveyeramaliciosoepoderiamanterumdiário.Foientãoprocurá-lo,comumpretextotrivial,eseguiu-seumaconversanotável.Depoisdesereferiràmortedaprincesa,àimprobabilidadedeoregenterequererodivórcio,àausênciadefilhosdoduquedeYorkeàpossibilidadedeoduquedeClarencesecasar,oduqueavaliouasuaprópriaposição.“SeoduquedeClarencenãosecasar”,disseele,

opríncipeseguintenasucessãosereieue,emborasesaibaqueestareisempreprontoaatenderaqualquerchamadoquemeupaíspossafazer,sóDeussabequesacrifíciomeseránecessáriosempreque eu penso serminha obrigaçãome tornar um homem casado. Já faz 27 anos quemadame St.Laurent e eu estamos juntos: temos amesma idade, juntos vivemos em todos os climas e juntosatravessamostodasasdificuldades;vocêbempodeimaginar,Sr.Creevey,adorquemeprovocaráumarupturacomela.Pensenosseusprópriossentimentos–nahipótesedequalquerseparaçãoentrevocêeaSra.Creevey...QuantoamadameSt.Laurent,afirmonãosaberoqueseráfeitodelaseumcasamentome for imposto; o transtorno provocado por qualquer alusão ao assunto já é bastanteangustiante.

O duque passou então a descrever como, numamanhã, um ou dois dias depois damorte da princesaCharlotte,oMorningChroniclepublicouumparágrafoaludindoàpossibilidadedeseucasamento.Elerecebeuojornalduranteocafédamanhã,juntocomasuacorrespondência:

Eufizoquecostumavafazer, istoé,passeiojornalporsobreamesaparamadameSt.Laurent,ecomecei a abrir e a lerminhas cartas.Minutos depois, um ruído extraordinário chamou aminhaatenção, e a garganta de madame St. Laurent apresentava ummovimento convulsivo. Por algunsmomentos fiquei seriamente apreensivoem relaçãoà sua saúde; equando, após ela se recuperar,perguntei-lhesobreacausadoataque,elameapontouoartigonoMorningChronicle.

OduqueentãoretornouaotemadoduquedeClarence.

Meuirmão,oduquedeClarence,éoirmãomaisvelhoecertamentetemodireitodesecasar,sequiserfazê-lo,eeunãointerferirianissodeformaalguma.Seelequiserserrei–sercasadoeterfilhos, pobrehomem!–queDeuso ajude, eque ele fique àvontade.Quanto amim–eu souumhomemsemambiçãoesódesejopermanecercomoestou.(...)APáscoa,vocêsabe,serámuitocedoesteano–nodia22demarço.SeoduquedeClarencenão tomarnenhumaatitudeatéessadata,preciso encontrar algum pretexto para convencer madame St. Laurent a se resignar com minhapartidaparaLondres,aindaqueporumbreveperíodo.Umavezlá,seráfácilparamimconsultarmeusamigossobreospassosadequadosaseremdados.SeoduquedeClarencenãofizernadaparasecasaratéessadata,semdúvidapassaráasermeudever tomareumesmoalgumasmedidasemrelaçãoaisso.

Doisnomes,disseoduque,tinhamsidomencionadoscomreferênciaàquelahipótese–odaprincesadeBadeneodaprincesadeSaxe-Coburg.Aúltima,elepensou,seriatalvezamelhordasduas,devidoaofatodeopríncipeLeopoldsertãopopularnanação;masantesquequalqueroutropassofossedado,eleesperavaedesejavaquefossefeitajustiçaamadameSt.Laurent.“Elaé”,explicouoduque,

demuitoboafamília,enuncafoiumaatriz;eusouoprimeiroeúnicohomemqueviveucomela.Oseudesprendimentosóécomparávelàsuafidelidade.Quandoelaveioatémimnasprimeirasvezes,issomecustava100librasporano.Ovalorfoimaistardecorrigidopara400libras,eemseguidaparamillibras;mas,quandoasminhasdívidastornaramnecessárioqueeusacrificasseboapartedeminharenda,madameSt.Laurentinsistiuemretornaràsuarendade400librasporano.SemadameSt.Laurentprecisarvoltaraviverentreseusamigos,temquesernumestadodeindependênciaquegarantaqueelasejarespeitada.Nãoexigireimuito,masumdeterminadonúmerodecriadoseumacarruagemsãoessenciais.

Quantoàsuaprópriarenda,oduqueobservouqueconsiderariaocasamentododuquedeYorkcomoumprecedente.“Aquele”,disseele,

foiumcasamentoparaasucessão,ecombaseexclusivamentenissofoiestabelecidoumdotede25mil libras, além de toda a renda adicional. Ficarei satisfeito com o mesmo arranjo, sem fazerquaisqueroutrasexigênciasalémdacorreçãodovalordodinheirode1792atéopresente.

“Quantoaopagamentodeminhasdívidas”,oduqueconcluía,“eunãoasconsiderograndes.Anação,aocontrário,éumagrandedevedoraminha.”Aquiumrelógiobadalou,parecendolembraraoduquequeeletinhaumcompromisso;eleselevantou,eoSr.Creeveyodeixou.Quempoderiamanteremsegredoumadeclaraçãocomoessa?CertamentenãooSr.Creevey.Elese

apressouacontartudoaoduquedeWellington,quesedivertiumuito,eescreveuumlongorelatosobreaconversaalordeSefton,queconsiderouacarta“muitooportuna”,enquantoumcirurgiãoauscultavasuavesículaparaaveriguarseelatinhapedras.“Nuncaviumhomemficartãosurpresoquantoele”,escreveu

lordeSeftonemsuaresposta,

aomever cair na risada assimque o exame terminou.Nada poderia sermais interessante que aingenuidadedorealEdward.Nãosesabeoqueeramaisdignodeadmiração–seéadelicadezadeseucompromissocommadameSt.Laurent, seéo refinamentodeseussentimentosemrelaçãoaoduquedeClarenceouseéoseuprópriodesprendimentoemrelaçãoaquestõespecuniárias.14

O que aconteceu foi que os dois irmãos decidiram se casar. O duque de Kent – tendo escolhido aprincesadeSaxe-Coburg,preferindo-aàprincesadeBaden–casou-senodia29demaiode1818.Nodia11dejunho,oduquedeClarenceseguiuoexemplo,comumafilhadoduquedeSaxe-Meiningen.Maselesficaramdesapontadosemsuasexpectativasfinanceiras;pois,emboraoGovernotenhaapresentadopropostasparaaumentarosseusrendimentosanuais,bemcomoosdoduquedeCumberland,asmoçõesforam derrotadas naCâmara dosComuns. Isso não surpreendeu o duque deWellington. “PorDeus!”,disseele,

hámuitacoisaaserditasobreisso.Elessãoosfardosmaisdetestáveisnopescoçodeumgovernoqueépossívelimaginar.Elesinsultaram–insultarampessoalmente–doisterçosdoscavalheirosdaInglaterra;comopodecausarsurpresaqueestescavalheirosrealizemagorasuavingançanaCâmaradosComuns?Estaéaúnicaoportunidadequeelestêm,e,porDeus!,euachoqueestãocertosemusá-la.15

Nofimdascontas,porém,oParlamentoaprovouqueaanuidadedoduquedeKentfossefixadaem6millibras.AhistóriasubsequentedemadameSt.Laurentnãoéconhecida.

IV

AnovaduquesadeKent,VictoriaMaryLouisa,erafilhadeFrancis,duquedeSaxe-Coburg-Saalfeld,eirmãdopríncipeLeopold.Afamíliaeraantiga,sendoumaramificaçãodagrandeCasadeWettin,quegovernavadesdeoséculoXIafronteiradoMaissen,noElba.NoséculoXV,atotalidadedaspossesdaCasafoidivididaentreosramosAlbertinoeErnestino:doprimeirodescenderamoseleitoresereisdaSaxônia; o último, governando a Turíngia, se subdividiu em cinco ramos, entre os quais o ducado deSaxe-Coburg. Este principado era muito pequeno, com cerca de 60 mil habitantes, mas gozava deindependência e soberania.Durante os conturbados anos que se seguiram àRevoluçãoFrancesa, seusnegóciossetornaramterrivelmentecomplicados.Oduqueeraextravaganteemantinhaasportasabertasparaosenxamesderefugiadosquemigravamparaoleste,atravésdaAlemanha,àmedidaqueopoderiofrancêsavançava.EntreestesestavaopríncipedeLeiningen,umboêmio já idoso,cujosdomíniosemMoselle foram confiscados pelos franceses, mas que recebeu, como compensação, o território deAmorbach,naBaixaFrancônia.Em1803,elesecasoucomaprincesaVictoria,entãocom17anosdeidade.Trêsanosdepois,oduqueFrancismorreuarruinado.Ovendavalnapoleônico tinhaatravessadofuriosamenteSaxe-Coburg.Oducadofoicapturadopelosfranceses,eafamíliadoduqueficoureduzidaàindigência, quase à fome.Aomesmo tempo, o pequeno principado deAmorbach era devastado pelos

exércitos francês, russoeaustríaco,quemarchavamsobreeleem todasasdireções.Duranteanosnãoexistiusequerumavacanocampo,nempastosuficienteparaalimentarumbandodegansos.Taleraadesesperada situação da família que, uma geração mais tarde, conquistaria uma posição segura emmetade das Casas que reinavam na Europa. O vendaval napoleônico de fato fez o seu trabalho; assementes estavam plantadas, e a colheita surpreenderia o próprio Napoleão. O príncipe Leopold,entregueaosseusprópriosrecursosaos15anos,conseguiuconstruirumacarreiraeacabousecasandocomaherdeiradacoroadaInglaterra.AprincesadeLeiningen,lutandoemAmorbachcontraapobreza,asexigênciasmilitareseummaridofútil,desenvolveuumaindependênciadecarátereumatenacidadedepropósitosquesemostrariamúteisemdiferentescircunstâncias.Em1814,seumaridomorreu,deixando-a com duas crianças e a regência do principado.Depois do casamento de seu irmão com a princesaCharlotte,foipropostoqueelasecasassecomoduquedeKent;maseladeclinou,comajustificativadeque a tutela de seus filhos e a administração de seus domínios tornavam indesejáveis novos laços.Amorte da princesa Charlotte, contudo, alterou a situação; e quando o duque de Kent renovou a suaproposta, ela aceitou.Ela tinha 32 anos – era baixa, robusta, comolhos e cabelos castanhos e a facerosada;eraalegreevolúvel,eestavasempreesplendidamentevestidaemsedasfarfalhanteseveludosbrilhantes.16CertamentefoiumasortequeVictoriaMaryLouisativesseumtemperamentotãoobstinado;poisela

estavadestinada,durante todaasuavida,a terquesuportarmuitacoisa.Seusegundocasamento,comsuasperspectivasambíguas,inicialmentepareceuserbasicamenteumafonteexclusivadedificuldadeseproblemas.Oduque,declarandoseraindamuitopobreparapodervivernaInglaterra,movia-sedeumladoparaooutro,cominquietanteansiedade,atravésdaBélgicaedaAlemanha,assistindoaparadaseinspecionandobarracas,usandoumelegantechapéumilitar,enquantoosnotáveisinglesesoolhavamdeesguelha,eoduquedeWellingtonoapelidavade“Cabo”.“Malditoseja!”,eleexclamouaoSr.Creevey.“Vocêsabedequeasirmãsochamam?PorDeus!ElasochamamdeJosephSurface[Superficial]!”EmValenciennes, onde se realizariam uma inspeção e um banquete, a duquesa chegou com uma dama decompanhia feiaevelha,eoduquedeWellingtonseviuàsvoltascomumadificuldade.“Quemdiabosdeve acompanhar a dama de companhia?”, ele não parava de perguntar; finalmente, encontrou umasolução. “Maldição, Freemantle, ache o prefeito e encarregue-o do assunto.” Assim o prefeito deValenciennes foi trazido com aquele propósito, e – segundo nos informa o Sr. Creevey – “que figuracapitalele foi”.Poucosdiasdepois,emBruxelas,opróprioSr.Creevey teveumaexperiência infeliz.Uma escolamilitar seria inspecionada – antes do café damanhã. A companhia foi reunida; tudo eraaltamentesatisfatório;masoduquedeKentprolongava tantoa inspeçãodecadadetalhe, fazendoumapergunta meticulosa atrás da outra, que o Sr. Creevey por fim não conseguiu mais suportar aquilo,sussurrandoaoseuvizinhoqueeleestavacomumafomedanada.OduquedeWellingtonoouviu,eficouencantado.“Eulherecomendo”,disseele,“semprequevocêfizeralgocomafamíliarealpelamanhã,particularmentecomoCabo,atomaroseucafédamanhãprimeiro.”Eleesuaequipetinhamtomadoestaprecaução,eograndehomemcontinuouasedivertirenquantoocaudalosointerrogatóriorealprosseguia,apontando de tempos em tempos para o Sr. Creevey e dizendo: “Voilà le monsieur qui n’a pasdéjeuné!”17QuandofinalmenteseestabeleceuemAmorbach,oduquesentiuotempolhepesarpenosamentesobre

osombros.Apropriedadeerapequena,opaísestavaempobrecido;atémesmoafabricaçãoderelógiosacabousetornandotediosa.Eleentãoselembrou–pois,apesardesuadevoção,oduquenãodeixavadeterumveiadesuperstição–daprofeciafeitaporumaciganaemGibraltar,quelhedisseraquesuavidaseriamarcadapormuitasperdasecruzes,masqueelemorreriafeliz,equeasuaúnicafilhaseriaumagrande rainha.Logo se tornou claro que uma criança estava sendo esperada: o duque decidiu que elanascerianaInglaterra.Faltavamfundosparaaviagem,massuadeterminaçãoerainsuperável.“Venhaoquevier”,eledeclarou,“estacriançaprecisaseringlesa.”Umacarruagemfoialugada,eopróprioduque

a conduziu.Dentro dela estavam a duquesa, sua filha Feodora, uma garota de 14 anos, as criadas, asenfermeiras,oscãezinhosdeestimaçãoeoscanários.Elespartiram–atravésdaAlemanha,atravésdaFrança: estradas ruins, estalagens baratas não eramnadapara o rigorosoduque e a serena e opulentaduquesa.OCanalfoiatravessado,ealcançaramLondresemsegurança.AsautoridadesprovidenciaramumconjuntodequartosnopaláciodeKensington;elá,nodia24demaiode1819,nasceuumacriançadosexofeminino.18

2Infância

I

Acriançaque,naquelascircunstânciasnãomuitoimpressionantes,veioaomundo,sórecebeuescassaatenção.Haviapoucasrazõesparasepreveroseufuturo.Doismesesantes,aduquesadeClarencetinhadadoàluzumafilha;defato,estacriançatinhamorridoquaseimediatamenteapósoparto;maspareciaaltamenteprovávelqueaduquesavoltariaasermãe;efoioqueaconteceu.Alémdisso,aduquesadeKenterajovem,eoduque,forte;erabastanteprovávelqueempoucotempoumirmãoviesseaomundo,arrebatandodapequenaprincesaasuareduzidachancenasucessão.Oduque,entretanto,viaascoisasdeoutramaneira:haviaaquelasprofecias...Dequalquermodo,ele

batizariaacriançadeElizabeth,umnomedebomaugúrio.Nesteponto,porém,seuscálculosignoraramoregente,que,vendonocasoumaoportunidadedeirritarseuirmão,anunciouinesperadamentequeiriaempessoaaobatismo,sugerindoaomesmo tempoqueumdospadrinhos fosseo imperadorAlexandredaRússia. Assim, quando aconteceu a cerimônia, o arcebispo de Canterbury perguntou com que nomedeveriabatizaracriança,eoRegenterespondeu:“Alexandrina.”Nestemomentooduqueousousugerirqueoutronomepoderiaseracrescentado.“Certamente”,disseoregente;“Georgina?”“OuElizabeth?”,disseoduque.Houveumapausa,duranteaqualoarcebispo,comobebêrepousandoemsuasmangasdelinho, olhou comcerto desconforto de umpríncipe para o outro. “Então,muito bem”, disse por fimoregente,“dêaelaonomedamãe.MasAlexandrinadevevirnafrente.”Assim,paradesgostodeseupai,acriançafoibatizadadeAlexandrinaVitória.19Odesgostododuquetinhaoutrasrazões.OmagrodoteaprovadopelaCâmaradosComunsnãotinha

resolvidodeformaalgumasuasdificuldadesfinanceiras.Elereceavaqueseusserviçosnãoestivessemsendo reconhecidospelanação.E suasdívidascontinuavamacrescer.Durantemuitosanos, eleviveucom7millibrasanuais;mas,agora,assuasdespesastinhamduplicado;elenãopodiamaisfazercortes

noorçamento;nãohaviaumsócriadoemsuacasaqueficasseociosoporumminutosequer,damanhãatéanoite.EledespejousuasmágoasnumalongacartaaRobertOwen,cujasimpatiaporeletinhaograndeméritodeserpragmática.“Euagoradeclarofrancamente”,escreveuele,

que, após analisar o assunto de todas as formas possíveis, cheguei à conclusão de que, paracontinuaravivernaInglaterra,mesmonoestilosóbrioemqueestamosvivendo,semesplendor,esemostentação,nadainferioraodobrode7millibrasserásuficiente;equalquercorteadicionalserásimplesmenteimpossível.

Estavaficandoclaroqueoduqueseriaobrigadoavenderasuacasa,por51.300libras;semesmoesterecursofalhasse,elepartiriaparavivernocontinente.

Seosmeusserviçossãoúteisaomeupaís,decorrecertamentedaíqueaquelesquetêmopoderdemeapoiardevematenderasminhasjustasreivindicações,levandoemcontaasenormesprivaçõeseperdasquejáexperimentei,nomeulonguíssimoperíododeserviçoprofissionalnascolônias;eseissonãoforpossível,seráparamimumaprovaclaradequemeusserviçosnãoforamapreciados;e, diantedisso,nãohesitarei em,no tempodevido,me isolarno exterior, pois aduquesa e eu jácumprimosonossodever,determinandoqueminhafilhativesseumnascimentoinglês,edandoaelaa nutrição maternal do solo da Velha Inglaterra; o que certamente voltaremos a fazer, se aProvidêncianosdestinaraaumentarmaisumaveznossafamília.20

Aomesmo tempo, o duque decidiu passar o inverno emSidmouth, “para que a duquesa”, disse ele aOwen, “possa gozar do benefício de um tépido banho de mar, e a nossa infanta possa respirar o armarinhodabelacostadeDevonshire,duranteessesmesesdoanoquesãotãoirritantesemLondres.”21Emdezembro,opasso foidado.Noano-novo,oduque lembrou-sedeoutraprofecia.Umacartomantedisseraaelequeem1820morreriamdoismembrosdafamíliareal.Quemseriam?Eleespeculoucomváriaspossibilidades.Orei,eraevidente,nãoviveriamuitomaistempo;eaduquesadeYorksofriadeumadoençafatal.ProvavelmenteseriamoreieaduquesadeYork;outalvezoreieoduquedeYork;ouo rei e o regente. Quanto a ele próprio, era um dos homens mais saudáveis da Inglaterra.22 “Meusirmãos”, declarou ele, “não são tão fortes quanto eu; eu tive uma vida regrada. Naturalmente,sobrevivereiatodoseles.Acoroaacabarávindoparamimeparameusfilhos.”23Poucotempodepois,elesaiuparacaminhareficoucomospésmolhados.Aochegaremcasa,cometeuanegligênciadenãotrocarasmeiaseossapatos.Eleficougripado,teveumainflamaçãonospulmõese,nodia22dejaneiro,jáeraumhomemagonizante.Porumacasocurioso,oDr.Stockmarestavahospedadonasuacasanaquelemomento; dois anos antes, ele estivera ao lado do leito de morte da princesa Charlotte; e agora eletestemunhava a agonia do duque de Kent. A conselho de Stockmar, preparou-se apressadamente umtestamento.Asposses terrenasdoduqueeramdenaturezanegativa;masera importantequea tuteladainadvertida criança, cuja sorte começava a mudar tão estranhamente, fosse assegurada à duquesa. Oduquemal foi capazdecompreenderodocumento, edeacrescentar a suaassinatura a ele.Depoisdeperguntar se a sua letra estava clara, ele perdeu a consciência, dando seu último suspiro na manhãseguinte.24 Seis dias depois, realizou-se a segunda metade da profecia da cigana. A longa, infeliz einglóriavidadeGeorgeIIIdaInglaterratinhaterminado.

II

Tamanha era a confusão dos negócios em Sidmouth, que a duquesa se viu semmeios de regressar aLondres.OpríncipeLeopoldseapressouairbuscá-laeconduziupessoalmenteairmãesuafamília,emlentasesofridasjornadas,atéKensington.Adamaenviuvada,emseusvolumosostrajespretos,precisoudetodaasuaequanimidadeparasuportá-la.Suasperspectivaserammaisduvidosasdoquenunca.Elatinhaumarendade6millibrasanuais,masasdívidasdeseumaridoavultavamdiantedelacomoumamontanha.LogoelasoubequeaduquesadeClarenceestavamaisumavezesperandoumacriança.OquelherestavaesperardeLondres?Porqueeladeveriapermanecernumpaísestrangeiro,entreestrangeiros,cujalínguaelanãopodiafalar,cujoscostumeselanãopodiaentender?SeguramenteseriamelhorvoltaraAmorbach,onde,nomeiodeseupovo,educariasuasfilhasnumasituaçãoeconômicaemodesta.Masaduquesa era uma otimista inveterada; passara a vida toda lutando, e não seria agora que ela iriadesanimar.Alémdisso,elaadoravaoseubebê.“C’estmonbonheur,mesdélices,monexistence”,éaminhafelicidade,minhaalegria,minhavida,afirmava.Afilhaadoradaseriacriadacomoumaprincesainglesa, fosse qual fosse a sorte que a aguardava. Mas o príncipe Leopold apresentou-se cheio denobreza, com uma oferta de 3mil libras adicionais por ano; e a duquesa pôde assim permanecer emKensington.25Acriançaeraextremamentegorducha,eexibiaumasemelhançanotávelcomseuavô.“C’est l’image

du feu Roi”, exclamava a duquesa. “C’est le Roi Georges en jupons”, parece o rei com anáguas,ecoavamasdamasdehonraà suavolta,enquantoapequenacriaturaengatinhavacomdificuldadedosbraçosdeumaparaosdeoutra.26Empoucotempo,omundocomeçouaseinteressar,aprincípiomoderadamente,poraquelequartode

criançaemKensington.Quando,noiníciode1821,asegundafilhadaduquesadeClarence,aprincesaElizabeth,morreu trêsmeses após o nascimento, o interesse cresceu aindamais. Forças poderosas eantagonismosferozespareciamestarsemovendoobscuramenteemtornodoberçoreal.Eraumtempodefacções e ódios arraigados, de repressão violenta e descontentamento profundo. Um movimentopoderoso,queduranteumlongotempotinhasidorefreadoporcircunstânciasadversas,voltavaagoraase espalhar por todo o país. Novas paixões e novos desejos emergiam; oumelhor, velhas paixões evelhosdesejos,reencarnadoscomumanovapotência:amoràliberdade,ódiodainjustiça,esperançanofuturodohomem.Ospoderososaindasesentavamorgulhosamenteemseustronos,exercendosuaantigatirania;masumatempestadeestavanascendodaescuridão,ejáhaviarelâmpagosnocéu.Masasforçasmais intensasprecisamoperaratravésde frágeissereshumanos;e,duranteváriosanos,pareceuqueagrandecausadoliberalismoinglêsdependiadavidadapequenameninaemKensington.Apenaselaseinterpunhaentreopaíseoseuterríveltio,oduquedeCumberland,apersonificaçãohediondadareação.Inevitavelmente,aduquesadeKentapostousuasfichasnopartidodomarido;líderesdoPartidoWhig,agitadores radicais se agrupavamem tornodela.Ela era íntimadocorajoso lordeDurhamemantinharelações amigáveis com o próprio O’Connell, um verdadeiro baluarte. A duquesa também recebiaWilberforce – embora, por precaução, não o convidasse a se sentar.27 Ela declarou em público quedepositavasuaféna“liberdadedopovo”.28Eracertoqueajovemprincesaseriaeducadaparaseguirocaminho devido. Mas o duque de Cumberland espreitava, sinistro, por trás do trono. Brougham,aguardando ansiosamente o futuro, insinuava, com seu jeito indecoroso, possibilidades pavorosas.“Nunca antes rezei tão intensamente por uma princesa”, ele escreveu, ao saber queGeorge IV estavadoente.

Seelesefosse,todososproblemasdessesvilões[osministrostóri]partiriamcomele,eelesteriam

emFred. I [oduquedeYork]oseuhomempor todaavida (...)Ele (Fred. I) tambémnãoviverámuito.AquelepríncipedeBlackguards,‘irmãoWilliam’,étãoruimquefarápartedocursonaturaldas coisas que ele seja assassinado pelo rei Ernesto I ou pelo regente Ernesto [o duque deCumberland].29

Tais pensamentos não eram peculiares a Brougham; no estado fervilhante em que se encontrava osentimento público, eles frequentemente vinham à superfície; e, mesmo apenas um ano antes de suaascensãoaotrono,osjornaisradicaisestavamrepletosdeinsinuaçõesdequeaprincesaVitóriaestavaemperigoporcausadasmaquinaçõesdeseuperversotio.30Masnenhumecodessesconflitos epresságiosatingiuapequenaDrina–assimela era chamadano

círculofamiliar–,eelacontinuavaabrincarcomsuasbonecas,ouacorrerpeloscorredores,ouamontarnoasnoqueseutioYork lhe tinha presenteado,31 ao longo das avenidas deKensingtonGardens.Amenina loura e deolhos azuis era idolatrada por suas criadas, pelas damas de companhia de sua mãe e por sua irmãFeodora; e durante alguns anos existiu o perigo, apesar da severidade de sua mãe, de ela se tornarexcessivamentemimada.Detemposemtemposelatinhaacessosviolentos,batiaseupezinhoedesafiavatodosàsuavolta;oquequerquedissessem.Nãoqueriaaprenderaler–não,elanãoqueria;maistarde,elaficoumuitotriste,eexplodiuemlágrimas;masoabecedáriocontinuouaseraprendido.Aos5anos,contudo, ocorreu umamudança, com a aparição de fräulein Lehzen. Esta dama, que era filha de umclérigo de Hanover, e que anteriormente tinha sido governanta da princesa Feodora, logo foi bem-sucedida em inculcar um novo espírito namenina. Inicialmente, de fato, ela ficou estarrecida com osviolentosacessosdatemperamentalprincesinha;nuncanavida,eladeclarou,tinhavistoumacriançatãocativanteetravessa.Entãonotoualgomais;acriançaeraextraordinariamentesincera;fossequalfosseocastigo,elanuncadiziaumamentira.32 Firme,muito firme, a novagovernanta sabiaporémque toda afirmezadomundoseriainútil,amenosqueelapudesseencontrarocaminhoparaocoraçãodeDrina.Elaofez,enãohouvemaisdificuldades.Drinaaprendeualercomoumanjo,aprendendoigualmenteoutrascoisas.AbaronesadeSpäthaensinouafazerpequenascaixasdepapelãoeadecorá-lascomouropéiseflores pintadas;33 suamãe, por sua vez, lhe ensinava religião. Sentada num banco da igreja todos osdomingosdemanhã,ameninade6anospodiaservistaouvindocomatençãodissimuladaointerminávelsermãodoclérigo,sobreoqualelaseriaarguidaàtarde.34Aduquesaestavadeterminadaaprepararsuafilha,desdeamaistenraidade,paraaaltaposiçãoquepoderiaocupar,deformaquesuacondutafosseamais respeitável possível; a sua bondosa, simples e parcimoniosa mentalidade alemã recuavahorrorizada e surpresa diante dos banquetes vergonhosos de CarltonHouse; jamais seria permitido aDrinaesquecerporuminstantesequerasvirtudesdasimplicidade,daordem,dodecoroedadevoção.Amenina,porém,nãoprecisavamuitodessaslições,jáqueeranaturalmenteordeiraesimples,eradevotasem dificuldade, e seu senso de decoro era acentuado. Ela entendia muito bem as sutilezas de suaposição. Quando uma menina de 6 anos, lady Jane Ellice, foi levada por sua avó ao palácio deKensington,puseram-naparabrincarcomaprincesaVitória,quetinhaamesmaidade.Ajovemvisitante,ignoranteemmatériadeetiqueta,começouatomarliberdadescomosbrinquedosespalhadospelochão,de uma forma um pouco familiar demais; “Você não deve tocá-los”, ela foi rapidamente repreendida.“Essesbrinquedossãomeus;eeupossochamá-ladeJane,masvocênãodevemechamardeVitória”.35AcompanheiramaisassíduadaprincesaeraVictoire,filhadeSirJohnConroy,mordomodaduquesa.Asduas meninas gostavam muito uma da outra e costumavam andar de mãos dadas nos jardins deKensington.MasapequenaDrinaestavaperfeitamentecientedequaldasduaseraacompanhada,aumadistânciarespeitável,porumgigantescolacaiovestidodeescarlate.36

Debomcoração e compreensiva, ela amava sua queridaLehzen e amava suaqueridaFeodora, suaqueridaVictoireesuaqueridamadamedeSpäth.Esuaqueridamamãe...éclaro,elatambémaamava;eraseudever;emesmoassim–elanãosaberiadizerporque–sempreficavamaisfelizquandoestavanacompanhiado tioLeopold,emClaremont.Lá,avelhaSra.Louis,queanosantesservirasuaprimaCharlotte, mimava-a até onde era possível a seu coração; e seu próprio tio era maravilhosamentegenerosocomela,falando-lhesemprecarinhosaeseriamente,quasecomoseelafosseumaadulta.ElaeFeodora invariavelmente choravamquando a visita,muito breve, chegava ao fim, e eramobrigadas aregressaràmonotoniasubmissaeàsupervisãoafetuosaemKensington.Mas,àsvezes,quandosuamãetinhaqueficaremcasa,erapermitidoqueelapasseasseparapassearsozinhacomsuaqueridaFeodoraesuaqueridaLehzen,eelapodiafalaresevestirdaformaquequisesse,oqueeramuitoprazeroso.37AsvisitasaClaremonterambastantefrequentes;masumdia,numaocasiãoespecial,Vitóriafezuma

visita de um tipomais raro e excitante.Ela, suamãe e a irmã foram convidadas pelo rei a visitaremWindsor.George IV, que tinha transferido sua doentia rabugice para a cunhada e sua família, pareciafinalmente estar cansado de se aborrecer e decidiu ser agradável.O velho pelintra, com uma enormeperucasofrendodegota,masassimmesmotodoparamentado,comsuaamantecheiadejoiasaseuladoeostentando a sua corte ao redor de si –, recebeu a pequena criatura que estava destinada a dominarnaquelesmesmossalõesumEstadomuitodiferente.“Dê-measuamãozinha”,disseele,eduaserassetocaram.Namanhãseguinte,passeandoemsuacarruagemcomaduquesadeGloucester,eleencontrouaduquesadeKentesuafilhanoparque.“Faça-asubir”,foisuaordem,que,paraoprazerdameninaeoterrordesuamãe,foiimediatamenteobedecida.EntãoelescorreramatéVirginiaWater,ondehaviaumagrande barcaça, cheia de lordes e damas pescando, e outra barcaça comumabanda demúsica.O reilançou um olhar amoroso para Feodora, elogiando seusmodos, voltando-se então para a sua própriasobrinha. “Qual é a suamelodiapreferida?Abanda tocaráparavocê.” “Deus salveo rei,Sir”, foi arespostaimediata.Arespostadaprincesafoiexaltadacomoumexemploprecocedeumafinuraeumtatoquemaistardeseriamfamosos.Maselaeraumacriançamuitosincera,etalvezaquelafossemesmoasuaopiniãogenuína.38

III

Em1827,oduquedeYork,quetinhaencontradoalgumconsoloparaaperdadesuaesposanasimpatiadaduquesadeRutland,morreu,deixandoatrásdesiaimensaeinacabadaSttaffordHouseedívidasnovalorde200millibras.TrêsanosdepoisGeorgeIVtambémdesapareceu,eoduquedeClarencereinouem seu lugar.Anova rainha, agora estava claro, provavelmente jamais voltaria a sermãe; a princesaVitória,portanto,foireconhecidapeloParlamentocomoherdeirapresumida;eaduquesadeKent,cujaanuidadetinhasidodobradacincoanosantes,agorapassavaareceber10mil librasadicionaisparaacriaçãodaprincesa–efoiindicadaregente,nocasodamortedoreiantesdamaioridadedesuafilha.Aomesmotempo,umagrandeconvulsãoatingiuaprópriaConstituiçãodoEstado.OpoderdoPartidoTóri,que dominavam a Inglaterra havia mais de quarenta anos, subitamente começou a desmoronar. Natremendalutaqueseseguiu,pareceuporummomentoqueumatradiçãodegeraçõespodiaserquebrada,queatenacidadecegadosreacionárioseadeterminaçãofuriosadeseusinimigossópoderiatercomoresultadoarevolução.Masasforçasdaconciliaçãotriunfaram:aLeidaReformafoiaprovada.OcentrodegravidadedaConstituiçãosedeslocouemdireçãoàsclassesmédias;oPartidoWhigsubiuaopoder;e a composição do governo ganhou uma tonalidade liberal. Um dos resultados deste novo estado decoisasfoiumamudançanaposiçãodaduquesadeKentesuafilha.Deprotégéesdeumapanelinhadaoposição,elaspassaramaserocentrodasatençõesdamaioriaoficialdanação.AprincesaVitóriaseria,

daliemdiante,osímbolovivodavitóriadasclassesmédias.OduquedeCumberland,poroutrolado,sofreuumeclipseequivalente:suasasasforamcortadaspela

Lei da Reforma. Ele se tornou insignificante e quase inofensivo, embora sua feiura permanecesse amesma;Cumberlandaindaeraotiomalvado–masapenasdeumahistóriajápassada.O liberalismo da própria duquesa não eramuito profundo.Ela seguia, naturalmente, as pegadas do

marido, repetindocomconvicçãoos lemasdossábiosamigosdeleeoscomentáriosgeneralizantesdeseuirmãoLeopold,igualmentesábio.Elamesmanãotinhapretensõesàsabedoria;elanãoentendiamuitobemaLeidaPobreza,ocomérciodeescravoseaeconomiapolítica;masesperavacumpriroseudever;eesperava–esperavaardentemente–queVitóriafizesseomesmo.SuasconcepçõeseducacionaiseramasdoDr.Arnold,cujasopiniõesapenascomeçavamaseraceitasnasociedade.OobjetivodoDr.Arnoldera,primeiraeprincipalmente,transformarosseuspupilosemcavalheiroscristãos,nomaiselevadoeverdadeiro sentido da expressão; os refinamentos intelectuais vinham depois. A duquesa estavaconvencidadequeoseusupremodevernavidaeraassegurarquesuafilhasetornariaumarainhacristã.Ela dedicou todas as suas energias a essa tarefa; e, à medida que a criança crescia, a duquesa seorgulhavadeconstatarqueseusesforçostinhamsidobem-sucedidos.Quandoaprincesatinha11anos,ela quis que os bispos de Londres e Lincoln submetessem amenina a uma avaliação e relatassem oprogressoalcançado.“Eusintoqueéchegadaahora”,aduquesaexplicava,numacartaobviamentedoprópriopunho,

depôràprovaoquefoifeitoatéaqui,poissealgofoifeitonumerrodejulgamento,aindapoderásercorrigido,eacreditoqueosplanosparaofuturodevemestarabertosaconsideraçõeserevisões(...).Acompanhopessoalmentequasetodasaslições,oupartedelas;ecomoadamaqueatendeaprincesaéumapessoacompetente,queaajudaaprepararassuasliçõesparaosdiferentesmestres,decidiagirdamesmamaneira,deformaametornareumesmaasuagovernanta(...).Aoatingiraidadeapropriada,elacomeçouafrequentarregularmenteosofíciosreligiosos,aomeulado,esintoprofundamentequeelatemaReligiãoemseucoração,queosofíciosdamissalheproduzemumaprofundaimpressãomoral,equeelaémenosvulnerávelaoerronaaplicaçãodessasliçõesaosseusprópriossentimentosporsetratardeumacriançacapazdereflexão.

“Amaiorcaracterísticadesuapersonalidade”,acrescentavaaduquesa,

éaforçadointelecto,capazdeassimilarinformaçõesfacilmente,ecomumapredisposiçãosingularatomardecisõesjustasebondosasapropósitodequalquertemasobreoqualsepeçasuaopinião.Oseuapegoàverdadeéumacaracterísticatãomarcantequenãosintonenhumaapreensãoquantoàquebradestebaluarte,sobquaisquercircunstâncias.

Os bispos compareceram ao palácio, e o resultado de seu exame foi omelhor que se podia esperar.“Respondendoaumaenormevariedadedeperguntasquelheforampropostas”,relatarameles,

a princesa demonstrou um conhecimento acurado dos aspectos mais importantes da história daescritura, edospreceitos everdadesdominantesda religião cristã, tais comoeles são ensinadospelaIgrejadaInglaterra,bemcomoumagrandefamiliaridadecomacronologiaeosfatosprincipaisdahistóriainglesa,admirávelemalguémtãojovem.Quantoàsperguntassobregeografia,ousodos

globos, aritmética e gramática latina, as respostas dadas pela princesa foram igualmentesatisfatórias.

Elesnãoacreditaramqueoplanodeeducaçãodaprincesaprecisassedequalqueraprimoramento;eoarcebispodeCanterbury,quetambémfoiconsultado,chegouàmesmaeagradávelconclusão.39Restava,porém,umimportantepassoaserdado.Atéentão,comoaduquesaexplicaraaosbispos,a

princesaforamantidanaignorânciadocargoqueelaestavadestinadaaocupar.

Elaestácientedosdeveresdeumsoberano,edequeeledeveviverparaosoutros;deformaque,quando a suamente inocente recebe as impressões de seu destino futuro, ela as recebe comumamentemoldadaparasersensívelàquiloquesedeveráesperardela,eseráesperado,deformaqueelajáestábastantefamiliarizadacomestesprincípiosparaquefiquedeslumbradacomocargoaoqualestádestinada.40

No ano seguinte, foi decidido que ela seria esclarecida sobre este assunto.A cena bem conhecida seseguiu:aliçãodehistória,atabelagenealógicadosreisdaInglaterraintroduzidafurtivamentenolivropelagovernanta,asurpresadaprincesa,suasperguntas,efinalmentesuacompreensãodosfatos.Quandoporfimacriançaentendeu,permaneceuemsilêncioporummomento,eentãofalou:“Sereiboa”,disseela.As palavras eramalgomais que umadeclaração convencional, algomais que a expressãode umdesejoquelheforaimposto;elaseram,emseulimite,suaintensidade,seuegoísmoesuahumildade,umsumário instintivodasqualidadesquedominariamsuavida. “Euchoreimuitoquando soube”, afirmouSuaMajestade muito tempo depois. Sem dúvida. Quando os outros se fizeram presentes, mesmo suaqueridaLehzen,amenina recuperouo seuautocontrole; eentão se retirouparaaliviar seucoraçãodeumadesconhecidaagitaçãointerior,comumlenço,foradoalcancedosolhosdesuamãe.41Masnãoeradeformaalgumafácilescapardoalcancedavisãodesuamãe.Demanhãeàtarde,diae

noite,avigilânciamaternalnãoconheciadescanso.Ameninasetornouumaadolescente,eaadolescente,umajovemmulher;maselaaindadormianacamadamãe;eaindanãohavialugaralgumondeelafosseautorizadaabrincarouestudarsozinha.42Cadapassoseueraobjetodeumavigilânciaextraordinária;atéodiadesuaascensão,elanuncadesceuumaescadasemalguémquelhedesseamão.43Asimplicidadeeaordemregulavamacasa.Ashoras,osdias,osanospassavamdeformalentaemetódica.Asbonecas–as incontáveis bonecas, cada qual mais bem vestida que a outra, cada qual com seu nomemeticulosamenteregistradonumcatálogo–forampostasdelado,eumpoucodemúsicaedançatomaramoseulugar.Taglioniveioparadargraçaedignidadeaseuperfil,44eLablanchefoiconvocadoatreinaravozdesopranodaprincesa,comsuaricavozdebaixo.ODeãodeChester,opreceptoroficial,continuouainstruçãointerminávelnaHistóriadaEscritura,enquantoaduquesadeNorthumberland,agovernantaoficial,comandavacadaliçãocomasolenidadeadequada.Semdúvida,aprincipalconquistadaprincesaemseusanosescolaresfoi linguística.Naturalmente,oalemãofoiaprimeira línguacomaqualelasefamiliarizou;masoinglêseofrancêsvieramlogodepois;eelasetornouvirtualmentetrilíngue,emboraoseu domínio da gramática inglesa fosse incompleto. Ao mesmo tempo, adquiriu noções básicas deitaliano e um conhecimento vago de latim. Ela não lia muito, todavia. Não era uma ocupação que ainteressassemuito;emparte,talvez,porqueoslivrosquelheeramdadosoueramsermões,sempremuitotediosos,oupoesias,queeramincompreensíveis.Romanceseramestritamenteproibidos.LordeDurhampersuadiu sua mãe a lhe trazer algumas histórias da Srta. Martineau, que ilustravam as verdades daeconomiapolítica,eelagostou;mas,deve-serecear,aprincesapodeterficadoencantadaapenascomo

prazer incomum das histórias, e que ela nunca chegou a entender realmente a teoria das trocas ou anaturezadarenda.45Infelizmenteparaela,aatmosferamentalqueacercavaduranteseusanosdeadolescênciaeraquase

inteiramente feminina.Nãohavianempainem irmãoquequebrassemamonotonia suavedo cotidianocom alguma impetuosidade, rudeza, gargalhadas altas e sopros de liberdade do mundo exterior. Aprincesanuncafoichamadaporumavozquefossealtaegrave;nuncasentiu,éclaro,umrostodepeleáspera e dura em contato com a maciez da seu; nunca pulou um muro com um garoto. As visitas aClaremont–deliciosaspequenasescapadasparaasociedademasculina–chegaramaofimquandoelafez11anos,eopríncipeLeopolddeixouaInglaterraparasetornarreidaBélgica.Elaaindaoadorava;eleaindaera“ilmiosecondopadre–ou,antes,solopadre,poisdefatoécomoseelefossemeupaideverdade, já que eunão tenhoum.”Mas essapaternidadeque ele assumia agora só a atingiade formaindistinta e indireta, através do frio canal da correspondência; dali em diante, o dever feminino, aelegânciafeminina,oentusiasmofemininoaocupavamcompletamente;eoseuespírito,emmeioatantosdeveres,mal chegavaa ser atingidopor aquelasduasgrandes influências, semasquaisnenhumavidapodeverdadeiramenteprosperar–ohumoreaimaginação.AbaronesaLehzen–jáqueelatinhaganhadoestetítulodanobrezadeHanoverdasmãosdeGeorgeIV,poucoantesdeelemorrer–eraocentrorealdomundo da princesa.QuandoFeodora se casou, quando tioLeopold foi para aBélgica, a baronesaficousemnenhumconcorrente.Aprincesatratavasuamãecomorespeitodevido;masoseucoraçãoeradeLehzen.AvolúvelesagazfilhadeumpastordeHanover,pródiganadevoçãoàsuatarefareal,colhiaa sua recompensa na forma de uma confiança sem limites e uma adoração apaixonada. A princesaatravessariaum incêndiopela sua“preciosaLehzen”, a “melhoremais sinceraamiga”, eladizia,quetiveradesdeonascimento.Oseudiário,iniciadoquandotinha13anos,enoqualelaregistravadiaapósdiaapequenasucessãodesuasatividadesesentimentos,trazemcadapáginaostraçosdabaronesaesuapoderosa influência. A jovem criatura que se vê ali autorrepresentada com ingênua clareza, com suasinceridade, sua simplicidade, seus rápidos afetos e suas resoluções piedosas, quase poderia ser elaprópria a filha de um pastor alemão. Suas diversões, suas admirações, seus engouements vinhamnaturalmentesublinhadoseacompanhadosdefrequentespontosdeexclamação.

Foi um passeiodelicioso. Nós andamos ameio-galope um bom trecho. A doce e pequena Rosyestavalinda!Voltamosparacasaàs13h15(...)Às18h40fomosparaaópera(...)RubiniapareceueinterpretouumacançãodeAnaBolenabastantebem.Voltamosparacasaàs23h30.46

Emseuscomentáriossobresuasleituras,amentedabaronesaserevelaclaramente.Umdia,poralgumequívoco,lhedeixarampegarumvolumedasmemóriasdeFannyKemble.

Certamente é um texto escrito de forma estranha e insolente. Pelo estilo, pode-se imaginar que aautoraémuitoatrevidaesemmuitaeducação,jáqueexistemtantasexpressõesvulgaresali.Éumapenaqueumapessoadotadadeumtalentotãogrande,comoéocasodaSra.Butler,nãotenhadadoatençãoaisso,publicandoumlivrotãocheiodedisparateseabsurdosquesópodecausardanosaelaprópria.Fiqueiacordadaaté21h20.

AscartasdemadamedeSévignéqueabaronesaliaemvozaltativeramumaacolhidamelhor.“Comooseuestiloéverdadeiramenteeleganteenatural!Étãocheiodenaïveté,inteligênciaegraça!”MasasuaadmiraçãomaiorestavareservadaparaaExposiçãodoEvangelhodeSãoMateus,dobispodeChester.

Defato,éumlivromuitobom.Exatamentedotipoqueeugosto;simpleseclaro,cheiodeverdadesebons sentimentos.Não é umdaqueles livros eruditos nosquais você temque cavilar quase emtodos os parágrafos. Lehzen me deu este livro de presente no domingo em que eu recebi osacramento.47

Poucassemanasantesaprincesatinhasidocrismada,episódioqueeladescrevedaseguintemaneira:

Eusentiqueaminhacrismafoiumdosatoseacontecimentosmaisimportantesesolenesdaminhavida; e por isso acreditei que ele teria um efeito salutar sobre o meu espírito. Senti-meprofundamentearrependidapor tudoaquiloqueeu tinha feitodeerradoeconfieiemDeusTodo-Poderosoparafortalecermeucoraçãoeminhamente;edeixardeladotudooqueforruimeabraçartudo o que for virtuoso e correto. Segui com a firme determinação deme tornar uma verdadeiracristã,confortarminhaMammaemtodososseuspesares,provaçõeseansiedades,tornando-meumafilhadedicadaeafetuosaparaela.EtambémserobedienteàqueridaLehzen,quetantojáfezpormim. Eu estava usando um vestido branco de renda, com um toucado branco de crepe com umagrinaldaderosasbrancasaoredordele.FuinacarruagemcomminhaqueridaMamma,eosoutrosnosseguiramemoutracarruagem.48

Parecequeestamosdiantedeumcristalpequenoeliso,semfalhasnemcintilação,etãotransparentequesepodeenxergaratravésdelenoprimeirovislumbre.Talvez,apesarde tudo,aumolharmaisagudo,apurezanãoparecesse tãoabsoluta.Opesquisador

cuidadosopodedetectar,nosolovirgem,osprimeirosefracostraçosdeumveioinesperado.Naquelaexistênciadeconvento,visitaserameventosexcitantes;e,comoaduquesatinhamuitosparentes,elasnãoeramraras;tiosetiasdaAlemanhaapareciamcomfrequência,eprimostambém.Quandoaprincesatinha14anos,elaficouencantadacomachegadadeumpardegarotosdeWürtemberg,ospríncipesAlexandereErnst,filhosdairmãdesuamãecomoduqueentãoreinante.“Osdoissãoextremamentealtos”,elaobservou. “Alexander é muito bonito, e Ernst tem uma expressão muito bondosa. Ambos sãoEXTREMAMENTEamigáveis”.Namesmamedida,apartidadelesaencheudetristeza.

Nósosvimosentrarnabarcaça,edurantealgumtempoficamosnapraia,olhandoobarcoseafastar.Eles eram tão amigáveis, e era tão bom tê-los em casa; eles estavam sempre satisfeitos, semprebem-humorados;Alexanderdemonstroumuitozelocomigoaosairdobarco,ecaminhouatémim;omesmofezErnst.49

Dois anos depois, chegaram dois outros primos, os príncipes Ferdinand e Augustus. “O queridoFerdinand”,escreveuaprincesa,

despertou uma admiração universal em todos os grupos (…) Ele é tão espontâneo, e tem umaaparência e umporte tão distintos.Os dois são rapazesmuito queridos e encantadores.Augustustambémémuitoamigávele,quandoobservado,demonstraumenormebomsenso.

Emoutraocasião,

OqueridoFerdinand se aproximou, sentou-seperto demim, e conversamos commuito carinho esensibilidade.Euoadorotanto.OqueridoAugustussentou-seaomeuladoeconversoucomigo,eeletambéméumjovembondosoequerido,emuitobonito.

Elanãoconseguiadecidirqualdosdoiseraomaisbonito.Noconjunto,elaconcluía:

AchoFerdinandmaisbonitoqueAugustus,seusolhossãotãolindos,eaexpressãodeseurostoétãovivaeinteligente;osdoistêmumaexpressãodoce;Ferdinandtemalgumacoisamuitobonitanasuaexpressãoquandofalaesorri,eeleétãobondoso.

Contudo, talvez fossemelhor dizer que “ambos erammuito bonitos emuito queridos.”50 Mas poucodepoisdoisoutrosprimoschegaram,queofuscaramtodososoutros.EramospríncipesErnesteAlbert,filhos do irmão mais velho de sua mãe, o duque de Saxe-Coburg. Desta vez a princesa foi maismeticulosanassuasobservações.“Ernest”,notouela,

étãoaltoquantoFerdinandeAugustus;eletemcabelopretoebelosolhosescurosesobrancelhas,masonarizeabocanãosãobons;suafisionomiaémuitogentil,honestaeinteligente,etemumabelaestampa.Albert,queétãoaltoquantoErnest,masmaisrobusto,éextremamentebonito;oseucabeloéquasedacordomeu;seusolhossãograndeseazuis,seunarizébonito,esuabocaédoce,combelosdentes;masocharmedesuafisionomiaéasuaexpressão,queémuitoagradável;c’estàlafoischeiadebondadeedoçura,etambémmuitosábiaeinteligente.

“Meusdoisprimos”,acrescentouela,

sãotãobonsegentis;elessãomuitomaisformésehomensdomundodoqueAugustus;falaminglêsmuitobem,eeuconversonesteidiomacomeles.Ernestfará18anosnodia21dejunho,eAlbertfará17nodia26deagosto.OqueridotioErnestmepresenteoucomumpapagaioadorável,queétãomansoqueficapousadonasuamão,evocêpodetocarseubicocomodedo,oufazerqualquercoisa com ele, sem correr o risco de ser bicado. Ele é maior do que o papagaio cinzento deMamma.

E,poucodepois,

Sentei-me entremeus dois primos no sofá, e ficamos olhando desenhos.Ambos desenhammuitobem, especialmente Albert, e ambos são admiradores ardorosos da música; ambos tocam pianomuitobem.Quantomaisosvejo,maisencantadaeufico,emaisosadoro(...).Éagradávelficarcomeles;eles tambémgostamtantodeseocuparcomalgo;sãoumverdadeiroexemploparaqualquerjovem.

Quando, após uma estada de três semanas, chegou a hora de os dois rapazes e seu pai regressarem àAlemanha,omomentodapartidafoimelancólico.

AquelefoinossoúltimocafédamanhãFELIZ,FELIZ,comomeuqueridotioemeusqueridíssimoseadoradosprimos,queeuamoMUITOMUITO;muitomaisintensamentedoquequaisqueroutrosprimosnomundo.EuamomuitoFerdinandetambémobondosoAugustus,masamoErnesteAlbertmaisdoqueeles,ohsim,MUITOmais...Osdoisjáaprenderammuitascoisasesãomuitosábios,naturalmentesábios,especialmenteAlbert,queéomaisreflexivodosdois,eambosgostammuitode conversar sobre temas sérios e instrutivos, e ao mesmo tempo são muito, muito alegres,divertidos e joviais, comoos rapazesdevemser;Albert sempre fazia algumabrincadeira e tinhaumapalavraespirituosanocafédamanhã,eemqualquersituação;eletambémcostumavabrincarcomDasheacariciá-ladeumjeitodivertido. (...)OqueridoAlbertestava tocandopianoquandodesci. Às 11 horas, meu querido tio, meus adoradíssimos primos e Charles nos deixaram,acompanhadosdocondeKolowrat.Abraceicomfervormeusdoisqueridosprimos,etambémomeuqueridotio.Choreiamargamente,muitoamargamente.51

A princesa dividia entre os dois os seus êxtases e os seus itálicos; mas é bastante claro qual delesmereciaasuapredileçãosecreta.“EspecialmenteAlbert!”Elatinha17anos;efoiprofundaaimpressãodeixadanaqueleorganismoembotãopelocharme,pelabondadeepelasproezasdaquelejovem,pelosseusgrandesolhosazuiseseubelonariz,esuadocebocaeseusbelosdentes.

IV

O rei William não conseguia se entender com sua cunhada, e a duquesa retribuía inteiramente suaantipatia.Semtatooupaciênciaconsideráveis,suasatitudesemrelaçãoumaooutroeramcalculadasdeformaacausaromáximodesconforto;se havia pouquíssima diplomacia na postura da duquesa, não havia tolerância alguma na de SuaMajestade. Um velho cavalheiro explosivo e expansivo, com trejeitos de capitão de navio, olhosredondos e inquietos, e a cabeça na forma de abacaxi, sua súbita ascensão ao trono após 66 anos decompleta insignificância quase o deixou louco. Sua natural exuberância era omelhor que ele tinha aoferecer;eleseapressavaemfazercoisasridículasdeumamaneiraextraordinária,espalhandodiversãoe terror por toda parte, e falando sem parar. Sua língua era decididamente hanoveriana, com suasrepetições,seuslemas–“Istoéoutracoisa!Istoéoutracoisa!”–seuestiloestrepitosoeindomável,suaindiscrição ruidosa. Seus discursos, feitos invariavelmente nas circunstâncias menos oportunas econfusamenterepletosdetodososcaprichosefúriasquelheocorressemnomomentoesacolejassemasuamentefraca,semprecausavamumaprofundaconsternaçãonosministros.Eleeraumapartemaroto,diziamaspessoas,etrêspartesbufão;masaquelesqueoconheciammelhornãopodiamdeixardegostardele–defatoeletinhaboasintenções;eraverdadeiramentebem-humoradoetinhabomcoração,sefosseanalisadodoânguloadequado.Quemoobservasseporoutroângulo,porém,precisaria tomarcuidadocomseusgritos,comodescobriuaduquesadeKent.Aduquesanãotinhaideiadecomolidarcomele–elasequerconseguiaentendê-lo.Ocupadacoma

suaprópriaposição,suaspróprias responsabilidades, seusdeveresesua filha,não lhesobrava temponematençãoparasepreocuparcomsuscetibilidadesapimentadasdeumvelhotoloedemáreputação.Ela era a mãe da herdeira da Inglaterra; e cabia a ele reconhecer este fato – tratando-a da maneira

apropriada,empédeigualdade–edaraelaaprecedênciadeumaprincesadeGalesviúva,concedendo-lhe uma grande anuidade para seu uso privado.52 Não ocorreu a ela que tais pretensões deviam serexasperantes para um rei que não tinha filhos legítimos, e que ainda não perdera completamente aesperançadevira terum.Aduquesacontinuouafazerpressão,deformavigorosa,paraalcançarseusobjetivos.SirJohnConroy,umirlandêssemjuízomasaltamentevaidoso,eraseuconselheiroíntimo,eeleaatiçava.EraaconselhávelqueVitóriasefamiliarizassecomosváriosdistritosdaInglaterra,eaolongo de vários verões, uma sucessão de viagens – para o oeste, para o interior, para Gales – foiorganizadapara ela.A intençãodeste projeto era excelente,mas sua execução foi bastante infeliz.Asviagens, anunciadas na imprensa, atraindo multidões entusiasmadas e envolvendo recepções oficiais,assumiam ares de um desfile real. Cidadãos locais faziam discursos e faziam petições; encantada, aduquesa, inchadaemsuasplumagens equaseofuscandoadiminutaprincesa, lia emvozalta, comseusotaquealemão,réplicasespirituosaspreparadaspreviamenteporSirJohn,que,alvoroçadoeridículo,pareciaestarconfundindoospapéisdemordomoeprimeiro-ministro.Naturalmente,oreiseenfureceuao ler as notícias de seu jornal emWindsor: “Essamulher é uma praga! Essamulher é uma praga!”,exclamou.ApobrerainhaAdelaide,amávelemboradesapontada,fezopossívelparaacalmarascoisas,mudoude assunto e escreveu cartas afetuosas aVitória;mas foi emvão.Chegavamnotícias de que aduquesa de Kent, agora navegando a bordo do Solent, insistira em que, sempre que sua embarcaçãoaparecesse,eladeveriaser recebidacomsalvas reaispor todososmilitaresde todosos fortes.Oreideclarou que essas contínuas provocações precisavam parar imediatamente. O primeiro-ministro e oprimeirolordedoAlmirantadoforamconsultados;eelesescreveramprivadamenteàduquesa,pedindoque abrisse mão de seus direitos. Mas ela não lhes deu atenção; Sir John Conroy estava inflexível.“ComoconselheiroconfidencialdeSuaAltezaReal”,disseele,“nãopossoaconselhá-laafazerisso.”Por fim o rei, num estado de grande agitação, emitiu umaOrdem do Conselho especial, proibindo odisparodesaudaçõesreaisaqualquerbarco,excetoaquelesquetransportassemoatualsoberanoousuaconsorteabordo.53QuandooreiWilliamdiscutiuasperamentecomseusministrosdoPartidoWhig,asituaçãoficouainda

mais amarga, já que agora a duquesa, além de seus outros defeitos, era partidária política de seusinimigos.Em1836,elefezumatentativadeprepararoterrenoparaauniãoentreaprincesaVitóriaeumdos filhosdopríncipedeOrange, e aomesmo tempo fezopossível para impedir a visita dos jovenspríncipesCoburgaKensington.Elefracassounosdoisprojetos;eoúnicoresultadodosseusesforçosfoiaumentarairadoreidaBélgica,que,esquecendoporummomentosuamoderaçãoreal,enviouumacartaindignadasobreoassuntoàsuasobrinha.“Estourealmenteperplexo”,escreveuele,

comacondutadeseuvelhotio,orei;esteconviteaopríncipedeOrangeeseusfilhos,essapressãoque ele vem fazendo, é algo extraordinário e inadmissível (...) Ainda ontem, eu recebi umcomunicadosemioficialdaInglaterra,insinuandoqueseriaaltamentedesejávelqueavisitadeseusparentesnãoserealizassenesteano–qu’endites-vous?Osparentesdarainhaedorei,portanto,esabeDeusatéqueponto,estãovindoaosbandosecontrolamaterra,enquantoosseusparentessãoquaseproibidos de entrar nopaís, e isso quando, comovocê sabe, a totalidadede seus parentessemprefoisubmissaegentilaorei.Sinceraeverdadeiramente,eununcavinadaparecido,eesperoqueissodesperteumpoucooseuespírito;agoraqueaescravidãoestáquaseabolidanasColôniasBritânicas, eu não compreendo por que apenas a sua gente deveria encarnar uma espécie deescravidãobrancanaInglaterra,paraoprazerdacorte,quenuncaacomprou.Jáquenãoestoucientedequeelesalgumdia tenhamfeitoqualquerdespesa,oudequeorei tenhagasto6pencepelasuaexistência.(...)Oh,coerênciaempolítica,oumelhor,honestidade,ondesedeveprocurarporvocê!54

Poucodepois,opróprioreiLeopoldveioàInglaterra,esuarecepçãofoitãofriaemWindsorquantofoicalorosaemKensington.“Ouviromeuqueridotiofalarsobrequalquerassunto”,aprincesaescreveuemseudiário,

é como ler um livro altamente instrutivo; a sua conversa é tão iluminada, tão clara. Ele éuniversalmente reconhecido como um dos principais políticos em atividade. Ele fala muitosuavemente,emboradeformafirmeeimparcial,sobrepolítica.MeutiomecontaqueaBélgicaéquaseummodeloporsuaorganização,suaindústriaesuaprosperidade;asfinançasseencontramnamaiorperfeição.Meutioémuitoamadoereverenciadopelosseussúditosbelgas,oquedeveserumagranderecompensaportodasassuasextremaspreocupações.55

Mas seu outro tio estava longe de compartilhar seus sentimentos.Ele não podia, declarou, tolerar um“bebedordeágua”;eoreiLeopoldsequertocavaemvinho.“Oqueestábebendo,Sir?”,perguntouumanoitenumjantar.“Água,Sir”,respondeuele.“Malditoseja,Sir!”,foiatréplica.“Porquevocênãobebevinho?Eununcapermitoquealguémbebaáguaemminhamesa.”56Estavaclaroquehaveriaumagrandeexplosãoempoucotempo;eelaveionosdiasquentesdeagosto.

AduquesaeaprincesaforamparaWindsorparticipardafestadeaniversáriodorei.Eoprópriorei,queestavaemLondresnaquelediaparaprorrogarassessõesdoParlamento,fezumavisitaaKensingtonnaausênciadelas.Láeledescobriuqueaduquesatinhaacabadodeseapropriar,contrariandosuasordensexpressas, de uma ala de 17 apartamentos para seu uso pessoal. Ele ficou extremamente zangado e,quandoregressouaWindsor,depoisdecumprimentarafetuosamenteaprincesa,repreendeupublicamenteaduquesapeloqueelatinhafeito.Masissofoipoucopertodoqueseseguiu.Nodiaseguinte,realizou-seobanquetedeaniversário;haviacemconvidados;aduquesadeKentsentou-sedoladodireitodorei,eaprincesaVitóriaàsuafrente.Nofinaldojantar,respondendoaobrindeàsaúdedorei,eleselevantoue,numdiscurso forte, longoevibrante,manifestou todaa iraqueestava sentindopeladuquesa.Elaoinsultara,eledisse–grosseiraerepetidamente;elamantiveraaprincesaafastadadeledamaneiramaisimprópria; ela estava cercada por conselheiros perversos e não tinha capacidade para agir da formaapropriadaaoaltocargoqueocupava;maselenãosuportariamaisisso;eleafariasaberquemeraorei;eleestavadeterminadoafazervalerasuaautoridade;daliemdiante,aprincesadeveriacompareceratodas as cerimôniasda corte, comamáxima regularidade; e ele confiavaqueDeus faria comque elevivessemaisseismeses,paraqueacalamidadedeumaregência fosseevitada,eas funçõesdacoroapassassemdiretamenteàherdeirapresumida,enãoàsmãosdaquelapessoa“agoraaseulado”,emcujacapacidadeecondutaelenãopodiadepositarnenhumaconfiança.Ofluxodevituperaçõesseprolongoupor um tempo aparentemente interminável, enquanto a rainha enrubescia cada vez mais, a princesairrompiaemlágrimaseoscemconvidadossehorrorizavam.Aduquesanãodisseumasópalavraatéqueainvectivachegasseaofim,eosconvidadosseretirassem;então,numfuracãoderaivaemortificação,ela chamou sua carruagem e anunciou seu regresso imediato a Kensington. Foi somente após muitadificuldadequeseconseguiuproduziralgumapaziguamentoeumsinaldereconciliação,eaenfurecidadamafoiaconselhadaaadiarsuapartidapelomenosatéamanhãseguinte.57Seusproblemas,porém,nãoterminaramquandoelasacudiuapoeiradeWindsordeseuspés.Emsua

própria casa, ela era importunada pela amargura e pelo vexame. Os apartamentos de Kensingtonfervilhavam de desafetos, de invejas e animosidades, virulentamente acirrados por longos anos deconvívioerancor.Havia uma inimizademortal entre Sir JohnConroy e a baronesaLehzen.Mas isso não era tudo.A

duquesatinhaseafeiçoadodemaisaoseumordomo.Existiamfamiliaridades,eumdiaaprincesaVitória

descobriuofato.Elaconfidenciouoquetinhavistoàbaronesa,eàaliadaadoradadabaronesa,madamedeSpäth. Infelizmente,madamedeSpäthnãoconseguiasegurarsua língua,enaverdadeela foi tolaobastante para repreender a duquesa; depois do que, foi imediatamente dispensada. Mas não era tãosimplesassimlivrar-sedabaronesa.Estadamaprecavidaereservadatinhaumacondutairrepreensível.Suaposiçãoestavafortementeentrincheirada;elatinhaconseguidoasseguraroapoiodorei;eSirJohnachavaquenãopodiafazernadacontraela.Mas,daliemdiante,afamíliasedividiriaemdoiscampos.58AduquesaapoiavaSirJohncomtodaaforçadesuaautoridade;mastambémabaronesatinhaumaliadoquenãopodiaserignorado.AprincesaVitórianãodizianada,maseramuitoligadaàmadamedeSpäth,eadoravaasuaLehzen.Aduquesasabiabemdemaisque,naquelahorrorosaconfusão,suairmãestavacontraela.Dissabores,contrariedades,censurasmoraisaagitavamsemparar.ElafezomelhorquepodiaparaseconsolarcomaloquacidadeafetuosadeSirJohn,oucomoscomentáriosagudosdeladyFloraHastings,umadesuasdamasdecompanhia,quenãogostavanemumpoucodabaronesa.Oassuntofoiobjetodeironias;poisafilhadopastor,comtodososseusaresdeirônicasuperioridade,tinhahábitosque traíam a sua origem. Sua paixão por sementes de erva-doce, por exemplo, era incontrolável.SaquinhoscheiosdelaslheeramenviadosdeHanover,eelapolvilhavacomelasseupãoemanteiga,seurepolho e até seu rosbife. Mais uma vez, lady Flora não conseguiu resistir a fazer uma observaçãocáustica;estachegouàbaronesa,quefranziuoslábios,irritada;eassimasituaçãosecomplicouaindamais.59

V

Oreitinhapedidoaoscéusparaviveratéquesuasobrinhaalcançasseamaioridade;e,poucosdiasantesdeelacompletar18anos–aidadedesuamaioridadelegal–,umadoençasúbitaquaseolevou.Eleserecuperou,contudo,eaprincesapôdecelebrarasfestividadespeloseuaniversário–umpomposobailedegalaeumarecepção–,comserenaalegria.“OCondeZichy”,elaobservouemseudiário,“ficamuitobonitoemseuuniforme,masnãovestindo roupascomuns.OcondeWaldstein ficacomumaaparêncianotávelquandousaoseubelouniformehúngaro.”60Comesteúltimojovemelaquisdançar,mashaviaumobstáculointransponível.“Elenãosabiadançarquadrilhase,comominhaposiçãonãomepermitedançarvalsas nem galopes, eu não pude dançar com ele.”61 O presente de aniversário dado pelo rei eraagradável, mas levou a um episódio doméstico doloroso. Apesar do ódio de seu tio belga, ela tinhaconseguidomanter relaçõescordiaiscomo tio inglês.Elesemprefoimuitogentilcomaprincesa,eofatodequeeletivesserompidorelaçõescomsuamãenãopareciaummotivosuficienteparadeixardegostar dele. Ele era, ela disse, “estranho, muito estranho e singular”, mas “suas intenções eramfrequentementemalinterpretadas.”62Poucoanteselelheescreveraumacarta,oferecendo-lheumarendade10mil librasporano,quepropôsficaremexclusivamenteàdisposiçãodela,semainterferênciadesua mãe. Lorde Conyngham, o lorde tesoureiro, foi instruído a entregar a carta nas mãos da própriaprincesa.Mas,chegandoaKensington,elefoiconduzidoàpresençadaduquesaedaprincesae,quandoapresentouacarta,aduquesaestendeuamãoparapegá-la.LordeConynghampediuperdãoaSuaAlteza,repetindo as orientações do rei. Então a duquesa recuou, e a princesa pegou a carta. Ela escreveuimediatamentedevoltaaotio,aceitandosuagenerosaoferta.Aduquesaficoumuitodescontente;4millibras por ano, disse ela, seriam suficientes paraVitória; quanto às 6mil libras restantes, seriamaisadequadoquefossemdestinadasaelaprópria.63OreiWilliamjáhaviaserecuperadodesuadoençaevoltaraàvidanormal.Maisumavez,ocírculo

realemWindsor–SuasMajestades,asprincesasmaisvelhas,ealgumainfelizembaixatrizouesposadeministro–podiaservistoreunidodurantehorasemtornodeumamesademogno,enquantoarainhatecia

uma bolsa, e o rei dormia, ocasionalmente despertando de suas sonecas para observar “Exatamente,madame,exatamente!”64Masesterestabelecimentoduroupouco.Ovelhohomemrepentinamentesofreuumcolapso;semsintomasespecíficosalémdeumaextremafraqueza,elenãodemonstrouforçasparaserecuperar;eficouclaroparatodosquesuamorteeraagoraalgocerto.Todos os olhos, todos os pensamentos, se voltavam agora para a princesa Vitória; mas ela ainda

permanecia, isolada no retiro de Kensington, uma figura pequena e desconhecida, perdida na vastasombradodomíniodesuamãe.Oanoprecedente,defato,tinhasidoimportantenoseudesenvolvimento.Assuavesantenasdesuamente tinhamcomeçado,pelaprimeiravez,aestender-se rumoacoisasnãoinfantis. Nisso o rei Leopold a encorajava. Após seu retorno a Bruxelas, ele tinha retomado a suacorrespondência num tom mais sério; discutia detalhes da política externa; formulava os deveres doreinado; apontava as tolices e iniquidades dos jornais. Sobre este último tema, na verdade, chegou aescrever, algo asperamente: “Se todos os editores dos jornais dos países onde existe a liberdade deimprensa fossem reunidos numa assembleia, teríamos umaquadrilha à qual vocênão poderia confiarsequer seucachorro, segostassedele,muitomenos suahonrae reputação.”65Sobre as funçõesdeummonarca, seus comentários eram sempre irretocáveis. A tarefa da Alteza no Estado”, ele escreveu,“certamenteé,naminhaopinião,agircomgrandeimparcialidadeeumespíritodejustiçaparaobemdetodos.”66Aomesmotempo,osgostosdaprincesaestavamseampliando.Emboraelaaindasededicasseapaixonadamenteàequitaçãoeàdança,agoratambémcomeçavaanutrirumgenuínoamorpelamúsica,eabebernafontedasáriasdaóperaitaliana,comgrandeentusiasmo.Elagostavaatémesmodelerpoesia–pelomenosapoesiadeSirWalterScott.67Quando o rei Leopold soube que amorte do reiWilliam estava próxima, escreveu diversas cartas

longasàsuasobrinha,comexcelentesconselhos.“Emtodacartaqueeulheescrever”,diziaele,“queroinsistirqueéumaregrafundamentalsercorajosa,firmeehonesta,comovocêtemsidoatéagora.”Deresto,emrelaçãoàcrisequeseaproximava,elanãodeviasealarmar,esimconfiarnoseu“bomsensonaturalenaverdade”deseucaráter;elanãodeveriafazernadacompressa;nemferiroamour-propredeninguém,econtinuarconfiandonaadministraçãodoPartidoWhig.68Nãocontentecomcartas,contudo,oreiLeopold determinouque a princesa não deveria precisar de orientação pessoal,mas enviou a ela,paraajudá-la,oamigodeconfiançaque,vinteanosantes,tinhaconquistadooseucoração,aoladodeumleitodemorteemClaremont.Assim,umavezmais,comoquedeacordocomumdestinopreestabelecido,apareceafiguradeStockmar–inevitavelmentepresentenumahoraimportante.Nodia18dejunho,oreiestavaesmorecendovisivelmente.OarcebispodeCanterburyestavaaseu

lado, prestando-lhe todos os consolos da Igreja. E as palavras sagradas não eram destinadas a umespírito rebelde;pormuitosanoso rei tinhasidoumdevoto fiel.“Quandoeuera rapaz”,eleexplicouumaveznumbanquetepúblico,“atéondemelembro,eunãoacreditavaemnadaalémdoprazeredosdesatinos – nada mesmo. Mas quando fui para o mar e atravessei um vendaval, vi as maravilhasprofundas do Todo-Poderoso, então acreditei; e desde então tenho sido um cristão sincero.”69 Era oaniversáriodaBatalhadeWaterloo,eohomemagonizanteselembravabemdisso.Eledeviaestarfelizpor sobreviver àquele dia, disse; ele achava que nunca mais veria um pôr do sol. “Espero que SuaMajestade viva para ainda ver muitos”, disse o Dr. Chambers. “Oh, isso é outra coisa, isso é outracoisa”, foi a resposta.70 O rei chegou a viver para ver somente mais um pôr do sol; e morreu nasprimeirashorasdamanhãseguinte.Eraodia20dejunhode1837.Quandotudotinhaterminado,oarcebispoeolordetesoureiropediramumacarruagemeviajaramcom

toda a rapidez de Windsor a Kensington. Chegaram no palácio às 5 horas, e foi somente apósdificuldadesconsideráveisqueconseguiramseradmitidos.71Às6horas, a duquesa acordou sua filha,dizendo-lhe que o arcebispo de Canterbury e lorde Conyngham estavam lá e queriam vê-la. Ela selevantou, vestiu seu penhoar e foi, sozinha, para a sala onde os mensageiros a aguardavam. Lorde

Conynghamseajoelhouaseuspéseanunciouoficialmenteamortedorei;oarcebispoacrescentoualgunsdetalhespessoais.Vendoseusdignitárioscurvadosemurmurantesàsuafrente,elasoubequeeraarainhadaInglaterra.“JáqueagradouàProvidência”,elaescreveuemseudiário,

destinar-meaesteposto,dareiomáximodemimparacumpriromeudeverperantemeupaís;soumuitojovem,etalvezinexperienteemmuitosassuntos,masnãoemtodos;estoucerta,porém,dequemuitopoucostêmmaisboa-vontadeeodesejoverdadeirodefazeroqueforcorretoedignodoqueeu.72

Masnãohaviatempopararesoluçõesereflexões.Deumasóvez,osacontecimentosdesabavamdiantedela.Stockmarveioparaocafédamanhãelhedeualgunsbonsconselhos.ElaescreveuumacartaaoseutioLeopold,eumapressadobilheteàsuairmãFeodora.Chegouumacartadoprimeiro-ministro,lordeMelbourne,anunciandosuachegadaparabreve.Elechegouàs9horas,usandootrajecompletodacorte,ebeijousuamão.Elaficouasóscomele,elherepetiualiçãoque,certamente,ofielStockmarlhetinhadadonocafédamanhã.“Eujátinhahátemposaintençãodeconservá-loeorestantedoatualministérioàfrentedosnegócios”,eentãolordeMelbournebeijoumaisumavezsuamão,epoucodepoisadeixou.ElaaindaescreveuumacartadecondolênciasàrainhaAdelaide.Às11horas,lordeMelbourneveiodenovo. E, às 11h30, ela desceu ao salão vermelho para presidir seu primeiro Conselho.73 A grandeassembléiadelordesenotáveis,bispos,generaiseministrosdeEstadoviuasportasseremabertaseumagarotapequenaemuitoesbelta,trajandolutocompleto,entrarsozinhanasalaesedirigiraoseuassentocom extraordinárias dignidade e graça; eles viram um semblante que não era bonito, mas atraente –cabeloslouros,olhosazuisproeminentes,umnarizpequenoeligeiramentecurvado,umabocaabertaquerevelavaosdentesdecima,umqueixopequenino,umapeleclarae,sobretudo,ossinais,estranhamentemisturados,deinocência,gravidade,juventudeecompostura;elesouviramumavozaltaeresoluta,queliacomperfeitaclareza;eentão,terminadaacerimônia,elesviramapequenafiguraselevantare,comamesmagraçaconsumada,amesmasurpreendentedignidade,sairdasalasozinha,comotinhaentrado.74

3LordeMelbourne

I

Anovarainhaeraquasecompletamentedesconhecidadeseussúditos.Emsuasapariçõespúblicas,amãedominarainvariavelmenteacena.Suavidaprivadatinhasidoadeumanoviçanumconvento:quasenenhumserhumanodomundoexteriorsequerfalaracomela;eabsolutamentenenhumserhumano,excetosuamãeeabaronesaLehzen,chegouaficarsozinhocomelanumaposento.Portanto,nãoeraapenasopúblico em geral que ignorava tudo o que dizia respeito à Vitória; o pequeno círculo de estadistas,oficiaisedamasdealtalinhagemestavaigualmentenoescuro.75Quandoelasubitamenteemergiudaquelaobscuridade,a impressãoquecrioufoi imediataeprofunda.SeucomportamentonoprimeiroConselhoquepresidiuencheutodaaassembléiadesurpresaeadmiração;oduquedeWellington,SirRobertPeel,atémesmooselvagemCrokereofrioecáusticoGreville–todosforaminteiramentearrebatados.Tudooquefoirelatadosobreasuacondutaemepisódiossubsequentespareciatrazerigualmentebonsaugúrios.Suas percepções eram rápidas, suas decisões eram sensíveis, sua linguagemera discreta; ela cumpriaseusdeveresreaiscomextraordináriafacilidade.76Emmeioaopúblicoexterior,haviaumagrandeondadeentusiasmo.Osentimentoeoromanceestavamentrandonamoda;eoespetáculodapequenamenina-rainha, inocente,modesta,comcabelos lourosebochechas rosadas,passeandopelacapital, encheuoscoraçõesdossúditoscomarroubosdeafetuosalealdade.Oque,acimadetudo,impressionavatodoscomumaforçasurpreendenteeraocontrasteentreaRainhaVitóriaeosseustios.Aquelesvelhospervertidos,debochadoseegoístas,comsuasridículascabeçasdeporco,comsuaeternacargadedívidas,confusõeseepisódiosindecorosos–todosevaporaramcomoasnevesdoinverno,eagora,finalmente,coroadaeradiante,chegavaaprimavera.LordeJohnRussell,numfloreadodiscurso,deuvozaosentimentogeral.Ele esperava queVitória pudesse revelar-se umaElizabeth sem a sua tirania, e umaAnne sem a suafraqueza.ElepediuàInglaterraqueorasseparaqueailustreprincesaqueacabaradeascenderaotrono,

animadadasmaispurasintençõesedosmaisjustosdesejos,visse,duranteseureinado,aescravidãoserabolida,oscrimesdiminuíremeaeducaçãoprogredir.Esperava tambémqueopovopudesse,daliemdiante,retirarsuaforça,suaboacondutaesualealdadedosprincípiosreligiososemoraisiluminadoseque, assim fortalecido, o reino deVitória fosse celebrado pela posteridade e por todas as nações daTerra.77Muito cedo, porém, houve sinais de que o futuro poderia não ser tão simples e tão róseo quanto o

encantado público esperava. A “ilustre princesa” poderia, talvez, ter algo dentro de si que não seconciliassecomavisãoagradáveldeumaheroínabem-comportadadeum livrodehistórias.Asmaispurasintençõeseosmaisjustosdesejos?Semdúvida;masissoeratudo?Paraaquelesqueobservavamde perto, por exemplo, poderia haver algo de agourento no curioso contorno daquela pequena boca.Quando, depois de sua primeira reunião comoConselho, ela cruzou a antessala e encontrou suamãeesperandoporela,disse,“Eagora,mamma,eusousinceraeverdadeiramenterainha?”,“Comovocêvê,minha querida, é assim”, “Então, queridamamma, espero queme atenda no primeiro pedido que lhefarei, como rainha.Deixe-me sozinha por uma hora.”78 E, durante uma hora, ela ficou sozinha. Entãoreapareceuedeuumaordemsignificativa:suacamadeveriaserretiradadoquartodamãe.EraaruínadaduquesadeKent.Os longosanosdeespera tinhamterminado, finalmente;omomentodecisivodeumavida tinha chegado; sua filha era a rainha da Inglaterra; e precisamente aquelemomento trazia a suaprópria aniquilação. Ela se viu, de forma absoluta e irremediável, desligada de qualquer vestígio deinfluência, confiança ou poder.Na verdade, ela continuava cercada por todos os signos exteriores derespeitoeconsideração;masissosó tornavaaverdadeinteriordesuaposiçãoaindamais intolerável.Apesardasformalidadesdaetiquetadacorteedodeverfilial,elanuncapoderiachegaratéVitória.Aduquesa não conseguia esconder seu desapontamento e sua raiva.“Il n’y a plus d’avenir pourmoi”,declarouelaamadamedeLieven;eunãosoumaisnada.Durante18anos,disseela,aquelacriançatinhasidooúnicofimdesuaexistência,deseuspensamentos,desuasesperanças,eagora–não!–elanãoencontraria consolo em parte alguma, ela tinha perdido tudo, ela era irremediavelmente infeliz.79Navegando com tanta elegância e pertinácia através das tempestades que açoitaram sua vida, o barcomajestoso,comasvelasainda infladasebandeirasondulantes, tinhasido recolhidoaoporto,por fim;paraalinadaencontrar–umaterradesombriadesolação.Ummês depois da ascensão ao trono, a realidade da nova situação assumiu uma forma visível. A

família real inteira se mudou de Kensington para o Palácio de Buckingham e, no novo domicílio, aduquesadeKentrecebeuumconjuntodeapartamentostotalmenteseparadosdosdarainha.Vitória,porsuavez,gostoudamudança,embora,nomomentodapartida,tenhasepermitidosersentimental.“EmborameagradeirparaoP.B.pordiversosmotivos”,escreveuelaemseudiário,“nãoésemumcertopesarque direi adieu para sempre ao lugar de meu nascimento, onde nasci e fui criada, e ao qual souverdadeiramenteligada!”Suamemóriadeteve-seporummomentoemvisõesdopassado:ocasamentodesua irmã, “bailes agradáveis e concertos deliciosos(...).” E havia outras reminiscências. “Atravesseicenas dolorosas e desagradáveis aqui, é bem verdade”, ela concluiu, “masmesmo assim gosto destepobreevelhopalácio.”80Aomesmotempo,elatomavaoutradecisãoimportante.Vitóriadeterminouquenãomaisvoltariaaver

SirJohnConroy.Elarecompensouosseusserviçospassadosgenerosamente:eleganhouotítulodebarãoe uma pensão de 3mil libras por ano; continuou sendo ummembro da família da duquesa, mas seucontatopessoalcomarainhafoiinterrompidoabruptamente.81

II

Estavaclaroqueessasmudançasinteriores–mesmoqueanunciassemoutrascoisas–indicavamotriunfode uma pessoa – a baronesa Lehzen. A filha do pastor assistiu à ruína de seus inimigos. Discreta evitoriosa,elamanteveapossedoterrenoconquistado.Maispróximadoquenunca,elaseapegouaindamais à sua senhora, sua pupila e sua amiga; e, nos recantos do palácio, suamisteriosa figura era aomesmotempoinvisíveleonipresente.Quandoosministrosdarainhaentravamporumaporta,abaronesasaía pela outra; quando eles se retiravam, ela imediatamente retornava.82 Ninguém sabia – ninguémjamaissaberá–aextensãoeanaturezaexatasdesuainfluência.Elaprópriadeclarouquenuncadiscutiuassuntospúblicoscomarainha,equesólheinteressavamquestõesprivadas–cartaspessoaisedetalhesdavida íntima.83Mas certamente a suamão está visível em todaparte, na correspondência inicial darainha.Odiárioéescritonoestilode uma criança; as cartas não são tão simples; elas são a obra de uma criança, rearrumada – com asmínimas alterações possíveis, sem dúvida, mas ainda assim perceptíveis – por uma governanta. E agovernanta não era tola: rigorosa, ciumenta, provinciana ela podia ser; mas era também uma mulherargutaevigorosa,quetinhaconquistado,graçasaumaintuiçãotodasua,umaascendênciapeculiar.Eelapretendiaconservarestaascendênciaaqualquerpreço.Semdúvidaéverdadeque,tecnicamente,elanãoparticipavadeassuntospúblicos;masadistinçãoentreoqueépúblicoeprivadoésempresutil;e,nocasodeumasoberanareinante–comoosanosseguintesiriamcomprovar–,éfrequentementeimaginária.Considerandotodasascoisas–ocaráterdaspessoaseocaráterdaépoca–eraporalgomaisdoqueumamera questão de interesse privado que o quarto da baronesa Lehzen no Palácio de Buckinghamficavaaoladodoquartodarainha.Masainfluênciaexercidapelabaronesa,pormaiorquepareçatersidoemsuaprópriaesfera,nãoera

ilimitada;outrasforçastambémtrabalhavam.Poralgummotivo,ofielStockmartinhafixadoresidênciano palácio. Durante os vinte anos que tinham se passado desde a morte da princesa Charlotte, suasexperiênciasforamvariadaseadmiráveis.Oconselheirodesconhecidodeumprincipelhodesconhecidotinhagradualmenteascendidoaumaposiçãodeimportânciaeuropeia.Suadevoçãoaseumestrenãoforaapenassincera,comotambémcautelosaesensata.FoiumconselhodeStockmarquemanteveopríncipeLeopold na Inglaterra durante os anos críticos que sucederam a morte de sua esposa, tendo assimasseguradoparasiorequisitoessencialdeumpointd’appuinoseupaísdeadoção.84FoiadiscriçãodeStockmar que abafouos embaraços que cercarama aceitação e posterior rejeiçãoda coroagregaporparte do príncipe. Foi Stockmar quem induziu o príncipe a se tornar o soberano constitucional daBélgica.85Acimadetudo,foramotato,ahonestidadeeotalentodiplomáticodeStockmarque,apósumalonga série de negociações árduas e complicadas, resultaram na garantia da neutralidade da Bélgicapelas grandes potências.86 Seus serviços foram recompensados com um baronato alemão e a totalconfiançadoreiLeopold.MasnãoeraapenasemBruxelasqueeleera tratadocomrespeitoeouvidocomatenção.OsestadistasquegovernavamaInglaterra–lordeGrey,SirRobertPeel,lordePalmerston,lordeMelbourne– tinhamaprendidoavalorizaraltamentesuaprobidadeesuainteligência.“Eleéumdoshomensmaissábiosquejávi”,disselordeMelbourne–“ohomemmaisdiscreto,maissensato,maisfrio”.87ElordePalmerstoncitouobarãoStockmarcomooúnicohomemabsolutamentedesprendidoqueele encontrara na vida.88 Por fim, ele pôde se retirar para Coburg, onde desfrutou por alguns anos acompanhia de sua mulher e seus filhos, a quem até então os trabalhos a serviço de seu senhor sópermitiamvisitarapóslongosintervalos,àsvezesdeummêsoudois.Mas,em1836,elefoinovamenteencarregado de uma negociação importante, concluída com sucesso: a que resultou no casamento dopríncipeFerdinanddeSaxe-Coburg,umsobrinhodoreiLeopold,comarainhaMariaIIdePortugal.89AcasadosCoburgestavacomeçandoaseespalharpelaEuropa.EoestabelecimentodobarãonoPaláciodeBuckingham,em1837,estavadestinadoaseroprelúdiodemaisumavançoimportante.90OreiLeopoldeseuconselheiroproporcionamemsuastrajetóriasumexemplodacuriosadiversidade

dasambiçõeshumanas.Osdesejosdohomemsãomaravilhosamentevariados;masnãomenosvariadossãoosmeiospelosquaisestesdesejospodemalcançarsatisfação:eassiméfeitootrabalhodomundo.AmentecorretadeLeopoldansiavapelocompletoaparatoda realeza.Omeropodernão teriaexercidoatraçãoalgumasobreele;eleprecisavaserumreideverdade–acabeçacoroadadeumpovo.Eissoaindanãoeraobastante; tambémeraessencialserreconhecido;nadamaisadiantaria.Agrandezacomqueelesonharavinhacercadadetodasascircunstânciasapropriadas.Serumamajestade,serumprimodos soberanos, casar-se com uma Bourbon com fins diplomáticos, corresponder-se com a rainha daInglaterra,sermuitofrioepontual,fundarumadinastia,provocardesmaiosemembaixatrizes,viver,nopináculomaisaltodasociedade,umavidaexemplar,devotadaaoserviçopúblico– taiseramosseusobjetivos,etais,defato,foramassuasrealizações.OMarquisPeu-à-Peu,comoochamavaGeorgeIV,91teveoquequeria.MasnadadaquiloteriaacontecidoseaambiçãodeStockmarnãotomasseumaformaexatamentecomplementaràsua.Asoberaniaaqueobarãoaspiravanãoeradeformaalgumaóbvia.Suasatisfaçãoessencialserealizavanasombra,nainvisibilidade–ementrar,despercebido,atravésdeumaporta secreta, na própria câmara central do poder, e sentar-se lá em silêncio, puxando sutilmente ascordasquecolocavaemmovimentoasengrenagensdetodoomundo.Pouquíssimaspessoas,ocupandoaltos cargos e excepcionalmente bem informadas, sabiam que o barão Stockmar era alguém tãoimportante: mas isso era o bastante. As fortunas do senhor e seu criado, interagindo intimamente,cresciamjuntas.OtalentosecretodobarãotinhadadoaLeopoldumreinadoinatacável;eLeopold,porsuavez,àmedidaquepassavaotempo,forneciaaobarãomaisemaischavesqueabriamcadavezmaisportasdosfundos.Stockmar fixou residência no palácio, parcialmente como um emissário do rei Leopold, mas mais

particularmente como um amigo e conselheiro de uma rainha que era quase uma criança, e que,certamente, precisaria muito de conselhos e amizade. Mas seria um erro supor que um desses doishomensagiumotivadoporumegoísmovulgar.Orei,naverdade,sabiaperfeitamentedequeladodopãoestavaamanteiga;duranteumavidaaventurosaecomplicada,eletinhaadquiridoumconhecimentosagazdofuncionamentodomundo;eestavabastantepreparadoparausaresseconhecimentoparafortalecersuaposiçãoeespalharsuainfluência.Eentão,quantomaisfirmeestivesseemseupostoemaisamplafossesua influência,melhor seria para aEuropa; disso ele estava certo.E alémdisso, ele era ummonarcaconstitucional;eseriaaltamenteindecorosoparaummonarcaconstitucionaltermetasouinteressesquefossem baixos ou pessoais. Quanto a Stockmar, o desprendimento que Palmerston observara eracertamenteumelementobásicodeseucaráter.Oconspiradorésempreumotimista;eStockmar,torturadopeladispepsiaeassaltadoporpressentimentossombrios,eraumhomemmelancólicoporconstituição.Eleeraumconspirador,semdúvida;masconspiravadeformacautelosaerevestidademalícia,esempreparafazerobem.Parafazerobem!Quemotivomaisnobrepodeterumconspirador?Aindaassimeraperigosoconspirar.ComLehzenpresenteparasupervisionarcadadetalhedesuaconduta,comStockmarnoquartoaolado,

tãocheiodesabedoriaeexperiênciaemnegócios,comascartasdeseutioLeopold,todosmanifestandotão constantemente seu encorajamento, com reflexões gerais e conselhos altamente valiosos, Vitória,mesmoquenãotivessenenhumoutroguia,nãocareceriadeconselheirosprivados.Maselatinhaoutroguia;poistodasessasinfluênciasforamofuscadasporumanovaestrela,deprimeiríssimagrandeza,que,surgindorepentinamentenoseuhorizonte,imediatamentedominouasuavida.

III

WilliamLamb,oViscondeMelbourne,tinha55anosdeidadeefora,nosúltimostrêsanos,oprimeiro-

ministro da Inglaterra. Sob qualquer ponto de vista, ele podia ser considerado umdosmembrosmaisafortunados da humanidade. Tinha nascido emmeio a riquezas, brilho e poder. Suamãe, fascinante einteligente,tinhasidoumagrandeanfitriãdoPartidoWhig,eeleforacriadocomoummembrodaquelasociedaderadianteque,duranteoúltimoquartodoséculoXVIII,concentravadentrodesiasperfeiçõesfinais de cem anos de aristocracia triunfante.A natureza lhe tinha dado beleza e inteligência; amorteinesperada de um irmãomais velho lhe trouxe riqueza, o título de par do reino e a possibilidade deavançaraindamais.Dentrodestecírculoencantado,fossemquaisfossemassuasfraquezaspessoais,eradifícil falhar; e para ele, com todas as suas vantagens, o sucesso era quase inevitável. Com poucoesforço, ele obteve umaposição de destaque na vida política.Como triunfo doPartidoWhig, ele setornou um dos líderes do governo; e, quando lorde Grey se aposentou como primeiro-ministro, eleocupouserenamenteopostovago.Enãoeraapenasnossinaisvisíveisdafortunaqueodestinootinhafavorecido.Condenado,porassimdizer,aosucesso–eaosucessofácil–,eleaindafoidotadodeumanatureza a que o sucesso agradava muito. Sua inteligência, ao mesmo tempo rica e flexível, e seutemperamento,aomesmotempocalmoesensível,ocapacitaramnãomeramenteatrabalhar,masavivercom perfeita facilidade, e com a graça do poder. Na sociedade, ele era um prosador notável, umacompanhiacativante,umhomemencantador.Sealguémolhassemaisfundo,veriaimediatamentequeelenão era comum, que os toques picantes de sua conversa, e suas maneiras – sua forma distraída edespreocupadadeseexpressar, suasperguntas repentinas, seu jeitode refestelar-see reclinar-se, suasinúmerasblasfêmias–eramalgomaisqueumornamentodivertido:eramamanifestaçãoexternadeumaindividualidadetodapeculiar.A natureza precisa daquela individualidade era muito difícil de avaliar: ela era dúbia, complexa,

talvez contraditória. Certamente havia uma discórdia entre a história interior daquele homem e a suafortunaaparente.Eledeviatudooquetinhaaoseunascimento,eseunascimentoforavergonhoso;sabia-sequesuamãeamaraapaixonadamente lordeEgremont,equelordeMelbournenãoeraseupai.92Seucasamento, que parecia ter sido a coroação de seus ardores juvenis, foi um fracasso desesperado,miseráveleprolongado:aincrívelladyCaroline,

(...)“degostosrefinadosdemaisparasatisfazer,Comespíritodemaisparaficaràvontade,ComvivacidadedemaisparasercorrigidaComimaginaçãodemaisparaterpensamentosnormais,”

estevemuitopertoderepresentaradestruiçãodesuavida.Quando,finalmente,livrou-sedaangústiaedaconfusaloucuradeladyCaroline,desuaextravagância,suaira,seudesesperoesuadevoção,eleficousozinhocomaslembrançasintermináveisdeumafarsamescladaaumatragédia,eumfilhoúnicoqueeraumimbecil.MashaviamaisumacoisaqueeledeviaaladyCaroline.EnquantoelarodopiavacomByronnumagitado freneside romancenaalta sociedade,elepermaneceraemcasacomuma indulgênciaquebeiravaocinismo,ocupandosuasolidãocomaleitura.Foiassimqueeleadquiriuohábitodoestudo,oamoraoaprendizadoeaqueleconhecimentoamploeargutodaliteraturaantigaemoderna,queformavamumapartetãoinesperadadesuabagagemintelectual.Suapaixãopelaleituranuncaoabandonou;mesmoquando era primeiro-ministro, ele encontrava tempo para conhecer a fundo cada livro novo que eraeditado.93 Com uma incongruência característica, seu assunto favorito era teologia.Como um perfeitoerudito,eleleraemprofundidadeosPaisdaIgreja;examinarapesadosvolumesdecomentárioeexegesecomumadiligênciaescrupulosa;enosmomentosmaisestranhoselepodiaserencontradovirandoumapáginadaBíblia.94Paraasdamaspreferidas,eleemprestavaalgunslivrossobreaRevelação,atulhados

denotasnasmargensescritasporelepróprio,ouasObservaçõessobreoserrosdosjudeusemrelaçãoà conversão de Maria Madalena, do Dr. Lardner. As mais devotas entre elas alimentavam grandesesperanças de que esses estudos o levariam ao bom caminho; mas não havia sinais disso em suasconversasapósojantar.95O paradoxo de sua carreira política não foi menos curioso. Aristocrata por temperamento e

conservadorporconvicção,elesubiuaopodercomolíderdopartidopopular,opartidodamudança.ElereprovaraprofundamenteaLeidaReforma,quenofinalsóaceitoucomoummalnecessário;eaLeidaReformaestánaraizdaprópriaexistência,doprópriosignificado,deseugoverno.Eleeracéticodemaisparaacreditaremqualquertipodeprogresso.Ascoisasestavammelhorescomoeram–ou,pelomenos,menospiores.“Émelhornãotentarfazerobem”,eraumadesuasmáximas,“poisassimnãosemeteráemnenhumaenrascada.”Aeducação,namelhordashipóteses,eraalgofútil;aeducaçãodospobreserapositivamenteperigosa.Ascriançasnasfábricas?“Oh,sepelomenosvocêfizesseofavordedeixá-lasempaz!”Olivrecomércioeraumailusão;osufrágioeraumabsurdo;enãoexistiademocracia.Todavia,elenãoeraumreacionário;erasimplesmenteumoportunista.Todoodeverdogoverno,eledizia,era“prevenirocrimeegarantiroscontratos.”Tudooquesedeviaesperardeleeraquetocasseobarcoparaa frente.E ele o fez de uma formanotável – comperpétuas soluções conciliatórias, com flutuações econtradições, com todoo tipode fraquezas, e ainda assimcom sagacidade, gentileza, atémesmocomconsciência, e um suave e etéreo conhecimento dos homens e dos acontecimentos. Ele conduzia astransações de negócios comextraordinárianonchalance. Pessoas importantes, que o procuravamparatratar de assuntos sérios, o encontravam numa cama desarrumada, atulhada de livros e papéis, ou sebarbeando despreocupadamente em seu quarto; mas, quando eles desciam novamente as escadas, sedavam conta de que, de alguma maneira, tinham servido aos seus propósitos. Quando ele tinha quereceber uma delegação, mal conseguia manter a gravidade apropriada para esses momentos. Osvalorososrepresentantesdosfabricantesdevelas,oudaSociedadeparaaAboliçãodaPenadeMorte,ficavam aflitos e humilhados quando, no meio das suas exposições, o primeiro-ministro se divertiasoprando uma pena, ou subitamente os interrompia para contar uma piada indecorosa. Como elespoderiam adivinhar que ele tinha passado a noite anterior estudando cuidadosamente os elementos deseus casos? Ele odiava favorecimentos e tinha verdadeira aversão a agendar compromissos – umsentimentoraroentreministros.“Quantoaosbispos”,eleirrompia,“estoupositivamenteconvencidodequeelesadorammeirritar.”Masquando,finalmente,ocompromissoeramarcado,eleofaziacomagudodiscernimento.Seuscolegasobservavamaindaoutrosintoma–seriadesuairresponsabilidadeoudesuasabedoria?Eleàsvezesdormiaduranteasreuniõesdogabinete.96Provavelmente,seeletivessenascidoumpoucoantes,teriasidoumhomemmaissimplesefeliz.Tal

comosucedeu,elefoiumacriançadoséculoXVIII,cujasorteestavalançadanumanova,difícilepoucosimpáticaépoca.Eleeraumarosadooutono.Apesardetodaasuagraciosaafabilidade,seuhumor,seusmodosdespreocupados,umaprofundainquietaçãoopossuía.Umcínicosentimental,umcrentecético,eletinhaocoraçãomelancólicoeagitado.Acimadetudo,elenãoeracapazdeendurecer;aquelaspétalassensíveis tremiamaqualquerventania.Fossemquais fossemsuasoutrascaracterísticas,umacoisaeracerta:lordeMelbournesemprefoihumano,supremamentehumano–humanodemais,talvez.97Eagora,próximodavelhice,suavidadavaumasúbita,nova,extraordináriareviravolta.Elesetornou,

numpiscardeolhos,oconselheiroíntimoeacompanhiadiáriadeumajovemquetinhasaltadodeumavezsódeumquartodecriançaparaotrono.Suasrelaçõescomasmulherestinhamsido,comotudoomaisemsuavida,ambíguas.Ninguémeracapazdeavaliarascomplexidadesemocionaiscambiantesdesuavidadecasado;ladyCarolinedesapareceu;massuaspeculiaressuscetibilidadespermaneceram.Acompanhiafeminina,deumanaturezaoudeoutra,lheeranecessária,eelenãosecolocavalimitesnesseterreno.Umaboaparceladecadadiaeragastaemcompanhiademulheres.Oelementofemininodeseutemperamento tornava fácil para ele ser amigo demuitas mulheres importantes; mas nele o elemento

masculinoeraigualmenteforte.Nessascircunstâncias,erabastantenatural,eatémesmoinevitável,quecommuitas ele fosse mais que um simples amigo. Havia rumores, e mais de uma vez seu nome foienvolvidoemcasosescandalosos.LordeMelbournefoiduasvezescitadoemaçõesdedivórcio;masnasduas ele saiuvencedor.A adorável ladyBrandon, a infeliz e brilhanteSra.Norton...A lei ignorou asduas.Sobreosfatosocorridosdesceuumacortina impenetrável.Mas,dequalquerforma,estavaclaroque, com essas credenciais, a posição do primeiro-ministro no Palácio de Buckingham era altamentedelicada.Ele estava, porém, acostumado a situações delicadas, e enfrentoumais esta com total êxito.Desde o primeiro momento, sua conduta foi impecável. Sua forma de lidar com a jovem rainhacombinava, com perfeita facilidade, a atenção e o respeito de um estadista e cortesão com a ternasolicitudedeumpai.Eleeraaomesmotemporeverenteeafetuoso,aomesmotempoumservoeumguia.Enquanto isso, os hábitos de sua vida passaram por uma surpreendente mudança. Seus dias decomodismoe impontualidade tiveramque se sujeitar à rotina inalterável deumpalácio; ele já não seestatelavaemsofás;nemumúnico“Maldito!”escapavadeseus lábios.Ohomemdomundo,quetinhasidoamigodeByronedoRegente,oprosadorcujosparadoxostinhamencantadoaCasadaHolanda,ocínico cujas obscenidades tinham animado tantas festas, o amante cujas palavras suaves tinhamconquistado tantas belezas, tantas paixões e tantos espíritos, agora podia ser visto, tarde após tarde,conversando, com infinita polidez, com uma colegial, retesado, em meio ao silêncio e à rigidez daetiquetadacorte.98

IV

Por sua vez, Vitória ficou instantaneamente fascinada por lordeMelbourne. O relatório favorável deStockmartinhacertamentepreparadooterreno;Lehzensensatamenteaquiesceu;eaprimeiraealtamentefavorávelimpressãonuncafoialterada.Elaoachavaperfeito;eperfeitoelepermaneceu,aseusolhos.Sua adoração absoluta e evidente eramuito natural; que criatura jovem e inocente teria resistido, emquaisquer circunstâncias, ao charme e à devoção daquele homem? Mas, na sua situação, havia umainfluênciaespecialqueconferiaumbrilhopeculiaratudooqueelasentia.Depoisdeanosdesolidão,tédio e repressão, ela tinha conquistado repentinamente, na flor da juventude, liberdade e poder. Erasenhora de si mesma, de grandes domínios e palácios; era a rainha da Inglaterra. Ela tinharesponsabilidades e dificuldades, sem dúvida, e estas eram imensas; mas um sentimento dominava eabsorviaosdemais–aalegria.Tudolheagradava.Elaviviacomumaexcelentedisposição,damanhãatéanoite.OSr.Creevey,agoraenvelhecidoemuitopróximodofim,vendo-aderelanceemBrighton,gostou muito, à sua maneira arguta, da ingênua alegria da “pequena Vic”* – “Nunca se contemploucriaturamaistrivial,quandoelaestáàvontade,eelaestáevidentementedispostaaficarcadavezmaisàvontade.Elaricomrealsinceridade,abrindoabocatantoquantopode,mostrandogengivasnãomuitobonitas(...)Elacomecomamesmavoracidadecomqueri,achomesmoquepossodizerqueeladevoraos pratos (...)Ela ruboriza e ri a cada instante,mas o faz de forma tão natural que desarmaqualquerum.”99Masnãoeraapenasquandoestavarindooudevorandoqueelasedivertia;ocumprimentodeseusdeveresreaislhedavaintensasatisfação.“Eurealmentetenhomuitooquefazer”,escreveuemseudiáriopoucosdiasdepoisdesuaascensãoaotrono.“Recebosempararcomunicadosdemeusministros,masgostomuitodisso.”100Enovamente,umasemanadepois,elaescreveu:“Repitooquejádisseantessobrerecebertantoscomunicadosdosministros,eenvioigualmentemuitosaeles,etenhoqueassinarmuitospapéisacadadia,tenhosempremuitacoisaafazer.Maseumedeleitocomestetrabalho.”101Atravésdaimaturidade damenina, os predestinados gostos damulher estavamvindo à tona comuma impacientevelocidade,comumadeliciosaforça.

Umdetalhedesuafelizsituaçãomereceumamençãoparticular.Àparteoesplendordesuaposiçãosocial e a importânciade suaposiçãopolítica,Vitória eraumapessoadegrande riqueza.Tão logooParlamentosereuniu,foiestabelecidaparaelaumaanuidadede385millibras.Descontadasasdespesascomafamília,sobravam68millibrasanuaisparaseuusopessoal.Elagozava,alémdisso,dasrendasdoducadodeLancaster,quesuperavamas27millibrasanuais.Oprimeiroempregoqueelafezdodinheirofoitípico:pagoutodasasdívidasdeseupai.Emquestõesfinanceiras,nãomenosdoqueemoutrasáreas,elaestavadeterminadaasercorreta.Vitória tinhaos instintosdeumhomemdenegócios;eela jamaispoderiaficarsatisfeitanumaposiçãoquefossefinanceiramenteinconsistente.102Comajuventudeeabelezabrilhandootempotodo,osdiaspassavamfelizes.Ecadadiadependiade

lordeMelbourne.O seu diário nos revela, comenorme clareza, a vida da jovem soberana durante osprimeirosmesesdeseureinado–umavidasatisfatoriamenteregular,cheiademomentosagradáveis,umavida de prazeres simples, sobretudo físicos – equitação, comida, dança – uma vida leve, fácil, nadasofisticadaeautossuficiente.Aluzdamanhãbrilhavasobreela;e,daróseaclaridade,emergiaafigurade“lordeM.”,supremoeglorioso.Seelaéaheroínadahistória,eleéoherói;mas,naverdade,elessãomais que herói e heroína, já que não existem outros personagens. Lehzen, o barão e tio Leopold sãosombrassemsubstância–ossuportesincidentaisdapeça.Oseuparaísoerahabitadoporduaspessoas,eseguramente isso bastava à rainha. Os dois são vistos juntos, imóveis, formando um curioso casal,estranhamenteunidonaquelaspáginassimples,sobailuminaçãomágicadaquelaaurorade80anosatrás:o polido e refinado cavalheiro de cabelos grisalhos, costeletas e sobrancelhas escuras e grossas, oslábios em constantemovimento e os olhos grandes e expressivos; e ao lado dele a pequena rainha –loura,esbelta,elegante,ativa,comseuvestuáriocompletodemeninaeseupequenochapéu,consultando-odeformasinceraeadorável,comolhosazuissaltadoseabocasemiaberta.Assimelesaparecememcadapáginadodiário;emcadapágina,lordeM.estápresente,lordeM.estáfalando,lordeM.estásendodivertido,instrutivo,afetuosoeencantadoraomesmotempo;eVitóriabebesuaspalavrasmelosas,riatémostrar as gengivas, tenta lembrar-se de tudo e se apressa, tão logo fica sozinha, a anotar tudo. Suaslongasconversasabordavammuitíssimos temas. lordeM.criticava livros, lançavaumaobservaçãoouduassobreaConstituiçãobritânica,faziareflexõesbrevessobreavidahumanaecontavaumahistóriaatrás daoutra sobreograndepovodo séculoXVIII.Entãovinhao trabalho– talvezumdespachodelordeDurham,noCanadá,quelordeM.tinhaqueler.Masanteseledeviadarumapequenaexplicação.

Ele afirmouque eupreciso saber queoCanadápertenciaoriginalmente aos franceses e só foicedido à Inglaterra em1760, quando ele foi tomado numa expedição comandada porWolfe; ‘umempreendimento muito audacioso’, ele disse. O Canadá era então inteiramente francês, e osbritânicossóchegaramdepois(...)lordeM.explicouissocommuitaclareza(emuitomelhordoqueestoufazendo),edissemuitasoutrascoisassobreoassunto.EleentãoleuparamimodespachodeDurham, que era muito longo e consumiu mais de meia hora para ser lido. Lorde M. o leulindamente,comsuavozsuaveeagradável,ecommuitaexpressão,deformaqueédesnecessáriodizerqueeufiqueimuitointeressadaemtudo.103

Eentãoaconversaganhavaumtommaispessoal.LordeM.descreviaasuainfância,eelaaprendiaque“eleusavaseuscabeloslongos,comotodososgarotosnaépoca,atécompletar17anos(comoeledeviaserbonito!).”104Oueladescobriaalgosobreseusgostosehábitosextravagantes–comoofatodenuncausar relógio, o que parecia bastante extraordinário. “‘Eu sempre pergunto a hora ao criado, e elemerespondeoquequiser’,disselordeM.”105Ouquandoasgralhasvoavamemtornodasárvores,“deumamaneiraqueindicavachuva”,elediziaquepoderiasentar-seeficarolhandoparaelasduranteumahora,

e“ficoubastantesurpresoporeunãogostardelas...LordeM.disse:‘Asgralhasmedãoprazer.’”106Arotinadiária, fosseemLondres, fosseemWindsor,quasenãovariava.Amanhãeradedicadaaos

negócioselordeM.Àtarde,acorteinteirasaíaparacavalgar.Arainha,comsuaroupadeequitaçãodeveludoeumacartolacomumvéupresonaaba,lideravaacavalgada;elordeM.iaaoseulado.Oanimadogrupoerarápidoepercorriagrandesdistâncias,paraaalegriadeSuaMajestade.Devoltaaopalácio,aindahavia tempoparaumpoucomaisdediversãoantesdojantar–talvezumjogoderaqueteevolante,oubrincadeirascom as crianças nas galerias.107 O jantar chegava, e o cerimonial se retesava decididamente. Ocavalheiro de postomais elevado sentava-se do lado direito da rainha; à sua esquerda – isto logo setornouumaregraestabelecida–sentava-selordeMelbourne.Depoisqueasdamasdeixavamasaladejantar, os cavalheiros não eram autorizados a permanecer pormuito tempomais; na verdade, o curtoperíodo que eles tinham para tomarem vinho foi tema – correu este rumor – de uma das poucasdesavençasentrearainhaeseuprimeiro-ministro;108masasuadeterminaçãotriunfou,eapartirdaliabebedeiraapósojantarcomeçouasairdemoda.Quandoogrupovoltavaasereunirnasaladeestar,aetiquetaera rigorosa.Poralgunsminutos,a rainhasedirigiaacadaumdeseusconvidados;eduranteessescolóquiosbrevesmasdesconfortáveis,aaridezdarealezasetornavadolorosamenteevidente.Umanoite,oSr.Greville,osacristãodoConselhoPrivado,estavapresente;logochegouasuavez;oviveurdemeia-idade e rosto duro ouviu de sua jovem anfitriã: “Cavalgou hoje, Sr. Greville?”, perguntou arainha.“Não,senhora,nãocavalguei”,respondeuoSr.Greville.“Foiumbelodia”,continuouarainha.“Sim,senhora,umdiamuitobonito”,disseoSr.Greville.“Mastalvezestivesseumpoucofrio”,dissearainha. “Estava um pouco frio, senhora”, disse o Sr. Greville. “Creio que a sua irmã, lady FrancisEgerton, também gosta de cavalgar, não?”, disse a rainha. “Ela cavalga de vez em quando, senhora”,disseoSr.Greville.Houveumapausa,apósaqualoSr.Grevilleseaventurouaconduziraconversa,embora semousarmudar de assunto. “SuaMajestade cavalgouhoje?”, perguntouoSr.Greville. “Oh,sim,umpasseiomuito longo”, respondeu animadamente a rainha.Era só isso.SuaMajestade sorria einclinava a cabeça.OSr.Greville se curvava, e a conversa seguinte começava, como cavalheiro aolado.109Quando todososconvidados já se tinham inclinado,aduquesadeKent sentava-separao seujogodeuíste, e todososdemais sentavam-se ao redordamesa.LordeMelbourne sentava-se atrásdarainhae falavapernosticamente– frequentementeàproposdoconteúdodeumdosdiversosálbunsdegravurasqueficavamsobreamesa–atéquefossem23h30,horadeirparaacama.110De vez em quando havia pequenas diversões: a tarde podia ser passada no teatro ou na ópera.Na

manhãseguinte,ocríticorealtentavadecifrarcautelosamenteasimpressõesdarainha.

FoiencenadaatragédiaHamlet,deShakespeare,eentramoslogonocomeço.OSr.CharlesKean(filhodovelhoKean)interpretouopapeldeHamletlindamente,devodizer.Asuaconcepçãodessepersonagemtãodifícil,equasepossodizerincompreensível,éadmirável;elepronuncioumuitobemtodosos longos e refinadosmonólogos; ele émuitogracioso, e todosos seus atos e atitudes sãoexpressivos, embora nem sempre o sejam na aparência (...) Fui embora assim que Hamletterminou.”111

Maistarde,elafoiassistiraMacreadyemReiLear.Elanãoconheciaahistória;nãosabianadasobreatrama e, a princípio, mostrou-se pouco interessada pelo que acontecia no palco; Vitória preferiaconversar e rir como lorde tesoureiro.Mas, àmedidaque apeça avançava,o seu estadode espíritomudou; ela passou a concentrar sua atenção, parando de rir. Ela estava intrigada; a história pareciaestranha e horrível. O que achava lorde M.? Lorde M. pensava que era uma peça muito fina, mas

certamentetambémeraumapeçaduraeáspera,escritaparaasuaépoca,compersonagensexagerados.“Ficocontenteporvocêestarassistindoaisso”,eleacrescentou.112Mas,semdúvida,astardesqueelamais apreciava eram aquelas emque havia dança.Ela estava sempre pronta para aproveitar qualqueroportunidade–achegadadeprimos,umaniversário,umareuniãodejovens–paraordenarquehouvesseumafesta.Então,quandoabandatocava,asfigurasdosdançarinossemoviamaosabordamúsica,eelasentiao seuprópriocorpobalançar, comespíritos jovens tãopróximosdela, em todosos lados–eraentãoqueasuafelicidadeerasuprema,seusolhoscintilavam,eelaprecisavacontinuaratéamadrugada.PorummomentoelaseesqueciaatémesmodelordeMelbourne.

V

Osmesespassaram.Overãotinhaterminado:“OmaisagradávelverãoqueJÁpasseinaminhavida,eeununca esquecerei este primeiro verão demeu reinado.”113 Com surpreendente rapidez, outro verão seaproximou.Acoroaçãoveioepassou–umsonhoestranhoecurioso.Ocerimonialantigoecomplicadofuncionou tãobemquantopodia,comoumamáquinadeenormecomplexidadequeestivesseumpoucoforadeuso.Apequenafiguracentralpassouatravésdesuasengrenagens.Elasesentou;elacaminhou;ela rezou; ela levou de um lado para o outro um globomuito pesado; o arcebispo de Canterbury seaproximoue lhe enfiou com forçaumanel nodedo errado, a pontodequase fazê-la chorar dedor; ovelholordeRolletropeçouemseumantoecaiuquandoiaprestarsuahomenagem;elafoi levadaparaumacapelalateral,ondeoaltarestavacobertocomumatoalhademesa,sanduíchesegarrafasdevinho;elaentreviuLehzennumcamarotesuperioretrocoucomelaumsorrisoaosesentar,demantoecoroa,notronodoconfessor.“Sempremelembrareidestediacomoomaisorgulhosodeminhavida”,disseela.Maisoorgulhologocedeumaisumavezàjuventudeeàsimplicidade.QuandoelaregressouaoPaláciodeBuckingham,pelomenosnãoestavacansada; subiuaté seusquartosparticulares,desfez-sede seusesplendoresedeuobanhovespertinoemseucachorroDash.114Avidavoltavaapassarcomatranquilidadehabitual–embora,naturalmente,estatranquilidadefosse

àsvezesperturbada.HaviasempreocomportamentoaflitivodotioLeopold.OreidaBélgicanãotinhasido capaz de resistir à tentação de fazer uso de sua posição familiar para promover seus objetivosdiplomáticos. Mas, na verdade, por que deveria ele resistir? Aquela sua conduta, longe de ser umatentação,nãoestariasimplesmenteselonlesrègles?Paraqueserviamoscasamentosreais,senãoparacapacitar os soberanos a controlar a política externa, apesar dos obstáculos impostos pelasconstituições? Para os mais elevados propósitos, é claro; isso estava entendido. A rainha era suasobrinha–maisqueisso,eraquasesuafilha;seuagenteconfidencialvivianacortedela,numaposiçãoquasedefavoríntimo.Certamente,emtaiscircunstâncias,seriaabsurdo,seriapositivamenteincorreto,perder a oportunidade de submeter às suas vontades, por meio da influência pessoal, à revelia dosministrosingleses,apolíticaexternadaInglaterra.Eletomouasprecauçõesconvenientesparasededicaràtarefa.Continuavaadaradmiráveisconselhos

emsuascartas.Poucosdiasdepoisdaascensãoaotrono,recomendouàjovemrainhaqueenfatizasse,emtoda ocasião possível, o seu nascimento inglês; que exaltasse a nação inglesa; “Também recomendofortementeoapoioàIgrejaEstabelecida;nuncasepoderáfalardemasiadamentesobreesseassunto”.E,então: “Antes de você tomar decisões sobre qualquer questão importante, eu ficaria feliz se fosseconsultado; o que teria a vantagem de lhe dar mais tempo”; nada era mais desagradável do que serpressionada a tomar decisões erradas, de surpresa. Sua sobrinha respondeu imediatamente, com ohabitualcalordeseuafeto;maselaescreveuapressadamente–e, talvez,deformaumpoucovaga.“Oseuconselhoésempredamaiorimportânciaparamim”,afirmou.115

Teriaido,possivelmente,longedemais?Elenãopodiatercerteza;talvezVitóriaestivessecompressa.Dequalquer forma,eleseriacauteloso; retrocederia–pourmieuxsauter, acrescentoupara simesmo,com um sorriso. Nas cartas seguintes, não fez referência alguma à sugestão prévia de que ela oconsultasse; ele simplesmente sublinhou a sabedoria de se recusar, em geral, a tomar decisõesprecipitadas,deimproviso,sobrequestõesimportantes.Atéali,seuconselhoforaseguido;sabia-sequea rainha, quando lhe faziam requerimentos, raramente dava uma resposta imediata. Isso acontecia atémesmocomlordeMelbourne;quandoelelhepediaasuaopiniãosobrequalquerassunto,elarespondiaquepensariaarespeitoelhediriaaqueconclusãochegaranodiaseguinte.116OsconselhosdoreiLeopoldprosseguiam.AprincesadeLieven,eledisse,eraumamulherperigosa;

haviamotivos para crer que ela faria tentativas de semeter emassuntos quenão lhe diziam respeito;Vitóriadeviasaberdisso.“Umaregraquenuncafareidemaisemrepetirénuncapermitirqueaspessoasfalemdeassuntosqueenvolvamvocêouseusnegócios,semquevocêastenhaautorizadoafazê-lo.”Setalcoisaocorresse,eladeveria“mudaroassuntodaconversaefazeroindivíduosentirquecometeraumerro.” Madame de Lieven solicitou uma audiência e de fato parecia inclinada a tocar em assuntosconfidenciais;depoisdoquearainha,emboraligeiramenteembaraçada,falouapenaslugares-comuns.Oindivíduosentiuquetinhacometidoumerro.117Oconselhoseguintedoreifoinotável.Quaseinvariavelmente,eledisse,ascartassãolidasnoposto

docorreio.Issoerainconveniente,semdúvida;mas,devidamenteassimilado,ofatopodiatrazeralgunsbenefícios.

Voulhedarumexemplo:aindaestamossendoatormentadospelaPrússiaemrelaçãoàquelesfortes;agora, para informar ao governo daPrússia várias coisas, quenósnãogostaríamos de informaroficialmente,oministroestáescrevendoumdespachoparaonossohomememBerlim,queseráenviadopelocorreio; osprussianoscertamenteolerão,descobrindooquenósqueremosqueelesdescubram.

Circunstâncias análogas poderiam perfeitamente acontecer na Inglaterra. “Eu lhe revelo o truque”,escreveuSuaMajestade,“paraquevocêsepreparepararefutá-lo.”Taiseramassutilezasdasoberaniaconstitucional.118Parecia que era chegada a hora para mais um passo. A carta seguinte do rei estava cheia de

comentáriossobreapolíticaexterna–asituaçãodaEspanhaedePortugal,ocaráterdeLouis-Philippe;edestavezelerecebeuumarespostafavorável.Vitória,éverdade,começoudizendoquetinhamostradoaparte política de sua carta a lordeMelbourne.Mas ela passou em seguida a discutir os assuntos doexterior.Pareciaqueestavadispostaa trocarobservaçõesdessanaturezacomseu tio.119Até ali, tudobem.MasoreiLeopoldaindaestavacauteloso.Emboraumacrisediplomáticafosseiminente,eleaindavacilava;finalmente,elenãopodiamaismanterosilêncio.Eradamáximaimportânciaparaeleque,emsuasmanobrascomaFrançaeaHolanda,eletivesse,ouaomenosparecesseter,oapoiodaInglaterra.Mas o governo inglês parecia adotar uma atitude neutra; isso era muito ruim; não estar a seu ladosignificavaestarcontraele–seráqueelesnãoviamisso?Poroutrolado,talvezelesestivessemapenashesitando,eumpoucodepressãodeVitóriaaindapoderiasalvartudo.Eledecidiulevarocasoaela,deformadelicadaporémenérgica–mostrar-lheexatamentecomoeleviaaquestão.“TudooquedesejodesuagenerosaMajestade”,escreveuele,

équeexpressea seusministros,ocasionalmente, eparticularmenteaobondoso lordeMelbourne,

que,namedidaemqueissoforcompatívelcomosinteressesdeseusprópriosdomínios,vocênãodesejaqueseugovernoapoiemedidasquepoderiamemcurtoprazoprovocaradestruição destepaís,bemcomodeseutioesuafamília.120

Oresultadodesteapelofoisurpreendente; fez-seumsilênciomortalpormaisdeumasemana.QuandoVitóriafinalmenteescreveu,foipródigaemseuafeto–“Naverdade,meucarotio,seriaumequívocodasua parte pensar que meus sentimentos de ternura, devotada lealdade e grande afeição por você,poderiammudar –nada poderá mudá-los.”Mas as referências de Vitória à política externa, emborafossemlongaserebuscadas,nãoeramcomprometedorasaoextremo;quasechegavamaserformuladasnum estilo oficial e diplomático. Os seus ministros, ela dizia, compartilhavam inteiramente as suasopiniõessobreoassunto;elaentendiaasdificuldadesdaposiçãodeseuadoradotioesesensibilizavadiantedelas; e ele poderia estar seguro “deque tanto lordeMelbournequanto lordePalmerston estãopermanentementepreocupadoscomaprosperidadeeobem-estardaBélgica”.Masnãopassavadaí.Emsua resposta, o rei se declarava lisonjeado, fazendo eco às manifestações de afeto de sua sobrinha.“MinhaqueridaeadoradaVitória”,diziaele, “vocêmeescreveuumacartaadorável e longa,quemeencheudeprazeresatisfação.”Elejamaisadmitiriaquetinhasidorepelido.121Poucos meses depois veio a crise. O rei Leopold estava determinado a agir de forma audaz,

conquistandoVitória,dessavez,comumaexibiçãodeenergiaedesuaautoridadedeparente.Numacartarude e quase peremptória, ele apresentou o caso, uma vez mais, à sua sobrinha. “Você sabe, porexperiência”,escreveuele,

que eununca lhe pedi nada (…)mas, como já disse antes, se não formos prudentes poderemosenfrentarconsequênciasgraves,quepodemafetarmaisoumenosatodos,eistodeveserobjetodanossamaissériaatenção.Continuosendo,minhacaraVitória,seutioafetuoso,LeopoldR.122

ArainhadespachouimediatamenteacartaalordeMelbourne,querespondeucompalavrascautelosaseponderadas,quearigornadasignificavamequeeladeveria,elesugeriu,enviarporsuavezaotio.Elaofez,copiandooelaboradotexto,noqualaexpressão“queridotio”erafrequente;eterminavaacartacomuma mensagem de “amor afetuoso à tia Louise e às crianças”. Então, finalmente, o rei Leopold foiobrigadoareconhecerosfatos.Suacartaseguintenãocontinhareferênciaalgumaàpolítica.“Ficofelizemsaber”,escreveuele,

queBrightonaagradamaisdoquenoanopassado.AchoBrightonmuitoagradávelnestaépocadoano,antesdecomeçaremosventosdoleste.Alémdisso,opavilhãoéconfortável;istonãosepodenegar.Antesdemeucasamento,eraláqueeumeencontravacomoregente.Maistarde,Charlotteaparecia com a velha rainha Charlotte. Acontecimentos já distantes, mas ainda presentes namemória.

ComoapobremadamedeLieven,SuaMajestadesentiuquecometeraumerro.123Elenãopodia,porém,perdertodasasesperanças.Outraoportunidadesurgiu,eelefezumderradeiro

esforço–masdestavezsemmuitaconvicção,efoiimediatamenterepelido.“Meuqueridotio”,escreveuarainha,

Devolheagradecerporsuaúltimacarta,querecebinodomingo.Emboraminhasopiniõespolíticasnãopareçamdesagradá-lo,achomelhornãoalimentá-las,jáqueelaspodemprovocarumincêndio,particularmenteporquevejoquenãopodemosconcordarnesteassuntoespecífico.Eumelimitarei,portanto,aexpressarmeussincerosvotosdebem-estareprosperidadeàBélgica.124

Depoisdisso,ficouclaroquenãorestavanadaadizer.Destepontoemdiante,éperceptívelnascartasdoreiumtomcuriosamenteelegíaco.“MinhacaríssimaVitória,suaadorávelcartinhaacaboudechegarepenetroucomoumaflechanomeucoração.Sim,minhaadoradaVitória.Euaamoternamente(…)Euaamoporvocêmesma, e amoemvocê aquerida criança cujobem-estar eu sempredesejei.”Ele tinhapassadopormuitacoisa;e,seavidalhetrouxeraalgumasmágoas,tambémlhetrouxesatisfações.“Tenhotodas as honras que se pode ter e estou, politicamente falando, solidamente estabelecido.”Mas haviaoutras coisas alémda política.Havia anseios românticos em seu coração. “Oúnico desejo que aindasintoépeloOriente,ondetalvezirei terminarminhavida,começandonooesteeterminandonoleste.”Quantoàsuadevoçãopelasobrinha,estanuncaterminaria.

Eununcaimpusosmeusserviçosavocê,nemosmeusconselhos,emborapossadizercomalgumaverdade que, graças ao destino extraordinário que os poderes superiores me designaram, minhaexperiênciaévasta,tantopoliticamentequantonavidaprivada.Estareisempreprontoalheserútil,ondeequandofornecessário,e,vourepetir,tudoquepeçoemretribuiçãoéumpoucodeafeiçãosinceradasuaparte.125

VI

AcorrespondênciacomoreiLeopoldfoireveladorademuitodoqueaindapoderiaestarparcialmenteocultono caráter deVitória.Elanãovacilouum instante sequer em sua atitude como tio.A todas asinvestidas dele, ela reagiu de forma inflexível. A política externa da Inglaterra não era da suacompetência;sódiziarespeitoaelaeaosseusministros.Suasinsinuações,pedidoseesforços–tudofoiemvão,eeledeviacompreenderquenovastentativasseriaminúteis.Arigidezdesuaposiçãoeraaindamaisadmirávellevando-seemcontaoestilorespeitosoeafetuosocomqueelaaexpressou.Doinícioaofim, a rainha, impassível, continuou sendo a sobrinha devotada.OpróprioLeopold deve ter invejadoessaperfeitacorreção;masoqueéadmirávelnumestadistamaduroéalarmantenumamoçade19anos.E observadores privilegiados já demonstravam alguns receios. A estranha mistura de uma bondadeingênuaedeterminaçãoacirrada,defranquezaereticência,deinfantilidadeeorgulho,pareciaprenunciarum futuro surpreendente e cheio de perigos.Àmedida que o tempopassava, as característicasmenosagradáveisdessacuriosacombinaçãoserevelavamcommaisfrequênciaemaisseriamente.Haviasinaisde um temperamento imperioso e arrogante, de um egoísmo forte e duro. Notou-se que a etiqueta dopalácio,emvezdesersuavizada,tornava-secadadiamaisrigorosa.AlgunsatribuíramissoàinfluênciadeLehzen;mas,sefosseassim,Lehzenteriaumapupiladevotadaemsuasmãos;enquantoasmaislevesinfraçõesdasrígidasregrasdeordemedeferênciaeraminvariavelmente–eimediatamente–condenadaspelos olhares agudos e altivos da própria rainha.126 Mesmo assim, os olhares de Vitória, poresmagadoresquefossem,erammenosesmagadoresqueasuaboca.Arebeldiaexpressadaporaquelesdentes pequenos e projetados e aquele queixo recuado era mais assustadora que a de uma poderosamandíbula;eraumarebeldiaimperturbável,impenetrável,quaseirracional;umarebeldiaperigosamentepróximadaobstinação.Eaobstinaçãodosmonarcasnãoéigualàdosoutroshomens.

Dois anos depois de sua coroação, as nuvens sombrias que, desde o início, se vislumbravamvagamentenohorizontecresceramesejuntaram.AsrelaçõesdeVitóriacomsuamãenãomelhoraram.Aduquesa deKent, ainda cercada por todas as exasperantes aparências de consideração filial, era umafiguradescartadanoPaláciodeBuckingham,sempoderalgumeinconsolável.SirJohnConroy,banidoda presença da rainha, ainda tinha ascendência sobre a família da duquesa, e as hostilidades emKensingtoncontinuaramintensasnasnovascircunstâncias.LadyFloraHastingscontinuavaafazersuasbrincadeirasmaldosas; a animosidade da baronesa ainda não tinha sido apaziguada.Mas umdia ladyFlorapercebeuqueabrincadeiratinha-sevoltadocontraela.Noiníciode1839,viajandonacomitivadaduquesa, ela voltou da Escócia na mesma carruagem que Sir John. Uma mudança em sua aparênciatornou-se tema de uma pilhéria indecorosa; boatos começaram a correr, e a pilhéria tornou-se séria.Comentava-se que lady Flora estava esperando um filho.127 Seu estado de saúde parecia confirmar asuspeita; ela consultou Sir James Clark, o médico real, e, depois da consulta, Sir James tampoucoseguroualíngua.Apartirdaí,oescândalocresceurapidamente.Todomundocomentava;abaronesanãoestava surpresa; a duquesa apressou-se a protestar energicamente e a apoiar sua dama; a rainha foiinformada.Porfim,recorreu-seaoexpedienteextraordináriodeumexamemédicocompleto,duranteoqual,segundoladyFlora,SirJamessecomportoucombrutalgrosseria,enquantoumsegundomédicofoiextremamente polido. Finalmente, os dois médicos assinaram um atestado inocentando inteiramente adama.Masissonãorepresentoudeformaalgumaofinaldapolêmica.AfamíliaHastings,socialmentemuito poderosa, entrou na disputa com toda a fúria do orgulho ferido e da inocência ultrajada. SirHastings insistiunumaaudiênciacoma rainha,escreveuaos jornaiseexigiuademissãodeSir JamesClark.VitóriaexpressouoseupesaraladyFlora,masnãodispensouSirJamesClark.Amarédaopiniãovoltou-seviolentamentecontraarainhaeseusconselheiros;aaltasociedadeestavachocadacomtodaaquela lavagemderoupasujadoPaláciodeBuckingham;opúblicoestava,emsuamaioria, indignadocomomau tratamento dado a ladyFlora. Por volta do final demarço, a popularidade, tão radiante eabundante,comqueajovemsoberanacomeçaraoseureino,tinhadesaparecidocompletamente.128Nãorestadúvidadequefaltoudiscriçãoàcorte.Deixou-sequecomentáriosmaldosos,quedeviamter

sidoimediatamentecortadospelaraiz,crescessematéassumirasdimensõesdeumadesgraça;eoprópriotronoseenvolveranasmaldosascalúniasdopalácio.Umaquestãoparticularmenteconstrangedoradiziarespeitoàposiçãode Sir James Clark. O duque de Wellington, a quem se costumava consultar em casos de grandedificuldadeenvolvendoaltospostos,foiconsultadosobreoassuntoemanifestouaopiniãodeque,comoseria impossível afastar Sir James sem uma investigação pública, ele certamente devia ficar ondeestava.129Provavelmenteoduqueestavacerto.MasofatodequeomédicoculpadocontinuavaaserviçodarainhatornavairredutívelafamíliaHastingseproduzianaopiniãopúblicadesagradávelimpressãodeumerrosemarrependimento.Vitóriaeramuitojovemeinexperiente;dificilmentesepoderiaculpá-ladeterfalhadoaotentarcontrolarumasituaçãoextremamentedifícil.IstoeraclaramenteumatarefadelordeMelbourne;eleeraumhomemdomundoe,comavigilânciaeacircunspecçãoadequadas,poderia terserenamenteapagadoaschamasenquantoelasaindaestavamnocomeço.Elenãoofez;Melbourneerapreguiçosoepermissivo;abaronesaerapersistente,enquantoeledeixavaascoisascorrerem.Massemdúvidaa suaposiçãonãoera fácil.Aspaixõesse intensificavamnopalácio;eVitóriaeranãoapenasmuito jovem, ela era tambémmuito teimosa. Possuiria ele o freiomágico que domaria aquele corcelimpetuoso? Ele não podia estar seguro. E então, subitamente, outra crise violenta revelou maisinequivocamentedoquenuncaanaturezadoespíritocomoqualeletinhaquelidar.

VII

Fazia tempo que a rainha era perseguida por um temor: chegaria o dia em que ela seria obrigada aseparar-se de seuministro. Desde a aprovação da Lei da Reforma, o poder do governoWhig vinhadecaindoregularmente.Aeleiçãogeralde1837deixouogovernocomumapequenamaiorianaCâmaradosComuns;desdeentão,vinhapassandopordificuldadescrescentes–noexterior,dentrodecasa,naIrlanda;ogruporadicalsetornouhostil;eraaltamentequestionávelseelesconseguiriamsobreviverpormuitomaistempo.Arainhaassistiaaodesenrolardosacontecimentoscomgrandeansiedade.ElaeradoPartidoWhigpornascimento,porformação,por todotipodeassociação,públicaeprivada;e,mesmoqueesteslaçosnuncativessemexistido,omerofatodequelordeM.fosseumlíderdoPartidoWhigeramais que suficiente para determinar os rumos das suas preferências políticas. A queda dos WhigsrepresentariaumsériotranstornoparalordeM.,masteriaumaconsequênciaaindamaisterrível: lordeM. teriaquedeixá-la; e apresençadiária, em todas ashoras, de lordeM. tinha-se tornadoumaparteintegrantedavidadeVitória.Seismesesdepoisdesuacoroação,elaescreveuemseudiário:“Ficareimuito triste se o perder, mesmo se for por uma noite sequer”;130 e este sentimento de dependênciapessoaldeseuministrosófezaumentar.Nessascircunstâncias,eranaturalqueelasetivessetornadoumapartidáriadosWhigs.Dosignificadomaisamplodasquestõespolíticaselanãoentendiamuito; tudooqueelaviaeraqueseusamigosocupavampostosimportanteseestavampertodela,equeseriahorrívelseissomudasse.“Malpossodizer”,elaescreveuquandoumarupturacríticaeraiminente,

(embora eu esteja confiante em nosso sucesso) como me sintomal e triste, quando penso naPOSSIBILIDADEdeesteexcelenteeverdadeiramentebondosohomemnãocontinuar sendomeuministro!MasaindaacreditocomfervorqueEle,quetãomaravilhosamentemeprotegeuemmeioatantas dificuldades, não iráme abandonaragora!Gostaria de ter expressado a lordeM. aminhaansiedade,masaslágrimasestavammaispróximasqueaspalavrasduranteotempoemqueovi,esentiqueteriaengasgadosetentassedizeralgumacoisa.131

Lorde Melbourne percebeu com bastante clareza como era indesejável este estado de espírito numasoberanaconstitucionalqueaqualquermomentopoderiaserchamadaparareceber,comoseusministros,oslíderesdopartidodeoposição;elefezoquepôdeparaacalmarseuardor,masemvão.Masfoicomconsiderávelfaltadehabilidadeparafazerprognósticosqueeleprópriocontribuiupara

provocaraquelainfelizsituaçãodosnegócios.Desdeomomentodacoroação,elecercouarainhacomdamas de companhia de seu próprio partido. Em sua vida cotidiana, a rainha praticamente nunca viaalguém do Partido Tóri e, na verdade, empenhava-se para nunca precisar ver um, em quaisquercircunstâncias. Ela reprovava “a tribo inteira”, e não se esforçava para ocultar isso. Ela não gostavaparticularmente de Sir Robert Peel, que quase certamente seria o próximo primeiro-ministro. Suasmaneiras eram detestáveis, e ele queria pôr lorde M. na rua. Seus partidários, sem exceção, eramigualmenteruins;equantoaSirJamesGraham,elanãotoleravasequervê-lo;eleeraexatamentecomoSirJohnConroy.132OcasodeladyFloraintensificouaindamaisosrumoresnospartidos.OsHastingseramTóris,elorde

MelbourneeacorteestavamsendoatacadospelaimprensaTóricomumalinguagemfortíssima.Oardorsectáriodarainhacresceunamesmaproporção.Masahoraterrívelestavaseaproximandodepressa.Nocomeçodemaio,osministrosestavamvisivelmentecambaleando;numpontovitaldapolíticaelesmalconseguiam manter uma maioria de cinco na Câmara dos Comuns; então eles decidiram renunciar.QuandoVitóriaouviuanotícia,irrompeuemlágrimas.Entãoaquiloerapossível?Estavatudoacabado?Elaestavade fatoprestesaver lordeM.pelaúltimavez?LordeM.chegou;eéumfatocuriosoque,mesmonessahorasupremadetormentoeagitação,ameticulosagarotatenhaanotadoomomentoexato,

atéosminutos,dachegadaedapartidadeseuamadoministro.Aconversafoilongaecomovente;massópodiaterminardeumjeito–arainhaprecisavamandarchamaroduquedeWellington.Quando,namanhãseguinte, o duque veio, ele aconselhou SuaMajestade a chamar também Sir Robert Peel. Vitória seencontrava num “estado de pesar medonho”, mas engoliu as lágrimas e se recompôs, com realdeterminação,preparando-separaaodiosa,odiosaentrevista.Peeleradenaturezareservada,orgulhosoe tímido.Suasmaneirasdefatonãoeramrefinadas,eele

sabiadisso;embaraçava-sefacilmentee,nessesmomentos,ficavaaindamaisretesadoeformaldoqueantes, enquantoos seuspés desempenhavam,de formamecânica sobreo tapete, umamesura.Ansiosocomoestavaagoraparaconquistarasimpatiadarainha,asuaprópriaansiedadeemserbem-sucedidotornouoseuobjetivoaindamaisdifícil.Elefracassoucompletamenteemfazerqualquerprogressocomadesdenhosa e hostil garota à sua frente. Vitória observou friamente que Peel parecia estar infeliz e“desconcertado” e, enquanto ele permanecia em dolorosa imobilidade, movendo ocasional edesconfortavelmente os pés, o coração da rainha se apertou diante daquela visão: “Oh! Como ele édiferente,comoéhorrivelmentediferentedosincero,afetuoso,espontâneoegentillordeMelbourne!Aaudiência,porém,acabousemnenhumdesastre.Somentenumpequenodetalhepareceuexistirasombradeumdesacordo.Peel decidira que seria necessária umamudançana composiçãodaCasaReal: nãoconvinhaarainhaficarinteiramenterodeadapelasesposaseirmãsdosadversáriosdoprimeiro-ministro;pelomenosalgumasdasdamasdecompanhiadeveriamsersimpáticasaoseugoverno.Quandotocaramnesteassunto,arainhasugeriuquegostariaquetudopermanecessecomoestava;eSirRobertrespondeuqueaquestãopoderiaserresolvidamaistarde,elogoemseguidaretirou-separaacertarosdetalhesdeseugabinete.Enquantoeleestavapresente,Vitóriapermaneceu,comoelaprópriadisse,muitosenhoradesi,cortêsegrave,nãodeixandotransparecernenhumsinaldeagitação”;masassimqueficousozinha,eladesmoronou. Então tentou se recompor para escrever a lorde Melbourne um balanço de tudo o queacontecera, e de sua própria infelicidade. “A rainha se sente,” escreveu ela, “e lorde Melbourneentenderáisso,cercadadosinimigosdaquelesemqueelamaisconfiavaemaisestimava;masopiordetudoéestarprivadadeverlordeMelbournecomocostumava.”LordeMelbournerespondeucomumacartamuitosábia.Eletentouacalmararainhaeconvencê-laa

aceitar a nova situação elegantemente; e ele só tinha boas palavras para os líderes do Partido Tóri.Quanto à questão das damas, a rainha, disse ele, deveria insistir fortemente em seu desejo, já que setratavadeumassuntoqueaafetavapessoalmente;“mas”,eleacrescentou,“seSirRobertnãoforcapazdeceder,denadaservirábaterpéouadiaranegociaçãoarespeitodisso.”Nestepontonãopodehaverdúvidadeque lordeMelbourneestavacerto.Aquestãoeradelicadae

sutil,enuncatinhaocorridoantes;masapráticaconstitucionalsubsequentedeterminouqueumarainhareinante devia ceder à vontade de seu primeiro-ministro no que dissesse respeito ao corpo defuncionários femininode sua casa.A sabedoria de lordeMelbourne, porém, não serviu para nada.Arainhanãoseacalmava,nemmuitomenossemostravadispostaaseguiroseuconselho.EraultrajantequeosTórisquisessemprivá-ladesuasdamasdecompanhia,enaquelanoiteelatomouaresoluçãodeque,fossemquaisfossemaspalavrasdeSirRobert,elaserecusariaaconsentiraremoçãodeumasódesuasdamas.Coerentemente,quando,namanhãseguinte,Peelapareceunovamente,elaestavaprontaparaa ação. Ele começou detalhando os compromissos do gabinete e então acrescentou: “Agora,madame,sobreasdamas”–quandoarainhaointerrompeubruscamente.“Nãopossoabrirmãodenenhumadelas”,disseela.“Oque,madame!”,disseSirRobert,“SuaMajestadepretendemantertodas?”“Todas”,dissearainha.A face deSirRobert trabalhava de forma estranha; ele não conseguia ocultar sua agitação. “adamadovestuárioeasdamasdodormitório?”,eleperguntoufinalmente.“Todas”,respondeumaisumavez SuaMajestade. Peel protestou e discutiu inutilmente; em vão ele falou, num tom cada vez maispomposoedesconfortável,daConstituição,darainhareinanteedointeressepúblico;emvãoeledançouo seu patético minueto. Ela estava irredutível; mas ele tampouco, apesar de todo o seu embaraço,

mostravasinaisdeceder;e,quandofinalmenteeleadeixou,nadatinhasidodecidido–todaaformaçãodogovernotinhaficadopendente,aosabordovento.UmfrenesideexcitaçãoagorainvadiaVitória.SirRobert–elaacreditava,furiosa–tinhatentadosobrepujá-la,afastandodelaosseusamigoseimpondoasua vontade sobre a dela;mas isso não era tudo: subitamente ela tinha descoberto, enquanto o pobrehomemseagitavacomtantoembaraçoàsuafrente,aquiloquevinhadesejandodesesperadamente–umasaídaparaescapar.ElapegouumapenaerabiscouumbilheteparalordeMelbourne.“SirRobertsecomportoumuitomal”,escreveuela;

ele insistiuqueeudeveriadesistirdeminhasdamas,eeurespondique jamaisconsentiria isso,enuncaviumhomemtãoapavorado(...).Euestavacalma,masmuitodecidida,eachoquevocêteriagostadodeverminhacomposturaegrandefirmeza;arainhadaInglaterranãosesubmeteráaessetipodetramoia.Mantenha-sealerta,poisembrevepossoprecisardevocê.

Mal ela terminou, foi anunciado o duque deWellington. “Bem, senhora”, disse ele ao entrar, “é commuito pesar que vejo que há uma dificuldade.” “Oh!”, ela respondeu imediatamente. “Foi ele quemcomeçou,nãoeu.”Vitóriasentiaqueapenasumacoisaeranecessária:eladeviaserfirme.Efirmeelafoi. O venerável conquistador deNapoleão foi derrotado pela incansável vontade de uma garota queainda não tinha 20 anos. Ele não conseguiumover a rainha uma polegada sequer. Por fim, ela até seaventurou a zombar dele. “SirRobert é tão fracoque atémesmoas damasprecisamcompartilhar suaopinião?”,enestemomentooduque,apósumbreveehumildeprotesto,fezumamesuraepartiu.Ela tinhavencido?Otempomostraria;porora,Vitóriaescreveumaisumacarta:“LordeMelbourne

nãodevejulgarlevianaacondutadarainha(...).Arainhasentiuquesetratavadeumtesteparasaberemse ela podia ser manipulada como uma criança.” Os Tóris não eram apenas perversos, mas tambémridículos.Segundoelaentendia,Peel,tendomanifestadoodesejodeafastarapenasaquelesfuncionáriosde sua casa que fossem ligados ao Parlamento, agora fazia objeções às suas damas. “Eu gostaria desaber”, exclamou ela com um desdém triunfante, “se eles pretendem dar às damas cadeiras noParlamento.”Ofinaldacriseestavaseaproximandorapidamente.SirRobertvoltou,dizendoque,seelainsistisse

emconservartodasassuasdamas,elenãopoderiaformarumgoverno.Elarespondeudizendoquelheenviaria sua decisão final por escrito. Na manhã seguinte, o extinto gabineteWhig se reuniu. LordeMelbourneleuemvozaltaascartasdarainha,eogrupodepolíticosexperientesfoiinvadidoporumaondadeentusiasmo.Elessabiammuitobemque,paradizeromínimo,eramuitoduvidosoquearainhativesseagidoemestritoacordocomaConstituição;que,aofazeroquetinhafeito,elapuseradeladooconselho de lorde Melbourne; que, na realidade, não havia um único motivo público para que elesvoltassematrásnadecisãoderenunciar.MastodasessasconsideraçõesdesapareciamdiantedateimosiaapaixonadadeVitória.A intensidadedasuadeterminaçãoosdominavaearrastavanacorrentede suavontade.Eles sentiramunanimementeque “era impossível abandonar aquelaRainha e aquelamulher”.EsquecendoquejánãoerammaisministrosdeSuaMajestade,elestomaramadecisãosemprecedentesdeaconselharemporcartaarainhaaencerrarsuasnegociaçõescomSirRobertPeel.Foioqueelafez;tudo estava terminado; ela tinha triunfado.Naquela tarde, houve um baile no palácio. Todos estavampresentes. “Peel e o duque de Wellington vieram e pareciam muito desconcertados.” Ela estavaperfeitamentefeliz;lordeM.voltavaaserprimeiro-ministro,eestavamaisumavezaseulado.133

VIII

AfelicidadevoltaracomlordeM.,maseraumafelicidadeemmeioaumagrandeagitação.Oimbrogliodomésticocontinuavaexistindo,atéquefinalmenteoduque,rejeitadocomoministro,foiconvocadomaisumavezparaexercersuaantigafunçãode“médicomoral”dafamília.FinalmentealgoaconteceuquandoelepersuadiuSirJohnConroyarenunciaraseupostojuntoàduquesadeKenteadeixaropalácioparasempre;algomaisaconteceu,quandoeleconvenceuarainhaaescreverumacartaafetuosaàsuamãe.Ocaminhopareciaabertoparaumareconciliação,masaduquesaaindaestava irada.ElanãoacreditavaqueVitóriatinhaescritoaquelacarta;aletranãoeradela,eaduquesamandouchamaroduqueparalhedar suaopinião.Oduque, assegurandoa elaquea carta era autêntica, implorouqueela esquecesseopassado.Masissonãoeratãosimples.“OquedevofazerselordeMelbourneviermeprocurar?”“Fazer,senhora?Porquê?Receba-ocomcivilidade”.Bem,elafariaumesforço...“MasoquefareiseVitóriamepedirparaapertarasmãosdeLehzen?”“Fazer,senhora?Porquê?Tome-aemseusbraçosebeije-a.”“Oquê!”,aduquesaencolerizou-seapontodesedescontrolar,paraentãoexplodirnumasinceragargalhada.“Não,senhora,não”,disseoduque,quetambémria,“NãoquerodizerqueasenhoradevatomarLehzennosbraçosebeijá-la,massimarainha.”134Oduquetalvezfossebem-sucedido,setodasastentativasdereconciliaçãonãotivessemsidoanuladas

porumtrágicoacontecimento.LadyFlora,descobriu-se,estavasofrendodeumaterríveldoençainterna,que agora avançava cada vez mais rapidamente. Não restava dúvida de que ela estava morrendo. Aimpopularidade da rainha atingiu um patamar extraordinário. Mais de uma vez ela foi publicamenteinsultada. “Sra.Melbourne”, gritavam para ela quando aparecia em sua sacada; e, emAscot, ela foivaiadapeladuquesadeMontroseeladySarahIngestrequandopassava.LadyFloramorreu.Oescândalointeirovoltouàtona,comveemênciaredobrada;enquanto,nopalácio,osdoispartidosseriamdivididosdaliemdianteporumabarreiraintransponível.135Todavia,lordeM.estavadevolta,etodososproblemassedissipavamsoboencantodesuapresença

e sua conversação. Ele, por sua vez, também tinha passado por muita coisa; e seus conflitos eramintensificadospelaconsciênciadesuasprópriasdeficiências.Elepercebiabastanteclaramenteque,setivesse intervindo no momento certo, o escândalo dos Hastings poderia ter sido evitado; e, na criserelacionada às damas, ele sabia que tinha deixado que sua opinião fosse ignorada, e sua condutadominada por sentimentos privados e pela impetuosidade deVitória.136Mas ele não era do tipo quesofriamuitoagudamenteporcrisesdeconsciência.Apesardastolicesedasformalidadesdacorte,seurelacionamentocomarainhaacabarase tornandoointeressedominantenasuavida;serprivadodissoteriapartido seucoração; essahipótesemedonha fora–pelomenosprovisoriamente–abortada;maisumavez,eleestavabeminstalado,numaespéciede triunfo;entãodeveriaaproveitarpor inteiroessashoras fugazes! E, assim, acariciada pelos favores de uma soberana e aquecida pela adoração de umamenina, a rosa de outono, naqueles meses do outono de 1839, desabrochou maravilhosamente. Suaspétalas se expandiram, lindamente, pela última vez. Pela última vez naquele acidental, incongruente equase inacreditável relacionamento, o velho epicurista provou as delicadezas de um romance. Ver,ensinar, reprimir, encorajar a jovem criatura real ao seu lado – isto já era muito; sentir com umaintimidadetãoconstanteoimpactodesuavivaafeição,desuaradiantevitalidade–istoeramaisainda;acimade tudo, talvez, ele gostava de deixar-se ficar numa contemplaçãovaga e bem-humorada, numaociosadisplicência,falardespreocupadamente,brincarcomumamaçãouumafolha,sonhar.Asfontesdesua sensibilidade, profundamente escondidas dentro dele, estavam transbordando. Frequentemente,quandoMelbournesecurvavaparabeijaramãodarainha,eleprópriosesurpreendiachorando.137Quanto a Vitória, apesar de toda a sua inflexibilidade, era inevitável que um companheiro assim

acabasseprovocandoalgumefeito.Elajánãoeramaisacolegialsimplesdedoisanosantes.Amudançaeravisívelatémesmoemsuaatitudepública.Suaexpressão,antes“ingênuaeserena”,agoraparecia,aumobservadorsagaz,“atrevidaedescontente”.138Elatinhaaprendidoalgumasliçõescomosprazerese

asdoresdopoder;masissonãoeratudo.LordeMelbourne,seubondosoinstrutor,tinhatentadoconduzi-la ao caminho da sabedoria e da moderação, mas todo o movimento inconsciente de seu caráter adesviaraparaumrumomuitodiferente.Apedradecristalclaraeresistente,submetidaportantotempoetãoconstantementeàquelafluidezenvolventeeinsidiosa,tinhasofridoumacorrosãocuriosa;naverdade,elapareciaestarsesuavizandoeficandoligeiramenteenevoada.Asfraquezashumanasefalibilidadesãocontagiosas; era possível que a pupila empertigadadeLehzen as tivesse contraído?QueVitória fossecomeçar a ouvir vozes de sereias? Que os impulsos secretos de autoexpressão, e mesmo deautoindulgência,estivessemdominandoasuavida?Porummomento,afilhadeumanovaeraolhouparatrásecambaleounadireçãodoséculoXVIII.Foiomomentomaiscríticodasuacarreira.Tivessemestasinfluênciasdurado,odesenvolvimentodeseucarátereahistóriadesuavidateriamsidocompletamentediferentes.E por que eles não deveriam durar? Ela própria estava ansiosa para que durassem. Que eles

continuassemparasempre!VitóriaestavacercadadeWhigs,eralivreparafazeroquebementendesseetinha lordeM. a seu lado; ela simplesmente não podia acreditar que um dia poderia ser mais feliz.Qualquermudançasópoderiaserparapior;eapiormudançadetodas...Não,elanãoqueriasaberdisso;seriaintolerável,estragariatudo,seelativessequesecasar.E,noentanto,todospareciamquererqueelao fizesse–opúblicoemgeral,osministros,os seusparentesemSaxe-Coburg–era sempreamesmahistória.Éclaro,Vitóriasabiaperfeitamentequeexistiamexcelentesrazõesparaisso.Quantomaisnãofosse, se ela não tivesse filhos, e morresse, seu tio Cumberland, que agora era o rei de Hanover, asucederianotronodaInglaterra.Isto,semdúvida,seriaumacontecimentodosmaisdesagradáveis;eelasimpatizava inteiramente com todos aqueles que queriam evitar essa hipótese.Mas não havia pressa;naturalmente, ela acabaria se casando – mas não agora, nem nos três ou quatro anos seguintes. Ocansativoeraque,aparentemente,seutioLeopoldtinhadeterminadonãoapenasqueeladeviasecasar,mas tambémque omarido deveria ser o seu primoAlbert. Isso eramuito típico do tioLeopold, quequeriaterinfluênciaemtudo;eeraverdadequemuitotempoantes,emdiaslongínquos,anterioresatéàsuacoroação,elalhetinhaescritodeumamaneiraquepodemuitobemtê-loencorajadoaalimentaressaideia.EladisseraaotioqueAlberttinha“todasasqualidadesqueseriamdesejáveisparafazê-lafeliz”,epediraao“adoradotioquecuidassedobem-estardealguémquemeétãoquerido,etomá-losobsuaproteçãoespecial”,acrescentando:“Esperoecreioquetudocorrerábemeprosperamentenesteassuntode tanta importância paramim.”139 Mas isso acontecera anos antes, quando ela não passava de umacriança; talvez,naverdade,a julgarpela linguagem,acarta tenhasidoditadaporLehzen;dequalquerforma, seus sentimentos, e todas as circunstâncias, agora tinham mudado completamente. Albert nãointeressavaaeladeformaalguma.Muitomaistarde,aRainhadeclarouquenunca,porummomentosequer,sonhoucasar-secomalguém

quenãofosseseuprimo;140massuascartaseseudiáriocontamumahistóriabastantediferente.Nodia26deagostode1837,elaescreveuemseudiário:“HojeomeuqueridoprimoAlbertcompleta18anos,eeurezoaoscéusquevertasuasmelhoresbênçãossobresuaadoradacabeça!”Nosanossubsequentes,porém,adatapassadespercebida.FoiacertadoqueStockmaracompanhariaopríncipeàItália,eofielbarão se afastou dela por isso. Ele lhe escreveumais de uma vez com simpáticas descrições de seujovemcompanheiro;mas,nessaaltura,elajáestavadecidida.ElagostavadeAlberteoadmiravamuito,masnãoqueriasecasarcomele.“Hoje”,disseelaalordeMelbourneemabrilde1839,“eumesintoavessa à ideia de me casar um dia”.141 Quando a viagem à Itália de seu primo chegou ao fim, elacomeçouaficarnervosa;sabiaque,segundoumcompromissohaviamuitotempoestabelecido,apróximaparada de Albert seria na Inglaterra. Ele provavelmente chegaria no outono, e por volta de julho odesconforto deVitória era grande.Deve ficar claro, disse ela, que “não existe nenhum compromissoentre nós”. Mesmo que ela gostasse de Albert, “não poderia fazer uma promessa final neste ano,porque,namelhordashipótesesumacontecimentoassimsópoderiaacontecerdoisoutrêsanosdepois.”

Elasentia,disse,“umagrande repugnância”aalterara suaatualposição;e, seelanãogostassedele,“estavamuito ansiosa para que se soubesse que não estaria sendo culpada de nenhuma quebra depromessa, jáqueelanuncaprometeranada.”142Com lordeMelbourneela foimais explícita.Ela lhedisse“quenãotinhamuitavontadedeverAlbert,jáqueoassuntointeiroeraodioso”;Vitóriadetestavater que tomar uma decisão a respeito; e repetiu mais uma vez que ver Albert seria “uma coisadesagradável”.143Masnãohaviaescapatóriaparaalamentávelquestão;avisitatinhaqueserfeita,eelaprecisavavê-lo.Overãopassourapidamente;jáeraoutono;noentardecerdodia10deoutubro,Albert,acompanhadodeseuirmãoErnest,chegouaWindsor.Albertchegou;etodaaestruturadaexistênciadarainhadesabourumoaonada,comoumcastelode

cartas.Eleerabonito–eladissecomvozentrecortada,enadasabiaalémdisso.Então,numinstante,milmistérioslheforamrevelados;opassadoeopresenteaassaltaramcomumnovosignificado;asilusõesde anos foram destruídas, e uma certeza extraordinária e irresistível surgiu repentinamente na luzdaquelesolhosazuis,nosorrisodaquelabocaadorável.Ashorasseguintespassaramnumarroubo.Elafoicapazdeobservarpoucosdetalhesmais–o“atraentenariz”,o“delicadobigodeeassuíçasdiscretas,muitodiscretas”,o“bonitorosto,osombroslargoseacinturafina.”Elacavalgou,dançoueconversoucomele,tudoeraperfeito.Vitórianãotinhamaissequerasombradeumadúvida.Albertchegounatardede uma quinta-feira, e namanhã do domingo seguinteVitória disse a lordeMelbourne que ela “tinhamudado bastante a sua opinião sobre se casar.” Namanhã seguinte, ela lhe disse que tinha decididocasar-se com Albert. Mais uma manhã, e Vitória mandou chamar o primo. Ela o recebeu sozinha, e“depoisdealgunsminutos,eulhedissequeachavaqueeledeviaestarcientedomotivoporqueeuquisque ele viesse, e que eu ficariamuito feliz se ele estivesse de acordo com o meu desejo (de noscasarmos).Então“nósnosabraçamos,eelefoitãocarinhoso,tãoafetuoso”.Eladisseacharquenãoomerecia,eelemurmurouqueficariamuitofeliz“dasLebenmitdirzuzubringen”,aopassaravidacomvocê. Eles se separaram, e ela se sentiu “o mais feliz dos seres humanos” quando lordeM. entrou.Inicialmenteelafalousobreoclimaeoutrosassuntossemimportância.Dealgumamaneira,Vitóriasesentia umpouconervosadiante de seuvelho amigo.Por fim, ela juntou coragemedisse: “EumedeimuitobemcomAlbert.”“Oh!Vocêsedeu”,disselordeM.144

4Casamento

I

Aquele foi decididamente um casamento familiar. O príncipe Francis Charles Augustus AlbertEmmanueldeSaxe-Coburg-Gotha–poisesteeraoseutítulocompleto–tinhanascidoapenastrêsmesesdepois de suaprimaVitória, e amesmaparteira tinha assistidoos dois partos.A avódas crianças, aviúva duquesa de Coburg, tinha desde o primeiro momento desejado esse casamento; quando elescresceram, o duque, a duquesa deKent e o rei Leopold passaram a compartilhar omesmo desejo.Opríncipe,desdea épocaemque, aindacriançade três anos, a amade leite lhedisseraqueumdia “apequenaflordemaioinglesaseriasuaesposa”,nuncapensouemsecasarcomninguémmais.Quando,finalmente,oprópriobarãoStockmarmanifestouasuaaprovação,ocasopareciaresolvido.145Oduquetinhaoutrofilho–opríncipeErnest,umanomaisvelhoqueAlberteherdeirodoprincipado.

Aduquesaeraumamulherbelaealegre,comcabeloslouroseolhosazuis;Albertsepareciamuitocomelaeeraseufavoritodeclarado.Mas,aos5anos,elefoiafastadodelaparasempre.Acorteducalnãosedestacava pela severidade de suamoral; o duque era um galanteador, e comentava-se que a duquesaseguiaoexemplodomarido.Houveescândalos:foicitadoonomedeumdostesoureirosdacorte,umhomemcharmoso e culto, de ascendência judaica; por fimhouve a separação, seguidadodivórcio.AduquesaseretirouparaParisemorreuinfeliz,em1831.SuamemóriafoisempremuitocaraaAlbert.146Ele foi ummenino bonito, esperto e espirituoso.Geralmente bem-comportado,Albert era, contudo,

algumasvezesviolento.Eramuitocaprichoso,egostavadeimporsuasvontades;seuirmãomaisvelhoeramenosveemente,menosobstinadoe,quandobrigavam,erasempreAlbertquemlevavaamelhor.Osdoisgarotos,vivendonamaiorpartedotemponumadasdiversascasasdecampododuque,emmeioabelasmontanhas,florestaseriachos,foramafastadosdesuasbabásnumaidademuitoprecoce–Alberttinhamenosde4anos–e colocados sobos cuidadosdeum tutor, comquem ficaramaté entraremna

universidade.Elesforamcriadosdeumamaneirasimplesenadaostentosa,jáqueoduqueerapobre,eseu ducado muito pequeno e insignificante. Logo ficou evidente que Albert era um rapaz modelo.Inteligenteeesmerado,elefoitocadopelasinceridademoraldesuageração;aos11anos,surpreendeuopaiao lhedizerqueesperava tornar-se“umhomembomeútil”.Contudo,elenãoeraexcessivamentesériopara a idade; embora, talvez, não tivessemuito sensodehumor, era cheiodevida–gostavadebrincadeiraseimitações.Nãoeracovarde–cavalgava,caçavaeesgrimia;gostavasobretudodeficaraoarlivre,enuncasesentiamaisfelizdoquequandoperambulavaemlongospasseiospelocampocomseuirmão,navizinhançadesuaamadaRosenau–caçandoveados,admirandoapaisagem,evoltandoparacasacarregadodeespécimesparaasuacoleçãodehistórianatural.Eleera,alémdisso,umfãardorosodamúsica.Masnumaspectoparticular,foiobservadoqueAlbertnãoseguiuospassosdopai;devidoàsuacriaçãopeculiarouaumaidiossincrasiamaisfundamental,eledemonstravaumaclaraaversãopelosexo oposto. Aos 5 anos, numa quadrilha de crianças, ele chorou com desgosto e raiva quando lhedesignaramumameninacomoparceira; eembora,mais tarde, tenhaconseguidodisfarçarcomsucessoessessentimentos,elespermaneciam.147Os irmãos erammuito populares emCoburg, e, quando chegou a hora de eles serem crismados, o

exame preliminar, que, segundo um antigo costume, era feito em público no “Salão dosGigantes” docastelo, foi assistido por uma entusiasmada multidão de funcionários, clérigos, representantes dospovoados do ducado e umamiscelânea de outros espectadores. Também estavam presentes, além doduque e da duquesa viúva, Suas Altezas, os príncipes Alexander e Ernst deWürtemberg, o príncipeLeiningen, a princesa Hohenlohe-Langenburg e a princesa Hohenlohe-Schillingfürst. Dr. Jacobi, ocapelãodacorte,presidiuacerimônianumaltar,decoradode formasimplesmasadequada,que tinhasidomontadonofinaldosalão;eacerimôniacomeçoucomocorocantandooprimeiroversodohinoCome,HolyGhost.Apósalgumasobservaçõesiniciais,oDr.Jacobiiniciouoexame.Umanarrativadaépocainforma:

A conduta digna e decorosa dos príncipes, sua rigorosa atenção às perguntas, sua franqueza,convicção e a correção de suas respostas provocaram uma impressão profunda na numerosaassembleia. Nada era mais admirável em suas respostas que a prova que elas davam de umsentimentoprofundodeforçainterioreconvicção.Asquestõespropostaspeloexaminadornãoeramdo tipo que se pode responder com um simples “sim” ou “não”. Elas foram cuidadosamenteelaboradasparadaràaudiênciaumavisãoclaradasopiniõesesentimentosdosjovenspríncipes.UmdosmomentosmaiscomoventesfoiquandooexaminadorperguntouaopríncipeherdeiroseelepretendiaabraçarfirmementeaIgrejaEvangélica,eoprínciperespondeunãoapenas“Sim!”,masacrescentou em tom claro e decidido: “Eu emeu irmão estamos inabalavelmente determinados apermanecerparasemprefiéisàverdadereconhecida.”

Após o exame, que durou uma hora, oDr. Jacobi fez algumas considerações finais, seguidas de umabreve oração; o segundo e o terceiro verso do hino de abertura foram cantados; e a cerimônia tinhaacabado.Ospríncipes,descendodoaltar,foramabraçadospeloduqueepeladuquesaviúva;depoisdoque,osleaishabitantesdeCoburgsedispersaram,satisfeitoscomaqueleentretenimento.148O desenvolvimento intelectual de Albert agora avançava rapidamente. Ao completar 17 anos, ele

começouumestudometiculosodaliteraturaedafilosofiaalemãs.Elepretendia,conformeinformouaoseututor,“acompanharospensamentosdograndeKlopstockemsuaprofundidade–mesmoqueeunãotenhaêxitocompletonestatarefa”,acrescentoumodestamente.Eleescreveuumensaiointitulado“Modode Pensamento dos Alemães”, e outro, “Esboço da História da Civilização Alemã”, “empregando”,

disse,“emsuaslinhasgerais,asdivisõesqueoprópriotratamentodotemaexige”,econcluindocomum“retrospectodasdeficiênciasdenossaépoca,comumapeloparaquecadaumcorrijaestasdeficiênciasnamedidadopossível,dandoassimumbomexemploparaosoutros.”149Entreguedurantealgunsmesesaos cuidados do rei Leopold, emBruxelas, ele passou a sofrer a influência deAdolpheQuetelet, umprofessordematemática,queestavaparticularmenteinteressadonaaplicaçãodasleisdaprobabilidadeaos fenômenospolíticos emorais: esta linhade pesquisa atraiu o príncipe, e a amizade entre os doisprosseguiuatéo fimdesuavida.150DeBruxelas,AlbertpartiuparaaUniversidadedeBonn,ondesedestacou rapidamente por suas atividades intelectuais e sociais; suas energias eram absorvidas pelametafísica,pelodireito,pelaeconomiapolítica,pelamúsica,pelaesgrimaepeloteatroamador.Trintaanosmaistarde,seuscolegasselembrariamcomprazerdosacessosderisoprovocadospelasimitaçõesdo príncipeAlbert.A verve com a qual Sua SerenaMajestade reproduzia a voz e os trejeitos de umprofessorquecostumavaapontarumquadroretratandoumafileiradecasasemVenezacomaobservação“EstaéaPonteRealte”,edeoutro,quesofreuumaquedanumacorridaeseviuforçadoaprocurarseusóculosnochão,eraespecialmenteapreciada.151DepoisdeumanoemBonn,chegouomomentoparaumaviagemaoexterior,eobarãoStockmarveio

daInglaterraparaacompanharopríncipenumaexpediçãoàItália.Obarãojátinha,doisanosantes,sidoconsultadopeloreiLeopoldsobresuaopiniãoarespeitodopossívelcasamentodeAlberteVitória.Suarespostatinhasidoextraordinária.Comumaantevisãotípica,comumaausênciadeotimismotípicaeumtípico senso dos elementosmorais envolvidos na situação, Stockmar sublinhara quais seriam, em suaopinião,ascondiçõesessenciaisparaqueocasamentofossebem-sucedido.Albert,eleescreveu,eraumbelo rapaz, bastante desenvolvido para a sua idade, com qualidades agradáveis e valiosas; e eraprovávelquedentrodepoucosanoselese tornasseumhomemforteebonito,comumportesimplesegentil,masdigno. “Portanto, exteriormente, ele apresenta tudooque agrada ao sexo, eque continuaráagradando em todos os lugares, em todas as épocas.” Supondo, portanto, que a própriaVitória fossefavorávelaocasamento,restavaaquestãodesaberseasqualidadesmentaisdeAlberteramtaisqueotornassemadequadoaopostodemaridodarainhadaInglaterra.Sobreesteponto,continuavaobarão,ouviu-se muito em seu favor; dizia-se que o príncipe era discreto e inteligente; mas todos essesjulgamentos eram necessariamente parciais, e o barão preferia guardar sua opinião até que pudessechegaraumaconclusãoconfiávelapartirdesuaprópriaobservaçãopessoal.Entãoeleacrescentou:

Mas isso ainda não é tudo.O jovem deve demonstrar não apenas grande talento,mas também aambiçãocerta, bem como uma grande força de vontade. Seguir para a vida inteira uma carreirapolíticatãoárduarequermaisqueenergiaeinclinação–requertambémamaissériaconvicçãodeque se está disposto a sacrificar omero prazer aos interesses reais. Se, a partir daqui, ele nãoestiver satisfeito com a consciência de ter atingido uma das posiçõesmais influentes daEuropa,frequentementesesentirátentadoaarrepender-sedessaaventura!Seelenãoaceitartudo,desdeocomeço, como uma vocação e uma grave responsabilidade, de cujo desempenho eficientedependerãoasuahonraeasuafelicidade,serápoucoprovávelqueeletenhaêxito.152

Tais eram as opiniões de Stockmar sobre as qualificações necessárias para a realização adequadadaqueledestinoque a famíliadeAlbert tinha traçadopara ele; e ele esperava, durante aviagempelaItália, chegar a uma conclusão sobre emquemedida o príncipe as possuía. Por sua vez,Albert ficoumuito impressionado com o barão, que anteriormente ele só vira em poucas ocasiões; ele também sefamiliarizou,pelaprimeiraveznavida,comumjoveminglês,otenenteFrancisSeymour,quetinhasidodesignado para acompanhá-lo, e que ele achou sehr liebenswürdig, muito amável, e com quem

estabeleceu uma calorosa amizade. Albert adorou as galerias e a paisagem de Florença, mas não seimpressionoutantocomRoma.“Excetoporalgunsbelospalácios”,disse,“estapoderiamuitobemserqualquercidadealemã.”NumaaudiênciacomopapaGregórioXVI,eleteveoportunidadededemonstrara sua erudição. Quando o papa observou que os gregos tinham tirado sua arte dos etruscos, Albertrespondeuque, ao contrário, em sua opinião, eles a tomaramemprestada dos egípcios; SuaSantidadeconcordou polidamente. Onde quer que se encontrasse, ele se demonstrava ansioso para ampliar seuconhecimento,e,numbaileemFlorença,observou-sequeelenãodavaatençãoàsmoças,engajadonumaconversaprofundacomocultosignorCapponi.“Voilàunprincedontnouspouvonsêtrefiers”,aquiestáumpríncipedoqualpodemosnosorgulhar, disse o grão-duque da Toscana, que assistiu à cena:“la belle danseuse l’attend, le savants’occupe”,abeladançarinaoesperaeeleseocupacomosestudos.153DevoltaàAlemanha,asobservaçõesdeStockmar,encaminhadasaoreiLeopold,tambémcontinham

algumascríticas.Albert,disseele,erainteligente,educadoeamigável;estavacheiodeboasintençõesederesoluçõesnobres,eemváriosaspectososeudiscernimentoerasuperioraohabitualemsuaidade.Masmuitoesforçolhecausavaaversão;elepareciaansiosodemaisemsepoupar,esuassábiasdecisõesfrequentemente não resultavam em nada. Era particularmente lamentável que ele não demonstrasse omenorinteresseporpolítica,enuncalesseumjornal.Suasmaneiras,igualmente,tambémpoderiamseraprimoradas.“Elesempre”,disseobarão,“terámaissucessocomoshomensquecomasmulheres,emcuja companhia demonstra pouco empressement, pouca prontidão revelando-se muito indiferente eisolado.”Outra característica sua foi observada pelo olhar agudo do velhomédico: a constituição dopríncipenãoerarobusta.154Mesmoassim,noconjunto,eleerafavorávelaocasamentoprojetado.Mas,porora,oprincipalobstáculopareciaresidiremoutraparte.Vitóriaestavaaparentementedecididaanãose comprometer. Tanto isso era verdade que, quando Albert chegou na Inglaterra, ele já estavadeterminadoase retirarcompletamentedocaso.Nadaoconvenceria,Albertconfessouaumamigo,aficar esperando vagamente uma resposta; ele abandonaria tudo imediatamente. Mas a recepção emWindsor lançou uma luz inteiramente nova sobre a situação. A roda da fortuna girara com repentinarapidez;eeleencontrou,nosbraçosdeVitória,acertezairrevogáveldeseuextraordináriodestino.155

II

AlbertnãoestavaapaixonadoporVitória.Afeição,gratidão,asreaçõesnaturaisàdedicaçãosinceradeumaprimajovial,quetambémeraumarainha–taiseramosseussentimentos,enãoosardoresdeumapaixão recíproca. Embora Albert achasse que gostava muito de Vitória, o que imediatamente lheinteressava na nova e curiosa situação eramenos ela do que ele próprio. Deslumbrado e encantado,passeando,dançando,cantandoerindoemmeioaosesplendoresdeWindsor,eleerainvadidoporumanovasensação–osarroubosdaambiçãoemseupeito.Seulugarseriaentãoaltoeinvejável!E,então,nomesmo instante, veio outro pensamento.Os ensinamentos da religião, as admoestações de Stockmar esuasprópriasconvicçõesinteriores,tudofalavaamesmacoisa.Elenãoestavaláparasedivertir,mascomumpropósitomuitodiferente–parafazerobem.Eledeviaser“nobre,virileprincipescoemtodasascoisas”,teriaque“sacrificaravidaeasimesmoembenefíciodeseunovopaís”,usar“seuspodereseesforçosemproldeumgrandeobjetivo–promoverobem-estardeseussemelhantes.”Umpensamentosériolevavaaoutro.Ariquezaeaanimaçãodacorteinglesapoderiamserprazerosasporora,mas,nofimdascontas,o seucoraçãocontinuavapertencendoaCoburg. “Mesmoqueeu seja incansável”, eleescreveuàsuaavó,“emmeusesforçosetrabalhosemproldopaísaoqualpertencereinofuturo,equemechamaaocuparumaposiçãotãoelevada,jamaiscessareieintreuerDeutscher,Coburger,Gothaner

zusein.”Entretanto, teriaqueseafastarparasempredeCoburg!Melancólicoegrave,eleencontravaconsolonacompanhiadeseuirmãoErnest;osdoisrapazes trancavam-se juntosnasalae,sentadosaopiano,fugiamdopresenteedofuturonodoceencantamentodeumduetodeHaydn.156ElesretornaramàAlemanha;eenquantoAlbert,duranteunspoucosmesesdedespedida,aproveitava

pelaúltimavez a felicidadedo lar,Vitória, tambémpelaúltimavez, retomavaa suavidahabitual emLondres eWindsor. Ela se correspondeu diariamente com seu futuro marido, num texto mesclado dealemão e inglês; mas a rotina estabelecida prevalecia; os negócios e prazeres do dia não admitiaminterrupção;lordeM.estavamaisumavezconstantementeaoseulado;eosPartidoTóricontinuavatãointolerávelquantosempre.Naverdade,estavamaindapiores.Poisagora,naquelesmomentos finais,avelhahostilidadeirrompiacomfúriaredobrada.157Aimpetuosasoberanadescobriu,paraseupesar,quepoderiahaverdesvantagensemser inimigadeclaradadeumdosgrandespartidosnoEstado.Emduasocasiões,osTórisa rejeitaramnumaquestãonaqualelaseengajaradecoração.Vitóriaqueriaqueopostodeseumaridofossefixadoporumestatuto,masaoposiçãoimpediu.Eeladesejavaqueomaridorecebesse50millibrasporano;e,novamenteporculpadosTóris,sólheconcederam30mil.Issoeramuito ruim.Quando aquestão foi discutidanoParlamento, foi enfatizadoque amaioria dapopulaçãoestavasofrendocomapobreza,eque30millibrascorrespondiamàtotalidadedarendadeCoburg;masseutioLeopoldrecebia50mil,eseriamonstruosoqueAlbertrecebessemenos.SirRobertPeel–comoeradeseesperar–tinhatidoadesfaçatezdediscursarevotarpelaquantiamenor.Vitóriaficouiradaedecidiuvingar-sedeixandodeconvidarumsóTóriparaoseucasamento.ElafariaumaexceçãoaovelholordeLiverpool,masserecusouaconvidaratémesmooduquedeWellington.Quandoargumentaramqueaausênciadoduqueemseucasamentopoderiaresultarnumescândalonacional,elaficoumaiszangadaainda.“Oquê!Aquelevelhorebelde!Eunãooquero!”,elateriadito.Finalmente,Vitóriafoiconvencidaalheenviarumconvite;masnãoseesforçouparaocultaraamarguradeseussentimentos,eopróprioduqueestavabeminformadosobretudooqueacontecera.158Não foi somente contra o Partido Tóri que se voltou a irritação de Vitória. À medida que se

aproximava a data do casamento, ela semostrava cada vezmais temperamental e arbitrária.A rainhaAdelaide a aborrecia.O reiLeopold, por suavez, era “desagradável” em sua correspondência. “Meuquerido tio”, disse ela a Albert, “é inclinado a acreditar que deve dar palpite em tudo. Porém”,acrescentou com aspereza, “isso não é de forma alguma necessário.”159 Nem mesmo Albert erairrepreensível. Mergulhado nos Coburgs, ele não conseguia apreciar a complexidade dos assuntosingleses.Haviadificuldadesemrelaçãoàsua família.ElesabiaquenãodeveriasedeixarcercarporWhigs violentos; mas não entendia por que a única alternativa aos Whigs violentos eram os Tórisviolentos;eseriaridículoseosseuslordesecavalheirosfossemflagradosvotandocontraarainha.Eleprecisava escolher seu secretário particular. Mas como escolheria a pessoa certa? Lorde M. eraevidentementeomaisqualificado aocuparo cargo; e lordeM. tinhadecididoqueopríncipedeveriaconvocarcomosecretárioparticularGeorgeAnson,umWhiginveterado.Albertprotestou,masfoiinútil;Vitória simplesmente anunciou que Anson fora indicado, e instruiu Lehzen a enviar ao príncipe umaexplicaçãodosdetalhesdocaso.Então,maisumavez,eletinhaescritoansiosamentesobreanecessidadedemanterimaculadaapurezadacorte.ApupiladelordeM.consideravaqueseuqueridoAlberttinhaumamentalidade tacanha, e, numa enérgicamissiva anglo-germânica, expôs suas próprias impressões.“EugostomuitodeladyA.”,elalhedisse,

sóajulgoumpoucometiculosademais,emuitoseveraemrelaçãoaosoutros,oquenãoécerto;poiseuachoquesempresedeveserindulgentecomosoutros,jáqueacreditoque,senãotivessemcuidadodenós,tambémpoderíamosnosterextraviado.Estesemprefoimeusentimento.Poroutrolado, é sempre certo alguém mostrar que não gosta de ver algo que está errado; mas é muito

perigososerseverodemais,eestoucertadeque,naregrageral,essaspessoassempretrazemdentrode si uma enormemágoa por não terem sido tão cuidadosas quanto deviam na juventude.Minhaexplicaçãoétãoruim,etãomalescrita,quereceioquevocênãosejacapazdeentender.160

Elasemostrouinsistentenumoutroassunto.DesdeocasodeladyFloraHastings,SirJamesClarktinhase deparado com um destino muito triste. Sua elegante clientela o tinha deixado; ninguém mais oconsultava. Mas a rainha permaneceu fiel. Ela mostraria ao mundo como dava pouca atenção à suadesaprovação,eelaquisqueAlbertfizessedo“pobreClark”seumédicoparticular.Elefezoqueelalhedisse;mas,comotempo,anomeaçãosemostroupoucofeliz.161Odiadocasamentoestavamarcado,eerahoradeAlbertsedespedirdesuafamíliaedoscenáriosde

suainfância.Comocoraçãopartido,elevoltouavisitarseus lugarespreferidos–asflorestasevalesonde ele tinha passado tantas horas felizes caçando coelhos e colecionando espécimes botânicos; emestado de profunda depressão, Albert compareceu aos banquetes de despedida no palácio e ouviu aFreischütz,executadapelaorquestradegala.Erahoradepartir.Asruaspareciamestreitar-seàmedidaqueelepassavaporelas;porumcurtoperíodo,seusolhosbrilharamaoveramistososrostosalemães,eumamisturaagradáveldesonsguturaisinvadiuosseusouvidos.Eleparouparadarumúltimoadeusàsuaavó.Foiummomentodepartirocoração.“Albert!Albert!”,elagritava,desfalecendonosbraçosdeseuscriadosquandoacarruagemdonetoseafastou.Eleestavasendorapidamentearremessadorumoaoseu destino. Em Calais, um barco a vapor o esperava, e, junto com seu pai e seu irmão, ele subiu,desalentado,aoconvés.Poucodepois,eleestavamaisdesanimadoainda.Atravessiafoimuitodura;oduque foi apressadamente conduzido para o convés inferior, enquanto os dois príncipes, segundo foirelatado, ficaramumdecada ladodaescadadacabine,“numestadoquasedesesperador”.EmDover,umaenormemultidãosereuniranoporto,e“nãofoisemumgrandeesforçoqueopríncipe,quesofreraatéoúltimominutodaviagem,desembarcouparasaudaropovo”.Oseusensodedevertriunfou.Foiumaugúrio curioso: toda a sua vida na Inglaterra foi prefigurada nomomento em que ele pisou em soloinglês.162Enquanto isso,Vitória,emestadodegrandeagitação,eraumapresadoseu temperamentoedeseus

nervos.Elaficoufebril,eapósexaminá-laSirJamesClarkdeclarouqueelaestavacomsarampo.Mas,novamente,odiagnósticodeSirJamesestavaequivocado.Nãoeraosarampoqueaestavaatacando,masumadoençamuitodiferente;oestadocontínuodealerta,adúvidaeatristezaqueadeixavamsubitamenteprostrada.Pordoisanoselatinhasidoasenhoradesimesma–delonge,osdoisanosmaisfelizesdesuavida.Eagoratudoiaterminar!Vitóriaestavaprestesasesubmeteraodomíniodeumestranho–elateriaqueprometerquehonrariaeobedeceria...alguémque,maistarde,poderiadesapontá-la,opor-seaela–ecomoissoseriaterrível!Porqueelatinhaseenvolvidonesseempreendimentotãoarriscado?PorqueelanãotinhasecontentadocomlordeM.?Semdúvida,elaamavaAlbert;maselatambémamavaopoder.Dequalquerforma,umacoisaeracerta:elapoderiaseraesposadeAlbert,massempreseriaarainhadaInglaterra.163Mas ele reapareceu,numbelíssimouniforme, e suashesitaçõesdesapareceramdiantedesuapresença,comoaneblinadiantedosol.Nodia10defevereirode1840,foirealizadoocasamento.OcasalrumouparaWindsor;mas,éclaro,nãoestavaminteiramentesós.Eleseramacompanhadosporsuascomitivase,emparticular,porduaspessoas–obarãoStockmareabaronesaLehzen.

III

Albertjátinhaprevistoquesuavidadecasadonãoseriasemturbulências;masdeformaalgumaeletinha

percebidoagravidadeeacomplicaçãodasdificuldadesqueteriaqueenfrentar.Politicamente,eleeraumzeroàesquerda.LordeMelbourneeranãoapenasprimeiro-ministro,mas tambémerao secretárioparticulardarainha,eassimcontrolavatodaaexistênciapolíticadasoberana.OmaridodeumarainhaeraumaentidadeignoradapelaConstituiçãoBritânica.EmnegóciosdeEstado,parecianãohaverlugarparaele;nãoqueaprópriaVitóriademonstrassemá-vontadeemrelaçãoaisso.“Osingleses”,disseelaaopríncipequando,duranteonoivado,foifeitaapropostadelhedarotítulodepardoreino,

são muito ciumentos de qualquer estrangeiro que tente interferir no governo deste país, e jáexpressaram em alguns jornais a esperança de que você não interferirá de forma alguma.Agora,emboraeusaibaquevocê jamaiso faria, sevocê fosseumpardo reino todoselesdiriamqueopríncipeestáquerendoterumpapelpolítico.164

“Eu sei que você jamais o faria!” Na realidade, ela não estava tão segura, mas queria que Albertentendesseoseupontodevista.Eleseria,elaesperava,ummaridoperfeito;mas,quantoagovernaropaís,AlbertveriaqueelaelordeM.poderiamfazê-lomuitobem,semasuaajuda.Masnãoeraapenasempolíticaqueopríncipedescobriuqueopapelque lheestava reservadoera

insignificante. Mesmo como um marido, ele se deu conta, suas funções seriam de uma naturezaextremamentelimitada.AolongodetodaavidaprivadadeVitória,abaronesareinarasuprema;eelanãotinha amenor intenção de permitir que esta supremacia fosse diminuída por um estrangeiro.Desde acoroação,seupodertinhacrescidoenormemente.Alémdagrandeeindefinidainfluênciaqueabaronesaexerciaatravésdaadministraçãodacorrespondênciaprivadadarainha,agoraelaerasuperintendentedosistemarealetinhaaimportantefunçãodecontrolarabolsaprivada.165LogoAlbertpercebeuqueelenão era o senhor da própria casa.166 Cada detalhe de sua existência e da de sua mulher erasupervisionadoporumaterceirapessoa:nadapodiaserfeitosemqueoconsentimentodeLehzenfossepreviamenteobtido.EVitória,queadoravaLehzencomcrescenteintensidade,nãovianadadeerradoemtudoisso.O príncipe também não estava feliz com o seu ambiente social. Estrangeiro, jovem, tímido,

desconfortável na companhia demulheres, pouco expansivo e com opiniões próprias, ele tinha poucaprobabilidade de fazer sucesso em sociedade. Sua aparência, igualmente, depunha contra ele.EmboraaosolhosdeVitóriaelefosseumexemplodebelezamasculina,osseussúditos,cujosolharesobedeciamaumpadrãomenosgermânico,nãoconcordavamdeformaalgumacomela.Paraeles–eparticularmenteparaasdamasecavalheirosbem-nascidosque,naturalmente,oviamcommaisfrequência–,oqueeraimediatamente – e de forma alarmante – visível no rosto e no corpo de Albert, bem como em suasmaneiras, era a sua aparência radicalmente não inglesa. Seus traços eram regulares, sem dúvida,mashavianelesalgodeaduladorepresunçoso;eleeraalto,masdesprovidodegraça,e tinhaumaposturarelaxadaaocaminhar.Defato,pensavameles,oquesaltavaaosolhosantesdetudonaquelerapazeraofatodeeleserestrangeiro.Estaseramdesvantagenssérias;ealinhadecondutaqueopríncipeadotoudesdeoprimeiromomentodesuachegadaestavalongedecontribuirparadispersá-las.Devidotantoaumatimideznatural,quantoaomedodeumafamiliaridadeindevida,ou,ainda,aodesejodeagirsemprede ummodo rigorosamente correto, suasmaneiras erammarcadas por uma formalidade e uma durezaextraordinárias.SemprequeAlbertapareciaemgrupo,pareciaestarcercadoporumadensanévoadeetiquetaincômoda.Elenuncasemisturavaàsociedadecomum;nuncacaminhavanasruasdeLondres;erainvariavelmente acompanhado por um cavalariço quando montava ou passeava. Albert queria serimpecável, e, se isso implicava não ter amigos, não podia fazer nada. Além disso, ele não tinha osingleses em alta conta. Até onde podia ver, eles só ligavam para caçadas a raposas e cerimônias

dominicais; elesoscilavamentreuma frivolidade imprópriaeumabatimento igualmente impróprio; sevocêlhesfalassecomalegrecordialidade,elesarregalavamosolhos;enãoentendiamsequerasleisdopensamentoeoespíritodeumauniversidadealemã.Comoestavaclaroquecomessetipodegenteeletinhamuitopoucoemcomum,nãohaviarazãoalgumaparaAlbertsermenosrigorosocomsuasregrasdeetiqueta somente para favorecê-los. Em estrita privacidade, ele podia ser espontâneo e encantador;Seymor e Anson se dedicavam a ele, e ele retribuía sua afeição; mas eles eram subordinados – osdepositários de sua confiança e os agentes de sua vontade. Do conforto e do alívio do purocompanheirismoeleestavatotalmenteafastado.167Alberttinha,porém,umamigo–oumelhor,ummentor.Obarão,maisumavezvivendonaresidência

real, estavadeterminadoa trabalhar comsincerodesprendimentoembenefíciodopríncipe,damesmaforma que,mais de vinte anos antes, tinha trabalhado por seu tio.As duas situações, semelhantes emmuitos aspectos, apresentavam, porém, muitas diferenças. Talvez nos dois casos as dificuldadesencontradas fossem igualmentegrandes;masoproblemapresenteeramaiscomplexoe interessante.Ojovem médico, desconhecido e insignificante, cujas únicas credenciais eram o próprio talento e aamizadedeumpríncipepouco importante, tinha sido substituídopelo confidente consumadode reis eministros,amadurecidonaidade,nareputaçãoenasabedoriaconferidaporumavastaexperiência.ErapossívelparaeletratarAlbertcomaautoridadeafetuosadeumpai;mas,poroutrolado,AlbertnãoeraLeopold.Como o barão sabiamuito bem, ele não tinha a rigidez nem a ambição de seu tio, nem seuimpulsoarrogantedeseralguémgrandioso.Alberteravirtuosoebem-intencionado;eraespertoebem-informado;masnãoseinteressavaporpolítica,enãohaviasinalalgumdequeelepossuísseaforçadecaráterdeumlíder.Deixadoentregueasimesmo,elequasecertamenteteriaseconformadoemterumanão existência de caráter elevado, um diletante inofensivo ocupado com a cultura, um apêndice dopalácioseminfluênciaoupoder.Masnãofoientregueasimesmo:Stockmarcuidoudele.Sempreaoladodeseupupilo,obarãooimpulsionavaparaafrentecomumaenergiaincansável,pelomesmocaminhoqueLeopoldtraçaratantosanosantes.Mas,destavez,ametafinaleraalgomaisquearealezamedíocreque Leopold tinha alcançado. O prêmio que Stockmar, animado por toda a energia de uma devoçãodesinteressada,perseguiaparaAlberteradefatoextraordinário.Ocomeçodoempreendimentoacabousendoasuapartemaisdifícil.Albertdesanimavafacilmente;

para se esforçar em ter um bom desempenho num papel que o entediava e que, como estava claro,ninguémalémdobomequeridobarãodesejavaqueeleocupasse?Eramaissimples,epoupariadiversosproblemas, deixar as coisas como estavam.Mas Stockmar não aceitava isso.168 Incessantemente, elepressionava duas cordas – o senso de dever de Albert e o seu orgulho pessoal. Tinha o príncipeesquecidoosnobresobjetivosaosquaisdeviadedicar suavida?Eelepermitiriaquesuaesposa, suafamília, sua própria existência fossem governados pela baronesa Lehzen? A última consideração erapoderosa. Albert nunca gostara de vender algo barato; e agora, mais do que nunca, deixar que issoacontecesseseriahumilhante.ElenãoapenaseraconstantementeexasperadopelaposiçãodabaronesanaCasa Real; havia outro, e mais sério, motivo de reclamação. Ele era, e sabia muito bem disso,intelectualmentesuperioràsuaesposa,masmesmoassimpercebia,comgrandecontrariedade,quehaviapartesdointelectodelasobreasquaisnãoexerciainfluênciaalguma.Quando,encorajadopelobarão,eletentoudiscutirpolíticacomVitória,elamudoudeassuntoepassouafalardegeneralidades.Elaoestavatratando como tratara, no passado, o seu tio Leopold. Quando, por fim, Albert protestou, Vitóriarespondeuquesuacondutaerasimplesmenteumresultadodasuaindolência;pois,quandoestavaaoladodele,elanãoconseguiaocuparamentecomumassuntotãotoloquantoapolítica.Adesculpafoipiorqueafalta:eraeleaesposa,eelaomarido?Quasepareciaserassim.MasobarãoafirmouquearaizdomaleraLehzen:quetinhasidoelaquemencorajaraarainhaatersegredos;equefizerapior–corromperaaingenuidade natural de Vitória, induzindo-a a dar, ainda que inconscientemente, falsos motivos paraexplicarasuaconduta.169

Divergênciasmenores pioraram as coisas.O casal real diferia em seus gostos.Albert, criado numregime de simplicidade espartana e horários rígidos, achava as atividades grandiosas da corteintoleravelmente cansativas e, frequentemente, era visto cochilando no sofá às 22h30; enquanto adiversão favorita da rainha era dançar noite adentro, para então, saindo até o pórtico do palácio,observarosolnasceratrásdaCatedraldeSt.PauledastorresdeWestminster.170ElaadoravaLondres,ele odiava. Ele só se sentia capaz de respirar emWindsor;mas tambémWindsor tinha seus terrores;emboraláAlbertpudesse,duranteodia,pintar,caminharetocarpiano,depoisdojantarumtédionegrodesabavasobreelecomoumamortalha.Eleteriagostadodechamarcientistaseliteratosconceituadosàsuapresença e, após analisar opiniões deles sobrevárias questões da arte e da cultura, apresentar aspróprias;mas,infelizmente,Vitória“nãogostavadeestimularaquelagente”;sabendoquenãoconheciaosuficienteparapoderparticipardasconversas,elainsistiaemquearotinadasnoitesdeviapermanecerinalterada; a troca regular de trivialidades com figuras oficiais devia ser seguida, como sempre, pelamesaredondaepeloslivroscomgravuras,enquantoopríncipe,acompanhadodetrêscriadosjogavaumapartidadexadrezapósaoutra.171Erabastantenaturalque,numasituaçãotãopeculiar,naqualoselementosdepoder,paixãoeorgulho

eramdistribuídostãoestranhamente,deveriahaverocasionalmentealgomaisquemerairritação–umaluta de vontades em fúria. Vitória não estava acostumada, nem Albert, a tocar o segundo violino daorquestra.Seutemperamentoarbitrárioseinflamou.Suavitalidade,suaobstinação,seuarrogantesensodaprópriaposiçãopodiammuitobemprevalecer sobrea superioridadeeosdireitosdomarido.MasVitórialutavacomumadesvantagem;elanãoeramais,naverdade,senhoradesimesma;umaprofundapreocupação a dominava, apoderando-se de seus interesses mais íntimos. Ela estava loucamenteapaixonada. Os detalhes dessas curiosas batalhas nos são desconhecidos;mas o príncipe Ernest, quepermaneceu na Inglaterra por alguns meses, as observou com um olhar surpreso e amigável.172 Umahistóriasobrevive–naverdade,deautenticidadeduvidosa,possivelmentemítica–,emboraapresente,como ocorre frequentemente com essas histórias, os fatos centrais do caso. Quando, enfurecido, opríncipe umdia se trancou em seuquarto,Vitória, nãomenos furiosa, bateu na porta querendo entrar.“Quemestáaí?”,perguntouele.“ArainhadaInglaterra”,foiaresposta.Elenãosemexeu,enovamenteelabateunaportacomforça.Aperguntaearespostaserepetiramdiversasvezes;mas,porfim,houveumapausa,eentãoelabateumaissuavemente.“Quemestáaí?”,perguntouelenovamente, implacável.“Suamulher,Albert.”Eaportafoiimediatamenteaberta.173A posição do príncipemudoumuito gradualmente. Ele passou a achar o estudo da política menos

desinteressantedoquesupunha;leuBlackstoneeteveaulassobreoDireitoinglês;eventualmente,passoua estar presente enquanto a rainha inquiria seus ministros; e, atendendo a uma sugestão de lordeMelbourne,passoualertodososdespachosrelativosàpolíticaexterna.Àsvezes,Albertpassavasuasimpressõesparaopapel,easliaemvozaltaparaoprimeiro-ministro,que,infinitamentecortêsegentil,ouvia com atenção,mas raramente fazia algum comentário.174 Um passo importante foi dado quando,antes do nascimento da princesa real, o príncipe, semqualquer oposição doParlamento, foi indicadocomoRegente,nocasodemorteda rainha.175 Stockmar, graças a cuja intervenção junto aosTóris foipossível chegar a este resultado feliz, agora se sentia à vontade para tirar férias com sua família emCoburg;masemsuasolicitude,manifestadaeminúmerascartas,elecontinuavaaobservardelongeoseupupilo.“Caropríncipe,”escreveu,

Estousatisfeitocomasnotíciasquemeenviou.Erros,mal-entendidos,obstruçõesque fazemumaaborrecidaoposiçãoàsnossasopiniõesdevemsempreseravaliadosemsuajustamedida–ouseja,comofenômenosnaturaisdavida,querepresentamumdeseuslados,oladosombrio.Aosuperá-loscomdignidade,oseuespíritoseprepara,seexercitaeseilumina;eseucarátersefortaleceeganha

anecessáriaresistência.

O príncipe estava indo bem até aqui;mas ele precisava continuar no rumo certo; acima de tudo, elenuncadeviarelaxar.

Nuncarelaxarempôrsuamagnanimidadeàprova;nuncarelaxarnaseparaçãológicaentreoqueéimportanteeessencialeoqueétrivialeefêmero;nuncarelaxaremcobrardesimesmoumelevadopadrão–nadeterminação,diariamenterenovada,desercoerente,paciente,corajoso.

Eraumprogramaduro,talvez,paraumjovemde21anos;mashaviaalgonelequetocouprofundamenteaalmadeAlbert.Elesuspirou,masouviu–ouviucomosefosseavozdeumdiretorespiritualinspiradopelaverdadedivina.“Asestrelasnecessáriasavocêagora”,continuouavoz,

epossivelmentepormaisalgumtempo,sãooAmor,aHonestidade,aVerdade.Todosaquelesdementalidade deformada, ou destituídos de um sentimento verdadeiro, serão propensos aentendervocêmal,persuadindoasimesmoseaomundodequevocênãoéohomemqueé–ou,aomenos,ohomemquepodesetornar(...).Você,portanto,deveficaremestadodepermanentealerta,comosolhosbemabertos,vigiandotodasasdireções(...).Eudesejoqueomeupríncipetenhaumcoraçãogrande, nobre, afetuoso e sincero, que possa funcionar como a base mais rica e segura para asintençõesmaisnobresdaalmahumana,eavontadefirmeparalevá-lasadiante.176

Nãomuitotempodepois,chegouomomentodecisivo.Houveumaeleiçãogeral,eeracertoqueosTóris,finalmente,subiriamaopoder.Arainhaosdesprezavatantoquantoantes;mas,comumaamplamaiorianaCâmaradosComuns,elesagorateriamcondiçõesdeinsistirquesuasvontadesfossematendidas.OprópriolordeMelbournefoioprimeiroaperceberaimportânciadeseconduziratransiçãoinevitávelcom o menor atrito possível; e, com o seu consentimento, o príncipe, dando continuidade aorapprochement,àreconciliaçãoquetinhacomeçadocomaLeidaRegência,abriunegociações,atravésdeAnson, com Sir Robert Peel. Numa série de encontros secretos, chegou-se a um acordo completosobre adifícil e complexaquestãodasdamasde companhia.Foi estabelecidoquenão se invocariaoaspecto constitucional, mas também que, quando fosse formado o governo Tóri, as principais damasWhigs deveriam se retirar, para que seus lugares fossem ocupados por outras, indicadas por SirRobert.177Assim,defato,masnãoformalmente,acoroaabriumãodesuasexigênciasde1839,eestasnunca voltaram a ser feitasmais tarde. A negociação foi um ponto decisivo na carreira do príncipe.Albert tinha conduzido uma importante transação comhabilidade e tato; e tinha estabelecido relaçõespróximas e cordiais com o novo primeiro-ministro; era evidente que diante dele se abria um grandefuturopolítico.Vitóriaficoumuitoimpressionadaeagradecida.“Omeuqueridoanjo”,disseelaaoreiLeopold, “de fato me conforta muito. Ele demonstra o maior interesse por tudo o que acontece,compartilhacomigoosseussentimentos,masseabstém,comodeveser,demecontrariardeumaououtramaneira,emboraconversemosmuitosobretodososassuntos;eoseujulgamentoésempremoderadoebondoso.”178 Ela precisava de toda a assistência e conforto que ele pudesse lhe oferecer. LordeM.estavapartindo; e elamalconseguia tolerarocontatocomPeel.Sim;apartirdeagoraelapassariaadiscutirtudocomAlbert!Stockmar,quetinharegressadoàInglaterra,assistiuàpartidadelordeMelbournecomsatisfação.Se

tudocorressebem,opríncipeexerceriaagoraumainfluênciapolíticasupremasobreVitória.Mastudocorreriabem?Umdesdobramentoinesperadodeixouobarãoseriamenteestremecido.Quandoomomentoterrívelfinalmentechegou,earainha,angustiada,disseadeusaoseuamadoministro,foiacertadoentreeles que, embora fosse desaconselhável que se encontrassem com frequência, eles continuariam a secorresponder.NuncaasinconsistênciasdocaráterdelordeMelbourneserevelaramcommaisclarezadoque no episódio que se seguiu. Enquanto ainda ocupava seu cargo, a atitude de lordeMelbourne emrelaçãoaPeel tinhasido irrepreensível; tinhafeito tudooquepodiaparafacilitara trocadegoverno;tinhaatémesmo,atravésdemaisdeumcanal,transmitidoprivadamenteaoseurivalvencedorconselhossobre as melhores maneiras de conquistar as boas graças da rainha.179 Contudo, assim que lordeMelbourneentrouparaaoposição,seucoraçãootraiu.ElenãoconseguiasuportaraideiadeabrirmãocompletamentedoprivilégioedoprazerdedarconselhosaVitória–aideiadesertotalmentecortadodopoder e da intimidade de que ele desfrutara tanto tempo, e em tão largamedida. EmboraMelbournetivesseasseguradoqueseriadiscretíssimoemsuascartas,elenãoconseguiu resistira tirarpartidodaabertura que estas lhe proporcionavam. Ele discutia em detalhes diversas questões públicas e, emparticular,davaàrainhaumasériedeconselhosemrelaçãoaosseusdecretos.Pelomenosumconselhofoiseguido.LordeMelbournerecomendouquelordeHeytesbury,que,segundoele,eraumhomemhábil,deveria ser nomeado embaixador emViena; e uma semana depois a rainha escreveu ao secretário doExterior solicitando que lorde Heytesbury, o qual ela considerava um homem muito hábil, fosseempregado “numa importante missão.” Stockmar estava em pânico. Ele escreveu um memorando,enfatizandoanaturezainconstitucionaldocomportamentodelordeMelbourneeaposiçãodesagradávelnaquala rainhapoderia seencontrar se tudo fossedescobertoporPeel;e instruiuAnsona levarestememorando ao ex-ministro. Lorde Melbourne, deitado num sofá, leu o memorando com os lábioscomprimidos.“Estaéumaopiniãobastante tola”,elese limitouadizer.QuandoAnsonseaventurouaprolongaradiscussão,sugerindoqueeraimpróprioparaumlíderdaoposiçãomanterumrelacionamentoíntimo com a soberana, o velho homem perdeu a paciência: “Que Deus o amaldiçoe eternamente!”,exclamou,levantando-senumsaltodosofáeandandoemcírculospelasala.“Umhomemfeitodecarneesanguenãopode tolerar isso!”Ele continuou a escrever à rainha, comoantes; e dois outros violentosataquesdobarãoforamnecessáriosparatrazê-loàrazão.Então,gradualmente,suascartasseespaçaramcadavezmais,fazendocadavezmenosreferênciasaassuntospúblicos;nofinal,elaseraminteiramenteinócuas.Obarãosorriu;lordeM.tinhaaceitadooinevitável.180OministérioWhigrenunciouemsetembrode1841;mas transcorreriamaisdeumanoatéqueoutra

mudançaigualmenteimportantefosseefetuada–oafastamentodeLehzen.Pois,finalmente,amisteriosagovernantatinhasidosubjugada.OsmovimentosquelevaramVitóriaafinalmenteaceitarasuaretiradacomcompostura–talvezmesmocomalívio–sãodesconhecidos;masestáclaroqueaposiçãodomésticade Albert deve ter se fortalecido enormemente com o aparecimento das crianças. O nascimento daprincesarealfoiseguido,emnovembrode1841,pelonascimentodopríncipedeGales;e,poucodepois,outrobebêjáestavasendoesperado.Apesardetodaasuaafeição,abaronesasópodiadesfrutardeumafatiapequenadessesprazeresfamiliares.Visivelmenteelaperdia terreno.Chamouaatenção,comoumfenômeno,ofatodeque,emumaouduasocasiões,quandoacorteviajou,elafoideixadaparatrás,emWindsor.181Opríncipeeramuitoprudente;comamudançadoministério,lordeMelbourneoaconselharaaescolheraquelemomentoparaagircomdecisão;maselejulgavamaissábioesperar.182O tempoeapressão de circunstâncias inevitáveis trabalhavam a seu favor; a cada dia – e a cada noite – a suapredominânciaestavamaisassegurada.Por fim,elepercebeuquenãoprecisavamaishesitar– jáquebastava expressar cada desejo, cada veleidade sua, para que Vitória ficasse do seu lado. Ele sepronunciou, e Lehzen desapareceu para sempre. Ela não mais reinaria naquele coração real, nemnaquelessalõesreais.Nuncamaiselavoltariaaacompanhar,deumajanelaemWindsor,asuapupilae

soberana,passeandonoterraçoemmeioaosobsequiosossúditos,comumolhardeamortriunfante.183Devoltaa suaHanovernatal,Lehzen seestabeleceunumacasa,pequenamasconfortável, emBückeburg,cujas paredes eram inteiramente cobertas por retratos de Sua Majestade.184 O barão, apesar de suadispepsia,sorrianovamente:Albertreinavasupremo.

IV

Asdesavençasiniciais tinhamsidocompletamentesuperadas–eresolvidaspelaharmoniaabsolutadavidaconjugal.Vitória,conquistadaporumarevelaçãonovaeinesperada,tinhaentregadosuaalmainteiraaomarido.Elaagorapercebiaqueabelezaeocharmequeatinhamfeitoentregar-seaeledeformatãorepentina,nocomeço,nãoerammaisqueamanifestaçãoexteriordoverdadeiroAlbert.Havianeleumabelezaeumaglória interiorque,porelaestarcega,só tinhapercebidovagamente,masdaqualestavaagoraconscienteemcadafibradeseucorpo:eleeraótimo–eleeragrande!Comoelapodiaterpensadoumdiaemoporsuavontadeàsabedoriadomarido,suaignorânciaaoconhecimentodele,seuscaprichosaobomgostoperfeitodopríncipe?TinhaelaumdiarealmenteamadoLondres,comsuasnoitesemclaroedissipações?Elaqueagorasóficavafeliznocampo,quesaltavadacamaacadamanhã–oh,tãocedo!–comAlbert,paradarumpasseioantesdocafédamanhã,somenteelaeAlbert!Comoeramaravilhosoaprendercoisascomele!Queelelhedissesseonomedecadaárvore,etudosobreasabelhas!Eentãosentar-se fazendo ponto de cruz, enquanto ele lia em voz alta para ela aHistória Constitucional daInglaterra,deHallam!Ououvi-lotocarseuórgão(“Oórgãoéoprimeirodosinstrumentos!”,diziaele);oucantarparaeleumacançãodeMendelssohn,tomandomuitocuidadocomacadênciaearespiração,esó raramente deixando escapar uma nota em falso! E também, depois do jantar – oh, como ele erabondoso!Alberttinhaabandonadooseujogodexadrez!Entãopodiamjogarcartasnamesaredonda,outodospoderiampassaranoitedaformamaisdivertidapossível–brincandodeaneleoutros jogosdesalão.185Quando vieram os bebês, tudo se tornou aindamaismaravilhoso. Pussy era umamenina tãoesperta(“EunãosouPussy!Souaprincesareal!”,elaprotestara,furiosa,numaocasião);eBertie–bem,elasófazia rezar fervorosamenteparaqueopequenopríncipedeGalescrescesse“e ficasseparecidocom seu pai angelical em todos os aspectos, todos, tanto no corpo quanto namente.”186 Sua queridaMamma também tinha sido trazida de volta ao círculo familiar, já que Albert promovera umareconciliação, e a partida de Lehzen ajudou a esquecer as divergências do passado.187 Aos olhos deVitória,avidasetransformaranumidílio,e,seoselementosessenciaisdeumidíliosãoafelicidade,oamor e a simplicidade, tratava-se de fato de um; embora, na verdade, isso desconcertaria Teócrito.“AlbertvestiuanossaamadaepequenaPussy”,escreveuSuaMajestadeemseudiário,

comumvestidodemerinolindo,adornadodeazul,quemamãelhetinhadado,eumbelochapéu,eacolocou emminha cama, sentando-se ao seu lado, e ela estava muito comportada e querida. E,quandomeupreciosoeinestimávelAlbertsesentoucomnossapequenaamadaentrenós,eufiqueimuitocomovidaemesentiinvadidaporumaondadefelicidadeegratidãoaDeus.188

Quandoelaolhavaparaopassado–umpassadodeapenastrêsanosantes–estelhepareciatãoremotoeestranhoqueelasóconseguiaexplicá-loasimesmacomoumaespéciedeilusão–umequívocoinfeliz.Folheandoumantigovolumedeseudiário,elasedeparoucomestasentença:“Quantoà‘confiançadacoroa’, por Deus! Nenhum ministro, nenhum amigo jamais a teve tão completamente quanto o

verdadeiramentequeridolordeMelbourne!”Umaangústiaaatravessou–elapegouumapenaeescreveunamargem:

Lendoistonovamente,nãopossoabster-mederegistrarcomoaminhafelicidadeeraartificialnessaépoca,eque,hojesim,porumaverdadeirabênçãoqueémeumarido,aminhafelicidadeésólidaereal;enenhumeventopolítico,nenhumrevésmundialpodealterá-la;aquelafelicidadenãopoderiaterduradomuito,atéporque,pormaisafetuosoeexcelentequefosselordeM.,eeleerabastanteafetuosocomigo,erasomenteemsociedadequeeumedivertia,eeuestavavivendoapenasdessafontesuperficial,queeu,então,porumcapricho,julgavaseraautênticafelicidade!GraçasaDeus!Paramimeparaoutraspessoas,issomudou,ehojeeuseioqueéaverdadeirafelicidade–V.R.189

Como ela sabia?Qual é a diferença entre a felicidade real e a felicidade sentida?Assimpoderia terperguntado um filósofo – talvez o próprio lorde.M.Mas ela não era uma filósofa, lordeM. era umfantasma,eAlbertestavaaseulado,eeraissoqueimportava.Certamente,Vitóriaestavafelizequeriaquetodossoubessemdisso.SuascartasaoreiLeopolderam

repletas de arroubos apaixonados. “Oh!Meu adorado tio, estou certa de que se você soubesse comoestoufeliz,comomesintoabençoadaequantoorgulhoeu tenhode terumacriatura tão perfeita comomarido!...”Essesêxtasespareciamsederramarincessantementedesuapena,debomgrado.190Quando,umdia, sempensar, ladyLyttelton lhedescreveualguémcomosendo“feliz comouma rainha”e entãoficouumpoucoembaraçada,SuaMajestadereplicou:“Nãosecorrija,ladyLyttelton.Umarainhaéumamulhermuitofeliz.”191Masessanovafelicidadenãoeraumsonhodelótus.Aocontrário,eramaisrevigorantequerelaxante.

Vitória até entãonão sentira com tantaveemência anecessidadedecumprir seudever.Ela trabalhavamais metodicamente do que nunca nos negócios de Estado; e cuidava das crianças com vigilânciaincansável. Mantinha uma enorme correspondência; ocupava-se com sua fazenda, sua leiteria e umaimensidão de passatempos familiares – da manhã até a noite. Seu pequeno corpo, ativo e inquieto,acompanhava com agilidade as largas passadas de Albert através dos corredores e avenidas deWindsor,192epareciaserumaexpressãoperfeitadeseuespírito.Emmeioa todaadelicadezadeumaalegria pura, toda a exuberância, todo o transbordamento de sentimentos inexauríveis, a sua rigideznaturalpermanecia.“Umaveiadeferro”,disse ladyLyttelton,que,comogovernantareal,eraumaboaobservadora,“percorreoextraordináriocaráterdeVitória.”193Àsvezesaprazerosarotinadaexistênciadomésticaprecisavaserinterrompida.Eranecessáriotrocar

Windsor pelo Palácio de Buckingham, abrir as sessões do Parlamento, encontrar figuras oficiais, ou,ocasionalmente, entreter visitantes estrangeiros no castelo. Então a calma corte ganhava uma súbitamagnificência, e soberanos de além-mar –Louis-Philippe, ou o rei daPrússia, ou o rei daSaxônia –encontravamemWindsorentretenimentosqueeramefetivamentedignosdereis.PoucosespetáculosnaEuropa, sabia-se, produziam um efeito tão impressionante quanto o grande salão de banquetes deWaterloo, repleto de convidados usando diamantes cintilantes e uniformes elegantes, as altas paredesexibindoosretratosoficiaisdeheróis,easmesascobertascomasbelasbaixelasdouradasdosreisdaInglaterra.194Mas,emmeioàquelariqueza,oespetáculomais impressionantede todoseraarainha.ApequenaHausfrau, que tinhapassadoodia anteriorpasseandocomsuascrianças, inspecionando seusanimais,praticandopianoeenchendoaspáginasdeseudiáriocomdescriçõesadoráveisdeseumarido,subitamentebrilhava, semesforço algum, semestratagema,por uma transiçãonatural e espontânea, naprópria culminância da majestade. O próprio czar ficou profundamente impressionado. Por sua vez,VitóriaviacomsecretareverênciaoimponenteNicolau.“Asuavisitaconstitui,certamente,umgrande

cumprimentoeumgrandeacontecimento”,disseelaaotio,

etodosaquiestãoextremamentelisonjeados.Eleécertamenteumhomemadmirável;eaomesmotempo muito bonito. Seu perfil é belo, e suas maneiras cheias de dignidade e graça; ele éextremamentecortês–cortêsatédemais,sempretãocheiodeatençõesegentilezas.Eaexpressãodosseusolhoséformidável,diferentedetudooquejáviantes.195

Ela,Alberteo“bomreidaSaxônia”,quetambémestavalánessaocasião,edequem,eladisse,“nósgostamosmuito–eleétãomodesto!”seuniramcomoinofensivasavesdomésticasnapresençadaquelaáguiaterrível.Quandoelesefoi,elestrocaramimpressõessobreseurosto,suainfelicidadeeseupoderdespóticosobremilhõesdepessoas.Bem!Nãoadiantavamuitoelasentirpenadele,egraçasaDeuselaeraarainhadaInglaterra.196Quando chegou a época de retribuir algumas dessas visitas, o casal real usou o seu iate, para o

contentamentodeVitória: “Eu adorobarcos!”, ela exclamou, subindo e descendo escadas comgrandehabilidade e fazendo brincadeiras com os marinheiros.197 O príncipe estava mais arredio; visitaramLouis-PhilippenoChâteaud’Eu;visitaramo reiLeopoldemBruxelas.Por acaso,umamulher inglesaaindamais extraordinária estava na capital da Bélgica,mas passou despercebida; e a RainhaVitóriapassou sem saber pelo olhar fixo de uma das professoras do pensionnat deM. Héger. “Uma damapequena, robusta e vivaz, vestida muito sobriamente – sem muita pretensão ou dignidade”, foi ocomentáriodeCharlotteBrontëaoverocortejorealpassarporela,quetevequeesperarnacalçadaporum momento, interrompendo o fluxo de suas reflexões.198 Vitória estava de excelente humor e atéconseguiudespertarumaatmosferade jovialidadena sombriacortede seu tio.De fato,o reiLeopoldestavaperfeitamentefeliz.Suasmaioresesperanças tinhamserealizado; todasassuasambiçõesforamsatisfeitas; e, pelo resto da vida, só lhe restava desfrutar, com imperturbável decoro, seu trono, suarespeitabilidade, a primazia e o cumprimento pontual de todos os seus simples deveres reais. Mas,lamentavelmente,afelicidadedaquelesqueocercavamnãoeratãocompleta.Suacorte,comentava-se,era tão sombria quanto um convento, e omaismelancólico de todos os sofredores era a sua própriamulher. “Pas de plaisanteries, madame!”, ele tinha dito à infeliz sucessora da princesa Charlotte,quando,logonosprimeirosdiasdocasamento,elahaviaousadofazerumadelicadabrincadeira.Entãoelanãocompreendiaqueaesposadeumsoberanoconstitucionalnãopodiaserfrívola?Maselaacabouentendendo, bem até demais; e quando as paredes dos aposentos reais estremeceram ao eco dastagareliceserisadasdeVitória,apobredamapercebeuquequasetinhaesquecidocomosesorria.No ano seguinte, visitaram a Alemanha, e Albert mostrou as belezas de seu lar. Quando Vitória

atravessou a fronteira, estava bastante excitada – e assustada, também. “Ouvir o povo falar alemão”,escreveuelaemseudiário,“eversoldadosalemãesetc.,mepareceualgosingular.”Recuperadadesteligeirochoque,elaachouopaísencantador.Emtodapartelhefaziamfestas,multidõesderepresentantesdasrealezasvizinhasvinhamcumprimentá-la,egruposadoráveisdecriançascampesinas,vestidascomsuasmelhores roupas, lhepresenteavambuquêsde flores.OprincipadodeCoburg,comsuapaisagemromântica e seushabitantesbem-educados, a encantouparticularmente; e, quandoVitória acordouumamanhã na “amada Rosenau, o lugar de nascimento de meu querido Albert”, foi como “um sonhomaravilhoso”.Aoregressar,elaexpressou,numacartaaoreiLeopoldsuasatisfaçãocomasalegriasdaviagem, enfatizando especialmente a intensidade de seu afeto pela terra natal de Albert. “Nutro umsentimentoindescritível”,disseela,

pelanossapequenaeamadaAlemanha.EmRosenauestesentimentofoimuitointenso.Éalgoquemecomove,quechegadireto aomeucoraçãoe atémedávontadede chorar.Nunca, emnenhumoutrolugar,sentiessetipodepazedeprazermelancólico.Quasetenhomedodegostardemaisdelá.199

V

Omaridonãoestavatãofelizquantoaesposa.Apesardograndeprogressodesuasituação,apesardeumafamíliaquecresciaedaadoraçãodeVitória,Albertaindaeraumforasteironumaterraestranha,easerenidade da satisfação espiritual lhe era negada.Era notável, semdúvida, ter dominado o ambienteimediatoàsuavolta;masnãoerasuficientee,alémdisso,naprópriaconcretizaçãodeseusucesso,haviaumacertaamargura.Vitóriaoidolatrava;maseraporcompreensãoqueeleansiava,enãoporidolatria;eatéquepontoVitóriarealmenteocompreendia,aindaqueestivessesempreaseulado?Atéquepontoobalde entende o poço? A verdade era que Albert se sentia solitário. Ele sentava-se ao órgão eimprovisava cuidadosas modulações, até que os sons, crescendo e aquietando-se em cadênciaselaboradas,trouxessemalgumalívioaoseucoração.Então,comaelasticidadetípicadajuventude,elecorria a brincar com os bebês, ou a projetar um novo chiqueiro, ou a ler em voz alta paraVitória aHistóriadaEscócia,ouafazerpiruetasparaelasobreapontadosdedos,comoumbailarino,comumsorrisoimóvel,paralhemostrarcomoeladeviasecomportarquandoaparecesseemlugarespúblicos.200Assimelesedivertia;mashaviaumpassatempoqueAlbertnãosepermitia.Elenuncaflertava–não,nemmesmo comasmais belas damas da corte.Quando, durante o noivado, a rainha tinha comentadoorgulhosacomlordeMelbournequeopríncipenãotinhaolhosparanenhumaoutramulher,elerespondeucinicamente: “Não, essas coisas vêm mais tarde”; Vitória o repreendeu severamente e correu atéStockmar,paralherepetiroquelordeM.tinhadito.Masobarãoatranquilizou;emboraaquilopudesseaconteceremoutroscasos,elereplicou,nãoacreditavaseresteocasodeAlbert.Eobarãoestavacerto.Ao longo daquela vida conjugal, nenhum encanto de uma rival feminina jamais provocou em Vitóriasequerumapontadeciúme.201Oqueoabsorviacadavezmais–trazendoumprazercuriosoetodopróprio–eraoseutrabalho.Com

osurgimentodePeel,elepassouaintervirativamentenosnegóciosdeEstado.Emmaisdeumaspecto–nadisposiçãodointelecto,nahonestidademoral,atémesmonoformalismoexageradodesuasmaneiras–osdois homens separeciam;haviaumaempatianatural entre eles; e, desta forma,Peel sedispôs aouvirosconselhosdeStockmar,exortandoopríncipeaparticiparmaisdavidapública.EstavaparaserformadaumaComissãoRealparaapurarseseriavantajosoreconstruirosprédiosdoParlamentoparaestimular as belas-artes no Reino Unido; e Peel, com grande perspicácia, pediu ao príncipe quepresidisseacomissão.EraotipodetrabalhoqueconvinhaaAlbert,poissatisfariaseuamoràarte,suanaturezametódica,seugostoporestabelecercontato–íntimo,masdigno–comhomenseminentes;eeleselançouàtarefaconamore.Algunsmembrosdacomissãoficaramumpoucoassustadosquando,emseudiscursoinicial,eleapontouanecessidadededividirasquestõesaseremconsideradasem“categorias”– palavra que, no julgamento deles, aproximava-se perigosamente da metafísica alemã; mas logorecobrarama confiançaquandoobservarama extraordinária familiaridade técnicadeSuaAltezaRealcom os processos de pintura em afresco. Quando surgiu a questão de saber se a ornamentação dasparedesdosnovosprédiosdeveria, ounão, ter umpropósitomoral, o príncipedefendeu fortemente aideia de que deveria. Embora, ele observou, muitas pessoas provavelmente mal olhassem para aspinturas,oartistanãodeveriaesquecerqueoutraspoderiamobservá-lascomolhosmaisreflexivos.Esteargumentoconvenceua comissão, e foi estabelecidoqueos temasa serem retratadosdeveriamserde

naturezaedificante.Osafrescos foramrealizadossegundoas instruçõesdacomissão,mas infelizmenteempoucotempoelessedesbotaramapontodesetornar,mesmoaosolharesmaisreflexivos,totalmenteinvisíveis.ParecequeafamiliaridadetécnicadeSuaAltezacomosprocessosdepinturaemafrescoerabastanteincompleta.202A tarefa seguinte a que se dedicou o príncipe foi mais árdua: ele decidiu reformar a organização

interna da Casa Real. Essa reforma vinha sendo adiada fazia tempo. Durante anos, a confusão, odesconforto e as extravagâncias nas residências reais, e particularmente no Palácio de Buckingham,foramescandalosas;nenhumareformaeraviávelsobodomíniodabaronesa;masasfunçõesdestaforamtransferidasparaopríncipe,eem1844eleatacou firmementeoproblema.Trêsanosantes,Stockmar,apóscuidadosapesquisa,tinhaescritoummemorandodetalhado,descrevendoaimpressionantesituaçãodascoisas.Ocontroledacasa,aparentemente,estavadivididodamaneiramaisestranhaentrediversasautoridades, cada qual independente das outras, cada qual dotada de poderes vagos e voláteis, semresponsabilidades claras e sem coordenação de espécie alguma. Destas autoridades, as maisproeminentes eram o lorde camarista e o lorde tesoureiro – nobres de alto prestígio e importânciapolítica,queserelacionavamcomtodasasadministrações,masquenãoresidiamnacortenemtinhamrepresentantesefetivos ligadosaela.Adistribuiçãodesuasrespectivasfunçõesera incertaepeculiar.NoPaláciodeBuckingham,acreditava-sequeolordetesoureiroeraresponsávelportodososaposentos,comexceçãodacozinha,dascopasedasdespensas,queeramatribuiçãodolordecamarista.Aomesmotempo,aparteexternadopalácionãoestavasobocontroledenenhumdosdoisfuncionários,esimdaSecretariadeBosqueseFlorestas;destaforma,enquantoaparte interiordasvidraçasera lavadapelodepartamentodolordetesoureiro–oupossivelmente,emalgunscasos,dolordecamarista–aSecretariadeBosqueseFlorestascuidavadaparteexterior.Quantoaoscriados,asgovernantas,osmensageirosefaxineiras estavam sob a autoridade do lorde tesoureiro; o chefe da cozinha, os cozinheiros e oscarregadoresestavamsobaautoridadedelordecamarista;masoslacaios,oscondutoresdaslibréseossubmordomos recebiam ordens de um outro oficial – o Mestre dos Cavalos. Naturalmente, nessascircunstâncias, o serviço era extremamente ineficiente, e a falta de disciplina entre os criados eraterrível.Elesdesapareciampelotempoquedesejassem,porqualquercapricho;“ese”,comoafirmouobarão, “o fumo, a bebida e outras irregularidades ocorrem nos dormitórios, onde dormem dez, dozelacaiosemcadaquarto,ninguémpodefazernada”.QuantoaosconvidadosdeSuaMajestade,nãohavianinguémparaconduzi-losaosseusaposentos,efrequentementeeleseramdeixadosvagandosemdestinodurante horas, após se terem perdido emmeio aos complicados corredores do palácio. As estranhasdivisõesdeautoridadeseaplicavamnãosomenteàspessoas,mastambémàscoisas.Arainhaobservouquenuncaacendiamalareiranasaladejantar.Elaquissaberporquê.Arespostafoi:“Olordecamaristadevecuidardalenha,eolordetesoureirodeveacendê-la”;comoossubordinadosdosdoisnobresnãoconseguiamchegaraumacordo,nadasepodiafazer–earainhatinhaquejantarnofrio.203Umincidentesurpreendenteabriuosolhosdetodosparaaconfusãoeanegligênciaquereinavamno

palácio.Duassemanasapósonascimentodaprincesareal,ababáouviuumruídosuspeitonoaposentocontíguoaoquartodedormirdarainha.Elachamouumdoslacaios,que,olhandoembaixodeumgrandesofá,notouapresençadeumafiguraagachada“comaaparênciamaisrepulsiva”.Era“ogarotoJones”.Estepersonagemenigmático,cujasescapadasdominaramosjornaispormuitosmeses,ecujoscaráteremotivaçõespermaneceramambíguosatéofim,eraumrapazraquíticode17anos,filhodeumalfaiate,que aparentemente tinha ganhado acesso ao palácio escalando omuro do jardim e entrando por umajanela aberta. Dois anos antes, ele tinha feito uma “visita” semelhante disfarçado de limpador dechaminés.Destavez,eledeclarouterpassadotrêsdiasnopalácio,escondendo-sesobdiversascamas,roubando sopa e outros alimentos da despensa; declarou também “ter se sentado no trono, ter visto arainha e ter ouvido o choro da princesa real”. Cada detalhe do estranho episódio foi debatidocalorosamente.TheTimespublicouque“desdeainfância,ogarotoJonesgostavadeler”,masquesua

fisionomia era “extremamente taciturna”. E acrescentava: “O sofá sob o qual foi descoberto o garotoJones, como apuramos, é um dosmais caros do palácio, uma refinada obra de carpintaria feita commateriaismagníficos, expressamente destinada à acomodação dos ilustres visitantes reais que vinhamprestarsuadeferênciaaSuaMajestade.”OréufoicondenadoapassartrêsmesesnaCasadeCorreção.Quandofoisolto,imediatamentevoltouaoPaláciodeBuckingham.Foidescoberto,eenviadonovamentepormais trêsmeses àCasa deCorreção, depois doqueuma casa de espetáculos lhe ofereceuquatrolibras por semana para aparecer no palco. Ele recusou a oferta e, pouco depois, foi encontrado pelapolíciaflanandonasimediaçõesdoPaláciodeBuckingham.Asautoridadesdecidiramagircomvigore,sem qualquer julgamento ou processo, embarcaram Jones num navio. Um ano depois, quando aembarcaçãoaportouemPortsmouthparareparos,eledesembarcouecaminhouatéLondres.Elefoimaisumavezpresoantesdechegaraopalácioemandadodevoltaaoseunavio,oWarspite.Nessaocasião,foiobservadoque“suaaparênciapessoaltinhamelhoradomuito,equeelesetornaramaiscorpulento”;nesteponto,Jonesdesaparecedahistória,emboraaindaexistamaisumregistrosobreele:numanoitede1844,JonessupostamentecaiunomaremalgumpontoentreTúniseArgel.Elechegouaserresgatado;masfoiconjecturado–comoumdosoficiaisdoWarspiteexplicounumacartaaoTimes–queaquedanãotinhasidoacidental,equeeleteriasaltadodeliberadamentenomarMediterrâneopara“veraluzdaboiadesalvamentopegandofogo”.Deumgarotocomoseupassado,oquemaissepoderiaesperar?204Masdesconfortoealarmenãoforamosúnicosresultadosdamáadministraçãodolar;odesperdício,a

extravagânciaeopeculatotambémgrassavamdeformaimensurável.Haviaartimanhasabsurdas,etodaespéciedepequenosgolpes.Porexemplo,eraumaregraantigaeimutávelquenuncasedeviaacenderamesmavelamaisdeumavez;masoqueaconteciacomasvelasusadasninguémsabia.Maisumavez,opríncipe,examinandoosdados,ficouintrigadocomumadespesasemanalde35xelinsparao“vinhodaSalaVermelha”.Eleinvestigouoassuntoe,apósgrandedificuldade,descobriuque,naépocadeGeorgeIII,umaposentodocastelodeWindsor,comtapeçariasvermelhas,tinhasidousadocomosaladeguarda,eos5xelins diários eramdestinados a fornecer vinhopara os oficiais.Aguarda já não existia faziamuitotempo,masopagamentoparaovinhodaSalaVermelhacontinuava,eodinheiroerarecebidoporumoficialdebaixosoldoqueocupavaasinecuradesubmordomo.205Depois de muitas e laboriosas investigações, e uma luta árdua contra uma série de interesses que

tinhamsido consolidados ao longode anosdenegligência, opríncipe conseguiu realizaruma reformacompleta.Asdiversasautoridadesemconflitoforaminduzidasarenunciaraseuspoderes,quepassaramaserexercidosporumúnicooficial,oMestredaCasa,quepassouaserresponsávelpelaadministraçãototal dos palácios reais. Foi feita uma grande economia, e todos os abusos foram eliminados. Entreoutros,aodesafortunadooficialdebaixosoldodaSalaVermelhafoidadaaalternativadeescolher,paraa sua surpresa,entreabrirmãode seus rendimentos semanaisepassaradesempenharefetivamenteasfunções de um submordomo. Mesmo as irregularidades entre os lacaios decresceram muito. Houvegritariaereclamações;opríncipeerachamadodeintrometido,injustoesovina,poreconomizartocosdevelas; mas ele persistiu em seu caminho até atingir seu objetivo, e em pouco tempo a notáveladministração da Casa Real foi reconhecida como uma prova convincente de sua perseverança ecapacidade.206Aomesmo tempo, suaatividadecresciaem importânciaemoutraesfera.Albert tinhasidonomeado

SecretárioParticulardarainha,seuconselheiroparaassuntosconfidenciais,seusegundo“eu”.Agoraeleestavasemprepresentenasaudiênciasdarainhacomseusministros.207Comoarainha,eledemonstravaumespecial interesseempolíticaexterna,masnãohaviaquestãopúblicaemquesua influêncianãosefizessesentir.Umduploprocessoestavaemcurso;enquantoVitóriase rendiadeformacadavezmaisabsolutaaseupredomíniointelectual,ele,simultaneamente,entregava-secadavezmaisàsengrenagensabsorventesdasaltasesferaspolíticas–osincessantesemultifacetadosnegóciosdeumgrandeEstado.

Ninguémmaispoderiachamá-lodediletante;eleeraumtrabalhador,umpersonagempúblico,umhomemdenegócios.Stockmarpercebeuamudançacomexaltação.“Opríncipe”,escreveuele,

evoluiumuitorecentemente.Éevidentequeeletemtinoparaapolítica.Etambémsetornoumuitomaisindependente.Suaatividadementalcrescecadadiamais,eelededicaamaiorpartedelaaosnegócios,semreclamar.

“Asrelaçõesentremaridoemulher”,acrescentouobarão,“sãomelhoresdoquesepodiaesperar.”208MuitoantesdeoministériodePeelchegaraofim,houveumacompletamudançanaatitudedeVitória

emrelaçãoaele.OapreçodomaridoporPeelamaciouoseucoração;asinceridadeeacordialidadedeseutemperamento,que,emconversasprivadascomaquelesaquemelequeriaagradar,tinhamopoderdedissipargradualmenteassuasmaneirasdesastradas, fizeramo resto.209Vitória chegouanutrirpor elesentimentosintensosderespeitoelealdade.Elafalavade“nossovaliosoPeel”,porquem,dizia,sentia“umaextrema admiração”eque tinha reveladoser“umhomemde lealdadeecoragem ilimitadas, umpatriota de elevados princípios, e eu diria que a sua conduta em relação a mim tem sido semprecavalheiresca.”210ElareceavaquePeelfosseafastadodocargodeumaformaquasetãoaflitaquantonopassadorecearaporlordeM.Issoseria,eladizia,umaenormecalamidade.OqueVitóriateriaditose,seis anos antes, um profeta lhe afirmasse que chegaria o dia em que ela ficaria horrorizada com umtriunfodosWhigs?Masnãohaviacomoescapardisso;elateriaqueenfrentaroretornodeseusvelhosamigos. Nas crises ministeriais de 1845 e 1846, o príncipe exerceu um papel dominante. Todosreconheceram que foi ele o verdadeiro centro das negociações – o autêntico fiscal das forças e dasfunções da coroa.O processo pelo qual se chegou a este resultado foi gradual, a ponto de ser quaseimperceptível;maspode-seafirmarcomcertezaque,aofinaldaadministraçãodePeel,Albertsetinhatornado,defato,oreidaInglaterra.211

VI

OcrescimentofinaldopríncipecoincidiucomodeclíniofinaldelordeMelbourne.Umanodepoisdeperderseucargo,elefoivítimadeumataqueapopléticoqueodeixouparalítico;aparentemente,eleserecuperou,masa suaantigaelasticidade jamaisvoltaria.Rabugento,agitadoe infeliz,elevagavapelacidade como um fantasma, irrompendo em solilóquios em lugares públicos, ou fazendo perguntasestúpidas, repentinamente,àproposdebottes. “Serei enforcado se fizer issopelo senhor,meu lorde”,ouviu-seeledizernosalãodoBrooks,sozinho,esedirigindoaonadaapósmuitareflexão.“Vocênãoacha”, ele perguntou abruptamente a um convidado de ladyHolland, recostando-se namesa de jantarnuma pausa da conversação, “que foi um ato abominável de Henrique IV trocar de religião com oobjetivo de conservar a coroa?” Melbourne ficava sentado em casa, cismando durante horas emmiserávelsolidão.Eleviravaereviravaseuslivros–seusclássicoseseusEvangelhos–,masestesnãolhe traziamnenhumconforto.Ele sonhavacomumavoltaaopassado, sonhavacomo impossível, comalgo que ele não sabia explicar o que era, com suas antigas diabruras, com a trivialidade feliz deWindsor.Seusamigosotinhamabandonado–oquenãoerasurpreendente,elepensavacomamargura;achamatinha-seapagado.Secretamenteesperandovoltaraopoder,Melbourneexaminavaosjornaiscomatençãoe,ocasionalmente,pronunciavaumdiscursonaCâmaradosLordes.Suacorrespondênciacomarainha continuava, e de tempos em tempos ele aparecia na corte; mas era um mero simulacro de simesmo.“Osonho”,escreveuVitória,“pertenceaopassado.”Quantoàssuasopiniõespolíticas,elasnão

mais seriam toleradas.Opríncipe era umpartidário fervoroso do livre-comércio, e portanto, é claro,tambémoeraarainha;equando,jantandoemWindsornaépocadarevogaçãodasLeisdoTrigo,lordeMelbourne subitamente exclamou: “Senhora, este é um ato maldito e desonesto!”, todos ficaramextremamente constrangidos. Sua Majestade riu e tentou mudar de assunto, mas sem proveito; lordeMelbournevoltouàcargadiversasvezesdizendo:“Estoudizendo,senhora,queéumatodesonesto.”Atéquearainhadisse:“LordeMelbourne,devolhepedirquenãopronunciemaisumapalavrasequersobreesteassuntoagora”;eentãoeleseguroualíngua.Vitóriaeragentilcomele,escrevia-lhelongascartasesempreselembravadeseuaniversário;maseraumagentilezaàdistância,eelesabiadisso.Eletinhasetornado o “pobre lorde Melbourne”. Uma inquietação profunda o devorava. Melbourne decidiu seconcentrar na questão da agricultura e nomovimento deOxford. Escreveu longosmemorandos, numaletraquaseinteiramenteincompreensível.Estavaconvencidodequetinhaperdidotodooseudinheiro,eque possivelmente não poderia arcar com as despesas decorrentes de ser um Cavaleiro da Ordem.Melbournetinhapassadoportodaespéciedeexperiências,e,portanto,sePeelseafastasse,elepoderiaserindicado–porquenão?Maselenuncafoiindicado.OPartidoWhigoignoraemsuasconsultas,ealiderançadopartidofoientreguealordeJohnRussell.QuandolordeJohnsetornouprimeiro-ministro,todos foram muito polidos, mas ninguém convidou lorde Melbourne a fazer parte do gabinete. Elesuportouogolpecomserenidade;mascompreendeu,finalmente,queaqueleeraoseufim.212Melbourne ainda se arrastou por mais dois anos, mergulhando lentamente na inconsciência e na

imbecilidade. Às vezes, escorado em sua poltrona, ele era flagrado murmurando, com inesperadapropriedade,aspalavrasdeSansão:

“SomuchIfeelmygenialspiritsdroop,Myhopesallflat,naturewithinmeseemsInallherfunctionswearyofherself,Myraceofgloryrun,andraceofshame,AndIshallshortlybewiththemthatrest.”213

“Comosintomeuespíritogenialfenecer,Todasasminhasesperançasforamaniquiladas,eanaturezaemmeuíntimoParecesesentir,emtodasassuasfunções,cansadadesimesma.MinhacarreiradeglóriaedevergonhaestáextintaEembreveestareiaoladodosquerepousam.”

Poucosdiasantesdesuamorte,Vitória,informadadequenãohaviaesperançaderecuperação,lembrou-seporummomentodequemumdiatinhasidolordeM.“Vocêficaráaflitoaosaber”,disseelaaoreiLeopold,

que nosso velho amigo, o bom e querido lorde Melbourne está morrendo (...). Não podemosesquecer como ele foi generoso, bondoso e cordial, e agorame vêm àmente tantas lembranças,embora,Deussabedisso!,eunãogostariaqueaqueletempovoltassenovamente.214

Vitórianãocorriaesseperigo.Amarédosacontecimentosestavaagorafluindorumoaumaconclusãomuito diferente.A seriedade deAlbert, as solicitações de seus filhos, suas próprias inclinaçõesmais

íntimas, unidas aomovimento domundo à sua volta, conspiravam para obrigá-la a seguir o caminhoestreitododeverpúblicoedoméstico.Suafamílianãoparavadecrescer.DezoitomesesdepoisdonascimentodopríncipedeGales,nasceuaprincesaAlice,umanodepois,opríncipeAlfred,emseguida,aprincesaHelenae,dois anosmais tarde, a princesaLouise; e havia sinais de que a bela fila de infantes reais ainda nãoestavacompleta.Ospais,cadavezmaisenvolvidosemcuidadoscomos filhosecoma felicidadedafamília,achavamapompadeWindsor irritanteepassaramadesejarumlarmais íntimoeafastado.AconselhodePeel,elescompraramapropriedadedeOsborne,naIlhadeWight.Seutemperamentoesuahabilidade em questões financeiras fizeram com que eles economizassem uma enorme quantia dedinheiro; e eles podiam, com esta poupança, não somente sustentar a nova propriedade como tambémmandar construir umanova casapara eles emobiliá-la aumcustode200mil libras.215EmOsborne,perto da costa e em meio às árvores que Albert, tendo em mente lembranças de Rosenau, plantoucuidadosamente, a família real passava todo o tempo emque não fosse necessária a sua presença emWindsorouLondres–horasdeliciosasde intimidadeprofundae trabalhosereno.216Opovoaprovavatudo.Unspoucosaristocrataspodiamtorceronarizourircomdeboche,masperanteanaçãocomoumtodoarainhavoltavaaserextremamentepopular.Asclassesmédias,emparticular,estavamsatisfeitas.Elasgostavamdeverumcasalapaixonado,gostavamdeumlarquecombinasseasvantagensdarealezacomavirtude, e noqual elas pareciam identificar, comoque refletidas numespelho esplendoroso, asimagensideaisdasvidasquegostariamdeter.Assuasprópriasexistências–queerammenosexcitantes,mas não deixavam de ser parecidas – ganhavam uma dose extra de excelência, que valorizava o seucotidianodehoráriosrigorosos,deroupassimples,dejogosdesalão,derosbifeepudimdeYorkshire.De fato, aquela eraumacortemodelo.Nãoapenasos seusprotagonistas erammodelosdeprobidade;dalinãosurgianenhumasombradeescândalo,nenhumasombradefaltadedecoro.217PoisVitória,comtodoozelodeumaconvertida,defendiaagoraoestandartedapurezamoralcomumainflexibilidadequeera ainda maior, se isto era possível, que a de Albert. Ela se ruborizava ao lembrar como tinhaacreditadoumdia–comotinhadefatoditoaele–quenãosedeviaser rigorosoouexigentedemaisnestesassuntos,equeconvinhaserindulgentecomospecadoshorríveiscometidosporpessoasdopovo.MaselanãoeramaisapupiladelordeM.;elaeraesposadeAlbert.Elaeramais–eraaencarnação,oápicevivodeumanovaeradahumanidade.Oúltimovestígiodo séculoXVIII tinhadesaparecido;assutilezaseocinismotinhamsidoreduzidosapó;eodever,otrabalho,amoralidadeeavidadomésticatriunfaramsobreeles.Atémesmoasmesasecadeiras ganharam, seguindo singularmente o espírito da época, formas de incontestável solidez esimplicidade.AEraVitorianaestavaemseumomentoculminante.

VII

Só faltavaumacoisamais:osnovos ideaiseasnovas forçasdeveriamganharexpressãomaterial,deformaqueficassemvisivelmenteexpostosemsuaglóriaaosolhosdeummundoatônito.CoubeaAlbertrealizarestatarefa.Elerefletiu,eainspiraçãolheveio:foientãoqueteveaideiadaGrandeExposição.Sem consultar ninguém, ele elaborou os detalhes de seu plano minuciosamente. Já tinha havido

exposiçõesantesnomundo,masestadeveriasuperartodas.Eladeveriaconteramostrasdetudooquecadapaís tivesseaofereceremtermosdematérias-primas,emmaquinariae invençõesmecânicas,emmanufaturas,enasartesplásticaseaplicadas.Nãodeveriaserapenasútileornamental;deveriaensinaruma elevada lição moral. Deveria ser um monumento internacional àquelas bênçãos supremas dacivilização–paz,progressoeprosperidade.Poralgumtempo,nopassado,opríncipedevotaraamaior

partedesuaatençãoaosproblemasdocomércioedaindústria.Eletinhaumgostopelasmaquinarias,detodas as espécies, e seu olhar agudo tinha identificado, mais de uma vez, com a precisão de umespecialista, uma engrenagem defeituosa num complexo motor.218 Uma visita a Liverpool, onde eleinaugurou o Estaleiro Albert, deixou-o profundamente impressionado, pela enormidade das modernasforças industriais, embora numa carta aVitória emquedescrevia as suas experiências, ele tenha sidocuidadoso, preservando suas costumeiras discrição e leveza. “Enquanto escrevo”, ele observou, bem-humorado,

vocêdeveestar fazendosua toaletevespertina, e talveznãoseaprontea tempoparao jantar.Eupossomededicar àmesma tarefa,masnão, espero, comomesmo resultado. (...)A lealdade eoentusiasmodoshabitantessãograndes;masocaloréaindamaior.SeapopulaçãodeLiverpoolsetivessepesadopelamanhãevoltasseasepesaragora,elaveriaqueestámaisleve,eistomedeixasatisfeito.Oportoémaravilhoso,eovolumedeembarcaçõesinacreditável.219

Desdea infância,Albert tinhamanifestadoumenorme interessepelaarteepelaciência;a reformadaCasa Real tinha confirmado definitivamente o seu talento para a organização; e portanto o príncipeestava, em todos os aspectos, qualificado para a nova tarefa. Tendo amadurecido o seu projeto, eleconvocouumpequenocomitêe fezumesboçode seuplano.Ocomitêaprovou tudo,e iniciou-se semdemoraograndeempreendimento.220Dois anos, porém, foram necessários para que ele se completasse. Durante dois anos o príncipe

trabalhou comzelo extraordinário e incessante.No começo, tudo correu tranquilamente.Osprincipaisfabricantesabraçaramprontamenteaideia;ascolôniaseaCompanhiadasÍndiasOrientaissemostraramsimpáticasaoprojeto;asgrandesnaçõesestrangeirasestavamansiosasparaenviarassuascontribuições;oapoiopoderosodeSirRobertPeelfoiobtido,eautilizaçãodeumterrenoemHydePark,escolhidopelopríncipe,foisancionadapelogoverno.Entreos234projetosinscritosparaaconstruçãodoprédioda exposição, o príncipe elegeu o de Joseph Paxton, famoso como arquiteto de conservatóriosgigantescos; e o trabalho estava prestes a ser começado quando surgiu uma série de dificuldadesinesperadas.Aoposiçãoaoprojetocomoumtodo,latentehaviaalgumtempoemváriaspartes,irrompeusubitamente. Houve um enorme clamor, liderado pelo Times, contra a utilização do parque para aexposição;porummomentopareceuqueoprédioseriatransferidoparaumsubúrbio;mas,depoisdeumagitadodebatenaCâmara,osdefensoresdaexposiçãonoparquesaíramvencedores.Entãoalegaramqueosuportefinanceiroparaoprojetoerainsuficiente;masesteobstáculotambémfoisuperado,eporfim200millibrasforamaprovadascomoumfundodegarantia.Oenormeedifíciodevidrocresciacadavezmais,cobrindoumaextensaáreaeabrigandoolmosaltíssimosemseuinterior:foientãoqueafúriadeseus inimigos atingiu o clímax. Os elegantes, os prudentes, os protecionistas, os devotos – todos sejuntaramnogritodeprotesto.FoiafirmadoqueaexposiçãoacabariavirandoumpontodeencontroparatodososrufiõesdaInglaterra,para todosos insatisfeitosdaEuropa;eque,nodiadesua inauguração,certamentehaveriaumarevoltaeprovavelmenteumarevolução.Tambémdeclararamqueo telhadodevidroeraporoso,equeopesodosexcrementosde50milpardaisacabariadestruindocompletamentetodososobjetosdebaixodele.Inconformistasagitadosdisseramqueaexposiçãoeraumempreendimentoarrogante e perverso, que resultaria inevitavelmente no castigo de Deus sobre a nação. O coronelSibthorpe,nodebatesobreolocaldaobra,pediuaDeusquefizessegranizoserelâmpagosdesabaremsobreaqueleprédioamaldiçoado.Opríncipe,comobstinadaperseverançaepaciênciainfinita,continuouperseguindo sua meta. Sua saúde estava seriamente afetada; ele sofria de constantes insônias, e suasforçasestavamquasenofim.MaseleselembravadosconselhosdeStockmarenuncaseentregava.O

volume de seu trabalho se tornava a cada dia mais prodigioso; ele comandava comitês, presidiasemináriospúblicos,faziadiscursosesemantinhaemcontatocomtodososcantosdomundocivilizado–eseusesforçosforamrecompensados.Nodia1ºdemaiode1851,aGrandeExposiçãofoiabertapelarainhadiantedeumaenormemultidão,emmeioacenasdebrilhoestonteanteeentusiasmotriunfante.221AprópriaVitóriaseencontravanumestadotaldeexcitaçãoquebeiravaodelírio.Eladesempenhava

os seus deveres num êxtase de alegria, gratidão e perplexidade, e, quando tudo chegou ao fim, seussentimentos jorraram em seu diário. O dia tinha sido nada menos que uma sucessão interminável deglórias–ou,antes,umasóevastaglória,queirradiavadeAlbert.Tudooqueelatinhavisto,tudooqueela tinha sentido ou ouvido, tinha sido tão belo emaravilhoso que até as habituais frases grifadas darainha foram esquecidas sob o peso da ênfase, enquanto sua pena fluía cheia de reminiscências,desatenta,deesplendoraesplendor–“aenormemultidão, tãocivilizadae leal;bandeirasde todosospaísesaovento;ointeriordoprédio,tãoimenso,commiríadesdepessoaseosolbrilhandoatravésdotelhado;umapequenasaleta,ondedeixávamosnossosagasalhos;palmeirasemaquinarias;omeuqueridoAlbert; e o lugar era tão grande quemal conseguíamos ouvir o órgão; gratidão a Deus; uma curiosareuniãodepolíticosehomenseminentes;amarchadeAthalie;DeusabençoemeuamadoAlbert,Deusabençoemeuamadopaís!;umafontedevidro;o duque e lorde Anglesey andando de braços dados; uma linda Amazona, em bronze, de Kiss; o Sr.Paxton,quepoderiamuitobemsentir-seorgulhoso,aindamaisportercomeçadosuacarreiracomoumassistentedejardineiro;SirGeorgeGreychorando,etodossurpresoseencantados.222Umincidenteimpressionanteocorreuquando,depoisdeumabreveprecedoarcebispodeCanterbury,

umcorodeseiscentasvozescomeçouacantarocorodeAleluia.Nessemomento,umchinês,vestidocomumtrajetípicodeseupaís,caminhouatéocentrodanavecentrale,avançandolentamenterumoaogruporeal,fezumamesuraaSuaMajestade.Arainha,muitoimpressionada,nãotinhadúvidadequesetratavadeumeminentemandarime,quandofoiformadaaprocissãofinal,foramdadasordensparaque,comonão havia nenhum representante do Império Celestial, aquele homem deveria ser incluído no cortejodiplomático.Destaforma,comamaiorgravidade,eleseguiuimediatamenteatrásdosembaixadores.Emseguida desapareceu, e correu o boato, entre as más línguas, de que, longe de ser um mandarim, ocamarada era um simples impostor. Mas ninguém chegou a decifrar a natureza das reflexões que seescondiamportrásdatotalpassividadedaquelerostoamarelo.223Poucosdiasdepois,Vitóriaabriuocoraçãocomseutio.O1ºdemaio,disseela,foi

o dia mais importante da nossa história, graças ao mais bonito, impressionante e comoventeespetáculo já visto, e representou o triunfo de meu amado Albert. (...) Foi o dia mais feliz eorgulhoso de minha vida, e não consigo pensar em mais nada. O querido nome de Albert estáimortalizadoemseugrandeprojeto,delepróprio,eomeupróprioeadoradopaíscomprovouoseuvalor.Otriunfoéimenso.224

Eera.Oentusiasmofoiuniversal;atéosmaisamargoscríticosmudaramdeopinião,aderindoaocorodeelogios.225 Congratulações oficiais não paravamde chegar; a prefeitura de Paris deu uma grande fêtepara o comitê da exposição; e a rainha e o príncipe percorreram o norte da Inglaterra numa viagemtriunfal.Osresultadosfinanceirosforamigualmentenotáveis.Olucrototaldaexposiçãochegouàsomade165millibras,queforamaplicadasnacompradeumterrenoparaaconstruçãodeumMuseuNacionalpermanenteemSouthKensington.Duranteos seismesesde suaexistênciaemHydePark,aexposiçãoatraiumaisdeseismilhõesdepessoas,enãoocorreuumsóacidente.Mastodasascoisastêmumfim;echegouahoradeseremoveropaláciodeCristalparaoretirosalubredeSydenham.Vitória,tristemas

conformada,fezsuavisitafinal.“Tudopareciatãobonito”,disseela.

Eunãopodiaacreditarqueeraaúltimavezqueviaaquilo.Umórgão,acompanhadoporumbeloepotenteinstrumentodesoprochamadosomerofone,estavasendotocado,oquequasemefezpassarmal. As lonas estão muito sujas, as cortinas vermelhas estão desbotadas, e há várias coisasestragadas,masoefeitocontinuasendonovoerevigorantecomosempre,etalvezatémaisbonito.Afontedevidro já tinha sido removida, (...) eosoperários estavamcarregandopacotesdamesmaformaquefizeramquandomontaramaexposição.Issonosdeixoumuitomelancólicos.

Mas pensamentos mais alegres se seguiram. Quando tudo tinha terminado, Vitória expressou suasatisfaçãoilimitadanumacartaditirâmbicaaoprimeiro-ministro.Onomedeseuamado,disseela,estavaimortalizadoparasempre,equeissofosseuniversalmentereconhecidopelopaíseraparaelaumafontedeimensaalegriaegratidão.“ArainhasesentegrataàProvidência”,concluiuSuaMajestade,

por ter permitido que ela se unisse a um príncipe tão nobre, bondoso e superior, e este anopermanecerá para sempre em suamemória comoomais feliz e orgulhoso de sua vida.Odia doencerramentoda exposição (que a rainha lamentavanão terpodido testemunhar) coincidiu comodécimosegundoaniversáriodeseunoivadocomopríncipe,oqueéumacoincidênciacuriosa.226

5LordePalmerston

I

Em1851, aboa fortunadopríncipeatingiuo seupontoculminante.O sucessodaGrandeExposiçãoaumentouenormementeasuareputaçãoeparecialheassegurar,daliemdiante,umlugardeliderançanavidanacional.Mas,antesqueoanochegasseaofim,eleobteveoutrotriunfo,numaesferadeaçãomuitodiferente. O triunfo, grandioso e com consequências proféticas, foi ele próprio o resultado decircunstânciascomplicadasquevinhamseagravandohaviaváriosanos.A impopularidadedeAlbertnaalta sociedadenãodiminuiucomo tempo.Membrosdaaristocracia

continuavam a olhá-lo com desprezo; e ele, por sua vez, isolava-se cada vez mais, numa atitude dereservaedesdém.Houveummomento,naverdade,emquepareceuqueainsatisfaçãodasclassesaltaspoderia transformar-se repentinamente em cordialidade; pois eles souberam, com surpresa, que opríncipe, durante umavisita ao campo, tinha caçado a cavalo comcães, saindo-se bastante bem.Elessempretinhampensadoqueoseutalentonaequitaçãoeradesegundacategoria,típicadosestrangeiros,eentão viram o príncipe saltando obstáculos com cinco traves e perseguindo a raposa com se tivessenascido e sido criado em Leicestershire. Eles mal podiam acreditar; seria possível que tivessemcometidoumerro,equeAlbertfosseumbomsujeito,nofimdascontas?Seelequisessequepensassemassim,certamenteteriaaproveitadoaoportunidade,adquirindovárioscavalosecãesdecaçaeusando-osconstantemente.Mastalnãoeraoseudesejo;caçadasoaborreciamedeixavamVitórianervosa.Elecontinuou a cavalgar, como antes; em suas próprias palavras, por exercício ou conveniência, não pordiversão;esabia-seque,emboraopríncipe,semdúvida,soubessemanter-seemsuaselabastantebem,elenãoeraumdesportista.227Esteeraumassuntosério.Nãosetratavasimplesmentededamasecavalheirosrefinadosqueriamde

Albert;nemdofatodequeVitória,queantesdocasamento frequentavaativamenteasociedade,soba

influênciadomarido,tinhaabandonadoquasecompletamenteaquelavida.DesdeCharlesII,ossoberanosdaInglaterrasempreforam,comumaúnicaexceção, deselegantes; e o fato de que esta exceção fosse George IV parecia acrescentar ainda maissignificado àquele papel.Oque era grave não era a falta de elegância,mas sim a ausência de outrasqualidadesmais importantes.A hostilidade das classes altas era sintomática de um antagonismomaisprofundo,quenãoselimitavaàsboasmaneirasouadiferençasdegosto.Opríncipe,numapalavra,eraumnãoinglês.Édifícildizeroqueaexpressãoqueriadizerexatamente;maseraumfatoevidentea todos.LordePalmerston, tampouco,eraelegante;osmaisimportantesaristocratasWhigsoolhavamcomdesdémeotoleravamapenascomoummalnecessárioedesagradávelqueodestinolhesimpusera.MaslordePalmerstoneratotalmenteinglês;haviaalgonelequeexpressava,comextraordináriovigor,asqualidadesfundamentaisdaraçainglesa.Eele era a antítese perfeita do príncipe. Por um acaso curioso, aconteceu de este típico inglês travarcontatocomoestrangeirodocontinente,maisdoquequalquerumdeseusconterrâneos.Porcontadisso,diferenças que em circunstâncias mais felizes poderiam ter sido atenuadas e obliteradas, foramacentuadasnomaisaltograu.TodasasforçasmisteriosasdaalmadeAlbertsereuniramparaabatalhacomseuadversário,e,nolongoeviolentoconflitoquesetravou,elequasetinhaaimpressãodeestarlutandocontraaprópriaInglaterra.AvidainteiradePalmerstonforapassadanaadministraçãopública.Aos22anos,elefoiministro;aos

25,lheofereceramaChancelariadoTesouro–que,comaquelaprudênciaqueconstituíaumaparcelatãoinesperadadeseucaráter,elese recusouaaceitar.Suaprimeira temporadanogovernodurou21anosininterruptos.QuandolordeGreysubiuaopoder,elefoinomeadosecretáriodoExterior,umpostoqueeleocuparia,comdoisbrevesintervalos,pormais21anos.Aolongodesseperíodo,suareputaçãojuntoaopovocresceudeformavigorosa,equando,em1846,elesetornousecretáriodoExteriorpelaterceiravez,suaposiçãonopaísestavaquaseempédeigualdade,ouchegavamesmoasercomparável,comadoprimeiro-ministro, lorde John Russell. Este era um homem alto e corpulento de 62 anos, com um arvistoso,umrostogrande,suíçastingidas,eolábiosuperiorlongoesardônico.Suavidaprivadaestavalonge de ser respeitável, mas ele tinha fortalecido bastante sua posição na sociedade ao se casar,tardiamente,comladyCowper,irmãdelordeMelbourneeumadasmaisinfluentesmulheresdoPartidoWhig. Poderoso, influente e extremamente autoconfiante, ele naturalmente davamuito pouca atenção aAlbert.Porquedeveria?Opríncipeseinteressavaporquestõesinternacionais?Poismuitobem;queopríncipedesseatençãoaele–aele,quejáeraministroquandoAlbertaindaestavanoberço,elequeforaolíderescolhidoporumanação,equenuncafalharaemqualquerdesafioquetivesseenfrentadoaolongode todaa suavida.Nãoqueelequisessechamaraatençãodopríncipe– longedisso: atéondepodiaver,Albertnãopassavadeumjovemestrangeiro,quesofriadenãotervíciosecujoúnicoméritoera ter se casado com a rainha da Inglaterra. Esta avaliação, ele descobriria de forma dolorosa, eraequivocada. De forma algumaAlbert era insignificante, e, por trás de Albert havia outra pessoa quetampoucoerainsignificante–haviaStockmar.Mas Palmerston, ocupado com seus projetos, suas ambições e a administração de um grande

ministério,deixoudeladotodasessasconsiderações;esteeraoseumétododeaçãofavorito.Eleviviaporinstinto–comumolharagudoeopulsoforte,administravahabilmentecadacrisequesurgia,comumapercepçãosemi-inconscientedoselementosvitaisdasituação.Eleeramuitocorajoso;enada lhedava mais satisfação que governar o barco do governo, enfrentando fortes ventos, num mar bravio,fazendo uso de cada polegada de suas velas.Mas existe um ponto além do qual a coragem se tornatemerária–umpontoperceptívelapenaspela intuição,enãopelarazão;ePalmerstonnuncaavançavaalémdesseponto.Quandoelepercebiaqueocasoexigiaisso,elediminuíaopasso–diminuíamuito,naverdade; de fato, toda a sua carreira, tão cheia de aventuras vigorosas, foi contudo uma ilustraçãomagistraldoprovérbio“Toutvientàpointàquisaitattendre”.228Masquandoeledecidiapartirparao

ataque,ninguémeramaisrápido.Umdia, regressandodeOsborne,eleachouquetinhaperdidoo tremparaLondres;requisitouumtremespecial,masogerentedaestaçãolhedissequepôremfuncionamentoum trem especial àquela hora seria perigoso, portanto não poderia autorizá-lo. Palmerston insistiu,afirmandoterimportantesnegóciosatrataremLondres,quenãopodiamesperar.Ogerente,apoiadoportodososguardas,continuavaaresistir;acompanhia,disseele,nãopoderiaassumiraresponsabilidade.“A responsabilidade seráminha, então!”, disse Palmerston, com seu jeito arrogante e peremptório; ogerenteentãoautorizouaviagem,eosecretáriodoExteriorchegouaLondresatempopararealizarseutrabalho,semacidentealgum.229Ahistóriaétípicadaalegrevalentiacomqueeleconduziatantoosseusnegóciospessoais,quantoosnegóciosdanação.“AInglaterra”,elecostumavadizer,“éforteobastantepara enfrentar todos os obstáculos.”230 Aparentemente era mesmo, ao menos sob o comando dePalmerston.Enquantoosguardasprotestavamegesticulavaminquietos,eleosafastavacomsuaetéreafrase “Minha responsabilidade!”, e conduzia o país agilmente pelo caminho escolhido, a um destinotriunfante – sem acidente algum. Sua imensa popularidade era em parte o resultado de seus sucessosdiplomáticos, em parte de sua extraordinária afabilidade pessoal, mas principalmente da genuínaautenticidadecomqueelecorrespondiaaossentimentosedefendiaosinteressesdeseusconterrâneos.OpovosabiateremlordePalmerstonnãoapenasumrepresentantedebrio,mastambémumservodevotado–poiseleera,emtodosossentidosdapalavra,umhomempúblico.Quandoeraprimeiro-ministro,elenotou que grades de ferro tinham sido postas no Green Park para proteger a grama; imediatamenteescreveuaoministroresponsável,ordenando,comalinguagemmaissevera,queelasfossemremovidasimediatamente, afirmando que eram “um aborrecimento intolerável”, e que a grama “foi feita para secaminhar livremente e sem quaisquer restrições ao povo, sejam jovens ou idosos, pois é para oentretenimento deles que os parques se destinam.”231 Era com este espírito que, como secretário doExterior, ele cuidava dos interesses dos ingleses que estivessem fora do país. Nada podia ser maisagradávelparaosingleses,masosgovernosestrangeirosnãogostavamtantodisso.ElesjulgavamlordePalmerston intrometido,exasperanteealarmista.EmParis, falavamcomressentimentode“ce terriblemilordPalmerston”,esseterrívelsenhorPalmerston;enaAlemanhafizeramumapequenacançãosobreele.

“HatderTeufeleinenSohn,SoistersicherPalmerston.”232

“SeoDiabotemumfilho,ComcertezaeleéPalmerston.”

Mastodasasqueixas,ameaçaseagitaçõesforamemvão.Palmerston,comseulábiosuperiorcrispadosardonicamente,enfrentouosobstáculoseprosseguiuemseucaminho.A primeira crise diplomática que ocorreu após o seu retorno ao gabinete, embora envolvesse

intimamenteopríncipeearainha,foiresolvidasemnenhumdesacordosérioentreacorteeoministro.Fazia já alguns anos, um problema curioso vinha deixando perplexas as chancelarias da Europa. AEspanha,quedesdeotempodeNapoleãoerapalcodeconvulsõessociais,tinhasossegadoporumbreveperíodo,mantendo-senumestadoderelativatranquilidadesobocomandodeCristina,arainha-mãe,esuafilhaIsabella,ajovemrainha.Em1846,aquestãodocasamentodeIsabella,quevinhasendo objeto de especulações diplomáticas havia muito tempo, tornou-se subitamente aguda. Forampropostosvárioscandidatosàsuamão–entreeles,doisprimosdelaprópria,outropríncipeespanhol,e

opríncipeLeopolddeSaxe-Coburg,primocarnaldeVitóriaeAlbert;pordiferentesmotivos,contudo,nenhumdessesjovenspareciatotalmentesatisfatório.Isabellaaindanãocompletara16anos;epodia-sesupor que era possível adiar por mais alguns anos o seu casamento; mas isso parecia estar fora decogitação. “Vous ne savez pas”, disse uma alta autoridade, “ce que c’est que ces princessesespagnoles;ellesontlediableaucorps,etonatoujoursditquesinousnenoushâtionspas,l’héritierviendraitavantlemari.”233*Tambémsepodiasuporqueocasamentodajovemrainhaeraumassuntoaserresolvidoporela,suamãeeogovernoespanhol,mas,novamente,esseestavalongedeserocaso.Tornara-se–porumadaquelasperiódicasreversõesderumosdoséculoXVIIIque,comenta-se,aindanãosãoestranhasàdiplomacia–umaquestãodesumaimportânciaparaaspolíticasexternasdaFrançaedaInglaterra.Pormuitosanos,Louis-Philippeeseuprimeiro-ministroGuizotamadureceramemsegredoum planomuito sutil. O objetivo do rei francês era repetir o glorioso coup de Luís XIV e abolir osPirineusaocolocarumdeseusnetosnotronodaEspanha.Paraqueissoacontecesse,elenãochegouasugerirqueseufilhomaisnovo,oduquedeMontpensier,secasassecomIsabella;esteseriaumlancemuitoóbvio,quepoderia terprovocadoumaoposiçãoimediataeintransponível.EleentãopropôsqueIsabellasecasassecomseuprimo,oduquedeCadiz,enquantoMontpensiersecasariacomairmãmaisnovadeIsabella,ainfantaFernanda;e,porDeus,porquehaveriaqualquerobjeçãoaisso?OastutoevelhoreisussurrounasorelhascastasdeGuizotachavedosegredo;eletinhabonsmotivosparacrerqueoduquedeCadiznãopodiaterfilhos,eportantoadescendênciadeFernandaherdariaacoroaespanhola.Guizot esfregouasmãosecomeçou imediatamenteapôroplanoemprática;mas, é claro,oesquematodofoilogodescobertoedivulgado.Ogovernoinglêsconsiderouaquestãomuitoseriamente;abalançadopoderestavaclaramenteemjogo,eaintrigafrancesaprecisavasercombatidaatodocusto.Seguiu-seum conflito diplomático de grande intensidade; e houve momentos em que parecia que uma segundaGuerra da Sucessão espanhola estava prestes a eclodir. Isto foi evitado, mas as consequências desteestranho imbroglio foramde longo alcance, emuito diferentes do que tinhamprevisto todas as partesenvolvidas.Nocursodaslongaseintricadasnegociações,haviaumpontoaoqualLouis-Philippesededicoucom

especial vigor – a candidatura do príncipeLeopold de Saxe-Coburg.A perspectiva de um casamentoentre um príncipe deCoburg e a rainha da Espanha era, ele afirmou, pelomenos tão ameaçadora aoequilíbriodopodernaEuropaquantoaperspectivadeumcasamentoentreoduquedeMontpensiereainfanta;e,defato,haviamuitoaserditosobreessacontenda.AruínaqueseabaterasobreaCasadeCoburgduranteasguerrasnapoleônicasaparentementesótinhaservidoparaaumentarsuavitalidade,jáque a família principesca tinha se expandido, naquele momento, por toda a Europa, de umamaneiraextraordinária.OreiLeopoldestava firmementeestabelecidonaBélgica; suasobrinhaeraa rainhadaInglaterra;umdeseussobrinhoseraomaridodarainhadaInglaterra,eoutroeraomaridodarainhadePortugal; aindahaviaoutro,queeraoduquedeWürtemberg.Onde isso iriaparar?Pareciaexistirummonopólio dosCoburg, pronto a enviar umde seusmembros para preencher qualquer lugar vago nasfamíliasquedominavamaEuropa.EmesmoalémdaEuropahaviasinaisdequeainfecçãoseespalhava.Umamericano que chegou emBruxelas assegurou ao reiLeopold que existia um forte sentimento nosEstados Unidos a favor da monarquia, que poria um fim às desordens das plebes, e sugeriu, para oencanto de Sua Majestade, que algum ramo da família dos Coburg poderia estar disponível para oposto.234Talvez esse perigo fosse remoto,maso perigo espanhol estava ao alcancedasmãos; e se opríncipeLeopoldsecasassecomarainhaIsabella,aFrançaestarianumaposiçãohumilhante,oumesmodeextremoperigo.TaiseramosargumentosdeLouis-Philippe.Ogovernoinglêsnãodesejavaapoiaropríncipe Leopold, e, embora Albert e Vitória se tivessem demonstrado favoráveis ao casamento, asabedoria de Stockmar os convenceu amudar de ideia.O caminho, portanto, parecia aberto para umacordo: a Inglaterra seria razoável em relação a Leopold, se a França fosse razoável em relação aMontpensier.OacordofoifeitonoChâteaud’Eu,numasériedeconversasentreoreieGuizot,deum

lado,earainha,opríncipeelordeAberdeen,dooutro.ComosecretáriodoExterior,AberdeendeclarouqueaInglaterrajamaisreconhecerianemapoiariaacandidaturadopríncipeLeopoldàmãodarainhadaEspanha;eLouis-Philippeprometeusolenemente,aAberdeeneaVitória,queoduquedeMontpensiernãosecasariacomainfantaFernandaantesquearainhasecasasseeprocriasse.Tudocorreubem,eacrise parecia resolvida, quando toda a discussão foi subitamente reaberta por Palmerston, que tinhasucedido Aberdeen na Secretaria do Exterior. Num despacho ao ministro inglês em Madri, elemencionou,numalistadepossíveiscandidatosàmãodarainhaIsabella,opríncipeLeopolddeCoburg;eaomesmotempoaproveitouparaatacar,numalinguagemviolenta,atiraniaeaincompetênciadogovernoespanhol. Este despacho, no mínimo indiscreto, tornou-se ainda mais inconveniente ao chegar aoconhecimentodeGuizot.Louis-Philippeenxergoualiumaoportunidadeesaltousobreela.Emboranãohouvesse nada na linguagem de Palmerston que mostrasse que ele reconhecia ou apoiava o príncipeLeopold, o rei concluiu imediatamente que os ingleses tinham rompido o acordo, e que portanto eleestavalivreparaagirdamesmamaneira.Eleentãoenviouodespachoàrainha-mãe,afirmandoqueosinglesesestavamconspirandoporumcasamentoCoburg,echamandoasuaatençãoparaaanimosidadedePalmerstonemrelaçãoaogovernoespanhol;porfim,elesolicitavaàrainha-mãequeresolvessetodosos seus problemas e assegurasse a amizade da França casando Isabella com o duque de Cadiz, eFernandacomMontpensier.Arainha-mãe,alarmadaefuriosa,foifacilmenteconvencida.Sóhaviaumadificuldade: Isabella detestava a simples presença de seu primo. Mas isto foi logo resolvido; foiorganizadoumbanquetemonumentalequaseorgíaconopalácio,aolongodoqualajovemfoipersuadidaaconcordarcomqualquerpedidoquelhefizessem.Poucomaistarde,nomesmodia,osdoiscasamentosforamrealizados.Anotíciaexplodiucomoumabombanogovernoinglês,quejulgoucomraivaemortificaçãoquetinha

sidocompletamenteenganadopelomanhosorei.Vitória,emparticular,sesentiaultrajada.NãoapenaselatinhasidoareceptorapessoaldopedidodeLouis-Philippe,comoeletinhaconquistadooseuafetoaopresentearopríncipedeGalescomumacaixadesoldadinhosdechumbo,eaprincesarealcomumabelabonecaparisiense,queabriaefechavaosolhos.Eagoraoinsultosesomavaaodano.ArainhadaFrançalhe escreveu uma carta formal, anunciando tranquilamente, como se fosse um evento familiar, que elaestava certa de interessar a Vitória, o casamento de seu filho,Montpensier – “qui ajoutera à notrebonheurintérieur,leseulvraidanscemonde,etquevous,madame,savezsibienapprécier.”235Masarainhada Inglaterranãoprecisouesperarmuitopara sevingar.Dezoitomesesdepois, amonarquiadeLouis-Philippe,desacreditada, impopularemortalmenteenfraquecidapelaretiradadoapoioinglês,foijogada ao limbo, enquanto ele próprio e sua família se tornaram refugiados suplicantes aos pés deVitória.236

II

Nestecaso,tantoarainhaquantoopríncipeficaramtãoocupadoscomosdelitosdeLouis-PhilippequenãolhessobravaraivaparacuidardosdelitosdePalmerston;e,defato,emlinhasgerais,aatitudedePalmerstoneadelesprópriosestavamemtotalacordo.Masasituaçãoerapeculiar.Emtodasasoutrascomplicaçõesexternas–eforammuitas,esérias–nosanosseguintes,asdiferençasentreocasalrealeosecretário do Exterior foram constantes e profundas. Houve uma disputa aguda sobre Portugal, ondepartidosviolentamentehostisestavamseestraçalhando.AsimpatiarealnaturalmentesevoltavaparaarainhaeseumaridoCoburg,enquantoPalmerstondavaseuapoioaoselementosprogressistasdopaís.Mas foi somenteem1848quea tensão ficou realmente séria.Naqueleanode revoluções,quando,emtodasasdireçõesecomfrequênciaalarmante,coroascaíamdecabeçasreais,AlberteVitóriaficaram

horrorizadosaoperceberqueapolíticadaInglaterraerapersistentementefavorávelàsforçasinsurgentes–naAlemanha,naSuíça,naÁustria,naItália,naSicília.Naverdade,asituaçãoeraumadaquelasbemàfeiçãodoespíritodePalmerston.Emtodapartehaviaperigoeaventura,anecessidadedetomardecisõesrápidas,oportunidadesparaaaçãovigorosa.SendoumdiscípulodeCanning,trazendoodesdémdeumcavalheiroinglêseodesprezoprofundoporpotentadosestrangeirosemseucoração,eranaturalqueoespetáculo das insurreições populares, e dos opressores sendo ignominiosamente arrastados para foradospalácios,emdesgraça,lhedesseumprazersemlimites,ePalmerstonestavacertodequenãodeveriahaverdúvidas,emtodoocontinente,sobredequeladoestavaagrandeepoderosaInglaterra.NãoquePalmerstontivesseamenortinturaderadicalismofilosófico;atéporqueelenãotinhatinturafilosóficadeespéciealguma;eleatépareciagostardeserincoerente–deserumconservadoremcasaeumliberalnoexterior.Haviamuitosbonsmotivosparamanterosirlandesesemseulugar;masoqueissotinhaavercom a questão? O importante era: quando qualquer homem decente lia um relato sobre as prisõespolíticasemNápoles,oseusanguesubiaeasuagargantarugia.Elenãoqueriaaguerra,massabiaque,mesmosemela,ousohabilidosoedeterminadodopoderdaInglaterrapoderiafazermuitopelacausadosliberaisnaEuropa.Eraumjogodifícilearriscado,maselesepôsajogarcomentusiasmo.E,então,paraseugrandeaborrecimento,justamentequandoprecisavadetodaasuacoragemedetotalliberdadede ação, Palmerston percebeu que era o tempo todo atrapalhado e distraído por... aquela gente emOsborne.Eleentendeutudo;aoposiçãoerasistemáticaebeminformada,earainha,sozinha,teriasidoincapazdisso;opríncipeestavaportrásdetudo.Eraalgoextremamentedesconcertante;masPalmerstontinhapressaenãopodiaesperar.Seopríncipeteimasseeminterferir,teriaqueserremovido.Albert estava muito irritado. Ele desaprovava totalmente a política e os métodos de ação de

Palmerston.Eleseopunhaaoabsolutismo;mas,emsuaopinião,osprocedimentosdePalmerstoneramcalculadosparasimplesmentesubstituiroabsolutismo,emtodaaEuropa,poralgoquenãoeramelhore,possivelmente,eraatépior:aanarquiaviolentadasfacçõesequadrilhas. Os perigos desse fermento revolucionário eram graves. Mesmo na Inglaterra estavacrescendoochartism,ummovimentosinistroqueaqualquermomentopoderia rasgaraConstituiçãoeaboliramonarquia.Certamente,comtaisperigosemcasa,aqueleeraummomentomuitoruimparaseencorajara ilegalidadenoexterior.Naturalmente,Albert sepreocupavaemespecialcomaAlemanha.Seusinstintos,seusafetosesuassimpatiaseramradicalmentealemães;Stockmarestavaprofundamenteenvolvidocomapolíticaalemã;eeletinhamuitosparentesentreasfamíliasalemãsnopoder,que,emmeio ao rebuliço da revolução, lhe escreviam todas as semanas cartas longas e apreensivas. TendoconsideradodetodosospontosdevistaaquestãodofuturodaAlemanha,Albertchegouàconclusão,sobaorientaçãodeStockmar,dequeomaiordesejodequalqueramantedaAlemanhadeveriaserasuaunificaçãosobasoberaniadaPrússia.Asituaçãoeradeextremacomplexidade,easpossibilidadesboasemásqueacadahorapodiam trazereram incalculáveis;mesmoassimelepercebeu,horrorizado,quePalmerston não compreendia nem se esforçava para compreender as sutilezas daquele importanteproblema;eleavançavacegamente,desferindogolpesàesquerdaeàdireita,semnenhumsistema–atéonde se podia ver – e mesmo sem nenhum motivo – exceto, talvez, uma desconfiança totalmenteirracionaldoEstadoprussiano.MasessedesacordocomosdetalhesdapolíticadePalmerstoneranarealidadeapenasumsintomadas

diferençasfundamentaisentreaspersonalidadesdosdoishomens.AosolhosdeAlbert,Palmerstoneraumgrosseirão, um egoísta afoito, cujas arrogância e ignorância combinadas deveriam inevitavelmenteterminaremloucuraedesastre.Nadalhepoderiasermaisantipáticoqueumamenteaquefaltavamtãoestranhamentepaciência,reflexão,princípioseohábitodoraciocínio.Poiseleachavaintolerávelpensarcom pressa, tomar decisões precipitadas, agir com base em instintos que não podiam ser explicados.Tudo devia ser feito em ordem, com cautelosa premeditação; inicialmente, era preciso estabelecerclaramenteaspremissasdasituação;eeleprecisavachegaràconclusãocorretapormeiodeumasérie

regulardepassosracionais.Emquestõescomplicadas–equequestões,olhadasbemdeperto,nãoeramcomplicadas? – expressar suas reflexões no papel era um caminho sábio, e era o que Albertinvariavelmente adotava, por laborioso que fosse. Igualmente recomendável era redigir um relatóriocompleto após cada caso, bem como antes; desta forma, qualquer coisa que acontecia podia serencontrada nummemorando do príncipe.Numa ocasião ele reduziu a seis páginas de papel almaço oconteúdo de uma conversa confidencial comSirRobert Peel e, tendo lido tudo em voz alta para ele,pediuqueacrescentassea suaassinatura;SirRobert,quenuncagostavade secomprometer, sentiuumenormedesconforto;foiquandoopríncipe,sentindoquedeviatranquilizarassuscetibilidadessingularesdoinglês,atirouaofogoomemorandoemquestão,comgrandepolidez.QuantoaPalmerston,estenuncalhedeusequeraoportunidadede lerummemorando;elepareciadecididamenteavessoàdiscussão;eantesquesetivessenoçãodasituação,semavisodeespéciealguma,elejáestavaengajadonumprojetoestouvadoeviolento,quebastanteprovavelmenteenvolveriaumaguerraeuropeia.IntimamenteligadoàracionalidadeesmeradaecautelosadeAlberteraoseudesejodeanalisarcompletamentecadaquestão,detodosospontosdevista,dedesceratéassuasraízeseagiremestritoacordocomalgumprincípiobemdefinido.SobatuteladeStockmar,eleestavaconstantementepreocupadoemalargarsuasperspectivas,empenhando-separaenfrentarproblemasvitaistantoteóricaquantopraticamente–nosdoiscasos,comprecisãoeprofundidade.Paraalguémcujamenteviviatãoocupada,asatividadesempíricasdePalmerston,quenemsequer tinhanoçãodoque significavaumprincípio, lembravamvagamenteoscaprichos incoerentes de uma criança chata. O que Palmerston entendia de economia, de ciência, dehistória?Queatençãoeledavaàmoralidadeeàeducação?Quantaconsideraçãoelededicara,aolongodetodaasuavida,àmelhoriadascondiçõesdevidadasclassestrabalhadoraseaoaprimoramentogeraldaespéciehumana?Asrespostasaestasperguntaseramtodasevidentesdemais;emesmoassiméfácilimaginarqualteriasidoocomentárioirônicodePalmerston:“Ah!SuaMajestadeRealestáocupadocomplanossofisticadosecálculosbeneficentes–exatamente!Bem,quantoamim,devodizerquemesintosatisfeitocommeutrabalhomatinal–jáfizremoveremasgradesdeferrodeGreenPark!”Aquele homem exasperante, contudo, preferiu não fazer comentário algum, prosseguindo com um

sorrisosilenciosoemseucaminhoindesculpável.Oprocessode“varrer”osobstáculoslogoentrouemoperação.ImportantesdespachosdaSecretariadoExterioreramsubmetidosàrainhatãotardequejánãohavia tempo para corrigi-los, ou então nem sequer eram mostrados a ela; ou ainda, quando eramsubmetidosearainhafaziaobjeçãoaalgumtópicoepediaparaalterá-lo,osdespachoseramenviadosemsuaformaoriginal.Arainhasequeixou;opríncipesequeixou;ambossequeixaramjuntos;foitudoemvão.Palmerstonpediamuitasdesculpas–elenãopodiaentendercomoaquilotinhaacontecido;elerepreenderia pessoalmente os funcionários; certamente os desejos de Sua Majestade deviam seratendidos; nuncamais voltaria a acontecer algo semelhante.Mas, é claro, voltava a acontecer poucotempodepois,eosprotestosdarainharedobravam.Vitória,provocadaemseusbrios,acrescentouaosseusprotestosumaveemênciapessoalquefaltavaaosdeAlbert.TerialordePalmerstonesquecidoqueelaeraarainhadaInglaterra?Comoelapoderiatolerarumestadodecoisasemquedespachosescritosemseunomeeramenviadosaoexteriorsemasuaaprovaçãooumesmosemoseuconhecimento?Oquepoderiasermaisdepreciativoparaasuaposiçãodoqueserobrigadaa recebercartas indignadasdascabeçascoroadasàsquaisosdespachoseramendereçados–cartasqueelanãosabiacomoresponder,jáque concordava inteiramente com elas? Ela procurou pessoalmente o primeiro-ministro. “Nenhumaqueixa surtiu qualquer efeito com lorde Palmerston”, disse ela.237 “Lorde Palmerston”, contou-lhe emoutra ocasião, “fingiu, como de costume, não ter tido tempo suficiente para submeter o documento àaprovação da rainha antes de enviá-lo.”238 Ela convocou lorde John à sua presença, manifestou suaindignaçãoe,emseguida,aconselhodeAlbert,anotouoquetinhaacontecidonummemorando:

EudissequepensavaquelordePalmerstonfrequentementecolocavaemperigoahonradaInglaterraaoadotaropiniõespreconceituosaselimitadassobreasquestõesquelheerampropostas;queseustextos eram sempre amargos como fel e que causavam grandes danos, com o que lorde Johnconcordouinteiramente;equefrequentementeelemedeixavadoentedeansiedade.239

EntãoVitóriaprocurouseu tio.“AsituaçãodaAlemanha”,escreveuelaapósumbalançoabrangenteedesesperadordasituaçãoeuropeia,

éterrível,ehojenossentimosenvergonhadosdiantedestequefoirealmenteumpaístãopacíficoefeliz.Estoucertadequeláaindaexistemboaspessoas,maselassedeixammanipulardeumaformatemerária e vergonhosa.Na França, a crise parece estar prestes a estourar.Que papel triste nósestamosdesempenhandonestamediação!Realmente,ébastanteimoralforçaraÁustriaaabrirmãodesuaspossessõeslegais,comaIrlandaseagitandoemnossostornozeloseprontaarompercomsualealdadeaqualquermomento.240OquenósdiremosseoCanadá,Maltaetc.começaremanosperturbar?Issomedóiterrivelmente”.241

MaslordePalmerstonnãoseimportava.Aposiçãode lorde John era cada vezmais desconfortável.Ele não aprovavao tratamento que seu

colegadavaàrainha.Quandolhepediuquefossemaiscuidadoso,deparou-secomarespostadeque28mildespachospassavampeloMinistériodoExteriornumúnicoanoeque,secadaumdestesdespachostivessequesersubmetidoàcríticareal,osatrasosseriamaindamaisgravesdoquejáeram;Palmerstondisse ainda que a perda de tempo e os desgastes envolvidos com documentos submetidos ao examemeticulosodopríncipeAlberteramquaseexcessivosparaumministrosobrecarregado,eque,abemdaverdade, o adiamento de importantes decisões devido a isso já tinha produzido consequênciasdiplomáticasmuitodesagradáveis.242 Estas desculpas teriam impressionado lorde John de formamaisfavorável se ele próprio não sofresse as consequências daquela negligência. Pois frequentementePalmerston deixava de comunicar até mesmo a ele os despachos mais importantes. O secretário doExteriorestavasetornandoquaseumpoderindependente,agindoporsuaprópriainiciativa,epondosobsuaresponsabilidadeocomandodapolíticainglesa.Numaocasião,em1847,eleestevedefatoapontoderomperrelaçõescomaFrançasemconsultarogabinetedoprimeiro-ministro.243E incidentesassimeram constantemente recorrentes. Quando essa notícia chegou ao príncipe, ele percebeu que tinhachegadoasuaoportunidade.Seeleconseguisseacirraraomáximoasdiferençasentreosdoisestadistas,se ele pudesse assegurar uma aliança com lorde John, então a eliminação ou a remoção de lordePalmerstonestariaquasecerta.Albertsededicouaoassuntocomaobstinaçãoquelheeracaracterística.Tanto ele quanto a rainha passaram a pressionar o primeiro-ministro tanto quanto possível. Elesescreviam, pronunciavamdiscursos e em seguidamergulhavamnum inquietante silêncio.Ocorreu-lhesque lorde Clarendon, um importante membro do gabinete, seria um canal apropriado para as suasqueixas. Eles o convidaram a jantar no palácio e, mal terminaram a refeição, “a rainha”, como eledescreveumais tarde, “perdeu a paciência e atacou com grande veemência e amargura a conduta dePalmerston e os efeitos que ela estava produzindo em toda parte do mundo, manifestando os seusprópriossentimentossobreaquestão.”Quandoelaterminou,passouapalavraaopríncipe,quecontinuoua falar com igual rigor, embora de forma menos agitada. Lorde Clarendon se viu numa situaçãodesagradável;elenãogostavadapolíticadePalmerston,maseraseucolegaedesaprovavaaatitudedeseusanfitriõesreais.Nasuaopinião,elesestavam“equivocadosaopensarqueosmembrosdacorte,e

nãoosministros,deviamconduzirosnegóciosdoEstado”;eachavaque eles “agiamcombase no curioso erro de pensar que aSecretaria doExterior era assuntodeles, e que portanto eles tinham o direito de controlar, ou mesmo dirigir, a política externa daInglaterra.” Clarendon, portanto, com extrema polidez, deu a entender que não se comprometeria deforma alguma.244 Mas lorde John, na realidade, não precisava de mais pressão. Atacado por suasoberana,ignoradoporseusecretáriodoExterior,suavidaestavapéssima.245ComoadventodaterrívelquestãoSchleswig-Holstein–amaiscomplexadetodaahistóriadiplomáticadaEuropa–asuaposição,esmagadapor forças superiorese inferiores, se tornou insustentável.Suaprioridadepassoua ser tirarPalmerstondaSecretariadoExterior.MasesePalmerstonserecusasseasair?Nummemorandoescritopelopríncipe,porvoltadesteperíodo,sobreumareuniãoentreele,arainhae

o primeiro-ministro, percebe-se um instantâneo curioso dos estados de espírito desses três altospersonagens–aansiedadeeairritaçãodelordeJohn,aacrimôniaveementedeVitóriaeaanimosidaderacionaldeAlbert–reunidos,comoestavam,sobasombradeumapresençainvisível,acausadetodoaquele perigo celestial – o alegre e portentoso Palmerston. Num determinado momento da conversa,lorde John declarou acreditar que o secretário do Exterior consentiria em trocar de pasta; lordePalmerston,disseele,perceberaquetinhaperdidoaconfiançadarainha–aindaqueapenasemtermospúblicosenãopessoais.Mas,nesteponto,opríncipeobserva

a rainha interrompeu lorde John para afirmar que ela já desconfiava de Palmerston também emtermos pessoais; mas eu também comentei que lorde Palmerston, pelo menos até ali, tinha setornado desagradável para a rainha não por conta de sua conduta pessoal, mas por seus atospolíticos–comosquaisarainhaconcordou.

Então o príncipe sugeriu que existia o perigo de uma crise do gabinete, após o que lorde Palmerstonpoderia voltar como primeiro-ministro.Mas, neste ponto, lorde Jonh semostrou seguro: ele “achavalordePalmerstonvelhodemaispara fazeralgonofuturo(tendopassadodos65anos)”.Finalmente foidecididoquepororanadapodiaserfeito,masqueelesdeveriamconservarsegredoabsoluto;eassimterminouoconclave.246Finalmente,em1850,alibertaçãopareciaestarpróxima.Haviasinaisdequeaspessoasestavamcada

vezmaisirritadascomasincursõesequivocadasdadiplomaciadePalmerston;equandoasnegociaçõessobreoseuapoioaDonPacifico,umsúditobritânicoemconflitocomogovernogrego,pareciaprestesaenvolveraInglaterranumaguerranãoapenascontraaGrécia,mastambémcontraaFrançaepossivelmentecontraaRússia,umapesadanuvemdedesconfiançaedesagradopareceucobrirsuacabeça,prestesarebentarnumatempestade.Umamoçãodirigidacontraele na Câmara dos Lordes foi aprovada por umamaioria substancial. O assunto estava prestes a serdiscutidonaCâmaradosComuns,ondeoutrovotonegativonãoeraimprovável,oqueselariaodestinodoministro.Palmerston recebeuoataquecomtotal indiferença,e,então,noúltimominuto,ele reagiu.Numdiscursodemaisdequatrohoras,noqualexposição,invectivas,argumentos,declamação,franquezaeeloquênciasemisturaramcomumafelicidadeeumaarteextraordinárias,eleaniquiloucompletamenteos seus inimigos. A moção hostil foi derrotada, e mais uma vez Palmerston se tornava o herói domomento.Simultaneamente,opróprioacasopareciaconspiraraseufavor.SirRobertPeelsofreuumaquedadeseucavaloemorreu.Nestetrágicoepisódio,Palmerstonviuseuúnicorivalforteosuficienteparaameaçá-loforadeseucaminho.Elejulgou–ejulgoucorretamente–queeraohomemmaispopularnaInglaterra;equandolordeJohnmencionouoprojetodeeletrocaraSecretariadoExteriorporalgumoutropostonogabinete,

elerecusou-seperemptoriamente.247Grande foi a frustração de Albert; grande foi a indignação de Vitória. “A Câmara dos Comuns”,

escreveu ela, “está se tornando problemática, difícil de manejar e fértil em aborrecimentos.”248 Opríncipe,percebendoquePalmerstonestavamaisfirmedoquenunca,decidiuquealgumacoisadrásticaprecisava ser feita. Cinco meses antes, o precavido barão redigira ummemorando para um caso deemergência, que tinha sido assinado e cuidadosamente guardado num escaninho para o momentonecessário.Aemergênciatinhasurgido,eomemorandoprecisavaserusado.Arainhacopiouaspalavrasde Stockmar e as enviou ao primeiro-ministro, solicitando quemostrasse sua carta a Palmerston. “Arainhajulgacorreto,”escreveuela,

para prevenir qualquer equívoco futuro, explicar brevemente o que espera de seu secretário doExterior.Elaexige:(1)Queelerelatedetalhadamenteoquepropõeemcadacaso,paraquearainhapossa saber, também detalhadamente, a que ela está dando sanção real; (2) Uma vez que tenhasancionadoumamedida,queelanãosejaarbitrariamentealteradaoumodificadapeloministro;elaconsiderará um ato assimuma falta de lealdade em relação à coroa, que deverá ser punida peloexercíciodeseudireitoconstitucionaldedispensaroministro.249

LordeJohnRussellatendeuàrainha,entregandoacartaa lordePalmerston.Esta transação,quefoidegravesignificadoconstitucional,permaneceuinteiramenteignoradapelomundoexterior.Se Palmerston fosse um homem sensível, provavelmente teria se demitido ao receber amissiva da

rainha.Maseleestavalongedesersensível;eleamavaopoder,eoseupodereramaiordoquenunca;um instintocerteiro lhediziaqueaquelanãoeraahorade sair.Todavia,Palmerston ficou seriamenteperturbado.Elefinalmenteentendeuqueestavalutandocontraumadversárioformidável,cujahabilidadeeforça,amenosquefossemapaziguadas,poderiamcausardanosirreparáveisàsuacarreira.EleentãoescreveualordeJohn,concordandobrevementecomassolicitaçõesdarainha–“Tireiumacópiadestememorandodarainhaenãodeixareidecumprirasdeterminaçõesqueelecontém”e,aomesmotempo,pediuumaaudiênciacomopríncipe.Albert imediatamenteoconvocouaopalácioeficouperplexoaonotar,comoescreveunummemorando,quequandoPalmerstonentrounasala“eleestavamuitoagitado,nervosoecomlágrimasnosolhos,apontodequasemecomover,jáquenuncatinhavisto,fossemquaisfossemascircunstâncias,nadaalémdeumsorrisoafávelemseurosto.”Ovelhoestadistafoipródigoempedidosdedesculpas;o jovempríncipefoipolidoefrio.Finalmente,depoisdeumaconversa longaeinconclusiva, o príncipe, levantando-se, declarou que, “para dar a Palmerston um exemplo do que arainhaqueria”,lhe“fariaumaperguntasemrodeios”.LordePalmerstonguardouumsilênciorespeitoso,enquantoopríncipeprosseguiu:

Você está ciente de que a rainha fez objeções ao protocolo sobre Schleswig, e das bases destasobjeções.Aopiniãodelafoiignorada,poisoprotocoloqueafirmaodesejodasgrandespotênciasdeveramonarquiadinamarquesapreservadafoiassinado,apósoqueoreidaDinamarcainvadiuSchleswig,ondeaguerraéacirrada.SeHolstein tambémforatacada,oqueéprovável,nãoserápossível impedir os alemães de correrem para salvá-la, e aRússia já ameaçou uma intervençãoarmadaseosSchleswigerstiveremêxito.Oquevocêfará,seestaemergênciaocorrer(provocando,muito provavelmente, uma guerra européia), e é provável que ela ocorra quando estivermos emBalmoral, e lorde John em alguma parte daEscócia?A rainha espera que você tenha previsto econtempladoessapossibilidade,esolicitaumarespostacategóricaemrelaçãoaoquevocêfariana

hipótesesugerida.

Bastante estranhamente, o secretáriodoExteriornão foi capazde responder a estapergunta franca.Aquestão,disseele,eraextremamentecomplicada,eascontingênciasmencionadasporSuaAltezaRealerammuito improváveis de acontecer.Opríncipe insistiu;mas foi inútil; durante umahora inteira elelutouparaextrairumarespostacategórica,atéque,finalmente,Palmerstonfezumamesuraesaiudasala.Albertlevantouasmãos,perplexo:oquesepodiafazercomumhomemassim?250O que, de fato? Pois, apesar de todos os seus pedidos de desculpa e promessas, poucas semanas

depoiso incorrigívelministrovoltavaàs suasartimanhas.OgeneralaustríacoHaynau,notóriopor terreprimidocomrigora rebeliãonaHungriaena Itáliae,na intimidade,porespancarmulheres,veioàInglaterradeterminadoavisitaracervejariadosSrs.BarclayePerkins.Ostraçosdo“generalHiena”,como ele era chamado em toda parte – por causa de seu rosto duro e fino, e de seu enorme bigodegrisalho–tinhamganhoumacelebridadeterrível;e,poracaso,entreosempregadosdacervejariahaviaum refugiado de Viena, que já tinha feito aos seus colegas um relatório de primeira mão sobre ascaracterísticas do general. O embaixador austríaco, pressentindo o perigo, pediu ao amigo que nãoaparecesse em público ou, se o fizesse, que antes raspasse o bigode. Mas o general não seguiu oconselho. Ele foi à cervejaria, foi imediatamente reconhecido, cercado por uma multidão furiosa decarregadores, empurrado, insultado, esmurrado nas costelas e puxado pelo bigode até que, atirado nasarjetacomumaturbaemseuscalcanhares,empunhandovassourasegritando“Hiena!”,eleconseguiuserefugiarnumcafé,doqualsósaiusobaproteçãodediversospoliciais.Ogovernoaustríacoficouiradoeexigiu explicações. Palmerston, que, naturalmente, tinha-se deliciado com o incidente, respondeulamentandooquetinhaacontecido,masacrescentandoque,emsuaopinião,ogeneraltinha“demonstradoumafaltadetatovindoàInglaterranopresentemomento”;eeleentregouestanotaaoembaixadorsemtê-la submetidopreviamenteà rainhaouaoprimeiro-ministro.Naturalmente,quando isso foidescoberto,houve uma verdadeira tempestade. O príncipe estava especialmente indignado; ele considerou ocomportamento dos carregadores, com desgosto e alarme, uma “ligeira amostra do que uma massadescontroladadepessoasiletradasécapaz”;ePalmerstonrecebeudelordeJohnaordemderetratar-se,substituindoaprimeiranotaporoutra,queomitiatodaequalquercensuraaogeneral.AquiosecretáriodoExteriorameaçoupedirdemissão,masoprimeiro-ministrofoifirme.Porummomento,asesperançasreais se fortaleceram, apenas para ser novamente frustradas pela cruel aquiescência do inimigo.Palmerston,subitamentemanso,concordoucomtudo;anotafoiretiradaealterada,eapazfoipreservadamaisumavez.251Issodurouumano,e,então,emoutubrode1856,achegadadeKossuthà Inglaterraprovocououtra

crise.OdesejodePalmerstondehospedaropatriotahúngaroemsuacasaemLondres foivetadoporlorde John;mais uma vez houve um combate agudo;mais uma vez Palmerston, depois de ameaçar sedemitir, acaboucedendo.Mas,mesmoassim,aquelehomeminsubordinadonãoconseguia ficarquieto.Poucassemanasdepois,umadelegaçãoderadicaisdeFinsburyeIslingtonesperouporelenasededoministério e lhe entregou um documento no qual os imperadores da Áustria e da Rússia eramestigmatizados como “assassinos odiosos e detestáveis” e “tiranos e déspotas impiedosos”. Em suaresposta, o secretário do Exterior, embora desaprovando levemente estas expressões, deixou seussentimentosverdadeiros transpareceremcomumaunsouciancenadadiplomática.Houveumescândaloimediato,eacorteseagitoucomódioevituperações.“Acredito”,disseobarão,“queohomemperdeuoequilíbrio.”Vitória,numacartainquieta,exigiuquelordeJohnfizessevalerasuaautoridade.MaslordeJohn percebeu que, naquele assunto, o secretário do Exterior tinha o apoio da opinião pública, e elejulgoumaisprudenteesperarahoracertaparaagir.252Albertnãoprecisouesperarmuito.Aculminânciadalongasériedeconflitos,ameaçaseexacerbações

chegouantesdofinaldoano.Nodia2dedezembro,aconteceuemParisocoupd’état,golpedeestado,deLuísNapoleão;enodia seguintePalmerston, semconsultarninguém,expressounumaaudiênciacomoembaixadorfrancêsoseuapoioaoatodeNapoleão.Doisdiasdepois,ele foi informado pelo primeiro-ministro, de acordo com uma carta da rainha, de que a política dogovernoinglêseramanterumaatitudedeestritaneutralidadeemrelaçãoaosacontecimentosnaFrança.Contudo, numdespacho oficial ao embaixador britânico emParis, ele repetiu sua aprovação ao coupd’état,quejátinhamanifestadoverbalmenteaoembaixadorfrancêsemLondres.Estedespachonãofoisubmetidonemàrainhanemaoprimeiro-ministro.Apaciênciade lordeJohn,comoeleprópriodisse,“forasugadaatéaúltimagota.”EleentãodemitiulordePalmerston.253Vitóriaestavaemêxtase;eAlbertsabiaqueoméritodotriunfoeramaisdelequedelordeJohn.Era

seudesejoquelordeGranville,umjovemqueelejulgavaserdócilàsuainfluência,fosseosucessordePalmerston;elordeGranvillefoiindicado.Daliemdiante,pareciaqueopríncipetomariaocontroledosassuntosexteriores.Apósanosdeconflitosemortificações,osucessolhecaíanasmãos.Emsuafamília,eleeraosenhoradorado;nopaís,aGrandeExposiçãolhetinhatrazidorespeitoeglória;eagora,nosbastidoresdopoder,ele tinhaconquistadoumanovasupremacia.Ele tinha lutadocomo terrível lordePalmerston,aencarnaçãodaquiloquehaviademaishostilcontraelenoespíritoda Inglaterra,e tinhaderrotado seu poderoso oponente.254 A própria Inglaterra estava a seus pés! Parecia ser assim, e noentanto...Costuma-sedizerqueosfilhosdaInglaterratêmumacaracterísticafatigante;elesnuncasabemquandosãoderrotados.Eraestranho,masPalmerstonaindasemostravaarrogante.Comoseriapossível?Poderiaeleacreditar,emsuapresunçãocega,queatéasuaignominiosademissãodogabineteeraalgoquepoderiaserpostodelado?

III

O triunfo do príncipe teve vida curta. Poucas semanas depois, devido à influência de Palmerston, ogovernofoiderrotadonaCâmara,elordeJohnrenunciou.Então,apósumbreveintervalo,umacoalizãoentreosWhigseosseguidoresdePeelsubiuaopoder,soba liderançade lordeAberdeen.Maisumavez,Palmerstonvoltavaaogabinete.ÉverdadequeelenãovoltoucomosecretáriodoExterior;issojáera um aspecto positivo; noMinistério daHabitação, podia-se esperar que as suas atividades seriammenosperigosasedesagradáveis.MasosecretáriodoExteriornãoeramaisocomplacenteGranville;eopríncipesabiaquelordeClarendoneraumministrocomquemteriaquenegociar,pois,aindaquefossediscretoepolido,eraumhomemdeopiniõespróprias.Essasmudanças,porém,eramapenasaspreliminaresdeummovimentomuitomaissério.Emtodasas

partes,osacontecimentoscaminhavamparaumacatástrofe.Subitamente,anaçãoseviasobreasombraterríveldaguerraiminente.Durantemuitosmeses,emmeioaosmistérioscambiantesdadiplomaciaeàsagitaçõesperplexasdapolítica,aquestãosetornouaindamaissombriaeincerta,enquantoapaciêncianacionalestavaprestesachegarao fim.Noápicedacrisedas longaseameaçadorasnegociações, foianunciadaarenúnciadelordePalmerston.Então,afúriareprimidadopovoirrompeu.Elessentiamque,naterrívelcomplexidadedosacontecimentos,estavamsendoguiadosporconselhosfracoseincertos;eeles achavam consolo em saber que no centro do poder estava um homem com força, coragem edeterminação,emquempodiamdepositarsuaconfiança.Elesagoraeraminformadosqueaquelehomemnão estava mais entre seus líderes. Por quê? Na sua raiva, ansiedade e esgotamento nervoso, elesbuscaram desesperadamente alguma explicação secreta e terrível para o que tinha acontecido.Suspeitavam de conspirações, sentiam o cheiro de traição no ar. Era fácil adivinhar para onde seriacanalizadoaquelefrenesi.Nãoeraumestrangeiroqueestavaocupandoomaiselevadodospostos,um

estrangeirocujahostilidadeaoseuadoradodefensoreraimplacáveleevidente?Nomomentoemquefoidivulgada a renúncia de Palmerston, houve um clamor universal; e uma extraordinária tempestade deraivaeódioirrompeu,comumaviolênciasemparalelos,sobreacabeçadopríncipe.Emtodaparteseafirmavaeseacreditavaqueomaridodarainhaeraumtraidordopaís,queeleera

umjoguetenasmãosdacorterussa,queemobediênciaàsinfluênciasrussaseletinhaforçadoPalmerstonasairdogoverno,equeeleestavadirigindoapolíticaexternadaInglaterraatendendoaosinteressesdosinimigosdopaís.Duranteváriassemanasessasacusaçõesencheramosjornais;elaseramrepetidasemcomícios, aprimoradas em conversas privadas, atravessavam as fronteiras do país, cresciam a cadamomentodemaneira inesperada.Enquanto jornaisrespeitáveisbradavaminvectivasameaçadoras,umatorrentedeinjúriaseraapregoadanasruasdeLondresatravésdepanfletos,querefletiam,comagressivavulgaridade, os mesmos sentimentos e as mesmas suspeitas.255 Por fim, rumores mais violentoscomeçaramaseespalhar.Emjaneirode1854,comentava-sequeopríncipetinhasidopresoecondenadoporaltatraição,eque

ele estava encarcerado na Torre. A própria rainha, declaravam alguns, tinha sido detida, e enormesmassas chegaram a se aglomerar em volta da Torre para assistir ao encarceramento dos soberanosinfiéis.256Essasfantásticasalucinaçõeseramoresultadodaatmosferafebrildeumaguerraiminente.Omotivo

da renúncia de Palmerston, na verdade, permanece obscuro, e é possível que ela tenha decorridosimplesmentedacontínuahostilidadedacorte.257Masa suposiçãodequea influênciadeAlbert tinhasido posta a serviço dos interesses da Rússia era desprovida de qualquer fundamento real. Comoacontececomfrequênciaemcasosassim,ogovernoavançavaeretrocedia,oscilandoentreduaspolíticasincompatíveis – a da não interferência e a das ameaças baseadas na força.Cada uma delas, se fosseadotada de forma coerente, poderia ter sido bem-sucedida em alcançar a paz, mas, misturadas, sópoderiamlevaràguerra.Albert,comseusescrúpuloscaracterísticos, tentouabrircaminhoemmeioaocomplicado labirinto da diplomacia europeia, até finalmente se perder. Mas todo o gabinete estavaigualmenteperdido;e,quandoveioaguerra,osseussentimentosantir-russoseramtãoveementesquantoaquelesdosmaisbelicososingleses.Mas, se as acusaçõesmais graves levantadas contra o príncipe certamente não tinham fundamento,

haviaelementossecundáriosnasituaçãoqueexplicavam,oumesmojustificavam,oestadodeespíritodopovo. Era verdade que o marido da rainha era um estrangeiro, que tinha sido criado numa corteestrangeira, que tinha sido impregnado de ideias estrangeiras e que se relacionava intimamente comdiversos príncipes estrangeiros. Este era claramente um estado de coisas indesejável, embora talvezfosse inevitável; mas as objeções a isso não eram puramente teóricas; na verdade, elas produziramconsequências sérias e desagradáveis. As inclinações germânicas do príncipe foram perpetuamentecriticadaspelosministrosingleses;lordePalmerston,lordeClarendon,lordeAberdeen,258todostinhamomesmodiscurso;eeraconstantementenecessário,emgravesquestõesdapolíticanacional,combaterastendências de uma corte na qual as opiniões e os sentimentos alemães ocupavam um espaçodesproporcional.QuantoaPalmerston,elenuncarefreouasualinguagemaotratardesteassunto.Noaugedacontrariedadeemrelaçãoàsuademissão,eledeclarouemtodaparte,paraquemquisesseouvir,quetinhasidovítimadeumaintrigaestrangeira.259MaistardePalmerstonsuavizouotomdaacusação;masosimplesfatodequeumasugestãoassimpudesseserfeitagratuitamentemostrouaquepontochegavamasconsequênciasinfelizesdolocaldenascimentoecriaçãodeAlbert.Mas issonãoera tudo.Umaquestãoconstitucionaldamaisprofunda importância foi suscitadapela

posiçãodopríncipenaInglaterra.Suapresençadavaumanovaproeminênciaaumvelhoproblema–adefiniçãoprecisadasfunçõesedospoderesdacoroa.Naverdade,eletinhaassumidoessespoderesefunções; mas que tipo de uso estava fazendo deles? Suas opiniões quanto ao papel da coroa na

Constituição são facilmente verificáveis; pois eram as mesmas de Stockmar; e nós dispomos de umbalançodetalhadodasopiniõesdeStockmar sobreoassuntonuma longacarta, endereçadaporeleaopríncipe na época dessa mesma crise, pouco antes da eclosão da Guerra da Crimeia. A MonarquiaConstitucional,deacordocomobarão,tinhasofridoumeclipsedesdeaaprovaçãodoatodaReforma.Elaestavaagora“constantementeemperigodesetornarumpurogovernoministerial”.AvelhacastadosTóris, que “tinham um interesse direto em preservar as prerrogativas da coroa”, tinhamorrido; e osWhigs“eramrepublicanos,emparteconscientemente,emparteinconscientemente,quemantinhamcomotrono a mesma relação que o lobo tem com a ovelha.” Havia uma regra de que era inconstitucionalintroduzir “o nome e a pessoa do Soberano irresponsável” nos debates parlamentares sobre questõesconstitucionais; isso era “uma ficção constitucional, que, embora sem dúvida de longa duração, eracarregadadeperigo”;eobarãoavisouaopríncipeque

seacoroainglesapermitirqueumministroWhigcoloqueestaregraemprática,semexceção,vocênãodevesesurpreenderseempoucotempoamaiorpartedapopulaçãopassarapensarqueorei,aosolhosdalei,nãopassadeumafigurademandarim,quesódevebalançarsuacabeça,emsinaldeassentimentooureprovação,segundoosdesejosdosministros.

Paraevitarqueissoacontecesseeradeextremaimportância,disseobarão,“nãodesperdiçarnenhumaoportunidade de defender a posição legítima da coroa. E isso não é difícil”, acrescentou ele, “poisnenhumministroficariaconstrangidoporrespeitarpersonagenstãoleaisehonestosquantoarainhaeopríncipe.”Nasuaopinião,amaisbásicaafirmaçãodasprerrogativasreaisdeveriaincluir“odireito,porparte do rei, de ser o presidente permanente do ConselhoMinisterial”. O soberano deveria estar nasituaçãode“premierpermanente,hierarquicamenteacimadolídertemporáriodogabinete,eemquestõesdisciplinareseledeveexercersupremaautoridade.”Osoberano

devemesmoparticipardainiciaçãoedamaturaçãodasmedidasdogoverno;poisseriairracionalesperarqueumrei,eleprópriotãohábil,empenhadoepatriotaquantoomelhordeseusministros,fosseimpedidodefazerusodessasqualidadesnasdeliberaçõesdoseuconselho.

“Oexercíciojudiciosodestedireito”,concluíaobarão,

que certamente requer um caráter elevado, seria não somente a melhor garantia da monarquiaconstitucional, como tambémpromoveriaumaumentode seupoder, estabilidadeeorganização, aumpontonuncaantesatingido.260

Pode-sedizerqueestaéumaleiturapossíveldaConstituição,masnaverdadeédifícilentendercomoelapodesercompatívelcomadoutrinafundamentaldaresponsabilidadeministerial.WilliamIIIcomandouoseuconselho,eelefoiummonarcaconstitucional;eparecequeStockmartinhaemmenteumaconcepçãodacoroanaqualestateriaumpapelnaConstituiçãoanálogoàqueledaépocadeWilliamIII.Maséclaroqueessa teoria,que investiriaacoroadeumpodermaiordoqueoqueelapossuía sobo reinadodeGeorgeIII,iadeencontroatodoodesenvolvimentodavidapúblicainglesadesdeaRevolução;eofatodequeela fossepropostaporStockmar, e instiladapor ele emAlbert, erade suma importância.Pois

haviabonsmotivosparacrerqueAlbertnãoestavadefendendoessasteoriasapenasdeumpontodevistateórico;eleestavafazendoumatentativaforteedeliberadadedaraelasvalidadeprática.AhistóriadadisputaentreacoroaePalmerstondeuprovasalarmantesdequeesteeraocaso.Adisputaatingiuseuaugequando,nummemorandodeStockmar,de1850,arainhaafirmavaoseu“direitoconstitucional”dedemitir o secretário doExterior se ele alterasse umdespachoque tivesse sido sancionadopor ela.Omemorando, de fato, era uma firme declaração de que a coroa pretendia agir independentemente doprimeiro-ministro. Lorde John Russell, muito ansioso para se fortalecer contra Palmerston, aceitou omemorandoeportanto apoiou implicitamente a reivindicação da coroa. Mais que isso; depois da demissão dePalmerston, entre os motivos que lorde John usou para justificar aquela demissão na Câmara dosComuns, o memorando de 1850 ocupava um lugar proeminente. Ficou evidente que o desagrado dasoberana deveria ser razão suficiente para a remoção de um ministro poderoso e popular. De fato,pareciaque,sobaorientaçãodeStockmareAlbert,a“monarquiaconstitucional”iriaverdadeiramentealcançar“umnovopatamardepoder,estabilidadeeorganização,aumpontonuncavisto”.Mas este novo desenvolvimento na posição da coroa, já bastante grave, se tornava ainda mais

inquietantepelascircunstânciaspeculiaresqueocercaram.Poisas funçõesdacoroaagoraeram,comefeito, exercidas por umapessoa desconhecida pelaConstituição e que exercia sobre a soberana umainfluênciaambíguaeilimitada.Ofatodestapessoaseromaridodasoberanaexplicavaasuainfluênciaeaté a tornava inevitável, de forma alguma diminuía a sua grave significação. Uma figura ambígua eprepotentetinhavindoperturbaroequilíbriodaConstituiçãoinglesa,queeraantigo,sutileciosamentepreservado. Este tinha sido o resultado inesperado da tímida e hesitante iniciação de Albert na vidapolítica.Eelepróprionãofazianenhumatentativaparaminimizaramultiplicidadeouaimportânciadasfunçõesquedesempenhava.Albertconsideravaseudever,disseeleaoduquedeWellingtonem1850,

integrar sua própria existência individual àquela de sua esposa (...) – assumindo as mesmasresponsabilidadesdiantedopúblico,colocandoasuaposiçãoaserviçodadela–preenchertodososespaçosqueela,comomulher,naturalmentedeixavavagosnoexercíciodesuasrégiasfunções–cuidaransiosaecontinuamentedecadadetalhedosnegóciospúblicos,parasercapazdedarconselhoseassisti-laaqualquermomento,sobrequalquerdasmultifacetadasedifíceisquestõesou tarefasapresentadasaela,àsvezes internacionais,àsvezespolíticas,ousociais,oupessoais.Comolídernaturaldafamília,superintendentedeseular,administradordeseusassuntosprivados,únicoconselheiroconfidencialempolíticaeúnicoassistenteemseuscontatoscomosfuncionáriosdogoverno,eleera,aindaporcima,maridodarainha,tutordascriançasreais,secretárioprivadodasoberanaeseuministropermanente.261

O pupilo de Stockmar certamente tinha aprendido muito e tinha ido longe. O pupilo de Stockmar! –precisamente;dolorosamentecientedapredominânciadeAlbert,opúblicotambémdescobrira,deformadesagradável,queosenhordeVitóriatinhaoseuprópriosenhor.Domeiodassombrasapareceuobarão.Outroestrangeiro!Decididamente,haviaelementosnasituaçãomaisdoquesuficientesparajustificaropânico popular. Um barão estrangeiro controlava um príncipe estrangeiro, e o príncipe estrangeirocontrolavaacoroadaInglaterra.Eaprópriacoroaagiadeformafurtivaeameaçadora;equando,saindodassombras,obarãoeopríncipefranziramocenho,umgrandeministro,amadopelopovo,tinhacaído.Ondetudoissoiriaterminar?Poucassemanasdepois,Palmerstonvoltouatrásemseupedidoderenúncia,eofrenesipúblicocedeu

tãorapidamentequantotinhacomeçado.QuandooParlamentosereuniu,oslíderesdosdoispartidos,nas

duasCâmaras,fizeramdiscursosfavoráveisaopríncipe,exaltandoasuaincontestávellealdadeaopaísedefendendo o seu direito de aconselhar a soberana em todas as questões de Estado. Vitória ficouencantada.“Asituaçãodemeuamadolordeesenhor”,disseelaaobarão,“foidefinidadeumavezportodas, e os seus méritos foram devidamente reconhecidos de todos os lados. Havia uma imensaquantidade de gente reunida quando fomos à Câmara dos Lordes, e o povo era muito acolhedor.”262Imediatamente depois, o país finalmente entrou na Guerra da Crimeia. No conflito que se seguiu, opatriotismo de Albert foi afirmado acima de qualquer dúvida, e animosidades do passado foramesquecidas.Mas a guerra teve outra consequência, menos agradável para o casal real: ela coroou aambiçãode lordePalmerston.Em1855, o homemque cinco anos antes tinha sido chamadopor lordeJohn Russell de “velho demais para fazer qualquer coisa no futuro” se tornou novamente primeiro-ministrodaInglaterra,e,comumúnicoebreveintervalo,permaneceunestecargopormaisdezanos.

6Últimosanosdopríncipeconsorte

I

Ojovempusilânimequenãoseinteressavaporpolíticaenuncaliaumjornaltinhasetransformadonumhomem determinado e inflexível, cujas energias incansáveis se concentravam incessantemente noslaboriososassuntosdogovernoenasaltasquestõesdeEstado.Albert ficavaocupadodamanhãatéanoite.Noinverno,antesdeodiaclarear,elecostumavaservisto,sentadoasuaescrivaninha,trabalhandoàluzverdedalâmpadadeleituraquetrouxeradaAlemanha,ecujofuncionamentoeletinhaaperfeiçoadodeformaengenhosa.Vitóriatambémacordavacedo,masnãotãocedoquantoAlbert;equando,nafriaescuridão, ela se sentava à sua própria escrivaninha, ao ladoda dele, ela invariavelmente encontravasobreamesa uma pilha ordenada de documentos que aguardavam a sua inspeção e a sua assinatura.263Começandoassim,odiacontinuavanumritmode trabalho infatigável.Nocafédamanhã,os jornais–quenopassadoeleodiaratanto–eramtrazidos,eopríncipe,absorvidoemsualeituracuidadosa,nãoatendianinguém,ou,seumartigooimpressionava,eleoliaemvozalta.Depoisdisso,haviaaudiênciascom ministros e secretários; uma vasta correspondência precisava ser posta em dia; e diversosmemorandosdeviamser redigidos.Vitória,entesourandocadapalavra,guardandocadacarta,era todaatençãoincansáveleobediênciaservil.Àsvezes,Albertpediaoseuconselho.Eleaconsultavasobreoseu inglês:“Lese recht aufmerksam, und sagewenn irgend ein Fehler ist”,264 dizia ele; ou, quandoentregavaaelaumdocumentoparaserassinado,observava:“IchHab’DirhiereinDraftgemacht,leseesmal! Ichdächteeswärerechtso.”265Assimpassavamashoras,de formadiligente, escrupulosaeabsorvente.Osmomentosde recreaçãoeexercícioeramcadavezmenos frequentes.Asexigênciasdasociedadeforamreduzidasaolimitemaisestreito,emesmoassimsóeramatendidasdemávontade.Já

nãoeramaisporprazer, e simpor firmenecessidade,queeles sedeitavam tãocedoquantopossível,paracomeçarematrabalharbemcedonamanhãseguinte.266Osimportanteseexigentesnegóciosdogoverno,quesetornaramporfimapreocupaçãoprincipalda

mente de Albert, não chegavam a comprometer seus antigos gostos e interesses; ele continuou sededicandoàarte,àciênciaeàfilosofia;ediversasatividadesparalelasmostravamcomoasexigênciasfaziamcrescersuasenergias.Poissemprequeodeverchamava,opríncipeestavatotalmentealerta.Comperseverança incansável, ele inaugurava museus, lançava pedras fundamentais de hospitais, faziadiscursosnaAcademiaRealdeAgriculturaefrequentavareuniõesdaAssociaçãoBritânica.267AlbertseinteressavaparticularmentepelaGaleriaNacional;eleelaborouregrasdetalhadasparaaordenaçãodosquadrosdeacordocomasescolas;etentou–emboraesteesforçotenhasidoemvão–transportartodaacoleçãoparaSouthKensington.268Feodora,agoraprincesaHohenlohe,depoisdeumavisitaàInglaterra,expressou,numacartaaVitória,asuaadmiraçãoporAlbert,tantoporsuafigurapúblicaquantoporseucaráter.Eelanãosebaseavaapenasnaprópriaopinião.“Devolembrar”,disseela,

algo que o Sr.Klumppme escreveu há algum tempo, e que é bastante verdadeiro – “O príncipeAlbertéumdospoucospersonagensreaiscapazesdesacrificarporumprincípio(desdequeesteseja um princípio bom e nobre) todos aqueles conceitos (ou sentimentos) que as outras pessoas,devidoàprópriaestreitezadeespíritoouaospreconceitosdesuaclassesocial,semostramsempreinclinadasaseapegar.”

“Háalgodeverdadeiramentereligiosonisso”,aprincesaacrescentou,“etambémdehumanoejusto,querepresenta um consolo para osmeus sentimentos, tão frequentemente agredidos por aquilo que vejo eouço.”269Vitória,dofundodeseucoração,concordoucomtodosospanegíricosdeFeodoraedoDr.Klumpp.

Ela apenas achava que eles eram insuficientes.Quando fitava seu amadoAlbert, depois de lidar comdocumentos de Estado e funções públicas, dedicar cadamomento de seu tempo restante aos afazeresdomésticos,àapreciaçãoartísticaeaoaprimoramentointelectual;quandoouviaseusditosespirituososàmesadoalmoço,outocandoMendelssohnnoórgão,ouapontandoosméritosdaspinturasdeSirEdwardLandseer;quandooacompanhavaenquantoeledavainstruçõessobreareproduçãodogado,oudecidiaqueosGainsboroughdeviamocuparumlugarmaisaltonasparedesdopalácio,paraqueosWinterhalterpudessemservistosadequadamente–Vitóriaficavaperfeitamenteseguradequenenhumaoutraesposajamais tiveramaridoigual.Suamente,aparentemente,eracapazdequalquercoisa,eelamalchegouaficar surpresa quando soube que Albert tinha feito uma importante descoberta sobre o melhoraproveitamentodoadubonaagricultura,utilizandoáguasservidas.Afiltragemfeitadebaixoparacima,utilizandoométodoadequado, retendoaspartículassólidase liberandoaáguaparaa irrigação,eraoprincípiodo sistema. “Todosos planos anteriores”, disseAlbert, “teriamcustadomilhões; omeunãocusta praticamente nada.” Infelizmente, devido a um pequeno erro de cálculo, o invento mostrou serinviável;masainteligênciadeAlberterainquestionável,eelepassouaoprojetoseguinte,comseuardorcostumeiro:umestudoaprofundadodosrudimentosdalitografia.270Mas era sobre seus filhos que se concentravam as atenções de Albert e Vitória. Os quartos das

criançasreaisnãodavamsinaisdequeiriamficarvazios.AonascimentodopríncipeArthur,em1850,seguiu-se,trêsanosdepois,odopríncipeLeopold,e,em1857,odaprincesaBeatrice.Umafamíliadenovedeveser,sempre,umagranderesponsabilidade;eopríncipesabiaperfeitamentecomooselevadosdestinos de sua descendência exigiam especiais cuidados dos pais. Naturalmente, Albert tinha umacrençaprofundana importância da educação; ele próprio tinha sidoumprodutodisso;Stockmar tinha

feitodeleoqueeleera;cabiaaele,agora,serumStockmar–seraindamaisqueumStockmar–paraaspequenascriaturasqueeletinhatrazidoaomundo.Vitóriaiaajudá-lo;paraelaeradifícil,semdúvida,serumStockmar;maselaseriaperpetuamentevigilante,combinandoafeiçãoerigor,esemprelhesdariaum bom exemplo. É claro que todas essas considerações se aplicaram inicialmente à educação dopríncipe de Gales. Como era importante o significado de cada partícula de influência que pudessecontribuir para a formação do futuro rei da Inglaterra! Albert se pôs a trabalhar com vontade. Mascuidando,comVitória,decadadetalhedaeducaçãomoral, intelectuale físicadeseusfilhos,ele logodescobriu,perturbado,quehaviaalgode insatisfatórionodesenvolvimentodeseu filhomaisvelho.Oprínciperealeraumacriançaextremamenteinteligente;mas,emboraBertiefossebem-humoradoegentil,elepareciademonstrargranderepugnânciaaqualquertipodeexercíciointelectual.Issoeralamentável,mas o remédio era óbvio: os esforços paternos deveriam ser redobrados; a instrução devia serintensificada; apressãoeducacional sobre elenãodeveria ser relaxadaumsó instante.Portanto,maistutores foram selecionados, o currículo foi revisto, a agenda de estudos foi refeita, memorandosdetalhadossobrequalquercontingênciapossívelforamredigidos.Omaisimportantedetudoeraeliminarapreguiça:“Trabalho”,diziaopríncipe,“devesertrabalho.”Eassimfoi.Ogarotocresceuemmeioauma roda incessante de paradigmas, exercícios sintáticos, datas, quadros genealógicos e mapas deacidentesgeográficos.Bilhetes transitavamfrequentementeentreopríncipe, a rainhaeos tutores, comperguntas, relatórios e recomendações detalhadas; e todos esses bilhetes foram cuidadosamentepreservadospara referências futuras.Alémdisso,eravitalqueoherdeirodo tronofosseprotegidodetodas as formas de contaminação do mundo exterior. O príncipe de Gales não era como os outrosmeninos; ocasionalmente, ele podia convidar alguns filhos da nobreza, garotos de boa índole, parabrincarcomelenos jardinsdoPaláciodeBuckingham.Masseupaicomandava,comrigoralarmante,suas atividades esportivas. Em resumo, todas as precauções possíveis foram tomadas, todo esforçoconcebívelfoifeito.Mesmoassim,curiosamente,oobjetodetodaessavigilânciaesolicitudecontinuavademonstrando resultados insatisfatórios – na verdade, ele parecia ter piorado aindamais.Certamente,isso era muito estranho: quanto mais deveres tinha para fazer, menos Bertie os fazia; e quanto maiscuidadosamente ele era afastado de excitações e frivolidades,mais ele semostrava ansioso por puroentretenimento.Albert estava profundamentemagoado, eVitória às vezes semostrava irritada.Mas amágoaeairritaçãonãoproduziamoutrosefeitosalémdemaissupervisãoenovasagendasdeestudo.Opríncipe de Gales, apesar de tudo, tornou-se um homem sem demonstrar os mais leves sinais de“perseverançaouadesãoaumplanodevidaoudeestudos”–comoafirmaumdosmemorandosreais–“quetivessesidotraçadocomextraordinárioempenhoporseupai”.271

II

Paraescapardaspreocupaçõesinsidiosasdapolítica,dotédiodasatividadessociaisedapublicidadepomposadascerimôniasdeEstado,Osborneproporcionavaumrefúgiobem-vindo;maslogoficouclaroquemesmoOsbornenãoestavasuficientementeafastadodomundo.Nofimdascontas,oSolentconstituíaumabarreira frágil.Oh,comoeradesejávelumsantuáriodistanteequase inacessívelondepudessem,numaverdadeirapazdoméstica, tirarfériasfelizes,comosefossempessoascomuns–ou,pelomenos,quasecomuns!Desdequetinha,aoladodeAlbert,visitadoaEscócianosprimeirosanosdocasamento,Vitória sentia que seu coração estava nasmontanhas. Ela voltara lá alguns anos depois, e sua paixãocrescera. Como as Terras Altas eram românticas! E como Albert as apreciava, também! Ele ficavamaravilhosamentefeliztãologoseencontravaemmeioàsconíferaseaosmontes.“Éumafelicidadevê-lo”,escreveuVitória.“Oh!Oquepodeseigualaràsbelezasdanatureza!”,exclamouelaemseudiário,

duranteumadesuasvisitas.“Queprazerencontronelas!Albert tambémgostamuito;aqui,ele ficaemêxtase!”“Albertdisse”,anotounodiaseguinte,“queamaiorbelezadapaisagemdasmontanhasconsistenassuasmudançasconstantes.Nósvoltamosparacasaàs18horas.”Então,elesfizeramumaexpediçãomaislonga–diretamenteaotopodeumaltomorro.

Foimuitoromântico.Aliestávamos,semninguémalémdomontanhêsqueconduzianossospôneis(nóssaímosduasvezesparapasseareexplorarasredondezas).(...)Voltamosparacasaàs11h30–foiopasseiomaisagradáveleromânticoquejáfiznavida.Nuncaestiveantesnumamontanhatãoalta,eodiaestavamuitobonito.

Osmontanheses, por sua vez, eram um povo surpreendente. “Eles nunca criam problemas”, observouVitória.“Sãocordiais,felizesedivertidos,eestãosempreprontosacaminhar,acorrer,afazerqualquercoisa.” Quanto a Albert, ele apreciava muitíssimo “suas boas maneiras, sua simplicidade e suainteligência,quefazemdainteraçãocomelesalgotãoagradáveleatémesmoinstrutivo”.“Nóssempretivemosohábito”,escreveuSuaMajestade,“deconversarcomosmontanheses–comquemétãofáciltravarcontatonasTerrasAltas.”Elaadoravatudooquedissesserespeitoaeles–seuscostumes,suasroupas, suasdanças,atémesmoseus instrumentosmusicais.“Havia12 tocadoresdegaitanocastelo”,escreveueladepoisdeumaestadacomlordeBreadalbane;

àsvezessomenteumtocava,àsvezestrês.Elessempretocavammaisoumenosnahoradocafédamanhã,voltavamatocaraindapelamanhã,nahoradoalmoçoesemprequesaíamosouentrávamos;novamenteantesdojantar,eduranteamaiorpartedojantar.Nósnostornamosgrandesadmiradoresdasgaitasdefole.272

Era praticamente impossível não desejar voltar a esses prazeres outras vezes; e em 1848 a Rainhaocupou uma propriedade arrendada, Balmoral House, uma pequena residência perto de Braemar, naflorestadeAberdeenshire.Quatroanosmaistarde,elacomprouolugar,pagandoàvista.AgoraVitóriapodia se sentirverdadeiramente feliz, a cadaverão; agorapodia ficar àvontadee ser simples; agora,todasastardes,sededicariaromanticamenteaAlbert,semumaúnicadistração.Amaquetedacasajáeraporsisóumencanto.Nadaeramaisdivertidoquevivernumacasacomduasoutrêspequenassalasdeestar, com as crianças reunidas no andar de cima, e com apenas um pequeno quarto para trabalhar econcederaudiênciasaosministros.Eserlivreparaentraresairdosaposentosquandolhedessevontade:desenhar, caminhar, observar um cervo se aproximar bastante dela, fazer visitas aos moradores doschalés!E,ocasionalmente,viveralgumasaventuras–porexemplo,passarumanoiteouduasemBothie,emAltnagiuthasach–nadamaisqueumpardecabanas,“comumavarandademadeira”–eapenas11pessoasnas imediações!Ehaviamontanhasaseremescaladasemarcosdepedraaseremconstruídosnumritualsolene.

Porfim,quandoomarco,queteria,acredito,uns2metros,estavaquasepronto,Albertsubiuaotopodele para fixar a pedra final; após o que, gritaram três vivas. Era uma visão alegre, bela ecomovente;eeuquasetivevontadedechorar.Avistadasmontanhastambémeratãolinda;odiatãoclaro,tudotãogemütlich,aconchegante”.273

E,aoanoitecer,haviadançascomespadaselutasdeesgrima.MasAlberttinhadecididoderrubaraquelacasa velha e pequena, para erguer em seu lugar um castelo que ele próprio projetara. Com grandecerimônia,deacordocomummemorandoredigidopelopríncipeparaaocasião,apedrafundamentaldonovo edifício foi lançada, e por volta de 1855 o lugar já era habitável.274 Espaçoso, construído comgranito no estilo escocês, com uma torre de 30 metros e diversas torrinhas e frontões, o castelo foicuidadosamenteprojetadoparadarvistaparaasmaisbelaspaisagensdasmontanhascircundantesedoRioDee,próximodali.Quantoàdecoraçãodointerior,AlberteVitóriadedicaramtodaaatenção.Asparedes e pisos eram de pinheiro. Em todos os aposentos se via tartan, o tecido xadrez típico doBalmoral,emvermelhoecinza,desenhadopelopríncipe;eoutro,comumalistrabranca,eramvistosemtodaparte:desenhadopelarainha:nascortinas,nascapasdaspoltronas,atémesmonoslinóleos.Aquieali se via o tartan real Stuart, já que Sua Majestade fazia questão de mostrar que era uma ardentejacobina.AquarelasdeVitóriaestavampenduradasnasparedes,aoladodediversoschifresdeveadosedacabeçadeumjavali,quetinhasidocaçadoporAlbertnaAlemanha.NumaalcovadosalãoficavaumaestátuaemtamanhorealdeAlbertnumcostumemontanhês.275Vitóriaconsideravaaquiloaperfeição.“Acadaano”,escreveuela,

omeucoraçãoficamaisunidoaesteparaísoadorado,aindamaisagora,que tudo se tornouumacriação,umtrabalhoeumprojetodemeuqueridoAlbert;seubomgostoeamarcadesuaadorávelmãoestãoimpressosemtodaparte.276

Foi ali, de fato, que Vitória passou seus dias mais felizes. Anos depois, quando ela olhava para opassado, parecia irradiar uma glória celestial e sagrada daquelas horas douradas. Cada momentoabençoadoganhavaumsignificadoclaro,beloeeterno.Pois,naqueleperíodo,cadaexperiênciavividaali, séria, trivial, ou sentimental, ficoumarcada nela compeculiar nitidez, comoum lampejo de luzesmaravilhosas. As caçadas de Albert; um passeio vespertino, quando ela costumava errar o caminho;Vicky* sentando-se sobre umninhodevespas; a luz bruxuleante de uma tocha; essas coisas, e 10miloutrascomoelas,queseimprimiamdeformaintensanoseuespíritoansioso!EVitóriaseapressavaaanotar em seu diário estas impressões!A notícia damorte do duque!Quemomento! – quando, ao sesentarparadesenhardepoisdeumpiquenique,pertodeummarediantedeummorrosilencioso,acartadelordeDerbylhefoientregue,eelasoubeque“aquelemotivodeorgulhodaInglaterra,oumelhor,daGrã-Bretanha,aqueleheróiglorioso,omaiorhomemqueanaçãojamaisproduzira,jánãorespirava!”Poistaisforamassuasreflexõessobreo“velhorebelde”detemposidos.Masaquelepassadotinhasidototalmenteapagado–nemamaislevelembrançadelesobreviveu.Duranteanoselatinhavistooduquecomoumafiguraquasesobre-humana.ElenãotinhaapoiadoobondosoSirRobert?ElenãotinhapedidoaAlbertparasucedê-locomocomandanteemchefe?Equemomentodeorgulhotinhasidoaqueleemqueeleconcederaumabolsaa seu filhoArthur,que tinhanascidonodiaemqueelecompletava81anos!Assim,elaencheutodaumapáginadeseudiáriocomlamentaçõeseelogios.

Suaposição foi amaiselevadaqueumhomem jáalcançou;acimadospartidos, eleconsultavaatodoseerareverenciadoportodaanação.Foiumverdadeiroamigodasoberana(...)Acoroanuncateve–ereceioquenuncaterá–umdefensortãodedicado, leal,sinceroeconfiável!Paranós,asua perda é irreparável (...) A Albert ele sempre demonstrou um carinho e uma confiançaextremos...Nemumsóolhoficarásemlágrimasemtodoopaís.277

Esteserampensamentoscuriosos;mas logoeles foramsucedidosporoutros, igualmentecomoventes–motivados por acontecimentos também difíceis de esquecer – pelo sermão do Sr. Macleod sobreNicodemus;assaiasdeflanelavermelhapresenteadasàSra.FarquharsoneàvelhaKittyKear.278Mas,certamente,osmaismemoráveiseagradáveisdetodososeventosforamasexpedições–asraras

eexcitantesexpediçõesaaltasmontanhas,atravessandolargosrios,percorrendoestranhascampinas,queduravamváriosdias.Comapenasdoisguias–GranteBrown–comocriados,eocultando-sesobnomesfalsos...Aquilopareciamaisumahistóriadoqueavidareal.

NósdecidimosnoschamarlordeeladyChurchilleamigos–ladyChurchillpassando-seporSrta.SpencereogeneralGreyporDr.Grey!UmavezBrownseesqueceudissoemechamoude“SuaMajestade”quandoeuestavaentrandonacarruagem,eGrantporsuavezchamouAlbertde“SuaAltezaReal”,oquenosfezrirmuitíssimo,masninguémreparou.

Fortes, vigorosos, entusiasmados e, aparentemente, trazendo consigo boa sorte, os montanhesesdeclararam que Vitória tinha um “pé quente”. E ela apreciava tudo: as escaladas, as paisagens, oscontratempos,asrudesestalagensde tarifasbaratas,BrowneGrantesperandoàmesa.Vitóriapoderiacontinuarassimparasempre,absolutamentefelizcomAlbertaseuladoeBrownàfrentedeseupônei.Maschegouahoradevoltarparacasa;chegouahoraderegressaràInglaterra.Elamalpodiasuportaraideia;sentou-sedesconsoladaemseuquartoeficouolhandoanevecair.Oúltimodia!Oh!Seapenaselapudessepermanecernaqueleslençóisbrancos!279

III

AGuerra daCrimeia trouxe novas experiências, emuitas delas foram agradáveis. Era agradável, porexemplo,sentir-sepatriotaedispostaàluta,escolherasprecesapropriadasaseremlidasnasigrejas,ternotíciasdenovasvitórias,esaber-se,commaisorgulhodoquenunca,arepresentantedaInglaterra.Comaquela espontaneidade de sentimentos que lhe era tão peculiar, Vitória expressou suas emoções, suaadmiração, sua piedade e seu amor por seus “queridos soldados”. Quando ela os condecorava commedalhas,suaexaltaçãonãoconhecialimites.“Nobrescamaradas!”,escreveuelaaoreidaBélgica,

Sintocomoseestesfossemmeusprópriosfilhos;meucoraçãobateporelescomopelosmeusentesmais próximos e adorados. E eles ficaram tão comovidos, gostaram tanto daquilo; muitos, eupercebi,chegaramachorar–eelesnãoqueremnemouvirfalaremabrirmãodesuasmedalhasparaterseusnomesgravados,commedodenãoreceberemdevoltaamesmamedalhaquefoientregueem suasmãos pormim, o que émuito comovente.Muitos soldados que compareceram estavamtristementemutilados.280

Vitóriaeossoldadoseramumsó.Elessentiamqueelalhesestavaprestandoumagrandehonra,eela,deforma perfeitamente genuína, compartilhava este sentimento. A atitude de Albert em relação a essascoisaserabastantediferente;havianeleumaausteridadequepraticamenteoproibiademanifestarsuasemoções.Quando o generalWilliams regressou da defesa heroica deKars e se apresentou à corte, arápida, fria e distante mesura com que o príncipe o recebeu caiu como uma pedra de gelo sobre as

pessoasàsuavolta.281Nofimdascontas,Albertaindaeraumestrangeiro.Mas Albert tinha outros assuntos com que se ocupar, certamente mais importantes do que as

impressõespessoaisdeoficiaismilitaresedossúditosquefrequentavamacorte.Eleestavatrabalhando–sempretrabalhando–natremendatarefadeconduziraguerraaumaconclusãofeliz.PapéisdeEstado,despachos, memorandos saíam de sua mesa num ritmo extraordinário. Entre 1853 e 1857, cinquentavolumesforampreenchidoscomoscomentáriosfeitosporsuapenasobreaquestãooriental.282Nadaofariaparar.Ministrosexaustosficavamatordoadosdiantedovolumedosseuspedidos;masospedidoscontinuavam, abarrotando suas mesas de trabalho, e desaguando sobre eles, e cada qual era maisimportante que o outro.Nenhum pedido podia ser ignorado.O talento administrativo com queAlberttinha reorganizadoos palácios reais e planejado aGrandeExposição não se reveloumenos firme emmeio às confusas complexidades da guerra. Diversas vezes, os pedidos do príncipe, inicialmenterejeitadosouignorados,acabavamsendoacatadossobapressãodascircunstâncias,enofimdascontasmostravamseuenormevalor.Oalistamentodeumalegiãoestrangeira,oestabelecimentodeumdepósitoparaastropasemMalta,ainstituiçãoderelatóriosperiódicosetabelasdecontrolesobreascondiçõesdoexércitoemSebastopol–taiseramasmaquinaçõeseasconquistasdeumcérebroincansável.Albertfoialém:numexaustivomemorando,eletraçouaslinhasgeraisdeumareformaradicalnoconjuntodaadministraçãodoexército.Issofoiprematuro,masasuapropostadequeuma“baseavançada”deveriasercriada,naqualastropaspudessemseconcentrareseexercitar,mostrouserogermedeAldershot.283Enquantoisso,Vitóriatinhafeitoumnovoamigo:elatinhasidorepentinamentecativadaporNapoleão

III.Inicialmente,eleatinhadesagradadomuito.Vitóriaachavaqueeleeraumaventureiroindecorosoquetinha usurpado o trono do pobre e velhoLouis-Philippe; e, como se isso não bastasse, ele era amigoíntimodelordePalmerston.Durantemuitotempo,emboraelefosseseualiado,elanãotinhavontadedeencontrá-lo;mas,finalmente,foiagendadaumavisitadoimperadoredaimperatrizaWindsor.MalelechegouaWindsor,ocoraçãodarainhacomeçouaceder.Elajulgouencantadorasassuasmaneiras,seutom de voz baixo e suave, e a simplicidade calma de sua conversa.A boa vontade da Inglaterra eraessencialparaaposiçãodoimperadornaEuropa,eeleestavadeterminadoafascinar a rainha. E foi bem-sucedido. Havia algo profundo dentro dela que respondia imediata eveementementeaumanaturezaquecontrastavavivamentecomadelaprópria.AsuaadoraçãoporlordeMelbourne estava intimamente entrelaçada com a sua apreciação semi-inconsciente da excitantediferençaentreelaeaquelevelhohomemsofisticado,sutilearistocrático.MuitodiferenteeraanaturezadesuarelaçãocomNapoleão;masasdiferençaseramigualmentenumerosas.Portrásdaenormesolidezdesuarespeitabilidade,seuconvencionalismo,suafelicidadeconsumada,elaextraíaumprazerestranhoe delicioso daquele estrangeiro pouco familiar, de um brilho sombrio, que se movimentava tãometeoricamente diante dela, uma criatura ambígua e cheia de obstinação, que lhe fora enviada pelodestino.E,paraasuasurpresa,ondeelarecearaantagonismos,encontrouapenassimpatia.Eleera,disseela,

tãocalmo,tãosimples,algumasvezesatémesmonaïf,egostavatantodeserinformadosobrecoisasquenãoconhecia(...).Eratãogentilecheiodetato,dignidadeemodéstia,tãoatenciosoconosco,incapazdedizerumapalavraoufazerumgestoquemedeixassedefora(...).Existealgoneledefascinante,melancólico e cativante, que atrai as pessoas irresistivelmente, independentemente dequalquer prévention que se possa ter contra ele; certamente isso não se deve à sua aparênciaexterior,emboraoseurostomeagrade.

Vitórianotouqueelecavalgava“extremamentebem,efazboafiguramontadonasela”.Edançava“com

grande dignidade e espírito”.Acima de tudo, ele ouviaAlbert; ouvia com amais respeitosa atenção;mostrou,defato,comoestavasatisfeito“deserinformadosobrecoisasquenãoconhecia”;emaistardeoouviramdizerqueelenuncaconhecera alguémà alturadopríncipe.Numaocasião,naverdade–masapenasuma–eledeuaimpressãodeestarligeiramenteimpaciente.Numaconversadiplomática,“eumeestendidemaissobreaquestãoHolstein”,escreveuopríncipenummemorando,eissopareceuentediaroimperadorporsertrèscompliquée.”284Vitóriatambémficoumuitoligadaàimperatriz,cujabelezaegraçaelaadmiravasemamenorsombra

de inveja. De fato, Eugénie, na plenitude de sua beleza, belamente vestida em maravilhosos tecidosparisienses, que ressaltavam a sua silhueta alta e esbelta, poderia perfeitamente ter causado algumdesconfortonocoraçãodesuaanfitriã,que,muitobaixa,robusta,semgraçaeusandoroupasvulgaresdeclassemédia,dificilmentepoderiasentir-seàvontadeemtalcompanhia.MasVitórianãotinhareceios.Paraelanãofaziaamenordiferençaficarcomorostovermelhonoverão,ouusarumchapéuliláseforademoda,doanoanterior,enquantoEugénie,frescaeelegante,flutuavanumainfinidadedebabados,aseulado.Elaeraa rainhadaInglaterra, issonãoerasuficiente?Certamentepareciaquesim;averdadeiramajestadeeraadela,eelasabiadisso.Emmaisdeumaocasião,quandoasduasapareciamempúblico,eraamulher tãopoucoaquinhoadapelanaturezaepelaarteque,pela simples forçadeumagrandezainterior,ofuscavacompletamenteasuabelaeenfeitadacompanhia.285Houvelágrimasnomomentodapartida,eVitóriasentiu-se“bastantewehmüthig, triste”quandoseus

hóspedesdeixaramWindsor.Mas,poucotempodepois,elaeAlbertforamàFrançaretribuiravisita,ealitudosepassoudemaneiraagradável;VitóriapercorreuincógnitaasruasdeParisusandoum“toucadocomum”, assistiu a uma peça de teatro em St. Cloud e, uma tarde, numa esplêndida festa que lhe foioferecidapeloimperadornopaláciodeVersalhes,conversouumpoucocomumcavalheiroprussianodeaparência distinta, que se chamava Bismarck. Os aposentos onde a rainha ficou hospedada forammobiliadostãoaoseugostoqueelaafirmouteraimpressãodeestaremcasa,equesófaltavaapresençade seu cãozinho para que a impressão fosse completa. Ninguém disse nada; mas, três dias depois,entrandoemseuquarto,Vitóriaouviuoalegrelatidoquelheeratãofamiliar.Opróprioimperador,sempoupartrabalhonemdespesas,providenciouaquelasurpresaencantadora.286Taiseramasatençõesqueelelhedispensava.ElaretornouàInglaterramaisencantadaquenunca.“Comosãoestranhos”,exclamouela,“osatosedesígniosdaProvidência!”287Aaliançaprosperou,eaguerraseaproximavadeumaconclusão.Tantoarainhaquantoopríncipe,é

verdade, estavam preocupados em evitar uma paz prematura. Quando lorde Aberdeen se manifestoudispostoaabrirnegociações,Albertocriticounumacartageharnischten,contundenteenquantoVitóriaandava a cavalo e passava as tropas em revista. Finalmente Sebastopol foi tomada.A notícia chegoutardedanoiteaBalmoral,e“empoucosminutosAlbertetodososcavalheiros,vestindotodaespéciederoupas,saíramdecasacercadospelacriadageme,poucoapouco,portodaapopulaçãodacidade.Atrásdeles,guardas,guiaseoperáriossubiramaotopodomarco”.“Umafogueirafoiacesa,asgaitasforamtocadasetirosforamdisparados.Cercade45minutosdepois,Albertdesceuedescreveuacenacomoamaisselvagemeexcitantequejátinhavisto.Opovoestavabebendoparacomemorareseencontravaemestado de grande êxtase.”288 O “grande êxtase” daria lugar, talvez, a outros sentimentos na manhãseguinte,masdequalquermaneiraaguerratinhaterminado–aindaque,certamente,oseufimfossetãodifícil de explicar quanto o seu início. Os atos e desígnios da Providência continuavam sendoextraordinários.

IV

Uma consequência inesperada da guerra foi umamudança completa nas relações entre o casal real ePalmerston. O príncipe e o ministro se uniram em sua hostilidade contra a Rússia, e foi assim que,quandochegouomomentoemqueVitória julgounecessárioconvocaroantigoinimigoparaformarumnovo governo, ela o fez sem relutância.O cargo de primeiro-ministro, por outro lado, teve um efeitocalmante sobre Palmerston; ele se tornoumenos impaciente e ditatorial; considerava com atenção assugestões da coroa; e estava, além disso, genuinamente impressionado com a habilidade e oconhecimento do príncipe.289 Naturalmente, ainda existia algum atrito, já que a rainha e o príncipecontinuavama seenvolvercomapolíticaexterna tantoquantoantes, eas suasopiniões,depoisqueaguerra terminou, voltaram a se contrapor diametralmente àquelas do primeiro-ministro. Este eraparticularmenteocasodaItália.Albert,teoricamenteamigodogovernoconstitucional,nãoconfiavaemCavour,tinhahorroraGaribaldieestavaapreensivoquantoaoriscodeaInglaterraserarrastadaaumaguerra contra aÁustria. Por outro lado,Palmerstondesejava a independência italiana;mas ele já nãoocupavaaSecretariadoExterior,eoimpactododesagradorealcaíaagorasobreacabeçadelordeJohnRussell.Empoucosanos,asituaçãoestavacuriosamentealterada.AgoraeralordeJohnquemocupavaocargosubordinadoeingrato;masosecretáriodoExterior,emsuadisputacomacoroa,eraapoiado,enãocontestado,peloprimeiro-ministro.Dequalquerforma,alutaeraferoz,eapolíticaatravésdaqualapoderosa simpatia da Inglaterra se tornou um dos fatores decisivos na conquista final da unificaçãoitalianasófoilevadaacaboenfrentandoaoposiçãoviolentadacorte.290QuantoaooutrocentrotempestuosodaEuropa,aatitudedopríncipetambémcontinuavaasermuito

diferentedadePalmerston.OgrandesonhodeAlberteraumaAlemanhaunificada,sobaliderançadeuma Prússia constitucional e virtuosa; Palmerston não tinha muito a dizer sobre este projeto, masdemonstravauminteresseespecialpelapolíticaalemã,eestavadispostoaconcordarcomumapropostaquetinhaoapoioentusiasmadodopríncipeedarainha–queasCasasReaisdaInglaterraedaPrússiafossemunidaspelocasamentodaprincesarealcomopríncipeherdeirodacoroaprussiana.Foiassimque,antesdeaprincesacompletar15anos,opríncipe,umjovemde24anos,fezumavisitaaBalmoral,onde se realizou o contratomatrimonial.291Dois anos depois, em 1858, celebrou-se o casamento.Noúltimomomento,porém,pareciahaverumimpedimento.NaPrússia,lembrou-seocostumedesecasarememBerlimtodosospríncipesdesanguereal,efoisugeridoquenãohaviarazãoparasetrataropresentecaso como uma exceção.Quando isso chegou aos ouvidos deVitória, a sua indignação a deixou sempalavras.Numanota,enfáticaatémesmoparaSuaMajestade,elainstruiuosecretáriodoExterioradizeraoembaixadordaPrússiapara

nãocogitarsequerapossibilidadedeissoacontecer(...)Arainhajamaisadmitiriaisso,tantoporrazõespúblicasquantoprivadas,sendoqueasuposiçãodeserdemaisparaumpríncipedaPrússiasair de sua pátria para vir se casar com a princesa real da Grã-Bretanha, na Inglaterra, erasimplesmenteabsurda,paradizeromínimo(...)Sejaqualforocostumedospríncipesprussianos,nãoétodososdiasqueumdelessecasacomafilhamaisvelhadarainhadaInglaterra.Aquestão,portanto,deveriaserconsideradaresolvidaeliquidada.292

De fato, ela estava resolvida, e o casamento foi celebrado na capela de St. James. Houve grandesfestividades–fogos,concertos,multidõesimensas,regozijogeral.EmWindsor,foioferecidoaosnoivosummagníficobanquete,nosalãoWaterloo,duranteoqual,segundoVitóriaanotouemseudiário,

todossemostrarammuitoamáveisebondososcomVicky,eoentusiasmoerageral;umdosmais

agradáveisexemplosdissofoiacondutadoduquedeBuccleuch,quesemisturoualegrementecomamassadasmaishumildesclassessociais.

Nosdiasseguintes,arainhasentiucrescerdentrodesiumsentimentodemelancoliaqueaiadominando,e quando chegou a hora da partida do jovem casal, ela quase teve um colapso –mas se controlou atempo.“Pobreequeridafilha!”,elaescreveumaistarde.

Apertei-aemmeusbraçoseaabençoei,semsaberoquedizer.BeijeiobondosoFritzeaperteisuamãomuitasvezes.Eletambémnãoconseguiafalar,etinhalágrimasnosolhos.Volteiaabraçá-losàporta da carruagemque os aguardava;Albert subiu na carruagem, que era aberta, comos dois eBertie(...).Abandademúsicacomeçouatocar.Entãomedespedi.OgeneralSchreckensteinestavamuito comovido. Apertei a sua mão, bem como a do bondoso deão, e subi as escadasrapidamente.293

Tal como o general Schreckenstein, Albert estava muito comovido. Ele estava perdendo a sua filhapredileta, cuja inteligência jácomeçavaamanifestarumanotável semelhançacoma sua–perdiaumapupilaadorável,que,dentrodepoucosanos,poderiater-setornadoumacompanheiraquaseàalturadeseuintelecto.Umdestinoirônicotinhadeterminadoqueafilhaquelheeratiradafossesimpática,espertaeinteressadanasartesenasciências,alémdeserdotadadeumfortependorparaescrevermemorandos,aopassoquenenhumadessasqualidadespodiaserencontradanofilhoquepermaneciaaseulado.PoiseracertoqueopríncipedeGalesnãopuxaraaopai.AsprecesdeVitórianãoforamatendidas,eacadaanoque passava ficavamais claro queBertie era umverdadeiro rebento daCasa dosBrunswick.Asevidências dessas características íntimas, porém, só serviam para redobrar os esforços de seus pais;talvez ainda não fosse tarde demais para inclinar o ramo jovem, pressionando-o incessantemente,amarrando-ocomcuidado,paraqueelecrescessenadireçãocorreta.Tudofoitentado.Enviaramorapaznuma excursão pelo continente, acompanhado por diversos tutores, mas os resultados foraminsatisfatórios.Apedidodeseupai,elemanteveumdiário,que,apósseuregresso,foiinspecionadopelopríncipe. Infelizmente, o texto era de uma aridez perturbadora: que mundo de reflexões interessantespoderia suceder o cabeçalho: “O primeiro príncipe deGales visitando o papa!”Mas não havia umasequer.“Le jeunePrinceplaisait à tout lemonde”, ovelhoMetternich relatou aGuizot, “mais avaitl’airembarrasséettrèstriste.”*QuandoopríncipedeGalescompletou17anos,arainhaeopríncipeescreveramummemorandoparainformaraofilhomaisvelhoqueeleentravaemsuavidaadultaeparaincitá-lo a cumprir os deveres de um cavalheiro cristão. “A vida é composta de deveres”, dizia omemorando,

eéatravésdocumprimentocorreto,pontualealegredessesdeveresquesereconheceoverdadeirocristão,overdadeirosoldadoeoverdadeirocavalheiro(...)Umanovaesferadavidaseabriráparavocê,enelavocêteráqueaprenderoquedeveeoquenãodevefazer,assuntoquerequerumestudomaisimportantedoquequalqueroutroquevocêjátenhaabordadoatéaqui.

Ao receber o memorando, Bertie irrompeu em lágrimas. Ao mesmo tempo, foi redigido outromemorando,quetinhaportítulo:“Confidencial:paraaorientaçãodoscavalheirosindicadosparaserviraopríncipedeGales.”Estedocumento,longoeelaborado,estabelecia“certosprincípios”quedeveriam

regular “a conduta e as maneiras” desses cavalheiros e tinha sido concebido “para o benefício dopríncipedeGales”.“Asqualidadesquedistinguemumcavalheironasociedade”,prosseguiaonotáveldocumento,são:

(1)Suaaparência,suacondutaesuasroupas.(2)Anaturezadesuasrelaçõescomosoutros,eotratamentoaelesdispensado,(3)Odesejoeacapacidadededesobrigarhonrosamentenasconversasouemqualqueroutraatividadesocialaqueseentregue.

Seguiaumaanálisedetalhadaeminuciosadessessubtítulos,queocupavaváriaspáginas,eomemorandoterminavacomumaexortaçãofinalaoscavalheirostutores:

Seapreciaremdevidamentearesponsabilidadedesuasposiçõeseconsideraremessenciaisositensacimaenunciados,seempregaremoprópriobomsensoparaagiremtodasasocasiõesdeacordocom esses princípios, sem julgarem nenhum detalhe minucioso demais para não merecerimportância,mantendoassimumalinhadecondutasemprecoerente,poderãoprestarumgrandeserviçoaojovempríncipe,justificando,aomesmotempo,alisonjeiraseleçãofeitapelospaisreais.

Umanomaistarde,ojovempríncipefoienviadoaOxford,ondesetomouomáximocuidadoparaqueele não semisturasse com os universitários. Sim, tudo tinha sido tentado – tudo (...) com uma únicaexceção.NuncafizeramaexperiênciadedeixarBertiesedivertiràvontade.Masporquedeveriamagirassim?“Avidaécompostadedeveres.”ComopoderiahaverespaçoparaentretenimentonaexistênciadeumpríncipedeGales?294OmesmoanoqueprivouAlbertdacompanhiadaprincesaReallhetrouxeumaperdaaindamaisséria.

ObarãovisitaraaInglaterrapelaúltimavez.Durantevinteanos,comoeleprópriodisseranumacartaaoreidaBélgica,eletinhadesempenhadoo“ofíciolaboriosoeexaustivodeamigopaternaleconselheirodeconfiança”dopríncipeedarainha.Tinha70anos;estavacansado,físicaementalmente;erahoradepartir. Ele voltou à sua casa emCoburg, trocando, de umavez por todas, os importantes segredos dadiplomacia europeia pelas trivialidades de uma cidade provinciana e pelas pequenas intrigas da vidafamiliar.Sentadonumapoltrona,aopédalareira,elebaixavaemeneavaacabeça,enquantoouviavelhashistórias – que não falavam de generais e imperadores, mas de vizinhos e parentes, e de aventurasdomésticasdemuitotempoatrás–oincêndiodabibliotecadeseupai,ouacabraquesubiupelaescadaaté o quarto de sua irmã, deu duas voltas ao redor da mesa e desceu novamente. A dispepsia e adepressãoaindaoatacavam,mas,fazendoumaretrospectivadeseupassado,elenãoestavainsatisfeito.Sua consciência estava limpa. “Trabalhei enquanto tive forças para trabalhar”, disse ele, “e comobjetivosqueninguémpoderiacriticar.Aconsciênciadissoéaminharecompensa–aúnicaquedesejeiganhar.”295Aparentemente, de fato, seus “objetivos” tinham sido alcançados. Graças à sua sabedoria, ao seu

trabalho e ao seu exemplo, ele conseguira operar a metamorfose milagrosa com que sonhara todo otempo.Opríncipeeraumacriaçãosua.Trabalhadorincansável,quepresidiacomosfinsmaiselevadosumagrandenação–estaeraasuaconquista;eleavaliavaoseutrabalhoeojulgavabem-feito.Masnãoestariaobarãoseiludindo?Elenuncaimaginouqueteriaconseguidodemais,oumuitopouco?Comosãoperigosas e sutis as armadilhasqueodestino traz aomais cautelosodoshomens!Semdúvida,Albertparecia ser tudo o que Stockmar poderia desejar – virtuoso, trabalhador, perseverante, inteligente.Entretanto–porqueseria?–nemtudoestavabemcomele.Seucoraçãosofria.

Pois,apesardetudo,Albertnuncaalcançaraafelicidade.Otrabalho,peloqual,nosúltimostempos,ansiaracomumapetitequasemórbido,apenaslhetraziaumalíviomomentâneo,enãoacura;odragãodesua insatisfaçãodevoraracomsombria satisfaçãoo tributo semprecrescentedaquelesdiasedaquelasnoites laboriosas;mas ainda estava faminto.As causas de suamelancolia eram secretas,misteriosas,talvez incompreensíveis – por estarem demasiadamente arraigadas nos recessos mais íntimos de seutemperamento,queosolhosda razãonãopodiamalcançar.Emsuanatureza,haviacontradiçõesqueotornavamumenigmainexplicávelmesmoparaaquelesqueoconheciammelhor;eleeraaomesmotemposeveroegentil;eleeramodestoedesdenhoso;elebuscavaafeto,maserafrio.296Eraumsolitário,nãoapenascoma solidãodoexílio,mas tambémcoma solidãodaconsciênciadeumasuperioridadenãoreconhecidapelosdemais.Possuíaoorgulhoaomesmotempoarroganteeresignadodeumdoutrinário.Mas classificá-lo como um simples doutrinário seria fazer uma descrição falsa; pois o verdadeirodoutrinário sempre goza de uma felicidade interior, e Albert estava longe disso. Havia algo que eledesejava e que jamais conseguiria.O que era?Alguma simpatia, absoluta e inefável?Algum sucessosublimeeextraordinário?Possivelmenteumamisturadosdois.Dominaresercompreendido!Conquistar,comamesmainfluênciatriunfante,asubmissãoeaadmiraçãodoshomens–issodefatovaleriaapena!Mas,diantedessesdevaneios,elepercebiacomdemasiadaclarezacomoeramdébeisasrespostasdeseumeio.Quemalioadmirava,sinceraeverdadeiramente?Quempoderiaapreciá-lonaInglaterra?E,seavirtude suave de uma superioridade interior lhe valera tão pouco, poderia ele esperar melhoresresultadosdoscaminhosmaisamargosdaastúciaedaforça?Aterraingratadeseuexíliosurgiadiantedelecomoumblocoduroeimpenetrável.Semdúvida,Albertcausaraalgumaimpressão:certamenteeletinhaconquistadoorespeitodeseuscolegasdetrabalho,esuaprobidade,seuempenhoesuaexatidãotinhamsidoreconhecidos;eleeraumhomemaltamenteinfluenteeextremamenteimportante.Mascomotudoissoestavalonge,muitolongedesuasambições!Comopareciamfrágeisefúteisosseusesforços,comparadosàestupidez,àloucura,àpreguiça,àignorânciaeàconfusãocomquesedefrontavaatodomomento!Elepodiateraforçaeacapacidadedefazeralgumamodificaçãoaquieali–consertaralgumdetalhe, reparar algum equívoco, insistir na realização de uma reforma necessária e inadiável;mas ocoração daquele organismo apático permanecia intocado. A Inglaterra continuava a se arrastar,inacessívelesatisfeita,emseuvelhoeintolerávelcurso.Eleatravessaraocaminhodomonstrocomumarígida determinação e dentes cerrados,mas foi posto de lado. Sim!NemmesmoPalmerston ele tinhasobrepujado–elecontinuavaali,aafligi-locomsuaarrogância,suateimosiaconfusa,suaabsolutafaltade princípios. Isso era demais. Nem a natureza, nem o barão conseguiram lhe inculcar um espíritosanguíneo;assementesdopessimismo,quenopassadosealojavamnele,voltavamaflorescernumsolopropício.Albert

questionavaascoisas,masnãoencontravaumaquelherespondesseelheacalmasseoespírito;eomundotodopareciairracional.

Albertjulgavaterfracassadoecomeçavaasedesesperar.MasStockmar lhe tinhaditopara“nunca relaxar”,eele jamaiso faria.Seguiriaemfrente,dandoo

máximo de si pelosmais elevados objetivos, até o amargo fim. Sua dedicação ao trabalho tornou-sequaseobsessiva.Aluzverdedalâmpadadeleituraemsuaescrivaninhabrilhavacadavezmaiscedo;suacorrespondênciaeracadavezmaior;cadavezmaisdemoradasa leituraeaanálisedos jornais;cadavezmaismeticulosos,analíticoseprecisosseusintermináveismemorandos.Atémesmoseuspassatempossetransformaramemdeveres.Divertia-seà mesa, saía para caçar veados com uma pontualidade inflexível, fazia jogos de palavras durante o

almoço – era a coisa certa a fazer.Omecanismo trabalhava com uma eficiência impressionante,masnunca repousava, nem era lubrificado. Com seca exatidão, as inumeráveis rodas dentadas dasengrenagensserevolviamperpetuamente.Não,oquequerqueacontecesse,opríncipenãorelaxaria;eletinhaassimiladoatédemaisasdoutrinasdeStockmar.Elesabiaqueestavacertoeseguiriaemfrenteaqualquercusto,sempreagindosegundoseusprincípios.Issoestavaresolvido.Mas,porDeus,oquesãoascertezasnestavida?“Nãosepodeserdemasiadozelosoemcoisaalguma”,disseumantigogrego.

Amedidaexataparatodosostrabalhosdohomemconstituisempreamelhornormadevida.Mas,frequentemente,aqueleque,excessivamentezeloso,procuraobteralgumaformadesuperioridade,apesar de se dedicar à conquista de umbem, na verdade está sendo desviado, pela força de umpoderoculto,paraumcaminhototalmentediferente,eascoisasquelhesãobenéficaspassamalheparecernocivas.297

Seguramente,tantoobarãoquantoopríncipepoderiamteraprendidoalgumacoisacomafriasabedoriadosgregos.Vitóriapercebiaqueoseumaridoàsvezespareciadeprimidoesobrecarregado.Elatentavaanimá-lo.

Compreendendo,comdesconforto,queeleaindaeravistocomoumestrangeiro,elaesperavaque,aolheconferirotítulodepríncipeconsorte(em1857),elamelhorariaaposiçãodomaridodiantedanação.“Arainha tem o direito de requerer que o seu marido seja um cidadão inglês”, escreveu ela.298 Masinfelizmente, apesar das Cartas Patentes Reais, Albert continuava tão estrangeiro quanto antes; e, àmedidaqueosanospassavam,asuamelancoliaaumentava.Vitóriatrabalhavaaseulado,velavaporele,fazia-lhecompanhianospasseiospelosbosquesdeOsborne,ouvindo-oassoviarparaosrouxinóis,comofizeranopassadoemRosenau,faziajátantosanos.299Quandoseaproximavaoaniversáriodomarido,elaesforçava-seaomáximoparaescolherpresentesquerealmentelheagradassem.Em1858,quandoelefez39anos,elalhedeu

um retrato de Beatrice, em tamanho natural, feito a óleo por Hosley, uma coleção completa defotografiascompaisagensdeGothaearredores,quemandeiBedfordtirar,eumpesodepapéisemgranitodeBalmoraledentesdegamo,desenhadoporVicky.300

Naturalmente,Albertficouencantado,eafelicidadequedemonstrounareuniãodafamíliafoimaiorqueadecostume:mesmoassim...Oquehaveriadeerrado?Semdúvidaeraasuasaúde.Albertvinhaesgotandosuasforçasaserviçodopaís;e,certamente,sua

constituiçãofísica,comoStockmarpreviradesdeoinício,nãoseadaptavabemagrandesesforços.Elese preocupava facilmente; constantemente se deixava abater por pequenos problemas. Sua aparênciabastavaparasugeriradebilidadedesuaforçafísica.Obelorapazdevinteanosantes,deolharcintilanteepelemacia, transformara-senumhomempálido ede aspecto cansado, cujo corpo curvado e flácidorefletia a vida de trabalho sedentário, e com uma pronunciada calvície na parte superior da cabeça.Críticosmaldosos,quenopassadootinhamcomparadoaumtenordeópera,poderiamterobservadoquehaviaqualquer coisadeummordomoemsuaaparênciaatual.Ao ladodeVitória, ele apresentavaumcontrastedoloroso.Elatambémestavarobusta,massuagorduraeraadeumamatronavigorosa;todooseuserirradiavavitalidade–oporteenérgico,osolharesinquiridoresquelançavaàsuavolta,asmãospequenas e gorduchas, hábeis e imperiosas. Se aomenos fosse possível, por algumpasse demágica,transportarparaaquelafiguraflácidaebalofaaseulado,paraaquelecérebrocansadoeexaurido,um

poucodaenergiaedaautoconfiançaqueeramtãoacentuadasnela!Mas repentinamente ela foi lembrada de que havia outros perigos com que se preocupar, além da

saúde. Durante uma visita a Coburg, em 1860, o príncipe quase morreu quando sua carruagem seenvolveunumacidente.Escapoucomferimentosleves;masopânicodeVitóriafoiextremo,apesardeelaocultá-lo.MastardeVitóriaescreveu,referindo-seaofato:

Éjustamentequandoatainhatemossentimentosmaisintensosqueelasemostramaiscalma,eelanãopoderianemousariafalarsobreoquepoderiateracontecido,oumesmoadmitirparasimesma(emesmoagoraelanãoseatreveafazê-lo)todaaextensãodoperigo,poisestácertadequeficariamaluca!

Na verdade, sua agitação só foi superada pela sua gratidão aDeus.Vitória dizia que não podia ficartranquila“enquantonão fizessealgoquemarcassede formapermanenteos seussentimentos”;decidiu,assim, fazer uma doação a uma obra de caridade em Coburg. “Na opinião da rainha não seria nadademaisdoarmiloumesmo2millibras,deumavezouemparcelas.”Porfim,tendoficadoestabelecidoo primeiro valor, ele foi aplicado numa conta sob o nome de “Vitória-Stift”, administrada peloburgomestre e pelo clérigo-chefe deCoburg, que receberam instruções para distribuir os juros anuaisentreumcertonúmerodehomensemulheresjovensquedemonstrassemterumcaráterexemplarequepertencessemàsclassessociaismaishumildes.301Poucotempodepois,arainhasofreu,pelaprimeiraveznavida,aexperiênciadeperderumparente

próximo.Nocomeçode1861,aduquesadeKent ficougravementedoente,eemmarçoelamorreu.OacontecimentoabalouVitóriafortemente.Comumaintensidademórbida,elaencheupáginasepáginasdeseudiáriocomrelatosminuciososdasúltimashorasdevidadesuamãe,descrevendoasuaagoniaeoseu cadáver, tudo intercalado por apóstrofes veementes e agitadas reflexões emocionais. Na dor dopresente,todasasdesavençasdopassadoforamcompletamenteesquecidas.Eraohorroreomistériodamorte–amortepresenteereal–queseapossavadaimaginaçãodarainha.Todooseuser,cheiodeuminstinto vital, retrocedia com aflição diante daquele espetáculo horrível, que lhe mostrava o triunfodaquelepoderassustador.Suaprópriamãe,comquemelatinhavividotãointimamenteportantotempo,apontodeelasetornarquaseumapartedesuaprópriaexistência,reduzira-seanadabemnafrentedeseusolhos! Ela tentou esquecer aquilo, mas não podia. Suas lamentações continuaram estranhamentefrequentes, estranhamente persistentes. Era quase como se, por alguma premonição misteriosa einconsciente,elapercebesseque,deumaformatodaespecial,aquelaMajestadehorrívelreservavaumdardoaindamaisdolorosoparaela.Defato,antesqueterminasseoano,elasofreuumgolpeaindamaisduro.Albert,quevinhasofrendo

deinsôniahaviabastantetempo,saiudecasanumdiafrioeúmidodofimdenovembro,parainspecionaraconstruçãodanovaAcademiaMilitar,emSandhurst.Emseu regresso,percebia-seclaramentequeafadigaeaexposiçãoàumidade tinhamafetadoseriamente seuestadodesaúde.Ele teveumacrisedereumatismo,ainsôniacontinuou,eelesequeixavaconstantementedenãosesentirbem.Trêsdiasmaistarde, um penoso dever o obrigou a visitar Cambridge. O príncipe de Gales, que ingressara nauniversidadeumanoantes,estavasecomportandotãomalquesefaziamnecessáriasumavisitaeumarepreensão paternas. O pai desapontado, sofrendo física e mentalmente, cumpriu sua tarefa; mas, naviagemdevolta aWindsor, elepegouum resfriadoque seria fatal.302Na semana seguinte, seu estadopioroudeformadeplorável.Mesmoassim,apesardafraquezaedadepressão,elecontinuouatrabalhar.Justamentenaquelaocasiãoeclodiraumagravecrisediplomática.AGuerraCivilirromperanosEstadosUnidos,epareciaqueaInglaterra,devidoaumaviolentaquerelacomopaísamericano,seriaarrastada

aoconflito.UmdespachoseverodelordeRussellfoisubmetidoàaprovaçãodarainha,eopríncipesedeucontadeque,sefosseenviadosemalterações,aguerraseriaumaconsequênciaquaseinevitável.Às7horasdamanhãdodia1ºdedezembro,Albertlevantou-sedacamae,comamãovacilante,escreveuumasériedesugestõesparaquesealterasseoteordodocumento,suavizandoostermosdesuaredaçãoemantendo aberto o caminho para uma solução pacífica da questão. As sugestões foram aceitas pelogoverno,eassimaguerrafoievitada.Foioúltimomemorandodopríncipe.303Albert sempredeclararaqueviaaperspectivadamortecomserenidade.“Nãosintoapegoàvida”,

disseeleumavezaVitória. “Você sim;eu,porém,nãodoumuitovalora ela.”Eacrescentou:“Estoucertodeque,setivesseumadoençagrave,eumeentregariaimediatamenteenãolutariapelavida.Nãotenhotenacidadenesteponto.”304Seujulgamentoeracorreto.Poucosdiasdepoisdeadoecer,disseeleaumamigoestarconvencidodequenãoserecuperaria.305Edefatoelepioravaacadadia.Noentanto,seo seu caso tivesse sido diagnosticado a tempo e tratado da forma adequada, é bem possível que eletivessesesalvado;masosmédicosnãosouberamdiagnosticarosseussintomas;eédignodenotaofatode seuprincipalmédico ter sidoSir JamesClark.Quando se sugeriuuma segundaopinião,Sir Jamestratouaideiacomdesdém;“nãohaviamotivosparafalsoalarme”,disseele.Masaestranhadoençaseagravou. Por fim, depois de uma carta com enérgicos protestos de Palmerston, mandaram vir o Dr.Watson; e oDr.Watsonpercebeu imediatamenteque tinhavindo tardedemais.Opríncipe estava comfebretifoide.“Creioque,atéaqui,tudocorreudemaneirasatisfatória”,diziaSirJamesClark.306Ainquietaçãoeoagudosofrimentodosprimeirosdiasderamlugaraumabatimentoeumtorporcada

vezmaiores.Umdia,opacientepediuparaouvirmúsica–“umlindocoralàdistância”;colocaramumpianonoaposentoaolado,eaprincesaAlicetocoualgunshinosluteranos,apósoqueoprínciperepetiu:“TheRockofAges”.Àsvezes,eledelirava;àsvezes,opassadodistantepareciaestardiantedele;ouviaos pássaros cantando na aurora e se imaginava novamente menino em Rosenau. Vitória lia para elePeveril of the Peak, e ele conseguia acompanhar a história; então ela se curvava sobre ele, quemurmurava “liebes Frauchen”, cara senhora, e “gutesWeibchen”, bondosa mulher acariciando-lhe aface. A tristeza e a agitação da rainha eram grandes, mas ela não estava seriamente assustada.Acostumada com suas próprias e abundantes energias, para ela era inconcebível que Albert nãopossuísseumaresistênciasemelhante.ElaserecusouaveroDr.Watson.Paraquê?SirJamesClarknãolhe assegurara que tudo terminaria bem? Apenas dois dias antes do fim, agora já considerado quaseinevitávelpor todosqueacercavam,elaescreveuaoreidaBélgica,cheiadeaparenteconfiança:“Eunãopassoasnoitesàcabeceiradele”,diziaela,“porqueissonãoterianenhumautilidade;enãohárazãoparacausaralarme.”307AprincesaAlicetentoulhecontaraverdade,masVitórianãosedeuporvencidaemsuaesperança.Namanhãde14dedezembro,Albertpareciamelhor,comoVitóriaesperava;talvezacrise tivesse passado. Mas ao longo do dia houve uma séria recaída. Então, finalmente, a rainhareconheceuqueseencontravaàbeiradeumtenebrosoabismo.Todaafamíliafoiconvocada,e,umporum, os filhos deramum silencioso adeus ao pai. “Foi ummomento terrível”, escreveuVitória em seudiário,“mas,graçasaDeus,conseguidominar-meepermanecerperfeitamentecalma,econtinueisentadaaseulado.”Albertmurmuroualgo,maselanãoconseguiuouvir;acreditouqueeleestivessefalandoemfrancês.Emseguida,de forma inesperada,Albert começouaajeitarocabelo,“exatamentecomo faziaquandoestavabemesevestindo”.“EsistkleinesFrauchen”,aquiésuaqueridaesposa,sussurrouelaparaele;eelepareceuentender.Aoanoitecer,Vitóriafoiporummomentoaoaposentoaolado,masemseguidavoltaramachamá-la:aoentrarnoquarto,elapercebeu,aoprimeiroolhar,queseoperaraumamodificação terrível na fisionomia do doente. Ajoelhou-se a seu lado, e ele respirou profundamente,depoisrespirousuavementeeporfimparouderespirar.Seustraçosficaramtotalmenterígidos.Eladeuum grito – um único grito, selvagem e agudo, que ecoou através do castelo, emudecido de terror – ecompreendeuquetinhaperdidoAlbertparasempre.308

7Viuvez

I

Amortedopríncipe consorte foi omomentodemutaçãodecisivonahistóriadaRainhaVitória.Elaprópria sentia que a sua verdadeira existência tinha terminado junto à do marido, e que uma luzcrepuscular envolveria o restante de seus dias sobre a Terra – um simples epílogo de um drama jáencenado.Esta impressãonãopode escapar a umbiógrafo.Para este, tambémexiste uma sombraqueocultaaúltimametadedaquela longacarreira.Osprimeiros42anosdavidadarainhasãoiluminadosporumaenormeevariadaquantidadedeinformaçãoautêntica.ApósamortedeAlbert,ficaaimpressãode que um véu cai sobre ela. Apenas ocasionalmente, com intervalos aleatórios, uma ponta do véulevanta-seporalgunsmomentos,eentãochamamanossaatençãoalgunsdetalhesnotáveis,esepodemesboçaralgumasnotasvaliosas; todoo restonãopassadeconjecturaseambiguidade.Épor issoque,apesardearainhatersobrevividoàsuagrandedorporquasetantosanosquantosjátinhavividoantesdela,acrônicadosúltimosanosnãopode se comparar, em proporções, à história da primeira fase de sua vida. Em nossa ignorância,devemos,portanto,ficarsatisfeitoscomumrelatobreveesumário.Odesaparecimentosúbitodopríncipenãorepresentousomenteumabaloeumamágoaextraordinários

paraVitória;foiumacontecimentodeimportâncianacionaleatémesmoeuropeia.Elesótinha42anos,enocursonaturaldascoisaspoderiatervividopelomenosmaistrintaanos.Seissotivesseacontecido,nãosepodeduvidarquetodoodesenvolvimentodapolíticainglesateriasidodiferente.Naépocadesuamorte,Albert ocupava uma posição única na vida pública da Inglaterra; nos círculosmais íntimos dapolítica, ele já era aceito como um componente útil e necessário do mecanismo do Estado. LordeClarendon, por exemplo, classificou suamorte como “uma calamidade nacional de importânciamuitomaiordoqueopúblicoimagina”,elamentouaperdadesua“sagacidadeeantevisão”,que,eleafirmava,

“seriammaisvaliososdoquenuncanaeventualidadedeumaguerraamericana.”309E,àmedidaqueotempo passasse, a influência do príncipe deveria ter crescido enormemente. Pois, além de suasqualidades morais e intelectuais, ele desfrutava, graças à sua posição, de um privilégio que não eraacessível a nenhumoutro ocupante de cargos elevados nogoverno: a sua posição era permanente.Ospolíticos vinham e partiam,mas o príncipe estava perpetuamente instalado no centro das questões doEstado.Quempoderia,portanto,duvidarque,lápelofinaldoséculo,umhomemcomoele,encanecidoaserviçodanação,virtuoso,inteligenteetendo,alémdisso,aexperiênciasemprecedentesdeumavidainteiranogoverno,nãoteriaatingidoumprestígioextraordinário?Se,najuventude,AlbertforacapazdeimporacoroacontraopoderosoPalmerstonesairdadisputaemigualdadedecondições,dequeelenãoteriasidocapazemidadeavançada?Queministro,pormaishábilepopularquefosse,poderiacompetircomasabedoria,aprobidade,avastaautoridadedoveneradopríncipe?Éfácilimaginarcomo,sobtalliderança, poderia ter sido feita uma tentativa de transformar a Inglaterra num Estado tão altamenteorganizado,tãoelaboradamentepreparado,tãoeficientementeequipadoetãoautocriticamentecontroladoquantoaprópriaPrússia.Então,talvez,finalmente,sobocomandodeumpoderosolíder–umGladstoneou umBrigh – as forças democráticas do país poderiam se juntar e iniciar uma luta que abalaria ospróprios alicerces da monarquia. Ou, por outro lado, talvez se realizasse a hipotética profecia deDisraeli.“ComopríncipeAlbert”,disseraele,

nósenterramosanossasoberana.EstepríncipealemãogovernouaInglaterradurante21anos,comumasabedoriaeumaenergiajamaismostradaspornenhumdenossosreis(...).Seopríncipetivessesobrevivido a algumas de nossas eminências, ele nos teria concedido as bênçãos de umgovernoúnico.310

AConstituição inglesa – esta entidade indescritível – é algo vivo, que cresce como crescimento doshomenseassumeformassemprecambiantes,deacordocomasleiscomplexasesutisdocaráterhumano.Ela éuma filhada sabedoria e do acaso.Oshomens sábiosde1688 amoldaramna formaquenós aconhecemos;masoacasodequeGeorge Inão falasse inglês lheconferiuumade suaspeculiaridadesessenciais – o sistema de um gabinete independente da coroa e subordinado ao primeiro-ministro. AsabedoriadelordeGreyasalvoudadestruiçãoeacolocounocaminhodademocracia.Foientãoqueoacasomaisumavez interveio;umasoberanamulher secasoucomumhomemhábil e sagaz;epareciaprovável que um elemento que permanecera inativo durante tantos anos – o elemento do poderadministrativo irresponsável – estivesse prestes a se tornar a sua característica dominante, mudandocompletamente os rumos de seu crescimento. Mas o que o acaso trouxe, o acaso levou embora. Oconsortemorreuemsuaplenitude;eaConstituiçãoinglesa,deitandoporterraoramosemvidasemmalesboçarumtremor,continuousuavidamisteriosacomoseelejamaistivesseexistido.Umúnicoserhumano,apenasum,sentiutodaaforçadoquetinhaacontecido.Obarão,sentadojuntoà

lareiraemCoburg,viusubitamenteasuatremendacriaçãoserirremediavelmenteaniquilada,deumsógolpe.Albertpartira,eeletinhavividoemvão.Nemasuamaisnegrahipocondriaforacapazdeprevertão horrível catástrofe. Vitória lhe escreveu, foi visitá-lo, tentou consolá-lo afirmando, cheia deconvicçãoapaixonada,queelaprópriadariacontinuidadeaotrabalhodomarido.Elesorriucomtristezae olhou para o fogo. Entãomurmurou que estava partindo para ficar comAlbert – o que de fato nãodemorariamuito.311Obarãosefechoudentrodesimesmo.Osfilhosorodeavamefaziamdetudoparaanimá-lo,mas era inútil: o coraçãodobarão estavapartido.Ele aindavegetoupormais18meses, e,então,acompanhandooseupupilo,passouaexplorarasombraeopó.

II

Com rapidez assombrosa, Vitória trocou a serena irradiação da felicidade pelas trevas profundas doinfortúnio. Nos primeiros e terríveismomentos, aqueles que a cercavam temeram que ela perdesse arazão, mas o temperamento de aço dentro dela aguentou firme, e nos intervalos entre os intensosparoxismosdador,arainhapareciacalma.FoilembradoqueAlbertsempredesaprovaramanifestaçõesexageradasde sentimentos, eoúnicodesejoque restava aVitória era fazer apenasoqueAlbert teriadesejado.Mashaviamomentosemqueelanãoconseguiaconterasuaangústiareal.UmdiaelamandouchamaraduquesadeSutherlande,conduzindo-aaoquartodopríncipe,caiu,prostrada,diantedesuasroupas,irrompendoemcopiosaslágrimas,aomesmotempoemquepediaàduquesaquelhedissesseseabeleza do caráter deAlbert fora um dia suplantada.312 Outras vezes, ela se deixava dominar por umsentimentopróximodaindignação.EscrevendoaoreidaBélgica,disseela:

Aquela pobre criança de 8meses, órfã de pai, é agora umaviúva tristíssima de 42 anos, comocoraçãototalmentedestruídopelador!Apartefelizdaminhavidaterminou!Omundoacabouparamim!...Oh!Serarrebatadonaforçadajuventude–vernossavidadomésticapura,felizecalma,queeraaúnicacoisaquemedavaforçasparasuportaraminhatãodesagradávelposição,interrompidaaos 42 anos! – isso quando eu acreditava, com uma certeza instintiva, que Deus jamais nossepararia,equenosdeixariaenvelhecerjuntos(emboraelesemprefalassedabrevidadedavida)–éhorríveldemais,crueldemais!313

O tomde umaMajestade ultrajada parece evidente. Teria ela imaginado, no fundo do coração, que aDivindadeousariafazertalcoisa?No entanto, todas as outras emoções deram lugar à firme determinação de dar continuidade, sem

nenhumamodificação,eatéofinaldesuaexistêncianaTerra,àreverência,àobediênciaeàidolatriaaAlbert.“Estouansiosapararepetirumacoisa”,disseelaaotio,

istoé,aminhafirmeresolução,aminhadecisãoirrevogávelsobreoseguinteprojeto:osdesejosdeAlbert–osseusplanos–arespeitodetudo,assuasopiniõessobretodososassuntos,deagoraemdiante serão aminha lei! E nenhum poder humano me fará desviar daquilo que ele decidiu edesejou.

Vitóriasetornavaselvagemefuriosadiantedomeropensamentodeumahipotéticaintrusãoentreelaeoseudesejo.Seutioestavavindovisitá-la,elheocorreuqueelepoderiatentarinterferireprocurar,comono passado, “orientar a sua existência”. Vitória lhe daria um sinal. “Também estou determinada”,escreveu,

anãopermitirquepessoaalguma–mesmoquesejaomaislealedevotadodemeussúditos–venhadirigir, guiar ou ditar os meus atos. Eu sei o quanto ele desaprovaria isso (...). Apesar deterrivelmente abatido e transtornado, o meu espírito treme de indignação quando penso quequalquer dos desejos ou projetos de Albert venha a ser modificado, ou que eu venha a serpersuadidaaagirdemododiferentedoquedeveser.

Entãoelaconcluiuacartacommanifestaçõesdetristezaeafeto.Elaera,afirmou,asua“sempreaflitaporémdedicada filha,VitóriaR.”Nestemomento,Vitóriaobservouadata:eraodia24dedezembro.Umadoragudaaassaltou,eelarapidamenteescreveuumpost-scriptum–“QueNatal!Nãoqueronempensarnesteassunto!”314Inicialmente, no tumulto de suas aflições, Vitória declarou que não podia ver seus ministros, e a

princesaAlice,assistidaporSirCharlesPhipps,otesoureirodaBolsaPrivada,desempenhou,dandoomelhordesi,asfunçõesdeumintermediário.Poucassemanasdepois,porém,ogabinete,porintermédiode lorde John Russell, decidiu prevenir a rainha de que aquilo não poderia continuar assim.315 Elapercebeuqueelesestavamcertos:Albertteriaconcordadocomeles;eentãomandouchamaroprimeiro-ministro.Masquando lordePalmerston chegouaOsborne, gozandode esplêndida saúde, ágil, comassuíças recém-tingidas e usando um sobretudomarrom, calças cinza-claro, luvas verdes e abotoadurasazuis,elenãocausoumuitoboaimpressão.316Todavia,Vitóriaacabaraligando-seaoseuantigoinimigo,eopensamentodeumamudançapolíticaa

enchiadeapreensãoeagitação.Elasabiaqueogovernopoderiacairaqualquermomento;elasentiaquenãoseriacapazdeenfrentarmaisestaeventualidade;portanto,seismesesapósamortedopríncipe,elatomou a medida, sem precedentes, de enviar uma mensagem confidencial a lorde Derby, líder daoposição, informando-lhequenãoseencontravanumestadodeespíritonemcomsaúdesuficienteparasuportaraansiedadedeumatrocadegoverno,eque,seeleforçasseasaídadosatuaisministros,estariapondoemriscoavidadarainha–ouasuarazão.LordeDerbyficoubastantesurpresoaoreceberestamensagem.“MeuDeus!”,foiseucomentáriocínico.“Eunãosabiaqueelagostavatantodeles!”317Apesar de a violência de suas perturbações ceder gradualmente, a alegria de Vitória nunca mais

voltou.Durantemeses,duranteanos,elacontinuoudominadaporumatristezainfinita.Suavidapassouaser de um isolamento quase absoluto. Vestindo sempre pesados crepes, ela ia desconsoladamente deWindsor a Osborne, e daí a Balmoral. Raramente visitava a capital e se recusava a participar decerimônias públicas furtando-se ao menor contato com a sociedade, Vitória se tornou quase umadesconhecida para os seus súditos, como um daqueles potentados do Oriente. Eles sussurravam àvontade,mas não compreendiam.Oque ela tinha a ver comespetáculos e diversões fúteis?Não!Elaestavaabsortaempreocupaçõesmuitodiferentes.Elaeraaguardiãdevotadadeumaverdadesagrada.Oseulugareraosantuáriomaisíntimodacasaenlutada–ondesóelatinhaodireitodeentrar,ondesóelapodia sentir os eflúvios de uma presença misteriosa, e interpretar, ainda que vaga e debilmente, asinspirações ditadas por uma alma que ainda vivia. Este, e apenas este, era o seu dever, glorioso eterrível.Porquede fatoera terrível.Àmedidaquepassavamosanos, suadepressãopareciase tornarmaisprofunda, emais intensa a sua solidão. “Sinto-mecomose estivesse sobreum tristepináculodegrandeza solitária”, disse ela.318 Diversas vezes,Vitória sentiu que não poderiamais suportar aquelasituação–queelacederiaaopesodador.Mas,então,aquelavoz imediatamentese faziaouvir:eelareunianovamentesuasforçasparadesempenhar,comamáximaconsciência,asuatarefacruelesagrada.Acimadetudo,oqueVitóriatinhaafazereratornarseuoimpulsodominantedavidadeAlbert–ela

deviatrabalhar,comoeletrabalhou,aserviçodopaís.Deagoraemdiante,cabiaaelasuportaraenormecargaderesponsabilidadesqueeletomarasobreosombros.Elaassumiuofardoimenso;e,naturalmente,cambaleousobseupeso.QuandoAlbertvivia,elatrabalhavacomregularidadeeaplicação;maseraumtrabalhoqueocuidado,osconselhosea infalibilidadedomaridotornavamfácileagradável.Bastavaouvir o som de sua voz pedindo que assinasse um papel para ela ficar comovida; na sua companhia,sentia-secapazdetrabalharincessantemente.Agora,porém,asituaçãoeraterrivelmentediferente.Elajánãoencontrava,comonopassado,listasepilhasdedocumentosorganizadossobalâmpadadeleitura;agoranãohaviamaisexplicaçõessimples;agoranãohaviamaisninguémparalhedizeroqueeracertoeoqueeraerrado.Elatinhaseussecretários,semdúvida:haviaSirCharlesPhipps,eogeneralGrey,e

SirThomasBiddulph;ecertamenteelesdavamomelhordesi.Maserammerossubordinados: todoopesodainiciativaedasresponsabilidadescaíasobreela,exclusivamente.Porqueassimdeviaser.“Euestoudeterminada”–nãoforaestaasuadeclaração?–“anãopermitirquepessoaalgumavenhadirigir,guiarouditarmeusatos”;qualquercoisadiferenteseriaumatraiçãodaconfiançadarainha.Elaseguiriaopríncipeemtudo.Eleserecusavaadelegarautoridade;eleexaminavacadadetalhecomseusprópriosolhos;eletinhaporregrajamaisassinarumdocumentosemantesnãoapenasoterlidocomatenção,mastambémsemtertomadonotassobreele.Elafariaexatamenteomesmo.Ficariasentadadamanhãatéanoite,lendoeescrevendoemsuaescrivaninha–emsuaescrivaninha,queagora,infelizmente,eraaúnicanoaposento.319Dois anos após a morte de Albert, uma perturbação violenta na política externa pôs à prova a

fidelidadedeVitória.AassustadoraquestãoSchleswig-Holstein,quevinhasearrastandofaziamaisdeumadécada,davasinaisdequeagorairiairrompersobaformadeumaconflagração.Acomplexidadedocasoeraindescritível.“Somentetrêspessoas”,afirmouPalmerston,“chegaramacompreenderrealmentea questão Schleswig-Holstein: o príncipe consorte, que está morto, um professor alemão, queenlouqueceu,eeu,que jáesqueci tudoarespeitodela.”320Mas,apesardeopríncipe termorrido,nãotinhadeixadoatrásdesiumvice-gerente?Vitóriaatirou-seàsoluçãodaquelefervilhanteimbroglio,comtodooseuvigoreinspiração.Dedicavaváriashoraspordiaaestudartodososdetalhesdaquestão,comumaúnicapistapara sairdo labirinto: em todasasocasiõesemqueoassunto foradiscutido–ela selembravaperfeitamentedisso–AlbertsempretomaraopartidodaPrússia.Elatornou-se,portanto,umadefensoraveementedosinteressesdaPrússia.Eraumlegadodopríncipe,eladizia.321Nãoentendiaquea Prússia da época do príncipe estava morta, e que uma nova Prússia, a Prússia de Bismarck, tinhanascido.TalvezPalmerston,comsuaestranhaantevisão,apreendesseinstintivamenteonovoperigo;dequalquer forma, ele e lorde John estavam de acordo quanto a apoiar a Dinamarca contra asreivindicaçõesdaPrússia.Masasopiniõesestavamagudamentedivididas,não somentenopaís comotambémnogabinete.Acontrovérsiacontinuoupormais18meses;earainha,comveementepersistência,se opunha ao primeiro-ministro e ao secretário do Exterior. Quando finalmente veio a crise final –quando parecia possível que a Inglaterra juntasse suas forças às da Dinamarca contra a Prússia – aagitaçãodeVitóriaadquiriuumaintensidadefebril.Paraosseusparentesalemães,elapreservavaumadiscreta aparênciade imparcialidade;mas ela despejava sobre seusministrosuma torrentede apelos,protestose recriminações. Invocava,nessasocasiões,acausasagradadapaz:“AúnicamaneiradeseconservarapaznaEuropa”,escreveuela,

énãoapoiaraDinamarca,pois foiela, exclusivamente,que iniciou tudo isso (...).ARainhaestásofrendomuito, e seus nervos estão cada vez mais abalados (...). No entanto, embora toda estaansiedade a esteja exaurindo, não conseguirá abalar a sua firme resolução de resistir a qualquertentativadeenvolveropaísnumconflitoloucoeinútil.

Ela estava, declarou, “preparada para enfrentar as consequências”, mesmo que aquilo implicasse opedido de demissão do secretário do Exterior.322 “A rainha”, disse ela a lorde Granville, “estácompletamenteexauridapelaansiedadeepelaexpectativaesentedeumamaneirahorrívelafaltadeseuqueridomarido,deseusconselhos,desuaajuda,deseuapoioedesuaafeição.”Osesforçosparamanterapazadeixaramtãoexauridaqueela“malconseguialevantaracabeçaouatémesmosegurarapena.”323AInglaterranãoentrouemguerra,eaDinamarcafoientregueàsuaprópriasorte;masemquemedidaaatitudedarainhacontribuiuparaesteresultadoéimpossíveldizer,comonossoconhecimentopresente.Demaneirageral,pareceprovávelqueofatordeterminantenasituaçãotenhasidoapoderosabancada

pacifistadogabinete,muitomaisdoqueapatéticaeimperiosapressãodeVitória.Dequalquermaneira,ocertoéqueoentusiasmoda rainhapelacausasagradadapazduroupouco.

Dentrodealgunsmeses,suasopiniõeseramcompletamentediferentes.SeusolhosagoraestavamabertosemrelaçãoàverdadeiranaturezadapolíticadaPrússia,cujosplanoscontraaÁustriaestavamprestesadesembocar na Guerra das Sete Semanas. Passando precipitadamente de um extremo a outro, VitóriaagoraincitavaosministrosainterferirpelaforçadasarmasnadefesadaÁustria.Masseusapelosforamemvão.324Suaatividadepolítica,bemcomooseuisolamentosocialnãoeramaprovadospelopúblico.Àmedida

queosanospassavameolutorealpermaneciatãofechadocomosempre,aanimosidadetornava-semaisintensaesevera.Foiobservadoqueasolidãoprolongadadarainhanãoapenasprojetavaumasombrasobreaaltasociedade,privandoapopulaçãodesuapompa,comotambémexerciaumefeitoaltamentedeletériosobreasconfecçõesdevestidos,chapéusemeias.Estasúltimasconsideraçõesacabaramtendoumgrandepeso.Finalmente,noiníciode1864,correuoboatodequeSuaMajestadesepreparavaparadeixaro luto,ehouvemuitoregozijonos jornais;mas infelizmenteficoudemonstradoqueoboatonãotinhafundamento.VitóriaescreveudeprópriopunhoumacartaaoTimesparadizer isso.“Esta ideia”,declarouela,“nuncapoderásersuficientementedesmentida.”“Arainha”,prosseguiaacarta,

aprecia de coração o desejo que os seus súditosmanifestamde verem-na, e ela fará tudo o quepuderparaatenderaestedesejolealeafetuoso(...).Existem,porém,outrosdeveres,maiselevadosqueodarepresentação,quearainhadevecumpriragora,sozinhaesemajuda;deveresqueelanãopoderánegligenciarsemcomprometeroserviçopúblico,equelhepesamincessantementesobreosombros,sobrecarregando-adetrabalhoeansiedade.325

Ajustificativapoderiaserconsideradamaisprementesenãofossedoconhecimentogeralqueaqueles“outros e mais elevados deveres” que ela grifava consistiam sobretudo no empenho em interferir napolíticaexternadePalmerstonelordeJohnRussell.Umagrandeparceladanação–talvezamaioria–eracompostadepartidáriosviolentosdaDinamarcanaquerelaSchleswig-Holstein;eoapoiodeVitóriaà Prússia foi amplamente divulgado. Estava começando uma onda de impopularidade, que fez antigosobservadoresse lembraremdoperíodoqueprecedeuocasamentodarainha,maisde25anosantes.Aimprensaerahostil;lordeEllenboroughcriticouarainhanaCâmaradosLordes;nasaltasesferascorriamboatoscuriososdandocontadequeelapensavaemabdicar–boatosseguidosde lamentaçõesporelanão o ter feito.326 Ferida e ultrajada, Vitória sentia que estava sendo mal compreendida. Ela estavaprofundamente infeliz.Depoisdodiscursode lordeEllenborough,ogeneralGreydeclarouque“nuncatinha visto a rainha tão completamente transtornada”. “Oh, como é horrível estar sob suspeita –desestimulada,desorientadaedesaconselhada–ecomoapobrerainhasesentesozinha!”327Todavia,pormaisquesofresse,elacontinuavaresolutacomosempre;nãoseafastaraumfiodecabelosequerdalinhadecondutaquetraçara;elaseriafielatéofim.E,assim,quandoaquestãoSchleswig-Holsteinjáestavaesquecida,eatémesmoaimagemdopríncipe

estava começando a se apagar da caprichosa memória dos homens, a sentinela solitária permaneciainalteravelmenteconcentradaemsuatarefapeculiar.Ahostilidadedomundo,quecresciarapidamente,sechocava com a impenetrável tristeza de Vitória. Será que o mundo jamais compreenderia? Não eraapenas amágoa que amantinha tão estranhamente afastada; era a devoção, era a autoimolação, era olegado laborioso do amor. Incessantemente, a pena semovia sobre o papel tarjadode negro.A carnepodia ser fraca,mas ela carregaria o seu vastíssimo fardo.Contudo, se omundo não a compreendia,felizmenteexistiamamigosfiéisqueofaziam.Havia lordeGranville,ehaviaobondosoSr.Theodore

Martin.Talvezesteúltimo,queeratãointeligente,encontrasseumamaneiradefazeropovoentenderoquesepassava.Vitória lheenviariaumacarta,enfatizandooseuárduotrabalhoeasdificuldadescomquelutava,eentãoelepoderia,porexemplo,escreverumartigoarespeitodissonumarevista.“Nãoé”,elalheafirmouem1863,“amágoadarainhaqueamantémisolada(...)”

É o seu trabalho extraordinário e a sua saúde, gravemente abalada pela tristeza e pela enormequantidadedetarefaseresponsabilidades–tarefasqueelarealmentesentequeaestãoesgotando.AliceHelpsficouperplexaaoveroquartodarainha,e,seaSra.Martintambémovir,elapoderácontaraoSr.Martinovolumedepapéisquecercaasoberana.Dahoraemqueelase levantadacama até a hora em que se deita, há trabalho, trabalho, trabalho – cartas, petições etc., que sãoterrivelmenteexaustivas–e seelanãopudesse repousarànoite,provavelmentenãoestariamaisviva.Seucérebroestáconstantementesobrecarregado.328

Eissoerabemverdade.

III

DarcontinuidadeaotrabalhodeAlbert–esteeraoseuprimeirodever;mashaviaoutro,inferiorapenasaeste,etalvezmaispróximo,sepossível,deseucoração–imprimiraverdadeiranaturezadogênioedocaráterdeAlbertnosespíritosdeseussúditos.Elapercebeuque,aolongodesuavida,elesnãotinhamsidodevidamenteapreciados;aextensão totalde seuspodereseaqualidadesupremadesuabondadetinhampermanecidonecessariamenteocultas;masamortetinharemovidoanecessidadedebarreiras,eagorao seumaridosurgiriaaosolhosde todosemsuamagnífica integridade.Elaentregou-seà tarefametodicamente. Encarregou Sir Arthur Helps de organizar e publicar uma coletânea de palestras ediscursos do príncipe, e o pesado volume apareceu em 1862. Então pediu ao general Grey queescrevesseahistóriadosprimeirosanosdavidadopríncipe–doseunascimentoaoseucasamento;elaprópriafezoprojetográficodo livro,alémdecontribuircomdiversosdocumentosconfidenciaisedeescrever numerosas notas; o general Grey a atendeu, e a obra foi completada em 1866.Mas a parteprincipal dahistória ainda estavapor contar, e oSr.Martin foi semdemora instruído a escrever umabiografiacompletadopríncipeconsorte.OSr.Martintrabalhoudurante14anos.Amassadeinformaçõescomqueeletinhaquelidareraquaseinacreditável,maseleeraextremamentelaborioso,alémdegozar,durante todo o período, da graciosa assistência de SuaMajestade.O primeiro e alentado volume foipublicadoem1874;outrosquatroseseguiramlentamente;deformaquesóem1880aobramonumentalestavacompleta.329OSr.Martin foi recompensado como título de cavalheiro; contudo estava tristemente evidente que

nemSirTheodorenemseuspredecessores tinhamalcançadoopropósitoalmejadopela rainha.Talvezela tivesse sidopouco felizaoescolhê-los,mas,na realidade,a responsabilidadepelo fracassodeviacairsobreaprópriaVitória.SirTheodoreeosdemaiscumpriramfielmenteatarefaqueelalhesimpôs–exibirfielmenteaopúblicoa imagemdeAlbert, talcomoelaestavapresentenoespíritodeVitória.Oinconvenientefatalfoiqueopúbliconãoachouaquelaimagematraente.AnaturezaemocionaldeVitória,muitomaisnotávelpelovigorquepelasutileza,rejeitandotudooqueaperspicáciaouaironiapudessemsugerir,sóficariasatisfeitacomoabsolutoeocategórico.Quandoalgoadesagradava,elapunhatantaênfase neste sentimento que o objeto de sua repulsa era imediatamente afastado do raio de suasconsiderações;nasrelaçõesafetivas,seussentimentoseramsemelhantes.NocasodeAlbert,suapaixão

pelos superlativos atingiu seu pontomáximo. Imaginá-lo aquémda perfeição – perfeito na virtude, nasabedoria,nabeleza,emtodasasglóriasegraçasmasculinas–teriasidoumablasfêmiaimpensável:eleeraperfeito,eeraassimqueeledeviasermostrado.EfoiassimqueSirArthur,SirTheodoreeogeneralo pintaram. Nas circunstâncias, e sob tal supervisão, fazer qualquer coisa diferente exigiria talentosconsideravelmentemaioresdoqueoqueaquelescavalheirosdemonstravam.Masissonãofoitudo.Poruma curiosa falta de sorte,Vitória também contratou os serviços de outro escritor cujo talento estavaacimadequalquerdúvida.OpoetaLaureado,adotando,porconvicçãooucomplacência,o tomdesuasoberana,seuniuaocorodelouvores,acrescentandoàfórmularealamágicaressonânciadapoesia.Issoresolveriaaquestão.Dali emdiante seria impossível esquecerqueAlbertusaraabranca flordeumavidaimaculada.Todavia, o resultado foi duplamente infeliz. Desapontada e triste, Vitória se ressentiu contra o seu

povo,queserecusava,apesardetodososseusesforços,areconhecerodevidovalordeseumarido.Elanão entendia como a descrição da perfeição absoluta podia desagradar à maioria da humanidade. Omotivonãoseriatantoainvejadeumsertãoperfeito,masasuspeitadequeelenãofossehumano;oqueaconteceufoique,quandoopúblicoviudiantedesi,paraseradmirada,umafiguraqueseassemelhavaaoheróiaçucaradodeumlivrodefábulasmorais,emvezdeumsemelhante,decarneeosso,voltou-lheascostasdandodeombros,sorrindoegracejandocomironiaeleviandade.Masaquiopúblicoperdiatanto quanto Vitória. Pois, na verdade, Albert era um personagemmuito mais interessante do que seimaginava.Mas,porumacuriosaironia,oamordarainhaquisfixarnaimaginaçãopopularaimagemdeumaestátuadeceraimpecável,enquantoacriaturaqueelarepresentava–acriaturareal, tãocheiadeenergia,tensãoetormento,tãomisteriosaeinfeliz,etãofalível,etãohumana–desapareciaparasempre.

IV

Palavras e livros podem ser memoriais ambíguos; mas quem poderia interpretar equivocadamente asolidezvisíveldobronzeedapedra?EmFrogmore,pertodeWindsor,ondeestavaenterradasuamãe,Vitóriafezconstruir,aocustode200millibras,umvastoerebuscadomausoléuparaelaeseumarido.330Aquele,contudo,nãopassavadeummonumentoparticularedoméstico,earainhaqueriaque,ondequerquesereunissem,seussúditossemprefossemlembradosdopríncipe,quejánãoestavamaisentreeles.Odesejofoirealizado;emtodoopaís–emAberdeen,emPertheemWolverhampton–foramerguidasestátuasdopríncipe,efoiaprópriarainhaquemasinaugurou,quebrandooisolamentoqueseimpusera,descobrindo-asaosolhosdopovo.Nacapital,foiamesmacoisa.Ummêsdepoisdamortedopríncipe,foiconvocadaumareuniãoemMansionHouseparasediscutirqualseriaamelhormaneiradehonrarasuamemória.Masasopiniõessobreoassuntoestavamdivididas.Oqueeramelhor,umaestátuaouumainstituição?Enquantoseresolviaocaso,foiabertaumasubscrição;foicriadoumcomitêinfluente,queconsultoua rainha sobreos seusdesejosnaquelamatéria.SuaMajestade respondeuqueprefeririaumobeliscoemgranito,comesculturasemsuabase,aumainstituição.Masocomitêhesitou:umobelisco,paraserdignodonome,precisaserclaramenteummonólito;eondeencontraremtodaaInglaterraumapedreiracapazdefornecerumblocodegranitocomaquelasdimensões?ÉverdadequehaviagranitonaFinlândia russa,masocomitê foialertadodequeomaterialnãoseadaptavaàexposiçãoaoar livre.Destaforma,acabaramsugerindoaconstruçãodeumprédiomemorialcomumaestátuadopríncipe;SuaMajestadeassentiu;masentãosurgiuoutradificuldade.Verificou-sequeasubscriçãosótinhaalcançadoasomade60millibras,insuficienteparacobriradupladespesa.Abandonaram,então,aideiadoprédio;apenasaestátuaseriaerguida;váriosarquitetoseminentesforamconvidadosaapresentarseusprojetos.Nessaaltura,ocomitê jádispunhade120mil libras,poisopovosubscreveramais10mil libraseo

Parlamento votara a aprovação de outras 50 mil. Poucos anos depois foi criada, com instalaçõespróprias,umasociedadeanônimadeinvestimentoprivado,aAlbertHall.331Oarquitetocujoprojetofoiselecionado,tantopelocomitêquantopelarainha,foioSr.GilbertScott,

cujo trabalho, valor e autêntica devoção o tinham conduzido ao topo de sua profissão. O zelo quedemonstrouavidainteiraaoestilogóticolhevaleuumaespecialproeminência,eoseutrabalhomanualera sempre visível, não somente em diversas construções originais, como também na maioria dascatedraisdaInglaterra.Devezemquando,ouviam-seprotestoscontraassuasinovações;masoSr.Scottrespondiacomtalenergiaeironia,pormeiodeartigosepanfletos,queacabavaconquistandotodososdeões,queautorizavamoprosseguimentodeseutrabalho,seminterrupções.Houveumcaso,porém,emque a sua devoção ao estilo gótico o colocounuma situação bastante desagradável.Os escritórios dogoverno,emWhitehall,precisavamserreconstruídos;oSr.Scottentrounaconcorrência,eoseuprojetosaiu vitorioso. Este era, naturalmente, em estilo gótico, combinando “uma certa horizontalidade e umrigor do esboço” com pilastras, frontões, tetos altos e águas-furtadas; quanto aos desenhos, segundoafirmouopróprioSr.Scott,“eramtalvezosmelhores,ouquase, jáenviadosaumconcurso”.Apósascostumeiras dificuldades e adiamentos, o trabalho parecia prestes a ser executado quando houve amudança no governo, e lorde Palmerston se tornou primeiro-ministro. Lorde Palmerston convocouimediatamente o Sr. Scott. “Bem, Sr. Scott”, disse ele, com seu tom petulante, “eu não gosto nem umpoucodesseestilogótico.Insistoquesejafeitoumprojetoemestiloitaliano,etenhocertezadequeosenhorpoderáfazê-lomuitobem”.OSr.Scottficouestupefato;oestilodaRenascençaitalianaeranãosomente feio, mas positivamente imoral, e ele se recusava firmemente a imiscuir-se com uma coisadaquelas.Namesmahora,lordePalmerstonassumiuumtompaternal:“Éverdade;nãosepodeesperarque um arquiteto gótico projete um prédio clássico; terei que procurar outra pessoa.” Aquilo eraintolerável, e o Sr. Scott, regressando à sua casa, escreveu uma carta veemente ao primeiro-ministro,enfatizandoasuaposiçãocomoarquiteto,osdoisprêmiosquereceberaemconcursoseuropeus,eofatode ser ummembro daA.R.A. (Academia Real de Arquitetura), um ganhador damedalha de ouro doInstituto,alémdeprofessordearquitetura;masfoiinútil;lordePalmerstonnemsequerrespondeu.EntãoocorreuaScottaideiadeque,comumamesclajudiciosa,elepoderiatalvezpreservarocarátergóticoessencial,elaborandoumprojetoquedesseuma impressãosuperficialdeestiloclássico.Assimofez,semproduzirnenhumefeitoemlordePalmerston.Onovoprojeto,Palmerstonafirmou,“nãoeranemumacoisanemoutra–nãopassavadeumamisturadeformada”– e ele tampoucogostavadaquilo.Depoisdisso o Sr. Scott julgou necessário passar dois meses em Scarborough “fazendo um tratamento comquinino”.Finalmenteeleserecuperou,eacaboupagandoopreçodeabrirmãodesuasconvicções.Poramoràsuafamília,elesesentiatristementeobrigadoaobedeceraoprimeiro-ministro;trêmulodehorror,eleconstruiuasnovasinstalaçõesdogovernoempuroestilorenascentista.Mas,poucodepoisdisso,oSr.ScottencontroualgumconsoloaoconstruiroHotelSt.Pancrasemseu

próprioestilo.332Eagora lhecabiaumanovaeaindamaisgratificante tarefa.“Minha ideiaaoprojetaroMemorial”,

escreveuele,

eraerigirumaespéciedecibórioparaprotegeraestátuadopríncipe;umacaracterísticaespecialera que este cibório seria elaborado, em alguma medida, segundo os princípios dos antigossantuários. Estes santuários erammodelos de construções imaginárias, já que na realidade nuncaforam erguidos; e a minha ideia era reproduzir uma dessas estruturas imaginárias, com seusmateriaispreciosos,suasincrustações,seusesmaltesetc.,etc.333

A ideia era particularmente adequada, já que uma concepção semelhante, embora em dimensõesdiferentes, ocorrera ao próprio príncipe, que projetara e construíra diversas galheteiras emminiaturabaseadas nomesmomodelo. A pedido da rainha, foi escolhido um lugar emKensingtonGardens tãopróximoquantopossíveldolocalondeserealizaraaGrandeExposição;e,emmaiode1864,otrabalhocomeçou.Aobraeralonga,complexaedifícil;umgrandenúmerodeoperáriosfoicontratado,alémdeváriosescultoresassistentesegravadoresdemetal,sobocomandodoSr.Scott;acadaetapaconcluída,apresentavam-se novos esboços e modelos a Sua Majestade, que analisava todos os detalhesmeticulosamenteefrequentementesugeriaalgumaprimoramento.

Ofrisoquecircundavaabasedomonumentoconstituíaumdostrabalhosesculturaismaisdifíceisjárealizados até então, consistindo em um círculo contínuo de figuras concebidas com minúcia,esculpidas em alto-relevo e em tamanho natural, commais de 60metros, contendo cerca de 170figuras,executadasnomármoremaisduroqueconseguiramencontrar.

Após três anos de trabalho, o Memorial ainda estava longe de ser concluído, e o Sr. Scott julgouaconselháveloferecerumbanqueteaosoperários“comoprovasubstancialdereconhecimentodoquantoapreciavaasuahabilidadeeoseuvigor.”“Duaslongasmesas”,disseram-nos,

feitas com tábuas de andaime foram improvisadas na oficina e cobertas por jornais, na falta detoalhas demesa.Do jantar participarammais de 80 homens. Foram servidos bifes de vaca e decarneiro,pudinsdeameixa,queijos, tudoemabundância;quemquisessepoderiabeber trêspints[medida equivalente a cerca de 580 ml] de cerveja, além de refrigerante e limonada para osabstêmios, que representavam uma parcela considerável (...). Foram feitos diversos brindes, emuitos operários discursaram, quase todos começando com “Graças a Deus temos boa saúde”;alguns aludiam à paz reinante entre eles, outros lembravam que raramente se ouviam pragas noambientedetrabalho,etodossedeclaravamfelizeseorgulhososdeparticiparemdeumaobratãograndiosa.

Gradualmente,oedifíciochegavapertodaconclusão.Aimagem,emtamanhonatural,quecompletavaas170figurasdofrisofoiesculpida,ascolunasdegranitoergueram-senoar,osmosaicosforaminseridosnosornamentosalegóricosdafachadaeasquatroestátuascolossais,representandoasmaioresvirtudesmorais, e os oito bronzes, representando as maiores ciências – Astronomia, Química, Geologia,Geografia, Retórica, Medicina, Filosofia e Fisiologia – foram fixados em seus pináculosresplandecentes,bemelevadosnoespaço.AestátuadaFisiologiaeraparticularmenteadmirada.“Noseubraçoesquerdo”,informa-nosadescriçãooficial,

ela carregaumbebê recém-nascido, comouma representaçãododesenvolvimentodamais alta eperfeitadasformasfisiológicas;amãoapontaparaummicroscópio, instrumentoqueprestaoseuauxílioàinvestigaçãodasmaisminúsculasformasdosorganismosanimaisevegetais.

Finalmente a cruz dourada coroou as galáxias de querubins superpostos; os quatro continentes, emmármorebranco, foramcolocadosnosquatro cantos dabase e, sete anosdepois de sua concepção, o

monumentofoifinalmenteabertoaopúblico,em1872.Mas ainda seriam necessáriosmais quatro anos para que ficasse pronta a figura central, que seria

colocada sobodossel estrelado.Ela foidesenhadapeloSr.Foley, emboranumpontoemparticularaliberdadedoartistatenhasidorestringidapeloSr.Scott.“Escolhiaposiçãosentada”,disseoSr.Scott,“porseramaisconvenienteparaindicaradignidadedeumpersonagemreal.”Habilmente,oSr.Foleyacatouadecisãodeseuchefe.“Naatitudeenaexpressão”,disseele,

o objetivo foi atingir, ao lado da individualidade do retrato, a personificação da linguagem, docaráteredasabedoriadopríncipe,procurando,aomesmotempo,passaraideiadeumainteligênciaqueestavaativamente,enãopassivamente,interessadanaquelasconquistasdacivilizaçãoilustradasnas figuras, nas imagens e nos relevos circundantes. Para identificar a figura com um dos maismemoráveisempreendimentosdopríncipe–aExposiçãoInternacionalde1851–umcatálogodasobras reunidasnaquelaprimeira reuniãoda indústriade todasasnaçõesfoicolocadonasuamãodireita.

A estátua era de bronze dourado e pesava quase 10 toneladas. Supunha-se, com razão, que a simplespalavra“Albert”,gravadanabase,seriaummeiosuficientedeidentificação.334

8Sr.GladstoneelordeBeaconsfield

I

A risadade lordePalmerston–aqueleestranhoemetálico“Ah!Ah!Ah!”,quereverberavadesdeosdiasdePittedoCongressodeViena–nãoeramaisouvidaemPicadilly;335 lordeJohnRussellestavaficandosenil; lordeDerbyabandonaraopalco.Umanovacenaseabria;enovosprotagonistas–oSr.GladstoneeoSr.Disraeli–lutavamjuntosnosbastidores.Desuavantajosaposição,Vitóriaobservavaesse progresso com o interesse apaixonado e pessoal que ela invariavelmente dedicava à política.Entretanto,suaatitudenaquelecasocausoucertasurpresa.GladstoneforaumdiscípulodeseuveneradoPeel,etinharecebidoaaprovaçãodeAlbert;oSr.DisraeliperseguiraSirRobertatéasuaqueda,comuma virulência terrível, e dele o príncipe dissera que “em sua composição não entrava um elementosequer de cavalheirismo”.336 Mesmo assim, ela via o Sr. Gladstone com uma desconfiança e umdesagradoquerapidamenteseacentuaram,aopassoqueprodigalizavaaoseurivalumaconfiança,umaestimaeumafetoirrestritos,numaintensidadequenemoprópriolordePalmerstonconhecera.SuaatitudeemrelaçãoaoministroTórimudarasubitamentequandoVitóriapercebeuquesomenteele,

entreoshomenspúblicos,adivinharaosseussentimentosnaépocadamortedeAlbert.Sobretodososoutroselapoderiadizer:“Apiedaram-sedemim,nãodaminhador”;aopassoqueoSr.Disraeli tinhaentendido tudo; e todas as suas condolências tinham assumido a forma de elogios reverentes ao quepartira.Arainhadeclarouqueeleera“aúnicapessoaqueadmiravaopríncipe”.337Elacomeçou,então,atratá-lo com especial deferência; ofereceu, a ele e a sua esposa, dois dos lugaresmais cobiçados nacapeladeSt.GeorgenocasamentodopríncipedeGales,econvidou-oapassarumanoiteemWindsor.QuandoaverbaparaoMemorialdeAlbertfoiaprovadapelaCâmaradosComuns,Disraeli,comolíderdaoposição,apoioueloquentementeoprojeto.Elefoirecompensadocomumexemplardacoletâneade

discursosdopríncipe,encadernadoemmarroquimbranco,etrazendoumainscriçãotraçadapelaprópriamão real. Em sua carta de agradecimento, ele ousou “tocar num tema sagrado”, e num estilo querepercutia, com sábia fidelidade, os sentimentos de sua correspondente, estendeu-se longamente naanálisedaperfeiçãoabsolutadeAlbert.“Opríncipe”,afirmavaele,

foiaúnicapessoaqueoSr.Disraelijáconheceuquepersonificavaoideal.Nenhumoutrodeseusconhecidossequerseaproximaradisso.Nelehaviaumauniãodagraçamasculinaedasimplicidadesublime,docavalheirismoedoesplendor intelectualdaAcademiaÁtica.Oúnicopersonagemdahistória inglesa que poderia, em alguns aspectos, ser comparado a ele, era Sir Philip Sidney: omesmo tom elevado, a mesma cultura universal, a mesma mescla de ternura e vigor, a mesmacombinaçãodeenergiaromânticaeserenidadeclássica.

Quantoaoseuprópriorelacionamentocomopríncipe,fora“umdosmaisfelizesacontecimentosdasuavida: repleto de lembranças belas e refinadas e sempre exercendo, como ele sentia, uma influênciacalmanteeencorajadorapelorestodesuaexistência.”Vitóriacomoveu-semuitocom“aprofundidadeeadelicadezadaquelessentimentos”;e,apartirdali,Disraeliteveseulugarasseguradoentreasafeiçõesda rainha.338 Quando, em 1866, os conservadores subiram ao poder, a posição de Disraeli comochanceler doTesouro e líder daCâmara fez naturalmente com que ele se aproximasse aindamais dasoberana.Doisanosdepois, lordeDerbysedemitiu, eVitória, comgrandeprazerecheiadepeculiargraciosidade,deuasboas-vindasaDisraelicomoprimeiro-ministro.339Maselesópermaneceunopoderdurantenoveagitadosmeses.Oministério,emminorianaCâmara

dosComuns,foidissolvidoporumaeleiçãogeral.Mesmoassim,nofinaldesseperíodo,os laçosqueuniam a rainha e seu premier estavammais fortes do que nunca; a relação entre os dois já não erameramenteaquelaentreumasenhoraagradecidaeumservodevotado:eleseramverdadeirosamigos.Ascartas oficiais que elemandava à rainha, nas quais o elemento pessoal sempre é visível, tornaram-severdadeirosrelatóriosdasnovidadespolíticasecomentáriosdosacontecimentossociais,escritos,comodiziaClarendon,“emseumelhorestilonovelesco”.Vitóriaestavaencantada;declarouquenuncanavidareceberacartascomoaquelas,enuncaestiveratãobeminformadasobre tudoquantoagora.340Porsuavez,arainha,chegadaaprimavera,lheenviouváriosbuquêsdeflores,colhidasporsuasprópriasmãos.Disraelilheofereceuentãoumacoleçãodeseusromances,apósoquearainhasedeclarou“muitograta,pois lhesdavamuitovalor”.Elaprópria tinhapublicado recentementeasPáginasdodiáriodenossavidanaEscócia,eobservou-sequeoprimeiro-ministro,quandoconversavacomSuaMajestadenesseperíodo, empregava constantemente as palavras “nós, autores, Senhora”.341 Nas questões políticas, arainhaeraoseumelhorsuporte.“Sinceramente,nuncaseviuumacondutasemelhanteàquetemagoraaoposição”,escreveuela.EquandoogovernofoiderrotadonaCâmara,elaficou“realmentechocadacomaformacomoprocedeaCâmaradosComuns;elesrealmentedesacreditamogovernoconstitucional”.342Vitória temia a perspectiva demais umamudança; ela receava que, se os liberais insistissem emdarautonomia à Igreja irlandesa, isso poderia ir de encontro ao Juramento da Coroação.343 Mas algumamudançaerainevitável,eVitóriatentouemvãoconsolar-sedaperdadeseuministrofavoritoconferindootítulodePardoReinoàSra.Disraeli.O Sr. Gladstone estava em mangas de camisa, em Hawarden, cortando uma árvore, quando lhe

trouxeramamensagemreal.“Muitosignificativo”,observouele,apósleracarta,econtinuouacortaraárvore.Seuspensamentossecretosnaocasiãoerammaisexplícitoseforamregistradosemseudiário.“OTodo-Poderoso”,escreveuele,“pareceestarmereservandoparaalgumdesígniodeSuavontade,emboraeumeconsidereprofundamenteindignodisso.GlóriaaoSeunome!”344

Arainha,porém,nãocompartilhavaaopiniãodeseuprimeiro-ministrosobreasintençõesdoTodo-Poderoso.ElanãoacreditavaquehaviaumdesígniodivinoaserdescobertonoprogramademudançasradicaisqueoSr.Gladstoneestavadeterminadoaconduzir.Masoqueelapodiafazer?OSr.Gladstone,comsuaenergiademoníacaesuapoderosamaiorianaCâmaradosComuns,erairresistível;e,durantecinco anos (1869-1874), Vitória se viu condenada a viver emmeio à atmosfera agitada de reformasintermináveis–areformadaIgrejaIrlandesaedosistematerritorialirlandês,areformadaeducação,areformadaseleiçõesparlamentares,a reformadaorganizaçãodoExércitoedaMarinha,a reformadaAdministraçãodaJustiça.Eladesaprovava,lutava,seenfurecia;elasentiaque,seAlbertaindavivesse,as coisas não aconteceriam daquele modo; mas seus protestos e reclamações eram igualmenteinconsequentes.Osimplesesforçodelidarcomaavalanchededocumentosquelhechegavamàsmãos,num fluxo cada vez maior, era terrivelmente cansativo. Quando lhe trouxeram o longo e intricadodocumento daLei da Igreja da Irlanda, acompanhado de uma carta explanatória doSr.Gladstone queenchia12páginasdepapelemletraspequenas,elaquasesedesesperou.Vitóriapassavadotextodaleiàexplicação, e de volta da explicação ao texto da lei, e não conseguia decidir qual dos dois eramaisconfuso.Maselatinhaquecumpriroseudever;tinhanãosomentequeler,mastambémfazeranotações.Porfim,elaentregoutodaapapeladaaoSr.Martin,quenaocasiãoestavaemOsborne,pedindo-lhequefizesseumresumode tudo.345Quandoeleo fez,adesaprovaçãodeVitóriaàmedida ficouaindamaisfortedoqueantes;masopoderdogovernoeratantoqueelapraticamenteseviuforçadaaselimitarapedirmoderaçãoàoposição,poiscoisasaindapioresdeveriamsurgir.346Nomeiodessacrise,quandoo futuroda Igreja Irlandesaestavanabalança,aatençãodeVitóriase

voltouparaoutrareformaquetinhasidoproposta.Alguémsugeriraqueseautorizasseosmarinheirosausarembarba.“OSr.Childersdecidiualgumacoisaarespeitodasbarbas?”,escreveuarainha,ansiosa,aoprimeirolordedoAlmirantado.Deumamaneirageral,SuaMajestadeerafavorávelàmudança.“Aopiniãopessoaldarainhasobreoassunto”,escreveuela,

éfavorávelaqueseusembarbassembigodes, jáqueestes lhesdariamaaparênciadesoldados;masnestecasooobjetivoemvistanãoseriaalcançado,istoé,evitaranecessidadedesebarbear.Seriamelhor,portanto,autorizarabarbacompleta,desdequeaconservassemcurtaemuitolimpa.

Depoisdepensarnoassuntopormaisumasemana,arainhaescreveuumacartafinal.Ela“gostariadefazer uma observação adicional com relação às barbas”, declarou. “Isto é, que de forma alguma sejapermitidoousodebigodessembarbas.Estepontodeveficarbastanteclaro.”347MudançasnaMarinhapodiamser toleradas;mas se intrometeremnoExército eraumassuntomuito

mais sério.Desde tempos imemoriais existiaumaconexãoparticularmente íntimaentreoExército e acoroa;eAlbertvinhadedicandocadavezmaistempoeatençãoaosdetalhesdasquestõesmilitaresdoqueaoprocessodepinturasdeafrescosouaosplanosconcernentesàconstruçãodebanheirospúblicosparaospobresdevidadigna.Masagoraestavaparaacontecerumagrandemodificação.OSr.Gladstonese excedera, determinando que o comandante-chefe não mais ficasse sob a dependência direta dasoberana, tornando-se subordinado ao Parlamento e ao secretário de Estado da Guerra. De todas asreformasliberais,estaeraaquedespertavaoressentimentomaisamargoemVitória.Elaachavaqueamudançaeraumataquepessoalàsuaposição–equaseumataquepessoalàposiçãodeAlbert.Maselaestava impotente, e o primeiro-ministro seguiu em frente. Quando Vitória soube que aquele homemterrível ainda estava planejando outra reforma – abolindo a compra de comissõesmilitares – ela sópodiaconcluirqueeraissojustamenteoquedeviaseresperado.PorummomentoVitóriaesperouquea Câmara dos Lordes viesse em seu socorro; os pares se opuseram à modificação com inesperada

energia;masoSr.Gladstone,maisconscientedoquenuncadoapoiodoTodo-Poderoso,tinhaguardadoum artifício engenhoso. A compra das comissões tinha sido originalmente autorizada por umaOrdemReal;poisbem,agoraeladeveriaserabolidapelomesmorecurso.Vitóriasedeparoucomumdilemacurioso:elaabominavaaaboliçãodacompra;mas foisolicitadaaaboli-lanoexercíciodeseupodersoberano, o que lhe agradava muito. Ela não hesitou por muito tempo; e quando o gabinete, numdocumentoformal,aconselhou-aaassinarodecreto,elaofezdeboavontade.348PorinaceitávelquefosseapolíticadoSr.Gladstone,haviaoutracoisaarespeitodelequeeraainda

maisdesagradávelaVitória.Arainhanãotoleravaacondutapessoaldoministroemrelaçãoaela.NãoqueoSr.Gladstone,emseuscontatoscomVitória,demonstrassealgumafaltadecortesiaourespeito.Aocontrário,umareverênciaextraordináriapermeavaassuasmaneiras,tantonassuasconversasquantonasuacorrespondênciacomasoberana.Defato,comaqueleprofundoeapaixonadoconservadorismoque,até o fimde sua incrível carreira, davaumcolorido tão inesperado ao seu caráter inexplicável, oSr.GladstoneviaVitóriaatravésdeumvéuderespeitoquasereligioso–comoapersonificaçãosacrossantade tradiçõesveneráveis; ela era umelementovital naConstituiçãobritânica–uma rainhaporAtodoParlamento.Masinfelizmenteadamanãoapreciavaocumprimento.Aqueixabemconhecida–“Elemefalacomoseeufosseumaassembleiapública”–autênticaounão–eaconstruçãodafraseédefatoumpoucoepigramáticademaisparasergenuinamentevitoriana–semdúvidaexpressaoelementoessencialdasuaantipatia.Vitórianãofaziaobjeçãoalgumaaservistacomoumainstituição;poiselaeraumaesabiadissomuitobem.Maselatambémeraumamulher,eserconsideradaapenasumainstituição–istoeraintolerável.Destaforma, todoozeloeadevoçãodoSr.Gladstone,suasfrasescerimoniosas,suasmesurasexageradas,suaescrupulosacorreçãoforamtotalmentedesperdiçados;equando,emseuexcessode lealdade, ele foi além, atribuindo ao objeto de sua veneração, com uma obsequiosa cegueira, asutilezadointelecto,avastaleituraeoentusiasmogravequeeleprópriodemonstrava,omal-entendidofoicompleto.AdiferençaentreaVitóriarealeaquelaestranhadivindadecriadapelaimaginaçãodoSr.Gladstone acabou tendo resultados desastrosos. O desconforto e o desagrado da rainha acabaram setransformandoemfrancaanimosidade,e,emboraasuacondutacontinuasseimpecável,elanuncacedia,porummomentosequer;aopassoqueele,porsuavez,sentia-sederrotarpeladecepção,perplexidadeemortificação.349Mesmoassim,suafidelidadecontinuouinabalável.Quandoogabinetesereuniu,oprimeiro-ministro,

cheio de suas visões beatíficas, abriu os trabalhos lendo em voz alta as cartas que tinha recebido darainhasobreasquestõesdomomento.Aassembleiaficouemabsolutosilêncioàmedidaqueasfrasesreais, comas suasênfases, exclamaçõesepeculiaridadesgramaticais, saíamcomprofunda solenidadedoslábiosdoSr.Gladstone.Nemumcomentáriosequer,dequalquernatureza,foiouvido;e,apósumapausaapropriada,oministropassouaosassuntosdodia.350

II

PormenosqueVitóriaapreciasseaatitudedeseuprimeiro-ministro,elareconheciaqueissoapresentavaalgumas vantagens.O descontentamento popular com o seu isolamento contínuo vinha ganhando forçahavia vários anos, e agora voltava a explodir com dimensões novas e alarmantes. O republicanismoestava no ar. O pensamento radical na Inglaterra, estimulado pela queda de Napoleão III e peloestabelecimentodeumgovernorepublicanonaFrança,em1848,subitamentesetornaramaisagudodoquenunca.Aomesmotempo,pelaprimeiravezessacorrentesetornavaquaserespeitável.Atéali,elaselimitara inteiramente às classes baixas. Mas, agora, até mesmo membros do Parlamento, doutosprofessores e damas da nobreza apoiavam abertamente as ideias mais subversivas. A monarquia era

atacadaaomesmotempona teoriaenaprática.Eeraatacadanumpontovital:alegava-sequeelaeracarademais.Quebenefícios,perguntava-se,anaçãocolhiaparacompensarasenormessomasqueeramdespendidas com a soberana?O retiro deVitória fornecia um pretexto desagradável para a tese. Foienfatizado que as funções cerimoniais da coroa tinham praticamente desaparecido; e permanecia emaberto a terrível questão de saber se as outras funções que ela continuava a desempenhar realmentejustificavam uma anuidade de 385 mil libras. O balanço das despesas reais foi cuidadosamenteexaminado.Surgiuumpanfletoanônimo,intitulado“Oqueelafazcomodinheiro?”,relatandoasituaçãodasfinançascommaliciosaclareza.Arainha,afirmavaopanfleto,recebiaporanoaquantia,outorgadapelaListaCivil,de60mil libraspara seuusoparticular;maso restantede suagenerosaanuidade sedestinava, segundodeclaravaaAta, a “satisfazer asdespesasdaCasaReal e apreservarahonraeadignidade da coroa”.Mas era evidente que, depois da morte do príncipe, os gastos com esses doispropósitostinhamdiminuídoconsideravelmente,eeradifícilresistiràconclusãodequeumaboapartedaquelaenormequantiaestavasendodesviadaanualmentedosusosdeterminadospeloParlamento,indoengrossarafortunaparticulardeVitória.Eraimpossíveldescobrirovalorexatodestafortunaparticular;mashaviarazõesparacrerqueeragigantesco;talvezchegasseàsomade5milhõesdelibras.Opanfletoprotestavacontraesteestadodecoisas,eseusprotestosforamrepetidoscomveemênciapelosjornaisenasassembleiaspúblicas.Emborasejacertoqueessaestimativadasriquezasdarainhafosseexagerada,éigualmentecertoqueelaeraumamulherextraordinariamenterica.Vitóriaprovavelmenteeconomizava20mil libras por ano da ListaCivil; as rendas do ducado de Lancaster não paravam de crescer; elaherdara umpatrimônio considerável dopríncipe consorte; e tinha recebido, em1852, umaherançademeio milhão de libras do Sr. John Neild, um excêntrico avarento. Nessas circunstâncias, não ésurpreendenteque,quandooParlamentofoisolicitadoavotarumabolsade30millibrasparaaprincesaLouise,em1872,porocasiãodeseucasamentocomofilhomaisvelhododuquedeArgyll,alémdeumaanuidadede6millibras,agritariatenhasidoséria.351Paraapaziguaraopiniãopública,arainhaabriupessoalmenteassessõesdoParlamento,eaproposta

acabou sendo aprovada quase por unanimidade.Mas, poucosmeses depois, foi feito outro pedido: opríncipeArthuratingiraamaioridade,eanaçãoerainstadaalhepagarumaanuidadede15millibras.Agritariafoiredobrada.Artigosindignadosenchiamaspáginasdosjornais;Bradlaughtrovejoucontraos“pedintesprincipescos”paraumadasmaiores turbas jamaisvistasemTrafalgarSquare;eSirCharlesDilkeexpôsocasonumaassembleiarepublicanaeradicalemNewcastle.AanuidadedopríncipeacabousendoaprovadanaCâmaradosComunsporumaamplamaioria;masumaminoriade50membrosvotouafavordareduçãodasomapara10millibras.Emrelaçãoatodososaspectosdessadesagradávelquestão,oSr.Gladstonemanteveumaresistência

férrea. Ele desaprovava a extrema divisão de seus colegas. Declarou ser justo que a totalidade dasrendasdarainhaficasseàsuadisposiçãopessoal,argumentouqueprotestarcontraaseconomiasreaisera uma forma de estimular extravagâncias reais e acabou conseguindo que o Parlamento aprovasseaquelas anuidades altamente impopulares, que, segundo ele afirmava, estavam em estrito acordo comoutros precedentes.Quando, em1872,SirCharlesDilkevoltoumais umavez à carganaCâmaradosComuns,apresentandoumamoçãoparaumainvestigaçãocompletadasdespesasdarainha,comvistasaumareformaradicaldaListaCivil,oprimeiro-ministrotevequefazerusodetodososrecursosdesuapoderosaeengenhosaeloquênciaemdefesadacoroa.Elefoitotalmentebem-sucedido;eemmeioaumacenadegrandedesordem,amoçãofoirejeitadadeformaignominiosa.Vitóriarespiroucomalívio,masnemporissopassouagostarmaisdoSr.Gladstone.352Este era, talvez, o momento mais infeliz de sua vida. Os ministros, a imprensa, o povo, todos

conspiravam para envergonhá-la, acusá-la, interpretar mal suas ações, de uma forma antipática edesrespeitosa. A rainha era “uma mulher cruelmente incompreendida”, disse ela ao Sr. Martin,queixando-se amargamente dos ataques injustos que lhe faziam, e declarando que “as grandes

preocupações,ansiedadesedurastarefasquerealizarasozinha,semajuda,durantedezanosafio,jáemidade avançada e com uma saúde sempre frágil”, estavam acabando com ela e “quase a levavam aodesespero”.353Defato,asituaçãoeradeplorável.Eracomosesuaexistênciainteiraseperdesse;comoseumantagonismoirremediáveltivessecrescidoentrearainhaesuanação.SeVitóriativessemorridonocomeçodadécadade1870,nãorestadúvidadequeavozdomundoa teriaclassificadocomoumfracassocolossal.

III

MasaVitóriaestava reservadoumdestinomuitodiferente.Aexplosãodo republicanismonaverdadetinhasidoaúltimamanifestaçãodeumacausaperdida.Aondaliberal,quevinhacrescendocomfirmezadesde a Lei da Reforma, atingiu seu clímax na primeira administração do Sr. Gladstone; no final damesma,contudo,odeclínioinevitávelcomeçou.Areação,quandoveio,foisúbitaecompleta.Aeleiçãogeralde1874mudoucompletamenteafacedapolítica.OSr.Gladstoneeosliberaisforamvarridos;opartido Tóri, pela primeira vez depois de 40 anos, conquistava uma supremacia inquestionável naInglaterra.EraevidentequeaqueletriunfosurpreendentesedeviasobretudoàhabilidadeeaovigordeDisraeli.Elevoltouaoministériocomoolíderdúbiodeumahosteinsuficiente,masaosomdorufardetamboresecomasbandeirasdesfraldadas,comosefosseumheróiconquistador.EfoicomoumheróiconquistadorqueVitóriarecebeuoseunovoprimeiro-ministro.Então se seguiram seis anos de aventura, encantamento, felicidade, glória, romance. Aquele ser

impressionante,queagorafinalmente,aos70anos,depoisdeumavidainteiradelutasextraordinárias,tinhaconcretizadoumdossonhosmaisabsurdosdesua infância,sabiamuitobemcomoconquistar,deformaintegral,ocoraçãodasoberana–dequemsetornara,tãomilagrosamente,aomesmotempomestreecriado.Elesempresoubera leroscoraçõesdasmulherescomoumlivroaberto.Todaasuacarreiragiraraemtornodaquelascuriosascriaturas;e,quantomaiscuriosaselasfossem,maisàvontadeaoladodelas eleparecia ficar.Mas ladyBeaconsfield, coma sua louca idolatria, e aSra.Brydges-Williams,com suas trapalhadas, sua corpulência e sua herança, já tinham partido, e um fenômeno ainda maisnotávelocupouoseulugar.Eleobservouoquetinhadiantedesicomoolhardeummestreconsumado;enão ficou em dúvida ummomento sequer. Disraeli percebeu tudo em Vitória – as complexidades decircunstância e caráter, o orgulho da posição inextricavelmente mesclado à arrogância pessoal, oemocionalismosuperabundante,aingenuidadedavisãodemundo,asólidaelaboriosarespeitabilidade,aqui e ali atravessada, de forma tão incongruente, pela necessidade temperamental de algo estranho ecolorido, as singulares limitações intelectuais e o misteriosamente essencial elemento feminino queimpregnava cadapartícula do conjunto.Umsorrisopairou em seus traços impassíveis, e ele apelidouVitóriade“aFada”.Onomeoencantava, jáque, comumaambiguidadeepigramática tãocaraao seucoração,eleexpressavacomexatidãoasuavisãodarainha.Aalusãospenserianatambémeraagradável– a evocação elegante de Gloriana; mas havia mais do que isso; havia a sugestão de uma criaturadiminuta, mas dotada de poderes mágicos – e míticos – tão intensos que faziam um contraste quaseridículocomasuaaparência.Daliemdiante,Disraelideterminou,aFadasómoveriaasuavarinhadecondãoparaele.Odesprendimentoésempreumaqualidaderara,etalvezsejaamaisraradetodasentreospolíticos;masaqueleveteranoegoístademonstravapossuí-lanumgrausupremo.Elenãoapenassabiaoquetinhaafazer;elenãoapenasofazia;eleestavaaomesmotemponopalcoenaplateia;eeraassimqueeleobservava,comograndedeleitedeumconnoisseur, cadaaspectodaquela situação intrigante,cadafasedaqueledelicadodrama,ecadadetalhedesuaprópriaerefinadarepresentação.O sorriso aflorou e desapareceu de seus lábios; fazendo uma profunda mesura, com gravidade e

submissãoorientais, ele se lançaà tarefa.Disraeli tinhaentendidodesdeo inícioque, ao lidar comaFada,ométodomaisadequadodeabordagemeraaantítesedométodogladstoniano;talmétodoeraseupor natureza, e portanto tudo seria fácil. Não faziam parte de seus hábitos discursos bombásticos eexortaçõescomofuncionáriopúblico;elegostavadeespalharflorespelasendadosnegócios,inserirumargumentodepesonumafraseespirituosa,insinuarosseuspensamentoscomumardeamizadeecortesiaconfidencial. Ele nunca deixava de ser pessoal; e sabia que a sua personalidade era a chave que lheabririaocoraçãodaFada.Deacordocomisso,Disraelinuncadeixoudetemperaroseurelacionamentocomasoberanacomumtompessoal;eleinseriaemtodasastransaçõesdeEstadoosencantosdeumaconversa familiar;elaseriasempreadamareal,aadoradae reverenciadasenhora,enquantoeleseriasempreoamigorespeitosoededicado.Quandoorelacionamentopessoalestavafirmementeconsolidado,todas as dificuldades desapareceram. Mas, para manter aquela relação num curso sempre suave econstante, era necessário um cuidado todo especial: as engrenagens daquela máquina precisavam serperiodicamente lubrificadas.MasDisraelinão tinhanenhumadúvidaquantoànaturezado lubrificante.“Você já ouviu me chamarem de bajulador”, disse ele aMatthew Arnold, “e isso é verdade. Todosgostamdeserbajulados;equandosetratadarealeza,abajulaçãodeveserservidasemeconomia,numacolherdepedreiro.”354Eelepraticavaoquepregava.Suaadulaçãoeraincessante,eelefaziausodelanassituaçõesmaisinsignificantes.“Nãoexistehonranemrecompensa”,diziaele,

quepossamumdiaseigualaraofatodecontarcomaboavontadeeospensamentosgentisdeSuaMajestade.Eelenadamaisdeseja,nosanosrestantesdesuaexistência,senãodedicartodososseuspensamentoseemoções,devereseafeiçõesaSuaMajestade;e,senãopudermaisservi-la,queeleaomenospossapreservarnamemóriaomaisinteressanteefascinanteperíododesuavida.355

“Na vida”, disse ele ainda à rainha, “todos devemos possuir um repositório sagrado para os nossospensamentos,e lordeBeaconsfieldpretendesempreencontrá-loemsuasoberanaSenhora.”356Ela nãoeraapenasoseuúnicopontodeapoio;eratambémosuportedanação.“SeSuaMajestadeadoecer”,eleasseverouemmeioaumagravecrisepolítica,“elenãotemdúvidadequesofreráumcolapso.Porquetudo,narealidade,dependedeSuaMajestade.”357“Elevivesomenteparaela”,assegurava,“etrabalhaapenasparaela,esemelatudoestaráperdido.”Noaniversáriodarainha,construiuumaelaboradasériedecumprimentoshiperbólicos.

Lorde Beaconsfield deveria hoje, talvez, felicitar uma soberana poderosa pelo seu governoimperial,pelavastidãodeseuimpérioepelosucessoepoderiodesuasfrotaseexércitos.Nãoopodefazer,contudo;oseuespíritoseencontradominadoporumadisposiçãointeiramentediferente.Consegue pensar apenas na estranheza de seu destino, que o transformou no criado de umapersonagem tão magnífica, cuja infinita bondade, inteligência fulgurante e firmeza de caráter ocapacitaram a empreender trabalhos para os quais, de outra forma, seria rigorosamente incapaz;pensaapenasnoapoioquesemprerecebeuemtudo,frutodasimpatiaedacondescendênciaque,nashoras difíceis, sempre o encantaram e inspiraram. Sobre a soberana de muitas terras e muitoscorações, possa aonipotenteProvidênciaderramar todas asbênçãosqueos sábiosdesejameosvirtuososmerecem!358

Naquelasmãosexperimentadas,acolherdepedreiropareciaassumirascaracterísticasdeumelevado

símbolo maçônico – parecia transformar-se em ornamento e veículo cintilante de verdadesincompreendidaspelosprofanos.Esses tributoseramadoráveis,maspermaneciamnanebulosaesferadaspalavras,enquantoDisraeli

estavadeterminadoaconferiràssuaslisonjasumasignificativasolidez.Eleencorajavadeliberadamenteomodoaltamenteelevadocomoarainhaencaravasuaprópriaposição,algoquesempreforanaturalnoespíritodeVitóriaequetinhasidoreforçadopelosprincípiosdeAlbertepelasdoutrinasdeStockmar.EleprofessavaacrençanumateoriadaConstituiçãoqueoutorgavaàsoberanaumlugardeliderançanosconselhosdogoverno;aopronunciar-sesobreoassunto,contudo, fazia-odeformavaga;equandoeledeclarouenfaticamentequedeveriaexistir“umtronodeverdade”,provavelmentefoicomopensamentodeque,naverdade,taltronodeveriaserbastanteirrealseasuaocupantenãosemostrassesensívelàssuas lisonjas.Masasprópriasambiguidadesdesua linguagemfuncionavamcomoumestimulanteparaVitória.Confundindohabilmenteamulherearainha,eleatirou,comumgestograndioso,ogovernodaInglaterraaospésdeVitória,comoseassimestivesseprestandoumahomenagempessoalaela.Emsuaprimeira audiência após retornar ao poder, ele lhe assegurou que “tudo o que ela desejasse seriafeito.”359 Quando a intricada lei de regulamentação do Culto Público estava sendo discutida pelogabinete,eledisseàFadaque“seuúnicodesejo”era“atenderàsvontadesdeSuaMajestadenaqueleassunto”.360QuandoexecutouseugrandecoupsobreoCanaldeSuez,usouexpressõesquefaziamcrerqueaúnicabeneficiadaeraVitória.“Jáestátudoacertado”,escreveutriunfante.

OCanaljáéseu,senhora(...).“Quatromilhõesdeesterlinas!Equaseimediatamente!Apenasumafirma poderia realizar tal transação – os Rothschild. Eles se comportaram de forma admirável;adiantaramodinheiroajurosbaixos,etodososlucrosdoKhedivesãoagoraseus,senhora.361

Tampoucoeleselimitavaainsinuaçõesregiamentecondimentadas.Escrevendocomtodaaautoridadedoseuposto,Disraeliinformouarainhadequeelatinhaodireitoconstitucionaldedemitirumministério,mesmoqueestecontassecomumaamplamaiorianaCâmaradosComuns;elechegouaaconselhá-laafazê-lo se por acaso, em sua opinião, “o governo de Sua Majestade houvesse, por fraqueza ouperversidade,decepcionadoasoberana”.362ParaohorrordoSr.Gladstone,elenãosomentemantinhaarainhainformadasobreoquesepassavanogabinetecomotambémlherevelavaasposiçõestomadasporcadamembroindividual.363LordeDerby,filhodoúltimoprimeiro-ministroesecretáriodoExteriordeDisraeli,viaessesdesdobramentoscomsériadesconfiança.“Nãoexistiria”,eleaventurou-seaescrevera seu chefe, “o risco de encorajá-la a ter ideias grandes demais sobre o seu poder pessoal, e umaindiferençagrandedemaisàsexpectativasdopúblico?Sóestouperguntando;cabeavocêjulgar.”364Quanto aVitória, ela aceitava tudo – elogios, adulações, prerrogativas elizabetanas – semomenor

escrúpulo.Apósolongoperíododetristezaeluto,apósagélidadisciplinagladstoniana,elaseentregavadebomgradoàexpansivadedicaçãodeDisraeli,comoumaflorseentregaàaçãodosraiosdosol.Amudança na sua situação fora de fatomilagrosa.Ela já nãoprecisava debruçar-se durante horas a fiosobreoscomplicadosassuntosdeEstado,poisagorabastavapedirumaexplicaçãoaoSr.Disraeli,quelheresponderiadeumaformaconcisaedivertida.Elanãoprecisavamaissepreocuparcomnovidadesalarmantes;nãotinhamaisqueseafligiraolidarcomcavalheirosrepletosdemesurasecolarinhosaltos,queatratavamcomoseelafosseapersonificaçãodeumsímboloetivesseumconhecimentorecônditodegrego.E o seu libertador era certamente omais fascinante dos homens.A veia de charlatanismo que,inconscientemente,acativaraemNapoleãoIIIexerciaomesmoefeitonocasodeDisraeli.Comoalguémcujavidasepassassenumestadodemonótonasobriedadeeseentregasseaosprazeresdeum licor,arainha, com sua inteligência destituída de sofismas, sorvia rapidamente aquelas adulações em estilo

rococó.Vitóriaestavaintoxicada,extasiada.Acreditandoemtudooqueelediziadelaprópria,recuperouporcompletoaautoconfiança,cadavezmaisabaladaapósoperíodoquesucedeuamortedeAlbert.Elaseenchiadeumanovasoberba,enquantooministro,conjurandomaravilhosasvisõesorientais,ofuscavaosseusolhoscomumagrandeza imperialcomaquala rainhasósonharade forma imprecisa.Sob talinfluência,atéasuacondutasemodificou.Suafigurabaixa,robusta,cobertadepregasdeveludonegro,véusdemusselina, trazendopérolaspesadasnopescoço largo,assumiaagoraumarquaseameaçador.Emseu rosto, doqual já tinhadesaparecidohavia temposo encantoda juventude,masque aindanãotinha sido suavizado pela velhice, ainda se viam sinais de tristeza, decepções e aborrecimentos,masestes começavam a dar lugar a expressões arrogantes e linhas agudas de peremptória altivez.Aquelaexpressão só semodificava quandoDisraeli aparecia, e num instante o ar ameaçador se desfazia emsorrisos.365Elafariaqualquercoisaporele.Cedendoaoseuencorajamento,elacomeçouasairdeseuisolamento; apareceu emLondres comumvestido de semigala, visitou hospitais, assistiu a concertos;abriuassessõesdoParlamento.PassouemrevistaastropasedistribuiumedalhasemAldershot.366Masessessinaispúblicosdereconhecimentoeramtriviaissecomparadosàsatençõesparticulares.ElamalconseguiacontersuaexcitaçãoeseuentusiasmoduranteasaudiênciascomDisraeli.“Sópossodescreveraminharecepção”,escreveuelenumaocasiãoaumamigo,“dizendoqueeurealmentechegueiapensarqueelafossemeabraçar.Elanãoparavadesorrire,àmedidaquetagarelava,deslizavapelosalãolevecomoumpássaro.”367Emsuaausência,elafalavadeleincessantemente,ehaviaumtoquedeveemênciaincomum na maneira como se preocupava com sua saúde. “John Manners”, disse Disraeli a ladyBradford,

queacaboudechegardeOsborne,dizqueaFadasó falavadeumassunto,queeraoseuprimo.Segundoele,eraagraciosaopiniãodeSuaMajestadequeogovernotratasseminhasaúdecomoumassuntodeEstado.MeucaroJohnficoubastantesurpresocomoqueeladisse;masvocêestámaishabituadaaessasmanifestações.368

Frequentemente ela lhe dava presentes; em todos os Natais ela lhe enviava um álbum ilustrado deWindsor.369Mas os presentesmais apreciados eramos buquês de flores primaveris, colhidas por elaprópriaesuasdamasnosjardinsdeOsborne,quesimbolizavamdemodoespecialocaloreaternuradeseus sentimentos. Entre as flores figuravam sempre as prímulas, que Disraeli dissera serem as suasfavoritas.Elaseram,diziaele,“asembaixatrizesdaprimavera”,“gemasejoiasdanatureza”.Admirava-as“aindamaisporseremselvagens”,asseguravaàrainha.“Pareciamumaoferendadosfaunosedríadesde Osborne.” “Elas mostram”, ele ainda lhe disse, “que o cetro de Sua Majestade tocou a ilhaencantada.”Sentava-separajantarrodeadodejarrascheiasdessasflores,dizendoaosconvidados:“Elasme foram enviadas esta manhã de Osborne, presente da rainha, pois ela sabe que esta é minha florpredileta.”370Àmedida que o tempo passava, e se tornava cada vez mais claro que a escravidão da Fada era

completa, asmanifestações de Disraeli também se tornaram cada vezmais exaltadas. Por fim ele seaventurouainseriremsuaslisonjasumanotadeadoraçãoquaseconfessadamenteromântica.Emfrasesdeestilobarroco,eleenviouamensagemdeseucoração.Apressãodosnegócios,escreveuele,

o tinha absorvido e exaurido tanto que, na hora de escrever, ele não dispunha da clareza depensamento,nemdovigordapena,adequadosaexpressarseuspensamentosàmaisamadaemaisilustredascriaturas,quesedignainteressar-seporele.371

Vitórialheenvioualgumasprímulas,eelerespondeuqueelaseram“maispreciosasquerubis,vindonomomento em que vinham, de uma soberana que ele adora.”372 Ela lhe enviou campânulas brancas, eDisraelitransbordouseussentimentosempoesia.“Ontemàtarde”,escreveuele,

chegouaWhitehallGardensumpacotedeaparênciadelicada,trazendoumsobrescritoreal;aoabri-lo, ele pensou que a Majestade lhe tivesse gentilmente oferecido as estrelas de suas principaisOrdens.Naverdade, ficou tão impressionadocomessadeliciosa ilusãoque, tendoqueparticiparnaquela noite de um banquete onde havia estrelas e faixas condecorativas em profusão, ele nãoresistiuàtentaçãodecolocaralgumascampânulasnalapela,afimdemostrarquetambémeleforacondecoradoporumagraciosasoberana.Então,nomeiodanoite,ocorreu-lheaideiadequetudopoderianãopassardeumencantamento,

e que talvez aquela fosse uma dádiva de fada, proveniente de outra monarca: a rainha Titânia,colhendo flores com sua corte, numa ilha agradável, cingida pelo oceano, e enviando mágicosbotõesfloridosque,segundodizem,viramacabeçadaquelesqueosrecebem.373

Umadádivadefada!Teriaelesorridoaoescreverestaspalavras?Talvez;noentanto,seriaprecipitadoconcluir que suas declarações tão entusiasmadas não fossem sinceras. Ao mesmo tempo ator eespectador, em Disraeli os dois personagens estavam tão intimamente mesclados naquela estranhacomposiçãoque formavamumaunidade inseparável,enãosepodiadizerqueumeramenosautênticoqueooutro.Comumelemento,elepodiaavaliarfriamenteacapacidadeintelectualdaFada;constatar,nãosemalgumasurpresa,quesegundoaocasiãoelapodiaser“muitointeressanteedivertida”,eentãocontinuar a usar a sua colher de pedreiro com uma solenidade irônica; enquanto, com o outro, podiasentir-sedominadopelainvestiduraimemorialdarealeza,queofaziavibrarcomasuaprópriasituaçãoelevada, vendo a si mesmo em meio a maravilhosas fantasias de coroas, poderes e amorescavalheirescos. Quando ele disse a Vitória que “durante uma vida razoavelmente romântica eimaginativa,nadatãointeressantetinhalheacontecidoquantoaquelacorrespondênciaconfidencialcomumapessoatãoexaltadaeinspiradora”,374nãoestavasendohonesto,afinaldecontas?Quandoescreveu,sobre a corte, a uma dama: “Amo a rainha; talvez ela seja a única pessoa a quem ainda amo nestemundo”,375elenãoestariacriandoparasipróprioumpalácioencantado,saídodasMileumanoites,cheiodemelancoliaefulgor,noqualeledefatoacreditava?OestadodeespíritodeVitóriaeramuitomaissimples;semseperturbarcomdesejosimaginários,elanuncaseperdeunaquelanebulosazonadoespíritoondeossentimentoseas fantasiasseconfundem.Suasemoções,comtodaasua intensidadeetodooseuexagero,conservavama texturaprosaicaesimplesdavidacotidiana.Eranatural,portanto,que ela as expressasse de forma igualmente prosaica.Ao terminar uma carta oficial ao seu primeiro-ministro,assinava:“Afetuosamente,suaV.R.eI.”Nestafrase,arealidadeprofundadeseusentimentosemanifestainstantaneamente.OspésdaFadaestavambemfirmesnochão;oqueestavanoareraorusé[astuto]cínico.Ele lhe tinha ensinado, contudo, uma lição, que ela aprendeu com impressionante rapidez. Uma

segundaGloriana,foraassimqueeleachamara?Muitobem,nessecasoelamostrariaqueestavaàalturadocumprimento.Sintomasinquietantesseseguiramrapidamente.Emmaiode1874,oczar,cujafilhasecasararecentementecomosegundofilhodeVitória,oduquedeEdimburgo,encontrava-seemLondrese,porumequívoco lamentável, suapartida foimarcadaparadoisdiasdepoisdadataescolhidapor suaanfitriãrealparaviajaraBalmoral.SuaMajestaderecusou-seamodificarseusplanos.Fizeram-lheverqueoczarficariaofendido,oquepoderiaresultaremsériasconsequências;lordeDerbyprotestou;lordeSalisbury,osecretáriodeEstadonaÍndia,ficoubastanteperturbado.MasaFadanãoseimportava;tinha

decididopartirparaBalmoralnodia18,enodia18haveriadepartir.FinalmenteDisraeli,recorrendoatodaasuainfluência,conseguiupersuadi-laapermaneceremLondrespormaisdoisdias.“Minhacabeçaaindaestásobreosmeusombros”,disseelealadyBradford.

Agrandedamadecidiuadiarsuapartida!Todostinhamfalhado,atémesmoopríncipedeGales(...)Salisburyafirmaqueeueviteiumaguerraafegã,eDerbymefelicitapelotriunfoinigualável.376

Mas,poucodepois,emoutraquestão,otriunfofoidaFada.Disraeli,quesubitamentepassaraadefenderumnovoimperialismo,sugeriuquearainhadaInglaterradeveriase tornar imperatrizdaÍndia.Vitóriaapegou-seavidamenteàideia,evoltaemeiainsistiacomseuprimeiro-ministroparapôremexecuçãooprojeto. Ele tergiversava; ela, porém, não desanimou, e, em 1876, apesar da má-vontade de todo ogabinete,inclusivedele,Disraeliseviuforçadoaacrescentaraosproblemasdeumasessãotempestuosaapropostadeumatoparaaalteraçãodotítuloreal.377Suacumplicidade,porém,ajudouaconquistardevez o coração da Fada. A medida foi raivosamente atacada nas duas Câmaras, e Vitória foiprofundamente tocada pela energia inesgotável com que Disraeli a defendeu. Ela disse estar muitomagoadacom“otrabalhoeosaborrecimentos”pelosquaiselepassara;elareceavaseracausadetudoaquilo; e jamaisesqueceria suadívidadegratidãocomo seu“bom,generosoeatenciosoamigo”.Aomesmo tempo, Vitória deixava cair a sua ira sobre a oposição. Sua conduta, ela declarou, foi“extraordinária, incompreensível eequivocada”, enumasentençaenfáticaquepareciacontradizera siprópria e a todos os procedimentos passados da rainha, ela afirmou que “ficaria feliz se viesse aoconhecimentodopúblicoemgeralquetinhasidoseudesejoqueelafosseforçadaaaceitaraquilo!”378Quando o caso chegou a uma conclusão satisfatória, o triunfo imperial foi celebrado de maneiracondigna.NodiadaproclamaçãodeDélhi,onovocondedeBeaconsfieldfoiaWindsor jantarcomanovaimperatrizdaÍndia.Nessanoite,aFada,normalmentetãodiscretaemseustrajes,apareceuvestindoumaverdadeirapanópliaofuscante, comenormespedraspreciosasbrutas, que lhe forampresenteadaspelos príncipes reinantes de seu raj, reino. No final da refeição, o primeiro-ministro, quebrando asregrasda etiqueta, levantou-se e propôsumbrinde à saúdeda rainha-imperatriz.Sua audácia foi bemrecebida,eseudiscursofoirecompensadocomumacortesiasorridente.379Estes foramepisódiossignificativos;masumamanifestaçãoaindamaiscuriosadacóleradeVitória

ocorreu no ano seguinte, durante a crise culminante da vida de Beaconsfield. O seu crescenteimperialismo, o seu desejo de ampliar o poder e o prestígio da Inglaterra, a sua insistência numa“políticaexternamaisarrojada”ocolocaramemrotadecolisãocomaRússia;aterrívelQuestãoOrientalpairavanoar;e,quandoestourouaguerra entre a Rússia e a Turquia, a situação se tornou extremamente grave. A política do primeiro-ministrocriavadiversosperigosedificuldades.Compreendendoperfeitamenteosinconvenientesdeumaguerra anglo-russa, Disraeli assim mesmo se preparava para enfrentar esta eventualidade, caso nãoconseguissealcançarosseusobjetivosdeoutrasmaneiras;maseleacreditavaque,narealidade,aRússiadesejava ainda menos provocar uma ruptura e que, portanto, se ele levasse adiante o seu jogo comhabilidadeeousadia, conseguiria tudooquepretendiaquandochegasseomomentooportuno, semumúnico tiro. Era evidente que o caminho que traçava para simesmo era cheio de riscos e exigia umacoragemextraordinária;umúnicopassoemfalsoseriaobastanteparalançá-lo–oumesmoaInglaterra–numdesastre.Mascoragemnuncalhefaltou;iniciou,assim,suadançadiplomáticacomgrandeconfiançanosresultados;foientãoquedescobriuque,alémdogovernorusso,Gladstoneeosliberais,haviaaindaduasoutrasfontesdeperigocomqueteriaquelutar.Emprimeirolugar,haviaumabancadabemfortenogabinete,lideradaporlordeDerby,osecretáriodoExterior,quenãoestavadesejosadeenfrentarorisco

deumaguerra;masomotivomáximodesuaansiedadeeraaprópriaFada.Desde o começo, ela tivera uma atitude inequívoca. O antigo ódio pela Rússia, que tinha sido

engendradopelaGuerradaCrimeia,voltavaaaparecer;elalembrou-sedaprolongadaanimosidadedeAlbert; sentiu as picadas de sua própria grandeza e lançou-se à agitação com ardor apaixonado. Suaindignaçãocomaoposição–comqualquerumqueousassesimpatizarcomosrussosnoseuconflitocomos turcos–era ilimitada.Quandose realizaramemLondresoscomíciosanti-turcos,comandadospeloduque de Westminster e por lorde Shaftesbury e frequentados pelo Sr. Gladstone e outros radicaisproeminentes, ela considerou que “o procurador-geral devia tomar alguma medida contra aqueleshomens”.“Issonãopodeserconstitucional”,exclamouela.380Jamaisemsuavida,nemmesmoduranteacrisedasdamasdecompanhia,elasemostroumaisviolentamenteengajada.Masoseudesagradonãosereservavasomenteaosradicais;osconservadoresqueestavammudandodeladotambémsentiramasuaforça. Ela estava descontente até mesmo com lorde Beaconsfield. Incapaz de entender a delicadacomplexidade de sua política, ela o abordava constantemente com pedidos de uma ação vigorosa,interpretandocadasutilezasuacomoumsinaldefraquezaeparecendosempreprontapara,aqualquermomento, soltaros cãesdeguerra.Àmedidaquea situaçãoavançava, suaansiedade se tornavamaisfebril.“Arainha”,escreveuela,“estáterrivelmenteansiosacomesseadiamentodaação,poistemequeele resulte num atraso irreparável, que nos faça perder o prestígio para sempre! Isso a aflige dia enoite.”381 “A Fada”, disse Beaconsfield a lady Bradford, “escreve todos os dias emanda telegramastodasashoras;quasenãoháexageronisso.”382Vitóriarugiacontraosrussos.“Ealinguagem”,gritavaela,“a linguagemofensivaqueos russosempregamcontranós! Isso fazosangueda rainha ferver!”383“Oh”,escreveuela,poucomaistarde,“searainhafosseumhomem,elagostariadeiratéosrussos,emcujapalavranãosepodeacreditar,elhesdariaumaboasurra!Nuncavoltaremosaseramigosenquantoestaquestãonãoforresolvida.Dissoarainhatemabsolutacerteza.”384Odesafortunadoprimeiro-ministro,assediadopelaviolênciadeVitóriadeumlado,deoutrotinhaque

lidar com um secretário do Exterior que era fundamentalmente contrário a qualquer política deinterferênciaativa.EntrearainhaelordeDerby,Disraelisevianumasituaçãodelicada.Éverdadequeobtinhauma ligeirasatisfaçãoao jogarumcontraooutro–provocando lordeDerbycomascartasdarainha, e encorajando-o rainha a repudiar asopiniõesde lordeDerby;houveumaocasião emque elechegouapontode redigir, apedidodeVitória,umacartaatacandoduramenteocolega, cartaqueSuaMajestade assinou e enviou, sem fazer uma alteração sequer, ao secretário do Exterior.385 Mas essesrecursossólhedavamumalíviotemporário;logoficouclaroqueoardormarcialdeVitórianãoficariasatisfeitocomessashostilidadescontralordeDerby;hostilidadescontraaRússiaeramoqueelaqueria,oqueelaconseguiria,oqueelaprecisavaconseguir.Destaforma,deixandodeladoosúltimossinaisdemoderação,Vitóriapassouaatacarseuamigocomumasériedeterríveisameaças.Nãofoiumavez,nemduas,masmuitasvezesqueelafezpairarsobreacabeçadoprimeiro-ministroapoderosaameaçadesuaprópria e iminente abdicação. “Se a Inglaterra”, escreveu ela a Beaconsfield, “quer beijar os pés daRússia, a rainha não participará da humilhação da Inglaterra e assim abrirá mão de sua coroa”,acrescentando que o primeiro-ministro poderia, se achasse isso conveniente, repetir essas palavras atodoogabinete.386“Esseatraso”,prosseguiaela,

essaincertezajáfazemcomquepercamosnossoprestígioenossaposiçãonoexterior,enquantoaRússiaavançae,aqualquermomento,conquistaráConstantinopla!Entãoogovernoseráduramentecriticado,earainhaestarátãohumilhadaqueteráqueabdicarimediatamente.Éhoradeagir!387

“Arainhasente”,reiterouela,“quenãopode,comojádeclarouantes,continuaraserasoberanadeum

paísqueserebaixaapontodebeijarospésdosgrandesbárbaros,dosretrógradosdetodaliberdadeecivilizaçãoexistentes.”388QuandoosrussosavançaramatéosarredoresdeConstantinopla,eladisparoutrêscartasnomesmodia,pedindoaguerra;equandosoubequeogabinetedecidiraselimitaraenviarafrota àGallipoli, eladeclarouque“o seuprimeiro impulso” foi “abandonar a coroadeespinhos,quepouca satisfação lhe causa preservar, se os país permanecer como está agora”.389 É fácil imaginar oefeitoperturbadordessacorrespondênciaemBeaconsfield.AquelajánãoeraaFada;tratava-sedeumgênioqueinadvertidamenteeledeixarasairdagarrafaondeseocultava,equeagoraqueriamostrartodooseupodersobrenatural.Maisdeumavez,perplexo,desconsolado,arruinadopeladoença,elepensaraemsairtotalmentedecena.Apenasumacoisaoimpediadefazerisso,elediziaaladyBradford,comumsorriso amargo: “Se eu apenas pudesse”, escreveu ele, “enfrentar a cena que ocorreria nos quartéis-generaisseeumedemitisse,euofariaimediatamente.”390Conservou-se,porém,emseuposto,parafinalmentesairvitorioso.Arainhaestavacalma;lordeDerby

forasubstituídoporlordeSalisbury;eoCongressodeBerlim–deralteJude–completouaobra.EleretornouàInglaterraemtriunfoeassegurouaumaencantadaVitóriaqueelaembreveseria,sejánãooera,a“DitadoradaEuropa”.391Maslogohouveumareversãoinesperada.Naeleiçãogeralde1880,opaís,desconfiadodapolítica

ousada dos conservadores e arrebatado pela oratória do Sr.Gladstone, levou os liberais de volta aopoder.Vitória ficou horrorizada,mas dali a um ano sofreu outro golpe aindamais duro.O grandiosoromance chegara ao fim.LordeBeaconsfield, derrotado pela idade e pelas doenças, embora ainda semovimentando,comoumamúmiaassídua,debanqueteembanquete,subitamenteparoudesemovimentar.Quando Vitória soube que o fim era inevitável, agindo motivada por um impulso patético, pareceudespojar-sedetodaasuarealeza,reduzindo-se,comsuavegentileza,aumasimplesmulheraoseulado,e nada mais. “Mando-lhe algumas prímulas de Osborne”, ela escreveu com comovente simpatia, “edesejavafazer-lheumavisitinhaestasemana,masacheiqueseriamaisadequadovocêpermaneceremrepousoenãofalar.Peço,ainda,quevocêsejabondosoeobedeçaaosmédicos.”Elaoveria,disseela,“quandovoltarmosdeOsborne,oquenãodemorarámuitoaacontecer”.“Todosestãodesoladoscomseumal-estar”,acrescentou;eelaassinava“Sempresua,muitoafetuosamente,V.R.I.”Quandolheentregarama carta real, o velho e estranho ator, estendido em seu leito demorte, pousou-a sobre amão e, apósparecerimersonumaprofundareflexão,sussurrouàquelesàsuavolta:“Umconselheiroprivadodeverialerissoparamim.”392

9Velhice

I

Enquanto isso,muitasmudanças aconteciamna vida privada deVitória.Comos casamentos de seusfilhosmaisvelhos,ocírculofamiliarampliou-se;vieramosnetos;ecomelessurgiuumavariedadedenovos interessesdomésticos.Amortedo reiLeopold, em1865, tiroude cenaaquelaque tinha sidoafigura predominante da geração mais velha, e as funções que ele desempenhara como o centro e oconselheirodeumvastonúmerodeparentesnaAlemanhaenaInglaterrapassaramparaVitória.Elasedesembaraçavadessasfunçõescomumaenergiainesgotável,mantendoumaenormecorrespondência,eacompanhandocomsincerointeressecadadetalhedasvidasdasdiversasramificaçõesdeseusprimos.Elaexperimentou,assim,todasasalegriasetodasasdoresdaafeiçãofamiliar.Seusnetoslhedavamumprazer especial, e ela mostrava uma indulgência com eles que seus pais nunca tinham conhecido –embora,mesmocomosnetos,elatambémpudessesersevera,seaocasiãoassimexigisse.Omaisvelhodeles,opequenopríncipeWilhelm[Guilherme]daPrússia,eraumacriançaextraordinariamenteteimosa;uma vez, quando ela lhe disse que fizesse umamesura a um visitante em Osborne, ele recusou-se aobedecer.Issonãopodiaacontecer:aordemfoiduramenterepetida,eogarotolevado,percebendoquesua doce avó tinha subitamente se transformado numa senhora terrível, submeteu-se à sua vontade,fazendoumaprofundamesura.393Tudoestariabemsetodososproblemasdomésticosdarainhapudessemserresolvidoscomamesma

facilidade.Entreassuaspreocupaçõesmaissérias,estavaacondutadopríncipedeGales.Ojovemeraagora independente e estava casado; ele tinha sacudido de seus ombros a opressão paterna;definitivamente, estava começando a agir como bem entendia.Vitória estavamuito perturbada, e seuspioresreceiospareceramjustificar-sequando,em1870,opríncipeseapresentoucomotestemunhanumprocesso de divórcio ocorrido na alta sociedade. Era evidente que o príncipe herdeiro estava se

envolvendocompessoasqueelaestavalongedeaprovar.Oquepodiaserfeito?Vitóriaconcluiuquenãopodiaculparapenasoseufilho–aculpaeradetodoosistemasocial;eelaentãoescreveuumacartaaoSr. Delane, o editor do Times, pedindo a ele que “escrevesse com regularidade artigos apontando oimensoperigoeosmalesqueadvinhamdafrivolidadeedaleviandadeterríveiscomqueasclassesmaisaltas da sociedade encaravamomundo.”E, cinco anosmais tarde, o Sr.Delane de fato escreveu umartigotratandoexatamentedesteassunto.394Nãoparece,contudo,tercausadonenhumefeito.Ah!Sepelomenosasclassesaltasaprendessemavivercomoelavivia,nadomésticasobriedadede

seusantuárioemBalmoral!Pois,cadavezmais,VitóriabuscavaconsoloerepousoemseudomínionasTerrasAltas;eduasvezesporano,naprimaveraenooutono,comumsuspirodealívio,elaviajavaparao norte, apesar dos humildes protestos dos ministros, que em vão murmuravam nos ouvidos reaisreservasquantoaofatodeseefetuaremtransaçõesdeEstadoaumadistânciade1.000quilômetros,fatoqueaumentavaconsideravelmenteaspreocupaçõesdogoverno.Tambémassuasdamasdecompanhiasesentiamlevemente relutantesempartir,pois,especialmentenosprimeirosdias,a longa jornadanãosefazia semdificuldades.Durantemuitos anoso conservadorismoda rainhaproibiuoprolongamentodaestradadeferroatéDeeside,deforma que as últimas etapas da viagem tinham que ser feitas de carruagem.Mas, no fim das contas,carruagens também tinham suas vantagens; era fácil, por exemplo, entrar e sair delas, o que era umaconsideração importante, já que o trem real permaneceu por um longo tempo sem passar pormodificaçõesqueotornassemmaiscômodoemoderno,equandoelepercorriaalgumtrechopantanoso,distantedequalquerplataforma,asdamasdealtalinhagemeramforçadasadesceraosolopeloperigosoestribo, jáqueaúnicaescadadobráveldisponívelera reservadaaocompartimentodeSuaMajestade.Numaépocadevestidossuntuosos,essesmomentoseramàsvezesembaraçosos;eocasionalmenteeranecessáriochamaroSr.Johnstone–obaixoeatarracadogerentedaCaledonianRailway,que,emmaisdeumaocasião,sobumfortevendavaleencharcadodechuva, içava–parausarumaexpressãosua–com grande dificuldade uma desafortunada lady Blanche, ou lady Agatha, de volta a seucompartimento.395Mas Vitória não se preocupava com nada disso. Ela só pensava em chegar com amaior rapidez possível ao seu castelo encantado, onde cada recanto estava carregado de lembranças,ondecadaumadestaslembrançaserasagrada,eondeavidapassavanumfluxoagradáveleincessantedeacontecimentosrigorosamentetriviais.Mas não era apenas o lugar que a rainha adorava; ela se sentia igualmente atraída pelos “simples

montanheses”, com quem, segundo afirmava, “aprendera várias lições de fé e resignação.”396 Smith eGrant,RosseThompson–elaeradevotadaa todoseles;porém,maisquea todos,elaeradevotadaaJohnBrown.Oguiadopríncipeagoratinhasetornadoumcriadopessoaldarainha–umservodequemelanuncaseseparava,queaacompanhavaemseuspasseios,queaserviaduranteodiaedormianumquartoaoladododela,ànoite.Vitóriagostavadesuaforça,desuasolidez,dosentimentodesegurançafísicaqueelelhedava;elagostavaatémesmodesuasmaneirasrudesedeseulinguajardecamponês.Elaodeixavatomarliberdadesqueseriamimpensáveisparaqualqueroutro.Intimidararainha,ordenarpor onde ela devia andar, repreendê-la – quempoderia sonhar agir com tanta audácia?E, no entanto,quandorecebiaestetratamentodeJohnBrown,Vitóriadefinitivamentepareciaficarbastantesatisfeita.Essa excentricidade era à primeira vista extraordinária;mas, no fimdas contas, não chega a ser algoestranhoparaumasenhoraviúvapermitirqueumcriadoindispensáveledeconfiançatenhaemrelaçãoaela uma atitude de autoridade que é expressamente proibida aos parentes e amigos: o poder de uminferior continua sendo, por um estratagema psicológico, o nosso próprio poder,mesmo quando ele éexercidosobrenós.QuandoVitóriaobedeciacomhumildadeàsordensabruptasdeseuajudante,parasaltar do pônei ou colocar seu xale, não estaria assimdando um exemplo, dosmais elevados, de suaprópriaforçadevontade?Aspessoaspodiamnãoentender;elanadapodiafazer;eradestamaneiraqueelagostavade agir, enão se falavamaisnisso.Submeter-se àopiniãodeum filhooudeumministro

poderiaparecermaissensatoounatural;mas,seofizesse,elasentiainstintivamentequeperderiaasuaindependência.E,noentanto,eladesejavadependerdealguém.Seusdiassebaseavamnaquelecuriosoprocessodedominação.Quandopasseavaemsilênciopelascharnecas,elase recostavanoassentodacarruagem, cansada e oprimida;mas, que alívio! JohnBrownvinha logo atrás, e seubraço forte logoestariaaliparaajudá-laquandoquisessedescer.Browntambémtinha,namentedarainha,umaconexãoespecialcomAlbert.Emsuasexpedições,o

príncipesempretinhaconfiadomaisneledoqueemqualqueroutroguia;aqueleescocêsrude,bondosoepeludo era de algumamaneiramisteriosa, ela sentia, um legado do falecido. Por fim,Vitória acaboumesmoacreditando–pelomenosassimparece–queoespíritodeAlbertestavamaispróximoquandoBrownestavaporperto.Frequentemente,quandobuscava inspiraçãopara resolveralgumacomplicadaquestãopolíticaoudoméstica,oolhardeSuaMajestadesefixavacomprofundaconcentraçãoemJohnBrown.Por fim, o “simples montanhês” se tornou quase um personagem de Estado. A influência que ele

exercia não podia ser ignorada. Lorde Beaconsfield era cuidadoso e, de tempos em tempos, enviavarecados gentis ao “Sr. Brown” em suas cartas à Rainha, e o governo francês tomava todas asprovidênciasparaasseguraroconfortodeBrownduranteasvisitasdasoberana inglesaàFrança.Eramuitonaturalque,entreosmembrosmaisvelhosdafamíliareal,Brownnãofossemuitopopular,equeassuasfalhas–poiseleevidentementeaspossuía,emboraVitórianuncareparasse,porexemplo,nogostoexagerado do homem por uísque escocês – fossem objeto de comentários amargos na corte.Mas eleserviasuasenhora fielmente,e ignorá-loseriaumsinaldedesrespeitoemumbiógrafo.Poisa rainha,longedemanteraafetuosaamizadeemsegredo,faziaquestãodedivulgá-laaomundo.Porsuaordem,foramcunhadasduasmoedasdeourohomenageandoBrown;quandoelemorreu,em1883,umlongoeelogioso obituário foi publicado na Circular da Corte; e um broche memorial – com a cabeça dofalecidoguiadeumladoeomonogramarealdooutro–foicriadoporSuaMajestadeepresenteadoatodososseuscriadosnasTerrasAltas,paraqueelesousassemnoaniversáriodamortedeBrown,comuma fita negra em sinal de luto e um alfinete.Na segunda coletânea de trechos doDiário das TerrasAltas,da rainha,publicadaem1884,o“seudevotadocriadopessoaleamigo fiel”écitadoemquasetodasaspáginas,enaverdadepode-sedizerqueeleéoheróidolivro.Comumaausênciadereservanotávelemmembrosdarealeza,Vitóriapareciaexigir,paraesseassuntoprivadoedelicado,asimpatiadetodaanação;noentanto–assiméomundo!–nãofaltouquemtratasseasrelaçõesentreasoberanaeoseucriadocomoumtemaparagracejosmaldosos.397

II

Os anos ativos ficaram para trás; os traços do toque inimaginável do tempo se manifestaram;aproximando-se, a velhice dominava suavemente Vitória. Os cabelos grisalhos ficaram brancos; asfeiçõesmaduras ficarammaisdoces;a figurapequenae firmeestavamaisvolumosa,e semoviamaislentamente, com a ajuda de uma bengala. E, simultaneamente, uma transformação extraordinária sepassavaemtodaaexistênciadarainha.Aatitudedanação,quedurantetantosanoslhetinhasidocríticaoumesmohostil,mudoucompletamente;eumaalteraçãocorrespondenteseoperounopróprioespíritodeVitória.Muitosmotivoslevaramaisso.Entreelesestavamosrepetidosgolpesdoinfortúnioquecaíramsobre

arainhanumperíododepoucosanos.Em1878,aprincesaAlice,quesetinhacasadoem1862comopríncipe Louis de Hesse-Darmstadt, morreu em circunstâncias trágicas. No ano seguinte, o príncipeimperial,oúnicofilhodaprincesaEugénie,aquemVitória,desdeacatástrofede1870,setinhaligado

fortemente, foi assassinado na Guerra Zulu. Dois anos depois, em 1881, a rainha perdeu lordeBeaconsfield e, em 1883, JohnBrown. Em 1884, o príncipeLeopold, duque daAlbânia, inválido denascença,morreuprematuramente,poucodepoisdeseucasamento.AtaçadeamargurasdeVitóriaestavadefatotransbordando;eopúblico,àmedidaqueviaamãeviúvachorandoporseusfilhoseseusamigos,demonstravaporelaumasimpatiacrescente.Umepisódioocorridoem1882serviupararevelareacentuaraindamaisossentimentosdanação.Em

Windsor,quandoarainhadesciado tremparaasuacarruagem,umjovemchamadoRoderickMacleandisparouumapistolacontraela,deumadistânciadepoucosmetros.UmestudantedaUniversidadedeEtongolpeouobraçodeMacleancomseuguarda-chuvanomomentododisparo;ninguémsaiuferido,eoculpado foi imediatamente preso. Este foi o último de uma série de sete atentados contra a rainha –atentadosque,acontecendoemintervalosesporádicosduranteumperíodode40anos,seassemelhavamde uma maneira curiosa. Todos, com uma única exceção, foram perpetrados por adolescentes, cujoobjetivoaparentementenãoeraoassassinato,jáque,salvonocasodeMaclean,emnenhumdelesaarmaestavacarregada.Esses jovens infelizesque, apóscompraremsuasarmasbaratas, as carregavamcompólvoraepapel,eentãocometiamoatentadocontraarealezacomacertezadeumadetençãoimediataconstituíamumproblemaestranhoparaapsicologia.Mas,emboraemcadacasoseusatosepropósitosfossemsemelhantes,seusdestinosforammuitodiferentes.Oprimeirodeles,EdwardOxford,queatirouemVitóriapoucosmesesapósocasamentoreal,foijulgadoporaltatraição,declaradoloucoeenviadoparaumasilopelorestodavida.Parece,porém,queestasentençanãosatisfezaAlbert,jáquequando,dois anosdepois, JohnFrancis cometeuamesmaofensa e foi julgadopelomesmomotivo,opríncipeafirmouquenãohavia loucuraalgumaenvolvidanocaso. “Acriaturamiserável”,disseele a seupai,“nãoestavaforadesi;eraumpatifecompleto.”“Espero”,acrescentouAlbert,“queoseujulgamentosejaconduzido com a máxima severidade.” E foi, aparentemente; em todo o caso, o júri compartilhou aopiniãodopríncipe:oargumentodainsanidadefoirejeitado,eFrancisfoiconsideradoculpadodealtatraiçãoecondenadoàmorte;mas,comonãohaviaprovasdefinitivasdeumdesejodemataroumesmodeferir, a sentença, depois de umaprolongada deliberação entre o secretário do Interior e os juízes, foicomutadaparaapenadedesterroperpétuo.Comoaleideterminava,essesataques,apesardeinúteis,sópodiam ser tratados como alta traição. A discrepância entre o ato em si e as tremendas penalidadesenvolvidas era evidentemente grotesca; além do mais, estava claro que um júri, sabendo que umveredicto de culpa implicava a sentença demorte, tenderia a buscar uma alternativa, considerando oacusadonãoculpado,maslouco–umaconclusãoque,nascircunstâncias,pareciaamaisrazoável.Em1842,portanto, foi aprovadoumdecreto transformandoqualquer tentativade ferir a rainhanumdelitopassíveldeserpunidopelodesterrodeseteanosoupelaprisão,comousemtrabalhosforçados,duranteumperíodonãosuperioratrêsanos–eoculpado,conformeavontadedacorte,“poderiaserchicoteado,pública ou particularmente, da forma que a corte determinasse, mas nãomais que três vezes”.398 Osquatro atentados seguintes ocorreram já sob a nova lei;WilliamBean, em 1842, foi condenado a 18meses de prisão;WilliamHamilton, em1849, foi condenado ao desterro de sete anos; e, em1850, amesmasentençafoiaplicadaaotenenteRobertPate,quegolpeouacabeçadarainhacomsuabengala,emPicadilly.Patefoioúnicodosdelinquentesquejátinhaidademadura;tinharecebidoumacomissãodoExército, vestia-se como um dândi e “tinha o juízo completamente perturbado”, segundo asseverou opríncipe.399 Em 1872, Arthur O’Connor, um rapaz de 17 anos, disparou uma pistola descarregada naRainha, nas cercanias do Palácio de Buckingham; ele foi imediatamente preso por John Brown econdenado a um ano de prisão, alémde 20 chicotadas. Foi graças à coragemmanifestada porBrownnessaocasiãoqueelefoihomenageadocomaprimeiramedalhadeouro.Emtodosessescasos,o júrirejeitouaalegaçãode insanidade;masoatentadodeRoderickMacleanem1882eradiferente.Nessaocasião a pistola estava carregada, e a indignação pública, enfatizada como era pela crescentepopularidadedeVitória,foiparticularmenteintensa.Poresteouporoutrosmotivos,oprocedimentodos

últimos40anosfoiabandonado,eMacleanfoicondenadoporaltatraição.Oresultadoeraaquelequesepoderiaesperar:ojúrichegouaumveredictode“nãoculpado,masinsano”,eoprisioneirofoienviadoparaumasiloduranteo tempoqueSuaMajestadedesejasse.400Oseuveredicto,porém,produziuumaconsequência notável. Vitória, que sem dúvida trazia na memória a desaprovação de Albert a umveredicto similarnocasodeOxford, ficoumuitoaborrecida.Oqueo júriqueriadizer, elaperguntou,afirmandoqueMacleannãoeraculpado?Estavaperfeitamenteclaroqueeleeraculpado–elaprópriatinhavisto eledisparar apistola.Foi emvãoqueos conselheiros constitucionaisdeSuaMajestade alembraramdoprincípiodaleiinglesaquedeterminaqueumhomemnãopodeserconsideradoculpadodeumcrimeamenosquefiqueprovadoqueeleteveumaintençãocriminosa.Vitórianãoseconvenceu.“Seesta é a lei”,disseela, “entãoa leiprecisa ser alterada”; ede fato issoaconteceu.Em1883, foiaprovadoumdecretoalterandoaformadoveredictonoscasosdeinsanidade,eaconfusaanomaliaqueresultoudissopermaneceatéhojenaConstituição.401Masnãoeraapenasatravésdossentimentosdecomiseração,indignaçãooudasimpatiapessoalquea

rainhaeoseupovoestavamseaproximandocadavezmais;elescomeçavam,finalmente,achegaraumacordopermanentesobreaconduçãodosassuntospúblicos.AsegundaadministraçãodoSr.Gladstone(1880-1885)foiumasucessãodefracassos, terminandoemdesastreedesgraça;o liberalismocaiuemtotaldescréditonopaís,eVitóriapercebeucomalegriaqueasuadesconfiançaemrelaçãoaosministroseracompartilhadaporumnúmerocadavezmaiordeseussúditos.DuranteacrisenoSudão,osentimentopopular era idêntico ao seu. Ela foi uma das primeiras a afirmar a necessidade de uma expedição aCartum,e,quandochegouanotíciadacatastróficamortedogeneralGordon,foiasuavozqueliderouocoro de denúncias que se voltou contra o governo. Em sua raiva, Vitória despachou um telegramafulminante ao Sr.Gladstone, não na linguagem cifrada habitual,mas em termos claros; e sua carta decondolências àSra.Gordon,naqual ela atacavaosministrosporquebrade lealdade, foi amplamentedivulgada.402CorreuoboatodequeVitóriatinhaconvocadolordeHartington,osecretáriodeEstadodaGuerra,pararepreendê-locomveemência.“Elametratou”,relatouelemaistardeaumamigo,“comoseeufosseumlacaio.”“Porqueelanãoconvocouolacaio?”,perguntouseuamigo.“Oh”,respondeuele,“olacaiogeralmenteconseguedesapareceremsituaçõesassim.”403Maschegouodiaemquejánãoeramaispossíveldesaparecer.OSr.Gladstone,enfimderrotado,se

demitiu.Vitória,numaaudiênciafinal,orecebeucomaamenidadehabitual,mas,alémdasformalidadesexigidaspelaocasião,aúnicaobservaçãodenaturezapessoalqueelalhefezfoiparadizerquesupunhaqueoSr.Gladstonedesejavaagoraalgumrepouso.Elelembrou-secommágoadecomo,numaaudiênciasemelhante,em1874,elaexpressarasuaconfiançanelecomoumdefensordotrono;maseleassimilouamudança semsurpresaaparente. “Oespírito e asopiniõesda rainha”, escreveuelemais tardeemseudiário,“mudaramseriamentedesdeaqueledia.”404EstaeraaopiniãodoSr.Gladstone;masamaioriadanaçãonãoconcordavacomeledeformaalguma;

e,naeleiçãogeralde1886,ossúditosmostraramefetivamentequealinhapolíticadeVitóriaeraidênticaàdopovo,ficandodefinitivamenteabolidasasinsídiasdaAutonomia–aqueleabomináveldisparate–evoltandolordeSalisburyaopoder.AsatisfaçãodeVitóriaeraprofunda.Umaondadenovasesperançaslheencheuoespírito, estimulandosuavitalidadecomuma força surpreendente.Sua rotinadevida foisubitamente alterada; abandonando o longo isolamento que os argumentos de Disraeli só tinhamconseguidointerrompermomentaneamente,elaselançouvigorosamenteemdiversasatividadespúblicas.Aparecia nos salões, nos concertos, nos teatros; lançava pedras fundamentais; foi a Liverpool parainaugurarumaexposiçãointernacional,percorrendoasruasnumacarruagemaberta,sobumafortechuva,passandoemmeioàmultidãoqueaaplaudiacomentusiasmo.Encantadacomaboaacolhidaquetinhaaondequerquefosse,entregou-secommaiorcaloraindaaotrabalho.VisitouEdimburgo,ondeaovaçãofoimaiorqueadeLiverpool.EmLondres,inauguroucomgrandepompaaExposiçãoColonialIndiana,

emSouthKensington.Nesta ocasião, o cerimonial foi particularmentemagnífico; um toque de clarinsanunciouaaproximaçãodeSuaMajestade;seguiu-seoHinoNacional,earainha,sentadanumimponentetronomarchetadodeouro,respondeucomseuspróprioslábiosàsaudaçãoquelhedirigiram.Emseguidase levantou e, avançando sobre a plataforma com a sua postura majestosa, retribuiu às aclamaçõespopularescomdiversascortesias,cheiasdegraçarefinadaealtaneira.405Oanoseguinteeraoquinquagésimodeseureinado,eemjunhooesplêndidoaniversáriofoicelebrado

compompaesolenidade.Vitória,cercadapelosmaisaltosdignitáriosdeseureino,escoltadaporumacintilantegaláxiade reisepríncipes, seguiuporentreamultidãoentusiasmadadacapital,para rendergraças a Deus na Abadia deWestminster. Naquela hora triunfal, os últimos traços remanescentes deantigasantipatiasedesavençasdesapareceramporcompleto.Arainhafoiimediatamenteaclamadacomoamãe de seu povo e comoo símbolo personificado de sua grandeza imperial; e ela correspondeu aoduplosentimentocomtodooardordeseuespírito.AInglaterraetodoseupovo–elaosabia,elaosentia–eramseus,deumaformamaravilhosaeaomesmotempobastantesimples.Exaltação,afeição,gratidão,uma compreensão profunda de seus deveres, um orgulho ilimitado – tais eram as suas emoções; ecolorindo e realçando todo o resto, havia ainda algo mais. Finalmente, depois de tanto tempo, afelicidade–fragmentária,talvez,erepletadegravidade,masverdadeiraeinconfundível–tinhavoltadoàsuaalma.Aquelesentimentoincomumpreenchiaeaqueciaoseuespírito.Quando,devoltaaoPaláciodeBuckingham,após a longacerimônia, lheperguntaramcomose sentia, ela respondeu: “Estoumuitocansada,masmuitofeliz.”406

III

E,assim,depoisdaquelediatrabalhosoetumultuado,seguiu-seumlongocrepúsculo–suave,serenoeiluminado por uma gloriosa auréola dourada. De fato, uma atmosfera de sucesso e adoração semprecedentesdominouoúltimoperíododavidadeVitória.Oseutriunfoeraasíntese,ocoroamentodeumtriunfoaindamaior–aprosperidadeculminantedeumanação.Osólidoesplendordadécadaentreosdois jubileus de Vitória dificilmente encontra algum paralelo nos anais da história da Inglaterra. OssábiosconselhosdelordeSalisburypareciamtrazercomelesnãoapenasriquezaepoder,mastambémsegurança; e o país sossegou, com calma confiança em si próprio, para desfrutar de sua grandezaconsolidada.E–comoeranatural–Vitóriatambémsossegou.Poiselaeraumapartedaqueleconjunto–umaparteessencial,parecia–umpontodeapoiomagníficoeirremovívelnovastosalãodoEstado.Semela,obanquetede1890teriaperdidoasuaqualidadeessencial;aordemreconfortantedospratossemambiguidades,contraumfundodepesadoesplendor,semioculto,teriaperdidoosentido.Sua própria existência passou a se harmonizar cada vez mais com o ambiente à sua volta.

Gradualmente, imperceptivelmente, Albert recuava. Não que ele estivesse esquecido – isto seriaimpossível –,mas o vazio criado pela sua ausência tornava-semenos aflitivo, e atémesmo, por fim,menosevidente.Finalmente,Vitóriapercebeuqueerapossívellamentaromautemposemimediatamenteem seguida observar que o seu “querido Albert sempre dizia que não podemos alterá-lo, e portantodevemosdeixá-lo tal comoestá”’; elapodiaatémesmosaborearumbomcafédamanhã sem lembrarcomo o “querido Albert teria gostado daqueles ovos na manteiga”.407 E, à medida que a figura dopríncipesedesvanecia,oseulugarerainevitavelmenteocupadopelapersonalidadedaprópriaVitória.Todooseuser,quegiraradurante tantosanosao redordeumobjetoexterior,agoramodificavaasuarotação, fazendodesiprópriooseueixo.Enãopoderiaserdeoutraforma:suaposiçãodoméstica,apressão do trabalho público, seu indomável senso de dever tornavam impossível qualquer coisadiferente.Seuegoísmotambémreclamavaseusdireitos.Aidadefaziaaumentaraindamaisadeferênciaà

sua volta; e sua força de caráter, emergindo por fim em toda a sua plenitude, impunha-se de formaabsolutasobretodososqueacercavam,peloesforçoconscientedeumavontadeimperiosa.PoucoapoucosepercebeuqueosvestígiosexterioresdadominaçãopóstumadeAlberteramcadavez

menores.Nacorte,origordolutofoirelaxado.Quandoarainhapasseavapeloparqueemsuacarruagemabertacomumacomitivadeescocesesatrásdela,asbabáseenfermeirasobservavamcomcuriosidadequeeracadavezmaiorafitadeveludovioletaemseuchapéu,sobreacabeçapequenaecurvada.FoinasuafamíliaqueaascendênciadeVitóriaatingiuopontoculminante.Todososseusdescendentes

estavam casados; o número de novosmembros crescia rapidamente; já havia diversos casamentos naterceira geração; e ela tinha nada menos que 37 netos quando morreu. Uma fotografia da época nosmostraafamíliarealreunidanumdossalõesdeWindsor–umgrupoapertadocommaisde50pessoas,com a matriarca imperial no centro. Ela exercia sobre eles um domínio completo. Os pequenosproblemasdosmaisjovenslhedespertavamumapaixonadointeresse;eelatratavaosmaisvelhoscomoseaindafossemcrianças.OpríncipedeGales,emparticular,tinhapelamãeumrespeitoextraordinário.Vitóriasetinharecusadoveementementeapermitirqueeletivessequalquerparticipaçãonosnegóciosdogoverno;eeleseocuparacomoutrosassuntos.Nãosepodianegarqueelesedivertia–longedosolhosmaternos;na suapresença,porém, suaabundantevirilidade sofriaummiserável eclipse.Umavez, emOsborne,quando,nãoporculpasua,elechegouatrasadoparaumbanquete,foivistodepé,atrásdeumacoluna,limpandoosuorquelhepingavadatestaetentandosecontrolarantesdeseapresentaràrainha.Quando, finalmente, ele o fez, ela o cumprimentou com uma inclinação de cabeça fria e breve, e eledesapareceu novamente atrás de outra coluna, onde permaneceu até o final da festa. Na época desteincidente,opríncipedeGalesjátinhamaisde50anos.408Erainevitávelqueasatividadesdomésticasdarainhainvadissemeventualmenteosdomíniosdaalta

diplomacia; este foi especialmente o caso quando os interesses de sua filha mais velha, a princesaherdeiradacoroadaPrússia,estavamemjogo.Opríncipeherdeirotinhaopiniõesliberais;eleeramuitoinfluenciadoporsuamulher;eosdoiseramdetestadosporBismarck,quedeclaravaabertamentequeainglesa e suamãe eramverdadeiras ameaças aoEstadoprussiano.Ahostilidade aumentou aindamaisquando,aomorrerovelhoimperador(1888),opríncipeherdeiroosucedeunotrono.Umacomplicaçãofamiliar resultou numa crise violenta. Uma das filhas da nova imperatriz ficara noiva do príncipeAlexanderdeBattenberg,querecentementetinhasidoexpulsodotronodaBulgáriadevidoàinimizadedoczar.Vitória,assimcomoa imperatriz,aprovavaocasamentocomentusiasmo.Dosdois irmãosdopríncipeAlexander,omaisvelhosetinhacasadocomoutradesuasnetas,eomaisjovemeramaridodesua filha, a princesa Beatrice; ela era dedicada aos dois belos rapazes, e estava encantada com apossibilidadedeoterceiroirmão–noconjunto,omaisbonitodostrês,elaachava–tambémsetornarummembrodesuafamília.Infelizmente,contudo,Bismarckeracontrárioaoprojeto.ElepercebeuqueessecasamentoporiaemperigoaamizadeentreaAlemanhaeaRússia,queeravitalparaasuapolíticaexterna, e anunciou que a união não aconteceria. Seguiu-se uma luta acirrada entre a imperatriz e ochanceler.Vitória,cujoódiopeloinimigodesuafilhanãotinhalimites,veioaCharlottenburgparticiparpessoalmentedapolêmica.Bismarck,entreumabaforadadecachimboeumgoledecerveja,manifestavaoseualarme.OobjetivodarainhadaInglaterra,eleafirmava,erapuramentepolítico;elaqueriaafastaraAlemanha da Rússia, e era bem possível que conseguisse o seu intento. “Em assuntos de família”,acrescentouele,“elanãoestáacostumadaasercontrariada”;ela“trariaopastornumabolsaeonoivonamala,eocasamentoserialogorealizado”.Masaquelehomemdetêmperadeaçonãoserendiaassimtãofacilmente,eelesolicitouumaaudiênciaprivadacomarainha.Osdetalhesdaconversaentreosdoissãodesconhecidos; mas é certo que, durante aquele encontro, Vitória foi obrigada a reconhecer a tenazresistência daquele personagem formidável, e acabou lhe prometendo usar toda a sua influência paraimpedir aquele casamento. O noivado foi rompido; e, no ano seguinte, o príncipe Alexander deBattenbergcasou-secomfräuleinLoisinger,umaatrizdoteatrodacortedeDarmstadt.409

Masincidentesdolorososcomoesteeramraros.Vitóriajáestavamuitovelha;semAlbertparaguiá-la,semBeaconsfield para inflamá-la, ela estava bastante disposta a abandonar as perigosas questões dadiplomacia,entregando-asàsabedoriade lordeSalisbury,eaconcentrarassuasenergiasemassuntosqueatocassemmaisdepertoesobreosquaiselapodiaexercerumpoderinquestionável.Suacasa,suacorte,osmonumentosemBalmoral,acriaçãodegadoemWindsor,aorganizaçãodeseuscompromissos,asupervisãodosinúmerosdetalhesdesuarotinadiária– temasassimagoraocupavammuitomais tempodesuaexistênciadoqueantes.Suavidasepassavacomumaexatidãoextraordinária.Cadamomentodeseudiaeraplanejadodeantemão;asucessãodeseuscompromissoseraimutavelmente estabelecida; as datas de suas viagens – a Osborne, a Balmoral, ao sul da França, aWindsor, a Londres – mal sofriam alguma alteração, ano após ano. Vitória exigia daqueles que acercavamuma rígidaprecisãoemcadadetalhe, e era surpreendentemente rápidaemdetectarqualquerdesviodasregrasquetivessedeterminado,pormenorquefosse.Tamanhaeraaforçairresistíveldasuapersonalidadequequalquercoisaalémdaobediência incondicionalàs suasvontadeserapraticamenteimpossível; mas de vez em quando alguém deixava de ser pontual; e a impontualidade era o maishediondodospecados.Entãooseudesagrado–seuterríveldesagrado–setornavavisívelatédemais.Nessesmomentos,nãosurpreendianinguémqueVitóriafossefilhadeumrígidomilitar.410Mas essas tempestades, por enervantes que fossem enquanto duravam, terminavam rapidamente, e

foram se tornando cada vez mais raras. Com a volta da felicidade, uma suave bondade emanava davetusta rainha. Seu sorriso, no passado um visitante tão raro daquelas feições entristecidas, agoraapareciafacilmentenosemblantedasoberana;seusolhosazuisbrilhavam;todaasuafisionomiabrilhavaesesuavizava,sacudindosubitamenteaquelafaltadeexpressãomorosaeprovocandonosquedelaseaproximavam um encanto particular e inesquecível. Pois nos últimos anos havia uma fascinação pelaamabilidadedeVitóriaqueelanãoconseguiraprovocarnemmesmocomavivacidadeimpulsivadesuajuventude. Sobre todos aqueles que se aproximavamdela – ou sobre quase todos – ela exercia a suamagiapeculiar.Seusnetosaadoravam;suasdamasdecompanhiaaserviamcomafeiçãoereverência.Ahonradeservi-lacompensavamilinconveniências–amonotoniadaexistêncianacorte,ocansaçoporficardepé,anecessidadedeprestarumaatençãosobre-humanaemminúciasdotempoedoespaço.Àmedidaquecumpriamoseumaravilhosodever,elasesqueciamaspernasdoloridaspela infinidadedeidasevindasnoscorredoresdeWindsor,eosbraçosnus,quejáestavamquaseazuisporcausadofriodeBalmoral.Oque, acimade tudo, parecia tornar esse serviçoprazeroso erao interessedetalhadoque a rainha

demonstrava por tudo o que se passava com aqueles que a cercavam. Sua paixão absorvente peloslugares-comuns reconfortantes, as pequenas crises, os sentimentalismos recorrentes da vida domésticaocupavamumespaçocadavezmaioremsuasatividades;aesferadesuaprópriafamília,vastacomoera,nãoeravastao suficiente; ela tambémse tornouaconfidente interessadadosproblemas familiaresdesuasdamasdecompanhia;suasimpatiaseestendiaaoscriadosdopalácio;atémesmoasarrumadeiraseosajudantesdecozinha–assimparecia–eramsubmetidosaosseusinterrogatórioseexperimentavamasuasolicitudesinceraquandoseusnamoradoseramtransferidosparaumpostonoestrangeiro,ousuastiassofriamumataquedereumatismomaisagudodoqueocomum.411Naturalmente,asdevidasdistinçõesdeclasseeramimaculadamentepreservadas.Amerapresençada

rainha era bastante para assegurá-las;mas, além disso, o exercício da etiqueta da corte era supremo.Aquele código elaborado, que impedira lorde Melbourne de se esparramar no sofá e mantinha numsilêncio absoluto os convidados em torno da mesa segundo a sua ordem de precedência, era maismeticulosamentecumpridodoquenunca.Todasasnoites,apósojantar,alareira,sagradaparaarealeza,luziadiantedosprofanosnumaglória inacessívelou,numaouduasocasiõesextraordinárias,atraía-osmagneticamenteatéabeiradoabismo.A rainha,nomomentooportuno, sedirigiaaosconvidados;um

após outro, eles eram conduzidos à sua presença; e, enquanto os diálogos se sucediam cheios deconstrangimento,o restodaassembleiapermanecia imóvel,semproferirumaúnicapalavra.412Apenasnumaspectoparticularaseveridadedaetiquetafoiumpoucorelaxada.Duranteamaiorpartedoreinado,aregradequeosministrosdeveriamficardepéemsuasaudiênciascomarainha tinhasidoabsoluta.QuandolordeDerby,oprimeiro-ministro,teveumaaudiênciacomSuaMajestadeapósumadoençaséria,elecomentoumais tarde,comoumaprovadofavorreal,quearainhaobservara“queestavatristepornãopoderconvidá-loasentar-se”.Maistarde,elachegouaoferecerumacadeiraaDisraeli,depoisdeeste sofrer um ataque de gota, nummomento de extrema expansividade por parte deVitória;mas elejulgouqueseriamaissábiodeclinarhumildementeoprivilégio.Emseusúltimosanos,contudo,arainhainvariavelmentepediaaoSr.GladstoneealordeSalisburyparasesentarem.413Algumasvezes,asolenidadedanoiteeraatenuadaporumconcerto,umaóperaoumesmoumapeça

teatral. Um dosmais notáveis indícios de queVitória se libertava do isolamento que adotara após aviuvez foi justamente o fato de ela voltar ao costume – após um intervalo de 30 anos – de convidarcompanhias dramáticas de Londres a encenarem espetáculos diante da corte, em Windsor. Nessasocasiões,elademonstravaumexcelentehumor.Elaadoravaarepresentação;gostavadeumaboatrama;acima de tudo, amava uma farsa. Atenta a tudo o que se passava no palco, ela acompanhava com ainocênciadeumacriançaodesenrolardahistória;ouentãoassumiaumardesuperioridadeeexclamava,triunfante:“Isso!Vocêsnãoesperavampor isso,esperavam?”,quandoapeçachegavaaodénouement.Seusensodehumoreradeumanaturezavigorosaeprimitiva.Foraumadaspouquíssimaspessoasquesempreestavamprontasaapreciarasbrincadeirasdopríncipeconsorte;e,mesmoquandoestasjánãoseouviammais,apósamortedopríncipe,arainhaaindapodiaexplodiremgargalhadas,naprivacidadedolar,àsimpleslembrançadeumpequenogracejo–sobredeterminadaesquisiticedeumembaixador,oualgumfauxpasdeumministroignorante.Quandoogracejoeramaissutil,Vitóriaoapreciavamenos;poroutro lado, se ele arranhava a fronteira do indecoroso, o perigo era aindamais sério. Tomar algumaliberdade provocava imediatamente amais esmagadora desaprovação de SuaMajestade; e dizer algoimpróprioeratomaramaiorliberdadedetodas.Nessashoras,oslábiosreaissefranziamnoscantosdaboca,osolhosreaissefixavam,muitoabertosechocados,edefatoosemblanterealsetornavairritadonomaisaltograu.Otransgressorficavaemsilêncio,enquantoafrase:“Issonãonosdivertiu”aniquilavaosconvidadosnamesadejantar.Maistarde,naintimidadedeseuentourage,arainhaobservavaqueapessoa em questão era, ela receava muito, “indiscreta”; era um veredicto que não admitia nenhumaapelação.414Emgeral, os gostos estéticos deVitória permaneceramosmesmos desde a época deMendelssohn,

LandseereLablache.Elaaindaapreciavaasrouladesdaóperaitaliana;continuavaaexigirumelevadopadrão na execução dos duetos de pianoforte. Suas opiniões sobre a pintura eram muito firmes; SirEdwin,elaafirmava,eraperfeito;elaficaramuitoimpressionadacomasmaneirasdelordeLeighton;edesconfiavaprofundamentedoSr.Watts.Detemposemtempos,Vitóriaencomendavagravurasretratandomembrosdafamília real;nessasocasiões,elaprimeiropediaasprovasparaseremsubmetidasaoseujulgamentoe,apósumexameminucioso,apontavaasfalhasaosrespectivosartistaseindicavaaomesmotempo a maneira de corrigi-las. Os artistas descobriam invariavelmente que as sugestões de SuaMajestade eram do mais alto valor. Em literatura, seus interesses eram mais restritos. Era umaadmiradoradeTennyson;e,comoopríncipeconsortegostavamuitodeGeorgeEliot,VitóriafolheouoromanceMiddlemarch,masficoudesapontada.Hámotivosparacrer,contudo,queosromancesdeoutraescritora,cujapopularidadeentreossúditosdasclasseshumildesdeSuaMajestadeeraenormenaqueletempo,tampoucoobtiveramaaprovaçãodeSuaMajestade.Masocertoéqueelanuncasededicoumuitoàleitura.415Certa vez, porém, a atenção da rainha foi atraída por uma publicação que para ela era impossível

ignorar. As memórias de Greville, contendo uma massa de informações históricas de importânciaextraordinária, e também descrições nem um pouco elogiosas de George IV, William IV e outraspersonagens reais, foipublicadopeloSr.Reeve.Vitória leuo livroe ficouestupefata.Tratava-se,eladeclarou,de“umlivroterrívelerealmenteescandaloso”,eelanãoseriacapazdedizer“oquantoficarahorrorizadaeindignadacomaindiscrição,aindelicadezaeaingratidãodeGrevilleemrelaçãoaseusamigos,ecomaquebradeconfiançaeadeslealdadevergonhosaparacomsuasoberana.”ElaescreveuaDisraeli afirmando que, em sua opinião, era “muito importante” que o livro fosse “severamentecensurado e lançado emdescrédito”. “O tomcomque ele fala da realeza”, acrescentou ela, “não temparaleloemqualquercoisajásurgidanahistória,eécondenávelaoextremo.”SuaraivasevoltavaquasecomigualveemênciacontraoSr.Reeveporterpublicado“umlivrotãoabominável”,eelaencarregouSirArthurHelpsde informá-lo sobreo seuprofundodesagrado.OSr.Reeve,porém, tentou ser sutil.QuandoSirArthur lhedisse que, naopiniãoda rainha, “o livrodegradava a realeza”, ele respondeu:“Absolutamente; ele a eleva, pelo contraste que oferece entre o presente e o estado das coisas deoutrora.”Mas esta hábil defesa não causou amenor impressão emVitória; e o Sr. Reeve, quando seaposentou do serviço público, não recebeu a insígnia de cavalheiro que a tradição o autorizava aesperar.416SearainhasoubessequantoscomentárioscáusticossobreelaoSr.ReevetinhasuprimidoemsilênciodaversãopublicadadasMemórias,talvezelasesentissequasegrataaele;mas,nestecaso,oqueVitórianãoteriaditodeGreville?Aimaginaçãorecuadiantedestareflexão.Quantoaensaiosmaismodernos sobre o mesmo tema, Sua Majestade, muito provavelmente, os teria classificado como“indiscretos”.Mas, como regra geral, as horas de lazer daquela vida ativa eram empregadas em recreações de

naturezamenosintangívelqueoestudodaliteraturaouaapreciaçãodaarte.Vitórianãoeraapenasumamulher de vastas propriedades, mas também uma colecionadora. Ela tinha herdado uma imensaquantidadedemobília,deornamentos,deporcelanachinesa,pratariaseobjetosvaliososdetodotipo;easaquisiçõesquefezaolongodetodaasuavidatrouxeramacréscimosformidáveisaesteacervo;alémdisso,chegavam-lhecontinuamentepresentesdetodososcantosdoplaneta.Sobreessaenormemassaelaexerciaumasupervisãominuciosaeincessante,eaarrumaçãoeacontemplaçãodamesma,emtodososdetalhes, enchia-a de satisfação interior. O instinto de colecionar tem raízes profundas na naturezahumana;e,nocasodeVitória,elepareciadeversuaforçaadoisdeseusimpulsosdominantes–aintensaconsciência, que sempre lhe fora característica, de sua própria personalidade, e a necessidade, queaumentava como passar dos anos e que, na velhice, se tornava quase umaobsessão, de coisas fixas,sólidas,comquepudesseerguerbarreiraspalpáveiscontraosultrajesdotempoedamudança.QuandoVitóriapensavanosincontáveisobjetosquelhepertenciam,ou,melhorainda,quandodefatosaboreavaavívida riqueza das qualidades peculiares de cada objeto, ela se via deliciosamente refletida em ummilhãodefacetas,sentiaqueseampliavamilagrosamenteatéocuparumaáreasemfronteiras,e issoaagradavamuito.Eraassimquedeviaser;masentãovinhaopensamentodesanimador–tudosedissipa,tudoseesfacela,tudodesaparece;serviçosdejantardeSèvressequebram;atémesmobaciasdeouroseextraviam;atéopróprioserhumano,comtodasassuasrecordaçõeseexperiênciasqueodiferenciam,perece e se dissolve... Mas não! Não podia ser assim, não seria assim! Não haveria perdas nemmudanças!Nadadeviasemover–nemmesmoopassadoeopresente–eelaprópriamuitomenos!Eassimaquelamulhertenaz,acumulandosuasriquezas,decretou-lhesaimortalidadecomtodaafirmezadesuaalma.Elanãoperderiaumaúnicarecordação,umúnicoalfinete.Vitóriadeuordensparaquenadafossejogadofora–eassimsefez.Então,emgavetaapósgaveta,em

guarda-roupaapósguarda-roupa,repousavamtodososvestidosqueelausaraaolongode70anos.Masnãoapenasosvestidos–aspelesemantas,luvaseagasalhos,sombrinhasechapéus–tudoeraarrumadoem ordem cronológica, datado e fichado. Um grande armário era reservado às bonecas; na sala dasporcelanas,emWindsor,umamesaespecialabrigavaascanecasdesuainfância,bemcomoascanecas

da infânciade seus filhos.Lembrançasdopassadoacercavamemcírculosconcêntricos.Em todososaposentosasmesasestavamrepletasdefotografiasdeparentes;seusretratos,mostrando-osemtodasasidades,cobriamasparedes;suasfiguras,talhadasemmármoreduro,surgiamdepedestaisoubrilhavamemsuportes,naformadeestatuetasdeourooudeprata.Osmortos,emtodasasformas–emminiaturas,emporcelana,emenormesquadrosaóleoemtamanhonatural–estavamperpetuamenteàsuavolta.JohnBrownficavaemsuaprópriaescrivaninha,emourosólido.Seuscavalosecães favoritos,dotadosdeumanovadurabilidade,estavamsempreaseuspés.Sharp,numamolduradeprata,dominavaamesadejantar;BoyeBozestavamperpetuadosembronze,unidosedeitadosemmeioafloresparasemprevivas.Enãoerasuficientequecadapartículadopassadofossedotadadaestabilidadedometaloudomármore:acoleçãointeira,emsuaordemperfeita,deviaserimutavelmentefixa.Podiahaveracréscimos,masnãohaveria alterações. Não se mudava um estofo, um tapete, uma cortina; e quando, finalmente, o usoprolongadotornavaumasubstituiçãoinevitável,ospadrõeseostecidostinhamquesertãoidenticamentereproduzidos quemesmo os olhosmais agudos não seriam capazes de perceber a diferença.Não erapermitidopendurarnenhumquadronovonasparedesdeWindsor,poisaquelesquejáestavamlátinhamsido escolhidos por Albert, cujas decisões eram eternas. Como, na verdade, também o eram as deVitória. Para assegurar que nada seria mudado, recorreu-se à ajuda da câmara fotográfica. Todos osartigosdepropriedadedarainhaeramfotografadosdeváriosângulos.EssasfotografiaseramsubmetidasàaprovaçãodeSuaMajestade,equando,depoisdeumexameminucioso,elaasaprovava,estaseramguardadas numa série de álbuns ricamente encadernados. Então, na página oposta a cada fotografia,inseria-seumverbete,indicandoonúmerodoartigo,onúmerodoaposentonoqualeleficavaguardado,suaexataposiçãonoaposentoe todasassuasprincipaiscaracterísticas.Odestinodecadaobjetoquetivessepassadoporesseprocessoeraassimirrevogavelmenteselado.Todaacoleçãodarainhaatingia,deformadefinitiva,umasituaçãofixaeinabalável.Vitória,sempretendoaseuladoumoudoisvolumesgigantescosdessescatálogosintermináveis,afimdeconsultá-los,paradivagareponderar,podiasentir,comumaduplasatisfação,queastransitoriedadesdestemundotinhamsidoparalisadaspelaamplitudedeseupoder.417Assim, a coleção, sempre crescente, sempre ocupando novos campos da consciência, sempre se

enraizandomais firmementenasprofundidadesdos instintos, tornou-seumadas influênciasdominantesdaquela estranha existência. Tratava-se de uma coleção nãomeramente de coisas e pensamentos,mastambémdeestadosdeespíritoedeestilosdevida.Acelebraçãodosaniversáriosacabouse tornandoumaramificaçãoimportantedaqueleritual–aniversáriosdenascimentos,casamentosemortes,cadaqualexigindoumsentimentoparticulareapropriado,oqual,porsuavez,precisavaserexpressadodeumaforma exterior conveniente. E a forma, é claro – a cerimônia de regozijo ou lamentação –, eraestereotipadacomotodooresto,poistambémfaziapartedacoleção.Numdeterminadodia,porexemplo,devia-secolocarfloresnomonumentoaJohnBrown,emBalmoral;eadatadaviagemanualàEscóciafora fixada neste dia. Inevitavelmente, era em torno da circunstância central da morte – a morte, atestemunhafinaldamutabilidadehumana–queessesanseioscelebrativosmaissemanifestavam.Nãosepoderiahumilharaprópriamorte,atravésda forçada lembrança?Nemseaeternidadedoamor fossedemonstrada,reiteradasvezes,comumaênfasesuficientementeapaixonada?Deacordocomisso,todasascamasnasquaisVitóriadormiatinham,doladodireitodoestrado,sobreotravesseiro,umafotografiadacabeçaedosombrosdeAlbertemseuleitodemorte,rodeadoporumacoroadesempre-vivas.418EmBalmoral, onde as recordações eram tantas, os sólidos sinais da memória apareciam numa profusãosurpreendente. Obeliscos, pirâmides, tumbas, estátuas, marcos e assentos de granito trabalhadoproclamavam a dedicação de Vitória ao falecido. Lá, duas vezes por ano, nos dias seguintes à suachegada, realizava-se uma peregrinação solene de inspeção e meditação; no dia 26 de agosto – oaniversáriodeAlbert– aospésdaestátuadebronzequeo representava trajando roupasescocesas, arainha reunia sua família, sua corte, seus criados e seus arrendatários para, em silêncio, beberem à

memória do falecido. Na Inglaterra, os símbolos da lembrança não eram menos frequentes. Não sepassavaumdiasequersemquesurgissemaisum:umaestatuetadeourodeRoss,oflautista;umaestátuaemmármore,emtamanhonatural,deVitóriaeAlbert,emroupasmedievais, trazendoinscritonabase:ATRAÍDOS PORMUNDOSMAIS BRILHANTES E MOSTRANDO O CAMINHO; uma placa de granito emmeio aosarbustosdeOsborne, informandoovisitanteacercadeWALDMANN:O PEQUENOCÃOBASSÊ, FAVORITODA

RAINHAVITÓRIA,QUEOTROUXEDEBADENEMABRILDE1872;MORTOEM11DEJULHODE1881.419EmFrogmore, o grandiosomausoléu, permanentemente enriquecido, era visitado quase diariamente

pelarainhaquandoacorteestavaemWindsor.420Mashaviaoutrosantuário,maissecretomasnemporissomenos sagrado.O conjunto de aposentos queAlbert ocupara no castelo foimantido para semprevedado ao acesso de todos, com exceção de alguns privilegiados.Dentro deles, tudo era conservadoexatamentecomoestavanaocasiãodamortedopríncipe;masumapreocupaçãomisteriosadeVitóriaordenara que fossem colocados sobre o leito do marido roupas limpas todas as noites, e que fossetrocadaaáguadabacia,comoseeleaindavivesse;eesteritualinacreditávelfoicumpridocomrigorosaregularidadedurantequase40anos.421Taleraoseumundointerior;eacarneaindaobedeciaaoespírito;ashorasdiáriasdetrabalhoainda

proclamavamaconsagraçãodeVitóriaaodevereaosideaisdofalecido.Mas,comopassardosanos,osensodeautossacrifíciodiminuiu.Asenergiasnaturaisdaqueleserardenteforamgastascomsatisfaçãonosassuntospúblicos;oamorpelosnegóciosque,desdeaadolescência,tinhasidoumsentimentofortena rainha, reafirmava-se com todo o vigor na velhice, e ser afastada da rotina dos documentos eaudiências não seria um alívio para Vitória, e sim uma agonia. Desta forma, embora custasse aosministrosumaboadosedecansaçoesofrimento, todososprocessosdogovernocontinuavamapassarporela,atéofimdosseusdias.Eissonãoeratudo;umantigoprecedentetornavalegítimoumenormenúmerodetransaçõesoficiaiscujaaplicaçãodependiadaassinaturareal;eumaboaproporçãodashorasde trabalho da rainha era gasta nessa tarefa mecânica.Mas ela não demonstrava o menor desejo dediminuirasuacargadetrabalho.Aocontrário,Vitóriavoluntariamentetomouasiaresponsabilidadedeassinar as comissões do Exército, das quais fora declarada isenta por um ato do Parlamento e que,durantemuitosanos, jáem idademadura, ela seabstiveradeassinar.De formaalgumaelaaceitavaasugestão de usar um carimbo. Mas, finalmente, quando a pressão crescente dos negócios tornouintoleráveis os atrasos daquele antiquado sistema, ela consentiu que a sua sanção oral deveria sersuficienteparaumadeterminadacategoriadedocumentos.Cadaofícioeralidoemvozaltaparaela,enofinalVitóriadizia:“Aprovado”.Frequentemente,durantehorasseguidas,elasesentava,tendoobustodeAlbert à sua frente, enquanto a palavra “Aprovado” saía a intervalos de seus lábios. A palavra erapronunciadacomumasonoridademajestosa;poissuavoz–comoeradiferentedaquelesopranodepratadesuameninice!–setornaraadeumcontraltoencorpadoevigoroso.422

IV

Osúltimosanosforamdeapoteose.Naimaginaçãodeslumbradadeseussúditos,Vitóriaseelevavarumoao terreno das divindades, através de uma auréola da mais pura glória. Os críticos emudeceram;deficiências que, vinte anos antes, teriam sido universalmente admitidas, eram agora universalmenteignoradas.Queo ídolodanaçãofosseumrepresentantemuito incompletodestamesmanaçãoeraumacircunstânciaquequasenãosenotava,enoentanto issoeraumaverdadeincontestável.Poisasvastasmudanças que transformaram a Inglaterra de 1837 na Inglaterra de 1897 pareciam mal ter afetado arainha. O imenso desenvolvimento industrial do período, cujo significado tinha sido tão bemcompreendido por Albert, na verdade representava pouco para Vitória. O assombroso movimento

científico,queAlbertigualmentesouberaapreciar,deixavaVitóriaperfeitamentefria.Asuaconcepçãodouniverso,dolugarqueohomemocupavanele,edosestupendosproblemasdanaturezaedafilosofiacontinuaram,ao longode todaasuavida, totalmente inalterados.Asua religiãoeraa religiãoqueelatinhaaprendidodabaronesaLehzenedaduquesadeKent.Aqui,também,pode-sesuporqueasopiniõesde Albert poderiam influenciá-la. Pois Albert, emmatéria de religião, era avançado. Completamentedescrenteemespíritosdomal,eletiverasuasdúvidasarespeitodomilagredoPorcodeGadarene.423OpróprioStockmarchegaraaemitir,nummemorandonotável sobreaeducaçãodopríncipedeGales,asugestão de que, “embora a criança devesse inquestionavelmente ser criada no credo da Igreja daInglaterra”,talveztambémestivessemaisdeacordocomoespíritodotempoexcluirdeseutreinamentoreligiosoainculcaçãodeumacrençanas“doutrinassobrenaturaisdacristandade”.424Isso,porém,seriair longe demais; e todas as crianças reais foram criadas segundo um modelo rigidamente ortodoxo.QualqueroutracoisateriamagoadoVitória,emborasuasprópriasconcepçõesdaortodoxianãofossemmuitoprecisas.Masasuanatureza,naqualaimaginaçãoeasutilezaocupavamumespaçotãolimitado,afizeramrecuarinstintivamentedosintricadosêxtasesdoAltoAnglicanismo;eelapareciasesentirmaisàvontadenafésimplesdaIgrejaPresbiterianadaEscócia.425Aliás,issojáeradeseesperar,poisLehzenera filha de um pastor luterano, e os luteranos tinhammuita coisa em comum com os presbiterianos.Durante muitos anos, o Dr. Norman Macleod, um esforçado pastor escocês, foi o seu principalconselheiro espiritual; e, quando ele foi tirado dela, Vitória extraiu muito consolo das conversastranquilas sobre a vida e a morte que manteve com os camponeses em Balmoral.426 A sua piedade,absolutamentegenuína,encontravaaquilodequeprecisavanassóbriasexortaçõesdovelhoJohnGrantenos ditados piedosos da Sra. P. Farquharson. Os dois demonstravam ter as qualidades que Vitória,quandoeraumamoçade14anos,tinhaadmiradotãosinceramentenaExposiçãodoEvangelhosegundoSãoMateus,dobispodeChester:eram“simplesecompreensíveis,alémdecheiosdeverdadesebonsensinamentos”.Arainha,quedeuseunomeàIdadedasFábricasedeDarwin,nuncafoialémdisso.Vitória estava igualmente distanciada dosmovimentos sociais de sua época. Permaneceu inflexível

tantoem relaçãoàsmenoresquantoàsmaioresmudanças.Durante sua juventudeenameia-idade, eraproibido fumar na alta sociedade, e enquanto viveu ela nãomodificou o anátema lançado contra essehábito. Reis podiam protestar, bispos e embaixadores, convidados a visitarWindsor, podiam se verreduzidosàcontingênciadesófumarememseusquartos,deitadosnochãoesoltandoasbaforadaspelachaminé–aproibiçãocontinuava.427Podia-sesuporqueumarainhadaria todooseuapoioaumadasreformasmaisvitaissurgidasemsuaépoca–aemancipaçãodasmulheres–mas,aocontrário,ameramenção deste assunto lhe fazia o sangue subir à cabeça.Em1870, quando pousou os olhos sobre umrelatórioapropósitodeumcomícioafavordosufrágiofeminino,elaescreveuaoSr.Martincomrealindignação:

Arainhaestábastantedispostaaalistartodososquequeiramfalarouescreversobreisso,afimdereprimir essa terrível loucura dos “Direitos da Mulher”, com todo o cortejo de horrores daídecorrentes, aos quais está sujeito o seu pobre sexo frágil, esquecendo-se da natureza dossentimentos edadignidade femininos.Lady–deveria levarumaboasurra.Este assuntodeixa arainhatãofuriosaqueelamalconsegueseconter.Deuscriouoshomensdiferentesdasmulheres–entãodeixem-nosficarcadaqualemsuaposição.TennysonescreveualgumasbelaslinhassobreadiferençaentrehomensemulheresemAprincesa.Amulhersetornariaomaisodioso,impiedosoedeploráveldossereshumanosselhepermitissemdespir-sedoseuprópriosexo,enestecasocomoficariaaproteçãoqueohomemdeveofereceraosexomaisfraco?ArainhaestácertadequeaSra.Martinconcordacomela.428

Oargumentoerairrefutável;aSra.Martinconcordava;e,mesmoassim,aideiaseespalhava.Emoutroaspecto,acompreensãoqueVitóriatinhadoespíritodeseutempotemsidoconstantemente

asseverada. Durante muito tempo foi costume dos historiadores da corte e dos políticos delicadoscumprimentarem a rainha pela correção de sua atitude em relação à Constituição.Mas esses elogiosparecemdifíceisdesejustificarpelosfatos.Emseusúltimosanos,Vitóriamaisdeumavezaludiucommágoaàcondutaquetevenaépocadacrisedasdamasdecompanhia,deixandoclaroqueelaficaramaissábia desde então.429Mas, naverdade, é difícil identificar qualquermudança fundamental seja na suateoria,sejanasuapráticaemrelaçãoàsquestõesconstitucionais.Omesmoespíritodespóticoepessoalque a levou a romper as relações com Peel é igualmente visível na sua animosidade em relação aPalmerston,emsuasameaçasdeabdicaçãofeitasaDisraeli,enoseudesejodeprocessaroduquedeWestminsterporparticipardeumcomícioa favordasatrocidadesbúlgaras.Nãosepodedizerqueoscomplexos e delicadosprincípios daConstituição estivessemnomesmocompassode suas faculdadesmentais;e,nosdesdobramentosreaisqueocorreramaolongodeseureinado,elateveumpapelpassivo.De1840a1861,opoderdacoroacresceuamplamentenaInglaterra;de1861a1901,eledeclinounamesma proporção. O primeiromovimento se deveu à influência do príncipe consorte, e o segundo àinfluência de uma série de grandes ministros. Durante o primeiro, Vitória na verdade foi apenas umacessório; durante o segundo, as rédeas do poder, que Albert tinha manejado tão laboriosamente,inevitavelmente escaparam das mãos de Vitória para o controle vigoroso do Sr. Gladstone, de lordeBeaconsfieldedelordeSalisbury.Talvezporestarabsorvidapelarotina,eporlheparecerdifícilfazerumadistinçãoclaraentreoqueeratrivialeoqueeraessencial,elasóeravagamenteinformadasobreoqueestavaacontecendo.Mesmoassim,nofinaldeseureinado,acoroaestavamaisenfraquecidadoqueemqualqueroutroperíododahistóriainglesa.E,oqueébastanteparadoxal,Vitóriarecebeuosmaioreselogiosporpermitirumaevoluçãopolíticaque,seelativessecompreendidotodasassuasimplicações,lheteriacausadoumdesgostoprofundo.Entretanto,nãosedevesuporqueelafoiumsegundoGeorgeIII.Oseudesejodeimporsuavontade,

veemente como era, e ilimitado por qualquer princípio, era, porém, contido por uma certa dose deastúcia.Vitóriapodiaseoporaosseusministroscomumaviolênciaextraordinária;elapodiasemostrartotalmenteinflexívelasúplicaseargumentos;afirmezadesuasdecisõespodiaparecerinalterável;mas,no últimomomento, toda a sua obstinação desaparecia. O seu respeito próprio, a sua capacidade detrabalhoetalveztambémamemóriadaformaescrupulosacomqueAlbertevitavaassituaçõesextremasapreveniamdeprovocarumimpasseduradouro.Elasabiareconhecer,porinstinto,quandoosfatoseramcomplicadosdemaispara ela, e então, invariavelmente, cedia.Afinalde contas, oquemais elapodiafazer?Masse,emtodosessesaspectos,arainhaesuaépocaestiveramprofundamenteseparadas,ospontos

decontatoentreasduasnãoerampoucos.Vitóriacompreendiamuitobemosignificadoeosatrativosdopoder e da riqueza, e, neste particular, também a nação inglesa se tornara cada vezmais competente.Duranteosúltimos15anosdoreinado– jáqueabreveadministração liberalde1892foiumsimplesinterlúdio–,o imperialismofoiocredodominantenopaís.Era, igualmente,ocredodeVitória.Nestadireção, e talvez em algumas outras, ela deixou que seu intelecto se desenvolvesse. Sob a tutela deDisraeli,osdomíniosbritânicossobreosmarespassaramarepresentarmuitomaisparaeladoqueantes,eeladesenvolveuumapaixãoparticularpeloOriente.AlembrançadaÍndiaafascinava;Vitóriachegoumesmoaaprenderumpoucodoidiomahindu;tambémcontratoualgunscriadosindianos,quesetornaramseuscompanheirosinseparáveis–umdosquais,MunshiAbdulKarim,porfimquaseacabouocupandoaposiçãoquetinhasidodeJohnBrown.430Aomesmotempo,oespíritoimperialistapassouadominaranação, investindo o governo de um novo significado, que se harmonizava perfeitamente com asmaisíntimasinclinaçõesdarainha.Apolíticainglesa,deformageral,tinhaumaestruturamarcadapelobomsenso;mashaviasemprealgumcantonoqualobomsensonãopodiaentrar–onde,deumaformaoude

outra, as medidas ordinárias não eram aplicáveis, onde as leis comuns não funcionavam. Assim foideterminado pelos nossos ancestrais, reservando, em sua sabedoria, um lugar para aquele elementomísticoque, comoparece, nuncapoderá ser completamente erradicadodosnegócios entre oshomens.Naturalmente,eranacoroaqueomisticismodapolíticainglesaestavaconcentrado–acoroa,comsuavenerávelantiguidade,suasassociaçõessagradasesuaordemimponenteeespetacular.Mas,porquasedoisséculos,obomsensofoioelementopredominantenagrandeconstrução,enesseperíodoopequenorecanto,inexploradoeinexplicável,atraíramuitopoucaatenção.Então,comaascensãodoimperialismo,houveumamudança.Poisoimperialismoétantoumaféquantoumnegócio;àmedidaqueelecrescia,omisticismo na vida pública inglesa crescia junto com ele; e, simultaneamente, a coroa passou a serinvestidadeumanovaimportância.Anecessidadedeumsímbolo–umsímbolodopoderdaInglaterra,dovalordaInglaterra,dodestinomisteriosoeextraordináriodaInglaterra–passouasersentidacommais ênfase doque nunca.A coroa era este símbolo: e a coroa repousava sobre a cabeça deVitória.Assimaconteceuqueenquanto,porvoltadofinaldoreinado,opoderdasoberanatinhadiminuídoconsideravelmente,oprestígiodasoberana,porsuavez,tinhacrescidodemaneiranotável.Mas este prestígio não era apenas o resultado das mudanças públicas; era também uma questão

intensamentepessoal.VitóriaeraarainhadaInglaterra,aimperatrizdaÍndia,opivôquintessencialemtornodoqualsemoviatodaumagrandiosaengrenagem–porém,tambémeramuitascoisasmais!Elaera,porexemplo,muito idosa–umrequisitoquaseindispensávelparaseobterpopularidadenaInglaterra.Elatinhadadoprovasdeumadasmaisadmiradascaracterísticasdaraça–avitalidadepersistente.Elatinhareinadopor60anoseaindacontinuavafirme.Alémdisso,tinhapersonalidade.Ostraçosprincipaisdeseutemperamentoestavamclaramentedelineadoseerambastantevisíveis,mesmoatravésdanévoaquesempreenvolvearealeza.Naimaginaçãopopular,asuafigurafamiliarocupava,comsurpreendentefacilidade,umlugarmemoráveledistinto.Elaera,alémdisso,otipodepessoaqueatraíanaturalmenteasimpatiaeaadmiraçãodagrandemaioriadapopulação.Osinglesesvalorizavamabondadeacimadequalquer outra qualidade humana, e Vitória, que aos 12 anos prometera ser boa, soubemanter a suapalavra.Dever,consciência,moralidade–sim!Arainhasempreviverasobaluzdesteselevadosfaróis.Elapassaraseusdiassededicandonãoaolazer,masaotrabalho–àsresponsabilidadespúblicaseaoscuidadoscoma família.Osólidopadrãodevirtude,que tanto tempoantes tinhasidoestabelecidoemmeioàfelicidadedomésticadeOsborne,nãoforarelaxadoumsóinstante.Durantemaisdemeioséculo,nenhumasenhoradivorciadasequerseaproximoudosrecintosdacorte.Naverdade,emseuentusiasmopela fidelidade conjugal, Vitória estabelecera um costume ainda mais rígido: ela desaprovavaseveramente qualquer viúva que voltasse a se casar.431 Considerando-se que ela própria foi filha dosegundo casamento de uma viúva, esta proibição pode ser considerada uma excentricidade;mas, semdúvida,arainhaacreditavaqueeraumaexcentricidadeparaoladodobem.Asclassesmédias,firmesem sua alta respeitabilidade, admiravamcomprazer especial amais respeitável das rainhas.De fato,elesquasechegaramaaclamá-lacomoumacompanheira,comoseVitóriapertencesseàmesmaclassesocial; mas isso teria sido um exagero. Pois, embora muitas de suas características estivessemfrequentemente presentes nas classesmédias, em outros aspectos – em suasmaneiras, por exemplo –Vitóriaeradecididamentearistocrática.E,numpontoemparticular,elanãoeranemaristocráticanemclassemédia:aatitudequemantinhaemrelaçãoasimesmaerasimplesmenterégia.Essasqualidadeseramevidenteseimportantes;masoqueédefatorevelador,noimpactocausadopor

umapersonalidade,éalgomaisprofundo,maisfundamentalecomumatodasasoutrasqualidades.EmVitória, é fácil discernir a natureza desse elemento dominante: era uma sinceridade peculiar. Suafranqueza,suamaneirasimplesdeverascoisas,avivacidadedesuasemoçõeseas formas irrestritascomo ela as manifestava eram as diversas manifestações daquela característica central. Era a suasinceridadequelheconferiaoseudomdeimpressionar,oseucharmee,aomesmotempo,oqueelatinha

de absurdo. Vitória se movia através da vida com a certeza imponente de alguém para quem adissimulaçãoéimpossível–fosseemrelaçãoàquelesqueacercavam,fosseemrelaçãoaelaprópria.Aliestavaela,todaela–arainhadaInglaterra,completaeóbvia;omundopodiaaceitá-laourejeitá-la;elanãotinhamaisnadaamostrar,ouaexplicar,ouamodificar;e,comestacondutaímpar,elatrilhavaoseu caminho. E não era apenas a dissimulação que estava fora de questão; a reticência, a reserva,algumasvezesatémesmoadignidade,comoàsvezesparecia,podiammuitobemserdispensadas.ComodisseladyLyttelton:

Há uma transparência na sua verdade que é avassaladora – nem uma sombra de exagero aodescreversentimentosoufatos,comopouquíssimasoutraspessoasqueconheci.Muitaspodemserigualmente verdadeiras, mas creio que também demonstram certa reserva. Vitória fala tudo,exatamentecomoé;nemmais,nemmenos.432

Elafalavatudo;etambémescreviatudo.Suascartas,nofluxocontínuoesurpreendentedesuaexpressão,lembramumatorneiraaberta.Oqueestádentrodelairrompedeumaformaimediataeespontânea.Seuestilo, pouco literário, tem pelomenos omérito de ser um veículo perfeito para seus pensamentos eemoções; e até mesmo a trivialidade de suas sentenças contém um sabor curiosamente pessoal. Semdúvida,eraatravésdeseus textosqueVitória tocavacommais intensidadeocoraçãodopúblico.Nãosomente em seusDiários da Escócia, onde a crônica de sua vida cotidiana aparece desprovida dequalquer traçodeafetaçãoouembaraço,mas tambémnaquelasadmiráveismensagensànaçãoque,detempos em tempos, ela publicava nos jornais, o seu povo de fato encontrava um forte elemento deidentificação. Seus súditos sentiam de forma instintiva, a sinceridade irresistível de Vitória, ecorrespondiamaela.Eesteeraumverdadeirolaçodeafeto.A personalidade somada à posição – amaravilhosa combinação das duas talvez constituísse o seu

elementomais fascinante.Apequenaevelhasenhora,comseuscabelosbrancosesuas roupasde lutofechado,sentadaemsuacadeiraderodasouemsuacarruagempuxadaporumburrinho–assimelaeravista; e então, logo atrás, com uma imediata sugestão de singularidade, mistério e poder, vinham oscriados indianos. Esta era a visão familiar, certamente admirável; mas, em determinados momentos,surgiaarainha,eclipsandoaviúvadeWindsor.AúltimaemaisgloriosadestasocasiõesfoioJubileude1897. Então, à medida que passava o esplêndido cortejo que escoltava Vitória através das ruas deLondres,cheiasdevibranteentusiasmo,atéaCatedraldeSt.Paul,ondearainhafoidargraças,ficarampatentes toda a grandezade seu reinado e a adoraçãode seus súditos, que se sobrepunhamcom igualintensidade.Osolhosdasoberanaficaramcheiosdelágrimase,enquantoamultidãoaaclamava,Vitóriarepetia sem parar: “Como eles são bons para mim! Como eles são bons!”433 Naquela noite, a suamensagem atravessou todo o império: “De coração, eu agradeço ao meu amado povo. Que Deus oabençoe!” A longa jornada estava quase concluída. Mas a viajante, que tinha chegado tão longe, eatravessado tantas experiências estranhas, prosseguia com o mesmo passo decidido do passado, semvacilações. A menina, a esposa, a mulher idosa eram a mesma: vitalidade, consciência, orgulho esimplicidadeforamcaracterísticassuasatéoúltimomomento.

10Ofim

I

O crepúsculo tinha sido dourado; mas, depois de tudo, o dia devia terminar sob nuvens pesadas etempestuosas.Asnecessidadesdo império–easambiçõesdo império–envolveramopaísnaguerrasul-africana.Houvederrotas,reveses,desastressangrentos;porummomento,anaçãofoiestremecida,easpreocupaçõespúblicasforamcompartilhadascomíntimasolicitudepelarainha.Masoseuespíritoeraelevado, e nem a sua coragem, nem a sua confiança foram abaladas um só instante. Lançando-se decoraçãoealmanaluta,trabalhoucomvigorredobrado,interessando-seporcadadetalhedashostilidadese procurando servir à causa nacional através de todos osmeios de que dispunha. Em abril de 1900,quandojáestavacom81anos,elatomouadecisãoextraordináriadeabrirmãodesuavisitaanualaosuldaFrança,viajandoemvezdissoparaaIrlanda,quetinharecrutadoumnúmeroparticularmentegrandedesoldadosparaoscamposdebatalha.VitóriaficoutrêssemanasemDublin,passeandopelasruassemuma escolta armada, contrariando as recomendações de seus conselheiros; e a visita foi um sucessocompleto. Mas, ao longo desta viagem, pela primeira vez, ela começou a dar sinais do cansaço daidade.434Olongoperíododeansiedadeincessante,trazidopelaguerra,logosefezsentir.Dotadapelanatureza

deumaconstituiçãorobusta,Vitória–emborajásetivesseimaginadocomoumainválidaemperíodosdedepressão–naverdadegozaradeumaexcelentesaúdeaolongodetodaasuavida.Jáemidadeavançada,elasofreradeumendurecimentoreumáticodasarticulações,queafezprecisardeumabengalae,finalmente,deumacadeiraderodas;maselanuncatevenenhumaoutradoença,atéque,em1898,suavisãocomeçouaserafetadaporumacatarataincipiente.Apartirdaí,aleiturasetornoucadavezmaisdifícilparaela,emboraaindapudesseassinarseunomeeatémesmo,comalgumadificuldade,escrever

cartas. No verão de 1900, contudo, apareceram sintomas mais sérios. Sua memória, de cuja força eprecisão ela se orgulhara tanto, agora a abandonava de tempos em tempos; Vitória demonstrava umatendência à afasia; e, embora nenhuma doença específica se manifestasse, por volta do outono haviasinaisinequívocosdeumdeclíniofísicogeneralizado.Mesmonessesúltimosmeses,porém,suatêmperadeaçocontinuoufirme.Otrabalhodiáriocontinuou;naverdade,chegouaaumentar,poisarainha,comumapersistência assombrosa, insistia em se comunicar pessoalmente com amassa cada vezmaior dehomensemulheresquetinhamsofridoduranteaguerra.435Porvoltadofinaldoano,osúltimosresíduosdesuaenormeenergiaquaseaabandonaram;e,jános

primeirosdiasdonovoséculo,estavaclaroqueaquelasforçasvacilantessósemantinhamemfunçãodeumgrandeesforçodavontade.Nodia14de janeiro,emOsborne,Vitóriaconcedeuumaaudiênciadeuma hora a lorde Roberts, que tinha regressado vitorioso da África do Sul poucos dias antes. Ela ointerrogou com aguda curiosidade sobre todos os detalhes da guerra; e parecia estar suportando tudomuitobem;mas,quandoaaudiênciaterminou,Vitóriasofreuumcolapso.Nodiaseguinte,seusmédicosparticularesreconheceramqueseuestadoeradesesperador;aindaassim,aqueleespíritoindomávellutoupormaisdoisdias;pormaisdoisdiaseladesempenhouosdeveresdeumarainhadaInglaterra.Depoisdisso,nãopôdemaistrabalhar;sóentão,enãoantes,mesmoosmaisotimistasperderamsuasesperanças.Océrebroestavafalhando,eavidaestavaseesvaindosuavemente.Afamíliasereuniuàsuavolta;elaaindavegetoumaisumpouco,semfalareaparentementeinconsciente;nodia22dejaneirode1901,elamorreu.436Quando,doisdiasantes,anotíciadofimpróximofoianunciada,umatristezaenormedesabousobreo

país. Era como se estivesse prestes a acontecer uma reversão do curso normal da natureza.A grandemaioriadosseussúditosnãoconheceranenhummomentoemqueVitórianãoreinassesobreeles.Elasetornaraumaparteindissolúveldetodoumsistemadevida,epareciainconcebívelqueestivessemprestesaperdê-la.Quantoaelaprópria,jásilenciosaecega,pareciaàquelesqueaobservavamestardestituídade qualquer faculdade de raciocínio – como se já tivesse deslizado, inesperadamente, para oesquecimento. Mesmo assim, talvez ela ainda tivesse seus pensamentos, nos recantos secretos daconsciência.Talvezaquelamentequeseextinguiaaindaevocasseumavezmaisassombrasdopassado,que flutuavam diante dela e reconstituíam, pela última vez, as imagens desaparecidas daquela longahistória–umavezmais,retrocedendosempreatravésdanuvemdosanos,rumoarecordaçõescadavezmaislongínquas–atéosbosquesprimaverisdeOsborne,repletodasprímulasdelordeBeaconsfield;asroupasextravaganteseacondutaarrogantede lordePalmerston;eo rostodeAlbertà luzda lâmpadaverde;eaprimeiracaçadadeAlbertemBalmoral;eAlbertemseuuniformeazuleprateado;eobarãosurgindoporumaportaentreaberta;elordeM.divagandoemWindsor,comasgralhascrocitandoentreosolmos;eoarcebispodeCanterburydejoelhos,naaurora;easexclamaçõesestouvadasdovelhorei;eavozsuavedotioLeopoldemClaremont;eLehzencomseusglobos;easpenasdovestidodesuamãebalançandoemsuadireção;eumvelhoegrandiosorelógiodeseupai,guardadonumestojodetartaruga;e um tapete amarelo e alguns drapeados amigáveis de musselina; e as árvores e o gramado emKensington.

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WILBERFORCE,WILLIAM.TheLifeofWilliamWilberforce,5vols.,1838.WYNN.DiariesofaLadyofQuality.PelaSrta.FrancesWilliamsWynn,1864.

Estee-bookfoidesenvolvidoemformatoePubpelaDistribuidoraRecorddeServiçosdeImprensaS.A.

RainhaVitória

Wikipédiadoautor:https://pt.wikipedia.org/wiki/Lytton_Strachey

Goodreadsdoautor:http://www.goodreads.com/author/show/63011.Lytton_Strachey

Goodreadsdolivro:http://www.goodreads.com/book/show/28958078-a-rainha-vit-ria?from_search=true

Skoobdolivro:https://www.skoob.com.br/rainha-vitoria-27889ed489122.html

WikipédiadaRainhaVitória:https://pt.wikipedia.org/wiki/Vit%C3%B3ria_do_Reino_Unido

Sinopsedolivro:http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=28544

Notas:1.Greville, II,326-8;Stockmar,cap. I,86;Knight, I, caps.XV-XVIIIeApêndice,e II,cap. I. (Estaseasdemaisnotasde rodapésãodopróprioautor.)

2.Grey,384-386-8;“Letters”,II,40.3.Grey,375-86.4.“Letters”,I,216,222-3;II,39-40;Stockmar,87-90.5.Stockmar,“BiographischeSkizze”,ecap.III.6.Creevey,I,264,272;“Prinnydeixoudesepreocuparcomsuabarriga,queagorajáatingeosjoelhos;deresto,dizemqueeleestábem”.7.Greville,I,5-7.8.Ibid.,IV,2.9.Stockmar,95;Creevey,I,148;Greville,I,228;Lieven,183-4.10.Crawford,24.11.Ibid.,80,113.12..Emfrancês,literalmente,“regularcomoumapartitura”,refere-seàquiloouàquelequeéconstante,regularouregrado.(N.doE.)13.Stockmar,112-3;“Letters”,I,8;Crawford,27-30;Owen,193-4,197-8,199,229.14.Creevey,I,267-71.15.“Ibid.,I,276-7.16.“Letters”,I,l-3;Grey,373-81,389;Crawford,30-4;Stockmar,113.17.Creevey,I,282-4.18.Crawford,25,37-8.19.Murray,62-3;Lee,11-12.20.Owen,“Journal”,número1,fevereirode1853,28-9.21.Ibid.,31.22.Croker,I,135.23.Stockmar,113.24.Ibid.,114-5.25.“Letters”,I,15,257-8;Grey,ApêndiceA.26.Granville,I,168-9.27.Wilberforce,William,V,71-2.28.“Letters”,I,17.29.Creevey,I,297-8.30.Jerrold,“EarlyCourt”,15-17.31.“Letters”,I,10.32.“Ibid.,I,14;Girlhood,I,280.33.Crawford,6.34.Smith,21-2.35.“CornhillMagazine”,LXXV,730.36.Hunt,II,257-8.37.“Letters”,I,10,18.38.“Letters”,I,11-12;Lee,26.39.“Letters”,I,14-17.40.Ibid.,I,16.41.Martin,I,18.42.“Letters”,I,11.43.42Girlhood,I,42.44.43Crawford,87.45.Martineau,II,118-9.46.Girlhood,66-7.47.Ibid.,I,129.48.Girlhood,I,124-5.49.Ibid.,I,78,82.50.Girlhood,I,150-3.51.Girlhood,I,157-61.52.Greville,II,195-6.53.Greville,III,321,324.54.“Letters”,I,47-8.55.Girlhood,I,168.56.Greville,III,377.57.Greville,III,374-6.58.Ibid.,IV,21;e15deagostode1839(nãopublicado).“AcausadaalienaçãodarainhaemrelaçãoàduquesaedoódiodeConroy,disseo

duque[deWellington],devia-seinquestionavelmenteaofatodeelatertestemunhadoalgumasfamiliaridadesentreosdois.ElarepetiuoqueviraàbaronesaSpäth,eSpäthnãoapenasnãosegurousualíngua,mas(eleacredita)repreendeupessoalmenteaduquesasobreoassunto.AconsequênciafoiqueelesselivraramdeSpäth,comotambémteriamselivradodeLehzen,sefossemcapazes,masLehzen,queentendiamuitobemoqueestavasepassando,eraprudenteobastanteparanãosecomprometer,eelaera,alémdisso,poderosamenteprotegidaporGeorgeIVeWilliamIV,deformaqueelesnãoousariamtentarexpulsá-la.”

59.Greville,IV,21;Crawford,128-9.60.Girlhood,I,192-3.61.Girlhood,I,191.62.Ibid.,I,194.63.Greville,III,407-8.64.Creevey,II,262.65.“Letters”,I,53.66.Ibid.I,61.67.Girlhood,I,175.68.“Letters”,I,70-169.Torrens,419.70.Huish,686.71.Wynn,281.72.Girlhood,I,195-673.Ibid.,I,196-7.74.Greville,III,414-6.75.Greville,III,411.76.Ibid,IV,7,9,14-15.77.Walpole,I,284.78.Crawford,156-779.Greville,IV,16.80.Girlhood,I,210-1.81.Greville,IV,15.82.Ibid.,IV,21-2.83.Stockmar,322-3;Maxwell,159-60.84.Stockmar,109-10.85.Ibid.,165-6.86.Ibid.,caps.Viii,ix,xexi.87.Girlhood,II,202.88.Stockmar,324.89.Stockmar,cap.15,parte2.90.Ibid,cap.xvii.91.Stein,VI,932.92.Greville,VI,247;Torrens,14;Hayward,I,336.93.Greville,VI,248.94.Greville,III,332;VI,254;Haydon,III,12:“1ºdemarçode1835.ChamadoporlordeMelbourne,euoencontreilendoasatas,comumvolumeemgregodotestamentoquepertenceraaSamuelJohnson”.

95.Greville,iii,142;Torrens,545.96.Girlhood,II,148;Torrens,278,431,517;Greville,IV,331;VIII,162.97.Greville,VI,253-4;Torrens,354.98.Greville,Iv,135.*Oapelido“Vic”éumareferênciaaonomedarainhaeminglês,Victoria.(N.doE.)99.Creevey,II,326.100.Girlhood,I,203.101.Girlhood,I,206.102.Lee,79-81.103.Girlhood,II,3.104.Ibid.,II,29.105.Ibid,II,100.106.Girlhood,II,57,256.107.Lee,71.108.OduquedeBedforddisse aGrevillequeestava“certodequehaviaumadisputa entre ela eMelbourne…Eleestá segurodehouvediscordânciaemrelaçãoàreuniãodoshomensapósojantar,jáqueeleaouviudizeraGreville,comraiva,que‘esteéumcostumehorrível’—masquandoasdamasdeixavamasala(ondeeletinhajantado),foramdadasinstruçõesparaqueoshomenspermanecessempormais5minutos”.Greville,26defevereirode1840(nãopublicado).

109.Greville,11demarçode1838(nãopublicado).110.Greville,IV,152-3.111.110Girlhood,I,265-6

112.Martineau,II,119-20;Girlhood,II,121-2.113.Girlhood,I,229.114.Girlhood,I,356-64;Leslie,II,239.115.“Letters”,I,79.116.“Letters”,I,80;Greville,IV,22.117.Greville,I,85-6;Greville,IV,16.118.“Letters”,I,93.119.Ibid.,I,93-5.120.Ibid.,I,116.121.“Letters”,I,117-20.122.Ibid.,I,134.123.“Letters”,I,134-6,140.124.Ibid.,I,154.125.“Letters”,I,185.126.Greville,IV,16-7;Crawford,163-4.127.Greville,IV,178,e15deagostode1839(nãopublicado).128.“Ninguémgostadarainha,suapopularidadecaiuazero,ealealdadeéletramorta.”Greville,25demarçode1839;“MorningPost”,14desetembrode1839.

129.Greville,15deagostode1839(nãopublicado)130.Girlhood,I,254.131.Girlhood,I,324.132.Greville,4deagostode1841(nãopublicado);Girlhood,II,154,162.133. “Letters”, I, 154-72; Girlhood, II, 163-75; Greville, IV, 206-17 e trechos não publicados; Broughton, V, 195; Clarendon, I, 165. Aexclamação“Elesquiserammetratarcomoumamenina,masvoulhesmostrarquesouarainhadaInglaterra!”,frequentementecitada,éapócrifa.ÉapenasumtrechodoresumoqueGrevillefezdasduascartasaMelbourne,publicadasem“Letters”,162e163.Pode-senotarque a frase “A rainha da Inglaterra não se submeterá a tais tramoias” é omitida em Girlhood, 169; e, em geral, existem diversasdiscrepânciasverbaisentreasversõesdodiárioedascartasreunidasnosdoisvolumes.

134.Greville,7dejunho,10dejunho,15dejunho,15deagostode1839(nãopublicado).135.Greville,24dejunhoe7dejulhode1839(nãopublicado);Crawford,222.136.Greville,VI,251-2.137.Ibid.,VI,251;Girlhood,I,236,238;II,267.138.Martineau,II,120.139.“Letters”,I,49.140.Grey,219.141.Girlhood,II,153.142.“Letters”,I,177-8.143.Girlhood,II,215-6.144. Girlhood, II, 262-9. A afirmação de Greville (27 de novembro de 1839) de que “a rainha resolveu sozinha toda a questão de seucasamento, sem consultarMelbourne sobre o assunto, ou sequer lhe comunicando suas intenções” na verdade não tem fundamento.OdiáriodarainhaprovaqueelaconsultouMelbournesobrecadadetalhe.

145.Martin,I,1-2;Grey,213-4.146.Grey,7-9;Crawford,243-6;Panan,236-7.147.Grey,caps.iavi;Ernest,I,18-23.148.Grey,ApêndiceB.149.Grey,124-7.150.Gossart;Ernest,I,72-3.151.Grey,169-73.152.Stockmar,310.153.Grey,133,415,416,419.154.Stockmar,331-2.155.Grey,425.156.Grey,421-5;“Letters”,I,188.157. “Conversei bastante com ladyCowper a respeito da corte.Ela lamentouo caráter obstinadoda rainha, que, segundo ela, poderia lhetrazergrandescontrariedadesnofuturo.LadyCowperdissetambémqueospreconceitoseantipatiasdasoberanaeramprofundos,gravesearraigadosemseuespírito,equeseutemperamentoerainflexível.OódioqueelasentiaporPeeleoressentimentoquealimentavacontraoduqueportertomadoopartidodele,enãoodela,naantigadisputaentreosdoiscontinuavaminalterados”.Greville,11denovembrode1839(nãopublicado).

158.Greville,29dejaneiro,15defevereirode1840(nãopublicado).159.“Letters”,I,201.160.“Letters”,I,200-8;Girlhood,II,287.161.“DictionaryofNationalBiography”,VerbeteSirJamesClark;“Letters”,I,202.162.Grey,292-303.163.Greville,15defevereirode1840(nãopublicado).

164.“Letters”,I,199.165.Martin,I,71,153.166.Grey,319-20.167.Greville,3deabrilde1840(nãopublicado);Grey,353-4;Ernest,I,93-4.168.Stockmar,351.169.“Letters”,I,224.170.Bloomfield,I,19.171.Grey,340;“Letters”,I,256.172.Ernest,I,93.173.Jerrold,“Merriedlife”,56.174.Grey,320-21;361-2.175.Stockmar,352-7.176.Martin,I,90-2.177.“Letters”,I,271-4,284-6.178.Ibid.,I,280.179.“Letters”,I,305;Greville,V,39-40.180.“Letters”,I,325-6,329,330-1,339-42,352-4,360-3,368.181.Ibid.,I,291,295.182.Ibid.,I,303.183.Lyttelton,282-3.184.Bloomfield,I,215.185.Grey,338-9;Bloomfield,I,28,123;Lyttelton,300,303,305-6,312,334-5;Martin,I,488.“Letters”,I,369.186.“Letters”,I,366.187.“Letters”,III,439.188.Martin,I,125.189.Girlhood,2,135.190.“Letters”,I,366,464-5,475etc.191.Lyttelton,306.192.Crawford,243193.Lyttelton,348.194.“Letters”,II,13;Bunsen,II,6;Bloomfield,I,53-4.195.“Letters”,II,12-16.196.Martin,I,224.197.Lyttelton,292;Bloomfield,I,76-7.198.Gaskell,I,313.199.Martin,I,275-306.200.Lyttelton,303,354,402.201.Clarendon,I,181-2;Girlhood,II,299,306.202.Martin,I,119-25,167;Stockmar,660.203.Stockmar,404-10;Martin,I,156-60.204.“TheTimes”,dezembrode1840;março,julhoedezembrode1841;fevereiroeoutubrode1842;julhode1844.205.“TheTimesLife”,45.206.Stockmar,409-10;Martin,I,161.207.Greville,VII,132.208.Stockmar,466-7.209.Disraeli,311;Greville,VI,367-8.210.“Letters”,II,64.211.Greville,V,329-30.212.Torrens,502,cap.xxxiii;“Letters”,I,451;II,140;Greville,V,359;VI,125.213.GrevilleVI,255.214.“Letters”,II,203.215.Greville,VI,68-9.216.Martin,I,247-9;Grey,113.217.Stockmar,363;Martin,I,316.218.Martin,II,87.219.Martin,I,334.220.Ibid.,II,224-5.221.Martin,II,225,243-51,289,297-9,358-9;“DictionaryofNationalBiography”,Verbete“JosephPaxton”;Bloomfield,II,3-4.222.Martin,II,364-8.223.Ibid.,II,367enota.224.“Letters”,II317-8.225.Greville,VI,413.

226.Martin,II,369-72,386-92,403-5.227.Martin,I,194-6;“Letters”,I,510-11.228.1.Ascoisasboasvêmparaaquelesqueesperam.(N.doE.)229.Bunsen,II,152.230.Dalling,I,346.231.Dalling,III,413-5.232.Ashley,II,213.233.Greville,VI,33.*“Vocêsnãosabemoquesãoessasprincesasespanholas;elas têmodiabonocorpo,esempredizemosquesenãonosapressarmos[emcasaraprincesa],oherdeiroviráantesdomarido.”(N.doE.)

234.“Letters”,I,511.235.“Letters”,II,100-1.*[Ocasamento]quetraráanossafelicidadeinterior,aúnicaverdadeiranestemundo,quevocê,madame,sabembemapreciar.(N.doE.)236.Dalling,III,cap.viieviii;Stockmar,cap.xx1.237.“Letters”,II,181.238.Ibid.,II,194.239.Ibid.,II,195.240.VeniceeLombardy.241.“Letters”,II,199.242.“Letters”,II,221;Ashley,II,195-6.243.Greville,VI,63-4.244.Greville,VI,324-6;Clarendon,I,341.245.Clarendon,I,337,342.246.“Letters”,II,235-7.247.Ibid.,II,261-4.248.Ibid.,II,253.249.“Letters”,II,238e264.250.Martin,II,307-10.251.“Letters”,II,267-70;Martin,II,324-7;Ashley,II,169-70.252.“Letters”,II,324-31;Martin,II,406-11;SpencerWalpole,II,133-7;Stockmar,642;Greville,VI,421-4.253.“Letters”,II,334-43;Martin,II,411-18;Ashley,II,200-12;Walpole,II,138-42;Clarendon,I,338.254.Ernest,III,14.255.“Pertoedistante,aguerradaTurquia

FoiparatudoeparatodosumapragaEdeAlbertzinho,ocamaradarealDizemquevirourusso;OVelhoAberdeen,comosepodever,TemafacepálidaeamarelaEatéJohnBulltemabarrigacheiaDasujagorduradaRússia.

CoroNósomandaremosparacasaeofaremosgemerOh,Al!VocêjápassoudoslimitesOrapazalemãoagiutristementeEnosvirouascostascomosrussosNasegunda-feirapassada,quehorror,AlcaiudacamaOjovemalemãogritavaenlouquecidoEcomoeleresmungavaechorava!ElegritouparaVic:Jápegueiminhabengala,ParaaRússiavoulevá-la.EentãodizemqueVicsaltoudacamaebateunelesemdemoracomsuatoucadedormir”

De“LovelyAlbert!”[“AdorávelAlbert!”],umpanfletopreservadonoBritishMuseum;Martin,II,539-41;Greville,VII,127-9.256.Martin,II,540,562.

“Turcosalegres,agoravãotrabalharEmostremaoUrsoodeupoderioCorreoboato,nailhaBritânica,DequeA...estánaTorre;OscarteirossuspeitaramEabriramduascartas,“Foipenaqueorapazalemãonãosetenhasaídomelhor”

“LovelyAlbert!”257.Kinglake,II,27-32.258.Aberdeenfalavamuitodarainhaedopríncipe,naturalmentecomgrandeselogios.Afirmavaqueasopiniõesdopríncipeeramgeralmentesólidasesensatas,comumaúnicaexceção:oquesereferiaaoseuviolentoe incorrigívelunionismoalemão.EleseatiracomansiedadeparaoladodaPrússia.”–Greville,VI,305.

259.Ashley,II,218.260.Martin,II,545-57.261.Martin,II,259-60.262.Martin,II,563-4.263.Martin,II,161.264.“Leiaissocomcuidado,emedigaseháalgumerro.”265.“Eisaquiumesboçoquefizparavocê.Leia-o.Achoqueficoubomassim.”266.Martin,,V,273-5.267.Ibid.,II,379.268.Ibid.,IV,14-15,60.269.Martin,II,479.270.Ibid.,II,251-2;Bloomfield,II,110.271.D.N.B.,SegundoSuplemento,verbete“EdwardVII”;“QuarterlyReview”,CCXIII,4-7,16.272.Leaves,18,33,34,36,127-8,132.273.Leaves,73-4,95-6;Greville,VI,303-4.274.Leaves,99-100.275.“Privatelife”,209-11;“QuarterlyReview”,CXCIII,335.276.Leaves,103,111.*Victoria,princesadoReinoUnido,filhamaisvelhadaRainhaVitória.(N.doE.)277.Leaves,92-4.278.Ibid.,102,113-114.279.Leaves,72,117,137.280.“Letters”,III,127.281.Informaçãoprivada.282.Martin,III,5.283.Ibid.,III,146-7,168-9,177-9,190.284.Martin,III,242,245,351;IV,3.285.“QuarterlyReview”,CXCIII,313-4;“SpinsterLady”,7.286.Crawford,311-2.287.Martin,III,350.288.Leaves,105-6.289.Martin,II,429.290.“Letters”,III,especialmentejulho-dezembrode1859;Martin,IV,488-91;V,189.291.Leaves,107.292.“Letters”,III,253.293.Martin,IV,160-9.*Ojovempríncipegostavadetodomundo,maspareciaenvergonhadoemuitotriste.(N.doE.)294.D.N.B.,SegundoSuplemento,551;“QuarterlyReview”,CCXCIII,9-20,24;Greville,VIII,217.295.Stockmar,IV,44.296.Ernest,I,140-1.297.Theognis,401ff.298.“Letters”,III,194.299.Grey,195.300.Martin,IV,298.301.Martin,V,202-4,217-9.302.D.N.B.,SegundoSuplemento,557.303.Martin,V,416-27.304.Ibid.,V,415.305.Bloomfield,II,155.306.Martin,V,427-35;Clarendon,II,253-4:“Nãosepodeafirmarcomcerteza,maséhorrívelpensarqueumavidacomoaquelapossatersidosacrificadaaociúmeegoístaquetinhamdeSirJ.Clarketodososmembrosdesuaprofissão.”DocondedeClarendonàduquesadeManchester,17dedezembrode1861.

307.“Letters”,III,472-3.308.Martin,V,435-42;Hare,II,286-8;“SpinsterLady”,176-7.309.Clarendon,II,251.310.Vitzthum,II,161.311.Stockmar,49;Ernest,IV,71.312.Clarendon,II,251,253.313.“Letters”,III,474-5.

314.“Letters”,III,476.315.Lee,322-3;Crawford,368.316.Clarendon,II,257317.Clarendon,II,261-2.318.Martin,“QueenVictoria”,155.319.Clarendon,II,261;Lee,327;Martin,“QueenVictoria”,30.320.Robertson,12,156.321.Morley,II,102;Ernest,IV,113:“EuseiqueonossoqueridoanjoAlbertsempredesejouumaPrússiaforte,oqueeleconsideravaumanecessidade,eportantotrata-sedeumdeversagradoparamimtrabalharparaisso.”DaRainhaVitóriaaoduquedeSaxe-Coburg-Gotha,29deagostode1863.

322.Fitzmaurice,I,459,460.323.Fitzmaurice,I,472-3.324.Clarendon,II,310-11.325.“TheTimes”,6deabrilde1864;Clarendon,II,290.326.Ibid.,I,292-3.327.Fitzmaurice,I,466,469.328.Martin,“QueenVictoria”,28-9.329.Martin,“QueenVictoria”,97-106.330.Lee,390.331.“NationalMemorial”.332.Scott,177-201,271.333.Ibid.,225.334.“NationalMemorial”;Dafforne,43-4.335.Adams,135.336.Clarendon,II,342.337.Buckle,IV,385.338.Buckle,IV,382-95.339.Ibid.,IV,592.340.Clarendon,II,346.341.Buckle,V,49.342.Ibid.,V,48.343.Ibid.,V,28.344.Morley,II,252,256.345.Martin,“QueenVictoria”,50-1.346.Tait,II,cap.1.347.Childers,175-7348.Morley,II,360-5.349.Morley,II,423-8;Crawford,356,370-1.350.Informaçãoprivada.351.Em1889 foicomprovadooficialmentequeaseconomiasda rainha,provenientesdaListaCivil,chegavamàquantiade824.025 libras,masquedestasomahaviamsidogastasimportânciasdiversasparaoentretenimentodevisitantesestrangeiros(Lee,499).Levando-seemconsideração as rendas doDucado deLancaster, que superavam as 60mil libras anuais (Lee, 79), a herança do príncipe consorte e olegadodoSr.Neild,pareceprovávelque,naocasiãodesuamorte,afortunadeVitóriafossedeaproximadamente2milhõesdelibras.

352.Morley,II,425-6;Lee,410-2,415-8;Jerrold,“Widowhood”,153-7,162-3,169-71.353.Martin,“QueenVictoria”,41-2.354.Buckle,VI,463.355.Buckle,VI,226.356.Ibid.,VI,445.357.Ibid.,VI,254-5.358.Ibid.,VI,430.359.Buckle,V,286.360.Ibid.,V,321.361.Ibid.,V,448-9.362.360Ibid.,II,246.363.Morley,II,574-5.364.Buckle,V,414.365.“QuarterlyReview”,CXCIII,334.366.Lee,434-5.367.Buckle,V,339.368.Ibid.,V,384.369.Ibid.,VI,468.370.Buckle,VI,629.371.Ibid.,VI,248.

372.Ibid.,VI,246-7.373.Buckle,VI,464-7.374.Ibid.,VI,238.375.Ibid,VI,462.376.Buckle,V,414-5.377.Ibid.,V,456-8;VI,457-8.378.Buckle,V,468-9,473.379.Hamilton,120;“QuarterlyReview”,CXXXIX,334.380.Buckle,VI,106-7.381.Buckle,VI,144.382.Ibid.,VI,150.383.Ibid.,VI,154.384.Ibid.,VI,217.385.Ibid.,VI,157-9.386.Buckle,VI,132.387.Ibid.,VI,148.388.Ibid.,VI,217.389.Ibid.,VI,243-5.390.Ibid.,VI,190.391.Lee,445-6.392.Buckle,VI,613-4.393.Hallé,296.394.“Notesandqueries”,20demaiode1920.395.Neele,476-8,487.396.“Moreleaves”,v.397.“Moreleaves”,passim;Crawford,326-31;informaçãoprivada.398.Martin,I,88.399.Ibid.,II,285.400.“TheTimes,20deabrilde1882.401.CartadeSirHerbertStephenao“TheTimes”,15dedezembrode1920.402.Morley,III,167.403.Informaçãoprivada.404.Morley,III,347-8.405.Jerrold,Widowhood,344;informaçãoprivada.406.Lee,487.407.“Moreleaves”,23,29.408.Eckardstein,I,184-7.409.Robertson,458-9;Busch,III,174-188;Lee,490-2.410.“QuarterlyReview”,CXCIII,305-6,308-10.411.“QuarterlyReview”,CXCIII,315-6;Smyth,97;informaçãoprivada.412.“QuarterlyReview”,CXCIII,325;Smyth,104-5.413.Buckle,V,339;Morley,III,347,514.414.“QuarterlyReview”,CXCIII,315,316-7,324-5,326,“SpinsterLady”,268-9;Lee,504-5.415.“QuarterlyReview”,CXCIII,322-4;Martin,“QueenVictoria”,46-9;informaçãoprivada.416.Buckle,V,349-51;Laughton,II,226.417.“Privatelife”,13,66,69,70-1,151,182.418.“Privatelife”,19.419.Ibid.,212,207.420.Ibid.,233.421.Informaçãoprivada.422.Lee,514-5;Crawford,362-3.423.Wilberforce,Samuel,II,275.424.Martin,II,185-7.425.“QuarterlyReview”,CXCIII,319-20.426.Crawford,349.427.Eckardstein,I,177.428.Martin,“QueenVictoria”,69-70.429.Girlhood,II,142.430.Lee,485;informaçãoprivada.431.Lee,555.432.Lyttelton,331.433.“QuarterlyReview”,CXCIII,310.434.“QuarterlyReview”,CXCIII,318,336-7.435.Lee,536-7;informaçãoprivada.

436.Lee,537-9;“QuarterlyReview”,CXCIII,309.