ecologia da amazônia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR CURSO DE ESPECIALIZAO EM GESTO DE RECURSOS HDRICOS

MDULO I

DISCIPLINA: ECOLOGIA DA AMAZNIA PROF. DR.NUNO ALVES CORREIA DE MELO DCR/CG-UFPA

Junho - 2006

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Apresentao da disciplinaPrezado(a) aluno(a) Voc est iniciando a quinta disciplina do I mdulo do curso de especializao em Recursos Hdricos e Gesto Ambiental. Esta disciplina encontra-se dividida nas seguintes Unidades Didticas: Unidade 1 Introduo Apresenta as definies e conceitos bsicos da ecologia, para direcion-los a uma compreenso mais profunda sobre a ecologia amaznica no decorrer do curso. Unidade 2 A Floresta Amaznica Esta unidade descreve as principais caractersticas do ecossistema florestal amaznico e seus principais ectonos, juntamente com a discusso dos principais fatores que interagem com a floresta. Unidade 3 As guas da Regio Amaznica Esta unidade aborda o conhecimento da diversidade dos recursos hdricos da bacia amaznica, com os seus diversos tipos de gua. Englobando tambm a fauna e flora que interagem e so afetadas pela variao do nvel da gua. Unidade 4 Biodiversidade Apresenta noes bsicas sobre a biodiversidade, ou seja, a diversidade biolgica da maior regio de floresta tropical do planeta. Diversidade da flora e da fauna neotropical, conceito de megadiversidade. Unidade 5 Interaes Trficas e Ciclagem de Nutrientes Trata das interaes trficas realizadas pela fauna e pela flora, alm dos processos de ciclagem de nutrientes na floresta e nos rios da regio Amaznica. Unidade 6 Explorao Humana na Amaznia Descreve os principais impactos causados na floresta e nos rios pela ao antrpica ao longo de geraes. Voc ter a oportunidade de pesquisar, analisar, discutir, dentro de cada nvel, as maneiras distintas de se estudar ecologia. Esperamos que, com os conhecimentos que sero adquiridos e/ou atualizados nesta disciplina, voc enriquea a sua atuao profissional dando-lhe um novo significado. Bons estudos. Nuno Filipe Alves Correia de Melo Caio Aguiar Rodrigues Ramos

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SUMRIO1 INTRODUO.......................................................................................................... 5 1.1 DEFINIES...................................................................................................... 7 1.1.1 Espcie ou Organismo.................................................................................. 7 1.1.2 Habitat .......................................................................................................... 8 1.1.3 Nicho Ecolgico ........................................................................................... 8 1.1.4 Populao ..................................................................................................... 8 1.1.5 Comunidade ou Biocenose ........................................................................... 8 1.1.6 Ecossistemas................................................................................................. 8 1.1.7 Biosfera......................................................................................................... 8 2 A FLORESTA AMAZNICA................................................................................. 11 2.1 AS FORMAES VEGETAIS ........................................................................ 12 2.1.1 As Florestas de Terra Firme ....................................................................... 14 2.1.2 As Florestas Abertas na Terra Firme.......................................................... 14 2.1.3 Formaes Vegetais Abertas Inundadas..................................................... 15 2.2 ECOLOGIA DA FLORESTA............................................................................... 16 2.2.1 A Auto-Sustentabilidade da Floresta.......................................................... 17 2.2.2 A Floresta Amaznica Est Morrendo? ..................................................... 19 3 AS GUAS DA REGIO AMAZNICA .............................................................. 22 3.1 TIPOS DE GUAS ........................................................................................... 23 3.1.1 guas Brancas ............................................................................................ 23 3.1.2 guas Pretas ............................................................................................... 24 3.1.3 guas Claras............................................................................................... 25 3.2 OS GRANDES RIOS AMAZNICOS ............................................................ 26 3.2.1 O Amazonas ............................................................................................... 26 3.2.2 O Rio Negro ............................................................................................... 26 3.2.3 O Rio Madeira ............................................................................................ 27 3.2.4 O Rio Tapajs............................................................................................. 27 3.2.5 O Tocantins ................................................................................................ 27 3.3 AS REAS ALAGVEIS ................................................................................ 28 3.3.1 A vrzea...................................................................................................... 29 3.3.1.2 A Vegetao da Vrzea ....................................................................... 32 3.3.1.1 A Fauna da Vrzea .................................................................................. 33 3.3.2 O Igap do Rio Negro ................................................................................ 34 3.4 IGARAPS E PEQUENOS RIOS AMAZNICOS ........................................ 35 3.5 LAGOS AMAZNICOS .................................................................................. 36 3.6 REGIO COSTEIRA ....................................................................................... 39 3.6.1 Esturios ..................................................................................................... 40 3.6.2 Manguezais................................................................................................. 41 3.6.2.1 Definio e distribuio....................................................................... 41 3.6.2.2 Flora e adaptaes ............................................................................... 41 3.6.2.3 Fauna ................................................................................................... 43 3.6.2.4 Zonao ............................................................................................... 44 4 BIODIVERSIDADE ................................................................................................ 46

4 4.1 MAS AFINAL O QUE BIODIVERSIDADE?.............................................. 46 4.2 A DINMICA DA BIODIVERSIDADE ......................................................... 46 4.3 A DIVERSIDADE NEOTROPICAL................................................................ 48 5 INTERAES TRFICAS E CICLAGEM DE NUTRIENTES............................ 52 5.1 INTERAES TRFICAS .............................................................................. 52 5.1.1 Neutralismo ................................................................................................ 52 5.1.2 Mutualismo................................................................................................. 52 5.1.3 Competio................................................................................................. 53 5.1.4 Inibio ....................................................................................................... 53 5.1.5 Comensalismo ............................................................................................ 53 5.1.6 Mimetismo.................................................................................................. 54 5.2 CICLAGEM DE NUTRIENTES ...................................................................... 55 5.2.1 Ciclo da gua ............................................................................................. 56 5.2.2 Ciclo do Carbono........................................................................................ 57 5.2.2 Ciclo do Nitrognio .................................................................................... 58 5.2.4 Ciclo do Fsforo ......................................................................................... 59 5.2.5 Ciclo do Enxofre......................................................................................... 60 6 A EXPLORAO HUMANA NA AMAZNIA................................................... 62 6.1 IMPACTOS ANTRPICOS............................................................................. 62 6.1.1 Impactos nos Ecossistemas Terrestres........................................................ 62 6.1.1.1 Desmatamento ..................................................................................... 62 6.1.1.2 Explorao Madeireira ........................................................................ 63 6.1.2 Impactos nos Ecossistemas Aquticos ....................................................... 65 6.1.2.1 Represas Hidreltricas ......................................................................... 65 6.1.2.2 Hidrovias ............................................................................................. 69 6.1.2.3 Pesca na Amaznia.............................................................................. 69 6.1.2.4 Poluio das guas.............................................................................. 70 6.2 A PERDA DA BIODIVERSIDADE NA AMAZNIA ................................... 71 7 REFERNCIAS ....................................................................................................... 75

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1 INTRODUOPrezados alunos, esta unidade possui como objetivo o conhecimento dos conceitos introdutrios e elementares da Ecologia, para direcion-los a uma compreenso mais profunda sobre a ecologia amaznica no decorrer do curso. O homem tem-se interessado pela ecologia, de uma forma prtica, desde os primeiros tempos da sua histria. Na sociedade primitiva, cada indivduo, para sobreviver, precisava ter um conhecimento concreto de seu ambiente, isto , das foras da natureza, das plantas e dos animais que o rodeavam. A civilizao comeou, de fato, quando o homem aprendeu a servir-se do fogo e de outros instrumentos para modificar o seu ambiente. Para a humanidade no seu conjunto mesmo mais necessrio do que nunca possuir um conhecimento inteligente do ambiente em que vive, condio de sobrevivncia da nossa complexa civilizao, uma vez que as leis da natureza fundamentais no foram revogadas; apenas a sua natureza aparente e as relaes quantitativas se foram alterando medida que a populao humana foi aumentando e se expandiu o poder do homem para alterar o ambiente (Odum, 1988). Tal como todos os aspectos do conhecimento, a cincia ecologia teve, ao longo da histria, um desenvolvimento gradual, embora espasmdico. As obras de Hipcrates, Aristteles e outros filsofos da cultura grega, contm material de natureza ecolgica. Entretanto, os gregos no tiveram uma palavra para design-la (Odum, 1988). Mas afinal, vocs sabem o que Ecologia? Qual a origem da palavra Ecologia? A que reas ela est intimamente relacionada? Como est subdividida? A palavra ecologia, deriva da palavra grega oikos, que significa casa ou lugar onde se vive, e logia, que significa estudo. Em sentido literal, a ecologia o estudo dos organismos em sua casa. Foi proposta pela primeira vez pelo bilogo alemo Ernest Haeckel, em 1869. Antes disso, muitos grandes homens do renascimento biolgico dos sculos XVIII e XIX, tinham contribudo para o tema, embora a designao de ecologia no fosse ainda utilizada (Odum, 1988). Ao longo dos tempos, foram feitas muitas definies sobre a palavra ecologia: Ernest Haeckel (zologo alemo) em 1870: Por ecologia, entendemos como um conjunto de conhecimentos em relao administrao da Natureza - a investigao de todas as relaes do animal com seu ambiente inorgnico e orgnico. Burdon-Sanderson (1890): Elevou a Ecologia a uma das trs divises naturais da Biologia: Fisiologia Morfologia Ecologia Elton (1927): Histria natural cientfica. Andrewartha (1961): O estudo cientfico da distribuio e da abundncia de seres vivos. Odum (1963): A estrutura e a funo da Natureza.

6 Ricklefs (1980): Estudo do meio ambiente enfocando as interrelaes entre os organismos e seu meio circundante. 1 No nosso curso, utilizaremos a definio elaborada por Krebs (1972): Ecologia o estudo cientfico dos processos que regulamentam a distribuio e a abundncia de seres vivos e as interaes entre eles, alm do estudo de como esses seres vivos, em troca, intercedem no transporte e na transformao de energia e matria na biosfera (ou seja, o estudo do planejamento da estrutura e funo dos ecossistemas) (Figura 01).

Figura 01 Figura mostrando as diferentes interaes do sistema natural e a sua relao com os seres vivos dentro do bioma terra. Fonte: (www.educacional.com.br/home.asp).

O principal objetivo da ecologia entender os princpios de operao dos sistemas naturais e prever suas reaes s mudanas. Para se entender ecologia e a sua importncia na vida moderna, necessrio que esta cincia seja considerada no isoladamente, mas relacionada com as outras reas da biologia (Figura 2a) e tambm com outras cincias (Figura 2b). Assim como todas as cincias, a Ecologia necessita adotar subdivises. Para isso faz uso da teoria dos sistemas. Um sistema um conjunto cujos elementos unem-se por meio de propriedades calcadas na interao, na interdependncia e na sensibilidade a certos mecanismos reguladores, de tal modo que formam um todo unificado (Odum, 1988). Desse modo, precisamos caracterizar primeiramente a hierarquia ecolgica, para que possamos compreender os processos que sero apresentados no decorrer do nosso curso, alm de alguns conceitos fundamentais que sero aplicados.

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Caso queira ler mais a respeito de definies sobre Ecologia, ler: Odum, 1988; Pinto-Coelho, 2002.

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A)

B)Figura 02 Interaes entre a cincia Ecologia e as demais reas da Biologia (A) e com outras cincias (B).

importante que se perceba que a hierarquia ecolgica inclui elementos funcionais e estruturais que, quando combinados, definem o sistema ecolgico e fornecem um meio de selecionar um conjunto de indicadores representativos das caractersticas chaves do sistema. Todos os sistemas ecolgicos tm elementos da composio e da estrutura que surgem atravs dos processos ecolgicos. As condies caractersticas dependem da funo ecolgica, chave mantenedora, que por sua vez produz elementos adicionais composio e estrutura. Se as ligaes entre processos que se desenvolvem e os elementos da composio e estrutura se quebram, ento a sustentabilidade e integridade esto em risco e a recuperao pode ser difcil e complexa (Figura 03). 1.1 DEFINIES 1.1.1 Espcie ou Organismo o conjunto de indivduos semelhantes, que podem se intercruzar, e originar descendentes frteis (pelo menos potencialmente).

8 O conceito de espcie no s taxonmico. Cada espcie de organismo tambm uma unidade evolutiva, pois se os membros que a compem so capazes de se reproduzirem e originar descendentes, todos eles apresentam caracteres em comum. Exemplos: Homo sapiens (homem), Daphnia gessneri (pulga dgua), Sotalia fluviatilis (boto tucuxi), Euterpe oleracea (aa). 1.1.2 Habitat Lugar onde uma espcie (ou mais de uma) vive. Nesse local os organismos encontraram, alm do abrigo das intempries do meio fsico e de eventuais ameaas biolgicas (predao), alimento e podero se reproduzir. 1.1.3 Nicho Ecolgico Unidade mais ntima da distribuio de uma espcie. 1.1.4 Populao Conjunto de indivduos da mesma espcie que vivem em um territrio, cujos limites so em geral delimitados pelo ecossistema no qual essa populao est presente. Todas as espcies esto estruturadas em unidades populacionais. Como exemplo dessas unidades, temos: Exemplos: Panthera onca (ona) da ilha do Maraj; Eudocimus ruber (Guar) da ilha dos Guars; Bertholletia excelsa (Castanha do Par) do Baixo Amazonas. 1.1.5 Comunidade ou Biocenose As populaes de organismos que vivem em uma determinada rea geogrfica, formam uma assemblia na qual cada espcie encontra-se adaptada a um nicho ecolgico em particular. 1.1.6 Ecossistemas um complexo sistema de relaes, entre os componentes biticos e os componentes abiticos, representado pelos fatores fsico-qumicos. Diferentes organismos cumprem diferentes papis no funcionamento dos ecossistemas (Figura 02). 1.1.7 Biosfera Compreende todos os ecossistemas da terra, ou seja, a camada da Terra que contem vida.

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Figura 03 Fluxo de energia no ecossistema. Fonte: wps.prenhall.com/esm_christopherson_geosystems_5/0,6339,390931-,00.utf8.html.

adaptado

de

Agora que voc j se familiarizou com a hierarquia ecolgica (espcie, populao, comunidade e ecossistema), passemos s dicas de estudo que sero fundamentais para o seu aprendizado. Dicas de Estudo: Faa todos os exerccios propostos, pois eles sero solicitados de forma seqencial e tambm para lhe ajudar na construo do seu conhecimento; Procure complementar seu estudo com as leituras recomendadas, alm de se atualizar com jornais, revistas e programas de televiso; O seu tutor ou tutora estar sempre ao seu alcance. Voc poder o contatar sempre que necessitar de auxlio. Questione sempre, procure criar e acrescentar informaes novas ao contedo apresentado. Este um passo importante para que voc exercite sua independncia didtica. Aps realizar o estudo desta unidade, responda s questes propostas para complementar seu aprendizado. Assim que terminar de resolver as questes propostas, envie para o seu Tutor no prazo de 5 dias.

ATIVIDADES PROPOSTAS Para responder s atividades, utilize papel de tamanho A4, com letra arial 12. 1) Utilizando uma situao sua escolha, caracterize a cincia Ecologia, como uma das cincias que tenha a seu cargo a responsabilidade da manuteno da humanidade. Utilize 10 linhas para a sua resposta.

10 2) Cite no mnimo cinco (5) exemplos de como a cincia Ecologia, pode estar ligada sua rea de trabalho;

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2 A FLORESTA AMAZNICAEsta unidade tem como objetivo a apresentao das principais caractersticas do ecossistema florestal amaznico e seus principais ectonos, juntamente com a discusso dos principais fatores que interagem com a floresta. A floresta Amaznica o maior sistema florestal do planeta, ultrapassando os limites das fronteiras polticas de vrios pases e ocupando as bacias de rios gigantescos, como a do Rio Orinoco e a do prprio Rio Amazonas. Esta floresta avana pelos seus afluentes e penetra ao norte nos territrios da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, alcanando o Atlntico, passando pelo delta do Amazonas, recobrindo parte do nordeste do Maranho. Ao sul invade os Estados de Tocantins e Mato Grosso, com a regio de planalto, e por tanto de cerrado, na forma de matas de galerias (mata de beira de rio). A oeste encontrada at os ps dos Andes, em terras bolivianas, peruanas, equatorianas e colombianas. A rea de abrangncia da Amaznia Legal perfaz uma superfcie de aproximadamente 5.217.423 km2 o que corresponde a cerca de 61% do territrio brasileiro. Alm destas divises, a floresta amaznica ainda engloba 38% (1,9 milhes de km) de Figura 04 Mapa da Regio Amaznica. Fonte: www.gtz-amazonia.org/ portugues/contexto. florestas densas; 36% (1,8 milhes de km) htm. de florestas no densas; 14% (700 mil km) de vegetao aberta, como cerrados e campos naturais, sendo 12% da rea ocupada por vegetao secundria e atividades agrcolas (Ambiente Brasil, 2006) (Figura 04). A Amaznia tem caractersticas marcantes que tornam sustentvel tamanha vastido verde. Nesse contexto, pode-se destacar a extraordinria continuidade das florestas, e da grandeza de sua rede pluvial. Ela sustenta aos mais variados tipos de ecossistemas, mesmo analisando regies e altitudes diversas. Uma caracterstica marcante desta floresta a grande variabilidade encontrada nas terras amaznicas, a qual pode ser destacada pelos rios, plantas e animais. A floresta amaznica encontra-se hoje, mais do que nunca, no foco de discusses relacionadas ao desenvolvimento sustentvel, pois, esta se configura como uma das poucas reas com grande reserva de madeiras tropicais do planeta. Esta floresta abriga um vasto patrimnio biolgico sob a forma de milhes de espcies de organismos. Ela tambm regula o ciclo hidrolgico da maior bacia hidrogrfica do mundo (bacia amaznica), e de todo um continente sul-americano, fornecendo cerca de 20% de toda a gua doce que chega aos oceanos com a descarga dos rios amaznicos. No entanto, atualmente, esta floresta est desaparecendo rapidamente devido expanso dos impactos de natureza antrpica, o que evidenciado atravs da expanso agrcola e da retirada indiscriminada de madeira em diversos pases Amaznicos. Shubart (1983) afirmou que infelizmente, o que se tem observado que as tentativas de implantao da agricultura na Amaznia, principalmente as monoculturas, se avaliadas pelo critrio da sustentabilidade ao longo do tempo, no tm sido bem sucedidas.

12 Onde estaria o "celeiro do mundo" antevisto por Humboldt e Bonpland no incio do sculo XIX? A Amaznia como floresta tropical, apresenta-se como um dos ecossistemas mais complexos e sensveis que se conhece. Todos os elementos (clima, solo, fauna e flora) esto to estreitamente relacionados entre si, visto que no se pode considerar nenhum deles como principal. Diante disso, se requer solues mais diferenciadas para sua utilizao. As presses que se delineiam sobre os recursos naturais e os espaos desta imensa regio tornam urgente, a formulao de polticas pblicas bem fundamentadas, que garantam a obteno de um equilbrio entre conservao da natureza e produo econmica sustentada. A Amaznia muitas vezes identificada com a rea coberta de florestas, da bacia de drenagem do rio Amazonas. Embora haja realmente uma grande superposio, estabelecendo, uma relao entre a bacia de drenagem daquele rio e as paisagens reconhecidas como Amaznicas, estas ultrapassam vrios limites geogrficos, em reas fora do campo de atuao do rio Amazonas, localizadas na zona Bragantina (nordeste do estado do Par), no Oeste do estado do Maranho, no Amap, na Guiana Francesa, Suriname, Guiana e na Venezuela. Considera-se a Amaznia como uma unidade paisagstica natural, constituindo um domnio morfoclimtico e fitogeogrfico bem definido. Entende-se por domnios morfoclimticos, grandes reas nucleares poligonais com padres de relevo, clima, drenagem, solos e vegetao que lhes so peculiares. Esses domnios so separados de outros domnios no por limites bem definidos, mas sim por largas faixas transicionais complexamente compartimentadas (Shubart, 1983). A Amaznia representa um grande domnio morfoclimtico, caracterizado por grandes extenses de terras baixas, distribudas entre plancies de inundao, tabuleiros de vertentes convexizadas, morros baixos mamelonares e relevos residuais; a drenagem perene. A vegetao constituda predominantemente pela floresta tropical pluvial em suas diversas formas, comportando, porm uma diversidade considervel, que est relacionada com os aspectos da topografia regional, dos solos e do clima atuante na regio, e certamente tambm com as mudanas climticas pelas quais passou a regio no Perodo Quaternrio2. 2.1 AS FORMAES VEGETAIS A posio equatorial em que a floresta Amaznica se encontra, resultou numa entrada constante de energia solar, acompanhada por um abastecimento quase permanente de massas de ar midos, com ausncia de estaes frias, e raramente secas, e sem uma amplitude trmica muito proeminente. Estas so as principais caractersticas que possibilitaram o aparecimento desta vasta e densa floresta. Na regio da periferia daPara saber mais sobre histrica geolgica na regio Amaznica, leia Sioli (1991) pg. 15 e Salati et al., (1998) pg. 103.2

13 floresta, mais precisamente nos estados de Rondnia, Acre e parte do Amazonas, existe o fenmeno da "friagem". Este fenmeno consiste na penetrao da massa de ar tropical atlntico na Amaznia no perodo de inverno do hemisfrio sul, provocando uma diminuio brusca de temperatura. Em geral, a Amaznia recebe imenso aporte pluvial de 1600 a 3600 mm por ano, fazendo exceo aos campos de Boa Vista, em Roraima. As temperaturas mdias variam entre 24 e 28C. A matria orgnica em decomposio no ambiente, provinda em sua maior parte da serrapilheira da floresta um dos principais inputs de nutrientes para toda a teia alimentar da floresta e das guas amaznicas, o que pode resultar numa elevada produtividade destes ambientes. A Amaznia caracterizada por grandes extenses de florestas densas (Figura 05), com uma grande diversidade Florstica, grande biomassa, sendo genericamente denominada de floresta tropical mida ou floresta tropical pluvial. Esta floresta comumente conhecida como a Hilia, denominada assim por Von Humboldt no incio do sculo XIX, no entanto, as formaes vegetais da Amaznia so muito mais variadas do que esta generalizao sugere (Shubart, 1983). A distribuio da vegetao em grande parte controlada por fatores climticos, podendo destacar a transio entre a floresta e o cerrado no Brasil Central que est correlacionada com um aumento na durao da estao seca, que de no mximo 3 meses na Amaznia e de 5 a 6 meses no Brasil Central. Nesse contexto, a distribuio da vegetao tambm est relacionada com os fatores edficos e as atividades humanas, que representa um dos grandes entraves para a conservao da floresta. O clima na regio amaznica quente e mido apresentando variaes segundo a Figura 05 - A hilia amaznica Fonte: quantidade total de precipitaes e a durao www.escolavesper.com.br/images/flore da estao seca, ao longo de toda a bacia. sta.jpg Assim que no Noroeste da Amaznia ocorrem as mais altas precipitaes, distribudas uniformemente durante todo o ano. J ao longo de um corredor mais seco que liga os campos de Roraima ao cerrado no Brasil Central, passando pela regio de Santarm, a precipitao anual total situa-se entre 1500 a 1750 mm, ocorrendo uma estao seca de 3 meses. Porm estas variaes so muito pequenas para determinar diferenas marcantes na vegetao da Amaznia. Algumas observaes indicam que nas reas com maiores nveis de umidade encontram-se mais epfitas e plantas herbceas no sub-bosque das florestas de terra firme (Shubart, 1983). Diante disso os fatores do solo, sobretudo as condies de drenagem e, em menor escala, a disponibilidade de nutrientes, assumem maior importncia na Amaznia como controle da distribuio das formaes vegetais. De uma forma simplificada, a vegetao da Amaznia pode ser dividida em vegetao dos terrenos holocnicos, freqentemente inundados, e na vegetao de terra firme, isto , dos terrenos mais antigos que o Holoceno, que se encontram pelo menos a alguns metros acima do nvel mais alto dos rios amaznicos (Shubart, 1983). Por outro lado, podem-se distinguir os diversos tipos de florestas, com o dossel contnuo das formas de vegetao aberta, representados por campos, campinas, cerrados, etc.

14 2.1.1 As Florestas de Terra Firme O termo "terra firme" se aplica todas as florestas que no so sazonalmente inundadas pela cheia dos rios, diferenciadas assim das florestas de Vrzea e Igap. Elas ocupam cerca de 80% da rea da Amaznia. Nesse ecossistema ocorrem diversos tipos de florestas, so: A Floresta Alta, com grande biomassa, estendendo-se por grandes reas do planalto Amaznico, dos escudos cristalinos e dos terraos pleistocnicos, apresentando, dentro de relativa homogeneidade fisionmica, algumas variaes florsticas. A Floresta de Cip, com uma ampla rea de distribuio no Tocantins, e aparentemente correlacionada com uma compactao do horizonte B do solo, que dificulta o enraizamento e causa problemas de deficincia hdrica nos meses mais secos; caracterizada por grande abundncia de cips, que ocupam as clareiras de rvores cadas; A Savana, de reas de transio para o cerrado do Brasil Central, com biomassa mdia e boa penetrao de luz, muitas rvores caduciflias; A Floresta de Bambu, encontrada principalmente no Acre, sendo caracterizada pela dominncia de vrias espcies deste vegetal; A Floresta de Campina (campinarana), tambm conhecida por caatinga Amaznica, mata relativamente baixa, com predominncia de rvores finas, que ocorre sobre podzol hidromrfico ou regossolo de areia branca; ocorre em pequenas manchas em quase toda a Hilia; este tipo de associao de solos e vegetao constitui a principal fonte de guas ricas em cidos hmicos e flvicos, que formam os rios de gua preta autctones da Amaznia; As Florestas Serranas ou de Neblina ocorrem nas reas elevadas; e sempre so floristicamente muito interessantes.

2.1.2 As Florestas Abertas na Terra Firme Estes ecossistemas so encontrados em diversas reas da regio amaznica. Estas florestas possuem extenso varivel, porm no alcanando muitos hectares, o que as configura como verdadeiras ilhas dentro da Hilia. Essas formaes vegetais so muito diversas entre si, tanto no quis diz respeito a sua fisionomia quanto a sua composio florstica, refletindo a diversidade de fatores envolvidos em sua formao. Alm destes pequenos e complexos ambientes ocorrem ainda, grandes reas de campos e de cerrados que se estendem pelo Leste do territrio de Roraima, Sudeste da Venezuela e Sul da Guiana e do Suriname, com penetraes pelo Norte do Par. A grande extenso destes campos, cerca de 100.000 km2 contnuos, asseguram-no uma categoria com domnio morfoclimtico prprio, conhecido como Roraima-Guianense. Entre os diversos fatores que contriburam para a ocorrncia de diversos tipos de vegetao na Amaznia, destacam-se: os fatores edficos, localmente desfavorveis ao desenvolvimento de florestas, alm das condies climticas que se apresentam desfavorveis, devido a baixas precipitaes anuais, ou a uma estao seca mais prolongada e por ltimo a influncia antrpica pode ter sido importante em algumas situaes, por meio de intensas derrubadas e queimadas repetidas durante a estao seca, principalmente para a construo de pastos. Estes fatores continuam presentes na

15 atualidade, tornando-se difcil determinar quais estavam na origem e quais deles so conseqncia (Shubart, 1983). Um fato que caracteriza grande parte dos solos Amaznicos a capacidade de reter a umidade para o perodo do ano no qual a evapotranspirao de uma floresta excederia a precipitao. Isto pode acontecer sob vrias condies. A capacidade de armazenamento de umidade por volume de solo pode ser muito baixa, como o caso dos solos muito arenosos. Em outras situaes o espao disponvel para o enraizamento que pequeno. Mesmo que o material constituinte do solo armazene muita gua por unidade de volume, a quantidade total armazenada seria insuficiente para a demanda de uma floresta na estao seca. Se durante a estao de chuvas o lenol fretico sobe at um ponto prximo da superfcie, isto pode limitar o desenvolvimento das razes em profundidade. Se houver um abaixamento considervel do lenol fretico durante a estao seca, ento as razes curtas no alcanam a gua, e a quantidade de gua disponvel na camada enraizada ser insuficiente para manter uma floresta. Esta condio ocorre freqentemente em solos arenosos muito profundos na terra firme, onde atuam fatores como a permeabilidade, sobre os quais se desenvolvem campinas amaznicas, que so as formaes vegetais capazes de tolerar a ausncia de gua. Os principais tipos de formaes abertas de terra firme da Amaznia so os campos ou cerrados e as campinas Amaznicas. Os Campos de Terra Firme ou Cerrado Amaznico so semelhantes a diversas formas de cerrado do Brasil Central, sendo caracterizados por pequena biomassa, grande dominncia de gramneas, ciperceas e plantas de baixo porte. As plantas lenhosas so representadas por arbustos, permitindo grande penetrao de luz ao estrato herbceo. Estes campos so freqentemente submetidos ao do fogo nos meses secos. H evidncias de que alguns destes campos sejam de origem antrpica, combinados com os fatores climticos e solos ligeiramente limitantes para a floresta. o caso dos campos do Amap, dos campos de terra firme do Sudeste da Ilha de Maraj, dos campos situados entre Pranha e Monte Alegre, na margem esquerda do Baixo rio Amazonas. As Campinas Amaznicas so encontradas em solos arenosos, regossolos de areia branca ou podzolos hidromrficos, e geralmente so de pequena extenso. Ao contrrio dos campos, quase no ocorrem gramneas nas campinas. Os arbustos e rvores pequenas formam pequenos grupos, entre os quais aparecem manchas de areia branca, desprovidas de vegetao. A vegetao herbcea constituda de algumas ciperceas, orqudeas terrestres, bromeliceas e Liquens. Geralmente h grande abundncia de plantas epfitas. As Campinas no sofrem a ao do fogo.

2.1.3 Formaes Vegetais Abertas Inundadas As formaes vegetais abertas e inundadas mais importantes, so os campos de alagados, que ocorrem em diversas reas como, a leste da Ilha de Maraj, a leste do Estado do Amap, em suas plancies costeiras, e no Baixo rio Amazonas, nas vrzeas entre Parintins e a foz do rio Xingu, bem como nos terraos holocnicos ligeiramente acima do nvel d'gua, entre Oriximin e Faro, ocorrem reas expressivas de campos de alagados. So caracterizados pela presena de diversas espcies de gramneas e quase ausncia de ciperceas. H poucos arbustos ou rvores.

16 Os campos alagados da Ilha do Maraj e tambm os do Amap, so seguramente de origem edfica. Os terrenos holocnicos so submersos por at 2 m de guas pluviais durante vrios meses; os solos tm uma textura muito pesada e so mal estruturados; quimicamente, apresentam Na+ e Mg++ do complexo de troca, o que representa uma condio adversa para a vegetao. Em locais onde a submerso menos prolongada e o solo tem uma composio mais equilibrada de ctions aparecem arbustos esparsos e buritizeiros. Nesse contexto, o clima quente e mido da Amaznia um dos fatores preponderantes para formao da floresta tropical mida. Onde o clima torna-se marginal, apresentando menor precipitao anual e maior nmero de meses relativamente secos, os fatores edficos, principalmente as condies de drenagem, tornam-se muito importantes na formao de enclaves de campos e cerrados na rea da Hilia. A atividade humana, a pecuria e a explorao madeireira pode contribuir de forma significativa para o inicio do processo de savanizao nas reas mais secas, pelo menos para manter e aumentar as reas de campo de origem edfica (figura 06). As variaes climticas determinam o tipo de vegetao das grandes regies fisiogrficas da Terra. Desse modo, a destruio da floresta Amaznica pode e deve afetar o clima, como j est acontecendo. Segundo Shubart (1983), o que acontece que existe uma relao sistmica entre o clima e a vegetao, caracterizada por um estado de equilbrio dinmico. No caso da floresta Amaznica, Figura 06 Savanizao no Par. Fonte: www.unb.br/ib/zoo/grcolli/alunos/daniel/pag sua influncia neste equilbrio inaprincipal.html especialmente importante porque, a recirculao da gua dentro da prpria regio no desprezvel em relao gua importada sob a forma de vapor do Oceano Atlntico. Esse equilbrio atingido progressivamente: a maior umidade do solo propicia o crescimento de vegetao mais densa, esta faz aumentar o tempo de residncia da gua na regio atravs da reciclagem mais intensa do vapor d'gua, devido maior evapotranspirao; com mais gua disponvel a vegetao pode se desenvolver mais ainda, e assim por diante, at que se atinja o estado estacionrio. Portanto, pode-se afirmar que a destruio da floresta certamente faria o equilbrio dinmico atual retroceder a um estado inicial, caracterizado por menores precipitaes anuais, o que representaria uma modificao do clima.

2.2 ECOLOGIA DA FLORESTAPara um bom entendimento do funcionamento da floresta, como ela se renova e como ela se modifica sob diversas condies, faz-se necessrio consider-la como um sistema ecolgico, do qual as rvores constituem apenas uma parte integrante de um todo. A floresta apresenta tambm as mais variadas formas de vida como protozorios, fungos, pequenos e grandes animais, sendo que alguns destes organismos so vitais para o bom funcionamento do ambiente. Alguns microrganismos presentes no solo realizam uma funo essencial para a existncia da floresta, a decomposio da matria orgnica

17 (os galhos e troncos mortos, os cadveres e excrementos dos animais maiores) reciclando assim os nutrientes minerais indispensveis ao crescimento da floresta. Os fatores relacionados ao ambiente fsico constituem parte igualmente importante do ecossistema florestal. Como foi discutido anteriormente, as caractersticas fsicas e qumicas dos solos e os fatores climticos determinam a distribuio dos tipos de vegetao da Amaznia. Estes fatores abiticos esto direta ou indiretamente envolvidos com a fotossntese, que o processo pelos quais as plantas captam a energia solar essencial para manter o funcionamento de todo o. ecossistema. Segundo Shubart (1983), o conceito de ecossistema essencialmente funcional. Assim, ele deliberadamente vago quanto a limites fsicos, podendo ser considerados como ecossistemas desde a d'gua acumulada numa bromlia, com sua comunidade bitica caracterstica, at um lago, um trato de floresta. No faz sentido, portanto, a tentativa de se classificar os ecossistemas na escala de uma grande regio. O conceito til quando se trata de compreender as relaes entre estrutura e funo de um segmento particular da paisagem, como por exemplo, um trato da floresta de terra firme. 2.2.1 A Auto-Sustentabilidade da Floresta As zonas tropicais apresentam condies timas para a realizao de processos como a fotossntese, H, portanto, um potencial elevado de produo de matria orgnica na regio, estimado em torno de 8 (oito) toneladas de carbono fixado por hectare por ano (equivalente a 20 toneladas de matria seca por hectare por ano). A biomassa da floresta, tambm muito grande, da ordem de 500 toneladas por hectare, expressa em peso seco, o que equivalente a 200 toneladas de carbono por hectare. Esta biomassa constituda em sua quase totalidade pelas plantas, especialmente pelas rvores e plantas lenhosas. A biomassa animal representa uma frao muito pequena da biomassa total, sendo da ordem de algumas dezenas de kg/ha (peso fresco) para os vertebrados, e de algumas centenas de kg/ha (peso fresco) para os invertebrados, sobretudo insetos. No entanto, estas caractersticas levaram a uma grande especulao promissora em relao ao potencial agrcola da regio. A substituio dessas florestas aliada prtica de queima na regio amaznica e decomposio dessa biomassa libera para a atmosfera, carbono, sobretudo na forma de CO2, que o principal gs responsvel pelo efeito estufa. Aumentos anuais segundo alguns estudos j verificados, calculam um aumento de cerca de 0,4% na concentrao de CO2, e de aproximadamente 1% na de CH4 (metano) na atmosfera, esses valores poderiam contribuir para um aumento da temperatura anual mdia da Terra em torno de 2,5C, at o ano de 2100. Paradoxalmente, a Amaznia tem representado um verdadeiro desafio agrcola, permanecendo at hoje entre as regies mais atrasadas do mundo em termos de desenvolvimento da agricultura, este fato est ligado a diversos fatores tais como: histricos, sociais e econmicos que so relevantes para a compreenso global do problema, porm observando-se do ponto de vista ecolgico podemos encontrar a melhor explicao para esta situao, que reside principalmente no fluxo de energia e na reciclagem de materiais, especialmente nutrientes minerais essenciais ao crescimento das plantas, que uma das funes bsicas dos ecossistemas. Estes ciclos biogeoqumicos, como, so chamados, apresentam caractersticas muito diferentes entre si, dependendo dos elementos ou substncias envolvidas. Fatores que contribuem para o elevado potencial de produtividade primria na Amaznia: a gua, gs carbnico e energia solar, so abundantes e de certa forma externos ao sistema. A gua e o gs carbnico tm ciclos biogeoqumicos do tipo

18 gasoso, isto , a atmosfera ou a hidrosfera representam grandes reservatrios destas substncias, que circulam livremente sob a forma gasosa. O mesmo, alis, o caso do nitrognio, o principal elemento na composio das protenas, e que constitui 79% da atmosfera. O N2 gasoso da atmosfera incorporado biomassa atravs da fixao biolgica realizada por diversas bactrias do solo, algumas em simbiose com razes de plantas, ou por algas cianofceas e tambm atravs das chuvas, na forma de amnia e nitrato. No solo o nitrognio encontra-se geralmente sob a forma de nitrato (NO3+), que assimilvel pelas plantas. O nitrato pode perder-se para o sistema por lixiviao ou eroso do solo, ou ento, sob condies anaerbicas, ele pode ser reduzido a N2 gasoso por diversas bactrias no processo de denitrificao (Shubart, 1983). Ao contrrio, a classe dos microelementos, aqueles que ocorrem somente em quantidades relativamente pequenas na composio dos organismos e so elementos essenciais vida, tais como: o fsforo, o potssio, o clcio, o magnsio, entre os mais importantes, tem ciclos biogeoqumicos do tipo sedimentar, isto , as rochas e os sedimentos so os principais reservatrios. Estes elementos podem ser considerados como fatores internos ao sistema, pois existem em quantidades mais ou menos limitadas, resultantes de circunstncias geolgicas muito anteriores ao estado atual do sistema, e tendem sempre a se perder para o sistema pelos processos de eroso e lixiviao dos solos, sendo levados pelos rios em direo aos oceanos. O retorno destes micronutrientes feito na escala de tempo histrica, em quantidades muito pequenas, atravs de cinzas vulcnicas, aerossis, poeira etc. que se precipitam sobre as florestas diretamente ou, mais freqentemente, dissolvidas na gua da chuva. Apenas na escala de tempo geolgico, atravs dos processos orogenticos, ocorre o retorno destes nutrientes em quantidades apreciveis. Estas relaes so bem exemplificadas na Amaznia. Os terrenos antigos dos escudos cristalinos encontram-se quase totalmente erodidos e profundamente lixiviados, o mesmo acontecendo com os terrenos do planalto Amaznico, formados por sedimentao de detritos provenientes dos escudos. Ao contrrio, as vrzeas frteis, so resultado, de um ciclo de eroso nos Andes geologicamente recente, e de deposio nas plancies de inundao da depresso Amaznica, o que constitui um processo geolgico muito ativo atualmente. Anualmente caem ao solo cerca de 8 t/ha, peso seco, de folhas mortas, galhos, flores e frutos. H um aporte de minerais ao solo atravs de uma quantidade ainda desconhecida de troncos mortos e atravs da gua de lavagem das folhas e caules. O aporte de minerais ao solo pela decomposio dos detritos orgnicos bastante considervel em relao s quantidades existentes no solo. Por outro lado, as quantidades de minerais armazenadas na biomassa so tambm muito significativas em comparao com as reservas do solo. Como a biomassa da floresta no est diminuindo com o tempo, de se concluir que a floresta est absorvendo todos estes nutrientes minerais, fechando assim o ciclo. Esta concluso confirmada pelas anlises de gua da maioria dos igaraps e inclusive do rio Negro. So guas muito puras quimicamente, tendo sido comparadas com uma gua destilada com impurezas. De fato, um clculo revelou que a quantidade de minerais que sai da bacia do rio Negro por meio de suas guas igual quantidade que chega mesma rea com as chuvas. (Shubart, 1983) Na Amaznia a floresta no vive do solo, mas sobre o solo. Realmente, ela quase vive de si mesma....

19 2.2.2 A Floresta Amaznica Est Morrendo? Por ser de tamanha importncia para a humanidade este ambiente sempre foi alvo de afirmaes curiosas a seu respeito. Quem nunca ouviu falar da Amaznia como sendo o Pulmo do mundo?, ou A floresta est morrendo deve ser explorada antes que se acabe ou que a floresta Amaznica est morrendo, sufocada literalmente pelo estrangulamento ocasionado pelos cips, este tipo de informao errnea e muitas vezes sensacionalista amplamente difundido pela imprensa e com auxilio dos meios de difuso atuais correm bem mais rpido. Normalmente baseiam-se em vises equivocadas da realidade ou representam o interesse de algum grupo. Uma das idias mais difundidas atualmente afirma que a floresta estaria envelhecendo, nos quais suas rvores mais antigas estariam sendo destrudas de dentro para fora consumidas pelos agentes de deteriorao da madeira, geralmente a partir do cerne, este fato baseia-se no elevado nmero de rvores ocas encontradas na floresta atualmente, estas rvores seriam substitudas por outras mais adaptadas, desta forma, a composio especfica da floresta estaria constantemente se modificando. Assim as reas de preservao no garantiriam a flora para as futuras geraes, somente a interveno do homem, atravs de diferentes sistemas de manejo florestal, permitiria a continuidade da floresta. Este tipo de informao utiliza conhecimento cientifico de uma maneira distorcida a fim de justificar as diversas formas de manejo, limitando-se ao mesmo tempo, e discordando das idias mais atuais e progressistas que se baseia no uso mltiplo das florestas, que abrange desde o manejo florestal econmico nas florestas de rendimento at a preservao de amostras significativas dos ecossistemas florestais em reas de elevado interesse cientfico, turstico ou outros. Para esclarecer tal situao, consideremos as seguintes verdades. rvores so seres vivos, desta forma seguindo um ciclo natural; nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem. Assim a queda de imensas rvores, principalmente durante tempestades com fortes ventos, natural. As clareiras que se abrem com a queda so tambm parte importante dos diversos acontecimentos que ocorrem neste ambiente e fundamental para seu equilbrio e renovao, pois se cria: Uma nova entrada de luz na floresta; Esta maior incidncia de radiao modifica o microclima local; Trazendo a diminuio da competio de razes das rvores mortas e a decomposio dos troncos e folhas das mesmas, aumentam temporariamente a disponibilidade de nutrientes minerais.

Tais condies so ideais para o crescimento repentino de plantas pioneiras e de rvores pertencentes floresta Estas condies propiciam o desenvolvimento rpido de uma srie de plantas; tanto as pioneiras, as de crescimento rpido e que normalmente so as primeiras a colonizar uma determinada regio, como as de futuras rvores emergentes da floresta madura. Normalmente so plantas que dispersam suas sementes por meio de animais permanecendo em latncia muitas vezes at as condies se tornarem favorveis ao desenvolvimento. Dentre as plantas pioneiras as mais conhecidas so as imbabas do gnero Cecropia (Figura 07).

20 Para colonizar a clareira aberta necessrio que a rvore portadora de sementes esteja a uma distncia tal que permita, ao mesmo tempo, a disperso de sementes at a clareira e o escape dos predadores e parasitas. O fato da ocorrncia das clareiras serem completamente aleatrias no tempo e no espao constitui assim mais um fator de manuteno de heterogeneidade da floresta, pois nenhuma das espcies dependentes de clareiras tem a possibilidade de prever a ocorrncia de clareiras, de tal modo a poderem adaptar correspondentemente sua poca de frutificao em detrimento das demais espcies. A floresta tropical muito heterognea modificando-se no espao e no tempo, sua composio florstica pode ser alterada em poucas dcadas, de forma completamente aleatria e imprevisvel. Porm, em nenhum momento, podese considerar que este fato esteja associado ao envelhecimento da floresta, Neste imenso mar verde, em condies naturais tudo parece estar em equilbrio. As grandes rvores ocas so novos habitats para aves e morcegos e as que caem cria condies para surgimento de outras e renovao como j foi visto.

Figura 07 Espcie de vegetao pioneira. Cecrpia. Fonte: botit. botany.wisc.edu/courses/img/bot/40 1/Magnoliophyta/Magnoliopsida/H amamelidae/Cecropiaceae/Cecropia /Cecropia%20sp%20KS%20.jpg

PARA SABER MAIS Para conhecer um pouco mais sobre a floresta Amaznica, leia a revista: Amaznia: Recursos Naturais e Histria. Cincia e Ambiente. V.31. www.ufsm.br/cienciaeambiente

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Aps realizar o estudo desta unidade, responda s questes propostas para complementar seu aprendizado. Assim que terminar de resolver as questes propostas, envie para o seu Tutor no prazo de 5 dias.

ATIVIDADES PROPOSTAS Para responder s atividades, utilize papel de tamanho A4, com letra arial 12. 1. Desde a caracterizao da Hilia Amaznica por Humboldt, que cientistas procuram determinar os principais fatores que podem influenciar na manuteno da complexa estrutura da Floresta Amaznica. Que fatores em sua opinio podem ser os mais importantes na manuteno da estrutura florestal Amaznica. Responda em cinco linhas. 2. Pesquise sobre de que forma a destruio da floresta tropical amaznica, pode influenciar nas condies climticas. Elabore uma resenha de uma pgina sobre o assunto. 3. Se a maior parte dos solos da Amaznia de fertilidade to baixa, como podem eles suportar uma floresta to exuberante? Eis o paradoxo Amaznico! Responda em no mximo 10 linhas.

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3 AS GUAS DA REGIO AMAZNICAEsta unidade tem por objetivo levar o aluno ao conhecimento da diversidade hidrobiolgica da bacia amaznica. Apresentando os principais tipos de fauna e flora. Na regio amaznica, a gua um dos fatores preponderantes na paisagem, o que evidenciado atravs de um grande nmero de rios de grande porte, os quais se ressaltam nessa paisagem, e tambm pelos inmeros pequenos rios e igaraps, Figura 08 Pr-do-sol no rio Negro. Foto do autor. que contribuem para a formao dos rios gigantescos da regio (Figura 08). Essa regio possui uma complexa e densa rede de igaraps, o que verificado em poucas reas do planeta. Porm, a respeito desse vasto sistema aqutico, verifica-se que os corpos de gua no so de natureza uniforme, se encontrando, portanto, diferenas significativas em relao sua morfologia de leitos, e s suas caractersticas qumicas e biolgicas (Junk, 1983). Dentro desse contexto, os lagos amaznicos, que possuem uma vasta rede em toda a regio e que acompanham os grandes rios, so tpicos para as reas alagveis, vrzeas e os igaps, mas no esto presentes de forma significativa nas reas noinundveis, ou seja, a terra firme, onde igaraps e pequenos rios caracterizam e se destacam na paisagem amaznica. Na regio, rios com gua barrenta ocorrem com o mesmo nvel de significncia que os rios de gua preta ou cristalina. Enquanto alguns rios so caracterizados por apresentarem um fraco regime de correntezas (baixo regime dinmico), outros se caracterizam pelo fato de apresentarem corredeiras e cachoeiras ao longo de seu percurso, se estabelecendo, portanto, um alto regime dinmico desses corpos dgua. Rios com alta disponibilidade de nutrientes, grande quantidade de plantas, peixes e pssaros aquticos so to comuns quanto os rios com baixa disponibilidade, onde raramente se encontra uma quantidade diversa e significativa de organismos (Junk, 1983). Para um bom entendimento desta diversidade segundo Junk (1983), necessrio no somente descrever os aspectos biolgicos das guas Amaznicas, mas tambm discutir as condies geogrficas, geolgicas, hidrolgicas e hidroqumicas da regio como um todo, pelo fato da gua e das reas de terra adjacente se influenciarem de forma mtua, e somente em conjunto do origem paisagem Amaznica. O Entendimento do ecossistema como um todo a base para um aproveitamento sustentvel dos recursos hdricos, que, desde o incio do processo de ocupao da regio pelos Europeus, tiveram um papel determinante para ele, sabendo que no futuro estes recursos sero de grande valia para a implementao de projetos que visem o desenvolvimento econmico e social da regio. O desconhecimento das inter-relaes entre os mais variados sistemas como os corpos d'gua, a terra e a floresta na Amaznia podem promover um planejamento errneo e em conseqncia disso uma destruio do

23 equilbrio ecolgico regional, o que pode resultar em conseqncias desastrosas tanto para o ambiente quanto para o prprio Homem. Por que as guas Amaznicas tm tantas cores diferentes? Para a anlise deste paradigma, temos que considerar as seguintes caractersticas dos rios, como por exemplo: o rio Tapajs tem suas guas transparentes e de colorao verde-azuladas, enquanto que a gua do Amazonas branca, apresentando, portanto, aspecto barrento (Figura 09). Nas reas de encontro dos rios, ambos se misturam de uma maneira similar, verificando de forma ntida o encontro das guas. Em relao colorao, as guas transparentes so denominadas de guas claras, enquanto que as guas barrentas so denominadas guas brancas. Na foz do rio Negro possvel verificar uma rea de mistura semelhante. No entanto, a gua do Negro de colorao preta e de natureza cristalina. Isto explicado pelo fato de que terrenos rochosos ou arenosos do origem a guas lmpidas, enquanto que os terrenos aluviais ou argilosos so capazes de tingir as guas com tonalidades amarelas ou olivceas. Uma classificao muito utilizada atualmente foi proposta para as guas amaznicas por Harald Sioli (1965), sendo que ele as classificou em relao sua colorao e natureza fsico-qumica destas, em guas brancas, guas pretas e guas claras.

Figura 09 Encontro das guas do rio Negro e do Rio Solimes. A) Imagem de satlite. Fonte: mygeo.info/wallpaper/misr_rio_negro_864.jpg. B) Fotografia Area. Fonte: www.brasilien.de/ReiseService/reiseangebote/amazonas/sehenswuerdigkeit/manaus.asp.

3.1 TIPOS DE GUAS 3.1.1 guas Brancas Vrios rios da regio Amaznica, como o prprio Amazonas, o Purus, o Madeira e o Juru, tm suas bacias de drenagem com origem na regio Andina e pr-Andina. Nesse contexto, os processos erosivos atuantes na regio andina so muito intensos dando origem a uma elevada carga de sedimentos, o que promove a colorao branca das guas (Figura 10). Em reas com baixo regime dinmico (reas de baixa correnteza), os sedimentos so facilmente depositados e o parmetro ambiental, transparncia da gua, aumenta de forma considervel, enquanto que em outras reas, a

24 correnteza invade as reas adjacentes ao rio, recebendo novos materiais para carregar que devido alta dinmica do corpo dgua, ficam por um elevado perodo, em suspenso. Em reas localizadas s proximidades da cidade de Manaus, um litro de gua do Amazonas contm cerca de 0,1 g de sedimentos (Junk, 1983). A regio Andina e pr-Andina formada na sua maioria por sedimentos do cretceo, sendo estes de natureza alcalina e relativamente ricos em sais minerais. Isso se reflete na composio qumica da gua, que quase neutra (pH 6,5 a 7), contendo quantidades relativamente altas de sais minerais em soluo - (ca 60-70 S.cm-1/20C) nas proximidades de Manaus. A quantidade percentual de clcio e magnsio relativamente grande em comparao com as de sdio e potssio. Este um padro caracterstico para a maioria das guas do mundo inteiro, pois a gua branca possui na sua composio um percentual de metais alcalinos e alcalino-terrosos correspondentes aos valores mdios encontrados em escala mundial. A quantidade total de sais minerais, porm, corresponde a somente um tero deste valor. Devido a estas caractersticas qumicas, mesmo quando as guas se apresentam transparentes ou de colorao variando de esverdeada a marrom, Sioli (1965) classifica estas Figura 10 Rio de gua branca. Fonte: guas como branca, pelo fato de que todos os seus www.brasildasguas2_arquivos\ sedimentos esto propensos deposio, no brasildasaguas_diario _mostra.htm havendo, no entanto, modificaes de suas propriedades originais. 3.1.2 guas Pretas Os rios de colorao preta, ao contrrio dos de gua branca, no transportam material em suspenso em grandes quantidades. Estes rios geralmente nascem nos escudos arqueados das Guianas e do Brasil Central ou nos sedimentos tercirios da bacia Amaznica, que tem um relevo suave e pouco movimentado (de baixo regime dinmico), onde os processos de erosivos so pouco intensos e reduzidos ainda pela densa mata pluvial. Consequentemente, a carga de sedimentos baixa e os rios so transparentes. Devido falta de um aporte significativo de clcio e magnsio oriundos dos processos erosivos, na maioria das formaes geolgicas, as guas so de natureza cida (Junk, 1983). Estes rios apresentam em suas reas de captao, enormes florestas inundveis (igaps) e o material orgnico produzido pela floresta, tais como folhas, galhos etc., cai na gua e decompe-se. Vrios produtos de decomposio so solveis e de colorao marrom ou avermelhada (cidos hmicos e flvicos), provocando coloraes escuras, tpicas dos rios de gua preta (Figura 11). Alm dos igaps, os vastos areais (podsolos) nas reas de captao do rio Negro Figura 11 Rio de gua preta. Foto do e de outros rios de gua preta, tambm autor. contribuem significativamente, para a

25 produo de substncias hmicas. Elas tm carter cido, baixando ainda mais o pH, que pode atingir valores prximos de 2, como encontrado por Melo (1998), sendo este valor extremamente baixo para as guas naturais. Estas guas so muito pobres em sais minerais. A condutividade eltrica em ambientes de gua preta pode chegar somente a 8 S.cm-1 /20C. Isso corresponde gua destilada com algumas impurezas. Ao contrrio da gua branca, a percentagem de sdio e potssio superior percentagem de clcio e magnsio. 3.1.3 guas Claras Os rios que apresentam a cor de suas guas esverdeadas e transportando uma pequena quantidade de materiais em suspenso, so chamadas guas claras (Figura 12). Um dos principais representantes o rio Tapajs, que tem sua foz em frente cidade de Santarm. A anlise qumica mostra uma heterogeneidade relativamente grande destes rios e principalmente dos igaraps em relao ao pH e condutividade eltrica (Junk, 1983). Os igaraps de guas claras, que nascem nos sedimentos tercirios da bacia Amaznica ou aqueles que Figura 12 Rio de gua clara. Fonte: www.tracaja-e.net/ nascem nos sedimentos cretceos depositados acima do 24802.htm escudo do Brasil Central, so cidos e extremamente pobres em sais minerais, apresentando baixas concentraes de clcio e magnsio. No entanto, os que nascem na faixa carbonfera ao norte e ao sul do Baixo Amazonas so neutros, e relativamente ricos em sais minerais em soluo, com alta percentagem de clcio e magnsio. Muitas vezes ocorrem vrias formaes geolgicas na rea de captao, permitindo uma sobreposio das influncias qumicas, uma variao enorme dos parmetros hidroqumicos e uma transio entre gua clara e gua preta e gua branca. Os valores de pH podem variar entre 4,5 e mais de 7, enquanto que a condutividade eltrica varia entre 6 S e mais que 50 S.cm-1 /20C. Normalmente o sdio e o potssio so os metais freqentes, porm, em certas reas tambm clcio e magnsio podem dominar. Esta classificao das guas Amaznicas muito generalizada e simplificada. A concentrao de substncias hmicas, por exemplo, bem mais alta no incio da poca chuvosa do que na poca seca, porque as primeiras chuvas transportam as substncias hmicas acumuladas na terra durante a seca dentro dos igaraps. Por isso, a colorao da gua de muitos igaraps neste perodo mais escura. Rios de gua clara podem transportar durante a poca chuvosa grande quantidade de material em suspenso e parecem turvos (Junk, 1983).

26 3.2 OS GRANDES RIOS AMAZNICOS 3.2.1 O Amazonas O poderoso Amazonas tem origem nas geleiras de Yarupa, nos Andes peruanos, a mais de 5.000 metros de altura, e percorre 7.200 km at chegar ao mar. Durante sua descida, o rio troca de nome 7 vezes e recebe milhares de afluentes, muitos com mais de 2.000 km de extenso (Figura 13). O rio Amazonas nasce como Apurimac e percorre 800 km nos Andes peruano at se encontrar com o rio Mantaro, quando passa a se chamar rio Ene. Figura 13 Mapa da bacia Amaznica. Fonte: Com este nome, o Amazonas www.geocities.jp/acaradisco55/Bi/rio-amazonas.gif. percorre um pouco menos de 150 km at se encontrar com o rio Perene. A partir desta confluncia passa a se chamar rio Tombo, por cerca de outros 150 km, at se encontrar com o rio Urubamba, formando ento o rio Ucayali. Este percorre mais de 1.500 km at a confluncia com o rio Maran e, neste trecho, comea a ser margeado por uma continua rea alagada, que vai acompanh-lo at a sua foz. Aps a confluncia com Maran, o rio passa a se chamar Amazonas e mantm este nome at a confluncia com o rio Javari, na fronteira com o Brasil, onde passa a se chamar rio Solimes. Ao longo do territrio peruano e colombiano o rio Amazonas percorre 2.969 km. No Brasil, o rio principal mantm o nome de Solimes at a sua confluncia com o rio Negro, quando volta a se chamar Amazonas, e percorrendo um total de 2.921 km em territrio brasileiro at Sua foz. Antes de alcanar o mar o rio Amazonas atravessa uma regio com uma infinidade de ilhas e margeadas por extensas plancies alagveis, que pode ser definida como um delta interno. As ilhas so extremamente planas e foram formadas pela deposio de sedimentos trazidos dos rios. A altura mxima de 20 m, existindo terraos de 15-16m, 10-12m e 4 m. Esta parte mais alta tambm a mais antiga, datando do Plioceno (de 3,3 a 2,7 milhes de anos). Tanto as ilhas quanto as plancies costeiras apresentam extensas reas sujeitas a inundaes pluviais e tidais, com lagos e rios meandrados. Depois de atravessar o delta interno as guas continentais se misturam com as do Oceano Atlntico, formando o esturio Amaznico propriamente dito (Barthem, Com. Pes.). 3.2.2 O Rio Negro O rio Negro nasce na regio pr-andina da Colmbia e corre ao encontro do Solimes, logo abaixo da cidade de Manaus, para formar o poderoso rio Amazonas. Em seu curso, percorre 1.700 quilmetros, quase a distncia de So Paulo a Salvador. Da nascente foz, a viagem dura um ms e meio. Na longa jornada, a gua carrega folhas e outras matrias orgnicas que a tingem de mbar. Ele um dos trs maiores rios do mundo; o fluxo de gua que passa por seu leito maior do que o de todos os rios europeus reunidos e, no Brasil, perde apenas para o Amazonas. Tem quilmetros de largura e mais de mil ilhas que se agrupam em dois arquiplagos: O de Anavilhanas situado prximo de Manaus, e o de Mariu, no mdio rio Negro, na regio de Barcelos.

27 So os maiores arquiplagos fluviais do mundo. O nvel das guas depende da estao do ano. Entre o ponto mais baixo da seca e o mais alto da cheia, a variao de 9 a 12 metros. Dessa diferena resultam paisagens incrivelmente diversas. Na cheia, o rio invade a floresta por muitos quilmetros. Na seca, surgem as praias e emergem ilhas de areia branca, s vezes to fina que parece talco. 3.2.3 O Rio Madeira O Rio Madeira um rio da Bacia do rio Amazonas, banha os Estados de Rondnia e do Amazonas. um dos afluentes do Rio Amazonas. Tem extenso total aproximada de 1.450 Km. um rio importante, devido sua hidrovia, cujo treco navegvel vai da sua foz at cidade de Porto Velho, numa extenso de cerca de 1.060 km. um rio economicamente importante pelo escoamento de gros do Mato Grosso, que so transportados pela hidrovia at o rio Amazonas, quando ento ganham o mundo.

3.2.4 O Rio Tapajs Afluente da margem direita do Rio Amazonas, nasce do encontro dos rios Juruena e Teles Pires na divisa dos Estados do Par, Amazonas e Mato Grosso. Com 1.992 km de extenso, entre seus principais afluentes est o Rio Arapiuns. Suas guas de colorao azul-esverdeada constituem-se em atrao turstica. Devido s diferenas de composio, densidade e temperatura, as guas do Tapajs no se misturam com as guas do Amazonas, provocando o fenmeno conhecido como "encontro das guas", que pode ser visto em frente cidade de Santarm. 3.2.5 O Tocantins Formado pelos rios Maranho e Paran, nasce na serra do Pireneus, em Tocantins. s proximidades do municpio de Marab, encontra-se com o rio Araguaia, e segue o seu curso at desaguar na baa do Maraj, formado o esturio do Rio Par, s proximidades de Belm. Pelo canal de Tagipuru comunica-se como o Rio Amazonas. Seus principais afluentes pela margem direita so os rios Manuel Alves da Natividade, Sono, Manuel Alves Grande e Farinha; e pela margem esquerda so os rios Santa Teresa, Itacainas e Araguaia (seu maior afluente). Uma das principais caractersticas do rio Tocantins a presena de inmeras barragens ao longo do seu curso, sendo a principal o reservatrio de Tucuru, o maior reservatrio da Amaznia.

PARA SABER MAIS Para conhecer um pouco mais sobre rios e igaraps, acesse o site: www.amazonialegal.com.br/textos/rios/Rios_Igarapes.htm

28 3.3 AS REAS ALAGVEIS As reas alagveis so definidas como aquelas em que existem pulsos peridicos de inundao. Esses sistemas so associados s florestas inundadas e as rea de vrzea (Figura 14). Sob o ponto de vista ecolgico, so reas que recebem periodicamente o aporte lateral das guas de rios, lagos, da precipitao direta ou de lenis subterrneos, influenciando de forma significativa a comunidade de animais aquticos existente no ecossistema. Nesse contexto, os lagos de vrzea e igaps, por sua riqueza de nutrientes, apresentam grandes Figura 14 reas alagveis. Fonte: quantidades de macrfitas http://bernard107.chez-alice.fr/varzea/pcvarzea.htm. aquticas, cujos frutos, folhas e sementes, so utilizados pelos peixes para sua alimentao, servindo tambm de alimento para algumas espcies de herbvoros silvestres. Sob o ponto de vista scio-econmico, estas reas apresentam grandes potencialidades como a explorao pesqueira e o desenvolvimento de empreendimentos agropecurios. Contudo, estas potencialidades no esto sendo aproveitadas em sua plenitude, devido falta da implementao de estudos que visem um melhor aproveitamento do ecossistema. Na Amaznia, os grandes sistemas de rios das regies tropicais da Amrica do Sul so constitudos por extensas reas alagveis, sendo a plancie aluvial variando de 20 a 100 km. Estas reas esto associadas aos grandes rios da e ocupam um total de 300.000 km2, sendo que o complexo Solimes/Amazonas inunda periodicamente cerca de 200.000 km2 (Junk 1993), representando o maior sistema hidrolgico do planeta. A alta pluviosidade (ndice de chuvas), caracterstica dos trpicos, e o degelo anual do vero andino favorecem uma densa rede de drenagem que, associada s grandes extenses de terras baixas, causam inundaes peridicas nas margens de rios e igaraps (riachos) (Junk, 1983; Junk et al., 1989). Nos rios Solimes-Amazonas e seus afluentes o pulso (isto , a periodicidade) de inundao monomodal (ou seja, de um nico tipo, ou modo): a flutuao do nvel da gua lenta e mostra um ciclo anual previsvel de perodos de cheia (poca de nvel de gua mais alto) e perodo de seca (poca de nvel da gua mais baixo). A amplitude (ou seja, a diferena do nvel de um rio na seca e na cheia) mdia alta, mas pode mudar ao longo do curso de um rio, principalmente se esse rio for o rio Amazonas. Na regio prxima a Iquitos, no Equador, varia de 12 a 18 metros, enquanto que nas proximidades de Manaus essa amplitude varia de 8 a 15 m, e no curso mais baixo, prximo a Santarm, de 4 a 6 metros. Isso tudo quer dizer que as reas no perodo da seca esto emersas, durante a cheia chegam a estar a 10 metros de profundidade. As implicaes decorrentes da regularidade desse padro de inundao so de extrema importncia ecolgica uma vez que determina no ambiente a existncia de uma fase aqutica e uma terrestre. Plantas e animais que vivem nesses ambientes precisaram desenvolver estratgias de sobrevivncia para se adaptarem a mudanas to drsticas. As alteraes dos nveis e de circulao das massas de gua foram caracterizadas por Junk et al., (1989) como pulso de inundao, e consideradas como a fora que dirige

29 e mantm em equilbrio dinmico o sistema rio-plancie de inundao (plancies de inundao so reas periodicamente inundadas pelo alagamento lateral de rios e lagos, e/ou pela precipitao ou subida das guas). O importante papel desempenhado pela flutuao do nvel da gua na manuteno da estrutura e funcionamento dos sistemas rios-plancies de inundao permite afirmar que a anlise do regime hidrolgico dos rios associados a esses ecossistemas, importante para a interpretao de seus processos ecolgicos. A flutuao do nvel das guas e a descarga dos grandes rios da bacia amaznica influenciam diretamente a velocidade da gua, profundidade dos ambientes aquticos e a rea superficial da plancie de inundao. Os resultados dessas alteraes esto associados s mudanas nas caractersticas limnolgicas, no balano dos processos de produo e respirao e nos padres de ciclagem de nutrientes dos vrios habitats da plancie. Nesse contexto, um ecossistema de relevante importncia para a regio amaznica so as florestas alagadas (Figura 15), que ocupam de 5 a 10% da rea da Amaznia e se apresentam de diversos tipos, distinguindo-se as matas de vrzea, que esto situadas nas plancies de inundao dos rios de gua branca, sendo, portanto, ricas em material sedimentvel; e as matas de igaps, que so inundadas pelos rios de gua clara e preta. Na paisagem amaznica, comum, ainda, a presena das matas dos terraos de inundao dos afluentes menores, que, estando acima do nvel mximo das enchentes anuais dos grandes rios, so inundadas intermitentemente, sendo que por pouco tempo estas so inundadas pelas enxurradas ocasionais causadas pelas chuvas intensas que precipitam na regio. Na rea de influncia das mars, que no rio Amazonas verificado de forma pouco intensa at as proximidades do municpio de bidos-PA, a mais de 1.000 km do oceano, encontram-se matas que esto sob a influncia do ciclo dirio de cheias e vazantes. Ao longo da zona costeira comum verificar a presena de grandes manguezais, que so inundados pela gua do mar, ou por massas dgua com salinidades de menores, em reas adjacentes ao esturio. Ao longo dos rios, nas proximidades do esturio, ocorrem as vrzeas de mar, inundadas diariamente pela gua doce represada pelas mars. H ainda as matas quase Figura 15 Floresta inundada. Fonte: permanentemente alagadas, prximas a nascente de www.amazonian-fish.co.uk/images gua, ou em outras situaes especiais. Estas matas /forest2.jpg pantanosas so localmente conhecidas tambm como igaps. 3.3.1 A vrzea A vrzea do rio Amazonas representa um complexo sistema de inmeras ilhas, diques marginais, lagos, canais, furos, parans, etc., que variam permanentemente em relao sua forma e ao seu tamanho em dependncia do nvel da gua (Figura 16). O conjunto dos ambientes que compem a vrzea do rio Amazonas detm uma largura com dimenses de at 100 km. As oscilaes anuais do nvel de gua modificam profundamente o aspecto da paisagem (Figura 17), o que faz com que este ambiente sazonalmente seja modificado.

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Figura 16 - Corte transversal do vale do rio Amazonas, mostrando as depresses onde se formam os Lagos de Vrzea (adaptado de Scarda, F. M. 2004).

O rio permanentemente deposita em algumas reas sedimentos enquanto que em outras reas ele erode suas margens, principalmente durante o regime de cheias. Com isso, grandes pores de terra ao longo das margens, das ilhas e dos diques marginais caem na gua juntamente com rvores de grande porte. Nas reas em que o rio deposita sedimentos, a modificao morfolgica do ambiente propicia o aparecimento de praias e ilhas. Nesse contexto, a deposio anual de sedimentos pode asfixiar as rvores, o que resulta na morte da vegetao. O ambiente de vrzea pode ser modificado pelo rio atravs da consistncia fina e macia dos sedimentos, sendo que somente em algumas reas o regime dinmico das guas faz com que ocorram pedras no leito do rio, como caso do Amazonas, nas proximidades de Manaus e Manacapuru. Estas pedras podem ser lateritas, incrustao vermelhomarrom com alta concentrao de xido de ferro. A gua do Amazonas apresenta-se relativamente rica em sais minerais e nutrientes, sendo que Figura 17 A vrzea. A) perodo da seca; B) perodo com a subida do rio a gua adentra da cheia. Fonte: earthobservatory.nasa.gov/Study/ LBA/Images/varzea_comparison.jpg nos parans e lagos de vrzea, cobrindo-os completamente durante as enchentes mximas. O solo da vrzea contm uma alta percentagem de minerais de natureza argilosa, sendo estes, portanto, frteis e com alta capacidade de intercmbio de ons (Ildita e Montmorilonita), enquanto que os solos da terra firme so compostos de material de natureza arenosa e caolintica, que de baixa fertilidade.

31 A gua que drena da terra firme pobre em sais minerais e a da vrzea cida. Elas se misturam com a gua do Solimes. Nesse contexto, processos abiticos e biticos tambm so capazes de modificar a composio qumica da gua, o que ocasiona em diferenas considerveis entre diferentes lugares na vrzea e durante o ciclo do ano. De acordo do Junk (1983), a forte correnteza do rio provoca turbulncias que garantem uma aerao permanente da gua at o fundo. Porm, quando a gua fica parada na vrzea, observada uma forte reduo do oxignio principalmente nas camadas abaixo de 3 a 4 m de profundidade. Isso porque a produo de oxignio pelo fitoplncton reduzida devido falta de luz, enquanto uma grande quantidade de material orgnico inundado est sendo decomposto por bactrias e fungos que consomem o oxignio disponvel. A alta temperatura de 30C acelera estes processos. Por isso a gua tem at um cheiro ruim, de gs sulfdrico. Uma determinada quantidade de oxignio dissolvido na gua necessria para colonizar um bitipo, e o fundo dos lagos de vrzea, geralmente no colonizado, nem por aqueles organismos mais adaptados s variaes de oxignio, pois durante grande parte do ano, a condio anxica um fator limitante para os organismos que quiserem colonizar a regio profunda dos lagos (Figura 18). Muitos animais, entretanto, mostram adaptaes s baixas concentraes de oxignio na gua, o que permite a sobrevivncia mesmo em condies precrias. Isso pode ser bem demonstrado pelos peixes. Vrias espcies possuem rgos respiratrios adicionais s guelras. O pirarucu (Arapaima gigas) usa a bexiga natatria modificada como tipo pulmo, respirando ar atmosfrico. Muitos bagres, como o tamoat (Callichthys spp.), acaribod (Plecostomus spp.), coridoras (Corydoras spp.) etc., engolem ar e absorvem o oxignio pelo trato digestivo. A pele de algumas espcies de peixes muito fina e facilita a absoro de oxignio pela superfcie do corpo. Algumas espcies, como por exemplo, o Figura 18 Variao do nvel de oxignio em tambaqui (Colossoma macropomum) e a lagos de vrzea e no rio solimes, na RDSM. sardinha (Triporthe spp.), desenvolvem www.canalciencia.ibict.br/pesquisas/pesquisa.p hp?ref_pesquisa=72. grossos lbios para facilitar o aproveitamento da camada superficial da gua, que mais oxigenada. Um grande nmero de espcies de peixes da Amaznia capaz de viver em condies to precrias, que outros, de reas temperadas, no conseguem suportar. Mesmo assim, s vezes podem ocorrer grandes mortalidades de peixes por asfixia, principalmente durante as friagens, que ocorrem 1 a 2 vezes por ano, em junho ou julho, com durao de 2 a 4 dias. Friagens so as passagens de grandes quantidades de ar frio da regio polar sul. Durante estes perodos, alm das temperaturas mais baixas (at 17C em Manaus), ocorrem ventos e chuvas fortes, a gua dos lagos misturada, mal oxigenada e o gs sulfdrico sobe superfcie. No o frio que mata os peixes, mas a falta de oxignio.

32 3.3.1.2 A Vegetao da Vrzea Nas reas mais elevadas da vrzea, esto localizadas rvores, capazes de suportar inundaes durante alguns meses, sem morrer. Elas comeam a brotar quando a gua est baixando, florescer e dar frutos quando a gua est subindo. Os frutos caem na gua, que os distribui ao longo do processo de inundao. No pico da enchente estas rvores perdem as folhas e comeam a brotar novamente na prxima baixa das guas. H tambm rvores que no perdem as folhas durante a cheia e arbustos que at continuam com as folhas verdes durante meio ano de inundao. A rvore mais impressionante e caracterstica da vrzea a sumama (Ceiba petandra), que cresce at 40 a 50 m de altura com dimetro de tronco acima de 2 m e enormes razes laterais em forma de tbuas (sapopemas), com 5 m acima do solo (Figura 19). As macrfitas aquticas so tambm tpicas das reas de vrzea. Algumas so flutuantes e podem cobrir reas de vrios quilmetros quadrados. A maior parte desta vegetao formada por capins aquticos e mostra por isso um aspecto de prado flutuante, descendo os rios, sendo inclusive um perigo para a navegao. Acompanhando as mudanas do nvel de gua esto as plantas flutuantes, ficando sempre expostas ao mximo da radiao solar Figura 19 Sumama, com as razes laterais necessria para a fotossntese. A mesma (sapopema). Fonte: www.pbase.com/ estratgia mostra a famosa Victoria amazonica pierbase/image/41758277 (antigamente, vitoria-regia), que enraizada no cho, porm deixa flutuar suas enormes folhas na superfcie da gua, que na parte anterior dessas folhas, so cobertas por inmeros espinhos, que podem machucar os menos avisados. Uma parte desta vegetao, dependendo do nvel das guas, arrancada e levada pela correnteza para dentro dos rios, que em certas pocas transporta inmeras ilhas flutuantes de plantas aquticas em direo sua foz. Quando a gua baixa a maior parte desta vegetao seca nas margens dos rios, lagos e praias e morre. Em seu lugar comeam a crescer outras plantas que passaram pela cheia em forma de sementes na lama, e depois de poucas semanas as praias secas so novamente cobertas pela vegetao. O crescimento destas plantas estimulado pela vegetao aqutica em decomposio que atua como adubo vegetal. As plantas terrestres terminam o seu ciclo vegetal em poucos meses durante a seca, do flores e frutos e morrem quando a gua vem sendo substituda novamente por plantas aquticas (Junk, 1983). De acordo com Junk (1983) e Sioli (1991) este ciclo anual de plantas aquticas e terrestres na mesma rea baseia-se em crescimento rpido e altas taxas de reproduo. Isso significa tambm alta produo de material vegetal e grande mortalidade devido seca ou inundao, respectivamente. O pr-requisito para esta produo alta, so nutrientes em quantidades suficientes, que esto disposio das plantas ou dissolvidos na gua ou na forma de sedimentos que so anualmente levados na vrzea pelo Solimes durante a cheia. Por isso a vrzea comparvel a um grande transformador biolgico; recebe nutrientes inorgnicos do Amazonas, transforma-os, atravs de plantas com energia solar, em matria orgnica e os devolve, em parte, na forma de plantas aquticas, troncos de rvores, folhas, material orgnico dissolvido etc., novamente ao Amazonas.

33 3.3.1.1 A Fauna da Vrzea Os pulsos de inundao, com as flutuaes do nvel de gua tambm tm efeito importante para a fauna da vrzea. Animais aquticos tm condies de vida favorveis durante a cheia, enquanto que os animais terrestres so ameaados pela subida da gua. Diante de todas essas alteraes no ambiente, muitos animais possuem adaptaes morfolgicas, anatmicas, fisiolgicas e/ou etolgicas que facilitam a sobrevivncia durante a fase precria e permitem a colonizao rpida das reas disposio na fase favorvel. A estas estratgias de sobrevivncia pertencem migraes verticais e horizontais. Muitas espcies de peixes, o peixe-boi e as tartarugas se retiram com a baixa das guas dentro do leito do rio para passar a seca e voltam, com a subida da gua, novamente para a vrzea, onde encontram alimentao e proteo contra inimigos. Mesmo assim, a mortandade de peixes pode ser grande em anos com uma seca pronunciada, como a que aconteceu em 2005 (Figura 20), quando os organismos aquticos, principalmente os peixes no saem a tempo, as sadas so bloqueadas e os lagos de vrzea secam quase totalmente. Animais aquticos de pequeno porte so os mais atingidos, por no serem capazes de migrar a longas distncias. Da mesma forma os animais terrestres enfrentam quando o rio est subindo. Muitos migram para a copa das rvores da mata inundvel, onde ocorre uma tremenda luta de sobrevivncia, pois Figura 20 Seca na Amaznia, ano de 2005. inmeros organismos esperam esse Fonte: www.unicamp.br/unicamp/unicamp_ momento para um banquete, at a gua hoje/ju/outubro2005/ju306pag6-7.html baixar e os animais sobreviventes poderem voltar ao cho. Inmeras espcies de organismos morrem afogadas, mas antes elas depositam ovos ou estgios permanentes que so resistentes gua e desenvolvem-se outra vez durante a prxima seca. Este um tipo de estratgia de sobrevivncia no somente em animais terrestres, mas tambm em muitos pequenos animais aquticos, como o caso de muitas espcies de zooplncton, de esponjas, etc. Para substituir rapidamente as perdas sofridas durante a fase desfavorvel, os animais tm adaptaes, como os ciclos de vida curtos e altos de reproduo: por exemplo, grande nmero de ovos ou reproduo assexuada na maioria dos pequenos invertebrados. A boa disposio de nutrientes na vrzea reflete-se tambm na grande quantidade de animais superiores. Os mais vistosos so os pssaros aquticos, como as diversas espcies de garas, mergulhes, gaivotas, patos etc., que na gua baixa se concentram nas poas de gua restantes em enormes quantidades. Muito caractersticos so tambm as coloridas jaans (Parra jacana) e a anhuma (Palamedea comuta), que

34 chamam a ateno pelo tamanho e o seu grito estridente e caracterstico. Muito freqentes so tambm vrias espcies de gavio, que se alimentam de peixes ou dos grandes caramujos existentes na vegetao aqutica. A atividade antrpica especialmente a caa, tem provocado uma reduo drstica de muitas espcies que eram comuns na vrzea, algumas at ameaadas de extino. J no fim do sculo XIX o grande naturalista Jos Verssimo denunciou as matanas tremendas de peixes-bois (Trichechus inunguis) e tartarugas da Amaznia (Podocnemis expansa) e a coleta indiscriminada dos ovos deste quelnio. No incio do sculo passado, milhares de garas foram caadas por causa da beleza de sua plumagem. Quando a indstria de couro conseguiu curtir as peles de jacars (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger), que existiam em enormes quantidades, o seu nmero foi reduzido em poucas dezenas de anos, tanto que eles foram colocados junto com o peixe-boi, as grandes tartarugas, as lontras (Lutra enydris) e as ariranhas (Pteronura brasiliensis) na lista dos animais ameaados de extino, e atualmente so protegidos pelas leis brasileiras. Os golfinhos de gua doce, o boto (lnia geoffrensis) e o tucuxi (Sotalia fluviatilis) at hoje so ainda freqentemente encontrados em todos os grandes rios Amaznicos. Isso porque eles tm um papel muito importante na mitologia dos ndios, que em parte at os dias atuais est sendo respeitada pelos caadores e pescadores. Todavia, esta proteo tambm est diminuindo com o aumento da imigrao de pessoas de fora da Amaznia, que no do crdito a esta mitologia. Alm disso, os animais jovens e inexperientes caem freqentemente nas redes e malhadeiras dos pescadores e se afogam em conseqncia disso. Ainda relativamente freqente na vrzea a capivara (Hydrochaerus hydrochaeris), que o maior roedor do mundo, mas tambm muito procurada pelos caadores por sua carne. 3.3.2 O Igap do Rio Negro A rea de inundao do rio Negro e de outros rios de gua preta, o igap (Figura 21), difere claramente das vrzeas dos rios de gua branca. Muitas espcies de rvores ocorrem somente na gua branca ou na gua preta. A majestosa Sumama, que caracterstica da gua branca, falta no igap do rio Negro, enquanto que a macacarecuia (Jugastrum sp.), freqente no igap, falta na vrzea do Amazonas. O mais saliente a falta quase total de grandes quantidades de plantas aquticas flutuantes no igap que caracteriza a vrzea. Isso se refere ao baixo pH e falta de nutrientes na gua preta. Durante a seca, as praias arenosas so pouco colonizadas por vegetao (Junk, 1983). A baixa quantidade de nutrientes tambm se reflete na baixa diversidade de animais no igap. Caramujos e mexilhes em geral no ocorrem na gua por causa da sua acidez e a falta de calcrio, necessrio para a formao de suas conchas. Raramente uma gara interrompe a tranqilidade fascinante do igap, e o pescador durante a cheia sofre muito at pegar peixe para a Figura 21 Igap do rio Negro. Fonte: www.amazonia.org/ alimentao de sua famlia. Rios Photos/Erik/45.pt.htm

35 de guas pretas tm o apelido de rio faminto por causa disso. Por outro lado, muito agradvel a falta quase total de mosquitos, que nas vrzeas so uma praga. As suas larvas na gua preta no encontram alimentao suficiente para desenvolver-se em maiores quantidades. A oscilao do nvel de gua tem no igap como na vrzea, a mesma influncia para a fauna e a flora, que a de destacar as espinhosas esponjas de gua doce, que ficam nas rvores e podem atingir o tamanho de uma bola de futebol. Elas morrem durante a seca, porm antes produzem estgios permanentes que colonizam novamente o espinhoso esqueleto morto na prxima enchente. De acordo com Sioli (1991) e Junk (1983) as reas inundveis de rios com gua clara ainda no foram estudadas, mas supe-se que elas sejam intermedirias entre as vrzeas dos rios de gua branca e os igaps dos rios de gua preta. 3.4 IGARAPS E PEQUENOS RIOS AMAZNICOS A paisagem da bacia Amaznica caracterizada pelos inmeros rios e igaraps. Os mapas do baixo amazonas e da Amaznia central, mostram que a regio, apesar de ter uma topografia essencialmente plana, recortada por uma complexa rede de rios de tamanhos variados e igaraps (riachos) que drenam plats de terrenos no sujeitos a inundaes peridicas, chamados de terra firme (Figura 22). Essas guas contribuem para a formao das bacias dos maiores rios da bacia amaznica, e apresentam, em seus leitos e em suas margens, ecossistemas bastante diferentes. A alta taxa de precipitao contribui para que exista uma rede muito densa de igaraps e pequenos rios que transportam a descarga superficial das chuvas. A floresta densa deixa chegar pouca luz superfcie da gua e, por isso, as condies para a produo de material vegetal na gua, tais como algas e plantas aquticas superiores, que podem servir como alimentao para animais aquticos, so muito precrias. No entanto, a fauna ctica diversificada e freqente. A aparente contradio entre a baixa capacidade produtiva da gua e a ictiofauna abundante resolve-se, porm, se analisarmos o contedo estomacal dos peixes. Nota-se que a maioria das espcies come alimentos no provenientes do prprio igarap (material autctone), mas sim da floresta ao longo do leito do igarap (material alctone), tais como insetos terrestres, frutos, sementes, plen, etc. Tambm a maioria dos outros animais aquticos vive da floresta, aproveitando a grande quantidade de folhas que caem na gua. Este material, porm, pode ser diretamente consumido e digerido por poucos animais superiores. Normalmente as folhas so atacadas por fungos, que por sua vez servem como fonte alimentcia para animais pequenos consumidos por predadores etc. As redes alimentares dentro dos igaraps baseiam-se, principalmente, em material terrestre. Quanto mais largo o igarap, menor a influncia da mata da margem em comparao rea ocupada, menor a quantidade de material orgnico e alimentos disposio da fauna aqutica. Por isso, o volume de peixes em relao quantidade da gua de um rio de terra firme bem inferior quantidade de peixes de um pequeno igarap na mesma regio. Os igaraps de cerrado so pouco sombreados e contm freqentemente uma flora submersa abundante: plantas que aparentemente so capazes de existir mesmo com baixssimas concentraes de nutrientes. A sua importncia para as redes alimentares ainda no foi estudada.

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Figura 22 Igaraps Amaznicos. A) Igarap da bacia do rio Negro. Foto do autor; B) Igarap de terra firme. Fonte: www.amazonian-fish.co.uk/images/Forest_stream3.jpg.

3.5 LAGOS AMAZNICOS Na terra firme da Amaznia Central, h carncia quase completa de lagos fundos, devido aos processos de sedimentao durante o tercirio, que nivelaram a bacia Amaznica, enchendo as depresses existentes. Nos escudos das Guianas e do Brasil Central existem apenas trs situados na regio montanhosa no alto rio Negro, que ainda no foram estudados. Existem, entretanto, muitos lagos rasos e s vezes temporrios no cerrado de Roraima e ao longo dos grandes rios, os lagos de vrzea. A maioria dos lagos amaznicos, segundo a definio clssica de lagos, no deveriam ser considerados lagos verdadeiros, pois a definio diz que um lago um corpo dgua sem comunicao direta com o mar ou com o seu rio adjacente. Os lagos amaznicos, principalmente os de vrzea, tm uma conexo peridica com o curso do rio adjacente, durante o perodo de cheia dos rios, quando ocorre o alagamento lateral, ocupando as reas alagveis. A morfologia dos lagos, redondos ou compridos, segundo pesquisa realizada por Jardim-Lima et al., (2005), parece influenciar diferentemente na extenso da rea de inundao para o pulso de inundao de 11 m, que caracteriza a regio da Reserva de Mamirau. Lagos redondos apresentam rea relativa de inundao maior que os lagos compridos, em funo das caractersticas geomorfolgicas desses corpos de gua. Este aspecto, verificado para a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau, possivelmente aplica-se a lagos da bacia Amaznica em geral, com igual conformao. Provavelmente lagos de forma comprida tm seus nveis de gua fortemente influenciados pela velocidade de corrente que, nessa tipologia, tende a ser mais direcional, isto , com maior caracterstica de transporte do que de acumulao (JardimLima et al., 2005). Os principais tipos de Lagos Amaznicos so: a) Lagos de Barragem - So formados quando o rio principal transporta grande quantidade de sedimento que depositado ao longo do seu leito. Esta deposio provoca uma elevao do nvel de seu leito, causando o represamento de seus afluentes, ento transformados em lagos. Estes afluentes so normalmente pobres em aluvies, o que faz com que no acompanhem a elevao do leito do rio principal. Lagos deste tipo so os lagos de terra firme da Amaznia (Figura 23).

37 Os lagos de terra firme da Amaznia so alongados e muito dendrticos. Foram formados principalmente a partir dos rios de "gua branca", capazes de transportar grande quantidade de aluvies. Podem ter at centenas de quilmetros de comprimento e chegam a 7 km de largura. Entre os maiores lagos de terra firme do Brasil situam-se os lagos P