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ÍNDICEENQUADRAMENTO

01. A Luana que não deixavam crescer…

PÁG. 7

02. Afinal a situação é outra…

PÁG. 13

03. As vezes que me magoaste mãe

PÁG. 16

04. Crescer sozinho com jogos de zombies e de matar

PÁG. 19

05. Estou de costas voltadas para o mundo!

PÁG. 23

06. Na balança a religião e o amor

PÁG. 26

07. O caminho da mudança

PÁG. 29

08. O menino que não queria aprender

PÁG. 31

09. O meu cérebro já não funciona

PÁG. 34

10. Aprender a viver de acordo com as possibilidades…

PÁG. 36

Reflexões

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Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Rubem Alves

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A Educação é o principal fator estrutural e promotor das

sociedades modernas e desenvolvidas. Todos os

estudos e indicadores nacionais e internacionais revelam a existência de uma relação

direta e proporcional entre o grau de escolaridade, o nível de vida e a esperança de

vida. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), publicado anualmente pela ONU,

segundo o qual é efectuada a ponderação dos níveis de escolaridade, o PIB per capita

e a esperança de vida, comprova que existe uma relação direta e proporcional entre

estes vectores. Ou seja, os países com níveis de educação e formação mais elevados

dispõem de padrões de vida superiores e a idade média da população é mais alta.

A Educação é, pois, um “passaporte” para o futuro dos cidadãos, enquanto prolonga

o seu período de vida e, simultaneamente, constitui um “catalisador” para o

desenvolvimento da sociedade.

A promoção do sucesso educativo e o combate à exclusão e abandono escolar devem, pois, assumir particular

relevância no quadro das políticas públicas. Nesse sentido, a Câmara Municipal de Odivelas tem vindo a

desenvolver uma estratégia política com vista a contribuir para esse desidrato, nomeadamente, através do

projecto municipal “SEI! Odivelas”.

O “SEI! Odivelas” pretende prevenir situações e comportamentos de risco, combater a exclusão social, absentismo,

insucesso e abandono escolar precoce. Esta tarefa apenas poderá ser bem sucedida com o envolvimento e

participação dos agentes educativos (alunos, pais e professores) em torno de uma estratégia coerente e atuante

que deve ser assumida e partilhada por todos, onde a figura do mediador constitui o “pivot” desse triangulo

virtuoso. O sucesso que o “SEI! Odivelas” tem vindo a granjear de forma gradual e consolidada resulta da vontade,

determinação, disponibilidade e das aptidões dos alunos, das famílias e da comunidade educativa, que importa

enaltecer e incentivar. Este E-Book constitui mais um instrumento dinamizador e promotor do projecto e que

revela a dinâmica e pro-atividade daqueles que nele trabalham e o desenvolvem.

Os bons resultados obtidos através do “SEI! Odivelas” comprovam que estamos no rumo certo e que, sobretudo

em tempos de crise, devemos apostar no nosso maior capital colectivo: as pessoas.

A PRESIDENTE DA CÂMARA

Susana de Carvalho Amador

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ENQUADRAMENTO

Implementado nas Escolas Públicas do pré-escolar ao

3º ciclo do Concelho de Odivelas desde

2010, o Projeto para o Sucesso Educativo (SEI! Odivelas), conta com uma equipa de

técnicos das áreas das ciências sociais e humanas que se deparam diariamente com

histórias de vida de crianças, jovens e famílias que perante as adversidades do dia-a-

dia vão-se manifestando em determinados comportamentos menos ajustados aquilo

que se entende por razoável nos estabelecimentos de ensino e que se revela muitas

vezes no desempenho escolar dos alunos.

Aos técnicos cabe-lhes muitas vezes e após um trabalho de continuidade, descortinar

o que está por detrás destes comportamentos e tentar transformar estas atitudes e

comportamentos em emoções geradoras de outros comportamentos mais aceitáveis,

conduzindo a melhores resultados escolares, mas também a jovens mais equilibrados

e felizes.

Estas são as histórias dos nossos alunos e suas famílias, das nossas escolas, mas

também dos próprios técnicos do SEI, pois como irão descobrir pela leitura das histórias,

elas não se resumem a factos, elas são também a soma de muitos desafios, tristezas,

alegrias e outras emoções que todos vamos sentido ao longo do nosso percurso

profissional mas também pessoal.

Por uma questão de confidencialidade todos os nomes dos alunos foram alterados

e parte da história foi ficcionada de forma a não serem identificados com facilidade

pelos vários intervenientes.

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01. A LUANA QUE NÃO DEIXAVAM CRESCER…

Nome: LuanaIdade: 13 anosAgregado Familiar: mãeSinalização: instabilidade emocionalAno escolar: 7º ano

Estava sentado na sala a refletir sobre um caso do dia anterior, aproveitando

o tempo de uma sessão cancelada, quando a Luana bateu à porta.

Quando a vi, deparei-me com uma menina de 13 anos, frágil, esguia,

de cabelo curtinho e olhos de um azul brilhante entristecido. Calça de ganga, camisola castanha e

casaco de malha branco, é assim que me lembro dela. Ao peito trazia um pequeno crucifixo de prata,

mesmo por fora da camisola, como se de um aviso se tratasse.

Era a primeira vez que vinha ter comigo e a ficha de sinalização pouco dizia para além de que estava

com dificuldades a diversas disciplinas, 6 negativas ao todo. A Diretora de Turma, referia ainda de que

se tratava de uma jovem meiga e emocionalmente instável, provavelmente com “problemas familiares

e com más companhias”, “um pouco respondona” referia a professora.

Foram várias as sessões até que a Luana me olhasse nos olhos, mas em todas elas, invariavelmente,

deixava cair umas lágrimas quando confrontada com a sua situação escolar. Referia ser boa a

Matemática e Educação física, mas fraca a História, Geografia, Inglês e em outras tantas disciplinas.

Com o tempo e o ganho de confiança, lá foi confessando que não gostava da professora de Inglês,

que a de História era uma “velha chata” e que tinha um fraquinho pelo professor de Educação Física,

na verdade ela e quase todas as miúdas da turma.

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Não lhe detetei nenhum problema cognitivo, simplesmente alguma falta de atenção, pouco estudo e

organização. Nada que não se resolvesse em meia dúzia de sessões. Mas foi quando abordámos em

conversa a “vida lá de casa” que a coisa descambou. Uma choradeira tal que gastou o típico pacote de

lenços de papel que, por defeito profissional, os psicólogos costumam manter em cima da mesa.

Mediador – “Então Luana? O que se passa? Já sei que vives com a tua mãe e tens uma irmã mais

velha que já não vive convosco. E o teu pai?”;

Luana – “O meu pai faleceu há dois anos… morreu com cancro.”

Não é que a Diretora de Turma tinha razão? Tirando a parte das “más companhias”, aos poucos o

problema revelara-se emocional e familiar. O pai da Luana morrera há pouco tempo e o luto não

estava a ser fácil para a adolescente, pensei eu. Mas, na verdade, não era bem a Luana que precisava

de fazer o luto… Convoquei a mãe, convencido que havia descoberto a razão de tanta “desmotivação

académica”.

A mãe era uma mulher com pouco menos de 50 anos. Não lhe reconheci na cara os traços da Luana,

mas foi a roupa que a denunciou – o mesmo estilo de roupa, clássica, conservadora e o pequeno

crucifixo de prata ao peito, para compor o quadro. E o irritante casaquinho de malha…

Foram necessárias apenas um par de sessões com a mãe para perceber que esta se encontrava

deprimida e que o luto da morte do marido estava longe de ser feito. A relação com a filha mais velha

era extraordinariamente conflituosa, desde a morte do marido, o que acabou por conduzir à saída

prematura de casa da jovem, ainda estudante universitária. Algo que perturbara consideravelmente a

Luana e a mãe.

Mãe – “Dr., acho que as discussões que tive com a minha filha mais velha (Raquel) afetaram um

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pouco a Luana. Algumas foram bastante acesas e não me orgulho disso, mas a rapariga tira-me do

sério…”;

Mediador – “De que forma é que acha que essas discussões afetaram a Luana?”

Mãe – “Não sei, mas a morte do meu marido e a saída da Raquel de casa fizeram que deixasse de

sorrir (choro). Eu agarrei-me muito à minha filha, é tudo o que restou, compreende?”

Mediador – “Não deve ter sido nada fácil para si. Já compreendeu que está deprimida e necessita

de um acompanhamento especializado. Mas diga-me, agarrou-se muito à Luana, isso significa

exatamente o quê?”

Mãe – “Protejo-a muito, só quero o melhor para ela. Não a deixo sair e andar com qualquer amiga. E

agora meteu na cabeça que quer jogar voleibol na escola e seguir um curso de desporto! Já viu?! Que

raio de futuro pode ela ter assim? Mas há uma coisa…”;

Mediador – “Sobre a questão do curso havemos de falar os três em conjunto, pode ser? Que coisa é

essa de que fala?”

Mãe – “Desde que o pai morreu que a Luana dorme comigo na mesma cama. Ela no início não se

importava, mas agora fica amuada por ter de ir dormir comigo. Mas eu não consigo Dr., sinto-me muito

sozinha (choro), compreende?”

Era agora evidente que a Luana vivia asfixiada pela mãe que não a deixava crescer. Como se isso não

fosse o suficiente, a Luana servia de “bengala emocional” para a mãe, dormindo com ela, vestindo-se

como ela, com as amizades escolhidas e controladas pela mãe, assim como tinha pouca ou nenhuma

autonomia nas escolhas académicas.

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Muito havia para trabalhar. Em primeiro lugar combinámos que a Luana passaria a dormir sozinha,

no seu próprio quarto e cama… intransigentemente! Em segundo lugar, que a mãe iria procurar ajuda

profissional, junto do seu médico de família. Combinei com a Luana que, se ela começasse a estudar,

organizar-se, concentrar-se nas aulas, tentaria convencer a mãe a deixá-la jogar voleibol na escola e

prometi-lhe que, concluído o 9.º ano, voltaríamos a falar, juntamente com a mãe, sobre a possibilidade

de seguir desporto.

Tivemos algumas sessões conjuntas (com a presença das duas) para conversarmos sobre diversos

assuntos – a morte do pai, as discussões e saída de casa da irmã, etc. Instalou-se um “clima de paz”

e, no 2.º período a Luana teve apenas 3 negativas, aliás, acabou por passar o ano com 2 negativas

apenas, beneficiando de alguma compreensão e carinho que gerava nos professores.

A mãe manteve o acompanhamento psicológico, foi adequadamente medicada e aprendeu a viver

com a “dor”. A Raquel não voltou para casa, mas a relação melhorou, sendo que passaram a falar-se

diariamente por telefone.

Quanto à Luana, bom, quanto à Luana, cresceu, libertou-se daquela imagem e tornou-se uma jovem

bonita, alta, de sorriso na cara e com uns olhos azuis enormes, do tamanho do seu futuro. É certo que

não se tornou uma aluna brilhante, mas a última vez que a vi já estava no 10.º ano, antes de mudar

de escola. Na realidade, a última vez que a vi foi com um rapazote, no canto da escola… mas isso é

outra história.

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02. AFINAL A SITUAÇÃO É OUTRA….

Nome: FranciscoIdade: 9 anosAgregado Familiar: mãeSinalização: défice de atenção e concentraçãoAno escolar: 3º ano

O Francisco foi sinalizado a um dos Gabinetes de Apoio

Psicológico no início do presente ano letivo,

pela professora titular. Frequenta o 3º ano

de escolaridade, vindo transferido de outra escola do Concelho de Odivelas. As queixas da professora

prenderam-se com o fato do Francisco se apresentar como uma criança muito mexida, que não parava

de falar, impulsivo, segundo ela com um défice de atenção e concentração muito acentuado.

De acordo com informações recolhidas na entrevista com a mãe, chegou-se à conclusão que o Francisco

foi diagnosticado com uma Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção. Deve tomar medicação

diariamente, uma vez que não consegue controlar a sua agitação motora nem o seu défice de atenção

e concentração (que é bastante acentuado). No entanto, segundo informações prestadas pela mãe, a

mesma não tem condições financeiras para comprar a medicação ao filho.

O Francisco é filho único de um segundo relacionamento da mãe, tem uma irmã mais velha da parte

da mãe que, com 12 anos, decidiu ir viver com o pai. Esta situação aconteceu há 2 anos. Segundo

relatos da mãe, a filha acusa-a de negligência, dificuldades económicas, e maus tratos físicos. A mãe

presentemente vive com outro companheiro, a quem o Francisco trata por padrasto. Segundo a mãe,

na altura em que a filha saiu de casa terá feito uma queixa à Comissão de Proteção de Crianças e

Jovens por considerar que o seu irmão era vítima de maus tratos.

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O Francisco em contexto individual, apresenta-se como uma criança mexida, incapaz de se concentrar

numa só atividade. Revela-se como muito carente, procurando constantemente a aprovação, o afeto e

o toque do outro. Sempre que se cruza no corredor, intervalo ou qualquer outro local da escola com a

técnica do GAP pede-lhe para ir trabalhar com ela, sabendo que num contexto mais individual terá mais

atenção, e poderá apesar de uma forma desorganizada falar dos seus sentimentos mais íntimos.

É notório que a ausência de medicação prejudica o aproveitamento e organização do pensamento do

Francisco, como também a dinâmica da sala de aula. Os resultados que o Francisco apresenta são

muito inferiores às suas verdadeiras capacidades.

Frequentemente o GAP trabalha estratégias com a professora titular de forma a conseguir aumentar

os momentos de atenção e concentração do Francisco mas as mesmas tornam-se falíveis após pouco

tempo.

É importante referir que a mãe do Francisco não entregou o relatório com o diagnóstico do Francisco

à professora. O mesmo não constava no processo do Francisco uma vez que ela tinha ido com o

filho ao hospital, onde é funcionária de limpeza, no final do ano letivo anterior. Quando o filho entrou

para a atual escola não tinha ainda tido tempo, ou considerado importante revelar esta informação à

professora.

À medida que o GAP vai tentando perceber melhor este caso, por considerar algumas questões

preocupantes verifica que o Francisco beneficia do escalão A, sendo que toma o pequeno-almoço e o

almoço na escola, tendo apenas que trazer o lanche da manhã de casa. No entanto, até nisso a mãe

se revela incapaz de fazer, apesar de já ter sido alertada para a situação com alguma frequência, pelo

que o GAP vem a perceber, não só pela professora e funcionárias, como depois pela técnica do GAP

via telefone. O Francisco acaba por ser o único aluno que diariamente não tem lanche da manhã. É

frequente andar a pedir comida aos colegas ou aos adultos da escola.

Segundo a professora, que sempre suspeitou que haveria qualquer coisa com este aluno apesar de

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nunca ter tido acesso a um relatório, é frequente o Francisco ter falta de material, não ir às visitas de

estudo, nem mesmo as pedestres ou frequentar outras atividades propostas pela escola. É importante

acrescentar que muitas vezes estas atividades são-lhe proibidas pela mãe como punição.

No que diz respeito à higiene, é notória uma negligência diária. O Francisco cheira mal, tem as unhas

sujas, cabelo comprido durante longos períodos de tempo e sujo, usa calças de pijama por baixo

das calças, e a roupa nem sempre é adequada ao clima. Os amigos poem-no de parte com alguma

frequência devido às questões acima referidas.

A Encarregada de Educação revela-se incapaz de cumprir com os pedidos que lhe são solicitados

por parte da escola no que diz respeito à alimentação, higiene, medicação, material, comportamento

do filho e visitas de estudo. Sempre que chamada à escola a mãe apresenta um discurso confuso.

Existem claramente enumeras dificuldades económicas no seio familiar, negligência e perturbação

emocional.

No final do mês de novembro o Francisco chegou à escola com nódoas negras na testa, um arranhão

na bochecha do lado esquerdo, duas marcas na parte interior das orelhas (parecia claramente que

alguém lhe tinha pegado pelas orelhas) e ainda marcas nas mãos.

A Mãe dirigiu-se à escola explicando as marcar visíveis com uma queda da cama. Não satisfeitas com

esta situação, a escola e o GAP entraram em contato com a CPCJ a dar conhecimento da situação.

Pelo fato da escola, em articulação com o GAP, considerar que já tinha esgotado todos os meios ao

seu alcance, enquanto instituição de primeira linha, decidiu solicitar a colaboração da CPCJ, a título de

urgência para esta situação, uma vez que se considerou tratar de um menor em perigo.

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03. AS VEZES QUE ME MAGOASTE MÃE

Nome: Carla Idade: 13 anosAgregado familiar: pai, madrasta e irmãMotivo de Sinalização: défice de atenção em sala de aulaAno de Escolaridade: 8º ano

Quando a Carla me bateu à porta pela primeira vez fiquei surpreendida

pela atitude da jovem, apesar dos seus tenros 13 anos teve

uma conversa comigo como se de uma mulher feita se

tratasse e perguntei-me a mim própria o que poderia fazer por ela, já que a Carla sabia muito bem o

que queria da escola, o que esperar da sua família (neste caso do pai e da irmã) e as suas ambições

enquanto estudante.

A verdade é que as suas expetativas e a sua atitude não condiziam com os fracos resultados escolares

que estava a apresentar. A Diretora de Turma tinha-me pedido que eu sondasse a jovem porque

ultimamente a Carla adormecia nas aulas durante o período da tarde e como é óbvio não apanhava

nada nas aulas…

Após algumas sessões para a conhecer melhor e para que ela confiasse na pessoa que estava ali à

sua frente a Carla apareceu-me no Gabinete num dia sem eu contar e naquele dia “despejou” uma

série de acontecimentos que iam para além da sua convivência familiar atual.

Embora a Carla vivesse a maior parte do tempo com o pai, a madrasta e a irmã, havia noites e fins-

de-semana que ia dormir a casa da mãe. Nas noites que antecediam e precediam as visitas à mãe,

a jovem dormia mal, muito mal “ao todo eu durmo 2, 3 horas…dou voltas e voltas e não consigo

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adormecer”. Segundo a jovem há 3 anos que estas insónias persistiam e depois ainda havia outra

questão que a Carla omitiu mas que o pai desvendou numa reunião tida naqueles dias: a Carla fazia

chichi na cama quase todas as noites.

A origem da sonolência nas aulas estava ali explicada, sendo que desde logo pedi à Diretora de Turma

para que transmitisse aos outros professores que fossem um pouco tolerantes face ao comportamento

da Carla, visto que não era falta de interesse, era mesmo falta de horas de sono, enquanto eu tentaria

modificar aquele comportamento.

Na sessão seguinte após trocar algumas impressões com a equipa SEI sobre aquela jovem, dei-

lhe algumas dicas para dormir melhor “Carla, se acordares durante a noite ou não fores capaz de

adormecer bebes um copo de leite morno, escondes o relógio e se ainda assim não adormeceres vais

escrever um diário com tudo de bom e de mau que te aconteceu/acontece”.

Nas sessões seguintes a jovem foi-me contanto o medo que tinha de voltar a viver com a mãe (porque

a regulação de poder parental ainda estava por resolver), pois quando estava com a mãe, havia noites

em que a mãe bebia muito, que chegava tarde a casa e que ia verificar se a jovem tinha feito todas as

tarefas domésticas previamente fixadas numa lista no frigorífico e que gritava e puxava-lhe os cabelos

até ao chão se algo não estava como a mãe queria.

As sessões com a Carla tornaram-se do ponto de vista emocional muito intensas, o que quer dizer que

cada hora que estava com ela mais se aprofundava a origem do problema. A certa altura pedi-lhe que

escrevesse uma carta dirigida à mãe e que a guardasse para si intitulada “As vezes que me magoaste

mãe”. Pedi-lhe que o fizesse um dia se tivesse vontade.

A Carla apareceu-me na sessão seguinte com a carta e quis-me ler a sua carta dirigida à mãe e foi com

tanta emoção que o fez. Com uma força que não sei de onde veio, amparei-a, segurei-lhe as mãos,

afaguei-a e enchi-a de mimos. A leitura da carta serviu para se libertar porque até ali era incapaz de

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chorar e naquele dia chorou e chorou muito.

Só percebi o alcance do que tinha conseguido quando a Carla me disse que nunca conseguia chorar,

que quando estava a sofrer muito se trancava no quarto e se cortava para aliviar o sofrimento em sítios

que não eram visíveis para as outras pessoas.

Uma situação que aparentemente não era nada, podia ser uma miúda a desafiar os seus professores

que diziam entre dentes “adormece porque os pais devem-na deixar ver televisão até às tantas”, afinal

era uma situação tão diferente.

Com o acordo da Carla e na sua presença chamei o pai que sempre se tinha mostrado disponível e era

a âncora da filha e contámos-lhe tudo.

Acordámos que eu faria um relatório dirigido ao Tribunal dando conta dos fatos relatados, o sofrimento

a que tinha sido exposta pela mãe na infância e que continuava a ser exposta agora na adolescência

e que era necessário suprimir.

Encaminhada para o serviço de psiquiatria do Hospital de Santa Maria, a jovem continuou a “visitar-

me” e foi com muita satisfação que as nossas conversas começaram a ser sobre a adolescente Carla,

sobre os seus namoricos, sobre as brigas com as suas amigas e sobre as suas notas que passaram

de 6 negativas no 1º período, para 1 negativa no último período.

O Tribunal confiou a regulação de poder parental ao pai e retirou a medida relativa aos fins-de-

semana na casa materna (ainda que temporariamente) tendo solicitado uma avaliação psiquiátrica

da progenitora.

A Carla desde então chora.

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04. CRESCER SOZINHO COM JOGOS DE ZOMBIES E DE MATAR

Nome: AntónioIdade: 6 anosAgregado Familiar: mãe e duas irmãsSinalização: comportamentos de recusa e agressividadeAno escolar: 1º ano

O António tem 6 anos de idade e está no primeiro ano de

escolaridade, é o filho mais novo de uma fratria de

3 irmãos, onde ele é o único elemento masculino. A

mãe é cozinheira e trabalha nas horas em que o António fica em casa sob supervisão das duas irmãs,

uma adolescente estudante e outra jovem adulta, que já trabalha.

A ausência de uma figura efetiva de autoridade na vida do António é evidente neste agregado e

reflete-se no que o António me disse na primeira sessão: “As minhas irmãs deixam-me fazer tudo. Fico

acordado a jogar até a mãe chegar. Ela não sabe. Depois deito-me assim que ela chega e finjo que

estou a dormir há muito tempo (risos) ”.

Mas vamos começar pelo princípio. Na sala de aula começou a ter comportamentos de recusa sempre

que era contrariado pela professora atirando-se para o chão e gritando. Com os colegas e as assistentes

operacionais tornou-se cada vez mais agressivo de uma forma muito grave para um menino desta

idade. Os comportamentos ocorreram em escalada e a cada semana o que me contavam era cada

vez pior. Quando o António passava nos corredores, no intervalo, ouvia-se um burburinho: “O que é

que ele irá fazer a seguir? O que é que falta?”. E nada parecia parar o António…

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Como resultado das suas últimas agressões na escola, foi efetuada uma queixa à polícia por uma

assistente operacional. A mãe começou finalmente a perceber a gravidade da situação e dizia-nos

a chorar que o filho não era mau e não queria que viesse a tomar medicação. Explicámos que a

medicação não é nem um milagre nem um monstro. A maior parte das vezes ajuda a controlar os

comportamentos e só queremos que o António revele o que de melhor tem, e não o pior.

Só após a quarta tentativa consegui que a mãe viesse à escola. A sua vinda passou a ser então mais

regular. Numa das sessões a mãe diz-me: “Podemos falar só do António? Não gosto muito de falar da

minha vida particular”.

Expliquei-lhe que entendia que custava revelar temas que lhe eram sensíveis, mas disse-lhe também

que os filhos são o resultado de uma família, com as suas características, defeitos e qualidades e que

precisava muito de conhecer a dinâmica desta família para poder compreender o que se estava a

passar com o António.

“Mas o meu filho não é mau, garanto-lhe!”. Eu sei que não é, mas é quase sempre o resultado daquilo

que nós permitimos que ele seja, tentei explicar.

Aos poucos, a mãe foi fazendo revelações, que lhe custaram mas que ajudaram a compreender a teia

de relações desta família, de duas jovens adultas já autónomas e de um menino que aparece muito

depois e a quem era mais fácil fazer sempre as vontades do que contrariar. De um menino que não

vê o pai. De um menino que acaba por ser educado … a ver jogos de computador “de zombies e de

matar”.

Tinha de agir e rapidamente. Elaborei uma declaração relatando os últimos acontecimentos na escola

e a gravidade dos mesmos: agressão grave a assistente operacional, agressão a colegas, desafio

permanente da autoridade, comportamentos de risco (subida a um armário da escola com queda;

subidas ao telhado da escola).

A declaração tinha como propósito marcar uma consulta de pedopsiquiatria de urgência que a mãe

pudesse levar a uma instituição hospitalar, como aliás já tinha sido proposto pelo médico que viu o

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António quando este caiu do armário e que a mãe na altura recusou.

O António foi finalmente visto por uma equipa de pedopsiquiatria e já está marcada a consulta de

seguimento. Está medicado e a mãe compreende a importância de controlar alguns comportamentos,

tal como deve continuar a controlar o seu comportamento em casa. Deixou de poder jogar no

computador “jogos de matar e de zombies” e de ver televisão depois do jantar. As irmãs prometeram

estar mais atentas ao irmão e agora o António tem pequenas tarefas de auxílio às irmãs que, segundo

dizem, o António gosta de realizar. A mãe está a ponderar deixar o turno da noite para poder estar

mais presente na vida do filho.

O caso do António está longe de estar terminado, mas quando conseguimos ter a família do nosso

lado, temos meio caminho andado para podermos prosseguir com mais segurança e sustentação.

A mãe percebeu finalmente que os comportamentos desadequados do filho, muitas vezes por estar a

crescer sozinho com as regras dos jogos que ele mais gosta precisam ser diminuídos, para podermos

encontrar um António que goste de jogos (sem zombies e sem matar).

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05. ESTOU DE COSTAS VOLTADAS PARA O MUNDO!

Nome: TâniaIdade: 13 anosAgregado familiar: Pai, Mãe e irmão mais velho Sinalização: falta de assiduidade Ano escolar: 7º ano de escolaridade

“Estou de costas voltadas para o Mundo” – disse a Tânia e foi com estas

palavras que se deu a conhecer.

Sentia-se não só de costas voltadas para o mundo, como também para ela própria.

Tinha ficado claro que não seria fácil dar-se a conhecer!

Estava zangada com o mundo: com os pais, com a escola, com os professores com os outros! Não se

sentia bem no seu mundo interno.

O mundo desmoronou-se a partir do dia em que a mãe lhe contou que os pais não eram seus pais e

que ela tinha sido adotada logo à nascença. A confiança que tinha depositado na família que julgara

ser sua, tinha sido severamente abalada. Como iria agora olhar para eles? Quando eles para si já não

eram os mesmos! Ela própria também já não era a mesma! Tudo ficou diferente a partir daquele dia!

Senti que aproximar-me da Tânia era como pisar um terreno tão frágil que a qualquer momento poderia

ruir.

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Como construir uma ponte entre nós? As palavras teriam que ser usadas de forma refletida e a confiança

teria que ser a ponte da nossa relação.

Nos primeiros dias, Tânia fechou-se no quarto e não queria comunicar com ninguém. O seu silêncio

revelava sofrimento e a dificuldade em digerir as suas emoções, em pôr por palavras os seus sentimentos.

Afinal os seus pais biológicos não a desejaram e estavam prontos para a entregarem numa instituição,

este era o pensamento associado ao sentimento de rejeição. A dureza dessas palavras ecoava na

mente e feriam-na profundamente! Tânia sentia a necessidade de transformar aquelas palavras, de

dar dentro de si outro significado, mas não sabia como fazer!

Foi preciso aproximar-me da Tânia para poder trabalhar com ela aos vários níveis, quer com ela própria

para aderir ao encaminhamento à consulta de especialidade, quer com os pais e professores.

O trabalho realizado com os pais adotivos teve por base o consentimento da Tânia e consistiu na

transmissão da importância de restabelecer a confiança e a segurança na relação entre ela e a família,

em especial quando estes a faziam sentir-se culpada por não se sentir reconhecida com a generosidade

que eles manifestaram para com ela. Talvez não soubessem lidar com a fúria e desespero de uma

rapariga, na força da adolescência, depois de receber tal noticia e esperavam dela sobretudo palavras

de gratidão para acalmar a culpabilidade que eles próprios sentiam ao manterem tal segredo durante

os primeiros 13 anos da vida de Tânia.

Para além do trabalho com os pais adotivos, foi necessário trabalhar também com os professores, em

especial com aqueles cujo modo de agir fazia lembrar Tânia da forma como a mensagem lhe tinha

sido transmitida naquele dia.

Tânia começou a faltar às aulas, pois não estava capaz de ouvir os professores, os pensamentos

levavam-na sempre para outro lugar. As palavras transmitidas pela mãe naquele dia, mal penetravam

na sua mente! Naquele momento não estava disponível para aprender, ainda para mais quando dela

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só esperavam silêncio e aceitação.

Era Tânia obrigada a engolir a sua revolta!? Não, teria que trabalhar essas emoções e iniciar

acompanhamento psicoterapêutico o mais depressa possível. Foi necessário encaminhá-la para uma

consulta de especialidade, mas seria necessário antes trabalhar a sua adesão à mesma.

À medida que lhe falo, escolho as palavras, visto-as para lhes dar corpo e cuidadosamente vamos

construindo entre nós a confiança. Após alguns encontros e desencontros sinto que o olhar da Tânia se

mostra menos carregado, os dentes menos cerrados e de vez em quando, já se atreve a olhar-me.

Estaria a pouco e pouco a abrir-se para os outros, mas também para si própria? Não é fácil para

uma jovem adolescente que procura construir a sua identidade, sentir que de repente se alteraram os

modelos: materno e paterno que julgara serem os seus. Afinal os pais biológicos viraram-lhe as costas

e estes que até agora pensava serem os seus, viraram-lhe as costas também ao não compreenderem

as suas reações. Porque mantiveram em segredo, algo que era tão vital para ela? Esta era a questão

que mais a atormentava.

A caminhada com a Tânia inicialmente não foi de mãos dadas, mas ao fim de algum tempo, permitiu-

se voltar a confiar nos outros, a deixar-se confortar, consolar e a poder transformar a sua raiva. Afinal

de contas de costas voltadas não se vê o futuro!

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06. NA BALANÇA A RELIGIÃO E O AMOR

Nome: MariaIdade: 17 anosAgregado Familiar: pai, mãe e 3 irmãs Sinalização: indisciplina, oposição e falta de estudoAno escolar: 9º ano

Após primeira entrevista com a aluna e a família a mediadora entendeu que

existiam problemas na relação mãe e pai. A filha sentia uma afinidade com

o pai que tinha saído de casa e a jovem tinha saudades e culpabilizava a

mãe.

No atendimento a jovem sempre mostrou dificuldade em falar do que sentia e sempre muito

desconfiada.

Mediadora: Maria então porque tens faltas disciplinares?

Maria: os professores têm a mania e eu não tenho paciência.

Mediadora: e o que é isso de ter a mania?

Maria: são injustos!

Mediadora: e o que é para ti ser injusto?

Maria: os outros não se portam bem e não levam faltas e eu levo, não gostam de mim!

Mediadora: e o que é para ti portar bem?

Maria: fazer o que os professores dizem.

Mediadora: queres dizer cumprir com as regras de funcionamento.

Maria: sim.

Mediadora: e tens esse comportamento assim em todas as disciplinas?

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Maria: não, inglês e história é pior, eu não percebo nada…

Mediadora: ah! Estás-me a dizer que não entendes a matéria. Maria, excecionalmente existem

pessoas que são boas a tudo, a maioria de nós tem mais facilidade em umas áreas do que em outras,

e como não gostamos de falhar acabamos por fazer menos nas que temos dificuldade. Mas por isso

mesmo se queres terminar o 9.º ano, então temos que pedir ajuda nas áreas em que és menos forte.

Combinamos em estudarmos inicialmente juntas para história e vou falar com a Diretora de Turma

para teres apoio a inglês, concordas?

Maria: sim.

Em conselho de turma a aluna foi indicada para apoio a inglês e foi trabalhado os métodos de estudo

com a mediadora com a disciplina de história.

As participações disciplinares melhoraram mas a aluna continuava fechada com raiva da mãe e muitas

saudades do pai. Às vezes durante o atendimento a mediadora telefonava para o pai da aluna, para

que esta falasse com ele e nesses momentos a Maria chorava, chorava, chorava.

A mediadora chamou o pai e a mãe em separado para perceber melhor a situação.

O pai muçulmano tinha uma nova esposa, a mãe nunca aceitou esta situação e resolveu separar-se, o

pai não queria separar-se e tinham muitos conflitos. Até que o pai acabou por sair de casa.

Maria chorava agarrada a barriga

Amigas: fala com a mediadora, ela é fixe…

Mediadora: então Maria o que se passa?….

Maria: nada, tenho muitas dores deve ser do período e ninguém na escola me dá um comprimido

para as dores…

Mediadora: pois Maria, de acordo com a legislação só se o encarregado de educação autorizar,

senão não te podem dar nada. O melhor seria irmos ao médico, eu ligo à mãe e peço autorização para

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ir contigo, estou a notar que estás com muitas dores.

Maria: não vale a pena chatear a minha mãe ela está a trabalhar eu tomo um chá e fico melhor.

A Maria tomou um chá e foi para as aulas.

À noite a mediadora ligou à Maria para saber como se estava a sentir, a Maria disse que estava

melhor.

No dia seguinte a Maria desmaiou nas aulas a ambulância levou-a para o hospital, o pai e a mãe

foram ter ao hospital e o diagnóstico foi: aborto.

O pai bateu na Maria e expulsou-a de casa, a Maria ligou à mediadora muito triste e a sofrer porque

o pai não gostava mais dela.

A mediadora chamou o pai e após uma leitura do livro sagrado do Corão, a mediadora tentou pedir

que o pai aceitasse a filha em casa novamente. A mãe da jovem aceitou a jovem e o pai acabou por

perdoar, embora não morasse na mesma casa ele continuava a ser o PAI.

A aluna ainda assim terminou o 9.º ano com sucesso e inscreveu-se numa escola profissional em curso

profissional numa área social.

Atualmente a mediadora sabe que a aluna está a ter sucesso no curso, a relação com a mãe está bem

e o pai continua a ser o seu herói…ah, a aluna tem um namorado e o pai conhece…o pai trabalha

atualmente na área da saúde…

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07. O CAMINHO DA MUDANÇA

Nome: Filipa Idade: 14Agregado familiar: mãe, irmã e avóMotivo de Sinalização: indisciplinaAno de Escolaridade: 7º ano

O telefone tocou a solicitar a presença da mediadora na sala

da diretora da escola.

A mediadora entrou na sala e em cima da mesa estava um processo muito robusto, com um grande

monte de folhas amarelas...as famosas participações disciplinares! Juntamente ao processo estavam

as medidas do Tribunal às quais a aluna estaria sujeita ao longo de 18 meses! Enfim, o prognóstico não

era bom. A aluna estava com muitas negativas, muitos problemas disciplinares, péssimo relacionamento

com os professores e uma grande revolta com mundo.

A pouco e pouco a aluna foi comparecendo por iniciativa própria às sessões... ao fim de 2 meses já

tinha subido os resultados escolares a algumas disciplinas, mas a mãe ficou desempregada porque a

avó teve um AVC e dependia totalmente de cuidados a tempo inteiro e o dinheiro para uma instituição

que prestasse esses cuidados era impossível! A impotência da aluna face às dificuldades da família

levaram-na à manifestação diária da sua revolta e as participações voltaram! Após conseguirmos

os apoios da segurança social e de banco alimentar para esta família a aluna voltou a acreditar que

afinal o mundo não estava contra ela e lentamente não só as notas melhoraram, como a sua atitude

transformou-se e esta chegou a ser convidada para a grande honra de ser conselheira da direção!

De 8 negativas conseguiu passar o ano com 1 negativa e 0 participações disciplinares nos últimos meses

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escolares. Desenvolveu autoconfiança, credibilidade nos adultos e outros em geral, e passados 2 anos,

continuando assiduamente as suas sessões conquistou o 9º ano e eis que dá a novidade à mediadora

de que quer ser psicóloga e ajudar as pessoas a encontrar soluções para os seus problemas para que,

tal como ela, possam encontrar um rumo e um caminho que as realize!

Em 2013/2014 a aluna frequenta um curso profissional de área de intervenção social e convicta do seu

rumo profissional como futura psicóloga!

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08. O MENINO QUE NÃO QUERIA APRENDER

Nome: JoãoIdade: 6 anosAgregado Familiar: mãeSinalização: dificuldades de aprendizagemAno escolar: 2º ano

O João é um menino que foi referenciado a um dos Gabinetes de Apoio

Psicológico por apresentar dificuldades de aprendizagem, no final

do ano letivo de 2012-2013, quando ainda frequentava o 1º ano.

Presentemente frequenta o 2º ano, no Concelho de Odivelas.

O João foi descrito pela sua professora do 1º ano como pouco produtivo, não revelando interesse por

nada nem ninguém. Segundo a mesma, o João não estabelecia relações com os seus pares, e parecia

viver “num mundo à parte”, “ficando largos minutos a olhar para o vazio”.

Após a primeira entrevista com a mãe, já quase no final do ano letivo, para além das dificuldades de

aprendizagem e de comportamento identificados no João, tornaram-se também evidentes problemas

emocionais graves, assim como patologia na dinâmica familiar, onde a negligência e o abuso

aconteciam com regularidade. O João é filho único, não foi uma criança desejada e muito menos

aceite pelo pai. A mãe sempre teve dificuldades em cuidar do João, fruto de uma depressão pós parto

grave. Quando o João entrou para o 1º ano o pai imigrou devido a dificuldades económicas. A mãe

está desempregada. As exigências da entrada para a escola, do filho, juntamente com a pressão de

ficar sozinha fizeram com que a mãe do João entrasse em desespero. A relação entre os dois, mãe e

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filho, é diariamente um pesadelo. A mãe sente-se incapaz de lidar com todas as exigências a que é

obrigada.

Na escola as queixas de um menino que não quer aprender são constantes. Uma vez que o João não

faz nada é convidado ou “forçado ” a sentar-se numa das últimas mesas da sala de aula. Rapidamente,

nos dias em que não faz nada para chamar a atenção é esquecido basicamente todo o dia, e passa

todo o dia sem produzir literalmente nada de visível.

Apesar de se recusar a fazer qualquer registo escrito, oralmente o João consegue responder às

questões, nomeadamente quando está em contexto individual com a psicóloga. Cognitivamente, e

depois de avaliado pelo GAP, esta é uma criança que tem boas capacidades de aprendizagem.

O fim do ano avizinha-se e o João transita por força da lei para o 2º ano. Em reunião com a mãe é-lhe

pedido para ir ao médico de família, para que esta a possa encaminhar a ela e ao filho para consultas

de psicologia durante o período de férias. Foi feita a articulação por parte do GAP com a médica de

família que concordou.

No início do 2º ano o João mudou de professora e de encarregado de educação. Segundo informações

recolhidas, o João não teve acompanhamento, uma vez que a mãe se mostrou incapaz para o fazer.

Tendo em conta a incapacidade da mãe para acompanhar a vida escolar do seu filho, e tal como lhe

tinha sido proposto no final do ano transato o irmão (tio do João) assumiu no presente ano letivo o papel

de E.E.

Numa articulação muito estreita entre psicóloga, nova professora titular e tio, o João sente que este ano

vale a pena investir na escola. Foi criada uma relação de confiança e de exigência que leva aos poucos

a uma reorganização emocional do João. Progressivamente tem desbloqueado algumas das suas

dificuldades graves na estrutura do seu pensamento. O João passou a estar sentado num dos lugares

da frente. O seu trabalho é monitorizado regularmente, não só pela professora, como pela colega do

lado, que é uma das melhores alunas da turma e que funciona como sua tutora e ainda pela psicóloga

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semanalmente.

Presentemente é notório um desejo imenso por agradar, a apatia, e o desinvestimento, foram

substituídos por “está bem” “já acabei”. O ar do João é mais saudável, não triste e deprimido como o

do ano passado.

Assim o João vai conquistando o seu terreno, já brinca com os outros, já tem amigos, e estes têm um

orgulho imenso em mostrar-me as conquistas que ele faz diariamente.

Têm sido trabalhadas estratégias entre a professora e a psicóloga de forma a garantir a sua motivação,

atenção e concentração. Grande parte das vezes a ligação e a relação que o João mantem com

as pessoas de referência diariamente tem sido o suficiente para manter os seus níveis de atenção

e concentração. Será importante referir que numa fase inicial, no ano transato, a mãe do João se

encontrava tão desesperada com o insucesso dele que via como única resposta a medicação.

A mãe está a ser acompanhada a nível psiquiátrico, psicológico e é monitorizada pelo irmão e cunhada.

Diariamente o João é acompanhado pelos tios, e aproximadamente de 3 em 3 semanas a professora,

tios e psicóloga reúnem-se para falarem dos progressos do aluno de forma a garantir o sucesso escolar

do mesmo.

O João consegue trabalhar como os outros, tem orgulho no que faz, já consegue ler, e escrever tem no

entanto um longo caminho pela frente, mas é bom saber que afinal o menino que não queria aprender

estava apenas adormecido.

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09. O MEU CÉREBRO JÁ NÃO FUNCIONA

Nome: JoãoIdade: 17 anosAgregado Familiar: mãe e irmão e irmãSinalização: absentismo escolarAno escolar 8.º ano

João: …o meu cérebro já não funciona!

Mediadora: porque é que dizes isso?

João: não consigo memorizar nada, não tenho paciência, não me apetece

ir às aulas, alem disso são todos umas crianças.

Mediadora: são todos umas crianças? hummmm, quantas vezes reprovaste e em que escola?

João: reprovei numa escola em Almada, depois os meus pais separaram-se e vim para Odivelas e

estou a repetir o 8.º pela terceira vez.

Mediadora: gostas de morar em Odivelas?

João: não, isto é tudo muito complicado.

Mediadora: não vais às aulas ok. Então onde estás no tempo das aulas?

João: por aí, com amigos!!!

Mediadora: amigos? e o que fazes?

João: nada de especial,

Mediadora: consomes bebida, fumas, ganzas...

João: sim, bebidas, cigarros e ganzas,

Mediadora: e a tua família o que diz?

João: a minha mãe sabe, e chateia-me a cabeça…

Mediadora: se consomes antes das aulas é normal que a noção de horários e responsabilidade não

se cumpra...

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João: eu controlo, eu vou ser capaz eu quero terminar o 9.º ano e fazer um curso profissional.

A mediadora entrevistou várias vezes a mãe em conjunto definiram algumas estratégias para apoiar

o jovem.

Passado uns meses...

João: …eu estou maluco, tenho alucinações e oiço vozes e as vezes não sei o que faço e como chego

a casa…

Mediadora: João então não estás a conseguir controlar... aceitas ajuda?…

João: sim

Mediadora: Ok então vamos ao médico de família e vamos pedir consulta de psiquiatria.

A mediadora pediu à mãe para marcar consulta médica e no dia da consulta o João não dormiu em

casa e não apareceu. A mãe do João ligou à mediadora e a mesma acompanhou a mãe à consulta.

Depois de relatada a situação a médica de família marcou nova data para consulta com o João. A

mediadora falou com o João e este foi à consulta.

A médica encaminhou o João para consulta psiquiatria em hospital e acompanhamento no Centro de

Saúde de Odivelas em serviço de psicologia.

Após avaliação psiquiátrica o João foi medicado com um diagnóstico de comportamentos esquizoides

agravado pelo consumo de drogas e álcool. A psicóloga do Centro de Saúde encaminhou o jovem para

comunidade terapêutica para tratamento dos consumos e desenvolvimento de um projeto de vida.

Devido ao custo do internamento foi solicitado apoio económico à segurança social. Após 6 meses o

pedido foi diferido e o jovem foi internado em comunidade terapêutica. Decorridos 15 dias o jovem quis

regressar a casa e atualmente é acompanhado no hospital e medicado, simultaneamente inscreveu-

se no Centro de Emprego para formação profissional.

A mãe diz que o jovem já toma a medicação, dorme melhor e está mais empenhado em terminar o 9º

Ano.

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10. APRENDER A VIVER DE ACORDO

COM AS POSSIBILIDADES…Nome: AndreiaIdade: 10Agregado Familiar: mãe e irmãSinalização: resultados escolaresAno de escolaridade: 5º Ano

Certa manhã, a meio do 2º período, estava eu sentada na sala dos professores,

quando um diretor de turma do 5º ano me chamou em surdina. De imediato

percebi que algo se passava com um dos seus alunos. Foi então que me

pediu que o acompanhasse à sala de receção aos pais, uma vez que lá se encontrava uma mãe,

encarregada de educação de uma das suas alunas.

Sem me explicar o que se passava, entramos na pequena sala, gelada e lá estava a mãe da Andreia

Silva, acompanhada pela filha mais nova, que corria em volta da mesa. Antes de a mãe dizer alguma

coisa, o diretor de turma apressou-se em fazer as apresentações e explicar o motivo da minha

presença.

Em jeito de repetição, pelo diálogo que a mãe da Andreia ia referindo, compreendi que já tinha havido

um desabafo anterior, antes mesmo de eu entrar naquela sala. A mãe demonstrava um ar bastante

preocupado e angustiado, foi então que me olhou nos olhos e me contou a sua história. O marido, pai

da Andreia e da pequena irmã mais nova tinha fugido para o seu país de origem, no imenso continente

africano. Pela descrição da mãe foram várias as dívidas acumuladas, ao longo dos tempos em que

estiveram em Portugal e via-se agora sozinha, com o ordenado penhorado e duas crianças menores

a seu cargo.

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Pediu-me ajuda em jeito de desespero, pois a Andreia era uma boa menina, nunca tinha chumbado

e feito o 1º ciclo com boas notas, no entanto esta situação do pai veio em tudo alterar a rotina familiar

daquela família. A mãe mencionou por diversas vezes que o seu ordenado se encontrava penhorado e

que teve de arranjar mais um emprego para ir pagando as dívidas que o seu marido lhe deixara, mas

também para conseguir alimentar as duas filhas.

Mencionou a preocupação com o comportamento da Andreia, pois tornara-se mais “refilona” e

“respondona” e com falta de reconhecimento de autoridade da mãe. Questionei a mãe no sentido

de tentar perceber se tinha conversado com a Andreia a explicar-lhe a situação. A mãe acenou que

sim, afirmando que não tinham dinheiro para pagar a ama da filha mais nova, nem para a maior das

alegrias das suas filhas: ir uma vez por mês ao MacDonald´s e ao cinema.

No decorrer daquela conversa falou ainda do aproveitamento da Andreia, que no 1º período tinha sido

bom, mas que, com toda esta situação a Andreia tinha tido uma grande quebra no seu aproveitamento

escolar, tendo tido negativa em quase todos os testes do 2º período.

Em jeito de término da conversa, tranquilizei a mãe, dando-lhe algumas palavras de conforto e que a

Andreia passaria a ser acompanhada pelo projeto Sei. A mãe ficou mais calma e pediu-me por tudo

que falasse com a filha.

O primeiro encontro que tive com a Andreia foi bastante gratificante, de pele escura e a cabeça repleta

de trancinhas, tinha um ar genuíno e uma voz muito calma, percebi de imediato que era uma menina

doce e meiga.

A Andreia tinha 10 anos e frequentava o 5º Ano, em tempos e com alguma tristeza segredou-me que

“eu andava na patinagem, mas a mãe agora já não tem dinheiro”.

Após algumas sessões individuais, a Andreia deixou de culpar a mãe e recuperou o seu rendimento

escolar. Elaboramos planos de estudo e definimos estratégias e metas para recuperar as notas dos

primeiros testes do 2º período. Não foi difícil trazer a Andreia à razão, percebi que o deixar de ir uma

vez por mês ao MacDonald´s, que ela e a irmã tanto gostavam ainda continuava a ser um dilema,

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mas após várias conversas a Andreia foi percebendo que a mãe não tinha como satisfazer aquele seu

desejo.

A Andreia conseguiu recuperar algumas notas no final do 2º período, tendo apenas duas negativas, a

matemática e inglês. Dizia sempre que queria ir para a faculdade e que o seu sonho era ser cantora.

No decorrer do 3º período via a Andreia mais bem-disposta, confiante e entusiasmada, sempre

bastante cumpridora dos nossos planos de estudo, acabando por me confidenciar que se aproximava

o grande dia.

“Sabe professora está a chegar o dia da minha primeira comunhão”. (Professora, era assim que a

Andreia me chamava). Foi assim que no final do 3º período a Andreia me veio mostrar as fotografias

da sua primeira comunhão e que tinha passado de ano, apenas com uma negativa, a matemática.

Apesar da relação mediadora – aluna, a relação de amizade que se estabeleceu foi fulcral para o

sucesso desta aluna.

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REFLEXÕESAntes de finalizarmos deixamos-vos com algumas reflexões e testemunhos da nossa equipa perante

o trabalho no terreno, com alunos, famílias e comunidade educativa.

Esperamos que com este trabalho tenhamos conseguido transmitir que aquilo que nos move também

são as emoções.

São exemplos de

histórias de vida, vida como

todas as outras com um caminho,

um processo de aprendizagem e com

desafios constantes. Este trabalho de sucesso

escolar e bem-estar psicossocial é um trabalho

essencialmente em rede. Numa escola sem rede

não se consegue mudar comportamentos. Os

professores têm que ser nossos aliados

assim como a família, só assim o

resultado poderá ser efetivo.

Este trabalho é mais

que um trabalho, não dá para ser

um trabalho das 9.00h às 17.30h, ele mexe

com vida humana, com pessoas onde todos os

dias tentas dar o melhor de ti como ser humano.

Um processo sofrido, com dores, frustrações e muitas

vezes sem saber por onde ir, querer desistir...acordar

e querer fazer melhor, mas acima de tudo um trabalho

que nos ajuda a crescer e evoluir como seres humanos,

um desafio constante, um nunca saber como termina,

mas também alegrias e uma sensação de “ dever

cumprido”. Aqui neste concelho, nas nossas

escolas aprendemos também

a ser mais pessoa.

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Em cada caso em

que os Gabinetes de Apoio

Psicológico (GAP) atuam, podem surgir

intervenções diferentes de acordo com as

possibilidades que nos são dadas. Por vezes não

temos o sucesso que desejaríamos. Temos e vamos

sempre ajustando a nossa intervenção de acordo

com as hipóteses e os problemas que vão surgindo.

Por vezes os alunos são sinalizados aos GAP por

uma determinada queixa, mas depois, com o

desenrolar do caso vêm ao de cima muitas

outras situações e complicações.Enquanto

mediadora escolar deste projeto

posso assegurar que é impossível ficar

indiferente à história de vida pessoal, familiar

e escolar destes alunos. Contudo, a atenção a

alguns casos e iniciativas leva-me a ser otimista e

a reconhecer que há um manancial de experiências

positivas e de saberes de carácter pedagógico que

é possível divulgar e pôr em prática no sentido de

atender à especificidade destas crianças. Leva-me,

ainda, a pensar que, num plano mais geral, a

ação desenvolvida pelo projeto Sei contribui,

sem dúvida, para a construção de

um mundo melhor.

Senão

por outros motivos,

pela compensação profissional

e emocional de presenciar e intervir

no processo de crescimento destes

jovens. É um honra poder lutar

e trabalhar por estes objetivos.

Trabalhar com

adolescentes é um desafio

constante, pois leva-nos a

confrontarmo-nos com as partes

adolescentes que existem dentro de

nós, a procurar compreendermos

outras perspetivas, a partir do olhar

do outro e só assim podemos

progredir.

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Projeto SEI! OdivelasRua Fernão Lopes (Junto aos Paços do Concelho - Quinta da Memória)2675-348 Odivelas T. 219 320 359