edição 2 - revista literação

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Segunda Edição da Revista Literação do curso de Biblioteconomia

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L!ter Aco ~1edio 2 ano 1

Revista

PRODUES de alunos PROJETOS Do curso de Biblioteconomia da UFC ENTREVISTA com o contador de histrias Francisco Gregrio Filho ARTIGOS Fabiano Seixas Fernandes Jefferson Veras Nunes Ldia Barroso Gomes Margarida Pontes Timb MATRIA O Curso de Biblioteconomia da UFC comemora 47 anos de existncia RESENHAS DE LIVROS para voc ler durante o semestre

| Revista LiterAo

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ARTIGOS

EditorialPrezados Leitores, com grande satisfao que apresentamos o lanamento de mais um fascculo da Revista LITERAO. Neste nmero trazemos quatro artigos: o primeiro resultado da palestra do Prof. Fabiano Seixas no Seminrio Filosofando sobre Leitura, realizado pela turma do 2 semestre 2010.2 da disciplina Teoria e Prtica da Leitura do Curso de Biblioteconomia. O artigo, Imaginando o Impossvel, traz reflexes do filsofo David Hume sobre imaginao e impossibilidade utilizando a literatura, especificamente a poesia, na perspectiva de que o impossvel imaginvel e, quem sabe, motivador de novas (re)criaes. Texto bastante instigante para reflexo. O segundo artigo, A Cincia da Informao e seus Paradigmas Dominantes: breves reflexes epistemolgicas, do Prof. Jefferson Veras, tambm palestra do seminrio j referido, traz um debate epistemolgico sobre a Cincia da Informao, com o intuito de apresentar os paradigmas clssicos e contemporneos que a norteia, sob a tica de Rafael Capurro, e sua relao com as demais reas do conhecimento. So consideraes significantes para uma maior compreenso do que podemos entender sobre CI. O terceiro artigo, A Leitura Literria e a Formao do Leitor Consciente, das autoras Ldia Gomes e Odalice Silva, enfatiza a importncia da leitura literria como possibilidade para a formao do leitor, assunto dos mais significativos quando falamos de leitura, haja vista existir uma relao significante da literatura com o meio social, e a grande dificuldade que se apresenta, em todos os nveis educacionais, na construo de leitores cidados. O quarto, A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFC, apresenta o valor da memria cultural do escritor cearense, atravs de fotografias, objetos pessoais, rascunhos, livros etc., ressaltando a importncia de preservar e divulgar o acervo do autor cearense como parte da memria do Cear. Na seo Entrevista tivemos a grata satisfao de contar com Francisco Gregrio Filho, contador de histrias, que nos apresenta um pouco da sua histria de vida, da sua construo como leitor e a influencia dos avs para o desenvolvimento desse contador de histrias que encanta enquanto conta. Mais tivssemos avs que contassem histrias e mais teramos leitores e contadores de histrias. Contamos, ainda, com uma matria sobre os 47 anos do Curso de Biblioteconomia, por Jeane Reis e Socorro Soares, e uma segunda sobre Por que escolhi Biblioteconomia? de Cyntia Chaves, que vem nos mostrar que nem sempre as nossas escolhas do certo, preciso que sejamos escolhidos e encontremos satisfao pessoal para seguir adiante. Trazemos, ainda, notcias dos nossos projetos de extenso e a seo de Entretenimento com alguns contos, resenhas de livros e as interessantes Bibliotiras. Desejamos a todos uma tima leitura, esperando sempre contar com a divulgao e sugesto de novos trabalhos.Ftima Araripe

Imaginando o ImpossvelFabiano Seixas Fernandes

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EquipeCOORDENAO Profa. Dra. Ftima Araripe COLABORAO Prof. Hamilton Tabosa EDITORAO Amanda Alboino TEXTOS Gnesson Johnny L Santos Jeane Reis Socorro Soares Amanda Alboino Shllida Arajo Aline Lima Maria Ilana Jamile Teixeira Mrcia Nepomuceno REVISO Shllida Arajo e Gnesson Johnny L Santos IMAGENS Amanda Alboino Carlos Augusto Pinheiro

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A Cincia da Informao e seus Paradigmas Dominantes: Breves Reflexes EpistemolgicasJefferson Veras Nunes

A Leitura Literria e a Formao do Leitor ConscienteLdia Barroso Gomes

A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFCMargarida Pontes Timb

ENTREVISTA

Entrevista com Francisco Gregrio Filho, o contador de histrias Arvoro

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* Algumas imagens foram obtidas na web sem o nome de seus autores

MATRIA

O Curso de Biblioteconomia comemora 47 anos de existncia Por que escolhi Biblioteconomia?

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COLABORAO PJ Brando Camila Rabelo Carlos Augusto Pinheiro BOLSISTAS Aline Lima Amanda Alboino Gnesson Johnny Jeane Reis Socorro Soares Shllida Arajo APOIO Imprensa Universitria

PROJETOS

Clube da Leitura Ler para crer Onda Ler Ouvindo Histrias

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CONTATOS (crtica, sugestes, elogios ouenvio de textos)

[email protected] PGINAS DA WEB www.revistaliteracao.ufc.br www.twitter.com/literacaoufc www.facebook.com/Literacao

ENTRETENIMENTO

Pginas em Branco

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4 ARTIGOS

Imaginando o ImpossvelFabiano Seixas Fernandes1

INTRODUO Antes de mais nada, gostaria de solicitar que a reflexo a seguir fosse encarada como algo experimental. Gostaria de pr prova uma antiga intuio minha, combinando-a a uma antiga certeza filosfica alheia. A primeira diz respeito ao efeito da literatura (ou, ao menos, de dados procedimentos costumeiramente computados como literrios) em nossa capacidade de compreenso do mundo; a segunda diz respeito a uma limitao dessa mesma capacidade. Gostaria de investigar at que ponto certa declarao do filsofo escocs David Hume acerca da relao entre imaginao e impossibilidade pode ser desafiada pelo que intuo como uma expanso em nossa faculdade imaginativa, proporcionada por determinados procedimentos literrios relacionados combinao de ideias contrrias ou opostas. Portanto, nosso trajeto a cumprir ser o seguinte: gostaria de analisar alguns exemplos poticos da combinao de ideias contrrias ou opostas. Antes, porm, ser necessrio definir (ainda que provisria ou tentativamente) imaginao; como subitem dessa definio, explanarei a opinio de David Hume acerca do conceito, com nfase na relao que estabeleceu entre o imaginvel e o possvel; a seguir, ser necessrio estabelecer alguns parmetros de anlise; ento, poderei passar ao comentrio de trs exemplos poticos do uso de ideias contrrias ou opostas. 1 O QUE IMAGINAO ? Brevemente, a imaginao pode ser definida como a capacidade mental de receber, vislumbrar e manipular imagens. Uma imagem seria como o retrato mental feito a partir de nossa experincia do mundo: o que vemos ou ouvimos grava-se em nossa memria, de modo que podemos no s reconhecer as pessoas, mas invocar mentalmente sua aparncia e sua voz quando no esto presentes. Quando simplesmente evocamos uma imagem (por exemplo, o retrato mental que temos de nosso quarto ou de algum conhecido), acreditamos que corresponde a algo real, externo a nsque exprime, portanto, alguma verdade acerca do mundo que conhecemos. Nesse caso, as imagens esto relacionadas memria.

RESUMO: O presente artigo se prope a verificar, atravs da literatura, a pertinncia da opinio do filsofo escocs David Hume acerca da relao entre impossibilidade e imaginao; segundo Hume, o absolutamente inconcebvel tambm absolutamente impossvel. Algumas construes poticas compostas pela conjuno de idias contrrias ou opostas foram analisadas, com o objetivo de verificar at que ponto possvel formar delas representao mental visual e/ou lingstica. A fim de empreender a anlise, uma tipologia das estratgias literrias de conjuno entre idias contrrias ou opostas foi esboada. PALAVRAS - CHAVE: Literatura. Imaginao. Impossibilidade. David Hume.

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Fabiano Seixas Fernandes possui graduao em Licenciatura em Letras: Ingls (1999) e Doutorado em Literatura (2004), ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atuou como Professor Substituto na mesma instituio (2008-9). Atualmente, professor de Lngua Inglesa e Literatura da Universidade Federal do CearTexto extrado do Currculo Lattes

ABSTRACT: The present article undertakes (with the help of literary examples) an examination of Scottish philosopher David Humes opinion concerning the relation between impossibility and imagination; according to Hume, that which is absolutely inconceivable must be also absolutely impossible. Some poetic constructions conjoining contradictory or opposing ideas were analyzed, with the intent to verify to what extend they would yield visual and/or linguistic mental representations. A typology of the literary strategies for conjoining contradictory or opposing ideas was sketched as support for our analysis. KEYWORDS: Hume. Literature. Imagination. Impossibility. David

Quando, porm, manipulamos diferentes retratos mentais (por exemplo, quando discorrem em nossa mente cenas que nunca ocorreram ou criamos pessoas que nunca existiram, tal como ocorre em sonhos), estamos exercendo o que propriamente conhecemos como imaginao: uma faculdade criativa a partir de imagens. Como ocorre no caso da memria, percebemos mentalmente objetos que no esto fisicamente presentes; ao contrrio do que ocorre no caso da memria, no acreditamos nas imagens criadas desse modoquer dizer, sabemos que no esto realmente presentes, e que tampouco correspondem a alguma realidade externa pontual e definida. Essa , em linhas gerais, a viso aristotlica do conceito. Ao longo da histria da filosofia, maior ou menor nfase foi dada a esse ou quele seu aspecto, mais ou menos funes lhe foram delegadas, mas essa definio permanecer a base de quanto disseram filsofos subseqentes a seu respeito. Nossos interesses, contudo, compelem-nos a visitar um segundo momento da histria da filosofia, para examinarmos o que disse David Hume acerca da imaginao. Assim como Aristteles, Hume comea por distinguir entre memria e imaginao. Para Hume, tanto uma quanto outra dependem das ideias (que, em Hume como em outros filsofos, parece ser termo sinnimo ou substituto de imagem) que so geradas atravs de nossa experincia sensvel. Enquanto, porm, a memria se restringe a reproduzir as seqncias e combinaes de ideias tais quais as recebemos, a imaginao as pode reorganizar e transformar. Para Hume, porm, ambas as faculdades podem se confundir possvel no estarmos certos se vivenciamos algo ou meramente o imaginamos, e crermos piamente na realidade dos sonhos enquanto sonhamos, pois a diferena entre imaginao e memria deriva de um maior grau de vivacidade na segunda. Assim, para Hume, a inculcao pode intensificar a vivacidade de uma ideia por ns gerada, fazendo-a passar por memria; tambm pode ocorrer que, conforme nos distanciamos do que lembramos, a memria perca vivacidade, tornando-se indistinguvel da imaginao (Treatise of human nature 1.3.5). Embora no esteja seguro quanto ao critrio apontado por Hume para distinguir entre uma faculdade e outra, importanteARTIGOS | Revista LiterAo

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ressaltar que o problema real. Reflexes e pesquisas mais recentes acerca da memria nos levam a concluir, por exemplo, que esta no necessariamente funciona como um depsito onde armazenamos imagens distintas s quais podemos recorrer vontade. Em primeiro lugar, h o problema do que constituiria uma imagem. Por exemplo: o retrato mental que fazemos de qualquer amigo nosso incluir um retrato mental de sua cabea; quantos retratos mentais seriam necessrios para retratar toda a cabea desse amigo? Como estariam conectados? Estariam armazenados junto s demais imagens que compem meu amigo, ou s demais cabeas de que me lembro? Tambm, de onde viria nosso retrato mental que corresponde ao conceito de cabea? Possumos mesmo representaes imagticas abstratas de conceitos que tm um forte componente sensvel? Essa uma conhecida disputa entre os empiristas. Finalmentee no obstante a vivacidade que Hume atribui memria, pense-se em como so apagadas e imprecisas as representaes visuais que somos capazes de trazer mente. Certamente, reconhecemos muitos mais traos e detalhes em nossos amigos quando os vemos do que somos capazes de recuperar quando deles nos lembramos. Pergunto-me se essa deficincia em nossa recuperao de imagens poderia ter relao com outro importante componente das pesquisas atuais em memria: a atual nfase filosfica e psicolgica no mais visual (como no caso das imagens), mas lingstica. Tanto nossa categorizao quanto nossa reteno de traos sensveis podem ser afetadas pela proeminncia cognitiva da linguagem articulada. No necessrio que me lembre de cada detalhe de meu cachorro: sei o que so cachorros (sei reconhec-los, desenhlos, ainda que mal, e descrev-los), sei quais partes os compem; talvez esse conhecimento (prvio nossa adoo de um cachorro como animal de estimao), por assim dizer, abrevie a preciso de nossas representaes visuais mentais. Esse jogo se torna ainda mais complexo se percebermos que uma mesma imagem pode ser (e normalmente ) categorizada variamente: o conceito/imagem a cabea de meu amigo pode pertencer a diversos conjuntosque nem sempre permitiro ser representados visualmente: o das cabeas de meus outros amigos, o de cabeas humanasRevista LiterAo | ARTIGOS

em geral, o de cabeas de outras formas de vida, etc. Como se v, o conceito de memria como armazenamento parece no lidar muito bem com a possibilidade da multi-categorizao de nossas ideias, nem com o fato de que no simples a tarefa de encontrar unidades conceituais/visuais mnimas, indivisveis. Em conseqncia das ressalvas feitas, tende-se atualmente a abandonar metforas armazenais para a explicao da memria e se lhe atribuir um papel recriador muito forte. Lembrar no simplesmente resgatar, mas, em certa medida, reorganizaro que pode, sim, induzir ao exagero e ao erro. Hume, portanto, parece intuir corretamente uma certa zona de indefinio entre lembrar e criar. Mesmo assim, no podemos negar que, apesar da real importncia de nossa compreenso lingstica do mundo, as imagens parecem ter papel cognitivo fundamental. Quando estudamos determinados conceitos abstratos, comum recorrermos a tabelas, grficos ou esquemas de cores; essa recorrncia nos mostra tanto a fraqueza de nossa capacidade imagtica (no conheo ningum capaz de visualizar mental e precisamente um grfico) quanto nossa necessidade de concretizar o abstratode compreend-lo atravs de algum tipo de analogia plstica. Para o que nos interessa aqui, essas ressalvas mostram que, para tentarmos compreender a interpretao de recursos literrios, necessrio balancear o que pode ser compreendido plasticamente, e o que faz sentido proposicional. Assim, no que segue, conceberei imaginao no sentido mais amplo de alterao e ordenao consciente de ideias, sejam representadas plstica, sonora ou lingisticamente. Tentarei, porm, na medida do possvel, buscar uma interpretao visual, plstica, para metforas literrias que faam apelo ao sentido da viso. 1.1 Imaginao e impossibilidade Ao tratar dos conceitos de espao e tempo, David Hume nega sua indivisibilidade infinita. Para tanto, serve-se de argumentos que acabam definindo mais precisamente as caractersticas da imaginao. Ei-los abaixo:Wherever ideas are adequate representations of objects, the relations, contradictions, and

7agreements of the ideas are all applicable to the objects; [] The plain consequence is, that whatever appears impossible and contradictory upon the comparison of these ideas, must be really impossible and contradictory, without any farther excuse or evasion. Sempre que ideias representarem adequadamente objetos, as relaes, contradies e concordncias dessas ideias sero inteiramente aplicveis aos objetos; [] A evidente conseqncia que, quanto parea impossvel e contraditrio ao ser comparado a essas ideias ser realmente impossvel ou contraditrio, sem desculpa ou evasiva. (HUME: Treatise of human nature1) Tis as established maxim in metaphysics, That whatever the mind clearly conceives includes the idea of possible existence, or in other words, that nothing we imagine is absolutely impossible. We can form the idea of a golden mountain, and from thence conclude that such a mountain may actually exist. We can form no idea of a mountain without a valley, and therefore regard it as impossible. uma mxima estabelecida da metafsica a que afirma que quanto a mente conceba claramente inclui tambm a ideia de sua possvel existncia, ou, em outras palavras, que nada do que possamos imaginar absolutamente impossvel. Podemos conceber a ideia de uma montanha de ouro, e da concluir que tal montanha poderia de fato existir. No podemos conceber a ideia de uma montanha sem vale, e portanto julgamos que isso seja impossvel. (Ibid.) apparent counter-examples. It seems to me that I am incapable of imagining curved space-time, but I am reliably informed that it is not only possible but actual. Conversely, countless science fiction buffs have imagined traveling faster than light, which is supposedly impossible. Perhaps some version of the maxim can be saved by sufficiently ingenious maneuvers, probably including the restriction of its scope to some or other subspecies of possibility (perhaps it applies to logical, conceptual, or metaphysical, but not to physical possibility) []. A mxima de Hume [correspondente a nossa 2a citao] , contudo, bastante questionvel. Ainda que abundem exemplos favorveis, tampouco difcil elencar aparentes contra-exemplos. Pareceme que sou incapaz de imaginar um contnuo espao-tempo curvo, mas sei de fontes fidedignas que isso no s possvel, mas real. Entretanto, inmeros volumes de fico cientfica imaginaram viagens cursadas acima da velocidade da luz, o que supostamente seria impossvel. Talvez alguma verso da mxima possa ser salva por argidores suficientemente engenhosos, provavelmente atravs da incluso de restries de escopo para uma ou mais subespcies de possibilidade (talvez seja aplicvel somente a possibilidades lgicas, conceituais ou metafsicas, mas no fsicas) []. (THOMAS: 2004, online)

Cada uma das passagens acima mostra que, para Hume, a capacidade de manipulao imagtica um critrio para determinar impossibilidades e contradies. Uma representao mental conforme ao objeto que representa evidenciar todas as falhas e contradies deste; se a falha de tal maneira crucial que torna a existncia desse objeto invivel, como parece ser o caso de construtos mentais como uma montanha sem vale ou gua seca, ento o objeto seria, alm de inexistente, inimaginvel. Podemos express-lo lingisticamente, mas a mente no conseguiria, segundo Hume, tecer-lhe representao. Nigel Thomas, em seu verbete sobre imaginao para o Dictionary of Philosophy of Mind, v algumas possveis objees atuais a isso:Humes maxim is very questionable, however. Although examples that seem to favor it can be multiplied, it is also not hard to come up with

A meu ver, Thomas parece se precipitar em seus contra-exemplos. Em primeiro lugar, a mxima humeana afirma que impossvel o que no pode ser imaginado, mas da no se segue que tudo quanto possvel possa ser imaginado; Hume no se manifesta sobre o possvel ser inconcebvelo que torna o exemplo acerca do espao-tempo inadequado. (Quanto ao segundo exemplo, trataremos dele mais adiante.) Concordo, porm, com o fato de que ressalvas seriam necessrias mxima. Do modo como entendo que Hume a formulou, imaginar estaria restrito a imagens, e as impossibilidades a impossibilidades conceituais. Portanto, seria impossvel formar representao visual de gua seca, pois a gua precisamente o que deixa as coisas molhadas. Ainda assim, outras ressalvas de Thomas parecem apropriadas:It is, however, worth mentioning that the maxim has very little purchase if imagination is interpreted after the fashion of those who would deny its essential connection with imagery. Clearly we can pretend or mistakenly believe that impossible things are possible, and we suppose an impossibility every time we set up a sound reductio ad absurdum proof.

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, contudo, digno de meno o fato de a mxima ser de pouca monta se a imaginao for interpretada maneira dos que lhe negam conexo essencial com imagens. Claramente, podemos fingir ou erroneamente acreditar que coisas impossveis so possveis, e supor impossibilidades sempre que elaboramos uma bem-montada prova do tipo reductio ad absurdum. (Ibid.)

* Lingstico, conceitual ou semntico3. Modo amplo. O enunciado permite ao leitor parafrase-lo (mentalmente) por meio de palavras. Por sua vez, a concorrncia de ideias contrrias ou opostas poderia ocorrer em trs nveis: * Contraste. Nvel mais fraco. Aproximao de conceitos contrrios ou opostos sem que um altere o outro. Passvel de parfrase visual e/ou lingstica. * Contradio. Nvel entre o mdio e o forte. Interferncia (mormente unilateral) entre conceitos contrrios ou opostos porm no mutuamente excludentes. Passvel de resoluo, e portanto de parfrase visual e/ou lingstica. * Impossibilidade. Nvel absoluto. Inter-ferncia (mormente unilateral) entre conceitos opostos ou contrrios mutuamente excludentes. No admitiria, segundo Hume, resoluo nem parfrase visual e/ou lingstica. A compreenso conceitual foi descrita como modo amplo, pois mais abrangente que a imagtica: em tese, qualquer enunciado compreendido imageticamente poderia tambm ser compreendido por conceitos expressos lingisticamentehavendo alguns casos, inclusive, nos quais a possibilidade de compreenso imagtica, embora exista, irrelevante. Nosso objetivo investigar se, de fato, a literatura capaz de produzir locues do terceiro nvel (ou seja, conceitualmente impossveis), a fim de verificar se isso impediria a compreenso de qualquer modo. 2.1 Exemplo 1 [Hippolyte :] Vous voyez devant vous un prince dplorable, Dun tmraire orgueil exemple mmorable. Moi qui, contre lamour firement rvolt, Aux fers de ses captifs ai longtemps insult; [] Par quel trouble [a] me vois-je emport loin de moi ? [b] Un moment a vaincu mon audace imprudente : Cette me si superbe est enfin dpendante.

Essa ressalva vem ao encontro do que disse anteriormente, e foi levada em considerao quando expus o conceito de imaginao com o qual trabalharei abaixo. Porm, ainda que nem todas as criaes imaginrias sejam essencialmente visuais, o problema de como compreendemos certos enunciados que implicam impossibilidade semntica ou lgica permanece sem soluo. Mesmo que no possamos visualizar gua seca ou um sol negro, o que de fato compreendemos ao nos depararmos com expresses semelhantes em poemas, contos ou romances? realmente verdade que as compreendemos? Caso negativo, o que acontece quando nos deparamos com elas, digamos, em um poema? 2 LITERATURA, CONTRADIO IMPOSSIBILIDADE E

[b] Depuis prs de six mois, honteux, dsespr, Portant partout le trait dont je suis dchir, Contre vous, contre moi, vainement je mprouve : [c] Prsente je vous fuis, absente je vous trouve ; [] [d] Maintenant je me cherche, et ne me trouve plus. [Hiplito:] Vedes vossa frente um lastimoso prncipe, De um temeroso orgulho exemplo memorvel. Eu que, contra o amor soberbamente oposto, De seus cativos insultei as correntes; [] Com que emoo [a] me vejo apartado de mim! [b] Um momento venceu minha audcia imprudente: Esta alma arrogante est enfim submissa. Em desespero, envergonhado, [b] h seis meses, Levando a toda parte o dardo que me fere, Contra vs, contra mim, inutilmente eu luto: [c] Presente, eu vos evito, ausente, eu vos encontro; [] [d] Agora eu me procuro e no me encontro mais. (Jean Racine: Phdre 2.3, ll.529-32, 536-42, 548. Trad. Joaquim Brasil Fontes. Grifos meus.) Em nosso primeiro exemplo, podemos ver um modo simples de manipulao de ideias contrrias ou opostas: em [b], as locues um momento/h seis meses pertencem a enunciados diferentes. Essas locues, por assim dizer, no se tocam: uma no predicado da outra, uma no redefine ou explica a outra. Entretanto, expressando ambas certa durao e opondo-se quanto ao trao [+singular]/ [+plural], sua justaposio gera o que acima foi chamado contraste. O momento singular em que Hiplito se apaixona discretamente comparado pluralidade temporal do sofrimento que disso resultou. Segundo o mtodo aqui empregado, parece-me que seria mais fcil visualizar um momento (ou seja: uma cena) que seis meses. No obstante, o contraste semntico, e sua base visual, caso a admitamos, praticamente irrelevante para

Passemos segunda parte de nossa investigao. Segundo Hume, a impossibilidade de que se imagine algo implica na impossibilidade de que exista; destarte, testaremos a compreensibilidade de alguns exemplos literrios do impossvel, a fim de verificar se so de fato incompreensveis, e, caso afirmativo, se isso implicaria impossibilidade de os traduzir para algum outro tipo de representao, visual ou lingstica. O mtodo empregado ser, por questes prticas e devido ao estado ainda inicial dessa reflexo, o da auto-auscultao: ao refletir sobre os exemplos abaixo, vejo em mim que esforos fao para resolv-los, levando inicialmente em conta seu sentido literal2. Antes, porm, de test-los, seria pertinente traar alguns parmetros de anlise. A compreensibilidade de uma imagem literria, segundo nosso conceito de imaginao, poderia ser verificada de dois modos: * Imagtico. Modo restrito. O enunciado permite ao leitor parafrase-lo (mentalmente) por meio de imagens.Revista LiterAo | ARTIGOS

a compreenso. Tambm [c] apresenta contraste semntico. Os elementos de cada par de conceitos presente/ausente, evitar(fugir)/encontrar encontram-se em enunciados distintos e no se interferem; o paralelismo sinttico entre os enunciados parece reforar que os comparemos e sintamos sua contrariedade. Mesmo assim, h de se convir que nada h de incoerente no verso: plausvel fugir de algum que se encontra presente, e reencontr-lo aps haver estado ausente (apesar de, aqui, Hiplito provavelmente querer dizer que reencontra a todo instante a lembrana de sua amada Arcia, e no a prpria). Os exemplos [b] e [c] foram aqui includos pela necessidade de se estabelecer algo como uma tipologia da contrariedade: nem todo uso de conceitos semanticamente opostos ou contrrios incoerente, ou beira ininteligibilidade. Por sua vez, os exemplos [a] e [d] apresentam construo mais complexa, sendo candidatos adequados verificao do postulado de Hume acerca da imaginao. Em [d], ocorre contraste semntico no par procurar/no encontrar. Porm, o tratamento de ambos os verbos como reflexivos (procurar a si mesmo/no encontrar a si mesmo) gera problemas em seu sentido literal. No se pode procurar aquilo de cujo paradeiro estamos cientes (procurar implica desconhecimento), muito menos se j estiver conosco (procurar implica a [aparente] ausncia do procurado); como estamos sempre conosco mesmos, em sentido literal, procurar e encontrar no atuariam como verbos reflexivos. Podemos, contudo, visualizar algum procurando algo; podemos mesmo nos visualizar buscando algo como nosso duplo ou nosso gmeo idnticoou seja, ao afrouxarmos o conceito de identidade (de unicidade para semelhana extrema fsica ou funcional), as proposies se tornam compreensveis. Temos aqui, portanto, um tipo cognitivamente menos radical de impossibilidade, que nossos parmetros iniciais no haviam previsto: a impossibilidade imagtica analogicamente compreendida. Emprestando algo de algum outro conceito ou imagem, um enunciado impossvel gera aparncia de compreenso. (Esse seria o caso do segundo exemplo de Thomas: imaginar viagens mais rpidas que a velocidade da luz. Essas viagens so concebidas analogicamente, a partir de nosso conhecimento quotidiano daARTIGOS | Revista LiterAo

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velocidade, e no de nosso conhecimento da velocidade da luzque, alm de pouco preciso na maioria dos casos, por demais abstrato e muito afastado de nossa experincia do que seja velocidade. Desse modo, a impossibilidade fsica dessas viagens no interfere em nossa imaginao delas. Se vlido, contudo, esse raciocnio estaria de acordo com a descrio de que a velocidade da luz inimaginvel.) Em nvel supra-literal, o problema tem soluo ainda mais simples: Hiplito fala, na verdade, de no se reconhecer mais: de estranhar suas aes e infelicidade atuais, incompatveis com o que anteriormente fazia e sentia. Assim, outro componente de nosso processo de fazer sentido de enunciados impossveis est na leitura do impossvel como expresso enftica ou dramtica do possvel como metfora, alegoria etc. Em [a], o mesmo tipo de expanso semntica ocorre com apartar: a rigor, ningum pode se apartar de si mesmo exceto quando, em nvel literal, operamos uma trapaa cognitiva e, em nvel supraliteral, partimos para interpretaes de outra ordem (por exemplo, apartar-se de uma parte fundamental de si mesmo). A sermos rigorosos com o postulado de Hume, [a] e [d] so literalmente impossveis; nossa capacidade interpretativa nos leva a buscar caminhos que os resolvam, portanto no os sentimos como tal. O que imaginamos no derivado diretamente do que lemos, mas de algum desvio interpretativo. Por enquanto, permanece vlido que o impossvel seja inimaginvel. 2.2 Exemplo 2Sou [e] o escravo que libertou o amo, [f] o discpulo que ensinou o mestre. Sou [g] a alma que ontem nasceu no mundo e [g] no mesmo instante criou este mundo vetusto. (Jalal ud-Din Rumi, Divan do Shams de Tabriz. Trad. Jos Jorge de Carvalho. Grifos meus.)

Temos aqui a estrofe inicial de um poema sufi. Em linhas gerais, a literatura mstica busca um meio de aproximao no-racional da Divindade: a razo considerada limitada ou inadequada, sendo a experincia direta do Divino uma melhor forma de conhecimento. Uma das estratgias do discurso mstico, portanto, o uso de figuras de linguagem contraditrias que, ao desafiar os limites daRevista LiterAo | ARTIGOS

racionalidade e da linguagem, abririam as vias para a iluminao. No caso de [e] e [f], vemos, como em [a] e [d], inconsistncias semnticas. Os predicados usualmente atribudos a amo e mestre (libertar e ensinar, respectivamente) foram atribudos a seus papis complementares. No caso de [f], temos uma contradio conceitual: apesar de ensinar ser o atributo principal do mestre e aprender o do discpulo, nada impede que o contrrio ocorra de vez em quando4 ; nada h de particularmente inconcebvel no ato descrito, apesar de sua quebra de expectativas. Alm disso, como em [b], a compreenso deve ser vista antes como conceitual, pois o fato de admitirmos algum tipo de cena mental relacionada a [f] seria de pouca monta para sua compreenso: poderamos, certamente, imaginar mestre e aluno sentados conversando, mas, a rigor, nada haveria nessa representao visual em si que evidenciasse se algum est aprendendo algo, ou quem. Atos so menos dceis representao visual que seres. O caso de [e] aparentemente mais complexo. Diferentemente da relao entre o trao [+ensinar] e os conceitos de mestre e discpulo (preferencialidade para o primeiro), o trao [+libertar] tem relao de exclusividade com o de amo (ou proprietrio de escravos): s quem possui outra pessoa pode libert-la. Conseqentemente, se o enunciado for tomado em sentido literal, temos uma impossibilidade conceitual. Como em [d], porm, h tambm aqui uma aparncia de compreenso: em nvel supra-literal, possvel imaginar que a liberdade concedida pelo escravo no do mesmo tipo que a liberdade que lhe concederia um amo: no se trataria de alforria, mas de liberao espiritual. [E] nos apresenta outro caso de impossibilidade semntica analogicamente compreendida. [G] no difere de [e]. A alma gerada dentro daquilo que ela prpria gera; causa e conseqncia de um mesmo fenmeno, sendo a conseqncia anterior causa. So feridos aqui dois princpios fundamentais da causalidade: sua unilateralidade e sua seqncia temporal. Segundo Hume, esse seria um exemplo claro de impossibilidadealgo que no pode ser concebido, e que portanto no existe. Porm, tambm [g] pode ser compreendido analogicamente; surpreendentemente, nossa cognio plstica teria grande importncia

para isso. No caso da unilateralidade causal, podemos, para compreender o enunciado, imaginar (visual e/ou lingisticamente) processos recprocos: o mais simples seria concebermos duas setas formando juntas um crculo, sendo que uma aponta para a parte traseira da outra, conforme a figura abaixo.

11No more applicants considered, Alas, alas Ran an animal unzoological, Without a fate, without a fact, Its private history intact Against the travesty Of an anatomy. Not visible not invisible, Removed by dayless night, Did it ever fly its ground Out of fancy into light, Into space to replace Its unwritable decease? Ah, the minutes twinkle in and out And in and out come and go One by one, none by none, What we know, what we dont know. Sim e no Cruza continente imaginrio (Pois descoberta inda no apto Sobre este planeta plenicapto Sem mais vaga a novos pretendentes Ai, ai) Correndo animal azoolgico Sem fato, sem fado, Seu secreto histrico intocado Frente impostura De uma anatomia. Nem invisvel, nem visvel, Remoto por noite sem dia, Percorreu j a via que conduz Do devaneio luz E ao espao para retraar Seu fim inescrevvel? Ah, cada minuto pisca e apaga, E so e no so e vm e vo, Uma a um, nenhum a nenhum, Quanto sabemos, quanto no. (Laura Riding Jackson)

Outras imagens teis seriam, por exemplo, a de duas pessoas se alimentando uma outra ou trocando presentes. Certamente, trata-se de uma transferncia invlida do ponto de vista estritamente semntico (o causal no pode ser recproco nem simultneo), mas que no entanto nos auxiliaria a ter a sensao de que a proposio compreensvel5. Tambm o problema da seqncia temporal analogicamente resolvvel. Sendo o tempo concebido metaforicamente a partir do espao , e podendo o espao ser representado graficamente, nada nos impede de inverter a direo do tempo mentalmente ou em um pedao de papel, representando-o mediante linhas e setas. Outro modo de compreendermos o aspecto temporal de [g] seria atravs da aplicao da reversibilidade de certos atos que se processam no tempo ao prprio tempo: ir e vir, enrolar e desenrolar, clicar os botes de refazer e desfazer de um processador de textos etc. Em ambas as solues, trata-se de um esforo de compreenso que desvirtuaria o sentido estrito do conceito de causalidade, mas que seria eficaz em nos auxiliar a sentir que compreendemos. Ao final das contas, conseguimos compreender os enunciados do poema de Rumi, e mesmo represent-los plasticamente. A sermos, porm, rigorosos com o que disse Hume, ainda no estou seguro de que [g] seria concebvel: analisamos como [g] foi montada, mas isso no garante que consigamos formar dela correlato lingstico ou visual literal. Hume ainda parece ter razo. 2.3 Exemplo 3Yes and No Across a continent imaginary Because it cannot be discovered now Upon this fully apprehended planet

Finalmente, passaremos anlise de um poema inteiro, cujo ttulo mesmo j parece convidar leitura contrastiva. Talvez as duas singelas palavras que o intitulam sim e noconstituam o par opositor mais elementar de todos: a afirmao e a negao, o positivo e o negativo, o existente e o inexistente. Normalmente, espera-se que entre o sim e o no haja possibilidade de escolha: ou sim, ou no. Mas no parece ser o caso. Aqui, a conjuno aditiva obriga sim E no a co-existirem. A primeira estrofe nos introduz a umARTIGOS | Revista LiterAo

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continente, inicialmente descrito como imaginrio. Em princpio, e em conformidade com o conceito de imaginao tal como acima proposto, imaginrio estaria oposto a real, mas vemos em seguida que no parece ser bem esse o caso: no imaginrio por no existir, mas por no podermos ter dele experincia direta (ainda). Novamente, contudo, a razo pela qual no podemos ter dele experincia se deve ao fato de que nosso planeta fully apprehended (plenicapto): o continente imaginrio, pois no h espao mais no mundo para que seja real. Ou seja, a cada nova linha, o adjetivo imaginrio muda de sentido: de imaginrio como criao da mente (nosso sentido elementar) para imaginrio como especulao sobre o possvel para imaginrio porque impossvel (invivel). Ao final, o estatuto desse continente pende para o irreal; no obstante, o advrbio ainda gera o pressuposto que talvez possa (vir a) existir. Falamos, portanto, de algo que est entre a fantasia e o desconhecido. Na segunda estrofe, descobrimos que a preposio across (que inicia a primeira), satlite do verbo ran. Quem run across (cruza correndo) o continente um animal azoolgico: um animal que no animal. Como nos primeiros exemplos, somos convidados por outra impossibilidade conceitual a buscar sentidos supra-literais: em que circunstncias um animal no seria uma animal? Um animal morto no mais um animal; um animal ainda no ovo ou no tero no ainda um animal; um animal imaginrio no bem um animal. De que modo nosso animal em particular escaparia sua classe? O restante da estrofe nos ensinar mais a seu respeito: fato, fado e histricoos trs atributos que lhe so relacionados, sendo dois negados e um pressupostopoderiam representar as trs instncias temporais: fado o que nos caber em sorte no futuro; fatos acerca de algo ou algum, se verdadeiros, pertencem ao presente (ao eterno presente); histrico claramente relacionado ao passado. Esse animal no tem presente nem futuro, e seu passado est intactointocado, ou seja, ainda no descoberto ou vasculhado. Como parte de um continente aqum da apreenso humana, esse animal tambm no pode (ainda?) ser apreendido. Sua histria no pode ser estudada; de que modo a histria de um animal estudada? Se imaginssemosRevista LiterAo | ARTIGOS

volumes cientficos com ttulos como Histria dos elefantes, parece-me que o mais natural seria falarmos em histria como sinnimo de evoluo; portanto, o animal em questo seria no um indivduo, mas uma classe, e sua histria seria as transformaes adaptativas de sua anatomia, que o levariam, por exemplo, de peixe a anfbio a rptil a ave ou mamfero. O animal, portanto, no zoolgico na medida em que no pode ser estudado. Como no sabemos se existe ou no, todos os dados a seu respeito ficam em suspenso, impedindo sua apreenso (tanto no sentido de conhecimento, para que ingresse na Zoologia, quanto no de captura, para que ingresse em um zoolgico). A terceira estrofe confirma a suspenso pelo novo par opositor visvel/ invisvel (cuja justaposio, para efeitos de nossa anlise anterior, segue o padro da impossibilidade conceitual): no invisvel, pois no um atributo at ento encontrado em animais, mas no visvel, pois est aqum de nossos olhos. Est envolto na treva de nossa ignorncia. O cerne da terceira estrofe uma pergunta: esse animal teria cruzado a barreira entre a imaginao (a especulao) e a luz (o conhecimento); teria chegado a habitar o espao? Teria nos dado a possibilidade de especular acerca de seu fim? Retornamos aqui a um ponto abordado na primeira estrofe: no sabemos se o animal est disponvel ou noou seja, se existe em ns como hiptese ou fico. A estrofe final, aparentemente uma digresso que interrompe a ponderao acerca do incgnito animal, retoma a estrutura de justaposio de pares opositores do ttulo, encerrando-se com o par que, segundo me parece, o cerne temtico do poema: What we know, what we dont know (quanto sabemos/quanto no [sabemos]). O poema nos convida, verdadeiramente, imaginao do possvel: poderamos, certamente, fechar os olhos e visualizar um animal qualquer em nossa mente, mas esse animal seria ou a representao mental de um animal que existe de fato ou um animal puramente imaginrio. O animal de Sim e no no nenhuma dessas coisasa bem da verdade, talvez seja uma delas, mas no sabemos qual. O poema insistentemente nos convida a conceber o verdadeiramente inconcebvel: o desconhecido. S podemos conceber aquilo

que j conhecemos (como uma galinha), ou de que j temos indcio (como um dinossauro). O animal de Sim e no, sem ser puramente ficcional, tampouco puramente especulativo. Se nos deixarmos verdadeiramente levar pelo mistrio e pelas indagaes do poema, a mim parece difcil crer que esse animal, que nada tem de contraditrio7, seja imaginvel. Porm, atravs de nossa incapacidade imagtica, Laura Riding nos convida a uma experincia conhecida: Sim e no, mas que um poema acerca de um animal duvidoso, um poema acerca de nossas dvidas, de nossa ignorncia. Atravs da expanso de uma impossibilidade contingente (alguns enunciados no poema, como vimos, implicam impossibilidades semnticas, porm resolvveis em nvel supra-literal), Sim e no nos convida no ao conhecimento formal de um ser, mas ao conhecimento como vivncia direta de uma condio humana: a ignorncia. 3 CONCLUSES Chegamos ao final de nosso exerccio. Para encerrar, devo dizer em primeiro lugar que me sinto ainda inclinado a concordar com David Hume, quando afirma que o impossvel no pode ser imaginado: quando analisados, nossos exemplos no retornaram impossibilidades conceituais que pudessem ser resolvidas plstica ou semanticamente em nvel literal. Vimos, tambm, atravs de minha tentativa de interpretao literal e supraliteral dos enunciados poticos elencados, que a criatividade interpretativa humana busca desvios e mesmo ligeiras trapaas para alcanar a compreenso do incompreensvel. Sob essa luz, a poesia pode ser concebida como uma das tentativas humanas de romper os limites cognitivos de sua linguagem e de seus sistemas de pensamento. Finalmente, nosso ltimo exemplo pareceu render algo verdadeiramente inimaginvel, mas de modo algum impossvel. Analisando-o, vimos ainda que a literatura pode se servir dessa impossibilidade mesma para suscitar outros tipos de experincia epistmica. Mesmo que a literatura no parea ter fora para concordar com Thomas e julgar questionvel o julgamento de Hume, certamente forte o bastante para transformar a impossibilidade em potncia, e criar a partir dela.

13REFERNCIASBORGES, Jorge Luis. H. G. Wells y las parbolas. In: Obras completas I: 1923-1949. 5. ed. Barcelona: Emec, 1996. p. 275-6 HUME, David. Book One. Of the Understanding. In: NIDDICH, P. H.; SELBY-BIGGE, L. A. Treatise of human nature. 2. ed. rev. [S.l.]: Oxford, 1978. p. 08-10, 29-33, 84-6. JACKSON, Laura Riding. Yes and no. Disponvel em: . Acesso em: 11 jun. 1997. RACINE, Jean. Fedra. In: EURPEDES; SNECA; RACINE, Jean. Hiplito e Fedra: trs tragdias. So Paulo: Iluminuras, 2007. p. 353-489. RUMI, Jalad ud-Din. O escravo que reina. In: ______. Poemas msticos: divan de Shams de Tabriz. So Paulo: Attar, 1996. p. 79. THOMAS, Nigel J. T. Imagination. In: ELIASMITH, C. (Ed.) Dictionary of Philosophy of Mind. Disponvel em: . Acesso em: 11 maio 2004.

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NOTAS1

15Por exemplo: expresses como se eu pudesse fazer o tempo voltar para trs e voc tem uma vida toda pela frente mostram nossa compreenso do passado e do futuro calcada em nossa relao com o espao.6 7

Todas as tradues minhas, exceto quando indicado.2

Pode talvez causar certa estranheza que um crtico literrio se ocupe primordialmente com o sentido literal de uma imagem potica, quando uma de suas principais funes seria justamente a de comentar ou explanar seus possveis sentidos extraliterais (alegrico, metafrico, poltico etc.). Porm, no caso especfico da investigao sendo levada a termo, apenas no sentido literal que a conjuno de idias contrrias ou opostas poderia ser cognitivamente impossvel; qualquer sentido extraliteral que inferssemos de uma imagem potica absurda seria justamente uma tentativa de resolver essa impossibilidade. Alm disso, acredito que a leitura literria uma leitura que soma sentidos: o texto literrio, semanticamente potencializado pelo uso de recursos tidos como literrios e pela leitura que dele se faz como texto literrio, agrega nveis distintos de significado a uma mesma proposio ou enunciado. O primeiro desses nveis o literal. Cito um exemplo fornecido pelo escritor argentino Jorge Luis Borges: Esa naturaleza plural es propia de todos los smbolos. Las alegoras, por ejemplo, proponen al lector una doble o triple intuicin, no unas figuras que se pueden canjear por nombres sustantivos abstractos. [] La hambrienta y flaca loba del primer canto de la Divina Comedia no es un emblema o letra de la avaricia: es una loba y es tambin la avaricia, como en los sueos (1996).3

A Cincia da Informao e seus Paradigmas Dominantes:Breves Reflexes EpistemolgicasJefferson Veras Nunes 1

Uma vez que as contradies em sentido literal so resolvidas no ato da leitura.

1 INTRODUO A discusso em torno da identidade da Cincia da Informao (doravante CI) evocada por vrios autores da rea, desde o seu advento at os dias de hoje. Questes do tipo: o que a CI?, qual o seu objeto de estudo?, ou, ainda, em que rea do conhecimento a CI se insere? j duram dcadas e talvez ainda estejam longe de serem respondidas de forma satisfatria. Ao longo do seu desenvolvimento, a CI pde testemunhar o surgimento e a consolidao de subreas especficas que entendem de diferentes maneiras o modo como ela lida com a informao frequentemente tomada como seu principal objeto de estudo. Baseadas em vrias correntes e perspectivas terico-metodolgicas, cada uma de suas subreas se sustenta em concepes divergentes e at conflitantes de informao. Assim, o objetivo principal deste artigo lanar luzes sobre o debate epistemolgico, envolvendo o surgimento e a consolidao da CI enquanto campo do saber, chamando ateno para algumas daquelas correntes tericas que, por muito tempo, orientaram e ainda continuam orientando - as pesquisas desenvolvidas na disciplina. Nesse sentido, abordam-se aqui parte dos paradigmas clssicos e contemporneos da CI e de suas relaes com outras reas do conhecimento. De antemo, cabe ressaltar que a inteno no esgotar a discusso acerca dos paradigmas da rea, mas apenas apresentar de forma didtica um sucinto panorama de sua construo epistemolgica. Vale destacar que muitas podem ser as divises com relao s subreas especficas e correntes tericas que compem a CI. Contudo, baseando-se na classificao feita por Rafael Capurro (2003), neste artigo sero apresentados apenas trs paradigmas principais, denominados pelo prprio autor como paradigmas dominantes. So eles: o paradigma fsico, o paradigma cognitivo e o paradigma social. Obviamente, essa classificao mais de cunho exploratrio do que explicativo. Na verdade, o que se tem sobre a formao da CI so apenas fragmentos, histrias inacabadas que, certamente, com o passar dos anos, sofrero acrscimos e omisses. Ao apontar a presena de trs paradigmas dominantes na CI, Rafael Capurro busca alertar para a importncia de se considerar as relaes anlogas, equvocas e unvocas entre diversos conceitos de informao e respectivas teorias e campos de aplicaoARTIGOS | Revista LiterAo

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Como conceitos so compostos por traos semnticos e formalizados por meio de palavras, no me parece que venha ao caso distinguir rigorosamente entre os termos conceitual, semntico e lingstico; por hora, prefiro empreglos conjuntamente para designar esse modo de compreenso.4

Estejamos, contudo, cientes de que essa uma interpretao contempornea. No impossvel que, quando o poema foi escrito, [f] funcionasse exatamente como [e].5 Como explicao provisria, poderamos especular

Jefferson Veras Nunes professor Assistente do curso de Bacharelado em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cear, lecionando as disciplinas de Teorias da Informao e da Comunicao, Informao e Sociedade e Fundamentos Tericos da Biblioteconomia e Cincia da Informao.Texto extrado do Currculo Lattes

que, quando h divergncia irreconcilivel entre sujeito e predicado, tendemos a nos focar em um deles, substituindo inconscientemente o outro por um equivalente adequado: em [g], ao que parece, ao inferirmos que o enunciado estabelecia uma relao de causalidade, levamos em conta os atributos explicitados no texto (ou seja, os predicados atribudos a essa relao causal) e os redirecionamos para outro tipo de processo ou relao mais compatvel.

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(CAPURRO, 2003, p. 4). Nesse sentido, optouse por dividir este artigo em duas partes principais. Na primeira, busca-se apresentar um panorama geral e contextualizado da CI. Na segunda, tem-se o intuito de explorar os limites e as imprecises de cada paradigma dominante apontado por Rafael Capurro. 2 UMA CINCIA DA INFORMAO Caracterizado pela sucesso de diferentes modelos epistemolgicos, o sculo XX testemunhou o aparecimento de vrias disciplinas cientficas, influenciadas, principalmente, pelo desenvolvimento das Cincias Sociais. Paralelamente a isso, foi possvel assistir tambm ao aparecimento de um novo saber especializado, e mais do que um saber, uma disciplina cientfica, cujo objeto a compreenso da informao em seus mais variados aspectos. Segundo Arajo (2003; 2009), pode-se dizer que h certo consenso entre os autores da rea em torno da ideia de que a CI surgiu em meados do sculo XX, caracterizada, principalmente, pelo desenvolvimento tecnolgico provindo do Ps-Guerra. Logo nos primeiros anos da CI, a discusso em torno do enorme volume de produo cientfica, bem como dos meios utilizados para gerir essa produo, dava o tom das discusses sobre o papel do campo. Isso resultou no entendimento de que a CI se constituiria, na verdade, numa espcie de Cincia da Informao Cientfica. Com frequncia, aponta-se que a CI foi fortemente influenciada pelo trabalho de Vannevar Bush, intitulado As we may think, divulgado em 1945, no qual o problema da exploso informacional identificado como algo a ser solucionado pelas mquinas. Alm disso, a obra Cybernetics or control and communication, publicada originalmente em 1948, por Norbert Wiener, seguida de Mathematical theory of communication, lanada um ano mais tarde pelos engenheiros Claude Shannon e Warren Weaver, assinalaram o prenncio do que viria a ser a CI uma disciplina que, na concepo de Borko (1968), teria como finalidade maior investigar as foras que governam os fluxos de informao1. Entretanto, ainda que os trabalhos de Vannevar Bush, Norbert Wiener, Claude Shannon e Warren Weaver tenham contribudo de forma significativa para a constituio dessaRevista LiterAo | ARTIGOS

disciplina que tem como objeto de estudo a informao, apenas nos anos 1960 que o termo Cincia da Informao passa a ser empregado como nomeao de um novo saber cientfico. Conforme apontam Loreiro e Pinheiro (1995, p. 42), na dcada de 60 que so elaborados os primeiros conceitos e definies e se inicia o debate sobre a origem e os fundamentos tericos da nova rea. Assim, possvel demarcar alguma origem para a CI; pode-se dizer que ela surgiu no bojo das transformaes que eclodiram ao redor do mundo a partir da Segunda Guerra. Parte dessas mudanas est relacionada ao crescimento exponencial do volume de informaes disponveis e de seus registros, particularmente em cincia e tecnologia. Diante disso, tornouse eminente a necessidade de se constituir saberes e disponibilizar ferramentas tcnicas que possibilitassem melhor acessibilidade s informaes produzidas. Ao se debruar sobre a epistemologia do campo, Rafael Capurro (2003) afirma que se pode assinalar a presena de trs paradigmas dominantes na CI, a saber: o paradigma fsico, o paradigma cognitivo, e, por fim, o paradigma social. Conforme aparece conceituado em Thomas Kuhn (1975), o termo paradigma tem como propsito demonstrar que leis, teorias e modelos cientificamente legitimados podem sofrer mudanas e, assim, ocupar o lugar de destaque no interior de uma disciplina at serem novamente contestados2 . No caso da CI, a tese defendida por Rafael Capurro de que a rea iniciou-se marcada por um paradigma fsico, que foi aos poucos sendo questionando pelo paradigma cognitivo, at chegar ao paradigma social, tido hoje como uma das principais tendncias de pesquisa do campo (CAPURRO, 2003). Os diferentes conceitos de informao existentes no interior da CI refletem tenses entre abordagens objetivas e subjetivas do que viria a ser compreendido como informao, e isso pode ser facilmente observado ao se examinar, mesmo que de maneira breve, cada um dos trs paradigmas apontados por Rafael Capurro. Assim, cabe questionar: o que a CI toma como informao? Quais as implicaes de uma concepo pluralista de informao constituio da prpria CI enquanto saber cientfico? E, ainda, quais outras disciplinas colaboraram com a CI no estudo dos problemas informacionais? Nesse sentido, a partir daqui,

abordar-se- cada paradigma em separado. 3 PARADIGMAS DOMINANTES 3.1 O paradigma Fsico Em seu incio, fortemente alicerada numa concepo fisicista de informao, a CI identificada como um saber especializado que tem como objetivo principal a organizao, processamento, transmisso e recuperao de dados. A essa abordagem, intimamente associada ciberntica de Norbert Wiener e aos impactos cientficos decorrentes da publicao de Mathematical theory of communication (tambm conhecida como Teoria da Informao), por Claude Shannon e Warren Weaver, denominou-se paradigma fsico. Em linhas gerais, esse paradigma defende que h algo, uma espcie de objeto fsico, que um emissor transmite a um receptor com a menor interferncia externa possvel. Inicialmente apresentada como um sistema de base matemtica devotado a estudar os problemas de transmisso de mensagens por canais fsicos, como o rdio e o telgrafo, a teoria de Shannon e Weaver no denomina esse objeto a ser propalado como informao, mas sim como mensagem, ou, mais especificamente, nos termos dos prprios autores, como signal (sinal). Segundo essa teoria, um determinado sinal deveria ser enviado por um emissor a um receptor qualquer de forma que pudesse ser univocamente reconhecido e interpretado. Alm disso, o meio pelo qual o referido sinal se deslocaria de um lado ao outro da cadeia deveria estar livre de qualquer rudo (noise) que viesse a perturbar a transmisso. O principal objetivo deste modelo matemtico de comunicao era exatamente medir a quantidade de informao suportvel por um canal em dadas circunstncias, como tambm identificar e reparar as distores existentes durante a transmisso. Mesmo se caracterizando como uma tcnica da Engenharia de Comunicaes, suas proposies, no entanto, logo se demonstraram aplicveis em outros campos. Assim, a Teoria da Informao influenciou vrias outras disciplinas preocupadas em estudar os processos informacionais e comunicacionais de seu tempo. Neste modelo, defende-se a ideia de que as mensagens existem precisamente para

dirimir dvidas, reduzir a incerteza em que se encontra um indivduo sendo dado como certo o fato de que quanto maior for a capacidade de uma mensagem em eliminar dvidas, melhor ela ser. Aqui, a informao surge como algo que pode provocar no s a reduo de incertezas, como tambm, e principalmente, suscitar uma alterao no comportamento das pessoas a partir da quantidade de informaes recepcionadas (COELHO NETTO, 1999). Contudo, outro aspecto que merece ser destacado com relao teoria de Shannon e Weaver que o modelo criado por eles se preocupa apenas com o aspecto quantitativo de uma mensagem. Dimenses subjetivas, como, por exemplo, o contedo semntico de uma mensagem ou as motivaes de seu produtor so deixadas de lado. Na Teoria da Informao, busca-se codificar uma mensagem numa relao numrica que indica a quantidade de informaes presentes nessa mensagem e transmiti-las independentemente da qualidade dessas informaes, importando mais o quanto e menos o qu. O modo objetivo como a informao abordada tem um impacto quase que imediato em estudos empreendidos posteriormente a respeito da problemtica construda com relao transferncia de informao. No campo da CI, a aplicao mais decisiva desse modelo se d no mbito dos estudos em recuperao da informao. Essa rea, constituda em meados dos anos 1950, tida por alguns autores como sendo o foco principal da CI (SARACEVIC, 1996)3. Assim, a partir das contribuies da Teoria da Informao, so elaboradas frmulas para prever quanto texto pode ser transmitido em cada formato, a partir do repertrio de diferentes grupos, respeitando a capacidade de cada canal (ARAJO, 2009, p. 194). As pesquisas elaboradas pelo Cranfield Institute of Technology (CIT), em 1957, podem ser tomadas como exemplo significativo de estudos realizados com base nos enunciados da teoria de Shannon e Weaver. Os experimentos realizados pelo CIT tinham como objetivo medir os resultados obtidos a partir do uso de um sistema informatizado de recuperao da informao. O xito do processo de recuperao era medido, principalmente, por meio da relao entre documentos relevantes e documentos recuperados4. Um dos autores do campo que pode ser tomado como referncia do paradigma fsicoARTIGOS | Revista LiterAo

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da informao Michael Buckland (1991). Em um artigo publicado h aproximadamente vinte anos, o pesquisador norte-americano no s amplia o conceito de documento, entendendo-o como algo que est para alm do texto impresso, como tambm identifica trs usos rotineiros para o termo informao, advogando mais em favor do ltimo do que dos dois primeiros, a saber: informao como processo, informao como conhecimento e informao como coisa. A defesa da ideia de informao como coisa se d justamente pelo fato de esta ser tida como a nica forma pela qual a informao pode ser diretamente tratada pelos sistemas de informao. Ou seja, a partir de sua representao fsica que a informao pode ser organizada, armazenada e recuperada. Ao aceitar a ideia de informao como coisa, Michael Buckland a concebe como um fenmeno objetivo, dotado de uma existncia material e passvel de ser registrado. Para o autor, podem ser considerados informao tanto documentos e livros, como tambm qualquer tipo de objeto que possua valor informativo, o qual, de maneira geral, pode ser qualquer coisa fsica. Ao defender isto, o autor no faz distines entre o que pode ser compreendido como dado, informao ou conhecimento. Em sua viso, eventos, objetos udio-visuais e at animais, dependendo do contexto, podem ser considerados como documentos. Essa perspectiva serviu de fundamento, sobretudo, para as pesquisas na rea de organizao e recuperao da informao. Entretanto, uma crtica que frequentemente feita a este paradigma referese maneira como se percebe o papel do sujeito cognoscente durante o processo de recuperao da informao. De um modo geral, negligenciase o comportamento ativo do usurio em favor da excelncia tcnica de um dado sistema de recuperao da informao. Alguns autores perceberam essa limitao e desenvolveram pesquisas que conduzem a uma perspectiva diametralmente oposta quela adotada pelo paradigma fsico, chamada por Rafael Capurro de paradigma cognitivo. 3.2 O Paradigma Cognitivo Um segundo paradigma identificado como constituinte dos fundamentos tericos da CI o paradigma cognitivo. De acordo com VenncioRevista LiterAo | ARTIGOS

e Campos (2006), os estudos erigidos com base numa perspectiva cognitiva na rea comearam a ser realizados a partir dos anos 1970, inspirados, principalmente, no mentalismo defendido por Bertram C. Brookes (1980), bem como na ideia dos Estados Anmalos do Conhecimento, formulada por Belkin (1982)5. O principal desafio desta abordagem era exatamente tentar fazer uma distino entre o conhecimento e o seu registro em documentos; pois, como coloca Capurro (2003, p. 9), a documentao e, em seguida, a cincia da informao tm a ver [...] em primeiro lugar com os suportes fsicos do conhecimento, mas na realidade sua finalidade a recuperao prpria da informao, ou seja, o contedo de tais suportes. Nessa perspectiva, no so necessariamente os suportes fsicos o foco da disciplina, mas o seu contedo e as maneiras pelas quais se pode represent-lo cognitivamente. O paradigma cognitivo trata, portanto, da recuperao da informao e foi bastante influenciado pela ontologia de Karl Popper, que, a partir dos escritos de Plato, concebia a existncia de trs mundos do conhecimento. Para Popper, o mais importante dos mundos o terceiro, justamente por referir-se ao conhecimento objetivo, conhecido tambm como o mundo dos produtos da mente (POPPER, 1975)6 . Bertram C. Brookes formalizou seu conceito de informao a partir da teoria popperiana e definiu conhecimento como uma estrutura de conceitos ligados por suas relaes e informaes [...] (BROOKES, 1980, p. 131). Para o autor, cada indivduo possui uma estrutura de conhecimentos, que, por ser tanto subjetiva como objetiva, afetada e transformada pela aquisio de novas informaes. O autor expressou essa relao entre conhecimento e informao a partir de uma equao, popularmente conhecida como equao de Brookes: K[S] + I = K[S + S], na qual a estrutura de conhecimentos alterada para um novo estado atravs da ao da informao. Assim, tem-se que: K[S] significa exatamente estrutura de conhecimentos; K[S] + I alude a novo estado de conhecimento; I refere-se informao; e, por fim, S est relacionado ao efeito de mudana. Com base nessa equao, pode-se perceber que o ato de conhecer est intimamente associado assimilao da informao pelo indivduo

principalmente por meio da experincia. Assim, a absoro da informao em uma estrutura de conhecimentos pode causar no apenas um acrscimo, mas tambm algum ajuste na prpria estrutura (BROOKES, 1980). A partir da ideia da estreita relao entre informao e conhecimento apontada anteriormente por Brookes, Belkin (1982) avanou nessa perspectiva e idealizou um modelo de recuperao da informao. Para ele, a natureza do estado do conhecimento de um usurio deve ser levada em considerao quando se objetiva compreender o processo de recuperao da informao. Conforme Venncio e Campos (2006), o usurio utiliza os sistemas de recuperao ao reconhecer uma anomalia ou um estado de conhecimento inadequado ou incoerente com relao a algum assunto ou problema [...] (VENANCIO; CAMPOS, 2006, p. 6). A ideia : ainda que o usurio consiga por si s identificar o estado anmalo no qual est imerso, ele no pode especificar o que necessrio para transpor esta lacuna cognitiva, que foi exatamente o que o conduziu at o sistema. Nesse sentido, como colocam Venncio e Campos (2006), as narrativas de problemas efetuadas pelos usurios so utilizadas pelo sistema de informao para recuperar, de um corpus de textos, um texto apropriado para resolver a anomalia (VENANCIO; CAMPOS, 2006, p. 6). medida que o documento recuperado percebido como a representao de um estado coerente de conhecimento, a pergunta ou o texto relacionado com a necessidade de informao constitui-se como a representao de um estado de conhecimento inadequado, ou, nos termos dos prprios autores, anmalo. Desse modo, na viso de Belkin (1982), para cada tipo de estado anmalo de conhecimento bastaria ento especificar variados mecanismos e estratgias de recuperao da informao. A principal contribuio desta vertente de estudos para a CI foi no s no modo como a rea passou a conceber os sistemas de recuperao da informao, mas, sobretudo, na importncia que a partir dos anos 1980 passouse a atribuir necessidade de informaes de um usurio. Afinal, a busca de informaes tem sua origem na necessidade que surge quando h o mencionado estado cognitivo anmalo, no qual o conhecimento que o usurio detm no suficiente para resolver um determinado

problema. Contudo, uma das crticas que frequentemente direcionada ao paradigma cognitivo se refere ao fato de que esta perspectiva considera o usurio como um sujeito cognoscente livre de qualquer condicionamento social e material caractersticos do existir humano e da vida em sociedade. Alm disso, o papel da informao se refere, substancialmente, ao preenchimento de gaps cognitivos. Ou seja, nesta perspectiva, no se leva em conta que a aquisio de informaes pode gerar mais lacunas do que preench-las. Para Bernd Frohmann (1992), o paradigma cognitivo no apenas associal, como possui uma viso reducionista do indivduo que se apropria da informao. Segundo o autor, a construo social dos processos informativos e de suas necessidades , de certo modo, negligenciada em favor de uma viso que hipervaloriza o individualismo mental do usurio. 3.3 O Paradigma Social Este paradigma se sustenta na ideia de que os processos informacionais so, antes de qualquer coisa, uma construo social. Defende que nas questes relacionadas, por exemplo, produo, consumo, distribuio e intercmbio de informaes deve se levar em conta o contexto social. Ao contrrio de um ponto de vista objetivo, o paradigma social parte de uma perspectiva subjetiva para compreender o que a informao. Assim, diferentemente do que pensavam as correntes anteriores, tomando a informao como algo dado e que se constri de modo externo ao indivduo, entende que o prprio sujeito quem tem o poder de discernir o que ou no informao para si. Nesta concepo, a informao no percebida apenas como objeto fsico, passvel de ser registrado num dado suporte, mas tambm como algo fluido e impalpvel. Mais do que dirimir dvidas, seu papel exatamente criar lacunas. Entendida dessa forma, a informao no algo esttico, localizvel somente fisicamente; ao contrrio, a partir do advento das tecnologias de informao e comunicao, sua natureza tem se tornado cada vez mais hbrida e voltil. Um dos autores que Rafael Capurro se sustenta para poder traar as linhas gerais do paradigma social da CI Jesse Shera, fazendoARTIGOS | Revista LiterAo

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aluso especial ao seu artigo Foundations of a Theory of Bibliography, escrito em parceria com Margareth Egan. Ainda que as ideias de Jesse Shera sejam com frequncia associadas ao seu esforo em propor solues tcnicas para o armazenamento e uso de informaes registradas, parece oportuno salientar a viso que o autor possui da rea ao caracteriz-la como uma cincia social. De acordo com o pensamento de Jesse Shera (1973), no possvel conhecer os processos intelectuais de uma sociedade atravs apenas do estudo isolado do indivduo; ao contrrio, preciso considerar o contexto social no qual este indivduo est inserido. Dessa maneira, ainda que a necessidade e o desejo de informao se situem num plano individual, no se pode dissociar o indivduo de sua cultura. Embora tenha inicialmente se dedicado busca por respostas relacionadas ao funcionamento dos mecanismos de recuperao da informao, Jesse Shera compreendia que o armazenamento e a recuperao do vasto volume de informaes registradas decorridas das inovaes tecnolgicas surgidas em meados dos anos 1950 no resolveriam per si o problema da gerao e acesso aos conhecimentos pela sociedade, em especial a comunidade cientfica. Para ele, mesmo que todo sistema de informao opere com base na tecnologia, um erro no considerar o contexto no qual essas informaes so produzidas e acessadas. Assim, sua epistemologia social se destaca exatamente por perceber o ser humano como o personagem principal. Nesse sentido, escreve Shera (1973, p. 90): a marca da epistemologia social consiste em que ela coloca a nfase no ser humano e na sociedade como um todo, e todas as suas formas de pensar, conhecer, agir e comunicar. Dito de outro modo: frente ao acelerado avano tecnolgico testemunhado atualmente, a epistemologia social teria como objetivo humanizar a relao entre indivduo e mquina no tocante ao fenmeno informacional. Seguindo esta mesma direo, Bernd Frohmman (1992), em seu artigo intitulado The power of images: a discourse analysis of the cognitive viewpoint, defende a ideia de que a CI se caracteriza como uma prtica social e, por esse motivo, assinala que a nfase em uma viso que tome como referncia apenas a tica cognitiva limitaria o escopo de atuaoRevista LiterAo | ARTIGOS

do campo. O autor argumenta que o ponto de vista cognitivo desconsidera o mundo social, reduzindo-o a uma minscula unidade da realidade interna do indivduo. Na viso de Frohmman, o paradigma cognitivo pauta-se em um individualismo radical, o qual elimina o papel do social na construo do conhecimento. Segundo esse paradigma, o mundo interior o nico real, verdadeiro e essencial, desconsiderando que o desejo de informao de um indivduo tambm est intimamente relacionado s suas experincias, condies de trabalho e comunidades de que participa entre outros aspectos sociais. Outro autor que participa ativamente na construo do paradigma social da CI chama-se Birger Hjrland. Com formao em Documentao, Biblioteconomia e Psicologia, o pesquisador dinamarqus parte de uma perspectiva diferente daquela adotada por Bernd Frohmman e baseia seu pensamento numa ideia relativista de cognio, da qual se concebe a interao entre fatores mentais e sociais. Assim, defensor de uma abordagem sciocognitiva da CI, Hjrland reconhece tanto mritos como impossibilidades do paradigma cognitivo. Segundo ele, preciso mudar o foco tradicional do paradigma cognitivo, fortemente influenciado por vises racionalistas, fazendose necessrio assumir uma perspectiva que enfatize o papel da cultura na cognio (HJRLAND, 2000). Em parceria com Albrechtsen, Birger Hjrland (1995) prope um modelo de pesquisas chamado anlise de domnio, que tem como principal objetivo perceber os mecanismos bsicos do comportamento informacional do usurio, levando em considerao no s aspectos cognitivos, mas tambm sociais. Neste modelo, refora-se a ideia de que os atuais sujeitos produtores, consumidores e mediadores de informao so, ao mesmo tempo, seres individuas e sociais. Alm disso, essa perspectiva tambm destaca a importncia de se estudar a relao do indivduo com a informao num contexto mais amplo, no qual se deve atentar para fatores sociais, culturais, econmicos, polticos e outros. Nesse sentido, admite-se que nem a informao est isolada, tampouco o indivduo. Ao passo que vivenciam experincias pessoais e intransferveis, os contemporneos usurios

da informao tambm esto em contnua interao com outros seres humanos e com o mundo que os cerca. Dessa forma, a CI deve se preocupar no apenas com a informao de uma maneira objetiva, mas buscar compreendla levando em considerao o indivduo e sua relao com o entorno. Esta perspectiva complexifica o entendimento da rea sobre o seu objeto de estudo a informao , estendendo os limites terico-metodolgicos do campo para alm de suas atuais fronteiras disciplinares. O paradigma social contribui, assim, para a constituio de uma CI transdisciplinar. 4 CONSIDERAES FINAIS A parir desse breve exame sobre cada um dos paradigmas apontados por Rafael Capurro como paradigmas dominantes da CI, pdese perceber as diferentes maneiras atravs das quais a rea compreende seu objeto de estudo. No h definies precisas e claras sobre o que informao; no entanto, a anlise realizada neste artigo mostra que o conceito que a disciplina possui de informao comporta caractersticas objetivas e subjetivas. Por vezes, acredita-se que a informao existe a priori, de maneira externa ao indivduo; j em outras, tem-se uma concepo mais subjetiva e leva-se em considerao a complexa relao existente entre indivduo, informao e contexto social. Provavelmente, por conta dessa pluralidade de entendimentos e afiliaes interdisciplinares, questes sobre a identidade da CI, seus fundamentos tericos e metodolgicos, assim como sua insero no mbito das Cincias Sociais, ainda no podem ser respondidas de modo preciso. Talvez, essa impreciso seja uma caracterstica positiva da rea. Um objeto voltil como a informao requer uma cincia que desfrute do mesmo grau de dinamicidade, ou seja, que esteja em constante movimento. Fixidez um atributo que, com certeza, no cabe reivindicar na atual composio da CI. Fenmenos contemporneos, como, por exemplo, o surgimento e a proliferao de sites de redes sociais possivelmente uma das manifestaes mais expressivas da sociedade da informao , desafiam a rea a lanar mo dos seus saberes para compreender a dinmica dos fluxos de informao que emergem nesses ambientes. De maneira descentralizada, a informao se forma nesses espaos com a

mesma velocidade com que se desfaz. Mal ela surge e j sobreposta por outras. As redes sociais existentes na internet trazem consigo diversas ferramentas e recursos que do aos indivduos inmeras possibilidades de estabelecer comunicao de modo interativo, seja entre os prprios usurios, entre estes e os sistemas, ou, ainda, entre os usurios e as informaes que circulam livremente na web. Assim, no apenas a informao gerada de modo objetivo e veiculada por intermdio da tcnica; h tambm aspectos subjetivos que assinalam os contornos de um momento histrico marcado pelo advento de outras formas de trabalho coletivo, de novas trocas afetivas, e, ainda, de produo e circulao de informaes em massa. REFERNCIASARAJO, Carlos Alberto vila. A cincia da informao como cincia social. Cincia da Informao, v. 32, n. 3, p. 21-27, set./dez. 2003. ______. Correntes tericas da Cincia da Informao. Cincia da Informao, v. 38, n.3, p. 192-204, set./ dez. 2009. BELKIN, N. J. Anomalous states of knowledge as a basis for information retrieval. Canadian Journal of Information Science, v 5, 1982. ______. The cognitive viewpont in information science. Journal of the American Society for Information Science, 16, p. 11-15, 1990. BROOKES, B. C. The foundation of Information Science. Journal of the American Society for Information Science, v. 2, p. 125-133, 1981. BORKO, H. Information science: what is this? American Documentation, v. 19, p. 3-5, 1968. BUCKLAND, M. K. Information as a thing. Journal of the American Society for Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, jun. 1991. CAMPOS, Luiz Fernando de Barros; VENNCIO, Ludmila Salomo. O objeto de estudo da Cincia da Informao: a morte do indivduo. Informao & Informao, Londrina, v. 11, n. 1, jan./jun. 2006. CAPURRO, R. Epistemologia e cincia da informao. Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Cincia da Informao: informao, conhecimento e transdisciplinaridade. Belo Horizonte, 10-14 de nov. 2003. (Publicao em cdrom).ARTIGOS | Revista LiterAo

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22______. O conceito de informao. Perspectivas em Cincia da Informao, Belo Horizonte, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr. 2007. COELHO NETTO, J. Teixeira. Semitica, informao e comunicao. So Paulo: Perspectiva, 1999. FROHMANN, Bernd. The power of images: a discourse analysis of the cognitive viewpoint. Journal of Documentation, v. 48, n. 4, p. 365286, 1992. HJORLAND, B. Domain analysis in information science: eleven approaches traditional as well as innovative. Journal of Documentation, v. 58, n. 4, p. 422-462, 2002. HJORLAND, Birger; ALBRECHTSEN, Hanne. Toward a new horizon in information science: domain-analysis. Journal of the American Society for Information Science, v.46, n.6, p. 400 425, 1995. KUHN, Thomas. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo: Perspectiva, 1975. OROM, Anders. Information Science, historical changes and social aspects: a Nordic outlook. Journal of Documentation, v. 56, n. 1, p. 12-26, jan. 2000. PINHEIRO, Lena; LOUREIRO, Jos. Traados e limites da cincia da informao. Cincia da informao, Braslia, v. 24, n. 1, jan./abr., p. 42-53, 1995. SARACEVIC, Tefko. Cincia da informao: origem, evoluo e relaes. Perspectivas em Cincia da Informao, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p .41-62, jan./ jun. 1996. SHANNON, Claude; WEAVER, Warren. A teoria matemtica da comunicao. So Paulo: Difel, 1975. SHERA, Jesse H.; EGAN, Margaret E. Foundations of a theory of bibliography. In: FOSKETT, D. J. (Org.). Libraries and the organization of knowledge. London: Crosby Lockwood & Son, 1965. ______. Toward a theory of librarianship and information science. Cincia da Informao, Braslia, v.2, n.2, p. 87-97, 1973. WERSIG, G.; NEVELlNG, U. The phenomena of interest to Information Science. Information Scientist, v.9, p. 127-140, 1975.Revista LiterAo | ARTIGOS

WIENER, Norbert. Cybernetics or the control and communication in the animal and the machine. Cambridge: M.I.T. Press, 1961. NOTAS1 Em um momento no qual o American Documentation

A Leitura Literria e a Formao do Leitor Consciente1 Ldia Barroso Gomes2 Odalice de Castro Silva 3

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Institute havia recentemente mudado de nome para American Society for Information Science, Borko (1968) define a CI como uma cincia [que] tem como objeto a produo, seleo, organizao, interpretao, armazenamento, recuperao, disseminao, transformao e uso da informao (BORKO, 1968).2

Para Thomas Kuhn, o sucesso ou o predomnio de um paradigma cientfico est, na maior parte, associado s estruturas sociais e aos fatores sinergticos, incluindo-se os eventos externos ao mundo cientfico (KUHN, 1975).3

Segundo Belkin (1990), o papel da CI facilitar a efetiva comunicao da informao registrada entre quem produz e quem usa determinada informao atravs, principalmente, dos processos de recuperao. ser tomadas como um dos marcos do paradigma fsico da CI, e, dentre os conceitos centrais presentes nessa perspectiva, destacam-se os de revocao e preciso, que operam com base na ideia de promover uma recuperao mais precisa, com uma quantidade satisfatria de itens relevantes.5Conforme 4De acordo com Capurro (2003), tais pesquisas podem

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Ldia Barroso Gomes graduanda em Letras Espanhol, pela UFC. Tutora do Grupo de Estudos Literatura Histria e Outros Saberes e bolsista do AEC-Acervo do Escritor Cearense.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir os problemas relacionados leitura literria e como devemos trabalh-la em sala de aula de maneira prazerosa. Para isso, buscamos refletir sobre a relao da literatura com o meio social que, atualmente, encontra-se desvinculada da realidade, devido ao estudo sistemtico das escolas. Nossa inteno conscientizar os alunos sobre a importncia da prtica da leitura literria e tambm chamar a ateno dos professores de Literatura para o ensinamento desta de maneira diferenciada. necessrio encararmos o texto literrio como participante do processo de mobilizao do pensamento humano e que, atravs dele, possvel formarmos cidados conscientes de seus direitos e responsabilidades sociais. PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Saberes. Recepo.

aponta rom (2000), enquanto o paradigma fsico caracteriza-se, principalmente, por suas bases matemticas, o paradigma cognitivo possui um forte carter interdisciplinar, envolvendo premissas de outras disciplinas como a Psicologia, Matemtica e Comunicao.6 A Teoria do Conhecimento Objetivo de Karl Popper h tempos j amplamente conhecida no meio acadmico e, por conta disso, optou-se por resumir os seus postulados. Segundo o filsofo, o Mundo 1 constitudo pelos conhecimentos relacionados ao mundo fsico, como a geologia, a biologia etc. (o mundo dos estados materiais); enquanto que o Mundo 2 compreende os conhecimentos relativos ao mundo metafsico ou queles elementos referentes aos estados mentais e subjetividade, como a psicologia e psicanlise entre outras disciplinas. Ou seja, os Mundos 1 e 2 problematizam os fenmenos fsicos e metafsicos. J o Mundo 3, denominado tambm como o mundo do conhecimento objetivo, caracteriza-se como o mundo dos inteligveis ou das ideias no sentido objetivo (POPPER, 1975, p. 152), e, por esse motivo, est relacionado ao conhecimento objetivo, registrado.

3Odalice

de Castro Silva tem PhD pela Universidade Federal da Paraba e experincia na rea de Letras com nfase em Teoria Literria, nos temas Crticaescritura-crtica dos escritores. Atualmente ASSOCIADO II da UFC. Textos extrados doCurrculo Lattes

ABSTRACT: This paper aims to discuss the problems related to literary reading and how to work it in class so enjoyable. For this, we reflect on the relationship between literature and the social environment that currently is detached from reality, due to the systematic study of schools. Our intention is to educate students about the importance of the practice of literary reading and also draw the attention of teachers to the teaching of literature in a different way. It is necessary to face the literary text as a participant in the mobilization of human thought and, through it, it is possible to form citizens aware of their rights and social responsibilities. KEYWORDS: Literature. Knowledge. Reception.

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Discutiremos neste trabalho a funo da leitura literria e a formao do leitor consciente, pois, a literatura, alm de abordar temticas que esto intrinsecamente ligadas ao homem, ou seja, na relao deste com o meio em que vive, exerce ainda papel fundamental na formao do pensamento crtico, mostrandonos que este produzido por meio da leitura reflexiva que ocorre a partir da recepo. Diante da compartimentao dos saberes, qual estamos submetidos, uma questo nos pe em desafio: como devemos trabalhar a leitura literria em sala de aula e formar leitores conscientes, num contexto em que a funo da Literatura se encontra cada vez mais distante da realidade de nossas escolas e universidades, devido forma de ensino adotada. Assim, faz-se necessrio discutirmos acerca dos conceitos de literatura, saberes e recepo que so fundamentais para a formao do leitor, pois, a partir deles ser possvel haver uma reflexo daquilo que se l, como tambm, uma organizao de ideias a serem expostas. Ao trabalharmos o conceito de literatura, detemo-nos no pensamento de Antonio Candido (2004), que considera como literatura todas as criaes de carter potico, ficcional e dramtico, considerando que cada sociedade a representa de acordo com sua cultura. Deste modo, praticamente no existe civilizao que possa viver sem ela. Para enriquecimento deste conceito, tambm voltamos nossa ateno para as reflexes de Edgar Morin (2010) que defende a literatura como esclarecedora das incertezas humanas, levando-nos s primeiras experincias de modo vvido e ativo. Ao nos referirmos aos saberes, ou seja, s mais diversas reas do conhecimento, assim tratadas por Edgar Morin (2007), dentre estas a literatura, constatamos que se encontram separadas o que ocasiona uma falta de interao entre os objetos estudados e seus contextos. O que era considerado complexo passa a ser simplificado, contribuindo para um atrofiamento do pensamento e da inteligncia humana, pois, vivemos um mundo de saberes compartimentados. Ao discutirmos o conceito de recepo, detemo-nos no pensamento de H. R Jauss (1995), que afirma ser esta o nvel de contato do leitor com uma obra, tornando-se imprescindvel a compreenso da literatura pertencente ao passado e a sua relao com o presente, possibilitando aos leitores a realizao de diferentes interpretaes da obraRevista LiterAo | ARTIGOS

literria. Nossa pesquisa est concentrada em reflexes que se voltam para a problemtica da fragmentao dos saberes que tem afetado as diversas reas do conhecimento, dentre estas a literatura. Com a preocupao de chamar a ateno de estudantes e professores para a importncia da formao de leitores conscientes, propomo-nos a discutir o pensamento de alguns especialistas que nos possibilitam perceber a relao entre iteratura e realidade. Quando refletimos sobre a importncia da literatura para as sociedades, observamos que sua funo se encontra esquecida no tempo, o que tem influenciado, no apenas estudantes secundaristas, mas, tambm universitrios, a no perceberem a relao que existe entre literatura e realidade. comum encontrarmos estudantes que tm averso ao texto literrio, atribuindo a este um carter de coisa imaginativa sem utilidade, ou quando tm algum interesse por alguma fico, esta funciona apenas como um passatempo. Segundo Edgar Morin (2010, p.48),[...] livros constituem experincias de verdade, quando nos desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda, informe, que trazemos em ns, o que nos proporciona o duplo encantamento da descoberta de nossa verdade na descoberta de uma verdade exterior a ns, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e tornase a nossa verdade [...]

A leitura consciente importuna nossa ignorncia, noutras palavras: o conceito que temos de verdade, adquirido desde as primeiras experincias de vida, colocado em dvida a partir do contato que temos com outras ideologias, estas realizam uma explorao do recndito e modificam nossas crenas. Estas questes nos pem a refletir sobre o poder da linguagem em suas diversas manifestaes, seja no ato de fala, na expresso corporal, nos sinais grficos e a linguagem escrita que abarca a prosa e a potica. Inicialmente, quando presenciamos algum posicionamento contrrio literatura, somos motivados a discuti-lo; mas quando passamos a analisar esta situao, compreenderemos que h um contexto que rege o caso. Para isso, necessrio que tomemos conhecimento dos influenciadores de determinadas atitudes. Na maioria dos casos, quase de modo geral, a averso aos textos literrios est relacionada

maneira como eles so apresentados aos alunos pelas escolas. O texto literrio ficou restrito disciplina de Literatura, separadamente, das outras reas do conhecimento, como a Histria, a Filosofia e a Sociologia, resultando num estudo compartimentado que prope um acmulo de informaes e no se pratica um dilogo dos saberes entre si e sua aplicao realidade. Edgar Morin (2010) afirma que o saber acumulado para nada serve, atuando apenas como um enchimento de cabeas. A compartimentao dos saberes tem atrofiado e cauterizado as mentes. Atualmente, j no se sabe o que pensar, refletir, interagir. Estamos submissos obedincia de frmulas e encaramos tudo como algo terminado, neste plano situaram a literatura. Nosso maior desafio : como formar leitores conscientes sobre a funo da literatura? Paulo Freire (1981) afirma que o contato com a leitura nos pe ante nossas prprias experincias. O ato de ler no se reduz escrita, mas afirma que a linguagem se antecipa e se alonga na inteligncia do mundo, porm, a leitura daquela implica na continuidade da leitura desta. necessrio mostrarmos ao educando que o livro nos distancia da realidade, propositalmente, para que venhamos a compreend-la. A literatura nos leva compreenso humana por meio das fices e de seus personagens. Atravs da poesia ela nos pe ante o mistrio e o indizvel, ou seja, a linguagem potica no nos afirma algo, mas, sugere, deixando a interpretao a cargo daquele que l. Encontramos, neste contexto, a esttica da recepo tratada por Jauss que afirma ser o leitor ideal aquele que abandona o psicologismo e passa a ser crtico. Este leitor capaz de relacionar diversas leituras, de acordo com seu horizonte de expectativa. Cada vez que lemos um determinado texto, somos capazes de ampliar a viso que temos dele. Sob o ponto de vista de que h pluralidade no texto, a releitura deve ser encarada como uma necessidade. Para isso, a prpria leitura tem que assumir um carter plural. Roland Barthes defende que uma leitura no seja tomada como nica e definitiva. Isto nos leva a compreender que as diversas interpretaes so renovadas em cada leitura. Em outras palavras, a leitura superficial deve ser deixada de lado e o leitor, por sua vez, dever adotar comportamento contrrio leitura inocente. Diante da temtica abordada, conclumos

que ainda possvel construir um leitor consciente. Cabe a ns conscientizarmos nossos educandos de que a Literatura nos leva a dialogar com a incerteza. Alm de nos distrair, ela assume uma funo mais importante que a da instruo. As obras literrias nos desprendem da realidade para nos colocar em contato com o nosso interior e redescobrimos o outro e o mundo, a fim de agirmos conscientemente. REFERNCIASCANDIDO, Antonio. Vrios escritos. 3. ed. Duas Cidades: Ouro sobre Azul. So Paulo; Rio de Janeiro, 2004. CHAU, Marilena de Souza. Convite Filosofia. 12. ed. So Paulo: tica, 2002. FREIRE, Paulo. A Importncia do ato de ler. So Paulo: Cortez, 2005. JAUSS, H. R. A Histria da Literatura como provocao Teoria da Literria. So Paulo tica, 1995. JOUVE, Vincent. A Leitura. Trad. Brigitte Hervor. So Paulo Editora UNESP, 2002. MORIN, Edgar. Educao e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Traduo: Edgar de Assis Carvalho. So Paulo: Cortez, 2002. MORIN, Edgar. Educar na era planetria: o pensamento complexo como mtodo de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. Trad. Sandra Trabucco Valenzuela. 2. ed. So Paulo: Cortez; Braslia, DF: UNESCO, 2007. MORIN, Edgar. A cabea bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Elo Jacobina. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

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NOTA1Artigo

produzido a partir do grupo de estudo Literatura, Histria e Outros Saberes, coordenado pela professora Odalice Castro Silva

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A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFCMargarida Pontes Timb1 Maria Neuma Barreto Cavalcante2

1 INTRODUO Este texto procura tecer algumas consideraes sobre o trabalho de leitura e pesquisa no Acervo do Escritor Cearense AEC, localizado no segundo piso da Biblioteca do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Cear. O AEC da UFC funciona como local vivo da memria cultural cearense, j que, desde 2005, abriga o Arquivo pessoal do escritor Moreira Campos, bem como o de sua filha, a tambm escritora Natrcia Campos. Recentemente, tambm compe o Acervo o arquivo pessoal do escritor Gilmar de Carvalho. No incio de sua formao, o AEC esteve vinculado ao Instituto de Cultura e Arte da UFC ICA/UFC, administrado, ento, pela Professora Doutora Angela Maria Rossas Mota Guitirrez. Na verdade, a proposta de criao do AEC surgiu do projeto Memria de uma vida criativa: O Arquivo pessoal do escritor Jos Maria Moreira Campos, elaborado para o concurso de ProfessorVisitante da Universidade Federal do Cear UFC, em meados de 2004, pela Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante que, na poca, era pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo IEB/USP, onde atuava como curadora do arquivo do escritor Jos Guimares Rosa. O referido projeto tinha como propsito organizar o acervo de Moreira Campos. Logo aps o falecimento de Natrcia, a famlia Campos somou os esplios da escritora aos de Moreira, oferecendo a curadoria Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante que, atualmente, a responsvel direta e coordenadora dos trabalhos realizados no AEC. Nesta perspectiva, podemos constatar que a UFC se junta a outros equipamentos culturais tanto de iniciativa pblica como privada, os quais se dedicam aquisio e manuteno de acervos, tais como: a Fundao Casa de Jorge Amado (BA), a Casa de Juvenal Galeno (CE), a Casa de Gilberto Freire (PE), a Casa de Jos Amrico (PB), o Arquivo de rico Verssimo (RS), a