É preciso estabilidade legislativa

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O agregador da advocacia 30 Outubro de 2011 www.advocatus.pt Entrevista “Para que a advocacia seja melhor desejo, acima de tudo, estabilidade legislativa”, afirma Pedro Santana Lopes, 55 anos, sócio da Global Lawyers. Numa entrevista dada antes de ser nomeado para Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o antigo primeiro-ministro faz um balanço positivo do seu regresso à advocacia e diz que há regras do capitalismo que têm de ser banidas É preciso estabilidade legislativa Ramon de Melo Advocatus | Voltou a apostar na advocacia depois de muitos anos na política. Que balanço é que faz deste seu regresso? Pedro Santana Lopes | Faço um balanço positivo. Não é fácil reto- mar uma actividade profissional liberal depois de anos de interrup- ção. Já agora aproveito para expli- car porque é que interrompi a ac- tividade, porque muitas pessoas vão para o Governo e continuam com os seus escritórios. Quando fui para a Figueira da Foz, corres- pondendo a um desafio do Profes- sor Marcelo Rebelo de Sousa, era advogado na Sociedade Vaz Ser- ra, Moura, Chaves e Associados que na altura se fundiu com ou- tro escritório. Alguns advogados acompanharam esse processo de fusão, mas eu não. Continuei na rua de São Bernardo e com um escritório pequeno, onde tinha al- Pedro Santana Lopes, sócio da Global Lawyers Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt

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É preciso estabilidade legislativa

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O agregador da advocacia30 Outubro de 2011

www.advocatus.ptEntrevista

“Para que a advocacia seja melhor desejo, acima de tudo, estabilidade legislativa”, afirma Pedro Santana Lopes, 55 anos, sócio da Global Lawyers. Numa entrevista dada antes de ser nomeado para Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o antigo primeiro-ministro faz um balanço positivo do seu regresso à advocacia e diz que há regras do capitalismo que têm de ser banidas

É preciso estabilidade legislativa

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advocatus | Voltou a apostar na advocacia depois de muitos anos na política. Que balanço é que faz deste seu regresso?Pedro Santana Lopes | Faço um balanço positivo. Não é fácil reto-mar uma actividade profissional liberal depois de anos de interrup-

ção. Já agora aproveito para expli-car porque é que interrompi a ac-tividade, porque muitas pessoas vão para o Governo e continuam com os seus escritórios. Quando fui para a Figueira da Foz, corres-pondendo a um desafio do Profes-sor Marcelo Rebelo de Sousa, era

advogado na Sociedade Vaz Ser-ra, Moura, Chaves e Associados que na altura se fundiu com ou-tro escritório. Alguns advogados acompanharam esse processo de fusão, mas eu não. Continuei na rua de São Bernardo e com um escritório pequeno, onde tinha al-

Pedro Santana Lopes, sócio da Global Lawyers

Hermínio Santosjornalista

[email protected]

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www.advocatus.pt

“Tornarmo-nos absolutamente infoincluídos é uma mudança radical em relação há 10 anos”

“não querendo meter a foice em seara alheia acho que é muito difícil,

no actual contexto económico, manter as grandes sociedades tal como estão mas cada

um saberá de si. a dimensão ideal é a dos pequenos

e médios escritórios de advocacia”

“Somos sete sócios na sociedade, que está na origem da global

Lawyers. actualmente trabalhamos muito,

e eu em concreto, no acompanhamento de clientes ou de outros novos que aparecem para renegociação de dívida junto de

instituições financeiras”

gum bom movimento. Com a ida para a Figueira da Foz tornou-se absolutamente impossível conti-nuar, nomeadamente pela incom-patibilidade de funções. Quando saí do Governo, em 2005, reto-mei sozinho a actividade da Pe-dro Santana Lopes & Associados, no Chiado, em Lisboa, e um ano depois fui convidado pelos meus colegas Manuel Marinheiro, Antó-nio Gonçalves e João Nogueira da Rocha para vir para este escritório.

advocatus | Quantos sócios é que são nesta sociedade?PSL | Somos sete sócios na socie-dade, que está na origem da Glo-bal Lawyers. Actualmente traba-lhamos muito, e eu em concreto, no acompanhamento de clientes ou de outros novos que aparecem para renegociação de dívida junto de instituições financeiras. Tenho dito que nestas alturas de crises acontece com os advogados o que acontece noutro plano com os médicos – as pessoas em di-ficuldades procuram mais os mé-dicos. Com os advogados, é em situações de crise que eles são mais procurados e infelizmente, até, em situações de insolvência. Antes da insolvência há uma pos-sibilidade que é a da consolidação dos passivos, da sua dívida, e é isso a que me tenho dedicado nos últimos tempos e é um trabalho de que gosto muito.

advocatus | a sociedade tem outras competências…PSL | Fazemos fundamentalmen-te administrativo, acompanhamos procedimentos de investimento – mais português no estrangeiro do que estrangeiro em Portugal –, direito laboral e um pouco de direito penal. Trabalhamos tam-bém com algumas entidades pú-blicas, nomeadamente autarquias.

advocatus | esteve 10 anos afastado da advocacia. Que di-ferenças é que notou neste seu regresso à profissão?PSL | Devo dizer, com franqueza, que encontrei uma classe mais agitada, com confrontos internos mais acesos, como é público e

notório. Foi algo que eu estranhei um pouco porque aprendi desde muito novo que a profissão de ad-vogado e o magistério da advoca-cia impunha alguma solidarieda-de de classe. Foi uma mudança que estranhei mas à qual me ha-bituei pois quem vem da política não pode estranhar isso. Em se-gundo lugar, notei, e apesar do que se diz, uma maior velocidade de decisão, embora não seja ge-neralizada. Falo nomeadamente dos tribunais com os quais lido mais, embora não vá à barra – é uma pena que eu tenho, nunca fui à barra, e um destes dias irei. A terceira diferença que reparei é na parte administrativa e aqui re-conheço ao Governo que esteve em funções antes do actual uma melhoria significativa na vida dos advogados. Tornarmo-nos abso- lutamente infoincluídos é uma mudança radical em relação há 10 anos.

advocatus | Hoje em dia quais são os aspectos que considera essenciais para que o exercício da advocacia melhore em Por-tugal?PSL | Há muitos aspectos que condicionam o exercício da ad-vocacia mas condicionam a so-ciedade em geral. Dou-lhe um exemplo: quer os advogados quer todos os outros corpos da Justiça convencerem-se de que o tem-po e os bens dos cidadãos, para além do seu direito de personali-dade, têm um valor incomensurá-vel. Em segundo lugar que a Jus-tiça e a perspectiva de gestão, ou seja, fazer Justiça e gerir bem, não é incompatível. Por isso acolho de modo positivo as medidas contidas no programa do Governo de libertar um pouco os juízes da obrigatoriedade de intervirem em todos os actos e despachos para que de facto a gestão dos tribu-nais ocorra de modo mais eficaz. A advocacia em si mesma, com franqueza, é eficiente e capaz se servir bem o cidadão. Sabemos que em Portugal há muitas ques-tões com o acesso ao Direito e os pagamentos do Estado aos advo-gados mas eu diria que para que

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“A grande dificuldade em Portugal é tratar do que é óbvio, há

coisas que são óbvias e que depois demoram muito tempo a resolver. Por exemplo, o nosso sistema de governo”

“normalmente todos os escritórios dizem que têm parcerias no Brasil, angola

e moçambique mas eu, por enquanto, não

quero desenvolver parceria nenhuma. Quero consolidar o meu trabalho”

advocatus | Considera que o Bastonário da ordem tem feito um bom papel na defesa dos in-teresses dos advogados?PSL | Tem tido a sua utilida-de mas por vezes radicaliza um pouco as suas posições. Mas penso que ele abriu algumas ja-nelas. Eu gosto de ver a classe e o bastonário com uma atitude institucional mais moderada. Co-nheci-o quando era presidente da Câmara da Figueira da Foz, era ele jornalista e devo dizer que tenho simpatia por ele. Gosto das pessoas desassombradas e diria que concordo com cerca de 51 por cento das suas posições. Acho que é uma pessoa corajosa mas os conflitos públicos no seio da classe é algo que eu não gos-to de ver e às vezes alimenta-se isso um pouco em excesso. advocatus | o que é que diria hoje a um jovem recém-licen-ciado em Direito que anda à pro-cura do seu primeiro emprego? PSL | Quando estou na Facul-dade digo aos meus alunos para fazerem tudo para estudar, que tenham pelo menos 14, porque hoje em dia as licenciaturas são mais curtas, depois há um mestrado e com a sociedade tão competitiva como está, tão fria, tão capaz de marginalizar as pessoas, é muito importan-te fazer um esforço na nossa formação. Tenho um filho que é advogado e outro que entrou este ano na Clássica e uma filha em Economia, na Universidade Nova, e digo-lhes que façam tudo para terem pelo menos 14 e se não tiverem vão procurar trabalhar com quem tenha um percurso de triunfo e que te-nha começado por baixo, com um percurso de dificuldade, de vencer barreiras difíceis. Alguém que não tenha começado na ad-vocacia herdando ou com o es-critório feito.

advocatus | Concorda com os estágios de três anos para os recém-licenciados?PSL | Com toda a franqueza acho pesado. Lembro-me muito bem

a advocacia seja melhor desejo, acima de tudo, estabilidade le-gislativa. Isso, eu li nas intenções da nova ministra, que também o deseja apesar de o programa con-ter algumas alterações nomeada-mente em sede de Processo Civil, no Código Penal e no Processo Penal.

advocatus | o futuro está nas grandes sociedades de advoga-dos ou há espaço para pequenas sociedades e até para o exercí-cio individual da profissão?PSL | Acho que há espaço para os pequenos escritórios. Fazer advo-cacia isoladamente é sempre pos-sível mas hoje em dia a exigência de formação multifacetada é tão grande que eu vejo com dificul-dade a existência de escritórios com menos de, por exemplo, 10 pessoas, para aqueles que são os ramos do Direito mais solicitados. Não querendo meter a foice em seara alheia acho que é muito difí-cil, no actual contexto económico, manter as grandes sociedades tal como estão mas cada um saberá de si. A dimensão ideal é a dos pequenos e médios escritórios de advocacia mas não posso deixar de dizer que tenho uma admiração enorme pela forma como as gran-des sociedade foram construídas e conseguidas e pela capacidade de se manterem.

advocatus | e a entrada de es-critórios estrangeiros em Portu-gal é, para si, natural?PSL | Desde que nós sejamos capazes de fazer o mesmo. Não podemos olhar para isso de uma forma resignada e portanto temos que, também, ser capazes de to-marmos posições em sociedades estrangeiras e não só depois de elas tomarem a iniciativa. Normal-mente todos os escritórios dizem que têm parcerias no Brasil, An-gola e Moçambique mas eu, por enquanto, não quero desenvolver parceria nenhuma. Quero consoli-dar o meu trabalho. Como calcula eu conheço advogados em todos esses países mas ninguém pode dizer que os procurei para estabe-lecer qualquer parceria.

“A Justiça e a perspectiva de gestão, ou seja, fazer Justiça e gerir bem, não é incompatível”

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“Quem é apanhado a copiar já não devia

poder ser juiz, por uma questão de exemplo

para a sociedade, e ser advogado devia

precisar de cinco anos de estágio”

do que se dizia quando eu tinha 20 anos e o que representava o serviço militar na vida das pessoas – obviamente que não é a mesma coisa porque com os advogados estamos a falar de um estágio pro-fissional, mas é complicado. Num percurso que precisa também do estímulo é muito complicado dizer às pessoas que estarão três anos sem poderem ter a sua ferramenta profissional. Embora compreenda as dificuldades que existem e que a Ordem procura gerir, do núme-ro de advogados que há, da sua distribuição no território, acho pe-sado.

advocatus | e o que é que suge-riria?PSL | Um ano e meio, dois anos

no máximo, seria razoável. Se fos-se eu a decidir trabalharia nesse sentido de um ano e meio.

advocatus | o que é que sentiu quando teve conhecimento dos episódios do copianço? PSL | Tristeza. Quem é apanhado a copiar já não devia poder ser juiz, por uma questão de exemplo para a sociedade, e ser advogado devia precisar de cinco anos de estágio. São actividades profissionais que têm a ver com um bem supremo que é a Justiça. Quem lida com esse bem não pode passar por situações dessas. Portanto, acho inconcebível o que se passou e um sinal próprio dos tempos que vive-mos que às vezes parecem uma ópera cómica permanente.

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advocatus | Que leitura é que faz do estado do País neste mo-mento?PSL | A grande dificuldade em Portugal é tratar do que é óbvio, há coisas que são óbvias e que depois demoram muito tempo a resolver. Por exemplo, o nosso sistema de governo. Sabemos que gera muita instabilidade, te-mos choques constantes entre Presidente e primeiro-ministro. Temos o sistema de governo mais original do mundo mas não o re-solvemos. Sistema eleitoral: toda a gente diz que há muito deputa-dos, não há ciclos uninominais, mas andamos há 20 anos para resolver esta questão. Passamos a vida nisto. Há outra questão no País, que é grave e tem a ver

“Passamos a vida a tomar grandes medidas – o novo mapa judiciário, fechar centros de saúde – em vez de irmos pelo chamado gradualismo reformista”

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www.advocatus.ptEntrevista

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com a desertificação do território, a concentração de população em Lisboa e no Porto. Acho que é um dos grandes dramas de Portugal. Eu diria que os advogados, os juristas, têm de ser especialmen-te mobilizados para participar na tarefa da reconstrução administra-tiva de Portugal. A nossa organi-zação administrativa tem de sofrer uma mudança grande e portanto para nós sermos competitivos é fundamental ter racionalidade, para além dos valores e dos prin-cípios, que não esteja alheada das decisões. Nós temos cada vez mais um País construído em torno de duas grandes cidades e depois o resto está desertificado ou cheio de auto-estradas mas sem pesso-as. Passamos a vida a tomar gran-des medidas – o novo mapa judici-ário, fechar centros de saúde – em vez de irmos pelo chamado gradu-alismo reformista. Portanto, como eu vejo o estado geral do País é, apesar de tudo, muito endividado, como sabemos, mas onde as pes-soas e as instituições vão funcio-nando apesar do mau sistema de governo, do mau sistema eleitoral e é a isso que se atribui o facto de continuarmos independentes depois de quase nove séculos de História. Agora, esta indepen-dência antes defendia-se com canhões, baionetas ou espingar-das, hoje em dia defende-se com negociações ou com a titularidade de acções e aí é mais complicado do que foi a defesa com armas. É fundamental acreditarmos em nós próprios. A crise que vivemos em 2008 é uma crise de confiança, de valor. Há subsistemas da socieda-de que tiveram desenvolvimentos irracionais, a parte do imobiliário, por exemplo, mas a economia con-tinua a funcionar. O que vivemos é muito uma crise do sistema finan-ceiro, das bolsas, os mercados de capitais, a banca e isto tem que ser regulado. Hoje em dia temos as economias dependentes das agên-cias de rating e do funcionamento dos vendedores e compradores de acções. Não foi só o estado social que foi posto em causa, também o capitalismo, tal como o conhece-mos, foi posto em causa e há pro-

dutos e regras do capitalismo que têm de ser banidas, não são só os subsídios de natal e de férias que têm que acabar. Enquanto o mun-do não se convencer que tem de se sentar à mesa o tempo que for preciso e encontrar uma solução em relação à dívida, às paridades das moedas, aos produtos do sis-tema financeiro, a hipotecas e aos regimes jurídicos dos mercados de capitais, o cidadão comum não acredita. O futuro de Portugal não depende hoje de nós, depende do mundo. Portanto, não estou pessi-mista nem optimista. Procuro ser realista. Acho que temos um pri-meiro-ministro e um líder da opo-sição que são pessoas contidas e discretas, adequados aos tempos que vivemos. advocatus | mas não acha que o actual modelo de desenvolvi-mento de Portugal poderia ter sido corrigido mais cedo?PSL | Sem dúvida e a culpa é de todos. Os últimos 10 anos foram especialmente graves no endivi-damento. Foi uma mistura de um facilitismo deslumbrado com a União Europeia e com o que ela nos permitiu, uma crise interna-cional e direitos internos, falta de regulação. Acho que houve um grande défice de actuação do Banco de Portugal durante uma série de anos. Como é que os economistas não viram isto mais cedo? Como é que não previram uma série de coisas que iam acon-tecer em Portugal?

advocatus | em Portugal, temos um economista que é Presiden-te da República e que também contribuiu para o modelo de de-senvolvimento do País…PSL | …e que também não viu. Portanto o que aconteceu deve ter sido uma grande surpresa para ele. Fez alertas, mas ninguém fez o alerta para o tipo de desastre que aí vinha. Ninguém fez.

advocatus | o acordo com a troika vai mesmo alterar a nossa forma de viver?PSL | Vai. A grande mudança de hoje em dia é que o papel do Esta-

“não foi só o estado social que foi posto em causa, também o capitalismo, tal

como o conhecemos, foi posto em causa e há

produtos e regras do capitalismo que têm de ser banidas, não são só os subsídios de natal

e de férias que têm que acabar”

“andar a preparar-me para ir à barra dá-

-me uma sensação de juventude fantástica.

é como se tivesse acabado o meu curso agora. a vida tem de ser isso e há que ter

a capacidade de transmitir isso

aos outros”

“É fundamental acreditarmos em nós próprios. A crise que vivemos em 2008 é uma crise de confiança, de valor”

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“acho que estamos a assistir ao fim de um

ciclo. nós estamos sem ideologia há quase

20 anos, navegamos à vista nesse aspecto.

A única ideologia é o liberalismo,

o capitalismo mais ou menos social-

-democrata”

“A União Europeia como existe, e também pelo que está a acontecer,

pode ser muito facilmente posta em causa”

do, não só em Portugal, vai sofrer uma alteração profunda e de facto o Estado social do século XIX vai aligeirar muito o seu peso, o seu papel, a sua intervenção, porque a questão de fundo – o que eu vou dizer é impopular – é a competi-tividade com as economias asiá-ticas, que de facto têm regras di-ferentes. A União Europeia como existe, e também pelo que está a acontecer, pode ser muito fa-cilmente posta em causa. Eu sou muito céptico em relação à pos-sibilidade da continuação de uma só moeda para todos os países que pertencem neste momento à zona euro.

Advocatus | Já assistimos à queda do muro de Berlim e da união Soviética, ao 11 de Se-tembro e Londres viveu os pio-res momentos desde a ii guerra mundial. estaremos a assistir ao fim do capitalismo tal como o conhecemos?PSL | Acho que estamos a assistir ao fim de um ciclo. Nós estamos sem ideologia há quase 20 anos, navegamos à vista nesse aspecto. A única ideologia é o liberalismo, o capitalismo mais ou menos so-cial-democrata mas com a queda do Muro de Berlim e a falência de outras propostas ideológicas não há competitividade ideológica. Hoje em dia não há verdadeira escolha entre duas alternativas. A grande diferença resume-se à po-lítica fiscal e ao rendimento social de inserção. O que se vai seguir acho que vai ser algo mais exi-gente, mais implacável, em que os indivíduos têm que, cada vez mais, tomar conta deles próprios, constituir esquemas de seguran-ça social cada vez mais privados, solidários, cooperativos, cada vez com menos controlo do Estado.

advocatus | Dos cargos que ocupou na política, qual aquele de que guarda melhores recor-dações?PSL | Eu digo sempre que o car-go mais bonito é o de presidente de Câmara porque é aquele que permite mexer mais com a vida das pessoas. Uma das coisas que

gostava era entrar nos bairros e bater à porta das pessoas. Como primeiro-ministro isso não é possí-vel. Quando estava em São Ben-to, como primeiro-ministro, sentia essa falta de ir ter com as pessoas e um presidente da Câmara pode mudar a vida de uma família com uma decisão sua.

advocatus | actualmente entre a advocacia, o ensino e a política qual é a sua prioridade?PSL | A advocacia e um dia destes tenho que ir à barra. Tenho essa “falha” e ando a preparar-me para isso. Tenho 55 anos e esta é uma nova fase da minha vida. É bom termos sempre a capacidade de imaginar novos desafios, novas experiências. Andar a preparar--me para ir à barra dá-me uma sensação de juventude fantástica. É como se tivesse acabado o meu curso agora. A vida tem de ser isso e há que ter a capacidade de transmitir isso aos outros.

O lema de vida de Pedro Santana Lopes re-sume-se numa expressão: aprender sempre. É isso que diz aos filhos e aos seus alunos da Universidade Lusófona e foi isso que fez toda a vida. “Quando saí do Governo e em mo-mentos que não são fáceis, em que temos de recomeçar, a primeira preocupação foi apren-der”, afirma. Uma das primeiras coisas que fez quando saíu de São Bento foi aprender a tocar piano. A música não era uma novida-de na sua vida pois até aos 15 anos estudou violoncelo na Gulbenkian, mas o piano exigiu esforço e atenção. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1973/1978), Pedro Santana Lopes já fez quase tudo na política portuguesa – foi assessor jurí-dico do primeiro-ministro Sá Carneiro, autarca, eurodeputado, deputado, secretário de Estado e primeiro-ministro – e ocupou a presidência

do Sporting. Nos anos 80 do século passado foi um dos impulsionadores de um grupo de comunicação social que lançou a Sábado (na sua primeira versão) o semanário O Liberal e a Radiogest. Inscreveu-se na Ordem dos Advoga-dos em 1984 e, entre 1995 e 1996, foi advogado no escritório Vaz Serra, Moura, Chaves e Asso-ciados. Na área académica foi investigador do Instituto de Direito Europeu e do Instituto para a Investigação da Ciência Política e Questões Eu-ropeias da Universidade de Colónia (1979/80), assistente universitário na Faculdade de Direi-to da Universidade de Lisboa, na Universidade Moderna, na Universidade Lusíada, na Universi-dade Internacional e na Universidade Lusófona (desde 1984). Actualmente é um dos sócios da Global Lawyers, Santana Lopes, Castro, Vieira, Teles, Silva Lopes, Calado, Cardoso & Associa-dos - Sociedade de Advogados.

“Aprender sempre”PERFIL