edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

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Crianças em sala de aula do MST, em Eldorado dos Carajás (PA) Política da prefeitura do Rio de Janeiro, governada por Eduardo Paes, promo- ve repressão a vendedores ambulantes e conduz arbi- trariamente moradores de rua a abrigos. Pág. 7 Gestão Eduardo Paes: ser pobre é crime no Rio A Agência Nacional de Telecomunicação, com o apoio da prefeitura paulis- tana, destruiu 8 toneladas de equipamentos apreendi- dos de emissoras de rádio não autorizadas. Pág. 6 Em SP, fúria da Anatel contra rádios livres Cerca de 1.500 famílias de sem-terra ligadas ao MST ocuparam, dia 8, a fazenda Putumuju, da papeleira Veracel Celulose, em Eunápolis (BA). Os trabalhadores chamam a atenção da sociedade para a urgência da reforma agrária e denunciam os abusos cometidos pelas grandes empresas ligadas ao agronegócio São Paulo, de 16 a 22 de abril de 2009 www.brasildefato.com.br Ano 7 • Número 320 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,50 ISSN 1978-5134 Na crise, agronegócio é o setor que mais desemprega no país O agronegócio foi o responsável pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores entre novembro de 2008 e fevereiro deste ano. O volume supera em 8 mil o número de dispensados pelo segundo lugar da lista, a indústria de transformação. Comércio e serviços demitiram 145 mil. As informações são do Ministério do Trabalho e Emprego. Enquanto isso, o governo federal mantém empréstimos bilionários para o agronegócio. Para a safra 2008/2009, o número oficial é de R$ 65 bilhões. Enquanto isso, a agricultura familiar, que emprega 80% da mão-de-obra no campo, recebe dez vezes menos. Págs. 2 e 3 Condenado à extradição volta ao Chile Julgados e condenados pela ditadura de Pinochet, ainda hoje presos políticos seguem cumprindo pena de extradição. Os nove ex-mem- bros dos movimentos MIR, FPMR e MAPU Lautaro estão sentenciados a até 40 anos de exílio. Mes- mo sem uma autorização do Estado, o ex-lautarista Jorge Escobar resolveu voltar para ver a mãe, com câncer em estágio avançado. Com ex- clusividade, Escobar contou ao Brasil de Fato como re- encontrou o Chile e por que decidiu exigir o direito ele- mentar de qualquer conde- nado: ter contato com seus familiares. Pág. 9 Os efeitos da crise econô- mica não cessam de aparecer por todos os EUA. Os índices de desemprego batem recor- des, escolas estão fechando por falta de recursos e men- digos são vistos em cida- des onde, antes, não eram comuns. A paisagem da rica cidade costeira de Saint- Augustin, por exemplo, começou a mudar. Pedintes, geralmente pessoas mais velhas, estendem suas mãos à espera dos centavos que os visitantes podem lhes deixar. Enquanto isso, o estaduni- dense médio se apavora com as medidas “socialistas” pos- tas em marcha pelo governo Obama. Pág. 10 Nos EUA, mendigos nas ruas e o medo do “socialismo” Ensino alternativo enfrenta individualismo nas escolas O ensino está cada vez mais distante da realidade. Assim, os estudantes ficam desanimados e os professo- res desmotivados, o que tor- na a sala de aula um campo de batalha. Entretanto, mé- todos pedagógicos alternati- vos como os utilizados pelo MST e pela Escola da Ponte estão conseguindo alterar esse quadro, envolvendo a comunidade e politizando o aprendizado. Págs. 4 e 5 AFOGANDO EM NÚMEROS Ao menos 153 mil trabalhadores rurais foram demitidos desde setembro. O total equivale à população de Chapecó (SC), um dos maiores polos agropecuários do país. A cidade tem um PIB de R$ 3.044.657.000. Em 2008, o agronegócio recebeu do governo R$ 27 bilhões . Ou seja, 9 PIBs chapecoenses. Obra denuncia o perfil sujo da Monsanto Autora de livro sobre a Monsanto, a jornalista francesa Marie-Monique Robin fala do passado e do presente da corpora- ção: na lista, corrupção e controle de alimentos em nível global. Pág. 11 País mantém presos políticos com pena de exílio na Europa Urbano Erbiste/Folha Imagem Zanone Fraissat/Folha Imagem Guillaume de Crop Joa Souza/Folha Imagem Reprodução Bia Pasqualino

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Uma visão popular do Brasil e do mundo Gestão Eduardo Paes: ser pobre é crime no Rio São Paulo, de 16 a 22 de abril de 2009 www.brasildefato.com.brAno7•Número320 foram demitidos desde setembro. O total equivale à população de Chapecó (SC), um dos maiores polos agropecuários do país. A cidade tem um PIB de AFOGANDO EM NÚMEROS País mantém presos políticos com pena de exílio na Europa Em 2008, o agronegócio recebeu do governo Joa Souza/Folha Imagem Guillaume de Crop

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Page 1: Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

Crianças em sala de aula do MST, em Eldorado dos Carajás (PA)

Política da prefeitura do Rio de Janeiro, governada por Eduardo Paes, promo-ve repressão a vendedores ambulantes e conduz arbi-trariamente moradores de rua a abrigos. Pág. 7

Gestão EduardoPaes: ser pobreé crime no Rio

A Agência Nacional de Telecomunicação, com o apoio da prefeitura paulis-tana, destruiu 8 toneladas de equipamentos apreendi-dos de emissoras de rádio não autorizadas. Pág. 6

Em SP, fúria da Anatel contra rádios livres

Cerca de 1.500 famílias de sem-terra ligadas ao MST ocuparam, dia 8, a fazenda Putumuju, da papeleira Veracel Celulose, em Eunápolis (BA). Os trabalhadores chamam a atenção da sociedade para a urgência da reforma agrária e denunciam os abusos cometidos pelas grandes empresas ligadas ao agronegócio

São Paulo, de 16 a 22 de abril de 2009 www.brasildefato.com.brAno 7 • Número 320

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,50

ISSN 1978-5134

Na crise, agronegócio é o setor que mais desemprega no paísO agronegócio foi o responsável pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores entre novembro de 2008 e fevereiro deste ano. O volume supera em 8 mil o número de dispensados pelo segundo lugar da lista, a indústria de transformação. Comércio e serviços demitiram 145 mil. As informações são do

Ministério do Trabalho e Emprego. Enquanto isso, o governo federal mantém empréstimos bilionários para o agronegócio. Para a safra 2008/2009, o número oficial é de R$ 65 bilhões. Enquanto isso, a agricultura familiar, que emprega 80% da mão-de-obra no campo, recebe dez vezes menos. Págs. 2 e 3

Condenado à extradição volta ao Chile

Julgados e condenados pela ditadura de Pinochet, ainda hoje presos políticos seguem cumprindo pena de extradição. Os nove ex-mem-

bros dos movimentos MIR, FPMR e MAPU

Lautaro estão sentenciados a até 40 anos de exílio. Mes-mo sem uma autorização do Estado, o ex-lautarista Jorge Escobar resolveu voltar para ver a mãe, com câncer em estágio avançado. Com ex-

clusividade, Escobar contou ao Brasil de Fato como re-encontrou o Chile e por que decidiu exigir o direito ele-mentar de qualquer conde-nado: ter contato com seus familiares. Pág. 9

Os efeitos da crise econô-mica não cessam de aparecer por todos os EUA. Os índices de desemprego batem recor-des, escolas estão fechando por falta de recursos e men-digos são vistos em cida-des onde, antes, não eram comuns. A paisagem da rica cidade costeira de Saint-Augustin, por exemplo, começou a mudar. Pedintes, geralmente pessoas mais velhas, estendem suas mãos à espera dos centavos que os visitantes podem lhes deixar. Enquanto isso, o estaduni-dense médio se apavora com as medidas “socialistas” pos-tas em marcha pelo governo Obama. Pág. 10

Nos EUA, mendigos nasruas e o medodo “socialismo”

Ensino alternativo enfrentaindividualismo nas escolas

O ensino está cada vez mais distante da realidade. Assim, os estudantes ficam desanimados e os professo-res desmotivados, o que tor-na a sala de aula um campo de batalha. Entretanto, mé-

todos pedagógicos alternati-vos como os utilizados pelo MST e pela Escola da Ponte estão conseguindo alterar esse quadro, envolvendo a comunidade e politizando o aprendizado. Págs. 4 e 5

AFOGANDO EM NÚMEROS

Ao menos 153 mil trabalhadores rurais

foram demitidos desde setembro. O total equivale

à população de Chapecó (SC), um dos maiores

polos agropecuários do país. A cidade tem um PIB de R$ 3.044.657.000.

Em 2008, o agronegócio recebeu do governo

R$ 27 bilhões. Ou seja, 9 PIBs chapecoenses.

Obra denunciao perfi l sujoda MonsantoAutora de livro sobre a Monsanto, a jornalista francesa Marie-Monique Robin fala do passado e do presente da corpora-ção: na lista, corrupção e controle de alimentos em nível global. Pág. 11

País mantém presos políticos com pena de exílio na Europa

Urbano Erbiste/Folha Imagem Zanone Fraissat/Folha Imagem

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Page 2: Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

17 de abril, Dia Internacional de Luta Camponesa

A VENEZUELA OFERECE para o povo brasileiro uma excelente pedagogia do exemplo sobre a possibilidade de se pla-nejar e consolidar um projeto baseado em um plano estratégico de desenvol-vimento para uma classe específi ca: os trabalhadores populares.

O presidente Chávez e sua equipe de governo têm claro para que grupo prio-ritário ditas mudanças foram desenha-das. E que táticas e estratégias deverão ser implementadas para que, na luta contra as oposições (nacionais e inter-nacionais), se consiga avançar rumo à execução do projeto proposto.

Aparentemente, em meio à propa-gação discursiva do fi m do socialismo real com a queda do muro de Berlim, a burguesia se projetava, no imaginário coletivo nacional e internacional, como única fomentadora onipotente de planos de ação de curto, médio e longo prazos.

Mas, em essência, a política institucio-nal em disputa nos processos de tran-sição dos governos democráticos deve ser manifesta como o espaço de debate, disputa e consolidação do projeto vito-rioso, baseado em concretas medidas de realização do projeto com clara intencio-nalidade de classe.

Chávez e sua equipe consolidaram em 2007 o Plano Socialista de Desenvolvi-mento da Nação. Através deste plano tornaram explícitas as linhas centrais de sua estratégia socialista de médio e longo prazos.

Isso não quer dizer que não haja con-tradições, que as coisas estejam resolvi-das e que, de início, o popular nacional já possa ser considerado revolucionário. Mas tampouco signifi ca que a implan-tação de suas medidas nos últimos anos não tenha revolucionado as bases bur-guesas hegemonizadoras do poder no território venezuelano.

Sem dúvida alguma, frente à atual on-da neoliberal vivida pelo continente, que tem países e governos como territórios férteis de sua ação, (como o caso brasi-leiro), tal postura é, além de um avanço, um suspiro possível sobre horizontes a serem alcançados a partir do trabalho concreto de retomada do público sobre o privado e do Estado como representante legítimo e legal de parte substantiva da sociedade.

Em seu plano socialista de desenvol-vimento da nação, baseado no tripé eco-nomia-moral-democracia socialistas, tal plano aprovado e referendado popular-mente em 2007 evidencia como alguns povos latinos estão, na prática, explici-tando o outro mundo necessariamente possível, a partir da ação planejada de governos pares no processo.

Frente a isso, e com base na realidade brasileira imersa no brutal processo de crise oriunda do histórico pacto burguês no governo, vejamos quais são os prin-cipais apontamentos venezuelanos que podem ser potencializados na histórica oportunidade de executar novos proces-sos-projetos, populares.

Apontamentos:1. A centralidade do Estado como in-

terventor direto e indireto na economia.

Como interventor direto, cabe ao Estado retomar sua função de produtor direto nos principais setores estratégicos da economia (telecomunicações, energia, agricultura e petróleo), utilizando sua gestão e ganhos em prol da sociedade, no que se consideram direitos sociais. Como interventor indireto, cabe ao Es-tado regular, fi scalizar, tributar progres-sivamente os setores econômicos em que atuam os capitais (trans)nacionais para que, em um viés nacional popular, quanto mais façam uso dos recursos que pertencem ao território e à sociedade, mais paguem tributos e operem em con-formidade com as questões legais insti-tuídas pela Constituição nacional. Sem quebras de contratos, sem fl exibilização do mundo do trabalho, sem jogadas con-tábeis que lhes favoreçam e aniquilem a possibilidade de utilização de parte expressiva dos recursos em projetos es-truturais.

2. A centralidade do Estado co-mo formulador de políticas públicas estratégicas. Evidenciar o histórico processo de subordinação popular ao projeto liderado pela classe dominante ao longo da história, e especifi car, com transparência, o que se quer e como se logrará o que se quer com tal po-lítica. A formalização de um número expressivo de trabalhadores informais, o aumento de 20% do salário mínimo, o fomento da escolarização, a retoma-da de empresas públicas estatais são alguns dos pontos centrais não assis-tenciais, estruturais, que dão vida ao plano bolivariano.

3. A centralidade do Estado comu-nicador em expressa manifestação de democratizar o acesso tanto às informa-ções como à formação consciente do que deve ser cobrado, exigido a partir da-quilo que deve ser aniquilado e exposto sobre as históricas mazelas das relações desiguais manifestas em uma sociedade injusta, baseada em uma brutal dis-crepância entre poucos ricos e muitos pobres.

4. A centralidade do Estado e sua clareza tática-estratégica nas relações bi e multilaterais com as demais nações.

Aqui são termômetros importantes da forma e do conteúdo das negociações internacionais. Relações mais duras com os hegemônicos, relações mais solidárias com os latinos e relação mais próxima com os pares são temas diferenciadores do processo de integração latina e reto-mada da relação cujo fi m é a socialização dos fatores e meios de produção.

5. A centralidade do Estado na refor-mulação da educação e cultura nacionais como fomentadoras de uma ética-moral baseada em outros princípios que não o da concorrência, individualista, ga-nanciosa, classifi cadora. O pacto do de-senvolvimento nacional popular que vai migrando para o socialismo e tem como raízes sólidas mudanças estruturais con-tidas no marco constitucional, por isso legítimas (os referendos que o digam) e legais (a Constituição os respalda).

Podemos não estar falando de imedia-to de uma ação e projeção socialistas. Mas o nacional popular venezuelano, protagonizado pelo perfi l de seu gover-nante e pela soberana vontade popular, nos mostra a diferença signifi cativa entre projeto estrutural e projeto assis-tencialista.

Enquanto a equipe de governo ve-nezuelana protagoniza a realização de um projeto estrutural nacional popular, cujos rumos do desenvolvimento estão pautados na democratização e socializa-ção da produção, o governo de cá vê sua popularidade baixar ou subir com base em projetos assistenciais, nebulosos e cuja dimensão popular parece não rom-per o círculo vicioso do populismo.

A ruptura com o subimperialismo é possível. Entretanto, para que isso ocor-ra, é necessário planejar-executar uma política contra-hegemônica que, além de se contrapor à ordem dominante bur-guesa mundial, concretize um projeto de desenvolvimento e de poder diferencia-dos. Esse pode ser o caso venezuelano. Mas nem em aparência se parece com o caso brasileiro.

Roberta Sperandio Traspadini é educadora popular, economista,

integrante da Consulta Popular.

debate Roberta Sperandio Traspadini

Brasil-Venezuela: o nacional burguês versus o nacional popular

crônica Dirceu Benincá

EM JUNHO de 2002, em uma de suas últimas medidas políticas, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto estabe-lecendo o 17 de abril como dia na-cional de luta pela reforma agrária. A ambiguidade do Estado brasileiro e suas elites é tão grande que, em poucos anos, promoveram e acober-taram um massacre e depois fi zeram lei para homenagear as vítimas.

Hipocrisias à parte, o certo é que, em função do massacre de Eldora-do dos Carajás (PA), em 17 de abril de 1996, que tirou a vida de 21 cam-poneses, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e que correu o mundo e sensibilizou a sociedade brasilei-ra, essa data foi transformada pela Via Campesina Internacional em Dia Mundial de Luta Camponesa. Assim, milhares de trabalhado-res de todo o mundo aproveitam essa data/homenagem para se mobilizar, lutar por seus direitos e enfrentar o modelo das empresas transnacionais.

Aqui no Brasil não poderia ser diferente. Já virou tradição a mobi-lização de milhares de camponeses

em todo o país durante o mês de abril, que até recebeu o apelido de “abril vermelho”.

Mas, neste ano, existe um compo-nente a mais, ao qual é importante que os leitores do Brasil de Fato fi quem atentos. Nos últimos anos, desde 1996 (data do massacre) até agora, o modelo neoliberal na agri-cultura brasileira dominava com total hegemonia aquilo que foi cha-mado de agronegócio. Este é uma aliança de classes construída entre os fazendeiros capitalistas brasilei-ros e as empresas transnacionais que dominam a produção e o comér-cio agrícola em todo o mundo.

Agora, a diferença é que a crise global do modo de produção capi-talista deixou a nu a fragilidade e as contradições desse modelo de pro-dução agrícola, que busca apenas o lucro fácil, agride o meio ambiente, expulsa mão-de-obra e produz ba-sicamente para o mercado externo.

E quando produz para o mercado interno, usa e abusa de venenos, en-tregando ao povo alimentos cada vez mais contaminados.

O Brasil se transformou no segun-do país do planeta que mais conso-me venenos na agricultura.

Antes da crise, quando a Via Cam-pesina se mobilizava contra esse modelo aplicado na soja, milho, cana, café, celulose etc., ela era ata-cada pela imprensa, por setores da academia e até por setores do gover-no Lula como retrógrada, contra o progresso, isolada da sociedade, que apenas se mobilizava por motiva-ções ideológicas.

Diante do fracasso do modelo e o surgimento da crise, as contradições deixaram seus defensores sem argu-mentos. Perderam a hegemonia ide-ológica. E estão também perdendo dinheiro na agricultura. Caiu a pro-dução, aumentaram as dívidas, caiu a taxa de lucro. Desempregaram, em

apenas três meses, 280 mil traba-lhadores assalariados rurais!

Suas propostas para sair da crise são ainda mais vergonhosas. Que-rem que a sociedade pague seus prejuízos e os subsidie. A Confedera-ção Nacional da Agricultura (CNA), através de sua presidente-lúmpen, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), pediu ao governo um fi nanciamento de R$ 150 bilhões! Ora, não eram eles que fi nanciavam o progresso, que carregavam nas costas o povo brasileiro?

Caiu a máscara. Os fazendeiros capitalistas pensam apenas em lu-cro. Querem produzir dólares, não alimentos.

Por tudo isso, as mobilizações do MST e da Via Campesina neste mês de abril certamente recolocam a re-forma agrária e o modelo de produ-ção agrícola na agenda de debate da sociedade brasileira.

Algumas questões realmente

precisam ser cobradas e debatidas com a sociedade. Por exemplo, por que seguir exportando a preços subsidiados, sem pagar nenhum imposto, isentados pela famigerada Lei Kandir (dos tempos do FHC)? Para onde irão os milhares de tra-balhadores expulsos do campo com a crise? Qual é a saída? As favelas e o Bolsa Família? Quem deve ser responsabilizado pelo alto nível de contaminação dos alimentos vendi-dos no Brasil? A classe média escapa comprando cada vez mais produtos orgânicos, e o povo seguirá comendo porcaria? Quem são os responsáveis pelas alterações climáticas decor-rentes do monocultivo que destrói a biodiversidade e contamina o meio ambiente?

O fato é que o Brasil poderia aproveitar as enormes potenciali-dades que tem em seu território, sua agricultura e seus recursos naturais para promover a demo-cratização da terra, fazer a reforma agrária e reforçar a produção de alimentos sadios. Isso sim seria uma boa forma de enfrentar a cri-se, garantindo emprego, renda e comida para o povo.

de 16 a 22 de abril de 20092

editorial

Gama

Do lugar em que estou já fui embora!A VIDA É mesmo uma passagem que decorre a passos largos. Em certo sentido, é como disse o fi lósofo pré-so-crático Heráclito de Éfeso: “Não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”. E o “rio” continua a correr, embora muitos deles já tenham sido barrados. Enquanto isso, às voltas com a vida, por esses dias dei-me com a lembrança viva de Fernando Pessoa, junto ao Mosteiro dos Jerôni-mos, localizado em Lisboa, Portugal.

Pessoa foi um destes homens que viu longe e viveu de modo intenso seus menos de 50 anos (1888 - 1935). Entre o que escreveu, acha-se uma frase emblemática, eviden-ciando que em nada há que pôr ponto fi nal. Gravado em sua tumba está: “Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer” (1923). Se nada se pode concluir é sinal de que a vida é uma permanente busca. E o é de fato, busca de tantas coisas!

Com igual destaque, encontra-se inscrito no túmulo daquele que foi um dos poetas mais importantes do sé-culo 20: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive” (1923). Mas, o que será que importa nesta vida: Ser grande ou ser humilde? Ter destaque ou permanecer anônimo? Servir ou ser servido? O que vale, disse o poeta, é ser inteiro em toda parte. E como é difícil sê-lo!

Espelhar-se na imagem da lua que alta está. Embora em poça d’água suja deixa-se ver clara e totalmente. Eis o desafi o a quem quer ser inteiro. Fugir de toda e qualquer forma de ilusão e escravidão. Sair da “caverna” para ver a luz. O poeta a isso nos evoca com seu terceiro epitáfi o grafado na sepultura em que se encontra. “Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e fl ores” (1919). Só fotografar não é sufi ciente. É preciso avistar para descortinar. Importa diagnosticar, contemplar e entender para transformar ou apenas para viver.

Fernando Pessoa, que encarnou diversos heterônimos, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos, rece-beu homenagens diversas. Numa praça pública de Coim-bra ergue-se um monumento onde se lê a famosa frase: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E ela só não é pequena quando está cheia de amor, solidariedade e es-perança. Em tese, como nos leva a pensar o ilustre poeta português, nada é pequeno ou grande. Tudo tem a dimen-são que lhe damos, inclusive e, sobretudo, a vida.

Para não se apequenar o sentido da vida é essencial sair-se de si sem esquecer o que disse o grande fi lósofo ateniense Sócrates (470-399 a.C.): “Conhece-te a ti mes-mo”! O desejo de não se fechar no tempo e no espaço, mas buscar realidades maiores foi também expresso de modo fascinante por ele: “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo”. Desse modo se pode compreender uma das maiores realidades da nossa exis-tência, que consiste na tensão constante entre o transitó-rio e a permanência; entre o aqui e o “além”.

Os fi lósofos, os poetas e também os santos nos ajudam a pensar no que fazer no tempo e no espaço que temos para viver. Estar presente fi sicamente em dois lugares ao mesmo tempo não nos é possível. Diz-se, entretanto, que o conterrâneo e homônimo de Pessoa conseguia. Seu no-me era Fernando Martins Bulhões, nascido em 1195, em Lisboa, que se tornou Santo Antônio. Estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo e em todos os tempos só mesmo Deus.

A nós só resta nos esforçarmos para ser todo em cada coisa, como afi rmou o poeta. Estar presente física, mental e espiritualmente no mesmo lugar e ao mesmo tempo nem sempre é fácil, porque sofremos da tendência de es-tar longe de onde estamos enquanto estamos aqui ou ali. Estar integralmente no mesmo lugar e tempo é condição para viver intensamente a vida que passa. E, na medida em que vamos embora do lugar em que estamos, é preci-so fazer todo o possível para não ter a sensação de que o tempo foi em vão no espaço em que se viveu!

Dirceu Benincá é doutorando pela PUC/SP.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Ma-

druga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0800

Page 3: Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

A agricultura familiar emprega 80% da mão-de-obra no campo brasileiro e produz 60% dos alimentos consumidos no país

de 16 a 22 de abril de 2009 3

brasil

Klabin (celulose – Brasil) 150 milhões

Suzano (celulose – Brasil) 260 milhões

Veracel (celulose – Brasil) 585 milhões

Votorantim (celulose – Brasil) 1,004 bilhão

ADM (grãos – Estados Unidos) 1,645 bilhão

Bunge (grãos – Holanda) 921 milhões

Cargill/Seara – (grãos, alimentos – Estados Unidos) 928 milhões

Copersucar (açúcar – Brasil) 237 milhões

Doux (alimentos – França) 572 milhões

Louis Dreyfus – (sementes e energia – França) 713 milhões

Souza Cruz (tabaco – Brasil) 136 milhões

Ambev (bebidas – Bélgica) 1,6 bilhão

Garoto (alimentos – Brasil) 55 milhões

Perdigão (alimentos – Brasil) 541 milhões

Basf (química – Alemanha) 632 milhões

Bayer (grãos – Alemanha) 50 milhões

Hexion (química – Estados Unidos) 61 milhões

Fosfertil (fertilizantes – Brasil) 160 milhões

Rhodia (química – França) 81 milhões

Carrefour (supermercados – França) 150 milhões

TOTAL 10,481 bilhões

Os empréstimos do Banco do Brasil (em reais)a empresas do agronegócio

Empresa Quantia (em reais)

Independência (frigorífi co) 450 milhões

Sadia 330 milhões

Brenco (sucroalcooleiro) 140 milhões

Marfrig (frigorífi co) 700 milhões

Perdigão 342 milhões

Bertin (frigorífi cos) 2,5 bilhões

JBS-Friboi (frigorífi co) 1,1 bilhão

Votorantim (celulose) 77 milhões

Biopav (sucroalcooleiro) 215 milhões

Rio Claro (alimentos) 420 milhões

Amaggi (soja) 111 milhões

Colombo (sucroalcooleiro) 122 milhões

Santa Luiza (agroenergia) 377 milhões

Alguns empréstimos feitos pelo BNDES

Dafne Meloda Redação

ESTE ANO, a tradicional jor-nada de lutas do Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizada no mês de abril ganha um novo fôlego. Isso porque, em tem-pos de crise econômica, as al-ternativas de desenvolvimen-to para a agricultura brasilei-ra propostas pelo MST se tor-nam ainda mais urgentes. Um dos dados que reforça essa percepção é o do crescimen-to do fechamento de vagas no agronegócio. Entre novem-bro de 2008 e fevereiro des-te ano, o setor foi o responsá-vel pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores. O vo-lume supera em 8 mil o nú-mero de dispensados pelo se-gundo lugar da lista, a indús-tria de transformação. Comér-cio e serviços demitiram 145 mil. As informações são do Ministério do Trabalho e Em-prego e foram organizadas pe-lo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-econômicos (Dieese). “Isso só mostra o quanto o agronegó-

cio é inviável: com o pouco de emprego que gera, ainda está demitindo”, avalia José Batis-ta de Oliveira, da direção na-cional do movimento no Esta-do de São Paulo.

Ainda segundo o Dieese, es-se quadro não tende a melho-rar, mas sim a piorar nos pró-

A (nova) urgência da reforma agráriaA CRISE NO CAMPO Mesmo com manutenção de empréstimos altos, agronegócio já começa a demitir trabalhadores rurais

ximos meses. Só janeiro, mês no qual, tradicionalmente, há saldo positivo de contrata-ções no campo (por conta do trabalho sazonal), apresen-tou um defi cit de pouco mais de 12 mil postos de trabalho. Uma queda de 166% em rela-ção a 2008 (saldo positivo de 8 mil) e de 242% em relação a janeiro de 2007 (17 mil). Ger-son Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Re-forma Agrária (Abra), acredi-ta que apenas o modelo pro-posto pelo MST e por outros movimentos sociais do cam-po pode reverter essa tendên-cia de aumento do desempre-go rural. “Só a agricultura fa-miliar pode propor um mo-delo sustentável ambiental-mente e gerador de emprego”, pontua.

EmpréstimosDe acordo com o Ministé-

rio de Desenvolvimento Agrá-

da Redação

Enquanto o agronegócio abocanha uma média de R$ 70 bilhões por ano, a agri-cultura familiar fi ca com cer-ca de dez vezes menos. Para a safra 2008/2009, foram pro-metidos pouco mais de R$ 7 bilhões. Porém a soma dos re-cursos disponibilizados não é o que mais preocupa o setor. Para Gerson Teixeira, ex-pre-sidente da Associação Bra-sileira de Reforma Agrária (Abra), além da quantidade, é necessário discutir a qualida-de desses investimentos.

Hoje, eles chegam ao pe-queno agricultor via Progra-ma Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Fami-liar (Pronaf), liberados em sua maioria pelo Banco do Brasil. José Batista Oliveira, da direção nacional do Movi-mento dos Trabalhadores Ru-rais Sem Terra (MST), conta que em 2008, por exemplo, nem todo o montante dispo-nibilizado foi captado, não

Linhas de crédito, apenas o começoMovimentos apontam que é necessário discutir um planejamento para a agricultura familiar, não apenas liberar verbas

por falta de demanda e in-teresse dos assentados, mas porque o excesso de burocra-cia e exigências para se obter uma linha de crédito inibe as famílias de acessarem o Pro-naf. “Temos propostas, mas há prioridade de viabilizar os grandes empreendimentos, enquanto os nossos não con-seguem sair do papel”.

AgronegocinhoSegundo o militante do

MST, o governo propagan-deia o aumento do volume de recursos do Pronaf, mas o que não revela é que tem di-minuído o número de famí-lias que o acessam devido a problemas estruturais que impossibilitam o acesso ao crédito. Além do excesso de burocracia, há contrapartidas exigidas que difi cultam a ade-são. De acordo com dados do Banco do Brasil, de 2003 até hoje, os recursos que disponi-biliza aumentou em 290%.

Para Gerson Teixeira, po-rém, o que o Pronaf faz ho-je é incentivar o camponês a se inserir dentro da lógica do agronegócio – “a virar um agronegocinho” –, incenti-vando, por exemplo, determi-nadas culturas (como a soja e a cana), o que acaba inviabi-lizando o projeto de agricul-tura familiar defendido pelos movimentos sociais, de pro-dução de alimentos saudá-veis para consumo interno, e o vincula ao agronegócio, pa-ra quem será obrigado a ven-der sua safra, muitas vezes a preços tão baixos que não consegue viabilizar seu sus-tento – já que passa a produ-zir menos para subsistência –

e ainda pagar os empréstimos contraídos, endividando-se. “É uma linha de crédito que parte de premissas equivoca-das”, opina Teixeira, e conti-nua: “projetos de agricultura familiar que fazem o campo-nês produzir como o agrone-gócio só o farão falir”. Uma das mudanças, sugere, é que as culturas priorizadas fos-sem aquelas com maior de-manda pelo consumidor bra-sileiro, garantindo, assim, que esses produtos chegas-sem à sua mesa mais baratos e saudáveis.

AgroindústriaOutra mudança aponta-

da por Teixeira seria a desfi -nanceirização do crédito pa-ra a agricultura camponesa. “Na prática, o Banco do Bra-sil atua como qualquer outro banco privado na hora de con-ceder os créditos, não como um banco público que deveria incentivar o desenvolvimento do país”, aponta. Ao seu ver, deveria ser criada uma ins-tituição fi nanceira específi -ca para conceder as linhas ao agricultor rural.

José Batista conta que o MST e outros movimentos da Via Campesina há tempos

propõem, junto ao governo fe-deral, um fi nanciamento vol-tado especifi camente para os assentados da reforma agrá-ria, que também envolva in-centivo à comercialização des-ses produtos e possibilite que os assentados possam reali-zar investimentos individuais e coletivos, a exemplo de algu-mas cooperativas de alimen-tos do MST.

O dirigente aponta que o aumento do crédito é uma conquista dos movimentos de luta pela terra, mas sozinhos não resolvem os problemas. É necessário inseri-los dentro de programas de estruturação da agroindústria familiar. “É preciso qualifi car a produção, agregar valor aos produtos in natura para aumentar a renda dos assentados. A produção in natura é importante também, mas atinge apenas um mer-cado localizado”, explica. O que o governo faz hoje, resu-me, é tratar desiguais de for-ma igual: “O Pronaf iguala a família à grande empresa, co-loca na mesma lógica e isso não funciona. Ainda não há um planejamento, uma pro-posta mais estruturante de desenvolvimento dos assenta-mentos”, analisa. (DM)

rio (MDA), a agricultura fa-miliar emprega 80% da mão-de-obra no campo brasilei-ro e produz 60% dos alimen-tos consumidos internamen-te. Ainda assim, não é priori-dade no governo de Luiz Iná-cio Lula da Silva, que tem jo-gado peso no setor agroexpor-tador. Mesmo após o estouro da crise e o temor generaliza-do de desemprego, o Execu-

tivo continua injetando mais recursos no agronegócio, ou seja, tem investido em num setor que desemprega.

Informações do Ministério da Fazenda dão conta de que o montante destinado ao se-tor no plano safra 2008/2009 será de R$ 65 bilhões, sete bi-lhões a mais do que em rela-ção à safra passada. Na práti-ca, o valor dado para a “agri-

cultura empresarial”, como denomina o governo, é ain-da maior por conta de apoios complementares, fi cando o valor anual em torno de R$ 70 bilhões, sendo mais da meta-de somente com a rolagem de dívidas anteriores.

Dentro desse total, há tam-bém os empréstimos feitos pelo Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e

Social (BNDES) e pelo Banco do Brasil (ver as tabelas abai-xo). Este último liberou, pa-ra apenas 20 empresas, pou-co mais de R$ 10 bilhões, mostrando que a concentra-ção não fi ca só nas terras, mas também nos recursos.

Sem contrapartidasGerson Teixeira também

avalia que um dos problemas em relação aos altíssimos em-préstimos é que não há a exi-gência de nenhuma contra-partida por parte do gover-no federal, como a obrigação de manter ou aumentar o nú-mero de postos de trabalho. O ex-presidente da Abra afi rma que sequer há justifi cativa pa-ra as demissões, já que o se-tor não tem tido queda nos lu-cros. “Na minha opinião, as demissões são de caráter pre-ventivo”.

Apesar disso, Teixeira acre-dita que, com a crise, as con-tradições do atual modelo agrícola brasileiro tendem a se esgarçar. “Sem crise já ha-veria motivos para se mudar o modelo. Agora, ela potencia-liza ainda mais a importância da reforma agrária”. Ao seu ver, é inviável a permanência do modelo também do pon-to de vista do meio ambiente e da exploração dos recursos naturais. José Batista argu-menta que incentivar a peque-na agricultura poderia aque-cer setores da economia do país. “Além de atenuar efeitos da crise para os trabalhadores rurais, resolve problema es-trutural da sociedade brasilei-ra, que é a distribuição de ter-ra e renda”, conclui.

“Segundo dados do Dieese, o saldo de demissões e admissões nos três últimos meses de 2008 revelou um aumento de 26% das demissões em relação ao mesmo período de 2007”

João Batista aponta que o aumento do crédito é uma conquista dos movimentos de luta pela terra, mas sozinhos não resolvem os problemas. É necessário inseri-los dentro de programas de estruturação da agroindústria familiar

Douglas Mansur/Novo Movimento

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17 mil discos e CDs, 750 transmissores, 70 antenas e diversos computadores foram destruídos

de 16 a 22 de abril de 20096

brasil

Operação abafaO operação articulada pela dire-

toria da Construtora Camargo Cor-rêa e a assessoria de comunicação Máquina da Notícia, para abafar a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre a empresa,conseguiu sucesso quase absoluto. A grande imprensa burguesa escon-deu ou desviou a atenção sobre os principais crimes da construtora, mesmo porque vários grupos em-presariais poderosos fazem a mes-ma coisa.

Evasão pesadaA Rede BBC, de Londres, que tem

a fama de veicular informação com grande credibilidade, colocou no ar que 70% dos capitais brasileiros transferidos para o exterior – acima de 100 bilhões de dólares por ano – passam pelos paraísos fi scais, em especial pelas ilhas Cayman. Isso confi rma que as empresas nacio-nais e estrangeiras estão dilapidan-do o Brasil com o aval do Banco Central.

Ganância patronalDemitido da Sadia por ter causa-

do prejuízo à empresa, o ex-diretor fi nanceiro Adriano Ferreira revelou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que a diretoria da companhia sa-bia das operações com derivativos – investimento na especulação de papéis, e não na produção. Segundo ele, 80% do lucro da empresa vi-nham da ciranda fi nanceira, o que tem sido uma prática corrente em boa parte do setor industrial.

Privatização furadaA empresa espanhola Telefonica

entra fácil na lista das companhias estrangeiras que mais espoliam o Brasil: aumentou violentamente suas tarifas muito acima da infl a-ção – com a omissão e conivência da Anatel –, terceirizou os serviços para os assinantes, não atende as reclamações como manda a lei e pratica extorsão escancarada nas cobranças do Speedy. A quem os cidadãos devem recorrer?

Lucro predadorA ausência de regulamentação

para a expansão da cana-de-açú-car só favorece mesmo o setor agroindustrial, que invade áreas de preservação ambiental. O plantio da cana e a instalação de usinas nas proximidades do Pantanal, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ameaçam de conta-minação com agrotóxicos e vinho-to os rios que formam o complexo ecológico. Visite o Pantanal antes que desapareça!

Armas mortaisVários movimentos sociais po-

pulares e entidades de direitos humanos decidiram fazer mani-festação contra a feira de armas e equipamentos bélicos realizada no Riocentro, no Rio de Janeiro, de 14 a 17, inclusive com a participação de quatro indústrias de Israel que tiveram seus artefatos militares uti-lizados recentemente nos ataques contra os palestinos da Faixa de Gaza. Fora a feira da morte!

Povo ameaçadoEntidades e movimentos sociais

ligados ao Tribunal Popular prepa-ram a campanha “Paraisópolis exige respeito”, em defesa da favela de Paraisópolis, que está sob constan-te ameaça da Polícia Militar e alvo de manobras da prefeitura de São Paulo e do governo do Estado para a retirada dos moradores daquela região. O lançamento da campanha deverá acontecer nos dias 25 e 26.

Rabo presoA má vontade da grande im-

prensa com o delegado Protóge-nes Queiroz, da Polícia Federal, é cada vez mais acintosa. Tudo indica que ao investigar o grupo Opportunity, com apoio do Mi-nistério Público e do Judiciário, ele praticou o maior pecado do país, que é mexer com os ricos e poderosos. A cobertura de seu depoimento na CPI dos grampos foi reveladora de quem está com o rabo preso com Daniel Dantas.

Simples descuidoNo dia 7, a Comissão de Consti-

tuição e Justiça do Senado aprovou parecer do senador Pedro Simon, do PMDB-RS, que veta a renova-ção e novas concessões de rádio e TV para parlamentares. Como os caciques do Congresso Nacional são detentores de inúmeras con-cessões, praticam o “coronelismo eletrônico” o tempo todo, está na cara que o parecer não tem ne-nhum futuro, vai acabar no lixo. Foi apenas um cochilo!

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

Bia Barbosade São Paulo (SP)

NO DIA 8, o escritório regional da Agência Nacional de Telecomuni-cação (Anatel) em São Paulo (SP), com o suporte logístico e político da prefeitura, destruiu cerca de 8 toneladas de equipamentos apre-endidos em operações de fi scaliza-ção de emissoras de rádio não au-torizadas. Ao todo, 17 mil discos e CDs, 750 transmissores, 70 ante-nas e dezenas de computadores e aparelhos de som se transforma-ram em sucata no hangar da Vasp, no aeroporto de Congonhas.

Segundo a Anatel, todos os equi-pamentos encontravam-se sem ho-mologação pelas autoridades res-ponsáveis e provocavam interfe-rências no controle de tráfego aé-reo e nas transmissões de emisso-ras comerciais. Eles teriam sido apreendidos em cinco anos de ope-rações da Agência no Estado e cor-respondiam a dois mil processos concluídos pela Justiça, que teria autorizado sua destruição.

“Este é um ato simbólico do com-bate à ilegalidade em São Paulo. Aqui tem lei e ela será respeitada”, disse o prefeito Gilberto Kassab (DEM), que fez questão de subir no rolo-compressor e posar para os fl ashes da grande imprensa co-mercial, que prestigiou em massa o acontecimento. “É fundamental que o material seja destruído, para mostrar que não teremos tolerân-cia com quem faz isso. Nosso obje-tivo é fechar todas as rádios piratas e ilegais, que trazem riscos à vida das pessoas. Se é clandestina, tem que ser eliminada”, sentenciou.

Além do prefeito e dos veículos comerciais tradicionais, o ato de destruição contou com a presença de policiais federais, militares, ci-vis, de diversos secretários do go-verno municipal e da cúpula do es-critório regional da Anatel em São Paulo. Para Everaldo Gomes Fer-reira, gerente regional da Agência, “uma rádio clandestina é um cami-nhão na contramão” do espectro.

Essas emissoras, acrescentou, aparentam ter um “fascínio pela ilegalidade”. “Temos que respei-tar a lei e a lei não se respeita. To-das essas rádios nunca buscaram a legalização. Até onde sei – por-que sou da Anatel e não do Minis-tério das Comunicações –, o Mi-nistério faz exigências, tenta locali-zar os responsáveis, manda corres-pondência para mandar documen-tação e essas pessoas não são loca-lizadas”, alegou.

Um relatório da subcomissão criada para avaliar os processos de outorga de concessões de rá-dio e TV da Comissão de Ciên-cia e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câma-ra dos Deputados revelou, no en-tanto, que os processos para ob-tenção da autorização de operação para uma rádio comunitária po-dem levar até 3,6 anos. O gover-no federal já reconheceu o proble-ma ao ter instalado dois grupos de trabalho, um em 2003 e outro em 2005, para tentar resolver o acú-mulo de processos. Apesar de am-bos terem produzido recomenda-ções e relatórios fi nais, as medidas sugeridas nunca foram implanta-das pelo Ministério das Comuni-

Anatel destrói ilegalmenteaparelhos de rádios livresCENSURA Em parceria com prefeito de São Paulo, Agência transforma em sucata equipamentos usados para comunicação

cações e por outros órgãos do Exe-cutivo Federal.

Ilegalidade na destruiçãoA Anatel justifi cou a destruição

dos equipamentos dizendo tratar-se de provas materiais de crimes. “É igual a uma arma”, disse Eve-raldo Ferreira. Ele garantiu que a Agência tem como uma de suas prerrogativas a destruição de equi-pamentos e alegou que não faria sentido doar as oito toneladas que ali estavam porque “hoje o custo de aquisição de materiais como esses é cada vez mais barato, sem contar que são de origem duvidosa”.

No entanto, segundo o juiz fe-deral aposentado Paulo Fernando Silveira, consultado pelo Observa-tório do Direito à Comunicação, a absoluta maioria dos equipamen-tos apresentados na operação da Anatel e da prefeitura de São Pau-lo não poderia ser inutilizada. Ao contrário da apreensão de drogas, por exemplo, os transmissores, antenas, computadores, mesas de som e CDs não são produtos proi-bidos pela lei, não sendo, portan-to, passíveis de destruição. Ao se-rem adquiridos no mercado inter-no de forma lícita, são propriedade permanente daqueles que o com-praram, mesmo que sejam consi-derados pela Justiça provas mate-riais de um crime.

“Mesmo um revólver, se estiver registrado no nome de alguém, de-ve ser devolvido pela Justiça após o término de um processo, inde-pendentemente se a pessoa foi condenada ou não, porque o bem não é ilícito. Se o processo termi-nou e ninguém requereu os bens, a União não se torna proprietária automaticamente. Teria que devol-vê-los. Portanto, se a Anatel des-truiu esses equipamentos, o fez ile-galmente e terá que indenizar es-sas pessoas. Mesmo se havia or-dem judicial para isso, ela era abu-siva e ilegal. Todos os proprietários devem entrar com ação de perdas e danos, porque o juiz mandou des-truir algo que é seu, de sua proprie-dade”, afi rma Silveira.

A Associação Brasileira de Ra-diodifusão Comunitária (Abraço) questiona a existência de decisão judicial para a destruição dos equi-pamentos. “Se há um processo ju-dicial, quem provocou a Justiça a se pronunciar sobre isso? Talvez nem processo exista”, analisa Jer-ry Oliveira, diretor da entidade em Campinas (SP).

Para Paulo Silveira, o direito à comunicação está garantido na Constituição Federal como um di-reito individual e coletivo, e o Es-tado não pode, portanto, aboli-lo. “Sua função é apenas de ges-tor do espectro; é uma função ad-ministrativa. O dono do espectro é o povo, de modo que o exercício de um direito individual não pode ser considerado crime”, acredita o juiz federal. “A lei que criminaliza a ra-diodifusão não autorizada é que é inconstitucional – e não a condu-ta que é criminosa”, completa (do Observatório do Direito à Comu-nicação, com a colaboração de Lucas Krauss).

de São Paulo (SP)

Por pressão dos grandes ra-diodifusores, o projeto de lei que anistia as rádios comunitárias (que já havia sido aprovado na Comissão de Ciência e Tecnolo-gia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e esta-va sob avaliação da Comissão de Constituição e Justiça) foi remeti-do pelo deputado Raul Julgmann (PPS-PE) à Comissão de Comba-te ao Crime Organizado. A mano-bra se coaduna com a operação da Anatel realizada no dia 8, em São Paulo (SP), que tratou a destrui-ção dos equipamentos como uma ação de combate ao crime.

“Como eles mesmos disseram, foi um ato simbólico, orques-trado pelos setores que são con-trários à descriminalização das emissoras comunitárias, para re-forçar a ideia dos radiodifusores comerciais de que rádio comuni-

Ação contra a liberdadePara Fórum, a destruição dos aparelhos representa uma atitude deliberada contra a democratização das comunicações

tária derruba avião. Por outro la-do, vivemos o processo de convo-cação da Conferência Nacional de Comunicação. Ao sinalizar que está defendendo o interesse dos meios comerciais, a Anatel aten-de à necessidade da grande mídia de ganhar a opinião pública para as teses que ela defende, e que se-rão tema da Conferência. Ou se-ja, uma atividade midiática e pi-rotécnica como essa responde a dois objetivos dos meios comer-ciais”, avalia José Sóter, coorde-nador-geral da Abraço.

CotaçãoNa tarde do dia 9, o Fórum Na-

cional pela Democratização da Comunicação divulgou nota pú-blica condenando o vandalismo da Anatel em relação a um pa-trimônio coletivo e de inestimá-vel valor social para as comuni-dades. Para o FNDC, a destruição de equipamentos de rádios comu-nitárias constitui um ato de pre-potência, representa uma atitu-de deliberada contra a democrati-zação da comunicação e deixas às claras os temores de setores em-presariais frente à Conferência Nacional de Comunicação.

“A destruição dos equipamen-tos também representa uma ca-bal demonstração de ignorância sobre o papel fundamental da co-municação para a consolidação da democracia, o fortalecimen-to da sua pluralidade e dos laços culturais da nação brasileira”, diz a nota, que conclui cobrando da Anatel explicações ao povo brasi-leiro. Do contrário, entidades que lutam pela democratização da co-municação poderão fazê-lo atra-vés de uma ação judicial, que já está sendo avaliada nacionalmen-te (BB, do Observatório do Direi-to à Comunicação, com a colabo-ração de Lucas Krauss).

Descriminalização está na pauta do CongressoNeste momento, estão em tramitação no Congresso Nacional dois pro-jetos de lei que descriminalizam o exercício não autorizado da radio-difusão comunitária. Ou seja, em vez de abordar a prática a partir de uma perspectiva penal, propõem fazê-lo mediante infrações adminis-trativas.“Se aprovarmos a lei da descriminalização e a anistia dos processados, esses atos judiciais se tornarão sem efeito. Como é então que as rádios vão ter acesso a esses equipamentos, que foram destruídos?”, questio-na José Sóter, coordenador-geral da Abraço. “No mínimo, foi uma pre-varicação da Anatel, que deveria ter ouvido todos os lados da questão antes de destruir os equipamentos”, completa (BB, do Observatório do Direito à Comunicação, com a colaboração de Lucas Krauss).

Ao contrário da apreensão de drogas, por exemplo, os transmissores, antenas, computadores, mesas de som e CDs não são produtos proibidos pela lei

Lucas Krauss

“Como eles mesmos disseram, foi um ato simbólico, orquestrado pelos setores que são contrários à descriminalização das emissoras comunitárias, para reforçar a ideia dos radiodifusores comerciais de que rádio comunitária derruba avião”

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Reunião de ambulantes para discutir o “choque de ordem”

de 16 a 22 de abril de 2009 7

brasil

O “choque de ordem” surgiria como uma sinalização aos ricos de que Paes ainda os representa

Leandro Uchoasdo Rio de Janeiro (RJ)

EDUARDO PAES (PMDB) ocupava há apenas nove dias a prefeitura do Rio de Janei-ro quando editou o decreto 30.398. Era o início de uma política complexa de reorde-namento urbano, bem-recebi-da pela grande mídia e por al-guns setores da sociedade ca-rioca, especialmente os mais ricos. Mas, na prática, as ações do que fi cou conhecido como “choque de ordem” represen-taram muito mais do que o simples “cumprimento da lei”, apregoado pelo prefeito.

Somadas a medidas como as multas a veículos estacio-nados irregularmente ou o combate a bares invasores de calçadas, vieram outras ações de criminalização da pobre-za. Moradores de rua são fre-quentemente levados, mesmo contra a vontade, para abri-gos isolados. O comércio in-formal é perseguido – às ve-zes com violência. Regiões de economia informal são rema-peadas. E despejos em ocu-pações urbanas, embora nem sempre tenham relação com as medidas, tornaram-se mais comuns.

Para ricoAs razões da política mu-

nicipal antecedem a posse de Paes. Durante o segundo tur-no da disputa eleitoral, Fer-nando Gabeira (PV) teve 70% dos votos nas regiões mais ri-cas da cidade. Paes, cuja tra-jetória política foi construí-da junto a esses setores, aca-bou eleito pelas regiões mais pobres. Por conta da ampla aceitação de Gabeira junto às

No Rio, o “choque de ‘ordem’”REPRESSÃO Política do prefeito Eduardo Paes criminaliza a pobreza e inviabiliza a economia informal

classes média e alta, a vitória veio por apenas 55 mil votos. O “choque de ordem”, que en-contra nesse eleitorado acei-tação quase completa, surgi-ria como uma sinalização aos ricos de que Paes ainda os re-presenta.

Marcelo Edmundo, da Cen-tral de Movimentos Popula-res (CMP), considera que, por trás das distintas ramifi cações da medida, existe um projeto de poder. “Isso não é um pro-grama para quatro anos. É pa-ra 15 a 20 anos. Não é por aca-so que ele nomeou tantos jo-vens para as secretarias. São medidas de controle do es-paço urbano, de substitui-ção completa de pessoal”, diz. Ele lembra que a política não é nova. A criminalização da pobreza viria “desde a Revol-ta da Vacina, no início do sé-culo 20”. O ponto alto teria si-do o governo Carlos Lacerda (1960-1965), acusado de ati-rar moradores de rua em rios. Entretanto, a repressão de Pa-es parece mais veemente em alguns casos.

ReaçãoDesde janeiro, alguns deba-

tes e atos marcaram a tentati-va de movimentos sociais se organizarem para o protesto. No mês seguinte, a defenso-ra Maria Lúcia Pontes, do Nú-cleo de Terras da Defensoria Pública, organizou a primei-ra audiência de denúncias de camelôs e moradores de co-munidades. “Queríamos fazer um marco da atuação contra o choque de ordem. Estávamos notando que a medida tinha começado em regiões onde o movimento social era fragili-zado”, explica. Em um audi-tório lotado, depoimentos de atos violentos de policiais em ocupações urbanas e repres-sões ao comércio informal se sucediam com constância.

No início de março, organi-zou-se um debate no Institu-to de Filosofi a e Ciências So-ciais (IFCS). Estudantes to-maram todas as cadeiras. Nas intervenções, não se notava o mesmo “consenso” a favor das medidas que se encontra com frequência nas coberturas dos

grandes jornais cariocas. Ao fi nal daquele mês, um ato em frente à Central do Brasil reu-niu estudantes, camelôs e li-deranças de movimentos di-versos.

Ocupações e legalidadeMaria Lúcia explica que há

um nível de ilegalidade na ação do prefeito. “Ele tenta usar uma atribuição que po-de ser interpretada como anti-constitucional, porque ele não a tem. A Carta Magna fala de ampla defesa, de direito social

da moradia etc. O prefeito não pode criar com um decreto uma nova ordem jurídica no Rio de Janeiro”, defende.

Marcelo lembra que outras ilegalidades são cometidas em nome de um suposto or-denamento urbano, à margem do discurso ofi cial. “Ele chega numa comunidade com o ar-gumento de que vai comba-ter a Cracolândia. Depois você vê um trator derrubando um barraco”, diz.

Embora nem todos os des-pejos em ocupações urbanas

do Rio de Janeiro (RJ)

É na economia informal que se encontram os maiores da-nos do “choque de ordem” da prefeitura do Rio de Janeiro. A repressão contra o trabalha-dor de rua alcança todas as re-giões da cidade, e a atuação da polícia, com o confi sco de mer-cadorias, atinge trabalhado-res registrados ou não. Se já havia diminuído com a crise econômica, o volume de ven-das caiu ainda mais, inviabili-zando a sobrevivência em al-guns casos.

Maria de Lourdes Santos, do Movimento Unido dos Ca-melôs (Muca), conhecida co-mo Maria dos Camelôs, conta que tem passado quase todas as noites em delegacias, para soltar colegas presos. “Não há nada de ilegal em nossa pro-fi ssão. Há uma lei regulamen-tando. Por que não se cumpre a lei?”, pergunta.

Tráfi coSegundo Maria, mais da me-

tade dos trabalhadores cario-cas vive do comércio informal, e a maioria estaria em grave si-tuação fi nanceira. “Muita gen-te chega para mim e diz que vai para o tráfi co de drogas. Fico muito triste. A pessoa está tra-balhando e vivendo igual ban-dido, levando porrada na rua. Vai fazer o quê? Não tem em-prego”, argumenta. O sociólo-go Ivo Lesbaupin, professor na

Camelôs são os principais atingidosPolítica pode empurrar comerciantes para o tráfi co de drogas

“É como se fosse um projeto da Globo”

O sociólogo Ivo Lesbaupin, professor da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que a conivência da mídia com o governo municipal é direta. “É como se fosse um projeto da Globo. Eles denunciam e no dia seguinte o gover-no Paes está lá”, critica.Para Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Popula-res (CMP), as medidas estariam desviando a atenção da so-ciedade para além de outras promessas não cumpridas do prefeito Eduardo Paes. “E as UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento 24 horas) prometidas, onde estão? E as ruas sem iluminação? E as escolas? O ‘choque de ordem’ direcio-na o debate para onde interessa”, comenta. (LU)

Partidos se calamA reação organizada ao programa estaria li-mitada pela cooptação de partidos originários da esquerda. Durante o segundo turno das eleições, legendas co-mo PT e PCdoB aderi-ram à candidatura Pa-es. Houve um pedido de desculpas formal do prefeito ao presidente Lula por sua atuação, como deputado do PSDB, durante as de-núncias do mensalão, em 2005. Na época, Paes foi um ferrenho opositor do presidente. Após o perdão, foi cos-turada aliança entre os governos federal, esta-dual e municipal.Os dois partidos ocu-pam hoje secretarias da prefeitura. Histori-camente responsáveis por parte da organi-zação social contra repressões estatais, estão calados. “Até houve boa intenção, em tentar acabar com os 16 anos de César Maia (que manifestou apoio a Fernando Ga-beira). Mas quando se agravar esse modelo de ataque aos pobres, como esses partidos vão voltar ao povo? Eu não vejo perspectiva, nos próximos anos, para a esquerda parti-dária do Rio de Janei-ro”, lamenta Marcelo Edmundo. (LU)

tenham relação com o “cho-que de ordem” e a população ainda esteja confundindo me-didas, houve um crescimento na repressão a ela durante o início do governo Paes. Des-confi a-se que policiais liga-dos a milícias estejam usan-do o discurso ofi cial do “cho-que de ordem” para disputar o controle urbano. Bombas em ocupações e ameaças por te-lefone a lideranças têm se tor-nado comuns.

Alguns dos processos de despejo já tramitavam na Justiça antes da gestão atu-al. Entretanto, o governo Pa-es sinalizou em diversas di-reções a demonização de ocupações urbanas e de ou-tras formas de cumprimen-to do direito humano à ha-

bitação. Ocorreram demoli-ções de barracos, sinalizaçãoda possibilidade de perdãoao IPTU de proprietários deprédios ocupados e um iní-cio de debate sobre remoçãode favelas.

ExibiçãoA relação da prefeitura com

ocupações urbanas tende a ser muito estudada neste ano. O Rio de Janeiro será sede, em 2010, do 5º Fórum Urba-no Mundial. Promovido pelo UN-HABITAT, programa das Nações Unidas para os Assen-tamentos Humanos, o evento pode servir de palco para pro-paganda de medidas do Pro-grama de Aceleração do Cres-cimento (PAC) federal nas co-munidades cariocas.

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comenta que a repressão ao comércio informal signifi ca impedir a única possibilidade de sobrevi-vência do desempregado. “Eles não dão saída. Então, o pessoal vai para o tráfi co. Não é possí-vel que eles não percebam que estão fechando as portas para a única saída legal”, comenta.

Em março, o Muca reuniu mais de 700 camelôs num ato contra o “choque de ordem”. Para Maria, a repressão di-minuiu depois do ato. Na noi-te do dia 9, véspera da Sexta-Feira da Paixão, o movimento queimou dois bonecos de Ju-das, representando o prefeito

Eduardo Paes e o secretário da Ordem Pública, Rodrigo Beth-lem, descritos numa faixa co-mo “inimigos n° 1 da economia informal”. No primeiro gover-no César Maia, também houve uma intensa repressão seme-lhante aos camelôs, em 1993. “Na época também foi ruim, mas a gente aprendeu a convi-ver. Os camelôs foram apren-dendo. Criou-se um ambiente de corrupção. Camelôs pagan-do guarda para trabalhar. Mas a gente aprendeu. Agora, esta-mos sofrendo de novo”, conta.

Última açãoNo dia 6, um dos locais de

economia informal mais tra-dicionais do Rio de Janei-ro foi vítima do “choque de ordem”: o Largo da Cario-ca. Barracas que ocupavam a área há 20 anos foram realo-cadas. Trabalhadores com li-cença tiveram que ordenar as vendas num espaço improvi-sado, depois de uma grade. “Ficar isolado dentro de uma praça com uma grade eu con-sidero um apartheid”, comen-ta Carlos Alberto Lourenço, que há onze anos trabalhava no Largo vendendo livros e criou três fi lhos com o negó-cio. “Estou quase desistindo, porque está muito difícil. Lá fora já estava. Mas não con-sigo outra colocação em lugar nenhum”, lamenta.

Pedindo para não ser iden-tifi cado, um representante de uma das três bancas alocadas provisoriamente no local afi r-ma que as vendas foram re-duzidas a 15% ou 20% do vo-lume anterior. Segundo Ma-ria dos Camelôs, ao questio-nar Paes sobre a ação no Lar-go da Carioca, ouviu pessoal-mente do prefeito que ele não sabia da medida. (LU)

Em mais uma ação de “choque de ordem”, moradores de rua são retirados dos arredores da prefeitura do Rio

Urbano Erbiste/Folha Imagem

Nando Neves

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O jornalista Ignacio Ramonet

de 16 a 22 de abril de 20098

cultura

Douglas Estevam

IGNACIO RAMONET acaba de publicar seu mais recen-te trabalho, O krach perfei-to, crise do século e refunda-ção do futuro, no qual desen-volve uma minuciosa análi-se dos eventos que, para o au-tor, se confi guram como uma precipitação do “fi m de uma era do capitalismo”, em que “o sistema fi nanceiro interna-cional foi comprometido co-mo nunca antes. Pior do que em 1929”.

Em um ensaio conciso, a descrição dos elementos ide-ológicos, políticos e econômi-cos que confi guraram as ba-ses da atual crise fi nanceira se articulam com a exposição da emergência de uma ordem mundial marcada pela globa-lização neoliberal em detri-mento dos mecanismos de re-gulação, estímulos econômi-cos e investimentos públicos realizados pelo Estado que, somados às políticas de pleno emprego, haviam caracteriza-do o período anterior, forte-mente infl uenciado pelo pen-samento de Keynes.

Ele enfatiza, ainda, um ou-tro fenômeno inédito que se produziu no último ano: a alta simultânea dos pre-ços do petróleo, dos produ-tos primários e dos produtos alimentares. “Todos os ele-mentos são reunidos para um krach [equivalente francês ao termo inglês crash] perfeito, que só vemos uma vez a ca-da século”.

Arqueologia do krach“Tudo começou em 15 de

agosto de 1971. Nesse dia, o presidente estadunidense Ri-chard Nixon anuncia que os EUA suspendem a conversibi-lidade do dólar em ouro”. Che-gava ao fi m o sistema de Bret-ton Woods, e abria-se o cami-nho às manobras monetárias de Washington e à desregula-mentação fi nanceira, marcos de um novo capitalismo.

Em Arqueologia do kra-ch, título do primeiro capítu-lo do livro, as teorias dos “três oráculos do neoliberalismo” – Schumpeter, Hayek e Milton

O krach perfeitoLIVRO Em sua obra, jornalista francês desenvolve uma minuciosa análise dos eventos que se confi guram como uma precipitação do “fi m de uma era do capitalismo”

Friedman – são analisadas. A presença dos teóricos forma-dos pela Escola de Chicago (da qual os dois últimos foram os maiores expoentes) nas dita-duras de Pinochet, no Chile, e de Suharto, na Indonésia, em 1971; e depois, no início dos anos de 1980, nos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na Inglaterra e Esta-dos Unidos, marcam a chega-da ao poder da chamada “Re-volução Conservadora”.

Centradas em um “neolibe-ralismo agressivo, redobra-das por um antikeynesianis-mo militante”, suas teses, que têm como principal objetivo “chegar ao fi m da longa tra-dição de intervenção econô-mica e social do Estado, do-minaram o campo teórico do capitalismo real dos últimos 30 anos”.

Schumpeter introduziu o conceito de destruição criati-va, para o qual a lógica do ca-pitalismo seria marcada por uma constante inovação, ten-do singular importância a ino-vação tecnológica e a fi gura do empreendedor.

Hayek, “muito mais ideo-lógico, o verdadeiro mestre do pensamento, o profeta dos neoliberais”, defendia um conceito próprio de “Estado mínimo, desprovido de poder de intervenção econômica, e a ideia de que o mercado tem sempre razão”. O teórico ame-ricano Milton Friedman con-tribuiu com sua tese da nova violência capitalista. Para ele, “o livre mercado é um sistema científi co perfeito” e o “Estado teria como única função pro-teger nossa liberdade contra os inimigos externos”.

“Ao longo dos anos 80, as principais fi rmas multinacio-nais, os bancos de Wall Stre-et, o Federal Reserve dos Es-tados Unidos e os organismos fi nanceiros internacionais ela-

boram em comum, sob a base desses comandos neoliberais, uma doutrina feita de com-petitividade, disciplina orça-mentária, reforma fi scal, re-dução de despesas públicas, liberalização de trocas comer-ciais e fi nanceiras e privatiza-ções massivas do setor públi-co”.

Essas medidas são postas em prática com os “programas de ajustamento estrutural”. No fi nal da década de 1980 e início dos anos de 1990, com a queda do Muro de Berlim e o fi m da União Soviética, fi -cava “suprimido o principal obstáculo político à expan-são do neoliberalismo”, dan-do aos neoliberais a seguran-ça de que “suas concepções de economia foram a chave da vi-tória”. Responsáveis do Banco Mundial sintetizam as teses neoliberais no “Consenso de Washington”, que o “Pôquer do Mal – FMI, Banco Mun-dial, OCDE e OMC” se encar-regaria de promover, primeiro na América Latina e logo de-pois na Ásia e África. É o apo-geu do mercado contra o Es-tado, marcado por uma trans-formação profunda da políti-ca, a adoção de uma globali-zação que “concerne sobretu-do ao setor fi nanceiro. A liber-dade de circulação dos capi-tais tornando-se absoluta, es-se setor dominando, de longe, a esfera da economia”.

A fábrica do krachRamonet dedica uma par-

te de sua análise às crises que

precederam o krach atual. Nesse fragmento de seu estu-do, denominado A fábrica do krach, ele percebe o primeiro sintoma da “crise do século” nos eventos que atingiram os “tigres asiáticos” em 1997, que demonstraram claramente que “o sistema fi nanceiro edi-fi cado pela teoria neoliberal, com mercados desregulados e liberalizados, atores abusan-do dos efeitos de alavancagem e capitais internacionais em movimento permanente, esta-va se tornando perigosamen-te frágil”. Recuando no tem-po, ele menciona os impactos da crise do México, ameniza-da por uma massiva interven-ção dos Estados Unidos.

A revolução da internet, que no início da década de 1990 “parecia confi rmar as duas teses schumpeterianas: a da mudança de ciclo, provocada pelo salto tecnológico, e a da destruição criativa”, foi dura-mente abalada pela explosão da Bolha da internet.

Os especuladores estavam persuadidos de que “uma das transformações mais rápidas que o mundo conheceu, em virtude das leis da destruição criativa”, obrigaria as empre-sas a “se adaptarem, a inves-tirem enormemente em equi-pamentos de informática, te-lecomunicações, redes numé-ricas, cabos ópticos etc. As perspectivas de crescimento pareciam ilimitadas”. As co-tações das ações das empresas de internet explodem, as “sto-ck options desempenham um

papel importante nessa febre” e, depois de cinco anos de es-peculação, em março de 2000 a bolha explode.

Os outros exemplos são as empresas Enron e Parmalat. Reconhecida como “um mo-delo de audácia e modernida-de, de governabilidade de em-presa, com a capacidade de melhor operar nos mercados desregulamentados de produ-tos derivados”, a norte-ameri-cana Enron conseguiu um au-mento de 90% do valor de su-as ações em único ano. “A as-censão do valor das ações fa-zia calar os últimos céticos”. Seu sucesso se devia a escan-dalosos métodos fraudulen-tos. Em 2001, foi descoberto que a empresa “exagerava ar-tifi cialmente seus rendimen-tos, ocultando defi cits, utili-zando uma infi nidade de so-ciedades fantasmas e falsifi -cando suas contas”, tudo em cumplicidade com uma agên-cia de auditoria. Um prejuízo de 68 bilhões de dólares.

A Parmalat, outro “exem-plo de sucesso impulsionado pela dinâmica da globalização liberal” não fi caria atrás, fal-sifi cando documentos, balan-ços e realizando desvios con-tábeis que, em 2003, viriam à tona numa operação que en-volvia prejuízos de mais de 11 bilhões de euros. Todos esses acontecimentos não foram su-fi cientes para conter os “ins-tintos animais” que, segundo Keynes, a liberdade econômi-ca estimula.

Fim de uma Era de OuroApesar de todas essas cri-

ses, o sistema parecia mira-culosamente intocável. Um dos artesãos desse milagre foi Alan Greenspan, presiden-te do Banco Central dos EUA. Ele desenvolve “uma políti-ca agressiva de taxas de juros baixas e encoraja os america-nos a se endividarem além de suas possibilidades”.

Estimulado pelo contexto de desregulamentação, “sur-ge um novo capitalismo ain-da mais brutal e concorren-te”, para o qual Robert Ru-bin iria desempenhar um pa-pel central ao implementar as reformas que eliminavam as incompatibilidades entre ban-cos de investimento e bancos de depósito. “A porta é aberta para toda sorte de excessos da parte de fi nancistas ávidos de rendimentos máximos”. Com essas medidas, os fundos de investimentos se tornam os “novos mestres do universo”.

Essa iniciativa resultou na crise imobiliária norte-ame-ricana, que, através de uma “indústria fi nanceira hipers-sofi sticada”, acompanhada de uma “engenharia fi nanceira dotada de uma forte criativi-dade, não cessou de se desen-volver inventando instrumen-

tos (títulos derivados, subpri-mes, hedge fonds) e técnicas” que provocaram a generaliza-ção internacional de uma cri-se, desencadeando em todo o mundo uma sequência de fa-lências, desempregos, nacio-nalizações, planos de salva-mento e quebras que vería-mos eclodir em 2008.

A todas essas crises, vêm ainda se juntar as energéti-ca e alimentar. Para Ramo-net, “cada uma delas age so-bre as outras. Elas se estimu-lam. Elas constituem o saldodeplorável de três décadas deneoliberalismo”. A emergên-cia da China como superpo-tência econômica “é um pres-ságio de que os dias dos Es-tados Unidos como primei-ra potência econômica estãocontados”.

As manifestações sociais que se espalham pelo mun-do, como as que se viram nos países mais afetados pela cri-se alimentar, as que se realiza-ram na Grécia ou a eleição de Obama, que gerou um entu-siasmo que pode “rapidamen-te se transformar em decep-ção, frustração e cólera”, são, para o autor, sinais de emer-gência da questão social que se coloca “no coração do deba-te político”.

Contudo, Ramonet reco-nhece que “este krach talvez não signifi que o fi m do capita-lismo, que já conheceu outros e conseguiu se recuperar”, mas não deixa de perceber que, mesmo num contexto de vazio teórico das esquerdas, “a crise atual, pela sua extensão e intensidade, fornece a ocasião de transformar enfi m a arqui-tetura geoeconômica e geopo-lítica do mundo”.

Douglas Estevam é correspondente do

Brasil de Fato em Paris (França).

“Tudo começou em 15 de agosto de 1971”. Nesse dia, chegava ao fi m o sistema de Bretton Woods, e abria-se o caminho às manobras monetárias de Washington e à desregulamentação fi nanceira, marcos de um novo capitalismo

A revolução da internet, que no início da década de 1990 “parecia confi rmar as duas teses schumpeterianas: a da mudança de ciclo, provocada pelo salto tecnológico, e a da destruição criativa”, foi duramente abalada pela explosão da Bolha da Internet

A todas essas crises, vêm ainda se juntar as energética e alimentar. Para Ramonet, “cada uma delas age sobre as outras. Elas se estimulam. Elas constituem o saldo deplorável de três décadas de neoliberalismo”

Reprodução

Reprodução

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Os irmãos Ramón e Jorge Escobar Díaz posam em frente estátua de Salvador Allende, em Santiago

de 16 a 22 de abril de 2009 9

américa latina

Nome Ano de prisão Ano da extradição Pena

Carlos García Herrera 1981 – 40 anos na Bélgica

Fernando Espinoza Espinoza 1982 – 40 anos na Bélgica

Jorge Palma Danoso 1983 1992 25 anos na Bélgica

Carlos Araneda Miranda 1983 1992 25 anos na Bélgica

Hugo Marchant Moya 1983 1992 25 anos na Finlândia

Hugo Gómez Peña 1986 1993 20 anos na Bélgica

Héctor Maturana Urzúa 1988 1994 20 anos na Bélgica

Jorge Escobar Díaz 1989 – 20 anos na Noruega

Héctor Figueroa Gómez 1994 – 20 anos na Bélgica

Lista dos chilenos condenados à pena de extradição que vivem na Europa

Cristiano Navarrode Santiago (Chile)

NO INÍCIO DE 2005, ao rece-ber a notícia que sua mãe fora acometida de um grave cân-cer, o ex-guerrilheiro do Mo-vimento de Ação Unitária Po-pular (Mapu) Lautaro, Jor-ge Escobar Díaz, insistiu por quatro anos seguidos em ob-ter um salvo-conduto que lhe permitisse voltar ao Chile pa-ra visitá-la.

Todas as inúmeras consultas que ele fez junto à embaixada chilena na Noruega e ao Mi-nistério da Justiça foram res-pondidas com silêncio. Sem uma resposta positiva ou ne-gativa e com a mãe já em esta-do terminal, no dia 25 de mar-ço, o ex-guerrilheiro resolveu por conta própria voltar.

Jorge Escobar, que está há 15 anos em situação de exí-lio na Noruega, é um dos no-ve presos políticos dos grupos que foram detidos e julgados pela ditadura do general Au-gusto Pinochet e que atual-mente cumprem pena de ex-tradição na Europa.

Ao chegar em Santiago (ca-pital do Chile), ele foi detido pela Polícia no desembarque do aeroporto.

Nas 23 horas em que este-ve preso, um imbróglio judi-cial foi travado. A sua família apelou para o direito huma-no básico que todo condenado tem, que é de ter contato com seus familiares. Na manhã do

No Chile, a temporária volta de um exílio que parece não ter fi mJUSTIÇA Julgados e condenados pela ditadura de Pinochet, nove chilenos seguem cumprindo pena de extradição em plena democracia

dia 26, a juíza Isabel Margari-ta Zúñiga negou o pedido da família e ordenou a imedia-ta volta de Jorge Escobar pa-ra a Noruega, em um voo que partiu ao meio-dia com escala no Brasil.

Contudo, a advogada da fa-mília, Alejandra Arriaza, per-sistiu no pedido, recorrendo junto à Corte de Apelações de San Miguel. Assim, na escala de São Paulo para Oslo, Jor-ge foi abordado por dois ho-mens da Polícia Internacional Chilena, que lhe trouxeram a notícia: o ministro da corte de Apelações, Ismael Contreras, decidira autorizar seu ingres-so no país durante 30 dias.

Meia-volta para o ex-Lau-tarista (nome dado ao mili-tantes Mapu Lautaro), que re-gressou à Santiago.

“Estávamos muito apreen-sivos. Acreditamos que nossa petição foi atendida pelo mi-nistro por razões humanitá-rias. Certamente, o juiz proce-deu considerando a grave si-tuação de saúde em que se en-contra sua mãe”, destaca Ale-jandra.

Ao descer, novamente, no aeroporto de Santiago, Jorge reencontrou seu irmão, o tam-bém ex-guerrilheiro Lautaris-ta Ramón Escobar Díaz. “Em 20 anos, apenas no dia 7 de fevereiro do ano de 1994 nos encontramos por uma hora; 15 anos depois podemos nos abraçar. Isso porque quando ele foi extraditado para a No-ruega, todo nosso grupo es-

de Santiago (Chile)

Ao regressar para Santiago, Jorge Escobar Díaz foi cerca-do por câmeras e microfones de emissoras de tevê, rádio e jornalistas de veículos impres-sos. Ele comentou sua chega-da, mas não deu entrevista. Nos dias seguintes, já sendo tratado com adjetivos pejora-tivos por setores da imprensa corporativa, o ex-Lautarista se recusou a falar com a mídia chilena. Confi ou ao Brasil de Fato, com exclusividade, sua primeira entrevista.

Brasil de Fato – Como você enxerga a transição da ditadura militar para o governo civil?Jorge Escobar Díaz – Chile é um caso claro de modelo de como se desenvolver para to-do mundo. Um país que pas-sa de uma ditadura à demo-cracia, e o que se vê aconte-cer é uma transição de um no-vo modelo de capitalismo ins-talado por um poder militar à militância civil desse mesmo modelo econômico já instala-do. E a derrota de Salvador Al-lende é isso. É a derrota de um sistema político, econômico e social por outro sistema ideo-lógico de caráter fascista.

E a atual democracia? Vivemos uma democracia

em que eu posso sair, falar,

O que encontrou o ex-Lautarista, 20 anos depoisDe um novo modelo de capitalismo instalado por um poder militar à militância civil desse mesmo modelo econômico

caminhar para qualquer la-do. Mas onde posso expres-sar minha liberdade, não co-mo Jorge, mas como cidadão? É no campo do trabalho, é em ter acesso à educação, à saúde. Por exemplo, se não tenho di-nheiro para pagar pela minha saúde eu estou morto. Então, essa é a nossa liberdade e a nossa democracia.

O que você acha que pesou mais no seu caso para voltar ao Chile, o lado político ou o jurídico?

Para mim, ambos são inse-paráveis. O que acontece é que nenhum dos dois se responsa-biliza totalmente. Mas o meu caso pontual foi de fácil reso-lução, porque havia uma base de justifi cativa humanitária.

E para uma volta defi nitiva?

A volta defi nitiva passa por lutar. Se não lutarmos não vai acontecer nada. Temos que encontrar uma brecha para que haja avanços, tanto no po-lítico quanto no jurídico. No campo político temos que sa-ber como pressionar através de companheiros e com cam-panhas. Essa pressão política deve chegar ao jurídico.

Você acredita que persistam interesses militares nas penas de estranhamento?

Eu creio que aqui nós fi ze-mos uma aposta na luta e, tan-to no político como no militar, fomos derrotados. Nós fomos derrotados ou, senão, não es-taríamos falando aqui do meu exílio. E eles [os militares] sa-bem disso, fazem parte disso. Porque nossa situação é par-te de uma política de castigo permanente, porque aí você

tem um exemplo vivo do que acontece quando a gente co-mum, quando um trabalhador se levanta contra um sistema ou contra uma ordem estabe-lecida. Quando a subversão emerge. Na visão dos milita-res servimos para provar pa-ra toda a sociedade que há al-go estático permanentemente. No Chile seguimos tendo pre-sos políticos; outros que cum-prem pena semiaberta, outros com pena de exílio que não podem entrar neste país por tantos anos. Mas, de qualquer forma, a Justiça e os militares estão abaixo de uma ordem: que é o poder do Estado. Cri-minalizam os que lutam: estu-dantes, trabalhadores, ao po-vo Mapuche.

Pensa em voltar ao Chile e às suas atividades políticas?

Veja bem, aqui entra ou-tra coisa. Eu estou 15 anos fo-ra. Vivendo outra vida. Cla-ro que tenho muita vontade de voltar, mas tenho que ver coisas práticas. Por exemplo, primeiro: onde vou trabalhar? Tenho mais de 40 anos, tenho 44 anos, onde vou trabalhar com 44 anos aqui? Segundo, quem me daria trabalho com meus antecedentes? Claro que tenho vontade de me instalar por aqui. Mas eu teria que re-solver minhas questões bá-sicas.

Mas não importa onde es-tivermos, seguiremos fazen-do política. Aqui, nesta entre-vista, estamos fazendo políti-ca. Na Noruega, fazemos polí-tica de apoio aos movimentos daqui. Claro, gostaria de estar fazendo mais coisas no Chile. Mas isso se defi ne com o tem-po. E quando estiver aqui, vol-to à luta política. (CN)

Marcas que não se curam com placebosNo último ano da ditadura, 1989, Jorge Escobar Díaz foi acusado pela Justiça Militar de participar de ações que resultaram na morte de dois policiais e uma menor de idade. A sen-tença para os crimes foi de 25 anos de prisão. “Os julgamentos feitos pelos militares não é o que se poderia chamar justo. Debaixo de tortura e de profundas distorções, eram dadas as sentenças, multiplicadas em três vezes em casos que se classifi cassem como terrorismo, que foi o caso de Jorge”, afi rma a advogada Alejandra Arriaza.Do dia 11 de setembro de 1973 – quando as tropas do general Augusto Pinochet derruba-ram o governo democrático, assassinando o então presidente chileno Salvador Allende – até o dia 11 de março de 1990 – quando o ditador e os militares devolveram o Estado ao po-der civil – cerca de três mil pessoas foram assassinadas ou seguem desaparecidas, 35 mil foram torturadas e 300 mil foram presas.Sob pressão da sociedade civil para libertar os presos políticos “herdados” da ditadura mi-litar, o primeiro presidente civil no Chile, Patricio Aylwin (de 1990 a 1994), ofereceu a 24 militantes do MIR, FPMR e Mapu Lautaro acusados de participar de ações que resultaram em vítimas fatais a pena que foi chamada de extrañamiento (exílio, em espanhol). Ela con-sistia em um “benefício” transformando o resto de seus anos de prisão em exílio.Bélgica, Noruega e Finlândia são as nações que abrigam os nove últimos condenados que cumprem a pena de extrañamiento. Ao todo, esses condenados possuem sentenças de 20 a 40 anos de exílio. Jorge acredita que, para o Estado chileno, “trata-se de uma política de castigo. Isso serve para dizer que, quando uma pessoa comum se levanta contra alguma in-justiça, este é seu destino”.A contribuição de grupos como os que fi zeram parte os irmãos Jorge e Ramón Escobar Dí-az parece não ser reconhecida, hoje, pela maioria da sociedade. “Como família, falamos, nunca vamos desistir da luta por outro modelo. Não temos vergo-nha. Somos orgulhosos do que fi zemos. De combater e resistir com armas a ditadura mi-litar. Fizemos parte de um grupo de um punhado de chilenos que tiveram coragem de en-frentar. Não nos interessa os anos que passamos presos”, resgata Ramón.Ele avalia que, “nesta luta, tivemos um custo que pagamos que foi enorme. Porque mor-reram irmãos e companheiros, tivemos fi lhos que não vimos crescer: esse foi nosso custo. Mas foi uma derrota política e militar. Uma derrota da nossa organização. Mas como indi-víduos não estamos derrotados e ainda temos vontade de seguir na luta”. (CN)

tava preso por atividades ter-roristas. Temos muito o que conversar”, comenta Ramón.

Um precedenteEm janeiro de 2006, Mar-

cos Antonio Paulsen, também ex-guerrilheiro Lautarista, en-trou em contato com a embai-xada do Chile na Bélgica pa-ra saber se já havia cumpri-do seus 12 anos de pena de ex-tradição. Com aval da embai-xada, que consultou o gover-no chileno, o Lautarista to-

mou um avião e voltou ao seu país com sua família. No en-tanto, ao chegar em Santiago, antes mesmo de pisar no so-lo, dois policiais adentraram a aeronave e perguntaram aos passageiros: quem é Marcos Paulsen?

Ao se identifi car, ele foi de-tido por quebrar sua pena. Se-gundo a Justiça chilena, ainda faltavam 77 dias, e estes deve-riam ser cumpridos pelo ex-Lautarista em uma penitenci-ária de segurança máxima.

“Não houve quebra de pena. Paulsen só voltou porque se baseou nas informações que o Ministério repassou à embai-xada; em segundo lugar, hou-ve um erro, a polícia lhe deu voz de prisão no avião, que não é solo chileno; portanto um ato ilegal”, relembra a ad-vogada.

Depois de um processo que durou dois meses, durante o qual Marcos esteve preso por uma semana, a Justiça senten-ciou em favor de sua liberdade.

“Não há motivo para lhe con-denar, todo delito depende de um ânimo de delinquir. O que não houve. Então, depois do desencontro de informações, muitos desses exilados passa-ram a ter desconfi ança das in-formações que recebem do go-verno”, conclui a advogada.

Marcos ganhou a disputa com a Justiça, mas o senti-mento de que os ex-Lautaris-tas não eram bem-vindos pe-lo Estado ou pela Justiça per-maneceu.

Cristiano Navarro

Mas não importa onde estivermos, seguiremos fazendo política

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“Sem-teto, por favor ajude se puder”, pede homem em rua de Orlando, na Flórida

de 16 a 22 de abril de 200910

internacional

Memélia Moreirade Saint-Augustin

e Orlando (EUA)

CENTRO DE peregrinação quase religiosa dos estaduni-denses brancos, negros, mes-tiços, ricos, pobres e da ampla classe média, o “mundo en-cantado” da Disney, que tem como palavra de ordem “on-de os sonhos se tornam verda-de”, viu, fi nalmente, a reces-são econômica invadir seus domínios.

Nem os cerca de 300 mil vi-sitantes que a cada dia bus-cam seus cinco parques nos EUA foram capazes de deter a degola. Na primeira semana de abril, a Disney Corporation anunciou a demissão de 1.200 funcionários. Outras 700 de-missões estão previstas até o fi nal do primeiro semestre. Estas, no entanto, não atin-giram ainda os trabalhadores que servem os parques, ape-nas o quadro administrativo.

A porta-voz da empresa, Ta-sia Fillipatos, dourou a pílula ao explicar as decisões toma-das pela direção, dizendo que as dispensas “não foram fei-tas de forma leve, mas são es-senciais para manter nossa li-derança em turismo familiar e refl etir as realidades econô-micas atuais”. Sem leis tra-balhistas que assegurem um mínimo de sobrevivência pa-ra o período imediato de per-da de emprego, tais como fun-do de garantia ou indenização,

os demitidos sequer reclama-ram, pois a Disney Corpora-tion concedeu-lhes ajuda fi -nanceira.

Cada um deles recebeu o equivalente a uma semana de trabalho para cada ano na em-presa e, ainda, foi orientado a procurar o Centro de Recur-sos Humanos para ver a pos-sibilidade de conseguir em-prego em outra área da pró-pria empresa.

As notícias vindas da Dis-ney vieram à tona um dia de-pois do anúncio dos novos re-cordes de demissões no país. Só em março, 742 mil pesso-as foram mandadas para casa. É como se, de repente, uma ci-dade brasileira de porte mé-dio inteira estivesse desem-pregada. Os cortes elevaram o índice de desemprego no país para 8,5%, a maior taxa desde 1983, quando os Estados Uni-dos sentiram os primeiros si-nais da catástrofe que agora parece ter se instalado de vez. E nem mesmo as tentativas de estancar essa hemorragia fi -nanceira, com ajuda a bancos e empresas de seguro, pare-cem ter qualquer serventia.

MendigosFantasma que começou a

assustar o país há cerca de um ano, a recessão econômica já frequenta as ruas. E é visí-vel até mesmo em cidades pe-quenas. Localizada a 180 km de Orlando, na Flórida, a his-tórica cidade de Saint-Augus-tin, fundada pelos espanhóis

de Orlando (EUA)

Além do pânico, real, da perda de emprego e, conse-quentemente, do estilo de vida ao qual se acostuma-ram, os estadunidenses en-frentam um novo fantasma em seus pesadelos. A ca-da medida do governo ten-tando regular o mercado, o imaginário social treme nas bases com o medo do país “cair no socialismo”.

Foi isso que aconteceu lo-go depois que o Executivo se tornou coproprietário do Citigroup. E é o que vem se repetindo a cada movimen-to de intervenção governa-mental no sistema bancá-rio. A tal ponto de o por-ta-voz da Casa Branca, Ro-bert Gibbs, ser obrigado a vir a público garantir que “a administração do presi-dente Barack Obama con-tinua acreditando fi rme-mente que o melhor cami-nho, ainda, é deixar o con-trole bancário com a inicia-tiva privada”.

A declaração morreu na praia, pois, dias depois, a American International Group (AIG), empresa na qual o governo federal tem controle de 80% depois que a socorreu, distribuiu bô-nus de 160 milhões de dó-

A crise se espalhaEUA Os índices de desemprego batem recordes, escolas estão fechando por falta de recursos e mendigos são vistos em cidades onde antes não eram comuns

O fantasma “socialista”Medidas de intervenção do Estado em empresas privadas assustam o imaginário social estadunidense, acostumado à fé no capitalismo

lares para seus executivos. O caso virou um escânda-lo nacional, e o Partido De-mocrata, que tem maioria nas duas casas do Congres-so, votou em tempo recor-de uma lei específi ca para os sortudos benefi ciários, criando um imposto de 90% sobre esses bônus.

Cerca de 30 dos que os receberam devolveram o dinheiro. E não era para menos. Os investidores não esconderam sua raiva, en-quanto parcela da socieda-de começou a se movimen-tar contra os privilegiados.

Salários reguladosPara provocar mais ain-

da a alergia estadunidense aos sinais de “socialismo” (dá até vontade de rir!) de-monstrados pelas autori-dades econômicas, na noi-te de 6 de abril o Congres-

so votou mais uma lei que vai tirar o sono daqueles que ainda professam a fé capitalista. A partir de ago-ra, todas as empresas que recebam ajuda do Estado terão os salários de seus trabalhadores (indepen-dentemente do cargo que ocupem) controlados pelo parlamento.

A norma, mais um pas-so para reduzir os ganhos abusivos dos executivos que estão lucrando com a crise, quando os bancos ou empresas na qual traba-lham têm suas dívidas res-gatadas pelo governo, es-tarreceu o estadunidense médio, aquele que acredi-ta que a chave da verdadei-ra felicidade está no capita-lismo, e qualquer ingerên-cia do Estado é vista como aberração.

A perplexidade foi tão

O despertar de consciências

de Orlando (EUA)

Enquanto a grande maioria dopovo estadunidense tem urticáriasao ver estampadas nos jornais asnotícias sobre intervenções do Es-tado na iniciativa privada, há mui-tos que não têm medo de careta ejá começam a se mexer exatamenteexigindo que essas “medidas socia-lizantes” sejam implantadas o maisrápido possível.

Críticos tanto de George W. Bushcomo de Barack Obama por causado resgate (bailout, em inglês) aosbancos, eles se organizaram no mo-vimento chamado “Bailout People”,que promoveu a primeira gran-de manifestação da crise, no dia 3de abril, exatamente nas portas deWall Street.

O mesmo grupo, logo depois deanunciados os bônus milionáriosda AIG, alugou um ônibus escolare promoveu “excursões” para visi-tar os benefi ciados. Com o veículolotado, os manifestantes paravamna casa de cada um dos executivose faziam um comício-relâmpago de-nunciando o desvio de recursos doprograma de resgates.

Bem ou mal, a recessão está des-pertando consciências. Mesmo aspessoas que não têm o hábito de seinformar, procuram saber das no-tícias e demonstram indignação aotomarem conhecimento de que osimpostos que pagam podem estarsendo desviados para salários abu-sivos de executivos e, até mesmo,festas nababescas promovidas porbancos que se dizem em bancarro-ta. Podem até temer uma “saída so-cializante”, mas já não aceitam pas-sivamente todos os desmandos docapitalismo.

O resultado desse despertar é umaincógnita, mas, no país que cultiva aautoestima, exacerba a noção de li-berdade e acredita fi rmemente queos Estados Unidos é o lugar onde“os sonhos se tornam verdade” –versão anglo-saxônica da famosafrase de Lenine (“Sonhos, acrediteneles”) –, qualquer resultado é pos-sível, inclusive, perder o pânico aosocialismo. (MM)

grande que um raivoso co-mentarista do canal de tele-visão Fox News, porta-voz da direita, perguntou, no término de sua fala, “onde é que vamos parar?”. Mais uma lei dessa natureza e a ex-companheira de chapa do candidato republicano John McCain, a governa-dora Sarah Palin, que via comunistas russos do seu quintal, vai entrar em tran-se, pois os tais “comunis-tas” teriam tomado de as-salto o próprio Congresso do país. E ela está dispos-ta a salvar “The House” (“A Casa”, como é chamado o Congresso) candidatando-se ao Senado, quando dei-xar o governo do Alasca.

É a saídaMesmo provocando pe-

sadelos e levando o estadu-nidense médio a ver fantas-

mas à luz do dia, uma das saídas para atenuar a reces-são vem sendo justamen-te a intervenção do Estado na iniciativa privada, seja bancos ou grandes empre-sas. Ou, como foi proposto e aceito na reunião do G-20 em Londres, “a regulação do mercado”.

No encontro, aliás, ou-tro totem da sociedade dos Estados Unidos foi coloca-do em xeque pelo próprio presidente Barack Obama, quando disse que o mundo não pode esperar que seu país seja sempre “um mer-cado consumidor voraz”. A declaração aponta para uma mudança de mentalidade, uma verdadeira revolução cultural, porque, se há um consumidor voraz, este é o povo estadunidense.

Portanto, assombrados ou não, se quiserem real-mente sobreviver à crise, a população dos EUA preci-sa, urgentemente, mudar seu estilo de vida. E essa é uma tarefa titânica que le-vará algumas décadas para ser implantada. (MM)

Candice Gail

A partir de agora, todas as empresas que re-cebam ajuda do Estado terão os salários de seus trabalhadores (independente-mente do cargo que ocupem) controlados pelo parlamento

no século 16, é refú-

gio de milionários que, no inverno, fogem das baixas

temperaturas do norte do

país e vele-jam entre o Golfo do

México e o Caribe, onde o c l i m a é ame-no.

A ci-dade é ri-ca. Basta

ver o por-to onde sobram

iates caríssimos. Mas a paisagem de Saint-Au-

gustin começou a mu-dar. No início da pri-mavera (outono, no Brasil) deste ano, já

se podia ver cenas muito comuns de países po-bres: mendigos

nas ruas. Na sua maioria, pessoas

mais velhas, mãos estendidas à espera

dos centavos que os vi-sitantes podiam lhes

deixar. E, mesmo em Orlando, ci-dade onde o tu-rismo é a marca registrada, pes-soas em cadei-ras de rodas, ou mesmo na porta

dos supermerca-dos, seguram pla-

quinhas de pape-lão pedindo dinhei-ro “para comer”. Es-

sas cenas eram des-

conhecidas na região até o iní-cio do ano.

A mendicância deixou de ser um fenômeno. Mais corri-queiro nas grandes metrópo-les, tais como Nova York, Chi-cago, Los Angeles e San Fran-cisco, ela vem se espalhan-do por todo o país e não faz distinção étnica. Brancos de olhos azuis e não-brancos co-meçam a ocupar espaços nas cidades onde há menos de um ano encontrar um mendigo era prova de gincana.

Escolas fechadasMas, até agora, não há ne-

nhuma estatística mostrando qual o percentual de pessoas que passaram a viver na rua. País que venera as estatísti-cas, os Estados Unidos tam-bém ainda não mediram o nú-mero de pessoas que migrou da classe média para patama-res inferiores, e nem mesmo quantas crianças e adolescen-tes não podem mais frequen-tar as escolas, porque algumas estão fechando devido à insu-fi ciência de recursos governa-mentais para mantê-las em funcionamento.

Até para sua própria sobre-vivência, o sistema capitalis-ta socorre em primeiro lugar os bancos e as grandes corpo-rações. Em momento algum, autoridades do governo vie-ram a público anunciar qual-quer ajuda às escolas, embo-ra a educação tenha sido um dos principais temas de cam-panha do presidente Barack Obama. Muito pelo contrá-rio. A cada semana, o notici-ário traz informações de que determinada unidade de en-sino está prestes a fechar por-que seu orçamento foi reduzi-do à metade.

Reuniões de pais e pro-fessores se sucedem, e umadas escolas técnicas da Fló-rida, a Orange Mid FloridaTech, tem usado seu paineleletrônico, que normalmen-te anuncia os cursos ofereci-dos, para convocar os estu-dantes a uma resistência pa-cífi ca. “Escrevam ao seu sena-dor para que ele não permitao corte do nosso orçamento”,diz o aviso.

Paranoid Monk/CC

Page 11: Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

Estufa de pesquisa e desenvolvimento de transgênicos da Monsanto

de 16 a 22 de abril de 2009 11

internacional

Darío Arandade Buenos Aires (Argentina)

UMA EMPRESA líder, um modelo agrário e suas con-sequências sociais e sanitá-rias. Os segredos da Monsan-to, seu poder de infl uência so-bre os governos e a ciência. A investigadora, escritora e do-cumentarista francesa Marie-Monique Robin aborda, na entrevista a seguir, o seu livro O Mundo Segundo a Monsan-to, fruto de três anos de pro-fundas investigações. Na obra, ela trata de todos os aspectos essenciais para se contextuali-zar o monocultivo de soja e os agrotóxicos em nível global. Corrupção, produção de ar-mas químicas e controle sobre o que as pessoas comem são algumas das denúncias feitas pela francesa.

Como defi ne a Monsanto?Marie-Monique Robin – É uma empresa delinquente. E digo isso porque há provas concretas. Ela foi muitas vezes condenada por suas ativida-des industriais, por exemplo, o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o plane-ta. Durante 50 anos, o PCB es-teve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu a informação e nunca disse nada.

E é a mesma história com outros dois herbicidas produ-zidos pela empresa, que for-maram o coquetel chamado “agente laranja”, utilizado na Guerra do Vietnã [1959-1975]: ela também sabia que eram muito tóxicos e fez o mesmo. Além disso, a corporação ma-nipulou estudos para escon-der a relação entre as dioxi-nas e o câncer. É uma práti-ca recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isso é pas-sado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ain-da hoje está vigente. A empre-sa nunca aceitou seu passado, nem responsabilidades sobre ele. Sempre tentou negar tu-do. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o herbicida Roundup.

Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global?

Ela tem práticas comuns em todos os países onde atua. A Monsanto esconde dados so-bre seus produtos, mas não só isso. Também mente e falsifi -ca estudos sobre esses produ-tos. Outra particularidade que se repete é que, cada vez que cientistas independentes ten-tam fazer seu trabalho a fun-do sobre os transgênicos, eles sofrem pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos EUA, como a FDA [Adminis-tração de Alimentos e Medica-mentos] ou a EPA [Agência de Proteção Ambiental].

A Monsanto também é si-nônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são, primeiro, a tentativa de suborno no Canadá, que ori-ginou uma sessão especial do Senado canadense, quando se buscava a aprovação do hor-mônio de crescimento leitei-ro. O outro caso ocorreu na Indonésia, onde a Monsan-to foi condenada porque cor-rompeu cem altos funcioná-

rios para pôr no mercado seu algodão transgênico. Não du-vidamos que exista mais ca-sos de corrupção nos quais a Monsanto é quem corrompe.

Você também afi rma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual?

Sem dúvida. Na história da Monsanto, sempre está pre-sente o que nos EUA se cha-ma de “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de re-gulamentação sobre os trans-gênicos no país foi publicado em 1992 pela FDA, a agência estadunidense encarregada pela segurança de alimentos e medicamentos, que, supõe-se, é muito séria... ao menos eu sempre pensava isso, até an-tes deste trabalho. Agora sei que não é assim. Em 1992, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou no órgão para isso e, depois, foi vice-presidente da empresa. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.

A Monsanto fabricou o agente laranja, o PCB e o glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que ela tem tão boa reputação?

Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplici-dade dos políticos. Em todo o mundo, é igual.

Por que a Monsanto não fala? Tentou ligar para eles?

Sim, mas não aceitaram perguntas. Também é o mes-mo em todo o mundo. Diante de qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só polí-tica: “Sem comentários”.

O que signifi ca a Monsanto no mercado mundial de alimentos?

A meta da Monsanto é con-trolar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio pa-ra essa meta. E as patentes, uma forma de consegui-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já fi cou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e com contaminação ambien-tal. Agora, estamos na segun-da etapa dessa “revolução”, em que a chave é fazer valer as patentes sobre os alimen-tos. Isso não tem nada a ver com a ideia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única fi nali-dade é aumentar os lucros das grandes corporações.

A Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico

completo, sementes patentea-das e o herbicida obrigatório para essa semente. A empre-sa te faz fi rmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a com-prar o Roundup; não se pode utilizar um glifosato genérico. Nesse modelo, a Monsanto ga-nha em tudo, e é tudo o oposto da segurança alimentar.

Aproveitemos para recordar que a soja transgênica que se cultiva na Argentina não é pa-ra alimentar os argentinos, é para alimentar os porcos eu-ropeus. E o que acontecerá no país quando as carnes da Eu-ropa tiverem que ser etiqueta-das, sendo que foram alimen-tadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo, e a Argentina tam-bém receberá o golpe, porque a demanda de soja diminuirá.

Você esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região?

Deve-se recordar que a Monsanto entrou na Argenti-na graças ao governo de Car-los Menem [1989-1999], que permitiu que a soja transgê-nica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro pa-ís da América Latina. Depois, da Argentina, organizou-se um contrabando de semen-tes transgênicas de grandes produtores para o Paraguai e o Brasil, que se viram obriga-dos a legalizá-las porque eram cultivos que depois se expor-tavam. E, depois, a Monsanto veio reclamar seus royalties. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um ca-so único no mundo.

Na década de 1990, a Argentina era denominada aluno-modelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares de soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno-modelo dos agronegócios?

Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um ca-so pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno-modelo. Como as se-mentes transgênicas são pa-tenteadas, a empresa tem o direito de propriedade inte-lectual. Isso signifi ca, como vi no Canadá e nos EUA, que fazem os produtores fi rma-rem um contrato no qual se comprometem a não conser-var parte de suas colheitas pa-ra ressemear no próximo ano, o que costumam fazer os agri-cultores de todo o mundo. A Monsanto denuncia isso co-mo uma violação de sua pa-tente. Então, a corporação en-via a “polícia de genes”, que é algo incrível: detetives priva-dos que entram nos campos, tomam amostras, verifi cam se é transgênico e se o agri-cultor comprou suas semen-tes. Se não as comprou, pro-cessos são instalados e a Mon-santo ganha. É parte de uma estratégia global: a empresa controla a maioria das empre-sas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada camponês as compre.

O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe que se guardem sementes de uma colheita e as utilizem na pró-

xima semeadura. Em um pri-meiro momento, a Monsanto disse que não iria pedir royal-ties e forneceu, a preços bai-xos, as sementes e o Roundup. Mas, em 2005, começou a pe-dir royalties, rompeu o acor-do inicial e, por isso, mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido.

As grandes empresas do setor prometem, há décadas, que com transgênicos e agrotóxicos se conseguirá aumentar a produção e assim acabar com a fome do mundo.

A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Co-mo tem ido a “sojização” do país? Perdeu-se na produção de outros alimentos básicos, e ainda há fome. Esse modelo é o do monocultivo, que aca-ba com outros cultivos vitais. É uma transformação mui-to profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e la-mentavelmente já não depen-de de um governo para poder revertê-lo.

Por que você chama o processo agrário atual de “a ditadura da soja”?

É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes controla a comida e a vida. Nesse sentido, a Mon-santo tem um poder totali-tário. Estamos diante de um programa político com fi na-lidades muito claras. Quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Nem o gover-no nem os produtores. Quem decide é a Monsanto. E, pa-ra piorar, a segunda onda de transgênicos vai ser mui-to forte, com um modelo de agrocombustíveis que acar-retará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo signifi ca a per-da de biodiversidade e é todo o oposto à segurança alimen-tar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para o biodiesel, é o cami-nho para a fome.

Qual é o papel da ciência no modelo do agronegócio, do qual a Monsanto é só sua cara mais famosa?

Antes, eu pensava que, quando um estudo era publi-cado em uma prestigiosa re-vista científi ca, se tratava de um trabalho sério. Mas, não. As condições em que se pu-

blicam alguns estudos são tristes, com empresas como a Monsanto pressionando os diretores das revistas. No te-ma transgênico, fi ca muito claro que é quase impossível realizar estudos. Em muitas partes do mundo, nos EUA ou na Argentina, os laborató-rios de investigações são pa-gos por grandes empresas. E, quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquími-cos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.

Os cientistas têm medo ou são cúmplices?

Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão pre-sentes nos laboratórios do mundo. No livro, deixo cla-ro que há cientistas, em to-dos os países, cuja única fun-ção é legitimar o trabalho da empresa.

Qual é o papel dos governos para que empresas como a Monsanto avancem?

Os governos são os melho-res propagandistas dos OGM. Realizam um trabalho de lo-bby incrível. A Monsanto le-va seus estudos, sua informa-ção, suas revistas e fotos, tu-do muito lindo. E diz aos polí-ticos que não haverá contami-nação e que salvará o mundo. E os políticos fazem a parte deles. Também há pressões. Deputados franceses denun-ciaram publicamente as pres-sões da Monsanto; até reco-nheceram que a companhia contatou cada um dos 500 deputados para que legislas-sem segundo os interesses da empresa.

E o papel dos meios de comunicação?

Me dá muita pena, por-que sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profi ssão com um pa-pel muito importante na de-mocracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em tudo o que se refere aos trans-gênicos, a imprensa não traba-lha seriamente.

Os meios olham a propagan-da da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da em-presa. Também é público que a Monsanto convida os jorna-listas para comer, lhes dá pre-sentes, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua se-de central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pe-los laboratórios, não pergun-tam nada e vão embora. As-sim funciona a relação dos meios com a Monsanto. Tam-bém registrei casos nos quais a empresa busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina, é claro como atua.

Ao se lerem alguns arti-gos de suplementos rurais, veem-se, em lugar de arti-gos jornalísticos, publicida-des da Monsanto. Não pare-ce que um jornalista o escre-veu, e, sim, que foi diretamen-te a companhia (Página 12 - www.pagina12.com.ar).

“Quem controla as sementes controla a comida e a vida”TRANSNACIONAIS Pesquisadora francesa denuncia poder da maior corporação de sementes do mundo: produção de armas químicas e controle de alimentos em nível global

A jornalista francesa Marie-Monique Robin é famosa por sua cobertura sobre direitos humanos. Em 1995, recebeu o prêmio Albert Londres por uma reportagem sobre roubo de órgãos. Além disso, ganhou outro prêmio, concedido pelo Senado da França, por um documentário sobre a ligação entre os esquadrões da morte no Chile e na Argentina com os serviços secretos franceses. Na América do Sul, trabalhou como repórter independente.

Quem é

Monsanto

“Ela tem práticas comuns em todos os países onde atua. A Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso. Também mente e falsifi ca estudos sobre esses produtos”

“Da Argentina, organizou-se um contrabando de sementes transgênicas de grandes produtores para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las. E, depois, a Monsanto veio reclamar seus royalties”

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Page 12: Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

Mulher congolesa: vítima da pior violência sexual do mundo

ANÁLISE

de 16 a 22 de abril de 200912

áfrica

Marina Litivinskyde Washington (EUA)

O CONSUMO MACIÇO mun-dial de telefone celular, com-putador e outros produtos ele-trônicos exacerba a violên-cia sexual na República De-mocrática do Congo (RDC, ou Congo Kinshasa), segun-do a organização humanitária estadunidense Enough Pro-ject. O informe “Pode escu-tar o Congo? Telefones celu-lares, minerais confl itivos e a pior violência sexual do mun-do”, divulgado no começo de abril, descreve como rebel-des da RDC compram armas com dinheiro da venda de va-liosos recursos minerais, cau-sa direta da generalizada vio-lência sexual nesse atribulado país africano.

“O confl ito no leste da RDC, que causou a maior quantida-de de mortes desde a Segun-da Guerra Mundial (1939-1945), está exacerbado, em grande parte, pelo multimi-lionário comércio de recur-sos minerais”, diz o infor-me. “Os grupos armados re-

O consumo ocidental, os “minerais sangrentos” e a violência sexualCONGO KINSHASA Recursos naturais do leste do país fi nanciam a guerra civil na região, zona com altíssimos índices de violação às mulheres

cebem cerca de 144 milhões de dólares por ano com a ven-da de quatro metais: estanho, tântalo, tungstênio e ouro”, acrescenta.

Com a ajuda de outras or-ganizações não-governamen-tais, a Enough Project inves-tigou, durante todo o ano passado, a cadeia de forneci-mentos que vincula os mine-rais confl itivos à maioria dos produtos eletrônicos, incluí-dos telefones celulares, repro-dutores portáteis de música e computadores.

A violência na RDC, deri-vada da “maldição dos recur-sos”, tem mais de um século. Nos últimos dez anos, os dife-rentes grupos rebeldes e uni-dades militares que dominam a zona confl itiva do país dis-putam o controle das áreas ri-cas em recursos minerais e o de seus habitantes – em par-te, mediante a violência se-xual. Segundo a pesquisa, há 1.100 denúncias de violações por mês.

“As mulheres de algumas comunidades que foram for-çadas a abandonar suas casas fi cam tão traumatizadas que não querem voltar nunca mais ao seu lugar de origem”, es-creveu um dos fundadores do Enough Project, John Pren-dergast, no jornal San Fran-

cisco Chronicle. A violência “destrói famílias, dizima co-munidades e propaga o HIV/Aids e outras doenças sexual-mente transmissíveis”.

Presença de “genocidas”Após o genocídio de Ruan-

da, em 1994, quando cerca de 800 mil tutsis e hutus mode-rados foram mortos por for-ças governamentais e rebel-des, centenas de milhares de hutus vinculados ao regime fugiram para a RDC, enquan-to a Frente Patriótica Ruande-sa, apoiada pelos tutsis, con-quistava o país. Muitos deles voltaram para Ruanda, mas a presença de “genocidas” no leste da RDC serve para o go-verno ruandês justifi car as re-petidas incursões na região nos últimos 12 anos.

A divulgação do estudo coincidiu com um outro pre-parado pela Oxfam, segun-do o qual cerca de 250 pes-soas abandonaram suas ca-sas na RDC após uma opera-ção conjunta sem preceden-tes entre Ruanda e soldados angolanos contra os restantes rebeldes hutus. A operação foi considerada um sucesso pelos dois países, mas, após a retira-da das forças ruandesas, há al-gumas semanas, os insurgen-tes regressaram à região e es-

tão praticando saques e ater-rorizando a população local.

A Oxfam afi rma que solda-dos do Congo também parti-cipam de ações violentas. “Há saques generalizados, aldeias incendiadas e um número inaceitável de violência sexu-al”, disse o diretor da Oxfam na RDC, Marcel Stoessel, à re-de de rádio e televisão britâ-nica BBC. Os três grupos ar-mados responsáveis pela vio-lência, que controlam a maior parte do comércio de mine-rais, são o Congresso Nacional para a Defesa do Povo, as For-ças de Libertação Democráti-cas de Ruanda e unidades re-negadas do exército da RDC.

Essas organizações fi cam com o lucro do comércio de minerais por controlarem as minas através da força, e exi-girem pagamento por parte de transportadores, compra-dores locais e internacionais e guardas de fronteira. Os mi-nerais do confl ito vão da RDC aos países da Ásia-Pacífi co, onde são processados e trans-formados em metais valio-sos, necessários para produzir uma gama ampla de produtos eletrônicos.

O estanho é usado princi-palmente para soldagem de placas-base de computado-res. As organizações armadas

obtêm cerca de 85 milhões de dólares por ano com a venda desse metal, diz o estudo. O tântalo, empregado para ar-mazenar eletricidade em con-densadores de Ipods, repro-dutores portáteis digitais de áudio e vídeo, câmeras digi-tais e celulares, rende aos re-beldes cerca de 8 milhões por ano. O tungstênio, usado pa-ra fazer o celular vibrar, gera aproximadamente 2 milhões. Por fi m, o ouro, empregado em jóias, é outro dos compo-nentes dos produtos eletrô-nicos e deixa aos grupos ar-mados entre 44 milhões e 88 milhões de dólares ao ano.

ConsumidoresEnough exortou as empre-

sas de produtos eletrônicos a

se comprometerem – comofi zeram os joalheiros e a in-dústria de diamantes há seteanos, com os chamados “dia-mantes de sangue” – em nãofabricar seus produtos comminerais confl itivos e sub-meter sua cadeia de forneci-mento a uma auditoria trans-parente. Companhias comoas estadunidenses Apple eHewlett Packard, a fi nlande-sa Nokia e a japonesa Nin-tendo teriam que “mudar su-as práticas de abastecimentoe exigir dos fornecedores pro-vas da origem dos minerais”,afi rmou a organização.

A Enough também incen-tiva os consumidores de to-do o mundo a usarem seu po-der de compra para reclamardas companhias a revisão deseus protocolos empresariaise a responsabilização pe-la origem dos minerais queusam em seus produtos. “Pe-dimos aos consumidores queentrem em contato com as 21companhias de produtos ele-trônicos através de nosso sitena internet, para pressioná-las a fabricarem seus produ-tos sem metais confl itivos”, disse Prendergast.

O estudo da Enough tam-bém cobra do presidente dosEUA, Barack Obama, e docongresso desse país medi-das concretas para garantir ofi m da violência na RDC. “O presidente Obama deve rom-per com a política anteriorpara a RDC, criada mais pa-ra cuidar, sem muita vonta-de, dos sintomas do proble-ma, através de ajuda huma-nitária, ações diplomáticas ir-regulares e forças de paz”, se-gundo Prendergast. Tambémexortou Obama a nomear umenviado de alto nível para tra-balhar, juntamente com suaequipe, as causas da instabi-lidade, em coordenação comatores locais e regionais.

Além disso, o presiden-te estadunidense poderiaapoiar o trabalho do Tribu-nal Penal Internacional, queinvestiga os crimes de guer-ra cometidos na RDC, e pres-sionar para que as violações,enquanto arma de guerra, se-jam objeto de investigaçõespenais. A Enough tambémcobrou do Congresso dosEUA a aprovação de leis que“obriguem as companhias arevelar a origem dos mine-rais que utilizam e o estabe-lecimento de sanções para asque continuarem comprandorecursos confl itivos”. (IPS/Envolverde).

Anuradha Mittal

O AUMENTO da fome no mundo se converteu em fer-ramenta da indústria da Bio-tecnologia, em busca de apoio para os cultivos de transgê-nicos. A tática da “maquia-gem verde”, que traz a ideia de que a Biotecnologia é amisto-sa com o meio ambiente e aju-dará a enfrentar a mudança climática, e a da “maquiagem pobre”, que incita a aceitação da Engenharia Genética para aumentar a produção e me-lhorar a vida dos campone-ses, ganharam a ajuda de cer-tas desencaminhadas institui-ções fi lantrópicas. Por exem-plo, a Aliança para uma Revo-lução Verde na África (Agra), dirigida pela Fundação Bill e Melinda Gates, pretende ser o

Um sonho do homem brancoAs campanhas que promovem as soluções tecnológicas para combater a fome costumam oferecer a palavra de porta-vozes africanos para silenciar as vozes genuínas de agricultores

mais importante veículo insti-tucional para mudar a agricul-tura africana.

Contudo, em seu entusias-mo por ajudar os africanos a se alimentarem, graças a um pacote tecnológico de insu-mos químicos e sementes mo-difi cadas, a Fundação Gates deixou de consultar os agri-cultores e as comunidades que pretende benefi ciar. Embora se defi na como uma “iniciati-va conduzida por africanos” – tendo o ganês Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, como presidente –, a Agra continua sendo um “so-nho do homem branco para a África”.

Especialistas da indústria da biotecnologia que ocupam as principais posições na Fun-dação Gates estão elaborando um projeto com sua visão so-

bre o que deveria ser a revo-lução agrícola. Seus assesso-res são expoentes de elites po-líticas africanas, como Ruth Oniang’o, cujas opiniões po-dem ser encontradas nas pá-ginas do site da multinacional Monsanto, defendendo a ne-cessidade da biotecnologia no continente. Para calar críticas da sociedade civil, a Fundação tem sido vaga em seu papel de promoção de cultivos modifi -cados geneticamente. Porém, seus donatários trabalham para desbaratar a ampla resis-tência local ao uso de transgê-nicos na agricultura.

Lobby pró-transgênicosPor exemplo, o Donald San-

forth Plant Science Center, com sede no Estado de Saint Louis, nos EUA, recebeu 5,4 milhões de dólares da Funda-ção Gates para conseguir que os governos africanos apro-vem a realização de pesqui-sas de campo de cultivos mo-difi cados geneticamente. A Fundação deixa de lado des-tacados estudos que refutam posições convencionais con-tidas em sua agenda agríco-la industrial e orientadas pe-

lo mercado.Um estudo publicado em

2008 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comér-cio e Desenvolvimento (Unc-tad) e pelo Programa das Na-ções Unidas para o Meio Am-biente (Pnuma) demonstra que a agricultura orgânica é mais benéfi ca do que a de uso intensivo de produtos quími-cos e que, portanto, é mais fa-vorável para a segurança ali-mentar da África.

Uma análise de 114 projetos em 24 países africanos com-provou que os cultivos onde foram usadas práticas orgâni-cas ou próximas das orgânicas duplicaram seus rendimentos. As pesquisas também mos-tram que tais práticas produ-ziram grandes benefícios am-bientais, como melhoria na fertilidade do solo, maior re-tenção de água e resistência à seca. Entretanto, nada disso é considerado nos planos agrí-colas da Fundação Gates.

O relatório 2008-2011 da Estratégia de Desenvolvimen-to Agrícola da Fundação mos-tra o quanto esses planos es-tão longe daqueles a quem tenta ajudar. De acordo com suas próprias afi rmações, a entidade investe em desen-volvimento agrícola porque uma crescente maioria de po-bres depende da agricultura. Porém, o resumo do informe confi dencial para os executi-vos da Fundação propõe re-duzir a população rural sem especifi car ou explicar onde e como seriam realocadas em outras atividades as pessoas retiradas do meio agrícola.

Agricultura familiarAs campanhas que promo-

vem as soluções tecnológicas para combater a fome cos-tumam oferecer a palavra de

um punhado de porta-vozesafricanos para silenciar as vo-zes genuínas de agricultores,pesquisadores e organizaçõesda sociedade civil. No entan-to, há uma extensa oposiçãoà Engenharia Genética e aosplanos de uma nova “revolu-ção verde” para a África.

Os africanos uniram-se con-tra os cultivos modifi cados ge-neticamente e optam por am-plas intervenções políticas queapoiem a agricultura familiar,para que os camponeses pos-sam produzir e comercializaros frutos de suas colheitas demaneira sustentável.

Mesmo quando se veemdiante de situações extremasde fome, os países africanosescolhem proteger a biodi-versidade diante do dilemade aceitar ajuda em alimen-tos geneticamente modifi ca-dos, como foi o caso da Zâm-bia, em 2002. Nestes temposde “maquiagem pobre” e fomecrescente, é crucial que suasvozes sejam ouvidas para quese possa garantir a soberaniaalimentar da África e de seuspovos (IPS – Envolverde).

Anuradha Mittal é diretora-exe-cutiva do The Oakland Institute e

editora do relatório “Vozes da Afri-ca: agricultores e desenvolvimen-tistas. Africanos falam claramentecontra a nova revolução verde”.

Especialistas da indústria da Biotecnologia que ocupam as principais posições na Fundação Gates estão elaborando um projeto com sua visão sobre o que deveria ser a revolução agrícola

Nos últimos dez anos, os diferentes grupos rebeldes e unidades militares que dominam a zona confl itiva do país disputam o controle das áreas ricas em recursos minerais e o de seus habitantes – em parte, mediante a violência sexual

Melinda Kerr

Essas organizações fi cam com o lucro do comércio de minerais por controlarem as minas através da força, e exigirem pagamento