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a cabra JorNAL UNiversiTário de coimbrA 28 de fevereiro de 2012 ANo XXi N.º 241 QUiNZeNAL GrATUiTo direTor cAmiLo soLdAdo • ediTores-eXecUTivos iNês AmAdo dA siLvA e João GAspAr Movimentos estudantis defendem manifestação em Lisboa a 24 de março Presidente da direção- geral da AAC, Ricardo Morgado, defende agenda de três dias criada por dirigentes associativos. AACção, A Alternativa És Tu e FAE defendem reivindicação nas ruas uma altura em que o processo de atribuição de bolsas continua a marcar a atualidade, rea- liza-se na próxima quarta-feira, 7, a primeira Assembleia Magna (AM) do mandato de Ricardo Morgado enquanto presidente da direção- geral da Associação Aca- démica de Coimbra (DG/AAC). Os movimentos estudantis de Coimbra consideram que a situa- ção é grave e que a “luta de gabi- nete” já não resolve. Apesar de existir uma comissão, criada no Encontro Nacional de Direções Académicas que define uma agenda de três dias de ações (ainda não é conhecida), para as- sinalar os cinquenta anos do dia do estudante, os movimentos en- tendem que, para marcar o dia, deverá haver uma manifestação na capital. No entanto, Ricardo Morgado ex- plica que a DG/AAC está vincu- lada ao que foi decidido no último mandato, mas que essas ativida- des vão ser apresentadas em AM. É ainda colocada a hipótese da participação da AAC na greve geral convocada pela CGTP para dia 22 de março. Pág. 5 Exilados políticos, durante a época do Estado Novo, Amadeu Sabino, José Morais, Jorge Sousa e Manuel Paiva, chegaram à Bél- gica e por lá consolidaram as suas carreiras. Hoje, voltam a Portugal e incentivam os jovens para a emi- gração, com uma facilidade de oportunidades que eles não tive- ram acesso na altura. além frONteIras Emigração: de novo na ordem do dia PP. 2 e 3 Limitada pelos constrangimen- tos orçamentais, a ação do Insti- tuto Camões nem sempre enaltece a posição da língua homónima como sexta mais falada no mundo. Perante a “inércia arrepiante” do governo em termos de promoção da língua, há a falta de uma verda- deira vontade política que não in- sista em adiar iniciativas. INstItUtO Camões A língua ao sabor de desígnios económicos Pág.16 Perante uma sociedade que ainda não despertou para a dimen- são do problema social dos sem- abrigo, as associações da cidade tentam contrariar o estigma e unem esforços para continuar a as- sistir quem mais precisa. Através de um trabalho de proximidade, as equipas de rua envolvem-se no seio deste problema. sem-aBrIgO Esforços para contrariar o estigma Pág. 11 Os alunos contemplados com o estatuto de estudante integrado em atividades culturais só vão ter direito à época do segundo se- mestre. A vice-reitora para a Cul- tura e Comunicação diz que é a única maneira de o estatuto vigo- rar ainda este ano letivo. O prazo para a entrega de candidaturas individuais termina hoje. OCUC Regalias só na época especial de setembro Pág. 4 A Associação de Bolseiros de In- vestigação Científica (ABIC) exige contratos de trabalhos para os in- vestigadores bolseiros. A reivindi- cação encima um leque de outros pedidos entregue numa petição na AR. BOlsas INVestIgaçãO ABIC pede estatuto de trabalhador Pág. 6 A primeira fábrica de nanotecnologia portuguesa INNOVNaNO À procura da vida alternativa N Inês AmAdo dA sIlvA Mais informação em acabra. net PP. 12 e 13 Pág. 15 @ Jacinto Lucas Pires Pág. 7

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Jornal Universitário de Coimbra A CABRA

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acabraJorNAL UNiversiTário de coimbrA

28 de fevereiro de 2012 • ANo XXi • N.º 241 • QUiNZeNAL GrATUiTodireTor cAmiLo soLdAdo • ediTores-eXecUTivos iNês AmAdo dA siLvA e João GAspAr

Movimentos estudantisdefendem manifestaçãoem Lisboa a 24 de marçoPresidente da direção- geral da AAC, Ricardo Morgado, defendeagenda de três dias criada por dirigentes associativos. AACção, A Alternativa És Tu e FAE defendem reivindicação nas ruas

uma altura em que oprocesso de atribuiçãode bolsas continua amarcar a atualidade, rea-

liza-se na próxima quarta-feira, 7,a primeira Assembleia Magna(AM) do mandato de RicardoMorgado enquanto presidente dadireção- geral da Associação Aca-démica de Coimbra (DG/AAC).Os movimentos estudantis de

Coimbra consideram que a situa-ção é grave e que a “luta de gabi-nete” já não resolve.Apesar de existir uma comissão,criada no Encontro Nacional deDireções Académicas que defineuma agenda de três dias de ações(ainda não é conhecida), para as-sinalar os cinquenta anos do diado estudante, os movimentos en-tendem que, para marcar o dia,

deverá haver uma manifestaçãona capital.No entanto, Ricardo Morgado ex-plica que a DG/AAC está vincu-lada ao que foi decidido no últimomandato, mas que essas ativida-des vão ser apresentadas em AM.É ainda colocada a hipótese daparticipação da AAC na grevegeral convocada pela CGTP paradia 22 de março. Pág. 5

Exilados políticos, durante aépoca do Estado Novo, AmadeuSabino, José Morais, Jorge Sousae Manuel Paiva, chegaram à Bél-gica e por lá consolidaram as suascarreiras. Hoje, voltam a Portugale incentivam os jovens para a emi-gração, com uma facilidade deoportunidades que eles não tive-ram acesso na altura.

além frONteIras

Emigração: de novona ordem do dia

PP. 2 e 3

Limitada pelos constrangimen-tos orçamentais, a ação do Insti-tuto Camões nem sempre enaltecea posição da língua homónimacomo sexta mais falada no mundo.Perante a “inércia arrepiante” dogoverno em termos de promoçãoda língua, há a falta de uma verda-deira vontade política que não in-sista em adiar iniciativas.

INstItUtO Camões

A língua ao sabor dedesígnios económicos

Pág.16

Perante uma sociedade queainda não despertou para a dimen-são do problema social dos sem-abrigo, as associações da cidadetentam contrariar o estigma eunem esforços para continuar a as-sistir quem mais precisa. Atravésde um trabalho de proximidade, asequipas de rua envolvem-se no seiodeste problema.

sem-aBrIgO

Esforços para contrariar o estigma

Pág. 11

Os alunos contemplados com oestatuto de estudante integradoem atividades culturais só vão terdireito à época do segundo se-mestre. A vice-reitora para a Cul-tura e Comunicação diz que é aúnica maneira de o estatuto vigo-rar ainda este ano letivo. O prazopara a entrega de candidaturasindividuais termina hoje.

OCUC

Regalias só na épocaespecial de setembro

Pág. 4

A Associação de Bolseiros de In-vestigação Científica (ABIC) exigecontratos de trabalhos para os in-vestigadores bolseiros. A reivindi-cação encima um leque de outrospedidos entregue numa petição naAR.

BOlsas INVestIgaçãO

ABIC pede estatutode trabalhador

Pág. 6

A primeira fábrica

de nanotecnologia

portuguesa

INNOVNaNO

À procura da vida alternativa

N

Inês AmAdo dA sIlvA

Mais informação em

acabra.net

PP. 12 e 13

Pág. 15

@

Jacinto Lucas Pires

Pág. 7

2 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | terça-feira

destaque

40 anos depois, emigrar é ma

m dezembro de 2011,Pedro Passos Coelhoaconselhou os portugue-

ses a emigrarem para o resto da co-munidade lusófona no mundo. Naúltima semana, Cavaco Silva mos-trou-se surpreendido com os níveisde desemprego jovem no últimotrimestre e disse esperar que a so-lução para este problema não sejaa mudança de vida para outro país.A primeira declaração suscitou umcerto alarmismo, a segunda, umaesperança de retórica política.Muitos entenderam que o alarme

do primeiro-mi-nistro não

deveriat e rs i d odito,o u -

tros anuíram. Todavia, emigrarterá agora outras implicações doque há 40 anos atrás. Portugal jánão vive em ditadura, a populaçãocresceu e a competitividade alar-gou a olhos vistos. Ter fronteirasterritoriais poderá já não se justi-ficar. Será preciso procurar lá forao que não nos é oferecido cá den-tro?

“Tivemos de passar fronteiras,vocês podem ir lá fora e ficar cádentro”. Quem o diz são aquelesque na época se viram obrigados afazê-lo. Não gostam de ser apeli-dados de estrangeirados. Essetermo, que consideram pejorativo,designa a preferência por tudo oque é do exterior em detrimento donacional. De igual modo não sesentem exilados. Foram obrigadosa deixar a pátria por culpa de umEstado que reprimiu, partindo embusca de um destino com mais li-

berdade. Ser apátrida também éuma posição não aceite.

Desprendem-se de amar-ras que os obrigam ater uma pátria con-creta, uma origem de-marcada ou umalíngua mãe. Dizem

“levitar” acima daterra e das fron-teiras.

A negativi-dade pode pare-c e rinconclus iva ,contudo, o de-sejo exprimido é

o de não existir uma categoria paraa sua condição. Amadeu Lopes Sa-bino, José Morais, Jorge de Oli-veira e Sousa e Manuel Paiva sãoportugueses que se cruzaram láfora.

Trilhos de uma novavida“Era como carne para canhão”,conta Lopes Sabino quando relem-bra o período em que foi enviadopara uma frente de combate colo-nial em Nampula - norte de Mo-çambique. Depois de ser preso pelaPIDE em 70 incorporou umregime de disciplina mili-tar que serviu de prepara-ção para a guerra. Umavez que era anti-regime,foi enviado para o terrenodesarmado. Era, por isso,um alvo fácil. Não viu outrasaída se não desertar.José Morais foi expulso do PartidoComunista Português devido a di-vergências com a linha ideológicado próprio partido. Após cincoanos na clandestinidade e a serperseguido pela polícia política,não entreviu outra hipótese quenão fosse abandonar o país.

Quanto a Jorge Sousa e ManuelPaiva o risco não era imposto pelaperseguição. Viver num país semliberdade era incompatível com osseus princípios. Abandonaram opaís de forma consciente para afir-mar a posição de que partilhavam.Seguiram para outra terra com opróprio passaporte, ao contráriodos seus compatriotas. No entanto,o sentimento de desafio era com-partilhado, como reaviva JorgeSousa: “íamos sem saber o que en-contrar, com meios muito limita-

dos”.Por facilidade de recursos,

Jorge, Manuel e José escolheram aBélgica como novo lar. Em Bruxe-las e Louvain desenvolveram osseus estudos e por lá foram conso-lidando carreiras de sucesso.Todos conseguiram chegar à do-cência catedrática nas universi-dades onde se sediaram.Amadeu passou pela Suécia,onde começou a estudar.Ditaram as circuns-tâncias que ru-m a s s et a m -

bém à Bélgica onde exerceu advo-cacia. Há pouco tempo, oscaminhos destes quatro portugue-ses entrelaçaram-se em terras bel-gas. À partida, as hipóteses de sereunir um neuropsicólogo, um po-litólogo, um advogado e um cien-tista seriam remotas, mas com umpassado de exílio comum e com se-melhanças no percurso académico,decidiram juntar-se e contar assuas estórias num livro. “À esperade Godinho”, recria o mito sebas-tianista transpondo-o para os diasdo agora. Godinho é aquele por

quem todos esperam para encon-trar a saída para o marasmo cívico.

Cidadão europeuAlargar oportunidades ao mundo.É assim que os quatro perspetivamo presente para os que possamlevar a bagagem para fora das ori-gens. A globalização de possibili-dades é, hoje, mais atual do que notempo deles. “Nós somos cidadãose o espaço é aberto. É comum”, cla-rifica Jorge Sousa. Evidencia queno agora não se devem ter receios.Ao começar uma nova vida, numoutro país, dizem que se devemdesbravar os medos de quem sepossa circunscrever a uma só terra.

AnA MorAis

Num tempo em que emigração volta a ser palavra de ordem, quatro portugueses que abandona na clandestinidade mas atualmente advertem aos mais jovens que as barreiras territoriais não

“Agora, em Portugal, há liberdades. O que não há é oportunidades” José Morais

“Qualquer nacionalismo hojeé um grande perigo. E é subtil” Amadeu Lopes Sabino

E

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destaque

ais do que atravessar fronteiras onaram o país no Estado Novo apresentam, hoje, as suas visões sobre o fenómeno. Emigraram

ão podem ser impedimento. Por Liliana Cunha e Ana Morais

Ao comparar as diferentes con-junturas que o país já viveu, JoséMorais versa sobre a incipienteoferta - “agora em Portugal há li-berdades, o que não há é oportu-nidades. E isso é umproblema”. Aindaassim, “o sistema,hoje, é um mercadointernacional comvantagens e des-vantagens. E é aíque temos deexistir”, res-ponde JorgeSousa. Osq u a t r o ,depoisd e

viverem e cimentarem as suasvidas desamarrados de um só país,idealizam um espaço amplamenteextensível, liberto de barreiras físi-cas. “É fazer todo o possível paraaproveitar no contexto internacio-nal, o desenvolvimento do país”.Segundo o mesmo, com este sis-tema global não se retêm os cida-dãos nacionais. Dão-se-lhesferramentas para se desenvolve-rem onde quer que existam opor-tunidades, sem “particularidades”.E daí chega a defesa de um espaçoeuropeu já instituído, que muitosainda não tiveram capacidade paranele avançar: “só encaro o futurode Portugal integrado na Europa”,insiste Manuel Paiva.

Com a extensão de fronteiras, orisco de fuga dos mais qualificadosou ditos cérebros está latente. “Se aeconomia não fornece as oportuni-dades para absorver essa mão-de-obra, mais vale que essa pessoa várentabilizar o trabalho onde é ne-cessário”, propõe Jorge. Porém,José Morais faz questão de vincarque “é missão de um governantefazer o máximo possível para criaras oportunidades a fim de que aeconomia se desenvolva”. JorgeSousa, em resposta, apresentacomo solução a posterior volta dosmesmos para o desenvolvimentodo país.

Firmar uma carreiraAo abrigo da Convenção de Gene-bra, que pressupõe proteção aos

exilados políticos, os quatro conse-guiram o suporte necessário paranão estarem sozinhos no iníciodesta nova etapa. “Essa convenção

tem uma importânciaenorme na nossa

vida”, partilhaAmadeu. Comela a obtenção deautorização paraa saída do paísresidente era

mais facili-t a d a .

“Soube que podia beneficiar deuma bolsa do governo belga e apa-nhei logo o primeiro comboio paraBruxelas”, valoriza Manuel. O talcomboio foi apanhado um diaantes das aulas começarem. Assimque chegou foi dotado de umabolsa de estudos, superior à dos es-tudantes da capital da Bélgica.

José Morais também usufruiu decondições extraordinárias, conse-guiu inscrever-se na mesma uni-versidade já os prazos tinhamencerrado. O regime deste país deacolhimento revelou-se “funda-mental” para todos. Além da insti-tuição da Convenção de Genebra,havia outra condição importantepara receber os que abandonavamos regimes fascistas da época – oestatuto de refugiado da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU).Apesar destas ajudas, viram-se ob-rigados a trabalhar para suportaros custos de vida de um qualquerestudante. Já com um filho, Joséfoi o que mais batalhou - “no pri-meiro ano não pude ir muito àsaulas, porque dava aulas de portu-guês e trabalhei na ópera de Bru-xelas com os figurinos”, confessa.Do lado da Flandres, em Louvain,Jorge Sousa teve de trabalharcomo operário fabril, embora ti-vesse por lá família. “Fiz serviço delimpeza num hospital”, revelaAmadeu Sabino para compensar afalta de dinheiro. Só Manuel Paivanão precisou de trabalhar, uma vezque a bolsa cobria todas as despe-

sas - “tenho um sentimento de re-conhecimento em relação à Bélgicae à minha universidade”, partilha.

As valências académicas detodos fizeram com que fosse possí-vel ascender a uma nomeação paraos cargos de assistência nas suasfaculdades. A partir daí, o curso dacarreira desenrolou-se de formanatural. Alcançaram a cátedra ra-pidamente. O francês nunca foiproblema, as aulas e os artigoscientíficos que desenvolviam eramneste idioma, que dizem ser comouma segunda língua materna. Aconsciência e persistência de cadaum levou a que ganhassem desta-que internacional nos seus camposde formação. “Pus o dedo na en-grenagem”, é desta forma que Ma-nuel conta o seu contributo naAgência Espacial Americana(NASA). Tinha ideias que só pos-suíam aplicabilidade fora de órbitae nesse laboratório pôde expandi-las. Numa área distinta, Jorge tam-bém conquistou reconhecimento.Depois de receber um convite darecém-formada Faculdade de Eco-nomia da Universidade de Coim-bra, que nunca se finalizou,decidiu candidatar-se à ONU.Como único português na corrida,conseguiu o cargo numa das co-missões.

Povos distintosMesmo com divisões territoriais elinguísticas – região francófona eflamenga - a Bélgica nunca com-portou o peso de uma ditadura. Osentimento de soberania própriode um determinado povo não é poraqui sentido. Como país fundadorda União Europeia sempre se ci-mentou a ideia de comunidade, fa-vorável à integração de váriasculturas e vários povos.

“O povo português não é muitodiferente do europeu”, alega Ama-deu Sabino. Apesar de ter estadoquase 40 anos na opressão, Por-tugal e a Europa aproxi-maram-se há cercade duas décadaspela visão maisalargada – a ade-são à comuni-dade. Jorge,como conhece-dor dos mean-dros da históriada política euro-peia, acrescentaque a integraçãoportuguesa na co-munidade “fez parteda consolidação dademocracia”. Recu-

sam a ideia do isolacionismo aoqual Portugal foi colado durante oEstado Novo, uma vez que consi-deram que este desvaneceu com “ocrescimento do espaço europeu”.Portugal é um país oprimido?“Não, ele é, é deprimido”, adverteJorge. O gene nacional de povoconformado tende a esbater.Exemplo disso é a crescente ade-são do povo à luta pública pelosseus direitos.

Que futuroJosé Morais expõe duas visõespara o futuro do país: uma desejá-vel e uma realista. O seu desejo ex-prime-se pelo pensamento alémEuropa - “Portugal nas relaçõescom o resto do mundo, em parti-cular com as ex-colónias portugue-sas”. Porém, a realidade previstaprende-se com o nada - “sei apenasque está nas vossas mãos”, apontaJosé. “Qualquer nacionalismo hojeé um grande perigo”, atenta Ama-deu, acrescentando que se mani-festa de forma “subtil” nasociedade moderna.

Quis o destino que abandonas-sem o lugar onde nasceram. Entrea clandestinidade e o risco, conse-guiram vingar em terras comuni-tárias. Com persistência e trabalhodesenvolveram as suas carreirasum pouco por todo o mundo. Co-nhecem vários povos e deles ex-traem as suas riquezas, no entanto,não fazem questão de identificarum país como só seu, uma únicapátria como sua. Amadeu Sabinoconclui “ubi bene ibi pátria [anossa pátria é onde estamos]”.

“Nós somos cidadãos europeus e o espaço é aberto,é comum” Jorge de Oliveira e Sousa

“Só encaro o futuro de Portugal integrado na Europa” Manuel Paiva

Mais doque fugir,era afirmaruma posição

Na época do “orgulhosamentesós”, Salazar queria manter comopropriedade de Portugal as coló-nias ultramarinas. Era precisomobilizar os jovens para as fren-tes de batalha. Esta mobilização,tendo em conta a política ditato-rial do Estado Novo, consistianum ato de obrigação. Quem ou-sasse não cumprir, era fortementepunido.

No entanto, Amadeu, José,Jorge e Manuel estavam convic-tos dos seus princípios e não es-tavam dispostos a alinhar numafrente que consideravam não terem conta os direitos fundamen-tais, como a liberdade dos povosem questão. Assim, não encontra-ram outra solução se não deixar opaís – “a atitude base era recusarparticipar num exercício militarem que nós, em consciência, nãopodíamos aderir”, assevera JorgeSousa.

José Morais, depois de ter vi-vido alguns anos em clandestini-dade e de participar ativamentena política antifascista, abando-nou Portugal com “um passaportemuito bem falsificado”. O mesmofaz questão de salientar a solida-riedade das várias pessoas quepor ele correram perigos, para en-ganar o Estado. “A pessoa que medeu o passaporte não me conhe-cia e correu um risco”, conta José.

“Eu saí por um caminho de ca-bras, explorado por contraban-distas e seguido por um grupo deantifascistas, ligados ao PartidoComunista Português e outras or-ganizações de esquerda que pu-nham pessoas lá fora”, partilhaAmadeu Sabino, ao relembrar odia do exílio. Jorge e Manuel nãotiveram a necessidade de sairclandestinamente. Ainda assim,os riscos foram semelhantes –“saí de Portugal sem dizer àminha mãe que ia e quando podiavoltar”, confessa Jorge.

Todos fazem questão de vincarque o exílio não foi uma fuga àguerra – “não havia uma fuga,havia a afirmação de uma posiçãopolítica”, vinca Amadeu Sabino.Jorge Sousa faz questão de evi-denciar os riscos consequentesdesta escolha – “havia um grandedesafio, com uma margem muitogrande de risco e de aposta”.

4 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

EnSinO SuPEriOr

O prazo de entrega das

candidaturas individuais

para o estatuto termina

hoje. Contudo, o

Observatório da cultura já

está a analisar os

processos

Os estudantes que forem con-templados com o estatuto de estu-dante integrado em atividadesculturais não vão poder beneficiarda época especial de exames já emmarço, que diz respeito ao pri-meiro semestre, podendo apenasbeneficiar da condição na época

especial de exames do segundo se-mestre. A vice-reitora para a cul-tura e comunicação, Clara AlmeidaSantos, explica que é a única al-ternativa “para que se consigaainda aplicar o estatuto no pre-sente ano letivo”. No entanto, oObservatório da Cultura da Uni-versidade de Coimbra (OCUC) jáestá em funcionamento, estandoem fase de apreciação dos pedidosde estudantes que tenham condi-ções para beneficiar dos direitosespeciais previstos nos estatutosdo estudante integrado em ativi-dades culturais no âmbito da UC eda Associação Académica de Coim-bra (AAC).

O estudante representante doconselho cultural da AAC noOCUC, Igor Pereira, mostra-se oti-

mista, afirmando que “o observa-tório vai proceder à avaliação dascandidaturas até ao final demarço”. No entanto, o vice-presi-dente da direção-geral da AAC, Sa-muel Vilela, mostra algumareserva quanto à celeridade de ava-liação dos processos e ao trata-mento dos dados por parte dosserviços académicos. “Tenhoacompanhado o processo que osserviços académicos estão a desen-volver para inserir as épocas espe-ciais no inforestudante e nopassado dia 18 ainda faltavammuitos processos”. Porém, o diri-gente afirma que “tem havido umesforço da parte dos serviços cen-trais para resolver o problema”.

O processo de candidatura ao es-tatuto desenvolveu-se em duas

fases, sendo que no passado dia 13terminou o prazo de candidaturade grupos, nomeadamente secçõesculturais e organismos autónomos,e hoje é a data limite para as can-didaturas individuais. Samuel Vi-lela explica que “houve algumaconfusão em relação às candidatu-ras de grupo e às candidaturas in-dividuais, que não foram bemesclarecidas pela universidade”.“As candidaturas individuais sãopara estudantes que não estão en-volvidos diretamente numa secçãoou organismo, mas que desempe-nhem alguma atividade que a UCreconheça e possam beneficiar doestatuto”, aclara o vice-presidente.

Clara Almeida Santos esclareceque no estudo das candidaturas “oOCUC vai analisar duas dimen-

sões: as atividades demonstradaspelos candidatos no ano letivo an-terior e do plano de atividades parao ano em curso”. Dependendo des-tes fatores vai ser concedido ao es-tudante um escalão – A, B ou C –consoante o relevo da atividadeque desenvolve. O estudante indi-gitado para o observatório afirmaque com a implementação do esta-tuto de estudante cultural “seacaba com uma injustiça antiga eabusiva”. “Muitas pessoas sim-plesmente por pertencerem a umadireção de secção ou direção-geraltêm acesso direto a épocas espe-ciais”. Igor Pereira afirma quedesta maneira “os estudantes quedão um contributo a nível culturalpara a UC e AAC veem a sua ativi-dade recompensada”.

OCUC: regalias só na época especial do segundo semestre

Inês Balreira

Rankings universitários baseados nataxa de empregabilidade

as propostas que têm surgido na ar suscitam dúvidas nas bancadas

Carlota rebelo

CDS-PP quer plataforma que

disponibilize informação.

Partidos da oposição

afirmam que os rankings

estabelecem lógicas

mercantis e introduzem

assimetrias no sistema

Atualmente, o facto de se possuiruma licenciatura já não é sinónimode emprego garantido. Assim, umdos factores que os estudantes têmem conta no momento da escolhade um curso superior é a emprega-bilidade. Neste sentido, o PartidoPopular (CDS-PP) apresentou umaproposta à Assembleia da Repú-blica, no passado dia 22, na qual sesugere que o Ministério da Educa-ção e Ciência (MEC) disponibilizeuma aplicação informática aos can-didatos ao ensino superior (ES) quecontenha informação, nomeada-mente a taxa de empregabilidadedos cursos. Com a informação dis-ponível, “cada candidato poderá,através dos critérios por si selecio-nados, encontrar um ranking pes-soal de instituições e cursos”, refereo deputado democrata-cristão eresponsável pelo projeto, AdolfoMesquita Nunes.

O deputado do CDS-PP explicaque “se esta medida for aceite peloparlamento e o governo a puser emprática, vai existir uma escolhamais informada”. Quanto aos crité-rios utilizados na recolha da infor-mação para a aplicação, o deputadoexplica que vão ser utilizados “cri-térios que espelhem a multiplici-dade de fatores que um candidatoleva em conta na hora de fazer es-colhas”. Adolfo Mesquita Nunes dizainda que “o Estado não deve

impor critérios, apenas disponibi-lizá-los, cabendo a cada candidatoselecionar os que lhe pareceremmais relevantes”. Segundo o depu-tado, a informação vai ser fornecidapelas instituições e pelo MEC, “obe-decendo a uma metodologia pre-viamente fixada”.

Mesquita Nunes adianta tambémque a aplicação informática vai per-mitir a cada candidato “estabelecerum peso relativo para cada um doscritérios e cruzar informações”, demaneira a criar rankings. O depu-tado ressalva que se tratam de clas-sificações “que espelham oscritérios do candidato e são mera-mente indicativas”. “Cada candi-dato poderá, depois, fazer a opçãoque entender. Se um candidato pre-tender não levar em conta o crité-rio da empregabilidade, está no seudireito”, assevera.

Proposta não é consensualApesar de o CDS-PP querer os can-didatos informados para uma esco-lha mais consciente, a propostaapresentada gerou algumas dúvi-das nas restantes bancadas parla-mentares. O deputado do PartidoComunista Português (PCP), Mi-guel Tiago, afirma que “os rankingsvieram introduzir distorções nossistemas que classificam, nomea-damente no ES, hierarquizando asinstituições e introduzindo assime-trias”. “A partir do momento emque começamos a distorcer a mis-são das instituições de ES (IES) co-locamo-las umas contra as outras,a captarem clientes para pagar pro-pinas”, refere o deputado comu-nista.

A deputada do Partido Socialista,Inês de Medeiros, duvida, por suavez, da “noção de empregabilidadedos cursos de ES”, e como é queessa noção vai ser medida. “São

muito poucos os cursos que corres-pondem a uma profissão específicae, portanto, o que é que se entendepor empregabilidade?”, questiona.Relativamente à questão da empre-gabilidade, Miguel Tiago defendeque existe um conjunto de áreas dosaber, como as ciências sociais ehumanas, atualmente de baixa em-pregabilidade, que são fundamen-tais à sociedade. “Aempregabilidade é baixa porque oEstado desistiu das suas tarefasnessas áreas”, critica o deputado doPCP.

A deputada do Bloco de Es-querda, Ana Drago, considera quea “questão dos rankings estabeleceuma lógica mercantil dentro dasIES”, nomeadamente em situaçõesque os estudantes não podem esco-lher por não terem condições fi-nanceiras. Ana Drago diz que cadavez mais a escolha da formação su-perior é feita exclusivamente atra-vés do critério financeiro dasfamílias dos estudantes. “Quemtem dinheiro, estuda, quem nãotem, não estuda, e isto é uma nega-ção do que são as oportunidades doacesso à educação numa sociedadedemocrática”.

Por sua vez, o deputado do Par-tido Social Democrata, EmídioGuerreiro, defende que a possibili-dade de criação de rankings “criamecanismos de escolha e melhora-mento de práticas, no sentido de asIES recuperarem indicadores rela-tivamente umas às outras”. “Nãopodemos continuar a desperdiçarrecursos em coisas medíocres. AsIES que não estão a funcionar tãobem têm de funcionar a um pata-mar mais elevado, o que conduz àreestruturação da rede de IES”, as-severa. No entanto, o deputadoafirma que os rankings “têm de sermultifuncionais e devem analisarvárias vertentes em simultâneo”.

Inês Balreira

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 5

EnSinO SuPEriOr

DG/AAC crianovo espaçode discussãopara núcleos

A direção-geral da AssociaçãoAcadémica de Coimbra (DG/AAC)encontra-se a preparar mais um es-paço de debate na academia – umfórum de debate exclusivo para osnúcleos. O espaço de discussão, to-mado como ‘Estados Gerais’ vai terlugar nos próximos dias 3 e 4 demarço.

O coordenador do pelouro da Po-lítica Educativa e responsável pelainiciativa, Tiago Martins, afirma queo “objetivo fundamental” da criaçãodeste novo espaço de debate é “fo-mentar a discussão e a formação dosnúcleos mas também ouvir as suasnecessidades”. “Com este fórum dediscussão pretendemos trazer os nú-cleos para a discussão política. Ape-sar de esta não ser uma competênciaestatutária consideramos que os nú-cleos têm toda a competência e di-reito de se pronunciar internamentesobre estas questões”, acrescenta odirigente.

Para Tiago Martins “não faz sen-tido ser a DG/AAC a tomar um rumo

político sem ouvir e discutir com osnúcleos”, pois trata-se uma “visãoumbiguista e que enfraquece a pró-pria AAC”. Neste sentido, o coorde-nador do pelouro de PolíticaEducativa realça a importância dosnúcleos para a AAC: “os núcleos sãoextremamente importantes, poispermitiram à Académica adaptar-seao aumento exponencial do númerode estudantes mas também à frag-mentação de locais e espaços da uni-versidade”. “Se a Académica secontinua a manter perto dos estu-dantes deve-se muito ao trabalhodos núcleos”, acrescenta Tiago Mar-tins.

Apesar de já existir o fórum anualda academia – o Fórum AAC – o res-ponsável pelo projeto considera quesão iniciativas distintas. “Os estadosgerais diferenciam-se do Fórum por-que se realizam no início do man-dato e o Fórum debate outro tipo dequestões e não se cinge só aos nú-cleos”, afirma Tiago Martins.

Sendo a primeira vez que se reali-zam os estados gerais, o dirigenteconsidera “prematuro adiantar sevai haver mais edições do fórum”,pois é preciso ter em consideração a“aceitação dos núcleos para este tipode atividade”.

Quanto ao modelo de funciona-mento e programa do fórum o diri-gente afirma que vão serapresentados primeiro aos núcleos,amanhã,em conselho internúcleos.

Inês Balreira

discussão no órgão máximode decisão dos estudantesirá começar a definir aagenda da política educa-

tiva da AAC para este ano. O processode atribuição de bolsas continua amarcar a atualidade e Ricardo Mor-gado acredita que, depois de já terreunido com o ministro e grupos par-lamentares, a chegada, ou não, a umconsenso está para breve. Caso os ob-jetivos dos estudantes não sejamatingidos, o presidente da DG/AACadmite que “talvez se tenha que ado-tar outras medidas”. Para os movi-mentos estudantis, essas outrasmedidas passam por uma manifesta-ção em Lisboa.

Para Renata Cambra, da Frente deAção Estudantil (FAE), trata-se da“velha questão da via diplomática enegocial que se esgota sempre ao má-ximo”. Apesar das conversações en-cetadas por Ricardo Morgado com atutela, Renata Cambra considera que”nada disso está a resultar e é neces-sário haver uma manifestação o maisbrevemente possível”. Apesar de, noEncontro Nacional de Direções Asso-ciativas (ENDA), ter sido criada umacomissão para organizar as ativida-des a levar a cabo na comemoraçãodo cinquentenário do dia do estu-dante, Renata acredita que a questãopode ser contornada. Se uma mani-

festação nacional teria que passarpelo ENDA “a proposta seria de umamanifestação de estudantes de Coim-bra em Lisboa”, sustenta.

Também Catarina Ângelo, do mo-vimento A Alternativa És Tu, acreditaque a AAC tem de fazer mais que “irao gabinete”. No que toca às ações adeterminar para o dia do estudante,24 de março, Catarina Ângelo en-tende uma postura diferente do boi-cote às aulas, que foi levado a cabo noano passado. “Teve algumas pessoas,algum sucesso, mas não mete tantomedo como uma manifestação emfrente à Assembleia da República”,defende a estudante.

“A questão é perceber se a nova di-reção geral vai manter algum trajetode reivindicação que Eduardo Meloconseguiu”, interroga Hugo Ferreira,do coletivo AACção. No entanto, o es-tudante ressalva que, apesar de nadater sido discutido em concreto, o sen-timento comum do coletivo “é quenesse dia exista uma grande mani-festação nacional de estudantes”.

Apesar de reconhecerem grandevalor na iniciativa da Semana ZecaAfonso, os movimentos estudantispedem uma postura mais reivindica-tiva da direção geral. O presidente daDG/AAC afirma que tem “mostradoinsatisfação em todos os momentosque pode” e que o governo “sabe qual

é a posição da académica”.No caso concreto do dia do estu-

dante, Ricardo Morgado explica quea DG/AAC está vinculada ao que foidecidido no último mandato, masque essas atividades vão ser apresen-tadas em AM. Sem ter ainda umaagenda fixa, Morgado anuncia queforam definidos três dias de ativida-des, “um em Lisboa, outro no Porto eoutro em Coimbra”.

Atrasos nas bolsasSegundo dados dos Serviços de AçãoSocial da Universidade de Coimbra,a 5 de fevereiro de 2012, num uni-verso de 5961 candidatos a bolsa, játinham sido rejeitadas 1259 candida-turas, o que significa um indeferi-mento de 34,18 por cento dospedidos.O presidente da académica critica o“chutar de responsabilidades de unspara os outros” dos órgãos responsá-

veis pelo processo de atribuição debolsas. Quanto às afirmações do Mi-nistro da Educação e do Secretário deEstado do Ensino Superior, segundoas quais haveria menos abandono noensino superior por questões de ca-rência económica, Ricardo Morgadoclassifica-as como “ridículas”.Hugo Ferreira avalia o processo deatribuição de bolsas como sendo “umdesastre”, e considera esta AM im-portante para ver “que caminho é quea DG está disposta a percorrer”. Oelemento do coletivo AACção acre-dita que é possível ultrapassar as for-ças de bloqueio no ENDA de 16, 17 e18 de março, tendo em vista uma ma-nifestação nacional.“As grandes academias estão a per-correr um caminho mais suave”,aprecia Catarina Ângelo, mas acre-dita que “não é preciso uma grandeacademia para fazer a luta”.Para Renata Cambra, “a violência quea sociedade em geral sofre, os estu-dantes em particular”, veio tornarmais óbvia a necessidade de aderir àgreve geral, convocada pela CGTPpara 22 de março.André Costa, do movimento Despertaa AAC, explica que o coletivo aindanão reuniu no sentido de tomar umadecisão sobre a continuidade e formado projeto, pelo que entende, para já,não prestar declarações sobre a AM.

na próxima quarta-feira, 7, realiza-se a primeira Assembleia Magna (AM) do mandato

de ricardo Morgado enquanto presidente da direção - geral da AAC (DG/AAC).

Morgado defende agenda criada por dirigentes para 24 de março mas movimentos

estudantis defendem ação de reivindicação nas ruas. Por Camilo Soldado

Movimentos estudantis apontampara manifestação em Lisboa

rafaela Carvalho

a primeira assembleia Magna do mandato de ricardo Morgado é a 7 de março

AssembleiA mAgnA nA próximA semAnA

A

Num universo de

5961 candidatos à

bolsa, já form

rejeitadas 1259

candidaturas

ENSINO SUPERIOR6 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

ABIC reivindica contratos de trabalho

Bolseiros de investigação

reclamam estatuto de

trabalhador. Presença

assídua no discurso

político, a ciência ora é

solução, ora entrave em

termos financeiros

Responsável pelo grosso das tare-fas técnicas e práticas associadas àatividade científica, o bolseiro de in-vestigação desempenha um papelfundamental no sistema científico etecnológico nacional. Porém, o bol-seiro continua a não beneficiar deum estatuto profissional, vendo-se li-mitado pelos recursos financeirosdisponíveis e pela fragilização dascondições de trabalho e poder decompra.

A atribuição de contratos de tra-balho encima o leque de reivindica-

ções presentes na petição entregueno dia 13 de fevereiro pela Associa-ção de Bolseiros de InvestigaçãoCientífica (ABIC) na Assembleia daRepública. Considerando o estatutode bolseiro “desadequado da reali-dade atual”, a direção da ABIC acre-dita que esta alteração permitiriauma “maior dinamização do mer-cado de trabalho científico”. Desde afalta de proteção social dos bolseiros,que “neste momento só dispõem desegurança social de voluntário”, aodéfice de segurança em caso de de-semprego e doença, passando pelaausência de subsídio de férias, denatal e desemprego, são várias asrestrições impostas a estes investiga-dores apontadas pela presidente daABIC, Ana Teresa Pereira.

A situação “precária”, como carac-teriza o representante da ABIC emCoimbra, Paulo Martins, colocagrandes entraves aos investigadoresque “continuam a fazer tarefas per-manentes nas instituições em quedeveriam estar a contrato”, sendo oseu número cada vez maior. Os obs-

táculos não ficam por aqui. Ana Te-resa Pereira lembra que “um bolseiropode ter dificuldade no acesso à ha-bitação e outro tipo de crédito ban-cário, visto que, não tendo umcontrato de trabalho, alguns bancosnão consideram a bolsa como umrendimento”.

Reivindicar o trabalhoUma cobertura adequada da segu-rança social, a atualização dos subsí-dios de bolsa em consonância com asremunerações dos restantes traba-lhadores nacionais, bem como a par-ticipação nos órgãos colegiais deacolhimento, fazem parte das suges-tões da ABIC ao propor uma altera-ção do estatuto do bolseiro deinvestigação.

A petição foi recebida pela comis-são parlamentar da ciência e culturae vai ser discutida em plenário. A di-reção da ABIC espera que os váriosgrupos parlamentares apresentempropostas legislativas que vão deacordo com as suas reivindicações.“Já reunimos com todos os grupos e

tivemos uma receção positiva detodos eles, embora não haja nenhumcompromisso específico”, afirma apresidente da associação.

O vice-presidente da ABIC, AndréJaneco, salienta a importância emincentivar o trabalho dos investiga-dores “para que não emigrem”, con-tribuindo assim para a degradaçãoda ciência em Portugal. O vice-presi-dente destaca que “as bolsas já nãosão atualizadas há 10 anos”, o que fazcom que haja uma perda do poder decompra de 25 por cento devido à in-flação. “Aquilo que os atuais bolsei-ros fazem é trabalho e deve ser essa asua condição”, defende.

Uma solução para a criseNuma conjuntura económica poucofavorável, os cortes orçamentais nãopoupam a ciência, pelo que o princi-pal obstáculo à aceitação das medi-das reivindicadas é, segundo a AnaTeresa Pereira, “um impedimentoeconómico”. “Um contrato de traba-lho impediria que o bolseiro tivessemais descontos para a segurança so-

cial e como tal teria de receber umsalário básico superior”, explica. É,portanto, com uma postura apreen-siva que vê o futuro da ciência emPortugal quando as alterações impli-cam um maior gasto por parte dosministérios.

O vice-reitor da Universidade deCoimbra (UC) para a investigação eterceiro ciclo, Amílcar Falcão, des-taca a importância da investigaçãona economia nacional, havendo um“reconhecimento generalizado” destaárea apesar dos constrangimentos fi-nanceiros atuais. Apesar disso, ga-rante a preocupação da universidadeem procurar soluções: “a UC precisadessas pessoas e não tem lógica queandem indefinidamente com contra-tos pouco seguros, de dois, trêsanos”.

“Investir na ciência e em quem afaz deveria ser uma prioridade”,Paulo Martins garante que os bolsei-ros que investigam produzem ri-queza com valor acrescentado e quea longo prazo se vai “obter frutosdesse investimento”.

Programa de Licenciaturas

Internacionais (PLI),

que promove duplas

licenciaturas entre

Portugal e Brasil, continua

este ano com a segunda

edição

O PLI é uma iniciativa promo-vida pela Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de NívelSuperior (CAPES), vinculada aoMinistério da Educação do Brasil, epela Universidade de Coimbra(UC), apoiado pelo Grupo Coimbrade Universidades Brasileiras. Se-gundo a Chefe de Divisão de Rela-

ções Internacionais, Imagem e Co-municação (DRI) da UC, FilomenaMarques de Carvalho, este pro-grama tem como objetivo “estimu-lar projetos de melhoria do ensino eda qualidade na formação inicial deprofessores, promovendo o inter-câmbio de estudantes” dos dois paí-ses.

Atualmente estão em Coimbra480 estudantes de várias universi-dades brasileiras que se candida-tam anualmente à CAPES,responsável por selecionar as can-didaturas. Após um ano no Brasil,os alunos ficam aptos a frequentardois na UC, regressando depois aoseu país de origem para um últimoano de estudos. Ao todo, devemcompletar 240 ECTS nos cursos deEstudos Portugueses e Lusófonos,Estudos Artísticos, Matemática, Fí-sica, Química, Biologia, Ciências daEducação ou Ciências do Desporto.

No fim deste programa, os alunosobtêm um diploma de primeirociclo do curso que estão a frequen-tar em Portugal e uma licenciaturano Brasil. As licenciaturas-sanduí-che, como também são denomina-das, pretendem solucionar umproblema de falta de professores deensino secundário no Brasil, tor-nando a formação mais atrativa.

“Ao vir para Coimbra passamospor várias dificuldades que ajudamno enriquecimento pessoal e pro-fissional. Estou em biologia e sintouma grande diferença em termosde professores e de recursos já quetemos acesso ao Jardim Botânico eao algário”, aponta Thiago Pli, es-tudante da Universidade Federal deUberlândia, a frequentar uma li-cenciatura-sanduíche. Os alunosque participam neste programa demobilidade recebem apoios finan-ceiros, nomeadamente uma bolsa

total, por parte do CAPES e da DRI. Segundo Filomena Marques de

Carvalho, até agora, o balanço doprograma tem sido positivo. Osprofessores revelam-se satisfeitoscom o desempenho dos estudantesque se mostram responsáveis e mo-tivados, influenciando positiva-mente os colegas portugueses. Noentanto, só no final deste ano, como regresso dos estudantes da pri-meira edição do PLI ao Brasil, é queserá apurada a taxa de sucesso.

No Brasil são 34 as universidadesque promovem as licenciaturas-sanduíche, entre elas a Universi-dade de São Paulo e a Universidadedo Estado do Rio de Janeiro. “Esteprograma desenvolveu-se inicial-mente só com a UC, tendo recente-mente a CAPES alargado oprograma a outras universidadesportuguesas. Assim, em sequênciadesse alargamento, foi recente-

mente celebrado um Memorandode Entendimento entre a CAPES eo Conselho de Reitores das Univer-sidades Portuguesas, em janeiro de2012”, explica a prorreitora da Uni-versidade de Lisboa (UL), LuísaCerdeira. No ano letivo de 2012/13,a UL planeia abrir vagas para esteprograma pela primeira vez.

Thiago Pli afirma ainda que teveprofessores muito bons no Brasilmas que nunca tinham abando-nado o país. “Sempre desejei virpara Portugal num programa demobilidade pela língua e pela cul-tura. Estar aqui em Coimbra émuito especial, abre horizontes,permite conhecer pessoas novas”,acrescenta. O estudante defendetambém que só quando entrar nomercado de trabalho é que irá notaro quanto este programa de mobili-dade foi benéfico para a sua forma-ção.

UC dinamiza licenciaturas-sanduíche

CarlOta rebelO

O bolseiro de investigação continua “a fazer tarefas permanentes nas instituições em que deveria estar a contrato”, segundo Paulo Martins

Joana Cabral Babo

Inês Filipe

Ana Francisco

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 7

CULTURa

Jacinto Lucas Pires veio aCoimbra para apresentar“Adalberto Silva Silva”. Paraa hora de conversa , qual-quer café servia. Apareceuuma Boutique dos Leitões,nome que bem poderia estarnum qualquer escrito de Ja-cinto. Sem pretensiosismosnem discurso a partir de umaltar, houve políticos depronto-a-vestir, revoluçõesdesejadas, o absurdo danossa realidade e a escritade flechas com pós de riso.

Falando da peça, diz que“Adalberto Silva Silva” é umespetáculo de realidade. Por-quê?É brincar com a ideia de “reality-show”, porque o teatro é sempreuma realidade. O ator primeiroapresenta-se como se estivesse numtelejornal. É uma peça totalmenteteatral, é teatro pobre, mas que, aomesmo tempo, usa o formato tele-visivo. Há um conflito entre o lado-espetáculo e o lado-realidade, o ladoreal do teatro ao vivo, não estamosprotegidos pela superfície da tela.

Contudo encontramos tam-bém o absurdo. Ele faz parteda realidade?É o absurdo do quotidiano, domundo real. É o absurdo de estar-mos num sítio chamado “Boutiquedos Leitões” [risos]. Tem muito aver, acho eu, com o encontrar esseabsurdo e depois, a partir daí, a par-tir de um zoom que fazemos nessesabsurdos microscópicos, como a“Boutique dos Leitões”, chegarmosa algo mais essencial. As questões

sérias que às vezes parece que têmque vir sempre em maiúscula...como é que podemos tratá-las emminúsculas? Acho que tem de haveratenção ao mundo, mas depois temde haver uma recriação de umponto de vista.Mas, em relação à peça, basta ligar-mos a televisão e vermos um dessesprogramas de espetáculos de reali-dade e aquilo é de um absurdo... co-meça a música e de repente estátoda a gente feliz [bate palmas]. Issoé o dia-a-dia da televisão, aplausos,aplausos... Para o que existe, achoque a televisão podia ser melhor enão é por culpa das pessoas. É comose diz no futebol, “é osistema”[risos]. A televisão é um es-pelho daquilo que nós somos.

No último livro, “O VerdadeiroAtor”, parece que os aconteci-mentos reais foram ao encon-tro, ou até ultrapassaram notempo, a própria história queescrevia, visto que falava emmanifestações públicas e emdesagrado nos políticos...Sim. Quer dizer, ultrapassaram enão ultrapassaram. Não chegámosà revolução, mas houve manifesta-ções que se prolongaram. Em rela-ção à realidade, é criar uma espéciede túnel. Está-se a ver a realidadepor outro prisma como se fosse di-fícil ver a realidade assim ao arlivre, a partir daqui, da “Boutiquedo Leitões”. Mas, de repente, se tupusesses aqui uma fechadura e seespreitássemos pela fechadura, istotornava-se muito mais faiscante.

No livro dizia que acontecia atal revolução. Acha que vaiacontecer na realidade?Eu gostava de achar que algum tipode revolução ainda é possível. Não

quero dizer uma revolução como o25 de Abril, mas acho que tem dehaver alguma espécie de revolução.A revolução das pessoas quereremoutra vez misturar as ideias com apaixão da mudança. Não sermos oPortugal que, tristemente, olha paraos políticos como uns bandidos ouuns coitados carreiristas.

Os tais políticos de pronto-a-vestir de que falava numa cró-nica, em relação a SantanaLopes...Não concordo com nada que o San-tana Lopes fez e disse. Apesar detudo, há nele uma personalidadequalquer e, nesse ponto de vista, émais interessante do que os bone-cos que estão agora no palco. Essesnem sequer gafes têm, nem sequertrapalhadas fazem. Alguém escreveno teleponto e eles não vão falharporque falam pelo teleponto, nãotêm uma ideia sobre nada.

Então que estilo de fazer polí-tica é Passos Coelho, se nãoum pronto-a-vestir?É um pronto-a-vestir, claro.

Mas de linhas retas?Ainda mais, sem alfaiate. [risos]Ainda mais, sem costuras. Tamanhoúnico.

O Jacinto assume-se como deesquerda. Acha que para umartista é importante ter umamaior preocupação social?Aliás, neste momento, se calhar atéé melhor associar-se à direita. Ou secalhar é melhor nem se ser artista.[risos] O artista tem que criar umaespécie de pergunta no mundo, umdesequilíbrio qualquer no discursodominante. Não é por acaso que oteatro nasce na Grécia quando a de-

mocracia nasce, e não é por acasoque os parlamentos são anfiteatrose seguem rituais teatrais. Numasala, mesmo que estejam só os 24gatos pingados habituais que vêemteatro, há uma ideia de comuni-dade. E isso é a política. Acho queem parte a crise do teatro tem qual-quer coisa a ver também com a criseda política. Cada um quer estar noseu cantinho, a fazer de cidadãos-iPod.

Escreve para entreter ou paraagitar ideias?Gosto de agitar mas sem que as pes-soas sintam logo que vão ser agita-das. Que as pessoas se riam, masque fique lá um ganchozinho, comoquem se ri com uma flecha. Levoucom um pó de riso e nós atiramos aflecha, mas o pó de riso era tão forteque não notou logo a flecha. Depois,vai para casa e diz: “Oh, tenho umaflecha!” [gesticula com a mão nopeito]. Gosto que as pessoas acredi-tem mesmo na história, mas poroutro lado que não fiquem só nessabatota do entretenimento puro. Jásomos crescidos, já sabemos queteatro é teatro, que no cinema ocomboio não vem mesmo contranós. Isto são ideias. “Estão a veresta ideia?” e depois pumba! Volta-mos à história. Idealmente junta-seessas duas coisas, imagem e ideia,ilusão e distância.

A ideia de carreira literária as-susta-o?Não penso em carreira… aliás, é umproblema. Eu não sou bom produ-tor de mim mesmo, o que às vezes éum problema - temos que pagarcontas e ter vida. Acho que o im-portante é sobreviver, ter dinheirosuficiente para ter tempo para es-crever. Ando sempre um pouco

nesse limite. E agora, numa alturaque deveria haver mais hipóteses,parece que tudo é formatado pelomesmo registo. Como se deixasse dehaver cafés e passasse a haver sóStarbucks aqui, em Tóquio e emtodo o lado. Há que tentar rompercom essa formatação plástica da“carreira” para falarmos mesmo delivros, de teatro, e deixar a carreirapara os autocarros.

No Jornal de Notícias, em2002, disse que gostava depensar que não se iria enver-gonhar daqui a uns anos...Em 2002 eu disse isso? Epá, entãojá estou envergonhado! [risos]

Mas olha para trás e não sentequalquer embaraço?Não. Mas também não me ponho aler as coisas que escrevi para trásum pouco por isso. Porque eu já nãosou aquele. Às vezes, a ler em pú-blico o meu próprio trabalho, doupor mim a ler coisas como se já fos-sem de outra pessoa. Já passou umtempo e eu já não sou aquela es-crita… mas não me envergonho eespero não me envergonhar ama-nhã.

António Lobo Antunes, numacrónica, afirmou que sonhavaser como o José Águas da es-crita. Tendo conhecimento dasua admiração por PabloAimar, também tem preten-sões de ser o Aimar da escrita?[Risos] Seria, claro, um sonho. Masnão posso dizer tanto. Tenho queme pôr de joelhos ao pé das chutei-ras do “El Mago”.... Sonhar assimtão alto seria de mais.

Seria de mais?Seria…

rafaela CarvalhO

Ana Duarte

João Gaspar

“A carreira é para os autocarros”

CULtURA8 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | terça-feira

cápor

6MAR

TeaTro MuSiCal pelo TeaTro grupo d'orfeu

CenTro CulTural doM diniS

21h30 • enTrada livre

cultura

6MAR

MúSiCa

TaBaCaria da oMT • 22h

5 euroS

CineMa

CaSa daS CaldeiraS

21h30 • enTrada livre

MuSiCa

Tagv • 21h3010 euroS (CoM deSConToS)

3MAR

TeaTro pelo TeaTro inédiTo do porTo

TeaTro louCoMoTiva

21h30 • 5 euroS

Por Carlota Carreira Rebelo

Tagv21h305€ (CoM deSConToS)

1MAR

gala de BenefiCiênCia

Tagv • 21h30 10 euroS

leiTuraS

aTeneu de CoiMBra • 22h

enTrada livre

MúSiCa

fnaC • 22h

enTrada graTuiTa

“FúRiA”

TeaTro pelo TeaTro do MonTeMuro

TeaTro da CerCa de São Bernardo

21h30S/ inforMação de preçoS

PASSPARtoUt PREto

10MAR

“LUSoFALANtES” CoNCERto DE AbERtURA DA XiV SEMANA

CULtURAL DA UC

“CoiMbRA SoLiDáRiA 2012”

“MAL EMPREgADoS”

“o EStáDio”

“QUiNtA DoS CoNtoS CoM CARLoS

MARQUES”

“ASSobio”

“LoUCo NA SERRA”

ELiSA RoDRigUES - HEARt MoUtH

DiALogUES C/ ANtóNio ZAMbUjo

1MAR

1

1 e 2MAR

2MAR

8MAR

MAR

Diário da poetisa do Ipanema

cordo muito cedo, porvolta das seis damanhã. Vou à cozinhapara tomar o café da

manhã e volto ao meu apartamentopara trabalhar”. Ainda só chegou aempregada de limpeza. Ela e a poe-tisa Lígia Dabul conversam umpouco: são as únicas pessoas que seencontram na casa, àquela hora. En-tretanto, chega Teresa, a secretáriada Casa da Escrita. Assim se vai es-tabelecendo o contacto com a rotinade trabalho da instituição, para de-pois sair, “caminhar por Coimbra ecomprar tangerinas no mercado”.Entre as atividades na Casa da Es-crita e na Faculdade de Letras daUniversidade de Coimbra (FLUC), atambém antropóloga tenta “entrarna vida da cidade”. Descer as monu-mentais, atravessar a Praça da Re-pública, entrar no Jardim da Sereia.Caminhar. Conclui, acrescentandoque “não temos ideias só quando nossentamos para escrever.”

É a primeira vez que Lígia Dabulsai do seu país para uma residênciaartística. Durante a primeira partedo programa, em Monsanto, o seumarido esteve presente na casa ondehabitou, o que não acontece emCoimbra. “Aqui temos possibilidadede estar num isolamento, numa con-centração na escrita que eu não po-deria estar se estivesse com a minhafamília”. “Não estou numa casa,mas num ambiente literário”. É im-portante sair do quotidiano. É uma“suspensão que ajuda a concentrarum poeta na sua produção”, comoela mesma define. E o estar numpaís que fala a sua língua de umamaneira tão diferente, como a afe-tará? “Isso traz-me muito materialpara a escrita, suscita-me a escrita,interpela-me, porque estranhamos

muito”, elucidou-nos a poetisa, sem-pre num português do Brasil.

Na universidade, Lígia Dabul nãose dedica apenas às conferências ouàs suas pesquisas antropológicas.Entra em contacto com pessoas daárea de Letras. “É muito interes-sante escutar pessoas que não sãoexatamente produtoras de poesiamas que a estudam, que ajudam naconstrução”, esclarece. Estar emCoimbra, com tantos estudantes es-trangeiros, com tantas línguas quefazem parte da cidade “é tema e pa-lavras que vão interferir” naquiloque a poetisa cria durante a residên-cia artística. Lígia considera a casaum espaço onde tem bastante liber-dade, um lugar “muito especial, to-

talmente voltado para a escrita”, econfessa ser “uma experiência muitoboa para qualquer poeta vindo deoutro lugar”.

Objetivo das residênciasartísticasA Casa da Escrita teve sempre comoum dos seus principais objetivos serutilizada como residência artística,como explica o seu coordenador,João Rasteiro. A casa, que em tem-pos pertenceu ao poeta João JoséCochofel, tem acolhido vários poe-tas, no âmbito de uma parceria coma FLUC, com o objetivo de “dar a co-nhecer Coimbra a esses poetas emostrá-los à população da cidade”.

Contudo, as residências artísticas

não se restringem apenas a escrito-res. “Não estamos a falar da escritacomo um símbolo, pode ser uma lin-guagem artística seja ela qual for”,refere João Rasteiro. Relativamenteà presença da poetisa Lígia Dabul, ocoordenador descreve-a como “ex-celente, de uma disponibilidadeótima da parte dela”, que chegou asugerir algumas atividades, como aleitura de poemas de Joan Navarro,que iria passar por Coimbra para avisitar.

Quanto ao futuro, o coordenadorespera que os conimbricenses adi-ram cada vez mais às atividades daCasa da Escrita, “um espaço abertode e para a comunidade”.

Com Ana Duarte

A Semana Cultural da UCtem início já na próximaquinta-feira, 1 de março.Navegar e viver são,assim, palavras que seirão cruzar pelas ruas deCoimbra

“Navegar é preciso, viver não épreciso [?]”. É com este mote que re-monta aos tempos da Roma antiga etambém utilizado pelo poeta Fer-nando Pessoa para um título dosseus poemas, que a cidade acolhe aXIV Semana Cultural da Universi-dade de Coimbra (UC). Este ano,pela primeira vez, o programa es-

tende-se por cinco meses. Com iní-cio no dia da UC, 1 de março, e tér-mino no dia das festas da cidade, 4de julho, o prolongamento assinalaum “casamento entre o dia de D.Dinis, fundador da universidade e odia de Coimbra, dia da Rainha SantaIsabel”, explica a vice-reitora para aCultura e Comunicação, Clara Al-meida Santos.

O presidente da empresa munici-pal Turismo de Coimbra (TC), LuísProvidência, classifica a iniciativacomo “a cultura de Coimbra espa-lhada pelo mundo”. O mesmo dizque é com este tipo de atividades quese consegue mostrar a universali-dade da UC e de Coimbra, sobretudodo ponto de vista cultural. Aindapara assinalar o ano de Portugal noBrasil e do Brasil em Portugal, a UC“vai celebrar de forma muito espe-cial a relação com o povo brasileiro”,

aclara Luís Providência. Também apresença de artistas brasileiros nasatividades do programa expressaessa relação entre as culturas.

Com atividades que vão desde oteatro, à música, a exposições ou acolóquios, entre outras, o programavisita diversos espaços culturais dacidade. Várias presenças de renomenacional e até internacional mos-tram que a iniciativa agrega estilosdistintos. O destaque vai para o cul-minar das atividades, na véspera dodia da cidade, com a atuação do fa-dista Carlos do Carmo com o Corodos Antigos Orfeonistas.

Em tempos em que é cada vezmais notória uma virtualização darealidade, segundo Clara AlmeidaSantos, surge a interrogação. “Nave-gar é preciso, temos todos consciên-cia disso, mas viver também será”,adverte. Com este novo paradigma

distingue-se “uma certa diminuiçãoda escala do mundo”, acrescenta avice-reitora ao alertar para o fenó-meno da globalização.

A aproximação da UC à cidade, nafigura da TC, espelha “a relação deproximidade que se deve defender”,assegura Providência. Este estreita-mento de relações da universidadeao munícipio podem traduzir-se embenefícios mútuos – “tudo o que auniversidade faz tem impacto juntodas pessoas de Coimbra e tambémdos turistas”, adverte o presidente daTC. Em jeito de remate, Providênciamostra a vontade de manter estaparceria noutras ocasiões, visto quea UC e a Câmara Municipal “são ins-tituições que concorrem no mesmosentido, de promover Coimbra,dando à cidade momentos de culturae de qualidade”.

Com Ana Duarte

Navegar por cinco meses na cultura da cidade

DanieLa siLva

É a primeira vez que Lígia Dabul sai do Brasil para uma residência artística.

Ana Morais

No âmbito das residências artísticas realizadas pela Casa da Escrita, em parceria coma FLUC, a poetisa brasileira Lígia Dabul encontra-se em Coimbra até 29 deste mês. A estadia termina com a leitura de poemas da sua autoria. Por Daniel Alves da Silva

“A

DESPoRto28 de fevereiro de 2012 | terça-feira | a cabra | 9

fuTeBolCarapinheirense x académica Sf15h • Complexo desportivo S.pedro

fuTSalacadémica x Sl olivais16h • pavilhão engenheiroJorge anjinho

4MAR

3MAR

3MAR

4MAR

a g e n d a d e s p o r t i v a

voleiBolgrande lusófona x académica 17h •universidade lusófona

BaSQueTeBol Benfica x académica 18h • pavilhao da luz

“Somos o melhor clubeportuguês do país”

A Secção de Bilhar quercontinuar a crescer

Apesar dos constrangimentos económicos, a secção consegue manter projeçãonacional. As instalações são, simultaneamente, custo e receita

Apenas dois anos depois da suafundação, a Secção de Bilhar da As-sociação Académica de Coimbra(AAC) tem vindo a afirmar-se querna cidade, quer no panorama nacio-nal. Nas palavras do presidente, Ri-cardo Salgado, “a secção está bem eo número de sócios, na sua maioriaalunos universitários, tem vindo acrescer”.

No entanto, o dirigente lamentaque, a nível económico, haja uma“disparidade elevada entre a secçãoacadémica e os restantes clubes”. As

próprias instalações utilizadas noEstádio Cidade de Coimbra são ar-rendadas com os meios da secção eimplicam um gasto anual de vintemil euros. A este valor acrescem os“custos de acesso às competições fe-derais e do equipamento”, afirma odirigente. A secção é financiada emgrande parte pelos atletas, algunspatrocinadores e, segundo RicardoSalgado, “um bar de apoio às sec-ções desportivas”, o que não impedeque seja necessário, por vezes, queos dirigentes tenham que pagar dopróprio bolso. “Estamos agora naMadeira com três atletas e a direçãonão teve capacidade, por isso supor-tei eu as despesas. Não podemos fa-lhar uma prova nacional de elite porcausa disso”, acrescenta.

No que respeita ao espaço utili-zado pela secção, o atleta Pedro San-tos assegura que este é “o melhor deCoimbra para praticar bilhar”. Ri-cardo Salgado destaca o seu tama-nho e multifuncionalidade, uma vezque nele se pode “estudar durante o

dia e à noite beber um copo”. A sec-ção está, deste modo, vocacionadapara a comunidade universitária.Há, inclusive, uma equipa consti-tuída unicamente por estudantesque, para além de disputar os cam-peonatos da Federação Portuguesade Bilhar, vai disputar também otorneio nacional universitário.

O bilhar da AAC tem, neste mo-mento, dois atletas na "pool elite",ranking nacional de jogadores. Sãoeles Fernando Cardoso, que está nodécimo posto e Pedro Santos, que seencontra no 16º lugar. Decorreu, nopassado fim de semana, o open daMadeira, depois do qual as classifi-cações do ranking individual pode-rão ter sofrido ligeiras alteraçõesmas devem, segundo o atleta, “man-ter-se próximas disto”.

Além dos objectivos individuaisassumidos pelos atletas, Pedro San-tos afirma ainda que, em termos deequipas, o «objectivo passa por ficarentre as oito primeiras do “pool”português».

“É pena que os políticos não pensem no desporto nas escolas”

a secçao de bilhar é recente mas tem já apirações no panorama nacional.

Fernando Sá Pessoa

Embora com recursos financeiros limitados, a secção de xadrez da Associação Académica deCoimbra (AAC) continua ater bons resultados comprojeção nacional

Segundo o presidente da secção dexadrez da AAC, Bruno Pais, o clubepoderia ter mais equipas na segundadivisão nacional, além da única quepossui. “Simplesmente isso acarreta-ria custos insustentáveis”, adianta.Nas palavras do dirigente seria fácilconseguir subir equipas da terceiradivisão para a segunda. A propósitodos escassos recursos monetários aque a secção está sujeita, João Sousa,vice-presidente da mesma, afirmaque houve já alturas em que a secçãose viu obrigada a adiantar dinheiro.“Se ninguém meter dinheiro à frentenós vamos deixar de realizar provas”,esclarece. No entanto, Bruno Pais en-tende que o dinheiro é devolvido,pelo que, sendo “um meio familiar,todos acabam por dar a sua ajuda”.

No que respeita ao valor competi-

tivo da secção, o presidente BrunoPais orgulha-se quando afirma que “aAcadémica é o melhor clube de xa-drez português do país”, uma vez que,para o mesmo, “o clube que fica sem-pre à frente não tem um único portu-guês, e são jogadores que levam umcachê por jogo que equivale ao nossocachê para toda a época”. Este ano,para além de uma boa prestação naprimeira divisão, onde estão os me-lhores atletas da secção de xadrez daAAC, o dirigente espera finalmenteconquistar a taça de Portugal. “Nuncaconseguimos e é algo que ambiciona-mos há já algum tempo”, atira.

Secção de formação académicaJoão Sousa destaca, ainda, a forma-ção académica que os atletas têm. “Amaioria dos praticantes são, ou jáforam, estudantes”, afiança. “Sendo amaioria crianças que estão a criar raí-zes e vão acabar por ser estudantes naUC”, Bruno Pais afirma ter atletas dosquatro aos sessenta e três anos. “O es-pírito académico que nós temos atrai-os”, diz. Em relação à primeiradivisão, a secção de xadrez encontra-se, nesta altura, em quarto lugar,sendo que, no ano transato, chegouao segundo. Em relação a um even-tual primeiro lugar, o presidenteBruno Pais prefere não se alongar.

Fernando Sá Pessoa

D.r

FotograFia CeDiDa por riCarDo saLgaDo

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Ao cabo dos dois primeirosmeses do presente ano, o desporto escolar em Coimbra permanece comproblemas estruturais, nomeadamente do foro financeiro

João Pedro Marques, coordenadordo desporto escolar da escola secun-dária Jaime Cortesão, revela uma si-tuação recente, ao afirmar quechegou a “avançar com dinheiro do

próprio bolso que depois a escola pa-gava”.

O professor aponta como principaldificuldade o problema dos transpor-tes, uma vez que, “neste momento, asdeslocações são feitas com senhas deautocarro, ou têm de se alugar carri-nhas de nove lugares”. “É pena que ospolíticos não pensem no desporto nasescolas, em particular, e no país, emgeral”, acrescenta.Além disto, o do-cente refere que o país e o ensinoestão demasiado centrados no fute-bol, destacando que “é preciso pôr odesporto escolar a incentivar outrasmodalidades”.

Para Adelino Canelo, coordenadordo desporto escolar na escola secun-dária Vale das Flores, existem pro-blemas de fundo para além da

questão monetária. “Os professoresnão querem trabalhar ao sábado”,reitera. A juntar a esta situação, a“falta de interesse dos alunos” é tam-bém um dos motivos que contribuipara o enfraquecimento do projeto.“Quem quisesse participar deveriainscrever-se na altura da matrícula,de forma a estar sujeito à participa-ção”, acrescenta.

Ricardo Vieira, coordenador dodesporto escolar da escola secundá-ria José Falcão, assevera que “as tran-ches têm vindo a diminuirprogressivamente”. A redução de pes-soal é também um aspeto apontadopelo professor para o atual estado dodesporto escolar, tendo em contaque, antes, “havia colegas destacadospara resolver as questões dos quadros

competitivos e dar apoio às escolas”.Nas palavras do mesmo, a soluçãopassa por “uma reestruturação”.

Futuro em risco

Outro problema que estará na origemdo estado corrente do desporto esco-lar está relacionado com o mau fun-cionamento do Centro da ÁreaEducativa. João Pedro Marquesafiança que, neste momento, esse or-ganismo, “que antes tinha quatro oucinco elementos, já não existe”. Nesteseguimento, o professor prevê que “oprojeto não vá existir por muitosmais anos”. Até ao fecho da edição,tentou-se contactar o coordenador dodesporto escolar da região centro,José Carlos Mairos, mas este não semostrou disponível.

Fernando Sá Pessoa

Tiago Teixeira

deSPorTo10 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Prolongamento

BASQUETEBOL

Jogo impor-tante na ci-dade berço. AA c a d é m i c aprecisava de

ganhar paraaumentar a vantagem para aequipa de Guimarães. O resul-tado não foi o esperado (87-75)e ficam, assim, complicadas ascontas do campeonato. Atual-mente, a secção disputa com aequipa vimaranense e com oSampaense o acesso à próximafase do campeonato. Destaquepara o novo reforço, CurtisTerry, que assinalou onze pon-tos e duas assistências.

FUTEBOL

Através daconversão deuma grande

p e n a l i d a d econvertida por Tarquini, a Aca-démica permitiu o empatediante do Eirense, por 1-1, numjogo sem grandes ocasiões degolo por parte dois lados.Assim, os estudantes conti-nuam a ocupar o oitavo lugarda tabela classificativa.

ANDEBOL

A Académicafoi perder, nopassado sá-

bado, dia 11, ao Municipal deAlmeirim, por 22-30, num re-sultado que desilude por serfrente ao último lugar. Assimsendo, a equipa de Coimbra caipara o sexto lugar, e vê o pri-meiro a sete pontos. Ficam,para já, difíceis as perspectivasde luta pela promoção na ter-ceira divisão nacional, zonacentro.

FUTSAL

Os estudantesdeslocaram-se ao pavilhão

desportivo Uni-versitário de Gualtar e foramderrotados pela congénere dacapital do Minho, por 6-4. O re-sultado não permite, assim, quea Académica suba na tabela deforma a poder disputar o “playoff” que determina o campeãonacional. Os estudantes encon-tram-se no nono lugar com osmesmos pontos que o SL Oli-vais e AD Fundão, equipas queestão em lugar de acesso ao“play off”.

Por Tiago Teixeira

o canto mais recôndito doEstádio Universitário viveuma história sobre o tiro

com arco. O bicho que “nuncamorre” nasce em Araújo quandocorria o ano de 1998, pouco ou nadase ouvia falar da secção da Associa-ção Académica de Coimbra (AAC).Voltou à casa há cerca de doismeses.O ex-atleta e companheiro JoãoBarreira não se escusa a afirmar queo regresso se faz sentir como uma“mais valia para a Académica”, re-gresso esse influenciado pelo filho.“Com três anos de idade ele já ati-rava, porque eu levava-o aos trei-nos”, lembra.Entre os feitos que Araújo acumula,conta-se um convite feito pela Fede-ração Portuguesa de Tiro com Arco,que catapulta o atleta para o Jamor.“Eu era «the best»”, diz entre risos.E, por pouco, as flechadas não che-garam à China. Um ponto separou-o dos mínimos que o qualificariampara o campeonato europeu.Porém, o sucesso só pode advir doempenho. Os treinos, tri-diários,contagiaram os intervalos do traba-lho e as noites. “Íamos ligar as luzesdos carros, viradas para os alvos, econtinuávamos a atirar”, contaAraújo. “Só malucos”.

“Queríamos competircom os melhores”O clube surge agregado ao Vigor daMocidade, clube que servia de sede.“No fundo, éramos uma secçãodeles”. E é ao serviço do Clube deArqueiros de Coimbra (CAC) queCarlos Araújo consegue o quintolugar no campeonato europeu decaça, em 2002, e um segundo lugarno campeonato nacional. “O meutiro é de precisão de sala de dezoitometros. Aí eu fui bom. Ou, pelomenos, o segundo melhor”, atira.O CAC surge com três arqueiros queambicionavam mais do que a Aca-démica. Segundo João Barreira, asmentalidades perpetuadas dentrodo mesmo impediam os arqueirosde evoluírem e limitavam-nos aoarco tradicional. “E nós queríamoscompetir com os melhores”, explica.Ademais, a modalidade encontrava-se centralizada na zona sul, dificul-tando a presença dos clubes donorte nas provas nacionais e nosprimeiros lugares. Era necessáriodividi-las pelo país, “puxar o tapeteaos da zona sul”, enfatiza.Não tarda, pois, que o clube comecea dar nas vistas. Era frequente per-guntar-se “de onde tinham vindaaqueles tipos”, recorda Araújo. Anível nacional, foi “positivo, uma vez

que surpreendemos clubes commais de vinte anos e pessoas quenão acreditavam em nós”, orgulha-se João Barreira. Não tivesse aviadomalas para a Suíça, em 2003, e“ainda hoje o CAC seria um dosmaiores clubes de tiro com arco dePortugal”.

Fraca adesão da comunidade universitáriaAtualmente, a secção de tiro comarco está, para Araújo, “muitíssimomelhor” do que se encontrava há ca-torze anos atrás. A maior dificul-

dade é, lamenta, a falta de condiçõesde luz, o que reduz a qualidade dotiro”. Além disso, acresce que, “se sequer levar a coisa para outro nível,é necessário aumentar a frequênciados treinos”O presidente da secção de tiro com

arco, Manuel Silva, admite que, atéhoje, a “adesão por parte dos estu-dantes universitários tem estadoaquém das expectativas”. Talvez porser “um desporto que leva tempo eesforço até dar os primeiros resulta-dos”, justifica Araújo. Com efeito, naextremidade oposta aos alvos queencontramos no pavilhão onde de-corre o treino da secção, está um bi-gode preciso, ao lado de outrosquatro atletas mais velhos e um es-tudante universitário. José Manuel,do alto da sua experiência, enalteceque “é preciso muito tempo, é pre-ciso insistir”. Trata-se, igualmente,de um desporto dispendioso, cujoscustos de material aumentam con-forme a subida de categoria. “Aqui,o objectivo é iniciar as pessoas à mo-dalidade e dar suporte a quem opratica”, afirma o presidente seccio-nista.No âmbito competitivo, decorreu,no passado fim de semana, o cam-peonato nacional de caça com tirocom arco, onde Manuel Silva, em re-presentação da Académica, obteve osexto lugar. Quanto à organizaçãodo campeonato nacional de caça emVila Nova de Cernache, dia 10 deJulho, poderá vir a ser mudada vistocoincidir com época de exames uni-versitários.

Carlos Araújo tenta hoje ser tão certeiro no fotojornalismo como foi, em tempos, no

tiro com arco. Uma história com 19 anos, contada pelas madeiras gastas do pavilhão

usado pela secção da modalidade, hoje palco de lembranças de uma carreira. que,

apesar de curta, viveu de sucessos. Por Catarina Gomes e Fernando Sá Pessoa

O tiro com arco de Coimbratem história para continuar

a secção de Tiro ao arco da aaC treina todas as semanas no pavilhão junto à secção de cultura física, no estádio Unversitário.

N

“O meu tiro é de

precisão de sala de

18 metros.

Aí, eu fui bom”,

diz Carlos Araújo

Daniela Silva

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 11

CidAdeIntervenção junto dos sem-abrIgo

m Coimbra, todas a noites,equipas de rua de associa-ções humanitárias percor-

rem as artérias da cidade paraprestar assistência a quem poucotem. Perto do Largo da Portagem, auma hora já avançada da noite, umapequena multidão junta-se à voltado veículo de apoio. Rotativamente,uma vez por semana, os grupos daCáritas, Associação Integrar, AnaJovem, Câmara Municipal e Centrode Acolhimento João Paulo II dis-tribuem alimentos, agasalhos e be-bidas quentes a pessoas carenciadase sem abrigo.

A dificuldade em definir o con-ceito da situação de sem-abrigo co-meça com a ambiguidade eabrangência do termo. Esta dificul-dade é um obstáculo, à partida, paraa resolução do problema.

Em Portugal, a sociedade, na suageneralidade, entende, por semabrigo, a condição de sem-teto. Aelaborar uma tese de doutoramentocom base na questão dos sem-abrigo, na Faculdade de Psicologia eCiências da Educação da Universi-dade de Coimbra (FPCEUC), SóniaFerreira, explica que este conceitoimplica várias situações do ponto devista habitacional. “A situação desem abrigo inclui os que estão a per-noitar na rua, pessoas que estão emcentros de acolhimento ou outrasestruturas de apoio, mas tambémpessoas que estão em unidades hos-pitalares, prisões, e outras institui-ções, que não têm para onde ir

quando saírem”, informa a tambémobservadora do Projeto de Interven-ção com Sem Abrigo do Concelho deCoimbra (PISACC).

A nível nacional, para além dossem-abrigo, há uma fatia da popu-lação sinalizada como “em risco devir a ficar nessa situação”. Nessegrupo, a docente da FPCEUC inclui“indivíduos que estão em habitaçãoinsegura ou inadequada”.

A FEANTSA é uma organizaçãoeuropeia, não-governamental, quereúne as diversas organizações quetrabalham com os sem-abrigo nosvários países. Aqueles que, em Por-tugal, estão sinalizados como emrisco de ficar nesta condição, são en-carados, por esta estrutura, como

estando em situação de sem abrigo.A responsável da Cáritas Dioce-

sana de Coimbra, Manuela Lopes,revê-se no conceito inglês, segundoo qual a presença de um teto e “a au-sência de relações afetivas, comidae condições de habitabilidade” con-figuram o termo “sem lar”.

É nesta situação que está Paulo,nome que esconde o seu verdadeiro

para tornar irreconhecível uma his-tória que é similar a tantas outras.Com teto mas sem abrigo, Pauloocupa, há dois anos, uma casa nocentro de Coimbra. “A casa estavavazia, sem mobília, arranjei umacama para mim e consegui ligar aluz. Gasto pouco, vejo um bocadi-nho de televisão e ligo o radiador”,explica. A higiene é feita no CentroSol Nascente da Cáritas, mas é opróprio Paulo que reconhece a faltade condições do lugar onde per-noita: “estou na ilegalidade, não écasa para ninguém”.

Fatores essencialmente“estruturais”Tanto Manuela Lopes, como SóniaFerreira procuram desmistificar ascausas que levam a esta condição. Aresponsável da Cáritas entende queos fatores são essencialmente “es-truturais e conjunturais” e não daexclusiva responsabilidade do indi-víduo. “É difícil encontrar um sem-abrigo que seja filho de alguémlicenciado”, exemplifica.

Sónia Ferreira observa na socie-dade “uma tendência para conside-rar que o indivíduo se encontranesta situação por fruto da sua res-ponsabilidade”. A docente daFPCEUC nega que a toxicodepen-dência, o alcoolismo ou perturbaçãopsiquiátrica, levem, por si, à situa-ção de sem-abrigo. “Existe umafranja da população em situação desem-abrigo que tem esses proble-mas, mas também o podia dizer isto

da população que não o é”, justifica.Para a doutoranda, há uma vulnera-bilidade do ponto de vista pessoalque tem que estar associada à vul-

nerabilidade financeira e de suportesocial.

Foram estas as contingências quearrastaram Paulo para a rua. Desdecedo enveredou pelo caminho dadroga, razão pela qual desistiu daescola aos 16 anos e começou a tra-balhar. Das drogas leves às pesadas,foi escondendo o vício dos pais atéaos 24. A partir daí, a história é feita

de tentativas de desintoxicação e re-caídas, até que aos 30 foi detido.Perdeu o pai e a mãe no ano em quecumpriu pena na penitenciária deCoimbra, perdendo assim um dospoucos suportes familiares quetinha.

Para Sónia Ferreira, “a família éimportantíssima na reinserção e émuito mais fácil quando a família osacolhe no seu seio”. Em liberdadecondicional, Paulo ficou por poucotempo em casa da madrinha. Commais uma recaída, o receio de trazerproblemas levou-o para as ruas.“Não sei como contraí o HIV, masdeve ter sido nessa altura”, confessa,numa expressão de crua naturali-dade. “Andei sempre por aí aos caí-dos, sempre a consumir, uns seismeses a vadiar, até que tive que serlevado para o hospital onde me fa-laram nas equipas de rua”, recorda.

O PISACC coordenada as equipasde rua em Coimbra. Teresa Sousa,coordenadora do PISACC, explicaque o apoio é dado a vários níveis.Não só com a distribuição de bensessenciais, mas também o encami-nhamento para serviços de saúde,quartos e através do acompanha-mento psicossocial.

Para Paulo, as equipas de rua sãoo primeiro passo na recuperação doindivíduo. Foi através destas queiniciou um longo processo, nãoisento de obstáculos, de reinserçãosocial. A docente da FPCEUC consi-dera “insuficiente pensar que, se derao indivíduo um apoio como o ren-dimento social de inserção e se lheder uma habitação, a situação desem abrigo está resolvida. Isso éuma falácia”, acusa.

A corroborar a afirmação da ob-servadora do PISACC está o exem-plo de Paulo. Há dois anos limpo doconsumo de drogas, por três vezesarranjou emprego e por três vezesfoi despedido contra o código do tra-balho, porque a entidade emprega-dora descobriu a sua condição deseropositivo. Sem rendimento socialde inserção, Paulo vai arranjandodinheiro como pode: “a arrumarcarros, mendigar… Posso inventarmuitas formas”.

A crise que a todos tocaSe a crise socioeconómica aumentouo número de sem abrigos em Coim-bra, não é uma certeza. Mas, se-gundo Sónia Ferreira, estaconjuntura trouxe um “agrava-mento das condições em que as pes-soas vivem”. As instituições tambémestão a ser alvo desta crise, afirma adocente. Teresa Sousa explica que,embora não seja fácil, devido à faltade apoios estatais, o serviço pres-tado à população “tem mantido aqualidade”.

As equipas das associações de apoio social articulam-se no auxílio aos sem-abrigo de Coimbra. Numa

sociedade que ainda não acordou para a dimensão do problema, as respostas tardam a surgir ou são

insuficientes. A reinserção é também uma dificuldade destes indivíduos. Por Camilo Soldado e João Valadão

E

CarloTa rebelo

Uma vulnerabilidade por percecionar

“A família é

importantíssima

na reinserção”,

assevera

Sónia Ferreira

Para Paulo,

as equipas de rua

são o primeiro passo

na recuperação do

indivíduo

Comunidades de imigrantes

12 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

or acaso, Ana, acho quetens uma grande pan-cada, mas uma pancadasaudável!”. É mais ou

menos a opinião que os meus vizinhostêm de mim». Compreende-se a opiniãodos vizinhos de Ana Banana, nome artís-tico de Joanne Gribler. Ao chegar-se à Es-cola do Riso, perdida em caminhos deterra batida entre Vila Nova de Poiares eLousã, na aldeia de Framilo, a casa des-toa: nas paredes está pintado um grandesol sorridente. No terreno circundante,entre as mais diversas árvores de fruto, es-tacionam caravanas coloridas, trampo-lins, um burro. Uma grande tendaalcatifada destaca-se, onde trapézios pen-dem do teto. Na eira, aproveitando amanhã soalheira, duas crianças louras deolhos claros regalam-se com um prato debolachas Maria partidas em metades, pas-sas e frutas tão disformes como só a mãenatureza, no seu estado mais puro, podeoferecer.

Joanne Gribler, que se diz natural deEspanha mas inglesa, é alguém cuja mis-são passa por “pôr o máximo de pessoasa rir por absolutamente nada”. “E nuncadizemos não a um apelo”, assegura. Foicom esta premissa que criou a Escola doRiso, um projeto que utiliza terapias al-ternativas como o yoga aliado à explora-ção da natureza, com o objetivo de dar aos

outros a oportunidade de uma vida maissaudável e divertida. “Esta pequenaquinta serve como um projeto piloto paraquem quer fazer a transição para a terra,para que as pessoas vejam como não temde ser o fim do mundo”. Joanne acredita,inclusive, que a atual crise económica aajuda na sua missão por mostrar às pes-soas a fragilidade do sistema capitalistadominante. A solução passa, na sua opi-nião, pelo regresso à terra e pela “procurade uma forma de autossubsistência”.

Estes são alguns dos ideais que muitosestrangeiros trouxeram para Portugal aolongo dos últimos 30 anos, suscitados, emmaioria, pela fuga às sociedades mais de-senvolvidas do norte da Europa. Os valo-res originários dos movimentos hippiedos anos 1970 traçam o estilo de vida maisalternativo destas comunidades, que éainda contrastante com a vivência portu-guesa. Ao contrário do que vem aconte-cendo com os portugueses – umverdadeiro êxodo para as cidades, comolhe chamam – estes estrangeiros veem aruralidade que o país oferece como umaoportunidade de qualidade de vida, e pro-curam uma vivência mais alternativa,longe do consumismo capitalista e apro-veitando as vantagens climatéricas e eco-nómicas de Portugal. Joanne Griblerremata com um aviso: “estão a chover es-trangeiros a grande velocidade, a comprar

todas as quintas dos vossos avós e a trans-formá-las em grandes mansões”.

Necessidade de políticas depromoção do interiorMestre em História económica e social

contemporânea, Ana Filomena Amaral re-side em Arganil e contacta diretamentecom esta realidade. Ela mesma reitera avisão dos estrangeiros que vão ocupandoaquelas zonas rurais: “não houve aindauma política, nem de longe nem de perto,que realmente se concentrasse em repo-voar o interior”, denuncia. “Temos forço-samente que voltar à terra”, e vai aindamais longe, afirmando que “o equilíbriodo planeta está dependente disso”.

A alemã Carmen Staats tem 51 anos, 30dos quais passados em Portugal e semprena mesma morada. A casa que adquiriu naaldeia de Ponte Velha, na Lousã, não eramais do que um curral. Hoje, drastica-mente remodelada, conjuga-se com a pe-quena rua em que se situa, muito maiscuidada do que as normais aldeias portu-guesas. Quando, aos 21 anos, passou porPortugal em férias, não adivinhava quenão voltaria ao país de origem, onde dei-xou o curso de Medicina incompleto: Por-tugal parecia ser o melhor para viver emharmonia com os ideais “da vida alterna-tiva”. “Estava um pouco insegura, umpouco farta” do estilo de vida que levava,

Ligação à terra, promoção da agricultura biológica, da vida saudável e da espiritualidade: valore portuguesas, mas que são trazidos pelos estrangeiros que vêm habitá-las. Os hábitos rurais são, p

os portugueses parecem ter esquecido. Texto e Fotografias por Rafaela Carvalho

«“P Temos forçosamente que

voltar à terra”, garante

Ana FilomenaAmaral

Regressar à teem Portu

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 13

Comunidades de imigrantes

ores que podiam ser inerentes às aldeias o, para estes imigrantes, mais-valias que

ho e Inês Amado da Silva

relembra. Agora é técnica de agricultura

biológica e recorda a evolução quepresenciou ao longo das últimas dé-cadas. “Portugal, em 10 ou 15 anos,progrediu de muito rural para maisavançado. Fez um processo que ou-tros países fariam em cem anos”,conta. Exemplo disso foi a primeiravisita que os pais lhe fizeram. Omeu pai disse: “Isto é como a Ale-manha há 50 anos atrás!”. Talcomo indiciou o comentário dospais, Carmen também considerou

que o país estava desfasado doresto da Europa, algo que diz já nãoser tão evidente.

Embora se assuma como adeptada agricultura biológica, CarmenStaats garante que “o principal éque uma agricultura seja sustentá-vel”, e aponta o governo de CavacoSilva como o responsável pela de-cadência do setor. «Eu já estava cánessa altura, lembro-me bem – [oque Cavaco Silva disse foi] “não, aagricultura não vale a pena”, eagora ele diz “façam favor, por

favor, recomecem a cultivar”». Car-men critica ainda a dependência desubsídios que trouxe a adesão àUnião Europeia.

Intuição em casa de xistoÉ preciso mais de meia hora a ser-pentear nas curvas da Serra daLousã para se chegar ao Catarredor.Esta aldeia de xisto, parte de umpercurso turístico essencial na re-gião, tem apenas 19 habitantes e éconhecida pela população ‘hippie’que ainda aí mantém vivo o espíritode paz, amor e entrega à natureza.Passeando calmamente pelos cami-nhos estreitos entre as casas carac-terísticas, a surpresa chega numrepente quando Carlos Machado,um dos locais, se levanta brusca-mente de um banco em frente à pe-quena capela e diz exaltado: “Istoaqui é Portugal, hã?”.

A população estrangeira está,também aqui, presente. BeatrixGutbub vive no Catarredor há cercade 20 anos, local que lhe permite“ser criativa, positiva e pensar au-tonomamente”. Quando decidiudeixar a Alemanha para se enraizarem Portugal, lembra a pergunta dospais: “Portugal? País pobre! Quevais para lá fazer?”. Agora dedica asua vida ao ensino de disciplinas es-pirituais, danças naturais e técnicascomo o yoga, a meditação e a ho-meopatia.

“As pessoas procuram muito forade si em vez de procurar no seu in-terior”, explica Beatrix, que acre-dita numa vida melhor baseada na“consciência ambiental e espiritual,que se vive através da intuição enão apenas no nível intelectual”. Éassim que cria os três filhos, nasci-dos no Catarredor por procedimen-tos totalmente naturais: “semaparelhos e sem essa tralha toda, eandam na escola normal”, con-firma. Beatrix acrescenta ainda que“a mudança na educação deveriacomeçar na escola”.

Ensino doméstico Joanne Gribler destoa neste pano-rama, fazendo questão de educar osfilhos em casa. “Aqui, somos mui-tas famílias que optaram por nãopôr os filhos na escola”, declaraJoanne, e explica que existe umgrupo de mães que se juntam efazem “tudo o que se faz num jar-dim de infância, mas com maistempo em contacto com a natureza,mais roupa suja”. Para Joanne, ocurrículo escolar está feito “paramanter as crianças entretidas en-quanto os pais vão trabalhar”:“francamente, não é necessáriouma criança de oito anos aprendertodos os nomes dos reis de Portu-gal! É tanto tempo para tantatreta”, lamenta.

Jana Staats, filha mais velha deCarmen, é uma voz discordante dospais que educam os seus filhosneste sistema. “Essas pessoas, naminha opinião, são extremamenteegoístas. Todas elas passaram poruma educação e frequentaram umaescola, algumas delas até formaçãosuperior”, afirma Jana, que fez todoo seu percurso escolar no ensinopúblico e é licenciada em Enferma-gem. Afirmando conhecer exem-plos, Jana afiança que estas

“crianças e adolescentes acabampor ter vidas muito problemáticas,e são os primeiros a ir embora [dopaís]”.

Ana Filomena Amaral, no en-tanto, não vê problemas neste tipode ensino informal. “É uma formade instrução como outra qualquer”,justifica esta professora do ensinosecundário, dando como exemplo oensino praticado no século passadoentre as elites, quando “as criançasnão iam à escola e tinham tutoresem casa, que lhes facultavam co-nhecimentos das mais variadas ma-térias”. É também assim queJoanne vê os pais: como “facilita-dores do processo de aprendiza-gem”.

“Eu queria criar outra coisa”, ex-plica Joanne. Num mundo “geridopor um sistema monetário que fa-vorece uma minoria muito pe-quena”, Joanne Gribler acreditaque “se mudássemos o sistema, atéeles [os poderosos] estavam me-lhor”. “Praticamente todo o mundoestá a tomar fármacos para a ansie-dade, para a depressão, e não fun-cionam sem eles”, lamenta Joanne,que pergunta: “em vez de mudar avida foste tomar esse fármaco?Então e deixar isto tudo?”.

Estes estrangeiros veem, na ruralidade do país, uma

oportunidade de qualidade de vida,procurando uma vivência afastada

do consumismo

terra tugal

CiÊNCiA & TECNOLOGiA14 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

O eletrochoque, usado emalguns casos psiquiátricos, é um “salva vidas”, maiseficaz que anti-depressivos.Uma prática presente noCHUC para tratar depressões e psicoses

“No decurso histórico da terapiapsiquiátrica, o advento dos antide-pressivos levou a que a terapia deeletrochoque (ECT) fosse menosutilizada. Posteriormente, com aevolução da técnica, mais sofisti-cada e segura, a eletroconvulsivote-rapia voltou a ser usada com maiorfrequência a partir da década de

80”, explica a psiquiatra do Hospi-tal Santa Maria, em Lisboa, Ma-nuela Abreu. Esta terapia épraticada em diversos hospitais dopaís entre os quais o Centro Hospi-talar da Universidade de Coimbra(CHUC).

Os doentes indicados para estetratamento sofrem de "depressãorefratária" e "catatonia", ou seja,“doentes que têm situações mistas -depressões e outras vezes euforiasou psicoses”, aclara o psiquiatra dosCHUC, Pio Abreu. O mesmo lembrapor vezes se pensa que se pode re-correr à terapia de choque para tra-tar qualquer depressão resistente àterapêutica com fármacos. Con-tudo, só é aconselhada nos casos emque as pessoas “deixam de funcio-nar, deixam de comer e começam adeteriorar-se progressivamente.”

A terapia do eletrochoque pro-voca uma estimulação global, nocórtex pré-frontal e no sistema lím-bico, segundo a médica do HospitalSanta Maria. Na mesma direção,Pio de Abreu estabelece uma com-paração: “quando o computadortem circuitos que começam a viciaro funcionamento, é preciso desligá-lo, é preciso fazer um reset. No cé-rebro acontece mais ou menos amesma coisa”. Depois do eletrocho-que o cérebro reduz toda a sua ati-vidade eletroquímica a zero. Umdos efeitos secundários mais fre-quentes são algumas “alteraçõestransitórias da memória”, apontaManuela Abreu, sendo que o mé-dico dos CHUC acrescenta que “ascontraindicações estão relacionadascom a própria anestesia - há maisacidentes com a anestesia do que

com a descarga elétrica”.A descarga elétrica é precedida de

uma anestesia para evitar convul-sões (contrações musculares inten-sas). Foram as próprias convulsõesque originaram a terapia de eletro-choque. Comprovou-se que algunsdoentes psicóticos melhoravam dapsicose quando tinham uma con-vulsão epilética, sendo que começa-ram a ser induzidas com cânfora(planta medicinal), mais tarde, commedicação e, por fim, com choqueselétricos.

O último recursoOs eletrochoques são uma práticade recurso. Todavia, quando estãobem indicados, “salvam vidas, re-solvem situações e prolongam otempo de melhoria”, explica o psi-quiatra dos CHUC. Apesar de nunca

terem sido proibidas, são condicio-nadas “pela autorização do doenteou dos familiares”, explana o mé-dico.

Sendo o número de doentes su-jeitos a este tipo de terapia muitovariável, para o tratamento ser efi-caz é necessário fazer seis a oito ele-trochoques num prazo de duas atrês semanas “e a pessoa vai melho-rando aos poucos, mas a percenta-gem de doentes a usar oeletrochoque é muito pequena”.

Devido à raridade da utilizaçãodesta terapia, alguns hospitais nãoa praticam. Pio Abreu desmitifica aprática: “qualquer tratamento,qualquer terapêutica que se faça emmedicina requer prática, é precisofazer várias. Não justifica existiruma pessoa num hospital a fazê-lacinco vezes num ano”.

Variação de um gene, que resulta em enzimasmais ou menos rápidas,pode levar à melhor adequação de doses em pacientescom tuberculose

Portugal possui, actualmente, ataxa mais elevada de incidência detuberculose entre os países da ZonaEuro (cuja média é bastante maisbaixa, situando-se nos 15,8), comcerca de 23 casos por cada cem milhabitantes. A pneumologista dosHospitais da Universidade de Coim-bra (HUC), Maria Celeste Alcobia,explica que se trata de “uma doençaque se transmite por via aérea, numambiente onde existam pessoas in-

fectadas a tossir ou a espirrar, com abactéria causadora da doença, o ba-cilo de Koch, a poder ser inalada poroutras pessoas, indo até aos pulmõese podendo iniciar um processo de in-fecção.”

É no sentido de tentar diminuir onúmero de complicações hepáticas,também decorrentes dos tratamen-tos e em relação direta com a toxici-dade no fígado, que surge o estudoque procura avaliar o impacto dosgenes na terapêutica para a tubercu-lose. A investigadora e docente daFaculdade de Medicina da Universi-dade de Coimbra (FMUC), Henri-queta Coimbra, começa por referirque este fenómeno já está estudadohá bastante tempo: “sabemos os in-divíduos respondem de forma dife-rente às concentrações, adaptadasao peso, e que a probabilidade de de-senvolver toxicidade hepática émaior dependendo da concentraçãodo medicamento”. O mecanismo pordetrás deste estudo é relativamente

simples, explicando-se pela existên-cia de polimorfismos na espécie hu-mana, ou seja, variantes genéticasnormais, que explicam, por exemplo,a diferença entre ser-se canhoto oudestro. No caso específico, o gene es-tudado, NAT2, codifica “enzimas,não específicas, que, no fígado, vãotransformar o medicamento utili-zado na terapêutica da tuberculose, eque têm velocidades diferentes con-soante os indivíduos. Essa veloci-dade reflecte-se na sua actividadeque, ao ser maior ou menor, vai in-fluenciar a rapidez com que o medi-camento é eliminado do sangue”,demonstra a investigadora.

O estudo vem então introduzir avertente prática em algo que já se co-nhecia em teoria. “Nunca se passoupara a prática clínica devido a mui-tos aspectos como, por exemplo, opreço e a geografia, porque a tuber-culose é uma doença dos países po-bres que, obviamente, não têmdinheiro para pagar genotipagens”,

refere a investigadora. Sendo muitomais vantajoso, em termos causa-efeito, erradicar a tuberculose, pode-se, todavia, chegar à conclusão que“em termos económicos, este proce-dimento não compensar, mas poder-se evitar um ou dois transplanteshepáticos, salvando as correspon-dentes vidas. Então, se se justificar,pode ser pedido ao doente que paguealguma coisa pela genotipagem eque o tratamento se torne mais se-guro”, acrescenta Henriqueta Coim-bra.

A necessidade de realizar este tipode estudos é ainda mostrada pela do-cente da FMUC: “este processo deconhecimento do gene leva à admi-nistração de uma dose mais ade-quada, e não baseada apenas nopeso do paciente, mas não vai elimi-nar todos os casos de toxicidade he-pática. Pensa-se que vai diminuir,mas sem o estudo prático não sabe-remos em concreto o que se ganha eo que se perde.”

A doença, bastante contagiosa, énormalmente associada a paísessubdesenvolvidos ou, no caso dospaíses desenvolvidos, a grupos derisco como “prostitutas, sem-abrigoou imigrantes”, esclarece Maria Ce-leste Alcobia. A médica acrescentaque as possíveis falhas no combatepodem situar-se no “diagnósticoprecoce, no tratamento correcta-mente instituído pelo médico e naaderência à terapêutica por parte dopaciente”, o que pode resultar nosurgimento de complicações hepáti-cas ou de tuberculose multirresis-tente, com custos acrescidos para oEstado e para a saúde pública. “Es-tamos a falar de tratamentos total-mente comparticipados, que são de103 euros para seis meses de trata-mento da tuberculose normal, e quepodem passar a, no mínimo, 78 mileuros quando estamos perante umatuberculose multirresistente, comum período de tratamento superior adoze meses”, conclui.

Gene pode melhorar terapêutica da tuberculose

D.R

A terapia de eletrochoque é utilizada apenas em alguns casos mais graves, sempre sob aconselhamento médico.

Paulo Sérgio Santos

Joana Castro

Eletrochoque - um “reset” cerebral

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 15

CiÊNCiA & TECNOLOGiA

Innovnano: Coimbra a propiciar parcerias científicas A fábrica de nanotecnologiada innovnano arranca nofinal do mês de março. O mercado português é residual, mas o negóciotende a globalizar

A primeira fábrica de nanotecno-logia portuguesa entra em funciona-mento a 30 de março. O montanteinvestido pela Innovnano no Coim-bra iParque ascende aos dez milhõesde euros, prevendo as várias etapasdo projecto. Serão 40 os novos pos-tos de trabalho para mão-de-obraespecializada, num setor com pers-petivas de crescimento em alta.

O grupo CUF tem como áreas denegócio a química e, através da In-novnano, os nanomateriais. O inves-timento feito pela empresa parte “doconceito de produção modular”, fa-seado por diversas etapas, onde a ex-pansão passa pela construção denovos módulos, explica o adminis-trador da Innovnano, André de Al-buquerque.

Além do módulo produtivo, queserá inaugurado a 30 de março, apróxima fase envolve a criação deum laboratório de caracterização ede controlo de qualidade, dado queos materiais produzidos apresentam

poucas tolerâncias a variações de pu-reza. Existe, da mesma forma, apreocupação com a “componente deinvestigação e desenvolvimento”,para tornar o processo de produçãomais eficiente, assim como paraalargar o leque de produtos, afirma oadministrador.

“Trabalhamos com praticamentetodas as universidades e principaisinstitutos científicos”, aponta o res-ponsável da empresa. Soma-se à co-laboração com as universidades deCoimbra, Porto, Nova de Lisboa,Aveiro e Minho a parceria com aUniversidade do Texas, nos EstadosUnidos da América. André de Albu-querque enumera os diversos fatoresque contribuíram para a colocaçãoda unidade fabril em Coimbra, den-tro da política de funcionamento emrede: “uma excelente oportunidade”pelo “próprio conceito do parque”, apresença de alguns parceiros privi-legiados e o “acesso a pessoas comqualificações elevadas”.

Mercado português é residualSegundo André de Albuquerque, onegócio das nanotecnologias emPortugal é muito reduzido. “Deveráser inferior a cinco por cento”, in-dica. De acordo com o mesmo, anível global, a procura de nanoma-teriais atinge “dois mil milhões dedólares”, perspetivando-se um cres-cimento da procura em 30 por centoao ano. O posicionamento da Innov-nano apenas em Portugal e no ReinoUnido, não parece interferir com ovolume de negócios. André Albu-querque afirma que este é “um pro-duto com elevado valoracrescentado, onde a questão logís-tica de custo/transporte não é umalimitação, têm uma margem quelhes permite suportar o custo detransporte para outras geografias”,enfatizando a procura “dispersa pelomundo inteiro” dos produtos co-mercializados. “Coisas tão elementares como umcreme solar ou revestimentos anti-rrisco usam nanopartículas. Não éapenas uma expectativa futura, é jáhoje uma realidade. Em 2012, de-verá crescer 600 milhões de dólares,para 2600 milhões a nível global”,equaciona o administrador. A médioprazo é a área da saúde que terá maisaplicações a partir da nanotecnolo-gia. No ramo da biomédica, atravésde melhorias nas próteses, garan-tindo uma maior resistência mecâ-nica; ou no diagnóstico e tratamentodo cancro ao utilizar a técnica hiper-termia, que apenas destrói as célulascancerígenas.A mesma empresa está tambémpresente nas energias renováveis,através da construção de materiaispara células fotovoltaicas, produçãode óxido condutor transparente; cé-lulas de combustível para transfor-mar o hidrogénio em energiaelétrica; ou espinelas de lítio parabaterias de carros elétricos e híbri-dos, ou mesmo para telemóveis. Naárea da electrónica transparente uti-lizam-se também células fotovoltai-cas nos ecrãs LCD's. A empresadesenvolve materiais de revesti-mento de turbinas da aeronáutica,turbinas de centrais de cogeração agás natural e turbocompressores queformam uma barreira térmica, “me-lhorando a eficiência termodinâmicadestes equipamentos”, indica AndréAlbuquerque. Outra das áreas deprodução incide na indústria dos ce-râmicos estruturais, isto é, materiaisde fabrico de peças sujeitas a stres-ses mecânicos muito elevados. André Albuquerque destaca o im-pacto socioeconómico que a nano-tecnologia terá no futuro, em termosde postos de trabalho. As estatísticaspreveem “dois milhões de pes-soas”em todo o mundo a trabalharcom este tipo de tecnologia, em2015, com um conjunto diversifi-cado de aplicabilidades.

Filipe Furtado

A fábrica da Innovnano terá 40 postos de trabalho altamente qualificado

NANOTECNOLOGIA EM POrTUGAL

UNIvErsIdAdE dE AvEIrO

Na Universidade de Aveiro uma das

áreas de aplicação do nano serve para

material de fabrico de memórias para

computadores, nano tubos, nano wi-

reless e biosensores para detectar

doenças tropicais, como a malária ou

a febre dengue. Um dos problemas

que a investigação enfrenta é saber

“como transferir os avanços para criar

pequenas empresas”, aponta o investi-

gador do departamento de Engenharia

Cerâmica e do vidro, Andrei Kholkin.

segundo o mesmo, ainda em Portu-

gal, tornando-se necessário colaborar

com empresas estrangeiras.

UNIvErsIdAdE dO MINhO

Na Universidade do Minho (UM) o

destaque vai para a nanotecnologia

aplicada à área alimentar. O nano-

packsafer é um revestimento para ali-

mentos, que mantém a qualidade do

produto com o “aumento do tempo

de prateleira e pela possibilidade de

incorporação de compostos bioacti-

vos”, indica o investigador do Centro

de Engenharia biológica da UM, José

Teixeira. A nanotecnologia é vista

como tecnologia de ruptura, mas, se-

gundo José Teixeira, reflete apenas as

áreas de conhecimento no seu desen-

volvimento ao longo dos anos.

UNIvErsIdAdE NOvA dE LIsbOA

No Centro de Investigação de Mate-

riais (CENIMAT) da Faculdade de

Ciências e Tecnologia da Universidade

Nova de Lisboa são as energias reno-

váveis , a electrónica e biosensores. A

coordenadora do CENIMAT, Elvira

Fortunato, concorreu às Advanced

Grants (bolsas para investigador avan-

çado), venceu uma bolsa no valor de

2, 25 milhões de euros para equipar

um laboratório de nano fabricação.

Todo o financiamento é conseguido

através de projetos , “nada é finan-

ciado pelo Orçamento do Estado”, ex-

plica a coordenadora do CENIMAT.

A nível global,

a procura da

nanomateriais

atinge “dois mil

milhões de dólares”

D.R

16 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

PAís

ão és mais do que asoutras, mas ésnossa,/ e crescemosem ti. Nem se ima-

gina/ que alguma vez outra línguapossa/ pôr-te incolor, ou inodora,insossa”, versa Vasco GraçaMoura, em “Lamento para a línguaportuguesa”. Com a crise econó-mica o lamento é vincado, com asoutras línguas a parecerem maisdo que a nossa. Contudo, não sepense que é novidade impingidapor troikas. Segundo o professorcatedrático da Universidade deCoimbra (UC), Carlos Reis, não seencontra uma verdadeira vontadepolítica para a promoção da lín-gua: “os sucessivos governos esgo-tam-se numa retórica de louvor doidioma”. Os adiamentos constan-tes de iniciativas são tambémapontados pelo director do Jornalde Letras, José Carlos de Vascon-celos, que defende o abandono do“paleio” para se passar a “realiza-ções efectivas”. A língua passa parasegundo plano, quer em épocas deapertos ou de bonanças, esque-cendo-se as suas potencialidades.

A “inércia arrepiante” de queCarlos Reis fala para classificar otrabalho governativo pode apre-sentar consequências negativas,que se espalham para outras áreasde interesse. “Há uma ligaçãoentre a diplomacia económica eaquilo que é a diplomacia cultu-ral”, relaciona o professor da Fa-culdade de Letras da UC (FLUC),Seabra Pereira. Como exemplo, otambém provedor da Casa da Es-crita aponta para o nosso planoidentitário: “se uma pessoa nãotrabalha bem na sua identidadefalha também no plano das rela-ções interpessoais”. Ora, aqui sevê um país com dificuldade na afir-mação da sua presença no mundo.A promoção da “língua portuguesae das nossas criações culturais sãouma condição decisiva do apreçoque as outras nações podem ter

por nós”, reitera Seabra Pereira,lembrando que o menosprezodado pelos governos à língua podealastrar-se para campos políticos eeconómicos.

As paredes académicasÉ no plano da promoção e divulga-ção da língua que surge o InstitutoCamões (IC). Todavia, o trabalhoda instituição tem sido limitadopelos recursos que tem à sua dis-posição, tem uma acção deficitária.“O IC não tem conseguido alcan-çar a sociedade civil”, lamenta Va-leria Tocco, responsável pelaCátedra Antero de Quental na Uni-versidade de Pisa. Em muitos doscasos, a divulgação da língua e dacultura está assente no trabalhodos leitores, docentes e responsá-veis de cátedras, subsidiados peloIC. Este trabalho individual acabapor não ultrapassar, de acordo

com Valeria Tocco, as “paredesacadémicas”. Seabra Pereira lem-bra ainda os escassos meios comque os leitores de português se de-param no estrangeiro: “em algunspaíses europeus, o leitorado portu-guês está encalhado no meio deoutros institutos, com instalaçõesque nos deixam com a alma triste eque contrastam com o espaço con-cedido aos departamentos ligadosa outras línguas”.

“É difícil imaginar as dificulda-des por que passam alguns docen-tes, que muitas vezes não ensinamo português com as condições dequem leciona outras línguas”, cri-tica o leitor de português na Uni-

versidade de Viena, Alcides Murti-nheira. “Esta realidade limita mui-tíssimo a ideia de que o portuguêsé uma língua que pode oferecer ummercado de trabalho enorme e quepode ser uma válida alternativa aoinglês e ao castelhano”, corroboraValeria Tocco.

Carências no ensinoSofia Soares, professora de portu-guês no ensino primário emFrança, sente-se desanimada coma política de retrocesso no ensinodo português no estrangeiro, visí-vel no despedimento de 49 profes-sores em toda a Europa. “O IC nãodefende os interesses dos seus pro-fessores e leitores ao máximo.Contudo, também sinto que o ins-tituto tem as mãos atadas e nãopode ajudar muito mais”, diz, ex-pressando a sua resignação.

“A produção cultural e o ensinodeveriam anteceder e quiçá sobre-por-se à promoção da língua”, de-fende o responsável pelo ensino doportuguês na Universidade doOhio, Pedro Pereira. O incentivona política educativa é, para PedroPereira, “indissociável da leitura eda cidadania”, considerando queos próprios cidadãos portuguesesdevem reclamar a língua e a cul-tura como património seu, para,dessa forma, a língua ter futuro e“os outros terem mais razões paraquererem aprendê-la”.

Exportar culturaO “triste desinvestimento” no en-sino do português além fronteirasé também observado por CarlosReis na cultura que se exporta. “Osagentes culturais de um pequeno emal conhecido país como Portugaltêm dificuldade, por si sós, de seafirmar no estrangeiro”, aclara oprofessor catedrático. Porém, omesmo salienta que, apesar de oEstado não ter que se assumircomo um empresário das artes edas letras, cabe-lhe “um papel im-

portante de dinamização”. MioaraCaragea, responsável pela CátedraFernando Pessoa na Universidadede Bucareste, enaltece a importân-cia da internacionalização da cul-tura: “a tradução de Saramago oude Lobo Antunes fez mais para ointeresse por Portugal na Roméniado que visitas de chefes de Es-tado”.

Seabra Pereira conta que, dentroda mesma língua, o Brasil se des-taca, com uma presença “maisforte e mais ágil”. Segundo o pro-fessor de Literatura Portuguesa,embora tal facto leve a uma difu-são indireta da cultura portuguesa,a mesma acaba por ser promovidaessencialmente por um outro país.Pedro Pereira, por outro lado, lem-bra a pequeneza demográfica de

Portugal em relação ao Brasil: “aárea metropolitana do Rio de Ja-neiro tem a população de Portugal.Esta evidência é brutal para aque-les que ainda pensam que o nossopaís é dono da língua”. É por istoque o docente da Universidade doOhio considera fundamental pro-jectar no IC uma “dimensão trans-nacional”.

Um unir esforços surge comum-mente como essencial para umapolítica de promoção da línguaportuguesa. “É necessário aprovei-tar as sinergias”, sugere José Car-los de Vasconcelos. Valeria Tocco,em jeito de metáfora, propõe: “o ICserá sempre a voz do português eu-ropeu, mas essa voz poderá ser en-toada de forma polifónica com asoutras vozes da lusofonia”.

“N

Uma língua esgotada naretórica

A internacionalização da cultura é determinante na promoção da língua portuguesa.

InstItuto Camões

Louva-se a língua, mas fica-se por aí. As dificuldades orçamentais justificamuma parca promoção do português, e a afirmação do país além-fronteiras sofrepor uma língua pouco conhecida e de vozrouca. Por Ana Francisco e João Gaspar

Carlota rebelo

Carlota rebelo

Os sucessivos

governos

esgotam-se

numa retórica

de louvor do idioma

28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 17

MUndO

México: um problema vindo do passadoUm país, aos olhos da comunidade internacional,nas mãos dos traficantes.O governo enceta o combate mas a questão équem manda realmenteno México

“Em parte, o narcotráfico tem talinfluência que governa o México”.Quem o diz é o professor catedráticode Ciência Política do Instituto Su-perior de Ciências Sociais e Políticas(ISCSP) de Lisboa, Fernando Con-desso, quando questionado sobrequem manda realmente no México.

Para o professor de Sociologia doPoder e da Política da Faculdade deEconomia da Universidade deCoimbra (FEUC), Daniel Francisco,

dizer que quem manda no Méxicosão os traficantes ”é uma coisamuito bombástica e que pode sermentira”. No entanto, Daniel Fran-cisco salvaguarda a presença de car-téis com poder, “inclusive nomundo da política e dos tribunais”em determinadas regiões ou cida-des. O professor da FEUC confirmaque os traficantes “chegam ao poderda polícia, dos tribunais e ao poderde fazer as leis” e que controlar a fei-tura das leis “ é criar um ambientemais saudável para o crime”.

A importância do tráficona economiaSandro Mendonça, professor deEconomia Internacional do Insti-tuto Superior de Ciências do Traba-lho e da Empresa (ISCTE), cita opoeta mexicano Octávio Paz: “OMéxico está demasiado longe deDeus e demasiado perto dos Esta-dos Unidos da América (EUA)”. “Oque se passa é que o México tem vi-zinhos e estes são muito assimétri-cos”, refere. O docente lembra assim

a relação entre o tráfico e os EUA,uma vez que “os emigrantes acabammuitas vezes por ser ajudados porredes de crime organizado e por-tanto tornam-se também embaixa-dores da indústria do narcotráficomexicano”. Desta forma, SandroMendonça vê no México uma “in-dústria informal” que acaba tam-bém por ser “um grande problemae que não ajuda ao crescimento eco-nómico que é contabilizado no Pro-duto Interno Bruto (PIB)”.

Apesar de assumir que o narco-tráfico representa uma percentagemdo PIB “significativa de cerca de 10por cento”, Fernando Condesso nãoconsidera esta atividade criminosadeterminante para a economia dopaís. 10 por cento deste PIB, afereCondesso, está representado conse-quentemente no reforço da segu-rança privada: “O narcotráficodesenvolve a economia de carrosblindados, ou pelo menos importa-ções, e desenvolve brutalmente aeconomia das forças de segurançaem mais de um por cento”.

Face a um interesse, por parte dealguns presidentes da América Cen-tral, em legalizar o transporte e con-sumo de narcóticos, FernandoCondesso acredita na visão do atualpresidente mexicano, Felipe Calde-rón, de que tal só seria concebívelcaso o seu principal destino (EUA)também o fizesse: “Se os EstadosUnidos não o legalizarem, não iráser resolvida grande coisa”.

Violência e corrupção Na ordem do dia tem estado a vio-lência nas prisões mexicanas, po-tenciada não só pelas rivalidadesentre grupos de traficantes, masigualmente pela intervenção de ofi-ciais. Fernando Condesso repara:“O problema das prisões é compli-cado porque os narcotraficantes têmum grande poder económico e aolongo dos tempos treinaram muitagente que se infiltrou nas instânciasoficiais de controlo”. Ao mesmotempo, o professor catedráticorealça que “o narcotráfico é a prin-cipal causa de morte e de assassí-

nio”. Com isto, recorda ainda que háquem diga que “o reconhecimentodestes banhos de sangue e destaslutas entre grupos tem piorado a cri-minalidade”.

Com a presença de uma forte in-fluência do narcotráfico e a infiltra-ção destas redes na classe política enos comandos policiais, foi confe-rida ao atual governo de Felipe Cal-derón uma “maior visibilidadedevido à luta que este desenca-deou”, refere o docente do ISCSP. Ogoverno de Calderón, considerandoa questão da corrupção, impôs queos policiais se tivessem de sujeitar aum detetor de mentiras, o qual re-sultou em 10 por cento da demissãoda polícia federal por pertencerema redes traficantes, acrescenta. “Háaqui todo um problema que vem dopassado, toda uma sociedade orga-nizada, ou se preferir, desorgani-zada”, conclui Fernando Condesso.Com isto, remata: “É criada no es-trangeiro uma imagem de que o Mé-xico é um país em guerra devido aonarcotráfico”.

A meio caminho das negociações sobre o destino do saara Ocidental, a ação das instituições internacionaisé posta em causa e é revelada a sua indiferença

O Saara “é um caso flagrante de di-reitos humanos e direitos internacio-nais, mas não me parece que hajagrande preocupação com a situaçãodo povo sarauí”, afiança o especialistaem questões do Médio-Oriente, JoséGoulão. Também Teresa Pina, dire-tora da Amnistia Internacional emPortugal, realça que “há membros deinúmeras organizações sarauí que, aofornecerem informação sobre o Saara

Ocidental, acabam por ser persegui-dos pelo reino de Marrocos”.

O Saara Ocidental, que desde a dé-cada de 1960 é considerado territórionão-autónomo pela Organização dasNações Unidas (ONU), é uma antigacolónia espanhola, atualmente dis-putada entre o Reino de Marrocos ea Frente Polisário (Frente de Liberta-ção do Saara Ocidental).“Em janeiro,a Amnistia Internacional publicouum relatório sobre os acontecimen-tos do último ano em vários países donorte de África e do Médio Oriente”,declara Teresa Pina.

O conflito aos olhos da comunidade internacionalPara José Goulão, o povo sarauí vemsendo negligenciado pelas institui-ções internacionais, inclusive peloreino de Mohammed VI (rei de Mar-rocos). Exemplo disso foi “a UniãoEuropeia (UE) aprovar, com umasimplicidade arrepiante, o desconge-

lamento do acordo de pescas entre aUE e este reino, que permite aos paí-ses europeus pescarem nas águas ter-ritoriais do Saara Ocidental paraproveito de Marrocos”, explica, acres-centando que não consegue encon-trar “uma violação mais flagrante dosdireitos do povo”.

Juntando a este desrespeito porparte de Marrocos e da União Euro-peia, denota-se “irreverência” porparte da ONU, salientando o especia-lista que “o estatuto refere que os res-ponsáveis da organização devemfazer de tudo para estabelecer a paznos sítios onde há conflito, o que nãose tem verificado”. Goulão acusa oSecretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, de ser “além de corrupto, al-guém que anda pelo mundo a tentarcirrar hipóteses de guerra”.

Apesar de esta negligência serexercida por parte de instituições in-ternacionais, outras destacam a suapreocupação para com este país e

para com o povo, como é o exemploda Amnistia, que “em relação aos di-reitos humanos não pode ficar tran-quila, nem vai cruzar os braços,sempre que houver violações dessesdireitos, das normas e dos princípiosgerais legais internacionais”, aludeTeresa Pina.

Outro aspecto fulcral que JoséGoulão refere é que “o Saara tem di-reito a fazer um referendo sobreaquilo que deseja: ou a independên-cia ou a autodeterminação em rela-ção a Marrocos”. Tal processo temsido dificultado, pois tal como o es-pecialista afirma, “o que acontece éque Marrocos está a injetar colonosno Saara Ocidental, que quer quesejam considerados cidadão sarauíspara o referendo”. Logo, “neste sen-tido, não temos assistido da parte daONU a um empenhamento rigorosopara que sejam definidas as normasdeste referendo, que é destinado aopovo sarauí e ao futuro do território”.

NegociaçõesNo que toca às negociações que têmsido discutidas entre o governo deMarrocos e a Frente Polisário, JoséGoulão acredita que “a questão quese levanta é a força de negociação queesse próprio governo detém dentrode Marrocos para tratar de um pro-blema tão delicado como o da sobe-rania do Saara Ocidental” que, naopinião do especialista “é um dogmanacional, a do reino e dos militares”.Goulão vai mais longe, ao afirmar que“o Saara é marroquino”.

Assim, José Goulão duvida das in-tenções do governo Marroquino e “dareal força no interior das suas insti-tuições” . Por último, defende que aluta por esta independência não estána eminência de uma guerra civil,“mas sim de uma guerra de liberta-ção”.

Com Carolina Caetano eMaria Garrido

“Uma guerra de libertação” para o Saara Ocidental

D.r

Uma forte influência do narcotráfico resulta na infiltração das redes na classe política e nos comandos policiais.

Mariana Santos Mendes

Celine Braga

Maria Garrido

Catarina Pedro

artEs18 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | terça-feira

h, Hollywood e os filmesbiográficos. não há noitede estátuas douradas sem

eles. Histórias de superação, degrandes homens (thatcher in-cluída) e maiores feitos.

Por esta altura já se saberá quemganhou a noite em Los Angeles edecerto não foi a contemporanei-dade.

não que com isto esperássemosde clint eastwood um “matrixRedux”. conhecemo-lo, é cineastade recorte clássico, com rigor e es-crúpulos - já o era como actor. en-quanto realizador, esta incursão nogénero não é peregrina. Já haviaadaptado mitos em “invictus” ou“bird”. dicaprio, actor-fetiche descorcese, também já se tinha aven-turado nesse domínio n’ “o Avia-dor”.

“J. edgar” pinta o retrato de umhomem que fundou o Fbi e insti-tuiu a ciência criminal. notávelavanço na organização e segurançade um povo, não se desse o caso de,com ele, instigar também a violação

de privacidade, a desconfiança ou opreconceito.

imaginamos as recentes propos-tas de lei contra imigrantes no Ari-zona a germinar quando Hooverconsegue a primeira deportação.

edgar acreditava ser um patriota.não havia para ele, por isso, finsque não justificassem todos osmeios. Anarquistas, comunistas,gangsters de chapéu de feltro oumartin Luther king, o inimigo daAmérica tinha as caras que deci-disse.

dominado por delírios de gran-deza, Hoover não suportava a crí-tica e reclamava para si a atençãodos media e os louros do Fbi nocombate ao crime. encarava o tra-balho como única motivação do serhumano. o fato cinzento-sisudo eface escanhoada constituíam osseus primeiros padrões de avalia-ção.

Leonardo dicaprio apresenta-senum registo não muito distante dequando encarnou Howard Hughes– um homem ambicioso, atormen-

tado, autista. e embora não hajadúvidas de que é um dos melhoresintérpretes da sua geração, vemo-locada vez mais calcificado nestasapropriações épicas. Parece preci-sar de um filme em que a câmaralhe dê menos atenção, ou que façapor não a merecer. As mulherestambém importam nesta história.Judi dench, como mãe, é asfixiantee naomi Watts é a imagem do so-frimento enquanto companheiraque nunca passou da secretária.

importa dizer que eastwood con-segue, aqui, apesar do conceito,mostrar o que pode erguer ondemuitos afundam. sobretudo no úl-timo terço do filme, em que chega-mos mais perto de Hooverenquanto ser humano. É aí que ex-plora a homossexualidade encapo-tada do protagonista e a sua ligaçãoplatónica com clyde olson, o seubraço-direito.

diz-se que a liberdade de um ter-mina onde começa a do outro.

J. edgar esbarrou no muro queele mesmo construiu.

J. Edgar

Cin

em

a

o grande ditador

CRítiCa De joão teRênCio

De

Clint Eastwood

Com

lEonardo diCaprio

armiE HammEr

naomi watts

2011

s patrões da disneyviram na obra de Garyk. Wolf “Quem censu-rou Roger Rabbit?”, de

1981, a ocasião perfeita para, deuma assentada só, ressuscitaremantigas estrelas da companhia,fazer um “blockbuster”, montaruma mega operação de propa-ganda e, pelo meio, ainda deixar asempre bem-vinda mensagemmoralista tão apreciada em Holly-wood. e assim nasce “Quem tra-mou Roger Rabbit”, filme híbridoentre a animação e o ”film noir”,que habita o imaginário da “gera-ção rasca”, “à rasca” e posteriores.Robert Zemeckis já o havia feitocom a inolvidável trilogia “Re-gresso ao Futuro”. o realizador vaimesmo resgatar christopherLloyd – o distraído doctor em-mett brown – para encarnar o

vilão que quer tramar o coelho.entremos então no saudoso de-

lorean e viajemos até 1944 emHollywood. Humanos e desenhosanimados (“toons”) convivem ale-gremente inseridos no “showbiz”dos grandes estúdios. Roger Rab-bit é uma das estrelas do estúdio,mas vê-se, subitamente, envolvidonuma tramóia à oJ simpson.marvin Acme (stubby kaye), pro-prietário de toontown e da míticaAcme corporation, é encontradomorto, após ter sido esmagado porum piano. na véspera, Roger Rab-bit tinha ficado a saber das facadi-nhas no matrimónio da suaJessica, a “toon” mais sensual dahistória da sétima arte, com o se-nhor Acme (e por facadinhas leia-se bater palmas ao som de umalengalenga…).Perseguido,o “toon”vira-se para o detective eddie Va-

liant (bob Hoskins),conhecido porajudar a comunidade animada.

no final, os dois acabam pordesvendar o malévolo plano deum desenho animado com ares deJorge coelho que queria controlartoontown, incinerar os “toons” efazer passar por lá uma auto-es-trada, ficando com os dividendosdas áreas de serviço.

Longe daquilo que se faz hojeem dia com o cinema de anima-ção, “Quem tramou Roger Rab-bit?” consegue levar o mundoanimado mais além mantendouma simplicidade que hoje falta àmaior parte das produções, des-lumbradas pelo potencial tecnoló-gico. mais de duas décadas depois,faz sentido perceber como se podecolocar os efeitos ao serviço do en-redo, e não o contrário.

Quem tramou o cinema de animação?

Quem tramou Roger Rabbit ”

joão RibeiRo

“ A

o

ve

r

Artigo disponível na:

filme

De

RobeRt Zemeckis

eDitora

Lusomundo

1988

fEitas28 de fevereiro de 2012 | terça-feira | a cabra | 19

capa de mr m, pintadapor kurt Wagner, o líderdos Lambchop, faz parte

de uma série de pequenos qua-dros inspirados em fotografiasque o fundador da banda de nas-hville encontrou num jornal deum amigo. kurt, que começouprimeiro por desenhar o álbum esó depois por escrever as canções,classificou o conjunto de imagenscomo intemporais, como se vies-sem de um outro tempo, estivés-semos nós a olhá-las durante otempo que fosse. É essa mesmaintemporalidade que marca osLamchop, esse ser do tempo semprecisar de se ser de tempo ne-nhum.

o disco começa com “if not i’lljust die” e uma orquestração deviolinos que nos leva imediata-mente para o universo de “in thewee small hours” de sinatra, am-biente rapidamente desconjun-tado, com a voz de kurt Wagner acantar “don’t know what the fuck

they talk about”. A temática está lançada numa espécie de “póscronismo” e apercebemo-nos que mr. m é um disco especial, asideias e o mundo de nashville dos Lamchop estão aqui, mas comnovas concepções sem deixar perder a identidade.

“mr met” será facilmente uma das melhores músicas do ano,ritmada por baixo e guitarras country com coro e orquestração aadornar a simplicidade das letras e voz de Wagner durante unscurtos 7 minutos, uma canção tão boa que merece uma espéciede outro só para ela, como é a instrumental “Gar”. mr m é umdisco em que os pormenores fazem toda a diferença, a produçãoé sublime e os backgrounds musicais extra orquestrações fazemtoda a diferença no universo que os Lambchop pretendem trans-mitir. Pequenos toques daquilo que parecem conversas distorci-das ou rádios mal sintonizados como em “kind of”, ou “niceWithout mercy” são a prova que “mr m” é um daqueles discosque cresce a cada audição e poderá facilmente ganhar um lugar aolado dos melhores discos da banda como “How i Quit smoking”ou “What Another man spills”.

numa altura em que qualquer pessoa pode fazer música semser preciso recurso a mais que um teclado de computador, e emque todos nós andamos à procura de novas direcções e preocu-pados com o futuro da música, os Lambchop trazem-nos, ao seu11º disco, a prova que ainda existem canções para serem feitas eque precisam urgentemente de ser ouvidas.

significado de uma viagem éabstrato, reveste-se de sub-jetividades e simbolismos dedifícil expressão. o que nos

marca são as pessoas com quem nosencontramos, a imensidão de históriasque cada uma dessas vidas tem paranos contar.

Luis sepúlveda, escritor chileno,juntou-se ao amigo daniel mord-zinksi, fotógrafo argentino, numa in-vestida pelas terras da Patagónia, em1996. sem planos definidos, limita-ram-se a caminhar sempre para sul e aconviver com as pessoas que encon-travam. dessa viagem, nasceu umlivro. sepúlveda, através das suas pa-lavras, dá forma às estórias e mitos deuma região. mordzinsky, o “fotógrafodos escritores”, pinta-lhes o rosto atra-vés da objetiva, oferece-nos um retratoda “terra do Fogo”, da sua beleza na-tural, a que não conseguimos ver nospostais. É uma bela conjugação entreduas artes – a da escrita e a da luz.

As pessoas do sul são as persona-gens principais desta obra e são assuas “estórias” que dão forma a estaviagem: tano, o homem que procu-rava por um violino em plena estepepatagónica, no meio de uma tempes-tade de pó; o orgulhoso trisneto dedavid crockett; uma senhora idosaque concede o dom da vida com otoque das suas mãos; coquito, umanão que dizia ser um duende… mas

nem tudo se apresentava idílico e jáeram muitos os sinais que anuncia-vam um fim para este cenário ino-cente. o autor critica a forma comomilionários de todo o mundo ambi-cionam por um pedaço da Patagónia.denuncia a sociedade de fora que jul-gou o povo mapuche e teheche como“bárbaro”. Assim, comete-se a barbá-rie de matar a identidade da região. ospoucos índios que ainda sobrevivemservem de atração turística aos abas-tados.

notamos alguma tristeza nas pala-vras e no tom com que é descrita a úl-tima viagem no Patagónia express.uns texanos ricos decidiram ignorarque este comboio era o único meio detransporte da população e pararam oseu funcionamento. Fizeram com queo tempo deixasse de passar. “Poderosoé o don dinheiro”.

É possível que no leitor cresça avontade de enveredar numa viagempela Patagónica, trilhar estes mesmoscaminhos, sempre rumo a sul, semdestino concreto e sem certezas. noentanto, este não se trata de um sim-ples livro de viagens. É um livro dehistórias, uma crónica de memóriaspóstumas, pois esta Patagónia já nãoexiste, corrompida pela ganância dequem se toma como dono do mundo.

“ estas são, pois, as últimas notíciasdo sul”.

sta é a história de Vincent, umjovem engenheiro que se vê fi-nalmente confrontado com a

transição de adolescente para adulto.As tribulações desta passagem encon-tram-se simbolizadas numa escolhaentre duas mulheres: de um ladotemos katherine, a namorada estávele compreensiva, e do outro, catherine,a ninfeta sedutora que tomou comoamante. como jogadores, somos con-vidados a partilhar o ônus da decisãosobre esta dualidade feminina, tendocomo consequência o derradeiro fadode Vincent. katherine é retratadacomo sendo mandona e possessiva,enquanto que catherine é o sonhoadolescente tornado realidade: sen-sual, descomprometida e levementepsicótica. com essa figuração, o en-redo consegue a proeza de nos sentir-mos como Vincent, ou seja,genuinamente tentados por catherineainda que saibamos qual o caminhomoralmente correcto.

no meio do triângulo amoroso, Vin-cent tem ainda de lidar, todas as noi-tes, com uma viagem onírica a umbizarro purgatório, onde tem de esca-lar uma torre de blocos para poderacordar. nestes segmentos, o jogotransita da aventura para um puzzlegame denso e elegante, híbrido de

“Jenga”, “sokoban” e “donkey kong”.esta escolha aparentemente absurdatrai uma busca pelo esquema de jogoadequado à narrativa: como jogadores,temos de “desbloquear” Vincent doimpasse a que chegou. o trepar dosblocos serve então como a metáfora lú-dica ideal, com a torre a ser assom-brada por personificações das suasansiedades tornadas monstros (exem-plo: o primeiro boss é catherine numaespécie de versão cubista hiper-sexuale de terror). katsura Hashino (“Per-sona 3” e “4”) demonstra assim quepercebeu aquilo que faltava aos RPG -um estilo de jogabilidade que fossealém do padronizado combate, e queestivesse entrelaçado com a temáticaficcional. o resultado é uma obra comcariz de autor que mantém o foco naestilização Pop (shigenori soejima) enas narrativas anime alegóricas quecaracterizam os RPG’s de Hashino, sóque agora tratadas de forma maisséria, autêntica e coerente. “catherine”é por isso, tanto quanto possível den-tro de uma matriz videolúdica de carizpopular, uma exploração inteligente ehumorística de um dilema moral hu-mano e universal – o que o colocamuito acima da hedonismo auto-in-dulgente que caracteriza os videojogos.

oUvir

De

luis sEpúlvEda Com daniEl

mordzinski

eDitoRa

porto Editora

2012

De

lamBCHop

eDitoRa

mErGE

2012

mr m ”

lUíS lUzio

Artigos disponíveis na:

oÚltimas notícias do Sul ”

RUi CRaVeiRinHa

niCole ináCio

Catherine ”

JoGar

romance deCordel

GUerra DaS CaBraS

A evitar

Fraco

Podia ser pior

Vale a pena

A cabra aconselha

A cabra d’ouro

ler

de van Gogh asinatra

e

Estórias e retratos dapatagónia

PlatafoRma

ps3 ou XBoX

eDitoRa

dEEp silvEr

2011

A

soltas20 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | terça-feira

uma iDeia Para o ensino suPerior

A ideiA democráticA

rui alarCão • Professor De Direito e antiGo reitor Da universiDaDe De CoimBra

Destacarei a ideia de-mocrática.

Sobretudo a partir dosegundo quartel do século XX, a de-mocracia passou de minoritária amaioritária, a nível mundial, corres-pondendo a esse desenvolvimentogeográfico um aprofundamento dosistema democrático, que acentuou,para além do elemento básico de elei-ções livres e justas, o valor da compo-nente dos direitos fundamentais, bemcomo da cidadania activa, configu-rando-se assim o enriquecimento dademocracia representativa através dademocracia participativa.

Por outro lado, o princípio daautonomia emerge como centrodo projecto democrático, par-tindo-se dele para uma nova inter-pretação da democracia, expressa nademocracia para uma época global: ademocracia cosmopolita.

Tende-se, deste modo, para umademocracia pluralista, alargadae de maior intensidade, que re-força o processo de globalizaçãonos seus diversos planos, com realcepara as vertentes técnico-económica,sócio-política e cultural.

É óbvio que todos estes factostêm muito a ver com as Univer-sidades e outros estabelecimen-tos de ensino superior.

Têm a ver, desde logo, com aquestão da autonomia uni-versitária, mormente noque respeita ao acesso àUniversidade e ao seu go-verno. Têm a ver, mais am-plamente, com orelacionamento dopoder político e dopoder académico. Bem

assim com a implementação do Pro-cesso de Bolonha – designada-mente no que toca aos paradigmaspedagógicos –, em ordem à cons-trução do espaço europeu do en-sino superior e à edificaçãopolítica europeia. Têm a ver com ainvestigação científica, em diver-sas áreas e patamares. E com osapoios sociais aos estudantes. Ecom tanta coisa mais.

Às dificuldades inerentes ouintuídas do que fica dito acrescemas resultantes da gravíssima si-tuação económico-financeiraem que nos encontramos. Masparece seguro que uma auste-ridade cega e mecânicadeve ser moderada oucompensada por políti-cas de crescimentoeconómico.

Para tudo isto serequer legislação.Legislação não in-flacionada, feita comcontenção, adequaçãoe correcção legística. Esem esquecer quemais impor-tante quea

lei em si mesma é a interpreta-ção e a aplicação ou realizaçãodela, com a sua criatividade própria,a qual escapa, em boa parte, à previ-são e influência dos titulares do poderlegislativo.

A ideia democrática, com a am-plitude que fica sumariamente enun-ciada, é, a meu ver, umaideia-mestra, necessária, em-bora insuficiente, para aquilatardo estado actual do Ensino Su-perior e apontar os caminhos desuperação da sua crise. Essa ideiademocrática teve, em épocas recen-

tes, alguns recuos preocu-pantes, que eu aliás, nas

instâncias próprias eem devido tempo,

assinalei.D e v e m o s

todos – políticos,professores, estu-dantes, funcioná-

rios, cidadãos emgeral – empe-

nhar-nos em re-pensar o ensino

superior, em ordema que a Universidade

que temos se apro-xime, quanto possa, daUniversidade que dese-

jaríamos ter.

sauDaDes Da mãe

Parece que o cheiro nos besunta o espírito de qualquercoisa que não é bem fome. Mas, seja lá o que for, dá vontadede comer, tal é já o hábito cantineiro. Vamos lá, que é a doise quarenta. Seguimos, seguimos, seguimos, e eis que o odornos conduz dos cantos da associação à ponta oposta. Amare-las, como o meu sorriso. Que cheiro, por deus. Entra-se e nemse olha a ementa afixada à entrada. Para quê? É quinta, masfosse segunda terça ou quarta. 10 minutinhos e vamos daquiembora. Mesa posta, andemos com o pão à sopa e com estaà boca. Caldo de água e couves que podiam estar bem me-lhor, diga-se. Fosse a minha mãe a autora, dir-lhe-ia: está óp-timo, minha mãe. Mas a verdade é que o espírito encolhe osombros num …”come-se”. O melhor é ingerir uma águazi-nha, que esta tem sabores. Lá se chega ao meio fundo da ti-gela e os olhos começam-se a revirar para o prato principal.Que é o quê? Aquele que não é vegetariano, pois. É lombo noforno. E que fenómeno estranho, porque olho para ele e deitafumo. Dir-se-ia que está...quente? Estranho. Mas não resta se

não tentar. O melhor é começar com o arrozinho branco, que esse nãotem muito que saber para além das duas de água para uma do cereal.Ainda assim, podia ser daquele que se cola à parede e que podia ser-vir para construir casas. Mas não é. Surpresa agradável, está bom! Faz-se tarde, por isso ala para a salada. De cenoura e alface. Uma folhita.Velha. Venha mas é carne, que ainda fumega. Deve ser daquelas se-curas que nos dá na alma e que nos mata a fome de tristeza, diz-nos oinstinto. Serra-se, atira-se um bocado dela à boca e…hum? Está bom.Está bom? Está bom, está bom! Sim, estava bom. O lombinho de porcoestava tenrinho, molhadinho, regadinho da genialidade e boa tempe-rança de uma senhora certamente parecida com a minha mãe.

Por Fernando Sá Pessoa

tom

ai e

Co

mei

FernanDo sá Pessoa

arte.Ponto

niciou-se o espetáculo com umpequeno sussurro, uma frené-tica vaga de improvisação se-

guiu-se-lhe.Pierre Borel desvenda aos poucos

inúmeros segredos do seu pequenosaxofone, através da execução desons ignotos àqueles que nunca tive-ram um contacto muito íntimo como instrumento. O músico, parisiense,mudou-se há alguns anos para Ber-lim, onde desenvolve estudos na áreada música experimental.

O sussurro expande-se, agora, ossons graves do contrabaixo de JoelGrip acompanham a deambulação dePierre. Grip, sueco, é outra figura quese tem destacado no plano da músicaimprovisada europeia. Este duo é omais recente convidado das sessõesespeciais de acolhimento de músicosinternacionais do "Double Bill - Ciclode Música", que decorreu na Casadas Artes da Fundação Bissaya Bar-reto.

A sala é pequena, carece de deco-ração e não há formalismos na rela-ção com os convidados. Numa sessão

íntima, para um público de duas de-zenas de pessoas, Borel e Grip en-cantaram ou desencantaram aquelesque esperavam um simples concertode jazz. Para os menos habituados àmúsica improvisada, a incerteza dosritmos variados poderia ameaçarcom um certo aborrecimento. Mas naverdade, é quase impossível não re-conhecer a imensa mestria destesdois músicos, quando somos invadi-dos por um fluxo imenso de sons quenunca imaginaríamos ser possível re-tirar de semelhantes instrumentos. Aimprovisação é liberdade, não há li-mitações. Ao artista e ao espetador,dá-se a possibilidade de se desamar-rarem do rigor do eruditismo musi-cal. O que se interpreta é relativo, doabstrato que ouve, o indivíduo podenavegar livremente nos sentimentosque se lhe despertam.

O concerto, constituído por duaspequenas peças, não durou mais doque uma hora. Foi, de resto, o temponecessário para Borel mostrar toda asua vitalidade no domínio do saxo-fone. Num inquietante desempenho,

o músico vagueou entre períodos de-senfreados e momentos calmos, mar-cados pela execução de sonsmeramente percussivos. Tudo isto foiacompanhado por Grip, que numaatuação de igual perícia, manteve-seimpecavelmente coordenado com oimproviso do colega. Para quem osviu, fica uma perceção diferente naforma como olhamos os instrumen-tos musicais e a noção que ainda hámuitos caminhos por onde explorá-los.

Num desvio aos habituais concer-tos de jazz, a atuação destes dois van-guardistas da música improvisadaeuropeia foi uma boa alternativa naagenda cultural de Coimbra. Deu-seespaço à criatividade, qualidade in-dispensável para quem ousar aven-turar-se no mundo da música nosdias que correm. Ofereceu-se aindaao público conimbricense a oportu-nidade de travar um maior conheci-mento com um estilo musical queainda não assentou pilares na socie-dade portuguesa.

Por João Valadão

Um convívio com o improviso

Pierre Borel/Joel GriP • Casa Das artes • 23 De fevereiro

Daniel alves Da silva

I

d.r.

or favor, acorda-me àssete!- Bom dia, Samuel!

- Bom dia, Mimi!- Dormiste bem?- Nem por isso.- Sonhaste outra vez?- Sim, outra vez o mesmo sonho!- Dormiste bem?- Já perguntaste!- Bom dia, Samuel!- Outra vez?- Outra vez o quê?- Outra vez bom dia! Mimi!!- Bom dia, Samuel!- Bom dia, Mimi!!!- Dormiste bem?- Menos mal.- Voltaste a sonhar?- Sim, outra vez o mesmo sonho!- O sonho das escadas?- Sim, esse mesmo. Sabes qual é?- Está nos sonhos da pasta?- Atenção, Mimi!, erro sintático: napasta dos sonhos. Sim, está lá.- Encontrei. Sonho 23: S nas esca-das do prédio. É um dos meus so-nhos recorrentes. Estou no interiorna caixa de escadas de um prédio.Parece o meu próprio prédio. Tenhode ir a casa vestir o fato para a ce-rimónia. Estou atrasado. Subo oprimeiro lanço, depois o segundo,mas ao terceiro lanço de escadas osdegraus vão-se estreitando sem eudar conta. Os últimos degraus aca-bam na parede e não têm ligaçãocom o patamar seguinte. Não tenhoonde pousar o pé esquerdo paracompletar o passo. Sem querer,procuro com os olhos o lugar do ele-vador, mas não está em lado ne-nhum. O coração bate maisdepressa. Tudo me é familiar e tudo

me é estranho ao mesmo tempo.Olho para cima e vejo que o mesmoaconteceu aos restantes lanços dasescadas. Deixaram de estar ligadosuns aos outros e são tão estreitosque já não oferecem apoio. O cora-ção bate ainda mais depressa.Quero continuar a subir mas nãoconsigo. Olho para baixo. E jánão posso descer. Estou maislonge do chão do que osdegraus que subi. Écomo se estivesse sus-penso no ar junto àparede a meio dopoço das escadas.Olho para cima.Sinto vertigens.Acordo com umaperto no peito.- Que bela voz decitação! Nunca atinha ouvido. Ondea arranjaste?- Uma atualização au-tomática esta noite.Queria mostrar-te.- Fica bem nesse sonho.- Agora ficam associados.- Ótimo.- Agora ficam associados.- Já disseste.- Não. Estou a citar-me, não ouves?- Muito esperta! Logo de manhãcom brincadeiras. Abre a persiana!- Bela manhã de sol!- Tens razão! Não estava à espera,depois da chuva desta noite.- Touche pas à ma voix!- Não percebo este botão.- Don’t touch my voice!- Pára!- Non toccate la mia voce!- Mas o que é isto?

- Não toques na minha voz!- Por que te repetes?- Não me repito!- Bom, não vamos discutir agora…- Bom dia, Samuel!- Bom dia, Mimi!- Dormiste bem?

- Já respondi a isso. Lês-me as notí-cias?- Um ataque suicida matou pelomenos 53 peregrinos xiitas e causou137 feridos na cidade de Basra, nosul do Iraque, segundo fontes dapolícia local. O atacante, enver-gando um colete suicida, estariadisfarçado como elemento das for-ças policiais quando os peregrinospassavam por um posto de controlona periferia da cidade no sábado.Os peregrinos rumavam a uma

mesquita xiita no movimentadobairro de al-Zubair, na zona oesteda cidade de Basra. A mesquita al-berga um santuário do século sé-timo.- Não reconheço essa voz. É nova?- Não. Vinha no pacote original. Tué que randomizaste.- Eu? Quando?- Há pouco, quando tocaste no ecrã.- Gosto mais da outra voz. Podes

continuar?- Uma explosão atingiu uma

procissão religiosa xiita,- Não, essa não. A que usastehoje de manhã, quando recu-peraste o meu sonho.- Essa é a voz de citação - ma-tando 14 pessoas e ferindo20, na região central daprovíncia de Punjab no Pa-quistão, - vês a diferença?- Lê como quiseres.- segundo fonte da polícia

local. A explosão atingiu osparticipantes na procissão no

bairro de Rahim Yar Khan,onde os xiitas assinalavam o qua-

dragésimo dia de luto pela mortedo Imã Hussein, neto do profetaMaomé. Os feridos foram levadospara hospitais locais, disse umagente da polícia. Outro agentedisse à agência de notícias Associa-ted Press que os participantes naprocissão começaram a atirar pe-dras- Podes parar. Já volto.- Duche matinal? Morning shower?Douche du matin? La doccia mattu-tina? contra a polícia após a explo-são. A polícia teve de usar gáslacrimogéneo para controlar amultidão.

soltas28 de fevereiro de 2012 | terça-feira | a cabra | 21

sintetizaDor De vozPor manuel Portela miCro-Conto

dias passados, não hágrande história paracontar sobre o que sepassa na academia.

Parece que estamos em época deexames... ou, pior, em Agosto!Parece que a comunidade uni-versitária decidiu estender a to-lerância de ponto carnavalescade forma a estimular a economialocal, entulhando a oferta de es-tabelecimentos nocturnos coim-brões de matrafonas emeretrizes.

Há gente sobre a qual eu nãotenho a mínima dúvida quetomou tal opção. A direção geral(tinha de ser), à laia de funcio-nário público (essa corja res-ponsável pela crise), decidiu quedesta feita o tradicional corsocarnavalesco que tinha lugarentre as rotativas e os grelhadosficaria para outra terça-feiragorda. Isto porque a malta queré divertir-se bué com os douto-res que são buéda amigos meus,e toda a gente sabe que a novaementa dos restaurantes univer-sitários não é amiga da elegân-

cia.Como manda a troika, bora lá

então concessionar a coisa... Pa-rece que agora está “in”, o úl-timo grito em Atenas... até asgrandes empresas o fazem... aREN e a EDP.

Aqui na Padre António Vieiraesta é só mais uma concessão,ninguém nota... vai o corso ave-nida abaixo... até ao andar maisbaixo do Avenida. Aqui no Thea-trix, que rima com Asterix, nemé preciso fingir que se trabalha,como quando a festarola era lános grelhados, há quem trate detudo por nós e cada qual podededicar-se em regime de exclu-sividade ao seu papel de diri-gente associativo, que nestereduto gaulês, consiste tambémem encher a cara de poção má-gica.

E há ainda outra vantagem!Por detrás desta paliçada, está-se bem mais seguro... que aquiloali para os lados dos jardins daAAC anda um bocado bravo, equalquer romano puxa do gládiopara resolver uma disputa de

sangue, e vai na volta, entre ade-reços de plástico e as versõesreais, em tempos de entrudo lápoderia entrar um cowboy deSmith & Wesson no coldre, umBruce Lee de matracas de borra-cha ou um careto de Lazarim abadalar para cima das moçasnamoradeiras.

No entanto, há duas coisasque não posso deixar passar sem

referência e que estão, de certaforma, relacionadas, e que pare-cem brincadeira, mas não são.Nomeadamente, a proposta queo deputado do CDS-PP AdolfoMesquita Nunes anunciou, paraa criação de um ranking de em-pregabilidade entre cursos e ins-tituições universitárias. E... ainiciativa das juventudes parti-dárias dos partidos da coligação

governamental, de incrementa-rem a sua actividade nas facul-dades da nossa belauniversidade, pela via da consti-tuição de núcleos de estudantessocial-democratas, num caso,como também através da pro-moção de debates partidáriossobre a acção social, no casomais popular, com a ampla pre-sença de dirigentes estudantisbem como de personalidades daprimeira água da blogosferaacadémica.

A relação é aparente! Paraeste ranking de empregabili-dade parece-me que também seutilizará como indicador o nívelde caciquismo, o grau de ta-xismo e os “jobs for the boys”.Será que os cargos remuneradosna academia também contam?Poderá alguém ser “seccionistaprofissional”, “dirigente a tempointeiro” ou “comissário comcontracto a termo incerto”?

Há que ter fé.

monumentais PanaDos soCiaisPor Doutorando Paulo fernando • facebook.com/paulofernandophd

15D.r.

De rankinG em rankinG até ao Dia Do Juízo final

Poeta do som, da imagem, da tec-nologia. Investigador. tradutor.

Várias são as vozes que orientam oseu curso artístico, por analogia à suaescrita. licenciado em línguas e lite-raturas modernas pela Faculdade deletras da uC, é professor na mesma.Foi director do tagV entre 2005 e2008. Publicou em 2003 o Comércioda literatura: mercado e representa-ção. ousou a digitalização da litera-tura e não descurou a sátira. ao tentarfazer o balanço entre arte e arte demassas, aceitou o desafio de aliar ainovação ao paradigma da literatura.Criou diversos programas de ensinonas humanidades digitais, como é ocaso do sítio diglitWeb (2005-2009).

debruçado sobre a história socialda produção literária foi desaguar àcultura digital. embalado pelas po-tencialidades do hipertexto e da “ico-nicidade maleável dos pixéis”,decidiu fazer do computador instru-mento da sua arte, criando poemasanimados. transformar um passado li-terário em representações mais com-plexas, “formulando novas questõesa partir do que o processo de visua-lização torna visível”. uma novaforma de pesquisa.

Ana Francisco

manuel Portela

-P

Ilustração Por tIago dInIs

opinião22 | a cabra | 28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Cartas ao diretorpodem ser

enviadas para

[email protected]

Na semana passada duas notí-

cias deixaram-me particular-

mente transtornado. A subida da

taxa de desemprego jovem para os

35,4% e a notícia de que apenas

um em cada quarenta jovens em-

pregados tem um salário superior

a 900 euros.

Afinal o que está a correr mal?

Tudo. A começar pela política da

tutela. Habituámo-nos há já

algum tempo à palavra austeri-

dade que, de quando a quando,

vem tirar mais alguma coisa, nem

que seja o entrudo.

Mas e a economia? Alguém

acredita que políticas de austeri-

dade levam um país para a frente?

Obviamente que o tornam menos

gastador, mais poupado, cumpri-

dor do défice, etc. Mas do outro

lado da moeda ficam as famílias

sem poder de compra, a carga fis-

cal aumenta para todos e, quando

olhamos à volta, a economia não

funciona, as empresas fecham, os

desempregados aumentam e o

nosso “Estado Social” não conse-

gue responder. Urgem políticas

que apontem um caminho para a

economia do país e que combatam

o desemprego de frente. Propos-

tas concretas que agilizem e ani-

mem os tecidos, que dêem

confiança a quem quer investir e

arriscar. Medidas que visem criar

emprego, ponto final.

Não deixa de ser curioso que a

geração “mais qualificada de sem-

pre” é a que é afetada pelos nú-

meros que referi. Há quem se

ponha a pensar: isto é porque há

cursos a mais para o mercado de

trabalho que temos. Já o disse vá-

rias vezes: acho necessária uma

reestruturação da rede de Ensino

Superior, mas esta não é a grande

questão. Se esse argumento fosse

minimamente válido teria que ex-

plicar porque é que há 10 e há 5

anos não era assim, quando as di-

ferenças na rede não são assim

tantas. Apesar de, como disse, a

rede precisar de ser repensada,

temos é mercado de trabalho “a

menos” para os ativos que forma-

mos. Leva-nos ao mesmo: medi-

das que visem criar emprego.

Ponto final. A Irlanda que esteve

numa situação idêntica à de Por-

tugal, apresentou um “Action Plan

for Jobs” que visa criar 100.000

empregos nos próximos quatro

anos. Não será hora de deixar de

ter a bússula apontada apenas

para a questão financeira e olhar

para aquilo que o país pode fazer

por ele mesmo para crescer?

Mas também os próprios jovens

têm um papel decisivo nesta ques-

tão. Hoje, tirar apenas um curso

muitas vezes não basta. A ideia

confortável com que muitos de

nós crescemos, de que os nossos

pais tinham um emprego para a

vida, já não existe. Ter o canudo,

enviar currículos e ficar à espera

não chega. A competitividade

assim não o deixa e ela saltou há

muito as nossas fronteiras. A for-

mação extracurricular, seja em

que área for, deve ser aproveitada

de forma a ser um complemento à

formação e ao mesmo tempo um

diferenciador. A mentalidade do

jovem também pode fazer a dife-

rença - espírito empreendedor,

vontade de inovar e arriscar são

vantagens para a pessoa e para o

país.

Por fim, o último ponto do

“tudo” que disse que estava mal:

os interlocutores dos jovens. Os

trabalhadores, os professores, os

médicos, etc., têm interlocutores

bem definidos com estratégias

bem delineadas e um raio de ação

conhecido. E a juventude? Não

deveria ser numa altura destas

que as associações académicas, as

juventudes partidárias e outras

estruturas se deveriam assumir

como verdadeirs porta-vozes dos

jovens portugueses? Há um ano,

o movimento “Geração à Rasca”

provou isso mesmo, que se care-

cia de interlocutores para esta ge-

ração. Mas lá está, não tendo sido

algo com estruturas por trás, aca-

bou por se desvanecer. Penso que

as estruturas que falei devem fazer

uma pausa e refletir sobre o mo-

mento que estamos a atravessar.

Talvez seja tempo também de dei-

xar para outro plano desentendi-

mentos crónicos e assumir-se

uma causa comum: os 35,4% de

jovens desempregados, os 80%

que ganham abaixo de 600 euros,

o único que em quarenta ganha

mais de 900. Juntem a isto o nú-

mero de abandonos do ensino su-

perior e os números da emigração

e terão o diagnóstico feito da ver-

dadeira crise que Portugal atra-

vessa, a crise do futuro. Porque

estes dados são o espelho do ama-

nhã do país e, enquanto a imagem

não for outra, duvido que deixe-

mos de ser mais do que o Portugal

que somos hoje.

*Presidente da direção-geral da

Associação Académica de Coim-

bra

não deveria ser numa altura destas que as associações académicas,as juventudes partidárias e outras estruturas se deveriamassumir como verdadeiras porta-vozesdos jovens portugueses?”

“alguéM acRedita que políticas de austeRidade levaM uM país paRa a fRente?”RicaRdo MoRgado*

A Cabra errou: Na edição 240, na

crítica ao livro “Canções Mexicanas”,

de Gonçalo M. Tavares, o texto foi

erroneamente assinado por Nicole

Inácio, em vez de por João Miranda.

Ao lesado, o nosso pedido de des-

culpa.

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d.r

opinião28 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 23

Secção de Jornalismo,

Associação Académica de Coimbra,

Rua Padre António Vieira,

3000 - Coimbra

Tel. 239821554 Fax. 239821554

e-mail: [email protected]

Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas Multimé-dia Ana Francisco, Catarina Gomes Editores Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando Sá Pes-soa (Desporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido(Mundo), Carlota Rebelo (Fotografia) Secretária de Redação Mariana Santos Mendes Paginação Inês Amado daSilva, João Miranda, Rafaela Carvalho Redação Joana de Castro, João Valadão, Paulo Sérgio Santos Fotografia AnaMorais, Camilo Soldado, Carlota Rebelo, Celine Braga, Daniel Alves da Silva, Daniela Silva, Fernando Sá Pessoa, InêsAmado da Silva, Joana Cabral, Rafaela Carvalho Ilustração Ana Beatriz Marques, Tiago Dinis Colaborou nestaedição Catarina Pedro, Celine Braga, Inês Felipe, Joana Cabral Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Mi-randa, João Ribeiro, João Terêncio, João Valadão, José Afonso Biscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos,Luís Luzio, Pedro Madureira, Pedro Nunes, Rafael Pinto, Rui Craveirinha Publicidade João Gaspar 239821554;917011120 Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: [email protected] 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade As-sociação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, Rui Alarcão, Serviços de AcçãoSocial da Universidade de Coimbra, Manuel Portela

editoRial

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adiaMentos vaRiáveis, pRobleMas constantes

Um mês depois da tomada de posse, ainda não se viu muito da direção

geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) no que a ações

concretas toca. Com a primeira Assembleia Magna (AM) à vista torna-

se difícil fazer um balanço do primeiro mês. Isto não implica que o trabalho

não tenha sido feito e é inegável o mérito da organização de iniciativas como

a Semana Zeca Afonso.

Não obstante, os problemas atuais não se afiguram propriamente como uma

novidade. Infelizmente, têm vindo a ser problemas intemporais porque se vão

arrastando e renovando. As bolsas vão sendo atribuídas lentamente, com atra-

sos significativos e em pouca quantidade. Chegamos, então, àquela altura do

ano de transição de direção geral, em que há uma nova equipa, e os dirigen-

tes associativos sustentam a necessidade de negociar.

Para quem já assistiu, no ano passado, à redução drástica do número de

bolsas atribuídas, que levou a um êxodo sem igual memória do ensino supe-

rior público, esta aparente predisposição para o gabinete pode parecer inin-

teligível. Argumente-se que que tanto governo, como ministro mudaram.

Contraponha-se então que este executivo já deu provas suficientes na imple-

mentação de medidas que aumentam, para além do verosímil, a fragilidade

tanto dos estudantes como das instituições de ensino superior. Indiferente aos

apelos de reitores, administradores dos serviços de ação social e presidentes

de associações académicas, a tutela merece uma resposta firme, que não se

fique por simbolismos.

Se é um dado adquirido que a DG/AAC está vinculada ao que foi assumido

pela anterior direção no Encontro Nacional de Direções Académicas, certo é

que o órgão máximo dos estudantes de Coimbra é a AM.

No caso do Observatório da Cultura da Universidade de Coimbra

(OCUC), seria bom sinal que se estivesse a falar de apenas um mês. Re-

cuamos até ao ano de 2010, era então Fernando Seabra Santos reitor

e Miguel Portugal o presidente da DG/AAC. Da ideia à aprovação

pouco foi e, em dezembro de 2010, o estatuto para o estudante integrado em

atividades culturais no âmbito da UC e AAC foi anunciado. Faltaria apenas

afinar o OCUC… Um ano depois, com uma nova reitoria, poucas serão as cir-

cunstâncias que desculpem tamanha delonga. Não se entende como é que o

OCUC demorou tanto tempo a ser formado, penalizando o estudante, que ape-

nas poderá beneficiar do estatuto na época especial de exames do segundo

semestre.

Também na hora da submissão das candidaturas, as secções tiveram pro-

blemas e os dados requeridos não correspondem às particularidades de cada

uma. O que à partida seria um bom princípio, pode tornar-se um estatuto mal

regulado, se as especificidades não forem tidas em conta.

Camilo Soldado

indiferente aos apelos de reitores, admin-istradores dos serviços de ação social e

presidentes de associações académicas, a tutelamerece uma resposta firme, que não se fique porsimbolismos”

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acabra.netRedação:Secção de JornalismoAssociação Académica de CoimbraRua Padre António Vieira3000 CoimbraTelf: 239 82 15 54

Fax: 239 82 15 54e-mail: [email protected]

Conceção e Produção:Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

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Mais de um ano depois, o Obser-vatório da Cultura da UC (OCUC)está, finalmente, ativo. Contudo,muito se pode indagar acerca do queandou o observatório a fazer du-rante mais de um ano, pois decorriaainda o mandato do reitor SeabraSantos e o estatuto de estudante in-tegrado em atividades culturais játinha sido aprovado. Entretanto, aequipa reitoral mudou, é certo, masnão justifica tal demora na consti-tuição do OCUC. Em consequênciadeste funcionamento tardio, os es-tudantes que se dedicam a divulgara cultura da UC e da AAC não vêmreconhecidos de maneira correta oseu esforço.

I.B

Desporto Escolar OCUC Marrocos

O dinheiro, já se sabe, vai fal-tando, e a educação não é exceção àregra. Há professores que chegam aadiantar do próprio bolso o dinheiroque é preciso para o transporte dosalunos. Como consequência, che-gam-se a marcar jogos que, por faltade verbas, não se realizam. A juntara isto, existe um funcionamento de-ficiente dos organismos que deve-riam mediar estas questões, como oDREC e o CAE. É necessária umareestruturação, para que não se façadesporto escolar só porque sim, casocontrário poderá acabar o projetoque visa proporcionar desporto aosjovens que não o podem ter de outromodo.

F.S.P

O conflito entre o Reino de Marro-cos e a ex-colónia espanhola do SaaraOcidental parece estar um pouco es-quecido. Quer por parte das Organi-zações Internacionais que não semostram interessadas com as nego-ciações para a resolução do litígio oupreocupadas com os direitos huma-nos continuamente violados, quer porparte da comunicação social que emoutros tempos já lhe deu mais desta-que. No entanto, apesar de esquecido,este é um conflito que permanece eque devia pressupor a intervençãodessas mesmas organizações. Salva-guarda-se contudo a intenção da Am-nistia Internacional, que promete nãocruzar os braços face a esta situação.

M.G

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Jornal Universitário de Coimbra

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Recantos de coimbRa por Joana Cabral babo 200

x 100Quantas vezes te perdeste nas

ruas? Alguma vez saíste de casa sópara passear, explorar a cidade que teacolhe como se fosses dela? Comopodes dizer que levas contigo segre-dos desta cidade se nunca desbra-vaste as ruas estreitinhas?

É tão bom sair de casa sem destino.Só por passear e conhecer. Ver os ver-dadeiros conimbricenses sentados àporta de casa, sempre com um “bomdia” para oferecer a quem quer quepasse. Descobrir os recantos e segre-dos da Cidade dos Estudantes quedizes amar. Poder fazer um caminhodiferente todos os dias por conhece-res todas as escadinhas, pátios e re-cantos.

Devias fazê-lo. Perder-te nessasruas inundadas de sol e histórias.Ouvir o que elas têm para te dizer ever o que elas te querem mostrar. Co-nhecer esse mundo paralelo ao aca-démico. Respirar Coimbra, viverCoimbra, ser Coimbra.