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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56905206 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Angela Lúcia Ferreira de Araújo, Anna Rachel Baracho Eduardo, Ana Caroline Dantas de Carvalho Lopes Geografias e topografias médicas: os primeiros estudos ambientais da cidade concreta Investigaciones Geográficas (Mx), núm. 52, diciembre, 2003, pp. 83-98, Instituto de Geografía México Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Investigaciones Geográficas (Mx), ISSN (Versão impressa): 0188-4611 [email protected] Instituto de Geografía México www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: Redalyc.Geografias e topografias médicas: os primeiros ... · cidade de Natal (região nordeste do Brasil) no contexto dessas análises, destacando a Topographia de Natal e sua Geographia

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56905206

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Angela Lúcia Ferreira de Araújo, Anna Rachel Baracho Eduardo, Ana Caroline Dantas de Carvalho Lopes

Geografias e topografias médicas: os primeiros estudos ambientais da cidade concreta

Investigaciones Geográficas (Mx), núm. 52, diciembre, 2003, pp. 83-98,

Instituto de Geografía

México

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Investigaciones Geográficas (Mx),

ISSN (Versão impressa): 0188-4611

[email protected]

Instituto de Geografía

México

www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Investigaciones Geográficas, Boletín del Instituto de Geografía, UNAMNo. 52, 2003, pp. 83-98

Geografias e topografias médicas: os primeirosestudos ambientais da cidade concreta

Angela Lúcia de A raú jo Ferre i ra* Recibido: 21 de enero de 2003Anna Rachel Baracho Eduardo** Aceptado en versión final: 17 de julio de 2003

Ana Caroline de Carvalho Lopes Dantas***

Resumo. O meio natural e os condicionantes geográficos fundamentaram o pensamento higienista e orientarammédicos, do século XVIII ao início do século XX, no estudo e diagnóstico do espaço urbano. Tais idéias foramsistematizadas em tratados conhecidos como Geografias e Topografias Médicas, que, difundidos pelo mundo,culminaram em descrições precisas do território das cidades, espacializando as doenças e identificando suanatureza, sua evolução e seu tratamento. Este trabalho, além de retomar a origem desses tratados, considerando-oscomo um dos primeiros estudos "geográficos" do espaço urbano, busca inserir o Brasil e, mais especificamente, acidade de Natal (região nordeste do Brasil) no contexto dessas análises, destacando a Topographia de Natal e suaGeographia Médica elaborada pelo médico Januário Cicco em 1920.

Palavras-chave: Geografia médica, topografia médica, higienismo, natal, Brasil.

Resumen. El medio natural y los condicionantes geográficos fundamentaron el pensamiento higienista y dirigieronmédicos, del siglo XVIII al inicio del siglo XX, en el estudio y diagnóstico del espacio regional y urbano. Tales ideasfueron sistematizadas en tratados conocidos como Geografías y Topografías Médicas, que, difundidos por el mundo,culminaron en descripciones precisas del territorio de las ciudades, espacializando las enfermedades y identificandosu naturaleza, evolución y tratamiento. Este trabajo, además de recuperar el origen de esos tratados y apuntarloscomo uno de los primeros estudios "geográficos" del espacio urbano, busca insertar a Brasil y, de forma específica,a la ciudad de Natal (región nordeste de Brasil) en el contexto de esos análisis destacando a Topographia de Natal esua Geographia Médica, elaborada por el médico Januário Cicco en 1920.

Palabras clave: Geografía médica, topografía médica, higienismo, Natal, Brasil.

Medical Geography and Topography Works: the firstenvironmental studies in a specific cityAbstract. The natural environment and the geographical circumstances set the basis for the development of anhygiene-oriented thinking and led physicians to investigate and diagnose the regional and urban space between theeighteenth and twentieth centuries. These ideas were systematically compiled in works known as Medical Geographyand Topography Works which, when known throughout the world, ended up becoming precise descriptions of thecities' territory, providing a spatial account of diseases and identifying their nature, evolution and treatment. Besidesrecovering the origin of these treaties and stressing their importance as amongst the first "geographical" investigationsof urban space, this work aims to include Brazil, and specifically the city of Natal (in northeast Brazil) within the contextof these analyses, with special emphasis on the work entitled Topography of Natal and its Medical Geographyauthored by doctor Januário Cicco in 1920.

Key words: Medical Geography, Medical Topography, hygienism, Natal, Brazil.

INTRODUÇÃO

O reconhecimento das condições ambien-tais, urbanas, bem como, socioeconômicasde um dado lugar como fatores determi-nantes ou disseminadores de enfermidades

é cada vez mais corrente nos estudos einvestigações médicas atuais, em distintasregiões do Brasil e do mundo. Algumaspesquisas evidenciam, de forma setorizada,a ocorrência ou agravamento de certasdoenças, como também, a qualidade de vi-

*Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFRN. Natal-RN, Brasil. Fax: 55-84-215-3776.E-mail: [email protected]**Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - EESC/USP, São Carlos-SP, Brasil. E-mail: [email protected]***Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFRN. Natal-RN, Brasil. E-mail: [email protected]

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da da população, usando como recurso Sis-temas de Informações Geográficas (SIG)que possibilitam a visualização sócio-ambiental de um determinado espaço geo-gráfico, permitindo a sua descrição, análisee distribuição espacial da enfermidade(Chiesa et al., 2002). A relação cidade-saúde coletiva, ambientalismo e, sobretudo,medicina e geografia, no entanto, não temorigem na contemporaneidade; transcendeséculos.

Estudos como os de Carlos Lacaz (1972),Mumford (1982), Luis Urteaga (1980),Clarence Glacken (1996), Maria Costa(1997) e Anthony Dzik (2002) mostram quea origem do ideário higienista, da preocupa-ção com os condicionantes ambientais e desua vinculação com a qualidade de vida nascidades têm suas raízes nas teorias desen-volvidas por Hipócrates no século V a.C,sobretudo a partir de sua mais citada obraDos ares, das águas e dos lugares. Omédico inglês Thomas Syndenham é apon-tado como o sistematizador dos preceitoshipocráticos para a Era Moderna, suscitandoa existência, no século XVII, de uma relaçãoentre o meio natural e certas patologias(Urteaga, 1980:9). O higienismo -"... unacorriente de pensamiento desarrollada desdefinales del siglo XVIII, animada principal-mente por médicos" (Urteaga, 1980:5)-, ostratados médicos e a conseqüente análisedo ambiente construído como propagador dedoenças firmam-se, desse modo, como para-digmas das intervenções de (re)estruturaçãodas cidades nos séculos ulteriores.

Ao relacionar as questões ambientais àsaúde das comunidades, as idéias de Hipó-crates representam a base dos princípiosdo mundo moderno em relação ao meioambiente. Foram esses princípios que orien-taram os higienistas do século XVIII ao iníciodo século XX e que justificaram as mudan-ças, tanto na estrutura física dos espaços dacidade como nas habitações e nos costumesdos indivíduos. Esse célebre tratado hipo-

crático, para Glacken (1996:106) constitui-secomo "el primer tratado sistemático sobre Iasinfluencias del médio en Ia cultura humana",apontando relevantes contribuições paraa história da medicina, da geografia e daantropologia.1

A correta orientação dos prédios e das ruasa fim de controlar a insolação de verão epermitir a penetração dos ventos, assimcomo a procura por fontes de água pura e aeliminação de ambientes pantanosos e insa-lubres, foram alguns dos preceitos ampla-mente adotados e difundidos a partir da teo-ria de Hipócrates. A saúde da população eos próprios problemas sanitários do lugareram avaliados a partir das condiçõesde vida da população (o trabalho, o tipo dealimentação, as condições de moradia, entreoutros), da análise do meio natural e doambiente construído -situando o paciente nolugar em que ele vivia. Atribui-se também àteoria de Hipócrates a compreensão daimportância do consumo da água pura, tantopara a ingestão quanto para os banhos. Ainfluência dessas idéias tornou-se evidentecom o surgimento dos sistemas de abasteci-mento d'água das cidades, dos aquedutos edos balneários especializados em todos ostipos de banhos.2

Dentre os estudos elaborados com ointuito de diagnosticar e "curar" as cidadesdestacam-se as Geografias e TopografiasMédicas, surgidas ainda no século XVIII, quese consolidaram como importantes instru-mentos de análise e observação do espaçourbano e regional. Assim, o presente tra-balho é uma tentativa de sistematizar atrajetória destes tratados médicos que deramorigem às primeiras análises "geográficas"do meio urbano, e, principalmente, de intro-duzir a cidade de Natal/ Brasil no conjuntodesses estudos, a partir da investigação desua topografia e geografia médica, realizadapelo médico Januário Cicco em 1920. A pes-quisa visa, ainda, contribuir para a ampliaçãoda discussão sobre a origem dos estudos

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ambientais fundamentando, assim, o embateatual sobre a cidade.

Constituíram-se fontes primárias para esteestudo, jornais oficiais e não-oficiais, Mensa-gens de Governo, Relatórios de Repartiçõesde Higiene e tratados médicos, dentre osquais, mais especificadamente, Geografias eTopografias médicas elaboradas no Brasil.Como fontes secundárias, foram utilizadosperiódicos médicos, teses de doutoramentoda Faculdade de Medicina da Bahia, livros etrabalhos de autoria do médico JanuárioCicco, bem como trabalhos anteriores de-senvolvidos pelo grupo de pesquisa. Váriasforam as instituições brasileiras (arquivos,bibliotecas e faculdades) consultadas no le-vantamento de dados: Faculdade de Higienee Saúde Pública, Faculdade de Medicina,Escola Paulista de Medicina e Arquivo doEstado, em São Paulo; Biblioteca Nacionale Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro;Faculdade de Medicina, na Bahia; e Arquivodo Estado e Instituto Histórico e Geográfico,no Rio Grande do Norte.

O trabalho inicialmente discorre sobre aorigem, a conceituação, as influências teóri-cas e o desenvolvimento das Geografias eTopografias Médicas em algumas regiões domundo; em um segundo momento, aborda atrajetória desses estudos no Brasil, seguidade uma análise da topografia e geografiamédica datada de 1920 para a cidade deNatal. Por fim, aponta algumas conside-rações acerca da importância e atualidadedesses estudos que muito contribuem para aanálise do espaço urbano.

Geografias e Topografias médicas:algumas considerações

A Geografia médica, para Carlos Lacaz(1972:1) "é a disciplina que estuda a geo-grafia das doenças, isto é, a patologia à luzdos conhecimentos geográficos". Tambémchamada de Patologia geográfica, Geopato-logia ou Medicina geográfica, é considerada

ainda como um ramo da Geografia humanaao estudar o homem em suas relações como meio, utilizando-se, para tanto, de algunsconceitos e descobertas de outras discipli-nas correlatas como a Antropologia, a Etno-grafia, a Estatisica, a Demografia, a Arqueo-logia e a História. Para Luis Urteaga(1980:24), a geografia médica consiste na"... ciência que estudia Ias relaciones exis-tentes entre el médio físico y social y elestado de salud de Ia población", conside-rando as enfermedades fortemente determi-nadas pelo clima e pelo meio local. JáAnthony Dzik (2002:250) a define como "umsub-campo da geografia que lida princi-palmente com os padrões espaciais dasepidemias", ressaltando a estreita relaçãocom a epidemiologia.

Apesar dos autores divergirem em relaçãoà origem e ao primeiro uso do termo, sãounânimes em aceitar a influência das teoriashipocráticas como base "paradigmática" oureferência fundamental para elaboraçãodesses trabalhos. Lacaz (1972) cita comoimportantes obras que marcaram o períodopré-pausteriano as publicações "Essai deGéographieMédicale" de Bourdin, em 1843e, principalmente, "Handbook of Geogra-phical and Historical Pathology do professorde medicina, em Berlim, Augusto Hirsch, pu-blicada em inglês no ano de 1883. Todavia,atribui ao médico alemão Leonhard LudwigFinke a publicação do primeiro tratado cientí-fico de Geografia Médica "Versuch einerallgemeinem medicinish-praktischenGeographie/ Attempt at a General Medical-Pratical Geography", ainda no século XVIII,entre 1792 e 1795 -afirmação defendida,aliás, a partir dos estudos de Hirsch. Dzik(2002:250) reafirma essa hipótese destacan-do um trecho da obra de Finke: "... quandose lida com um país atrás do outro ...posição ... solo..., peculiaridades do ar, daágua... modos de vida... desde que tenhamqualquer coisa a ver com saúde e doença ...um trabalho dessa natureza merece serchamado geografia médica".

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No entanto, o recente trabalho de FrankBarret (2002), ressaltando a contribuiçãofrancesa no desenvolvimento das geografiasmédicas, vem contestar essa afirmação tãoamplamente divulgada pela historiografia.Atribui ao físico francês Dehorne o primeirouso do termo em artigo publicado no Journalde médicine militaire no ano de 1782: "seriaum dia reunido (s) para formar geografiamédica para toda a França que seria damaior utilidade para o tratamento de doen-ças" (Dehorne apud Barret, 2002:s/p). Men-ciona outras referências francesas como ado médico Jean-Noel Hallé na EncyclopédieMéthodique (1787,1792) e a de Julien Vireyno ano de 1817 no Dictionnarie des Scien-ces Médicales, anteriores, portanto, aos es-critos do alemão. Maria Clelia L. Costa(1997:154) indica o médico francês Vicqd'Azur como o idealizador dessas topogra-fias "onde se destacam as descrições vol-tadas para a área urbana". Ao discorrersobre a tradição geográfica na medicinaespanhola, Urteaga (1980:14) destaca aTopografia médica de Alcira y de los Riberosdel Xucar, elaborada por F. Llansol em1797, identificando os estudos realizados naEspanha como herdeiros de trabalhosanteriormente desenvolvidos na Inglaterra ena França.

Em todas as codificações ou denominações,é clara a interligação dos conhecimentosgeográficos e médicos, bem como a impor-tância do meio geográfico no aparecimento edistribuição de determinadas doenças. Pormeio de descrições precisas do território dascidades, buscou-se espacializar as doençasidentificando sua natureza, evolução e trata-mento. A noção de clima também se faziamuito presente nestes estudos, pois se acre-ditava na influência quanto à alteraçãoda feição genérica da patologia, dando-acaracterísticas regionais e distintas, comopode ser visto nos dizeres do médico LuisCuervo Márquez quando da elaboração daGeografia Médica y Patologia de Colômbia(Figura 1). Tan variados climas modifican Ias

enfermedades que en ellos se desarrollan óproducen otras que les son peculiares: talesIa fiebre amarilla, el coto, el carate, que solose encuentran en regiones determinadas, yIa fiebre tifoidea o Ia neumonía, por ejemplo,cuya evolución no es igual en un clima tórri-do ó en un clima frío (Márquez, 1916:4).

Por meio da correlação de fatores naturaiscom a saúde da população, esses estudosmédicos englobavam aspectos amplamenteestudados pela geografia física como aselevações e as depressões da superfície daterra, a hidrologia, a atmosfera e os movi-mentos da população (índices de nasci-mento, mortalidade, migração, etc; Urteaga,1980:24). Eram registrados desde dados detemperatura, pluviometria e direção dos ven-tos, aos hábitos e costumes de seus habitan-tes (Costa, 1997), acabando por perfazernão apenas aspectos físicos da estruturaurbana, como também, sociais, ao estudara qualidade de vida na cidade, no local demoradia, de trabalho e destacando temascomo prostituição, alcoolismo, pauperismo,entre outros.

Lacaz (1972) acrescenta que, ao se estudaruma doença à luz da Geografia médicadevem ser considerados além dos já citadosfatores geográficos, físicos, humanos ou so-ciais (como distribuição e densidade de po-pulação, padrão de vida, costumes religiosose superstições, meios de comunicação), osfatores biológicos (vidas vegetal e animal,parasitismo humano e animal, doenças pre-dominantes, grupo sanguíneo da popula-ção, entre outros). Assim, tais fatores con-tribuiriam para a formação de quadros ca-racterísticos de regiões, como também sub-sidiariam na escala urbana, uma descriçãoda cidade concreta.3

Algumas "doutrinas científicas", elaboradaspor médicos, constituíram-se como a baseteórica das topografias, dentre as quais sedestacam a teoria dos meios4 e a teoriamiasmática5.

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Figura 1. Capa de Geografia Médica y Patologiade Colombia, de Luis Cuervo Márquez

(Fonte: Márquez, 1915).

Por outro lado, as precárias condições devida da população pós-Revolução Industrial,a pobreza, o excesso de trabalho e a faltade salubridade das cidades originaram umaoutra corrente de pensamento que coexistiu,no meio médico, com a teoria miasmática. Omédico J. P. Frank publicou, em 1790, umfolheto -La miseria del pueblo, madre deenfermedades- no qual identificava adoença como um fenômeno social, dandoorigem assim, ao que Urteaga (1980)denominou de teoria social de Ia enferme-dad. Essas teorias, além de apontarem -pormeio das geografias e topografias médicas-uma série de focos infecciosos e algumas"disfunções urbanas" que justificaram asintervenções nas cidades, contribuíram paraa compreensão do espaço não somente

urbano como regional6.

Na Espanha, segundo Urteaga (1980:18), arealização desses estudos pautou-se, desdea metade do século XVIII, na emergência deuma "política da saúde", impulsionada pelosEstados absolutistas e instrumentalizada pormeio de Sociedades científicas, como a Aca-demia de Medicina, e novas demandas so-ciais que evidenciavam o impacto e as con-seqüências de enfermidades epidêmicas.Aponta ainda que a elaboração das topo-grafias médicas foi, em grande medida, umatarefa institucional, apoiada e promovida pordiversas corporações médicas. Tais institui-ções passaram a organizar e publicar "pro-gramas" e "planos" para redação das topo-grafias. Tratava-se de um esquema geral-que poderia ser complementado medianteobservações de campo realizadas por cadamédico na localidade considerada para oestudo- que contemplava os seguintesitens:

1. Introdução histórica do local; 2. Estudo dageografia física da área (relevo, clima,vegetação); 3. Descrição econômico-social(produção agrária, situação econômica,comércio, profissões, festas, vestimentas) edescrição do meio urbano com seção dedi-cada à higiene urbana (situação das mora-dias, abastecimento d'água, descrição deedifícios anti-higiênicos, elaboração de plan-tas da cidade); 4. demografia (estatísticas danatalidade, mortalidade e nupcialidade) e,por fim, 5. situação patológica (enfermidadesmais comuns e as possíveis medidas tera-pêuticas; Urteaga, 1980).

A teoria miasmática só passou a ser con-testada a partir da teoria microbiana dePasteur, para a qual a propagação dasdoenças se dava por via invisível e as suascausas tornavam-se mais precisas e identi-ficáveis a partir do micróbio -independentedo odor e observável através de instru-mentos apropriados (Franco, 1997:78).

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A partir de então, imprime-se um novo con-ceito às pesquisas médicas, comprovando afalta de "credibilidade científica" da teoriamiasmática; no entanto, o ideário higienista eo saber médico -ancorados na relação meioambiente-saúde da população-, renovadospelas então recentes descobertas, continua-ram a influenciar as inúmeras intervençõesna cidade, muitas vezes concretizadas poroutros profissionais, durante o final do séculoXIX e primeiras décadas do século XX.

Apesar do papel do meio físico no deter-minismo das doenças ficar relegado a umplano secundário a partir da nova medicinado final do século XIX, continuou a severificar ainda no início do século XX arealização de Geografias e Topografias mé-dicas em várias partes do mundo, inclusiveno Brasil. A influência do meio e sua relaçãocom a saúde coletiva, como dito anterior-mente, revive hoje em dia em estudos quepodem ser considerados uma (re) leiturados antigos tratados médicos. SegundoLacaz (1972:2) aborda-se nesses estudos"as peculiaridades regionais de numerosasdoenças, sua distribuição e prevalência nasuperfície da Terra e as modificações quenelas possam advir por influência dos maisvariados fatores geográficos e humanos". Aseguir, tem-se uma primeira sistematizaçãoda ocorrência desses tratados em territóriobrasileiro, dando-se ênfase ao caso específi-co da cidade de Natal.

Uma breve trajetória de estudos médicossobre o Brasil

No Brasil, a obra do médico francês JoséFrancisco Xavier Sigaud Du climat et dêsMaladies du Brésil ou Statistique Médicalede cet Empire de 1844, é considerada porLacaz (1972) como o primeiro tratado bra-sileiro de Geografia Médica. Nomes comoo do zoólogo Johann Spix e do médiconaturalista Carl Friedrick Martius tambémsão citados pelo autor em função de seusestudos realizados entre os anos de 1817 a

1820 quando:

percorreram as províncias de SãoPaulo e Minas, chegando até os limi-tes de Goiás, visitando a Bahia, parteda província de Pernambuco, Piauí eMaranhão, subindo, por fim, o Amazo-nas. Estudando a flora e a fauna doBrasil, os famosos pesquisadores deMunique realizaram entre nós notáveltrabalho etnomédico. Preocuparam-setambém com o estudo das doenças denossos indígenas (Lacaz, 1972:10).

Destacam-se ainda as importantes atuaçõesde Carlos Chagas7 -grande estudioso daTropicologia médica e descobridor da tri-panossomíase americana -e do médicoRoquette-Pinto- professor de antropologiano Museu Nacional e célebre estudioso dosindígenas na América, sendo sua principalpublicação "Rondônia", de 1916, considera-da por Lacaz (1972:13) como uma "verda-deira obra de Geografia Médica" e como "umdos mais sólidos monumentos da culturabrasileira". Vale salientar que o pensamentohigienista, apesar de pouco influente, já vigo-rava no país no século XVIII embasado pelajá mencionada teoria miasmática. Os médi-cos, nesse momento, apontavam as possí-veis causas para a insalubridade da colônia,principalmente na cidade do Rio de Janeiro:

a ação prejudicial dos pântanos, queproduziam miasmas; das montanhasque circundavam a cidade que impediam a ação purificadora dos ventos;da proximidade do lençol d'água, quedificultava a drenagem das águas plu-viais e tornava o solo sempre úmido,da imundice das vias públicas, queinfeccionava o ar. (...) a direção erradadas ruas, a superpopulação das habi-tações, o costume de enterrar os mor-tos nas igrejas, a dieta inadequada,a ausência de exercícios físicos (...), aprostituição, etc. (Abreu, 1997:40-41).

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A influência do meio sobre a saúde dapopulação passou, no entanto, a ter maiorsustentabilidade no Brasil a partir do séculoXIX, com a transferência da corte portugue-sa para o Rio de Janeiro, em 1808. Omédico Manoel Vieira da Silva, então ffsico-mor do Reino, atento às ordens do PríncipeRegente que queria descobrir as causasdas freqüentes doenças, elaborou umestudo para a cidade do Rio de Janeiro(Abreu, 1997:41). As soluções apontadaspara melhorar as condições "climáticas" dacidade -consideradas as verdadeiras cau-sas das enfermidades- abrangiam, além dacondenação dos enterramentos nos templose o aterro dos pântanos (medidas já indica-das no século anterior), "... a fundação deum lazareto destinado à quarentena dosescravos recém-chegados da África..." euma maior fiscalização sobre os gênerosalimentícios colocados à venda (Abreu,1997:41).

A Abolição da Escravatura em 1888 e, prin-cipalmente, a Proclamação da República em1889, configuraram, no Brasil, os primeirosindícios de mudança ou, como se dizia àépoca, de superação de sua estrutura colo-nial. Embora ainda contestadas por parte dahistoriografia corrente, quer seja no campopolítico, cultural ou social, por representaremmeras codificações ou "reinvenções" de anti-gos processos e arraigadas relações, nocampo da medicina, as mudanças ocorridasno século XIX instauraram um processo de"medicalização da sociedade" que consoli-dou o meio urbano e seus habitantes comoalvos de estudo e intervenção, como afirmaRoberto Machado (1978:156 -157):

[...] Tendo a saúde como fio condutorda análise da sociedade, a medicinaque se impôs desde o século XIX-esquadrinhando o espaço urbano, in-ventariando o positivo e o negativo, aspotencialidades e os recursos e pro-pondo um programa normalizador doindivíduo e da população- penetra em

tudo e inclusive no Estado.

A medicina se afirmou, então, como apoiocientífico necessário ao exercício do poderdo Estado. Necessária era também a criaçãode instituições de ensino médico que difun-dissem esse saber no Brasil e que, restau-rando a saúde da população, contribuiriam,sobremaneira, para a própria "prosperidade"do país e para superação da imagem con-siderada arcaica e pouco atrativa ao capitalestrangeiro. Nessa perspectiva, foram cria-das as primeiras instituições no ano de 1808:a "Escola Cirúrgica" da Bahia, no mêsde fevereiro, e a "Escola Cirúrgica" do Rio deJaneiro, em março. Em 1813, tais escolasforam reorganizadas, originando a Academiamédico-cirúrgica do Rio de Janeiro e, no anode 1815, a Academia médico-cirúrgica daBahia. No ano de 1832, consolidaram-se asFaculdades de Medicina nas duas já mencio-nadas cidades (Machado, 1978). Em 1850,foi instituída a Junta Central de Higiene que,visando combater as epidemias, passava aintervir nas cidades adotando normas dehigiene pública que se estendiam ao controlee disciplinamento da população, combatendohábitos e 'vícios' considerados antihigiênicos(Abreu, 1997). Cabe destacar que nas insti-tuições médicas, principalmente no início doséculo XX, a questão racial apresentava-se,também e muito freqüentemente, como cer-ne da discussão acerca da origem de deter-minadas doenças e de disfunções morais(tão comuns no Brasil) que opunham aoprojeto de "engrandecimento da nação".

A história dos estabelecimentos de ensinomédico no Brasil, brevemente traçada porLilia Schwarcz (2001), evidencia que a dis-cussão sobre a higiene pública mobilizavaboa parte das atenções até os anos 1880. Já

Nos anos 1890 será a vez da medicinalegal, com a nova figura do perito -queao lado da polícia explica a crimi-nalidade e determina a loucura-, paranos anos 1930 ceder lugar ao 'euge-

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nista', que passa a separar a popu-lação enferma da sã (Schwarcz,2001:190).

Conectada à noção de higiene, ainda nametade do século XIX, aparecia a idéia desaneamento evidenciando uma outra formade atuação no espaço, pelo menos do pontode vista teórico e acadêmico, como podeser visto a seguir:

caberia aos médicos sanitaristas aimplementação de grandes planos deatuação nos espaços públicos e pri-vados da nação, enquanto os higie-nistas seriam os responsáveis pelaspesquisas e pela atuação cotidianano combate às epidemias e às doen-ças que mais afligiam as populações.No entanto, essa divisão entre sani-taristas -responsáveis pelos grandesprojetos públicos -e hygienistas-vinculados diretamente às pesquisase à atuação médica mais individua-lizada- funcionou, muitas vezes, demaneira apenas teórica. Na prática,as duas formas de atuação apare-ceram de modo indiscriminado(Scwarchz, 2001:206).

Pode-se, dessa forma, considerar as Geo-grafias e Topografias médicas como notá-veis exemplos dessa junção de práticas umavez que apresentavam propostas concretasde modificação do espaço construído emfunção de pesquisas e levantamentos rea-lizados pelos próprios médicos. A "Geo-graphia e Topographia medica de Manaós"8

(Figura 2), de 1916, pode ser vista comoumas das mais completas obras de Geo-grafia Médica realizadas no Brasil. Tal obrafoi requisitada ao então médico chefe damunicipalidade Alfredo da Matta, pelo Super-intende Municipal de Manaus, com o objetivode apontar "a evolução das moléstias quemais commumente caracterisam a patho-logia local". Esse trabalho deveria aindamostrar quais as "medidas indispensáveis ao

saneamento do meio urbano e suburbano,salientando, principalmente, a acção que opoder publico deve exercitar no sentido decombater, com efficacia, as moléstias infec-tuosas" (Matta, 1916:10). O médico, em res-posta ao pedido oficial, alegou que abordariaoutros temas "indispensáveis para melhorêxito e cunho scientifico do trabalho", dis-correndo: "De facto, como estudar as doen-ças de Manáos, sem conhecer o meio, e deque modo a este precisar sem intervir nassuas condições metereologicas e topografialocal? Como estabelecer as relações demortalidade, por exemplo, desconhecendo omovimento de sua população?" (Matta,1916:11).

Encontra-se dividida em uma pequena intro-dução denominada "Razão da obra"; Capí-tulo I. "Noções summarias de Geogra-phia" (situação e descrição da cidade, natu-reza do solo, topografia, sistema de águas,fauna e flora; Capítulo II. "Noções de clima-tologia" (temperatura, chuvas, pressãoatmosférica, higrometria, ventos, luminosida-de, trovoadas, atmosfera, reparos à climato-logia de Manaus); Capítulo III. "Demographiaem geral" (Censo e Demo-grafia sanitária dacidade); Capítulo IV. "Notas para o serviçode Prophylaxia do Paludismo, da Lepra e daTuberculose"; e, finalizando, vários anexoscontendo planta da cidade, planta da redede esgotos, planta de igarapés, quadrosde observações pluvio-métricas, quadro deobservações termo-métricas, gráficos apon-tando índices de mortalidade em decorrênciade algumas doenças entre outros. Datado de1916 e, por-tanto, posterior às descobertaspasteurianas, evidencia que o meio conti-nuava, pelo menos no Brasil, a desem-penhar papel relevante no que concerne aosurgimento e desenvolvimento de doenças,embasando pesquisas científicas. Outro fatorimportante a ser destacado nesse trabalho éa influência que determinadas moléstias, ouapenas a ameaça de seu surgimento, de-sempenhavam na mudança ou disciplina-mento de hábitos locais:

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Geografias e topografias médicas: os primeiros estudos ambientais da cidade concreta

Figura 2. Capa de livro Geographia eTopographia Medica de Manáos, de Alfredo da

Matta (Fonte: Matta, 1916).

Bom é relembrar que os carapanansprego (mosquitos anophelinas) ata-cam de preferência o homem nocrepúsculo, muito longo aliás para oshabitantes do Amazonas, pois que ocrepúsculo anophelino não correspon-de ao nosso crepúsculo por se pro-longar até as 19 e 21 horas. Os pa-sseios e trabalhos nessas occasiõesse tornarão mais perigosos ainda,muito particularmente nos subúrbiosde Manáos (Matta, 1916:73).

Aos leprosos eram impostas as mais seve-ras ordens e proibições como a interdiçãodo casamento, separação dos filhos de paisleprosos e proibição no desempenho dequalquer profissão que requisitasse contato

com gêneros alimentícios. Mudanças tam-bém foram impressas no "corpo" da cidadee difundidas ao longo da Geografia Médica,como a drenagem e retificação de peque-nos rios, proteção das margens commuralhas até o nível da rua e plantio deárvores para absorção da umidade. Noâmbito das habitações era prevista a colo-cação de telas milimétricas nas aberturaspara impedir a passagem de mosquitos,bem como a adoção de portas denomina-das de "duplo tambor" do sistema OswaldoCruz (Matta, 1916).

Ao final de suas considerações, o médicoestimulou a prática da educação física eincentiva a vida ao ar livre, reivindicandopara as cidades brasileiras a construção degrandes jardins e parques para exercícios ejogos. A exemplo da Inglaterra, Alemanhae Estados Unidos defendia a "construcçãodas GARDEN CITIES" (Matta, 1916:91).

"Topographia Médica de Natal e suaGeographia Médica": a cidade de Natalsob a ótica médica de Januário Cicco

O médico Januário Cicco, de descendênciaitaliana, nasceu na cidade de São José deMipibu/RN, em 1881, formando-se, em1906, na mencionada Faculdade de Medi-cina da Bahia. Sua contribuição científicainclui a tese de doutoramento "Ligeirasconsiderações sobre o destino dos cada-veres perante a Higiene e a MedicinaLegal" -que defendia a cremação comomeio de higiene e profilaxia dos cemitérios-,entre outras publicações nas décadas de1920 e 1930, como "Notas de um médico deprovíncia", "Puericultura no ano 1999","Abrigo Padre João Maria" e os romances"Eutanásia" e "Herança Mórbida. Absorveu aemergência de um saber médico no paísque pregava a medicina como "Tutora dasociedade, saneadora da nacionalidade,senhora absoluta dos destinos e doporvir" (Schwarcz, 2001).

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A sua formação na consagrada e tradicionalFaculdade da Bahia (de forte influênciafrancesa) rendeu-lhe o convívio com pro-fissionais de várias partes do Brasil e domundo,9 além do acesso a artigos e pes-quisas com distintas abordagens temáticasque eram publicadas na Gazeta Médica daBahia -primeiro periódico médico brasileiro,cuja circulação inicial data de 1866. Entre ostemas centrais que compunham os artigos,no período de 1870 a 1930, registra-se asuperioridade numérica dos ensaios de "hy-giene publica" (36%)- apesar de não sertema central de pesquisas da faculdadebaiana -que compreendiam além da epi-demiologia, temas como saneamento,higienização, demografia e meteorologia(Schwarcz, 2001:204).

Essa produção pode ter influenciado direta-mente a carreira profissional de JanuárioCicco que em 1920, quando exercia o cargode Inspetor da Saúde do Porto, publicou olivro "Como se hygienizaria Natal", no qualfaz uma primeira descrição concreta doespaço urbano por meio da "TopographiaMédica de Natal e sua Geographia Médica".Deu-se ênfase, nesse estudo, a uma des-crição detalhada das regiões habitadas (in-cluindo número de edificações e seus usos,número de habitantes e características geo-gráficas do lugar), como também, à espacia-lização das principais enfermidades e indica-ção das possíveis causas e soluções -sendoo meio ambiente, a própria insalubridadeurbana e as precárias condições de habita-bilidade, sobretudo das camadas populares,os responsáveis pela origem das enfermida-des. Essa análise da cidade concretaconstituiu-se, portanto, como um dos primei-ros estudos geográficos de Natal no séculoXX.

O Estado, segundo Januário Cicco, possuíao dever de combater as questões sociais eambientais que favoreciam o contágio e adisseminação das doenças, enfatizando eimplantando programas de saúde coletiva. O

seu ideário, apesar de se fundamentar eincorporar a concepção científica com basena microbiologia e na concepção infecto-contagiosa da nova medicina, levava emconsideração o meio urbano como agentefavorecedor da propagação das doenças eepidemias. A água era entendida por elecomo o veículo de maior transmissibilidadedas enfermidades. Assim, enfatizou o com-bate à estagnação hídrica, quando apon-tava, em suas propostas, soluções para osproblemas causados pela insalubridadeurbana.

Ao descrever Natal, o higienista destacouas especificidades de cada área da cidade,considerando sua climatologia e topografia.Para tanto, não respeitava os limites oficiaisdos bairros instituídos pela Municipalidade edividia a cidade em áreas com base nacontigüidade dos focos e nas zonas aten-didas pelos "serviços de prophylaxia".Assim, discorria sobre a topografia e geo-grafia do lugar e os fatores que influencia-vam o seu estado sanitário, diagnosticandosuas enfermidades e propondo os "remé-dios" adequados. Concretizava, dessa for-ma, os objetivos das topografias médicas aoindicar "los lugares sanos y enfermos, Iaszonas en que es posible habitar y aquéllasque deben evitarse" (Urteaga, 1980:10).

A capital potiguar era, para Januário Cicco,a cidade mais saudável do Norte do Brasilem virtude da sua proximidade com ooceano, pela predominância e constânciade ventos "puros", incidência solar e per-meabilidade do solo. Reconhecia, no entan-to, que tais fatores eram incapazes deacabar com a insalubridade verificada emalgumas localidades da cidade. Em 1920, aárea urbana era, no seu estudo, dividida emCidade Alta (compreendendo-se os bairrosde Cidade Alta, Alecrim e Passo da Pátria)e Cidade Baixa (Ribeira e Rocas).

A Ribeira, apesar de plana na sua maiorparte, possuía um grande declive que

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gerava o acúmulo de água, especialmenteem épocas de inverno. Essa área, deno-minada de Lagoa do Jacob, mesmo consti-tuindo uma bacia de grandes dimensões,não comportava o volume de água vindo daCidade Alta. A falta de escoamento ori-ginado pela inexistência de galerias fez dalagoa um foco de doenças até no períodode verão (de estiagem). Essa área ribeirinhamerecia maiores cuidados também por seconsolidar como a porta de entrada de Natal"à civilização e à morte". O porto, que ofere-cia condições propícias para a dissemina-ção das doenças vindas de outras locali-dades do país e do exterior, deveria serfiscalizado constantemente.

O fato de o bairro ter sido edificado "... deNorte para Sul, em oposição às correntesdos ventos dominantes" e por possuir umtraçado urbano constituído por ruas estrei-tas e irregulares, favorecia, segundo o mé-dico, o seu estado de insalubridade (Cicco,1920:24). Como soluções, foram apontadasa terraplenagem da Lagoa do Jacob, aimpermeabilização dos pisos das edifica-ções, a retirada das vacarias, cocheiras eestábulos presentes no bairro e a cons-trução de fossas estanques, acabando,assim, com as escavações para depósito deexcrementos, a céu aberto, muitas vezesvisíveis nas ruas e avenidas.10

A descontinuidade das dunas presente naregião das Rocas e as depressões por elasformadas geravam um problema de acúmu-lo de água também nesse bairro operário.As precárias condições das habitações (emsua grande maioria de taipa) eram aponta-das como propagadoras de doenças. Por-tanto, algumas medidas foram indicadas porCicco para esses problemas: terraplenagemdirigindo o escoamento das águas para aplanície e reconduzindo-as pela drenagemao Rio Potengi; a construção, em cadahabitação de um tipo de fossa biológica esistematização da impermeabilização dospisos.

O bairro da Cidade Alta, apesar de seconstituir uma área abastada da cidade, écitado pelo médico como o foco inicial dasepidemias em Natal, devido à pequenadistância em relação ao Matadouro Público,ao forno de incineração de lixo e aoaglomerado de pobres denominado Passoda Pátria. Portanto, a retirada desses equi-pamentos do centro e a regulamentação daconstrução das habitações no povoado doPasso da Pátria foram algumas das solu-ções presentes no estudo.

O bairro do Alecrim -o mais populoso naépoca- possuía disfunções muito similaresàs verificadas nas Rocas, como a inexis-tência de um sistema de fossas apropriadoe o acúmulo e transbordamento de água emalgumas lagoas. As soluções, como nãopoderiam deixar de ser, também seguiamos princípios adotados nas demais áreas deproblemas semelhantes.

A fonte de abastecimento d'água da capitalpotiguar ficava em uma área intermediáriaentre a Cidade Alta e o Alecrim. Essa zona,denominada Baldo ou Bica, encontrava-sedisposta em um terreno pantanoso em cujasproximidades se situa-vam o matadouro e oforno de incineração de lixo -o que nãofavorecia a salubridade de suas águas.

O médico sugere em seu estudo a criaçãode uma galeria subterrânea para acondução da água das nascentes vizinhasaté o Oitizeiro- onde somente afloraria.Assim, seriam oferecidas boas condiçõespara o consumo saudável da água, porparte da população, como também setornava possível o aterramento do Baldo,eliminando mais um foco de doenças.

Os bairros de Petrópolis e Tirol, fruto deuma intervenção urbanística ocorrida em1904, eram considerados, na Topografia, ospontos mais saudáveis de Natal, não apre-sentando patologias consideráveis em suaslocalidades (Figura 3). As avenidas largas, o

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solo arenoso e a disposição das ruas aosventos dominantes, são alguns dos aspec-tos que o médico julgou como responsáveispelas boas condições de salubridade dasduas áreas, confirmando, assim, a dicoto-mia entre a cidade "antiga" e a cidade pla-nejada dentro dos princípios higienistas.Apesar de indicadas algumas soluçõespontuais, Januário Cicco concluiu enfati-zando, como imprescindível, a construçãode uma rede de esgoto, alegando que esseserviço tornava-se indispensável para umaregião constituída por uma população maiorque dois mil habitantes, como pode ser vistoa seguir:

Outras medidas de maior alcancesanitário e removíveis só pela rede deesgotos da capital pedem a interven-ção dos governos, reclamam o nossoempenho, apelam para o nosso pa-triotismo, exigem mesmo o nosso sa-crificio, desafiam os nossos créditosde gente civilizada, cuja culturase mede também pelas condições devida de que nos cercamos (Cicco,1920:39).

Natal, segundo o Anuário Estatístico do Bra-sil (Instituto, 1936:46), possuía, em 1920,uma população de 30 696 habitantes, o quejustificava a eloqüência das palavras do mé-dico, clamando por uma solução urgente eextremamente necessária ao bem-estar e àsalubridade da cidade.

Essa descrição, apesar de se tratar deum estudo médico, evidencia uma análisegeográfica e ambiental da cidade, em seucontexto sócio-espacial, que apontava solu-ções para a insalubridade de Natal.

As propostas de Januário Cicco foramretomadas e efetivadas posteriormente, no"Plano Geral de Obras de Saneamento deNatal", elaborado em 1924 pelo engenheiroHenrique de Novaes, e no "Plano Geral de

Obras", do Escritório Saturnino de Brito,datado de 1935, que acabaram por intro-duzir as redes de água e de esgotos dacidade.

Figura 3. Mapa de Natal da década de 1920,com espacialização das epidemias (elaboração

com base em Cicco, 1920).

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"Corpo enfermo" e cidade saudável, doisparadigmas para uma mesma questão:considerações finais

A insalubridade urbana e as conseqüentesepidemias determinaram, em fins do séculoXIX e primeiras décadas do século XX, aanálise da cidade enquanto um "corpoenfermo", onde os médicos tornaram-se osresponsáveis por sua cura.

No entanto, os médicos europeus, sobretudoa partir do século XVIII, já fixavam suasinvestigações na influência do meio ambien-te e do contexto social no processo patoló-gico, tomando desde então, o espaço e omeio geográfico como objeto de estudo.Evidenciou-se, nesse momento, um novopensamento e novas atitudes da sociedadee das autoridades públicas e sanitáriasfrente ao fenômeno das enfermidades.Registra-se uma preocupação, sob forteinfluência do ideário positivista, quanto àpreservação do "corpo social", onde a saúdecoletiva torna-se ponto central das políticaspúblicas e das práticas médicas (Urteaga,1980). Desenvolveram-se medidas de salu-bridade e controle, e principalmente, estu-dos visando à implantação de estratégias deprevenção às epidemias.

As geografias e topografias médicas, aodescrever o espaço urbano, divulgaram in-formações sobre os perigos que ameaçamesse "corpo social". Representavam, assim,a materialização de um tipo de reflexãomédico-higienista que buscava identificar osfatores responsáveis pela insalubridade dascidades, associando a origem e a evoluçãodas enfermidades aos aspectos ambientaise sociais do lugar. Ao indicar espaços sãose enfermos, onde se deveria morar ou evi-tar, acreditava-se que as variáveis meteoro-lógicas e climáticas de uma área poderiamrelacionar-se com "Ias 'fiebres1 del lugar, yel 'temperamento' de sus habitantes, possi-bilitando así una acción terapéutica efi-caz" (Urteaga, 1980:10).

Ao responder a uma preocupação dospoderes públicos, tornaram-se, também,importantes para o estudo e história da geo-grafia, pois acabaram por descrever o am-biente urbano, a partir das variáveis ambien-tais e espaciais do meio, e apresentandodados sobre a população local. Os higie-nistas antecipam, dessa forma, estudos queposteriormente viriam a ser desenvolvidospor ecólogos e geógrafos, como bem enfati-za Urteaga (1980:38):

Desde Ia perspectiva de Ia cienciageográfica, el paradigma de Ias topo-grafias médicas representa una impor-tante aportación de estudios empíricosde tipo regional, anterior a los impulsa-dos por Ia comunidad de geógrafos y,en el plano teórico, uno de los prime-ros intentos de análisis del complejode interrelaciones que median entre elhombre y el ambiente ecológico enque se desenvuelve.

Com base nesse novo modelo, htensificaram-se, no Brasil, principalmente em fins doséculo XIX, estudos médico-científicos epolíticas de higienização das cidades, dashabitações e dos próprios indivíduos. Com avirada do século, às idéias de higiene foramincorporadas teorias da nova medicina, e asdescobertas técnicas muito reafirmaram e sedirigiram para uma prática sanitária maisenfática nas cidades brasileiras. Os parâme-tros miasmáticos vão dar lugar a uma in-terpretação mais sistemática e fundamenta-da nos estudos da população e de suas con-dições de habitabilidade.

Essa nova visão foi, como dito, transportadapara Natal no início do século XX e sinte-tizada pelo médico Januário Cicco, que apartir da observância do ambiente cons-truído, ou seja, a partir da cidade real,propôs ações de modificação do meiourbano, ressaltando a introdução de servi-ços, por parte do poder público. Destaca-seainda que esse estudo inovou pelo uso de

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fotografias que justificavam regiões caracte-rísticas da cidade, bem como locais defi-cientes, anti-higiênicos e que mereciamintervenção.11 A cidade foi literalmente retra-tada a partir da visão médica. Apesar dessasações permanecerem apenas no ideário deseu propositor ressalta-se a evidência darelação da questão médica como diagnósticoe proposta, e da questão técnica e política,como solução. Solução essa que, aliás, viriase concretizar apenas na década de 1930.

Este estudo histórico ressalta, portanto, apreocupação, naquele momento, de criaçãode uma outra cidade fundamentada emestudos médicos e intervenções sanitáriasdo poder público que visavam melhorar asalubridade da área urbana existente. Poroutro lado, o presente trabalho revela que osmédicos, por meio principalmente, das geo-grafias e topografias médicas, foram osprimeiros a analisar a relação entre clima,habitantes e ambiente construído, bem comoa estudar os espaços concretos da cidade.Esses estudos e propostas, ao contemplarcaracterísticas sócio-ambientais, foram dei-xando de ser uma questão isolada de hi-giene e se tornaram paulatinamente umaquestão global de ambiência urbana(Ferreira et al., 2000).

Vale salientar, no entanto, que continua alar-mante o percentual da população que apre-senta problemas de saúde devido a umconsumo de água inadequada e à carênciade saneamento. Em função desse quadrotêm surgido várias propostas visando melho-rar a qualidade de vida nas cidades e ascondições de saúde da população. Muitossetores da sociedade civil se articulam frentea esta questão. No que se refere aos médi-cos e sanitaristas, o Movimento das CidadesSaudáveis, originado no Canadá nos anos1970 e incorporado pela Organização Mun-dial da Saúde, representa uma dessas pro-postas que, por meio de uma nova visão eprática da medicina baseada em uma açãointersetorial e uma nova forma de gestão das

cidades, promove a interpelação entre pro-gramas de saúde e desenvolvimento urbano.Nesse contexto, o Estado é apontado comopromotor das ações devendo contar tambémcom a participação efetiva da sociedade civil(Westphal, 2000). Observam-se, também, re-centes estudos e pesquisas desenvolvidosem Instituições de ensino médico no Brasilque se utilizam de técnicas de geoprocessa-mento a fim de se promover a saúdeda população. O instrumental metodológicousado permite uma análise exploratória es-pacial por meio da construção de mapas,identificando áreas e condições de risco,prevalência de determinadas doenças, e,principalmente, auxiliando no planejamento,monitoramento e avaliação das ações emsaúde (Chiesa et al., 2002).

Dessa maneira, o discurso higienista de finsdo século XIX e inicio do século XX, assimcomo o discurso ambientalista ou ecologistaatual e recentes pesquisas na área damedicina, pregam um mesmo ideal: a impor-tância e a indispensabilidade das condiçõesambientais urbanas para a melhoria da quali-dade de vida da população. .

AGRADECIMENTOS

As autoras gostariam de agradecer ao Grupo dePesquisa História da Cidade e do Urba-nismo doDepto. de Arquitetura da UFRN e a concessão debolsas por parte do CNPq e da FAPESP.

NOTAS

1 Cabe ressaltar que Glacken coloca em questãoa autenticidade de algumas das obras queintegram o "corpus" de Hipócrates, no entanto,afirma que "Las incertidumbres sobre fecha yautenticidad no oscurecen el hecho de que, justao injustamente, Hipócrates haya sido visto emtodo tiempo como um médico muy real y autorde Ia obra, y Aires, aguas, lugares, como uno desus tratados más populares" (1996:107).

2 A esse respeito, Mumford (1961: 57) afirma queos banhos públicos, ao ar livre, além do fimterapêutico -de "purgação da epiderme"-constituíam-se, na Idade Média, como uma

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prática social: "... lugar onde a gente trocavamexericos e comia assim como, atendia àtarefa mais séria de tratar de dores e condiçõesinflamatórias".

3 Segundo Abreu (1997), "não há notícia darealização de topografias médicas no Brasil colo-nial", mas indícios mostram que o pensamentohigienista foi introduzido no Brasil no século XVIIIe se difundiu no século XIX, principalmente apartir da instituição do ensino médico e daSociedade de Medicina.

4 Filiada à tradição do pensamento hipocrático.

5 Para esta, tudo que estava parado ouestagnado -o ar, a água, os dejetos, o lixo eos próprios homens- era fator de doenças; e osvapores emanados dos processos de putrefaçãoda matéria animal ou vegetal (os miasmas), oscausadores das epidemias.

6 Cabe aqui destacar que, segundo Luis Urteaga(1980:24), as topografias e geografias médicas,apesar de analisarem o meio ambiente segundoos mesmos métodos, distinguem-se na escalade abrangência do estudo. As topografias estu-dam lugares, comarcas ou regiões, enquantoque as geografias atingem um nível suprare-gional ou nacional.

7 Cientista brasileiro que, em 1909, concluiu aspesquisas sobre a tripanossomíase, posterior-mente conhecida como "doença de Chagas".

8 A cidade de Manaus, capital d estado doAmazonas, situa-se na margem esquerda do RioNegro. Possui clima tropical, quente e úmido, comtemperaturas médias anuais de 27° C e chuvasabundantes. Sua paisagem caracteriza-se porflorestas, rios e vários igarapés.

9 No ano de sua formação, 1906, concluíram ocurso médicos de outros estados brasileiros,além da Bahia como Alagoas, Pernambuco,Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande doNorte, Piauí, Ceará e Rio Grande do Sul.Registram-se também médicos naturais da Itália,de Portugal e da França.

10Essa prática era comum em toda a cidade e foimaciçamente criticada pelo médico em virtude dacontaminação do lençol freático, uma vez que apopulação se abastecia da água filtrada nas

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dunas. Era, portanto, um problema a ser solu-cionado de um modo geral.

11 Cristina Campos (2002) destaca, no Brasil, ouso da fotografia retratando o espaço urbanoa partir de trabalhos desenvolvidos pelo médicoGeraldo Paula Souza, entre 1921 e 1922, quandodiretor do Serviço Sanitário em São Paulo.Segundo a autora, o médico envolveu-se com afotografia no período que passou nos EstadosUnidos (1918 a 1920) cursando a UniversidadeJohns Hopkins. Os estudos de Cicco são, por-tanto, anteriores aos de Paula Souza não setendo, no entanto, informações quanto a outrostrabalhos no Brasil, nem como o médico potiguarteve acesso a tal técnica.

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