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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS LEANDRO VALIATI GUSTAVO MOLLER ORGANIZADORES [ CEGOV CAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA ]

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS

PÚBLICASLEANDRO VALIATIGUSTAVO MOLLER

ORGANIZADORES

ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

Este livro é o resultado dos esforços contínu-os, individuais e coletivos, dos projetos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho de Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo objetiva construir massa crítica acadêmica e pesquisa aplicada à gestão pública para subsidiar a tomada de decisões e fomentar a formação de capacidade técnica na área, levando em conta seu impacto na dinâmica social e econômica do país. A partir da produção de subsídios téoricos, avaliações aplicadas e estratégias de políticas para demarcar, busca-se compreender e propor formas de desenvolvimento do campo da economia da cultura no escopo da economia e indústrias criativas. Nesse sentido, o livro busca re�etir as experiências e expertises desenvolvidas no GT por meio de seus projetos de pesquisa e extensão. Ele conta com a participação de professores da UFRGS e parceiros, nacionais e internacionais, que estiveram ativamente envolvidos nas atividades do GT e que de alguma maneira contribuíram para a sua consolidação.

A era digital vem alterando o contexto no qual se dão as relações entre Estado e sociedade. A forma com a qual os Estados organizam sua burocracia, interagem com seus cidadãos, provêm bem-estar e

segurança, constroem alternativas institucionais para a resolução de seus con�itos e habilitam inúmeras formas de organização em rede da sociedade é objeto de pesquisa e ação dos Grupos de Trabalho do

Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O CEGOV realiza estudos e pesquisas sobre a ação governamental no Brasil e no mundo e preza pela excelência acadêmica no

desenvolvimento de seus projetos e pelo progresso da UFRGS como instituição, procurando contribuir para a interação institucionalizada entre a Universidade e as instituições da Administração Pública. Os

Grupos de Trabalho do Centro são responsáveis pela formulação, implementação e avaliação de projetos interdisciplinares em áreas

como política internacional, governança, processos decisórios, controle democrático, políticas públicas, entre outras.

Nesta coleção, intitulada “Capacidade Estatal e Democracia”, trabalhos dos pesquisadores participantes dos GTs e de colaboradores

externos são apresentados como contribuição para re�exão pública sobre os desa�os políticos e governamentais contemporâneos.

ISBN 978-85-386-0321-4

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS

PÚBLICAS

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Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV)

DiretorPedro Cezar Dutra Fonseca

Vice DiretorCláudio José Müller

Conselho Superior CEGOV Ana Maria Pellini, André Luiz Marenco

dos Santos, Ario Zimmermann, José Henrique Paim Fernandes, José Jorge Rodrigues Branco, José Luis Duarte Ri-

beiro, Paulo Gilberto Fagundes Visentini

Conselho Científico CEGOVCarlos Schmidt Arturi, Cássio da Silva Calvete, Diogo Joel Demarco, Fabiano

Engelmann, Hélio Henkin, Leandro Valiati, Jurema Gorski Brites, Ligia Mori

Madeira, Luis Gustavo Mello Grohmann, Marcelo Soares Pimenta, Vanessa Marx

Coordenação Coleção Editorial CEGOVCláudio José Muller, Gentil Corazza,

Marco Cepik

Reitor

Vice-Reitora e Pró-Reitorade Coordenação Acadêmica

Rui Vicente Oppermann

Jane Fraga Tutikian

EDITORA DA UFRGS

Diretor

Conselho EditorialCarlos Pérez Bergmann

Claudia Lima Marques

Jane Fraga Tutikian

José Vicente Tavares dos Santos

Marcelo Antonio Conterato

Maria Helena Weber

Maria Stephanou

Regina Zilberman

Temístocles Cezar

Valquiria Linck Bassani

, presidente

Alex Niche Teixeira

Alex Niche Teixeira

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS

PÚBLICAS

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PORTO ALEGRE2016

EDITORA

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© dos autores1ª edição: 2016

Direitos reservados desta edição:Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Coleção CEGOV Capacidade Estatal e Democracia

Revisão: Alexandre Piffero Spohr

Projeto Gráfico: Joana Oliveira de Oliveira, Liza Bastos Bischoff, Henrique Pigozzo da Silva

Diagramação: Luiza Allgayer, Marina de Moraes Alvarez

Capa: Joana Oliveira de Oliveira

Foto da Capa: Luiza Allgayer, Marina de Moraes Alvarez

Impressão: Gráfica UFRGS

Apoio: Reitoria UFRGS e Editora UFRGS

Os materiais publicados na Coleção CEGOV Capacidade Estatal e Democracia são de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução parcial e total dos trabalhos, desde que citada a fonte.

E19 Economia criativa, cultura e políticas públicas / organizadores Leandro Valiati [e] Gustavo Moller. – Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2016. 305 p. : il. ; 16x23cm (CEGOV Capacidade Estatal e Democracia) Inclui figuras, gráficos, quadros e tabelas.

Inclui referências.

1. Economia. 2. Economia criativa. 3. Economia da cultura. 4. Empreendimentos culturais. 6. Indús-trias criativas. 7. Cultura - Políticas públicas. I. Valiati, Leandro. II. Moller, Gustavo. III. Série.

CDU 316.7:33

CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.(Jaqueline Trombin– Bibliotecária responsável CRB10/979)

ISBN 978-85-386-0321-4

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SUMÁRIO

METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DE FEIRAS E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: O CASO DA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE GUADALAJARA 2015

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INDICADORES PARA AVALIAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS CULTURAIS E CRIATIVAS: UMA SÍNTESE

APRESENTAÇÃO

MICROCRÉDITO E EMPREENDIMENTOS CULTURAIS: ESTADO ATUAL E SUGESTÃO DE AÇÕES INCREMENTADORAS

IMPACTOS ECONÔMICOS DA ECONOMIA CRIATIVA COM ÊNFASE NO COMÉRCIO INTERNACIONAL: CONCEITOS, MÉTRICAS E ESTIMATIVAS PARA O CASO DO BRASIL

CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS DE ECONOMIA CRIATIVA APOIADOS PELO MINC

Marcelo Milan

Arjo Klamer

Arjo Klamer

Leandro Valiati, Gustavo Moller

Ronaldo Herrlein Jr, Ana Lúcia Tatsch

André Moreira Cunha, Daniela Magalhães Prates, Julimar da Silva Bichara, Leandro Valiati

Gláucia Angélica Campregher, Pedro Henrique Jatobá, Tiago Oliveira Baldasso

24

21

43

5

Mariana Willmersdorf Steffen, Marcos Tadeu Caputi Lélis, Tiago Wickstrom Alves

126

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70

7

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PREFÁCIOPENSAR ECONOMIA CRIATIVA PEDE POR OUTRA CIÊNCIA ECONÔMICA: INTRODUZINDO A ABORDAGEM “VALUE BASED”.

PREFACETHINKING ABOUT THE CREATIVE ECONOMY CALLS FOR ANOTHER ECONOMICS: INTRODUCING THE VALUE BASED APPROACH

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MAPEAMENTO DO SISTEMA FEDERAL DE INCENTIVO E FOMENTO À CULTURA

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CULTURA, CREATIVIDAD Y SISTEMAS DE DIAGNÓSTICO TERRITORIAL: EL CASO DEL CREATIVEMED TOOLKIT

VALORIZAÇÃO DA CULTURA: UM MÉTODO DE AVALIAÇÃO QUE PONDERA AS REALIZAÇÕES CULTURAIS E A SUSTENTABILIDADE ORGANIZACIONAL DE MUSEUS

ECONOMIA CRIATIVA, HUBS CRIATIVOS E A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

INDÚSTRIAS CRIATIVAS E DESENVOLVIMENTO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES ESTRUTURADORAS

Pau Rausell-Köster, Raúl Abeledo Sanchis

Leandro Valiati, Camila Lohmann Cauzzi

Karina Poli

J. Aldo Do Carmo

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186

11Hélio Henkin, Lucas Paes, Leandro Valiati

Antonio Albino Canelas Rubim

Eduardo Rodrigues Sanguinet, Cassio da Silva Calvete, Artur Peluso Waismann

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234

12

13

267

279

TESES SOBRE FINANCIAMENTO E FOMENTO À CULTURA NO BRASIL

ECONOMIA DA CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA NO BRASIL: UMA ANÁLISE CONJUNTURAL DO MERCADO DE TRABALHO (2014-2016)

211

Marcelo Scalabrin Müller, Pedro Perfeito da Silva, Débora Wobeto6 142

AS INDÚSTRIAS CRIATIVAS NA CHINA: PANORAMA E OPORTUNIDADES PARA COOPERAÇÃO BRASIL-CHINA

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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PREFÁCIO

ARJO KLAMERProfessor de Economia Cultural na Erasmus University

Para todos aqueles que estudam economia criativa, tenho um aviso impor-tante: mudem sua visão sobre economia.

A imagem padrão que norteia a maioria das políticas econômicas é a aquela do mercado ou de um sistema de mercados. Nós fomos ensinados a encarar os mercados como fornecedores e compradores, produtos e preços. O foco repousa na transação entre compradores e fornecedores. Os preços de tais transações batem recordes e o resultado na forma de produto interno bruto é utilizado para repre-sentar a performance econômica. Como consequência, a política econômica que tal imagem padrão proporciona está focada em aumentar o número de transações e, dessa forma, melhorar as condições de fornecimento e a disposição para comprar.

Essa imagem funciona bem em uma economia industrial e pode ainda fa-zer um bom trabalho em economias baseadas em serviços, entretanto, para a eco-nomia criativa ela é enganadora. (Para uma discussão mais elaborada veja meu: “Doing the Right Thing: A Value Based Economy”, de 2016).

Economia criativa é um conceito emergente, prestes a substituir a noção popular de economia informacional e de conhecimento. Com a introdução de tecnologia computacional, acreditava se que informação era a chave do progres-so. Acesso à informação era um bem desejável. Após a economia de informação, surgiu a economia do conhecimento, cada vez mais consciente de que informação não significa muito sem conhecimento. Onde a economia informacional inspirou investimento em tecnologias de informação e o desenvolvimento de serviços de

PENSAR ECONOMIA CRIATIVA PEDE POR OUTRA CIÊNCIA ECONÔMICA: INTRODUZINDO A ABORDAGEM “VALUE BASED”.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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agregação de informação, a economia do conhecimento focou em pesquisa e de-senvolvimento, em educação e nos assim chamados trabalhadores do conhecimen-to (knowledge workers). Em uma economia desse tipo, conhecimento é o recurso escasso. Acredita se que o estágio criativo da economia seja o próximo.

Uma economia criativa é sobre ideias e imagens, sobre significados, música é um bom exemplo disso. Música é som e, como tal, intangível e difícil de apreen-der. Música precisa ter significados para ser ouvida e, uma vez que isso ocorre, ela atrai atenção de outras pessoas. A música envolve transações de todos os tipos, mas ela é mais que isso. A mesma verdade é aplicável para design, arquitetura, moda, jogos, arte, Internet, conhecimento, comunidades, religião, e assim por diante. Todos esses bens adquirem valor por meio de transações econômicas, e o produto interno bruto não é capaz de contabilizar esse valor.

Mesmo que criatividade gere retorno financeiro, bens como música, rou-pas, filmes, livros e performances são criativos porque eles geram especialmente valor criativo. Os custos diretos de produção (pense materialmente: gastos com máquinas e trabalho) constituem apenas uma fração dos preços; pessoas pagam majoritariamente pelas imagens que elas representam, pela marca, por seus sig-nificados. O valor adicionado é em sua maioria imaginário, ou seja, está na mente das pessoas. Para fazer justiça à economia criativa, nós precisamos quebrar com o confinamento do pensamento econômico tradicional.

Quando falamos em termos de uma economia criativa, a discussão irá, ine-vitavelmente, focar nas condições que estimulam o trabalho criativo. Afinal, uma economia criativa representa trabalho criativo. Trabalho criativo requer trabalha-dores criativos. Criatividade é sua força norteadora. Como, então, a economia cria-tiva surge? Essa é uma questão que nos preocupa enquanto pesquisadores. Numa perspectiva inicial, criatividade pode ser considerada uma força de produção que precisa, alem de capital, trabalho e outros investimentos para gerar produtos e serviços criativos. A ideia genérica é de que indivíduos são criativos, então criati-vidade funciona por meio de trabalhadores criativos. Novos insights fazem dessa perspectiva obsoleta e falsa.

Como diversos pesquisadores mostraram, criatividade surge em ambientes criativos. Não importa quão criativos indivíduos possam ser, seus esforços serão inúteis se eles não encontrarem o local certo para crescer. Essa é a razão pela qual economistas adotaram a noção de comunidade criativa. As comunidades se refe-rem a espaços compartilhados que pessoas e organizações têm acesso, uma vez que elas desenvolvem atividades de conexão e associação. A associação usual é com as comunidades que cercam vilarejos, onde os habitantes locais têm acesso, por exemplo, a outras pastagens para suas ovelhas. As comunidades criativas consis-tem em práticas criativas.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Uma comunidade criativa existe porque pessoas e organizações participam, contribuem e se beneficiam mutuamente. Uma comunidade, portanto, requer uma prática que a constitua. Contribuições são elementos dessa prática; no caso de comunidades criativas, elas frequentemente se caracterizam como contribuições criativas. Contudo, igualmente importante é o interesse dos demais para aquilo que as comunidades propiciam. As comunidades devem gerar bens que beneficiam outros para sobreviverem. Os benefícios normalmente serão tais que outros dese-jarão pagar pelos bens, provendo assim os meios necessários para a sustentação das comunidades.

A prática de uma comunidade criativa é uma prática compartilhada. Isso significa que, dentro desse contexto, pessoas interagem de todas as formas, fazem coisas juntas, compartilham contribuições sem a intervenção de transações mone-tárias e procedimentos governamentais.

Csikszentmihalyi (1996), que estudou processos criativos extensivamen-te, concluiu que criatividade é menos o resultado de esforços individuais que um reflexo do ambiente criativo. Indivíduos podem ser criativos em qualquer circunstância, entretanto, se suas contribuições criativas não são reconhecidas e recebidas como tais, elas serão desperdiçadas (para exemplificação veja Csiks-zentmihalyi, 1996).

A estruturação de uma comunidade criativa não é o que as economias pa-drão estão em busca. Não é suficiente ter um governo com um programa e um orçamento; uma companhia comercial pode ser útil, mas geralmente é incapaz de gerar uma comunidade sustentável. Se a companhia deixasse de existir ou apoiar a comunidade, essa facilmente deixaria de existir. Portanto, a identificação de comu-nidades criativas necessita de outra imagem da economia, ou seja, uma imagem que mostre mais do que mercados e governos, como ocorre na perspectiva padrão da economia.

O que segue é a imagem que a abordagem de valores baseados proporciona:

C

S

M G

O

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O M está relacionado à esfera do mercado. Essa é a esfera do câmbio, de pro-dutos e seus preços, de demanda e oferta. Essa é a esfera na qual economias padrão prestam maior atenção. É a esfera da propriedade privada e das disponibilidades de pagamento. G se relaciona à esfera da governança, ou seja, das organizações, das regras e regulações, das leis e diretrizes, das taxas e dos subsídios. Na perspec-tiva padrão, G é a esfera na qual é necessário corrigir imperfeições de M. É ainda a esfera da organização, incluindo a organização de atividades comerciais na forma de companhias. Esta é a esfera do coletivo, dos bens públicos.

Novos nessa imagem são O, S e C. O está ligado ao oikos. Esta é a esfera na qual as pessoas reconhecem seu lar, sua família. Nessa esfera, pais educam seus filhos, e os filhos cuidam de seus pais idosos. M e G normalmente estão a uma dis-tância grande de O. A lógica de O é diferente, já que envolve o compartilhamento de bens e requer comunidade. No presente ensaio, O opera em segundo plano.

Importantes são as esferas C e S. C é a esfera cultural, artística, religiosa e simbólica em que os significados surgem. Quando John produz música, ele precisa de determinada resposta do público e, para tanto, faz se imprescindível uma comu-nidade criativa que gere significados para a música que ele produziu. Tocar Bach para uma tribo indígena isolada não terá uma resposta do público satisfatória, considerando a falta de práticas compartilhadas de geração de significados. Músi-ca coreana tradicional requer práticas compartilhadas contínuas para continuar a existir. John necessita de uma cena musical para desenvolver sua música. Sem C, a esfera cultural, artística, religiosa e simbólica não seria capaz de sobreviver. Esses conceitos seriam produções sem significados.

A esfera social, S, é aquela onde as pessoas interagem, socializam e man-têm relacionamentos, comunidades, clubes e sociedade. A atividade de aproveitar música normalmente é tão social quanto cultural. Pessoas compartilham músicas, dividem momentos em concertos e festivais. Moda, da mesma forma, é social no sentido de que é compartilhada pelas pessoas. As comunidades criativas são so-ciais porque elas abrangem pessoas trabalhando juntas e dividindo expressões e atividades criativas.

Por que a distinção dessas cinco esferas é importante para as pessoas in-teressadas em economia criativa? Porque, num panorama geral, é fácil perceber que a economia criativa não é sobre produzir produtos e vendê los no mercado por um bom preço (como a esfera M), com ou sem apoio governamental (o fator G), mas sobre a atuação das comunidades criativas. Produtores terão que incentivar as pessoas a participarem ou contribuírem para tais comunidades. A participação é social e, portanto, toma lugar na esfera social. Bens criativos requerem ambientes sociais de pessoas capazes de apreciá los, compartilhá los e aplaudi los. Novos bens requerem diferentes ambientes e, consequentemente, inovações sociais. Ao con-

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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trário do que a perspectiva padrão da economia sugere, bens criativos precisam de inovações sociais para florescer antes de serem jogados para o mercado de bens. Entender tudo isso é o que motiva nosso programa de pesquisa.

Então, o que é necessário para uma economia criativa?

Porque as esferas culturais e sociais são tão importantes para a emergência e funcionamento de uma economia criativa, pessoas e organizações criativas ten-dem a se aglomerar fisicamente. Sua presença em uma cidade ou região tende a atrair outras pessoas àquela cidade ou região. Pessoas criativas precisam uma das outras para o florescimento de sua criatividade, como mostrou Richard Florida (2002). Foi exatamente o que Csikszentmihalyi observou.

É menos claro o que atrai as pessoas para certas áreas, além da presença de pessoas criativas. Poderia ser a atratividade de uma cidade ou metrópole, mas isso não é um fator suficientemente explicativo, como muitas cidades atrativas com setores criativos fortes atestam.

O caso das cidades holandesas de Hilversem (minha cidade natal) e Eindho-ven nos dão algumas pistas para entender o problema. O que Eindhoven tem e o que falta para Hilversem são instituições universitárias. Tanto uma universidade técnica e uma academia de design contribuíram para a criação de um ambiente social que inspira práticas inovadoras. A Hilversem falta possuir tais instituições universitárias, e não há, portanto, atração para jovens criadores nem sequer um fluxo anual de pessoas que trabalham no setor como ocorrem em Eindhoven.

As facilidades de pesquisa, com o famoso laboratório de Phillips e com a pesquisa de companhias como a ASLM, são responsáveis pelo ambiente criativo de Eindhoven, sendo a Universidade Técnica de Eindhoven uma forte apoiadora de tal ambiente. Como aprendemos com o Vale do Silício, pesquisadores não tra-balham sozinhos, mas socializam de diversas formas e desenvolvem densas redes que constituem ambientes inovadores.

É o tipo de inovação social que é característica de uma economia criativa emergente. As facilidades culturais da cidade de Eindhoven estimulam interações informais. Eles funcionam como lugares de encontro, como geradores de momen-tos. Retomam a noção de comunidade criativa; é o que uma comunidade criativa gera. Hilversum prescinde de um ambiente inovador forte e é pequena e próxima demais de Amsterdam e Utrecht para gerar a densa vida cultural, ou a rica comuni-dade criativa na qual criatividade pode florescer.

Eindhoven, ainda mais que Hilversum, tem sido capaz de transformar an-tigos e abandonados parques industriais em espaços criativos, onde companhias criativas se reúnem, e atividades criativas tomam lugar. Aqui nós vemos outro fator importante: um governo responsável. Mesmo que os governadores de Hilversum

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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estejam mais propensos a apoiar a indústria midiática em suas cidades, faltam lhes incentivos para colaborarem com companhias privadas para atualizar os espaços industriais. Em Eindhoven, o governo tem sido ativo ao estimular, apoiar e facili-tar tais espaços. Todos os tipos de outros casos atestam a importância da colabo-ração entre governos e o setor privado para a geração de ambientes inovadores.

Isso não é dizer que esses fatores são conclusivos. Hilversum continua a ser uma cidade criativa apesar da educação universitária. Seu setor criativo sur-ge acidentalmente, como normalmente ocorre. A presença da mídia continua a atrair atividades criativas, ainda que não seja claro como a cidade de Hilversum se beneficia com isso. Elas provêm emprego para trabalhadores produtivos; algumas pessoas criativas com família, preferem Hilversum a Amsterdam, mas a maioria apenas se desloca de uma cidade para outra todos os dias. A infraestrutura cultu-ral da cidade continua a ser modesta por causa das ricas ofertas de Amsterdam e Utrecht, cidades vizinhas. Eindhoven se beneficia muito mais de seu setor criativo. Seu centro comercial passou por modernizações, possui uma rica matriz de ofertas culturais, e os parques industriais renovados propiciaram significante aumento da capacidade cultural da cidade. As pessoas criativas tendem a viver em Eindhoven ou na vizinhança próxima. Amsterdam está a uma grande distância, ao menos para os padrões holandeses.

Curiosamente, o desenvolvimento de um setor criativo dificilmente é o re-sultado do concerto de esforços governamentais. Não foi em Eindhoven e certa-mente não será em Hilversum. Mesmo um governo empreendedor não seria capaz de alcançar muita coisa sem iniciativas privadas espontâneas. Colaboração é a cha-ve, uma vez que ela pode gerar o tipo de inovação social necessária para a região.

Um bom governo é adequado. Governos são melhores quando levam em conta as fontes locais, incluindo fontes sociais e culturais, e trabalham com as for-ças já ativas, em vez de organizarem e imporem atividades inteiramente novas. Começar uma atividade completamente nova, fundar um setor que não encontra raízes na região, tais intervenções governamentais estão à beira do fracasso. A presença de atividades locais de artesanato, por exemplo, poderia ser explorada. Entretanto, não importa o que os governos façam, sem empreendedores culturais, ou seja, pessoas que desejam tomar riscos, têm a habilidade de mobilizar outras pessoas e o fazem com um olho atento para as potencialidades locais, as chances de crescimento são pequenas. Como o governo de Eindhoven fez, Hilversum deveria buscar identificar tais tipos empreendedores e trabalhar perto deles para apoiá los da melhor forma possível.

Portanto:

1) Pise fora das fronteiras econômicas padrão. Mude sua perspectiva da economia.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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2) Imagine uma economia com diferentes esferas e foque especialmente na esfera social quando para entender a economia criativa.

3) Fique atento a inovações sociais, capazes de trazer novas práticas e ge-rarem novas comunidades (criativas).

4) Entenda que grande parte da economia criativa é imaginária; ela é sobre ideia, imagens, experiências e valores.

5) Quando você mesmo é um profissional criativo, esteja ciente das práti-cas sociais que possibilitam uma economia criativa.

6) Quando você quiser trabalhar para governos ou organizações, esteja ciente da influência limitada que esses têm no desenvolvimento da eco-nomia criativa, incluindo inovações sociais. Você pode estar apto para facilitar, estimular e ainda apoiar tais desenvolvimentos, mas fará pou-ca diferença se quiser iniciar um novo negócio. Inclusive, você terá ainda menos chances de controlar diretamente os processos criativos.

Tendo levado esses pontos em consideração, eu deveria assinalar que estes são os princípios e diretrizes para agir. Eles não são fórmulas para o sucesso. Por isso, resistência e criatividade são necessárias, além de um pouco de sorte.

REFERÊNCIAS

CSIKSZENTMIHALYI, M. Creativity: Flow and the psychology of discovery and inven-tion, New York: Harper Perennial, 1996.

FLORIDA, R. The Rise of the Creative Class, New York: Basic Books, 2002.

KLAMER, A. Doing the Right Thing: A Value Based Economy, Nederlands: Boekhandel Voorhoeve, 2016.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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PREFACE

ARJO KLAMERProfessor of cultural economics, Erasmus University

For all those studying the creative economy, I have an important advice: change your picture of the economy.

The standard picture that informs most economic policies is that of the market, or a system of markets. We are made to see markets with suppliers and buyers, products and prices. The focus is on the transactions between buyers and suppliers. The prices of such transactions get recorded and the result in the form of Gross Domestic Product is taken to represent economic performance. As a consequence the economic policy that the standard picture informs, is focusing on increasing the number of transactions, and thus, to improve conditions of supply and the willingness to buy.

That picture works well for an industrial economy and may still do a pretty good job for a service based economy, but it is misleading for the creative economy. To comprehend the creative economy we are in need of another picture. (For an elaborate motivation see my “Doing the Right Thing: A Value Based Economy, 2016).

The creative economy is an emerging concept about to replace the popular notions of the information and the knowledge economy. With the introduction of computer technology information was believed to be the key to progress. Access to information was the desired good. After the information economy came the knowledge economy as the awareness grew that information does not mean much without knowledge. Where the information economy inspired investment in information technology and the development of information gathering services,

THINKING ABOUT THE CREATIVE ECONOMY CALLS FOR ANOTHER ECONOMICS: INTRODUCING THE VALUE BASED APPROACH

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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the knowledge economy focuses on research and development, on education and on so-called knowledge workers. In such an economy knowledge is the scarce good. The creative economy is believed to be the next stage.

A creative economy is about ideas and images. It is about meanings. Music is a good example. Music is sound and as such intangible and difficult to grasp. Music has to be meaningful to be heard. Once it is heard, it may attract more and more attention. The music involves transactions of all kinds, but is about so much more. The same is true for design, architecture, fashion, games, art, the internet, knowledge, communities, religion and so much more. All these goods acquire their value beyond the economic transactions. GDP does not account for that value.

Even though creativity will generate financial revenue, goods like music, clothes, movies, books, and performances are creative because they generate mainly creative value. The direct costs of production (think of material, input of machines, and labor) constitute only a fraction of their price; people pay mainly for the image that they represent, the label, their meanings. The value added is mainly imaginary, that is, in the minds of people. To do justice to the creative economy we need to break from the confines of traditional economic thinking.

By speaking in terms of a creative economy, the discussion will inevitably focus on the conditions that stimulate creative work. After all, a creative economy represents creative work. Creative work requires creative workers. Creativity is its driving force. How then does creativity come about? It is a question that preoccupies us researchers. In a standard perspective creativity might be considered a force of production that is needed besides capital, labor and other inputs to generate creative products and services. The general assumption is that individuals are creative so creativity works by way of creative workers. New insights render such a perspective obsolete and false.

As numerous researchers have shown creativity comes about in a creative environment. No matter how creative individuals may be, their efforts will become little to nothing if they do not find the right response to their ideas. That is why cultural economists have embraced the notion of the creative commons. The commons refers to a shared space to which people and organizations have access if they participate in the practices that make up the commons. The usual association is with the commons that surround villages to which all villagers have access for example to let their sheep graze. The creative commons consist of creative practices.

A creative commons exists because people and organizations participate, contribute and benefit. A commons, therefore, requires a practice that constitutes it. Contributions are critical as without them the commons will be depleted. Contributions are elements of the practice; in case of creative commons they often

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are creative contributions. But equally important is the interest of others for what the commons brings about. The commons must generate goods that benefit others to survive. The benefits usually will be such that others are willing to pay for the goods thus providing the means that are necessary to sustain the commons.

The practice of a creative commons is a shared practice. That means that within its context people interact in all kinds of ways, do things together, share contributions without the intervention of monetary transactions and governmental procedures. The interactions are social in kind. Csikszentmihalyi (1996), who has studied creative processes extensively, has concluded that creativity is not so much the outcome of individual efforts (as by a genius), but the reflection of a creative environment. Individuals may be creative any time, but if their creative contributions are not recognized and received as such, they will go to waste (see for example (CSIKSZENTMIHALYI, 1996).

The realization of a creative commons is not what standard economics foresees, or for which it provides a clue. It is not enough to have a government with a program and a budget; a commercial company may get something going but usually is unable to generate an sustainable commons. Would the company leave, it usually means the end of the commons that it brought about. Accordingly, identifying the creative commons calls for another picture of the economy, that is, a picture that shows more than markets and governments as in the standard economic picture.

The following is the picture that the value based approach provides:

C

S

M G

O

The M stands for the market sphere. This is the sphere of exchange, of products and their prices, of demand and supply. This is the sphere to which standard economics pays most attention. It is the sphere of private property and of the willingness to pay. G stands for the sphere of governance, that is, of organizations, of rules and regulations, of laws and directives, of taxes and subsidies. In the standard

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economic picture G is the sphere that we need to correct imperfections of M. It is also the sphere of organization, including the organization of commercial activities in the form of companies. And it is the sphere of the collective, of public goods.

New in this picture are O, S, and C. O stands for the oikos or home. This is the sphere in which people realize their home, their family life. In this sphere parents raise their children and children take care of their ageing parents. M and G are usually at great distance from the O. The logic of the O is different, too, as it involves the sharing of goods and requires community. In this essay the O operates in the background.

Important are the spheres of C and S. In C, the cultural sphere, artistic, religious and symbolic values come about. When John makes music, the music has to resonate and for that it needs a cultural practice, a creative commons, that renders such music meaningful. Playing Bach for an isolated Indian tribe will most likely not resonate by lack of a shared practice. Traditional Korean music requires ongoing practices in order to survive. John needs his scene in order to develop his music. Without C, the cultural sphere, artistic, religious and symbolic values won’t be able to survive. They would be rendered meaningless.

The social sphere, S, is where people interact, socialize, and entertain relationships, communities, clubs and societies. Enjoying music usually is social as much as it is cultural. People share certain music, they join each other in going to concerts and festivals. Fashion, too, is social in the sense that it is shared by people. The creative commons are social because they involve people working together and sharing creative expressions and activities.

Why is the distinction of these five spheres important for people interested in the creative economy? Because the picture makes clear that the creative economy is not about producing products and selling them on the market for a good price (in the M sphere) with or without governmental support (the G factor), but requires the realization of, or participation in creative commons, Practices in C, the cultural sphere are needed to render the goods meaningful; they need to be in the relevant conversation, in order to be discussed, judged to be meaningful and interesting. Producers will have to seduce people to participate in or contribute to that commons. The participation is social and therefore takes place in the social sphere. Creative goods require a social environment of people able to appreciate them, to share them and to applaud them to others. New goods require different environments and hence social innovations. Other than the standard picture suggests, creative goods need a social innovation in order to flourish before they make a chance in the market sphere. To understand all that is what motivates our research program.

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So What is Needed for a Creative Economy?

Because the social and cultural spheres are so important for the emergence and functioning of a creative economy, creative people and creative organizations tend to cluster physically. Their presence in a town or region tends to attract others to that town or region. Creative people need each other for their creativity to blossom, as Richard Florida has been able to show (FLORIDA, 2002). It is just what Csikszentmihalyi had observed.

It is less clear what attracts creative people to certain areas, other than the presence of creative people. It could be the attractiveness of a town or city. But that is not a sufficient factor as many attractive city without a strong creative sector can attest.

The cases of the Dutch cities of Hilversum (my home town) and Eindhoven provide some clues. What Eindhoven has, and what Hilversum lacks, are institutions of higher education. Both a technical university and an academy of design have contributed to a social environment that inspires innovative practices. Hilversum lacks such institutions of higher education, and does not, therefore, attract young creatives and does not experience an annual influx of well-trained creatives as Eindhoven does.

The presence of research facilities, starting with the famous labs of Phillips and continued with the research environment of companies like ASML, is responsible for an innovative and creative environment in Eindhoven. The technical university of Eindhoven is a strong support for such an environment. As we learned in the Silicon Valley, researchers do not just work in their own working environment but they socialize in all kinds of settings and develop dense networks that constitute the innovative environment. It is the kind of social innovation that is characteristic of an emerging creative economy. The cultural facilities of the town Eindhoven facilitate and stimulate the informal interactions. They function as meeting places, as generators of serendipitous moments. Recall the notion of the creative commons; it is what a community of creative e people generates. Hilversum is lacking such a strong innovative environment and is too small and too close to Amsterdam and Utrecht to generate a dense cultural life, or a rich creative commons, in which the creatives can mingle and flourish. They prefer to do the mingling in Amsterdam and do the work in the media campus in Hilversum.

Eindhoven also more than Hilversum has been able to transform old and abandoned industrial sites into creative spaces where creative companies gather and creative activities take place. Here we see another important factor and that is a responsive government. Even though the governors of Hilversum are eager to support the media industry in their town, they lack the means and the endurance to collaborate with private companies to realize such transformations of old

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industrial sites. In Eindhoven the government has been active in stimulating, supporting and facilitating those industrial sites. All kinds of other cases attest to the importance of the collaboration between governments and the private sector for the generation of innovative environment.

This is not to say, that these factors are conclusive. Hilversum continues to be a creative town in spite of the lack of higher education. Its creative sector came about in an accidental way, as it usually does. The presence of the media continue to attract creative activities, although it is not clear how the city of Hilversum benefits from them. They provide employment for production workers; some creative people with a family prefer Hilversum above Amsterdam, but most travel back and forth. The cultural infrastructure of the town continues to be modest because of the rich offerings in Amsterdam and Utrecht nearby; tourism is all but absent. Eindhoven benefits a great deal more from its creative sector. Its downtown got a facelift, it has a rich array of cultural offerings, and the transformed industrial sites significantly increased the cultural capital of the city. The creative people tend to live in Eindhoven or in the near neighborhood thus adding to a lively climate. Amsterdam is too far away, at least according to Dutch standards.

Strangely maybe, the take-off of a creative sector is hardly ever is the result of a concerted governmental effort. It has not been in Eindhoven and it certainly was not in Hilversum. Even an entrepreneurial government in Eindhoven would not have been able to accomplish a great deal without spontaneous private initiatives and situations that it cannot control or influence. Collaboration is the key as it may generate the kind of social innovation that is called for.

A good government is responsive. Governments do better taking into account the local sources, including social and cultural sources, and work with the acting forces rather than organizing and imposing entirely new activities. Starting an activity all anew, founding a sector that has no roots whatsoever in the local area, such governmental interventions are bound to fail. The presence of local craft traditions, for example, can be exploited. However, no matter what governments do, without cultural entrepreneurs, that is people who are willing to take risks, have to ability to mobilize other people, and do so with a keen eye for local strength, they stand little chance. As the government of Eindhoven did, they should identify such entrepreneurial types and work closely with them to facilitate and support them whenever possible.

Therefore:

1) Step outside the boundaries of standard economics. Change your picture of the economy

2) Picture an economy with different spheres and focus especially on the

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social sphere when you try to understand the creative economy.

3) Watch for social innovations that bring about new practices, and generate a new (creative) commons.

4) Understand that a big part of the creative economy is imaginary; it is about ideas, images, experiences and values.

5) When you are a practitioner yourself, be aware of the social practices that make up a creative economy and look for the vital clusters and brooding spaces.

6) When you want to work for governments or organizations, be aware of the limited influence these have on the development of the creative economy, including social innovations. You may be able to facilitate, stimulate and support such developments but will make little chance if you want to initiate them. You will have even less of a chance to control and direct creative processes.

7) Having noted this all, I should point out that these are principles and directives for action. They are no formulas for success. For that, endurance and creativity are required, and a dose of luck.

REFERENCESCSIKSZENTMIHALYI, M. Creativity: Flow and the psychology of discovery and invention, New York: Harper Perennial, 1996.

FLORIDA, R. The Rise of the Creative Class, New York: Basic Books, 2002.

KLAMER, A. Doing the Right Thing: A Value Based Economy, Nederlands: Boekhandel Voorhoeve, 2016.

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APRESENTAÇÃOLEANDRO VALIATI

Professor e pesquisador de Economia da Cultura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do grupo de trabalho

Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) – UFRGS. E-mail:

[email protected].

GUSTAVO MOLLERMestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e

Bacharel de Relações Internacionais pela mesma instituição. Responsável pela gestão dos projetos do GT de Economia Criativa,

Cultura e Políticas Públicas

Este livro é o resultado dos esforços contínuos, individuais e coletivos, dos projetos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho de Economia Cria-tiva, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Go-verno (Cegov) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo objetiva construir massa crítica acadêmica e pesquisa aplicada à gestão pública para subsidiar a tomada de decisões e fomentar a formação de capacidade técnica na área, levando em conta seu impacto na dinâmica social e econômica do país. A partir da produção de subsídios téoricos, avaliações aplicadas e estratégias de políticas para demarcar, busca-se compreender e propor formas de desenvolvi-mento do campo da economia da cultura no escopo da economia e indústrias criativas. Nesse sentido, o livro busca refletir as experiências e expertises desen-volvidas no GT por meio de seus projetos de pesquisa e extensão. Ele conta com a participação de professores da UFRGS e parceiros, nacionais e internacionais, que estiveram ativamente envolvidos nas atividades do GT e que de alguma ma-neira contribuíram para a sua consolidação.

O livro foi separado em quatro seções de acordo com as linhas de pesquisa desenvolvidas pelo GT. Apesar de sobrepostas em alguns aspectos, elas facilitam a compreensão e, no caso específico deste livro, tornam a leitura mais dinâmica

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e lógica. A primeira seção aborda os novos modelos de negócios nas indústrias criativas com enfoque (1) no impacto da transição tecnológica; (2) na territoria-lização e na especificação dos setores criativas; e (3) nas dinâmicas de inovação institucional e do empreendedorismo local. Tendo por base esses três eixos, os capítulos 1, 2 e 3 giram, respectivamente, em torno (1) das dificuldades de avalia-ção e criação de indicadores para a avaliação de processos e impactos nos setores cultural e criativo, considerando-se a influência e a especificidade da tecnologia nesse setor e das propostas de indicadores criadas para o Ministério da Cultura para tanto; (2) do acompanhamento e avaliação a implementação de uma política de desenvolvimento territorial pela Secretaria de Economia Criativa do MinC, por meio do monitoramento da execução dos planos de desenvolvimento (PDs) de vin-te e sete APLs intensivos em cultura; (3) e do estado atual e possibilidades futuras do microcrédito para empreendimentos culturais no Brasil.

A segunda seção por sua vez é focada no comércio internacional. Ela pro-cura entender a dinâmica econômica e geopolítica do comércio internacional con-temporâneo com ênfase nas indústrias criativas e cadeias globais de serviços. Para tanto, a pesquisa se instrumentaliza a partir da aplicação de instrumentos práti-cos de análise e proposição de políticas e mecanismos de internacionalização nas ICs. São construídas também reflexões teóricas e aplicadas, a partir de bases de dados de comércio internacional e tecnologias de avaliação de impacto e processo de acesso a novos mercados contemporâneos. Nesse sentido, o capítulo 4 discute metodologias para mensurar os impactos econômicos dos setores culturais e cria-tivos, bem como apresenta estatísticas sobre os fluxos comerciais dos seus bens e serviços para o período 2003-2014, com ênfase para o caso do Brasil. O capítulo 5, por sua vez, foca na avaliação de feiras internacionais para internacionalização da área cultura no Brasil. Como exemplo de aplicação do instrumento desenvolvido, temos a demonstração da aplicação na Feira do Livro de Guadalajara de 2015. Por fim, o capítulo 6 traz um mapeamento das oportunidade de cooperação em econo-mia criativa entre Brasil e China.

A terceira seção tem os estudos setoriais em economia da cultura e indús-trias criativas como enfoque. Procura-se, nessa seção, realizar de um diagnóstico dos mercados brasileiro e global de bens e serviços de indústrias criativas. Para tanto, efetua-se uma análise das distintas cadeias produtivas desses setores a par-tir de indicadores e estudos de impacto no PIB. Na abertura dessa seção, o capítulo 7 traz a metodologia desenvolvida pela Unidad de Investigación en Economía de la Cultura (Econcult, Universidad de Valencia) com o CreativeMED Kit. Na sequên-cia, o capítulo 8 traz uma revisão e proposta de índices para a comparação e a mensuração dos setores da economia criativa de maneira a viabilizar indicadores setoriais. Por fim, o capítulo 9 traz uma proposta de metodologia de avaliação se-torial com o estudo de caso do setor de museus.

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Por último, a seção foca no fomento à cultura brasileira e mercado de tra-balho: políticas e indicadores. Buscou-se, nessa seção, mapear o processamento das distintas formas de fomento e incentivo à cultura brasileiros, tanto do lado da oferta quando da demanda, a fim de conhecer a composição e distribuição do fo-mento federal à cultura do país. Além disso, objetiva-se dar um panorama do mer-cado cultural e criativo no Brasil (capítulo 13). Nesse sentido, os capítulos 10, 11 e 12 buscam dar conta do panorama do financiamento à cultura no Brasil, passando desde uma reflexão sobre o papel do agente cultural (capitulo 10), os mecanismos existentes para fomento no Brasil (capitulo 11), e a análise da dinâmica desse pro-cesso no país (capítulo 12).

A produção de massa crítica aplicada à realidade nos temas aqui aborda-dos pode contribuir para repensar caminhos para o desenvolvimento brasileiro. Isso porque trata-se de ativos e processos produtivos geradores de valor econômi-co qualitativo e acesso a novos mercados que têm por características alto capital humano, tecnologia e mudança estrutural na distribuição produtiva e de renda.

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INDICADORES PARA AVALIAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS CULTURAIS E CRIATIVAS: UMA SÍNTESE1

(1) Esse capítulo foi inspirado no trabalho conjunto desenvolvido pelo Cegov-UFRGS junto à Secretaria de Políticas Culturais do MinC entre 2014 e 2016, em especial nas interações e trocas de conhecimento com o diretor de empreendedorismo, gestão e inovação à época, Gustavo Vidigal, a quem este capítulo é dedicado.

1

MARCELO MILANDoutor em Economia pela Universidade de Massachusetts Amherst. Pro-fessor de Economia e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Pesquisador do Cegov. E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

A implementação de políticas públicas para o fomento das atividades cul-turais e criativas com objetivos de desenvolvimento socioeconômico e territorial é relativamente recente no Brasil. Portanto, o país se encontra ainda nos estágios iniciais dessa experiência e de sua curva de aprendizado, necessitando de instru-mentos e metodologias de avaliação que permitam identificar gargalos e expe-riências bem-sucedidas que possam ser replicadas. Um aspecto importante para o aprimoramento das políticas implementadas e das experiências desenvolvidas é a construção de indicadores de avaliação dos processos e dos resultados ou impac-tos dessas políticas e experiências. Os indicadores são importantes para entender especificamente como determinadas políticas afetam o desenvolvimento da ativi-dade econômica de base cultural ou criativa.

As atividades culturais e criativas possuem características específicas que dificultam a construção de métricas precisas. Por isso os indicadores podem pro-porcionar apenas mensuração indireta, imperfeita e incompleta (indicam estados ou estágios específicos apenas, não determinam). A cultura em particular possui uma dimensão qualitativa que não se pode mensurar. Por exemplo, as diferen-ças culturais são importantes, e políticas são desenvolvidas para preservá-las. A única característica que muitas atividades culturais têm em comum é justamente o fato de serem expressões culturais, mas esse elemento é qualitativo e não se presta à comensurabilidade. Como há muito estabelecido por Karl Marx no caso das trocas mercantis, a comensurabilidade exige um núcleo comum, algo que se possa comparar e equalizar. No caso da cultura o ‘algo’ comum não é compará-vel. Uma expressão cultural não é melhor, maior ou superior a outra expressão cultural, seja no tempo, seja no espaço. Mesmo que essas expressões culturais se traduzam na forma de mercadorias, permitindo equalização via quantidades monetárias, elas possuem uma dimensão simbólica que não se resume à dimen-são comercial, mesmo quando produzidas para a circulação social, como deve ser, já que a cultura é atividade cujo sentido é prima facie social. Ou seja, a cultura pode ser um instrumento de desenvolvimento econômico e territorial, mas é também um fim em si, e enquanto tal cria dificuldades para a mensuração do impacto socioeconômico das atividades.

Além disso, no caso das atividades criativas e culturais, é difícil isolar os efeitos das políticas públicas. Muitas manifestações culturais e criativas aconte-cem por meio de ações organizadas da sociedade civil, na forma de atividade mer-cantil voltada para o lucro e também na forma de atividades culturais sem fins lucrativos. Portanto, uma parte das atividades pode acontecer mesmo sem apoio público. Os impactos indiretos das ações públicas são ainda mais difíceis de men-

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surar, pois muitas políticas acabam por ter um efeito transformacional qualitativo, como as atividades de formação de agentes que antes não estavam inseridos no meio cultural e criativo e que passam a atuar depois de ter acesso aos serviços pro-porcionados pelo setor público. Se carreiras e empreendimentos são desenvolvidos exclusivamente a partir desses serviços, os impactos permanentes das políticas públicas devem ser considerados fundamentais, mas de difícil mensuração, pois as trajetórias alternativas que poderiam ser seguidas são muito amplas. Feitas essas ressalvas, que não exaurem a complexidade envolvida nas políticas de apoio às atividades culturais e criativas, é importante construir indicadores, ainda que in-completos e imperfeitos, que permitam avaliar em que medida ações de estímulo à cultura são efetivas. Esses objetivos, obviamente, não exaurem todos os possíveis usos de indicadores voltados para a cultura e a criatividade. Assim, Jackson, Kab-wasa-Green e Herranz (2006) desenvolvem indicadores para mensurar a vitalidade cultural de comunidades nos Estados Unidos, e Sheppard (2014) discute os impac-tos econômicos e sociais das organizações culturais.

Este capítulo discute alguns indicadores para a avaliação de processos e im-pactos nos setores cultural e criativo, estando organizado da seguinte forma. Na próxima seção são apresentados apontamentos metodológicos sobre a construção de indicadores em geral e de indicadores para os segmentos cultural e criativo em particular. Na seção seguinte são discutidos os indicadores propostos pelo Cegov--UFRGS para o Ministério da Cultural por meio de convênio estabelecido entre as entidades. A última seção conclui a discussão, apresentando vantagens e limita-ções dos indicadores.

A ESCOLHA DOS INDICADORES: ASPECTOS METODOLÓGICOS

Segundo a Unesco (2014), a contribuição da cultura para o desenvolvimen-to sustentável é clara. O papel dos indicadores é mostrar como essa contribuição ocorre, isto é, quais os mecanismos que mapeiam essa conexão. Nessa interpreta-ção, a cultural é totalmente instrumental, sendo utilizada para atingir outros fins, igualmente importantes. Contudo, a dificuldade de se desenvolver indicadores as-sociados às atividades culturais e criativas fica clara no Quadro 1 a seguir, tradu-zido de material elaborado pelo Conselho Europeu sob o projeto Compendium, e que mostra os possíveis impactos (indiretos) socioeconômicos da cultura, a partir de questões que podem ser afetadas pelo próprio desenvolvimento das atividades culturais (CONSELHO EUROPEU, 2016).

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Quadro 1. Impactos Socioeconômicos da Cultura segundo o Conselho Europeu(continua)

COMPONENTE SOCIOECONÔMICO VALORIZADO

QUESTÃO

Coesão socialOrientação intercultural vs. xenofobia

Integração das pessoas com deficiência ou refugiados

Inovação e Criatividade

Relevância social de ideias novas, desconhecidas

Oportunidade para novas empresas (startups)

Propensão a risco empresarial

Modelos artísticos para o desenvolvimento ou ‘teste’ de novos produtos e serviços

Educação

Perspectivas culturais individualistas vs. coleti-vistas sobre educação

Capacidade e construção do conhecimento

Educação intercultural

Bem-estar e Saúde

Bem-estar geral psicológico

Eficácia de prevenção e terapia

Custos de bem-estar

Coesão familiar e relações entre jovens e idosos

Crenças de saúde: tratamentos médicos vs. inter-venções espirituais

Sustentabilidade

Eficácia da reciclagem de resíduos

Responsabilidade socioambiental

Disposição a pagar por economias e sociedades mais verdes

Sustentabilidade populacional: efeitos de migração para dentro e para fora / Mudança na composição social e cultural das comunidades afetadas

Influências Econômicas

Competitividade empresarial através da inovação

Indústrias criativas e culturais

Turismo e atratividade dos destinos

Recursos culturais como motivadores para opor-tunidades de crescimento e de emprego

Patrocínio cultural e apoio

Comunicação e Interações

Idiomas

Crenças e comportamentos culturais

Minorias e seu legado

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Quadro 1. Impactos Socioeconômicos da Cultura segundo o Conselho Europeu(conclusão)

Fonte: Conselho Europeu (2016). Tradução nossa.

COMPONENTE SOCIOECONÔMICO VALORIZADO

QUESTÃO

Sociedade e Comportamento Social

Melhora da compreensão e da capacidade de ação

Criação e retenção de identidade

Modificação de valores e preferências pela esco-lha coletiva

Construção da coesão social

Contribuição para o desenvolvimento integrado da comunidade

Promoção da participação cívica

Nessa abordagem, os impactos indiretos são apresentados de forma mui-to genérica, nem sempre passível de mensuração e logo de aferição por meio de indicadores. Na verdade, dada a clara transversalidade adotada na definição dos componentes socioeconômicos valorizados, muitos desses – e mesmo a identifica-ção de alguns atributos como socioeconômicos, por exemplo bem-estar e saúde, é passível de questionamento – poderiam ser satisfeitos por diversas atividades sem relação necessária com a criatividade e a cultura. Assim, a integração social de pes-soas com deficiência ou refugiados pode ser feita por meio de atividades esportivas sem vinculações com expressões culturais. Essa dificuldade específica resulta da definição ampla de cultura utilizada no projeto Compendium.2

A construção de indicadores para as atividades cultural e criativa enfrenta outros desafios, relacionados tanto à própria metodologia de elaboração quanto às especificidades dos setores cultural e criativo referidas acima. A OCDE (2008) defende a utilização de indicadores compostos para avaliações de países em geral, não para avaliação de atividades culturais e criativas. Contudo, a discussão pode ser adaptada para o caso das últimas. Do ponto de vista da capacidade de síntese, esse tipo de indicador sem dúvida oferece uma visão geral e é adequado para muitas ati-vidades culturais e criativas, como se discute a seguir. Contudo, é preciso identificar a evolução dos componentes do indicador composto, que muitas vezes possuem va-lor informativo para processos decisórios, de forma isolada. O documento mostra

(2) “[A] cultura refere-se a padrões característicos de atitudes, valores, crenças e compor-tamentos compartilhados por membros de uma sociedade ou população”. “A cultura é uma maneira de viver, pensar e de se comportar”. “[A] cultura encompassa muitos elementos, incluindo linguagem, costumes, crenças, tradições e formas de comunicação. Outra maneira de se definir a cultura é descrevê-la ‘como as coisas são feitas por aqui’.” (CONSELHO EU-ROPEU, 2016, tradução nossa).

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algumas vantagens desse tipo de indicador: têm a capacidade de resumir realidades complexas e multidimensionais, são fáceis de interpretar, permitem avaliar pro-gresso em algumas direções e reduzem o volume de dados sem perder a relevância da informação (OCDE, 2008, p. 13). Por sua vez, as desvantagens são as seguintes: podem enviar mensagens equivocadas se mal construídos ou interpretados, podem induzir conclusões simplistas, podem ser mal empregados caso não tenham funda-mentos conceituais e estatísticos sólidos, a seleção de indicadores e da ponderação pode gerar disputas, problemas em algumas dimensões podem ser mascarados, e pode haver dificuldade de mensuração em algumas dimensões (OCDE, 2008).

A multidimensionalidade de muitos fenômenos, o que os torna complexos, sugere de fato a utilização de indicadores compostos para que todas as dimensões sejam contempladas na avaliação, mas sem diluição das informações em uma grande quantidade de variáveis. A complexidade e multidimensionalidade da cultura e da atividade criativa são claras. Dessa forma, a Unesco (2014) reconhece que a atividade cultural, por exemplo, tem impactos multidimensionais sobre o processo de desenvolvimento. A divisão de diversidade de expressão cultural da Unesco desenvolveu os Indicadores de Cultura para o Desenvolvimento (Culture for Development Indicators – CDIS) para mensurar a contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável. Essa ferramenta inclui 22 indicadores, distribuídos em sete dimensões, conforme o Quadro 2 a seguir:

Quadro 2. A Multidimensionalidade Cultural do Desenvolvimento, segundo a Unesco(continua)

DIMENSÃO INDICADORES

Economia

Contribuição das atividades culturais para o PIB

Emprego cultural

Dispêndio com cultura

Educação

Educação inclusiva

Educação multilinguística

Educação artística

Treinamento profissional no setor cultural

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Quadro 2. A Multidimensionalidade Cultural do Desenvolvimento, segundo a UNESCO(conclusão)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unesco (2014).

DIMENSÃO INDICADORES

Governança

Estrutura para estabelecer padrões para a cultura

Estrutura política e institucional para a cultura

Distribuição de infraestrutura cultural

Participação da sociedade civil na governança cultural

Participação social

Participação em atividades culturais externas

Participação em atividades culturais formadoras de identidade

Tolerância com outras culturas

Confiança interpessoal

Liberdade de autodeterminação

Igualdade de gêneroResultado objetivo de igualdade de gênero

Percepção de igualdade de gênero

Comunicação

Liberdade de expressão

Acesso e uso da Internet

Diversidade de conteúdo ficcional na TV pública

Patrimônio histórico Sustentabilidade do patrimônio histórico

Segundo a metodologia proposta pela OCDE (2008), cada uma das sete di-mensões se constitui em um índice composto de um ou mais indicadores isolados. Questiona-se se seria mesmo possível desenvolver um indicador composto único de multidimensionalidade cultural, com cada dimensão representando um indica-dor composto e ao mesmo tempo isolado. Contudo, como mensurar aspectos qua-litativos, como a educação inclusiva, para a construção de alguns indicadores iso-lados? Os problemas de ponderação de cada indicador isolado ficam claros. Como comparar a importância do indicador de tolerância com outras culturas com a do indicador de confiança interpessoal? Como comparar a importância da igualdade de gênero com a do patrimônio histórico? Nesse caso, o indicador composto não parece prover uma resposta adequada para o problema de aferir a importância multidimensional da cultura para o desenvolvimento.

A multidimensionalidade, ainda, faz com que a atividade cultural seja diluída em muitas dimensões, sendo que muitas vezes a natureza cultural do indicador não fica de forma nenhuma clara – crítica que é feita ao Conselho

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Europeu e à Unesco. Seria a liberdade de autodeterminação uma característica intrinsecamente cultural? Isso sugere que, para fins operacionais, os indicadores sejam mais específicos e mensuráveis, e que mesmo aspectos qualitativos possam ser aproximados por meio de métricas específicas desenvolvidas para esse fim. De qualquer forma, todas essas propostas metodológicas mostram que os indicadores de atividades criativas e culturais devem ir além da dimensão econômica. A própria Unesco (2009) contempla duas dimensões em seu Arcabouço para Estatísticas Culturais (Framework for Cultural Statistics): econômica (atividades e produtos culturais, comércio internacional, emprego, e patrimônio histórico) e social (participação social e patrimônio histórico intangível). O IBGE adota essa abordagem para a compilação dos dados de seu sistema de informações e indicadores e da cultura (IBGE, 2013).

Com relação à economia criativa em particular, o projeto Creative Med apresenta indicadores regionais da indústria criativa por meio de um kit de fer-ramentas (toolkit) (CREATIVE MED, 2014). O mapa virtual possui seis itens para todas as regiões da Europa, com os três primeiros itens tendo um conjunto de indicadores, conforme o Quadro 3 abaixo, e os demais itens sendo de avaliação dos itens 2 e 3. Para cada indicador, há dados comparativos incluindo a própria região sob análise, para o Mediterrâneo, regiões de referência (similares), para o país em que se encontra a região e para o continente europeu. A partir dos indicadores comparados é possível avaliar se o indicador é ruim, normal ou bom em compara-ção com outras áreas. A caixa de ferramentas possui uma grande vantagem, que é a identificação de gargalos e a prescrição de políticas, que também são comparadas com um parâmetro de políticas consideradas ‘inteligentes’ (RIS3). Ou seja, a meto-dologia desenvolvida pelo projeto Creative Med deixa claro que não é possível ter políticas públicas de incentivo e fomento sem indicadores de avaliação, incluindo o contexto, que também são afetadas por políticas públicas. Por exemplo, uma política pública efetiva em fomentar os setores culturais e criativos por meio de medidas ‘inteligentes’ pode modificar as pré-condições, reduzindo, por exemplo, a taxa de desemprego, atraindo mais trabalhadores e trabalhadoras criativas e cul-turais, que aumentam a população e também elevam o poder de compra per capita por meio dessas atividades. No Brasil, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2014) desenvolve estatísticas específicas de produção, emprego e renda no setor criativo. Contudo, a indústria criativa é definida nesse estudo de forma muito abrangente, incluindo setores tradicionais caracterizados pela industrializa-ção e atividades de rotina.

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Quadro 3. Indicadores Regionais para a Economia Criativa(continua)

ITEM INDICADOR

Contexto

Habitantes

Poder de compra padrão por habitante

Taxa de desemprego

Pré-condições

Estrutura urbana (% de residências por grau de urbanização)

Indústrias semicriativas (têxteis, vestuário e cou-ro; madeira, papel e impressão; outras manufa-turas)

Trabalhadores(as) nos setores criativo e cul-tural (propaganda, criação artística e literária, patrimônio histórico, impressão e publicações, rádio e televisão, varejo e distribuição, software, e outros).

Recursos culturais

Nível de educação da população

Classe criativa (% de pessoas na classe criativa – gerentes e profissionais na população ativa)

Qualidade das instituições

Índice Creative Med (ou criatividade coletiva)

Parcerias em escala comunitária (participação em associações, confiança nos outros, preocu-pação com as condições de vida e Internet para propósitos sociais)

Ecossistemas socioeconômicos translocais (acessi-bilidade multimodal, migrantes com habilidades, conexão comercial e turismo)

Inovação territorial (atitude inovadora, atitude empreendedora, placar regional de inovação (RIS) e pessoal universitário)

Diagnóstico

Pré-condições (principais fraquezas e principais forças)

Índice Creative Med (principais fraquezas e principais forças)

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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ITEM INDICADOR

Bateria de ações/políticas

Projeto (descrição resumida), tipo (informação, provisão direta, incentivos diretos, e reconhe-cimento de direitos), medidas (sistematizar conhecimento, promover conhecimento coletivo, construir parcerias estratégicas, estabelecer instalações para interação, integrar plataformas de serviços, ampliar participação e a escala, e acompanhar ideias inovadoras de PMEs), tipo de inovação (social, industrial, institucional, científica e cultural), fatores de sucesso (pessoas abertas e conectadas, mixes de inovação, valores compartilhados, ancoragem cultural, e novos modelos de negócios), custo (alto ou baixo), e governança (alta ou baixa)

Influências Econômicas

Descrição resumida, capacidade de pesquisa e inovação (por setor de atividade), áreas de negócios e metas de mercado (por setor de atividade), e prio-ridade da União Europeia (em termos de objetivos setoriais e agregados)

Fonte: Elaboração própria a partir de Creative Med (2014).

Um dos problemas dos indicadores focados em um número menor de in-dicadores e principalmente de dimensões é uma tendência à homogeneização, quando a diversidade de expressões culturais (expressa, por exemplo, no próprio nome da divisão da Unesco encarregada de propor os indicadores) representa a he-terogeneidade, que para ser captada requer múltiplas dimensões. Evidentemente, algumas métricas podem ter apelo universal, sendo válidas para todas as ativida-des culturais e em todos os territórios. Porém, há especificidades que devem ser le-vadas em conta. No convênio Cegov-UFRGS e MinC sempre houve a preocupação com a vocação territorial das incubadoras apoiadas pelo Programa de Incubadoras Brasil Criativo (PIBC). Para um país com as dimensões continentais do Brasil e com sua grande diversidade cultural e territorial, a regionalização é fundamental para a construção de indicadores de avaliação.

Existe, portanto, uma dificuldade em identificar indicadores mais apropria-dos para as atividades culturais e criativas, dadas a complexidade e a heteroge-neidade territorial das últimas e a necessidade de componentes mensuráveis que possam oferecer indicadores mais homogêneos para fins de avaliação de políticas. Optou-se por propor métricas focadas nas atividades das incubadoras e nos im-pactos locais e regionais das mesmas. Os indicadores são compostos, mas sem sin-tetizar demais as informações a ponto de diluí-las em medidas muito agregadas.

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INDICADORES DE ATIVIDADE ECONÔMICA CULTURAL E CRIATIVA: A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA INCUBADORAS BRASIL CRIATIVO

O PIBC foi criado em 2013 pela extinta Secretaria de Economia Criativa (SEC) do Ministério da Cultura em convênio com as Secretarias Estaduais da Cul-tura. O programa se estruturou a partir de incubadoras de economia criativa em 13 capitais do Brasil (com exceção do Estado do Amazonas, com incubadora na cidade de Parintins). O Cegov-UFRGS e o Ministério da Cultura estabeleceram um convênio para análises e pesquisas sobre economia criativa e desenvolvimento ter-ritorial. Dentro desse convênio havia previsão para o desenvolvimento de meto-dologia de avaliação da implementação do PIBC no Brasil (CEGOV, 2016). Um dos elementos da metodologia envolve a construção de indicadores de avaliação das atividades criativas (e, de certa forma, também culturais). Especificamente com re-lação às incubadoras, há uma metodologia desenvolvida pela Anprotec, o modelo Cerne (2013). Essa metodologia, contudo, enfatiza os indicadores de desempenho, proporcionando uma certificação por estágios. Os indicadores são divididos em cinco eixos: empreendedor, tecnológico, capital, mercado, e gestão.

Os indicadores propostos pelo Cegov-UFRGS são em geral compostos, mas com a divulgação dos indicadores isolados que os compõem quando esse é o caso. Cada indicador composto se desdobra em vários itens ou indicadores isolados que captam a natureza multidimensional das atividades das incubadoras de forma de-talhada. Cada indicador agregado é composto, podendo ser agregado e gerar um indicador geral por subcomponente. Os problemas da agregação e principalmente da ponderação ficam claros, já que não há critério a priori para hierarquizar os indicadores isolados, nem as diferentes áreas de organização e atuação das incu-badoras e da rede.

Para diferenciar os resultados da operacionalização das atividades, as medi-das foram divididas em indicadores de processos e de impactos (resultados), tanto para as incubadoras quanto para a própria Rede de Incubadoras que se constituiu com o programa (RIBC). O MinC demonstrou uma preocupação em articular as incubadoras na forma de redes para promover troca de experiências e comparti-lhamento de custos, dada a vasta cobertura territorial implicada por sua dispersão espacial. Ou seja, a atuação em rede exige indicadores de atividades desenvolvidas em rede. Os indicadores de processos se justificam pela necessidade do ministério de monitorar e acompanhar o desenvolvimento e o progresso do programa, en-quanto os resultados e os impactos não poderiam ser aferidos. O próprio processo de criação das incubadoras, bem como de sua operacionalização, é na verdade um desdobramento da política pública refletida no próprio PIBC. A inovação institu-

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cional requer tempo para apresentar resultados. Ao mesmo tempo, pelo próprio caráter inovador, a experiência exige um acompanhamento mais próximo e fre-quente por parte dos gestores durante sua implementação e em seus diferentes estágios, justificando o desenvolvimento de indicadores de processos para a iden-tificação de características desejáveis que possam ser partilhadas e de possíveis gargalos. Os indicadores de impacto são mais difundidos, não podendo ser com-postos muitas vezes, e não exigem justificativas detalhadas, dado que apontam justamente para o que se quer atingir em termos de objetivos, permitindo uma avaliação mais rápida e direta.

Em resumo, na metodologia proposta há um total de 30 indicadores com-postos: quatro indicadores de processo e nove indicadores de impacto para o PIBC enquanto política pública (o outro componente da metodologia faz referência à avaliação de políticas públicas), quatro indicadores de processo para a RIBC, e cin-co indicadores de processo e oito de impacto para as incubadoras. Os quadros a seguir resumem os indicadores.

Quadro 4. Indicadores de Avaliação de Impactos do PIBC

INDICADOR DESCRIÇÃO

Contribuição direta inicial do PIBC para a renda dos setores criativo e cultural

Dispêndio do PIBC x multiplicador fiscal de curto prazo, por tipo de dispêndio

Contribuição direta permanente do PIBC para a renda dos setores criativo e cultural

Dispêndio do PIBC x multiplicador fiscal de longo prazo, por tipo de dispêndio

Contribuição indireta do PIBC para a ren-da dos setores criativo e cultural

Renda anual acumulada a jusante e a montante na cadeira produtiva dos setores criativo e cultural a partir do dispêndio acumulado do PIBC

Contribuição direta do PIBC para o empre-go nos setores criativo e cultural

Número de empregos nas incubadoras e nas Secults que não ocorreriam sem o PIBC

Contribuição indireta do PIBC para o em-prego nos setores criativo e cultural

Número de empregos potenciais gerados, considerando também as atividades de atendimento

Impactos potenciais do PIBC na arrecada-ção fiscal

Variação na arrecadação fiscal potencial em cada esfera de governo, a partir das ativida-des estimuladas pelo PIBC

Impacto sobre o público alvo - número total de atendimentos ao público por ano

Número total de pessoas atendidas nas ativi-dades das incubadoras – cursos, consultorias etc. em cada ano

Impacto sobre a atividade econômica criativa e cultural

Número total de empresas incubadas e par-cerias firmadas pelas incubadoras

Abrangência territorial e populacional Número cumulativo de municípios e pessoas atendidas

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Quadro 5. Indicadores de Avaliação de Processos do PIBC

Fonte: Elaboração própria.

INDICADOR COMPOSTO COMPONENTES

Cronograma de desembolsos Percentual de execução orçamentária comparado ao planejado

Ações de formação interna das equipes gesto-ras Percentual de equipes gestores formadas

Mecanismos de comunicação do PIBC com as incubadoras

Existência ou não de mecanismos internos estruturados de comunicação

Efetividade da comunicação interna

Existência ou não de mecanismos exter-nos estruturados de comunicação

Efetividade da comunicação externa

Mecanismos de exigência de cumprimento de prazos e tarefas e ações colaborativas com as incubadoras

Existência ou não de mecanismos virtuais ou programas eletrônicos de computador de monitoramento das ações e tarefas das incubadoras

Ações realizadas colaborativamente com outras organizações de apoio (outras incubadoras, aceleradoras ou centros de empreendedorismo e inovação)

Número de ações ou termos de cooperação (convênios) firmados

Quadro 6. Indicadores de Avaliação de Impacto das Incubadoras(continua)

INDICADOR COMPONENTES/DESCRIÇÃO

Atividades de atendimento e integração ao território

Número de cursos de formação geral ofertados (por mês) e número total de horas (número de participantes; número de territórios atingidos; percentual de satisfação do público alvo)

Número de cursos de formação específica ofertados (por mês) e número total de horas (número de participantes; número de territórios atingidos; percentual de satisfação do público alvo)

Número de consultorias ofertadas (por mês) e número total de horas (número de participantes; número de territórios atingidos; percentual de satisfação do público alvo)

Número de atendimentos (por mês) excluindo oficinas (número de participantes; número de territórios atingi-dos; percentual de satisfação do público alvo)

Número de oficinas (por mês) e número total de horas (número de participantes; número de territórios atingi-dos; percentual de satisfação do público alvo)

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Quadro 6. Indicadores de Avaliação de Impacto das Incubadoras(conclusão)

Fonte: Elaboração própria.

INDICADOR COMPONENTES/DESCRIÇÃO

Contribuição direta inicial da incubadora para a renda dos setores criativo e cultural do território (dispêndio da incubadora x multiplicador de renda regional de curto prazo)

Estimativa do impacto inicial (quantitativo) das despesas da incubadora, incluindo os desembolsos monetários, sobre a renda local

Contribuição direta perma-nente da incubadora para a renda dos setores criativo e cultural do território (dispên-dio da incubadora x multipli-cador local de renda de longo prazo)

Estimativa do impacto potencial permanente (quantita-tivo) das ações da incubadora na região

Contribuição da incubado-ra para a renda dos setores criativo e cultural regional e local (renda anual acumulada a jusante e a montante na cadeira produtiva dos setores criativo e cultural, renda das pessoas físicas e faturamento das pessoas jurídicas)

Impacto sobre a renda regional e local (multiplicador)

Volume faturado pelas pessoas jurídicas apoiadas pela incubadora

Volume de renda recebido pelas pessoas físicas apoiadas pela incubadora

Contribuição indireta da incubadora para o emprego regional e local nos setores criativo e cultural (número de empregos potenciais gerados, considerando também as ativi-dades de atendimento)

Estimativa do impacto das incubadoras para o emprego indireto nos setores alvo das ações da mesma, incluindo empregos na cadeia produtiva dos segmentos criativo e cultural apoiados, e consultores e palestrantes convidados

Impactos potenciais das incu-badoras na arrecadação fiscal estadual e local (variação na arrecadação fiscal potencial, a partir das atividades das incubadoras)

Estimativa do impacto das ações das incubadoras sobre a arrecadação fiscal estadual e municipal

Impacto sobre a atividade econômica criativa e cultural – número total de empresas incubadas e parcerias firmadas pelas incubadoras)

Cálculo do número total de empresas criadas e empresas articuladas estrategicamente com cada incubadora

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INDICADOR COMPOSTO COMPONENTES

Adequação e eficiência da equipe da incubadora

Modelo de contratação

Rotatividade dos membros da equipe

Equipe fixa ou temporária

Dependência financeira de trabalho externo

Formação cultural

Cessão pela Secult

Volume médio de atendimentos totais por membro da incubadora

Adequação, alcance e funcio-namento da estrutura/equi-pamento

Espaço físico disponível

Compartilhamento do espaço físico

Adequação do espaço físico

Sede própria

Capilaridade: número de polos regionais existentes ou em implantação

Tecnologia: número de computadores (fixos ou portá-teis) da incubadora por metro quadrado

Número de computadores conectados com a rede mun-dial de computadores/funcionário

Número de baias e/ou computadores disponíveis para uso de empresas incubadas

Grau de articulação com a sociedade civil (participação social)

Existência de conselho consultivo

Número de membros no conselho consultivo da incuba-dora

Existência de conselho deliberativo

Número de membros no conselho deliberativo da incu-badora

Avaliação do planejamento e gestão

Percentual de execução do planejamento estratégico completo

Percentual de execução do plano de comunicação

Percentual de execução do plano político-pedagógico

Percentual de execução do plano de articulação e susten-tabilidade

Gestão da informação: existência de documentação e coleta de dados acerca das atividades implementadas

Gestão financeira: número de novas fontes de capital de giro e valor do capital de giro/custo total de operação da incubadora

Quadro 7. Indicadores de Avaliação de Processos das Incubadoras(continua)

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Quadro 7. Indicadores de Avaliação de Processos das Incubadoras(conclusão)

Quadro 8. Indicadores de Avaliação de Processos e de Impactos da Rede de Incubadoras

Fonte: Elaboração própria.

Fonte: Elaboração própria.

INDICADOR COMPOSTO COMPONENTES

Parcerias estratégicas (fora da RIBC)

Número de parcerias estratégicas institucionais acordadas

Número de atividades desenvolvidas com parceiros estratégicos

Percentual dos valores captados junto a parceiros financeiros (todas as destinações, não apenas capital de giro) frente ao orçamento total da incubadora

Existência de colaboração técnica (desenvolvimento de produtos e processos) com parceiros estratégicos

Número de atividades com universidades ou instituições de ensino da região

INDICADOR DESCRIÇÃO

Número de parcerias dentro da RIBC Número de parcerias entre as incubadoras da rede

Número de trocas virtuais dentro da RIBC, excluindo parcerias

Número de trocas pelas incubadoras pelos diversos meios de comunicação, mas principalmente pela plataforma Recria

Número de acessos e interações no fórum das incubadoras na plataforma Recria

Visitas técnicas dentro da RIBC Número de visitas presenciais entre as incubadoras

Análise de centralidade das incuba-doras dentro da RIBC

Número de materiais disponibilizados (por incubadora) no repositório Recria

Número de vezes que a incubadora é acessada pelas demais

No planejamento estratégico das incubadoras há uma análise situacional para identificar as pré-condições para a atuação das mesmas nos respectivos ter-ritórios. Assim, as incubadoras podem desenvolver o mapeamento das demandas setoriais em termos das necessidades criativas e culturais da região, incluindo suas cadeias de valor, efetuando um diagnóstico das potencialidades de atuação a partir dos ativos criativos das mesmas para agregar valor às cadeias criativas existentes. Portanto, esses elementos não fazem parte dos indicadores de processo ou de im-pacto. No entanto, uma leitura adequada pelas incubadoras resultará em impactos socioeconômicos significativos.

Para cada indicador elencado acima, são incluídos uma descrição resumi-da, apresentando quais são os objetivos de cada indicador, a periodicidade de

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coleta de dados, indicadores isolados ou componentes (no caso de indicadores compostos), as limitações do indicador e a necessidade ou não de monitoramen-to frequente pelo MinC. A periodicidade é extremamente importante, pois os indicadores devem permitir avaliações periódicas para muitos processos e im-pactos. Os indicadores qualitativos (do tipo sim ou não) são transformados por meio da atribuição de valores binários (0 ou 1), para que eles sejam agregados quantitativamente em indicadores mais sintéticos. Contudo, pela própria natu-reza dos indicadores de impacto descritos nos quadros acima, não é desejável a agregação em um indicador global para cada ano do programa, como acontece com os indicadores de processo. As informações obtidas pelos indicadores de im-pacto são específicas, e sua interpretação exige muitas vezes desagregação para cada ano. A partir dessas informações sobre processos e resultados é possível avaliar a evolução dos impactos econômicos e territoriais do PIBC ano a ano e construir uma avaliação qualificada do programa.

Esses indicadores são mais específicos do que aqueles anteriormente exami-nados. Contudo, existem convergências com os indicadores da Unesco e do projeto Creative Med. Ambos enfatizam os impactos econômicos das atividades criativas e culturais, mas os indicadores propostos para o PIBC são mais completos, incluindo dados macroeconômicos nacionais e regionais sobre multiplicadores fiscais. Em que medida os segmentos culturais e criativos possuem encadeamento a jusante e a montante mais dinâmicos que outros setores econômicos é algo a se pesquisar no futuro. Com relação a outras dimensões não estritamente econômicas, tanto nos indicadores do projeto Creative Med como na multidimensionalidade cultural do desenvolvimento da Unesco, há uma preocupação com a participação social (no primeiro, no índice Creative Med, que considera a participação em associações nas parcerias em escala comunitária, e no segundo no próprio indicador de partici-pação social). No PIBC, houve a preocupação de incluir a participação social nas incubadoras de economia criativa e cultural, na forma de conselhos. Uma falha metodológica dos indicadores propostos para o PIBC é a ausência do objetivo da igualdade de gênero. De qualquer forma, a proposta é um ponto de partida para se pensar métodos de avaliação e indicadores adequados para mapear processos e resultados culturais e criativos.

CONCLUSÃO

Os trabalhos da OCDE (2008), Unesco (2014) e Creative Med (2014), as-sim como outras pesquisas recentes com foco nos impactos da cultura, deixam clara a importância do papel dos indicadores em geral e para os setores culturais

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e criativos em particular, dada a complexidade que os envolve e logo a necessida-de de aproximações quantitativas a alguns fenômenos. É preciso destacar, tendo em mente a experiência da parceria Cegov-UFRGS e Ministério da Cultura, que os indicadores propostos para o PIBC, para as incubadoras e para a Rede de Incuba-doras que resultaram da implementação do PIBC captam uma realidade dinâmica e heterogênea, característica dos setores culturais e principalmente criativos em um país com enorme riqueza e diversidade cultural. A separação dos indicadores em métricas de processos e de impactos ou resultados se justifica pela necessidade de acompanhar a implementação do programa. Os indicadores de processos são, nes-se sentido, preliminares e devem estar ancorados no estágio de desenvolvimento das instituições e organizações da economia cultural e criativa. Indicadores de im-pacto tendem também a se transformar, principalmente se o impacto é positivo. Há limites para a contribuição em termos de econômicos e empregatícios, e é di-fícil avaliar se o segmento já encontrou algum ponto de saturação que tornaria as políticas públicas de fomento desaconselháveis. Quanto mais importantes econo-micamente esses setores, menores tendem a ser as contribuições ao longo do tem-po, e esse prazo é encurtado pela própria efetividade das políticas públicas. Os se-tores culturais e criativos, por sua própria natureza, se caracterizam pela inovação constante e mudanças rápidas nos processos produtivos e nos próprios produtos. Isso sugere que políticas de estímulo sempre encontrarão um terreno fértil para ser estimulado e modificado nas direções de maior consumo social e coletivo, como sugere a avaliação do projeto Compendium. Isso adiciona outros desafios à cons-trução de indicadores, que se tornam cada vez mais provisórios e temporários. Isso sugere que a nova geração de indicadores inove no sentido de torná-los dinâmicos, flexíveis e adaptáveis, capazes de prover informações qualificadas sem defasagens. Enquanto esses indicadores ajustados a dados e realidades em permanente muta-ção não forem desenvolvidos, as métricas tradicionais devem continuar proporcio-nando a melhor informação disponível, mesmo que incompleta e parcial.

REFERÊNCIAS

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CERNE. Centro de Referência para Apoio a Novos Empreendimentos. Manual de Implantação do CERNE 1. Brasília: Anprotec, 2013.

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CONSELHO EUROPEU Compendium: Cultural Policies and Trends in Europe. The Socio-economic Impacts of Culture. Strasbourg: 2016. Disponível em: <http://www.culturalpolicies.net/web/socio-economic-impact-of-culture.php>. Acesso em: 15 ago. 2016.

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FIRJAN. Economia Criativa. Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil. Rio de Ja-neiro: 2014. Disponível em: <http://publicacoes.firjan.org.br/economiacriativa/mape-amento2014/>. Acesso em: 4 jul. 2016.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sistema de Infor-mações e Indicadores Culturais 2007-2010. Estudos e Pesquisa, Rio de Janeiro, v. 31, 2013.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS DE ECONOMIA CRIATIVA APOIADOS PELO MINC1:

(1) Os autores agradecem a colaboração da bolsista Marina Caregnato Garcia, acadêmica de Ciências Econômicas, que trabalhou na organização das informações dos Planos de Desenvolvimento e na realização das en-trevistas junto aos responsáveis pela governança dos APLs.

2

RONALDO HERRLEIN JRDoutor em Economia, professor do Programa de Pós-Graduação em Eco-nomia da UFRGS. E-mail: [email protected].

ANA LÚCIA TATSCHDoutora em Economia, professora do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS. E-mail: [email protected].

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

Em 2013, o Ministério da Cultura (MinC), por meio de sua Secretaria da Economia Criativa (SEC), e em parceria com o Ministério do Desenvolvimento In-dústria e Comércio (MDIC), estabeleceu uma política de desenvolvimento terri-torial visando apoiar arranjos produtivos locais (APLs) de economia criativa. Por meio de um edital convidou arranjos de economia criativa a se candidatarem a receber apoio à sua governança por meio de consultoria para a fomulação de um Plano de Desenvolvimento (PD), custeada pelos ministérios. Foram selecionados 27 APLs de economia criativa, espalhados por 20 Estados brasileiros, que rece-beram as visitas dos consultores da Fundação Vanzolini para elaboração de seus respectivos PDs. Em novembro de 2014, num evento em Brasília, os 27 PDs foram oficialmente apresentados, contemplando ações que já se iniciavam desde o co-meço do segundo semestre daquele ano e projetando a maior parte dos resultados para 2015 e 2016. A partir de 2015, a SEC do MinC estabeleceu convênio com o Observatório de Economia Criativa (Obec) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para realizar um conjunto de pesquisas, dentre as quais aquela que relatamos neste capítulo. A pesquisa tratou de acompanhar e avaliar a implemen-tação dessa política de desenvolvimento territorial, por meio do monitoramento da execução dos PDs dos 27 APLs intensivos em cultura.

O primeiro passo da pesquisa, apresentado na segunda seção a seguir, foi o estudo dos planos de desenvolvimento para obter uma caracterização geral dos APLs e uma sistematização das ações e resultados previstos nos planos. Também observou-se a indicação das fontes de custeio e financiamento das ações previstas.

O segundo passo da pesquisa, objeto da seção três, consistiu na atividade de acompanhamento propriamente dita, por meio de contatos e entrevistas tele-fônicas com os agentes responsáveis pela governança dos APLs. Embora os planos ainda estivessem em período de realização no segundo semestre de 2015, quando da realização das entrevistas, grande parte das ações e boa parte dos resultados já estavam previstos para estarem cumpridos ou em fase de execução. As entrevistas tinham, portanto, um caráter preliminar, presumindo-se que seria possível dar se-quência à atividade de acompanhamento nos semestres seguintes. Contudo, a de-sativação da SEC e a adoção de novas diretrizes de política pelo MinC restringiram o plano original da pesquisa, que acompanhou a evolução dos APLs somente até o final de 2015. A terceira seção traz um balanço das informações reveladas nessas entrevistas, indicando as dificuldades, os empecilhos e as realizações com que os diversos APLs se defrontaram ao buscar a implantação de seus PDs. Dessa forma, foi possível avaliar em que medida houve adesão às diretrizes dos planos e o grau de realização das ações e resultados. Além dessa introdução e das seções referidas, o artigo apresenta na seção quatro algumas considerações finais.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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CARACTERÍSTICAS DOS APLS E DE SEUS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO

Nesta seção, apresentamos uma síntese das características dos APLs apoia-dos pelo MinC por meio do edital que proporcionou o apoio técnico na formulação dos PDs. No anexo 1, é apresentada a lista completa dos APLs em pauta, com seu número de identificação. As informações foram todas extraídas dos próprios pla-nos. Cada plano apresentava o histórico e as características do APL em questão, os desafios e oportunidades do arranjo, as ações a serem implementadas, suas fontes de custeio e/ou financiamento, os instrumentos para acompanhamento e avalia-ção, os resultados esperados, e os indicadores de resultado.

Nº DE APLS ESTADOS Nº DE ESTADOS

0 AC, SC, RR, PI, AP, MA, PB 7

1 RN, PE, AL, SE, BA, ES, PR, RS, DF, MS, MT, RO, AM, PA, TO

15

2 RJ, SP, GO 3

3 CE, MG 2

Tabela 1. Distribuição dos Estados da federação segundo o número de APLs

Fonte: Cegov (2015a).

Conforme a Tabela 1, os 27 APLs estavam desigualmente distribuídos entre os estados brasileiros, presentes em 20 estados, com a exclusão de sete estados e a presença de dois ou três APLs em cinco estados. Em média, cada APLs abrangia o território de oito cidades, e apenas sete deles abrangiam apenas uma cidade. No conjunto, os APLs atingiam 217 cidades. A grande maioria dos APLs (18) situava--se em meio urbano, dentre os quais 13 em regiões metropolitanas. Seis estavam em meio híbrido (urbano e rural), e apenas três no meio rural.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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Distribuição dos APLs, Gráfico 1 – Número de APLs segundo o setor econômico principalsegundo o setor econômico principal

Setor Principal APLs nº de APLs

Moda 01, 02, 07, 21, 22, 23 6Artesanato 03, 04, 08, 09, 11 5Misto 06, 10, 25, 27 4Turismo 13, 17, 18, 19 4Culturas populares 05, 12, 14 3Audiovisual 15, 24, 26 3Jogos digitais 16 1Música 20 1

27Total0 1 2 3 4 5 6

Moda

Artesanato

Misto

Turismo

Culturas populares

Audiovisual

Jogos digitais

Música

Gráfico 1. Número de APLs segundo o setor econômico principal

Gráfico 2. Número de APLs segundo os setores criativos (MinC) declarados nos seus planos (um ou mais)

Fonte: Cegov (2015a).

Fonte: Cegov (2015a).

1 Patrimônio material 32 Patrimônio imaterial 1 Número de APLs segundo os Setores Criativos (MinC) declarados nos seus planos (um ou mais) 3 Arquivos 14 Museus 25 Artesanato 146 Culturas populares 87 Culturas indígenas 18 Culturas afro-brasileiras 19 Artes visuais 3

10 Arte digital 211 Dança 412 Música 713 Circo 214 Teatro 315 Cinema e vídeo 416 Publicações e mídias impressas 417 Moda 718 Design 719 Arquitetura 120 Jogos digitais 1

0 2 4 6 8 10 12 14

Patrimônio material

Patrimônio imaterial

Arquivos

Museus

Artesanato

Culturas populares

Culturas indígenas

Culturas afro-brasileiras

Artes visuais

Arte digital

Dança

Música

Circo

Teatro

Cinema e vídeo

Publicações e mídias impressas

Moda

Design

Arquitetura

Jogos digitais

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Os Gráficos 1 e 2 evidenciam a diversidade de atividades e setores criativos em que se inseriam os APLs apoiados. Considerando o setor econômico principal, nota-se que seis arranjos pertenciam ao setor econômico da moda, cinco ao do artesanato, quatro ao do turismo cultural, três ao do audiovisual, três ao da cultura popular, um ao dos jogos digitais, um ao da música, e finalmente outros quatro arranjos possuíam característica mista, realizando atividades diversas. Conside-rando-se todos os setores criativos das atividades dos APLs, o artesanato ganha ainda maior destaque, sobressaindo-se também as culturas populares.

Vinculados a esses diversos setores, os APLs realizavam suas atividades de produção e comércio em diferentes contextos econômicos, conforme a situação dos mercados em que operam. Tais condições são apresentadas, em maior ou me-nor grau, nas narrativas dos PDs, permitindo uma avaliação genérica da situação econômica dos setores/territórios em que atuam os arranjos. A grande maioria dos setores em que atuavam os APLs encontrava-se em 2014 em situação estável (15) ou em crescimento (7). Contudo, cinco APLs organizavam-se para enfrentar alguma situação específica de dificuldade ou declínio econômico.1

Para classificar o alcance de mercado dos produtos e serviços dos APLs, uti-lizamos categorias de transição, pois geralmente ocorre algum transbordamento dos níveis de alcance de mercado, e seria inconveniente utilizar categorias puras, que implicariam um enquadramento dúplice para vários APLs. Conforme a Tabela 2, constata-se que a maioria dos APLs (14) tem alcance de mercado entre local e regional, e somente quatro APLs possuem alcance de mercado que ultrapassa as fronteiras nacionais (ver Anexo 1 para identificação dos APLs).

(1) Era o caso dos APLs- Artesanato de Capim Dourado do Jalapão – TO, Marca Brasília – DF, Gemas e Artefatos de Pedra de Teófilo Otoni – MG, Festejos Populares do Município de São Cristóvão – SE e Confecções e Moda Leste Fluminense – RJ.

Tabela 2. Distribuição dos APLs segundo sua abrangência de mercado

Fonte: Cegov (2015a).

ABRANGÊNCIA DE MERCADO

APLS Nº DE APLS

Local regional 05, 06, 07, 08, 10, 12, 13, 14, 17, 18, 19,20, 25, 27

14

Regional nacional 01, 02, 03, 04, 09, 22, 23, 24, 26 9

Nacional internacional 11, 15, 16, 21 4

Total 27

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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Fonte: CEGOV (2015a).

O faturamento total anual dos APLs foi estimado em valores de 2014, al-cançando 1,54 bilhão de reais. O número total de ocupações, existentes ou poten-ciais, vinculadas às atividades econômicas dos APLs foi estimado em 105,8 mil. Existe uma grande disparidade entre os APLs quanto às estimativas de faturamen-to anual e de geração de postos de ocupação produtiva, devido à grande diversi-dade setorial e de escala de negócios e a utilização de diferentes parâmetros para realizar essas estimativas. O Gráfico 3 evidencia a disparidade, em que o maior faturamento corresponde a 112 vezes o menor, mesmo exluindo os três APLs de maior faturamento (com valores que atingem 600, 430 e 150 milhões de reais). O menor faturamento alcança apenas 720 mil reais. Os dois maiores faturamentos estimados correspondem a APLs de uma escala desproporcional em relação aos demais, enquanto arranjos de negócios.

Gráfico 3. Faturamento anual estimado dos APLs com faturamento inferior a R$ 100 mil (2014)

Faturamento anual estimado dos APLs com faturamento inferior a R$ 100 mil (2014)

0 20000000 40000000 60000000 80000000

Artesanato de Rondônia

Cultural Caipira

Festejos e quadrilhas juninas

Turismo Rota Pantanal Bonito

Confecções e Moda Noroeste Fluminense

Turismo Lagoas e Mares do Sul Intensivo de…

Moda Íntima de Frecheirinha

Zona da Mata

Economia Criativa Vale do Rio Cuiabá

Teares do Xixá

Audiovisual de Goiânia

Design, audiovisual e economia criativa

Candeal - Cultura Musical

Jogos Digitais

Mata Norte Criativa

Artesanato de Capim Dourado do Jalapão

Moda e Design - Pará

Artesanato do Alto Solimões

Confecçõs e Moda Leste Fluminense

Movimento Artístico e de Proteção Ambiental

Turismo Cultural do Maciço de Baturité

Corredor Crativo Nestor Gomes

Festejos Populares do Município de São Cristovão

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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A disparidade de escala econômica entre os APLs também se expressa nas estimativas dos postos de ocupação produtiva, que variam entre 95 e 25.000, con-forme o Gráfico 4. Contudo, há apenas uma correspo ndência aproximada entre os APLs de maior faturamento e os de maior geração de postos de ocupação.

Fonte: Cegov (2015a).

Gráfico 4. Número estimado de ocupados por APL

0 5000 10000 15000 20000 25000

Gemas e Artefatos de Pedra de Teó�lo Otoni

Artesanato de Rondônia

Bonés de Apucarana

Marca Brasília

Confecçõs e Moda Leste Fluminense

Design, audiovisual e economia criativa

Confecções e Moda Noroeste Fluminense

Turismo Rota Pantanal Bonito

Moda Íntima de Frecheirinha

Turismo Lagoas e Mares do Sul Intensivo de Cultura

Artesanato do Alto Solimões

Artesanato de Capim Dourado do Jalapão

Cultural Caipira

Movimento Artístico e de Proteção Ambiental

Teares do Xixá

Economia Criativa Vale do Rio Cuiabá

Festejos e quadrilhas juninas

Zona da Mata

Candeal - Cultura Musical

Turismo Cultural do Maciço de Baturité

Jogos Digitais

Mata Norte Criativa

Corredor Crativo Nestor Gomes

Moda e Design - Pará

Audiovisual de Natal

Audiovisual de Goiânia

Festejos Populares do Município de São Cristovão

O Gráfico 5 aponta a escala dos empreendimentos que compõem os APLs, tomando como referência o número médio de ocupados por empreendimento. Mesmo excluindo-se os APLs centrados no artesanato, restam nove APLs com ta-manho médio dos empreendimentos inferior a 10 ocupados, sete deles com me-nos de quatro. Nota-se que mesmo nos APLs com maiores tamanhos médios dos empreendimentos, a escala dos mesmos é modesta, não alcançando 100 ocupados.

As características organizativas dos APLs foram avaliadas a partir de qua-tro aspectos: a) o grau de amadurecimento do arranjo; b) a importância relativa

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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Fonte: Cegov (2015a).Nota: Exclusive APLs que têm artesanato como setor principal.

Gráfico 5. Número de ocupados por empreendimento dos APLs

dos apoios e ajudas recebidos de agentes públicos e privados que não os próprios empreendimentos do APL; c) a incidência da responsabilidade de coordenação e execução das ações planejadas (que pode recair sobre agentes do APL ou externos); e, por fim, d) o caráter da governança do APL. Os dois últimos aspectos buscaram evidenciar o grau de estruturação e autonomia do APL, indicando em que medida os próprios agentes produtivos locais assumíam a linha de frente na execução do PD e na coordenação do arranjo.

Conforme os relatórios históricos e atuais contidos nos PDs, os APLs, fo-ram classificados em quatro categorias, que indicam seu grau de amadurecimento.2 Conforme indicado na Tabela 3, a maioria dos APLs encontra-se em estágio em-

(2) Embora intuitiva, a classificação adotada está especificada no Anexo 2.

0 20 40 60 80 100

Moda Íntima de Frecheirinha

Turismo Cultural do Maciço de Baturité

Cultural Caipira

Movimento Artístico e de Proteção Ambiental

Festejos e quadrilhas juninas

Economia Criativa Vale do Rio Cuiabá

Bonés de Apucarana

Design, audiovisual e economia criativa

Jogos Digitais

Zona da Mata

Marca Brasília

Confecçõs e Moda Leste Fluminense

Confecções e Moda Noroeste Fluminense

Festejos Populares do Município de São Cristovão

Turismo Lagoas e Mares do Sul Intensivo de…

Candeal - Cultura Musical

Corredor Crativo Nestor Gomes

Audiovisual de Goiânia

Turismo Rota Pantanal Bonito

Audiovisual de Natal

Moda e Design - Pará

Mata Norte Criativa

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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brionário, e o segundo maior contingente encontra-se estabelecido. Há três APLs que são projetos de desenvolvimento, e somente dois encontram-se consolidados.

Na análise dos PDs, observou-se a importância dos apoios e recursos ex-ternos para as atividades operacionais dos APLs, quando os mesmos assumem a condição de beneficiário de política pública e/ou de apoio privado. A Tabela 4 con-sidera a origem do recurso ou apoio, evidenciando que a maioria dos APLs tem apoio em recursos da esfera estadual do poder público. Embora menos presente, o apoio das esferas federal e municipal é ao menos tão significativo quanto o apoio privado, quanto ao número de APLs beneficiados.

Tabela 3. Distribuição dos APLs segundo o grau de amadurecimento

Fonte: Cegov (2015a).

GRAU DE AMADURECIMENTO APLS Nº DE APLS

Projetado 03, 09, 13 3

Embrionário 01, 04, 05, 06 ,07 ,08 , 11, 12, 14, 17, 18, 19,26

13

Estabelecido 10, 15, 16, 21, 22, 23, 24, 25, 27 9

Consolidado 02, 20 2

Total 27

Nos PDs, cada ação planejada tem agentes formalmente responsáveis por suas coordenação e execução. A partir de uma análise conjunta dos quesitos coor-denação e responsabilidade pela execução identificados para cada ação, as mesmas foram classificadas, conforme consta na Tabela 5. Para o conjunto das 653 ações programadas nos 27 PDs, os agentes locais detêm predominância na responsabili-dade pelas ações. Contudo, há uma ampla parcela de ações que está sob comando de agentes externos, que geralmente atuam não só apoiando como também estru-turando o próprio arranjo. Isso revela tanto o suporte externo encontrado pelos APLs quanto sua relativa dependência para promover seu desenvolvimento.3

(3) Para obter a mesma informação discriminada por APL, deve-se consultar o respectivo Relatório Técnico I produzido pelo Obec-UFRGS para a SEC-MinC (CEGOV, 2015a).

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Fonte: Cegov (2015a).

APLS FEDERAL ESTADUAL MUNICIPALAPOIO

PRIVADONENHUM

01 x

02 x

03 x

04 x

05 x x

06 x x

07 x

08 x

09 x

10 x

11 x

12 x x x

13 x

14 x x

15 x x x

16 x

17 x x

18 x

19 x

20 x

21 x x x

22 x x

23 x

24 x x

25 x

26 x x x x

27 x

Nº de ocorrências 7 17 8 4 6

A identificação da governança nos PDs permitiu avaliar a importância rela-tiva dos agentes locais e externos na sua condução, bem como constatar a presença ou não de agentes públicos na linha de frente dos arranjos. A análise da governan-ça revela as características da coordenação do APL. Como aparece na Tabela 6,

Tabela 4 – Ocorrência de apoio de política pública ou recurso privado aos APLs

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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os APLs foram classificados segundo a predominância dos agentes responsáveis pela sua coordenação, conforme a presença indicada na governança estabelecida. A maioria absoluta dos APLs tem governança exercida por agentes locais, embora sete APLs tenham sua governança realizada por agentes públicos, na maioria dos casos externos ao próprio território que abriga o arranjo produtivo.

Tabela 6. Distribuição dos APLs conforme o caráter da sua coordenação

Tabela 5. Distribuição das ações do PD, segundo a responsabilidade e coordenação para os 27 APLs

Fonte: Cegov (2015a).

Fonte: Cegov (2015a).

CARÁTER DE COORDENAÇÃO APLS Nº DE APLS

Local, agente público central 06, 12 2

Local, capacidade própria 02, 07, 08, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 17

Externa, agente público 01, 03, 04, 09, 13, 18 6

Externa, agente contratado 05, 19 2

Total 27

RESPONSABILIDADE OU COORDENAÇÃO PERCENTUAL

Agente local nominado 32%

Agente local institucional público 5%

Agente local institucional privado 29%

Agente local contratado 1%

Agente externo institucional 30%

Agente externo contratado 4%

Total 100%

Em conformidade com os graus de amadurecimento dos APLs, realizou-se a classificação do caráter do Plano de Desenvolvimento, de acordo com três cate-gorias numa escala crescente de amadurecimento: formação, consolidação, e avan-çado. Predominam os planos de consolidação de APLs (14), mas há um número expressivo (11) de planos cujo propósito principal é estabelecer realmente um APL em plena operação, enquanto apenas dois possuem caráter avançado, para desen-volver e expandir as atividades.

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Os 27 Planos de Desenvolvimento preveem um total de 653 ações com vis-tas à consecução de 264 resultados. O valor total orçado para essas ações é in-completo, pois várias ações onerosas foram planejadas sem indicação dos valores. Considerando as ações com valores orçados, o valor total alcança 137,2 milhões de reais, o que corresponde a 7,8% do faturamento anual estimado. Cada PD planeja realizar em média 24 ações, mas o número efetivo varia, e a maior parte dos APLs (12) planejou mais ações.

Considerando-se todas as ações planejadas quanto ao tipo de contribuição ao desenvolvimento do APL, conforme a Tabela 7, observa-se que predominam aquelas voltadas à competitividade e à inovação, secundadas pelas ações vincula-das à governança e para divulgação e comunicação. As primeiras têm geralmente foco no aprimoramento de capacidades produtivas, enquanto os outros dois tipos são mais pertinentes às capacidades organizativas do arranjo. Destaca-se a baixa participação das ações voltadas à infraestrutura e, sobretudo, a muito baixa fre-quência das ações voltadas para o acesso a mercados. Aparentemente, no primeiro caso, fica sugerida uma situação em que as bases físicas para atuação dos APLs estão largamente constituídas, o que é plausível. O mesmo raciocínio não pode ser aplicado ao aspecto do acesso a mercados, pois a situação mais comum para os APLs é de uma necessidade maior ou menor de expansão dos seus mercados. É provável que se expresse aqui um déficit de capacidades mercadológicas dos APLs, predominando ações organizativas e de aprimoramento da produção. Do total de ações previstas, 32% delas estavam sob responsabilidade de agentes locais identi-ficados pessoalmente nos planos, 30% a cargo de agentes institucionais externos aos arranjos, e 29% sob incumbência de agentes institucionais locais privados.

Os PDs almejavam em média cerca de 10 resultados definidos, embora um terço dos 27 APLs tenha foco em seis até nove resultados. Apenas quatro APLs projetaram 15 ou mais resultados. Embora cerca de 1% das ações não apresen-tem um prazo de início definido, constatou-se que até o final de 2015 cerca de 88% das ações já teriam iniciado. Nesse mesmo momento, o percentual médio de ações iniciadas para cada APL será de 87%, sendo que todos eles já terão iniciado 40% ou mais das ações, e 24 APLs terão iniciado 70% ou mais. Considerando o prazo de término das ações, constata-se que, ao final de 2015, 54% das ações já estariam realizadas, se o planejamento fosse cumprido. Outros 22% das ações seriam concluídas em 2016, e ainda outros 15%, em 2017. Conforme os planos, 51% dos resultados deveriam estar realizados até o final de 2015. Em 2016, ou-tros 24% terão sido alcançados, restando 14% para 2017, 7% para 2018 e ainda 3% para os dois anos seguintes.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Tabela 7. Distribuição média das ações por eixo dos 27 APLs

Tabela 8. Valores totais dos orçamentos dos Planos de Desenvolvimento dos APLs, distribuí-dos entre custeio e crédito (em mil R$)

(continua)

Fonte: Cegov (2015a).

RESPONSABILIDADE OU COORDENAÇÃO PERCENTUAL

Infraestrutura e investimento 15%

Financiamento 8%

Governança e cooperação 19%

Competitividade e inovação 21%

Formação e capacitação 18%

Divulgação e comunicação 19%

Acesso a mercados 4%

Total 103%

O orçamento global atinge 137,2 milhões de reais, o que representa 8,9% do faturamento global estimado para o conjunto dos APLs (que alcança 1,54 bi-lhão de reais). Ambos os valores devem ser considerados como estimativas pouco rigorosas. Para construção da Tabela 8, a seguir, partiu-se dos valores indicados nos PDs. Os APLs 20, 24 e 27 tinham um ou poucos valores orçados, enquanto o APL 05 não tinha nenhum valor. A tabela indica grande disparidade de valores de orçamento entre os APLs. Encontram-se desde orçamentos de grande valor até or-çamentos ínfimos. O valor médio de orçamento dos PDs (excluindo-se o APL-05) é de 5,3 milhões de reais. O valor do orçamento de cada APL se desvia desse valor médio em 4,4 milhões de reais, em média.

No valor do orçamento global, 82,2% representa custeio (112,8 milhões), e 17,8% representa crédito (24,5 milhões). Somente sete APLs projetaram con-tar com valores de crédito, sendo um caso de pouca monta (APL-16), e três casos, com grandes valores, que representam mais da metade do orçamento para o APL (21, 14 e 17).

APLVALOR TOTAL

(%) DO APL NO TOTAL

CUSTEIO CRÉDITO

APL 01 - Moda e Design do Pará (PARÁ)

1.300 0,95% 1.300 --

APL 02 - Bonés de Apucarana (PARANÁ)

16.810 12,25% 16.810 --

APL 03 - Artesanato do Alto Solimões (AMAZONAS)

691 0,50% 691 --

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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Tabela 8. Valores totais dos orçamentos dos Planos de Desenvolvimento dos APLs, distribuí-dos entre custeio e crédito (em mil R$)

(continua)

APLVALOR TOTAL

(%) DO APL NO TOTAL

CUSTEIO CRÉDITO

APL 04 - Artesanato de Capim Dourado do Jalapão (TOCANTINS)

1.250 0,91% 1.250 --

APL 05 - Mata Norte Criativa (PERNAMBUCO)

-- -- -- --

APL 06 - Design, Audiovisual e Economia Criativa (SÃO PAULO)

1.749 1,27% 1.749 --

APL 07 - Marca Brasília (DISTRITO FEDERAL)

4.741 3,45% 4.741 --

APL 08 - Teares do Xixá (GOIÁS) 6.838 4,98% 5.688 1.150

APL 09 - Artesanato de Rondônia (RONDÔNIA)

2.255 1,64% 2.255 --

APL 10 - Cultural Caipira (SÃO PAULO)

306 0,22% 306 --

APL 11 - Gemas e Artefatos de Pedra de Teófilo Otoni (MINAS GERAIS)

9.930 7,24% 8.305 1.625

APL 12 - Festejos populares do Município de São Cristóvão (SERGIPE)

2.300 1,68% 2.300 --

APL 13 - Economia criativa Vale do Rio Cuiabá (MATO GROSSO)

6.140 4,47% 4.890 1.250

APL 14 - Festejos e Quadrilhas Juninas (CEARÁ)

8.010 5,84% 3.010 5.000

APL 15 - Zona da Mata (MINAS GERAIS)

16.857 12,28% 16.857 --

APL 16 - Jogos Digitais (RIO GRANDE DO SUL)

11.890 8,66% 11.840 50

APL 17 - Turismo Cultural do Maciço do Baturité (CEARÁ)

3.560 2,59% 1.010 2.550

APL 18 - Turismo Rota Pantanal Bonito (MATO GROSSO DO SUL)

4.600 3,35% 4.600 --

APL 19 - Turismo Lagoas e Mares do Sul Intensivos em Cultura (ALAGOAS)

2.779 2,02% 2.779 --

APL 20 - Candeal - Cultura Musical (BAHIA)

900 0,66% 900 --

APL 21 - Moda Íntima de Frecheirinha (CEARÁ)

19.100 13,92% 6.250 12.850

APL 22 - Confecções e Moda Leste Fluminense (RIO DE JANEIRO)

666 0,49% 666 --

APL 23 - Confecções e Moda Noroeste Fluminense (RIO DE JANEIRO)

297 0,22% 297 --

APL 24 - Audiovisual de Natal (RIO GRANDE DO NORTE)

217 0,16% 217 --

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

57

APLVALOR TOTAL

(%) DO APL NO TOTAL

CUSTEIO CRÉDITO

APL 25 - Movimento Artístico e de Proteção Ambiental (MINAS GERAIS)

5.020 3,66% 5.020 --

APL 26 - Audiovisual de Goiânia (GOIÁS)

9.025 6,58% 9.025 --

APL 27 - Corredor Criativo Nestor Gomes (ESPÍRITO SANTO)

5 0,00% 5 --

SOMA 137.234 100,00% 112.759 24.475

Fonte: Cegov (2015a).Nota: Os valores orçados para os APLs 20, 24 e 27 são parciais; o APL 05 não apresentou orçamento.

Tabela 8. Valores totais dos orçamentos dos Planos de Desenvolvimento dos APLs, distribuí-dos entre custeio e crédito (em mil R$)

(conclusão)

A Tabela 9 traz a distribuição dos mesmos valores, segundo as fontes dos recursos (diversos agentes públicos e privados). Também as ações, com ou sem valores associados, foram distribuídas segundo os mesmos agentes, quando havia sua indicação como fonte do recurso ou de algum suporte para a realização da ação (indicado como “responsável pela viabilização financeira”). Destaca-se o envolvi-mento (presumido ou efetivo) de ministérios nas ações (148) e em seu custeio, atingindo uma contribuição de 40,6 milhões de reais, correspondendo a 29,6% do orçamento total. Apenas o Ministério da Cultura seria responsável por prover 13,2% desse orçamento, aportando recursos no montante de 18,12 milhões de reais, através de seu envolvimento em 94 ações. O valor corresponde quase exata-mente ao valor pelo qual se presumia que o conjunto de agentes privados envol-vidos seria responsável (ver Tabela 10). Nas ações que envolvem crédito, nenhum banco ou agência privado foi referido, cabendo a quase totalidade dos valores (24,5 milhões de reais) a bancos públicos federais. Nesse total, a participação do BNDES é majoritária, sendo citado em 25 ações e citado como fonte de financiamento para 17 milhões de reais (12,4% do orçamento global). Os dados de custeio dessa tabela estão agrupados e podem ser melhor analisados por meio da Tabela 10.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

58

Fonte: Cegov (2015b).Nota: Ações podem ser contadas mais de uma vez; os valores foram divididos igualmente entre as fontes.

Tabela 9. Número de ações e valores orçados nos Planos de Desenvolvimento, segundo as fontes de origem dos valores de custeio e crédito

ORIGEM DO CUSTEIO

Empreendimentos 90 R$ 7.265.791,67 5,3%

Patrocinadores ou parceiros privados

12 R$ 7.500.000,00 5,5%

Sindicatos ou federações em-presariais

34 R$ 1.686.933,33 1,2%

Ministérios 148 R$ 40.634.033,33 29,6%

Ministério da Cultura 94 R$ 18.119.500,00 13,2%

Autarquia ou agencia federal 38 R$ 8.050.666,67 5,9%

Empresa estatal da união 3 R$ 45.000,00 0,0%

Secretarias de município ou estado

131 R$ 13.386.116,67 9,8%

Sebrae 101 R$ 5.731.625,00 4,2%

Sistema S (outros) 30 R$ 2.358.033,33 1,7%

Prefeituras 78 R$ 12.462.000,00 9,1%

Governos estaduais 35 R$ 8.312.000,00 6,1%

Autarquia, fundação, agencia ou empresa municipal ou estadual

30 R$ 1.756.666,67 1,3%

Incubadora 2 R$ 40.000,00 0,0%

Associação da sociedade civil 14 R$ 1.303.833,33 1,0%

IES privada 12 R$ 357.666,67 0,3%

IES pública 16 R$ 231.000,00 0,2%

Indefinido 43 R$ 1.517.833,33 1,1%

Não identificado 7 R$ 120.000,00 0,1%

Soma 824 R$ 112.759.200,00 82,2%

ORIGEM DO CRÉDITO

Banco público federal 36 R$ 24.425.000,00 17,8%

BNDES 25 R$ 17.025.000,00 12,4%

Banco ou agencia de fomento estadual

5 R$ 50.000,00 0,0%

Soma 41 R$ 24.475.000,00 17,8%

Soma Total R$ 137.234.200,00 100,0%

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

59

A Tabela 10 apresenta um dado de grande relevo: a baixa participação de agentes privados na provisão dos valores de custeio das ações e mesmo na quanti-dade de ações com ou sem valores associados a elas. Os agentes públicos da União destacam-se pelos valores esperados (43,2% do custeio total), enquanto outros agentes públicos destacam-se pelo envolvimento em mais da metade das ações, sendo também responsáveis por 39,3% do custeio total. Os valores de custeio es-perados do MinC correspondem a 16,1% de todo custeio. Os dados indicam que, no âmbito das expectativas reveladas nos planos, há uma forte dependência de recursos públicos em geral para consecução das ações.

Tabela 10. Distribuição das ações, com e sem valores, e dos valores de custeio das ações com valor, segundo a fonte de custeio(continua)

FONTE DOS VALORES DE CUSTEIO DAS AÇÕES

NÚMERO DE AÇÕES

(%)VALOR (EM

MIL R$)(%)

Agentes privados 162 19,7% 18.114 16,1%

Empreendimentos do APL

90 10,9% 7.266 6,4%

Patrocinadores ou parceiros privados

12 1,5% 7.500 6,7%

Sindicatos ou federa-ções empresariais

34 4,1% 1.687 1,5%

Associações da socieda-de civil

14 1,7% 1.304 1,2%

IES privadas 12 1,5% 358 0,3%

Agentes públicos da União

189 22,9% 48.730 43,2%

Poder executivo (presi-dência e ministérios)

148 18,0% 40.634 36,0%

Ministério da Cultura 94 11,4% 18.120 16,1%

Autarquia ou agência federal

38 4,6% 8.051 7,1%

Empresa estatal da união

3 0,4% 45 0,0%

Outros agentes públicos

423 51,3% 44.277 39,3%

IES públicas 16 1,9% 231 0,2%

Sebrae 101 12,3% 5.732 5,1%

Sistema S (outros) 30 3,6% 2.358 2,1%

Poder executivo estadu-al (governos)

35 4,2% 8.312 7,4%

Autarquia, fundação, agência ou empresa

municipal ou estadual

30 3,6% 1.757 1,6%

Secretarias de municí-pio ou estado

131 15,9% 13.386 11,9%

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

60

Tabela 10. Distribuição das ações, com e sem valores, e dos valores de custeio das ações com valor, segundo a fonte de custeio(conclusão)

Fonte: Cegov (2015b).Nota: Ações podem ser contadas mais de uma vez; os valores foram divididos igualmente entre as fontes.

FONTE DOS VALORES DE CUSTEIO DAS AÇÕES

NÚMERO DE AÇÕES

(%)VALOR (EM

MIL R$)(%)

Prefeituras 78 9,5% 12.462 11,1%

Incubadoras 2 0,2% 40 0,0%

Não especificados 50 6,1% 1.638 1,5%

Total 824 100,0% 112.759 100,0%

ACOMPANHAMENTO PRELIMINAR DA EXECUÇÃO DOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO

Nesta seção relata-se o acompanhamento da execução das ações previstas nos PDs dos 27 APLs intensivos em cultura. Tal acompanhamento foi realizado por meio de entrevistas efetuadas pela equipe da UFRGS com representantes dos APLs. Buscou-se identificar se as ações com data de término até o final de 2015 indicadas nos PDs estavam ou não sendo executadas conforme o previsto.

A partir da seleção dessas ações para cada APL, elaborou-se um roteiro de perguntas individualizado por arranjo que orientou a entrevista. Inicialmente, en-trou-se em contato com os APLs via correio eletrônico propondo data e horário para entrevista. Confirmado o agendamento, as entrevistas foram feitas via telefo-ne ou Skype com representantes dos APLs. Em média, duraram 40 minutos.

Para cada ação com previsão de término até o fim de 2015, indagou-se ao representante do APL sobre sua execução. Questionou-se se a ação havia sido rea-lizada “plenamente”, “parcialmente”, ou mesmo se “nada havia sido feito”. Para os casos em que a ação não foi executada ou foi apenas em parte, perguntou-se sobre as razões e justificativas para tanto. Investigou-se também sobre as alterações no cronograma da ação, bem como sobre as providências tomadas com o intuito de efetivar a realização da ação. Por fim, procurou-se confirmar a obtenção dos recur-sos previstos para as ações (fontes e valores). Além dessas informações sobre o an-damento das ações, os representantes dos APLs também tiveram espaço para relatar questões não ligadas aos Planos, mas relacionadas ao contexto atual dos arranjos.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

61

Vale ressaltar que no caso dos dois APLs que não tinham ações previstas para o período em análise (APL 02 – Bonés de Apucarana e APL 15 – Zona da Mata), isto é, não apresentam nenhuma ação com data de término até o final do ano de 2015, outros questionamentos foram feitos. Assim, visando o acompanha-mento do andamento desses Planos, indagou-se sobre sua execução estar ou não ocorrendo como o previsto; sobre os atuais principais parceiros tanto públicos quanto privados; sobre as fontes de recursos utilizadas; bem como sobre a contri-buição da elaboração do Plano para o desenvolvimento do APL.

Ao todo, foram feitas 25 entrevistas. Somente com dois APLs não foi pos-sível realizá-las. Isso porque, após várias tentativas, via telefone e e-mail, não se conseguiu contatar os representantes do APL 12 – Festejos Populares do Municí-pio de São Cristóvão e do APL 13 – Economia Criativa Vale do Rio Cuiabá.

Do total das ações previstas nos 27 Planos de Desenvolvimento dos APLs, 369 tinham previsão de serem executadas até o final de 2015. Conforme pode ser visto no Gráfico 6, esse conjunto de ações representa 57% de todas aquelas pro-postas pelos arranjos em seus planos. Como indicado anteriormente, foram justa-mente essas as ações alvo do acompanhamento realizado por meio das entrevistas.

Fonte: Cegov (2015a).

Gráfico 6. Ações com previsão de término até 2015/2 em relação ao total das ações previstas nos Planos de Desenvolvimento dos 27 APLs

18

Gráfico 6 – Ações com previsão de término até 2015/2 em relação ao total das ações previstas nos Planos de Desenvolvimento dos 27 APLs

Fonte: CEGOV (2015c).

No Gráfico 7, apresentado a seguir, contabilizam-se as ações planejadas para até

o final de 2015 previstas nos Planos dos arranjos entrevistados – ao todo 343 ações.7 É

possível verificar que a maior parte delas não foi realizada, nem em parte. Isto é, 219

ações previstas para findar até o final do ano corrente não foram nem iniciadas; o que

corresponde a 64% do total de ações planejadas com esse cronograma. Quanto às

demais ações, 55 foram executadas parcialmente (16%) e 48 (14%) plenamente. Nesse

Gráfico, indica-se ainda que 21 ações não receberam acompanhamento. Isso ocorreu

porque os entrevistados não souberam informar sobre o seu andamento.

Gráfico 7 – Execução das ações com previsão de realização até 2015/2

Fonte: CEGOV (2015c).

A partir da Tabela 11 apresentada adiante, é possível obter informações mais

detalhadas da execução das ações para cada um dos APLs entrevistados. Como se pode

observar, quinze APLs entrevistados não realizaram 50% ou mais das ações previstas,

sendo que três deles não desenvolveram nenhuma ação prevista no seu Plano para

execução até o final de 2015. Apenas um APL conseguiu realizar, plenamente ou pelo

7 Cabe esclarecer que 369 são as ações com prazo de execução até o final de 2015 indicadas no conjunto dos Planos dos 27 APLs. No entanto, como dois arranjos não participaram das entrevistas, foi possível obter informações detalhadas para 343 ações, já que 26 delas são atinentes aos arranjos não entrevistados. Veja a Tabela 11.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

62Fonte: Cegov (2015c).

Gráfico 7. Execução das ações com previsão de realização até 2015/2

18

Gráfico 6 – Ações com previsão de término até 2015/2 em relação ao total das ações previstas nos Planos de Desenvolvimento dos 27 APLs

Fonte: CEGOV (2015c).

No Gráfico 7, apresentado a seguir, contabilizam-se as ações planejadas para até

o final de 2015 previstas nos Planos dos arranjos entrevistados – ao todo 343 ações.7 É

possível verificar que a maior parte delas não foi realizada, nem em parte. Isto é, 219

ações previstas para findar até o final do ano corrente não foram nem iniciadas; o que

corresponde a 64% do total de ações planejadas com esse cronograma. Quanto às

demais ações, 55 foram executadas parcialmente (16%) e 48 (14%) plenamente. Nesse

Gráfico, indica-se ainda que 21 ações não receberam acompanhamento. Isso ocorreu

porque os entrevistados não souberam informar sobre o seu andamento.

Gráfico 7 – Execução das ações com previsão de realização até 2015/2

Fonte: CEGOV (2015c).

A partir da Tabela 11 apresentada adiante, é possível obter informações mais

detalhadas da execução das ações para cada um dos APLs entrevistados. Como se pode

observar, quinze APLs entrevistados não realizaram 50% ou mais das ações previstas,

sendo que três deles não desenvolveram nenhuma ação prevista no seu Plano para

execução até o final de 2015. Apenas um APL conseguiu realizar, plenamente ou pelo

7 Cabe esclarecer que 369 são as ações com prazo de execução até o final de 2015 indicadas no conjunto dos Planos dos 27 APLs. No entanto, como dois arranjos não participaram das entrevistas, foi possível obter informações detalhadas para 343 ações, já que 26 delas são atinentes aos arranjos não entrevistados. Veja a Tabela 11.

77%

23%ações com data derealização até2015/2

ações com data derealização a partirde 2016/1

22%

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69%

ações realizadasplenamente

ações realizadasparcialmente

ações não iniciadas

No Gráfico 7, apresentado a seguir, contabilizam-se as ações planejadas para até o final de 2015 previstas nos Planos dos arranjos entrevistados – ao todo 343 ações.4 É possível verificar que a maior parte delas não foi realizada, nem em parte. Isto é, 219 ações previstas para findar até o final do ano corrente não foram nem iniciadas; o que corresponde a 64% do total de ações planejadas com esse cronograma. Quanto às demais ações, 55 foram executadas parcialmente (16%) e 48 (14%) plenamente. Nesse Gráfico, indica-se ainda que 21 ações não receberam acompanhamento. Isso ocorreu porque os entrevistados não souberam informar sobre o seu andamento.

A partir da Tabela 11 apresentada adiante, é possível obter informações mais detalhadas da execução das ações para cada um dos APLs entrevistados. Como se pode observar, quinze APLs entrevistados não realizaram 50% ou mais das ações previstas, sendo que três deles não desenvolveram nenhuma ação pre-vista no seu Plano para execução até o final de 2015. Apenas um APL conseguiu realizar, plenamente ou pelo menos em parte, as ações planejadas para o período. Num dos arranjos não foi possível obter informações sobre as ações; assim, 100% delas não foi acompanhada.

Com relação às razões para as ações planejadas para até o final de 2015 não terem sido executadas ou terem sido em parte realizadas, os entrevistados apon-taram a falta de recursos como um importante fator de justificativa. Havia nos Planos uma projeção significativa de captação de recursos públicos junto às dife-rentes esferas – federal, estadual e até mesmo municipal – que não se concretizou. Raros são os arranjos que contam com recursos dos próprios empreendimentos.

(4) Cabe esclarecer que 369 são as ações com prazo de execução até o final de 2015 indicadas no conjunto dos Planos dos 27 APLs. No entanto, como dois arranjos não participaram das entrevistas, foi possível obter informações detalhadas para 343 ações, já que 26 delas são atinentes aos arranjos não entrevistados. Veja a Tabela 11.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

63

Conforme mencionado nas entrevistas, tal dificuldade em conseguir recur-sos públicos está atrelada a fatores diversos, como, por exemplo, às mudanças que ocorreram nas gestões dos governos estaduais, isto é, novas equipes de governo assumiram e não deram continuidade às tratativas e planos da gestão anterior; e à expectativa criada quando da elaboração dos PDs de que especialmente o MinC aportaria recursos que acabou sendo frustrada. Também foi comentado que vários governos estaduais ou mesmo organismos enfrentam atualmente restrições em seus orçamentos, o que dificulta a disponibilização de recursos e, consequente-mente, a captação.

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Também problemas relacionados à governança dos APLs foram recorrente-mente relatados nas entrevistas como razão para o não cumprimento do planejado nos PDs. Tais problemas abrangem desde a não institucionalização da governança até a sua desarticulação, bem como a sobrecarga dos envolvidos na gestão do ar-ranjo (falta de pessoal e até carência de infraestrutura); o que gera incapacidade de articulação, de execução dos planos e de prospecção de recursos.

Soma-se a essas dificuldades outra vinculada à própria elaboração dos pla-nos de desenvolvimento. Conforme mencionado por representantes dos APLs, a metodologia adotada para a confecção dos planos implicou a necessidade de prever ações, indicar coordenadores e presumir orçamentos e fontes, mas muitas vezes os envolvidos na sua elaboração não possuíam conhecimentos suficientes para tanto. Logo, os planos não necessariamente são exequíveis como previsto.

Ainda segundo os entrevistados, a seleção em edital e a elaboração dos PDs criou expectativas junto aos arranjos. Vários representantes manifestaram que esperavam um maior acompanhamento das ações e suporte por parte do MinC. Finalmente, alguns obstáculos para execução dos planos foram transpostos, se-gundo os entrevistados, quando houve: manutenção do apoio do poder público, articulação com as esferas de poder e com agentes públicos e privados, as ações não envolviam custos financeiros, os próprios empreendimentos arcaram com despe-sas, e novos parceiros foram buscados.

Enfim, verificou-se que os PDs foram apropriados de forma distinta pe-los APLs. Isto é, para alguns foi uma ferramenta que auxiliou no planejamento e orientou as ações dos arranjos; já para outros, não passou de uma formalidade a ser cumprida, mas pouco contribuiu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo teve o objetivo de descrever os resultados do acompanhamen-to e da avaliação da implementação da política de desenvolvimento territorial ca-pitaneada pelo MinC. Tal exame foi realizado a partir do monitoramento da execu-ção dos PDs relativos aos 27 APLs intensivos em cultura alvos da pesquisa.

Com relação às características dos arranjos examinados, pode-se destacar a grande heterogeneidade setorial, de escala e de densidade econômica dos em-preendimentos respectivos. Essas características dificultam a elaboração e a exe-cução de uma política de desenvolvimento territorial, mesmo quando apresenta pretensões modestas, como representou essa tentativa da SEC-MinC de fomentar

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a governança dos APLs com a consultoria para produção de planos desenvolvi-mento. Quanto a esses, a pesquisa acabou revelando que, a despeito da aplicação de uma metodologia uniforme, também os planos formulados apresentaram graus muito distintos de elaboração e de realismo.

Em conclusão ao acompanhamento dos planos de desenvolvimento dos APLs, verificou-se que, dentre as ações previstas para se realizarem até o final de 2015 (o que representou 57% do total das ações), apenas 30% tinham se realizado, parcial ou totalmente, e 64% sequer haviam iniciado. Dentre as razões mencio-nadas para tanto, a falta de recursos foi uma das mais citadas, pois raros são os arranjos que contam com recursos dos próprios empreendimentos. A projeção sig-nificativa de captação de recursos públicos não se concretizou, em vista de mudan-ças nas gestões dos governos estaduais e restrições orçamentárias em organismos públicos. Somam-se a isso os problemas relacionados à governança dos APLs e à falta de estrutura material e humana para realização das tarefas. De modo geral, constatou-se uma baixa aderência dos PDs à realidade dos APLs, havendo distin-tos graus de aproveitamento dos mesmos e, eventualmente, a transposição dos obstáculos à sua execução. Isso porque em alguns casos a elaboração dos planos consistiu em mera produção formal de documento, enquanto em outros tornou-se um guia relevante para ações de desenvolvimento mesmo quando os prazos e os recursos não se efetivaram.

Finalmente, cabe assinalar que a política de desenvolvimento territorial voltada aos arranjos criativos ora analisada teve um impacto muito restrito dada a limitada capacidade do ministério em formular ações complementares a essa de suporte aos APLs para a elaboração de seus PDs. Entende-se que, dependendo do estágio de desenvolvimento do APL e da sua capacidade de governança, o esforço de construção do plano não teve o impacto esperado, uma vez que para muitos arranjos tal ferramenta não foi utlizada de modo estratégico e realista para a busca de recursos, de apoio e de consolidação de seus projetos. Considerando as neces-sidades reveladas pelos APLs, uma ação eficaz de apoio ao seu desenvolvimento precisaria contar com um suporte técnico fornecido por agentes locais de desen-volvimento, algo que estava além das pretensões e, possivelmente, das capacida-des do MinC.

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REFERÊNCIAS

CENTRO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS SOBRE O GOVERNO (CEGOV). Relató-rio Técnico I. Porto Alegre: CEGOV, 2015a.

______. Relatório Técnico II. Porto Alegre: CEGOV, 2015b.

______. Relatório Técnico III. Porto Alegre: CEGOV, 2015c.

ANEXO 1 – RELAÇÃO DOS APLS COM NÚMERO DE IDEN-TIFICAÇÃO

1) Moda e Design - Pará

2) Bonés de Apucarana - Paraná

3) Artesanato do Alto Solimões - Amazonas

4) Artesanato de Capim Dourado do Jalapão - Tocantins

5) Mata Norte Criativa - Pernambuco

6) Design, audiovisual e economia criativa – São Paulo

7) Marca Brasília – Distrito Federal

8) Teares do Xixá - Goiás

9) Artesanato de Rondônia - Rondônia

10) Cultural Caipira – São Paulo

11) Gemas e Artefatos de Pedra de Teófilo Otoni – Minas Gerais

12) Festejos Populares do Município de São Cristovão - Sergipe

13) Economia Criativa Vale do Rio Cuiabá – Mato Grosso

14) Festejos e quadrilhas juninas - Ceará

15) Zona da Mata – Minas Gerais

16) Jogos Digitais – Rio Grande do Sul

17) Turismo Cultural do Maciço de Baturité - Ceará

18) Turismo Rota Pantanal Bonito – Mato Grosso do Sul

19) Turismo Lagoas e Mares do Sul Intensivo de Cultura - Alagoas

20) Candeal - Cultura Musical - Bahia

21) Moda Íntima de Frecheirinha - Ceará

22) Confecções e Moda Leste Fluminense – Rio de Janeiro

23) Confecções e Moda Noroeste Fluminense – Rio de Janeiro

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24) Audiovisual de Natal – Rio Grande do Norte

25) Movimento Artístico e de Proteção Ambiental – Minas Gerais

26) Audiovisual de Goiânia - Goiás

27) Corredor Criativo Nestor Gomes – Espírito Santo

ANEXO 2 – CATEGORIAS DE CLASSIFICAÇÃO DO GRAU DE AMADURECIMENTO DOS APLS

1) Projetado: quando não há um núcleo de agentes locais organizados, mas existe um planejamento que pretende fazer o APL surgir, com base em ações realizadas por agentes públicos; essa situação não implica a inexistência formal do APL nem descarta ações anteriores que visaram, sem êxito, constituir esse núcleo organizado de agentes locais.

2) Embrionário: quando existe um núcleo mínimo de agentes locais envol-vidos (mesmo secundariamente) com a governança, o qual se pretende ampliar e organizar como APL, a partir das ações do PD.

3) Estabelecido: quando o APL já tem reconhecimento formal, é reconheci-do como tal pela comunidade e agentes públicos, contando significativa-mente com recursos organizacionais e econômicos dos próprios agentes locais (empreendimentos), mesmo que sem prescindir de outras fontes de recursos e auxílios.

4) Consolidado: quando um APL já estabelecido possui uma trajetória estável de operação ao longo de vários anos, sendo capaz de realizar seus objetivos apenas com recursos dos próprios empreendedores lo-cais; nesse caso, os auxílios públicos não são imprescindíveis para o êxito operacional.

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MICROCRÉDITO E EMPREENDIMENTOS CULTURAIS:ESTADO ATUAL E SUGESTÃO DE AÇÕES INCREMENTADORAS

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GLÁUCIA ANGÉLICA CAMPREGHERProfessora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

PEDRO HENRIQUE JATOBÁMestre em Gestão e Desenvolvimento Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected]

TIAGO OLIVEIRA BALDASSOGraduando do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

A importância do dinheiro e do crédito para o desenvolvimento capitalista é universalmente conhecida mesmo fora da academia. A maior monetização via-biliza, em larga escala, a produção voltada para mercados cada vez maiores e mais distantes. Os bancos multiplicam a moeda em circulação por meio de seus com-provantes de depósitos e, ao se tornarem fornecedores de crédito, criam poder de compra do nada viabilizando a riqueza futura que o redimirá. Os grandes capitais necessários aos grandes investimentos só puderam ser reunidos com a junção do capital industrial e do bancário no século XIX. O século XX só fez aprofundar esses laços, promovendo, para além da centralização de capitais dirigidas pelos bancos, uma superconcentração em que poucos e grandes conglomerados já não se distin-guem por suas atividades, mas pelo volume de capital que controlam. Contudo, desde o início do capitalismo, o crédito democrático, viabilizador de pequenos e novos empreendedores, convive de modo, ora mais ora menos marginal, com o crédito concentrado. Em se tratando dos últimos 50 anos, iniciativas variadas, de organizações públicas governamentais e não governamentais, buscaram dar aces-so ao crédito justo às populações excluídas do sistema financeiro tradicional, o que veio a se chamar microcrédito, não apenas por seus valores, mas também por suas práticas não usuais (prazos, garantias, acompanhamento).

No Brasil, ainda inexiste um sistema de crédito de acesso amplo e democrá-tico. Nosso país tem poucos e grandes bancos emprestando para poucos e grandes clientes. Além disso, predomina o crédito de curto prazo e para consumo. Conside-rando o volume total de créditos concedidos pelo conjunto de instituições financei-ras, apenas recentemente transpusemos a marca dos 50% em relação ao Produto Interno Bruto (2012), e hoje essa relação está em torno de 54%, ainda longe dos ditos países desenvolvidos, onde essa relação não raro ultrapassa 100%.1 Isso sig-nificou que, historicamente, os governos tivessem que compensar o sistema, ofere-cendo crédito de longo prazo (mesmo para grandes empresas) via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), crédito agrícola (devido às suas exigências de maior risco) via Banco do Brasil (BB), e crédito para moradia via Caixa Econômica Federal (CEF). Contudo, essa compensação deixou, ao longo dos anos, a descoberto as micro e pequenas empresas e milhões de trabalhadores informais.

Apenas dos anos 1980 em diante começaram a ganhar atenção as inicia-tivas da sociedade civil no intuito de cobrir essa lacuna.2 Nos anos 90 têm desta-

(1) Vide Bacen (2016).

(2) A bibliografia sobre microcrédito no Brasil e no mundo é ampla. Recomendam-se, inclu-sive para conhecimento da metodologia ímpar dessa modalidade de crédito, alguns autores (FELTRIM; VENTURA; DODL, 2009; GHOSAL, 2004; MATOS; MACAMBIRA; CACCIAMA-

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que os programas federais de geração de trabalho e renda.3 Já nos 2000 a estas se somaram as iniciativas municipais de criação e/ou fortalecimento de instituições locais (os “bancos do povo”); os repasses do BNDES e de agências de fomento e/ou desenvolvimento estaduais para as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCM)4 e cooperati-vas de crédito, e a atuação direta de bancos públicos – na qual se destaca o campeão do microcrédito no Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) com o programa Crediamigo. A adesão dos bancos privados foi desde sempre a mais problemática,5 tanto que, mesmo depois de 2003, quando o governo tornou obrigatório o direcio-namento para operações de microcrédito de 2% dos depósitos à vista, recolhidos compulsoriamente ao Banco Central (Bacen),6 os bancos privados, com raras ex-ceções, preferiam manter esse recurso parado no BACEN (PIMENTEL; KERSTE-NETZKY, 2008).

Em linhas gerais, o estado das artes no microcrédito no país nos dias atuais pode ser resumido nos seguintes pontos:

• O microcrédito no país não soma mais que 0,2% do valor e 0,4% das ope-rações do Sistema Financeiro Nacional como um todo (BACEN, 2015).

• O BNDES atua como repassador de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do compulsório sobre depósitos à vista dos bancos comerciais (Depósitos Interfinanceiros de Microcrédito – DIM) dire-tamente para instituições operadoras de primeiro piso (contato direto com tomadores) ou via bancos de desenvolvimento e as agências de fo-mento. As taxas cobradas são resultado da soma da TJLP mais 1% de remuneração básica do BNDES e 0,1% ao ano de taxa de risco de crédito, com prazo carência de 36 meses.

LI, 2014a; NERI et al., 2008; NITSCH; SANTOS, 2001).

(3) É de 1991 a lei que determinou que a disponibilidade financeira do Fundo de Amparo ao Trabalhador (vinda dos recursos excedentes ao pagamento do seguro desemprego) poderia ser usada pelos bancos públicos (BB, CEF, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia – Basa – e BNDES), dando origem ao Programa de Geração de Renda – Proger (urbano e rural) –, e ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf.

(4) Em 2001 foram regulamentadas as Oscips e as SCM, por meio da Lei 10.194, de 2001, as primeiras envolvidas com crédito de cunho mais social (daí serem não lucrativas) e as segundas de cunho mais mercadológico.

(5) Como diz Costa (2010), os bancos comerciais não têm condições, orientação, ou interes-se para atender clientes com deficiências de garantias, carecendo de preparo, instrumentos, competências, e até licença formal para avaliar riscos de forma diferentes dos esquemas estabelecidos. Para maiores reflexões a respeito, vide Pimentel e Kerstenetzky (2008).

(6) Esta medida – Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003 – precede outras tomadas no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO), cuja lei de criação é de 2003.

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• Os bancos públicos são os maiores operadores, atuando por meio de subsidiárias próprias ou Oscips e SCMs parcerias: BNB (via Instituto Nordeste Cidadania – Inec), BB (via Banco Popular do Brasil), CEF (via Caixa Crescer). Do total emprestado em 2014, 61,82% o foram pelos bancos de desenvolvimento (BNB o mais significativo), e 31,27%, pelos bancos públicos. Os bancos privados começam a operar aos poucos.

• Há limitação das taxas de juros para o tomador, 4% ao mês, mais taxa de abertura de crédito (houve momentos em que foi reduzida a 1%, dentro do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado - PNM-PO).7

• O público de clientes potenciais do PNMPO é principalmente urbano (80,9%) (MATOS et al., 2014b) composto de pequenos comerciantes/ambulantes e prestadores de serviços (oficinas).

Se pensarmos que a metodologia do microcrédito (fundamentalmente o trabalho dos agentes de crédito que acompanham os clientes e sua comunidade, que é a base da garantia solidária)8 é uma metodologia cara; que não é comum que as instituições criem programas e/ou produtos cujo corte seja a atividade efetua-da pelo tomador; e que os agentes de crédito são habitualmente treinados para lidarem com negócios mais populares (comércio, produção de alimentos, produ-ção de serviços etc.), podemos imaginar que o público constituído de músicos, fotógrafos, desenhistas, atores, bailarinos, artesãos, e todo um amplo conjunto de profissionais da cultura de porte pequeno e muitas vezes informal, fica tão fora do

(7) O item taxas de juros é sensível na temática do microcrédito, isso porque i) os estudiosos mostram que para o público que tem alguma atividade, mas inúmeras restrições de acesso aos bancos (garantia sendo a mais importante), os juros não são o problema. ii) Os custos de operação de agentes de crédito que se deslocam, selecionam e acompanham de perto os empreendimentos é alto; iii) o juro poderia cair se os operadores não bancários pudessem captar (ao menos poupança) do público e vender outros produtos financeiros (exemplo, seguros), mas isso exigiria acordos e adequações legais. Recentemente, Oscips, SCMs, coo-perativas de crédito, etc., têm se viabilizado economicamente tornando-se correspondentes bancários de bancos com os quais se associam). iv) O uso de recursos públicos (FAT) para diminuir juros dos bancos federais e estaduais tem alguns inconvenientes (a despeito de aumentar o número de operações), como inviabilizar a concorrência das instituições não bancárias e mesmo, em algumas situações, o aumento da inadimplência (por exemplo, quando o diferencial com a rede privada é alto, as pessoas preferem pagar os empréstimos onde os juros são mais altos e atrasar, ou não pagar onde são mais baixos). A questão aqui é que claro que juros baixos vêm bem a calhar, mas há que ver o que permita que isso ocorra. O ideal seria que adviesse de maior escala das operações das instituições e não de subsídios inconstantes. O pior dos mundos adviria se taxas muito baixas em certos períodos tirassem do mercado instituições que tenham metodologias de atendimento de públicos de difícil al-cance. Uma vez findo o ciclo dos subsídios, tais populações não teriam a quem recorrer.

(8) Vide Bibliografia da nota 2.

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microcrédito como já ficam do crédito comercial tradicional. Sendo assim, só com algumas ações concertadas do poder público pode-se fazer o crédito necessário chegar a esses segmentos.9

Neste artigo buscamos, baseados nas pesquisas realizadas através do Con-vênio entre o Ministério da Cultura e a UFRGS (Estudos e Pesquisas em Economia Criativa: Desenvolvimento Territorial e Fortalecimento da Economia Criativa), desenvolver algumas poucas notas sobre as condições atuais do que diz respeito à oferta e à demanda de crédito aos pequenos empreendedores de modo geral e da economia da cultura/criativa em particular (Seções 1 e 2), para em seguida lan-çarmos algumas sugestões de medidas que poderiam gerar algum efeito propulsor no atendimento das necessidades dos segmentos dos pequenos negócios ligados à cultura para que pudessem eles também serem atendidos pelo microcrédito. São elas a contratação e o treinamento de agentes de crédito especializados, consti-tuição de um fundo de aval e, por fim, utilização de uma rede virtual de moedas sociais digitais (Seção 3).

NOTAS SOBRE A INSUFICIENTE EXPANSÃO DO MICRO-CRÉDITO NO BRASIL

A inexistência de um sistema de crédito de acesso amplo e democrático no Brasil é consenso quase absoluto entre pesquisadores da área, e isso mesmo tendo em vista os avanços recentes do processo de bancarizacão, que mostram que em 2015 já 74% da população brasileira possuía conta bancária (PITASSE, 2015). O volume total de crédito concedido pelo conjunto de instituições financeiras, ape-nas recentemente transpôs a marca dos 50% em relação ao PIB,10 ainda longe dos países desenvolvidos, onde essa relação não raro ultrapassa 100%. Nesse contexto é que se insere a alternativa das microfinanças e em especial do microcrédito, prin-cipalmente para as populações de mais baixa renda, cujas atividades são ou infor-mais ou mesmo que formais, mal vistas pelos ofertadores tradicionais – bancos comerciais –, seja por não se encaixarem nos sistemas de aferição de informações, seja por não possuírem bens materiais a serem dados como garantia.

Tomando o quadro mais geral dos últimos 20 ou 30 anos, pode-se dizer que, no Brasil e no mundo, o microcrédito continua em trajetória de crescimento.

(9) Como as linhas de crédito para o setor da música lançadas no início de 2016, tendo o público de maior porte, mas com dificuldades igualmente grandes de acesso ao crédito. Vide MinC (2016).

(10) Ocorrido em 2012, hoje essa relação está em torno de 54%. Vide Bacen (2016).

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Há tempos a experiência mundial de microcrédito deixou de ser o caso isolado do Grameen Bank em Bangladesh para significar uma ampla gama de instituições atuantes em diversos países na América do Norte, na América do Sul, na Ásia, e na África.11 Isso significa que está algo superado tanto o entendimento de ser o microcrédito a solução cabal da pobreza, como de ser “a corda no pescoço” que faltava para “enforcar os pobres”.12 O que se vê é que o maior sucesso das distintas experiências remete à articulação de ações, quanto mais amplos os objetivos.

Para os mais neófitos, é importante salientar que o microcrédito não é só um crédito pequeno, de valores módicos. É um crédito concedido em situações es-peciais – fundamentalmente dirigido a um público que não acessa a rede bancária, um público carente de garantias reais (bens e ou ativos financeiros), mas também um público cujos laços sócio-territoriais o obrigam à manutenção desses laços (pois é só o que tem) transformando-o em ativo. É dessa forma que no microcrédi-to a solidariedade entre membros de comunidades se transforma em garantia de crédito. Não por outro motivo, as instituições de microcrédito no mundo inteiro não são necessariamente bancos, indo de igrejas, associações de classe e ONGs a organismos públicos de fomento à geração de trabalho e renda. A despeito da baixa inadimplência da modalidade ser um atrativo, o alto custo das operações – que envolvem via de regra visitas ao cliente e o estabelecimento de relações com este e com a comunidade à qual pertence – afasta as instituições financeiras tradicionais que, diferentemente das instituições não financeiras, podem emprestar recursos monetários porque podem captá-los. As instituições não financeiras que se dedi-cam ao microcrédito têm, além dos altos custos de operação, os custos de terem elas próprias de tomar emprestado para poder emprestar.

Um problema, contudo, afeta as instituições não financeiras que atuam com microcrédito: o fato de não poderem captar diretamente do público na forma de depósitos à vista, não podendo, assim, multiplicar seus recursos – o que ocorre quando se fideliza depositantes e se conhece seus timings de retiradas, permitindo a realização de empréstimos que criam depósitos que criam novos empréstimos, num mecanismo chamado multiplicador bancário. Muitas delas driblam esse pro-blema conquistando ao menos o direito de vender outros produtos financeiros (como seguros ou consórcios) ou ainda de captar poupança; mas este não é o caso das instituições de microcrédito no Brasil.

(11) Vide Lapenu e Zeller (2002) e Ledgewood (1999).

(12) Para um balanço resumido das pesquisas de primeira e segunda geração sobre os efei-tos do microcrédito nas populações mundiais onde programas do gênero foram testados, vide Matos, Macambira e Cacciamali (2014b).

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Além da não captação direta mencionada acima, as instituições não finan-ceiras têm um custo de operação elevado, ainda mais aquelas que prestam uma assistência mais efetiva aos tomadores de crédito. Ambas as questões acabam por torná-las frágeis frente à concorrência com bancos públicos e privados, quando se aventuram no microcrédito mesmo que por pouco tempo, e também mais depen-dentes de recursos públicos, seja para o funding inicial seja em programas de reba-timento de juros (uma forma de subsídio). Para sobreviverem, muitas instituições não bancárias de microcrédito tornam-se correspondentes bancários via acordos com bancos comerciais. Procuram também provocar uma queda nos custos de ope-ração do microcrédito usando as novas tecnologias de comunicação – sendo que estas tanto podem ser somadas ao modelo tradicional dos agentes de crédito, faci-litando/barateando entrevistas, visitas e pagamentos, como podem ser utilizadas num modelo mais radical de experiências com moedas virtuais, bancos comunitá-rios, crowdlending /crowdfunding.

Os bancos tradicionais têm a vantagem do poder de captação/multiplicação de recursos e os baixos custos de sua metodologia, que não requer que seus fun-cionários se desloquem na busca de clientes e façam acompanhamento in loco dos seus negócios. Contudo, os bancos comerciais que se aventuram no microcrédito visando à baixa inadimplência conseguida pelas instituições não financeiras, mas não querem incorrer nos altos custos de sua metodologia creditícia, frequente-mente colhem insucesso (COSTA, 2010), daí que a solução tenha sido a contra-tação de pessoal por fora dos quadros de carreira dos bancos, via realização de parcerias (que equivalem a uma terceirização do trabalho do agente de crédito) ou via criação de uma nova empresa que os poderá contratar para si. 13

Nos anos recentes no Brasil, as diferenças de origem dos recursos e de me-todologias de trabalho entre instituições bancárias e não bancárias mostraram como podem dificultar a sobrevivência dos programas de microcrédito em ambas. Assim é que o diferencial de taxas de juros – no início do PNMPO, 4% ao mês nas SCMs e Oscips (considerada alta, mas necessária frente à metodologia de acom-panhamento do microcrédito) e 2% ao mês em bancos como a CEF e o BB (nos empréstimos voltados ao consumo) – por vezes inviabiliza a própria existência de SCMs e Oscips em mercados de grandes centros urbanos principalmente (onde o contato com comunidades e a formação de grupos de aval solidário são mais difí-ceis). Ao mesmo tempo, a desatenção para com a importância do “nome limpo” nos cadastros do SPC e Serasa, que ocorre nos bancos, bem como a menor impes-soalidade em geral, acabam por elevar a inadimplência nestes, o que pode levar a descontinuidade do oferecimento.

(13) Vide o caso recente da empresa Movera, uma associação do Banco do Brasil com o Bra-desco: Pacete (2015).

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Se os números do microcrédito ainda são bastante limitados no Brasil (MA-TOS et al, 2015), os analistas apontam para, do lado dos bancos comerciais, a in-suficiência e/ou a baixa confiabilidade dos seus sistemas de informações para os micronegócios; a preferência pelas garantias reais; a percepção de risco elevado; a inexistência e/ou inadequação de projetos; e os altos custos em geral da operação. Da parte das Oscips, SCMs, cooperativas e outras instituições com dificuldade de autossuficiência, a aproximação entre estas e os bancos, que era a intenção inicial do PNMPO (onde estes adquiririam carteiras daquelas), não foi alcançada. Avan-çou-se no marco legal e no desenvolvimento institucional, mas talvez a crise tenha chegado justo no momento do próximo passo. Por fim, da parte dos pequenos em-preendedores, muito se avançou na formalização – o que é importante em um país onde se culpa via de regra a burocracia sem entender que sem esta seria difícil a sobrevivência dos empreendimentos para fora de sua comunidade imediata –, mas continuam sendo um obstáculo a falta de educação financeira e de capacidade de gerar bons projetos e de geri-los com racionalidade.

Se já havia obstáculos antes, a crise tende a colocar novos, ainda que haja os que argumentem que o microcrédito cresce na crise, dado o aumento do de-semprego, o que leva as pessoas a formarem atividades irregulares. Os números do PNMPO mostram, contudo, que, nos últimos três anos, o quadro é de relativa estagnação. No terceiro trimestre de 2015, último relatório disponível do progra-ma,14 contavam-se já oito trimestres de relativa estagnação do volume de recursos emprestados em torno da marca dos 3 bilhões de reais. Além disso, persiste uma grande concentração da oferta de crédito no Nordeste, responsável por 68% do volume de recursos concedidos, quase todo ele obra de uma única instituição, o BNB (CAMPREGHER, 2015).

Num horizonte mais amplo, porém, é de se esperar, como Araújo e Lima (2014), uma nova configuração do microcrédito devido a três fatores: i) inovações institucionais; ii) ampliação da atuação do setor bancário privado; e iii) mudanças econômicas representadas por novas atividades, e relacionadas com novas tecno-logias da informática, particularmente a Internet.15

(14) Vide MTE (2016).

(15) Exemplo de inovação institucional pode ser o caso de se permitir às Oscips trabalha-rem com captação de poupança, ou venda de microsseguros. No que diz respeito ao terceiro ponto, a existência hoje de uma plataforma virtual que torna de acesso fácil e gratuito a implantação de moedas sociais pode dar ao microcrédito uma nova fonte de recursos para além da moeda oficial.

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DEMANDA POTENCIAL DOS EMPREENDEDORES CULTU-RAIS E CRIATIVOS PARA O MICROCRÉDITO

Como já vimos, no Brasil, o acesso ao crédito além de socialmente exclusivo é geograficamente restrito também. Os tomadores de crédito usuais geralmente moram nas regiões mais ricas do país, nos maiores centros urbanos (FREITAS; PAULA, 2009) e, conhecidas as exigências de garantias que o sistema impõe, são os que mais têm chances de obterem crédito dada a posse de bens (legalmente titulados) a serem dados como garantia, verifica-se, assim, um quadro de exclusão bancária. Essa exclusão de grande parte da população concentrada nas regiões de menor dinamismo econômico tem originado muitos estudos nos anos recentes (CROCCO et al., 2013), em geral apontando o seu papel de causa, mais que de consequência, daquela falta de dinamismo.

Se pensarmos que as camadas excluídas do sistema financeiro tradicional são potenciais tomadores de microcrédito, e que aqui se encontra parte significa-tiva dos pequenos empreendedores da economia da cultura e criativa em geral, os números da população potencial tomadora de microcrédito é muito grande.

Alves e Soares (2004) falam que no início dos 2000 havia quase 14 milhões de pequenas unidades produtivas no Brasil, a grande maioria delas formada por trabalhadores por conta própria. Já segundo a última edição da Pesquisa sobre Economia Informal (ECINF, 2003, p. 106),16 que compõe a sua amostra com os setores (informais) com atividade não-agrícola, dos 9.399.153 de pessoas que se declaram trabalhadores por conta própria, 1.467.407 não realizam nenhuma tran-sação bancária (em torno de 15%). Nesse mesmo universo, os que tomaram em-préstimos pra iniciar o negócio não passam de 1,7%.

Pensando ainda em números potenciais, mas agora tentando uma maior aproximação com o que seria o público da economia criativa, aqueles de mais baixa renda e que vivem na informalidade, o problema é justamente a ausência de in-formação mais detalhada e regular sobre a natureza das atividades das ocupações dessa população. A pesquisa Ecinf de 2003 é aqui muito importante mesmo já um tanto antiga, seja por que há elementos bastante basilares na estruturação do se-tor informal, seja porque a pesquisa foca os segmentos urbanos em todo o país,17

(16) “Ecinf é uma pesquisa por amostra de domicílios, situados em áreas urbanas, onde se busca identificar os trabalhadores por conta própria e empregadores com até cinco empre-gados em pelo menos uma situação de trabalho. Estes indivíduos, proprietários de unidades econômicas pertencentes ao âmbito da economia informal, devem prestar informações de-talhadas sobre as características de organização e funcionamento de seus empreendimen-tos” (ECINF, 2003, p. XX).

(17) A amostra foi construída a partir de seleção estatisticamente relevante para cada uma das Unidades da Federação e, também, para as Regiões Metropolitanas de Belém, Fortaleza,

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retirando da amostra os empregados domésticos e perguntando aos entrevistados quais as atividades que esses desenvolvem no setor informal.

Examinando a informalidade da economia criativa a partir de 2014, o Ce-gov (2016) divulgou um boletim sobre o mercado de trabalho da economia da cul-tura e da economia criativa,18 identificando que a informalidade passou de 39,8% no primeiro trimestre de 2014 para 49,9% das ocupações no início de 2016. Outra pesquisa que se direciona para a análise das ocupações é a do Mapeamento da In-dústria Criativa no Brasil (com base nos anos de 2004 a 2013) e mostra 892,5 mil profissionais dos setores de cultura, consumo, mídias e tecnologia. Essa pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) em 2014 trata, portanto, daquele público que é ainda mais discriminado pelos bancos tradicio-nais, sendo, por isso mesmo, o mais focado pelas instituições de microcrédito.

Outra pesquisa interessante para nos aproximar do público potencial da economia criativa, agora dentro do setor formal da economia nacional, é o Pano-rama da Economia Criativa no Brasil, feito por Oliveira, Araújo e Silva (2013) do Ipea, onde há uma contabilização de pessoal empregado (diretamente e de apoio) formalmente nos setores ditos de economia criativa que somam 575.000 pessoas, 1,89% do total dos trabalhadores formais, para o ano de 2010. Já Caiado (2011), baseando-se nos dados de ocupação da Rais-MTE, calcula que dos 41 milhões de vínculos formais registrados em 2009, 1,3 milhão referem-se a profissionais exer-cendo ocupações criativas (3,2% do total); e em relação ao número de trabalhado-res formais vinculados a atividades criativas um total de 753.178 pessoas.

Contudo, dadas as especificidades do microcrédito e também a própria es-trutura econômica brasileira, o público informal é aqui o que mais importa. Na pesquisa do Ipea citada acima, somando-se os ocupados, formal e informalmen-te, chega-se a um número próximo de 4 milhões de trabalhadores (para o ano de 2009). Tomando esses números, das pesquisas do Ipea e de Caiado, mesmo para anos distintos e dados os problemas metodológicos, podemos pensar que algo em torno de 2,5 milhões de pessoas no mercado informal brasileiro estão envolvidos com ocupações criativas.

Além dessas pesquisas, há ainda outra a ser notada que é a Pesquisa de In-formações Básicas Municipais – Perfil dos Municípios Brasileiro: Cultura de 2006 do IBGE (IBGE, 2006). Ali, se não se identifica ou quantifica pessoas envolvidas, pode-

Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia.

(18) Foram consideradas como ocupações criativas aquelas que carregam consigo aspectos de criatividade, inovação e geração de valor simbólico, englobando também ocupações cul-turais que relacionam-se à expressividade popular, disseminação de crenças, artes, patrimô-nio e de conhecimento (CEGOV, 2016).

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mos identificar os municípios com maior demanda potencial naqueles com maior variedade de atividades criativas. Esse tipo de informação pode ser relevante, por exemplo, para a escolha de localidades para a realização de projetos piloto; além dis-so, informações do tipo “que municípios têm o que” são importantes para desenhar conteúdos dentro de processos de treinamento de agentes de microcrédito.

Há ainda cadastros de profissionais de algumas atividades importantes dentro do rol da economia criativa que perfazem grandes grupos populacionais, como é o caso dos artesãos, que podem ser de grande interesse para o desenvol-vimento de ações de microcrédito. O grupo dos artesãos nos chama a atenção por dois motivos principais. O primeiro é que, nos estudos no âmbito do Projeto MinC/Cegov-UFRGS sobre Arranjos Produtivos Locais (APLs) que envolvem eco-nomia criativa, os APLs urbanos-metropolitanos e urbanos-não-metropolitanos moda e artesanato somam 13 e 5 dos 27 APLs, respectivamente. O segundo é o cadastramento dos artesãos brasileiros feito pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República (SMPE). Sobre este vamos tecer alguns co-mentários que consideramos importantes, pois pode significar fonte qualificada para o estabelecimento de futuras demandas.

Trata-se do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), criado em 1995 den-tro da Secretaria de Comércio e Serviços do MDIC, mas desde 2013 gerido pelo Núcleo de Apoio ao Artesanato dentro da SMPE. O programa é desenvolvido junto a coordenações estaduais do artesanato, presentes em cada uma das 27 Unidades da Federação, as quais executam as atividades de desenvolvimento do setor. Es-sas coordenações estaduais trabalharam em conjunto para a elaboração da Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, publicada em 2012, a partir de estudos reali-zados entre 2006 e 2010, definindo conceitos, tipologias, formas de organização, produtos, entre outras informações visando à padronização e à utilização de uma terminologia única para os processos da produção artesanal, estabelecendo assim parâmetros para atuação do PAB.

Não sabemos até que ponto essas coordenações têm estado presentes nas atividades desenvolvidas dentro dos projetos do Ministério da Cultura (incuba-doras, arranjos produtivos e outros), mas o seu Sistema de Informações Cadas-trais tem um mapeamento do setor, tem núcleos para capacitação, e as próprias carteiras emitidas aos artesãos podem facilitar o trabalho de agentes de crédito para localização e seleção de candidatos.19 Segundo o site da SMPE, o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab), que possibilita o cadas-tramento (de artesãos, trabalhadores manuais, entidades e núcleos) e a emissão

(19) Segundo site da SMPE, ainda não há maiores articulações com o sistema de crédito, uma vez que as atividades fomentadas dizem respeito à participação em feiras (nacionais e internacionais), em oficinas e cursos de artesanato e, em alguns Estados, o acesso a incenti-vos fiscais, não constando ao menos diretamente, o acesso ao crédito.

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da Carteira Nacional de Artesão, mostra que para o primeiro semestre de 2014 já haviam se cadastrado mais de 96 mil artesãos e trabalhadores manuais, com vistas a dobrar devido aos mutirões realizados desde então. Interessante ainda que, além das informações quantitativas, o sistema permite o mapeamento de setores e uma certificação quanto à natureza da atividade daquele que pode ser nosso potencial tomador, dado que a Carteira Nacional requer, além da apresentação de documen-tos e fotos, a execução de um trabalho na presença de técnicos. 20

Nesse sentido, há que se salientar a importância do cadastramento dos pon-tos de cultura como ferramenta fundamental para o desenvolvimento das propostas elencadas na próxima seção no que tange à oferta de microcrédito para os empreen-dimentos culturais, uma vez que esse público não conta com nada parecido com o que o SICAB faz. Em entrevista ao Programa Espaço Público na TV-Brasil, o ex-mi-nistro Juca Ferreira falava de um trabalho interno do Ministério da Cultura que ava-lia 100 mil grupos culturais existentes hoje no país, nas favelas, cidades pequenas, aldeias, etc. que nunca foram considerados pelo poder público, mesmo que alguns destes tenham mais de 100 anos.21 Quanto antes essas pessoas tiverem nome e en-dereço, mais rápida e adequadamente o microcrédito pode chegar até elas.

PROPOSTAS PARA QUE O MICROCRÉDITO CHEGUE AOS EMPREENDIMENTOS CULTURAIS E CRIATIVOS

Dado esse rápido retrospecto das condições de oferta de microcrédito no Brasil e do público potencial que resta atender, em que se situam os empreen-dedores criativos/culturais que poderiam tomar empréstimos nessa modalidade, vamos nesta seção discorrer sobre três possíveis alternativas de políticas públicas para atender melhor as necessidades financeiras desse segmento. São elas o treina-mento de agentes de crédito especializados em empreendimentos culturais e cria-tivos, postos à serviço de instituições estrategicamente escolhidas; a viabilização de uma estrutura de complementação de garantias ou mesmo a constituição de um fundo de aval dentro do já existente Fundo Nacional de Cultura (FNC); e a possi-bilidade de construção de uma rede de moedas sociais virtuais em sintonia com inovações importantes que já têm acontecido em empreendimentos que unem a cultura tradicional e novas tecnologias da informação.

(20) Vide Brasil (2014).

(21) Vide Espaço (2015).

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TREINAMENTO DE AGENTES DE CRÉDITO ESPECIALIZADOS EM EM-PREENDIMENTOS CULTURAIS

Se alcançar crédito para empreendimentos populares em geral já requer ex-pertise e um custo (para além da vontade política de reverter um quadro de concen-tração), conseguir que esse crédito possa ser voltado a públicos específicos é ainda mais difícil e custoso. Pelo que se apurou nesta pesquisa, não é comum que as insti-tuições criem programas e/ou produtos de microcrédito cujo corte seja a atividade efetuada pelo tomador. Tudo indica que, na experiência brasileira, uma leitura téc-nica aprofundada dos potenciais econômicos das regiões que sirva de subsídio ao levantamento de clientes ocorre apenas em bancos e agências de desenvolvimento maiores e mais experientes e, ainda assim, visando a investimentos de vulto. Apenas recentemente a temática dos Arranjos Produtivos Locais – em que produtores, for-necedores e consumidores de um território comum se articulam entre si e com as es-feras de poder público visando alcançar economias externas que beneficiem a todos – chegou aos segmentos ligados às artes e à cultura, o que é um passo fundamental para a construção de formas de articulação com instituições de microcrédito. Isso tudo importa, uma vez que o trabalho do agente de crédito – que vai até o tomador em vez de esperar por ele (uma das principais particularidades e razões do sucesso do microcrédito) – raramente é precedido de estudos prévios sobre as economias locais em que se situam os tomadores potenciais.

O sucesso do microcrédito se relaciona diretamente com o trabalho dos agentes de crédito (ACs) que são essencialmente funcionários de instituições de crédito que atuam junto às comunidades conquistando novos clientes e acompa-nhando os já conquistados até a liquidação de seus empréstimos. São esses ACs que permitem que o tomador não precise ir aos bancos (o que, segundo estudos, é uma barreira inclusive psicológica) e obtenha um crédito menos burocratizado em que não se exigem garantias reais (bens) – uma vez que o trabalho do AC ao estabelecer um conhecimento empírico do negócio e dos laços sociais do tomador possibilita a constituição de uma garantia solidária (na prática, o empenho de um grupo de empreendedores que se comprometem a pagar, caso um ou mais mem-bros desses grupos não o façam). Além disso, são responsáveis por realizar estudos e planilhas para controle de fluxos financeiros, e adequação destes às cobranças (via de regra, em curtos intervalos e de pequena monta). O cumprimento dessas tecnologias sociais garante um nível de inadimplência muito baixo (em média me-nor do que 3% da carteira ativa).

Nossa proposta é que melhor (e mais barato) que criar instituições de cré-dito ou mesmo linhas de crédito novas dentro das instituições existentes, seria trabalhar com estas, mas aportando nelas novos agentes de crédito, oriundos da e treinados para a economia da cultura. O poder público poderia contratar (sob a

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forma temporária de bolsas anuais) e treinar agentes de crédito especialistas em cultura, preferencialmente oriundos desse segmento, com uma ampla rede de re-lações e inseridos em regiões selecionadas como de potencial elevado. A probabi-lidade destes alcançarem o público desejado seria muito maior do que se este fosse alcançado por ACs sem maior sensibilidade/treinamento para tanto. Queremos crer que tais ações – pontuais e/ou indicadas – são mais fáceis de serem implan-tadas e surtem mais efeito, pois trata-se de usar a expertise existente tanto das instituições como de indivíduos.

Especialmente importante para um agente de crédito (e vital para um pos-sível AC de cultura) seria saber quem são, onde residem, o que fazem e com que grau de compromisso e organização atuam os trabalhadores da cultura. Não se trata tão somente de identificar, mas de falar a mesma linguagem que esse público. O conhecimento de sua realidade efetiva, e mesmo suas relações pessoais é aqui um compromisso, base da própria noção de garantia solidária. Isso significa duas coisas: que um AC direcionado para o atendimento desse público terá um trabalho menor de encontrá-lo objetivamente; e que raramente vai encontrar um indivíduo isolado, mas imerso numa densa rede de relações sociais e profissionais.

Caso a proposta interesse aos poderes públicos (não só federal, mas esta-duais e municipais), pensamos que o ideal seria começar por selecionar as regiões e as instituições de microcrédito já atuantes nelas ou próximas que pudessem re-ceber os novos agentes. O conhecimento prévio da conjuntura econômica, do seg-mento e das localidades em que atuam é fundamental. Na sequência haveria de se fazerem acordos ou convênios estabelecendo as responsabilidades dos envolvidos. Seria importante subsidiar os ganhos (salários ou bolsas) dos novos agentes ao menos por um tempo mínimo, bem como providenciar o treinamento destes, seja no que diz respeito às tecnicalidades do processo de crédito, seja quanto à ambien-tação dos negócios criativos e culturais no espaço das economias locais e regionais. Por fim, os números de contratações de crédito e as taxas de inadimplência do público acessado por estes dariam uma boa e rápida avaliação da ação proposta, e indicariam às instituições de crédito o quanto elas próprias se beneficiariam do trabalho desses agentes de modo a ser do seu interesse a sua contratação.

CONSTITUIÇÃO DE UM FUNDO DE AVAL COM RECURSOS DO FNC

As dificuldades no acesso ao crédito, particularmente para pequenos em-preendimentos, fizeram com que houvesse nos últimos anos uma mobilização muito grande para criar um sistema nacional de garantias composto por mecanis-mos que funcionam paralelamente às instituições de crédito: há as Sociedades de Garantias de Crédito (SGCs) e os Fundos Garantidores ou Fundos de Aval (FAs), e podem ser criados também Programas de Garantias (PGs).

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Em poucas palavras, os FAs são fundos que dispõem de recursos limita-dos e transitórios cuja origem pode tanto ser programas públicos governamen-tais como não governamentais (fundações, ONGs e organismos internacionais). Eles são administrados por conselhos constituídos para tanto em que têm assento seus fundadores e instituições que com eles operam. Os PGs são oriundos da ação direta de governos, em geral por meio de agências de desenvolvimento e/ou ban-cos públicos. As SGs são privadas (ainda que possam contar com participação de governos) e prestam garantias complementares apenas a seus associados. Todos esses devem servir não para cobrir perdas dos emprestadores (como um seguro contra inadimplência que desobriga os tomadores de suas dívidas), mas para com-plementar as garantias apresentadas pelos tomadores aos emprestadores, dimi-nuindo os riscos dos últimos. 22

No que diz respeito aos FAs, houve uma primeira leva deles nos anos 90, criados a partir de recursos exclusivamente federais (União, único cotista), como o Fundo de Garantia para a Promoção da Competitividade (FGPC) e o Fundo de Aval para Geração de Emprego e Renda (Funproger). Estes geraram desinteresse dos agentes financeiros justo por sua natureza pública e pelos limites que advi-nham disto, tais como processo de decisão lento e burocrático; acompanhamento e prestação de informações sobre todas as fases das operações garantidas; temor pela falta de liez em caso de acionamento de honra, dados os sucessivos contingen-ciamentos orçamentários; e rigidez de processos de recuperação de crédito devido à necessidade de aprovação em cada caso pelo administrador do fundo (LANZ; PERUFO, 2013).

Os FAs mais antigos em operação, alguns deles reformulados pelas razões acima, são o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampre, de 1995), do Sebrae, o Fundo de Aval para Geração de Emprego e Renda (Funproger, de 1999), do Banco do Brasil, o Fundo Garantidor pra Investimentos (FGI, de 2009) do BN-DES, e o Fundo de Garantia de Operações (FGO, de 2009), do BB.

As reformulações realizadas e que valeram para novos fundos criados nos anos 2000 podem ser resumidas como em Lanz e Perufo (2013) como dando lugar às seguintes características comuns: i) natureza privada, como condomínio aberto, de prazo indeterminado; ii) patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotis-tas e da instituição administradora e sujeito a direitos e obrigações próprios; iii) não pagamento de rendimentos a seus cotistas, assegurando-se a qualquer deles o direito de requerer o resgate total ou parcial de suas cotas, correspondente ao pa-

(22) Zica e Martins (2008, p. 189) advertem que, no Brasil, os FAs são quase PGs. “[C]ompreendemos que os fundos existentes no país comportam-se mais dentro do conceito de ‘programas de garantia’ do que de ‘fundos de garantia’. De acordo com Baumgartner (2004), tal afirmação se dá em função de que os fundos no Brasil não possuem característica de recursos transitórios, mas renováveis e perenes”.

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trimônio ainda não utilizado para a concessão de garantias; iv) sem qualquer tipo de garantia ou aval por parte da União ou de seu administrador, os fundos respon-dem por suas obrigações até o limite dos bens e direitos integrantes de seu patri-mônio; e v) regras de governança mais transparentes, com assembleia de cotistas, criação de um conselho de participação da União, administrador e auditorias.

Seguiram essas novas orientações os fundos mais recentemente criados (bem como foram reformulados o FGO e o FGI) como o FGP (Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas), o FGCN (Fundo de Garantia para Construção Naval) gerido pela CEF, e outros como o FGCE (Fundo Garantidor do Comércio Exterior) e o FGI (Fundo Garantidor de Infraestrutura), ambos criados pela lei, que cria pa-ralelamente uma Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF) (artigos 33 e 37 da lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, e no decreto nº 7.976, de 1º de abril de 2013). Ou seja, a União cria uma empresa privada para gerir os fundos nos quais ela participa na qualidade de cotista. 23

Seria imprescindível criar um fundo garantidor para alavancar microcré-dito para empreendimentos da economia da cultura e criativa? Não se poderiam usar os já existentes? De fato, sabemos que mesmo a existência de linhas de crédito específicas para esse público são escassas (como o Procult do BNDES, ou CrediBah-ia Cultural da Desenbahia), mas estas não estão cobertas por nenhum convênio com os fundos garantidores existentes. Recentemente, em maio de 2016, o MinC fez acordos com o FAT e o BB para que se viabilizasse dentro do Proger Urbano re-cursos para empresas e microempreendedores individuais do campo musical com faturamento bruto anual de até R$ 3,6 milhões. Esses acordos poderiam ser feitos também com o Fampe, por exemplo?

O problema é que há recortes existentes para usufruto dos FAs em operação que não nos contemplam, mesmo eles tendo um cunho político no sentido mais social (como no caso do Proger),24 ou político no sentido mais econômico (como no caso do Fampe)25. O que significa que para usá-los seria necessária alguma ne-

(23) Ainda em fase inicial e contando com cerca de 100 funcionários, a ABGF administra 3 fundos de aval e tem como um dos seus objetivos “II – a constituição, administração, gestão e representação de fundos garantidores” (ABGF, 2016). Essa prerrogativa da ABGF poderia servir de contorno aos entraves burocráticos que a criação de uma nova lei/portaria gerariam, na medida em que se poderia sugerir aos gestores dessa empresa a criação de um fundo semelhante a este que estamos chamando de FNC-A. Um contato com essa agência seria recomendável, dado que foi criada justamente para concentrar pessoal especializado no nicho de fundos garantidores em uma só estatal. Vide ABGF (2016).

(24) Enfatizam o apoio a setores intensivos em mão de obra e prioritários das políticas go-vernamentais de desenvolvimento, além dos programas destinados a atender necessidades de investimento em setores específicos, objetivando aumentar a oferta de postos de traba-lho e a geração e manutenção da renda do trabalhador. Vide MTE ([2005], p. 1).

(25) Nesse caso os programas de crédito que se conveniam ao Fampe são os que enfatizam

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gociação com seus conselhos gestores. Já que essas negociações apresentam difi-culdades insolúveis, se coloca a necessidade de um fundo de aval próprio que sirva para os segmentos culturais e criativos, estimulando instituições de crédito, mais especificamente os bancos, a criarem linhas voltadas ao financiamento cultural em que eles possam contar com o uso desse fundo para fornecimento de garantias complementares.

Há que se ter em mente que a articulação com instituições financeiras é de fundamental importância, pois são estas que vão (ou não) se tornar parceiras na realização de empréstimos com cobertura de garantias. Ou seja, uma vez cria-do o fundo de aval, o mais importante é que este seja bem visto pelos bancos que aceitarão trabalhar com ele. De nada adianta o fundo existir, e mesmo ter liquidez momentânea, se as instituições ofertadoras acreditam ser esta instável, ou se uma série de empreendimentos que os gestores desses sistemas de garantias acreditam financiável, não o for aos olhos dos bancos, de quem é, geralmente, a palavra final.26

O fato de que existe hoje um Fundo Nacional de Cultura, cujas atribuições estão em discussão no Congresso – entre elas a de que este possa ser usado como fundo de aval – é já um encaminhamento do que propomos aqui. Uma vez não aprovada, mas havendo algum recurso que se possa dirigir a essa função, suge-rimos a criação de um PG em que se possam aportá-los diretamente a bancos e agências de fomento parceiros. Se não se pensa só em microcrédito, pode-se pen-sar que os empreendimentos de maior porte poderiam ser convencidos a criarem uma SGC, uma vez ainda que estudos comparativos mostram que estas têm van-tagens interessantes em relação aos FAs, principalmente se a ideia é que os bancos operem efetivamente com essas formas adicionais de garantia.27 É importante

“produção e comercialização de bens para o mercado externo, na fase de pré-embarque; financiamento destinado a desenvolvimento tecnológico e inovação” (SEBRAE, 2016a). Sendo os valores variáveis de R$ 30 mil, para capital de giro puro e R$ 300 mil, para os financiamentos ligados à exportação e desenvolvimento tecnológico. Diga-se, de passagem, que, mesmo não sendo a área cultural e criativa em geral um segmento privilegiado por esse fundo e pelos bancos que o contratam, nada impede que o Minc os procure levando os argu-mentos que se têm em mãos (por exemplo, de que esse segmento cresce mais rapidamente nas fases de recuperação econômica e decresce menos nas fases críticas, ou outro, como a articulação de muitos destes em arranjos produtivos locais, elemento já favorecido pelo Sebrae, etc.) de modo a conseguir acordos para sua utilização.

(26) De fato, parece ser necessário, um trabalho permanente de articulação. Mesmo tendo um fundo vultoso, o Fampe do Sebrae, apenas em meados do ano passado, conseguiu-se realizar uma parceria com um banco privado, o Bradesco, para que este aceitasse usar seus recursos para avalizarem os empréstimos ao segmento das franqueadoras (por exemplo, uma loja da rede Boticário). Vide Sebrae (2016b).

(27) É o que diz a pesquisa de Zica e Martins (2013, p. 195): “A grande vantagem de uma SGC em relação ao fundo de aval é a origem pública e privada dos recursos garantidores das operações e uma estrutura de governança que garante uma gestão privada de correspon-sabilidade pela garantia de crédito (também aval técnico e para locação) concedido. Para

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comentar ainda que, desde que o Sebrae criou em 2008 um programa para implan-tação de mais SGCs no Brasil, somam-se em 2015 sete em operação, cinco em fase pré-operacional e sete novas iniciativas.

CRIAÇÃO DE UMA REDE DE MOEDAS SOCIAIS VIRTUAIS DESENVOLVI-DAS NUM CONTEXTO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A CULTURA TRADI-CIONAL E A CYBER CULTURA

As moedas complementares de cunho social representam uma alternativa para o fomento de microfinanças utilizadas no Brasil e também em outras econo-mias mundiais. São produzidas e geridas por bancos comunitários locais cuja fun-ção principal é oferecer crédito com o objetivo de fortalecer os produtores locais, facilitando a circulação das abundâncias e ampliando o acesso a produtos, serviços e saberes aos empreendedores existentes e possibilidades de financiamento coleti-vo para novos negócios. Tais moedas têm sido chamadas, técnica e popularmente, de moedas sociais28 e são, de acordo com o Banco Central do Brasil, uma “Tecno-logia de autofinanciamento: um instrumento de natureza e estrutura contratual, com potencial para resolver ou atenuar o problema do “desencaixe” entre disponi-bilidade de capital (recursos disponíveis) e necessidades não atendidas” (FREIRE, 2008).

A importância da existência das moedas sociais para a animação de eco-nomias locais em que a circulação da moeda oficial é restrita, dada a falta de dinamismo econômico e mesmo de uma estrutura de serviços financeiros (pre-sença de bancos), foi reconhecida pelo Bacen e foi o motivo de sua aceitação e regulação. A circulação de moedas sociais garante aos produtores locais a opor-tunidade de transformar o seu trabalho em algo comercializável, ainda que em um território restrito, gerando valor econômico e inserção social. Como efeito têm-se o fortalecimento de economias locais e a redução da pobreza e da desi-gualdade socioeconômica.

tanto, a concessão ou não do aval passa a ser uma prerrogativa da SGC. Isso possibilita uma drástica diminuição da assimetria de informações entre o banco e o tomador de empréstimo e uma substancial redução do risco de crédito.” “O risco moral é menor que nos fundos de aval, dado o nível de comprometimento com a sociedade e com a comunidade onde a empre-sa está inserida. Os fundos de aval parecem passar ao tomador do crédito uma mensagem de que, em caso de inadimplência, a operação estará coberta por uma ‘espécie de seguro’, o que pode se tornar um estímulo ao relaxamento dos pagamentos (risco moral).” Esclarecem, contudo, os autores que não há apenas vantagens na SGC, “as desvantagens vão desde a ne-cessidade de desembolso para se associar, até a complexidade da operação da sistemática”, mas o balanço é claramente favorável a estas em relação aos FAs.

(28) Vide Rigo (2014), Costa (2013) e Nascimento (2011).

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A implementação dessas tecnologias é realizada, na maioria dos casos, não por organizações do sistema financeiro, mas sim por organizações não gover-namentais da sociedade civil que atuam em algum território e promovem ações ligadas à economia popular e solidária. Agindo assim, essas organizações atuam socialmente em um determinado local para incluir produtivamente ou atenuar distorções econômicas vigentes, conforme legislação das Oscips (BRASIL, 1999).

As experiências de moedas sociais regulamentadas e apoiadas pelo Banco Central no Brasil são fruto de décadas de batalha jurídica envolvendo governo e so-ciedade civil, mas resultaram precedentes, que, na ausência de um marco regulatório mais completo, acabam sendo o norte regulamentar à disposição do tema. Nessa perspectiva, o que foi sendo convencionado, formal e informalmente, como sendo uma moeda social, vale para aquelas que atendem às seguintes características:

• Lastro – ser lastreada em moeda nacional (real);

• Indexação – ser indexada ao real;

• Conversibilidade – permitir o câmbio (moeda social x real x moeda so-cial);

• Territorialidade – ter circulação restrita ao território de atuação do ban-co comunitário (não mais que 60.000 hab.);

• Credibilidade – ser de livre aceitação pelos moradores e pelo comércio local;

• Inclusão – não serem cobrados juros para empréstimo em moeda social;

• Segurança – na frente da moeda deve ter o nome e endereço da entidade gestora do banco;

• Transparência – no verso da moeda deve ter um texto explicativo de que se trata de um bônus que promove o desenvolvimento local e de uso exclusivo para troca de produtos e serviços na comunidade.

Um breve histórico das experiências que culminam nesse entendimento dá conta de que o primeiro caso de vulto surgiu na região nordeste, na cidade de For-taleza no final da década de 90, com o Banco Palmas, originariamente um banco comunitário dedicado ao microcrédito. O Banco Palmas começou emitindo “pal-mas” que eram papéis aceitos no comércio local em troca de produtos. Trata-se do caso mais estudado academicamente como também o de maior referência para o órgão fiscalizador, o Bacen. Essas pesquisas mostram que o sucesso desse em-preendimento social não se deve à mera presença da moeda, mas a uma série de ações outras de organização e capacitação dos produtores, que são fundamentais para que os produtos locais possam ter preferência dos consumidores locais; con-tudo, a aceitabilidade e a liquidez da moeda social local contribuem muito para essa preferência.

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Em paralelo com as experiências do Banco Palmas, e de outras iniciativas semelhantes associadas à criação de bancos populares, outras associações comu-nitárias – clubes de trocas e organizações de produtores culturais – também sen-tiram necessidade de criar e fazer circular moedas sociais em seus territórios. No que diz respeito especificamente ao campo da cultura, a partir de 2005, dentro do programa cultura viva, surgiram experiências envolvendo créditos solidários com emissão e registro de moedas sociais em diferentes regiões do país. Essas iniciati-vas surgiram em coletivos culturais independentes, pontos de cultura e organiza-ções culturais de bairro que começaram a se conectar localmente em rede e trocar produtos, serviços e conhecimentos mediados por créditos solidários.

Essas experimentações iniciais na área da cultura demonstraram que a inexperiência administrativa com o manejo de moedas sociais físicas pode atender inicialmente à demanda de toda uma rede de produtores dinâmicos, mas carentes de moeda, mas sem o controle adequado o sistema estimula fraudes (como falsifi-cação e roubo) e o consequente descrédito. Tudo isso, contudo, pode ser minimiza-do, senão corrigido totalmente, com moedas sociais digitais.

Uma das modernas tecnologias que se juntou à tecnologia social que criou as moedas sociais é a internet. O seu uso pelos bancos comunitários, bem como por todo e qualquer banco comercial, isenta a circulação física das moedas, ou per-mite a circulação de uma moeda virtual, digital ou eletrônica. Esses bancos todos emitem e fazem circular moeda eletrônica toda vez que um mero dígito é compu-tado saindo (a débito) e entrando (a crédito) de alguém. A necessidade de regular essa produção e circulação de moeda obrigou o Banco Central do Brasil a criar em 2013 a Lei das Moedas Eletrônicas, que permite regulamentar no país a circulação de moedas eletrônicas, em telefone celular, por pessoas, empresas e instituições.

Segundo Marusa Freire (2011), moedas sociais digitais possibilitam econo-mia de recursos, inibem a falsificação e possibilitam definir limites de acúmulo e endividamento. De acordo com a autora, quando a esfera pública não consegue ga-rantir os direitos constitucionais, a sociedade civil se organiza localmente para via-bilizar meios alternativos de garantir a autonomia econômica desse território. Para isso é preciso garantir aos participantes dessa economia instrumentos ou sistemas de pagamentos, assim como a coordenação e gestão de atividades econômicas locais.

Essa resposta social se concretiza em diferentes arranjos produtivos locais e circuitos econômicos comunitários que criam moedas sociais virtuais para ampliar suas possibilidades de negócios para além do paradigma da escassez ou endivida-mento na moeda oficial. A pesquisa realizada por Marusa Freire (2011) considera que essas redes não possuem finalidade lucrativa, mas buscam gerar renda no ter-ritório e conseguem mediar interesses comuns através de processos colaborativos mediados por um conjunto de princípios, regras e atitudes que exigem participa-

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ção deliberativa, ou seja, processos de decisão autogestados, que envolvem a estru-turação, organização, adaptação ou reforma de instituições econômicas.

Há alternativas para os problemas apontados, e elas têm surgido justo do campo da cultura. De fato, na última década, assistimos a diversas iniciativas li-gadas a grupos de cultura que se colocaram a campo para resolver o problema da gerência centralizada de moedas físicas. Para tanto utilizaram softwares livres e bases de dados públicas e transparentes para a gestão de créditos eletrônicos. Um exemplo é a Universidade Livre de Teatro Vila Velha em Salvador, na Bahia, que utiliza o software livre Corais para gerenciar a moeda social “tempo”, aceita em troca de serviços realizados no teatro para a realização dos eventos. Por meio des-sa experiência, desde 2013, é viabilizada uma universidade de formação em artes cênicas utilizando a estrutura, os equipamentos e a equipe do teatro. Como essa iniciativa de formação não recebe financiamento público, os estudantes trocam serviços com o teatro mediados por uma moeda social virtual.

Isso nos faz crer que o financiamento de eventos e produtos culturais, mes-mo que deva procurar se inserir na pauta dos bancos comerciais tradicionais e também das instituições de microcrédito (afinal há que desinflar o financiamento direto via editais), pode ir além destas, formando uma rede paralela, não substitu-tiva, de moedas sociais locais virtuais. Essa operação é tecnicamente fácil, e social e economicamente absolutamente potente.

A proposta que fazemos aqui é de criação de uma rede virtual que possibi-lite a integração dessas economias locais, possibilitando o intercâmbio cultural. A iniciativa consistiria em conectar ferramentas existentes e construir uma interface comum que facilite o uso integrado desse conjunto de aplicações que atendem a demandas complementares relacionadas à utilização e ao intercâmbio de moedas sociais digitais. Algo como uma Rede interCULT, que seria uma plataforma digital constituída por uma interface gráfica de navegação acessível através de navegado-res de internet, que integrasse diferentes plataformas livres relacionadas à econo-mia da cultura previamente reconhecidas – muitas delas inclusive financiadas por governos federal e estaduais – no intuito de fazê-las dialogarem entre si, possibili-tando, dessa forma, com que toda uma diversidade de produtos e serviços pudesse ser adquirida em alguma moeda social nacional extrapolando suas regiões de ori-gem. Ou seja, a ideia aqui é propor um meio de conectar os circuitos econômicos de troca cultural em esfera nacional a partir da integração de plataformas livres na nuvem que atendessem propósitos complementares como:

• gestão transparente de moedas sociais virtuais;

• mediação e histórico de trocas online;

• acervos multimídia na internet com licenciamento autoral de obras;

• vitrine de ofertas, demandas e conhecimentos;

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• composição de preço aberto e comércio justo;

• qualificadores e certificações de insumos, matérias-primas e profissio-nais envolvidos;

• carrinho de compra e gestão de pedidos.

A conexão entre plataformas livres possibilita prover um mesmo usuário com um conjunto de funcionalidades necessárias para viabilizar um conjunto de funcionalidades como:

• busca de produtos;

• análise de ofertas;

• negociação em produtos ou diferentes moedas;

• verificação de saldo;

• transações bancárias;

• emissão de recibos;

• avaliação de negociações (reputação dos envolvidos).

Entre os vários projetos que afloraram com apoio do Programa Cultura Viva a partir de 2004, diferentes iniciativas de plataformas digitais ofereceram funcio-nalidades por atores ou parceiros da rede nacional de pontos de cultura que pode-riam ser aproveitados nessa proposta. Dado o cenário de poucos recursos, seria mais que conveniente conhecer as plataformas em operação e suas possibilidades de utilização integradas à Rede interCULT.

Entre os vários projetos de softwares livres relacionados à economia da cul-tura, afloraram nos anos recentes (entre 2005 e 2015), e justo através de financia-mento público para fomento, algumas iniciativas de cultura digital no Programa Cultura Viva que seriam a base da atual proposta. Um indicador do resultado de uma década de investimento é o índice de familiaridade e apropriação tecnológica dos gestores e representantes de pontos de cultura inscritos como delegados do último Fórum Nacional dos Pontos de Cultura realizado na Teia Nacional da Di-versidade de 2014 em Natal (RN). Dos 615 participantes oficialmente computados no relatório final do encontro publicado pela Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, mais de 90% responderam todo o mapeamento, o que nos fornece uma radiografia recente de como esse investimento público impactou a inclusão digital de quem está na ponta. Essa familiaridade pode ser considerada agora uma das formas do capital necessário para esse passo rumo à sustentação financeira dos empreendimentos de cultura.

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IMPACTOS ECONÔMICOS DA ECONOMIA CRIATIVA COM ÊNFASE NO COMÉRCIO INTERNACIONAL:CONCEITOS, MÉTRICAS E ESTIMATIVAS PARA O CASO DO BRASIL

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ANDRÉ MOREIRA CUNHAProfessor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais/UFRGS, Pesquisador do Cegov e do CNPq. E-mail: [email protected]

DANIELA MAGALHÃES PRATESProfessora Associada do Instituto de Economia da Unicamp e Pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]

JULIMAR DA SILVA BICHARA Professor do Departamento de Estrutura Econômica e Economia do Desenvolvimento da Universidade Autônoma de Madri, Espanha. E-mail: [email protected]

LEANDRO VALIATIProfessor Adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais/UFRGS, Pesquisador do Cegov e do CNPq. E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

A economia global nestes primeiros dois decênios do século XXI é caracte-rizada pelo predomínio de ambientes institucionais cada vez mais liberalizados e pela redução dramática dos custos de transação em telecomunicações, transporte, processamento armazenamento e disseminação de informações, dentre outros (WTO, 2013, 2014). Nesse contexto, este estudo traz como base para discussão as formas de se ampliar os potenciais competitivos dos agentes econômicos relacio-nados aos setores culturais e criativos (SCC).

De acordo com a Unesco (2006), o comércio internacional de bens e ser-viços criativos valoriza a capacidade de criação de produtos e serviços que, si-multaneamente, especificam-se pela sua matriz cultural e encontram espaços de validação nos mercados globais. Agências multilaterais, governos nacionais, aca-dêmicos e entidades representativas de empresas e setores passaram a trabalhar formas de se conceituar, desenhar políticas públicas específicas e avaliar os impac-tos econômicos dos setores considerados “culturais” e/ou “criativos” (UNCTAD, 2010; FLEW, 2012; UNESCO, 2013) ou, simplesmente, setores culturais e criativos (UNESCO, 2015).

Em um estudo recente, a Unesco (2015, p. 11) agrega terminologicamente as dimensões da cultura e da criatividade ao definir os setores culturais e criativos como aqueles em que o “[...] objetivo principal é a produção ou reprodução, pro-moção, distribuição ou comercialização de bens, serviços e atividades de nature-za cultural, artística ou relacionados com o patrimônio”. Assume-se, como ponto de partida, a importância intrínseca da produção dos valores simbólicos, que representam a herança comum das distintas culturas, e, portanto, expressam a diversidade da experiência criativa humana. Ademais, percebe-se que as ativida-des dos SCC são pouco conhecidas e mensuradas.

Diante disso, o presente capítulo discute metodologias para mensurar os impactos econômicos dos setores culturais e criativos, bem como apresenta esta-tísticas sobre os fluxos comerciais dos seus bens e serviços para o período 2003-2014, com ênfase para o caso do Brasil. As metodologias de mensuração são discu-tidas na próxima seção, ao que se seguem algumas evidências sobre a importância dos setores criativos em termos de geração de renda, empregos e exportações em termos globais. O foco para a realidade Brasil e no comércio internacional, com base nos dados e na metodologia da Unctad (2010), está apresentada na seção 3. O capítulo termina na seção 4, com as considerações finais, onde são exploradas algumas implicações dos nossos resultados para a formulação de políticas públicas.

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METODOLOGIAS EXISTENTES E ESTIMATIVAS DOS IMPACTOS ECONÔMICOS DOS SETORES CULTURAIS E CRIATIVOS

A presente seção detalha as metodologias derivadas, que, em última ins-tância, definem quais setores as respectivas classificações consideram para efeitos de mensuração dos seus impactos econômicos. O Quadro 1 fornece algumas das classificações setoriais mais utilizadas e que, por sua vez, foram construídas a par-tir de modelos específicos.

Quadro 1. Modelos e Setores – Comparando Metodologias(continua)

MODELO DCMS (ORIGINAL) MODELO DCMS (2014)MODELO DE TEXTOS

SIMBÓLICOS

Arte e antiquários Arquitetura Setores Culturais Nucleares

Artes Performátcas Artesanato Editoração

Cinema e Vídeo Cinema, Televisão, Vídeo, Rádio e Fotografia Cinema

Artesanato Design (produtos, gráfico de moda) Internet

Editoração Editoração Música

Moda Museus, livrarias e galerias Propaganda

Música Música, Artes Perfomáticas e Visuais Televisão e rádio

Arquitetura Propaganda de Marketing Vídeo e Jogos de Computador

DesignTecnologias de Informação, Software e Serviços de Computação

Setores Culturais periféricos

Propaganda Artes criativas

Software Setores com interfaces culturais

Televisão e Rádio Eletrônicos de consumo

Vídeo e Jogos de Computador Esporte

Moda

Software

MODELOS DE CÍRCULOS CONCÊNTRICOS

MODELO DA UNESCOMODELO DE DIREITOS AUTORAIS DA WIPO

Núcleo de Artes Criativas Indústrias do Núcleo do Domínio Cultural

Setores do Núcleo de Direito Autoral

Artes Performáticas Artes Performáticas Artes Gráficas e Visuais

Artes Visuais Artes Visuais e Artesanato Artes Performáticas

Literatura Cinema e Vídeo Cinema e Vídeo

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

99

Quadro 1. Modelos e Setores – Comparando Metodologias(continuação)

MODELOS DE CÍRCULOS CONCÊNTRICOS

MODELO DA UNESCOMODELO DE DIREITOS AUTORAIS DA WIPO

Música Design Editoração

Outros Setores Criativos Nucleares Editoração Música

Cinema Festivais Propaganda

Museus e Livrarias Fotografia Sociedades de Direitos Autorais

Setores Culturais no Sentido Amplo Mídia Social Software

Editoração Museus, galerias e livrarias Televisão e Rádio

Gravação Televisão e Rádio Setores Parciais de Direito Autoral

Patrimônio Histórico Setores em Domínio Cultural Expandido Arquitetura

Televisão e rádio Arquitetura Bens domésticos

Vídeos e Jogos de Computador Copiadoras e equipamentos de fotografia Brinquedos

Setores Relacionados Equipamentos de Audiovisual Design

Arquitetura Equipamentos de Impressão Moda

Design Equipamentos de Som Vestuário e Calçados

Moda Instrumentos Musicais Setores interdependentes de Direito Autoral

Propaganda Papel Copiadoras e equipamentos de fotografia

Publicidade Eletrônicos de Consumo

Software Gravação

Instrumentos Musicais

Papel

MODEL AMERICANO (AMERICANS FOR THE ARTS MODEL)

MODELO DA UNCTADMODELO EUROSTAT –

ESTATÍSTICAS CULTURAIS (ESSNET-CULTURE)

Arquitetura Setores Criativos Arquitetura

Artes Perfomáticas Arquitetura, Engenharia e Outros Serviços Técnicos Arquivos

Artes Visuais Artes Performáticas Artes Performáticas

Cinema Artes Visuais Artes Visuais

Design Artesanato Artesanato

Editoração Audiovisual (bens e serviços) Audiovisual e Multimidia

Escolas de Artes e Serviços Design Editoração e Publicação de Livro

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

100

MODEL AMERICANO (AMERICANS FOR THE ARTS MODEL)

MODELO DA UNCTADMODELO EUROSTAT –

ESTATÍSTICAS CULTURAIS (ESSNET-CULTURE)

Museus e Zoológicos Editoração Livraria

Música Novas MídiasPatrimônio Cultural (museus,

locais históricos, sítios arqueológicos, patrimônio

intangível)

Publicidade Outros serviços pessoais, culturais e recreacionais Publicidade

Televisão e RádioPublicidade, Pesquisas

de Mercado e de Opinião Públicas

Serviços pessoais, culturais e recreacionais

Setores Relacionados – bens e serviços computacionais

Quadro 1. Modelos e Setores – Comparando Metodologias(coclusão)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2010), ESSnet‐Culture (2012), Unesco (2013), DCMS (1998, 2001, 2016).

O Quadro 1 revela que há um importante trade-off entre a atenção às es-pecificidades de um país – características de sua economia, particularmente dos setores culturais e/ou criativos; importância relativa atribuída pelos formuladores e executores das políticas públicas daqueles setores – e a capacidade de padroniza-ção e, portanto, de comparabilidade internacional dos dados produzidos. Quanto mais específica é a metodologia empregada, menos compatível com comparações internacionais ela se presta.

Da mesma forma, há outra tensão entre abrangência e foco. Quanto mais restrito o foco conceitual que define aqueles setores, menor o escopo econômico a ser analisado. Quase por definição isto diminui relativamente a importância do fenômeno em tela, quando se busca verificar o peso dos setores culturais e/ou criativos na geração de renda, emprego, exportações, etc. Por outro lado, quanto mais abrangente o conceito utilizado, mais o impacto relativo dos setores incluí-dos no conjunto da atividade econômica; porém, isto reduz a precisão com que, de fato, se está mensurando a importância da cultura e da criatividade, o que limita a possibilidade de se construir políticas públicas voltadas ao seu fortalecimento.

A característica marcante dos modelos destacados no Quadro 1 é que, a despeito de alguma convergência entre os setores abarcados, não emerge uma referência predominante. Vale dizer, não há um modelo unificado que sirva de referência para que pesquisadores e formuladores de políticas estabeleçam suas estratégias de mensuração e de avaliação do desempenho econômico dos setores culturais e criativos.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

101

Há modelos, como o de círculos concêntricos, o de textos simbólicos e o da Unesco (THROSBY, 2001, 2008; UNESCO, 2013), que enfatizam a existência de um núcleo de atividades que pertenceriam, tipicamente, à esfera cultural e/ou criativa. A partir desse núcleo projetam-se outros setores correlatos, que produ-zem bens e serviços que servem como insumos ou plataformas de disseminação dos bens e serviços do “núcleo” cultural.

Já os modelos estadunidenses (AMERICANS FOR THE ARTS, 2013, 2015) e ingleses (DCMS, 1998) trabalham com definições específicas do que seriam, em cada realidade, os setores criativos. Eles se diferenciam, fundamentalmente, pela abrangência setorial, sendo o modelo estadunidense mais restrito1. O modelo in-glês é um dos mais influentes internacionalmente, tendo sido desenvolvido no âm-bito do Departamento de Cultura, Mídia e Esportes do governo britânico (DCMS), órgão que nasceu em substituição ao Departamento do Patrimônio Nacional e que passou a liderar a política de estímulo aos setores criativos (O’CONNOR, 2010).

O DCMS realiza, desde 1998, esforços sistemáticos para definir o que é a economia criativa, e quais são seus impactos sobre o conjunto das atividades eco-nômicas do Reino Unido (DCMS, 1998, 2001, 2016). A definição padrão utilizada para os setores abrigados no rótulo geral de economia criativa enfatiza dois ele-mentos-chave: a manifestação do poder criativo dos indivíduos, e a capacidade de gerar direitos de propriedade intelectual. Mais especificamente, são consideradas criativas “[…] aquelas indústrias que têm sua origem na criatividade individual, habilidade e talento e que têm um potencial de riqueza e de criação de emprego através da geração e exploração da propriedade intelectual” (DCMS, 2001, p. 5, tradução nossa).

Esse conceito geral foi a base para a escolha de um conjunto de setores, os quais passaram a ser objeto de estimação periódica em termos de geração de renda – valor adicionado –, emprego e exportações. Apesar da estabilidade na definição ao longo dos anos, bem como na escolha derivada de setores específicos, o DCMS passou a trabalhar, desde 2014, com a determinação dos setores específicos e das ocupações criativas a partir do estabelecimento de um índice de “intensidade cria-

(1) Nos termos definidos pela própria American for the Arts, sua classificação setorial é tida como conservadora, ou seja: “Temos tido uma abordagem conservadora para a definição das Indústrias Criativas, concentrando-se exclusivamente em empresas envolvidas na pro-dução ou distribuição das artes. Para os fins deste estudo, as Indústrias Criativas são com-postas por empresas com arte como foco central que vão desde museus sem fins lucrativos, criação de sinfonias e cenas para filmes com fim lucrativos, arquitetura e empresas de pu-blicidade. Temos nos mantido contra abrangências demasiadas do setor através da exclusão de indústrias, tais como programação de computadores e de investigação científica, ambos criativos, mas não focados nas artes” (AMERICAN FOR THE ARTS, 2015, tradução nossa).

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

102

tiva”.2 Este é definido pela proporção de trabalhadores que, de fato, se dedicam às atividades criativas em um dado setor.

Os modelos desenvolvidos em órgãos internacionais partem da percepção de que a formulação, execução e avaliação de políticas públicas nas áreas da cultura e criatividade dependem, de forma crucial, da existência de informações estatísti-cas padronizadas (UNCTAD, 2010, p. 73). Tais instituições multilaterais têm man-datos claramente estabelecidos e trabalham com modelos que refletem suas preo-cupações específicas. São eles o modelo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), que se fundamenta a partir da definição do que são setores culturais, em linha com os modelos de círculos concêntrico; o modelo da Organização Internacional do Direito de Propriedade (Wipo – World Intellectual Property Organization ), que enfatiza setores geradores em direitos de proprie-dade; e o modelo da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desen-volvimento (Unctad – United Nations Conference on Trade and Development), que busca, a partir da identificação de um núcleo de setores criativos, estimar a importância destes no comércio global de bens e serviços. Em comum, respeitando as especificidades de suas metodologias, tais instituições se preocupam em gerar informações padronizadas e passíveis de comparação em nível global.

O modelo da Unctad (2010) assume que a forma mais eficiente de estabele-cer parâmetros de comparação internacionais confiáveis é por meio da análise dos fluxos de comércio. A mensuração dos impactos econômicos das atividades, tra-dicionalmente associadas à esfera cultural e, mais recentemente, à esfera da cria-tividade, foi se tornando uma necessidade imperativa para os formuladores das políticas governamentais. A sociedade em um sentido amplo, e órgãos oficiais de controle das despesas governamentais, de forma mais especifica, demandam evi-dências de que os recursos públicos alocados naquelas áreas apresentam retornos justificáveis. Afinal, tais fundos poderiam estar indo para outras áreas igualmente importantes, como saúde, educação etc.

Historicamente, observa-se uma tensão entre os agentes envolvidos nas áreas da cultura e da criatividade e os formuladores de políticas públicas, no sen-tido de que os primeiros tendem a perceber suas atividades como tendo valores intrínsecos não necessariamente passíveis de justificativas econômicas para sua validação (UNCTAD, 2010); ao passo que os segundos devem disputar os recur-sos públicos com outras áreas, bem como justificar sua utilização. Dessa tensão resultou, dentre outras coisas, a ausência de práticas sistemáticas de avaliação da eficiência na alocação de recursos.

(2) Essa inovação foi inspirada pelo trabalho de Bakhshi, Freeman e Higgs (2013).

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

103

As medidas usuais para estimar os impactos econômicos das diversas ati-vidades se baseiam em estimativas de valor adicionado, tendo-se por referência estruturas econômicas relativamente consolidadas. Assim, por exemplo, bens de consumo finais tradicionais (alimentos, calçados, roupas, eletrônicos de consumo etc.), bens intermediários (insumos químicos, aço, cimento, etc.), bens de capital (máquinas, equipamentos diversos etc.) e serviços também tradicionais (transpor-te, telecomunicações, fornecimento de energia e água, serviços financeiros etc.) possuem métricas de mensuração em termos de unidades físicas e de respectivos valores monetários, que envolvem processos de compra e venda, e que são devi-damente reportados às autoridades governamentais – especialmente para fins de tributação, tanto em transações domésticas, como internacionais. Já os setores criativos emergem como novidades em termos de modelos de negócio, padrões de produção, consumo e distribuição, valores sociais e culturais envolvidos (UNC-TAD, 2010).

Em virtualmente todos os modelos aqui resenhados, há a manifestação ex-plícita da necessidade de construir tais evidências como forma de garantir legiti-midade aos processos de alocação de recursos públicos para finalidades específicas de fomento às atividades culturais e/ou a setores criativos. Por isso mesmo, e após rever e comparar sua concepção com a de outras instituições multilaterais e órgãos governamentais nacionais, como Unesco, DCMS, Wipo, dentre outras, a Unctad (2010) chegou ao modelo sintetizado no Quadro 2.

Quadro 2. Modelo da Unctad – Estatísticas de Comércio para Setores Criativos(continua)

SETORES CRIATIVOS – BENS E SERVIÇOS DOS SETORES CRIATIVOS

DOMÍNIO SUBGRUPO

Patrimônio HistóricoArtesanato

Serviços Pessoais, culturais e recreacionais

ArtesBens de artes performáticas

Bens de artes visuais

Mídia

Bens de editoração

Bens visuais

Serviços relacionados ao setor visual

Criação Funcional

Bens do setor de design

Bens da nova mídia

Serviços de publicidade e de pesquisas de opinião

Serviços de arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos

Serviços pessoais, culturais e recreacionais

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

104

SETORES RELACIONADOS – BENS E SERVIÇOS COMPUTACIONAIS

DOMÍNIO SUBGRUPO

ArtesBens relacionados às artes performáticas

Bens relacionados às artes visuais

Mídia Bens relacionados do setor de editoração

Bens relacionados do setor audiovisual

Criação Funcional

Bens relacionados do setor de Design

Bens relacionados às novas mídias

Serviços de computação e informática

Royalties e Receitas de Licenciamento

Fonte: Unctad (2010).

Quadro 2. Modelo da Unctad – Estatísticas de Comércio para Setores Criativos3

Outra importante contribuição metodológica, cujo alcance geográfico se circunscreve a alguns países ibero-americanos,4 é a do Convênio Andres Bello que, em parceria com instituições nacionais e regionais – como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Agência Espanhola de Cooperação Internacionalcional –, tem desenvolvido esforços para a construção de contas satélites da cultura.5

Em um dos mais ambiciosos e extensivos esforços de mensuração dos im-pactos econômicos e sociais dos setores culturais e criativos, a Unesco (2015) ava-liou 11 setores em cinco continentes com ênfase na geração de rendas (ou invés do valor adicionado) e emprego. Para medir as rendas, em dólares de 2013, foram utilizadas estimativas de receitas geradas a partir de dois tipos de relações: en-tre empresas (business to business ou B2B) e entre estas e os consumidores finais (business to final consumer ou B2C). Além do mais, avaliaram-se as licenças pagas para a utilização de recursos audiovisuais (rádio e televisão) e os valores de vare-jo (em impostos indiretos), incluindo as vendas informais – consideradas como sendo aquelas que cursam por canais informais de distribuição. Com respeito ao

(3) Para o comércio de bens, a Unctad (2010) utiliza dados da Comtrade (sistema harmo-nizado, HS 2002, 211 códigos); para serviços, os dados do Fundo Monetário Internacional (BPM5 e códigos Ebops), considerando os serviços de propaganda, pesquisas de mercado e de opinião, serviços técnicos e de engenharia, serviços pessoais e de pesquisa e desen-volvimento, serviços culturais e de lazer. Os dados de setores relacionados e de receitas de royalties e de licenciamentos são apresentados como sendo complementares.

(4) A metodologia das Contas Satélites da Cultura já foi aplicada com resultados estimados na Argentina, Chile, Costa Rica, Colômbia, Espanha, México e Uruguai. Ademais, Bolívia, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e República Domini-cana estão em fase de construção de suas estimativas (CAB, 2016).

(5) Detalhes e evidências em Buitrago Restrepo e Duque Márquez (2013) e IADB (2013).

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

105

emprego, foram utilizados os critérios da Organização Internacional do Trabalho (ILO – International Labor Organization), que definem a ocupação como sendo “todas as pessoas ... que durante um período breve especificado, qualquer semana ou dia, foram caracterizadas nas seguintes categorias: emprego remunerado e em-prego autônomo...”, o que garantiu incluir criadores, autores, artistas, empregos não permanentes e permanentes.

As metodologias descritas até aqui foram desenvolvidas com o propósito central de mensurar impactos econômicos dos setores culturais e criativos. A au-sência de definições comuns e amplamente aceitas sobre os setores que devem ser incluídos (ou não) nesste amplo campo de atividades gera diferentes métricas e, por decorrência, estimativas diversas sobre a participação daqueles setores na ge-ração de renda, emprego, exportações, dentre outros agregados. A próxima seção apresenta a mensuração do comércio internacional da economia criativa.

A MENSURAÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR DE BENS E SERVIÇOS DA ECONOMIA CRIATIVA DA ECONOMIA BRASILEIRA

O objetivo desta seção é analisar o desempenho do comércio exterior bra-sileiro dos setores culturais e criativos6 no período 2003-2014. Um determinante fundamental desse desempenho foi a dinâmica da economia internacional, que foi marcada por duas fases bem distintas. A primeira, que se estendeu de 2003 a 2007, caracterizou-se por altas taxas de crescimento tanto da economia como do comércio mundial e foi interrompida pela eclosão da crise financeira global de 2008. A segunda, de 2009-2014, apresentou um baixo dinamismo econômico e uma forte desaceleração desse comércio, em função da grande recessão7 que sucedeu a essa crise.

Assim, antes de nos debruçarmos sobre a experiência brasileira, apresenta-mos as principais tendências do comércio mundial de bens e serviços dos SCC e a posição relativa do Brasil nesse comércio. As informações foram extraídas da base de dados da Unctad (UnctadStat), que desenvolveu uma metodologia própria para classificar as exportações e importações desse setor (UNCTAD, 2010). No caso do

(6) A Unctad (2010) prioriza a expressão “setores criativos”. Aqui, utilizamos as terminolo-gias “setores criativos” e “setores culturais e criativos” (UNESCO, 2015) como equivalentes, ainda que o recorte setorial seja aquele utilizado pela Unctad.

(7) Sobre o desempenho do comércio internacional nessas duas fases, ver IMF (2008, 2013); Unctad (2008, 2013) e WTO (2008, 2013).

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

106

comércio de bens, elas estão disponíveis para o período 2003-2012 e do comércio de serviços para 2003-2011.

Na sequência, o comércio exterior brasileiro dos setores criativos será anali-sado. No caso dos serviços, as informações também são provenientes da UnctadS-tat e estão disponíveis para o período 2003-2012. Já no âmbito do comércio de bens, foi possível estender a análise até 2014 a partir da aplicação da metodologia da Unctad aos dados da Comtrade, uma base mundial de comércio de bens que não inclui o comércio de serviços.8 Com isso, também foi possível obter os dados por regiões de origem e destino das exportações e importações e checar as informações da UnctadStat para o período 2003-2012. As duas séries não são idênticas, mas apresentam diferenças não significativas, sendo assim consistentes. Dessa forma, essa nova base de dados calculada a partir das estatísticas da Comtrade permitiu a realização de uma análise mais detalhada e atualizada sobre o comércio exterior de bens dos setores criativos, a qual é essencial para a elaboração de políticas de estímulo às exportações desses setores.

PANORAMA GERAL: MUNDO E BRASIL

Assim como o comércio mundial, o comércio exterior dos setores cultu-rais e criativos pode ser desagregado em dois segmentos: de bens e de serviços. O objetivo desta seção é, em primeiro lugar, analisar o desempenho das expor-tações dos setores criativos e dos seus segmentos nos períodos para os quais há informação disponível (2003-2011 ou 2003 e 2012).9 Em segundo, detalhar a posição relativa do Brasil nessas exportações.

As exportações totais dos setores criativos passaram de US$ 321 bilhões em 2003 para US$ 746 bilhões em 2011, um avanço de 133%, percentual pró-ximo aos 144% do comércio mundial de bens e serviços. Embora os dois seg-mentos tenham registrado altas taxas de crescimento e, assim, contribuído para esse resultado, o desempenho dos serviços dos setores criativos foi mais favorável por dois critérios. Por um lado, seu ritmo de expansão foi superior

(8) A Comtrade é uma base mundial de comércio. Para calcular as séries de exportação e importação dos bens dos setores criativos foi utilizada a mesma classificação utilizada pela base da Unctad (HS a 6 dígitos). Já as estatísticas das exportações e importações de serviços da UnctadStat foram extraídas de uma base de dados do Fundo Monetário Internacional que não está disponível para consulta do público.

(9) Como no agregado as exportações e importações dos setores criativos são praticamente iguais (sendo as eventuais divergências decorrentes de erros e omissões), a análise será rea-lizada somente para as exportações.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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àquele das exportações de bens desses setores (165% contra 119%). Por outro lado, as exportações de serviços dos setores criativos foram mais dinâmicas que o total mundial de serviços (165% contra 133%, uma diferença de 32 pon-tos percentuais – p.p), enquanto no caso do segmento de bens o resultado foi o oposto (119% contra 142% no mesmo período e 112% contra 144% entre 2003 e 2012) (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Exportações dos setores criativos (US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016).

Essa diferença de dinamismo resultou no aumento da participação rela-tiva dos serviços no total das exportações dos setores criativos, que passou de 30,2% em 2003 para 34,4% em 2011, um aumento de 4,2 p.p. Consequente-mente, esse indicador recuou na mesma intensidade no segmento de bens, que respondia por 65,2% do total em 2011. A posição de liderança das exportações de bens não é uma especificidade dos setores criativos, sendo também observa-da no total das exportações mundiais. Nesse caso, o peso relativo dos bens no desempenho exportador é bem maior do que nos setores criativos e se manteve praticamente constante ao longo do período em tela, no patamar de 81% (contra 18% no caso dos serviços). A participação relativa dos serviços dos setores criati-vos nas exportações mundiais de serviços passou de 5,5% em 2003 para 6,3% em 2011. Contudo, esse aumento (de 0,8 p.p.) não foi suficiente para alterar o peso

224

490

474

97

257

321

746

0

200

400

600

800

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Bens dos Setores Criativos Serviços dos Setores Criativos Total setores criativos

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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dos setores criativos no total das exportações mundiais, que se manteve prati-camente estável (3,4% em 2003 e 3,3% em 2011). Isso porque, simultaneamen-te, as exportações de bens desses setores perderam participação. Embora esse movimento tenha sido menos intenso (somente 0,3 p.p), ele foi suficiente para neutralizar o avanço dos serviços já que o segmento de bens responde por mais de 60% do total das exportações dos setores criativos, conforme o Gráfico 2.

Gráfico 2. Participação % dos setores criativos no total mundial

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016).

Além desse panorama geral, é importante lançar um olhar sobre o desem-penho das exportações dos dois segmentos considerados (bens e serviços). Duas dimensões serão analisadas: (i) o desempenho ao longo do período em tela; e (ii) a composição setorial com base na metodologia da Unctad, que desagrega o co-mércio de bens e serviços em subsetores. No caso das exportações de bens dos setores criativos, o desempenho no acumulado de 2003 a 2012 (aumento de 112% contra 144% do total de bens – ver Gráfico 1) encobre diferenças importantes tan-to anuais como nos triênios considerados: 2003-05; 2006-08; 2010-2012 (o ano de 2009 foi excluído por ser “um ponto fora da curva” devido ao impacto da crise financeira e econômica global no comércio mundial – ver Gráfico 3a). Também foi calculado o resultado do biênio 2010-11 para possibilitar a comparação com o seg-mento de serviços.

No primeiro triênio (2003-05), essas exportações avançaram 28,5%, en-quanto o total mundial aumentou mais do que 100%, puxado pelas altas taxas de

3,4% 3,3%

2,9%

2,6%

5,5%

6,3%

2,0%

2,5%

3,0%

3,5%

4,0%

4,5%

5,0%

5,5%

6,0%

6,5%

7,0%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Bens e serviços Total mundial - Bens Total mundial - Serviços

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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crescimento das exportações de commodities. Já no triênio seguinte (2006-08), o desempenho dos setores criativos equipara-se ao registrado no total mundial. O boom da economia internacional, sob as lideranças da China e dos Estados Uni-dos, impulsionou o comércio mundial nos mais diversos segmentos. Nesse con-texto, os setores criativos foram estimulados a inovar diante das novas oportu-nidades de negócios, o que se reflete no maior dinamismo das suas exportações: seu ritmo anual de crescimento passa de 9% em 2006 para o patamar de 15/16% em 2007 e 2008. 10

(10) Sobre as principais tendências do comércio mundial no período analisado, ver WTO (2008, 2013), IMF (2008, 2013), e Unctad (2008, 2013).

Gráfico 3. Exportações dos bens dos setores criativos: taxas de crescimento anuais

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016).

5,6%

1,4%

0,3%0,04% 0,04% 0,001%

1,9%

0,7%

0,2% 0,01%

0,7%

0,036%0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

Design Editoração Audiovisual Artes Performáticas Artes Visuais Novas Mídias

2003-2006 2009-2012

16%11%

9%

16% 15%

-10%

11%

18%

-3%

22%

14% 15% 16% 15%

-22%

22%20%

1%

-30%

-20%

-10%

0%

10%

20%

30%

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Setores Criativos Total

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110

No que se refere à composição setorial (Gráfico 3b), a base de dados da Unc-tad divide as exportações (e importações) dos bens dos setores criativos em sete subsetores: audiovisual, artesanato, artes performáticas, artes visuais, design, edi-toração e novas mídias. Considerando o desempenho exportador no acumulado de 2003 a 2012, o subsetor líder foi o de novas mídias, com uma taxa de crescimento superior a 330%. Em seguida, os destaques foram os subsetores de audiovisual e design que avançaram, respectivamente, 197,2% e 133%, percentuais estes su-periores a 100% e ao total (118,9%). Os demais subsetores apresentaram ritmo de expansão menor que o total, mas bastante heterogêneo: artes visuais e artes performáticas na faixa de 80-90%, artesanato no patamar de 67% e editoração na última posição, com uma variação positiva de somente 27,6. Assim, o dinamismo dos subsetores de bens foi bastante heterogêneo no período em tela.

Nesse contexto, a participação do Brasil nas exportações dos setores criativos aumentou de 0,8% em 2003 para 1,3% em 2011. Esse avanço de 0,5 p.p decorreu, ex-clusivamente, do desempenho do segmento de serviços, cujo peso no total mundial passou de 1,7% para 3,3% no mesmo período (+1,6 p.p). Já no segmento de bens, o peso das exportações brasileiras, além de menor no início do período (somente 0,3%) recuou ligeiramente entre 2003 e 2011 (para 0,2%) (ver gráfico 4a).

Gráfico 4. Participação % dos setores criativos no total mundial(continua)

0,3%0,2% 0,2%

1,7%

3,3%

0,8%

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0,0%

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1,5%

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3,0%

3,5%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

a. Setores criativos

Bens Serviços Bens + serviços

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1,4%1,3%

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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

b. Total mundial

Bens Serviços Bens + serviços

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

111

Gráfico 4. Participação % dos setores criativos no total mundial(conclusão)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016) e Comtrade (2016).

Quando se comparam esses resultados com os observados para o total das exportações brasileiras, o desempenho do total (bens e serviços) é semelhante: a posição relativa do Brasil passou de 0,9% para 1,3% entre 2003 e 2011. Toda-via, ao contrário dos setores criativos, a participação das exportações de bens no total mundial, além de bem maior do que no caso dos serviços, avançou de 1,0% para 1,4% no mesmo período, em função, sobretudo, do crescimento do valor das vendas externas de commodities.11 O segmento de serviços também aumentou sua participação no total mundial, mas a partir de um patamar mais baixo e numa intensidade um pouco menor (de 0,6% para 0,9%, alta de 0,3 p.p).

As informações sobre a posição relativa do Brasil nas exportações dos seto-res criativos revelaram aspectos importantes, que contribuem para a elaboração de políticas setoriais de estímulo a esses setores. O segmento de serviços é o destaque desde o início da série e aumenta ainda mais sua participação relativa ao longo do período (ver Gráfico 2). Já no total mundial, o segmento de bens responde pela maior parte das exportações dos setores criativos (assim como no caso do total das exportações – ver Gráfico 4). Ou seja, aparentemente, o Brasil estaria “remando contracorrente”.

Do ponto de vista da análise mais geral sobre o desempenho dos setores criativos, cabe observar que os mesmos foram responsáveis por uma parcela de-

(11) No período em tela, houve dois booms de preços das commodities (2003-jul/2008 e 2009 a 2011) associados a uma combinação de fatores, dentre os quais a sagaz demanda chinesa, que também impulsionou as quantidades exportadas pelo Brasil. Sobre o desempenho das exportações brasileiras nesse período, ver Marçal e Novais (2009) e Cunha, Lélis e Bichara (2012).

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3,3%

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3,0%

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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

a. Setores criativos

Bens Serviços Bens + serviços

1,0%

1,4%1,3%

0,6%

0,9%

0,9%

1,3%

0,0%

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0,6%

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1,0%

1,2%

1,4%

1,6%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

b. Total mundial

Bens Serviços Bens + serviços

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112

crescente do total das exportações de bens do país no período em análise: sua par-ticipação recuou de 1,1% em 2003 para 0,3% em 2012. Movimento inverso foi verificado nas importações de bens de setores criativos: sua participação no total aumentou, no período em tela, de 0,8% para 1,2%. Consequentemente, a partir de 2007, o segmento de bens dos setores criativos passou a contribuir negativamente para o saldo comercial do país (ver Tabela 1).

No que diz respeito aos serviços de setores criativos, uma trajetória con-trária se verifica: a participação das suas exportações no total das exportações de serviços do país aumentou no período em tela (de 16,4% para 25,9%), ao passo que a participação do segmento no total de importações de serviços diminui (de 11, 5 para 9,5%). Isso quer dizer que os serviços dos setores criativos atuaram (a não ser nos anos de 2003 e 2010, quando ocorreram discretos déficits) no sentido de redu-zir o déficit histórico da balança comercial de serviços do país. Esse resultado indi-ca a importância do reforço de políticas que aprofundem essa tendência positiva.

BENS SERVIÇOS BENS E SERVIÇOS

TOTAL SET. CRIATIVOS TOTAL SET. CRIATIVOS TOTAL SET. CRIATIVOS

2003 24.794 395 -4.931 -55 19.863 340

2004 33.641 524 -4.678 131 28.963 655

2005 44.703 386 -8.309 415 36.394 801

2006 46.457 91 -9.640 565 36.816 656

2007 40.032 -14 -13.219 847 26.813 833

2008 24.836 -719 -16.690 1.471 8.146 752

2009 25.290 -744 -19.245 1.036 6.044 291

2010 20.147 -1.215 -30.835 -304 -10.688 -1.520

2011 29.793 -1.869 -37.932 1.017 -8.139 -852

2012 19.395 -1.941 -41.042 2.616 -21.647 676

Tabela 1. Saldo comercial total e dos setores criativos (US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016), Comtrade (2016) e Banco Central do Brasil (2016).

As exportações brasileiras de bens e serviços criativos cresceram 347% no período 2003-2012. A evolução pode ser dividida em três momentos: crescimen-to de 2003 a 2008, da ordem de 200%; ligeira queda (-1 %) no biênio seguinte; e retomada da trajetória de alta de 2010 a 2012 (+50%). O motor dessa evolução foram as exportações de serviços – as de bens mantiveram-se praticamente está-veis durante o período, com um avanço de apenas 4% no período.

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Chama a atenção, ainda, o predomínio do segmento de serviços no total das exportações desses setores no caso do Brasil, em contraste com o que ocorre com as exportações mundiais, em que o segmento de bens respondia em 2012 por cerca 65% do total. Para complementar essas verificações, na sequência ana-lisaremos, de forma mais detalhada, o comércio brasileiro de bens e serviços dos setores criativos.

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO DE BENS E SERVIÇOS DOS SETO-RES CRIATIVOS

O saldo comercial de bens dos setores criativos tem sido persistente e cres-centemente negativo desde 2008, especialmente em razão do incremento das im-portações, observado desde 2005 (ver Gráfico 09). A partir de 2007, o saldo positi-vo observado nos anos anteriores converteu-se em negativo e seguiu em trajetória de crescente deterioração até 2014. Como mostram Baltar e Prates (2014), a partir de 2007, o comércio exterior de bens manufaturados tornou-se deficitário, e o su-perávit comercial passou a se ancorar, exclusivamente, na balança de bens primá-rios e intensivos em recursos naturais. No período que sucedeu à crise financeira global, a divergência no desempenho desses dois grupos de bens acentuou-se, com o aumento do resultado deficitário em bens manufaturados e a ampliação do saldo positivo em primários e intensivos em recursos naturais. O resultado do saldo co-mercial da chamada indústria criativa, nesse sentido, é paradigmático.

No total do período estudado, as exportações brasileiras de bens de setores criativos cresceram cerca de 31%. Artes visuais foram a categoria que apresentou maior crescimento no período de 2002 a 2014 (+1782%), o que se explica, em parte, pelo valor inicial muito baixo. O segundo segmento foram novas mídias (79%), em linha com o que se observou no comércio mundial de bens. O terceiro segmento por esse critério foi artesanato (25%), e o quarto, design (18%). Em con-trapartida, nos segmentos de artes performáticas e audiovisual, o valor exportado recuou no período (-25% e -13%, respectivamente).

Observa-se que a participação do segmento de design no total das exporta-ções da indústria criativa, crescente até 2007, iniciou a partir de então um movimen-to de queda até 2014, que resultou numa redução de cerca de 12 p.p. entre esses dois anos. No entanto, esse segmento manteve sua posição de liderança nas exportações de bens dos setores criativos, à maneira do que se observa nas exportações mundiais de bens do setor.12 As artes visuais foram o segmento cuja participação mais aumen-tou no período (cerca de 10 p.p.),13 seguida de artesanato (+2 p.p.) (ver Gráfico 5).

(12) No comércio mundial, no entanto, o predomínio é menor, ficando a participação do design no total das exportações de bens dos setores criativos em torno de 60%.

(13) Mais de 80% das exportações desse segmento correspondem a desenhos, pinturas e esculturas.

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Gráfico 5. Exportações de bens da indústria criativa por segmento – Brasil, 2002-2014 (%)

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Por sua importância no total das exportações dos bens criativos, vale a pena discriminar o segmento de design em suas diversas categorias. As duas categorias mais importantes são design de interiores e joias, que somam aproximadamente 90% do total das exportações desse segmento ao longo do período, sendo o de design de interiores14 o mais importante.

No tocante às importações de bens da indústria criativa, observa-se, de 2002 a 2011, um crescimento importante, movimento interrompido apenas em 2009 e retomado até 2011. De 2011 a 2014, as importações dos bens dos setores criativos atingem patamar estável, da ordem de US$ 2,8 bilhões. No total do perío-do, seu crescimento foi de cerca de 440%. O movimento que mais chama a atenção no período é o crescimento das importações de produtos de design, de US$ 132 milhões para US$ 1.552 milhões (+ 1070%) e de artesanato, de US$ 37 para US$ 502 milhões (+1232%). Vale observar que em todos os segmentos da indústria criativa as importações aumentaram – com exceção do setor de audiovisual, em que o aumento observado de 2008 a 2011 foi revertido nos últimos anos da série. No que tange às mudanças de distribuição das importações dos bens da indústria criativa (ver Gráfico 6) no período em análise, dois movimentos se fazem notar: o aumento da participação dos segmentos de editoração (+7,4 p.p.), design (+6,2 p.p.) e artesanato (+3,2 p.p.); e, de outro lado, a queda acentuada da participação do segmento audiovisual (-15,3 p.p.).

(14) No ano de 2014, cerca de 75% do total de importações do design de interiores dizia respeito à categoria “móveis de madeira”. Somando-os aos “móveis de metal”, chega-se a quase 80% do total das importações da categoria.

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Design (eixo da direita) Artesanato Audiovisual Novas Mídias Artes Performáticas Editoração Artes Visuais

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Gráfico 6. Importações de bens da indústria criativa por segmento (%)

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Vale observar que em todos os segmentos da indústria criativa as impor-tações aumentaram – com exceção do setor de audiovisual, em que o aumento observado de 2008 a 2011 foi revertido nos últimos anos da série. No que tange às mudanças de distribuição das importações dos bens da indústria criativa (ver Gráfico 6) no período em análise, dois movimentos se fazem notar: o aumento da participação dos segmentos de editoração (+7, 4 p.p.), design (+6,2 p.p.) e artesa-nato (+3,2 p.p.); e, de outro lado, a queda acentuada da participação do segmento audiovisual (-15,3 p.p.).

O segmento design também exibe a maior participação nas importações da indústria criativa desde 2008 (quando ultrapassou a participação da editoração). Assim, vale a pena observar a evolução das importações dessa categoria, discri-minando-a em seus diversos componentes. As importações de artigos de moda apresentam acentuado crescimento no período – mantido mesmo nos anos finais da série (2012 a 2014) em que os dois outros itens de maior importância – design de interiores e brinquedos – apresentaram queda em suas importações.

A composição das importações do segmento de design é mais diversifica-da que a das exportações, em que predomina largamente a categoria de design de interiores. Nas importações, a categoria que predomina é a de moda, com 47,5% das importações do segmento de design em 2014, seguida de brinquedos (22,8%) e design de interiores (22,7%).

O Gráfico 7 traz o saldo comercial dos bens da indústria criativa por seg-mento. Salta aos olhos a evolução catastrófica do segmento de design, que passa de

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Audiovisual Design Novas Mídias Artes Performáticas Editoração Artesanato Artes Visuais

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um superávit de US$ 680 milhões em 2004, ano de melhor desempenho da série, para um déficit de US$ 1 bilhão em 2014. O segundo pior desempenho foi do seg-mento de artesanato, que de um superávit de US$ 20 milhões passou a um déficit de US$ 429 milhões, seguido do de editoração, em que se observou um aprofunda-mento significativo do déficit, de US$ 178 milhões para US$ 362 milhões. O único segmento que exibiu melhoria de desempenho foi o audiovisual, em que o déficit de US$ 82 milhões converteu-se em um superávit de US$ 62 milhões.

Gráfico 7. Saldo comercial de bens da indústria criativa por segmento (US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Com relação ao destino das exportações, é possível discriminar duas fases distintas: de 2002 a 2004, crescem as exportações para todos os destinos – com destaque para Nafta e União Europeia. A partir de então, inicia-se uma trajetória de queda das exportações para a União Europeia (somente interrompida por um breve período entre 2006 e 2008) e, até 2010, também para o Nafta. Por outro lado, desde 2002, as exportações para o Mercosul, Aladi e resto do mundo aumen-tam – embora com ritmo menos acentuado a partir de 2008/2009. Como resulta-do dessa evolução, observa-se uma desconcentração dos destinos das exportações da indústria criativa; no início do período, em 2002, Nafta e União Europeia repre-sentavam conjuntamente 80% do total (Nafta, 45%, e União Europeia, 35%); em 2014, essa participação cai para 51% (respectivamente 26% e 25%, quedas de 18

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p.p. e 11 p.p.), enquanto aumentam as participações da Aladi (+12,4 p.p), do Mer-cosul (+8,4 p.p) e resto do mundo (+7,7 p.p.). Essa evolução vai ao encontro das conclusões do Relatório de Economia Criativa 2010 da Unctad (UNCTAD, 2010), de que o comércio Sul-Sul tem sido importante para o incremento do setor, e de que, no desenho de políticas públicas, essa cooperação deveria ser aprimorada.

Na evolução das importações dos bens de setores criativos por origem, ganha destaque no período em tela o crescimento das importações advindas da China (crescimento de nada menos que 1945% no período). Assim, ao que tudo indica, o boom das importações nas categorias de moda e de brinquedo decorre da invasão de produtos chineses (cujo conteúdo criativo não deve ser relevante). Ou-tras regiões que tiveram crescimento expressivo foram o resto do mundo (+720%) e Ásia menos China (+350%). Em contrapartida, diminuíram as importações ad-vindas da Aladi (-60%) e do Mercosul (-12,6%). O reflexo desse crescimento das importações advindas da China foi um enorme aumento da sua participação como país de origem das importações da indústria criativa no período em análise: de 16,4% no início do período para 62% em 2014. Somando-se os demais países da Ásia, a região alcança uma participação de 70% no final do período. A região que mais perde participação é o Nafta, com queda de 30 p.p., seguida da União Euro-peia (-6,5 p.p.) e Aladi (-5,8 p.p.).

Para finalizar a análise do comércio exterior dos bens de setores criativos no Brasil, vale observar a evolução do índice de vantagens relativas reveladas (IVCR) da indústria criativa por segmento. Em todos os segmentos, o ICVR é inferior a 1 ao longo de todo o período – ou seja, o país não se encontra relativamente especia-lizado na exportação desses produtos, revelando, assim, por esse indicador, uma desvantagem comparativa (ver Gráfico 8). Chama a atenção, ainda, a piora desse índice no período de 2003 a 2012, principalmente nos segmentos de design (0,5 a 0,17) e artesanato (0,38 a 0,15). O único segmento em que se observa uma melho-ra deste indicador é o audiovisual (0,06 a 0,11).

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Gráfico 8. Índice de vantagens relativas reveladas da indústria criativa, por segmento – Brasil, 2003-2012

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Ao contrário do que se verifica no comércio de bens, o saldo da balança de serviços dos setores criativos é positivo no período em análise – com exceção dos anos de 2003 e 2010, em que se observaram discretos déficits. Esse resultado decorre do maior ritmo de crescimento das exportações desses serviços relativa-mente ao registrado pelas importações de 2003 a 2008. De 2008 a 2010, as expor-tações mantiveram-se estáveis, mas num patamar superior ao das importações (salvo em 2010). Finalmente, nos últimos dois anos disponíveis para essa série, 2011 e 2012, o ritmo de aumento das exportações voltou a superar o das impor-tações (ver Gráfico 9).

No total do período, as exportações de serviços dos setores criativos cresce-ram 500%. Por terem partido de uma base muito fraca, os segmentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e propaganda, pesquisa de mercado e opinião são os que apresentaram taxas de crescimento mais elevadas (1427% e 591%, respectivamen-te). No entanto, o aumento das exportações do segmento arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos, de 493%, foi o que mais contribuiu positivamente, em valor, para o desempenho das exportações dos serviços dos setores criativos devi-do à sua maior participação no total.

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Gráfico 9. Exportações, Importações e saldo de serviços criativos – Brasil, 2003-2012 (US$ Milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Assim, chega-se a 2012 com uma participação do segmento arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos de 87% no total das exportações de serviços dos setores criativos, seguidos do segmento propaganda, pesquisa de mercado e opinião (6,8%) e P&D (5,6%). Essa distribuição espelha a que se verifica em âmbito mundial, em que também se observa o predomínio do segmento de arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos, seguida de P&D e de propaganda, pesquisa de mercado e opinião. No entanto, no caso das exportações mundiais desses servi-ços, a pauta é muito mais equilibrada do que a verificada no Brasil, ou seja, é menos concentrada em uma única categoria.

As importações de serviços dos setores criativos também cresceram signi-ficativamente no período em análise, em torno de 334%. Por partir de uma base baixa em 2003, a categoria propaganda, engenharia e outros serviços técnicos foi a que apresentou maior ritmo de expansão no período (1.377%), seguida de ar-quitetura, engenharia e outros serviços técnicos (354%). Em termos de valor, o último segmento, cujas importações passam de US$ 472 milhões para US$ 4,2 bilhões, em um movimento ininterrupto, também é o que mais pesa no total das importações desses serviços.

O segundo segmento com maior valor de importações é serviços pessoais, culturais e recreativos (embora com queda em 2011 e 2012), seguido de propa-ganda, engenharia e outros serviços técnicos e de audiovisual e serviços relacio-nados. Como consequência dessa evolução, em 2012 verifica-se o predomínio de arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos (61% do total de importações

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Saldo Exportações Importações

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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de serviços criativos), enquanto os três outros segmentos seguintes respondem, cada um, por 13% do total. O saldo comercial dos serviços dos setores criativos, como já mencionado, é positivo na maior parte do período (Gráfico 10).

Gráfico 10. Saldo comercial de serviços criativos – Brasil, 2003-2012 (US$ Milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de Comtrade (2016).

Quando são discriminados os saldos por segmento, fica claro que esse re-sultado é inteiramente explicado pelo segmento de arquitetura, engenharia e ou-tros serviços técnicos, cujo saldo é suficiente não só para compensar, mas para sobrepujar o déficit de todos os demais segmentos em quase todo o período. Em 2012, os maiores déficits foram dos segmentos de serviços pessoais, culturais e recreacionais (-US$ 991 milhões), audiovisual e serviços relacionados (-US$ 952 milhões), e P&D (-US$ 457 milhões).

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Propaganda, pesquisas de mercado/opinião Arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos

Pesquisa e Desenvolvimento Serviços pessoais, culturais e recreacionais

Audivisual e serviços relacionados Outros Serviços (pessoais, culturais e recreacionais)

Total

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo buscou estimar os impactos econômicos dos setores culturais e criativos , com ênfase para o caso do Brasil e na dimensão atinente ao comércio internacional. Partiu-se da discussão sobre metodologias de mensuração do impacto econômico desses setores. Constatou-se haver importante heteroge-neidade no tratamento metodológico dos SCC, o que limita a construção de métri-cas comparáveis em termos internacionais. Vale dizer que emerge da análise das metodologias mais utilizadas (seção 2) um importante trade-off entre a atenção às especificidades de um país – características de sua economia, particularmente dos setores culturais e/ou criativos; importância relativa atribuída pelos formuladores e executores das políticas públicas para aqueles setores – e a capacidade de pa-dronização e, portanto, de comparabilidade internacional dos dados produzidos. Quanto mais específica é a metodologia empregada, menos compatível com com-parações internacionais ela se presta.

Observou-se, também, a existência de tensão entre abrangência e foco. Quanto mais restrito o foco conceitual que define aqueles setores, menor o escopo econômico a ser analisado. Quase por definição isto diminui relativamente a impor-tância do fenômeno em tela, quando se busca verificar o peso dos setores culturais e/ou criativos na geração de renda, emprego, exportações, etc. Por outro lado, quanto mais abrangente o conceito utilizado, maior o impacto relativo dos setores incluídos no conjunto da atividade econômica; porém, isto reduz a precisão com que, de fato, se está mensurando a importância da cultura e da criatividade, o que limita a possi-bilidade de se construir políticas públicas voltadas ao seu fortalecimento.

Com tal ponto de partida, as metodologias foram apresentadas, a partir dos seus marcos conceituais e propósitos, e comparadas as evidências empíricas derivadas. Na seção 3, optou-se para aprofundar a análise por meio dos dados de comércio internacional, disponibilizados pela Unctad, e atualizados aqui. Mais es-pecificamente, apresentou-se o desempenho do comércio exterior brasileiro dos setores culturais e criativos no período 2003-2014. Um determinante fundamen-tal desse desempenho foi a dinâmica da economia internacional, que foi marcada por duas fases bem distintas. A primeira, que se estendeu de 2003 a 2007, caracte-rizou-se por altas taxas de crescimento, tanto da renda, quanto do comércio mun-dial, e foi interrompida pela eclosão da crise financeira global de 2008. A segunda, de 2009-2014, apresentou um baixo dinamismo econômico e uma forte desacele-ração desse comércio, em função da grande recessão que sucedeu a essa crise.

Foram destacadas as principais tendências do comércio mundial de bens e serviços dos SCC e a posição relativa do Brasil nesse comércio. As informações foram extraídas da base de dados da Unctad (UnctadStat), que desenvolveu uma metodo-

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logia própria para classificar as exportações e importações desse setor. No caso do comércio de bens, elas estão disponíveis para o período 2003-2012 e do comércio de serviços para 2003-2011. No âmbito do comércio de bens, foi possível estender a análise até 2014 a partir da aplicação da metodologia da Unctad aos dados da Com-trade, uma base mundial de comércio de bens, que não inclui o comércio de serviços. Com isso, também foi possível obter os dados por regiões de origem e destino das exportações e importações e checar as informações da UnctadStat para o período 2003-2012. As duas séries não são idênticas, mas apresentam diferenças não sig-nificativas, ou seja, são consistentes. Essa nova base de dados calculada a partir das estatísticas da Comtrade permitiu a realização de uma análise mais detalhada e atua-lizada sobre o comércio exterior de bens dos setores criativos.

Nossos resultados permitem avançar, ainda que de forma sintética, na re-flexão sobre a formulação de políticas setoriais de estímulo aos setores criativos. Essas políticas podem e devem ser abrangentes, envolvendo iniciativas de diferen-tes órgãos do governo, dentre os quais os Ministérios da Cultura e da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, a Apex, a Finep, e o BNDES.

No segmento de bens, o desenho de uma política de comércio exterior que busque a redução do seu déficit deve centrar seus esforços no segmento de design, tanto por seu peso no total como por seu desempenho recente (queda das exporta-ções e crescimento acentuado de importações). O segmento de artesanato parece ser promissor em termos de potencial exportador, embora o aumento recente de suas exportações tenha sido acompanhado por um movimento pari passu das im-portações. Também devem ser foco de atenção os segmentos de artes visuais (cujo maior dinamismo no período pós-crise resultou no aumento da sua participação no total) e de novas mídias – que, embora ainda tenha uma pequena participação nas exportações brasileiras dos setores criativos e tenha ampliado seu déficit no período analisado, foi o mais dinâmico em âmbito mundial no período analisado.

No que se refere ao destino das exportações, a atual diversificação é posi-tiva, mas o Brasil deveria centrar esforços na intensificação do comércio Sul-Sul, como sugere a Unctad (2010). Já no caso das importações, há uma marcante e crescente predominância de produtos chineses, o que sugere a importância de es-tudos mais detalhados sobre a composição dessas importações, que podem auxi-liar na formulação de iniciativas de defesa comercial.

Já no segmento de serviços dos setores criativos, as iniciativas devem se voltar não somente para a categoria de arquitetura, engenharia e outros serviços técnicos (que respondiam por 87% do total em 2012 e eram a única categoria res-ponsável pelo superávit do comércio desses serviços), mas também para propagan-da, pesquisa de mercado/opinião e P&D, que apesar de ainda pouco expressivos na pauta exportadora brasileira (6,8% e 5,6%, respectivamente), exibiram elevado dinamismo em âmbito mundial no período estudado.

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A eficácia dessas políticas, contudo, depende tanto do patamar dos preços macroeconômicos (sobretudo da taxa de câmbio, mas também da taxa de juros e de salários) como da evolução da demanda externa, que é reflexo do desempenho dos mercados de destino das exportações brasileiras.

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METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DE FEIRAS E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: O CASO DA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE GUADALAJARA 2015

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MARIANA WILLMERSDORF STEFFENMestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas/UFRGS e pesquisadora do Cegov . E-mail: [email protected]

MARCOS TADEU CAPUTI LÉLISDoutor em Economia, professor do Programa de Pós-Graduação em Eco-nomia da Unisinos e pesquisador do Cegov. E-mail:[email protected]

TIAGO WICKSTROM ALVESDoutor em Economia, Professor do Programa de Pós-Graduação em Eco-nomia da UNISINOS. E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

A partir de 2003, as relações entre o Estado e a cultura ganharam espaço na agenda governamental brasileira, sob a forma de políticas públicas de caráter democrático e participativo (CALABRE, 2009). Desde então, é possível identifi-car uma progressiva transformação e especialização dessas políticas culturais, que perpassam a construção do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, e a discussão de temas centrais como diversidade cultura, políticas se-toriais e de financiamento, e indicadores culturais. Nesse panorama, destaca-se o foco conferido pelo governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Cultu-ra (MinC), à introdução da dimensão internacional nessas políticas, por meio de ações de promoção e difusão de bens culturais no exterior (NOVAIS; BRIZUELA, 2010), representada na meta 25 do Plano Nacional de Cultura, que prevê o au-mento em 70% das atividades de difusão cultural em intercâmbios nacionais e internacionais (BRASIL, 2011).

Em um contexto de crescente especialização e evolução das políticas cul-turais, a avaliação de políticas públicas destaca-se como ferramenta importante. A literatura que trata do tema atribui a esse momento a produção das principais informações acerca da política, produzindo feedback para planejamento, reformu-lação, comparação e escolha entre políticas (SECCHI, 2010; COHEN; FRANCO, 2004). Ainda, a avaliação cumpre papel importante como instrumento de controle pelo governo e sobre o governo – isto é, a produção de informações possibilita que os policymakers acompanhem a burocracia no processo de implementação da polí-tica. Ao tornar essas informações públicas, a população passa a poder acompanhar as decisões do governo e seus resultados (SECCHI, 2010).

Nesse sentido, o presente capítulo apresenta o desenvolvimento de uma metodologia de avaliação da política de participação em eventos internacionais de promoção de negócios culturais executada pelo MinC. Especificamente, trata-se de estudo de caso sobre a Feira Internacional do Livro de Guadalajara de 2015. O capítulo inicia com uma breve contextualização dos desafios e especificidades rela-cionados à avaliação de políticas culturais, partindo, na sequência, para a descrição da metodologia de avaliação desenvolvida. Após, tem-se a apresentação dos resul-tados obtidos com a aplicação desse procedimento em uma avaliação pré-evento. Por fim, conclui-se o capítulo com uma análise sintética do processo de avaliação.

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AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS: ESPECIFICIDADES E DESAFIOS

A avaliação de uma política pública é o momento em que se examina siste-mática e objetivamente um projeto ou programa, encerrado ou em andamento1, buscando observar seu desempenho em relação a critérios pré-definidos (UNICEF, 1990; COSTA; CATANHAR, 2003). Para Anderson (1979, p. 711 apud SECCHI, 2010, p. 49), a avaliação é um “processo de julgamentos deliberados sobre a validade de propostas para ação pública, bem como sobre o sucesso ou a falha de projetos que foram colocados em prática”, cuja particularidade consiste na adoção de métodos e técnicas de pesquisa voltadas para o estabelecimento de uma relação de causalidade entre um programa e resultados específicos (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986).

O processo avaliativo se constrói a partir da definição de critérios, indica-dores e padrões, que conferem ao avaliador parâmetros para atribuir valor a di-ferentes elementos da política, bem como para verificar a relação causal com os resultados (SECCHI, 2010, p. 50). Para tanto, o primeiro passo consiste em de-limitar o objetivo da avaliação. A partir do problema que pretende responder, a literatura apresenta três tipos principais de avaliação: de processos, de resultados e de impacto (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Critérios como economicidade, pro-dutividade, eficácia, equidade e efetividade poderão ser mobilizados para julgar o desempenho da política, operacionalizados em indicadores que oferecerão dados empíricos para a comparação (SECCHI, 2010, p. 50).

Pensando em termos de gestão pública, a avaliação apresenta-se tanto como um desafio (XIMENES; LINS, 2013), quanto como um importante instrumento para transparência governamental (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Na América Latina, o debate sobre a melhoria da qualidade dos gastos públicos teve início na década de 1980, sob o paradigma do New Public Management; posteriormente, sobretudo a partir dos anos 2000, os governos da região voltaram-se para a criação de políticas de acesso à informação pública (LOPES, 2011). No Brasil, a aprovação da Lei de Acesso à Informação Pública (LAI) em 2011 representou a institucio-nalização de mecanismos de transparência e accountability, resultando na criação de portais transparência relacionados aos diferentes órgãos do governo federal2 e consolidando essas práticas como política de Estado.

(1) É importante salientar que, embora o modelo heurístico de análise de políticas públicas a posicione ao final do ciclo, a avaliação de uma política pública não necessariamente ocorre após a sua implementação. Para mais, ver Secchi (2010).

(2) Para detalhes sobre a regulamentação da LAI no âmbito dos Executivos federal e esta-dual, ver Jardim (2013).

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Ainda assim, são poucas as pesquisas de cunho avaliativo que tratam so-bre práticas culturais, hábitos de consumo e perfil desses consumidores de cultura no Brasil (LEOCÁDIO; PARENTE; PRADO, 2007). Brizuela (2011) chama atenção para a necessidade de pensar a avaliação de políticas culturais como um campo multidisciplinar, utilizando a bagagem teórico-metodológica da avaliação de po-líticas públicas, mas não se restringindo a ela. Para o autor, é importante ter em conta que políticas culturais não são prerrogativa exclusiva do Estado – diferentes instituições civis, desde ONGs e grupos comunitários até empresas transnacio-nais, também podem fazer políticas culturais (BRIZUELA, 2011, p. 2).

A complexidade e singularidade do campo das políticas culturais podem estar no centro da resposta para esforços tão tímidos na construção de pesquisas avaliativas com esse objeto. Nesse sentido, Rubim (2007) propôs um modelo de análise específico para políticas culturais, considerando 10 itens que circunscrevem rigorosamente o espaço de pertença e abrangência do campo, incluindo aspectos como as diferentes noções da política cultural, o estudo tanto dos objetivos como das ações propostas, determinação dos atores envolvidos e do público alvo da políti-ca, investigação dos diversos momentos ligados ao sistema cultural, pesquisa sobre as transversalidades e interfaces da cultura, entre outros (BRIZUELA, 2011).

Captar as especificidades da política cultural é um dos grandes desafios para a avaliação nesse campo. Embora modelos que proponham alto grau de especifici-dade cumpram papel importante na compreensão da realidade, sua internalização e reprodução no âmbito da gestão pública são dificultadas por limites orçamentários e pelas próprias características da burocracia brasileira. O instrumento de avalia-ção que apresentamos a seguir propõe uma metodologia simples e sistemática, que procura levar em consideração a complexidade do campo de forma objetiva – como destacam Ximenes e Lins (2013, p. 3, “contribuindo assim para o processo de apren-dizagem institucional que poderá culminar em ganho das ações governamentais referente à satisfação do público alvo da política e sua respectiva legitimidade”.

DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA PARA AVALIA-ÇÃO DE AÇÃO DE PROMOÇÃO INTERNACIONAL

Recentemente, o MinC lançou um conjunto de editais com o objetivo de apoiar a participação de agentes e empreendimentos culturais em eventos inter-nacionais, organizando delegações e fornecendo incentivos financeiros e logísticos aos selecionados. A intensificação da política de internacionalização proposta pelo governo demanda uma avaliação de seus resultados, reconhecendo as particulari-

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dades do setor cultural e permitindo aos tomadores de decisão averiguar a validade da continuidade da política e os novos rumos que pode tomar.

Nesse sentido, foi elaborado um instrumento voltado para a análise especí-fica da participação dos agentes nessas ações internacionais. O instrumento, que apresentaremos a seguir, abrange técnicas de coleta e análise de dados estrutura-das em dois períodos. O primeiro, denominado de pré-evento, avalia a questão da preparação e experiência dos agentes e empreendimentos em feiras; já o segundo, ao qual nos referimos como pós-evento, tem como foco a contribuição do evento para a expansão dos agentes e/ou empreendimentos no mercado internacional.

A obtenção dos dados ocorre a partir da aplicação de questionários (tipo survey) distintos, referentes a cada uma das etapas avaliativas (pré e pós-evento), junto aos componentes da delegação brasileira participante do evento em questão. Os questionários são compostos por perguntas abertas, que buscam recolher in-formações gerais sobre a atuação da equipe do governo e sobre o evento, bem como por perguntas fechadas, que conformam a base para a análise avaliativa em si.

A metodologia empregada na análise dos dados consiste na atribuição de pontuação para cada uma das questões fechadas – zero ou um, de acordo com a resposta do participante. Existem, ainda, questões que não pontuam, que cum-prem o papel de variáveis delimitadoras e moderadoras para que se possa ampliar a compreensão dos resultados obtidos ao cruzar essas variáveis com os resultados daquelas que pontuam. As questões organizam-se em dois eixos: (i) preparação para o evento, e (ii) experiência em internacionalização, não sendo excludentes entre si – há questões cuja pontuação é utilizada na avaliação de ambos os crité-rios. A partir da pontuação total, obtém-se o grau de aderência geral do agente/empreendimento participante, que indica o perfil e características dos participan-tes em relação à sua adequação ao comércio internacional.

A Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), que teve lugar em Gua-dalajara, México, entre os dias 28 de novembro e 6 de dezembro de 2015, foi um dos eventos contemplados na estratégia internacional do MinC. Em termos de nú-meros, em 2015, a feira chegou a mais de 787 mil visitantes, praticamente 2.000 expositores, e a delegação brasileira contou com 24 agentes/empreendimentos brasileiros apoiados pelo MinC. O estudo de caso que apresentaremos a seguir, referente a esse evento (FIL 2015), aborda exclusivamente os procedimentos refe-rentes à avaliação pré-evento.3

A construção e aplicação dessa metodologia perpassam diferentes etapas. Inicialmente, a formulação, análise e discussão das questões foram realizadas pe-

(3) Salienta-se que, na ocasião da elaboração deste capítulo, a realização da avaliação pós--evento encontrava-se ainda em curso.

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los pesquisadores e gestores públicos envolvidos no processo. Em seguida, teve lugar um teste piloto de aplicação de questionário com o órgão promotor do even-to (no caso, o MinC); após sua validação, seguiu-se para a aplicação do questioná-rio diretamente aos participantes da delegação. Por fim, os dados coletados foram submetidos à metodologia de análise, cujos resultados foram reunidos em relató-rio. Cada uma dessas etapas está descrita nas seções que seguem.

ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO

Como mencionado, a elaboração e aplicação do questionário compreende três etapas: i) elaboração e validação das questões; ii) teste piloto; e iii) realização das entrevistas.

ELABORAÇÃO E VALIDAÇÃO DAS QUESTÕES

A elaboração do questionário inicia com uma investigação do setor em que atuam os agentes e empreendimentos selecionados para participar da feira, dos objetivos do promotor do evento e das ações que serão propostas no evento. A partir desse estudo, é formulada uma versão inicial do questionário, encaminhada para o promotor do evento. Este, por sua vez, reúne os dirigentes de entidades relacionadas aos segmentos que irão participar do evento e os pesquisadores res-ponsáveis pela elaboração do questionário, proporcionando uma ampla discussão de cada uma das questões propostas quanto ao seu grau de adesão, clareza, entre outros aspectos. Essa reunião tem por objetivo corrigir distorções que possam ter ocorrido na elaboração das questões e, também, validar o questionário.

TESTE PILOTO

Validado o questionário, passa-se para a realização de um teste piloto com aproximadamente 10% das agentes e empreendimentos que participarão do even-to – nesse caso, da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015. Essa fase tem por objetivo verificar se as questões estão claras, e se as respostas são coerentes com o esperado. Verificando-se falhas, realizam-se as alterações necessárias no questionário, e este passa novamente pela validação da entidade promotora.

REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS

Após essa fase, inicia-se a aplicação do questionário com os demais agentes e empreendimentos participantes da feira. Esse procedimento é realizado por tele-fone, por e-mail ou, ainda, pessoalmente, onde os entrevistadores tabulam as res-

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postas em uma planilha eletrônica para que os pesquisadores possam transformar em dados quantitativos para avaliação e cruzamento das informações.

APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO: O CASO DA FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE GUADALAJARA 2015

Para essa feira, o questionário foi aplicado pela equipe do Ministério da Cultura via entrevista direta com os participantes selecionados para o evento, si-multaneamente à capacitação prevista em edital.4 Dessa forma, foi desnecessário o teste piloto, uma vez que havia a possibilidade de esclarecimento direto dos pro-motores em relação a alguma questão que por ventura pudesse gerar dúvida nos entrevistados.

Nessa ocasião, o questionário foi aplicado à totalidade dos 24 agentes e empreendimentos participantes. O instrumento avaliativo era composto por 18 questões, das quais 10 pontuavam. A pontuação máxima possível para um agente/empreendimento correspondia a 15 pontos, na medida em que algumas delas con-tavam com um conjunto de subitens conferindo mais de 1 ponto à questão.

TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES E CLASSIFICAÇÃO INDIVIDUAL DOS AGENTES E EMPREENDIMENTOS

A classificação dos agentes e empreendimentos se inicia por uma distribui-ção em quartis de pontos totais obtidos em relação à pontuação máxima possível, que denominamos de classificação absoluta. Exemplificando: se um empreendi-mento pontuou em todas as questões relacionadas a experiência em internacio-nalização, por exemplo, ela teria obtido 100% das respostas possíveis, e seria classificada como “alta aderência”. A pontuação desse grupo de empreendimentos corresponderia a 75% até 100% do total de pontos possíveis.

As demais classificações possíveis incluem: “médio-alta aderência”, se a pontuação fosse de 50% até menos de 75%; “médio-baixa aderência”, se fosse de 25% até menos de 50%; e “baixa aderência”, se sua pontuação atingisse uma par-ticipação inferior a 25%.

É importante ressaltar que o questionário componente do instrumento avaliativo é customizado para cada evento, logo, não há uma pontuação máxima definida para todas as ações, uma vez que ela poderá variar de acordo com o even-

(4) Edital disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1284659/Co-nex%C3%A3o+Cultura+Brasil+Neg%C3%B3cios+2015+-+Guadalajara+-+P%C3%B3s+-Conjur+13-08-16h.pdf/36edbeb5-0478-497e-9b8e-11885b43d023>.

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to. As classificações que denominamos de absoluta tem como base a posição do empreendimento no respectivo quartil, em decorrência do percentual da nota ob-tida em relação à nota total possível, estabelecida no questionário.

Reconhecem-se dois problemas, destacados entre outros, que podem surgir de uma classificação simples por quartis, que são (i) a possibilidade de concentrar um número excessivo de empreendimentos em um único grupo, de forma que não se pode discriminá-las; e (ii) as avaliações, quando se referem a questões internas (do empreendimento), tendem a ser majoradas em termos de avaliação, e quando externas (das ações), tendem a ser desvalorizadas. Assim, para redistribuir essas avaliações, trazendo para uma curva normal, aplica-se o logaritmo natural (ne-periano) na pontuação total obtida pelos empreendimentos (conforme descrito anteriormente), excluindo-se, caso haja, os outliers para o cálculo da média e do desvio-padrão. Essa exclusão se dá pela aplicação do gráfico de box-plot, retiran-do-se aqueles empreendimentos que foram classificados como outliers dada a dis-tribuição da amostra e com um nível de 5% de significância. A esse procedimento damos o nome de classificação relativa, já que a distribuição nos estratos definidos depende da média das notas do grupo e do desvio-padrão existente.

A classificação dos empreendimentos por esse procedimento, nos quatro estratos definidos, se dá pela distância da pontuação do empreendimento do pon-to médio, considerados todos os empreendimentos da amostra, como sintetiza-mos abaixo:

• alta aderência – empreendimentos que tivessem uma pontuação, em lo-garitmo natural, igual ou superior à média mais um desvio-padrão;

• média-alta aderência – empreendimentos cuja pontuação, em logarit-mo natural, fosse igual ou superior à média e inferior à média mais um desvio-padrão;

• média-baixa aderência – empreendimentos com pontuação, em loga-ritmo natural, igual ou superior à média menos um desvio-padrão até menor que a média;

• baixa aderência – empreendimentos com pontuação, em logaritmo na-tural, menor que a média menos um desvio-padrão.

CLASSIFICAÇÃO CONJUNTA DOS AGENTES E EMPREENDIMENTOS:

Para definir a avaliação conjunta dos agentes e empreendimentos partici-pantes da ação de promoção comercial no exterior, utiliza-se a classificação re-lativa individual dos empreendimentos, partindo-se dos percentuais nos quatro estratos delimitados anteriormente. A partir do percentual de empresas em cada

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classificação, aplica-se uma média ponderada que atribui nota para o conjunto de agentes e empreendimentos e classifica o grupo em um dos estratos definidos de forma individual.

A ponderação se dá da seguinte forma:

• Percentual de empresas no estrato alta aderência (Paa) = 4;

• Percentual de empresas no estrato média-alta aderência (Pmaa) = 3;

• Percentual de empresas no estrato média-baixa aderência (Pmba) = 2;

• Percentual de empresas no estrato baixa aderência (Pba) = 1.

A média (M) é obtida pela fórmula:

M = Paa*4 + Pmaa*3 + Pmba*2 + Pma*1.

Ao aplicar esse procedimento, os limites dos estratos passam a ser:

• alta aderência ® 3,25 ≤ M < 4

• média-alta aderência ® 2,5 ≤ M < 3,25

• média-baixa aderência ® 1,75 ≤ M < 2,5

• baixa aderência ® 1 ≤ M < 1,75

CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES E EMPREENDIMENTOS

A partir da observação da pontuação dos participantes em cada questão do instrumento aplicado, não mais da sua pontuação total, é possível identificar aspectos positivos e negativos em seu comportamento. Dessa maneira, a ênfase da análise agora é deslocada para as questões que conformam o questionário.

Para a obtenção da classificação dos aspectos positivos e negativos, em um primeiro momento, calcula-se a média de pontuação que se atingiu considerando todas as questões aplicadas, ou melhor, a média de pontos de cada questão. Esse valor será considerado a base da definição das perguntas que foram classificadas como “aspectos positivos” e “aspectos negativos”.

Após a identificação da média da pontuação geral das respostas, busca-se estabelecer uma média individualizada por questão. Assim, as perguntas que ti-verem uma média maior que a média geral (base), entre todas as questões do ins-trumento de avaliação, são definidas como “aspectos positivos”. Já as questões que atingiram uma média inferior à média base, são classificadas como “aspectos negativos”.

Subjaz a esse procedimento a concepção fundamental de que questões que pontuam correspondem a elementos que ampliam a competitividade do empreen-dimento no mercado internacional. Assim, se uma ampla maioria dos empreen-

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dimentos apresenta esse elemento, ele é um aspecto positivo. Por outro lado, se considerarmos que as empresas poderiam melhorar se lograssem incluir esse ele-mento em suas atuações, consideramo-lo um aspecto negativo para esse conjunto de empreendimentos.

Na próxima seção, apresentamos alguns resultados referentes à avaliação pré-evento da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015, com base na me-todologia aqui proposta.

RESULTADOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE ADAPTA-ÇÃO DO MODELO

Os resultados aqui apresentados correspondem a uma síntese da análise dos dados coletados no âmbito da avaliação pré-evento da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015. São abordados os aspectos referentes à preparação para o evento, experiência em internacionalização e avaliação dos pontos positivos e negativos dos agentes e empreendimentos, conforme descrito anteriormente. Ao final, elencamos alguns limites identificados no decorrer da aplicação do mode-lo, bem como as possibilidades de replicá-lo em outros eventos e setores.

RESULTADOS PRELIMINARES DO ESTUDO DE CASO

Quanto à avaliação relativa à preparação dos empreendimentos para o evento, apurou-se que, das 24 empresas participantes da FIL, apenas cinco em-preendimentos foram classificados como de alta aderência, representando 20,8% do total. Sete empreendimentos (29,2%) obtiveram pontuação de média-alta ade-rência. As demais classificações dividiram-se em 25% cada uma.

Comparando esses resultados com uma simples divisão das empresas por quartis (classificação absoluta), verifica-se que a distorção se dá naquelas empresas definidas no nível mais elevado de preparação para eventos. Ou seja, seria incluída no estrato de alta aderência uma empresa que, de fato, não se diferenciava signifi-cativamente do grupo de média-alta aderência. Embora seja apenas uma empresa para essa amostra, esse tipo de situação poderia incluir um número bem maior em casos de grandes amostras e/ou dispersão das respostas.

Ao observar esses resultados, pode-se verificar que existe uma ampla possibilidade de atividades que poderiam ser desenvolvidas para que as empresas pudessem obter um retorno melhor das feiras, uma vez que 79,2% das empresas

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poderiam melhorar seus estratos. Outro elemento importante dessa análise é que as cinco empresas classificadas como de alta aderência passam a servir de benchmarking, permitindo que o conhecimento das práticas e os resultados das empresas de elevada aderência estimulem a atitude das demais.

Em termos de experiência em internacionalização, a avaliação demonstrou que quatro empreendimentos (16,7%) foram classificados como possuindo alta-a-derência. Os conjuntos referentes à média-alta aderência e média-baixa aderência apresentaram oito (33,3%) empreendimentos cada. Por fim, 16,7% ficaram classi-ficadas como de baixa aderência. Comparativamente aos resultados da preparação para o evento, verifica-se que os empreendimentos estão mais concentrados no centro dos quatro estratos. Logo, pode-se inferir que a diferença nos resultados do evento deverá se dar mais pela dedicação na preparação para a feira do que pelo nível de maturidade no mercado internacional que a empresa possui.

O grau de aderência geral, como explicitado anteriormente, é obtido pela união das respostas de todas as questões que pontuam, ou seja, daquelas que pon-tuam para preparação e experiência. Como se pode verificar, os resultados da clas-sificação, contudo, não representam uma média dos resultados anteriores – isto ocorre porque o número de questões para cada um dos critérios é diferente, e, ao mesmo tempo, porque algumas questões pontuam para ambos. Assim, nesse as-pecto, a maioria das empresas foram classificadas nos quartis de “média-baixa ade-rência” e “baixa aderência”, com 33,3% e 25% de participação, respectivamente. Isso evidencia a existência de elementos importantes a serem trabalhados com os agentes e empreendimentos para que possam melhorar seus resultados nas feiras.

Considerando os três níveis de avaliação – preparação, experiência e grau de aderência geral –, pode-se avaliar o conjunto das empresas que participaram do even-to, classificando pela média ponderada conforme descrito neste capítulo. Seguindo esse procedimento, obtém-se a classificação apresentada na Tabela 1 que segue.

Tabela 1. Classificação dos diferentes níveis de avaliação do conjunto das empresas que parti-ciparam da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015

NÍVEIS DE AVALIAÇÃO CLASSIFICAÇÃO

Preparação para o Evento Média-Baixa Aderência

Experiência em Internacionalização Média-Alta Aderência

Grau de Aderência Geral das Empresas Média-Baixa Aderência

Fonte: Elaboração própria a partir da aplicação do questionário de avaliação pré-evento no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015.

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Conforme se pode observar na Tabela 1, o grupo de empreendimentos que participaram da FIL 2015 foi classificado, em seu conjunto (preparação mais ex-periência), com uma avaliação média-baixa, indicando a necessidade de melhora-mento de posicionamento dessas empresas. O fator determinante para essa ava-liação está centrado na preparação para o evento, uma vez que a experiência em internacionalização evidenciou uma boa classificação. Logo, do ponto de vista da política pública de promoção de eventos, para esse segmento, o instrumento indi-ca investir mais em ações de preparação dos empreendimentos para participação em feiras, de maneira que se possam obter melhores resultados.

Uma forma interessante de avaliar a distribuição das empresas nos dife-rentes níveis de classificação em termos de preparação e experiência é por meio de matriz de classificação, como demonstrado abaixo, na Tabela 2.

Tabela 2. Distribuição das classificações para os quesitos Preparação para o Evento e Experi-ência em Internacionalização para as empresas participantes da FIL 2015*

PREPARAÇÃOPARA O EVENTO

ALTAADERÊNCIA 8,33% (2) 12,5% (3)

MÉDIA-ALTAADERÊNCIA 4,17% (1) 4,17% (1) 8,33% (2) 12,5% (3)

MÉDIA-BAIXAADERÊNCIA 8,33% (2) 12,5% (3) 4,17% (1)

BAIXAADERÊNCIA 4,17% (1) 8,33% (2) 8,33% (2) 4,17% (1)

BAIXAADERÊNCIA

MÉDIA-BAIXA ADERÊNCIA

MÉDIA-ALTA ADERÊNCIA

ALTAADERÊNCIA

EXPERIÊNCIA EM INTERNACIONALIZAÇÃO

Fonte: Elaboração própria a partir da aplicação do questionário de avaliação pré-evento no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2015.Nota: * Entre parênteses consta o nº de empresas.

Os seis empreendimentos localizados na diagonal secundária possuem um nível de preparação para o evento compatível com sua experiência em interna-cionalização. As células acima da diagonal secundária representam empresas que estão fazendo um esforço de preparação superior à sua experiência em internacio-nalização – as nove empresas nessa situação tendem a ter uma classificação me-lhor em avaliações futuras, pois existe um esforço da empresa para compreender os mercados e os objetivos dos eventos e com isso conseguem aproveitar melhor

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esses momentos. Contudo, as nove empresas que estão localizadas na área infe-rior à diagonal secundária estão “acomodadas” em relação ao conhecimento que possuem. Essa atitude poderá render uma perda de eficácia e de oportunidades relevantes em feiras futuras.

A classificação dos aspectos positivos e negativos dos agentes e empreen-dimentos participantes, como explicitado neste capítulo, indica as ações que podem ser implementadas para melhorar o desempenho das empresas do seg-mento em questão. Dos 15 itens passíveis de pontuação, os participantes pon-tuaram apenas em 8 deles – entre as 15 ações/eventos que contribuiriam para o desempenho dos participantes, a maioria realizou apenas oito. Essas ações são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3. Aspectos positivos identificados na avaliação Pré-Evento Feira Internacional do Livro de Guadalajara

Fonte: Elaboração própria a partir da aplicação do questionário de avaliação ao Pré-Evento Feira Internacional do Livro de Guadalajara.

ASPECTOS POSITIVOS

Já participaram de outras feiras literárias

São internacionalizadas

Possuem estratégia definida para apresentar seus produtos e/ou serviços na FIL

Já possuem todos os documentos requeridos legais para exportar, caso necessário

Conhecem os hábitos de consumo e informação dos potenciais parceiros/compradores acerca da literatura brasileira dos mercados (países) que pretendem atingir

Os produtos/serviços que pretendem oferecer já estão adaptados às exigências dos merca-dos que querem atingir por meio da FIL

Já trabalharam no exterior e/ou em eventos internacionais no Brasil

Objetivos definidos para participação na Feira

Com base nas informações da Tabela 3, pode-se verificar que os participan-tes, em sua maioria, possuem experiência em feiras literárias, são internaciona-lizados, possuem estratégias definidas e os documentos legais necessários para exportação, elementos fundamentais no desempenho exportador das empresas. Ademais, os participantes demonstraram possuir informações acerca dos merca-dos consumidores que pretendem atingir e produtos adaptados a esses mercados, o que os potencializa ainda mais no mercado internacional. Outro aspecto im-portante diz respeito ao amplo número de empresas que possui executivos com experiência internacional, o que pode explicar o fato de as empresas possuírem objetivos definidos nas feiras.

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Em relação aos aspectos negativos, o processo avaliativo destacou, sobre-tudo, que os participantes não possuíam representante/distribuidor/agente de vendas nos mercados (países) que pretendem atingir por meio da FIL, sendo este o aspecto com o pior desempenho – apenas quatro empreendimentos responderam favoravelmente a esse tema. Outro aspecto que se destaca, por ser identificado pela menor pontuação média, é que as empresas não conheciam as barreiras ta-rifárias e alfandegárias dos mercados (países) que pretendem atingir. Ainda, con-formavam os aspectos considerados negativos o não conhecimento das barreiras ligadas à falta de reconhecimento artístico dos mercados (países) que pretendiam atingir e o não conhecimento do tamanho dos mercados (países) que pretendem atingir. Dessa forma, temos que a maioria dos aspectos identificados como negati-vos foram captados pelas questões que pontuavam para a classificação preparação para o evento, corroborando a informação de que as próximas ações governamen-tais deveriam ter como foco esse quesito.

LIMITES E POSSIBILIDADES DO MODELO

Inicialmente, é importante reforçar que os resultados acima apresentados dão conta dos dados coletados previamente ao evento, e oferecem apenas uma avaliação parcial da participação dos agentes e empreendimentos no evento em questão. A aplicação do instrumento completo, isto é, a realização dos questioná-rios pré e pós-feira, é fundamental para obtenção de um panorama completo em relação ao evento, ao empreendimento e à conjunção de ambos dentro da estraté-gia de política pública governamental.

A partir do estudo de caso apresentado, observou-se que um dos principais limites relacionados ao modelo consiste na aplicação do questionário aos partici-pantes. Quando esta ocorre de forma presencial, é possível se conseguir facilmente dados referentes à totalidade da amostra; por outro lado, extrapolando o caso em questão, se a coleta é realizada à distância, via telefone ou e-mail, a dificuldade em contatar os participantes e obter suas respostas aumenta consideravelmente.

A simplicidade e objetividade do modelo atuam em prol de sua fácil replica-ção, inserido na ideia de consolidação como ferramenta simples para utilização pe-los gestores governamentais. Apesar dessas vantagens, tal grau de sistematização pode não incorporar à avaliação algumas especificidades relacionadas ao setor cul-tural. Para adaptação e replicação do modelo, propõe-se então aprofundar o grau dos questionamentos realizados, aprimorando a consideração do valor simbólico relacionado às indústrias culturais ao incorporar as questões características pró-prias do setor alvo do evento avaliado.

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Tendo em vista que o objetivo fundamental é avaliar se, dentro da estraté-gia governamental, a escolha do evento em questão é útil para promover os atores pertencentes ao segmento em questão, isso perpassa, naturalmente, o preparo dos empreendimentos para a internacionalização. Ainda assim, considerando que o in-centivo oferecido pelo MinC corresponde à fase inicial de internacionalização, isto é, exposição a novos mercados, outros fatores para além do preparo em relação à internacionalização devem ser observados – o que ficou claro a partir do estudo de caso aqui apresentado. Assim, a avaliação de outros elementos, tais como o êxito no estabelecimento de redes nesses eventos, deve ser considerada.

A partir da literatura consultada, fica clara a importância do processo ava-liativo para a execução de políticas de promoção de bens culturais brasileiros no exterior. Assim, espera-se que, com o aprimoramento e consolidação do instru-mento aqui apresentado – a partir de sua aplicação em futuros eventos –, o gover-no brasileiro passe a contar com importante fonte de produção de informações e feedback para a tomada de decisões e escolha de projetos e programas futuros. Especificamente, o instrumento aqui apresentado tem sua relevância salientada a partir dos resultados apresentados. Como demonstrado acima, o nível de preparo dos empreendimentos para o evento em questão é mais influente para o êxito na feira do que a experiência em internacionalização que possuem. Daí, conclui-se que o foco das ações governamentais deve residir, justamente, na preparação dos agentes e empreendimentos para o evento em questão, por meio de capacitação, workshops e aspectos operacionais relacionados à viagem, ao estande expositor e à delegação de maneira geral.

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AS INDÚSTRIAS CRIATIVAS NA CHINA: PANORAMA E OPORTUNIDADES PARA COOPERAÇÃO BRASIL-CHINA

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MARCELO SCALABRIN MÜLLERAssistente de pesquisa no Grupo de Trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas no Centro de Estudos Internacionais sobre Governo. E-mail: [email protected].

PEDRO PERFEITO DA SILVAMestre em Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador no Grupo de Trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas no Centro de Estudos Internacionais sobre Governo.E-mail: [email protected].

DEBORA WOBETOAssistente de pesquisa no grupo de trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) – UFRGS. E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

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INTRODUÇÃO

A partir de meados do século XX, os países asiáticos ganharam espaço na economia global devido aos ganhos de competitividade na manufatura, inicial-mente baseada em mão de obra barata. Nesse contexto, China, Coreia do Sul, Ín-dia, Japão e Taiwan, estimulados por diversos fatores – integração regional, inves-timento direto estrangeiro, estabilidade política, e acesso aos mercados ocidentais –, tiveram décadas de crescimento econômico robusto, dando lugar a um desloca-mento do centro produtivo global em direção ao Leste Asiático, processo liderado pela China em termos de dinamismo econômico (VISENTINI, 2014). A sustenta-bilidade da ascensão chinesa não pode depender somente da manufatura tradicio-nal, de modo que o governo chinês tem enfatizado a importância da criatividade e dos serviços qualificados para o futuro de sua economia desde a publicação do Relatório China 2030 (BANCO MUNDIAL, 2013).

Nos anos iniciais da República Popular da China e, especialmente, durante a Revolução Cultural (1966-76), a produção cultural restou centralizada pelo Esta-do. Durante o processo de abertura iniciado em 1978 por Deng Xiaoping, começa a ocorrer uma descentralização e expansão das atividades culturais, que passaram a depender menos do Estado para seu financiamento, inclusive com a regulamen-tação da propaganda – o que não significa que o Estado chinês tenha perdido sua relevância em termos de financiamento, regulação e produção direta de bens e ser-viços culturais (MADEIRA, 2014).

Na década de 1990, ocorreram mudanças ainda mais intensas no modelo de produção cultural na China, com a lógica de mercado passando a predominar na prática. Nesse período, a produção cultural chinesa teve um crescimento impres-sionante, passando de US$ 146 milhões em 1990 para mais de US$ 1 bilhão em 1998 (MADEIRA, 2014). Nos anos 2000, houve outra inflexão: o governo chinês passa, por meio do X Plano Quinquenal (2001-2005), a considerar a cultura como recurso de desenvolvimento, e

(...) enfatizou o aumento de produtividade por meio de tecnologia e inovação e formalizou o termo indústria cultural. A ocasião coincidiu com a ascen-são tardia da China à OMC, que acelerou ainda mais a abertura aos inves-timentos estrangeiros, à possibilidade de parcerias internacionais para as indústrias criativas, assim como às influências de discursos e ideias externas (MADEIRA, 2014, p. 148).

Em 2005, Pequim sediou a primeira Conferência Internacional de Indús-trias Criativas e Inovação realizada no país. “[As] primeiras políticas e iniciati-vas em prol das indústrias criativas na China foram realizadas por autoridades municipais” (MADEIRA, 2014, p. 149), principalmente de grandes cidades como

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Pequim, Xangai e Shenzhen. Assim, na China, “as cidades mais prósperas apresen-tam abundância de recursos criativos” (MADEIRA, 2014, p. 149).

Em 2006 foi lançado o XI Plano Quinquenal, que destacou a importância da cultura e da agregação de valor. Ainda nesse ano, foi criado o Departamento de Indústria Cultural do Ministério da Cultura, consolidando a institucionalização da economia criativa no governo central em Pequim. Outros órgãos setoriais tam-bém cumprem esse papel de institucionalização em setores criativos não culturais, como o State Administration of Radio, Film and TV (Sarft), o General Adminis-tration of Press and Publishing (GAPP), ou o Ministry of Science and Technology (MoST) (MADEIRA, 2014).

Em 2011, na VI Sessão Plenária do XVII Comitê Central, foi aprovada lon-ga resolução sobre a reforma do setor cultural, destacando-se, entre as medidas, a “promoção da cultura e a aceleração do desenvolvimento da indústria cultural” (MADEIRA, 2014, p. 150). No mesmo ano, o XII Plano Quinquenal mencionou “que as indústrias criativas devem se tornar um dos pilares da economia nacio-nal” (MADEIRA, 2014, p. 150). Em outubro de 2015, o Comitê Central do Partido Comunista Chinês determinou que a inovação assumiria posição central para o desenvolvimento da China no próximo Plano Quinquenal de 2016, com ênfase em setores como ciência, tecnologia e cultura. Nesse sentido, o governo planeja encorajar um sistema que favoreça a inovação e uma melhor alocação de recursos, incluindo mão de obra, capital, terras, tecnologia e gerenciamento.

Nesse sentido, o presente capítulo busca identificar, a partir da análise das políticas chinesas recentes, a evolução das Indústrias Culturais e Criativas (ICC) na China, traçando breves considerações sobre as oportunidades de cooperação junto ao Brasil. Como tais setores são fundamentais para o desempenho econômico no século XXI, parte-se do argumento principal de que as políticas chinesas inserem--se em um contexto de modernização da economia em questão, tratando-se de um esforço coordenado em diversos setores.

Este capítulo é composto por seis seções. Após esta breve introdução, a segunda seção traz um panorama geral da ascensão chinesa, seus impactos nas relações internacionais e seus desdobramentos mais recentes. A terceira seção des-creve como as indústrias culturais e criativas podem ser uma saída para um novo modelo de crescimento para o país, que passa por uma desaceleração. Na quarta seção, aspectos das relações bilaterais são elencados, com atenção especial à coo-peração em economia criativa. A quinta seção descreve possibilidades de coopera-ção para um conjunto de setores selecionados das indústrias culturais e criativas, quais sejam: audiovisual; música; design, arquitetura e artesanato; e teatro. Na sexta e última seção, são feitas as considerações finais.

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A ASCENSÃO ECONÔMICA DA CHINA E OS DESAFIOS ATUAIS

A partir da década de 1970, com as reformas de Deng Xiaoping, o país deu um salto em termos de desempenho econômico, cuja força tem impactado as rela-ções econômicas e geopolíticas internacionais (VISENTINI, 2014; SPENCE, 2011). Ao longo desse processo, a China aprofundou as relações com países em desenvol-vimento como o Brasil, principalmente devido à importação de bens primários e aos investimentos diretos. O comércio ganhou força a partir dos anos 1990, com a abertura comercial brasileira. Os investimentos passaram a ter maior relevância a partir de 2005, quando, segundo dados da Unctad (2015), as saídas de investi-mento direto da China passaram a crescer em ritmo maior do que as entradas. Isso deve fazer do país, nos próximos anos, um exportador líquido de capitais (TIEZZI, 2014). Várias economias se beneficiaram da internacionalização chinesa, o que pode ser visto, sem dúvida, como um desafio à tradicional presença europeia e estadunidense em regiões como a África e a América Latina (VISENTINI, 2014). A diplomacia desses países também ganha margem de manobra e capacidade de barganha com a ascensão chinesa, que serve de contrapeso à preponderância co-mercial estadunidense (CHAOHUA, 2015).

As relações com os países em desenvolvimento, entretanto, possuem assi-metrias relevantes. No âmbito comercial, cabe destacar que a China é muito mais importante para seus parceiros do que estes o são na pauta de importações. Segun-do o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC, 2016), os cinco maiores parceiros comerciais da China em 2014 foram, respectivamente, os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan e a Alemanha, ou seja, países de alta renda. O Brasil estava na nona posição, atrás de Austrália, Malásia e Rússia. Por outro lado, desde 2009 a China é o principal parceiro comercial brasileiro (HOLANDA, 2015). Além disso, o padrão do intercâmbio comercial chinês com os países em desenvolvimento é o que se convencionou chamar de um padrão centro-periferia, em que a China ex-porta bens industriais e importa bens primários.

Atualmente, a China enfrenta duas mudanças econômicas relevantes de impacto global. Em primeiro lugar, o ritmo de crescimento passou de uma mé-dia anual superior a 10% na primeira década do século XXI para uma previsão de 5% a.a. até 2030, devido à reorientação da economia chinesa ao mercado interno (BANCO MUNDIAL, 2013). Em segundo lugar, a China passa por uma reorganiza-ção setorial, na qual os serviços vêm ganhando protagonismo frente à manufatura tradicional, responsável pelo salto chinês nas últimas décadas (HOLANDA, 2015, p. 32).

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A ascensão chinesa é simultaneamente oportunidade e desafio para os paí-ses do Sul global. Com a importância que tem no comércio internacional, qualquer projeto de desenvolvimento envolve boas relações com Pequim. Entretanto, é do interesse desses países que o comércio com o país não esteja restrito ao tradicional padrão do comércio centro-periferia. A economia criativa, já em crescimento no país, desponta como oportunidade para uma atualização dessas relações, uma vez que pode garantir exportações qualificadas para ambos os países. Carece, então, identificar quais seriam as oportunidades de comércio entre os dois países.

A ECONOMIA CRIATIVA NA CHINA: CONTEXTO E EVOLU-ÇÃO DO CONCEITO

A desaceleração chinesa suscita o debate da necessidade de repensar o mo-delo de crescimento chinês (MADEIRA, 2014; WOETZEL et al., 2016). Como sin-toma dessa necessidade, Madeira (2014) chama atenção para o subtítulo do livro de Michael Keane (2007), “The great new leap forward”,1 e para o slogan “From made in China to created in China”,2 utilizado por um movimento de empresários e intelectuais chineses. Numa economia globalizada e competitiva, a consolidação da posição chinesa no cenário global passaria pelo desafio da transição para uma economia pós-industrial e criativa, o que possibilitaria um padrão de crescimen-to econômico sustentável, em substituição ao atual padrão de rápido crescimento (MADEIRA, 2014).

Keane (2007) argumenta que, para além dos avanços que já vêm ocorren-do, a China ainda pretende tornar-se um centro competitivo de produção cultural. Essa preocupação está presente no Relatório China 2030, elaborado pelo Banco Mundial (2013, p. 8-9). A criatividade tem papel de destaque na atual estratégia de desenvolvimento do país. O objetivo do governo chinês, explicitado nesse docu-mento, é construir, até 2030, uma sociedade de renda elevada, moderna, harmo-niosa e criativa. O papel da criatividade está ligado à capacidade de inovação, res-ponsável por elevar a posição do país nas cadeias globais de valor. A China deseja produzir mais valor, não apenas maiores quantidades, objetivando competir com as economias avançadas de igual para igual (BANCO MUNDIAL, 2013).

O conceito de indústrias criativas foi adotado na China somente na metade da década de 2000, por parte dos governos locais de Xangai e Pequim. Nesse sen-

(1) “O novo grande salto em frente”, tradução nossa.

(2) “De feito na China para criado na China”, tradução nossa.

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tido, apesar de ser líder na exportação de bens criativos, a maior parte do trabalho criativo, como projetos, design e concepção dos produtos, não é realizado na China (MADEIRA, 2014). Segundo dados da Unctad (2015), a China exportou US$ 151,2 bilhões em bens de economia criativa em 2012, à frente até mesmo dos EUA, com US$ 37,8 bilhões. Entre 2007 e 2012, enquanto as exportações norte-americanas se mantiveram num mesmo patamar, as chinesas mais que dobraram seu valor.

Apesar desse potencial em valores absolutos, há baixa porcentagem de con-teúdo chinês nos produtos criativos exportados, bem como mais de 70% dessas ex-portações advêm de empresas de capital estrangeiro (KERN; SMITS; WANG, 2011). Dessa maneira, o aumento do valor agregado nacional nas exportações criativas de-pende da criação de um ambiente propício à criatividade, o que constitui um grande desafio empresarial para os setores criativos chineses (DOCTOROFF, 2012).

AS RELAÇÕES SINO-BRASILEIRAS: ELEMENTOS PARA UMA ATUALIZAÇÃO

Segundo Francisco Mauro Brasil de Holanda (2015), diretor do Departa-mento da Ásia do Leste do Itamaraty, as trajetórias doméstica e externa da China e do Brasil, nos últimos anos, possuem vários pontos de convergência. Dentre as semelhanças, destacam-se: inclusão social e crescimento do mercado consumidor doméstico; estabilidade macroeconômica; baixos níveis de desemprego; fortale-cimento das contas externas; e participação conjunta em novos mecanismos de geometria variável, como Brics, Basic e G20, que se tornaram atores relevantes do cenário internacional contemporâneo. As relações sino-brasileiras, nos últimos anos, conjugam simbolismo político e crescente dinamismo nos campos do comér-cio e investimento e da cooperação científico-tecnológica e educacional (HOLAN-DA, 2015). O Brasil foi o primeiro país com o qual a China estabeleceu parceria estratégica no mundo (FENG; HUANG, 2014), e o projeto espacial sino-brasileiro foi o primeiro na área de alta tecnologia entre países em desenvolvimento (HO-LANDA, 2015).

Desde 2009, a China é o principal sócio comercial do Brasil e tem respon-dido por parcela ascendente de novos investimentos no país, crescentemente di-recionados para setores industriais – inclusive de alta tecnologia – e de serviços, principalmente na área financeira. Por sua vez, em 2013, o Brasil foi o 8º parceiro comercial da China e o primeiro entre os Brics. O Brasil é importante fornecedor de produtos primários para a China, como soja, minério de ferro, frangos conge-lados e, potencialmente, de petróleo, além de liderar o mercado chinês na área de jatos regionais (HOLANDA, 2015).

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Holanda (2015) propõe a adoção de algumas iniciativas para o fortaleci-mento das relações sino-brasileiras. Dentre os segmentos a serem priorizados, o autor sugere que se poderia estimular a formação de startups binacionais com em-presas chinesas em setores de alta tecnologia. Uma iniciativa nessa direção seria favorecida pelo intenso processo de internacionalização da economia chinesa, em que um número crescente de pequenas e médias empresas se mostram bastante interessadas por novas oportunidades de negócios no exterior.

No mesmo sentido, o autor também faz menção ao processo de urbaniza-ção da China, e da consequente ampliação de suas camadas de classe média, o que deverá ampliar a procura por bens intangíveis, ligados às indústrias criativas (HOLANDA, 2015). Cientes dessa nova fronteira econômica em expansão, países como o Japão (que criou o programa “Cool Japan”) estão adotando estratégias am-biciosas de ocupação de espaço. O Brasil, argumenta Holanda (2015), está capaci-tado a beneficiar-se dessas oportunidades, graças a seu soft power e aos progressos em muitos daqueles setores. Iniciativas como os programas de apoio oficial nessa área – como no âmbito do BNDES – e a realização da Semana do Brasil na China ampliam o soft power brasileiro e podem ser explorados com maior intensidade.

Outra iniciativa sugerida por Holanda (2015) é o estabelecimento de um mecanismo de discussão sobre questões legais, que poderia reforçar o conheci-mento mútuo em uma esfera que se afigura de relevância cada vez maior, qual seja, das novas modalidades de interação entre o Estado e a sociedade civil. Além disso, o autor acrescenta que a cooperação em alta tecnologia e em serviços pode-ria beneficiar-se do fortalecimento da Subcomissão de Indústria e Tecnologias da Informação, cujo temário ainda ensaia seus primeiros passos. Também seria inte-ressante a flexibilização da política oficial em vigor referente à criação de startups, no sentido de facilitar a participação de empresas estrangeiras. Na área cultural, o diplomata destaca que “atenção especial poderia ser atribuída à cooperação no campo das indústrias criativas” (HOLANDA, 2015, p. 45).

Em maio de 2015, durante a visita do Primeiro Ministro Chinês, Li Keqiang, a Brasília, foi assinado o Plano de Ação Conjunta entre o Governo da República Fe-derativa do Brasil e o Governo da República Popular da China – 2015-2023, que conta, dentre 11 áreas de atuação, com um artigo específico para a área cultural. Nele, os dois países reconhecem sua riqueza cultural e se comprometem a apro-fundar a cooperação através da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (Cosban), além de incentivar a realização de intercâmbios de agentes do setor, assinatura de acordos específicos, em áreas como coprodução cinematográfica, e intercâmbios entre empresas da economia da cultura (BRASIL, 2015).

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UM PANORAMA DAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS NA CHINA

Alguns fatores se destacam como responsáveis pelo rápido crescimento das indústrias criativas na China, como elenca Madeira (2014, p. 154): “investimentos públicos e privados em infraestrutura e tecnologia, aceleração do processo de con-vergência digital e o aumento da demanda por produtos culturais, de informação e entretenimento digital”. Como já ressaltado, as principais oportunidades encon-tram-se nas maiores cidades do país: Pequim, Xangai, Guangzhou e Shenzhen. Se-gundo Madeira (2014, p. 155), “Xangai almeja tornar-se um dos maiores centros criativos da Ásia em dez anos, para isso já conta com dezoito clusters criativos3 e com a presença de empresas de design de mais de 30 países”.

Para compreender as especificidades setoriais desse crescimento, nesta se-ção é realizado um panorama das indústrias culturais e criativas chinesas para qua-tro grandes setores: audiovisual; música; design, arquitetura e artesanato; e teatro. A análise de setores específicos revela as oportunidades de cooperação, uma vez que as especificidades setoriais delimitam as possibilidades de convênios bilaterais.

AUDIOVISUAL

O setor de televisão movimentou cerca de US$ 17,7 bilhões em 2007, uma das maiores produções da indústria criativa chinesa, cujo crescimento encontra-se diretamente vinculado às receitas de publicidade, segundo o relatório produzido pelo UK Trade & Investment. A conversão para a transmissão digital – conside-rada, juntamente com a televisão paga, a prioridade política para o setor – estava prevista para se concretizar em 2015, embora já seja uma realidade nas grandes cidades. Apesar de a China possuir o maior mercado global de televisão, com mais de dois mil canais em operação, busca torná-lo também o de maior valor. Nesse sentido, o governo tem estimulado a ainda baixa produção de conteúdo, que gera um vácuo de oferta (MADEIRA, 2014).

A indústria de desenho animado vem passando por grandes mudanças na China, em decorrência da crescente conexão com a indústria de games e de com-putadores. Apesar das indústrias americanas e japonesas continuarem populares, a China tem conseguido desenvolver e exportar marcas próprias: as exportações de desenhos animados e animações chinesas totalizaram quase 22 milhões de eu-ros em 2009, um aumento de 150% com relação ao ano anterior (KERN; SMITS;

(3) Michael Keane (2011, p. 6, tradução nossa) chama atenção para o fato de que “[a]s in-dústrias culturais e criativas na China são invariavelmente conceituadas como ‘clusters’, ba-seados na tradição de gestão coletiva do trabalho e do ambiente bem como um legado de supervisão rígida dos trabalhadores culturais”.

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WANG, 2011). Em 2013, o setor movimentou 7,185 milhões renminbis (moeda chinesa). As animações em novas mídias, representadas por animações online e animações para celular, têm mostrado forte crescimento e potencial de expan-são, tornando-se uma nova área de crescimento da indústria de animação chinesa (CHINA PUBLISHING & MEDIA JOURNAL, 2015).

Os setores de cinema, rádio e música ainda são bastante controlados pelo Estado chinês, com sua produção dominada por grandes empresas estatais. Ain-da assim, tais setores estão em processo de expansão, devido à liberalização de investimentos nas áreas de produção e distribuição. Um fator que se contrapõe a esse processo é a disseminação em grande escala da pirataria – a qual, entretanto, não afetou o mercado cinematográfico, cuja trajetória segue ascendente (KERN; SMITS; WANG, 2011).

O setor cinematográfico, nesse panorama, merece especial atenção. De 2001 a 2007, a receita anual do cinema chinês cresceu a uma taxa de 34% ao ano; de 2008 a 2014, o ritmo aumentou para 40% ao ano. Até junho de 2015, a receita do setor já havia aumentado 52% com relação ao mesmo período do ano anterior, e sem sinal de diminuição (CAIN, 2015). Além disso, o setor cinematográfico chinês está em constante transformação. Em junho de 2014, o governo chinês anunciou que gastaria US$ 163 milhões de dólares por ano para apoiar a indústria nacio-nal de cinema, incluindo gastos com produções de filmes, construção de cinemas digitais, desenvolvimento de tecnologia de produção cinematográfica, bem como exportação de filmes chineses (BLANCHARD, 2014). Grandes empresas chinesas – como Dalian Wanda, Baidu, Alibaba, e Tencent – também começam a entrar com mais força nesse mercado em expansão, o que vem mudando o cenário da indús-tria de cinema na China (FRATER, 2015a).

Há previsões de que a China vá dominar o mercado de cinema no mundo an-tes do fim da década (BOSCHI, 2015). Em fevereiro deste ano, o país foi pela primei-ra vez líder mundial de bilheteria – apesar da censura e da pirataria (ALMOGUERA, 2015). A surpresa foi que, apesar da forte presença do cinema americano, o recorde de bilheteria de fevereiro (US$ 650 milhões) se deve principalmente ao consumo de produções domésticas, como o “O homem de Macau II” e “Dragon Blade”, acom-panhados pela coprodução sino-francesa “Wolf Totem”, de Jean-Jacques Annaud.

O caminho das coproduções tem sido benéfico tanto para a China quanto para países estrangeiros. Para os chineses, permite a entrada de capital externo, aumentando a cota de filmes estrangeiros imposta pelas autoridades (34 por ano), e aumenta a arrecadação do cinema doméstico. Para os estrangeiros, trata-se de ter acesso a um mercado de cifras astronômicas, em franca expansão.

Não por acaso, companhias produtoras como a Paramount Picture e Dream-Works Animation SKG já contrataram atores chineses e estabeleceram coprodu-

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ções com companhias chinesas (BLANCHARD, 2014). Diversas produções estadu-nidenses alteraram roteiros, atores e personagens para ficarem mais atraentes ou para driblar a censura no gigante asiático. Contudo, muitos outros países vêm tra-balhando com a China. “Lost in Thailand”, uma coprodução sino-tailandesa, teve um custo de produção e promoção de 60 milhões de renmimbis e uma arrecadação de 1,2 bilhão de renminbis, sendo considerado o maior sucesso em tempos recentes (CHINA PUBLISHING & MEDIA JOURNAL, 2014). A França também já tem um histórico relevante em coproduções com a China. Agora, o Japão também se en-gaja em conversas para aprimorar a cooperação cinematográfica com os chineses (FRATER, 2015b).

No que tange à relação com o Brasil, desde a Cosban, aventa-se a necessida-de de um acordo de coprodução China-Brasil, que pode trazer benefícios concretos para ambos os lados. Na esteira desse acordo, seria importante também buscar formas de cooperação técnica, de modo a fortalecer as indústrias nacionais dos dois países com a integração de técnicos e a troca de expertise.

MÚSICA

Segundo Kern, Smits e Wang (2011), a indústria da música é o setor criativo que mais sofre controle estatal, constituindo, portanto, um setor fraco na China, mas que vem se beneficiando da convergência digital e de reformas privatizantes. A alta incidência de práticas de pirataria de conteúdo musical tem exigido a imple-mentação de novos modelos de negócios, menos dependentes da venda do produto e mais voltados para a gestão de talentos e a inter-relação com outros setores cria-tivos, como o de publicidade, a exemplo da tendência global do setor. O lançamen-to de álbuns tem servido cada vez mais como instrumento promocional e menos como fonte de renda, a qual provém de shows e aplicações comerciais do produto.

O setor de música ao vivo tem crescido bastante na China. Segundo o Chi-nadaily.com.cn, trata-se de um mercado de 3,9 bilhões de renminbis, com 13,7 mi-lhões de apresentações, tendo crescido 6,4% desde 2013 (CHINA’S, 2015). Com uma taxa de crescimento de 20%, festivais de música ao ar livre e casas de música ao vivo tiveram o salto mais dramático de todas as categorias. Também cresceu o número de espaços de apresentação, desde salas de concertos e estádios até peque-nas casas de música ao vivo (CHINA’S, 2015). Além disso, houve recentemente um grande aumento no número de artistas estrangeiros apresentando-se na China.

Contudo, a indústria de eventos ainda se encontra limitada pela falta de know-how e pela relativa escassez de tecnologia e de locais de apresentação devida-mente equipados. Alguns motores recentes da indústria incluem a expansão de ca-

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nais televisivos de música em mandarim e a popularidade crescente de programas musicais para a televisão (MADEIRA, 2014).

Para o Brasil, a música representa importante possibilidade de cooperação na medida em que a música brasileira tem penetração no mercado chinês, como música ambiental para shoppings, restaurantes, lojas, etc.; isso porque coincide com o gosto musical chinês moderno. Exemplo disso é o sucesso da cantora sino--brasileira Lisa Ono, que, interpretando músicas cantadas em português em ritmo de Bossa Nova, arranjadas no Brasil, fez um show para 8 mil pessoas em Xangai.

Há grandes expectativas quanto ao crescente mercado de música digital na China. Com aproximadamente 650 milhões de usuários de Internet e um núme-ro crescente de serviços digitais licenciados, o potencial é imenso; contudo, uma cultura ainda pouco desenvolvida de pagar por música e um histórico de pirataria intensa dificultam os avanços. De toda forma, ainda em 2013 o presidente da Sony Music Entertainment afirmou que a China era uma prioridade central para toda a indústria por causa de seu enorme potencial (PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA, 2013). Segundo dados da IFPI (2015), em 2014, depois de um período de intensa atividade de serviços tentando introduzir ofertas de músicas pagas, ocorreu uma ampla consolidação do mercado de música digital chinês. Três grandes compa-nhias digitais chinesas, Alibaba, CMC e Tencent, fizeram diversas aquisições para dominar a distribuição de música digital. Essas empresas também buscaram ne-gociar licenças com grandes gravadoras – Sony e Warner, por exemplo –, e vários selos independentes de ponta na Tailândia assinaram um contrato com a Tencent em 2014. Por outro lado, as gravadoras internacionais têm buscado aumentar seus domínios e seus investimentos no mercado de música local. Um exemplo disso foi a aquisição da Gold Typhoon, um dos mais conhecidos e mais independentes selos da região, pela Warner Music em 2014 (IFPI, 2014).

Segundo dados do governo chinês, o valor do mercado de instrumentos musicais da China aumentou para US$ 6,5 bilhões em 2012, superando os Estados Unidos e se tornando o maior mercado de instrumentos musicais do mundo. Por isso, em 2014, três grandes marcas brasileiras (Meteoro, Odery e Tagima) repre-sentaram a indústria nacional no Music China, uma das principais feiras inter-nacionais de instrumentos musicais, numa participação viabilizada por meio de parceria entre a Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima) e a Agên-cia Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Daniel Neves, presidente da Anafima, afirma que o momento é muito favorável para a entrada das empresas brasileiras, pois “a China vive um momento muito favorável economicamente e os consumidores chineses desejam conhecer novos produtos e, sobretudo, desejam consumir marcas” (DE LAET, 2014).Design, arquitetura e artesanato.

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O setor do design tem crescido bastante em importância na China. De acor-do com o Setor de Estatística da Unctad, em 2012, último ano para o qual há da-dos, a China liderou as exportações de produtos de design, cifra que alcançou US$ 105,47 bilhões em valores correntes. Isso equivale a 69,8% do total de exportações chinesas de produtos criativos naquele ano, determinante, portanto, da liderança chinesa no comércio global desses produtos. Madeira (2014) entende que esses dados devem ser analisados com parcimônia, não só por poderem desvirtuar o real estado do setor no país, quanto pelo conteúdo criativo desses bens também ser importado, como já apontamos aqui anteriormente. É nesse sentido a avaliação de Senra e Da Rocha (2014), ao afirmarem que a maior parte do design de alta quali-dade de produtos chineses é importada. Segundo a Unctad, os principais subseto-res de exportação dentro do item design são, respectivamente, moda, decoração de interiores e bijuteria (UNCTAD, 2015).

Segundo Madeira (2014), o Estado chinês reconhece a importância do de-sign em duas vertentes. Em primeiro lugar, o design é visto como agregador de valor aos manufaturados chineses, logo, fundamental para a liderança do país no setor. Em segundo lugar, o design tem papel na arquitetura e urbanismo, “no es-tabelecimento de marcos urbanísticos nas principais capitais do país, fatores de atração de capital financeiro e humano e de turismo” (MADEIRA, 2014, p. 157). Assim, design e arquitetura moldam a identidade chinesa ao mesmo tempo em que contribuem fortemente com a economia do país (KERN; SMITS; WANG, 2011).

Em linha com as tendências da escola inglesa de economia criativa, que vê o trabalho criativo com potencial de agregar valor a diferentes setores da econo-mia (BAKHSHI; FREEMAN; HIGGS, 2013), documentos oficiais chineses como o China 2030 ressaltam o papel estratégico do design e outras ocupações criativas altamente especializadas para a inovação (BANCO MUNDIAL, 2013). Madeira (2014, p. 157) afirma que, por isso, o design contribui para a ideia de “From made in China to created in China (ou) designed in China”. Nesse sentido, a autora sublinha iniciativas de evolução do design industrial por parte das empre-sas Lenovo, Philips China (que tem adotado uma perspectiva híbrida de design chinês e internacional), e Ningo Brid (telefones celulares), as quais passaram a se apoiar na cultura chinesa para criar novos produtos, conquistando vantagens competitivas no mercado.

Esse investimento na diversidade cultural chinesa corrobora os argumentos de Kiss, Bezerra e Deos (2011). Segundo eles, a China, assim como outros emer-gentes do Bric, possui grande potencial no setor de design tanto pelo crescimento de seus mercados internos quanto pela proximidade cultural que esses países têm de outros mercados em crescimento no terceiro mundo. Assim, a China e os emer-gentes estariam em posição privilegiada para atender à demanda de design em

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diversos níveis, como embalagens, serviços, design digital e produtos ambientais (KISS; BEZERRA; DEOS, 2011).

Senra e Rocha (2014) apontam que o modelo de negócio do setor de design chinês é similar ao do design ocidental, com várias micro e pequenas empresas operando no setor, muitas com dificuldade em reter bons empregados. Segundo eles, não raro as grandes empresas existentes no setor terceirizam serviços a com-panhias ocidentais, assim como fazem indústrias manufatureiras para os mesmos serviços. Numa tentativa de fazer avançar a qualidade do setor, os autores afir-mam que o governo chinês tem dado incentivos para que as grandes empresas em nível mundial abram filiais no país (SENRA; ROCHA, 2014). Na política pública do país, destaca-se a atuação de alguns de seus maiores municípios, de modo que Pequim, Xangai e Shenzhen, por exemplo, possuem políticas ativas de promoção do setor de design. As cidades atuam de diversas maneiras, promovendo feiras anuais, incentivando a formação de profissionais, realizando convênios com uni-versidades estrangeiras renomadas e mesmo com vultosas linhas de crédito volta-das a empresas nascentes (LI et al., 2016).

A arquitetura, por sua vez, tem gerado um processo de re-branding das maiores cidades chinesas, além de contribuir significativamente para suas econo-mias. A arquitetura tem sido catapultada pelo comissionamento estatal de grandes projetos nas capitais do país, cujos exemplos incluem as sedes das mais importan-tes instituições financeiras e culturais do país – como o Banco da China, o Grande Teatro de Pequim, e o Museu de Ciência e Tecnologia de Xangai –, que têm desper-tado grande interesse internacional, atraindo arquitetos de vários países e gerando uma valorização sem precedentes da profissão e da arquitetura de forma geral.

TEATRO

A produção contemporânea do teatro chinês combina o antigo e o novo, uma vez que as tradições teatrais chinesas são utilizadas como base para o desen-volvimento de um teatro que também se utiliza das últimas novidades tecnológi-cas, em um processo de reformatação da tradição para as novas mídias que pode ser chamado de reconversão cultural. Destacam-se também as múltiplas funções desempenhadas pelos atores nesse setor, em que as fronteiras entre o empreende-dor, o iconoclasta e o burocrata são difusas (KEANE, 2013).

Em relação às turnês de produções estrangeiras, estas ocorrem principal-mente em duas vertentes. Em primeiro lugar, há as grandes produções comerciais, sendo a maioria de origem anglo-saxônica, que realizam turnês no país da mesma forma como também o fazem no Brasil. São produções como “O fantasma da ópe-ra”, com grande participação dos musicais, principalmente na cidade de Xangai.

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A produção local de espetáculos clássicos estrangeiros desponta como alternativa às barreiras linguísticas, como foi o caso de “Mamma Mia” e “Cats”, que tiveram grande sucesso comercial no país. Shin Dong Kim (2015) relata que a experiência de uma joint venture entre uma companhia coreana e uma chinesa para a produção local e tradução de um texto estrangeiro resultou numa parceria vantajosa para ambas as partes e com grande sucesso comercial.

Nesse modelo, fica claro o potencial do estabelecimento de parcerias entre companhias brasileiras e chinesas que desenvolvam teatro mais comercial para a realização de produções conjuntas tanto no Brasil quanto na China. Outra possi-bilidade observada é a realização de parceria entre os governos brasileiro e chinês para viabilizar a turnê de espetáculos de sucesso. Neste aspecto, é importante lem-brar que, também no Brasil, percebe-se o desenvolvimento da produção de musi-cais. Em 2015, houve a primeira edição do Prêmio Reverência, específico para mu-sicais do eixo Rio-São Paulo, no qual se podem identificar trabalhos de qualidade artística com potencial para a internacionalização (PRÊMIO, 2015).

Por outro lado, há os festivais independentes e artísticos, que teriam maior abertura para a dramaturgia brasileira sem a necessidade do perfil comercial, ce-nário em que Xangai segue sendo uma referência. O importante Shanghai Inter-national Contemporary Theatre Festival (ACT) recebe diversas trupes de diferen-tes países a cada ano, ainda sem incluir o Brasil. Já em Pequim, o independente Nanluoguxiang Performing Arts Festival apresenta tanto companhias estrangei-ras quanto produções locais de textos de outras nacionalidades, além de coprodu-ções multinacionais especialmente para o evento (BEIJING PENGHAO THEATRE, 2015). Há a necessidade da cooperação com a China para que seja viabilizado o financiamento para a ida de artistas brasileiros a tais eventos.

No Brasil, há também um circuito comercial de espetáculos de origem chi-nesa, ainda que eles sejam menores em volume do que os de outras origens. Iden-tifica-se, principalmente, a atuação de circos chineses no mercado já consolidado, com companhias como Cirque de Soleil, mas não em frequência expressiva. Di-versos festivais de teatro artístico brasileiro possuem experiência na recepção de trupes estrangeiras, mas se destacam experiências de origem ocidental, delimitan-do certa barreira linguística. Decorre disso a importância de trabalhar formas de adaptação, tanto no teatro brasileiro que fosse à China, quanto no teatro chinês que viesse aos bastante internacionalizados festivais brasileiros, tais como Porto Alegre em Cena, Festival Internacional de Londrina, Mostra Internacional de Tea-tro de São Paulo, e o Festival Internacional de Teatro da Bahia.

Um caso que merece menção é o festival carioca Cena Brasil Internacional. Sendo provavelmente o principal agente brasileiro para uma cooperação com a Chi-na, não só recebeu, em 2015, montagens chinesas (LACERDA, 2015) e japonesas,

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como também participa de cooperação com o Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores para a tradução de obras da dramaturgia contemporânea brasileira para outras línguas (GHIVELDER, 2015).4 Espera-se que também esse esforço de tradução e divulgação da dramaturgia brasileira chegue ao mandarim, projeto que pode ser avançado pela cooperação com a China.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação estratégica entre Brasil e China possui potencial para iniciativas conjuntas tanto pelos interesses em comum entre os dois países, quanto por sua trajetória compartilhada num contexto de Sul global. A economia criativa, elemen-to central das estratégias de desenvolvimento contemporâneas, constitui área pro-pícia para a cooperação bilateral. Por ser potência global, dotada de um mercado gigantesco e de grande competitividade, a experiência chinesa na sua transição para novos padrões de produção, fundamentados na inovação e na criatividade, tem muito a contribuir para a evolução dessas atividades no Brasil.

Como revelado nas análises específicas, dois pontos importantes devem ser frisados. Em primeiro lugar, as políticas chinesas para as indústrias culturais e criativas inserem-se em um contexto de modernização da economia em questão, a qual precisa enfrentar a tendência recente de desaceleração do ritmo de crescimen-to. Dessa maneira, em segundo lugar, sublinha-se que a avaliação de setores como audiovisual, design, arquitetura e artesanato, música e teatro apontou a possibi-lidade de aprofundamento da cooperação bilateral Brasil-China, principalmente, nos dois últimos setores. Por fim, destaca-se a importância tanto do intercâmbio de agentes do setor para a promoção do compartilhamento de técnicas, conheci-mentos, estratégias e soluções para o setor quanto da promoção das atividades culturais nos respectivos países.

(4) O festival recebeu uma versão contemporânea de “As criadas”, realizada pelo diretor Meng Jinghui e por sua companhia homônima, fundada em 1977. Foi a primeira vez que a trupe se apresentou no país, em montagem em chinês legendada em português.

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CULTURA, CREATIVIDAD Y SISTEMAS DE DIAGNÓSTICO TERRITORIAL: EL CASO DEL CREATIVEMED TOOLKIT

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PAU RAUSELL-KÖSTEREconomista y profesor titular del Departamento de Economia Aplicada de la Universitat de València. Director del Área de Investigación en Econo-mia de la Cultura y Turismo (Econcult). E-mail: [email protected].

RAÚL ABELEDO SANCHISEconomista y profesor titular del Departamento de Economia Aplicada de la Universitat de València. Director del Área de Investigación en Econo-mia de la Cultura y Turismo (Econcult). E-mail: [email protected].

[CAPÍTULO]

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INTRODUCCIÓN

El objetivo de este artículo es presentar los resultados de la investigación llevada a cabo por la Unidad de Investigación en Economía de la Cultura (Econcult, Universidad de Valencia) en el marco del proyecto europeo CreativeMed (2013-2014). Este proyecto fue financiado con fondos de desarrollo regional (Feder) en el marco del programa Interreg MedCAP, cuyo objetivo era la capitalización de resul-tados generados por anteriores proyectos en el marco de este programa. La convo-catoria de capitalización del programa MED perseguía como objetivos específicos: la creación de sinergias entre proyectos, la sistematización de conocimiento y su difusión a través de indicadores, modelos y herramientas, así como la creación de redes de cooperación transnacional entre los participantes.

A partir de todo lo anterior, la investigación de Econcult persiguió la pues-ta en valor del conocimiento generado previamente en el proyecto Interreg Med “Sostenuto: Cultura como Factor de Innovación Social y Económica” (2009-12), materializando sus resultados a través de una herramienta telemática que per-mitiese a los responsables técnicos y políticos integrar los sectores culturales y creativos en el diseño y ejecución de sus estrategias regionales de especialización inteligente (RIS3). Este objetivo se contextualizaba, además, en un entorno geo-gráfico muy singular, la Europa mediterránea, con todo el potencial que ello conl-leva en términos de riqueza patrimonial histórico-cultural, capacidad creativa y particulares estilos de vida.

Muchas cosas se han escrito en las últimas décadas sobre el efecto de la cultura y la creatividad en la marcha de la economía. Algunas de las afirmaciones, antes de la crisis resultaban muy entusiastas, apuntando a que la cultura y la crea-tividad iban a constituirse con mucha celeridad en los nuevos motores para el cre-cimiento económico en la era postindustrial. Es cierto que los sectores culturales y creativos han mostrado una mayor resiliencia que el conjunto de la actividad eco-nómica, pero la profundidad de la crisis y las posteriores políticas de consolidación fiscal han golpeado con fuerza, reduciendo su tamaño y empuje.

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Ilustración 1. Tasas de crecimiento anual de los ocupados en cultura y ocupados totales, 2008–14. EU 28

Fuente: Eurostat (2016).

Territorios emergentes como Brasil o China han transformado notable-mente la visión del campo cultural y creativo en los procesos de desarrollo a gran escala. “In 2010, China’s government decided to push cultural industries as a key economic sector in the 12th 5-year plan strategically, which offers abundant opportunities for the industry.” (JIANFEI, 2011). Pero a pesar de este apoyo pla-nificado y potente, los datos apuntan que en 2015 el peso de la industria cultural se ubica no más allá del 3,5% del PIB, cifras considerables, pero aún lejos de con-vertirse en el motor de modelo de crecimiento postindustrial. Las frases de How creativity is changing China (WUVEI, 2011), no deja de ser de momento más un deseo que una realidad.

A pesar de que las expectativas iniciales no se han confirmado, cada vez tenemos más evidencias de que la dimensión de nuestros sectores culturales y creativos tiene una influencia mayor en la capacidad de generar crecimiento en las regiones (MARCO-SERRANO; RAUSELL-KÖSTER, 2014), provocar notables incrementos en la productividad global del sistema económico (BOIX; MARCO, 2014), constituir una de las vías más rápidas de salida de la crisis (RAUSELL-KÖS-TER, 2013) y conformar uno de los vectores más plausibles de especialización eu-ropea en un marco de competitividad global (KÖSTER; SANCHÍS, 2013).

LAS RIS3 COMO ACTUALIZACIÓN DE LA ESTRATEGIA DE LISBOA

En la última década, la Estrategia de Lisboa (2000) ha demostrado ser la acción estratégica y plan de desarrollo más relevante de la Unión Europea. Aunque sus ambiciosos objetivos están lejos de haberse alcanzado plenamente, su con-

210

-1-2

0,8

-1,8 -1

0,5 1,7

-0,2

0,8

-0,2

1,4

1,3

2008-2009

Sectores culturales

Total Economía

2008-2009 2008-2009 2008-2009 2008-2009

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tribución a diferentes áreas de desarrollo socio-económico de la UE a lo largo de sus diez años de vida útil, puede ser considerada relevante. Pese a esto, podemos señalar que la estrategia no ha tenido mucho éxito como herramienta de cohesión para las regiones de Europa Med.

La importancia de la construcción de un nuevo modelo económico para la UE se hizo evidente tras la crisis económica, que reveló numerosas debilidades estructurales en las economías de los Estados miembros. Un estudio publicado por el CER (TILFORD; WHYTE, 2010) llegó a la conclusión de que las diferencias entre los países con mejor y peor rendimiento fueron más amplias en el 2010 que en el 2000. Según este análisis, no ha habido una mayor convergencia de políticas dentro de la UE de las que se han producido entre la UE y el resto de los miem-bros de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE). Además, el informe indica que aunque la Estrategia de Lisboa puede haber teni-do una modesta influencia en las reformas en algunos de los Estados miembros más pequeños, en los más grandes el proceso de reforma ha sido impulsado por la dinámica política interna. El informe hace una clara distinción entre los países con buen rendimiento, que incluyen los Estados nórdicos miembros, Austria y los Países Bajos, los Estados miembros que podrían mejorar, como Francia, Alemania y el Reino Unido, y los más rezagados, entre ellos España, Portugal, Grecia e Italia.

El rendimiento de todas las regiones Med ibéricas (excepto Cataluña), la Francia mediterránea, todas las regiones del centro y sur de Italia y toda Grecia estaban por debajo o muy por debajo de la media. La respuesta a este fracaso global y parcial (para el área MED) es la Estrategia 2020 y el surgimiento de un concepto de “especialización inteligente” que va más allá de la excelencia científica. Como se indica en el CreativeMed White Paper, la Estrategia de Lisboa, con su énfasis en la competitividad y la economía del conocimiento, ha sido sustituida por la Estrate-gia Europa 2020, cuyo objetivo es construir una “economía inteligente, sostenible e integradora”. Las estrategias de innovación, en concreto, se están enmarcando en un proceso llamado especialización inteligente (smart specialization), que es un enfoque estratégico para el desarrollo económico a través del apoyo orientado a la investigación y la innovación (I + I).

Esta estrategia no sólo debe aprovechar y/o aspirar a la excelencia cientí-fica regional, sino también apoyar la innovación de base práctica no tecnológica (practice-based non-technological innovation) e incluyen la adopción y difusión de conocimientos e innovación. El nuevo concepto de innovación es más integral y depende de más variables que la inversión en I + I.

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CARACTERIZACIÓN DEL MODELO CREATIVEMED

Basado en la capitalización de resultados de diversas y numerosas expe-riencias en anteriores proyectos Interreg Med, el modelo CreativeMed asume que, debido al contexto deprimido generado por la recesión económica en las regiones Med, es cada vez más urgente intentar aprovechar su capital territorial y cultural para co-diseñar nuevos servicios y modelos de negocio que puedan apoyar la trans-formación de ideas innovadoras y creativas en el bienestar y la prosperidad eco-nómica necesaria, a través de actividades de promoción del emprendimiento. Los anteriores proyectos Med identificaron altos niveles de motivación, creatividad e innovación en los diferentes actores protagonistas, incluidas las administraciones públicas, pequeñas y medianas empresas, emprendedores y la comunidad local. Estos proyectos también han señalado la aparición de un nuevo modelo socio-eco-nómico de especialización inteligente definido por los siguientes rasgos:

(a) formas híbridas de innovación, que combinan elementos de alta tecno-logía con prácticas tradicionales, combinación de la innovación social con la industrial, etc.;

(b) naturaleza de base cultural (cultural anchorage) en la relación entre la propuesta de valor del proyecto y el patrimonio cultural específico en el Mediterráneo;

(c) nuevos modelos de negocio, donde la propuesta de valor incluye un pa-pel activo del usuario o consumidor, el intercambio de conocimientos sobre el producto o servicio, el aprendizaje compartido y las dinámicas colectivas, etc.;

(d) redes abiertas de cooperación (open networked people), coparticipación activa de las organizaciones sociales, colectivos ciudadanos y comuni-dad local, que va más allá de los confines de una organización aislada (empresa) para enfatizar la colaboración multidisciplinar e informal con el entorno territorial;

(e) valores compartidos, donde el nuevo producto o servicio encarna y transmite una práctica ética ampliada – por ejemplo, los estilos de vida sostenibles –, y contribuye a la creación de valores compartidos dentro de la comunidad.

Esta búsqueda de nuevos modelos de innovación se apoya en resultados de estudios recientes que identifican diferentes patrones de innovación territorial en toda Europa. En concreto, la perspectiva CreativeMed para las zonas mediterrá-neas coincide en gran medida con lo que el proyecto ESPON “KIT: Conocimiento, Innovación y Territorio” (CAPELLO, 2013) define como “Área de diversificación inteligente y creativa”.

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COMMUNITY SCALE

PARTNERSHIP

TRANS-LOCALSOCIOECONOMIC

ECOSYSTEMS

TERRITORIALINNOVATION

COLLECTIVECREATIVITY

Una hipótesis fundamental de CreativeMed es que el espacio Med tiene ne-cesidades y potencialidades específicas para la innovación, tal y como se desprende de la experiencia y los resultados de los diversos proyectos Interreg Med objeto de capitalización. El enfoque Med sobre la innovación prioriza la creatividad de base territorial (place-based creativity) – y por tanto el capital cultural – sobre los recur-sos físicos o financieros. El patrimonio de las regiones Med, desde los griegos y los romanos hasta el Renacimiento, forma la base de las culturas propias de Europa, mientras que tradiciones como la dieta mediterránea y el estilo de vida también son importantes para la propuesta de valor distintivo del espacio Med (CREATI-VEMED PROJECT, 2014).

El proyecto CreativeMed, entendido como experiencia de capitalización de resultados, ha desarrollado un modelo de interpretación que incorpora tres ele-mentos comunes que pueden fortalecer la implementación de estrategias RIS3. El proyecto presupone un concepto de creatividad colectiva que es alimentado por la combinación de tres elementos principales: asociaciones y alianzas a nivel local, los ecosistemas socio-económicos trans-locales y los procesos socio-económicos de innovación territorial. La integración de estas tres dimensiones y las interacciones entre ellas determinan las posibilidades y limitaciones que un territorio tiene que explotar sus diferencias y buscar un modo de innovación mediterránea que va más allá de la innovación científico-técnica. En este sentido, la principal diferencia con las políticas de innovación tradicionales radica no tanto en el objeto de la política como en la propia concepción de la naturaleza de los procesos de innovación sobre los que se pretende influir.

Ilustración 2. La Visión CreativeMed para el espacio MED

Fuente: CreativeMed Project (2014).

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Como se indica en el CreativeMed White Paper (CREATIVEMED PROJECT, 2014), la integración de esta visión basada en la creatividad con políticas más tradicionales implica visualizar las diferentes formas de innovación – científica, técnica, social e institucional –, no como enfoques separados, sino como diferen-tes dinámicas que se desarrollan en sinergia. Mediante su interacción constante, forman un “escenario de innovación” que crece como un sistema de interacción a través de las diversas fases y etapas: desde las primeras ideas hasta su completa ab-sorción social y penetración en los procesos productivos y laborales de una región. Promover tales dinámicas de innovación requerirá, evidentemente, de la integra-ción de la política actual con nuevos métodos, nuevos actores y nuevas iniciativas, muchas de las cuales, de hecho, ya han sido aplicadas con éxito en el marco de los proyectos de Cooperación Territorial Interreg Med.

OBJETIVOS DEL TOOLKIT

Desde un punto de vista instrumental, el CreativeMed Toolkit es uno de los principales hitos del proyecto CreativeMed. Los objetivos de este Toolkit son sete. (a) Definir un conjunto de indicadores, en coherencia con el modelo CreativeMed y la disponibilidad de información a nivel regional, con el fin de identificar las condi-ciones regionales para la promoción y desarrollo de una Vía Mediterránea hacia la Innovación. Este modelo mantiene la base empírica de los proyectos ya desarrolla-dos y, al mismo tiempo, idea un marco estratégico de abajo-arriba (bottom-up) a un nivel que sea compatible con lo que los responsables políticos han de realizar con tal de definir y llevar a cabo una Estrategia de Especialización Inteligente (RIS3). (b) Permitir la comparación en diferentes niveles, desde la realidad de regiones similares, de acuerdo con su similitud estructural (NAVARRO et al., 2014) hasta toda la región Med, los Estados-nación y Europa. (c) En este contexto comparati-vo, detectar las fortalezas y debilidades de la región con respecto a las variables “condiciones previas” y las dimensiones del modelo CreativeMed. (d) Establecer un diagnóstico sintético. (e) Construir una biblioteca de intervenciones específicas basándose en experiencias exitosas y buenas prácticas disponibles. (f) Sugerir una batería de intervenciones basadas en los resultados del diagnóstico generado. (g) Mostrar la coherencia de las estrategias regionales RIS3, conforme al enfoque del modelo CreativeMed.

Todo este enfoque tiene en cuenta el hecho de que este punto de vista ma-cro requiere un notable proceso de simplificación. Una lección aprendida a tra-vés de los proyectos anteriores en CreativeMed es que la visión política tiene dos dimensiones. Por un lado, es necesario trabajar conjuntamente con los agentes de gobierno local y los diversos agentes influyentes desde otros niveles (regional, nacional, europeo), para desarrollar una visión específica de la innovación en el

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espacio MED, a partir de sus especificidades y particularidades culturales y crea-tivas, definiendo un nuevo enfoque de aplicación en sintonía con los conceptos emergentes de la innovación de base territorial. En segundo lugar, el concepto de especialización inteligente es diferente en cada contexto territorial, ya que se ve afectada por los activos territoriales, sociales, económicos y culturales propios de cada territorio (CREATIVEMED PROJECT, 2014).

LÓGICA INTERNA DEL TOOLKIT

Para traducir este enfoque metodológico en un conjunto de herramientas e indicadores para la intervención en una región específica, es necesario contar con un modelo de análisis territorial que nos permita realizar un ejercicio de evalua-ción comparativa. Lo que proponemos a las regiones Med es un primer análisis de las condiciones previas que se necesitan para activar esta Vía Mediterránea a la Innovación (Mediterranean Way to Innovation).

En un necesario proceso de síntesis, hemos identificado estas condiciones previas en ciertas variables sobre las cuales disponemos de información regional, y que la literatura científica identifica como catalizadores de la innovación. Estas va-riables están relacionadas con aspectos tales como la estructura urbana, la mayor o menor proporción de actividades manufactureras capaces de absorber y adaptar las innovaciones, así como la cantidad y calidad del capital cultural, educativo, ins-titucional y social de la región.

Por tanto, proponemos el desarrollo de un conjunto de indicadores deriva-dos de lo que hemos llamado el modelo CreativeMed. Este conjunto de indicadores explica la capacidad de activar la creatividad territorial desde tres dimensiones di-ferentes: asociaciones y alianzas a nivel local; ecosistemas socioeconómicos trans--locales y procesos de innovación territoriales. Como se mencionó anteriormente, estos elementos pueden fortalecer la implementación de las estrategias RIS3 y presuponen el concepto de creatividad colectiva. La integración e interacción en-tre estas dimensiones determina las posibilidades y limitaciones que un territorio tiene que gestionar en su propia Vía de Innovación Mediterránea. La principal diferencia con las políticas de innovación tradicionales no recae tanto en el objeto de las políticas como en la concepción de los fenómenos relacionados con la inno-vación con los que las políticas están interactuando.

Combinando las variables disponibles en las estadísticas regionales (Euros-tat) con el modelo CreativeMed, podemos diseñar el siguiente enfoque integral (CREATIVEMED PROJECT, 2014):

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Ilustración 3 - El esquema del Creative Med Toolkit

Fuente: CreativeMed Project (2014).

Con cada una de estas dimensiones se propone un segundo ejercicio de evaluación comparativa, para detectar las ventajas y deficiencias tanto en las con-diciones previas como en las variables relevantes, utilizando un indicador sintético del modelo CreativeMed.

En esta etapa, es posible hacer un estudio comparativo y comenzar un pro-ceso de benchmarking, a través de una biblioteca de proyectos, políticas, planes y experiencias recopiladas de antiguos proyectos Med (Med Library) y otras fuentes (programa Urban, Espon, Life…) de buenas prácticas. De este modo, los responsa-bles políticos regionales y locales pueden identificar un conjunto de criterios y en-contrar el tipo de intervención más adecuada conforme a las ventajas/limitaciones que aparecen en el diagnóstico de sus territorios.

MARCO TEÓRICO Y METODOLÓGICO DE LAS “CONDI-CIONES PREVIAS”

Las condiciones previas se han establecido como resultado de un largo his-torial de investigación sobre la relaciones dinámicas entre las industrias culturales y creativas y los procesos de desarrollo territorial (BOIX; DE-MIGUEL-MOLINA;

0. PRECONDICIONES

2. ECOSISTEMAS ECONÓMICOS TRANSLOCALES

ESTRUTURA ECONÓMICA SECTORIAL

TRABAJADORES EN LOS SECTORES CULTURALES Y CREATIVOS

CLASE CREATIVA

RECURSOS CULTURALES

ESTRUCTURA URBANA

NIVEL EDUCATIVO DE LA POBLACIÓN

PATRONES DE INNOVACIÓN

CALIDAD DE LAS INSTITUCIONES

ACCESIBILIDAD MULTIMODAL

ACTITUD EMPRENDEDORA IMPLICACIÓN EN ORGANIZACIONES

CONFIANZA EN LOS DEMÁS

COMPROMISO CON LAS CONDICIONES DE VIDA DEL RESTO

DE HABITANTES DE LA REGIÓN

USO DE INTERNET CON PROPÓSITOS SOCIALES

ACTITUD INNOVADORA

PUNTUACIÓN REGIONAL EN INNOVACIÓN

POBLACIÓN UNIVERSITARIA

INMIGRANTES CUALIFICADOS EXPOT/PIB TURISMO INTERNACIONAL

3. IN

NO

VA

CIÓ

N

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RIT

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CREATIVIDAD TERRITORIAL

1. PART

ENA

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HERVAS-OLIVER, 2013; MOSSIG, 2011; RAUSELL-KÖSTER; ARROYO, 2001; RAUSELL-KÖSTER; SERRANO; SANCHÍS, 2011; RAUSELL-KÖSTER et al., 2012). Estas condiciones previas principalmente se refieren principalmente a cuatro tipos de variables: (a) la estructura económico-productiva de la región y su capacidad para interactuar con las actividades culturales y creativas, los recursos culturales y el ca-pital territorial; (b) el capital humano, el capital cultural y la capacidad de activarlo a través de la interacción de las personas en las zonas urbanas; (c) el capital social y la calidad de las instituciones asociadas con el mismo; y (d) la evolución histórica de la innovación en cada región y las condiciones institucionales para su promoción.

ESTRUCTURA ECONÓMICO-PRODUCTIVA Y CONEXIÓN DE LA MISMA CON LAS ICCS

En este punto, es necesario destacar dos aspectos. En primer lugar, en Eu-ropa la capacidad de crecimiento de las regiones se encuentra relacionada con la presencia y dimensión de las industrias culturales y creativas (RAUSELL-KÖSTER et al., 2012). En segundo lugar, la existencia de actividades manufactureras se-mi-creativas implica una mayor capacidad de las regiones de interactuar con las actividades culturales y creativas y sus procesos de innovación, en contextos que se han definido como áreas de diversificación inteligente y creativa.

En la actualidad, las regiones europeas, especialmente las del sur, se en-cuentran en una encrucijada sin precedentes desde el final de la Segunda Guer-ra Mundial. En 1989, año de la caída del Muro de Berlín, Europa experimentó la constitución de un exitoso espacio político y económico con un proceso de conver-gencia económica e integración no forzada que se podría considerar un milagro en términos históricos. En 2009, veinte años después, el impacto de la crisis financie-ra en EE.UU. ha golpeado las economías europeas, provocando una caída del 6 por ciento en el producto interior bruto (PIB) de países como Alemania, Reino Unido e Italia. Desde entonces, ha habido numerosos intentos de tratar de superar una crisis que ha estado a punto de provocar el colapso del sistema monetario, dando lugar a una reducción sustancial del Estado de bienestar, elemento diferencial en el escenario global del modelo europeo, debido a las políticas económicas de aus-teridad implementadas en la mayoría de países (MARCO-SERRANO; RAUSELL--KÖSTER, 2014).

En este contexto, se han realizado diferentes propuestas para construir un modelo económico sostenible que asegure la competitividad de Europa a medio y largo plazo. Fortalecer las industrias culturales y creativas (ICCs) es uno de los caminos propuestos. En realidad, como Potts y Cunningham (2010) señalaron, estas industrias son relevantes en términos dinámicos debido a su capacidad para catalizar el crecimiento y el desarrollo económico de forma dinámica. Su impor-

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tancia estática también está creciendo en importancia, ya que constituyen un sec-tor económico cuyo tamaño supera aquel del sector primario en muchos países occidentales en términos de valor añadido bruto.

Power (2011, p. 2) indicó que “las regiones con alta concentración de indus-trias creativas y culturales tienen los niveles más altos de prosperidad de Europa”, lo que sugiere que hay una creciente evidencia que refuerza la idea de que existe una fuerte relación entre el tamaño de las Industrias Culturales y Creativas (ICCs) y la riqueza de las regiones en Europa. Estas pruebas demuestran que las relaciones no son sólo meras correlaciones, sino relaciones causales y circulares. Por tanto, ser una región rica es la causa de tener más personas que trabajan en las ICCs; al mismo tiempo, tener más personas empleadas en estos sectores enriquece a las regiones, lo que, a su vez, atraerá más empleo al sector, transformando el proceso en un cír-culo virtuoso. Otras ideas apuntan que estas relaciones son complejas, múltiples y, en ocasiones, contradictorias (BOIX et al., 2013; RAUSELL-KÖSTER et al., 2012).

Tradicionalmente, la relación entre las actividades culturales y creativas y la economía ha sido relegada a responder a preguntas sobre el arte y los fallos de mer-cado (economía de la cultura) o sobre la razón de ser de la regulación cultural. Sin embargo, hoy en día hay interés sobre el papel de los medios de comunicación, la cultura y las comunicaciones en la generación de cambio y crecimiento en el sentido schumpeteriano del “motor capitalista” (CUNNINGHAM, 2011). La Europa no tie-ne muchas más opciones para la especialización en un escenario de competitividad global, como se plasmó en el Green Paper de la Comisión Europea (COM, 2010).

Por lo tanto, si queremos aprovechar la creatividad y la innovación y crear una nueva cultura empresarial y del emprendimiento, los gobiernos han de pro-mover la potenciación de las ICCs. Lamentablemente, como argumentaron Cooke y Propis (2011), el crecimiento económico de la UE tiene poco en cuenta las opor-tunidades y el potencial de las ICCs, favoreciendo en mayor medida servicios y tecnologías de carácter duros.

EL PAPEL DE LAS INDUSTRIAS SEMICREATIVAS

Sólo recientemente ha habido intentos de desarrollar un cuerpo teórico para dar a conocer un enfoque más exacto de la caja negra que conecta las activi-dades culturales y creativas con la competitividad y el rendimiento económico de una región. A pesar de que estamos construyendo rápidamente una historia que une cultura y creatividad con el desarrollo económico regional, todavía existen nu-merosas cuestiones sin resolver.

De acuerdo con investigaciones impulsadas por la propia Comisión Euro-pea, la generación de riqueza en las regiones europeas se explica por el efecto ins-

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tantáneo de empleo en los sectores creativos. El estudio “The Economy of Culture in Europe” (KEA, 2006), además de descubrir los vínculos entre la creatividad y la innovación, el sector de las TIC y el desarrollo y atractivo de las regiones, demostró que los sectores creativos y culturales en Europa son tan competitivos como otros sectores industriales. En algunos casos, son incluso más competitivos, convirtien-do las ICCs en un motor de crecimiento económico, basado en las características que presenta su fuerza de trabajo en términos de competencias creativas y otros rasgos específicos con especial trascendencia en términos de innovación.

Según Boix (2012), las industrias semi-creativas se caracterizan por: (a) aportaciones monótonas para producir productos físicos embebidos de conteni-dos creativos; (b) mercados de competencia perfecta; (c) dimensión empresarial PYMEs, en general de pequeño tamaño; (d) la competencia en precios, aunque los productos puedan ser consumidos como experiencias; (e) la concentración en las fases de producción y reproducción de la cadena de valor; (f) media y media-baja productividad; (g) la innovación tecnológica (I + I, patentes), combinada con in-novación no tecnológica (diseños y marcas); (h) la concentración espacial, para aprovechar internamente en las compañías las economías de escala y localización; y (i) co-localización con industrias puramente creativas.

Especialmente para las “regiones de diversificación inteligente y creativa”, el vínculo más evidente entre las ICCs y las ganancias de productividad económica es a través de las “industrias semi-creativas”. En otro sentido, podemos definir las industrias semi-creativas como las manufactureras en las cuales las industrias culturales y creativas podrían cosechar ganancias en productividad y competitivi-dad de forma rápida y a bajo coste. En estos sectores industriales se incluyen los textiles, confección y cuero (13-15), madera, papel y artes gráficas (16-18), y otras manufacturas (31-33), con bajo y medio contenido tecnológico, y donde el capital creativo podría ser relevante. De hecho, estos sectores están muy cerca de la arte-sanía. Tener una gran proporción de este tipo de manufacturas asegurará una rápi-da absorción y un impacto significativo de las actividades culturales y creativas. Es por ello que lo incluimos en nuestro esquema de condiciones previas.

LOS TRABAJADORES DE LOS SECTORES CULTURALES Y CREATIVOS

Los trabajadores de los sectores culturales y creativos se convierten en un indicador de la densidad y profundidad de los ecosistemas culturales, en los cuales se desarrollan las interacciones entre la dinámica del mercado, la intervención del sector público y las actividades de las asociaciones culturales, voluntariado y orga-nizaciones sin ánimo de lucro. Debemos tener en cuenta que los trabajadores de las ICCs censados reflejan únicamente una porción de la creatividad territorial. Sin embargo, su tamaño se correlaciona con la dimensión global del ecosistema creati-vo y por tanto nos es útil como variable proxy si queremos estimar las condiciones

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para una estrategia territorial basada en la cultura. Parece evidente que las áreas con ecosistemas culturales más grandes y nutridos son mucho más fructíferas y reactivas a las políticas de innovación basadas en la cultura y la creatividad, motivo por el cual también ha sido incorporada esta dimensión en las condiciones previas.

Los datos regionales que nutren el Toolkit van referidos al año 2011 y han sido suministrados por el European Cluster Observatory. Estos datos incluyen a los trabajadores en el sector de la publicidad, creación artística y creación literaria, patrimonio, otros, prensa y edición, radio y televisión, venta minorista y distribu-ción, y software.

RECURSOS CULTURALES

Los recursos culturales son uno de los principales elementos patrimoniales idiosincráticos de las regiones mediterráneas. Estos recursos, ligados a la historia y al rico acervo patrimonial, son realizados por los territorios en diferentes gra-dos. Es evidente que los recursos patrimoniales son una excelente fuente para la generación de procesos de transformación basados en la cultura y la creatividad, no sólo por su capacidad de generar valor económico a través de actividades como el turismo, sino también como materia prima para proyectos creativos o como una fuente de inspiración para la artesanía. Incluso pensamos que la idiosincrasia me-diterránea en su sentido más amplio (de los paisajes humanizados a la actividad en la calle, prácticas de sociabilidad o “fiestas”), significa tener una cierta educación estética que determina el comportamiento de la demanda cultural y los patrones de participación cultural. No hay duda de que la cantidad de recursos culturales es una condición previa importante para la capacidad de generar procesos de trans-formación en la definición de la creatividad territorial.

Desafortunadamente, dada la heterogeneidad de todo lo que consideramos activos –cuyo valor, reconocimiento y posibilidades de uso social o económico de-penden de elementos materiales, simbólicos y comunicativos –, no es fácil encon-trar un indicador consistente a nivel regional para cuantificar con rigor la densidad patrimonial de cada uno de los territorios. Tras considerar diferentes alternativas, como los registros de patrimonio de la Unesco, hemos decidido utilizar la descrip-ción de bienes hecha por la Guía de Turismo Michelin. El motivo es que los datos presentados en esta guía incluyen algunas ventajas interesantes. En primer lugar, contiene datos relacionados con los elementos para visitar en toda las regiones incluidas en el espacio Med. En segundo lugar, permite la clasificación a través del sistema de evaluación de estrellas, lo que hace posible clasificar la relevancia de los diferentes activos. Finalmente, la inclusión en la guía Michelin implica el uso eficaz del patrimonio como recurso territorial, debido a que la dimensión prescrip-tiva de la guía afecta y modifica el comportamiento de los consumidores o usuarios del patrimonio incluido en la misma.

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ESTRUCTURA URBANA

La relación entre cultura, creatividad y economía encuentra una de sus máxi-mos evidencias en los espacios urbanos y metropolitanos. Hay muchas razones que explican este hecho, pero tal vez la más relevante es que, como señaló Boix (2007), es en las ciudades donde pueden encontrarse economías de escala y aglomeración, así como ventajas asociadas a la concentración espacial. Las economías urbanas ba-sadas en el conocimiento tienen una parte importante de su estructura productiva y social especializada en la producción, consumo e intercambio de conocimientos, generando externalidades dinámicas en forma de difusión de conocimiento. La in-formación y el conocimiento son insumos para la creatividad, mientras que su re-sultado se traduce en términos de producción de innovaciones de diversa tipología. La expansión conjunta de la innovación tecnológica y la clase creativa se convierte en el motor del crecimiento económico y las ciudades, como “calderos de la creativi-dad”, concentran y canalizan la energía creativa de las personas.

Además, Marco-Serrano y Rausell-Köster (2014) sostienen que las ciuda-des y las universidades son factores clave para el crecimiento de las ICCs y, debido a la relación circular ya mencionada, el crecimiento económico de las regiones. El factor de la urbanización tiene un impacto importante sobre el empleo en las ICCs, reforzando todos los otros conceptos sobre la importancia de las economías de aglomeración y la economía de cluster. En relación con la estructura urbana, la va-riable estadística utilizada es la proporción de hogares que viven en zonas urbanas según Eurostat.

LA CONFIANZA EN LOS DEMÁS Y CALIDAD DE LAS INSTITUCIONES

La confianza en los demás y la calidad de las instituciones son indicadores indirectos de capital social. El capital social es un factor muy relevante para expli-car la potencialidad y fertilidad de la innovación. Siguiendo a Navarro et al. (2014), se han incorporado tres indicadores para evaluar el capital social e institucional de la región. El primero es un índice reciente de la calidad de las instituciones, calculadas a nivel regional por Charron, Dahlström y Lapuente (2012), basado en datos de encuestas, evalúa si existen bajos niveles de corrupción, una elevada pro-tección del estado de derecho, eficiencia gubernamental y rendición de cuentas. Para evaluar la variable confianza en los demás, utilizamos los datos disponibles en el European Values Study.

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EL ÍNDICE DE CREATIVEMED

De acuerdo con el CreativeMed White Paper, nuestro índice se conecta fácil-mente con las propuestas de Sacco et al. (2013) sobre las posibilidades de convertir la cultura en un “motor de desarrollo local”. En su trabajo, Sacco y los demás se re-fieren a los tres canales principales a través de los cuales la cultura puede funcionar como una plataforma para todo el sistema de competitividad local: el modelo de la clase creativa de Richard Florida (2002), el modelo de renovación urbana basada en la competitividad de Michael Porter (1989), y el modelo basado en las capacida-des de Amartya Sen (1999).

Nuestro concepto de Partenariados de Escala Local se conecta al modelo de capacidades de Sen. En esta perspectiva, comunidades locales son incitadas a construir su infraestructura cultural intangible, desarrollando formas inclusivas de participación cultural como una plataforma de desarrollo primario (SACCO et al., 2013).

En segundo lugar, el concepto Ecosistemas Socioeconómicos Trans-locales, es una idea vinculada – aunque más débilmente – al modelo de clase creativa de Florida, que se centra en la atracción del capital humano y la relación con los re-cursos humanos externos al ámbito local (otros centros urbanos). Estos contactos constituyen una especie de dotación de capital que impulsa el crecimiento poten-cial de la economía local y, poco a poco, transforma la vida social, las normas y los valores (SACCO et al., 2013).

Por último, el concepto de Innovación Territorial destaca la transición de una economía industrial basada en la inversión exógena a una economía endóge-na de la innovación, donde la dimensión más estratégica del capital físico no son plantas manufactureras, sino incubadoras de innovaciones e ideas que refuerzan la competitividad. En términos de desarrollo, lo que importa es la combinación de la infraestructura física, del conocimiento y de los agentes sociales que permita a la economía local ser innovadora al integrar adecuadamente las dimensiones científi-ca, tecnológica, cultural y creativa de la producción (SACCO et al., 2013).

Nuestra propuesta utiliza cuatro variables para cada ítem, aproximando el concepto a través de los datos regionales disponibles. Todas las variables se redu-cen a una escala entre 0 y 1 a través de la conversión: Xi-Min (Xi ... Xn) / (Max (Xi ... Xn) -Min (Xi ... Xn))

SUBÍNDICE DE PARTICIPACIÓN A ESCALA COMUNITARIA

En el CreativeMed White Paper, el concepto de Partenariados a escala co-munitaria se define como alianzas espontáneas entre los diferentes tipos de ac-

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tores (siguiendo el PPPP o modelo público-privado-personas-asociación), con diferentes perspectivas multidisciplinarias a nivel de la comunidad local (CREA-TIVEMED PROJECT, 2014). Combinando las referencias teóricas de nuestro en-foque conceptual con la disponibilidad de variables e indicadores a nivel regional, tratamos de medir cuatro variables, tres de ellas referidas al año 2008 y la última al año 2013. Estas son:

(I) Confianza en los demás. La primera de ellas está relacionada con una cierta percepción sobre la capacidad de integración en la comunidad local, expre-sada a través de la variable confianza en los demás. Basándose en los resultados del European Values Study, esta variable es un indicador básico de la capacidad potencial para construir relaciones dentro de una comunidad determinada.

(II) La preocupación por las condiciones de vida de la gente de la región. La segunda variable se refiere al potencial compromiso con la gente de la comunidad, comprendiendo la región como su referencia territorial. La fuente es de nuevo el European Values Study, y la variable original se utiliza en una escala entre 1 y 5.

(III) La participación en diferentes asociaciones. La tercera variable trata de medir el compromiso social a través de la participación en asociaciones cultu-rales, religiosas, políticas, cívicas o medioambientales. Una vez más, la fuente es el European Values Study y la variable es el resultado de restar a 100 el porcentaje de personas que, después de haber sido presentado con una lista de las diferentes asociaciones, responden que no pertenecen a ninguna.

(IV) La participación en Internet para su uso social. Hoy en día, Internet se ha convertido en una forma importante de canalizar la participación, razón por la cual se incluye la proporción de personas de cada región que utiliza Internet para fines sociales. La fuente de esta variable es Eurostat.

Tabla 1. Partenariados a escala local

Fuente: CreativeMed Project (2014).

VARIABLE DEFINICIÓN FUENTE AÑO SCL

I % de gente que pertenece a algún tipo de asociación cívica

European Values Study

2008/2009 %

II % de gente que afirma su confianza en los demás

European Values Study

2008/2009 %

III5= Totalmente, 4=Mucho, 3=Has-ta cierto punto, 2= No demasiado, 1=Para nada

European Values Study

2008/2009 Escala 1-5

IV% de gente que participa en redes sociales (creando perfiles, mensajes y demás en facebook, twitter, etc.)

Eurostat 2013 %

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SUBÍNDICE DE ECOSISTEMAS SOCIOECONÓMICOS TRANS-LOCALES

Este subíndice trata de medir formas de trabajo y modelos emergentes de negocio que cambian el énfasis de lo local, la empresa individual y la red a un sistema de transacción trans-local atravesando sectores verticales (por ejemplo, intercambios peer-to-peer), configuraciones tradicionales de cadena de valor (por ejemplo, co-working, etc.), y las fronteras regionales naturales. Aunque esto no sea un concepto fácil de medir, trataremos de hacerlo adoptando un enfoque de apro-ximación indirecta a través de variables asociadas al grado de proyección interna-cional de la región. Para ello utilizaremos las siguientes variables:

I) Accesibilidad multimodal: esta primera variable muestra la accesibili-dad física de una región a través de diversos medios de transporte con-vencionales (coche, avión, etc.). Es razonable pensar que la accesibilidad física se correlaciona con el número de transacciones y los contactos en-tre los agentes que viven en el territorio y en el extranjero. Los datos se refieren a 2006 y son tomados del proyecto Espon sobre accesibilidad.

II) Los migrantes cualificados. Los migrantes cualificados representan una aproximación al potencial regional de conexión con el exterior a través de los trabajadores cualificados. Esta concepción se basa parcialmen-te en el modelo de la teoría de la clase creativa formulado por Florida (2002). Los datos proceden del European Cluster Observatory y son referidos al año 2011.

III) Conexiones comerciales. Las exportaciones son una variable clara para explicar la capacidad de un territorio para conectar con el resto del mun-do y su dimensión está claramente correlacionada con el número de conexiones e intercambios. Los datos se han tomado del informe “Re-gional benchmarking in the smart specialisation process: Identification of reference regions based on structural similarity” (NAVARRO et al., 2014).

IV) Turismo. El turismo es otro indicador lateral que se puede utilizar para determinar el nivel de conexión de un territorio con el resto del mundo. Nosotros usamos la variable de visitantes no residentes por habitante proporcionada por Eurostat.

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Tabla 2. Ecosistemas socio-economicos trans-locales

Fuente: CreativeMed Project (2014).

VARIABLE DEFINICIÓN FUENTE AÑO SCL

I Accesibilidad multimodal Espon 2006 0-100 index

II % Migrantes cualificados sobre el total de la población

European Observatory 2011 %

III Total exportaciones (% PIB)Fraunhofer

ISI and Orkes-tra

2009 or closest %

IV Visitantes no residentes /habi-tantes Eurostat 2012 Number

SUBÍNDICE DE INNOVACIÓN TERRITORIAL

Tal y como considera el Kit Project (CAPELLO, 2013), el análisis empírico sugiere que la innovación puede ser el resultado de diferentes modelos, de diferen-tes modos de realización en todas las fases del proceso de innovación. La variedad de patrones de innovación explica el fracaso de una política de talla única para la innovación, como los incentivos neutrales desde el punto de vista temático/regional y el genérico de I + I, con la expectativa de desarrollar una economía del conocimiento en todas partes. Por otro lado, los modelos de innovación específicos de cada zona han de ser identificados, hacia los cuales podrían atraerse políticas de innovación enfocadas de manera específica a las características particulares de cada región.

En el creative model, la innovación territorial se entiende como un conjunto de dinámicas específicas (basadas en el territorio), de innovación de producto o servicio, apoyadas en la tecnología – principalmente TIC – pero impulsadas princi-palmente por las necesidades de los ciudadanos y por las características específicas de un región determinada, en términos de recursos naturales, los enfoques cultu-rales, especificidades geográficas como la insularidad, etc. Dado que las medidas tradicionales de la innovación no capturan este concepto de manera satisfactoria, nos acercamos a él utilizando dos variables actitudinales, una se refiere a la crea-tividad y la otra a la iniciativa empresarial. Ambas se han tomado de la obra de Navarro et al. (2014). También utilizamos como fuente de información el Regional Innovation Scoreboard y una variable que trata de evaluar la densidad del esti-lo de vida universitario, ya que algunos estudios han identificado como relevante esta cuestión para el tipo de innovación blanda que estamos tratando de detectar (MARCO-SERRANO; RAUSELL-KÖSTER, 2014).

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(I) Actitud innovadora. Esta variable refleja el promedio de respuesta a la pregunta de cómo de importante es tener nuevas ideas y ser creativos en una re-gión determinada, en una escala del 1 al 6 (1 = no, 6 = muy importante).

(II) Mentalidad emprendedora. Esta variable refleja el promedio de res-puesta a la pregunta de cómo de importante es probar cosas nuevas y diferentes en la vida en una escala del 1 al 6 (1 = no, 6 = muy importante).

(III) Cuadro de Indicadores de Innovación Regional. Clasifica las regiones europeas como 1 = regiones innovadoras, 2 = innovadoras seguidoras, 3 = innova-doras moderadas, 4 = innovadoras modestas.

(IV) Porcentaje de población universitaria. Proporción de estudiantes en la educación terciaria (ISCED5-6) - como % de la población entre 20 y 24 años a nivel regional.

Tabla 3. Innovación Territorial

Fuente: CreativeMed Project (2014).

VARIABLE DEFINICION FUENTE AÑO SCL

I Importancia de pensar nuevas ideas y ser creativo

Smart Specialization Benchmarking

2010 or closest

1-6 index

II Importancia de intentar cosas nuevas y distintas en la vida

Smart Spe-cialization

Benchmarking

2010 or closest

1-6 index

III Regional Innovation Scoreboard.Regional Inno-vation Scorebo-

ard 20142014 1-4

Index

IV

Estudiantes en educación terciaria (ISCED 5-6) como % del total de población entre 20-24 años a nivel regional [R03-2]

Eurostat 2012 %

EL PROCESO DE DIAGNÓSTICOUna vez evaluadas las variables de análisis relacionadas con las condiciones

previas y el Índice CreativeMed, la Plataforma Toolkit realiza una comparación entre la región objeto de interés y diferentes agrupaciones de regiones de especial relevancia. Así, para el análisis comparativo de las condiciones previas, los grupos de referencia de las regiones son: (i) el conjunto de regiones Med; (ii) las tres regio-nes europeas más similares (NAVARRO et al., 2014); (iii) el país al que pertenece la región; y (iv) todas las regiones europeas consideradas.

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Ilustración 4. Ejemplo del interface sobre las precondiciones

Fuente: Elaboración de los autores.

Para cada una de las condiciones previas, la aplicación evalúa la posición re-lativa de cada región objeto de estudio, lo compara con el promedio de las regiones Med y utiliza un código de colores para calificar como “mal rendimiento” (por de-bajo del 75% de la media), “rendimiento normal”, (entre el 75% y el 125%), y “buen rendimiento” (por encima de 125%). Si la región se encuentra en el tercil más bajo de las regiones incluidas en la muestra, se identifica con la etiqueta “mal rendi-miento”, mientras que “rendimiento normal” se corresponde con el tercil medio, y las regiones en el tercil superior reciben una puntuación de “buen rendimiento”. Los tres niveles se representan gráficamente en rojo, amarillo y verde.

En el caso de las variables relacionadas con el Índice CreativeMed, la com-paración se limita a las regiones similares de referencia y las regiones Med en su conjunto. Su representación también difiere, dado que las variables han sido transformadas para compilar un índice agregado, pudiendo ser mostradas en una escala similar.

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Ilustración 5. Ejemplo de representación gráfica del Índice de CreativeMed

Fuente: Elaboración de los autores.

Con esta información, la aplicación ya cuenta con los recursos necesarios para llevar a cabo una evaluación sencilla de las fortalezas y debilidades de la re-gión objeto de análisis, teniendo en cuenta tanto las variables relacionadas con las condiciones previas como las relacionadas con el Índice CreativeMed. La platafor-ma genera automáticamente un informe y una tabla que sintetiza los principales puntos fuertes y débiles de la región analizada.

LOS INSTRUMENTOS PARA LAS POLÍTICAS (POLICY TOOLS)

En el contexto del programa de Capitalización del Programa Med, el diseño del CreativeMed Toolkit persigue como objetivos:

(a) Ayudar a modelar la visión regional según un marco común que pro-mueva la creatividad colectiva de base territorial, así como la mejora de la comunicación interregional;

(b) Contribuir a que las estructuras de los programas sean coherentes con las buenas prácticas y las lecciones generadas, basándose en un amplio abanico de experiencias;

(c) Proponer medidas y acciones innovadoras basadas en experiencias exi-

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tosas llevadas a cabo en el marco de los proyectos financiados por la Unión Europea..

(d) Ayudar a construir modelos de gobierno complementarios que garanti-cen el alcance efectivo y la participación en objetivos y resultados de los actores locales, logrando por tanto una implementación fluida;

(e) Promover la experimentación de nuevos instrumentos de política, por ejemplo, la contratación pre-comercial, el desarrollo local promovido por la comunidad, etc. para la innovación basada en la demanda.

Para lograr todos estos objetivos, la plataforma Toolkit propone un sistema de búsqueda consistente de programas y proyectos reales con impacto específico en las debilidades identificadas en la fase de diagnóstico para cada región. Con este propósito, la plataforma virtual incluye una base de datos de políticas, programas y proyectos recopilados de las experiencias anteriores de los proyectos Med, así como otros programas europeos de interés (Espon, Urban…), clasificadas e iden-tificadas según diversas variables y criterios, tal y como se expone a continuación. La base de datos puede ser actualizada y ampliada a través de un sencillo formu-lario. Las variables que sirven como elementos de calificación para la batería de recomendaciones políticas son: (a) ¿Afecta el Proyecto a las Precondiciones?; (b) ¿Afecta el Proyecto a la capacidad de construcción de partenariados a escala local?; (c) ¿Afecta el Proyecto al desarrollo de ecosistemas socio-económicos trans-loca-les?; y (d) ¿Afecta el Proyecto a la propensión a la innovación territorial?.

Las variables [a, b, c, d] se pueden utilizar para identificar los puntos débiles de la región, mientras que otras variables proporcionan criterios de filtro que res-ponden a las necesidades específicas de los responsables políticos. De este modo, la Plataforma Toolkit proporciona una lista de las políticas, programas y acciones que podrían utilizarse para modificar las debilidades de la región de acuerdo con las hipótesis del modelo CreativeMed. Además, el usuario puede aplicar el criterio de filtros para ordenar las acciones propuestas en función de su idoneidad para un área específica Finalmente, la Plataforma Toolkit también incluye un menú des-plegable que permite al usuario (políticos, técnicos, investigadores, etc) ver si las políticas o intervenciones que se muestran en el paso anterior son compatibles o se ajustan con los contenidos de la “estrategia inteligente” (RIS3) establecida oficialmente para la región.

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CONCLUSIONES

El CreativeMed Toolkit es una herramienta útil para los responsables polí-ticos en el marco de las estrategias de la RIS3 en las regiones del Mediterráneo, no sólo por su estructura y diseño metodológico (diagnóstico estratégico, recomenda-ciones y directrices políticas), sino también por su contenido (análisis comparativo y ejemplos de proyectos y buenas prácticas). Además, visibiliza y pone en valor las diferentes experiencias innovadoras ya desarrolladas en las regiones mediterrá-neas en el marco de la financiación comunitaria gracias a su librería de proyectos, organizada según criterios ad-hoc para cada región a partir de un diagnóstico ela-borado. En este sentido, el objetivo de capitalización de resultados y transferencia de conocimiento está cubierto adecuadamente por esta plataforma digital.

Ya que el CreativeMed Toolkit es únicamente un primer prototipo, es inte-resante tener en cuenta su potencial y posibilidades para desarrollar nuevas inves-tigaciones tanto en materia de contenidos e hipótesis de trabajo como en desar-rollo de aplicaciones informáticas o la innovación en los servicios ofrecidos para los usuarios de la plataforma. Sería especialmente importante profundizar en la investigación sobre indicadores y la evaluación de los impactos, dada la naturaleza social, a largo plazo y no mercantilizada de algunas de las dimensiones de mayor interés en el modelo CreativeMed. De este modo, algunos impactos relevantes son cualitativos, lo que hace más difícil la obtención de información estadística (por ejemplo, los relacionados con materias como a creatividad colectiva y la innova-ción abierta). Mapear, conectar y visibilizar las experiencias existentes en torno a una Vía Mediterránea a la Innovación, así como proporcionar pruebas y evidencias sobre sus lógicas e impactos, es muy importante en términos de evaluación com-parativa territorial y los procesos de aprendizaje en políticas (policy learning).

Por último, otra tarea importante sería incluir la parte financiera de los proyectos, identificando diferentes opciones de financiación según la naturaleza de las actividades. En este sentido, es esencial integrar los diferentes fondos es-tructurales en el diseño de una estrategia regional en línea con la Vía Mediterránea a la Innovación. Además, si adoptamos un enfoque holístico para el diseño de po-líticas, podríamos identificar contenidos estratégicos en programas como Cosme (PYME y artesanía), Horizonte 2020 (investigación sobre los procesos de innova-ción social), Erasmus + (educación, aprendizaje permanente y competencias crea-tivas), o Interreg (desarrollo regional y competitividad).

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LEANDRO VALIATIProfessor e pesquisador de Economia da Cultura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do grupo de trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) – UFRGS. E-mail: [email protected]

CAMILA LOHMANN CAUZZIAssistente de pesquisa no grupo de trabalho Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) – UFRGS. E-mail: [email protected].

[CAPÍTULO]

INDÚSTRIAS CRIATIVAS E DESENVOLVIMENTO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES ESTRUTURADORAS

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INTRODUÇÃO

Diversos economistas dedicaram seus estudos à análise do desenvolvi-mento econômico e de seus fatores de influência. Enquanto alguns conside-ram crescimento e desenvolvimento econômico conceitos equivalentes, outros acreditam o contrário. Segundo Bresser-Pereira (2008), ambos os termos pos-suem o mesmo significado, e dizem respeito ao processo de acumulação de ca-pital e incorporação de progresso técnico aos fatores capital e trabalho, levan-do à elevação da produtividade, dos salários e do padrão de vida da população. Segundo o autor, medidas como variação de renda por habitante nem sempre são suficientes para mensurar desenvolvimento e crescimento econômico, pois nem sempre esse aumento vem acompanhado de transformações estruturais, culturais e institucionais. Esse fenômeno aconteceria nos países que sofrem da doença holandesa, que consiste na perpetuação, nos países abundantes em recursos naturais, da especialização em produtos primários, sendo pequena a participação do setor industrial (que, por natureza, é mais produtivo e capaz de levar às transformações estruturais típicas do crescimento).

Schumpeter (1934) é um dos economistas que separam os conceitos de crescimento e desenvolvimento. Ele declara que crescimento econômico acontece quando a população e a renda crescem, mas desenvolvimento não pode ser explica-do apenas por esse caminho natural por um fluxo circular. Segundo o autor, desen-volvimento acontece quando há uma mudança espontânea que rompe o equilíbrio prévio e desloca o ciclo para um novo nível. Essas perturbações são resultado de novas combinações de fatores, como novos produtos, novos métodos de produção, novos mercados, novas fontes de oferta ou novas organizações de qualquer indús-tria, ou seja, elas resultam da inovação nesses diversos âmbitos.

Consideramos, neste capítulo, que diferentes fatores, além da variação da renda, são representativos do nível de desenvolvimento de um país e, portanto, que este pode ser analisado por meio de uma variedade de tipos de indicadores, dependendo de diversas dimensões. No entanto, o que um país subdesenvolvido pode fazer para superar sua condição? Quais são os fatores que catalisam o desen-volvimento econômico?

Na América Latina, os documentos da Cepal de 1949 e 1950 explicitam uma abordagem estrutural para explicar a relação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Rodríguez (1981) lembra que a ideia de desenvolvimento eco-nômico da Cepal é baseada em uma configuração de trocas econômicas entre centro e periferia: as economias centrais são aquelas nas quais as novas técnicas de produção são adotadas pioneiramente, enquanto as economias periféricas são aquelas comparavelmente atrasadas nos quesitos de tecnologia e organização.

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Nos países periféricos, as novas técnicas de produção são implementadas apenas nas indústrias ligadas à exportação, coexistindo com outros setores subdesen-volvidos. Os tipos de produtos exportados pelos países periféricos – geralmente produtos primários – tendem a ser menos produtivos que os produtos indus-trializados – que eram a especialidade dos países centrais na época de análise. Dessa forma, havia um grande hiato entre as rendas desses dois grupos de países (RODRÍGUEZ, 1981). Essa abordagem tem relação com a ideia de Bresser-Perei-ra (2008) sobre desenvolvimento econômico, que tem as mudanças de produti-vidade como cerne de suas causas.

Gereffi (1995) também ressalta esse fenômeno de divisão internacional do trabalho e das diferenças de produtividade como fator principal das desigualdades entre economias. Segundo o autor, nas décadas de 1950 e 1960, o comércio inter-nacional consistia no fluxo de produtos primários dos países periféricos aos países industrializados, enquanto produtos manufaturados eram exportados por países europeus, os EUA e o Japão – a partir das matrizes locais de suas firmas. Esse fe-nômeno foi mudando ao longo do tempo, de forma que a organização industrial atual se dá de forma transnacional, estando o processo dividido globalmente pelas diferentes etapas de produção. Os países do terceiro mundo, entretanto, estão em estágios atrasados de desenvolvimento tecnológico, em um ambiente econômico que está constantemente mudando, o que os leva a possuir diferenças significati-vas de produtividade, quando comparados a países desenvolvidos.

Com o desenvolvimento de novas tecnologias e novas formas de produ-ção, surgiu um novo paradigma: a sociedade pós-industrial. Esse conceito “enfa-tiza a centralidade do conhecimento teórico como o eixo ao redor do qual novas tecnologias, crescimento econômico e estratificação da sociedade serão organi-zados” (BELL, 1973, p. 112). Uma sociedade baseada na informação, portan-to, está ligada mais a serviços do que a produtos. Mellander (2009) apresenta diversos autores que analisaram, nos países desenvolvidos, a transição de uma indústria baseada na manufatura para uma indústria baseada nos serviços e, posteriormente, fundamentada no conhecimento – como, por exemplo, Rosen-berg e Birdzell (1986) e Mokyr (1990).

Rowthorn e Ramaswamy (1997) tratam o assunto da desindustrialização nos países altamente desenvolvidos como um fenômeno positivo, que acontece por consequência do normal dinamismo industrial dessas economias, e que tende a melhorar os padrões de vida nesses países. Com o aprofundamento do processo de industrialização, os ganhos de produtividade no setor industrial passam, cada vez mais, a depender do aumento de produtividade no setor de serviços, que de-penderá de desenvolvimentos em áreas como a de tecnologia de informação, bem como de mudanças na estrutura competitiva desse setor (BAUMOL; BLACKMAN; WOLFF, 1989; ROWTHORN; RAMASWAMY, 1997).

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Recentemente, estudos têm analisado o papel das indústrias criativas no desenvolvimento econômico. O Boston Redevelopment Authority (2005, p. 56) define criatividade como “o processo pelos quais novas ideias são geradas, conecta-das e transformadas em coisas que são valoradas”, podendo-se traçar um paralelo com a noção de sociedade pós-industrial definida por Bell (1973). De acordo com a Unctad (2012, p. 8), as indústrias criativas utilizam criatividade e capital inte-lectual como insumos primários, podendo ser consideradas um “conjunto de ativi-dades baseadas em conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencial-mente gerem receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual.” Nesse caso, elas podem condizer com a descrição da relação entre o setor de serviços e o setor industrial apontada por Baumol, Blackman e Wolff (1989) e Rowthorn e Ramas-wamy (1997). Dessa forma, de acordo com a Unctad (2012), as indústrias criativas estão no centro do conceito da economia criativa, representando um meio para alcançar desenvolvimento humano e inclusão social no contexto econômico atual.

[A] ideia da economia criativa no mundo desenvolvido chama a atenção para os importantes ativos criativos e ricos recursos culturais que existem em to-dos os países em desenvolvimento. As indústrias criativas que utilizam esses recursos não somente capacitam os países a contarem suas próprias histórias e projetar suas próprias identidades culturais singulares para si mesmos e para o mundo, mas também proporcionam a esses países uma fonte de cres-cimento econômico, criação de emprego e maior participação na economia global. (UNCTAD, 2012, p. 10).

Assumindo que a economia criativa é uma alternativa para o desenvolvi-mento econômico no presente contexto de progresso nas tecnologias de comu-nicação e de comércio internacional (UNCTAD, 2012), e que economias desen-volvidas têm uma performance mais dinâmica nesse âmbito, em comparação às economias em desenvolvimento, o objetivo deste capítulo é analisar indicadores que se relacionam a diversas dimensões do desenvolvimento econômico baseado na criatividade, de forma a analisar os pontos fracos das economias emergentes, que necessitam de políticas públicas mais consistentes.

Este capítulo cobrirá uma seção de revisão bibliográfica de índices pré-exis-tentes, que procuram comparar e mensurar a economia criativa, de forma a ins-pirar a análise de indicadores em cada país selecionado, que será feita na seção subsequente. Os indicadores serão divididos em quatro dimensões consideradas importantes para o diagnóstico do ambiente criativo das economias: desenvolvi-mento socioeconômico, ambiente de negócios, mercado e recursos culturais.

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OS ESFORÇOS RECENTES NA MENSURAÇÃO DA ECONO-MIA CRIATIVA: INSPIRAÇÃO NOS ÍNDICES

A economia criativa tem se destacado recentemente, dado o crescimento das publicações sobre o tema nos últimos anos. Além da análise da relação entre indústrias criativas e desenvolvimento, muitos autores têm mostrado esforço em desenvolver índices para mensurar a economia criativa, cada um selecionando di-ferentes variáveis e indicadores para a análise contextual ou potencial desse seg-mento. Alguns dos exemplos de índices são o Índice Global de Criatividade (elabo-rado por Richard Florida), o Índice Composto de Economia Criativa e o índice do programa CreativeMed. Os indicadores analisados neste capítulo têm inspiração de fragmentos dessas três mensurações, juntamente com a proposição de outros indicadores que podem ser importantes para analisar as condições de instalação, manutenção e desenvolvimento de atividades e empreendimentos criativos que levem a mudanças reais no âmbito socioeconômico local.

O Índice Global de Criatividade é uma mensuração publicada em relatórios do Instituto Martin Prosperity e tem edições para os anos de 2004, 2011 e 2015. Esse índice é baseado na noção dos 3 T’s do desenvolvimento econômico de Ri-chard Florida (2012) (tecnologia, talento e tolerância) e é desenvolvido por esse autor, juntamente com Charlotta Mellander e Karen King, em sua última edição publicada em 2015.

De acordo com Florida, Mellander e King (2015), a tecnologia é importante para aumentar a eficiência e a produtividade nas economias baseadas no conhe-cimento. Para representar esse fator, Florida, Mellander e King (2015) utilizam dados sobre gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (em percentual do PIB) e o número de solicitações de patentes por milhão de habitantes em cada país.

Outro importante fator para o desenvolvimento econômico, segundo Flo-rida, Mellander e King (2015), são o talento e a criatividade. Os autores do Índice Global de Criatividade combinam a medida tradicional de capital humano (percen-tual da população de um país na educação terciária) com o percentual de trabalha-dores criativos na força de trabalho total de um país: a classe criativa. Os trabalha-dores criativos são aqueles ocupados nas áreas da ciência, tecnologia e engenharia; artes, cultura, entretenimento e mídia; administração e negócios; e educação, saú-de e direito (FLORIDA, 2012; FLORIDA; MELLANDER; KING, 2015).

O terceiro T do desenvolvimento econômico é a tolerância. Florida (2012) afirma que pessoas talentosas e criativas são atraídas por lugares que são abertos a novas ideias. De acordo com o autor, pessoas talentosas são recursos de fluxo, não de estoque, e tendem a deslocar-se. De fato, lugares receptivos a imigrantes, artis-

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tas, homossexuais e boêmios são fortemente correlacionados com locais que pre-senciam crescimento econômico de alta qualidade (FLORIDA, 2012). Dessa forma, os dois componentes do índice de tolerância apresentados por Florida, Mellander e King. (2015) são: percentual de pessoas que acredita que sua cidade ou área é um bom lugar para minorias raciais ou étnicas e percentual de pessoas que acredita que sua cidade ou área é um bom lugar para homossexuais.

De forma a testar a confiabilidade desse índice, Florida, Mellander e King (2015) analisaram a correlação dos resultados com variáveis como produção eco-nômica, empreendedorismo, competitividade, desenvolvimento humano, urbani-zação e desigualdade de renda. Todos esses indicadores – exceto desigualdade de renda – tiveram correlação positiva com os resultados do Índice Global de Criati-vidade. As variáveis com maior correlação foram empreendedorismo, competitivi-dade e desenvolvimento humano.

Harry P. Bowen, Wim Moesen e Leo Sleuwaegen publicaram, em 2006, um relatório no qual desenvolveram o Índice Composto de Economia Criativa. Esse índice mensura a capacidade criativa de uma região em três dimensões: inovação, empreendedorismo e abertura. A maior inovação de Bowen, Moesen e Sleuwaegen (2006) se dá no âmbito da mensuração dos pesos das variáveis, estabelecendo o método de pesos endógenos.

De acordo com Bowen, Moesen e Sleuwaegen (2006), utilizar os mesmos pesos para todas as regiões pode dar viés aos resultados e ocultar prioridades de políticas públicas, que são diferentes em cada região analisada. Os autores, então, apresentam uma alternativa ao método tradicional, estabelecendo diferentes pe-sos para as mesmas variáveis em cada região, de forma a beneficiar cada uma de acordo com as dimensões em que tem melhor performance. Os autores chamaram essa abordagem de método dos pesos endógenos.

Bowen, Moesen e Sleuwaegen (2006) dividem suas variáveis em três índi-ces: inovação – utilizando dados sobre recursos humanos em ciência e tecnologia, patentes e acesso à Internet –, empreendedorismo – utilizando dados sobre em-presas recém estabelecidas, medo de fracasso e capital de risco – e abertura, no qual analisam dados sobre população nascida em países estrangeiros, estudantes estrangeiros e população urbana. Embora as três dimensões sistemáticas desse ín-dice sejam parecidas com a divisão conceitual dos três T’s de Florida, Mellander e King (2015), nota-se que há diferença nos indicadores utilizados para mensurar cada uma dessas dimensões.

O CreativeMed, por sua vez, é uma plataforma para análise de regiões mediterrâneas da Europa, desenvolvido pela unidade de pesquisa Econcult da Universidade de Valência (Pau Rausell, Raül Abeledo, Ramón Marrades e Ra-fael Boix). Esse modelo é baseado na ideia de que o capital cultural e territorial

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dessas regiões deveria ser usado de forma a promover bem-estar e prosperida-de econômica, em oposição ao uso da análise de recursos financeiros e físicos (CREATIVEMED, 2014a).

A estrutura do modelo do CreativeMed (2014a) consiste em um conjunto de pré-condições, que são indicadores culturais e econômicos analisados individual-mente, e três subíndices calculados. Todas essas mensurações são analisadas compa-rativamente com a média da região mediterrânea, das regiões de referência, do país ao qual a região pertence e da Europa. Os indicadores das pré-condições são estru-tura urbana, indústrias semicriativas, trabalhadores em setores culturais e criativos, recursos culturais, nível de educação da população, classe criativa e qualidade das instituições. Os três subíndices do CreativeMed (2014a) são ecossistema socioeco-nômico translocal, inovação territorial e parceria em escala comunitária.

O subíndice de ecossistema socioeconômico translocal consiste em quatro in-dicadores: mobilidade urbana, imigrantes qualificados, comércio internacional e tu-rismo. Essa medida pretende analisar as formas de trabalho e negócios que transfor-mam empresas e redes de contatos locais em translocais (CREATIVEMED, 2014a).

O subíndice de parceria em escala comunitária se refere à relação entre diferentes tipos de participantes (como pessoas, setor privado, setor público, etc.) em um contexto local (CREATIVEMED, 2014b). Esse subíndice possui quatro in-dicadores: participação em associações, confiança nos outros, preocupação quanto às condições de vida das pessoas da região e uso da Internet para propósitos so-ciais (CREATIVEMED, 2014a).

O terceiro subíndice do CreativeMed (2014a) está relacionado à inovação terri-torial. Essa mensuração utiliza variáveis de atitude relacionadas ao empreendedorismo e à criatividade, bem como dados sobre inovação regional e população universitária.

As notas nos subíndices, bem como a performance nos indicadores indi-viduais das pré-condições, são classificadas como boas, ruins ou normais. A pla-taforma, então, gera um diagnóstico dos pontos fracos e fortes de cada região, sugerindo soluções de política pública e outras ações baseadas no perfil de cada região (CREATIVEMED, 2014a).

AS DIMENSÕES DINAMIZADORAS DA ECONOMIA CRIATIVA

Neste capítulo, serão analisados variáveis e indicadores que podem avaliar as diversas dimensões do desenvolvimento da economia criativa em um território. Esses indicadores serão estudados em países selecionados, de forma a diagnosticar

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os pontos fortes e fracos de cada economia. A análise será feita por meio de quatro dimensões consideradas importantes para estabelecer um bom ambiente e bons recursos para o desenvolvimento da economia criativa: desenvolvimento socioe-conômico, ambiente de negócios, mercado e recursos culturais.

Os países a serem analisados são países latino-americanos e outras econo-mias emergentes – Brasil, China, Colômbia, e Índia – comparados a Canadá, Es-panha, Estados Unidos, e Reino Unido, países que possuem histórico de melhor desempenho socioeconômico. Com inspiração na análise da plataforma Creati-veMed, serão realizados, neste capítulo, diagnósticos da performance dos países em cada indicador – em comparação com a média calculada entre todos os países selecionados. Serão classificados como de baixa performance aqueles países no qual os resultados representem valor menor ou igual a 75% da média; os países que possuírem resultados entre 75% e 125% da média serão classificados como de performance normal; os países cujos resultados ultrapassarem 125% da mé-dia serão considerados países com alta performance (assim como realizado em CreativeMed, 2014a).

A DIMENSÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO

O panorama geral de um país é um fator importante para a análise do po-tencial de sustentação do desenvolvimento econômico que possui. As variáveis se-lecionadas para analisar a dimensão socioeconômica, neste trabalho, são indicado-res contextuais das oportunidades e condições gerais das populações, juntamente a fatores que são especialmente importantes para o desenvolvimento da economia criativa em uma área, como tolerância a imigrantes e homossexuais – como desta-cado por Florida (2012) – e acesso à Internet, como ressaltado pelo CreativeMed (2014a) e por Bowen, Moesen e Sleuwaegen (2006).

Foram analisados dois indicadores contextuais gerais nos países selecio-nados: a tradicional medida de crescimento (PIB per capita) e o nível de demo-cracia e liberdade de cada país. Quanto ao PIB per capita, a Tabela 1 explicita as diferenças estruturais entre os países selecionados no ano de 2015: todos os países emergentes possuem baixa performance nesse quesito, em oposição às performances altas de Canadá, Estados Unidos e Reino Unido e ao desempenho normal da Espanha. Dentre os países analisados, o que possui menor PIB per capita é a Índia (US$ 1581), em contraste com o PIB per capita de US$ 56 mil dos Estados Unidos, que aparece como o maior.

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Tabela 1. Indicadores socioeconômicos e diagnóstico de performance dos países selecionados.

PAÍSPIB PER CAPITA (US$ CORREN-

TES) 2015

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

DIREITOS POLÍTI-COS E LIBERDA-

DE CIVIL

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

Brasil 8.538,6 Baixa 81 Normal

Canadá 43.248,5 Alta 99 Alta

China 7.924,7 Baixa 16 Baixa

Colômbia 6.056,1 Baixa 63 Normal

Espanha 25.831,6 Normal 95 Normal

EUA 55.836,8 Alta 90 Normal

Índia 1.581,6 Baixa 77 Normal

Reino Unido 43.734,0 Alta 95 Normal

Média 24.094,0 - 77 -

Fonte: Elaboração própria a partir de World Bank (2016a) e Freedom House (2016a).

Outro indicador importante para a análise da dimensão socioeconômica dos territórios consiste no nível de democracia e liberdade, representado, neste capítulo, pela nota agregada publicada no relatório “Freedom In The World” de 2016 (FREEDOM HOUSE, 2016a). A Freedom House é a organização responsá-vel pela elaboração desse relatório, que utiliza metodologia baseada na Declaração Universal de Direitos Humanos. O status final de um país (livre, parcialmente livre ou não livre) deriva da nota agregada que ele recebe em duas mensurações (direi-tos políticos e liberdade civil), variando de 1 a 100 (FREEDOM HOUSE, 2016a). A mensuração de direitos políticos engloba três categorias: processo eleitoral, plu-ralismo político e participação e funcionamento do governo. A medida de liberda-des civis é um agrupamento de quatro categorias: liberdade de expressão e crença, liberdade de associação, império da lei e autonomia pessoal e direitos individuais (FREEDOM HOUSE, 2016b).

A Tabela 1 aponta as notas de cada país selecionado nesse quesito. Nota-se, em geral, que os países emergentes possuem menos discrepância quanto à mé-dia no âmbito dos direitos políticos e liberdade civil, quando comparada com suas performances no PIB per capita. Embora a Índia possua performance muito baixa quanto ao PIB per capita, nota-se que sua performance no âmbito de democracia e liberdade está na média. O país que possui maior discrepância com relação aos demais é a China, que recebeu uma nota de 16, enquanto a Colômbia, segundo pior colocado, recebeu uma nota de 63. O Brasil é o único dos países emergentes selecionados que possui nota acima da média.

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195Tabela 2. Tecnologias de informação e comunicação nos países selecionados - 2014

PAÍSDOMICÍLIOS

COM COMPU-TADOR (%)

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

DOMICÍLIOS COM ACESSO À INTERNET (%)

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

Brasil 52,0 Normal 48,0 Normal

Canadá 87,6 Alta 86,6 Alta

China 46,7 Normal 47,4 Normal

Colômbia 44,5 Baixa 38,0 Baixa

Espanha 74,0 Normal 74,4 Normal

EUA 81,5 Alta 79,6 Alta

Índia 13,0 Baixa 15,3 Baixa

Reino Unido 90,8 Alta 89,9 Alta

Média 61,3 - 59,9 -

Fonte: Elaboração própria a partir de ITU (2015)Nota: Dados referentes ao ano de 2014.

Dada a relação entre o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e o funcionamento das indústrias criativas (UNCTAD, 2012), é im-portante analisar-se a situação do acesso a computadores e à Internet nos países. Segundo o National Research Council (2003), as tecnologias de informação podem sustentar práticas criativas nas artes, ciências, design, negócios, educação, entre outros, criando novas formas de produção criativa; os impactos – econômicos, so-ciais, políticos e culturais – dessas práticas não seriam apenas aproveitados pelas classes mais privilegiadas, mas também pelas classes mais pobres, chegando a paí-ses desenvolvidos e também a países emergentes.

A Tabela 2 apresenta o percentual de domicílios com acesso à Internet e o percentual de domicílios que possuem computador em 2014, com dados da União Internacional das Telecomunicações (ITU, 2015). Os resultados mostram que al-guns países em desenvolvimento, que possuem performance baixa em relação à média no quesito de PIB per capita, possuem performances menos distantes da média no âmbito das tecnologias de informação e comunicação. Brasil e China, que foram classificados como de baixa performance no quesito do PIB per capita, pos-suem performance normal no quesito de acesso à Internet (48% e 47,4%, respec-tivamente). O percentual dos domicílios com acesso à Internet na Índia mostra-se pífio (15,3%), o que pode dificultar o desenvolvimento de novas ideias e novos empreendimentos criativos no contexto atual de organização global da economia.

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Como ressaltado por Florida (2012), a mensuração de tolerância a imigran-tes e homossexuais é uma forma de analisar a receptividade da população de um território a diferentes costumes e culturas, tendo relação com a migração de tra-balhadores criativos para regiões que possuem boa performance nesses indicado-res. As mensurações de tolerância a imigrantes e homossexuais foram retiradas da pesquisa mundial de opinião realizada pela Gallup e correspondem ao percentual de pessoas que responderam que consideram sua região ou área um bom lugar para cada um desses grupos (PORTER; STERN; GREEN, 2015).

Gráfico 1. Tolerância a imigrantes e a homossexuais nos países selecionados

Fonte: Elaboração própria a partir de Porter, Stern e Green (2015).

No Gráfico 1, pode-se notar que a maioria dos países possuem maior tole-rância a imigrantes do que a homossexuais – exceto a Espanha, que possui valores de alta tolerância muito próximos para os dois quesitos. Dentre os países analisa-dos, os que possuem menor tolerância são Índia e China. O Brasil possui tolerância a homossexuais acima da média e tolerância a imigrantes abaixo da média; o con-trário acontece com a Colômbia. Em uma análise geral, os quatro países emergentes analisados possuem menor tolerância do que os países com maior PIB per capita.

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197

A DIMENSÃO DO AMBIENTE DE NEGÓCIOS

A dimensão de ambiente de negócios se refere às condições de um país para hospedar novos empreendimentos e inovações de produtos e serviços de diversos tipos. Nesse âmbito, foram escolhidos três indicadores: solicitações de patentes, gasto em pesquisa e desenvolvimento e facilidade em obter crédito. A variável de solicitação de patentes pode demonstrar o que cada país previamente conquistou na área da inovação, enquanto gasto em pesquisa e desenvolvimento represen-ta o potencial de inovação de um país. A facilidade em obter crédito é um fator importante para que ideias se tornem resultados inovadores concretos e, conse-quentemente, realizem perturbações no ciclo natural e levem ao desenvolvimento econômico (SCHUMPETER, 1934).

A Tabela 3 apresenta dados do Banco Mundial sobre gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D), em percentual do PIB, no ano de 2012,1 e de requisições de patentes, por milhão de habitantes, no ano de 2014. A ponderação pelo PIB e pela quantidade de habitantes2 permite adaptar os indicadores aos diferentes contextos econômicos e populacionais dos países selecionados. Nota-se que, enquanto a per-formance do Brasil é normal em gastos com P&D (1,2% do PIB), o número de re-querimentos de patentes dos residentes possui performance baixa (22,6 para cada milhão de habitantes); o mesmo ocorre com Canadá e Espanha, o que pode sugerir um hiato entre o dispêndio de recursos para fomentar a inovação e o real resultado desse esforço nesses países. A China mostra-se como o país emergente com a me-lhor performance nesses dois quesitos, tendo gasto 1,7% de seu PIB com P&D e possuindo 587,2 solicitações de patentes feitas por residentes a cada um milhão de habitantes, mesmo sendo o país mais populoso do mundo – o que ressalta o grande número absoluto de requerimentos. O país com maior percentual do PIB gasto em P&D e com maior requerimento de patentes são os Estados Unidos, tendo investi-do 2,8% do PIB em 2012 e realizado 894,1 solicitações de patentes, por milhão de habitantes, em 2014. Colômbia e Índia se destacam pelo baixo percentual de seus PIBs gastos em P&D (0,2% e 0,9%, respectivamente), o que se reflete na baixíssima taxa de requerimento de patentes (5,4 e 9,3, respectivamente).

(1) Exceto o da Índia, que se refere ao ano de 2011, dada a falta de disponibilidade de infor-mação para 2012 na base do Banco Mundial.

(2) O número de requerimento de patentes foi dividido pela população de cada país em 2014, com informações da base de dados do Banco Mundial (WORLD BANK, 2016a).

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Tabela 3. Indicadores de ambiente de negócios e análise de performance nos países seleciona-dos

PAÍSGASTO EM P&D

(% DO PIB)*DIAGNÓSTICO DE

PERFORMANCE

SOLICITAÇÕES DE PATENTES

POR MILHÃO DE HABITANTES**

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

Brasil 1,2 Normal 22,6 Baixa

Canadá 1,7 Normal 118,1 Baixa

China 1,9 Alta 587,2 Alta

Colômbia 0,2 Baixa 5,4 Baixa

Espanha 1,3 Normal 63,5 Baixa

EUA 2,8 Alta 894,1 Alta

Índia 0,8 Baixa 9,3 Baixa

Reino Unido

1,6 Normal 235,4 Normal

Média 1,4 - 242 -

Fonte: Elaboração própria a partir de World Bank (2016a).Notas: * Dados referentes ao ano de 2012, exceto Índia, que se refere a 2011. ** Dados referen-tes ao ano de 2014.

Tabela 4. Facilidade em obter crédito nos países selecionados (2015)

PAÍSPOSIÇÃO

NO RANKING

DISTÂNCIA DA FRON-

TEIRA

ÍNDICE DE EFICIÊNCIA DOS DIREI-

TOS LEGAIS (0-12)

ÍNDICE DE ALCANCE

DAS INFOR-MAÇÕES DE

CRÉDITO (0-8)

COBERTURA DE ÓRGÃOS DE REGISTRO

PRIVADOS (% DE ADUL-

TOS)

COBERTURA DE ÓRGÃOS DE REGISTRO PÚBLICOS (%

DE ADUL-TOS)

Brasil 97 45 2 7 55,1 79

Canadá 7 85 9 8 0 100

China 79 50 4 6 89,5 0

Colômbia 2 95 12 7 0 88,7

Espanha 59 60 5 7 49,8 14,1

EUA 2 95 11 8 0 100

Índia 42 65 6 7 0 22

Reino Unido 19 75 7 8 0 100

Fonte: Elaboração própria a partir de World Bank (2016c).

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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A terceira variável analisada nessa dimensão está relacionada à obtenção de crédito nos diferentes países. Os valores utilizados para análise foram retirados da base de dados do “Doing Business”, projeto do Banco Mundial que analisa a regu-lação empresarial ao redor do mundo e que possui dados sobre os processos de abertura de negócios, de registro de propriedade, de pagamento de impostos, entre outros (WORLD BANK, 2016b).

Obtenção de crédito é o índice do “Doing Business” que será analisado na dimensão de ambiente de negócios deste capítulo. A Tabela 4 apresenta as medidas do projeto “Doing Business”, de acordo com as quatro categorias avalia-das (eficiência dos direitos legais, alcance das informações de crédito, cobertura de órgãos de registro privados e cobertura de órgãos de registro públicos), bem como a distância da fronteira e a posição no ranking do relatório. A distância da fronteira é a distância a que cada país está da melhor nota, ou seja, quanto mais próximo de 100, mais próximo o país está da melhor nota (WORLD BANK, 2016). Dentre os países emergentes analisados, a Colômbia é o que se destaca como melhor local para se obter crédito, possuindo uma distância da fronteira igual à dos Estados Unidos, e ocupando, conjuntamente, a segunda posição no ranking. Brasil e China possuem as piores notas gerais, dado o baixo índice de eficiência dos direitos legais, sendo o Brasil o país que está na pior posição entre os analisados. A Espanha possui uma nota relativamente baixa, quando compa-rada com a performance dos outros países desenvolvidos.

A DIMENSÃO MERCADOLÓGICA

Para que se analise o ambiente criativo de um país, é importante que se in-vestigue suas condições econômicas e institucionais para receber empreendimen-tos criativos, de forma a sustentá-los e desenvolvê-los. A investigação do mercado criativo, neste capítulo, será feita por meio de variáveis potenciais – educação e capital humano – e também por meio de variáveis de resultado econômico associa-das à economia criativa.

A Tabela 5 apresenta o percentual da população acima de 25 anos de idade que possuía ensino terciário completo ou incompleto em 2010, nos países selecio-nados. Os dados foram retirados de Barro e Lee (2013), que utilizam a definição da Unesco (2012) para educação terciária, que consiste na educação acadêmica (graduações, mestrados, doutorados), bem como em cursos tecnólogos e profis-

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sionalizantes. Dessa forma, essa medida agrupa as pessoas com educação superior – medida tradicional de capital humano (BECKER, 1993) – e a população universi-tária, assim como utilizado na metodologia do CreativeMed (2014a).

Tabela 5. Indicadores mercadológicos relacionados à qualidade da educação nos países sele-cionados

PAÍS

EDUCAÇÃO TERCIÁRIA COMPLETA OU INCOM-PLETA (%)*

DIAGNÓSTICO DE PERFOR-

MANCE

UNIVERSIDADES QUE APARECEM EM RANKINGS GLOBAIS, POR

MILHÃO DE HABI-TANTES**

DIAGNÓSTICO DE PERFOR-

MANCE

Brasil 11,3 Baixa 0,11 Baixa

Canadá 47,7 Alta 0,73 Alta

China 3,6 Baixa 0,03 Baixa

Colômbia 19,8 Normal 0,19 Baixa

Índia 9,1 Baixa 0,01 Baixa

Espanha 25,7 Normal 0,41 Normal

Reino Unido

28,3 Normal 1,15 Alta

EUA 57,3 Alta 0,57 Normal

Média 25,3 - 0,40 -

Fonte: Elaboração própria a partir de Barro e Lee (2013) e Porter, Stern e Green (2015).Notas: *Dados se referem ao ano de 2010. **Dados do Índice de Progresso Social do ano de 2015.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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A partir da Tabela 5, conclui-se que todos os países com baixa performance no PIB per capita (países emergentes) possuem baixa taxa de educação terciária comple-ta e incompleta, possuindo valores muito abaixo da média – especialmente a China e a Índia (3,6% e 9,1%, respectivamente). Espanha e Reino Unido possuem perfor-mances muito próximas da média, enquanto Canadá e EUA destacam-se com 47,7% e 57,3%, respectivamente, de sua população adulta no nível de educação terciária.

Outro dado a ser analisado, para o estudo da dimensão mercadológica da economia criativa, se refere à qualidade da educação terciária. Segundo Mar-co-Serrano, Rausell-Koster e Abeledo-Sanchis (2014), as universidades não são apenas locais de geração de capital humano e tecnologia, mas também centros de disseminação de certos estilos de vida e de criação de demanda, ajudando a formar pessoas capazes de trabalhar nas indústrias culturais e criativas. O in-dicador utilizado para essa análise foi retirado da base de dados do Índice de Progresso Social de 2015 e corresponde ao número de universidades de cada país que aparecem em qualquer desses três rankings internacionais: Times Higher Education World University Ranking, QS World University Rankings, e Acade-mic Ranking of World Universities (PORTER; STERN; GREEN, 2015). De modo a adaptar os resultados ao contexto econômico e populacional de cada país, esse indicador é mostrado como número de universidades por milhão de habitantes.3

De acordo com a Tabela 5, os países desenvolvidos selecionados possuem maior taxa de universidades reconhecidas internacionalmente, com destaque para o Reino Unido, com 1,15 universidades reconhecidas por milhão de habi-tantes. Brasil, China e Índia possuem performance baixa não apenas na propor-ção de adultos na educação terciária, como também na taxa de universidades reconhecidas, representando valores de 0,11, 0,03 e 0,01, respectivamente. Este pode ser um indicador de baixo potencial de crescimento da inovação e da pro-dutividade nesses países.

Um dos indicadores do âmbito de resultado da dimensão mercadológica é a exportação de bens e serviços criativos de cada país. Os dados foram extraídos da base da Unctad e se referem ao ano de 2011. Essa variável de produto pode mostrar o tamanho das indústrias criativas já estabelecidas em cada país, poden-do ser um indicador do que cada economia já conquistou até então no âmbito da atividade econômica criativa. O Gráfico 2 explicita que a China possui liderança absoluta entre os países analisados, tendo exportado US$ 133 bilhões de bens e serviços criativos em 2011. Os Estados Unidos são o segundo país com maior valor de exportações dentre os analisados (US$ 73 bilhões), seguido pelo Reino Unido (US$ 52 bilhões). Espanha e Canadá não possuem performance significa-

(3) Os dados populacionais foram extraídos da base de dados do Banco Mundial (WORLD BANK, 2016a) e se referem ao ano de 2014.

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tiva nas exportações de bens e serviços criativos, possuindo valores menores do que a Índia. Brasil e Colômbia possuem baixa performance nesse quesito, tendo exportado apenas US$ 1,5 bilhões e US$ 764 milhões, respectivamente.

É importante analisar não apenas as exportações brutas desses bens e serviços, mas também o valor adicionado que cada país efetivamente realiza na cadeia global de valor do segmento criativo. Gereffi et al. (2001) ressalta essa im-portância no contexto geral de comércio internacional na economia globalizada, que realiza divisões de partes do processo produtivo entre diversos lugares do mundo, por meio de empresas multinacionais, contratos e acordos. Para analisar as cadeias globais de valor, foi criado o TiVA (Trade in Value Added),4 um conjun-to de estatísticas que mensuram quanto cada país adicionou de valor nos bens e serviços que circulam no comércio internacional (OECD, 2015a). O Gráfico 3 apresenta o valor adicionado domesticamente nos produtos exportados pelos países em 2011. Dada a limitação estatística, foi escolhido, para analisar esse quesito, o grupo Outros Serviços Comunitários, Sociais e Pessoais. Esse grupo engloba atividades de recreação, atividades culturais e atividades esportivas (ci-

(4) Comércio Internacional em Valor Adicionado, em uma tradução livre para português.

Gráfico 2. Exportações de bens e serviços criativos dos países selecionados (em US$ milhões correntes) – 2011

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2016a, 2016b).

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nema, rádio, televisão, entretenimento, jornalismo, livrarias, arquivos, museus, esportes, recreação); atividades de organizações e sociedades; atividades de sa-neamento; e outros serviços de atividades (OECD, 2015b; UNITED NATIONS STATISTICAL DIVISON, 2016).

Embora alguns dos itens adicionados nessa categoria não estejam relacio-nados à economia criativa (dada a impossibilidade de desagregação desses gru-pos), a variável pode ser usada para fazer uma análise comparada entre os países. Nota-se que, nessas atividades, os Estados Unidos, a Índia e o Reino Unido pos-suem os valores adicionados mais altos entre os países selecionados, represen-tando valores de US$ 32 bilhões, US$ 24 bilhões e US$ 21 bilhões, respectiva-mente (Gráfico 3). A Colômbia e o Brasil, assim como na análise comparada das exportações de bens e serviços criativos, possuem as duas piores performances, adicionando apenas US$ 1,82 bilhões e US$ 260 milhões nos produtos que ex-portam nessa categoria, respectivamente. Canadá e Espanha, de forma similar aos seus comportamentos no quesito de exportações, possuem valores abaixo da média em valor adicionado nos produtos exportados. A China, que possui grande hegemonia no âmbito das exportações brutas das indústrias criativas, mostra-se

Gráfico 3. Valor adicionado nas exportações da categoria de Outros Serviços Comunitários, Sociais e Pessoais nos países selecionados (em US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de OECD (2016) (TiVA).

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muito menos significativa na quantidade de valor que adiciona nos produtos que exporta, no grupo de análise selecionado.

A DIMENSÃO DOS RECURSOS CULTURAIS

Dada a importância dos recursos culturais como base do desenvolvimento da economia criativa (CREATIVEMED, 2014a; UNCTAD, 2012), dois indicadores foram escolhidos para compor a análise dessa dimensão nos países selecionados: número de denominações de origem protegida (DOP) e de indicações geográficas protegidas (IGP) e número de patrimônios culturais. Acredita-se que essas variá-veis possam caracterizar o estoque cultural que cada país possui, representando um insumo que pode ser meio realizador ou catalisador de novos bens, serviços e processos criativos – bem como de desenvolvimento econômico e social.

PAÍSPATRIMÔNIOS CULTURAIS*

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

DOP E IGP, POR MILHÃO DE

HABITANTES

DIAGNÓSTICO DE PERFORMANCE

Brasil 12 Baixa 0,24 Baixa

Canadá 8 Baixa 0,70 Baixa

China 38 Alta 2,13 Alta

Colômbia 6 Baixa 0,46 Baixa

Espanha 41 Alta 4,05 Alta

EUA 11 Baixa 0,74 Baixa

Índia 25 Normal 0,20 Baixa

Reino Unido 25 Normal 0,87 Normal

Média 20,8 - 1,17 -

Fonte: World Heritage Centre (2016); Inpi (2015, 2016) (Brasil); Canadian Intellectual Property Office (2013) (Canadá); Trademark Office (2016) (China); Superintendencia de Industria y Comercio (2016) (Colômbia); European Commission (2016) (União Europeia); TTB (2016) (EUA); CGPDTM (2016) (Índia). Nota: *Números referentes aos registros até o dia 10 de maio de 2016, última data de acesso à lista.

Tabela 6. Indicadores de recursos culturais e diagnóstico de desempenho nos países seleciona-dos

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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A Unctad (2012) ressalta que a propriedade intelectual é considerada um elemento muito importante para o desenvolvimento da economia criativa. Leis de direitos autorais e indicações geográficas e apelações de origem são exemplos de direitos de propriedade intelectual relacionados à economia criativa. De acordo com a Unctad (2012), a denominação geográfica possui uma ligação com o meio cultural de produção e dos estilos de vida. Indicações geográficas, portanto, podem ser um indicativo de tradições culturais e modos de produção que são caracterís-ticos de um território e que possuem potencial econômico já explorado. Dada a falta de uma base de dados integrada, que possua informações de todos os países selecionados, cada informação foi retirada de instituições oficiais locais , represen-tando a soma de denominações de origem protegidas e de indicações geográficas protegidas locais registradas em cada país. A soma dessas duas formas de proteção de propriedade intelectual foi dividida pela população de cada país, de forma a melhor contextualizar a realidade de cada economia .

Segundo a Tabela 6, Brasil, Canadá, Colômbia e EUA possuem baixa taxa de registros de indicações geográficas e denominações de origem. A Espanha se des-taca como o país com mais registros entre os analisados, possuindo 4,05 registros por milhão de habitantes, enquanto o segundo maior – a China – possui 2,13.

O número de locais culturais é baseado na lista da Unesco de patrimônios culturais da humanidade. Esse indicador pode assinalar um potencial para ganhos econômicos na área de turismo e impulsionar outras externalidades positivas que estão relacionadas à presença de um patrimônio cultural em um território. Segun-do o World Heritage Centre (2015), patrimônio cultural se refere a monumentos, grupos de edifícios e locais que são considerados de marcante valor universal para a ciência, arte ou história. O conceito de marcante valor universal, de acordo com o World Heritage Centre (2015) consiste em “significância cultural e/ou natural que é tão excepcional que transcende as fronteiras nacionais e que é de importân-cia comum para as gerações presentes e futuras de toda a humanidade” (WORLD HERITAGE CENTRE, 2015, p. 11).

A Tabela 6 explicita que os dois países com mais patrimônios culturais são China e Espanha os mesmos que possuem o maior número de registros de indi-cações geográficas. Índia e Reino Unido possuem 25 patrimônios; o Brasil possui 12. É importante ressaltar que a análise desses indicadores não sugere que alguns países possuem menor valor cultural do que outros, mas podem ser um indicativo de que há baixo investimento para promover e consolidar a cultura como um ativo econômico que gera desenvolvimento nesses países.

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CONCLUSÃO

Existem diversas teorias sobre desenvolvimento econômico e seus fatores catalisadores. Um modelo amplo de análise do desenvolvimento baseado nas in-dústrias criativas, inspirado em fragmentos de diversas teorias de desenvolvimen-to e de diversos modelos de economia criativa, foi utilizado, neste capítulo, para analisar algumas dimensões relevantes, por meio de indicadores gráficos e textuais.

Com a mudança de paradigma de desenvolvimento econômico ao longo do tempo, as características e os fatores que definem o subdesenvolvimento se torna-ram mais complexas. Pode-se dizer que o modelo da Cepal de centro e periferia (RO-DRÍGUEZ, 1981) ganhou uma nova denotação na nova economia, ao passo em que a informação e a criatividade ganharam importância na sociedade pós-industrial (BELL, 1973). As novas organizações da produção mundial explicitam essas mudan-ças (BAUMOL; BLACKMAN; WOLFF, 1989; ROWTHORN; RAMASWAMY, 1997). Entretanto, há alguns fatores que têm sido obstáculos para as economias periféricas desde os paradigmas precedentes da economia e que ainda não foram superados.

Os resultados desse esforço inicial de análise de indicadores podem mostrar as necessidades de política pública em diversos aspectos nas economias emergen-tes, podendo ser um instrumento para análises posteriores mais profundas, quan-do aplicado ao estudo de outros países, regiões, cidades ou outras delimitações territoriais. Essa análise também pode ser um fundamento para uma plataforma de sugestões de políticas públicas, que podem levar as economias emergentes a um caminho de desenvolvimento baseado em sua criatividade e seus recursos cultu-rais, diminuindo suas desigualdades e promovendo melhorias nos padrões de vida.

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J. ALDO DO CARMOMestre em Gestão de Organizações Culturais pela Alma Mater Stu-diorum – Universidade de Bolonha (Itália). Doutorando em Economia da Cultura pela Universidade Erasmus Rotterdã (Holanda). Professor de Gestão de Organizações Culturais, Empreendedorismo Cultural, Políticas Culturais e Cidades Criativas na Universidade Maastricht (Holanda). E-mail: [email protected].

[CAPÍTULO]

VALORIZAÇÃO DA CULTURA: UM MÉTODO DE AVALIAÇÃO QUE PONDERA AS REALIZAÇÕES CULTURAIS E A SUSTENTABILIDADE ORGANIZACIONAL DE MUSEUS

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INTRODUÇÃO

Existem bons e maus museus. Os primeiros são os que transportam seus visitantes a lugares, em uma viagem de conhecimento, prazer, encanto e transcendência. Bons museus têm uma narrativa coerente – contam histórias através de objetos e de seus significados, e também pela sua forma de exposi-ção, sua estética e retórica. Com um toque de lirismo, Robert Storr (2006, p. 23) ilustra essa ideia:

O espaço é o meio em que ideias são visualmente formuladas. […] Galerias são parágrafos, as paredes e divisões formais são sentenças, conjuntos de obras são orações, e trabalhos individuais […] funcionam como nomes, ver-bos, [e] adjetivos […], dependendo do contexto.

Bons museus têm um ponto de vista definido (mas não definitivo) sobre os temas de suas exposições. Convidam seus visitantes a terem uma análise crítica sobre esse assunto, sugerindo que formem suas próprias opiniões, se-duzindo-os a apropriarem-se das obras e serem co-criadores de significados (KLAMER, 2016). Por exemplo, ao visitar grandes museus do mundo como o Rijksmuseum em Amsterdã (Holanda) ou o Hermitage em São Petersburgo (Rússia), além das obras de arte e suas narrativas individuais, os visitantes também são tocados por valores como o orgulho nacional desses países que esses museus buscam transmitir.

No entanto, também existem os museus ruins. Nestes, as coleções as-semelham-se a um conjunto de objetos desconexos ou obras adquiridas alea-toriamente, aparentemente seguindo um gosto individual e errático. Pode ser uma grande coleção de objetos com valores estéticos, artísticos e culturais rele-vantes, mas sem o conjunto de valores estabelecidos e que orientam suas exibi-ções. Que mensagens esses museus transmitem? Quais valores eles sugerem?

Mais grave é a situação de museus que, apesar de terem uma boa curado-ria e serem reconhecidos por sua relevância cultural, tiveram que ser fechados. Os motivos vão desde a falta de recursos financeiros (a Associação Britânica de Museus reportou que, em 2015, 18% dos museus do Reino Unido fecharam por essa razão) até atentados a sua integridade física, como o Museu Nacional em Bagdá (em 2003) ou o Museu do Cairo (em 2011).

Diferenciar um bom de um mau museu parece ser tarefa simples. No entanto, avaliar é uma atividade complexa, pois demanda um método com indicadores desenvolvidos especificamente para museus, que possam ajudar os gestores de museus a avaliarem suas instituições no que se refere

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tanto às atividades culturais (ligadas ao objetivo final de um museu, que é a cultura) quanto às atividades de apoio (as que garantem a existência, o funcionamento e a perpetuação do museu). Servir a esses gestores de mu-seus é o objetivo principal do método de avaliação Valorização da Cultura, apresentado neste trabalho.

AVALIAÇÕES SÃO BENÉFICAS PARA MUSEUS

Ao tratarmos de gestão de museus, devemos iniciar com duas questões: gestores de museus estão preparados para a tarefa? Ainda mais importante, esses gestores possuem as ferramentas gerenciais necessárias para fazer de seus museus organizações sustentáveis?

O sociólogo norte-americano Paul DiMaggio investigou gestores de or-ganizações culturais em seu país. Apesar de ter sido realizado há alguns anos, esse estudo ainda é válido e influente. DiMaggio (1987) concluiu que, apesar dos conselhos de administração terem passado a se preocupar com a qualidade da gestão, tendo contatado profissionais com experiência específica em gestão de organizações culturais, grande parte da formação deles se baseia no “treina-mento no local de trabalho como principal meio pelo qual aprendem as funções gerenciais” (DIMAGGIO, 1987, p. 5).

A educação formal desses gestores varia. Alguns passaram por escolas de administração ou negócios, mas a maioria é especializada nas disciplinas de suas organizações. Em geral, diretores de orquestras são maestros, de companhias de dança são coreógrafos ou bailarinos, de teatro são atores, e de museus são artis-tas, curadores, educadores ou historiadores de arte. Dessa forma, tais profissionais precisam de ferramentas gerenciais apropriadas que os ajudem a tornar seu traba-lho tão eficaz quanto possível, com o melhor uso dos recursos disponíveis. Porém, essas ferramentas existem?

Um ditado popular alerta que “um cão com dois donos morre de fome”, su-gerindo que devemos ter filiações claras e únicas. Não obstante, ditados populares podem estar enganados. Uma das idiossincrasias mais notáveis de organizações culturais em geral é a tensão entre os objetivos culturais e gerenciais (KLAMER, 1996). Mary Ann Glynn (2006, p. 59) ilustra a discussão ao mencionar que o “ar-quétipo híbrido é aquele que contém um elemento normativo (ou ideológico) e ou-tro elemento utilitarista (ou econômico)”, concluindo que “a produção de cultural une arte à economia”. Em seu estudo, Glynn (2006, p. 60) investiga uma orquestra sinfônica para exemplificar a noção de organizações híbridas: “músicos tocando

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uma peça sinfônica realizam a identidade normativa, enquanto os administrado-res realizam a identidade utilitarista”.

Museus são organizações híbridas também. Mesmo que um museu desen-volva bem suas ‘atividades culturais’ (as normativas, ideológicas, estéticas ou ar-tísticas) como exibições, publicações, debates ou programas educacionais, a falta de atenção às ‘atividades de apoio’ (as utilitaristas, econômicas, gerenciais ou prá-ticas) podem gerar problemas como falta de cuidado com o prédio, ausência de recursos financeiros ou insatisfação dos empregados, que fatalmente resultarão em problemas organizacionais, podendo até levar ao fechamento da instituição.

Ferramentas gerenciais que foram desenvolvidas para corporações (ou seja, organizações com-fim-lucrativo) têm foco e objetivo claro: o lucro. Nisso há coe-rência, pois esta é sua missão: gerar o lucro. Porém, tais ferramentas devem ser usadas com cautela em organizações sem-fim -lucrativo, como museus – afinal, seus objetivos são outros que o lucro (apesar de este ser desejável1), e atingem um grau maior de complexidade ao arranjarem e aplicarem recursos, além de terem vários stakeholders (as partes interessadas)2 para atingir seu mais importante ob-jetivo: “mudar o ser humano”, como sugeriu Peter Drucker (1990, p. xiv).

Um desses instrumentos diz respeito à avaliação, que conecta intenções a resultados “julgando a importância e o mérito de um objeto ou do produto de um processo” (SCRIVEN, 1991, p. 139). Importância denota a necessidade do objeto em estudo, respondendo questões como “precisamos disso?” ou “é útil?”. Mérito refere-se à qualidade, respondendo se “o avaliado está fazendo o que se espera?” ou se “este processo ou resultado pode ser melhorado?” (GUBA; LINCOLN, 1985, 1989). Dessa forma, métodos de avaliação visam determinar até que ponto as rea-lizações estão alinhadas com os objetivos pretendidos, ou se é possível ou neces-sário fazer correções ou melhorias. O ex-presidente da Associação Americana de Avaliação Michael Quinn Patton (2008, p. 22) resumiu o espírito de um método de avaliação de Osborne e Gaebler (1992).3

O que é avaliado é realizado.

Se você não avalia seus resultados, você não consegue separar o sucesso do fracasso. Se você não identifica sucesso, você não pode recompensá-lo. Se você não identifica sucesso, você não pode aprender com ele.

Se você não recompensa sucesso, é provável que esteja recompensando o in-sucesso. Se você não identifica o insucesso, você não pode corrigi-lo.

Se você não demonstra seus resultados, você não ganha apoio público.

(1) Como veremos adiante na seção 3. 3.3.

(2) Como veremos adiante na seção 3. 3.4.

(3) A ordem das frases dessa citação foi alterada.

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Mesmo que avaliações tragam benefícios, estas enfrentam dois problemas notórios: (i) a natural aversão dos avaliados – estes programas geram tensão e desconforto, e (ii) o custo financeiro para sua realização. Todavia, um programa de avaliação bem sucedido traz à organização e a seus stakeholders a satisfação de saber com clareza quais atividades são bem-sucedidas e quais necessitam de melhorias. “Avaliação é um componente vital para a saúde da organização” (STUF-FLEBEAM; SHINKFIELD, 2007, p. xxv).

Programas de avaliação atendem a dois propósitos, satisfazendo a dois grupos: stakeholders internos que buscam melhorias, e stakeholders externos que visam conhecer seus resultados. Os primeiros são os gestores e empregados da or-ganização que os usam para tomar decisões e determinar o mérito das realizações: pontos fortes (a serem repetidos) ou pontos fracos (a serem melhorados). Além disso, tais programas ajudam no alinhamento estratégico dessas organizações.

Programas de avaliação produzem relatórios que certificam e comunicam as realizações, com dados objetivos e críveis, através de indicadores específicos. As-sim, os stakeholders externos beneficiam-se de programas de avaliação ao conhece-rem suas realizações e impactos, e, por meio destes, sabem se seus investimentos nas organizações avaliadas correspondem a suas expectativas.

MÉTODOS ATUAIS DE AVALIAÇÃO DE MUSEUS TÊM ABORDAGEM ÚNICA

Atualmente, existem métodos de avaliação de museus que variam em seus graus de complexidade e uso. Sem ser exaustivo, este estudo desenvolve comentá-rios sobre três deles.

O modo mais simples para se avaliar um museu é a contagem do número de visitantes. É uma medida barata, direta, fácil de ser obtida, e mais importante, é compreendida por todos, o que a leva a ser usada na comparação de museus. Con-tudo, o que significam esses números? Uma exposição blockbuster de um artista famoso (como Van Gogh ou Picasso) ou de movimentos populares (como Impres-sionismo ou Pop-Art) certamente atrairá um grande número de visitantes, mas isso significa que é uma grande exposição ou um grande museu?

O museu mais visitado no mundo é o Museu do Louvre (Paris, França), que, em 2015, atraiu mais de 8,6 milhões de pessoas, contando tanto os visitantes que foram se emocionar com a Vitória de Samotrácia (que, após dois anos de restauro, foi reapresentada em 2014) quanto os turistas que “precisavam” ir ao Louvre ape-

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nas para “validar” sua ida à cidade, fazer uma selfie na sala onde é exposta a Mona Lisa de Da Vinci e, sem nem ao menos olhar as outras obras, sair e correr ao pró-ximo ponto turístico, como mandam os guias de turismo. Como foram as visitas para o primeiro e para o segundo grupo de visitantes?

Ainda assim, tais números são relevantes para certas análises. Esse mesmo Museu do Louvre que recebeu 8,6 milhões de visitantes em 2015 havia recebido 9,2 milhões em 2014, o que significou uma queda de 6,5%. Segundo Pes, Silva e Sharpe (2016), a redução foi devida aos ataques terroristas de novembro de 2015 na mesma cidade, pois o mesmo aconteceu com o Centro Pompidou (queda de 12,5%) e o Museu D’Orsay (1,7%).

Com foco na função educacional de um museu, Chandler Screven (1976, 1990) propôs um método que teve grande impacto na avaliação de museus, sendo usado por autores como Diamond, Luke e Uttal (2009). Tal abordagem também é usada por consultores de museus e importantes instituições como o Victoria e Al-bert (Inglaterra). Também o órgão da Unesco que trata de museus Icom – Comitê Internacional de Museus –, ao publicar seu compêndio sobre gestão de museus “Running a Museum: A Practical Handbook”, editado por Patrick Boylan (2004) aplicou essa perspectiva. De acordo com esse estudo, as avaliações devem ser em-pregadas em dois momentos: (i) sobre a coleção (avaliando sua condição física e seu estado de conservação), e (ii) a experiência do visitante, aplicando a perspec-tiva de Screven (1990).

De acordo com Screven (1990), diferentes tipos de avaliação devem ser aplicados em diferentes estágios de uma exibição. (i) front-end evaluation (FRE) deve ser aplicada durante o processo de planejamento, onde ideias são testadas; (ii) formative evaluation (FE) deve ser aplicada logo antes da abertura da exibição, com as salas já montadas, permitindo ajustes no design com base na opinião de visitantes-teste e especialistas; (iii) summative evaluation (SE) reporta o impacto da exibição após sua abertura, com foco em seu aspecto educacional; (iv) remedial evaluation (RE) é útil para resolver situações que possam impedir a perfeita reali-zação da visita.

Três críticas podem ser feitas a esse método. A primeira refere-se ao foco específico na educação informal,4 que, apesar de ser um dos objetivos de um museu, não é o único. A segunda crítica é que Screven (1990) concentra sua atenção nos processos, afastando-se dos resultados, mesmo que educacionais. Finalmente, é notável que Screven não mencione os museus como organizações, e, assim, se abstém de discutir os aspectos gerenciais como os apresentados no início deste trabalho.

(4) Frequentemente referido como “edutainement”, um neologismo que combina os termos ‘educação’ e ‘entretenimento’.

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Ainda pouco aplicada, mas presente na literatura é a proposta de aplicar o método desenvolvido para corporações balance scorecard (BSC) para avaliar museus. A BSC é uma ferramenta estratégica e gerencial introduzida por Robert Kaplan e David Norton (1992, 1993) – 20 anos depois a consultoria Bain Company (2013) identificou a BSC como o quinto método mais usado no mundo, e o sexto nos Estados Unidos.

A BSC oferece quatro perspectivas para identificar os indicadores financei-ros e não-financeiros que ligam as estratégias aos resultados. Tais perspectivas são: (i) financeira: “o que importa para o acionista?”; (ii) cliente: “como os clien-tes nos veem?”; (iii) processos internos: “o que fazemos bem?”; (iv) aprendizado e crescimento: “como podemos melhorar, criar valores e inovar?”.

Devido a histórias de sucesso no mundo corporativo e à aparente clareza e boa estrutura de análise, a ferramenta BSC ganhou versões para atender organi-zações culturais e museus. Ao estudar organizações sem fim lucrativo, Paul Niven (2003) defende que a dependência de métricas financeiras leva a decisões de curto prazo, reduzindo a habilidade da organização de implementar estratégias de inves-timentos de longo-prazo; assim, Niven (2003) defende que o BSC é a ferramenta que garante esse alinhamento.

No entanto, o BSC recebe muitas críticas, resumidas, por Johanson, Skoog, Backlund e Almqvist (JOHANSON et al., 2009), em quatro grandes dilemas. Esses dilemas são os seguintes: (i) no que tange à implementação e motivação, por ser uma decisão do corpo gerencial, o restante dos empregados tornam-se desmotiva-dos a adotá-lo em suas rotinas de trabalho. (ii) “um tamanho para todos”, o BSC foi criado com grandes corporações em mente, apresentando poucos casos de su-cesso em organizações pequenas e médias, como a maioria dos museus; (iii) uma contradição temporal,o BSC promete ligar as visões de curto- e longo prazos, mas por necessidade organizacional, o curto prazo recebe mais atenção; (iv) devido às diferentes lógicas organizacionais, houve muitas tentativas de se aplicar o BSC a outros segmentos, como setor público e organizações sem fim lucrativo, mas sem sucesso pela natureza de suas atividades e de motivação dos stakeholders.

Mesmo com essas críticas, o entusiasmo para implantar o BSC ainda está presente na literatura de métodos de avaliação de museus, talvez pela atração que exerce o sucesso corporativo, ou talvez pela falta de um método desenvolvido es-pecificamente para museus – uma lacuna que este estudo visa preencher. De qual-quer forma, apesar das críticas, todas as três perspectivas têm seus pontos fortes que serviram de inspiração na criação do método Valorização da Cultura.

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O MÉTODO VALORIZAÇÃO DA CULTURA TRATA DE VA-LORES E DA ORGANIZAÇÃO

Retomando a discussão inicial, este artigo busca apresentar um modelo de avaliação desenvolvido especificamente para museus, respondendo à questão “como avaliar um museu ponderando suas atividades culturais e suas atividades de apoio?”. Nesse sentido, o método Valorização da Cultura foi desenvolvido a partir de uma série de elementos ou perspectivas que buscam entender um museu. Sem pretender ser exaustivo, tais noções serão apresentadas nesta seção.

OS VALORES PROMOVIDOS PELOS MUSEUS: AS ATIVIDADES CULTURAIS

A premissa essencial deste método é que os museus se ocupam, essencial-mente, de valores. Para isso, é importante iniciar apresentando os valores no con-texto do método Valorização da Cultura.

Ao apresentar a Abordagem Baseada em Valores,5 Arjo Klamer (2016, no prelo) apresenta três noções de valor. (i) Os economistas têm a noção de valor econômico, onde valor equivale a preço de troca. (ii) Os humanistas6 tendem a se preocupar com a qualidade e com a relevância de objetos (como obras de artes ou contribuições científicas), de ações humanas, ou de relacionamentos, nos quais a noção de preço é irrelevante ou inexistente; (iii) A filosofia moral interessa-se por valores como respeito, benevolência, solidariedade, ou honestidade. Em éti-ca, valores assumem a forma de virtudes e se preocupam com as ações humanas como coragem, prudência, justiça, temperança, fé, esperança, e amor (as quatro primeiras são as virtudes cardiais identificadas por Aristóteles, e as três últimas, as virtudes cristãs adicionadas às primeiras por São Tomás de Aquino).

Assim, se não há como oferecer uma única definição de valores, o método da Valorização da Cultura ocupa-se dos valores não-monetários (ii) e (iii), apresen-tados no parágrafo anterior. Klamer (2016, p. 63, no prelo) trata do conceito de valores com a pergunta “o que é importante?”.

Para responder essa pergunta, há acadêmicos que propõem listas de valo-res. Milton Rokeach (1968, 1973), por exemplo, apresenta duas listas: 18 Valores Terminais e 18 Valores Instrumentais, muito usadas em pesquisas de psicologia.

(5) Value Based Approach é a abordagem proposta por Arjo Klamer (2016, no prelo), onde valores são a base de todos as motivações e relações humanas.

(6) Klamer (2016, no prelo) chama-os culturalists na versão original, entre eles estão histo-riadores de arte, acadêmicos, filósofos e antropólogos.

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Já Shalom Schwartz (1992, 2005, 2006) apresenta uma lista com 10 valores bási-cos. Existem inúmeras listas, nunca exaustivas e adaptáveis o suficiente para se-rem usadas em um método de avaliação, como o Valorização da Cultura.

Por isso, ao invés de uma lista, tal método usará o modelo de valores desen-volvido por Klamer (2016, no prelo), chamado Quatro Campos de Valores.7 Nesse arcabouço, os valores são colocados em um diagrama de quatro quadrantes e duas dimensões de gradiente: individual ou coletivo, e distância relativa de Ego. Nesse sentido, é importante salientar que os campos de valores não são estanques, mas que há uma gradação entre eles, de modo que valores como pertencer podem ser colocados na intersecção entre os campos valores sociais e valores comunitários.

Dessa maneira, há que se detalharem os valores expostos na figura acima:

(a) Valores pessoais, relacionados a ego, como conhecimento, educação, moral, individualidade, identidade, singularidade, prazer e satisfação;

(b) Valores sociais, que envolvem relações coletivas próximas a ego, como amizade, colegialidade, compartilhamento, parceria, companheirismo, aceitação, colaboração, cooperação, coordenação;

(c) Valores comunitários, que envolvem coletividade longe de ego, como compaixão, altruísmo, humanitarismo, caritativo, identidade nacional, legalismo. Também valores políticos, como justiça, solidariedade, sus-tentabilidade, liberdade, emancipação, segurança, paz, patriotismo;

(7) Ao descrever este modelo, adicionei o indivíduo ego como ponto-de-referência, com a fi-nalidade de facilitar a compreensão. Na Figura 1, ego coloca-se no vértice inferior-esquerdo.

Figura 1. Modelo de Quatro Campos de Valores

Fonte: Klamer (2016, no prelo).

TRANSCEN-DENTAL

COMUNITÁRIO

PESSOAL

INDIVIDUAL COLETIVO

PERTO DO EGO

LONGE DO EGO

SOCIAL

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(d) Valores transcendentais, que relacionam ego com o sublime e o abstra-to, como humanismo, benevolência, espiritualidade, religiosidade, di-vindade, espírito artístico, ou espírito científico.

Esse modelo será útil tanto para identificar os valores que os museus que-rem transmitir a seus visitantes quanto para identificar se esses visitantes foram de fato tocados por tais valores, e essa mudança é a essência de se investigar as atividades culturais dos museus.

VALORIZAÇÃO É A MUDANÇA DE VALORES

Os valores não são estáticos, portanto, ao chegar ao museu, o visitante tem uma série de valores que fazem parte de seu capital cultural, ou seja, seu co-nhecimento e experiências acumuladas através de educação formal ou informal (THROSBY, 1999). Se for uma boa visita, ao sair do museu, o visitante terá seu capital cultural acrescido dessa experiência.

Imagine que vou fazer uma viagem, e esta será a minha primeira vez na Holanda. Irei a Amsterdã e visitarei o Rijksmuseum (Museu do Reino, o museu de arte mais tradicional do país, comparado ao Museu do Louvre de Paris, à Natio-nal Gallery de Londres, ou ao Metropolitan de Nova Iorque). Ao chegar terei uma noção do que é a Holanda, e isto é meu capital cultural. Durante a visita, serão propostos, além dos valores pessoais como conhecimento e até diversão, valores comunitários como identidade nacional8, e valores transcendentais como espírito artístico. Ao sair, terei uma nova visão do país e poderei compreendê-lo e apreciá--lo melhor. É por isso que vou ao museu.

Tal mudança está sistematizada no modelo lógico (logic model), que foi de-senvolvido pela organização não-governamental norte-americana United Way of America (1996), e depois sistematizada pela W. K. Kellogg Foundation (2001). Esse modelo visa expor as etapas de um processo, identificando-as como entradas (inputs), atividades (activities), saídas (outputs), resultados (outcomes) e impactos (impacts). A praticidade desse modelo está em sua flexibilidade e facilidade de apli-cação. Assim, toma-se uma visita a um museu como exemplo, sob o ponto de vista do visitante:

(a) Entrada, que é o capital cultural do visitante no momento da chegada ao museu, tanto sobre o tema do museu ou suas exposições quanto sobre a forma de visitação;

(b) Atividade, que se trada da visita propriamente dita, onde o visitante

(8) Nesse museu, a Holanda é representada em quase todas as obras, tanto em vitórias em batalhas quanto em pinturas com a vida cotidiana de pessoas comuns, cidades, campos e flores.

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tem plena liberdade para percorrer as galerias e ficar o tempo desejado apreciando as obras que mais o impactou.

(c) ) Saída, que é o momento imediato ao fim da visita, sendo esperado pelo museu que esse indivíduo tenha sido tocado ou movido pelos valores que a exposição desenha, de modo que esse visitante poderá ter estimu-lados seus conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e atenção.

(d) Resultado da visita, que poderá ser observado algum tempo depois de sua realização, quando são esperadas mudanças de comportamento, práticas, hábitos e procedimentos do visitante.

(e) Impacto, o qual se refere a mudanças permanentes que essa visita en-gendrou, não apenas no visitante, mas em todos os outros indivíduos afetados por ele em termos sociais, econômicos, políticos e ambientais.

Importante salientar que tanto as mudanças descritas tanto como resulta-dos quanto como impactos são de difícil identificação. Os problemas operacionais de rastreabilidade do visitante são secundários à condição onde esse indivíduo não ficará isolado de outros estímulos, como novas visitas a museus, educação formal, leitura, mídia, ou discussões com pares.

Assim como o termo avaliação denota a identificação de valores (um avalia-dor verifica quais valores um objeto de estudo tem), o termo valorização implica no processo de criação ou mudança de valores (VATIN, 2013), como descrito no processo de uma visita a um museu. Esta é a origem do nome do método “Va-lorização da Cultura”, que busca identificar essas mudanças de valores para seus visitantes, a fim de determinar se um museu cumpre seu papel através de suas atividades culturais.

MUSEUS SÃO UM CONJUNTO DE RECURSOS: AS ATIVIDADES DE APOIO

Recursos são meios usados para se gerar um produto ou serviço desejado. Dessa maneira, uma forma de entendermos uma organização é vê-la como um conjunto de recursos que, organizados, podem produzir resultados (PENROSE, 1959). Assim como uma corporação, museus usam seus recursos para criar seus produtos e serviços.

O professor emérito do Centro para Educação e Estudos em Museus do Ins-tituto Smithsoniano (Washington, DC, EUA) Stephen E. Weil (1985, p. 70) publi-cou em “MGR: A Conspectus of Museum Management” uma perspectiva organi-zacional para “mostrar claramente a continuidade implícita entre as várias tarefas, que juntas constituem as atividades do gestor de museu”. MGR é o acrônimo de métodos, objetivos (goals), e recursos.

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De acordo com o MGR, métodos englobam “toda a gama de políticas, proce-dimentos, práticas, sistemas, dispositivos e rotinas que podem ser estabelecidas, negociadas ou autorizadas, que se desenvolvem para o desempenho regular e sis-temático das funções, […] relacionados com meta” (WEIL, 1985, p.72). Pela defi-nição de museus9 do ICOM, os objetivos gerais de quaisquer museus serão colecio-nar, conservar, pesquisar, comunicar e exibir. Em cada museu, tais objetivos gerais “são conjugados com outros particulares, que especificam o que deve ser colecio-nado, conservado, pesquisado, comunicado e exposto, […] bem como o propósito ou propósitos para os quais este trabalho está a ser realizado” (WEIL, 1985, p. 75).

Os elementos métodos e objetivos fornecem pouca inspiração ao desen-volvimento do método Valorização da Cultura, por suas semelhanças com toda a literatura sobre as organizações. No entanto, os ‘recursos’ merecem uma aten-ção especial. É importante enfatizar que Weil (1985) propõe que um museu deve mover seu foco de ser “coleção-cêntrico” para “valor-cêntrico”. Nesse sentido, são quatro tipos de recursos em um museu: a coleção, os ativos não-coleção, os finan-ceiros, e os humanos.

COLEÇÃO

Fazem parte da coleção as obras disponíveis na instituição (em exibição ou no acervo técnico), mas também potenciais obras que podem ser obtidas por meio de empréstimo, aluguel, doação, ou direitos de propriedade (como escavações ar-queológicas). É relevante salientar que, apesar de parecer contraditório para os profissionais de museus, a coleção será entendida como recurso ao invés de objeto cultural, pois será usada para comunicar os valores do museu ou da exposição. Essa noção não é totalmente inovadora. Retomando a definição do Icom (2007), um museu está “a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento […] para fins de educação, estudo e diversão”.

NÃO-COLEÇÃO

Constitui o edifício em si, além dos equipamentos, ferramentas, suprimen-tos, ou quaisquer meios úteis para atingir os objetivos do museu. Também devem ser entendidos como recursos não-coleção as oficinas e equipamentos de conser-vação e restauro, que conferem suporte à coleção.

(9) “Um museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que coleciona, conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e seu entorno, para fins de educa-ção, estudo e diversão” (ICOM, 2007).

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Figura 2. Modelo das Cinco Lógicas

Fonte: Klamer (2016, no prelo).

FINANCEIROS

Refere-se às fontes de financiamento e à gestão do orçamento. Para um completo entendimento de quais são as fontes dos recursos financeiros, o método Valorização da Cultura vai aplicar o modelo desenvolvido por Klamer (2016, no prelo), baseado no Modelo das Cinco Lógicas.

CULTURA OIKOS

SOCIAL

MERCADO GOVERNO

Na lógica do Governo, observa-se a lógica formal, baseada em regras, regu-lamentos, padrões, procedimentos e leis. Esta é a lógica impessoal da burocracia. Governos operam com incentivos e sanções. Museus podem buscar seus financia-mentos através de subsídios governamentais: investimentos diretos dos governos, ou incentivos fiscais.

Na lógica de Mercado, domina a lógica da troca, do quid-pro-quo, onde bens se tornam produtos ou commodities, com uma etiqueta de preço. Aqui os atores compram e vendem. É onde funciona o dinheiro como unidade monetária e meio de troca. É a esfera da comercialização, da busca por lucro, do interesse, da compe-tição, da eficiência, do empreendedorismo e da livre-escolha.

Nessa lógica, museus podem se financiar de duas formas: através de opera-ções B2B (business-to-business) ou B2C (business-to-consumer).10 B2B são os acordos de patrocínio: o patrocinador e o museu negociam e acordam nos termos do pa-trocínio – estão discutindo um negócio. O patrocinador está fazendo um investi-

(10) Aplicando a terminologia usual de Marketing.

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mento visando o ganho próprio, beneficiando-se da reputação do museu. Em troca do investimento monetário acordado, o museu está associando sua reputação à do patrocinador.11

B2C referem-se aos pagamentos realizados pelos visitantes, ou seja, a re-lação comercial entre o museu e seu público. Nesse conjunto estão os ingressos, artigos disponíveis na loja do museu,12 e serviços como restaurante ou café, ou quaisquer outros que podem ser comercializados, como serviços de avaliação.

Já a lógica social é informal, dado que preços não são relevantes, nem regras ou regulações. A lógica social é a da reciprocidade, da contribuição, dos presentes, da participação, da cooperação e da colaboração. É a lógica dos rela-cionamentos e do networking. Na lógica social, as pessoas são parceiras, amigas, conhecidas, colegas, membros, camaradas, doadores, apoiadores e participantes.

Pela lógica social, museus se financiam através de doações, que podem ser desde centavos até milhões – todas são importantes. É onde empresas ou pessoas contribuem com uma causa, como apoiadores. Se um indivíduo pensa que sua cidade deve ter um museu específico, ou que um certo museu deve ser mantido, ele doa para a causa desse museu – sua existência. Essas pessoas pre-cisam saber que esse museu está sendo bem administrado, e que o dinheiro que ele dará à instituição financiará bons projetos. Por isso, os resultados devem ser bem avaliados e comunicados.

O modo de financiamento crowdfunding, que ainda precisa ser mais bem estudado pela literatura, apresenta características das lógicas de mercado e social, pois apesar de haver a troca de bens, o fator social é imprescindível. Assim, crowdfunding coloca-se na intersecção dessas duas lógicas.

A lógica Oikos,13 por sua vez, é similar à lógica social, com a diferença que presume parentesco e destino compartilhado. É a lógica da interdependência, a lealdade, laços familiares, intimidade e amor. Nessa lógica, as pessoas são do nú-cleo familiar, parentes, amigos próximos, ou parceiros.

(11) É constante o debate a respeito de patrocínios corporativos e seus benefícios ou ma-lefícios para instituições culturais; no entanto, esse debate não é o objetivo deste método de avaliação.

(12) É constante o debate a respeito da venda de objetos da coleção (deaccessioning). Mu-seus sabem que esse ato os afasta de seus objetivos culturais, pois em geral não terão mais acesso a essas obras, maculando tanto a reputação do museu quanto de seus profissionais. Assim, deaccessioning não é descrito como uma forma usual de obtenção de recursos finan-ceiros para o museu.

(13) O termo oikos é traduzido como ‘casa’ em grego, mas casa no sentido “lar”, e não de casa física (que faz parte da lógica do mercado).

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Por fim, a lógica da Cultura transcende as demais. É a lógica da civilização, formada pela religião e por práticas artísticas e científicas. É nessa lógica que as pessoas aproveitam as formas de sociedade que elas participam.

As lógicas Oikos e da cultura não são frutíferas como fontes de financia-mento para museus, mas foram apresentadas a fim de oferecer ao leitor uma visão completa do modelo. Assim, as principais fontes de financiamento para museus são: subsídios, patrocínios, vendas e doações.

É importante tecer um comentário sobre o lucro em organizações sem fim lucrativo. É desejável que toda organização tenha um ganho financeiro acima de seus gastos, e isto a fará financeiramente saudável. Nesse tema, o que diferencia uma organização com fim lucrativo e outra sem fim lucrativo é a aplicação desse lucro. As primeiras distribuem os dividendos entre os acionistas (tendo já descon-tado quaisquer impostos ou bônus aos empregados, pois trata-se do lucro líquido), enquanto as segundas (das quais museus em geral fazem parte) reinvestem o lucro na própria organização, realizando projetos que aguardavam recursos financeiros.

RECURSOS HUMANOS

Referem-se a todas as partes internas e externas interessadas nos produtos ou serviços do museu. A teoria que identifica os stakeholders de uma organiza-ção foi proposta por R. Edward Freeman (1984, p. 46), que formalmente define stakeholders como “quaisquer grupos ou indivíduos que podem afetar ou serem afetados pelo atingimento dos objetivos de uma organização”. O autor separa es-tes interessados em internos e externos à organização, mas para a finalidade do método Valorização da Cultura, é necessário que avancemos um passo adiante, identificando-os e suas motivações:

Os stakeholders internos são os que trabalham diretamente no museu, em várias etapas e vários níveis de responsabilidade quanto aos produtos ou serviços da organização, são eles:

(a) Empregados em atividades culturais: curadores, museólogos e técnicos ligados ao acervo. Têm um profundo conhecimento da coleção e podem propor significados e abordagens diversas. Tais profissionais permitem ao museu ter sua identidade e reputação. Garth Morgan (2006) descre-ve-os através da metáfora cérebro, ou seja, os que usam em suas ativi-dades o conhecimento, informação, aprendizado e inteligência. Como profissionais de criatividade, sua motivação origina-se essencialmente na liberdade de pensamento, criação e ação.

(b) Empregados em atividades não-culturais: são a essência das atividades de apoio, tanto em funções de gestão quanto em funções operacionais. Gestores podem ser representados por qualquer das várias metáforas sugeridas por Morgan (ou pela combinação delas), mas, apesar de sua

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relevância, os demais funcionários do museu são os que exercem ativi-dades que Morgan (2006, p. 6) descreve na metáfora mecanicista, ou seja “peças entrelaçados que desempenham um papel claramente defi-nido no funcionamento do conjunto”. São eles assistentes, secretários, recepcionistas, balconistas, guardas, vigias de galerias, faxineiros e ou-tras funções relevantes podem substituir o profissional que as exerce sem prejuízo para o museu. Esses profissionais são motivados funda-mentalmente por seus salários e potencial estabilidade.

(c) Não-empregados: esses são os stakeholders que Freeman (1984) não considerou, pois inexistem em corporações – os voluntários (e estagiá-rios). São os que se oferecem para trabalhar em um museu sem receber retorno monetário, mas oportunidade de ganho em conhecimento, ex-periência profissional, oportunidade de desenvolver suas redes de rela-cionamento (networking), e por se sentirem engrandecidos por estarem participando de uma causa, como descrito anteriormente. Em organi-zações sem-fim-lucrativo, os voluntários e estagiários são essenciais e, não raramente, imprescindíveis para seu funcionamento. São motiva-dos pelas oportunidades que o museu lhes oferece, e respeito a sua dedi-cação e a seu trabalho, sendo possível que a remuneração os desmotive.

Os stakeholders externos com influência direta, são os que podem interferir diretamente sobre a orientação estratégica do museu, com uma relação de poder sobre a organização. São eles:

(a) Conselho de administração: é o corpo de profissionais, normalmente experiente e influente na sociedade ou no setor, que determina os ob-jetivos estratégicos do museu, além de auxiliar no processo de captação de recursos financeiros de grandes doadores. Em muitos casos, o pre-sidente do museu responde ao conselho, que o escolhe e afasta. Estes stakeholders poderiam ser considerados internos, mas para o método Valorização da Cultura serão entendidos como externos, pois não estão envolvidos nas atividades quotidianas do museu. Assim como os volun-tários, o conselho de administração é motivado pela causa do museu.

(b) Patrocinadores: são corporações que, por meio da lógica de mercado, buscam associar suas marcas à do museu, em troca de um pagamento (o patrocínio). Patrocinadores visam essas associações como estratégia de marketing e são motivados pela exposição de suas marcas.

(c) Parceiros: são organizações que desenvolvem projetos específicos em conjunto com o museu, sem que cada um abra mão de sua identidade. Um exemplo de parceria é entre um museu e uma editora para a publica-ção de livros sobre temas relacionados ao museu. Outro exemplo acon-tece quando dois ou mais museus desenvolvem projetos em conjunto,

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como uma exposição que usa obras dessas instituições. Os parceiros são motivados pelo projeto e pelo que podem alcançar para si com ele.

(d) Estado e formuladores de políticas públicas: o Estado busca a melhoria da sociedade, por isso investe em programas culturais específicos. Dessa forma, diretamente por meio de subsídios ou indiretamente por meio de incentivos fiscais, políticos e gestores de cultura investem em cultura visando não a organização em si, mas o impacto que pode gerar, sendo esta sua motivação.

Finalmente os visitantes formam o último grupo de stakeholders. São tam-bém externos, mas exercem influência indireta sobre o museu, isto é, os indivíduos que, apesar de poderem desenvolver um relacionamento próximo ao museu, mas não têm influência direta sobre suas decisões estratégicas. São eles:

(a) Profissionais, são eles artistas, críticos, jornalistas, galeristas, pesqui-sadores, professores, e até curadores ou museólogos de outros museus (colegas ou pares) que irão ser influenciados por sua visita. Como mo-tivação, buscam no museu fontes de informação ou de inspiração para suas próprias produções.

(b) Não-profissionais (ou amadores), que podem ser visitantes frequentes, esporádicos ou alguém que nunca havia visitado um museu antes. Os primeiros beneficiam-se mais especificamente do conteúdo e de seus valores transcendentais. Os segundos ganham ao aprender não apenas sobre as obras, mas também sobre o museu e melhoram seu capital cul-tural sobre museus e como apreciá-los. O maior benefício dos últimos é a quebra do preconceito existente onde “museus são depósitos de coisas velhas” – esse é o stakeholder que deve ser tratado com especial atenção, pois, como a tabula rasa, são visitantes que não têm (ou têm pouca) re-ferência sobre museus.

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Figura 3. Seis etapas do método Valorização da Cultura

Fonte: Klamer (2016, no prelo).

DESCRIÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DO MÉTODO VALORIZAÇÃO DA CULTURA

Tendo discutido os valores que um museu busca transmitir, a mudança desses valores (ou seja, a valorização), e os recursos que esse museu tem a sua disposição para tornar esses valores reais, a presente seção tratará da descrição do método Valorização da Cultura e de sua operacionalização. A Figura 3 apresenta as seis etapas do modelo.

PRÁTICAS CULTURAIS

PRÁTICAS DE APOIO

A

B

C

D

E

F

A etapa A trata da identificação dos valores do museu, e da criação de in-dicadores que serão usados durante todo o processo de desenvolvimento do pro-grama de avaliação. Para a identificação desses valores, emprega-se a pesquisa laddering, amplamente aplicada em marketing. A premissa dessa técnica é a causa-lidade: toda causa gera uma consequência. Por exemplo, a compra do produto de uma marca (a consequência) é fruto de valores iniciais (a causa). Da mesma forma, ainda que o curador da exposição não articule os valores que pretende fomentar, estes serão identificados através dessa técnica.

Para aplicá-la, o avaliador inicia observando os fatos concretos (as decisões que o curador tomou para elaborar a exposição) e faz uma série de perguntas até chegar a um ponto onde são identificados valores como expostos na Figura 1. Após identificar esses valores, o avaliador deverá criar os indicadores específicos que

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serão usados na etapa B, agregando a estes, quaisquer outros que possam ser soli-citados pelos stakeholders externos com influência direta.

A etapa B, por sua vez, trata da investigação das atividades culturais, bus-cando identificar a correspondência entre os valores que o museu busca fomentar nos visitantes (profissionais ou não) e a sua efetivação. Para essa etapa, serão apli-cadas duas técnicas. Junto aos visitantes não-profissionais, o avaliador deverá de-senvolver dois questionários complementares: um para ser aplicado na entrada da exposição e outro logo após a visita, na saída. Ambos os questionários investigarão os valores identificados na etapa A, e sua possível valorização. Os visitantes profis-sionais, com maior capital cultural e em menor número, deverão ser entrevistados individualmente ou fazer parte de grupos focais de discussão, mas sempre sobre o mesmo conjunto de valores identificados na etapa A.

Já a etapa C trata das atividades de apoio, e têm como objetivo identifi-car se o museu avaliado pode garantir a sustentabilidade organizacional (isto é, a perpetuação do museu) por meio de uma gestão apropriada dos quatro recursos apresentados no presente capítulo:

(a) Coleção: um programa de avaliação não pode e nem deve interferir nas decisões acerca do acervo do museu, nem pode avaliar se trabalhos de restauro e catalogação estão sendo bem feitos, mas deve assegurar que essas duas atividades têm sido realizadas conforme um programa es-tipulado. Também deve assegurar que as obras estão sendo vigiadas e protegidas contra vandalismo ou roubos, e se esses sistemas estão fun-cionando.

(b) Não-Coleção: qual a saúde dos outros ativos do museu? O edifício está recebendo a atenção suficiente que requer? Restauros e manutenções estão sendo feitas? Existem equipamentos quebrados ou com prazos de manutenção expirados?

(c) Financeiros: para esse item, é interessante notar que as fontes de fi-nanciamento devem variar, o Prêmio Nobel de Economia James Tobin (1958), em seu estudo sobre carteira de investimento sugere o mesmo princípio para atores econômicos avessos ao risco em investimentos, chamando-os “diversificadores”. Assim, seguindo esse estudo econômi-co e o senso comum, essas quatro fontes de financiamento devem ser balanceadas da forma mais equilibrada quanto possível, afim de evitar que na falta de uma, o museu como um todo seja afetado e tenha sua sustentabilidade financeira colocada em risco.

(d) Humanos: aqui o foco são os stakeholders internos e suas motivações. O avaliador deve ser certificar que é bom o clima organizacional e que os

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três tipos de stakeholders têm suas motivações atendidas e têm condi-ções de desenvolver suas atividades.

Quanto à etapa D, esta trata da análise dos resultados e da ponderação das prioridades. Retomando a ideia inicial deste trabalho, onde museus são organiza-ções híbridas, é importante notar que um problema em uma atividade de apoio pode afetar (e certamente afetará) uma Atividade Cultural. Imagine que devido à falta de manutenção no telhado do edifício, durante os meses de chuva, haverá o risco de goteiras em uma das salas de exposição, levando-a a ser fechada. Ou ainda, que por condições ruins de trabalho ou clima organizacional, empregados decidam paralisar suas atividades em greve.

Assim, o método de ponderação levará em conta todos os problemas encon-trados em ambos os conjuntos de atividades, identificando seu impacto potencial, ponderando-o pelo risco, em um método proposto por Kepner e Tregoe (2006). Não é incomum que avaliadores externos realizem seus trabalhos, apresentem relatórios e deem por concluída sua participação na Etapa D. No entanto, um mé-todo sólido de avaliação, desenvolvido especialmente para museus, que leva em conta as particularidades dessas organizações e as características de seus gestores, deve dar um passo além e incluir as etapas E e F.

Nesse sentido, a etapa E trata do desenvolvimento interno do museu, sen-do representada na Figura 3 pela linha que retorna à etapa A. A etapa E visa pro-mover e sistematizar os procedimentos bem sucedidos, e elaborar um plano de ação para resolver os problemas identificados. Essa etapa deve ser desenvolvida em conjunto com os gestores do museu, para que haja perfeita compreensão e comprometimento por parte desses profissionais na implantação desse plano.

Por fim, a etapa F trata da comunicação externa dos resultados do pro-grama de avaliação, sendo representada na Figura 3 pela seta que se dirige para fora do diagrama. Os stakeholders externos com influência direta interessam-se pelo cumprimento dos objetivos pelo museu, tanto em suas atividades culturais quanto no que tange à sustentabilidade organizacional, gerenciando bem suas atividades de apoio.

VALORIZAÇÃO DA CULTURA: UM MÉTODO PARA SERVIR A MUSEUS E À CULTURA

O método apresentado no presente capítulo tem como objetivo apoiar a cultura. Valorização da Cultura é um método de avaliação criado especialmente para museus, levando em conta seus valores, recursos e stakeholders. Propõe uma

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abordagem que leva em conta a característica híbrida de um museu, balanceando suas Atividades Culturais às Atividades de Apoio. As primeiras refletem as maiores aspirações de uma organização cultural: “mudar o ser humano”, no entanto esta finalidade só poderá ser realizada se os gestores puderem manter seus museus operacionalmente sustentáveis a longo-prazo.

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KARINA POLIDoutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

[CAPÍTULO]

ECONOMIA CRIATIVA, HUBS CRIATIVOS E A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

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INTRODUÇÃO

O presente capítulo discute a importância da organização do trabalho e dos arranjos institucionais que permeiam a economia criativa. Partimos da ideia de que esses arranjos e as dinâmicas estabelecidas para a troca de conhecimento, experiências, trabalho colaborativo e formação de aglomerados são tecnologias sociais importantes para compreender as diferentes formas de se agregar valor e de possibilitar a atuação social em torno dos processos da economia criativa. Nes-se texto, argumenta-se que a base dessa economia está, em grande medida, nos pequenos e médios empreendimentos, construída nas relações entre agentes cul-turais. Pensar em agentes culturais como atores de mobilização econômica e social em pequenas cadeias de produção de conteúdo cultural e criativo é uma das chaves da presente discussão. A compreensão sobre a dinâmica da formação de agentes culturais, entendendo os processos de organização do trabalho e suas tecnologias sociais intrínsecas, relacionadas aos pequenos e médios empreendimentos criati-vos é basilar para entender os processos de desenvolvimento econômico, social e cultural provenientes da atuação dos atores sociais em economia criativa.

A produção de pesquisas que pontuem características e descrevam os pro-cessos desses agrupamentos de agentes associa-se ao objetivo de discutir a produ-ção de indicadores com o intuito de direcionar as políticas públicas na elaboração de ações de regulamentação, financiamento, desenvolvimento e pesquisa para a evolução da economia criativa no Brasil. A questão da mensuração da economia criativa é um debate muito importante para os gestores públicos, principalmen-te internacionais, que procuram encontrar métodos que se adéquam a diferentes realidades dos países e também sejam capazes de medir os impactos dos valores subjetivos implícitos nesse tipo de proposição de políticas públicas. Agências mul-tilaterais, como a Unctad, e acadêmicos, como David Throsby, desenvolveram al-gumas iniciativas para consolidar um método de mensuração comum que pudesse ser aplicado para medir a economia criativa no mundo, porém ainda estamos lon-ge de alcançar um modelo capaz de descrever de fato como esse paradigma afeta a economia, a cultura e sociedade de um local1. Alguns elementos comuns men-surados por esses métodos dizem respeito ao número de empregos, ao montante financeiro transacionado através da economia criativa, ao valor interno bruto para a economia nacional, às trocas financeiras de fusões e aquisições, entre outros ele-mentos que descrevem os aspectos econômicos que as indústrias culturais e cria-tivas trazem para um país.

(1) Esses modelos utilizam, basicamente, dados referentes a produção com base em setores econômicos relacionados à cultura e à criatividade.

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Este capítulo não pretende discutir técnicas de mensuração da geração de produto da economia criativa, mas procurará, a partir de uma leitura de conceitos importantes, apresentar uma perspectiva da nova organização do trabalho pro-movida pelo conjunto de agentes que atuam na economia criativa e a sua relação com o desenvolvimento local, através dos impactos subjetivos criados por esse novo paradigma. Para tal construção analítica, dividimos este capítulo em partes: realizaremos uma rápida revisão bibliográfica para conceituar trabalho criativo e o hub criativo, olharemos para o papel da universidade no desenvolvimento e no estabelecimento de diálogo com os agentes da economia criativa, trazendo um olhar crítico sobre a importância das políticas culturais como formas de fomentar a mobilização social e econômica dessa estrutura.

ECONOMIA CRIATIVA: ENTENDENDO CONCEITOS

Os trabalhos acadêmicos sobre a economia criativa têm produzido um acú-mulo conceitual relevante nas últimas décadas. É possível identificar três países cujos debates, em primeira instância, foram os principais influenciadores e dis-seminadores desses conceitos: Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. Os três apresentam entendimentos e processos diferentes na incorporação do conceito nas pesquisas acadêmicas. O pensamento desenvolvido nos EUA, em geral, obser-va as indústrias e economia criativa a partir da sua força de trabalho e contratos, tendo em vista os processos da propriedade intelectual e a sua relação com o espa-ço urbano (CAVES, 2003; FLORIDA, 2003). Na Inglaterra, um dos mais influen-tes pesquisadores, responsável pela disseminação do conceito na Ásia, observa a relação da economia criativa com um novo modelo de desenvolvimento ligado à questão dos mercados locais da criatividade e consequentemente da capacidade econômica da propriedade intelectual (HOWKINS, 2001). No entanto, é também na Inglaterra que um conjunto de pesquisadores, sobretudo ligado aos cursos de humanidades e influenciado pelos estudos culturais e pela economia política da comunicação e da cultura, passaram a desenvolver trabalhos com uma visão mais crítica sobre esses processos que, segundo esses autores, surgiram originalmen-te no ambiente político para depois transportar-se para a academia (HESMON-DHALGH; BAKER, 2010).

Richard Florida é um teórico norte-americano cujo enfoque de pesquisa é a economia urbana. Florida (2003) estruturou seu estudos na elaboração do con-ceito de classe criativa, que, segundo ele, promove um ambiente urbano aberto e dinâmico que atrai mais pessoas criativas, bem como empresas e capital para as

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localidades. Richard Earl Caves é um economista conhecido por seu trabalho em empresas multinacionais, sobre a organização industrial e as indústrias criativas. O seu principal livro (CAVES, 2003) explora a organização das indústrias criativas, incluindo as artes visuais e cênicas, cinema, teatro, indústria fonográfica e edição de livros. Segundo esse autor, as empresas em indústrias criativas, em sua maioria, dividem-se entre aquelas de pequena escala que se concentram sobre a seleção de talentos criativos e aquelas de grande escala que realizam a produção e a distri-buição globalizada de bens criativos. Para explicar a lógica e a relação das áreas culturais com os negócios, o autor baseia-se nos recursos analíticos de economia industrial e da teoria dos contratos (CAVES, 2003).

John Anthony Howkins é um autor e pesquisador inglês a quem se atribui a formulação do conceito de economia criativa. Seu trabalho destaca-se pelo papel importante que teve no desenvolvimento do setor na China e pela difusão do con-ceito na Ásia. Em seu livro, o conceito de economia criativa é tido como comple-mentar ao conceito de indústrias criativas, descrito como um sistema econômico cujos valores estão baseados na capacidade de criação e na propriedade intelectual (HOWKINS, 2001). Para esse autor, economia criativa propõe um novo modelo de desenvolvimento, alternativo ao modelo tradicional baseado em recursos na-turais, capital e trabalho, e tem a cidade como principal ambiente de investigação (HOWKINS, 2001)

Ainda na academia inglesa, há pesquisadores que observam as indústrias criativas não como um modelo de desenvolvimento e sim como um paradigma de política pública (HESMONDHALGH, 2005). Implementada inicialmente na Aus-trália, e posteriormente na Inglaterra, essa corrente tem exercido forte influência em diversos países em desenvolvimento. Esses autores trabalham uma aborda-gem mais crítica dos processos, dando um destaque para as condições precárias do trabalho criativo e aos riscos da gentrificação, apresentando argumentos que de-monstram as semelhanças entre os processos produtivos das indústrias culturais em relação às indústrias criativas. Em recente publicação, David Hesmondhalgh e outros colegas examinam as políticas culturais dos governos trabalhistas britâ-nicos, sob o New Labour, entre 1997 e 2010, procurando entender como as políti-cas das indústrias criativas incorporam questões de patrimônio, desenvolvimento cultural regional e outras questões que envolvem o tema e a sua condução prática (HESMONDHALGH et al., 2015).

Justin O’Connor (2011) procura em seu trabalho conciliar argumentos que reconheçam a importância das indústrias criativas e economia criativa como um novo modelo de desenvolvimento, porém reconhece a força dos modelos econômi-cos da grande indústria do entretenimento na condução dos negócios da proprie-dade intelectual. Ele observa os processos de um modo mais crítico procurando

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analisar o trabalho criativo e a sua relação com o desenvolvimento urbano, enten-dendo a produção criativa como mobilizadora da cultura e do conhecimento de for-ma autônoma, engajando instrumentos políticos e recursos financeiros públicos .

Outro autor australiano muito importante na produção acadêmica sobre os conceitos de economia criativa é David Throsby, que é uma das principais re-ferências na área de economia da cultura e reconhece a economia criativa como um modelo de desenvolvimento. Uma das suas principais contribuições na nova abordagem científica da economia criativa foi a criação do modelo de análise dos círculos concêntricos, que é referência em diversos trabalhos e documentos inter-nacionais sobre as indústrias criativas (THROSBY, 2010). Throsby tem sido um consultor influente em uma série de organizações internacionais, como a UNES-CO, a UNCTAD, a OCDE, a União Europeia, e o Banco Mundial. Segundo o autor, seu modelo proporciona uma base para formulação de sistemas de classificação estatística para a produção cultural, permitindo a coleta ordenada de dados sobre a produção, o valor acrescentado, a taxa de emprego, e outros índices relevantes para efeitos de mensuração econômica da cultura. O modelo de círculos concêntricos é prontamente adaptável para caber em diferentes formatos e métodos analíticos de diferentes estruturas de política cultural (THROSBY, 2010).

A discussão desta seção passa por concatenar alguns conceitos trabalha-dos por esses autores internacionais. Apesar de esses conceitos não pertencerem a autores com linhas teóricas afins, eles oferecem elementos importantes que nos permitem observar a organização dos agentes pelo ponto de vista das redes de tra-balho e dos aglomerados territoriais. Os conceitos de cluster criativo e hub criativo, o que chamamos genericamente de aglomerados territoriais criativos, têm sido amplamente usados para entender os processos e a dinâmica da economia cria-tiva. O primeiro é derivado do conceito de cluster de negócios de Michael Porter (2002), que descrevia uma forma de organização produtiva que favorece a criação de vantagens competitivas importantes ao se agruparem em torno de uma mesma localidade. Os discursos sobre uma economia criativa se apropriaram do conceito de clusters e o transformaram em um conceito extremamente influente nas po-líticas de governos nacionais e regionais do mundo (HESMONDHALGH, 2007). Clusters criativos podem ser vistos como um subconjunto de polos de empresas que incluem prestadores de serviços e empresas semelhantes em estreita proximi-dade uns dos outros.

O termo creative hub ou hub criativo, por sua vez, é o termo mais recente-mente adotado nos círculos de políticas destinadas a fomentar o crescimento da economia criativa local. Para Tarek Virani (2015), embora os hubs criativos tenham modelos de manifestações físicas, espaciais, organizacionais e operacionais, eles se definem como concentrações geográficas de empresas interconectadas, de for-

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necedores especializados, prestadores de serviços, instituições associadas, e em-presas em setores correlatos. Isto os diferencia de outros tipos de aglomerações criativas, como os clusters e os quarteirões criativos tradicionais da Inglaterra. O conceito de hub foi originalmente usado para identificar nós centrais em redes de transporte, conexões localizadas que facilitam a ligação e a interação entre vários agentes. Quanto à sua utilização no estudo de economias de aglomeração urbana, o conceito de hub foi introduzido como forma de descrever a espacialidade de no-vos tipos de organização dos aglomerados (VIRANI, 2015).

Os hubs criam ambientes em que as relações de trabalho envolvem-se nos processos produtivos da economia criativa e são estabelecidas por meio de proje-tos temporários, muitas vezes subsidiados. Os agentes, organizados em redes e aglomerados territoriais ou digitais, se conectam para a realização desses projetos e, em conjunto, tornam-se um corpo de prospecção, captação e distribuição de oportunidade de trabalho, na medida em que todos os empreendedores procuram ativar oportunidades de fundo para o desenvolvimento de seus projetos. Kate Oa-kley (2009) estudou alguns mercados de trabalho para os artistas do âmbito co-mercial, principalmente ligados ao setor de música. Segundo a autora, o trabalho artístico, e por nossa conta podemos dizer criativo, é impulsionado na maioria das vezes por organizações, com fins lucrativos ou não, e em grande parte é subsidiado pelo setor público, já que o setor comunitário muitas vezes não remunera o traba-lho do artista. Aqueles que realizam atividades remuneradas se organizam muitas vezes como profissionais autônomos. O autoemprego aparece com grandes níveis de articulação em rede, incorporando vários locais e organizações no processo da produção cultural e criativa (OAKLEY, 2009).

Para essa autora, o trabalho artístico envolve um cruzamento entre tra-balhos subsidiados e não subsidiados, remunerados e não remunerados. O setor seria formado por ações de empreendedorismo cada vez mais combinadas com diferentes competências e diferentes agentes que identificam oportunidades para criar novos produtos ou serviços, mobilizando recursos, tanto financeiros quanto humanos. Outro elemento característico do trabalho criativo é o profundo em-penho e um forte senso de realização pessoal, mesmo que, em alguns casos, os agentes reconheçam que essa autonomia pode ser apenas utópica. Para Oakley (2009), uma das maneiras em que os trabalhadores culturais conseguem gerir os riscos e incertezas do trabalho é por meio da formação de redes. A importância das redes para o trabalho artístico e criativo tem se tornado modelo para outros tipos de relações de trabalho contemporâneo, e essas iniciativas têm sido amplamente discutidas como modelos de trabalho da nova economia (OAKLEY, 2009).

Michael Scott (2012) argumenta que os empreendedores culturais fazem parte de um grupo social que inclui principalmente jovens cujo objetivo principal

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é ter uma carreira artística ou criativa. O autor observa o empreendedorismo cul-tural como uma prática que ocorre principalmente quando há escassez de capital econômico. Outro elemento comum a esse grupo é o “faça você mesmo” (do it your-self – DIY). Os produtores DIY incluem aqueles que criam e executam projetos, au-togerenciam sua carreira, e isso vai além das capacidades e recursos das pequenas e médias empresas (PME). Como esses produtores DIY, na maioria das vezes, não têm o capital econômico suficiente para pagar profissionais para fortalecer a cadeia produtiva, eles iniciam suas relações acionando suas redes e se agrupando para alcançar os recursos necessários para o desenvolvimento de suas ações comerciais (SCOTT, 2012). Desse modo, a concepção da economia criativa por meio das for-mas de organização do trabalho que engendra oferece um campo adicional para o entendimento do lugar de agentes culturais e das relações que constrói como um norte para a pesquisa e a produção de políticas públicas.

ORGANIZAÇÃO DOS AGENTES CULTURAIS: DESENVOL-VIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A CULTURA

Sugerimos aqui olhar para o fomento à cultura pela perspectiva da forma-ção de agentes culturais e criativos, como caminho conceitual para melhor enten-der a noção de hubs criativos e a organização do trabalho própria da economia cria-tiva. Ao trazer para o debate a organização dos hubs e sua relação com os espaços, propomos um olhar para a organização do trabalho como uma dinâmica social, simbólica e econômica. Nesse sentido, o fomento à cultura é uma ação intrínseca às políticas culturais. Quando apresentamos os conceitos e teóricos de economia criativa, reconhecemos que é possível observar esse conceito pelo ponto de vista de um novo modelo de desenvolvimento, mas que esse modelo deve estar relacio-nado aos processos de políticas públicas para a cultura e criatividade.

Uma das principais críticas à economia criativa está associada ao fato de certos teóricos considerarem como seu elemento principal o papel da proprieda-de intelectual, da indústria cultural, da produção simbólica e da inovação para os países entusiastas desse tipo de modelo de desenvolvimento. Os processos econô-micos de grandes escalas que envolvem as grandes indústrias do entretenimento e da tecnologia são fáceis de mensurar, e sua importância tem sido cada vez maior nos Estados Unidos e na Inglaterra. Setores como o cinema, a música, o turismo, o mercado editorial, de produção de conteúdo televisivo, que aqui entendemos como indústrias culturais, são setores econômicos organizados e estruturados em ambas as economias. Diversos estudos sobre os impactos econômicos das in-

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dústrias culturais têm sido realizados para demonstrar a eficiência específica da economia criativa. No entanto, quando olhamos para a produção acadêmica com outra vertente, somos capazes de reconhecer uma nova organização social que tra-balha a cultura e a criatividade como elemento transversal de um novo modelo de desenvolvimento em comunidade e agrupamentos, que se reúnem para colaborar e impulsionar pequenos mercados, que dependem de ações de políticas públicas e de financiamento, e se constituem como aglomerados econômicos de pequenas localizações.

Geralmente esses aglomerados são formados por pequenos empreendedo-res – que, dependendo do país, atuam muitas vezes na informalidade – que criam uma ecologia social colaborativa que dá vida econômica para locais com poucos recursos. Entender os impactos positivos e subjetivos da cultura na sociedade nos faz pensar em novos modelos de aproximação e de mensuração dos processos das pequenas e médias empresas que se organizam em grupo. Em minha agenda de pesquisa, desenvolvemos um modelo de análise para entender os processos de or-ganização do agente cultural da música no Brasil, para isso usamos três referên-cias teóricas, os círculos concêntricos de Throsby (2010) e as categorias sociais dos agentes produtores de cultura apresentadas no livro “Cultura” de Raymond Williams (1993). O conceito de audiência de Arjo Klamer (1998), ao final, conclui o modelo sobre a organização do trabalho do agente cultural. O objetivo foi organi-zar os diferentes tipos de agentes no processo produtivo e econômico da música e, assim, compreender as várias formas de organização social do trabalho nesse setor e que foram estabelecidas pelos agentes criativos.

Os modelos de círculos concêntricos da economia criativa é um dos mais usados em ações de mensuração das políticas culturais foi criado por David Thros-by (2010). Ele divide todas as atividades das indústrias culturais e criativas em quatro partes: núcleo do campo criativo, indústrias culturais, indústrias criativas, e atividades do resto da economia. O núcleo do campo criativo é o mais importante para as indústrias criativas. Para o autor, todas as ideias são originárias da criativi-dade e são advindas desse núcleo: no campo artístico, por exemplo, elas aparecem em forma de música, texto e/ou imagem. Essas ideias são difundidas através de uma série de círculos concêntricos, que as transformam em produto com propor-ção de conteúdo cultural que pode ser comercial ou não, dependendo da distância que o produto estabelece do núcleo, aumentando o apelo comercial à medida que se move mais para fora do centro.

A composição do setor cultural é descrita por Throsby (2010), como a in-terpretação da produção, distribuição e consumo das artes e da cultura inserida a um processo econômico. Ele analisa as políticas públicas do campo a partir de um ponto de vista econômico, mas também sinaliza que a definição dos objetivos

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artísticos e culturais de uma política cultural é problemática, uma vez que se rela-cionam a conceitos estéticos de excelência, diversidade, sustentabilidade cultural, e são difíceis de identificar e medir (THROSBY, 2010). Tomando como ponto de partida esse método, é possível constatar que a economia criativa é um paradigma de política cultural, que reconhece o potencial comercial das indústrias culturais, porém considera a dinâmica criativa como parte essencial desse processo de co-mercialização. No entanto, esse recorte reconhece a dificuldade de mensuração de certos impactos que fazem parte da sua organização.

O uso dos círculos concêntricos nos permite identificar as diversas relações entre as indústrias culturais e as pequenas empresas. As indústrias culturais fun-cionam através da lógica das grandes corporações de lazer e entretenimento e bus-cam conteúdo e mão de obra entre a classe criativa, mas deixam os riscos para as empresas menores. A assimetria econômica existente entre as indústrias culturais e os aglomerados é significativa; no entanto, as relações comerciais e de produção existem e se constituem como parte da economia criativa. Outro elemento que gera muita confusão quando falamos sobre economia criativa refere-se aos seto-res. Como colocamos anteriormente, alguns autores entendem a economia criati-va como o conjunto de setores da economia que se apoiam na criatividade como matéria prima, neles entendem-se os artistas, cientistas, inventores, e todos que empreendem algo novo. No entanto, quando falamos de mapeamento e mensura-ção da economia criativa, estamos nos referindo a uma ação de Estado, vinculada a um olhar das políticas públicas buscando entender os resultados desses processos. Quanto à política pública, a classificação dos setores da economia criativa depen-derá dos critérios e argumentos das políticas culturais. Os círculos concêntricos reconhecem os diferentes entendimentos dos critérios para o reconhecimento dos setores da economia criativa e propõem olhar para todos por meio de suas cadeias de valor. Assim, sendo os setores, designer, publicidade, produção de games, ar-quitetura, e as atividades clássicas culturais, como cinema, teatro, música, artes visuais, cada setor se constitui com cadeias de produção organizadas de modos diferentes, que precisam ser analisadas separadamente, para serem colocadas reu-nidas em um só índice.

Para tentar ilustrar a complexidade existente nas cadeias criativas, procu-raremos compreender as diferenças de agentes que podem existir em uma única cadeia de produção. A categorização dos agentes econômicos das indústrias cul-turais e criativas parece um caminho relevante para identificar as empresas, sua organização, bem como seus processos produtivos. Em seu livro “Cultura”, Wil-liams (1993) apresenta quatro fases em que um agente cultural pode se encontrar na esfera econômico-social. Ele procura estabelecer uma sociologia da cultura e compreender como a produção simbólica cria as relações entre arte, trabalho e mercado. As fases do agente cultural são, segundo Williams (1993), a fase artesa-

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nal, a fase pós- artesanal, a fase de mercado, e a fase empresarial. As características das fases descritas por ele diferem dependendo do contexto nacional e local. Essas categorias de agentes culturais podem ser interessantes para entendermos como eles estão organizados, e, após isso, entendê-los dentro dos círculos concêntricos e dos processos econômicos da economia criativa.

Na fase artesanal, o produtor independente, cria e põe a própria arte à venda. Nessa fase, o seu alcance comercial é limitado a uma rede de relaciona-mento estabelecida pelo próprio artista, ou seja, ele desenvolve sozinho todas as etapas até a arte chegar em quem irá consumi-la. Na fase pós-artesanal da relação com mercado, o artista vende a sua obra a um intermediário distribuidor, ou a um agente, que irá colocar o produto nos mercados específicos. Esse profissional intermediário da fase pós-artesanal pode comprar o produto do artista e revender ou somente agenciar o produto cultural no mercado. Nessa segunda fase, o agente cultural e criativo amplia o seu espectro de atuação e estabelece relações pouco mais complexas com o mercado. Geralmente um intermediário do mercado exerce um papel de curador e procura uma produção que agrade uma demanda conhecida por ele, em que buscará as oportunidades em suas redes de contato e em suas co-nexões (WILLIAMS, 1993).

A terceira fase dos agentes culturais é a de mercado, em que eles estabele-cem suas relações sociais conforme a crescente capitalização dos intermediários produtivos. O agente já tem um reconhecimento e uma demanda de produção es-pecífica, trabalha com vários tipos de intermediários e usa diferentes redes de con-tato. Geralmente, há um agente ou empresário exclusivo que irá intermediar as relações comerciais com os vários outros intermediários. É um processo crescente de profissionalização entre os agentes, mas isso não se refere à qualidade artística, uma vez que determinados segmentos culturais não são comerciais e estabelecem outros tipos de relações com suas audiências. A quarta e última fase é a empresa-rial, em que o artista estabelece a sua relação com o mercado através de sua marca, tem notoriedade e seu nome já movimenta muitos recursos derivados de sua pro-dução artística e licenciamentos de marca. O agente empresarial reúne a sua volta um conjunto de profissionais ligados às diferentes fases do processo produtivo em uma organização própria. Geralmente são produções comerciais ou de altíssimo reconhecimento no mundo das artes ou do entretenimento (WILLIAMS, 1993).

Articulando as fases dos agentes e os processos que envolvem a economia criativa descritos no método dos círculos concêntricos, problematiza-se que a or-ganização dos agentes se estabelece de formas distintas e atua dependendo do tipo de arranjo econômico estabelecido. Assim, o que determina a aproximação ou o distanciamento do conteúdo criativo do centro do círculo é o modo como estão construídas as relações comerciais entre os agentes. Essas relações estabelecem-se

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através do diálogo entre o artista ou agente cultural, a obra ou o conteúdo criativo, e quem consome ou é afetado por ele. Acreditamos que, conforme cada fase do agente cultural na cadeia produtiva e da condução de seus negócios, os diálogos entre as esferas das audiências e os produtos/empreendimentos culturais se darão de formas distintas em termos de discursos, expectativa, necessidades. Dependerá da capacidade do empreendedor para alcançar a esfera comercial e ampliar sua escala de atuação no mercado.

Entender a relação das audiências com o mercado cultural é uma questão fundamental para desenharmos o funcionamento da economia criativa. Arjo Kla-mer (2015) descreve o conceito de audiência usando quatro esferas. A esfera inter-na da audiência se refere ao diálogo com os colaboradores, funcionários, famílias, intermediários: todos aqueles que são mais próximo dos agentes culturais ou estão de certa maneira envolvidos com sua produção cultural. A esfera social da audiên-cia é o diálogo com a imprensa, com os voluntários, com os apoiadores e patroci-nadores de pessoa física e jurídica, com os fãs, com os consumidores e com a socie-dade de um modo geral. A primeira e a segunda esfera são relações com a audiência que não são mediadas pelo dinheiro, mas produzem valores importantes para a dinâmica ecológica criativa dos agrupamentos criativos. A esfera do mercado, que não deixa de fazer parte da esfera social, estabelece uma relação comercial que se baseia na vontade dos outros em pagar pelo produto. É uma transação fundada na escolha do outro e é mediada pelo dinheiro. É uma relação comercial propriamente dita e pode ser motivada por diferentes circunstâncias.

A última esfera, a governamental, refere-se à relação do agente cultural com o governo e com as políticas públicas, ou regulamentações ligadas ao setor cultu-ral. É o diálogo do empreendimento cultural com o governo, principalmente para ter acesso aos mecanismos de financiamento público e incentivos fiscais. Os pro-cessos, segundo Klamer (2015), devem contemplar todas as esferas, mas é a esfera social que conduz as estratégias para a difusão das narrativas e dos diálogos com as outras esferas da audiência. O processo de gestão do empreendimento cultural e criativo estabelece a forma como o produto/empreendimento cultural se posiciona no mercado, o que vai depender dos objetivos organizacionais (KLAMER, 2015).

Assim, as relações e trocas sociais, simbólicas, econômicas que são estabele-cidas entre o produtor, a obra e o público devem ser pensadas de forma mais ampla e estratégica, tendo como base as especificidades de cada organismo político e da cultura dos diferentes contextos locais e institucionais. A classe criativa aparece como resultado das políticas públicas da transversalidade da cultura como fator de desenvolvimento. Hoje, o trabalhador da cultura tem um papel econômico dife-rente do que havia assumido anteriormente, diversos fundos de recursos públicos para a cultura estão direcionados ao apoio de projetos que valorizam a colaboração

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entre a classe criativa, a audiência e o desenvolvimento local. A reflexão entre cul-tura, mercado e trabalho se dá pela discussão das políticas culturais.

Valor, trabalho criativo e organização social é uma tríade importante para entender os processos produtivos e as relações profissionais do campo das indús-trias culturais e criativas (ICC). A relação de valor do produto cultural não está re-lacionada ao tempo de trabalho empregado na produção, e tão pouco na relação do valor de uso – valor de troca. O valor de um produto cultural se estabelece na tríade autor-obra-público, que conecta os três modelos aqui discutidos. Após a In-ternet, os processos de distribuição tornaram-se mais democráticos, porém essa abundância de conteúdo circulando faz com que os conteúdos de nicho se percam no mercado de massa e encontrá-los nem sempre é uma tarefa fácil. A relação entre classe criativa e seu público é um elemento chave e muitas vezes o empreendedor tem de se esforçar para encontrar seu público. As redes de colaboração vêm suprir uma estrutura funcional do processo produtivo. Essas redes reúnem profissionais que trabalham em uma mesma cadeia, seja ela da música, da arte, cultura em geral ou outra linguagem específica. Essa rede é uma nova forma de organização social, constituída por diferentes profissionais que buscam oportunidade de trabalho, ren-da, financiamento, e que, por meio de uma gestão horizontal, dinamizam a cadeia, seja no processo criativo, seja nos processos de difusão, circulação e consumo.

Diferentes profissionais saem em busca de informações e parcerias para participar do intenso mercado das ICC, e com a Internet surgem oportunidades de estabelecer relações diretas com o público, e construir ferramentas próprias de atuação profissional. Quando conseguem estabelecer um diálogo com a audiência, a classe criativa passa a adquirir certa independência do financiamento público e provavelmente aumentam-se a receita de fontes diversificadas. Ao passar por essas etapas, o agente pode, ou não, mudar de fase em seu processo produtivo, nos termos de Williams (1993). Pragmaticamente, o gerenciamento dos negócios de processos envolve todos os elos da cadeia produtiva da cultura, seja a produção cultural, a difusão, a circulação ou a fruição. No entanto, esse equilíbrio não depen-de somente do empreendimento cultural e de seus recursos, também depende da estrutura política local que ampara esse novo modelo de gestão.

Acreditamos que o setor da ICC está amparado pelas políticas culturais e está dividido em agentes culturais de diferentes níveis profissionais. Os artistas que se encontram nas fases artesanal, pós-artesanal e de mercado tendem a se organizar em redes autônomas de trabalho que envolvem diferentes hubs para a produção e fomento das cadeias produtivas. O agente de mercado tem um transito maior na esfera comercial e dialoga com o modelo global, mas a maioria de seus processos ainda se apoia nas redes de trabalho. O artista que consegue chegar à etapa da fase empresa, geralmente já procura obedecer a um modelo global, e às

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grandes escalas, mas isso dependerá muito do propósito e do interesse do agen-te criativo. Independente da fase em que se encontram as empresas, as políticas culturais que pretendem fomentar a cultura, devem criar meios para promover os processos produtivos, identificando os gargalos e oferecendo ferramentas para que os agentes possam ampliar suas possibilidades econômicas no setor.

Os elementos teóricos apresentados acima nos ajudam a compreender como podemos desenhar os processos da economia criativa, sem deixar de con-siderar as organizações das redes de trabalho e dos aglomerados de agentes cria-tivos. Os hubs criativos, nesse sentido, estão ocupando papel relevante na conso-lidação dessa economia. Ela estabelece relações de produção, difusão, circulação e fruição, em todos os seus negócios e empreendimentos, no entanto, existe uma assimetria entre os agentes que estão de um lado, organizados em redes de traba-lhos que hoje, em muitos casos, são financiados através de subsídios públicos, e de outro, agentes que obedecem à lógica do mercado global de grande escala. Esses dois modos de organização dos agentes fazem parte do escopo de políticas públicas para as indústrias culturais e criativas. As políticas procuram amparar os agentes oferecendo ferramentas para melhorar o seu desempenho comercial e econômi-co. Para mensurar os efeitos econômicos do setor, é fundamental entender como os agentes produzem, quais são os ativos comerciais, como eles dialogam com os processos produtivos e com suas audiências, sociais, comerciais e governamentais.

A UNIVERSIDADE E A ECONOMIA CRIATIVA: UMA NOVA FORMA DE INTERAÇÃO INSTITUCIONAL

A ideia de observar as ICC por meio do seu modo de organização do trabalho e do empreendedorismo já apresenta algumas experiências acadêmicas. O Creati-ve Works London (CWL), dirigido pela professora Morag Shiach e implementado pela Queen Mary University of London, é um projeto centrado no estudo empírico sobre os modelos de desenvolvimento que emergem dos hubs criativos com peque-nas e médias empresas de Londres. O Creative Works London teve como objetivo entender e estudar como os processos produtivos dos hubs criativos acontecem, de modo a sugerir como a universidade e os novos modelos e financiamentos podem colaborar com a economia criativa das cidades.

O método foi focado na troca de conhecimento e na investigação colaborati-va em que ambas as partes – pesquisadores e gestores de empresas – colaboraram com os processos de inovação e desenvolvimento das pesquisas trazendo um novo posicionamento da universidade em relação a esse novo modelo de desenvolvi-

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mento econômico. Esse processo de pesquisa colaborativa teve a duração de 4 anos e envolveu 38 instituições da cidade de Londres, entre elas universidades, museus, bibliotecas e arquivos, que conjuntamente procuraram identificar habilidades das pequenas empresas da cidade interessadas em explorar áreas do setor criativo por meio do desenvolvimento empresarial em mercados emergentes. O projeto procu-rou envolver os agentes em uma colaboração e troca de conhecimento inovadora, se pensarmos em termos acadêmicos.

O programa partiu de três linhas de pesquisa. A primeira, chamada pla-ce work knowledge, focou os processos que impulsionam e sustentam a economia criativa de Londres, examinando como a inovação, a produção e o intercâmbio de conhecimentos, na prática, contribuem para o desenvolvimento dos hubs criati-vos. Observou-se a relação dos indivíduos com as organizações locais, tais como empresas ou redes baseadas em projetos, mapeando o papel desempenhado pela gestão pública e pela iniciativa privada. A segunda linha, intitulada London’s digi-tal economy, investiga o impacto dos meios digitais no setor criativo de Londres, reunindo pesquisadores, instituições culturais e empresas. Nela envolveram-se importantes organizações culturais internacionalmente conhecidas, como a BBC, a British Library, o Arquivo Nacional do Reino Unido, assim como os museus Tate e Vitoria & Albert. A pesquisa procurou identificar os desafios que as empresas criativas digitais e instituições culturais enfrentam no desenvolvimento de seus negócios digitais. Por fim, a pesquisa capturing London’s audiences parte de percep-ção de que o valor econômico da economia criativa é majoritariamente adicionado pelo usuário final. Esse programa procurou investigar e entender melhor como o público e os consumidores culturais se comportam, além de como o valor artístico e econômico é adicionado ao processo criativo. Procurou-se reconhecer como as pessoas respondem e interagem com uma experiência estética, e qual é a relação entre tecnologia e a experiência cultural.

A metodologia do CWL foi projetada para envolver pesquisadores de artes e humanidades em atividades de intercâmbio com as PMEs de uma forma que pu-desse contribuir para a satisfação de necessidades ligadas aos negócios criativos. Esse método usa três tipos do voucher (SHIACH; RIEDEL; BOLFEK-RADOVANI, 2014), espécie de financiamento para empresas e pesquisadores destinado a: 1) ma-pear e comparar fundamentos conceituais da economia criativa e explicar os seus processos; 2) analisar sua capacidade de promover a inovação e o crescimento da economia criativa; 3) permitir ideias originais de pesquisa; e 4) apoiar o desenvol-vimento da capacidade empresarial. A metodologia usada baseou-se na metodolo-gia do Nesta (National Endowment for Science, Technology and the Arts) para o programa creative credits, projetado para ser “um novo modelo de apoio à inovação e crescimento de pequenas e médias empresas por meio da transferência de conhe-cimento e recursos para negócios criativos. Os creative credits demonstraram que as

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empresas criativas que foram beneficiadas estiveram significativamente mais sus-cetíveis a inovar do que outras empresas que não tinham se beneficiado desse tipo de especialização” (SHIACH; RIEDEL; BOLFEK-RADOVANI, 2014, p. 4).

O termo hub criativo é discutido em artigo publicado por Tarek Virani (2015), coordenador da pesquisa Palace Work Knowledge do projeto CWL. Embo-ra o termo esteja sendo usado amplamente, a literaturaf sobre ele é escassa. Não existe uma definição consensualmente aceita, e as existentes têm sido criticadas pela falta de clareza e excesso de abrangência. Para Tarek Virani (2015), ainda que os hubs criativos tenham modelos de manifestações físicas, espaciais, organizacio-nais e operacionais, eles podem ser entendidos por meio de quatro características principais: eles fornecem serviços adaptados às PME do setor criativo; eles são destinados especificamente à fase inicial das PME criativas; eles são desenvolvi-dos e administrados por pessoas de confiança que mantêm as relações dentro e fora do hub; e eles tornaram-se absolutamente importantes para a existência e a sustentabilidade da ecologia criativa de alguns negócios locais.

O CWL apresentou uma nova forma de pesquisa da economia criativa por meio dos hubs criativos, baseando-se na aproximação da universidade com as pe-quenas e médias empresas para o entendimento da ecologia criativa e da prática comunitária na sua relação com o desenvolvimento local. Através da utilização de métodos qualitativos, a pesquisa Palace Work Knowledge desenhou uma imagem robusta das atividades criativas e das organizações entre as empresas de diferentes hubs do leste de Londres. Como uma pesquisa colaborativa, instituições de ensino, instituições públicas, curadorias e clusters ajudaram a construir essa abordagem metodológica. A pesquisa, em primeiro lugar, investigou o processo de troca de conhecimentos entre universidades e as PME criativas através da compreensão de como essa troca pode ser estabelecida. Em segundo lugar, ela observou os hubs para entender a base local da atividade criativa e cultural. Em terceiro lugar, obser-vou-se a organização do trabalho em centros criativos e o papel desses espaços na renovação e requalificação urbana. Buscou-se descrever e definir as redes/comu-nidades, bem como investigar como eles mobilizam seus participantes. O método tratou de permitir a aproximação da universidade e das pequenas e médias empre-sas e alcançou um nível de interação bastante interessante durante esses anos de projeto. A metodologia propõe uma mudança no modo como a academia estuda a indústria criativa, e a pesquisa como um instrumento de para auxiliar as empresas a alcançarem os melhores impactos da economia criativa (VIRANI, 2016).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas desenvolvidas em economia criativa têm se voltado para en-tender a organização do setor e seus impactos. Os elementos citados neste capítu-lo demonstram como a cultura estendeu seu papel para além do campo das artes e do modo de vida e incorporou outros elementos, antes inseridos em políticas públicas de outras áreas. Esse novo entendimento vem forçando os artistas a des-construírem o seu papel diante da sociedade e a se apropriarem de elementos an-tes pertencentes a outras profissões, como, por exemplo, o empreendedorismo.

A dificuldade de compreensão por parte de alguns artistas e intelectuais em absorverem seu novo papel como trabalhadores está não só na transformação do universo do trabalho, mas também na atribuição de valores econômicos e sociais em contraposição aos valores estéticos e formais das criações artísticas. Outro as-pecto refere-se à inserção de novos elementos que mensuram o papel da arte na sociedade, que só puderam ser definidos devido à nova configuração contextual do mundo contemporâneo. O papel da arte no desenvolvimento urbano e sua nova relação com a administração pública, conforme o novo paradigma das políticas culturais, ampliam a dimensão da cultura como um agente transformador, esten-dendo suas ações para as políticas de planejamento urbano, educação, assistên-cia social, emprego, turismo, meio ambiente, e comunicação. Na cultura 3.0, a audiência, a Internet, e a nova economia da propriedade intelectual são insumos fundamentais do sistema de acumulação e desenvolvimento.

Os estudos acadêmicos do Creative Works, quando descreve os hubs criati-vos como micro localidades gerenciadas por um administrador que procura criar uma programação de atividades de formação e fomento a negócios com o intui-to de mobilizar as pequenas e médias empresas a desenvolverem seus negócios, descrevem um modelo de organização social do trabalho. Entendemos que essas microlocalidades podem se constituir por meio da ação de um grupo de pequenas e médias empresas que se reúnem para ocupar um espaço e desenvolver condições para a incubação de novas ideias. Esses grupos se constituem como uma comuni-dade de prática que irá em busca da viabilização de pequenos mercados e da ativa-ção de redes de trabalho. Esses agrupamentos estão preocupados em oferecer um ambiente de possibilidades, principalmente para as pequenas e médias empresas que estão em busca de melhores condições econômicas. A forma de organização de comunidade de prática se constitui como a ecologia criativa que dinamiza o processo produtivo do aglomerado. Essas comunidades de prática, como grupos, ocupam determinados espaços, muitas vezes relacionados dentro de suas comuni-dades, ou com baixos valores comerciais, outras vezes essas comunidades propõe ocupar prédios históricos, dando novos significados a velhos espaços.

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Com a nova concepção de políticas culturais vista sob a perspectiva da economia criativa, a cultura passa a ser vista como um elemento de produção de valor, com utilidade para o bem-estar social. As políticas públicas de cultura no cenário internacional estão buscando estimular a formação desses aglomerados na tentativa de criar melhores condições para esse novo tipo de organização social. Partindo do contexto da sociedade do conhecimento, da informação e de sua per-meabilidade em todas as dinâmicas sociais, o trabalho criativo pode ser observado como um novo modelo para as relações de produção na contemporaneidade. Solu-ções alternativas de desenvolvimento à lógica da desmaterialização da produção, da precarização das relações de trabalho, da desregulamentação e liberalização do capital, assim, perpassam sua compreensão. Finalizamos o texto reconhecendo a importância dessa organização social do trabalho criativo na produção de valor. Apresentamos um raciocínio para tentar mostrar o nível de profundidade das re-lações entre os agentes criativos, e uma pesquisa internacional propondo novas formas de abordagem aos agentes. Procuramos com isso destacar a importância dos novos modelos de organização da classe criativa e os diferentes modos de pro-dução de valores, reconhecendo esse elemento como uma questão fundamental para o estudo sobre a economia criativa.

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11[CAPÍTULO]

MAPEAMENTO DO SISTEMA FEDERAL DE INCENTIVO E FOMENTO À CULTURA

HÉLIO HENKINDoutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professo Adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais e diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFR-GS. Coordenador do GT de Política Industrial e Internacionalização do Cegov. E-mail: [email protected]

LUCAS PAESMestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Pesquisa-dor do Cegov. E-mail: [email protected]

LEANDRO VALIATIProfessor e pesquisador de Economia da Cultura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do grupo de trabalho Economia Cria-tiva, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) – UFRGS. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A política nacional de cultura é por vezes concebida como sinônimo de seus instrumentos de fomento e incentivo financeiro. Dentre eles, aquele que possui mais reconhecimento, seja ele crítico ou laudatório, na sociedade é a Lei de In-centivo à Cultura (LIC), também conhecida como Lei Rouanet. No entanto, o fun-cionamento desse instrumento, assim como as demais ações que coexistem no sistema nacional de fomento carecem de maior detalhamento. O presente trabalho busca refletir o esforço de pesquisa do GT de Economia Criativa, Cultura e Desen-volvimento em compreender o conjunto das iniciativas de fomento e incentivo à cultura do governo federal.

O sistema de fomento à cultura gerenciado pela União se desenvolve de diversas maneiras, mas que podem ser agrupados em dois grupos. De um lado, há aquelas cuja execução e cujo controle gerencial ocorrem internamente ao Mi-nistério da Cultura (MinC). De outro, há as cuja atuação se limita à fiscalização e concessão técnica de renúncia fiscal a projetos geridos no mercado. Assim, com-preender as características e particularidades da forma como os recursos públicos se convertem em políticas culturais é o objetivo do presente capítulo.

Nesse sentido, o trabalho se organizará em duas etapas. Em primeiro lugar, será discutido o fluxograma organizacional do sistema federal de fomento à cultu-ra. Essa discussão buscará mapear o processo que conecta as fontes dos recursos aos seus destinos em atividades e empreendimentos culturais. Em segundo lugar, as diferenças organizacionais das modalidades de fomento e incentivo à cultura serão contrastadas com os padrões distribucionais dos recursos que empregam. Em conjunto, pretende-se compreender o quadro geral do fomento e incentivo à cultura originado no governo federal e o espaço de agência governativa para polí-ticas culturais nesse sistema.

O INCENTIVO E A FOMENTO À CULTURA PELO GOVERNO FEDERAL NO BRASIL

A existência de apoio público sistemático à cultura no Brasil é um fenômeno recente da construção de nosso Estado. Até meados dos anos 1930, esse tipo de política pública ocorria por meio de intervenções ad hoc de mecenato estatal. A criação de um sistema nacional de políticas culturais surgiria com a gestão de Gus-

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tavo Capanema na área social do governo varguista1 (CALABRE, 2009). O prin-cipal símbolo dessas políticas foi a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), pensado como um ponto institucional de convergência de parte da intelectualidade brasileira da época para organizar os recursos públicos destinados às áreas culturais. Além disso esse período se caracterizou por iniciati-vas de regulação das atividades culturais emergentes no país.

Esse traço regulador das políticas culturais seria intensificado no começo do regime militar (SARKOVAS, 2005). Em grande medida, essa atuação se mani-festava enquanto censura política expressa. Ainda assim, nos governos Médici e Geisel, diversas novas instituições foram criadas para fomentar expressões cultu-rais de interesse do Estado, por meio do Plano de Ação Cultural de 1969 e do Pla-no Nacional de Cultura de 1975 (MICELI, 1984). O Plano de Ação Cultural criou órgãos para internalizar ao aparato estatal parte da produção cultural do país. A criação da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) é um símbolo das políticas idealizadas nesse período (GATTI, 2008). Por meio do Plano Nacional de Cultura de 1975, foram criados diversos conselhos setoriais, com foco em consulta técnica e regulação, além da Fundação Nacional das Artes (Funarte) com o objetivo de gerenciar atividades de fomento do governo federal de maneira articulada (CALA-BRE, 2009).

A criação do Ministério da Cultura no governo Sarney em 1985 gestaria uma nova forma de interação com o mercado e os agentes culturais que marcariam as décadas seguintes. A lei Sarney de 1986 inaugurou o mecanismo de renúncia fis-cal como instrumento de fomento cultural. Nesse mecanismo, o Estado abdica da arrecadação de imposto de renda para que contribuintes privados se engajem em mecenato, no financiamento direto aos agentes executores de atividades e bens cul-turais. Sarkovas (2005) comenta que, além de inserir um novo método de fomento ao sistema brasileiro, o incentivo fiscal, a Lei Sarney apresentava uma peculiaridade em relação a outras experiências com esse tipo de instrumento. Segundo o autor, na maioria dos países o incentivo fiscal é deduzido renda total tributável e não do imposto em si como na versão que se consolidaria no Brasil (SARKOVAS, 2005).

Na década de 1990, após revogar a Lei Sarney e o Ministério da Cultura, o secretário de cultura do Mistério da Educação de Collor, Sérgio Paulo Rouanet cria uma nova Lei de Incentivo à Cultura em moldes muito semelhantes à de seu ante-cessor. Ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso, na gestão de Francisco Weffort do recriado Ministério da Cultura as porções da carga tributária de em-presas e indivíduos passíveis de dedução por meio da já então famosa Lei Rouanet

(1) Nesse momento, encontravam-se sob o então chamado Ministério da Educação e Saúde a área social do governo. Em 1953, o Ministério da Educação e Cultura e o da Saúde se dividem. Um ministério exclusivo para a cultura seria criado apenas em 1985, no governo Sarney.

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foram progressivamente expandidas até os níveis atuais.2 A partir de 1997, 100% do valor incentivado passou a ser passível de dedução dentro dos tetos individuais estipulados. No bojo da ampliação da Lei Rouanet, o escopo de atividades e em-preendimentos culturais incentivados pelo mecanismo passou a abarcar a quase totalidade de manifestações mercadológicas da cultura.3

Com essa nova formatação, a LIC passou a ocupar um espaço progressiva-mente maior no fomento à cultura em nível federal. Além disso, diversos gover-nos estaduais centralizaram suas políticas culturais em torno de leis de incentivo semelhantes. Até 2007, onze unidades federativas e dezenove capitais possuíam leis de incentivo à cultura, todas com renúncia fiscal incidente sobre a tributação e não sobre a receita tributável (SESI, 2007). Com sua expansão, as controvérsias em torno da eficácia desse mecanismo também ganharam volume. A gestão de Gilberto Gil no MinC, ao lado de seu Secretário Executivo Juca Ferreira, teve como um de seus focos principais reformular a Lei Rouanet.

O programa de intitulado “Cultura para Todos” atendia especificamente ao objetivo de enfrentar a percebida mercadologia e concentração regional do incen-tivo fiscal no país, por meio de consultas à sociedade civil e aos agentes culturais de diversas partes do país (RUBIM; BARBALHO, 2007). No entanto, ao longo dos anos seguintes, as alterações se concentraram na fiscalização do mecanismo e a Lei Rouanet não sofreu significativas mudanças estruturais, mantendo, por exemplo, sua estrutura de concessão e suas cotas de renúncia fiscal intactas. As demandas por maior pluralidade no fomento à cultura foram canalizadas por meio de polí-ticas culturais que se beneficiariam da ampliação da capacidade fiscal do Estado brasileiro e do respectivo maior orçamento atribuído ao MinC.

Dessa forma, governo federal passa a conviver com uma dualidade em sua atuação na área cultural. De um lado, a Lei Rouanet segue como o principal catali-sador de recursos à cultura de maneira crescente. De outro, o governo busca fazer frente às lacunas que observa nesse instrumento por meio de sua execução orça-mentária. Esse desafio à construção de novas políticas púbicas culturais no Brasil refletiu-se no Plano Nacional de Cultura (PNC) promulgado em 2010 (BRASIL, 2010b). As 53 metas do plano abrangiam elementos de transparência e governan-

(2) Correntemente, são permitidas deduções de até 4% do imposto de renda de pessoas jurídicas e até 6% do imposto de renda de pessoas físicas.

(3) Segundo Sarkovas (2005, p. 23): “[a] dedução de 100% passou para ‘artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; exposições de artes visuais; doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e ci-nematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manu-tenção desses acervos; produção de obras cinematográficas e vídeo-fonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; e preservação do patrimô-nio cultural material e imaterial”.

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ça, mas também buscavam redesenhar o impacto das políticas culturais, como a inclusão de maior pluralidade geográfica e social às atividades promovidas.

Do ponto de vista de governança, as principais iniciativas foram a constru-ção do Sistema Nacional de Cultura – que buscou articular as políticas federais, estaduais e municipais – e o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Cul-turais – que busca constituir o elo informacional desse sistema. No que concerne à pluralização das políticas públicas oriundas do orçamento ministerial, uma vas-ta gama de políticas foi implementada. Em primeiro lugar, o Fundo Nacional de Cultura passou a receber um volume maior de recursos, e seus editais passaram a atender os objetivos que se refletiriam no PNC (RUBIM, 2010). Além disso, outros programas, como os Pontos de Cultura e o Mais Cultura, somaram-se ao sistema. O Mais Cultura articulava-se ao Programa de Aceleração do Crescimento, como uma nova designação orçamentária à área cultural como eixo de desenvolvimen-to (RUBIM, 2010). Os Pontos de Cultura, por sua vez, abrem uma janela inédita de interface com expressões culturais já existentes em diversos locais do país de modo a fomentá-las (RUBIM, 2010).

Em 2012, por meio de projeto de lei na Câmara dos Deputados, uma nova forma de incentivo à cultura por meio de renúncia fiscal é somada ao escopo de políticas culturais: o Vale Cultura (BRASIL, 2012b). O sistema adiciona aos be-nefícios trabalhistas a concessão de 50 reais mensais para o consumo cultural. O valor disponibilizado ao trabalhador é deduzido dos encargos de seu empregador. Por mais que o escopo de beneficiários finais do programa dependa do número de empresas aderentes, esse mecanismo de fomento inova ao deslocar o poder de alo-cação de recursos sobre o mercado cultural para o consumidor em vez do ofertante.

Em suma, o quadro atual do fomento federal à cultura conta com três gran-des fluxos que convertem recursos públicos em atividades e bens culturais. De um lado, a renúncia fiscal concede a execução de projetos culturais e ao consumo de bens e atividades culturais, através dos fluxos do Vale Cultura e da Lei de Incentivo à Cultura. De outro, estão os projetos financiados pelo orçamento executado pelo Ministério da Cultura. A Figura 1 abaixo busca ilustrar esse fluxograma.

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Figura 1. Fluxograma Organizacional do Fomento Federal à Cultura no Brasil

Fonte: Elaboração própria a partir de entrevista com membros da Sefic/MinC.

Nos mecanismos de renúncia fiscal, o Ministério da Cultura atua por meio de sua Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic/MinC), na concessão das deduções tributárias que financiam os bens culturais beneficiários. No caso da LIC, a concessão é feita ao proponente para que busque financiamento junto a patrocinadores interessados. No caso do Vale Cultura, a concessão é feita a pes-soas jurídicas interessadas em oferecer tal benefício aos seus empregados. Esses recursos, por sua natureza, são tributação não incorporada ao orçamento da União empregado diretamente pelos contribuintes. Os recursos orçamentários, por sua vez, vêm de duas fontes principais: as verbas alocadas ao MinC pela Lei Orçamen-tária Anual (LOA) e por emendas parlamentares. A execução desses recursos é de-centralizada pelas diversas unidades ministeriais e pelas entidades vinculadas ao MinC. A Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Cultura (Spoa/MinC) acompanha e registra todos esses dispêndios por meio de seu Sistema MinC (SiMinC).

Nesse contexto, tais eixos de intervenção pública sobre a cultura brasileira canalizam as políticas culturais federais. Assim, as particularidades de cada um desses eixos e seus efeitos distributivos mostram-se necessárias para mapear o fomento federal à cultura e compreender sua diversidade interna. O contexto de

FONTES

CONTROLE/ GESTÃO

FORMA DE FOMENTO

MINCINSTRUMENTO DE REPASSE

REGISTRO

ACOMPA-NHAMENTO

EXECUÇÃO

RENÚNCIA FISCAL LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL

EMENDAS ORÇAMENTÁRIAS

MANUTENÇÃOPOLÍTICA DE FOMENTO

CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS

TEDS, CONTRATOS, CONVÊNCIOS E

EDITAIS

EX. UNIDADES FINALÍSTICAS ,ESTADOS, MUNICÍPIOS E ETC.

SEFIC/MINC

SEFIC/MINC

LEI DE INCENTIVO À

CULTURA

CAPTAÇÃO VIA CARTA DE CRÉDITO

SISTEMA DE APOIO A LIC - SALIC

VALE CULTURA

CAPTAÇÃO VIA BENECÍCIO TRABALHISTA

BASE VALE CULTURA

INCENTIVADOR/PROPONENTE

EMPREGADOR/TRABALHADOR

UNIDADES MINISTERIAIS FINALÍSTICAS

SPOA/MINC

SISTEMA MINC - SIMINC

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Gráfico 1. Recursos despendidos por Mecanismo de Fomento Federal (Em bilhões de R$)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MinC (BRASIL, 2016a, 2016b, 2016c) e da LOA (BRASIL, 2010a, 2011, 2012a, 2013, 2014 e 2015).

restrição orçamentária que segue os últimos anos aprofunda a necessidade de in-vestigar as formas mais benéficas de promoção de políticas culturais que atendam aos seus objetivos sociais.

RENÚNCIA FISCAL E ORÇAMENTO DIRETO: QUAL ESPA-ÇO PARA POLÍTICAS CULTURAIS?

A ressonância que o incentivo fiscal por meio da Lei Rouanet possui na so-ciedade civil é proporcional ao seu lugar no volume de recursos federais destinados à cultura. O Gráfico 1, abaixo, compara o orçamento anual executado pelo MinC com o montante renunciado pela Lei Rouanet e pelo benefício Vale Cultura desde 2010. Pode-se observar que o volume de recursos que a receita federal abdica para ser gerido no fomento à cultura diretamente pelos proponentes e por seus incenti-vadores foi, nos últimos anos, por vezes, superior ao montante total executado pelo MinC em suas diversas políticas culturais. O quadro fica ainda mais desproporcio-nal quando se leva em consideração que parte relevante dos recursos executados pelo MinC é absorvida para custeio. Segundo o MinC, no ano de 2015, foram in-vestidos R$ 320 milhões em seus diversos projetos, abdicou-se de cerca de R$ 1,19 bilhão em renúncia fiscal por meio da Lei Rouanet. Desse modo, essa seção busca compreender as respectivas particularidades da execução do orçamento discricio-nário do MinC, assim como do processo de renúncia fiscal via LIC e via Vale Cultura.

2010

1,161,32 1,28 1,26 1,33

0,07

1,19

0,16

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259

Uma primeira distinção conceitual que deve ser feita é entre o perfil de inte-ração entre Estado e sociedade civil que enseja respectivamente a renúncia fiscal e a participação orçamentária. A renúncia fiscal corresponde a uma delegação do po-der de agenda sobre a natureza dos recursos públicos investidos a entes privados, nesse caso ao mercado cultural. Sob essa concepção, portanto, a captação de recur-sos para o fomento à cultura desloca-se para o mercado, em favor de uma maior interação entre proponentes e incentivadores privados. A execução do orçamento dentro da administração pública, por sua vez, pode ocorrer com variados graus de participação dos agentes não estatais. Em comum, medidas de participação que incorporam a sociedade seguem retendo em seus canais o poder de agenda de suas políticas públicas.

Como a Figura 2 abaixo ilustra, o funcionamento da Lei Rouanet é simples, e a participação governamental é bastante limitada. O governo federal outorga à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, composta de variados representantes da sociedade civil, a incumbência de selecionar projetos em que identifiquem va-lor cultural para que possam ir a público captar recursos passíveis de dedução no imposto de renda. Uma vez que um valor é aprovado para um proponente, e uma correspondente carta de concessão é emitida, ele pode iniciar a busca de incenti-vadores privados, geralmente no meio empresarial, para angariar fundos. O valor investido na realização da atividade ou do bem cultural pode ser abatido de até 4% do imposto de renda de pessoas jurídicas e de 6% da tributação de pessoas físicas.

Figura 2. Fluxograma de Processamento da Renúncia Fiscal via Lei de Incentivo à Cultura

Fonte: Elaboração própria a partir de entrevista com membros da Sefic/MinC.

18

3

2

7 4

5

6

1. NOMEAÇÃO DA CNIC

2. PROPOSIÇÃO DE PROJETO CULTURAL

3. CONCESSÃO DA CARTA DE CAPTAÇÃO

4. CAPTAÇÃO DE RECURSOS

5. PATROCÍNIO

6. OFERTA DE BEM OU ATIVIDADE CULTURAL

7. DEDUÇÃO FISCAL DO VALOR PATROCINADO

8. FISCALIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PROJETO

MINC

RECEITA FEDERAL

COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À

CULTURA

CONSUMIDOR

AGENTE CULTURAL

PROPONENTE

INCENTIVADOR PRIVADO

GOVERNO FEDERAL

SOCIEDADE CIVIL

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

260

A uma primeira vista, os potenciais benefícios desse mecanismo são intui-tivos. Além de atribuir agência à sociedade civil em todo o processo de fomento, poupam-se custos administrativos, e criam-se canais para facilitar e ampliar o in-vestimento privado. No entanto, um olhar adicional permite identificar algumas imperfeições relevantes. O modelo de renúncia fiscal adere a uma lógica de socie-dade como mercado e abstém-se da função social da política pública como espaço de arbítrio das marcantes assimetrias de nossa coletividade. Em termos práticos, delega-se ao empresariado – e às vicissitudes de suas estratégias de mercado – a decisão final sobre as atividades e os bens culturais fomentadas pelo Estado brasi-leiro. O valor simbólico e a diversidade social dos projetos culturais submetem-se ao cálculo publicitário das equipes de marketing dos grandes mecenas.

Outro mecanismo de fomento cultural que se financia por meio de renúncia fiscal é o benefício do Vale Cultura. A Figura 3 busca ilustrar os agentes estatais e da sociedade civil e as interações entre eles que condicionam seu funcionamen-to. O escopo das atividades e bens culturais passíveis de consumo financiado pelo benefício é definido por meio de cadastramento de um conjunto de ofertantes cul-turais – como salas de cinemas, museus, casas de espetáculo, livrarias, entre ou-tros – as firmas recebedoras. Essa delimitação, porém, é previamente filtrada pelas redes operadoras de cartão de crédito que intermedeiam a execução financeira do benefício. Um segundo processo que incide sobre o funcionamento do benefício é o cadastramento de empresas interessadas em ofertar o Vale Cultura a seus empre-gados em troca de dedução fiscal, as chamadas beneficiárias. Nessa etapa, o MinC articula-se com o Ministério do Trabalho e Previdência Social para a regularização do benefício. Uma vez definida a rede de operadoras, recebedoras e beneficiárias, os trabalhadores empregados na última adquirem o poder de alocação dos recursos que recebem para escolher entre as atividades e bens cultuais possível em sua rede. Os 50 reais mensais do benefício são cumulativos e não possuem validade.

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Figura 3. Fluxograma de Processamento da Renúncia Fiscal via Vale Cultrua

Fonte: Elaboração própria a partir de entrevista com membros da Sefic/MinC.

Observando-se os poderes de decisão atribuídos aos agentes nesse instru-mento, nota-se uma maior capacidade retida pelos consumidores e pelo MinC. Isso porque o último atua ativamente na seleção das recebedoras e das beneficiá-rias do Vale Cultura. O trabalhador beneficiário, por sua vez, é quem retém o poder final de alocação dos recursos fomentados em termos de consumo cultural. Em contraste com a renúncia fiscal via Lei Rouanet, por exemplo, apresenta-se uma maior pluralidade de stakeholders, definindo a distribuição final dos recursos. Ain-da assim, o escopo de beneficiários do programa segue dependente da adesão das beneficiárias, fato que impacta aspectos como a distribuição regional do consumo fomentado.

Por fim, o restante das políticas culturais que acomodam a diversidade dos interesses subjacente às políticas culturais se dão por meio da estrutura de exe-cução e descentralização orçamentaria do MinC. A Figura 4 abaixo busca mapear a forma como os recursos designados à área cultural são processados. As fontes desses recursos acabam tendo impacto sobre a natureza desses fluxos. A LOA por exemplo limita a discricionariedade do orçamento ministerial, podendo atribuir os volumes de repasses às autarquias vinculadas. No caso dos recursos oriundos de emendas parlamentares, que atualmente representam cerca de 3% do total, o grau de ingerência do MinC varia de acordo com o texto que os designa. Assim, cerca de 35% do orçamento ministerial é anualmente descentralizado para às entidades vinculadas4 do MinC. Do restante dos recursos, uma parcela minoritária é des-

(4) São elas a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), a Fundação Cultural Palmares (FCP), a Fundação Nacional das Artes

1 5

3

2

4

1. CADASTRAMENTO DE RECEBEDORAS

2. CADASTRAMENTO DE BENEFICIÁRIOS

3. PAGAMENTO DO VALE CULTURA

4. DEDUÇÃO FISCAL DO VALOR PATROCINADO

5. CONSUMO CULTURAL

MINC

MTPSOPERADORAS

RECEITA FEDERAL

OFERTANTES CULTURAIS

CADASTRADOS

EMPRESAS BENEFICIÁRIAS

TRABALHADORES BENEFICIÁRIOS

GOVERNO FEDERAL SOCIEDADE CIVIL

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Figura 4. Fluxograma de Processamento da Execução e Descentralização Orçamentária do MinC

Fonte: Elaboração própria a partir de entrevista com membros da Sefic/MinC

centralizada para Estados, municípios e autarquias públicas, por meio de diversos instrumentos jurídicos, como editais, termos de execução descentralizada (TED) e contratos. Todos os recursos descentralizados estão ilustrados pelas setas ponti-lhadas da Figura 4 e caracterizam-se pela delegação de discricionariedade a outros órgãos do Estado e da sociedade civil.

Do restante dos recursos alocados ao MinC para gestão direta de suas polí-ticas culturais - ilustrados na Figura 4 pela seta contínua ligando o ministério aos agentes culturais – a grande maioria é executada por meio de editais do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Ainda assim, instrumentos de repasse como convênios e contratos também são utilizados. Os pontos de cultura, por exemplo, operam através de convênios diretos com o ministério. O Gráfico 2 abaixo ilustra a distri-buição dos recursos executados e descentralizados pelo MinC e a distribuição entre suas autarquias vinculadas. Os recursos registrados como MinC correspondem aos recursos executados diretamente pelas unidades ministeriais, majoritariamente pela Secretaria de Políticas Culturais (SPC) e pela Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC).

(Funarte) e a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) (BRASIL, 2016)

1. DESIGNAÇÃO ORÇAMENTÁRIA

2. DESCENTRALIZAÇÃO ORÇAMENTÁRIA

2.1 ENTIDADES VINCULADAS AO MINC

2.2 ENTIDADES FEDERATIVAS

3. EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DIRETA

4. XECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA INDIRETA

12.1

2.2

3

4

L.O.A

EMENDAS PARLAM-ENTARES

ANCINE

IPHAN

IBRAM

FCRB

FCP

FUNARTE

AGENTES CULTURAIS PRIVADOS

FBN

UNIDADES FEDERATIVAS MUNICÍPIOS AUTARQUIAS

PÚBLICAS

MINC

GOVERNO FEDERALSOCIEDADE CIVIL

ENTIDADES FEDERATIVAS

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Gráfico 2. Alocação de Recursos no Entre Unidades Executoras do Sistema Minc (%)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Sistema MinC (BRASIL, 2016b).

Fundo Nacional de Cultura36%

MinC18%

IPHAN14%

Recursos orçamentários ao FNC11%

IBRAM5%

FUNARTE5%

ANCINE5%

F. Biblioteca Nacional4%

F. Casa de Rui Barbosa1% 1%

Fundaçao Cultural Palmares

Assim, a análise comparada dos três processos de alocação do fomento à cultura permite localizar os agentes que retêm maior poder decisório sobre o resul-tado distribucional dos recursos que gerenciam. Na renúncia fiscal por meio da Lei Rouanet, os incentivadores privados retêm a quase totalidade do controle sobre o volume de recursos fomentados e sua distribuição entre os proponentes. Nos últi-mos, o volume de recursos efetivamente captados junto aos mecenas sequer atin-giu a metade do volume aprovado pelo MinC, o que ajuda a ilustrar o poder de veto dos incentivadores privados5 sobre a limitada ingerência ministerial mediada pela seleção de projetos junto ao CNIC. No caso do Vale Cultura, ainda que as empresas beneficiárias possuam capacidade de delimitar o universo de trabalhadores bene-ficiários, o MinC e os trabalhadores retêm relevante capacidade decisória sobre o impacto do benefício sobre o mercado cultural e seus agentes.

Os recursos que são descentralizados ou executados pelo orçamento direto do MinC são, por sua natureza, aqueles em que a agência estatal retém maior po-der deliberativo. No entanto, a estrutura das vinculadas, compostas por membros da sociedade civil, e o uso de editais do FNC como meio preferencial de distribui-ção de recursos abrem como canais de interação direta do ministério os agentes culturais. Uma característica decorrente é que o poder decisório sobre a alocação

(5) Mais de 95% dos recursos usualmente advêm de empresas privadas. Em 2015, as 10 empresas que mais utilizaram o instrumento, dentre um total de mais 3000, empregaram cerca de 20% dos recursos incentivados. Esse dado ajuda a ilustrar o quão concentrado é o poder dos grandes incentivadores sobre o funcionamento da LIC.

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Gráfico 3. Distribuição regional dos recursos por fluxo de fomento (%)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Salic, da Base Vale Cultura e do SiMinC (BRA-SIL, 2016a, 2016b, 2016c).

79,62%

61,91%

47,63%

11,27% 14,47%

11,84%

2,71%9,06%

12,27%

5,55%

13,84%

22,25%

0,84%

3,69% 6,01%

Renúncia Fiscal - L.I.C. Renúncia Fiscal - Vale Cultura Orçamento Direto - FNC

Sudeste Sul Centro-Oeste Nordeste Norte

desses recursos é diluído pelos diversos canais de execução orçamentária, permi-tindo incluir um número maior de agentes à gestão do processo. O Gráfico 3, abai-xo, busca ilustrar em termos geográficos o impacto distribucional desses três flu-xos de fomento à cultura. O Gráfico 3 permite observar o quão mais concentrado geograficamente são os recursos distribuídos pela LIC se comparados com o Vale Cultura e Fundo Nacional de Cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAISEste capítulo buscou discutir os canais pelos quais se materializa o fomento

federal à cultural no sistema nacional de incentivo à cultura. Buscou-se ilustrar que os recursos administrados por meio de renúncia fiscal e por meio de políticas culturais do orçamento direto representam modelos distintos de interação com a sociedade civil. Enquanto a Lei Rouanet delega aos agentes privados a gestão do fomento à cultura, no outro extremo, o orçamento direto retém tal capacidade de agência na estrutura deliberativa ministerial. Assim, ambos os modelos parecem formas opostas e complementares de gerenciar o fomento cultural. O modelo de complementação das tendências concentradoras da LIC nos últimos anos tem sido a ampliação do conjunto de políticas culturais concomitante à expansão do volume de recursos destinados ao MinC.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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A progressiva restrição fiscal que o governo federal vem sofrendo nos úl-timos anos, no entanto, vem limitando as possibilidades de postergar os ajustes estruturais da Lei Rouanet. A opção pela complementação de suas limitações, com aquilo que o mercado não consegue abarcar, passa a ter progressivamente menos espaço orçamentário. Por exemplo, sua evidente concentração geográfica demo-graficamente desproporcional deve encontrar cada vez mais dificuldades em ser compensada, pressionando para que essa desconcentração seja inserida nas leis de incentivo.

Nesse contexto, o debate sobre a reforma da Lei Rouanet torna-se central na viabilização de políticas culturais que incorporem a riqueza e a diversidade dos valores e bens culturais expressados em nosso país. Sem cair em qualquer tipo de colonialismo tecnocrático, o estudo comparado de outras experiências de sistemas nacionais de fomento – e sua compatibilidade com a realidade brasileira – pode ser uma fonte inestimável de subsídio para a necessária reflexão crítica em que nossa sociedade necessita se engajar. Para tanto, a produção continuada de conhecimen-to público sobre as políticas existentes e seu contraste com alternativas possíveis são duas avenidas de estudos que parecem contribuir para o aprimoramento das políticas públicas à cultura no país.

REFERÊNCIAS

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12[CAPÍTULO]

TESES SOBRE FINANCIAMENTO E FOMENTO À CULTURA NO BRASIL

ANTONIO ALBINO CANELAS RUBIMPesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Professor do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Ex-Secre-tário de Cultura da Bahia. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

O capítulo busca discutir os sistemas de financiamento e fomento a par-tir de diversos horizontes. Ele debate os problemas existentes no sistema brasi-leiro e aponta possibilidades para a sua superação. O início do texto desenvolve uma reflexão acerca da complexidade do campo cultural na contemporaneidade, indicando os vetores que conformam tal complexidade. Dentre eles se destacam a afirmação do conceito ampliado de cultura, o reconhecimento internacional e nacional do tema da diversidade cultural, a explosão das indústrias culturais e a emergência da economia criativa. Traçado o cenário contemporâneo, o texto faz uma análise crítica do sistema de financiamento e fomento da cultura no país e do predomínio exacerbado das leis de incentivo no Brasil. Por fim, ele elenca procedi-mentos para a superação do sistema existente e para a construção de um sistema de financiamento e fomento complexo afinado com a complexidade da cultura no mundo e no Brasil atuais.

COMPLEXIDADE DA CULTURA E DESAFIOS DOS SISTE-MAS DE FINANCIAMENTO E FOMENTO

O sistema de financiamento deve ter em mente a complexidade contem-porânea da cultura. A cultura é sempre complexa. Ela abarca atividades, bens e serviços os mais distintos. Ela compreende muitos campos simbólicos e áreas diferenciadas: artes, ciências, concepções de mundo, comportamentos, conheci-mentos, culturas digitais, culturas populares, emoções, história, humanidades, memória, modos de vida, patrimônios imateriais e materiais, pensamento, sabe-res, sensibilidades, senso-comum, valores, etc. Ela acolhe fenômenos de dimen-sões variadas: de pequenos arranjos até enormes empreendimentos, de criado-res individuais a grandes empresas.

O conceito ampliado de cultura foi formulado na famosa Conferência Mun-dial sobre as Políticas Culturais (Mondiacult), realizada em 1982 na cidade do Mé-xico, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Hoje ele é assumido majoritariamente pelas políticas culturais interna-cionais (BOLÁN, 2006; RUBIM, 2009). No Brasil, a adoção do conceito na gestão do ministro Gilberto Gil, tornou ainda maior o grau de complexidade da cultura. Ele incorporou novas áreas ao chamado campo cultural.

A noção de diversidade cultural igualmente alarga a complexidade do campo cultural (BERNARD, 2005). Ela foi internacionalizada e agendada mundialmente

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pela Unesco, por meio do relatório Nossa Diversidade Criadora (1997), da Decla-ração Universal da Diversidade Cultural (2001) e da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005). O Brasil se empenhou no processo de aprovação da Convenção e passou a desenvolver políticas para a diversidade cultural no país (CORREIA, 2013; KAUARK, 2009). O tema da diversi-dade cultural se tornou na contemporaneidade uma exigência essencial das atuais políticas culturais no mundo e no país. Hoje a riqueza de uma cultura é medida por sua capacidade de acolher, preservar e promover a diversidade cultural e não so-mente por afirmar identidades, como pretendiam as políticas culturais anteriores. As políticas de diversidade cultural exigem modalidades de financiamento compa-tíveis com seus objetivos.

A emergência nos anos 90 do século XX das noções de indústrias criativas e economia criativa aponta para novas expansões no campo da cultura. Assiste-se na atualidade a um avanço vertiginoso das indústrias culturais e das redes digitais, que conectam o mundo planetariamente e em tempo real. A economia da cultura se torna cada vez mais ampla e potente no século XXI. Agora a criatividade não está adstrita à dinâmica dos bens simbólicos. De modo crescente, a produção de bens materiais depende de variáveis culturais. Ela está contaminada e mesmo sub-sumida ao simbólico. Design, marcas, grifes, moda, publicidade, registros, regiões de origem, dentre outros, conferem valor aos bens materiais (HARTLEY, 2005; HOWKINS,2001). Não é estranho que ganhem centralidade os direitos autorais e, em especial, a propriedade intelectual. Diálogos com a economia e o direito per-meiam e ampliam o campo cultural.

O sistema de financiamento necessita se adequar à complexidade contem-porânea do campo cultural no mundo e no Brasil. Ele não pode se ancorar em propostas simples e unilaterais. Longe disto, ele deve buscar conjugar um comple-xo conjunto de alternativas e procedimentos que se aproximem da complexidade adquirida pelo campo cultural na contemporaneidade.

O sistema de financiamento deve comportar uma pluralidade de procedi-mentos, instrumentos e fontes de fomento à cultura. Historicamente podem ser citados, pelo menos, três grandes pilares de apoio à cultura: Estados, empresas e públicos/mercados culturais. Os Estados, tradicionais financiadores e fomentado-res da cultura, devem superar velhas mazelas: o dirigismo cultural, como acontece em circunstâncias de Estados autoritários; o privilegiamento cultural, como ocor-re em Estados elitistas e, mais recentemente, a ausência cultural, como se verifica em estados neoliberais, que delegam seu papel político-cultural ao mercado, como se eles fossem capazes de realizar políticas de financiamento e fomento à cultura que atendam à universalidade do campo cultural. Os Estados devem buscar mo-dalidades de financiamento e fomento que assegurem sua imprescindível atuação

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no campo cultural; garantam liberdade de criação e interditem a tentação, muitas vezes realizada, de impor culturas oficiais; e possibilitem apoiar, de maneiras dife-renciadas, universalmente o campo cultural, sem discriminações e exclusões. Eles devem distinguir os diversos tipos de cultura, os desiguais potenciais de susten-tabilidade e as diferenciadas necessidades de apoio: fundo perdido, investimentos parciais, empréstimos etc. Em resumo, os Estados precisam ser radicalmente de-mocráticos e republicanos para que se tornem fonte qualificada de apoio à cultura.

A relação das empresas com a cultura assume diversas possibilidades. Den-tre elas, cabe recordar a constituição de empresas de produção e difusão culturais, surgidas a partir do século XIX e com gigantesco desenvolvimento nos séculos XX e XXI, e as empresas patrocinadoras da cultura, na maioria das vezes oriundas de ou-tros ramos econômicos. No primeiro caso, torna-se essencial elaborar políticas e le-gislações afim de evitar monopólios culturais, sempre prejudiciais à cultura e à vida societária, e de garantir a pluralidade de visões e empreendimentos, vitais à diver-sidade cultural e à democracia. Atenção especial deve ser dada às micro e pequenas empresas, na atualidade nichos de criatividade, renovação e diversidade cultural. Quanto às empresas patrocinadoras, antes de tudo, elas devem efetivamente apor-tar recursos novos e próprios à cultura e se abrir a modalidades de seleção demo-cráticas que não considerem apenas seus interesses mais imediatos de marketing.

Especial atenção deve ser dada aos públicos/mercados culturais, pois o fi-nanciamento e o fomento via Estados e empresas criam dependência de diferentes ordens, inclusive de novos apoios para manutenção de instituições e para realiza-ção de eventos e produtos. Esses apoios tornam os públicos/mercados seres dese-jados, mas não imprescindíveis ao ciclo da cultura. Eles, em geral, desconsideram o ciclo virtuoso da cultura desde o momento da criação até o instante da aquisição e consumo pelos públicos/mercados culturais.

Sem a presença equilibrada de todos esses elos e de outras fontes alterna-tivas existentes ou a serem inventadas, o sistema fica seriamente comprometido. O financiamento e o fomento da cultura exigem a presença de todos esses elos, al-gum equilíbrio entre eles, bem como a constante invenção de fontes e dispositivos possíveis de financiamento e fomento à cultura.

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ALTERNATIVAS AO SISTEMA DE FINANCIAMENTO E FO-MENTO À CULTURA NO BRASIL

O sistema de financiamento brasileiro não possui a complexidade atual da cultura. Ele está visivelmente desequilibrado com o predomínio das leis de incentivo sobre as outras modalidades de financiamento e fomento à cultura no país. O imenso desequilíbrio existente de recursos trabalhados pelos dispositi-vos compromete a complexidade do sistema de financiamento e fomento, pois o torna unidimensional. Dados do próprio Ministério da Cultura atestam que em 2015 foram mobilizados R$1.323.390.560,00 pela Lei Rouanet, enquanto o Fundo Nacional de Cultura acionou apenas R$163.750.302,00. Ou seja, a Lei Rouanet envolveu oito vezes mais recursos que o Fundo Nacional de Cultura.O enorme predomínio das leis de incentivo, com seu singular modelo brasileiro, a partir de políticas neoliberais de cultura, implica no fraco financiamento direto do Estado em seus níveis: nacional, estaduais e municipais; na débil participa-ção efetiva das empresas no apoio à cultura, por meio da diminuta utilização de recursos próprios, e no desestimulo ao frágil mercado cultural e seu público consumidor. A predominância, unilateral e quase completa, das leis de incentivo subordina e empobrece as outras modalidades de apoio e torna o sistema bra-sileiro de financiamento e fomento à cultura limitado e aquém das demandas e exigências do complexo campo cultural contemporâneo.

Esse sistema de financiamento e fomento não é adequado ao conceito am-pliado de cultura, nem às políticas de diversidade cultural, pois as leis de incentivo, em sua versão nacional, não têm capacidade de atender satisfatoriamente à noção ampliada de cultura, nem à diversidade cultural brasileira. O sistema, unilateral devido à predominância das leis de incentivo, não possibilita acolher o conceito ampliado ou preservar e promover a diversidade cultural. Pelo contrário, ele con-centra e direciona os recursos para atender preferencialmente eventos e produtos de maior apelo de mercado, envolvendo atrações e celebridades, com grande visibi-lidade e realizados nos maiores centros consumidores do país. As leis de incentivo, em seu singular modelo brasileiro de submissão à lógica do marketing empresarial, não possuem capacidade de universalizar apoios e contemplar modalidades de cul-tura, como as populares, experimentais, eruditas, etc. Isto é, abranger a complexi-dade, a noção ampliada e a diversidade culturais brasileiras.

A utilização de 100% de isenção fiscal em muitas vertentes das leis de incen-tivo expressa a paradoxal contradição com a intenção original das leis de incentivo: trazer novos recursos das empresas para a cultura. Com a quase universalização da isenção de 100% da isenção fiscal contida nas atuais leis de incentivo, o recurso acionado é praticamente todo público, mas decidido pelas direções e departamen-

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tos de marketing das empresas. A lógica das leis de incentivo no Brasil implica colocar recursos públicos sob a decisão privada. Em verdade, parcos recursos das empresas têm sido alocados no financiamento à cultura no país. Conforme dados do Ministério da Cultura, em 18 anos de vigência da Lei Rouanet dos oito bilhões de reais investidos, mais de sete bilhões foram recursos públicos. As leis, que ini-cialmente trabalhavam majoritariamente com recursos empresariais, passaram a lidar cada vez mais com dinheiro público (DÓRIA, 2003). Essa inversão contradiz as intenções de criação das leis de incentivo. Hoje, as leis só mobilizam poucos recursos próprios das empresas, inclusive muitas delas públicas. Em suma: as leis de incentivo, depois de muitos anos de vigência, não alcançaram seus objetivos de trazer recursos novos das empresas para a cultura.

A prioridade das leis de incentivo inibiu a atenção do estado nacional em relação a outros dispositivos de financiamento e fomento. O Fundo Nacional de Cultura, além de nunca ultrapassar os 300 milhões de reais em sua história, não teve seu funcionamento atualizado. Ele permaneceu com uma deficiente institu-cionalização. Seus recursos continuaram sendo acessados pelo próprio ministério para seus projetos. Enquanto as leis de incentivo, dedicadas preferencialmente às empresas em suas áreas específicas, passaram, cada vez mais, à isenção de 100%, no fundo permaneceu a exigência de contrapartida de 20% dos proponentes, mes-mo quando eles eram frágeis agentes e comunidades culturais. Não se instituíram critérios e procedimentos republicanos de seleção. A comissão de seleção conti-nuou a ser apenas interna ao ministério. O Fundo Nacional de Cultura, exemplo do financiamento e fomento direto do Estado à cultura, não recebeu nenhum cuidado que permitisse maior institucionalização, funcionamento mais democrático, sele-ção mais republicana e fortalecimento como um dos pilares mais importantes de um complexo sistema de financiamento e fomento.

A hegemonia das leis de incentivo, inclusive no horizonte mental do minis-tério e dos produtores culturais, deprimiu também outros dispositivos de finan-ciamento e fomento, mesmo alguns previstos no próprio Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), criado em 1991 e mais conhecido como Lei Rouanet. O Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) é um exemplo. A quase identi-ficação entre o Pronac, a Lei Rouanet e o mecenato demonstram claramente essa supremacia das leis de incentivo no financiamento e fomento à cultura no país.

Essa predominância inibiu igualmente os mercados culturais. Os públicos deixaram de ser considerados peças relevantes para a sustentabilidade da cultura, pois os custos dos projetos, encarecidos com a vigência unilateral das leis de incen-tivo, passaram a ser bancados quase integralmente por recursos obtidos através dos “patrocínios” das empresas, realizados, quase sempre, com dinheiro público. A não expansão e mesmo a contração dos mercados culturais, o que ocorreu em de-terminados setores da cultura, bem como a redução de temporadas, apontam para

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as problemáticas relações estabelecidas com os públicos culturais, em especial, nos segmentos culturais com potencialidade de criação de nichos específicos de mer-cado. Entre as modalidades de cultura que devem ser bancadas integralmente pelo Estado, a exemplo das culturas populares e experimentais, e os grandes mercados das indústrias da cultura, que possuem sustentabilidade imanente, não se desen-volveram culturas de mercados mais específicos com seus públicos especializados.

A supremacia das leis de incentivo, por conseguinte, inviabiliza a constru-ção de um sistema de financiamento e fomento complexo como exige a complexi-dade atual da cultura. Ela deprimiu a atuação direta do Estado, inibiu os mercados e públicos culturais, não transformou as empresas em efetivas parceiras do apoio à cultura, dado que as leis trabalham quase integralmente com recursos públicos, não possibilitou a universalização do apoio às diversas modalidades de cultura e desestimulou a busca por alternativas de financiamento e fomento.

PROPOSTAS PARA TRANSFORMAÇÃO DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO E FOMENTO À CULTURA

A construção de um sistema complexo de financiamento e fomento à cul-tura obriga a uma revisão radical dos procedimentos atualmente existentes. Sem desprezar nenhum dos dispositivos antes elencados, ela exige a reinvenção de cada um deles e a invenção de novas modalidades, que atendam às complexas deman-das da cultura contemporânea, perpassada pelo conceito ampliado, pela diversida-de cultural e por novos agenciamentos derivados da economia criativa e das redes digitais. A revisão da exagerada dominância das leis de incentivo, a ampliação dos fundos de cultura e o estabelecimento de políticas de estímulo aos consumos e mercados culturais passam a ser vitais para a tessitura de um novo e mais comple-xo sistema de financiamento e fomento à cultura no Brasil.

As leis de incentivo precisam passar por cuidadosa revisitação para redefi-nir seu lugar no sistema de financiamento e fomento, sem que isto prejudique sua existência, dado que elas têm papel relevante no apoio à cultura brasileira, nem afetem a dinâmica atual da cultura. A reforma deve buscar, dentre outros objeti-vos, abolir a isenção de 100%; trazer mais recursos efetivos e novos das empresas para a cultura; imaginar mais estímulos para pequenas e médias empresas; criar mecanismos de desconcentração dos apoios em projetos, instituições e regiões do país; definir melhor os tipos de culturas a serem apoiadas, evitando usar recursos em iniciativas que têm ampla possibilidade de sustentabilidade através do merca-do; aprimorar mecanismos de participação das pessoas físicas no apoio à cultura;

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e, por meio dessas medidas, ampliar verdadeiramente os recursos provenientes das pessoas jurídicas e físicas no apoio às atividades culturais.

Os fundos de cultura, em especial o nacional, necessitam ser reinventados de modo substantivo. O fomento direto do Estado, por meio de fundos de cultura, deve ser guiado pelo horizonte da universalização do apoio à cultura. Os fundos precisam ser mais institucionalizados, possuir critérios e procedimentos republi-canos, ter modelos democráticos de seleção, ampliar a transparência de seus pro-cessos, e aumentar de modo substancial seus recursos. Eles, no mínimo, precisam ser equiparados aos movimentados pelas leis de incentivo. Os fundos de cultura, em uma gestão democrática e republicana, têm maior potencial de acolher o con-ceito ampliado e de apoiar a diversidade cultural. Eles podem ser orientados para contemplar as mais diversas atividades, bens, manifestações e serviços culturais, dado que não obedecem e não estão limitados pela lógica mercantil de visibilidade. Entretanto, o risco da tentação da visibilidade política a qualquer custo precisa ser enfrentado. Como modo de financiamento direto do Estado, os fundos de cultu-ra devem ser institucionalizados e ampliados de maneira notável para garantir a universalização do apoio e viabilizar um sistema de financiamento cultural estru-turado em termos federativos, em sintonia e dando substrato ao Sistema Nacional de Cultura. Aliás, sem aumento significativo do Fundo Nacional de Cultura, não existe a possibilidade de consolidar o Sistema Nacional de Cultura e se instituir um financiamento e fomento à cultura verdadeiramente federativos no Brasil.

Os fundos de cultura podem respeitar a liberdade de criação, quando fun-cionam com base em seleções públicas e asseguram a participação ampla das co-munidades culturais. O estado democrático é capaz de apoiar e mesmo criar cultu-ra respeitando de modo pleno a liberdade de criação e se distanciando de qualquer tentação de controle e imposição de uma cultura oficial. Nessa perspectiva, os apoios dos fundos devem acionar seleções públicas realizadas por comissões de especialistas nas diversas áreas culturais com autonomia assegurada para suas de-liberações e não se efetivar de modo centralizado através de procedimentos antide-mocráticos. O uso de editais públicos emerge como um avanço em relação ao velho balcão, no qual predominavam as lógicas do conhecimento e do favor. As seleções públicas, nesse horizonte, possibilitam a democratização e o caráter republicano do financiamento à cultura.

A afirmação dos avanços dos editais públicos não pode esconder as limita-ções de sua utilização universal em decorrência de suas exigências técnicas. Tornar os editais o instrumento dominante para distribuição democrática e republicana de recursos para a cultura não significa desconhecer seus limites de operar em da-das circunstâncias, devido às suas exigências técnicas, que não são conhecimento compartilhado pelas diferentes comunidades culturais. Com a ampliação do con-

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ceito de cultura, e com a promoção da diversidade cultural, por exemplo, novos agentes e comunidades culturais passaram a demandar e ser atendidos pelo Esta-do. Contudo, ele ainda não possui dispositivos adequados para apoiar e incorporar esses novos ativistas culturais. Para as determinadas situações, agentes e comuni-dades culturais, novas maneiras adequadas de financiamento e fomento devem ser imaginadas. Tais dispositivos igualmente devem ser democráticos e republicanos, mas devidamente afinados com as circunstâncias peculiares e singulares.

As políticas culturais devem incentivar o desenvolvimento e a diversidade de públicos e mercados culturais. Uma das tarefas hoje mais relevantes das políticas culturais e de financiamento no Brasil, caracterizadas pela inclusão econômica e so-cial de parcelas significativas da população brasileira, é incentivar o desenvolvimen-to e a diversidade de públicos e mercados culturais, que atendam a novas demandas culturais e garantam o direito do cidadão ao acesso a determinadas modalidades de cultura, que no Brasil ainda continuam muito excludentes. Ou seja, fazer com que esse potente movimento de inclusão se expanda e abarque cada vez mais o campo da cultura. Sem públicos e mercados culturais desenvolvidos e diferenciados, a sus-tentabilidade e a diversidade da cultura brasileira estão seriamente comprometidas.

O sistema de financiamento necessita atender aos diversos momentos do fazer cultural e superar apoios pontuais e circunscritos no tempo. Na atualidade, a maior parcela do fomento estatal e público à cultura no Brasil destina-se à produ-ção e ao apoio de eventos e produtos. O financiamento, em sua quase totalidade, está restrito à criação e a acontecimentos pontuais e de tempo determinado. O campo da cultura precisa fomentar de modo mais equilibrado todos os momentos do fazer cultural – criação, difusão, divulgação, circulação, distribuição, intercâm-bio, preservação, formação, estudos, crítica, consumo e fruição – e apoiar, de modo mais continuado, projetos de médio ou longo prazo. A não superação dos atuais modos circunscritos de financiamento compromete as possibilidades de desenvol-vimento, sustentabilidade e consolidação da cultura no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reformulação do sistema de financiamento e fomento à cultura no Brasil passa pela redefinição do lugar das leis de incentivo e pela sintonia, em termos de complexidade, entre o sistema e a cultura contemporânea. Nessa perspectiva, outras modalidades de apoio precisam ser imaginadas, inventadas e incorporadas na construção de um complexo sistema de financiamento à cultura. Mecanismos já existentes, a exemplo de financiamentos colaborativos, microcréditos, emprés-

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timos subsidiados, devem ser inscritos com mais destaque no sistema, buscando adequar o financiamento às singularidades próprias do complexo campo cultural. O horizonte ampliado de cultura, os recentes formatos, as tecnologias informáti-cas, as novas modalidades de negócios abrem inúmeras possibilidades para ima-ginar, inventar e implantar outros modos de financiar a cultura. O estímulo à in-vestigação e à criação desses novos dispositivos deve ser prioridade das políticas culturais sintonizadas com a contemporaneidade.

O sistema de financiamento não pode prescindir da formação e qualifica-ção de pessoal e da realização de estudos que subsidiem seu desenvolvimento e alarguem sua complexidade. A carência de estudos e pesquisas sobre a realidade e as possibilidades do fomento à cultura no país, bem como a ausência de pessoal formado e qualificado para lidar com as áreas de financiamento marcam hoje a sociedade brasileira. A construção do sistema complexo que a contemporaneida-de exige requer conhecimento e avaliação dos modos de financiamento existentes no país, das experiências internacionais inovadoras e de sucesso e a invenção de novas modalidades de apoio. A formação e qualificação de pessoal, além do for-talecimento do debate público acerca da temática, tornam-se vitais para alcançar esses objetivos.

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13[CAPÍTULO]

ECONOMIA DA CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA NO BRASIL:UMA ANÁLISE CONJUNTURAL DO MERCADO DE TRABALHO (2014-2016)

EDUARDO RODRIGUES SANGUINETBacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Desenvolvimento Rural. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

CASSIO DA SILVA CALVETEMestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Pesquisa-dor do Cegov. E-mail: [email protected]

ARTUR PELUSO WAISMANNGraduando em Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

O conceito de economia da cultura já é bem conhecido e está consolidado na literatura nacional e internacional enquanto o conceito de economia criativa ainda está em evolução, apresentando-se com definições e formas de mensuração e de caracterização ainda distintas na literatura. O tema da economia criativa chama a atenção pela sua relevância e amplitude, sobretudo nos debates sobre alternativas de desenvolvimento econômico e social no início do século XXI.

Ressalta-se que tanto a economia da cultura quanto a economia criativa podem ser vistas sob ópticas diferentes; sobretudo, é importante destacar que, in-dependente de classificação ou marco teórico de análise, ambas são intensivas em trabalho e responsáveis pela geração de emprego e renda. As atividades culturais e criativas consolidam-se pela amplitude de bens e serviços simbólico-culturais que geram e pelo poder econômico e de mobilização social que as caracterizam. O de-senvolvimento dessas áreas contribui para o desenvolvimento social, a formação de identidade de uma nação e sua autonomia (UNCTAD, 2010).

Nessa perspectiva, este capítulo direciona seu foco para o mercado de traba-lho e os seus aspectos sociais e econômicos, levando em consideração a relevância da economia da cultura e da economia criativa em mobilizar atores sociais, seto-res e atividades econômicas. O objetivo do presente capítulo é retratar a realidade conjuntural das ocupações culturais e ocupações criativas no mercado de trabalho brasileiro, no período compreendido entre 2014 e 2016.

O capítulo está estruturado em cinco seções, a contar esta introdutória. A segunda abarca a discussão sobre economia da cultura e economia criativa, evi-denciando diferenças e contextualizando esse debate relacionando-o às ocupações desses segmentos econômicos. A terceira sumariza os aspectos metodológicos uti-lizados na definição e na classificação das ocupações. A quarta traz os resultados da análise da conjuntura do mercado de trabalho, enquanto a quinta, e última, apresenta as considerações finais do estudo.

ECONOMIA DA CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA

Esta seção discute os aspectos relacionados ao entendimento da economia da cultura e da economia criativa, enquanto noções que colaboram para o entendimento do seu mercado de trabalho. De forma complementar, busca apresentar as concepções utilizadas pelo presente estudo para a definição de ocupações culturais e criativas.

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A área do conhecimento denominada economia da cultura é bastante antiga e estudada, com seus conceitos, setores e ocupações bem delimitados na literatura nacional e internacional. Essa área do saber conta, por exemplo, com obras como as do autor John Ruskin (1819-1900), pioneiras em sua construção. A área do conhecimento denominada de economia criativa, por sua vez, é bem mais recente. Segundo a Unctad (2010), a sua origem data de 1994 na Austrália com a publicação do Relatório Nação Criativa e ganha mais projeção em 1998 quando o Departa-mento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) do Reino Unido lança o mapeamento das indústrias criativas do Reino Unido. Segundo Pinto e Afonso (2013), nessa sequência de obras que contribuem para formação do campo próprio da economia criativa, pode-se destacar o livro de John Howkins (2001), que agregou uma visão empresarial baseada em propriedade intelectual, assim como o livro de Richard Florida (2002), que direciona seu foco ao trabalho criativo e não aos setores cria-tivos como os demais estudos. Nessa sequência, o Relatório da Unctad de 2008 dá abrangência internacional ao tema com o objetivo principal de destacar o comércio internacional de bens e serviços criativos (UNCTAD, 2008). Em 2010, a Unctad divulgou outro relatório que, além de atualizar os dados sobre economia criativa, buscou orientar uma padronização mundial para coletá-los.

Do ponto de vista da coleta de dados estatísticos, contudo, um conjunto padronizado de definições e um sistema de classificação comum são neces-sários como base para a elaboração de uma estrutura funcional que aborde as indústrias criativas dentro dos sistemas de classificação industrial padrão mais amplos, aplicáveis em toda a economia. (UNCTAD, 2010, p. 7).

Na construção dessa nova área do conhecimento há discussões sobre dife-renças entre economia criativa e economia da cultura (DILELIO, 2014). Machado (2009), por exemplo, afirma não haver distinções significativas entre ambas. A au-tora toma o fenômeno como representativo de categorias de ações em ambientes específicos, a partir de transações mediadas por valores culturais e econômicos. Em contraposição, Miguez (2011) salienta a relevância da temática da cultura, en-quanto representação da diversidade cultural e socioeconômica, e também como forma de agregar valor e movimentar fluxos econômicos. O referido autor apre-senta alguns apontamentos com a intenção de colaborar para a construção do con-ceito de economia criativa. Para ele, a definição dos setores criativos da economia não está ligada a uma dicotomia entre atividades humanas criativas e atividades humanas não criativas, tendo em vista que poder-se-ia considerar que, uma vez que a criatividade perpassa por toda atividade humana, todos os setores da econo-mia seriam criativos. A questão da exploração econômica da propriedade intelec-tual não é suficiente ou imprescindível para caracterizar um setor como criativo. A definição sugerida pelo autor para os setores criativos da economia é de que ela compreende todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo princi-pal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica.

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Para Oliveira, Araújo e Silva (2013), a noção de criatividade é importante no que se refere à caracterização da economia criativa. Para os autores, a cria-tividade centra-se no uso de ideias para produzir novas ideias. Nesse sentido, criatividade não é o mesmo que inovação, uma vez que tal noção reflete mudan-ças estéticas ou artísticas, estando mais associada a originalidade. As diferentes noções relacionadas à definição de economia criativa ou mesmo das ocupações criativas levam consigo o envolvimento da criatividade, em maior ou menor grau, sendo assim elemento fundamental na construção de uma definição para economia e indústrias criativas.

A Unctad, em seu relatório de 2004, amplia o conceito de criatividade “pas-sando-o de atividades que possuem um sólido componente artístico para ‘qualquer atividade econômica que produza produtos simbólicos intensamente dependentes da propriedade intelectual, visando o maior mercado possível’.” (UNCTAD, 2004 apud UNCTAD 2010). A partir dessa ampliação do conceito de criatividade, a Unc-tad cria as bases para diferenciar as atividades culturais das atividades criativas.

“A UNCTAD diferencia ‘atividades upstream’ (atividades culturais tradicio-nais, tais como artes cênicas ou visuais) de ‘atividades downstream’ (que possuem uma proximidade muito maior com o mercado, como publicida-de, editoras ou atividades relacionadas a mídia) e argumenta que o segun-do grupo deriva seu valor comercial dos baixos custos de reprodução e fácil transferência para outros domínios econômicos. A partir dessa perspectiva, as indústrias culturais compõem um subconjunto das indústrias criativas. (UNCTAD, 2010, p.7).

Assim, a economia criativa é composta por uma gama de setores superior à da economia da cultura, o que torna a primeira mais abrangente e diversificada. A economia criativa é composta por todos os setores que compõem a economia da cultura, ou seja, aqueles setores tradicionais de patrimônio cultural e artes (arte-sanatos, festivais, pinturas, esculturas, museus, bibliotecas, música, teatro, dança, circo, etc.) acrescidos de setores mais tecnológicos e voltados à prestação de produ-tos e serviços mais funcionais e com apelos mercadológicos (design gráfico, design de moda, design de joias, software, vídeos games, publicidade, etc.).

Essa diferenciação entre economia da cultura e economia criativa carrega consigo muito mais que apenas uma nova forma de classificação que visa ampliar o escopo da mensuração do impacto da criatividade na produção de bens, serviços e renda. Ao ganhar mais visibilidade e ocupar os espaços que antes eram destina-dos à cultura, tanto de reflexão e divulgação na academia, na mídia e dentro dos próprios governos, quanto nas suas políticas públicas, a economia criativa põe em primeiro plano uma análise economicista de curto prazo na mensuração das ativi-dades e seu efeito multiplicador para a geração de emprego, renda, arrecadação de impostos, valor agregado etc., que é tão caro aos economistas. Assim, ficam rele-

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gadas a um segundo plano as discussões que são centrais nas atividades culturais: identidade, emancipação, autonomia, e desenvolvimento social e territorial.

Pela sua natureza e pelo perfil militante dos atores sociais envolvidos nas atividades culturais, tais atividades normalmente não são avaliadas ou mensura-das segundo sua contribuição aos indicadores econômicos do país, mas somente pela sua contribuição ao desenvolvimento social. A mudança de enfoque para a economia criativa traz consigo essa nova preocupação de mensuração econômica, que, de um lado, se vale dos instrumentos tradicionais de medição e argumentação nos mesmos moldes de outros setores da economia para disputar a alocação de recursos do orçamento público e, por outro lado, abandona a sua visão estratégica de longo prazo da construção de uma nação.

Os possíveis ganhos orçamentários derivados do aumento do poder de bar-ganha devido à expansão e à mensuração do setor de atividade econômica (da cul-tura para criativa) poderão se reverter em perdas para o setor cultural em função da nova disputa que se estabelece. Nas palavras de Corazza, Sabbatini e Valiati (2011),

[...] a inclusão dos setores criativos na pasta da cultura pode, com respaldo pelo menos no modelo britânico, encontrar a justificativa das estratégias gê-meas de valorização da dimensão cultural e criativa do desenvolvimento e de atração de recursos orçamentários para esta pasta. A tensão se revelaria numa eventual concorrência interna por recursos entre esses setores cria-tivos e os segmentos e atividades tradicionais e essenciais da pasta, como as manifestações locais, o patrimônio histórico e artístico, folclore e cultura popular dentre outros.

A partir dessa discussão, a Unctad (2010) divulgou uma classificação para os setores criativos, subdivididos em quatro grupos, que, por sua vez, são subdivi-didos em nove subgrupos e 36 setores (Quadro 1).

Quadro 1- Grandes grupos, subgrupos e setores da economia criativa.(continua)

GRUPOS SUBGRUPOS SETORES

Patrimônio

Expressões Culturais Tradi-cionais

Artesanato

Festivais

Celebrações

Locais Culturais

Sítios arqueológicos

Museus

Bibliotecas

Exposições

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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Quadro 1- Grandes grupos, subgrupos e setores da economia criativa.(conclusão)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2010).

GRUPOS SUBGRUPOS SETORES

Artes

Artes Visuais

Pinturas

Esculturas

Fotografia

Antiguidades

Artes Cênicas

Música ao vivo

Teatro

Dança

Ópera

Circo

Teatro de fantoche

Mídia

Editoras e Mídia impressa

Livros

Imprensa

Outras publicações

Audiovisuais

Filme

Televisão

Rádio

Demais radiodifusões

Criações Funcionais

Design

Interiores

Gráfico

Moda

Joalheria

Brinquedo

Novas Mídias

Software

Vídeo games

Conteúdo digital criativo

Serviços Criativos

Arquitetônico

Publicidade

Cultural e recreativo

Pesquisa e Desenvolvimento criativo

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

285

Os dois primeiros grupos são compostos de subgrupos essencialmente cul-turais, no sentido mais tradicional do termo. O terceiro grupo contempla setores tipicamente culturais, mas também abrange outros setores que objetivam estabe-lecer comunicação com grandes públicos e, por último, o grupo que mais se afasta da cultura e que contempla majoritariamente setores direcionados a atender a de-manda com criação de produtos e serviços funcionais.

Nota-se, portanto, que há uma certa dificuldade em delimitar uma noção concisa para setores culturais e criativos. Todo setor cultural é criativo por defi-nição, mas nem todo setor criativo é cultural. Em ambos, a criatividade é a marca registrada e deve ser responsável, em alto grau, pela geração do valor agregado do bem ou serviço. A definição do setor e da ocupação cultural ou criativa tem um alto grau de discricionariedade, e, portanto, essas definições levam muito tempo até serem aceitas de forma consensual.

É importante notabilizar que, independente de classificação ou marco teórico de análise, ambos recortes delimitam atividades que são intensivas em trabalho, sendo responsáveis pela geração de emprego nas diversas áreas a que estão relacionadas. As atividades culturais e as criativas consolidam-se pela am-plitude de bens e serviços simbólico-culturais que geram, principalmente quanto ao poder econômico e de mobilização social que as caracterizam. A seção seguin-te apresenta os conceitos utilizados pelo presente estudo para as ocupações cul-turais e as ocupações criativas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

CONSTRUÇÃO CONCEITUAL DE OCUPAÇÕES CULTURAIS E OCUPA-ÇÕES CRIATIVAS

A discussão apresentada até aqui definiu os subgrupos e setores considera-dos criativos e/ou culturais, para os quais é possível analisar o mercado de traba-lho. Essa definição leva em consideração o esforço de diversos autores em retratar a realidade da economia da cultura e da economia criativa, tendo como recorte as ocupações. Alguns trabalhos merecem destaque, como o de Florida (2002), no qual o autor analisa a relação dos trabalhadores criativos com o espaço urbano. Na Inglaterra, o DCMS adotou em 2013 uma proposta metodológica para definir ocupações criativas, incluindo a definição tanto dos setores criativos quanto das ocupações. No Brasil, Oliveira, Araújo e Silva (2013) discutem diferentes conceitos para mensuração da economia criativa no país, tanto a formal quanto a informal. O IBGE (2007) divulgou uma proposta de apresentação de indicadores culturais

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e faz uso de áreas econômicas para retratar os setores culturais. O Cegov (2015) apresentou uma revisão dos aspectos metodológicos e conjunturais das contas sa-télites para a cultura no Brasil, divulgando uma listagem de setores econômicos relacionados à cultura.

Esses estudos, apesar de apresentarem metodologias diferentes, coinci-dem quanto aos objetivos no que tange à delimitação de noções de ocupações culturais e/ou criativas. Florida (2002) discute o conceito de classe criativa para determinar as ocupações, enquanto o IBGE (2007) utiliza recortes setoriais e a noção de cultura apresentada pela Unesco para delimitação. O modelo adotado pelo DCMS, divulgado em Nesta (2013) e pela Unctad (2010) não fazem distin-ção entre os setores incluídos.

Não se tem aqui a pretensão de apontar modelos certos ou errados, pois compreende-se que eles refletem as diferentes formas de mensurar e interpretar as características estruturantes da produção cultural e criativa. Do ponto de vis-ta do presente estudo, foi estabelecido um conjunto padronizado de definições e um sistema comum de classificação para lidar com as ocupações em termos analíticos. A justificativa central para tanto refere-se ao interesse de estudar o mercado do trabalho da economia da cultura e da economia criativa, em que a análise setorial por si só incorreria em uma superestimação da realidade. A pro-posta de analisar o mercado de trabalho com base em definições de ocupações possibilita que se evidencie as atividades de trabalho culturais e criativas, ex-cluindo-se aquelas ocupações que não são, necessariamente, culturais e criativas de setores que são culturais e/ou criativos. Da mesma forma, ao buscar as in-formações pelas ocupações e não pelos setores consegue-se incorporar os dados referentes às ocupações culturais e criativas inseridas em outros setores da ati-vidade econômica. Assim, para os fins deste estudo, o modelo adotado se baseia nos setores propostos pela Unctad (2010), com algumas adaptações, partindo-se das contribuições de outros trabalhos citados, em que se definiram áreas, setores e ocupações criativas e culturais (Quadro 1).

O modelo adotado para este trabalho considera que as atividades econômi-cas culturais e criativas mantêm uma forte proximidade entre si. As ocupações cul-turais, por si só, são também criativas. O que diferencia as ocupações criativas das culturais é a dimensão cultural que cada uma carrega. Dessa forma, as ocupações culturais carregam consigo aspectos culturais de expressividade popular, artes, patrimônio e de conhecimento, enquanto as ocupações criativas são aquelas que carregam consigo aspectos de criatividade, inovação e geração de valor simbólico, englobando para além das ocupações culturais, outras que não carregam os aspec-tos culturais anteriormente mencionados. Desse modo, adota-se a classificação de ocupações culturais e de ocupações criativas, sumarizadas no Quadro 2.

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Quadro 2. Ocupações criativas e culturais

Fonte: Elaboração própria.

OCUPAÇÕES CULTURAISRelacionam-se a atividades em áreas como das artes, do patrimônio cultural e das expressões culturais.

OCUPAÇÕES CRIATIVAS

Envolvem atividades econômicas baseadas em conhecimento, criatividade, inovação e agregação de valor simbólico. Caracteri-zam-se pela inserção em áreas produtivas direcionadas ao mercado e fomento a criação e atendimento de demanda.

SISTEMÁTICA DE CLASSIFICAÇÃO DAS OCUPAÇÕES

Partindo-se desses conceitos, a classificação de ocupações culturais e cria-tivas levam em consideração as definições compreendidas no Quadro 2. Todas as ocupações selecionadas envolvem atividades cuja lógica de atuação liga criativida-de, conhecimento e inovação, firmando-se cada vez mais no reconhecimento destes como importantes agentes de crescimento econômico e desenvolvimento social.

Para retratar a realidade conjuntural do mercado de trabalho da economia da cultura e da economia criativa no Brasil no período entre 2014 e 2016, adota-ram-se procedimentos metodológicos que possibilitaram abarcar as características desses segmentos econômicos. O mercado de trabalho foi retratado tendo como baliza as ocupações culturais e as ocupações criativas, a partir do recorte utilizado na Classificação de Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE. Es-sas ocupações foram organizadas nos quatro grupos, nos nove subgrupos e nos trinta e seis setores de atividades econômicas culturais e/ou criativas baseados na organização setorial divulgada pela Unctad (2010). Partindo dessa classificação setorial, as ocupações foram denominadas culturais ou criativas, de acordo com a definição apresentada no Quadro 2.

A sistemática de classificação partiu da análise da divisão setorial da Unc-tad, iniciando-se pelos setores, subgrupos e grupos, a partir dos quais discrimina-ram-se os setores culturais e criativos. Utilizando-se a Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE, foram analisadas cada uma das ocu-pações, considerando, primariamente, a criatividade imbuída para a execução das tarefas definidas para ocupação do grupo de base. Após isso, analisou-se o subgru-po, o subgrupo principal e o grande grupo a qual cada ocupação enquadrava-se.

Com base nessa análise minuciosa das CODs, foi possível classificar as ocu-pações em criativas ou culturais. Logo, tendo-se as divisões de ocupações do IBGE e a divisão setorial da Unctad, recorreu-se aos dados secundários disponibilizados pelo IBGE para retratar a realidade conjuntural do mercado de trabalho no Brasil.

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O conjunto de dados analisados foi da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua (Pnad Contínua), que fornece informações sobre a inserção da população no mercado de trabalho, formal e informal, associada a características demográ-ficas e de educação. As CODs utilizadas, bem como suas classificações, estão no Anexo 1 deste capítulo.

Para retratar a realidade do mercado de trabalho, foram feitas análises des-critivas e comparativas e determinação de taxas de variação ao longo do período de 2014 a 2016. Ressalta-se que a análise apresentou periodicidade trimestral con-forme pesquisa disponibilizada pela Pnad contínua.

EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO CULTURAL E CRIATIVO EM TEMPOS DE CRISE

Analisar o mercado de trabalho da economia da cultura e da economia criati-va é discutir dois dos setores que mais cresceram na economia mundial nos últimos tempos e que, devido às suas particularidades trazem contribuições significativas para a sociedade nas dimensões econômica, social, cultural e de desenvolvimento sustentável. Segundo a Unctad (2010), no aspecto econômico, a economia criativa vem tendo crescimento muito superior à média do total da economia nos mais va-riados aspectos (salário médio, nível de emprego, valor adicionado). No estudo da Firjan (2014), que também utiliza o corte setorial, para o Brasil a importância do setor criativo não é diferente, e também não é diferente o maior crescimento do setor. Em seu estudo, estima que de 2004 a 2013 o Produto Interno Bruto (PIB) gerado pela indústria criativa cresceu 69,8% em termos reais enquanto o PIB brasi-leiro cresceu apenas 36,4% no mesmo período. No mercado de trabalho essa situa-ção se repete. Enquanto o número de trabalhadores formais da indústria criativa cresceu 90,0% entre 2004 e 2013 no total do mercado de trabalho formal brasileiro, o crescimento foi de 56,0%. No entanto, no estudo do Ipea (OLIVEIRA; ARAÚJO; SILVA, 2013) que utiliza o recorte ocupacional a taxa de crescimento das ocupações formais tem variação apenas levemente superior, não caracterizando diferenciação significativa, e da mesma forma a variação da massa salarial.

Os estudos citados anteriormente analisaram os setores ou mesmo as ocu-pações criativas em tempos de evolução positiva do mercado de trabalho brasi-leiro. No entanto, a conjuntura se alterou, e, por qualquer indicador que se meça (remuneração, taxa de desemprego, informalidade) ou por qualquer pesquisa que se utilize (PED, PME, Pnad), invariavelmente percebe-se uma deterioração do mer-

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cado de trabalho a partir de 2015. Nesse estudo conjuntural, utilizaremos os dados da Pnad Contínua desde o ano de 2014, mas tendo como principal objetivo estu-darmos a movimentação do primeiro trimestre de 2016.

A proposta dessa seção é analisar a evolução conjuntural do mercado de trabalho brasileiro da economia da cultura e da economia criativa e também com-pará-los com a evolução do mercado de trabalho geral.

POPULAÇÃO OCUPADA

No período de 2004 a 2013, houve uma melhoria contínua do mercado de trabalho brasileiro. Ainda ao longo de 2014, a trajetória da população ocupada apresentou uma tendência de elevação, como se percebe ao analisar a Tabela 1 e o Gráfico 1, enaltecida pela constante instabilidade e piora no quadro total de ocupa-dos ao longo de 2015 e início de 2016. Como resultado desse cenário, a população ocupada contraiu em cerca de 600 mil trabalhadores entre o quarto trimestre de 2014 (92,875 milhões) e o mesmo trimestre de 2015 (92,274 milhões). Para se ter uma ideia, essa diferença de ocupados entre quatro trimestres de anos consecuti-vos anteriores apontava um crescimento de cerca de 1,0 e 1,5 milhão de trabalha-dores de 2012 a 2013 e 2013 a 2014, respectivamente.

ANOCULTURA CRIATIVA TOTAL OCUPADOS

Nº ABS. VAR. % Nº ABS VAR. % Nº ABS. VAR. %

2014

1º trim. 1.077.260 4.407.766 91.251.589

2º trim 1.057.595 -1,83 4.839.965 9,81 92.051.939 0,88

3º trim 1.090.395 3,10 5.261.137 8,70 92.269.100 0,24

4º trim 1.163.419 6,70 5.446.229 3,52 92.874.532 0,66

2015

1º trim. 1.146.623 -1,44 5.319.452 -2,33 92.023.103 -0,92

2º trim 1.232.415 7,48 5.218.160 -1,90 92.211.336 0,20

3º trim 1.313.404 6,57 5.225.430 0,14 92.089.928 -0,13

4º trim 1.333.876 1,56 5.068.013 -3,01 92.244.835 0,17

2016 1º trim 1.241.085 -6,96 5.058.077 -0,20 90.639.074 -1,74

Variação acumulada 163.825 15,19 650.311 14,72 -612.515 -0,65

Tabela 1. Total de ocupados, ocupados criativos e ocupados culturais (2014 – 2016)

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

O total de postos de trabalho criados e fechados ao longo do período anali-sado apresentou instabilidade, que pode ser verificada através dos percentuais de variação. Nesse cenário as ocupações culturais e criativas mostraram-se com uma

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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acumulação positiva, respectivamente de 15,19% e 14,72%, levando em conside-ração a criação e o fechamento de postos de trabalho do total do período, enquanto que o total de ocupações no Brasil apresentou queda de 0,65%. Para o caso da cultura, o primeiro trimestre de 2016 mostrou a maior perda de postos (-6,96%). As ocupações criativas, apesar de acumularem uma queda de postos de trabalho no primeiro trimestre de 2016, mostraram uma redução menor na relação de ocu-pados se comparadas com a cultura e com o cenário geral do mercado de trabalho brasileiro. A participação relativa das ocupações culturais e criativas no país é mos-trada no Gráfico 1.

Gráfico 1. Total de ocupados e participação de ocupações criativas e culturais (2014-2016)

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

No Gráfico 1 pode-se ver que a participação relativa das ocupações culturais e criativas no mercado de trabalho total variou ao longo de 2014 até o início de 2016. Nos quatro trimestres de 2014, as ocupações criativas tiveram crescimento superior ao aumento no quadro total de ocupados, aumentando sua participação relativa de 4,83% para 5,86%. Nesse quadro, as ocupações culturais também acom-panharam o aumento, mas em menor proporção. Em 2015, a instabilidade visível no quadro total de ocupados contrasta com o aumento dos ocupados culturais, que têm sua participação relativa aumentada de 1,25% para 1,45%. Nesse período, as ocupações criativas apresentaram uma queda na participação relativa, situação que se altera em 2016, em que a participação relativa aumenta, enquanto as ocupa-ções culturais diminuem, junto com o cenário do mercado de trabalho total.

No primeiro trimestre de 2016, a tendência das ocupações culturais sofre forte reversão e apresenta uma queda de 6,96%. Já as ocupações criativas pra-

1,18%1,15%

1,18%

1,25%1,25%

1,34%1,43%

1,45%1,37%

4,83%5,26%

5,70% 5,86% 5,78%5,66%

5,67%

5,49%

5,58%

0,00%

1,00%

2,00%

3,00%

4,00%

5,00%

6,00%

7,00%

89.500.000

90.000.000

90.500.000

91.000.000

91.500.000

92.000.000

92.500.000

93.000.000

93.500.000

1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim

2014 2015 2016

Total Ocupados Cultura Criativa

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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ticamente se mantêm (-0,20%), enquanto o total de ocupados mostra queda de -1,77%, com uma perda de 1.605.761 ocupações.

O contexto econômico de crise, mais perceptível a partir de 2015, se mani-festou com mais força no mercado de trabalho cultural apenas no ano de 2016. Os repasses públicos da cultura para o ano de 2015 foram decididos em 2014, quando a crise ainda não tinha se manifestado plenamente. Assim, o mercado cultural no ano de 2015 teve um comportamento que superou as expectativas negativas da época, e as ocupações do setor não sofreram maiores impactos da crise, bem como as ocupações criativas. Nesse ano, as ocupações culturais apresentaram crescimen-to da sua participação no total de ocupados. Para 2016, as decisões orçamentárias tomadas em 2015 levaram em consideração a redução das arrecadações. Assim, o orçamento do setor público (municipal, estadual e federal) mostrou-se em que-da, enquanto o setor privado, em um contexto de diminuição de sua demanda, incorreu em redução da verba alocada para o marketing cultural. O setor cultural também foi afetado pela redução de investimentos decorrentes da crise que afeta a Petrobrás, as mineradoras e as construtoras, tradicionais investidoras da cultura. Nesse primeiro trimestre de 2016, também se observou a redução de exposições temporárias dos museus, menor movimentação nos mercados de artes e menor compra governamental de livros que, juntamente com o aumento do desemprego e diminuição dos rendimentos e da massa de rendimentos, impactaram diretamente o pessoal ocupado na cultura.

Esse quadro de perdas de postos de trabalho no Brasil pode ser analisado na Tabela 2, que traz informações sobre o percentual de desocupados no país e dos rendimentos médios mensais dos ocupados.

Tabela 2. Evolução do Rendimento Médio e do Total de Desocupados no Mercado Geral de Trabalho

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b). Nota: * Valores deflacionados pelo IPCA para 1º de julho de 2016.

ANO RENDIMENTO MÉDIO* (R$) TOTAL DE DESOCUPADOS (%)

2014

1º trim 2.042,53 7,2

2º trim 1.992,42 6,8

3º trim 1.995,08 6,8

4º trim 2.021,05 6,6

2015

1º trim 2.043,30 7,9

2º trim 2.024,29 8,3

3º trim 1.980,72 8,9

4º trim 1.976,52 9,0

2016 1º trim 1.979,84 10,9

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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O mercado geral de trabalho apresenta um aumento na proporção de de-socupados, que vem aumentando desde o primeiro trimestre de 2015, chegando a duas casas percentuais em 2016. Quando se analisa tais números juntamente com a evolução real do rendimento médio mensal, é possível notar uma pressão nos salários a partir do aumento do total de desocupados. Essa relação muda no primeiro trimestre de 2016, quando o total de ocupados atinge o maior percentual desde 2014, e o rendimento médio apresenta relativa estabilidade (0,17%). O au-mento da população desocupada no primeiro trimestre de 2016 segue a tendência dos últimos períodos, reforçado pela sazonalidade dos trabalhos temporários, com muitos deles sendo extintos no início de cada ano. O aumento do salário mínimo em 2016 pode ser apontado como um dos fatores explicativos para o leve aumento do rendimento médio apresentado no primeiro trimestre de 2016.

GÊNERO E PROTEÇÃO DO TRABALHO

Os setores de economia da cultura e da economia criativa têm certas parti-cularidades que os diferenciam dos demais setores. Como característica positiva, eles se mostram mais receptivos aos trabalhadores que normalmente se inserem no mercado de trabalho de forma mais precária (jovens, negros, mulheres) e, como característica negativa, tem-se que eles oferecem menor proteção aos seus ocu-pantes. A Tabela 3 retrata a participação de homens e mulheres nas ocupações culturais, criativas e totais no Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

Tabela 3. Evolução da participação de ocupados por gênero e por ocupação (%)

ANOCULTURA CRIATIVA TOTAL OCUPADOS

MASCULINO FEMININO MASCULINO FEMININO MASCULINO FEMININO

2014

1º trim 56,8 43,2 53,1 46,9 57,3 42,7

2º trim 57,3 42,7 48,4 51,6 57,3 42,7

3º trim 57,7 42,3 47,0 53,0 57,4 42,6

4º trim 55,9 44,1 46,5 53,5 57,0 43,0

2015

1º trim 53,0 47,0 45,6 54,4 57,3 42,7

2º trim 52,6 47,4 47,6 52,4 56,9 43,1

3º trim 52,1 47,9 48,4 51,6 56,9 43,1

4º trim 52,0 48,0 49,6 50,4 57,2 42,8

2016 1º trim 53,8 46,2 49,4 50,6 57,4 42,6

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

Tabela 4. Evolução do número de ocupados formais e informais por ocupação.

Comparando-se as ocupações culturais com o total de ocupações, perce-be-se que em 2014 o percentual de mulheres no mercado eram praticamente os mesmos, porém quando a crise se agudizou cresceu a participação das mulheres nas ocupações culturais, enquanto no mercado de trabalho geral ela praticamente não se alterou. Dentre as ocupações criativas, o percentual de mulheres tem sido superior ao dos homens desde o segundo trimestre de 2014, ainda que tenha sofri-do uma diminuição relativa ao longo do ano de 2015, voltando a crescer em 2016.

A característica negativa, relacionada à menor proteção dos trabalhadores envolvidos com economia da cultura e economia criativa, pode ser verificada na tabela 4 e na tabela 5. Na tabela 4, que retrata as ocupações formais e informais, nota-se uma significativa piora do cenário a partir do primeiro trimestre de 2014. Nesse período, o percentual de trabalhadores informais aumenta para todas as ocupações consideradas, com exceção das ocupações culturias nos primeiros tri-mestres de 2015 e 2016. Essa movimentação do primeiro trimestre de 2016, que aparentemente é positiva, na medida em que aumentou relativamente a forma-lização do setor, na prática é resultado de uma evolução perversa do fechamento de postos de trabalho. Nesse período, foram fechados mais postos de trabalhos informais se comparados aos formais, o que teve como resultado um aumento re-lativo da formalização. Essa pequena alteração não reverte o alto percentual de informalidade das ocupações culturais (71,77%) em comparação com as ocupações criativas (60,29%) e, principalmente, na comparação com o total de ocupados que tem percentual bem inferior (45,39%)

CULTURA CRIATIVA TOTAL OCUPADOS

FORMAL INFORMAL FORMAL INFORMAL FORMAL. INFORMAL

2014

1º trim. 35,75% 64,25% 47,74% 52,26% 55,99% 44,01%

2º trim 33,32% 66,68% 44,64% 55,36% 56,14% 43,86%

3º trim 33,15% 66,85% 44,12% 55,88% 55,88% 44,12%

4º trim 31,73% 68,27% 43,06% 56,94% 55,63% 44,37%

2015

1º trim 34,35% 65,65% 43,25% 56,75% 55,75% 44,25%

2º trim 32,28% 67,72% 41,73% 58,27% 55,33% 44,67%

3º trim 29,71% 70,29% 40,65% 59,35% 54,91% 45,09%

4º trim 27,00% 73,00% 40,07% 59,93% 54,76% 45,24%

2016 1º trim 28,23% 71,77% 39,71% 60,29% 54,61% 45,39%

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Igualmente, percebe-se na Tabela 5 que entre os ocupados da cultura há um menor percentual de contribuintes para a previdência em comparação às de-mais ocupações. Enquanto apenas 46,9% dos ocupados culturais contribuem para previdência, as ocupações criativas mostram que 58,8% contribuem, e que, para o total de ocupações, os contribuintes representam 65,7%. Isso gera um maior grau de insegurança entre os ocupados da cultura, tendo em vista que não poderão usu-fruir de direitos trabalhistas como aposentadoria, pensão ou licenças como saúde, acidente do trabalho, maternidade, etc.

Quanto à contribuição previdenciária, apesar da relativa estabilidade ao lon-go do período analisado para as ocupações culturais, criativas e as totais, o primeiro trimestre de 2016 apresentou pequeno aumento da participação dos contribuintes. Novamente, essa aparente melhora, na medida em que aumentou relativamente o percentual de contribuintes, na prática é resultado de uma evolução do fechamen-to de postos de trabalho. Nesse período, fecharam mais postos de trabalho de não contribuintes do que de contribuintes. Entre os ocupados culturais, o total de con-tribuintes apresentou redução de 3,9%, enquanto para os não contribuintes a redu-ção foi de 9,5%. Entre os ocupados criativos, o número de contribuintes se manteve estável (0,1%), e o número de não contribuintes caiu em 1,7%.

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

Tabela 5. Evolução do número de ocupados com e sem contribuição previdenciária por ocupação

ANO

CULTURA CRIATIVA TOTAL OCUPADOS

COM CONTRIB.

SEM CONTRIB.

COM CONTRIB.

SEMCONTRIB.

COM CONTRIB.

SEMCONTRIB.

2014

1º trim. 47,5 52,5 60,3 39,7 64,3 35,7

2º trim 48,3 51,7 59,3 40,7 64,6 35,4

3º trim 49,1 50,9 59,5 40,5 64,7 35,3

4º trim 46,9 53,1 58,5 41,5 64,7 35,3

2015

1º trim. 49,1 50,9 58,6 41,4 64,8 35,2

2º trim 48,5 51,5 58,5 41,5 64,9 35,1

3º trim 45,3 54,7 57,4 42,6 64,6 35,4

4º trim 45,4 54,6 58,2 41,8 65,6 34,4

2016 1º trim 46,9 53,1 58,8 41,2 65,7 34,3

RENDIMENTO E ESCOLARIDADE

O Gráfico 2 mostra de forma comparativa as variações nos rendimentos mé-dios reais da economia da cultura, da economia criativa e do total da economia. Os valores absolutos dos rendimentos, contudo, não podem ser comparados. Isso

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Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b). Nota: * Valores deflacionados pelo IPCA para 1º de julho de 2016.

Gráfico 2. Rendimento mensal médio das ocupações principais (2014-2016)*

porque de acordo com os dados da Pnad anual de 2014, os ocupados com atividade principal sendo cultural trabalharam, em média, 31 horas, enquanto o total de ocu-pados apresentou uma média 40 horas trabalhadas na ocupação principal. Tal dife-rença mostra que para ser possível analisar os valores absolutos das médias dos ren-dimentos, seria necessário saber quantas horas foram trabalhadas nas ocupações principais pelos ocupados, dado este que não está disponível na Pnad Contínua.

Quanto aos rendimentos, os três recortes estudados apresentaram queda ao longo de todo o período analisado. Essa redução do poder aquisitivo dos ren-dimentos ocorreu, em parte, em função da aceleração da inflação no período e, em parte, pela perda do poder de barganha dos trabalhadores que sofrem com o aumento da taxa de desocupação. Verifica-se uma queda acentuada para os rendi-mentos das ocupações criativas, que desde o primeiro trimestre de 2014 perdeu 17,09% do poder de compra, enquanto a dos ocupados culturais foi de 8,06% e a do total de ocupados de 3,07%.

Ainda a respeito das variações, outro fato que merece destaque é o aumento dos rendimentos médios das ocupações culturais entre 2015 e 2016, que cresce-ram mais que a média nacional no trimestre verificado, a despeito da diminuição do número de ocupados. Tal variação é resultado em parte do aumento do salário mínimo e em parte do maior fechamento de postos de trabalho com remuneração abaixo da média em comparação com o fechamento de postos de trabalho com remuneração acima da média.

1.350,00

1.550,00

1.750,00

1.950,00

2.150,00

2.350,00

2.550,00

2.750,00

1º trim. 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim. 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim

2014 2015 2016

Cultura Criativa Total Ocupados

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Em relação ao nível de instrução dos ocupados, é verificável a diferença en-tre os ocupados da cultura, os criativos e a média geral brasileira. Tais relações são apresentadas na Tabela 6.

NÍVEL DE INSTRUÇÃO CULTURA

(%)CRIATIVA

(%)TOTAL DE OCUPADOS

(%)

2014 1º TRIMESTRE

Sem instrução 3,92% 2,06% 5,19%

Fundamental incompleto ou equivalente 18,69% 15,12% 25,61%

Fundamental completo ou equivalente 9,05% 8,46% 10,86%

Médio incompleto ou equivalente 6,11% 6,00% 6,36%

Médio completo ou equivalente 33,01% 33,04% 31,32%

Superior incompleto ou equivalente 8,46% 7,80% 5,18%

Superior completo 20,77% 27,52% 15,47%

2015 1º TRIMESTRE

Sem instrução 4,28% 2,18% 4,68%

Fundamental incompleto ou equivalente 18,65% 17,24% 25,43%

Fundamental completo ou equivalente 10,18% 10,02% 10,71%

Médio incompleto ou equivalente 5,32% 5,65% 6,09%

Médio completo ou equivalente 32,61% 32,44% 31,07%

Superior incompleto ou equivalente 7,83% 7,77% 5,52%

Superior completo 21,13% 24,70% 16,51%

2016 1º TRIMESTRE

Sem instrução 4,75% 3,94% 7,28%

Fundamental incompleto ou equivalente 18,33% 14,62% 22,00%

Fundamental completo ou equivalente 7,87% 9,14% 10,12%

Médio incompleto ou equivalente 5,48% 5,12% 5,59%

Médio completo ou equivalente 33,19% 32,72% 31,95%

Superior incompleto ou equivalente 8,08% 7,70% 5,14%

Superior completo 22,29% 26,76% 17,92%

Fonte: Elaboração própria a partir de Pnad Contínua (IBGE, 2016a, 2016b).

Tabela 6. Percentual de trabalhadores por nível de escolaridade

Nota-se que os ocupados criativos têm um nível de escolaridade superior, seguido pelos culturais e por último o total de ocupados. Para justificar essa ar-gumentação, agregamos as três primeiras faixas com mais baixa escolaridade e temos os seguintes percentuais no primeiro trimestre de 2016: ocupados culturais (30,95%), criativos (27,70%) e total de ocupados (39,40%). Ao agregarmos as duas

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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últimas faixas para representar a mais alta escolaridade, temos 28,96%, 34,46% e 23,06%, respectivamente. Essas dimensões e diferenças relativas praticamente se mantêm do primeiro trimestre de 2014 para o primeiro trimestre de 2016, e verifica-se em todos os casos uma pequena redução dos ocupados com menor es-colaridade, acompanhada de uma redução dos ocupados com maior escolaridade entre os ocupados culturais e criativos, enquanto que no caso do total de ocupa-dos, verificou-se um aumento para os indivíduos com maior nível de instrução.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela discussão promovida neste capítulo, foi possível verificar que o debate sobre economia da cultura e a economia criativa possibilita que se tenha uma visão mais ampla acerca da importância econômica e social dos setores relacionados a atividades que reúnem criatividade, agregação de valor simbólico e propriedade in-telectual. O direcionamento de um olhar econômico para esses setores e ocupações permite a ampliação do debate sobre a promoção do desenvolvimento e inclusão social em atividades produtivas e geradoras de renda para a sociedade.

Ao longo do estudo pode-se perceber que as ocupações culturais e criati-vas se revestem de particularidades que as diferenciam sobremaneira das demais. Como não poderia ser diferente, os efeitos da crise econômica pela qual atravessa o país impactam essas ocupações de forma peculiar, e daí deriva a importância de um olhar especial para elas.

No que tange à variação do número absoluto de trabalhadores nas ocupações culturais, criativas e totais, pode-se perceber que, ao longo do período estudado, as duas primeiras tiveram variações extremamente positivas, respectivamente 15,19% e 14,72%, ao passo que o mercado total de trabalho apresentou leve retração (0,65%).

Quanto aos rendimentos, os três recortes estudados apresentaram queda. Essa redução do poder aquisitivo dos rendimentos ocorreu em parte em função da aceleração da inflação no período e, em parte, pela perda do poder de barganha dos trabalhadores que sofrem com o aumento da taxa de desocupação. A perda do poder de compra do total dos ocupados foi de 3,07%, enquanto a dos ocupados culturais foi de 8,06%, e a dos criativos, de 17,09%.

Na questão referente à proteção que as ocupações fornecem aos trabalha-dores envolvidos na economia da cultura e na economia criativa tradicionalmen-te essa proteção é mais restrita. Esses trabalhadores ocupam relativamente mais postos de trabalho informais e contribuem menos para a previdência. No período

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de crise analisado, enquanto para o total de ocupados o percentual de trabalha-dores na informalidade sofreu uma pequena elevação (1,4 p.p.), o percentual de trabalhadores culturais e criativos em ocupações informais aumentou fortemente (respectivamente 7,5 p.p e 8,0 p.p). Na questão da contribuição previdenciária, o percentual de trabalhadores que contribuem pouco se alterou ao longo do período analisado. No entanto, apesar das alterações serem pequenas, deve ser ressaltado que nas ocupações culturais e criativas houve uma pequena diminuição no per-centual de trabalhadores que contribuem para a previdência enquanto que entre o total de trabalhadores ocupados houve uma pequena elevação.

Pode-se concluir que as ocupações culturais e criativas tiveram movimen-tos paradoxais no período de crise. Ao mesmo tempo em que tiveram elevação do número de ocupados apresentaram queda dos rendimentos, aumento relativo da formalização e relativa estabilidade na contribuição previdenciária.

REFERÊNCIAS

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

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300

ANEXO

Quadro 1. Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE com sua denominação e divididos por grandes grupos, subgrupos e setores da Unctad.

(continua)

GRUPO DE BASE DENOMINAÇÃO GRUPO SUBGRUPO SETOR ECONOMIA

1222Dirigentes de pu-blicidade e relações públicas

Criações Funcionais

Serviços criativos Publicidade Criativa

1223Dirigentes de pes-quisa e desenvolvi-mento

Criações Funcionais

Serviços criativos

Pesquisa e Desenvolvi-

mentoCriativa

1330

Dirigentes de ser-viços de tecnologia da informação e comunicações

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2161 Arquitetos de edificações

Criações Funcionais

Serviços criativos Arquitetura Criativa

2162 Arquitetos paisa-gistas

Criações Funcionais

Serviços criativos Arquitetura Criativa

2163Desenhistas de produtos e vestu-ário

Criações Funcionais Design Moda Criativa

2164 Urbanistas e enge-nheiros de trânsito

Criações Funcionais

Serviços criativos Arquitetura Criativa

2166 Desenhistas gráfi-cos e de multimídia

Criações Funcionais Design Gráfico Criativa

2354 Outros professores de música Artes Artes

Cênicas Música Cultura

2355 Outros professores de artes Artes Artes

VisuaisPintura e escultura Cultura

2356Instrutores em tecnologias da informação

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2511 Analistas de sis-temas

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2512

Desenvolvedores de programas e aplicativos (software)

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2513

Desenvolvedores de páginas de Internet (web) e multimídia

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

301

Quadro 1. Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE com sua denominação e divididos por grandes grupos, subgrupos e setores da Unctad.

(continuação)

GRUPO DE BASE DENOMINAÇÃO GRUPO SUBGRUPO SETOR ECONOMIA

2514 Programadores de aplicações

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2519

Desenvolvedores e analistas de programas e apli-cativos (software) e multimídia não classificados ante-riormente

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2521Desenhistas e administradores de bases de dados

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2522 Administradores de sistemas

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2523Profissionais em rede de computa-dores

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2529

Especialistas em base de dados e em redes de computadores não classificados anteriormente

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

2621Arquivologistas e curadores de museus

Patrimônio Locais Culturais Museus Cultura

2622Bibliotecários, documentaristas e afins

Patrimônio Locais Culturais Bibliotecas Cultura

2641 Escritores MídiaEditoras e Mídia

ImpressaLivros Cultura

2642 Jornalistas MídiaEditoras e Mídia

ImpressaImprensa Criativa

2643 Tradutores, intér-pretes e linguistas

Criações Funcionais

Serviços criativos

Outros Servi-ços Relacio-

nadosCriativa

2651 Artistas plásticos Artes Artes Visuais Escultura Cultura

2652 Músicos, cantores e compositores Artes Artes

Cênicas Música Cultura

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CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

302

GRUPO DE BASE DENOMINAÇÃO GRUPO SUBGRUPO SETOR ECONOMIA

2653 Bailarinos e coreó-grafos Artes Artes

Cênicas Dança Cultura

2654Diretores de cinema, de teatro e afins

Artes Artes Cênicas Teatro Cultura

2655 Atores Artes Artes Cênicas Teatro Cultura

2656

Locutores de rádio, televisão e outros meios de comuni-cação

Mídia Audiovi-suais Rádio Cultura

2659

Artistas criativos e interpretativos não classificados anteriormente

Artes Artes Cênicas Outros Cultura

3431 Fotógrafos Artes Artes Visuais Fotografia Cultura

3432Desenhistas e decoradores de interiores

Criações Funcionais Design Interiores Criativa

3433

Técnicos em galerias de arte, museus e biblio-tecas

Patrimônio Locais Culturais Museus Cultura

3434 Chefes de cozinha Criações Funcionais

Serviços Criativos

Outros Servi-ços Criativos Criativa

3435

Outros profissio-nais de nível médio em atividades cul-turais e artísticas

Artes Artes Cênicas Outros Cultura

3511

Técnicos em opera-ções de tecnologia da informação e das comunicações

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

3512

Técnicos em assis-tência ao usuário de tecnologia da informação e das comunicações

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

3513Técnicos de redes e sistemas de com-putadores

Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

3514 Técnicos da web Criações Funcionais

Novas Mídias Digital Criativa

Quadro 1. Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE com sua denominação e divididos por grandes grupos, subgrupos e setores da Unctad.

(continuação)

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

303

GRUPO DE BASE DENOMINAÇÃO GRUPO SUBGRUPO SETOR ECONOMIA

3521Técnicos de radio-difusão e gravação audiovisual

Mídia Audiovi-suais Rádio Cultura

3522 Técnicos de enge-nharia de teleco-municações

Criações Funcionais

Novas Mídias

Outros Servi-ços Relacio-

nados

Criativa

5141 Cabeleireiros Criações Funcionais

Design Moda Criativa

5241 Modelos de moda, arte e publicidade

Criações Funcionais

Design Moda Criativa

7311 Mecânicos e reparadores de instrumentos de precisão

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7312 Confeccionadores e afinadores de instrumentos musicais

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7313 Joalheiros e lapidadores de gemas, artesãos de metais preciosos e semipreciosos

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7314 Ceramistas e afins (preparação e fabricação)

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7315 Cortadores, poli-dores, jateadores e gravadores de vidros e afins

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7316 Redatores de cartazes, pinto-res decorativos e gravadores

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7317 Artesãos de pedra, madeira, vime e materiais seme-lhantes

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7318 Artesãos de tecidos, couros e materiais seme-lhantes

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

Quadro 1. Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE com sua denominação e divididos por grandes grupos, subgrupos e setores da Unctad.

(continuação)

Page 306: ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚ · PDF fileeconomia criativa, cultura e polÍticas pÚblicas leandro valiati gustavo moller organizadores economia criativa, cultura e polÍticas

CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

304

GRUPO DE BASE DENOMINAÇÃO GRUPO SUBGRUPO SETOR ECONOMIA

7319 Artesãos não classi-ficados anterior-mente

Patrimônio Expressões Culturais Tradicio-

nais

Artesanato Cultura

7321 Trabalhadores da pré-impressão gráfica

Mídia Editoras e Mídia

Impressa

Outras publi-cações

Criativa

7322 Impressores MídiaEditoras e Mídia

Impressa

Outras publi-cações Criativa

7323 Encadernadores e afins Mídia

Editoras e Mídia

Impressa

Outras publi-cações Criativa

7531Alfaiates, modis-tas, chapeleiros e peleteiros

Criações Funcionais Design Moda Criativa

7532

Trabalhadores qualificados da preparação da con-fecção de roupas

Criações Funcionais Design Moda Criativa

7533 Costureiros, borda-deiros e afins

Criações Funcionais Design Moda Criativa

7534 Tapeceiros, colcho-eiros e afins

Criações Funcionais Design Moda Criativa

7535

Trabalhadores qualificados do tra-tamento de couros e peles

Criações Funcionais Design Moda Criativa

7536 Sapateiros e afins Criações Funcionais Design Moda Criativa

Quadro 1. Classificação das Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) do IBGE com sua denominação e divididos por grandes grupos, subgrupos e setores da Unctad.

(conclusão)

Fonte: Elaboração própria a partir de Unctad (2010).

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Este livro foi composto na tipologia Chaparral Pro, em corpo 10 pte impresso no papel Offset 75 g/m2 na Gráfica da UFRGS

Editora da UFRGS • Ramiro Barcelos, 2500 – Porto Alegre, RS – 90035-003 – Fone/fax (51) 3308-5645 – [email protected] – www.editora.ufrgs.br • Direção: Alex Niche Teixeira • Editoração: Luciane Delani (Co-ordenadora), Carla M. Luzzatto, Cristiano Tarouco, Fernanda Kautzmann, Lucas Ferreira de Andrade, Maria da Glória Almeida dos Santos e Rosangela de Mello; suporte editorial: Jaqueline Moura (bolsista) • Administração: Aline Vasconcelos da Silveira, Getúlio Ferreira de Almeida, Janer Bittencourt, Jaqueline Trombin, Laerte Balbinot Dias, Najára Machado e Xaiane Jaensen Orellana • Apoio: Luciane Figueiredo.

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ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS

PÚBLICASLEANDRO VALIATIGUSTAVO MOLLER

ORGANIZADORES

ECONOMIA CRIATIVA, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

Este livro é o resultado dos esforços contínu-os, individuais e coletivos, dos projetos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho de Economia Criativa, Cultura e Políticas Públicas do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo objetiva construir massa crítica acadêmica e pesquisa aplicada à gestão pública para subsidiar a tomada de decisões e fomentar a formação de capacidade técnica na área, levando em conta seu impacto na dinâmica social e econômica do país. A partir da produção de subsídios téoricos, avaliações aplicadas e estratégias de políticas para demarcar, busca-se compreender e propor formas de desenvolvimento do campo da economia da cultura no escopo da economia e indústrias criativas. Nesse sentido, o livro busca re�etir as experiências e expertises desenvolvidas no GT por meio de seus projetos de pesquisa e extensão. Ele conta com a participação de professores da UFRGS e parceiros, nacionais e internacionais, que estiveram ativamente envolvidos nas atividades do GT e que de alguma maneira contribuíram para a sua consolidação.

A era digital vem alterando o contexto no qual se dão as relações entre Estado e sociedade. A forma com a qual os Estados organizam sua burocracia, interagem com seus cidadãos, provêm bem-estar e

segurança, constroem alternativas institucionais para a resolução de seus con�itos e habilitam inúmeras formas de organização em rede da sociedade é objeto de pesquisa e ação dos Grupos de Trabalho do

Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O CEGOV realiza estudos e pesquisas sobre a ação governamental no Brasil e no mundo e preza pela excelência acadêmica no

desenvolvimento de seus projetos e pelo progresso da UFRGS como instituição, procurando contribuir para a interação institucionalizada entre a Universidade e as instituições da Administração Pública. Os

Grupos de Trabalho do Centro são responsáveis pela formulação, implementação e avaliação de projetos interdisciplinares em áreas

como política internacional, governança, processos decisórios, controle democrático, políticas públicas, entre outras.

Nesta coleção, intitulada “Capacidade Estatal e Democracia”, trabalhos dos pesquisadores participantes dos GTs e de colaboradores

externos são apresentados como contribuição para re�exão pública sobre os desa�os políticos e governamentais contemporâneos.

ISBN 978-85-386-0321-4

[CEG

OV C

APA

CID

AD

E ES

TATA

L E

DEM

OC

RAC

IA ]

[CEGOV CAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA ]

[CEG

OV C

APA

CID

AD

E ES

TATA

L E

DEM

OC

RAC

IA ]

ECO

NO

MIA

CRI

AT

IVA

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LTU

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PO

LÍT

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S PÚ

BLIC

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