e agora esquerda draft3

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  • 7/25/2019 e Agora Esquerda Draft3

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    agora, squerda?

    Porfrio Silva

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    ndice

    Introduo ..................................................................................................................................... 1

    Teoria e prtica. Carta ao PS. ........................................................................................................ 5

    O messias, a agenda da dcada e a agenda da espuma dos dias (ou "Costa e os imediatistas") . 8

    Mobilizar Portugal ....................................................................................................................... 14

    Grandes opes do governo para mobilizar Portugal ................................................................. 21

    Contratos incompletos e as primrias do PS ............................................................................... 24

    "H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a s-lo" ............................................ 27

    Os socialistas e a esquerda da esquerda ..................................................................................... 30

    Viaggio in Italia ............................................................................................................................ 35

    Afinal, somos todos gregos? ....................................................................................................... 37

    Hoje a Grcia. Lies antes do voto ............................................................................................ 39

    O que est em causa na Grcia o interesse nacional, no uma questo partidria ............. 41

    A Grcia no Portugal ............................................................................................................... 43

    Com a Grcia, ressuscitar o mtodo comunitrio ....................................................................... 45

    Algo que nem chega a ser uma polmica ................................................................................... 47

    Postal para Pedro Santos Guerreiro. ........................................................................................... 49

    A Europa a ver-se grega .............................................................................................................. 51

    A Grcia e o canto das sereias..................................................................................................... 53

    Um novo comeo para o dilogo social? .................................................................................... 55

    No queremos instalar a rutura no pas.................................................................................. 58

    A arrogncia da esquerda ser melhor que a estupidez da direita? (ou, pequeno tratado sobre

    a cagufa em poltica) ................................................................................................................... 70

    Por um debate decente esquerda ............................................................................................ 76A direita esqueceu de vez o interesse nacional....................................................................... 79

    Desafio socialista ao PCP e ao BE: Faam uma coligao........................................................ 82

    Um fracasso europeu .................................................................................................................. 86

    Juntar geraes ........................................................................................................................... 91

    A Grcia, depois do referendo .................................................................................................... 93

    A Grcia no foi expulsa do euro ................................................................................................ 95

    Um pragmtico de esquerda ....................................................................................................... 96

    E agora, Esquerda? ...................................................................................................................... 98

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    Coerncia. Recusar a teoria do arco da governao. ................................................................ 102

    Defender a democracia representativa .................................................................................... 104

    O arco da responsabilidade ....................................................................................................... 106

    Um antigo partido social-democrata e um antigo partido democrata-cristo ......................... 109

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    Introduo.

    No dia em que fui eleito para o Secretariado Nacional do Partido Socialista, a 30 de

    novembro de 2014, escrevi no meu blogue: A fidelidade mais necessria (e mais

    difcil) a fidelidade a si prprio.Assinalei, assim, a minha conscincia de que, ao

    assumir responsabilidades polticas entramos numa inescapvel negociao entre a

    nossa prpria histria de posicionamento nos debates pblicos (que, pela palavra

    dada, firma compromissos) e a pertena a coletivos plurais onde nunca podemos

    abrigar-nos no unanimismo ou na lealdade cega.

    Dessa data at hoje passou pouco tempo, mas um tempo intenso. Um tempo que,

    alis, se prolonga para trs, na campanha Mobilizar Portugal, que levou Antnio

    Costa liderana do Partido Socialista, onde tive a responsabilidade de coordenar a

    moo poltica apresentada aos militantes e simpatizantes e, atravs deles, ao pas.

    Desse perodo deixo aqui testemunho, recolhendo as principais tomadas de posio

    que assumi nesse percurso pblico.

    Este tempo foi lugar para grandes debates programticos, marcados, nomeadamente,

    pela metodologia inovadora adotada por Antnio Costa para construir o programa

    eleitoral do Partido Socialista, metodologia desenhada para que os compromissos

    assumidos no ignorassem os constrangimentos econmicos e financeiros, incluindo o

    enquadramento resultante do empenhamento europeu do pas e do partido.

    Neste tempo rico de debates pblicos, a dominante da minha interveno foi menos

    abrangente, tendo-se focado nas condies em que os socialistas podem, no mundo

    de hoje, assumir-se como fora de esquerda. Em Portugal, isso passou largamente

    pelas discusses acerca da governabilidade. Na Europa, neste tempo, este debate foi

    intensamente atravessado pela experincia grega. , pois, natural, que os textos aqui

    recolhidos girem largamente em torno dessas questes.

    Ao juzo do leitor fica a questo de saber se consegui a necessria e difcil fidelidade

    comigo mesmo. Para quem faz poltica e, por isso, deve responder pelas suas palavras

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    e atos, essa questo no despicienda. E no uma questo privada, nem uma

    questo pessoal. Pela minha parte, embora tenha andado dcadas afastado da poltica

    ativa, nunca deixei de me pronunciar sobre uma viso geral para o pas, para o Partido

    Socialista e para a esquerda portuguesa. Um momento desse meu empenhamento foio congresso do PS em 2004.

    O XIV Congresso Nacional do PS, em 2004, foi um congresso importante. Elegeu, em

    diretas, o Secretrio-geral que sucederia a Ferro Rodrigues. Apresentaram-se trs

    candidatos: Jos Scrates, Manuel Alegre e Joo Soares. A vitria foi alcanada por

    Scrates, num processo de mobilizao que daria um grande impulso, na opinio

    pblica, vitria do partido nas legislativas subsequentes.

    Nesse processo, alguns militantes socialistas tomaram a opo de no apoiar nenhum

    dos candidatos a lder do partido para, mais livremente, se empenharem na iniciativa

    de uma moo de orientao poltica nacional, no acompanhada de candidatura a

    secretrio-geral. Tendo chegado ultraminoritria ao congresso, onde s foi a discusso

    por generosidade de delegados das outras moes que subscreveram no prprio local

    o texto, essa moo conseguiu, mesmo assim, assinalar alguns pontos politicamente

    relevantes para pensar o lugar do PS na democracia portuguesa. Desse gesto pouco

    ficou, mas a moo Uma Esquerda com Razes e com Futuro, de que fui promotor e

    primeiro subscritor, assinalou alguns pontos que ainda hoje tm caminho para fazer.

    J na altura defendemos, com toda a clareza, que, sendo o PS um partido moderado,

    pela sua vocao para construir consensos slidos em torno de grandes desgnios

    nacionais, deve apostar em congregar foras para grandes desgnios nacionais que

    no podem ser prosseguidos apenas nos limites temporais de uma ou duas legislaturas

    e cuja concretizao no deveria ser prejudicada pelo exerccio normal da alternncia

    democrtica. Exemplos: desafios do envelhecimento demogrfico e novas polticas de

    imigrao; reforma democrtica do Estado; estratgia de desenvolvimento sustentado;

    qualificao das pessoas e das instituies; prioridade s reas sociais essenciais a uma

    modernizao solidria; igualdade entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, era

    claro em afirmar que ser moderado no ser centrista: o PS um partido de

    esquerda e, portanto, cabe-lhe a responsabilidade de fazer funcionar o sistema dealternativas dentro do regime. No basta garantir a rotatividade, que o eleitorado

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    entende como um fracasso do sistema de partidos em permitir ao povo que possa

    escolher.

    Em consequncia, acrescentvamos, o PS deve desafiar os outros partidos da

    esquerda parlamentar para o debate pblico da governao, para que as polticas de

    um futuro governo de esquerda no fiquem refns de qualquer eleitoralismo ou

    retrica de facilidades. E, sem tibiezas: A esquerda consequente no teme as

    responsabilidades da governao. Entre o PS e outros partidos de esquerda h

    divergncias importantes que teriam de ser resolvidas para que uma convergncia em

    termos de polticas governativas fosse possvel. O debate da governao esquerda

    no ser, provavelmente, fcil. Mas necessrio.E davam-se exemplos de tpicos

    inescapveis desse debate: o empenhamento europeu de Portugal com o objetivo de

    melhor fazer valer na UE as orientaes polticas que importam modernizao

    solidria do nosso pas; a necessria compatibilizao de competitividade na economia

    e direitos dos trabalhadores; a modernizao da administrao pblica, essencial ao

    reforo dos poderes pblicos no cumprimento cabal das suas responsabilidades,

    contra as falsas solues da facilidade ideolgica direita (enfraquecer, desmantelar,

    privatizar) e tambm contra qualquer esquerda que caia na armadilha de tornar-se

    aliado involuntrio dessa direita, ignorando parmetros importantes do problema

    (onde defendia, por exemplo, a descentralizao e uma avaliao de desempenho

    justa e com consequncias).

    No fundo, estavam em causa, e continuam a estar hoje, matrias atinentes questo

    central da autonomia estratgica do Partido Socialista: o PS no nem a esquerda

    privativa da direita, nem a ala direita da esquerda, nem o centro geomtrico do

    sistema poltico. O PS esquerda democrtica e no prescinde, em circunstncia

    alguma, nem da esquerda nem da democracia. E cabe-lhe, em cada momento, definir

    como deve agir para que a sua posio peculiar no quadro das foras polticas

    contribua para uma dinmica de progresso na democracia portuguesa. Todo esse

    desafio est hoje inteiro nas opes estratgicas dos socialistas.

    Escolhi como fronteira temporal destes textos a minha entrada em funes como

    deputado Assembleia da Repblica. Todos os textos so anteriores a esse momento.

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    No h nada de transcendente nesse momento, mas faz sentido deixar clara esta

    circunstncia. Porque nada no mundo real est ganho ou perdido antes de ser feito.

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    Teoria e prtica. Carta ao PS.

    Anuncia-se que Antnio Costa vai apresentar esta sexta-feira as linhas programticas

    com que quer trabalhar no partido e no pas. Acho bem, por todas as razes. Contudo,

    antes disso, quero esclarecer um ponto para mim importante.

    A tese de que em poltica o que conta o programa , h bastante tempo, uma tese

    popular. sombra dessa tese pode afirmar-se uma magnfica preferncia pelas

    "ideias", "sem estarmos agarrados a pessoalismos".

    No estou sequer a referir-me a uma forma extrema e desonesta desta tese, que a

    (pequena) histria j viu muitas vezes ser usada pelos dirigentes de turno, que tratam

    de preservar a sua posio acusando de ambiciosos aqueles que se proponham

    substitu-los no lugar, "por colocarem as questes em termos de pessoas". Claro que

    h pessoas com ambies desmedidas, pouco apropriadas ao seu valor, mas essa m

    ambio tanto se pode manifestar assaltando o poder como querendo mant-lo a todo

    o custo.

    No estou a referir-me a esse extremo: estou a referir-me ideia muito espalhada deque, desde que estejamos de acordo no programa, nas ideias, na "teoria", o resto

    "simplesmente" questo de aplicao - e nada de essencial iria no aplicar. A prtica

    guiada pela teoria e, desde que estejamos de acordo na teoria, no haver problema

    na prtica - pretende essa viso das coisas.

    Pois, eu discordo profundamente dessa ideia. No caso de um partido poltico, normal

    que haja uma enorme coincidncia de pontos de vista em muitos assuntos relevantes

    para a orientao do pas. As divergncias nem sempre podem ser sanadas, mas

    podem ser resolvidas - ou "adiadas", quando isso seja necessrio para travar batalhas

    importantes para o pas. Portanto, a coincidncia programtica pode nunca ser total -

    e isso nem sempre grave -, mas a prtica pode ser ainda mais importante do que o

    programa.

    Por vrias razes. Porque, chegados ao governo, acontecero muitas coisas que no

    estavam precisamente previstas na "teoria", porque os programas no conseguem

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    explicitar todos os valores que esto em causa, porque a interpretao dinmica do

    programa pode ser feita de formas muito diferentes por pessoas diferentes. Como

    ganhamos (ou no ganhamos) confiana em que certas pessoas faro bom uso do

    programa, chegado o momento de o aplicar? S olhando para a teoria? No. Olhandotambm para "a equipa". Ah, l est, a vem a acusao: afinal ests a cair em

    messianismos, pessoalismos, subjetivismos.

    No. Quando me importa saber quem levar prtica um programa (qual a equipa,

    quem o lder), no estou a depositar confiana num indivduo (ou indivduos). No tal

    "messias" ou num escol. No isso que atrai o meu olhar. Quando quero escolher um

    lder e uma equipa, no apenas um programa, quero escolher uma forma de fazer que

    seja conhecida, uma postura, uma atitude - e tudo isso tem de ter uma histria, um

    percurso, tem de ter sido provado ao longo do tempo, em circunstncias concretas,

    quando as pessoas foram experimentadas pelas tempestades. Quero julgar com base

    na prtica real, em terreno aberto, no apenas com base no "laboratrio". A teoria s

    passa verdadeiramente a prova da vida quando a tentamos levar prtica: e uma

    prtica errada pode ser apenas o coveiro de uma magnfica teoria ou programa.

    por isso que, quando olho para o PS e para o pas, aqui e agora, e observo o

    movimento que Antnio Costa introduziu, digo: sim, quero saber se ele traz alguma

    clarificao programtica, alguma luz que fure a neblina dos subentendidos, alguma

    ideia mais mobilizadora - mas isso no quer dizer que eu esteja s espera disso. Isso

    quer dizer que entendo que o PS e o pas precisam, desde logo, de outra prtica da

    poltica, de outra prtica da governao, mais aglutinadora, mais mobilizadora, mais

    criativa, mais ousada, mais capaz de fazer pontes, de romper tabus, de moldar em

    lugar de ser moldado. De fazer compromissos largos guiados por uma ideia de futuro e

    no falsos consensos que unam fraquezas vrias numa demisso coletiva. Estou

    espera das ideias novas, mas, provavelmente, estou at mais espera de uma forma

    de fazer que seja nova.

    Precisamos de uma fora serena. E isso uma questo de prtica.

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    Apesar dos muito espalhados preconceitos intelectualistas e hiper-racionalistas, creio

    que, tambm em poltica, por vezes o mundo muda-se mais mudando a prtica do que

    mudando a teoria.

    (5 de Junho de 2014, no blogue Machina Speculatrix)

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    O messias, a agenda da dcada e a agenda da espuma dos

    dias (ou "Costa e os imediatistas")

    - I -

    Antnio Costa, a propsito da Conveno Nacional Mobilizar Portugal que se realiza

    este sbado em Aveiro, falou ontem com a imprensa sobre a Agenda para a Dcada.

    Explicou que o processo de Mobilizar Portugal tem vrias etapas, vrios nveis,

    sublinhando que no podemos esgotar todas as foras do Pas a pensar no imediato. E

    declarou que a Agenda da Dcada uma pea fundamental do seu projeto para

    Mobilizar Portugal, j que ela deve permitir uma larga congregao de esforos em

    objetivos estratgicos de longo prazo que no estejam sempre a mudar quando muda

    o governoou, pior, quando muda o ministro, mesmo que seja no mesmo governo.

    Reao, bastante partilhada em vrios meios, quer por jornalistas, quer por

    comentadores de vrios feitios: Antnio Costa (ou a Conveno) no quer falar dos

    temas prementes, como a dvida ou o dfice, e quer empatar-nos falando de coisasdistantes no tempo. O subentendido, que alguns explicitaram, : Antnio Costa est a

    querer enganar-nos, evitando falar dos temas difceis, talvez por no ter nada para

    dizer. Merece reflexo esta reaco proposta de Antnio Costa. E merece reflexo

    porque estes comentrios fazem parte do estado a que isto chegou, como teria

    dito Salgueiro Maia. O estado a que chegou o debate pblico nacional.

    - II -

    Quem duvida de que o programa de recuperao do Pas no se pode esgotar na

    agenda de uma legislatura?

    Quem duvida de que precisamos de uma agenda que nos permita olhar em frente e

    lanar as bases para um Pas mais prspero, mais eficiente, mais inovador, mais

    sustentvel, mais coeso e solidrio, mais culto, mais influente na Unio Europeia e noMundo?

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    Quem duvida de que uma ambio desta dimenso precisa de mais tempo, de uma

    continuidade nas polticas, de objetivos claros e de linhas de rumo bem definidas ?

    Quem duvida de que uma ambio desta dimenso precisa de uma Agenda

    estratgica para uma dcada, que mobilize fortemente o conjunto da sociedade em

    torno de objetivos nacionais comuns?

    Creio que ningum, que tenha refletido sobre o Portugal das ltimas dcadas, duvidar

    da necessidade desta Agenda para a prxima Dcada e da necessidade de um

    mtodo poltico que comece pela estratgia, em vez de comear pelo imediato e pelo

    curto prazo.

    Um exemplo simples. Qualquer anlise ao problema das qualificaes dos

    portugueses, e ao seu impacto nas nossas debilidades como economia, mostra que o

    Pas precisa de um sistema de formao de adultos, numa lgica de aprendizagem ao

    longo da vida. Como o problema das qualificaes s pode ser resolvido no longo

    prazo, no faz sentido que cada governo que chega inverta tudo o que fez o governo

    anterior, s por uma questo de luta poltica imediata. Sem prejuzo de que qualquer

    linha de ao pode sempre sofrer correes, mas as correes podem ser

    incrementais, no tm de querer comear tudo de novo de cada vez. Em vez disso,

    para continuar no exemplo, usaram-se mtodos terroristas para lidar com o programa

    Novas Oportunidades, confundindo destruio (que se paga cara) com melhorias mais

    ou menos pontuais (que so sempre necessrias em qualquer obra humana).

    - III -

    Este problemavistas curtas do funcionamento do nosso sistema polticoest

    identificado. O problema adicional que ningum conseguiu, at ao momento, mudar

    esta realidade no sentido desejado: dar profundidade estratgica governao do

    Pas. A ideia de Antnio Costa, com a Agenda da Dcada, atacar nessa questo de

    mtodo fundamental.

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    Algumas pessoas, que julgam que o trabalho dos polticos responder s expectativas

    dos media, tiveram a atitude preguiosa de nem tentarem perceber o que estava em

    causa no que disse AC.

    Um dos aspetos mais curiosos dessa vaga reativa tem a ver com uma afirmao de AC

    sobre a dvida, lembrando que a dvida no a causa dos nossos problemas

    estruturais, mas, antes, foram os nossos problemas estruturais (ligados

    produtividade e nossa insero no comrcio internacional, por exemplo) que foram a

    causa do problema da dvida. Parece que algumas pessoas acharam bizarra essa

    declarao. Francamente, o que bizarro que ainda haja jornalistas e opinadores

    que ainda no tenham percebido quo fundamental perceber precisamente aquilo

    que disse AC. Seria uma enorme tragdia que se resolvesse o problema da dvida s

    para, depois, recomear a esquecer quais so os estrangulamentos fundamentais que

    adiam sempre a nossa prosperidade econmica e social. Seria uma enorme tragdia

    que, depois de tudo o que passmos, voltasse a acontecer no futuro que uma crise

    poltica interna gerada por mero egosmo partidrio, criada pela vontade de ir ao

    pote (expresso de PPC), nos fragilizasse num contexto de enorme exposio

    internacional. Seria gravssimo que o Pas no se equipasse politicamente para ser

    capaz de se defender melhor, mais solidariamente, mais organizadamente, na resposta

    s dificuldades que enfrentamos. preciso resolver o problema da dvida e do dfice

    mas preciso saber para qu. Para mobilizar os portugueses para um percurso,

    entusiasmante mas exigente, no basta mandar marchar: preciso saber para onde

    vamos. Temos de saber definir as metas. E, para isso, a questo fundamental ,

    exatamente, que Pas queremos ser daqui a dez anos.

    - IV -

    Tal como Antnio Costa a apresentou, a Agenda da Dcada tem outra virtualidade

    poltica: combinar mudana com estabilidade no quadro de uma democracia madura.

    Vejamos.

    Indiscutivelmente, depois da forma ideolgica e insensvel como a atual maioria lidou

    com a crise, precisamos de mudar de polticas, de mtodos, de protagonistas. O PSD e

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    o CDS precisam de uma licena sabtica para se curarem de uma experincia

    governativa em que ignoraram a realidade dos portugueses e comearam a pensar,

    como explicava o lder parlamentar do PSD, que possvel o Pas estar melhor

    enquanto os portugueses esto pior. E o Pas tambm precisa dessa licena sabtica,porque estamos cansados desta governao tanto mais agressiva quanto mais

    desnorteada. Precisamos de uma viragem. Nesse quadro, seria desejvel que outros,

    esquerda, deixassem de se focar exclusivamente na contestao e comeassem a

    pensar no que poderiam ganhar, para os ideais que os guiam quando pensam no Pas,

    se aceitassem pensar em termos de desafios concretos da governao. No bom

    para a democracia que haja uma fatia do eleitorado esquerda que, h dcadas de

    democracia constitucional, nunca tenha sido envolvida numa soluo para governar o

    Pas. Eu espero que essa mudana ocorra e tenha consequncias no prximo ciclo

    poltico (e digo isto h muito tempo).

    Contudo, ningum pensa que a direita vai morrer para a democracia portuguesa.

    Parece que tabu, hoje, ser de esquerda e assumir que o PSD no vai ser confinado a

    um campo de concentrao nas Berlengas. A direita precisa da tal licena sabtica (ns

    precisamos de colocar a direita em licena sabtica), mas o PSD e o CDS vo voltar a

    ser alternativa de podere ainda bem, porque disso que vive a democracia. E,

    portanto, os partidos da direita devem, como outros agentes polticos, e as mais

    diversas foras sociais, entrar num compromisso estratgico para a dcada. As reais

    escolhas, as reais divergncias, fazem sentido sobre o pano de fundo de convergncias

    essenciais que devem ser largamente partilhadas pela esmagadora maioria dos

    portugueses. Para que as divergncias faam sentido, e os portugueses tenham

    alternativas e possam escolher entre elas, til que se desenhe primeiro (ou aomesmo tempo) o pano de fundo das convergncias. E, como claro, no horizonte de

    uma dcada, essa convergncia no pode ser s de esquerda, nem ser s de direita.

    Ora, precisamente, para ser possvel essa combinao produtiva entre prazo de uma

    legislatura e prazo mais longo, estratgico, precisamos da Agenda para a prxima

    Dcada proposta por Antnio Costa. Alis, o que Antnio Costa prope um quadro

    para comear a construir essa Agenda, dizendo que esse processo continuar at,

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    mesmo depois de ser governo, na Concertao Social, para continuar essa construo

    e lhe dar enraizamento na sociedade organizada, no sendo apenas coisas de partidos.

    - V -

    Parte essencial da abordagem de Antnio Costa, em todos os trabalhos por onde

    passou, questo de mtodo. O mtodo de um debate poltico a vrios planos, com

    diferentes horizontes temporais, onde o curto prazo no obscurece o longo prazo,

    onde a divergncia de hoje no impede a convergncia de amanh, , a meu ver, parte

    essencial da proposta que Antnio Costa est a apresentar ao Pas. que Mobilizar

    Portugal, como ele se prope, no coisa que se faa em modo tecnocrtico.

    Mobilizar Portugal no s contedo das polticas, tambm o modo de fazer as

    coisas: respeitar as pessoas, respeitar as instituies, respeitar as diferenas, esquecer

    o consenso oco e artificial e colocar em marcha a negociao sria, o compromisso

    nobre e que no apaga as diferenas. E tudo isso s possvel se soubermos levantar

    os olhos e olhar para a frente. Pelo menos, para o horizonte de uma dcada.

    Se no percebermos isto, no percebemos nada do que Antnio Costa est a proporao Pas. O gosto pelos chaves, por ttulos que entram facilmente no ouvido, causa

    estragos notveis em certos opinadores mais cataventos. Primeiro, Antnio Costa era

    acusado de aparecer como um messias, um homem providencial que apostava

    apenas na aura pessoal para efeitos polticos. Agora, como j se v que a sua ao

    poltica tudo o contrrio de qualquer messianismo ou populismo, quando mostra a

    seriedade da sua abordagem, no prometendo milagres nem facilidades, mas

    oferecendo uma via democrtica para sair da criseMobilizar Portugal, agora

    lamentam-se porque o candidato no avana com solues mgicas, rpidas e de

    efeito garantido. Eu continuo a preferir a Agenda da Dcada agenda da espuma dos

    dias. E acho que a nica maneira de conseguir, nesta poltica que temos, forar este

    debate, no comear pelos temas evidentes. Confio que Antnio Costa no deixar

    de ir a todos os temas que os jornalistas queriam ouvir hojeou ontem. Mas segundo

    o seu prprio mtodo.

    Fico contente por isso.

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    J vos disse que o mtodo , precisamente, uma das razes principais para eu apoiar

    Antnio Costa?

    (24 de Julho 2014, no blogue Machina Speculatrix)

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    Mobilizar Portugal

    Caras Amigas e Caros Amigos, Caras e Caros Camaradas,

    com um prazer muito especial que participo nesta Conveno em Aveiro, onde iniciei

    a minha participao cvica, quando aos 14 anos subi as escadas de um prdio aqui do

    centro da cidade para me inscrever na Juventude Socialista, nesta cidade onde fui

    ativista e dirigente associativo.

    Este um regresso que me sabe muito bem. Mas, estar aqui nesta Conveno

    representa para mim um regresso mais fundamental: o regresso esperana de que

    ainda vamos a tempo de celebrar os 50 anos do 25 de Abril num Portugal mais

    desenvolvido, mais eficaz e mais eficiente, e, ao mesmo tempo, com mais equidade e

    com direitos mais efetivos para todos. E estamos muito precisados dessa esperana,

    uma esperana realista que seja capaz de se dotar dos instrumentos para a sua

    concretizao. Uma esperana que s ser possvel se formos capazes de Mobilizar

    Portugal.

    Para Mobilizar Portugal, o nosso candidato a primeiro-ministro lanou um desafio:

    construir uma Agenda para a prxima Dcada.

    Tivemos, hoje, nesta Conveno, um momento forte de impulso na construo da

    Agenda da Dcada.

    Pelo que pudemos ver e ouvir, pelas concluses apresentadas pelos coordenadores

    dos painis, comeou bem a construo desta Agenda da Dcada.

    Algumas vozes queixaram-se de que este movimento para Mobilizar Portugal veio aqui

    discutir a lusofonia, o interior e as cidades, o mar, a modernizao das empresas e do

    Estado, a cincia, a cultura, o combate s desigualdadese, queixam-se essas vozes,

    no discutimos o dfice e a dvida.

    O dfice e a dvida so temas importantes, no tenhamos dvida, e falaremos deles

    nesta campanha.

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    Mas preciso saber em nome de que pas queremos resolver esses problemas.

    Seria uma enorme tragdia que se atacasse o problema da dvida e do dfice s para,

    depois, voltar a esquecer quais so os estrangulamentos fundamentais que adiam

    sempre a prosperidade econmica e social do Pas. O PS no quer resolver esses

    problemas custa dos que pagam sempre as crises quando a direita governa. Notem

    que o lema deste movimento que somos Mobilizar Portugal.

    Ora, para mobilizar os portugueses para um caminho, entusiasmante mas exigente,

    no basta caminhar: preciso saber para onde vamos. A questo fundamental ,

    exatamente, que Pas queremos ser daqui a dez anos. E por isso esta construo da

    Agenda da Dcada to importante. Este processo no um processo de tecnocratasou idelogos a querer experimentar mais umas receitas custa do pas. Isso j

    sabemos o resultado que d e no queremos repetir. Como tambm no um

    processo meramente voluntarista.

    que Mobilizar Portugal no s questo de contedo das polticas, no coisa que

    se faa com uma srie de decretos, tambm o modo de fazer as coisas, o mtodo:

    respeitar as pessoas, respeitar as instituies, mudar as representaes e as

    aspiraes, envolvendo os atores econmicos e sociais na identificao das questes

    relevantes e na apropriao dos objetivos e dos instrumentos. colocar em marcha a

    negociao sria, o compromisso que no apaga as diferenas. E tudo isso s possvel

    se soubermos levantar os olhos e olhar para a frente.

    Por isso estamos empenhados nesta construo da Agenda da Dcada.

    Pensar em comum e pensar estrategicamente um grande desafio. Ainda mais

    quando esse exerccio tem de ser feito no quadro de uma Europa que tem ela prpria

    de ser repensada.

    A Europa foi enfraquecida por seis anos de crise.

    Enfraquecida economicamente, pela recesso.

    Enfraquecida socialmente, pelo desemprego massivo e pelas desigualdades.

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    Enfraquecida politicamente, porque perdeu legitimidade aos olhos dos cidados pela

    forma desordenada e incompetente como reagiu s crises.

    A Comisso Europeia enfraqueceu-se a si prpria, e foi enfraquecida pelo regresso de

    um intergovernamentalismo agressivo.

    A ideia de governao econmica europeia foi capturada por uma viso ideolgica da

    disciplina oramental, que usa o estribilho das reformas estruturais para impor a

    desregulao dos mercados, a compresso salarial e o recuo nos direitos sociais.

    A ideia de reforo da coeso perdeu a centralidade poltica que j teve e que precisa

    de voltar a ter.

    A crise lembrou, a quem o tivesse esquecido, que a Europa no se legitima apenas

    politicamente. A construo europeia requer igualmente um continuado processo de

    legitimao econmica, j que a Europa s faz sentido se for tambm um projeto de

    prosperidade partilhada.

    Contudo, a tentao de virar as costas Europa seria um erro grave.

    Por qu? importante responder, de novo, a esta pergunta: por qu a Europa?

    Certamente que, hoje, no basta repetir, embora seja verdade, que esta comunidade

    deu ao continente um perodo de paz sem precedentes.

    Mas isso j no basta. Metade da Europa a empobrecer no vai sequer ser capaz de

    garantir a paz.

    Para os nossos valores de justia social e progresso, o mundo est difcil.

    Essa combinao sagaz de progresso econmico e de progresso social a que chamamos

    modelo social europeu est ameaado por transformaes econmicas reais: a

    liberalizao financeira desregulada a nvel global, em prejuzo da economia produtiva,

    diminuiu drasticamente a autonomia dos poderes democrticos.

    No podemos perder de vista que a Europa avanou para a criao do euro para

    proteger os pases face aos perigos da globalizao financeirae ter presente que

    esses perigos aumentaram, no diminuram.

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    certo que, afinal, o euro no estava preparado para nos proteger do potencial de

    desestabilizao da finana global liberalizada, como alguns alertaram

    atempadamente.

    Mas tambm certo que, fora da Europa, ou numa Europa mais fraca, estaramos

    ainda mais expostos aos riscos da globalizao. O caminho no passa, pois, por desistir

    da Europa ou por regressar a qualquer ideal de autarcia. O caminho passa por renovar

    o nosso empenhamento na Europa, em trabalharmos para fazer da moeda comum um

    vetor de prosperidade e convergncia.

    Mas para isso precisamos de uma nova atitude de Portugal na Europa.

    Porque preciso trabalhar para transformar promessas de convergncia em realidade

    efetiva.

    Porque preciso trabalhar para eliminar fatores de distoro do funcionamento da

    zona euro que so prejudiciais ao nosso desenvolvimento. No podemos achar normal

    que, no seio da mesma zona monetria, uma empresa de um pas do Sul se financie a

    taxas de juro 2 pontos percentuais acima da taxa a que se financia uma empresa de

    um pas do Norte.

    preciso voltar a colocar os direitos das pessoas no centro da construo europeia.

    Por exemplo, no que a soluo para o desemprego esteja na emigraocomo

    disse Antnio Costa, a liberdade de circulao no pode ser confundida com

    necessidade de circulaomas aqueles que vo trabalhar fora das fronteiras

    nacionais no podem ser penalizados por uma portabilidade insuficiente das

    qualificaes e dos direitos sociais.

    H, pois, muito trabalho a fazer na Europa.

    Desde logo, trabalhar pelo objetivo de completar a arquitetura do euro a tempo de o

    salvar. Alguns passos j foram dados, mas h ainda muito a fazer.

    A unio econmica e monetria tem de reforar as polticas de convergncia, a Europa

    tem de se dotar de mecanismos permanentes de reduo das assimetrias entre

    Estados-Membros. Vrias propostas e estudos tm sido avanados em vrios pases,

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    ns no podemos fazer de conta que no sabemos de nada, como tem feito o atual

    governo. Portugal tem de ter uma voz audvel nesse processo.

    claro que o caminho no est em sermos um Estado Membro que falha as suas

    obrigaes europeias. Mas a verdade que, se o Pacto de Estabilidade e Crescimento

    e o Tratado Oramental reconhecem que a poltica oramental deve assumir, em

    regra, um cariz contracclico, quer dizer, deve permitir estimular a atividade econmica

    em perodos de recesso e deve funcionar como conteno em situaes de

    crescimento, o que tem sido aplicado no esse lema sbio e prudente de poupar

    nos tempos bons para utilizar nos tempos difceis. O que tem sido aplicado, com a

    colaborao, com o quase entusiasmo ideolgico do governo PSD/CDS, uma leitura

    parcial deste enquadramento europeu, que prejudica o crescimento econmico e a

    criao de emprego. Ns no queremos ser um pas incumpridor, queremos que os

    instrumentos europeus sirvam a convergncia e no a divergncia. E temos de saber,

    tcnica e politicamente, mostrar que possvel uma aplicao inteligente dos tratados

    e dos pactos.

    Temos, primeiro, de saber criar compromissos internos to alargados quanto possvel

    que nos deem mais fora na negociao europeia. E, depois, temos de ser capazes de

    estabelecer alianas, de geometria varivel, com outros Estados Membros, que

    reforcem as nossas posies, percebendo que outros pases, devido sua situao

    econmica e social, tm interesses convergentes com os nossos. O que no podemos

    fugir dessas convergncias no concerto europeu, como tem feito o atual governo.

    preciso negociar, negociar sempre, procurar sempre aliados, manter as alianas,

    argumentar, persuadir. Quem j teve experincia de negociao europeia sabe que

    nada est nunca ganho partida e nada est nunca perdido partida, mas preciso

    saber o que se quer e trabalhar constantemente em todos os planos para o alcanar.

    Mas para isto ser possvel, no podemos enganar-nos no diagnstico das nossas

    debilidades estruturais, para no as agravar ainda mais com estratgias de

    desvalorizao interna. A economia portuguesa no ganhar competitividade

    reduzindo o preo dos bens e servios que j produz, mas produzindo bens e servios

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    diferentes, mais intensivos em conhecimento. Portugal no pode desperdiar os seus

    recursos, nomeadamente os fundos estruturais, a atolar-se em vises de curto prazo.

    Por isso precisamos desta Agenda para a prxima Dcada. Uma agenda que mobilize

    os Portugueses em torno de objetivos nacionais comuns, de longo prazo, sustentveis.

    Para que no estejamos sempre a desfazer o que de bom conseguimos fazer, apenas

    por causa da pequena guerrilha poltica imediatista.

    Portugal precisa, agora, de uma viragem. Vista a forma ideolgica e insensvel como o

    atual governo lidou com a crisemudar de polticas, de mtodos, de protagonistas,

    uma urgncia. Agora, no basta a alternncia, Portugal exige uma alternativa. Cair

    agora numa espcie de rotativismo, apenas criaria mais desiluso, mais descrena,mais desconfiana. E agravaria a crise da representao.

    Por isso faz falta um PS forte. S um PS forte ser capaz de Mobilizar Portugal.

    Sejamos claros: uma maioria absoluta no Parlamento dar ao PS as melhores

    condies para Mobilizar Portugal. Mas nem uma maioria absoluta dever desviar o PS

    da procura dos compromissos alargados que deem mais amplitude e mais

    profundidade mudana necessria.

    Seria desejvel que outras foras polticas, que no estejam comprometidas com a

    atual governao, quisessem contribuir para a nova maioria poltica, tal como

    contamos que os parceiros sociais se empenhem na construo de uma nova Agenda.

    O to abusado conceito de arco da governao no pode servir para justificar a

    excluso sistemtica de certos partidos da responsabilidade de governar. na sua

    pluralidade que o Parlamento representa o pas e no h qualquer razo para o PS

    ignorar as aspiraes dos eleitores representados pelos partidos que no parlamento se

    sentam sua esquerda.

    Mas a esquerda que no Parlamento se senta esquerda do PS no pode voltar a

    enganar-se de adversrio, porque no passado cometeu erros de avaliao que

    ajudaram a alar ao poder o atual governo.

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    Tambm apelamos a essa esquerda para que reconhea que a contestao e a

    oposio, por si ss, no resolvem os problemas dos portugueses. preciso aceitar o

    desafio de construir uma alternativa.

    O pas no precisa de consensos artificiais e opacos. O que o pas precisa de

    compromissos transparentes, onde as diferenas so assumidas e servem de cimento

    para convergncias mais slidas e mais relevantes, sabendo que os compromissos

    podem tomar formas diversas.

    Quem ter coragem de aceitar o desafio?

    Ns estamos aqui para isso.

    A construir um programa de recuperao da economia e do emprego, para a prxima

    legislatura.

    A construir uma viso estratgica para o pas para a prxima dcada.

    Inspirados pelo prximo primeiro-ministro de Portugal, Antnio Costa, respondendo

    presente ao desafio que ele nos lanou para Mobilizar Portugal.

    Viva o PS!

    Viva Portugal!

    (26 de Julho 2014, interveno na Conveno Nacional Mobilizar Portugal, em Aveiro,

    na sesso final, na qualidade de coordenador da moo poltica da candidatura de

    Antnio Costa)

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    Grandes opes do governo para mobilizar Portugal

    As Grandes Opes de Governo apresentadas por Antnio Costa s primrias do PS

    assentam em trs pilares: uma Agenda para a Dcada, um Programa de Recuperao

    da Economia, uma nova atitude de Portugal na Europa. Deixo sublinhados dessa

    proposta.

    Como Antnio Costa reafirmou, a construo da Agenda da Dcada o primeiro pilar

    da viso que prope para o pas. Depois de trs anos de um governo que adotou como

    mtodo poltico a diviso entre portugueses e o conflito institucional, a Agenda da

    Dcada dever ser um instrumento de compromisso duradouro e frutuoso na

    sociedade portuguesa. No estamos a falar de apelos a consensos ocos e opacos, que

    tm sido instrumentalizados para tentar perpetuar a atual poltica governamental. A

    Agenda da Dcada visa outra cultura poltica para o nosso pas: dever envolver

    compromissos mais profundos do que as naturais divergncias entre governo e

    oposio numa dada legislatura; deve permitir uma larga congregao de esforos em

    objetivos estratgicos de longo prazo que no estejam sempre a mudar quando muda

    o governoporque transformaes estruturais importantes e difceis requerem

    tempo, persistncia, coerncia. No deve ser apenas um compromisso entre agentes

    poltico-partidrios, envolvendo profundamente tambm os parceiros sociais. Talvez

    nem todos tenham ainda medido o alcance desta viso, que representa, na verdade,

    uma proposta de mudana profunda do clima e das prticas at agora dominantes na

    poltica portuguesa. E, o que mais, Antnio Costa tem demonstrado ao longo da sua

    vida pblica que quer, sabe e consegue fazer essa transformao positiva na qualidade

    da luta poltica. Bem precisamos disso.

    Outro pilar da viso que Antnio Costa prope ao pas uma resposta de emergncia

    ao estado a que Portugal chegou: o Programa de Recuperao da Economia. A se

    apresentam desde j propostas concretas, que no podem ser aqui resumidas, e que

    convido a ler na verso integral da Moo. Mas cabe sublinhar, desde j, a sua

    arquitetura fundamental.

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    Por um lado, pretende mobilizar a iniciativa e o potencial de investimento empresarial,

    dando os sinais certos iniciativa privada. Primeiro, identificar atividades econmicas

    e sectores prioritrios, selecionados pela sua elevada capacidade de promoo direta e

    indireta do emprego, por contriburem para um impacto positivo nas relaeseconmicas com o exterior (aumentando exportaes e/ou substituindo importaes),

    por reforarem uma economia ambientalmente sustentvel. Depois, criar condies

    para concentrar os esforos nessas atividades priorizadas, onde um Estado promotor

    combina bem com a iniciativa empresarial privada e assume claramente o seu papel na

    promoo do desenvolvimento, designadamente sendo capaz de incrementar fatores

    de competitividade empresarial efetivos (como um ambiente de negcios

    desburocratizado e com custos de contexto reduzidos), assumindo funes

    estratgicas na ligao entre a investigao cientfica e tecnolgica e a inovao

    empresarial, implementando uma poltica industrial que acrescente viso do bem

    comum (legtima) procura de valor por parte dos privados.

    Por outro lado, a recuperao da economia s ganha o seu melhor significado no

    quadro da construo de uma sociedade decente, uma sociedade de cidados com

    direitos, onde se promove a igualdade de oportunidades e se combatem as

    desigualdades excessivas e injustas, onde se promove a autonomia das pessoas e se

    trabalha na perspetiva de uma comunidade de cidados. Assumindo que preciso

    acabar com a incerteza que tem instabilizado a vida das pessoas nestes ltimos anos,

    que preciso restabelecer a confiana, o Programa de Recuperao da Economia

    aposta na revalorizao profunda da concertao social, no relanamento da

    negociao coletiva sectorial, em polticas de emprego que apostem nos mais

    qualificados e nos mais jovens sem esquecer os menos jovens e menos qualificados, narevalorizao e dignificao do trabalho, no combate decidido precariedade no

    trabalho, na recuperao da trajetria de subida real do salrio mnimo, na

    recuperao da estabilidade das prestaes sociais, numa estratgia de combate

    pobreza infantil e juvenil. Deste modo, assume-se que a Dignidade das pessoas e do

    trabalho no pode ficar de fora da resposta de emergncia ao retrocesso sociale isso

    traduz-se num programa concreto e articulado.

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    A proposta nova atitude na Europa reafirma objetivos e prope um mtodo: escorar a

    nossa posio europeia em compromissos internos alargados, explorar as disposies

    dos tratados que nos so favorveis, estabelecer alianas de geometria varivel com

    pases com interesses objetivos convergentes, negociar sempre e manter o rumo.Quem tem experincia de negociao europeia sabe que prometer milagres

    estultciatanto como desistir antes de tentar, como tem feito o governo PSD/CDS.

    Resta-me sugerir a leitura das duas moes apresentadas s Primrias do PS.

    (Este texto uma combinao dos artigos publicados no Expresso a 6 de Setembro

    2014 e no site Mobilizar Portugal a 13 de Agosto 2014, na qualidade de coordenador

    da moo poltica sobre as grandes opes de governo Mobilizar Portugal)

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    Contratos incompletos e as primrias do PS

    As Grandes Opes de Governo apresentadas por A. Costa e A. J. Seguro trouxeram

    novas chaves de leitura s primrias do PS. No estando em curso uma refundao

    programtica, encontramos a pontos de convergncia, a par de diferenas assinalveis

    entre as duas moes. No podendo analis-las aqui, sugiro a leitura de ambas e

    sublinho outro aspeto da questo.

    As moes so uma espcie de contrato entre foras polticas e os cidados. Ora, para

    perceber o que est em causa importante reconhecer que todos os contratos so

    incompletos. Para ser completo, um contrato deveria estipular ex anteum conjunto

    completo de regras comportamentais de aplicao ex postcapazes de resolver

    exaustivamente todos os problemas que pudessem surgir na implementao. No

    mundo real, todos os contratos so incompletos: porque nunca podemos antever

    completamente a estrutura das questes que podem surgir no futuro, certas regras

    daro resultados inesperados e sero mudadas, circunstncias novas exigiro normas

    novas, surgiro diferentes interpretaes dos compromissos assumidos e novas

    preferncias dos agentes. S uma viso mecanicista do mundo social poderia

    convencer-se de que basta um contrato (um programa) para firmar uma relao

    sustentvel numa comunidade poltica. A necessria relao de confiana tem de ser

    suportada, alm disso, no mtodo e na histria pblica dos seus portadores.

    E, a, o que Antnio Costa (A.C.) apresenta ao pas muito distintivo.

    Primeiro, quanto ao mtodo. J foi assinalado que um dos pilares da estratgia de A.C.

    um programa de recuperao da economia, focado em atividades econmicas

    priorizadas pela sua elevada capacidade de promoo do emprego, impacto positivo

    nas relaes econmicas com o exterior e reforo de uma economia ambientalmente

    sustentvel. O que tem sido menos sublinhado que, na proposta de A.C., a

    recuperao da economia aparece claramente articulada com a construo de uma

    sociedade decente. Da a ateno detalhada dignificao do trabalho, revalorizao

    da concertao social, ao relanamento da negociao coletiva sectorial, ao combate

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    decidido precariedade no trabalho, recuperao da estabilidade das prestaes

    sociais, a uma estratgia de combate pobreza infantil e juvenil. Como socialista,

    entendo que esta articulao faz toda a diferena.

    Ainda quanto ao mtodo: notrio o desassombro com que A.C. coloca de forma nova

    o problema da governabilidade esquerda, mas tem sido menos escrutinada a sua

    proposta de uma Agenda para a Dcada. No falo aqui pelo contedo, mas pela

    dinmica implcita. Assumido que a prxima legislatura ser de rutura com a atual

    governao, h que assumir tambm que o pas precisa de convergncias estratgicas

    a mais longo prazo, nas quais se revejam duradouramente a esmagadora maioria dos

    portugueses. Sem isso nunca seremos capazes das transformaes mais pesadas e

    demoradas, como a qualificao das pessoas, das organizaes e do territrio. E,

    corolrio, o pas precisa de ultrapassar o clima poltico de confronto permanente,

    civilizar os debates, reconhecer que as divergncias so mais salutares numa

    democracia assente numa rede de convergncias fundamentais, partilhadas

    esquerda e direita. A proposta de uma Agenda para a Dcada, como mtodo poltico,

    far toda a diferena, permitindo encontrar uma nova combinao entre mudana e

    estabilidade numa democracia madura.

    Para o contrato poltico proposto conta igualmente a histria pblica dos seus

    portadores. Deixemos o falso pudor: preciso comparar os protagonistas. A.C. foi o

    ministro do Simplex: ser preciso sublinhar a importncia de termos governantes que,

    em lugar de desorganizarem o Estado, sejam capazes de o modernizar na tica do

    servio s pessoas e s atividades? Como presidente da CML, a partir de uma manta de

    retalhos poltica (lembrar como estava dilacerada a rea poltica do PS, e como estava

    em dificuldades a cmara, aquando da sua primeira eleio), A.C. construiu uma

    maioria alargada e plural, que tem dado cidade uma governao responsvel e

    progressiva. Em Lisboa se tem mostrado como, mesmo em tempo de crise, a

    governao pode respeitar a cidadania. Ser preciso sublinhar a importncia de

    polticos capazes de agregar vontades diversas para fixar e prosseguir objetivos

    comuns?

    Quando, no incio dos anos 1990, governava Cavaco Silva, o excesso de zelo do SEFprovocou o escndalo Vuvu Grace (a jovem zairense que chegou ao aeroporto da

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    Portela para visitar o marido com a filha de seis anos, sendo ambas retidas por no

    terem bilhetes de regresso), A.C. no virou a cara. Como advogado, interps uma (bem

    sucedida) providncia cautelar. Como deputado, nesses anos em que o cavaquismo

    dava todos os sinais errados (desalojados de Camarate, dentistas brasileiros, recusa deasilo pedido por razes humanitrias), A.C. foi um dos que lanaram as bases para uma

    pacificao da questo da imigrao, designadamente atravs de um aturado esforo

    de mobilizao das comunidades imigrantes para a participao poltica. Sabemos,

    olhando para pases europeus onde a imigrao fator de graves dissenses, a

    importncia de ter havido entre ns essa coragem e viso. Ser preciso sublinhar a

    importncia de termos estadistas que compreendam os grandes desafios do mundo

    atual e lhes respondam com inteligncia global, como Antnio Costa est de novo a

    fazer, nesta matria, com a sua proposta de uma carta de cidadania lusfona?

    Por tudo isto, digo: percebemos melhor o que est em causa nas primrias do PS se

    tivermos presente que todos os programas polticos so contratos incompletos, cuja

    compreenso cabal implica incluir na equao o mtodo e a histria pblica dos seus

    portadores.

    (6 de Setembro 2014, Pblico, na qualidade de coordenador da moo poltica sobre

    as grandes opes de governo)

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    "H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a

    s-lo"

    Foi coordenador da moo de Antnio Costa [nas Primrias]. Como antev o futuro

    do PS?

    Quero esclarecer que formalmente no tenho nenhuma representao de Antnio

    Costa, neste momento. No perteno aos rgos do partido, no sou deputado. Tive

    uma funo na campanha [eleitoral para as primrias]. A campanha acabou. E no

    quero prolongar essa funo. Este um esclarecimento que tem de ser dado.

    Mas um homem livre, portanto, tem opinio.

    Sim, sou livre. Falo a ttulo meramente pessoal.

    O que vai mudar no PS com Antnio Costa? Ser uma oposio mais forte? As

    divises internas iro manter-se ou haver capacidade para unir o partido?

    O PS j teve muitas responsabilidades no governo e na oposio em vrias fases da

    democracia portuguesa. H dcadas que o PS sempre o mesmo e vai continuar a s-

    lo. Fez parte da sua misso, em certos momentos, discutir a orientao, os mtodos, o

    caminho concreto a seguir, mas isso no tragdia nenhuma! O PS sair mais forte e

    mais unido depois deste processo de debate que foi necessrio para esclarecer umcaminho mas que terminou. Estou certo de que o partido vai demonstrar muito

    rapidamente que est mais forte e unido. O Pas precisa. Por isso, o PS vai fazer essa

    unio.

    Nesse contexto, a escolha de Ferro Rodrigues para lder do grupo parlamentar

    importante para lanar pontes e cimentar a unidade?

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    Ferro Rodrigues foi secretrio-geral do PS num momento particularmente difcil para o

    partido. Mostrou, nessa altura, que sabia falar ao Pas e entender aquilo de que o Pas

    precisava. E continua a ser assim. um ativo do partido e certamente o PS pode contar

    com ele, pois dar um contributo relevante para o reforo da unidade (interna) e davoz do PS na sociedade portuguesa. No tenho a mais pequena dvida. Estou muito

    contente com essa escolha.

    Ferro Rodrigues estar sempre ligado s questes sociais, nomeadamente criao

    do rendimento mnimo garantido. Esta memria do Estado social , tambm, uma

    mais-valia para o PS?

    Eduardo Ferro Rodrigues - como outros governantes socialistas - demonstrou saber

    atuar em relao aos problemas reais dos portugueses e que no o faz de forma

    desleixada. Quando enfrenta problemas graves como a pobreza e a excluso social, f-

    lo com rigor, mtodo e eficincia, no de uma forma despesista mas responsvel.

    Sempre acreditou na vitria de Antnio Costa, presumo. Que foras o candidato

    apresentava para obter um resultado to esmagador face a Antnio Jos Seguro?

    No posso dizer que sempre acreditei na vitria de Antnio Costa. No me coloco nos

    combates polticos em posio de fazer prognsticos ou de (atos de) f. Achei que era

    um movimento necessrio e apoiei o seu ato corajoso de disponibilizar-se num

    momento difcil do Pas. Os socialistas, quer militantes quer simpatizantes, e at muita

    gente fora do eleitorado tradicional do PS, compreenderam que Antnio Costa tomou

    esse gesto responsavelmente por entender que tinha possibilidade de fazer alguma

    coisa e no poderia ficar quieto e compreenderam que Antnio Costa estava a ser

    genuno. As pessoas esperam que os responsveis polticos faam aquilo de que o Pas

    precisa e no o que lhes interessa em termos de comodidade, carreira ou calculismo.

    O figurino das primrias veio para ficar e pode arrastar outros partidos?

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    As primrias so uma forma possvel. No digo que seja nica nem exemplar. Mas so

    uma forma de procurar um relacionamento mais direto, mais transparente, entre os

    partidos e as pessoas em geral que tm o direito de participar, dar a sua opinio, votar,

    mesmo que no tenham disponibilidade para estar envolvidos com os partidos. Defuturo este debate no vai morrer. A democracia um processo de construo. Se

    calhar temos de ir mais longe, no necessariamente com as primrias, mas com formas

    de transformar a poltica numa atividade de cidadania e no numa coisa de carreiras.

    Como vai utilizar o PS a grande base de dados criada especificamente para as

    primrias?

    No fao a mais pequena ideia. Nem sei se o PS ir ficar com essa base de dados. Nem

    sei em termos legais qual o uso que se pode fazer... como lhe disse no tenho

    nenhuma responsabilidade no partido.

    Em novembro os militantes escolhem o secretrio-geral. Prev o surgimento de

    outros candidatos que representem a linha segurista?

    A democracia tem de ser entendida como algo natural. Pessoalmente, irei apoiar

    Antnio Costa para secretrio-geral do partido. Mas se houver camaradas no interior

    do PS que pensem que a melhor forma de expressar a sua opinioo que no significa

    ser completamente divergente, mas podendo ser diferente apresentar outro

    candidato ou apresentar listas para os rgos nacionais, acho isso normal. No

    podemos pensar que os partidos so exrcitos em que toda a gente tem de marchar

    atrs do comandante. Os partidos so organizaes democrticas em que pode haver

    convergncias muito profundas e ao mesmo tempo haver diferenas desde que as

    pessoas sejam capazes de debater sem se excomungarem mutuamente. Portanto,

    acho normal e saudvel.

    (1 de Outubro de 2014, Entrevista ao DN)

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    Os socialistas e a esquerda da esquerda

    1. Entre os militantes e simpatizantes do PS, os partidos da esquerda da esquerda

    no so muito populares. compreensvel: muitas vozes do PCP e do BE repetem,

    sempre que podem, que o PS no de esquerda, tese na qual se aplicam com este ou

    aquele critrio que serve o seu intento de donos da fronteira e de certificadores da

    pureza do material, o que, obviamente, desagrada generalidade dos socialistas. Uma

    forma particularmente repugnante dessa teoria consiste em dizer que no tem havido

    diferena assinalvel entre os governos da direita e os governos do PSo que, sendoto fcil de verificar objetivamente que falso, obviamente nos incomoda. Se essas

    pretenses de uma certa esquerda da esquerda fossem s excitaes tericas, talvez

    elas at nem fossem obstculo de maiormas, infelizmente, foi uma coligao

    negativa, dos partidos da esquerda da esquerda com o PSD e o CDS, que escancarou o

    caminho ao atual governo. E, isso, muitos portugueses, no apenas socialistas, no

    esquecem e ainda amargam duramente.

    2. Ora, compreendendo eu as razes para essa alergia dos socialistas ao

    comportamento poltico da esquerda da esquerda, por qual razo continuo eu a dizer

    que o PS deve procurar um novo relacionamento poltico com militantes e

    simpatizantese organizaesde causas que se posicionam tradicionalmente

    esquerda do PS? Por vrias razes, que, tendo j explicado vrias vezes, aqui resumo.

    Primeiro, porque (como se afirma na moo de Antnio Costa ao XX Congresso do PS)

    o facto de, durante tanto tempo na nossa democracia, sectores significativos do

    eleitorado no se envolverem na partilha das responsabilidades de governar,

    representa um empobrecimento da democracia. Sem estar agora a querer apurar

    responsabilidades para esse facto, julgo que seria tempo de concretizar um princpio

    que tambm se explicita na referida moo: na sua pluralidade que o Parlamento

    representa o pas. Quem se preocupa com a sade da democracia tem de estar

    interessado em que a representao funcione, quer dizer, no exclua

    sistematicamente sectores da populao. E s um irresponsvel (ou algum demasiado

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    enclausurado na lgica das mquinas poltico-partidrias) no se preocupar com a

    necessidade de renovar continuadamente a sade da democracia.

    Segundo, por aquilo que representam os partidos dessa esquerda da esquerda. O PCP

    continua a dar expresso, quer partidria quer sindical, a sectores importantes da

    sociedade portuguesa, os quais, mesmo que no sejam j maioritrios, representam

    uma parte das foras com que temos de contar para desenvolver com equidade o

    nosso pas. Uma revalorizao do trabalho e das organizaes dos trabalhadores na

    economia e na sociedade deveria contar com os comunistas. Talvez esse processo em

    certos aspetos at tenha de ser feito apesar dos comunistas, mas, globalmente, seria

    mais alargado e mais profundo se fosse feito com os comunistas e com os sindicatos. O

    BE, apesar de se ter rapidamente esclerosado, prometia juntar vozes dispersas

    tentando a renovao de um certo iderio radical que extravasava em muito os

    partidos que originariamente se juntaram para criar o Bloco. Embora muitos, por

    excessiva ortodoxia na anlise, desprezem o papel do BE por causa do seu carcter

    pequeno-burgus, ele bem poderia contribuir (ter contribudo) para uma

    mobilizao de uma necessria inteligncia alternativa dos desafios que se colocam

    hoje democracia.

    Terceiro, porque o acantonamento sistemtico de uma fatia importante do eleitorado

    de esquerda fora do campo da governao cria uma vantagem estratgica direita,

    facilitando a formao de governos com base no PSD. O PS, como todos os grandes

    partidos da famlia social-democrata, socialista e trabalhista, um partido social e

    ideologicamente plural, onde coexistem, em equilbrio dinmico, abordagens

    diferentes a muitos problemas cruciais da governao. O facto de haver sempre

    aliados disponveis direita e nunca haver aliados disponveis esquerda, que o que

    temos tido, prejudica a mobilizao de foras interessadas nas bandeiras da igualdade

    e da equidade, por exemplo em reas pesadas da governao que tocam as opes de

    poltica econmica e fiscal. Desse modo, o facto de PCP e BE insistirem num cordo

    sanitrio contra o PS, protege o mercado eleitoral desses partidos, mas em prejuzo

    da possibilidade de efetivar polticas mais prximas dos seus programase para as

    quais o PS tambm precisa reforar o suporte social.

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    Ora, num tempo como o que atravessamos em Portugal e na Europa, que um tempo

    de urgncia, todos estes fatores deveriam clamar por outro tipo de abertura nas

    relaes entre o PS e a esquerda da esquerda. Isso deveria facilitar a construo de

    polticas menos condicionadas pelo pensamento nico do austeritarismo e maiscapazes de resistir ao domnio dos mercados e dos poderes fcticos sobre a

    cidadania. Ao mesmo tempo, numa perspetiva histria, seria tempo de, quarenta anos

    depois, saldar as contas de uma inimizade poltica forjada nos confrontos do PREC,

    que, julgo, j no so os confrontos relevantes para os dias de hoje. Mesmo que alguns

    no tenham feito o seu percurso.

    3. No ignoro que algumas das bandeiras polticas da esquerda da esquerda tornam

    extremamente difcil que o PS entre numa convergncia que faa sentido em termos

    de governao. A nossa pertena Unio Europeia , talvez, o caso mais difcil. O PS,

    que tem sido o partido da Europa, no alinha em soberanismos, nem em qualquer

    forma de nacionalismo mais ou menos disfarado, porque o PS sabe que qualquer

    opo nacional que tornasse Portugal mais perifrico seria paga muito duramente

    pelos portugueses. O PS, sendo crtico da orientao que tem sido seguida pela UE,

    no confunde os planos: tal como no pensamos abandonar Portugal quando

    governado por maus governos de direita, tambm no pensamos abandonar a UE por

    ela ser governada pela maioria de direita que tem sido sufragada sucessivamente pelos

    europeus. O discurso antieuropeu fcil, mas no leva a nenhuma soluo. Sair da UE

    s poderia deixar-nos mais abandonados na globalizao feroz que ainda pesa. O

    melhor para Portugal ser uma voz ativa na Europa e lutar com determinao pelos

    nossos direitos na comunidadee, para isso, o PS no pode governar com qualquer

    plataforma antieuropeia. Quer isto dizer que o PS deve desistir deste debate com aesquerda da esquerda? A meu ver, no. Quer, antes, dizer que o PS tem de fazer o

    combate poltico de mostrar que temos razo nesse pontoe que no tm razo os

    que nos querem empurrar para aventuras eurocticas. para isso que serve a poltica:

    para dar combate pelas nossas ideias e valores, deixando o povo decidir.

    4. To forte tem sido a resistncia do PCP e do BE a qualquer relao normal com o PS

    que, hoje, insistir nesta questo parece pregar no deserto. Tanto assim que resulta

    mais interessante falar das movimentaes que procuram novos caminhos no espao

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    da esquerda da esquerda, nomeadamente do processo que agora envolve o LIVRE, a

    Associao Frum Manifesto e a Renovao Comunista, com vista a uma candidatura

    nas prximas legislativas. Pelo meu lado, na medida em que evito dar palpites sobre o

    que se passa nas outras casas polticas, no tenho pronunciamentos a fazer sobre oque possa resultar, em termos de propostas, desse esforo. Mas, isso sim, espero que

    esse processo tenha efeitos sobre o conjunto da esquerda. Quero dizer, para ser claro:

    por muito valioso que seja o processo que envolve aquelas trs foras polticas (e no

    duvido de que possa ser de elevado valor acrescentado), o mais interessante que da

    poderia resultar seria, no um mtodo extraordinrio para salvar o mundo (h muito

    que deixei de acreditar em milagres), mas um desbloqueamento do sistema poltico.

    Esse suplemento de democracia para a nossa repblica poderia vir de uma nova

    situao em que todos os partidos lutassem para ter uma oportunidade de concretizar

    as suas propostas, governando, em lutar de haver partidos que, sistematicamente,

    apenas querem ser oposio e preservar o seu cantinho de influncia. Infelizmente, a

    esquerda tem sofrido dessa falta de ambio. Mas no s a esquerda.

    5. Na verdade, no s a esquerda que est precisada de outra cultura de

    responsabilidade poltica, onde se esqueam um pouco as velhas tticas e se assuma

    de peito aberto o valor da diversidade democrtica. Tambm direita se nota alguma

    esclerose, com muita gente que range os dentes, mas poucos que arrisquem assumir

    posies discordantes dos senhores do momento. Onde esto os democratas-cristos

    que foram enterrados na sombra do populismo portista? Onde esto os social-

    democratas que se dizia ainda sobreviverem no PSD? Na verdade, com a minha

    abordagem a uma democracia com todos, onde todos sejam candidatos a

    concretizar as suas ideias pelo bem comum, sem que a ortodoxia costumeira alinhe astropas num modo demasiado fixo que no serve as novas necessidades democrticas,

    no penso apenas na esquerda. Embora, naturalmente, me preocupe mais com os

    meus do que com os do outro lado da rua, por assim dizer. Mas, finalmente, o que

    estou a pensar que a democracia no pode fechar-se nas mos de cada vez menos,

    sob pena de no resistir s tormentas do tempo presente.

    6. Dito isto, e porque, afinal, o meu ponto de vista particular o de um membro do

    Partido Socialista, tenha de reafirmar: o PS uma grande casa plural e s com essa

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    pluralidade pode ter um papel relevante na democracia portuguesa; nunca me

    expulsaram por defender aquilo que hoje aqui escrevo; tambm no vai o PS expulsar,

    nem de qualquer outro modo tentar apoucar, aqueles de entre ns que continuam

    fechados no conceito obsoleto de arco da governao. E assim, plural, que tem oPS de continuar a ser. Mas isso no pode impedir o PS de fazer o trabalho que tem a

    fazer.

    7. Julgo que, neste contexto, vale a pena citar um pargrafo da moo que Antnio

    Costa apresenta ao XX Congresso Nacional do PS:

    na sua pluralidade que o Parlamento representa o pas. Nenhum conceito que vise

    limitar o alcance da representao democrtica, como o conceito de arco dagovernao, pode servir para excluir sistematicamente certos partidos das solues

    de governo. Ao mesmo tempo, o facto de sectores significativos do eleitorado no se

    envolverem na partilha das responsabilidades de governar, representa um

    empobrecimento da democracia. O momento do pas exige da representao

    democrtica, na pluralidade dos seus atores, uma capacidade para compromissos

    alargados, transparentes e assumidosat para estimular e acompanhar o

    indispensvel compromisso social.

    E, tudo isto, por qu? Porque h muito a fazer, depois do desastre social, institucional

    e poltico criado neste pas por esta maioria. Porque precariedade e incerteza

    permanentes, temos de responder com confiana e mobilizao. E, para isso, preciso

    mudar de atores, de estratgia, de polticas.

    (20 de Novembro 2014, no blogue Machina Speculatrix)

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    Viaggio in Italia

    Leio a notcia Itlia em greve geral contra as reformas laborais de Matteo Renzi. E

    devo escrever sobre o que leio.

    No me custa a admitir que um governo de esquerda enfrente greves, porque entendo

    o uso da greve como um direito dos trabalhadores. Para usar uma expresso antiga,

    atualmente os governos de esquerda no so governos de classe (embora,

    frequentemente, os governos de direita sejam governos de classe, governos dos de

    cima). Mesmo sendo de esquerda, um governo,tendo de governar na procura do

    interesse comum, pode, num ou noutro momento, desagradar a sectores do mundo

    do trabalhoe estes respondem, por vezes, com greves. Nem sequer sou tentado por

    aqueles ataques s greves que as denunciam como causando transtornos e prejuzos

    pois, se as greves no causassem transtornos e prejuzos, como poderiam ter efeitos?

    Tambm os trabalhadores, perdendo o salrio correspondente ao tempo de greve, so

    penalizados. claro que uma greve, quando percecionada pela generalidade das

    pessoas como injustificada ou desproporcionada, pode descredibilizar a prpria luta

    mas cabe aos trabalhadores e suas organizaes fazer essas opes, cabendo aos

    demais cidados (e ao Estado) fazer o respetivo juzo.

    Contudo, o que se passa em Itlia questiona-me. No por a atual greve geral reunir

    centrais sindicais de esquerda, de direita e independentes. Tambm isso me parece

    normal - e nem , por si s, demonstrativo de que lado est a razo. J me preocupa

    que o governo de Itlia, aparentemente (fiando-me apenas nas notcias), embarque na

    ideia de resolver o problema do emprego criando mais precariedade. Porque espalhar

    a precariedade, sendo uma soluo habitual no instrumentrio de uma certa direita,

    no nunca uma soluo favorvel ao trabalho dignoe, a prazo, no contribui para

    aumentar a qualificao das pessoas, necessria qualificao das empresas e dos

    servios, necessria ao desenvolvimento sustentado. No conheo adequadamente as

    reformas que o governo de Itlia quer aplicar, mas se elas se inspiram na ideia de

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    responder ao desemprego com precariedade, no posso concordar e s posso achar

    errada e lamentvel essa opo.

    No entanto, mais do que tudo isto, preocupa-me o que, aparentemente, a

    justificao dada pelos lderes italianos para estas opes. Segundo a notcia, Matteo

    Renzi est a atacar a concertao social e quer acabar com a tradio de os

    representantes dos sectores do trabalho serem chamados discusso das leis. Ter

    mesmo afirmado: "Se os sindicatos querem negociar, ento faam-se eleger para o

    Parlamento". Francamente, uma tal declarao, parece-me, no apenas absurdamente

    reacionria, como francamente contrria s necessidades de renovao da democracia

    e, at, prejudicial a uma via de progresso econmico aliado ao progresso social.

    A histria tem demonstrado que a esquerda, quando se agarra dogmaticamente letra

    das suas declaraes de princpios, arrisca perder a noo da realidade e deixar de

    cumprir o seu papel na evoluo das sociedades. Mas, tambm, a histria tem

    demonstrado que a esquerda, quando se esquece dos seus valores e princpios mais

    fundamentais, se torna irrelevante at autoanulao. E, tambm nesse caso, deixa de

    ser capaz de cumprir o seu papel. O mais triste neste contexto que nem seria preciso

    ser muito progressista para perceber o papel da concertao social efetiva e exigente

    numa sociedade que aspira ao progresso: andam por a tantos a dizer mal da

    Alemanha, mas bem poderiam, por exemplo nesta matria, olhar para esse lado e

    aprender alguma coisa.

    Tudo isto me torna ainda mais convicto de que, por c, anda bem o PS em apostar em

    melhor concertao social estratgica, em negociao coletiva sectorial mais efetiva,

    em compromissos transparentes negociados a prazo de uma dcada, para que seja

    mais o que nos une do que o que nos divide.

    (12 de Dezembro 2014, no blogue Machina Speculatrix)

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    Afinal, somos todos gregos?

    A direita grega perdeu a cabea e at j comeou a usar "argumentos" xenfobos

    contra o Syriza. Alguns dirigentes alemes tiveram um momento em que pensaram

    que podiam votar nas eleies gregas em lugar dos gregos. E, na verdade, o que pode

    acabar por acontecer que a Grcia oferece Europa uma oportunidade para

    repensar o que andou a fazer de errado nos ltimos anos.

    Afinal, o Syriza - que, note-se, no da famlia poltica em que me incluo - no um

    partido delirante, como alguns juravam. Tudo indica que o Syriza estudou, refletiu e

    pode perfeitamente ter condies para obter para os gregos aquilo que a direita (e uns

    socialistas de cabea perdida) no foi capaz de obter nos anos que passaram. Tudo isso

    depois de uma crise que, na Grcia, apareceu com aquela virulncia e descontrolo

    porque a direita de l pura e simplesmente falsificou as contas nacionais. Coisa que

    trataram de fazer esquecer.

    Agora, vemos esta notcia: "Syriza exclui sada da Grcia do euro. Cenrio conduziria rutura da zona euro e a mais austeridade". E isso foi afirmado por Yannis Milis, um

    dos quatro economistas responsveis pelo programa econmico daquele partido. Acho

    que, desta vez, isto deve dar que pensar aos "camaradas portugueses do Syriza":

    afinal, quando chega a altura de governar, se calhar vale a pena deixar de lado a

    retrica pseudorradical e comear a pensar nas consequncias concretas, para as

    pessoas concretas, de prometer aventuras.

    Claro que nada disto ser fcil. Creio que o Syriza e o povo grego deveriam ter sempre

    presente que, numa negociao a 28, no podemos nunca estar certos de qual ser o

    resultado exato de um processo. O que a Grcia quer talvez possa ser obtido e, no

    entanto, isso no acontecer da forma exata em que o pensaram. Mas temos de louvar

    que queiram tentar.

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    Talvez os mais puros dos radicais ainda tenham alguma coisa a aprender com alguns

    socialistas da velha escola da social-democracia moda antiga... que querem combinar

    firmeza com capacidade negocial e foco nos objetivos, no na retrica.

    (16 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)

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    Hoje a Grcia. Lies antes do voto

    Acredito que, mesmo antes das eleies, o Syriza j mudou os dados da situao na

    Europa.

    Mesmo que no ganhe, o Syriza j mostrou que a vontade poltica de traduzir as

    aspiraes das pessoas pode fazer caminho. Se temos democracias representativas, os

    partidos tm de dar s pessoas a oportunidade de verem representadas as suas

    posies. Se os partidos no so capazes de fazer isso, a democracia representativa

    uma farsa.

    Os partidos tm de juntar o que as pessoas querem com a inteligncia da estratgia

    para l chegar. Os partidos no so meros repositrios das reivindicaes, so o

    coletivo onde as pessoas se podem juntar para dar inteligncia de futuro ao que

    queremos "j" mas precisa de tempo para ser construdo. Os sistemas polticos

    democrticos onde os partidos no percebem isto... acabam mal.

    O Syriza poder, tambm, dar uma nova oportunidade Europa se, vencendo as

    eleies, souber mostrar a todos que h sempre alternativas - mesmo na complexa

    situao que vivemos, mesmo nesta Europa desigual onde o sonho de um continente

    dos povos est sempre a ser adiado (ou, pior, atacado).

    Que o Syriza ouse querer governar (e no apenas protestar), que o Syriza ouse querer

    governar na Europa (em vez de sugerir a porta falsamente fcil da sada do euro ou da

    prpria UE), que o Syriza esteja a fazer o trabalho de negociar e aceitar a UnioEuropeia como espao onde tem de ser possvel negociar, atendendo quer vontade

    dos povos quer aos constrangimentos da realidade - uma lio. Que espero seja

    compreendida por todos os que se reclamam da famlia do Syriza.

    Note-se que eu no perteno famlia poltica do Syriza. Os meus "camaradas" na

    Grcia no perceberam que os partidos no subsistem se deixaram de representar a

    realidade da vida das pessoas que fizeram esses partidos. Os partidos no subsistem se

    deixarem de representar. Isso tambm uma lio para mim. E para os meus.

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    Entretanto, noto um pormenor. Muitos esto desejosos de que o Syriza tenha maioria

    absoluta. Compreendo o anseio. Mesmo havendo pequenos partidos de esquerda

    moderada que podem fazer maioria com o Syriza, muitos por c verbalizam o seu

    anseio por uma maioria absoluta para o Syriza. Entre esses, alguns (ou muitos?) quepor c esto sempre desconfiados das maiorias absolutas, que dizem ser um risco de

    excessos. At nisto a Grcia e o Syriza podem dar uma grande contribuio: ajudar

    mais e mais pessoas a perceber que para governar no basta ter programa, preciso

    tambm ter condies institucionais e polticas para o fazer. Quando se comea a

    pensar em termos de fazer, e j no apenas em termos de propor, o raciocnio muda.

    Para melhor: ganha aderncia acrescida realidade.

    Bem vistas as coisas, a Grcia volta a ensinar muita coisa Europa em assuntos de

    democracia. E ainda nem fecharam as urnas.

    (25 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)

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    O que est em causa na Grcia o interesse nacional, no

    uma questo partidria

    No artigo "O PS pode ter comeado a perder as eleies" (Joo Marques de Almeida,

    Observador, 28/01/2015), o articulista efabula acerca do que hipoteticamente seria a

    posio de Antnio Costa sobre a Grcia e a Europa. Ataca Antnio Costa por posies

    que Antnio Costa supostamente tomou - mas no se d sequer ao trabalho de citar as

    declaraes de AC que justificariam o que escreve: se elas tivessem sido proferidas,

    claro. Poderia recortar, tirar do contexto, fazer interpretaes abusivas - mas nem isso.Simplesmente elabora no ar.

    Na base dos equvocos deste conselheiro de Duro Barroso (tero sido os seus

    conselhos a conduzir o homem ao seu estatuto de presidente falhado da Comisso

    Europeia?) est a incapacidade para perceber o que est em causa.

    Um homem que "to bem" (!) aconselhou Duro Barroso... continua a no perceber

    essa coisa simples: sem respeito mtuo e igualdade entre todos os Estados Membros,a Unio Europeia acaba mal. O PS no defende os interesses nacionais na base de

    relaes partidrias. O que interessa ao PS, na questo da Grcia, no o Pasok ou o

    Syriza. O que interessa ao PS na questo da Grcia que todos os Estados-Membros

    da Unio Europeia sejam tratados como iguais, que todos tenham direito a defender

    os seus interesses, que todos participem de boa-f e empenhadamente na procura do

    interesse comum. O povo grego falou, vamos conversar: eles e ns todos. Isso de

    interesse para Portugal, porque ns tambm queremos da UE outra ateno aos

    nossos problemas. Se a vontade da Grcia em mudar as coisas resultar, isso vai ajudar

    Portugal no futuro. Se a tentativa grega falhar, a nossa margem vai estreitar tambm.

    Por isso que o PS est interessado no bom encaminhamento das negociaes com a

    Grcia. E o governo tambm deveria estar, por ser do interesse de Portugal: s no

    est por Passos Coelho se interessar mais pelo ataque ao PS do que pela defesa do pas

    na Europa.

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    A defesa do interesse nacional na Europa no se faz com base em "famlias polticas",

    faz-se com base nas convergncias objetivas dos interesses de Portugal com os

    interesses de outros pases. H pases governados por "partidos irmos" cujos

    interesses divergem dos interesses de Portugal. Enquanto h pases governados poroutras famlias polticas que tm interesses convergentes com os interesses

    portugueses. Onde devemos procurar as alianas? Na convergncia objetiva de

    interesses nacionais, em primeiro lugar. As "famlias polticas" servem, como

    acrescento, para amaciar as dificuldades negociais, quando isso funciona - e nem

    sempre funciona. Esse ponto essencial esquecido por Passos Coelho, que tem do

    interesse nacional uma viso ideolgica e partidria: sempre pretendeu usar a troika

    para realizar as suas experincias ideolgicas, escorado na submisso "humilde" ao

    ministro das finanas alemo. O que preciso entender que a Europa tem de

    regressar ao funcionamento democrtico das instituies, funcionamento democrtico

    esse que foi interrompido pela troika, um corpo estranho enterrado no corpo da UE,

    tornando o mtodo comunitrio uma aparncia.

    O nosso camarada (alemo do SPD) que preside ao Parlamento Europeu, Martin

    Schulz, foi a Atenas, encontrou-se com o PM Tsipras e gostou do que ouviu. O Pblico

    relata assim: Raramente senti durante o meu mandato que tive uma discusso to

    construtiva e aberta, disse, citado pelo dirio grego Kathimerini. H a impresso na

    Unio Europeia de que o novo Governo grego vai tentar seguir um caminho parte,

    mas descobri hoje que no o caso, afirmou, aps o encontro. Isto a famlia

    socialista e social-democrata a jogar um papel positivo neste cenrio complexo. disso

    que precisamos. No precisamos nada de conselheiros de Duro Barroso a quererem

    empurrar-nos para as mesmas tolices que Duro Barroso andou a fazer durante a crise,levando Passos Coelho pelo brao.

    Precisamos desta viso: enterrar o "mtodo troika" e regressar ao mtodo

    comunitrio, a srio, a nica forma de salvar a Europa. E de nos salvar a ns. De

    restituir a Europa aos europeus. E, para que isso acontea, bom que acontea j com

    a Grcia. Perceberam agora, austeritrios ideolgicos, por qual razo a Grcia importa

    tanto?

    (30 de Janeiro 2015, no blogue Machina Speculatrix)

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    A Grcia no Portugal

    O novo governo grego veio dizer e mostrar que no pode deixar de ouvir o seu povo.

    No foram eleitos para ignorar o que disseram em campanha eleitoral.

    O novo governo grego no veio fazer exigncias radicais a ningum: veio dizer que h

    um problema e que ele tem de ser resolvido e que quer negociar para que essa

    soluo seja aceitvel para todos.

    O novo governo grego tem procurado atender s preocupaes dos seus

    interlocutores: tem dito que quer cumprir as suas obrigaes, que quer uma soluo

    que lhe permita realmente cumprir, que no quer viver custa dos contribuintes dos

    outros pases europeus. No veio fazer de conta que poderia pagar se tudo

    continuasse na mesma, porque no poderia.

    O novo governo grego tem dito que sim, tem de fazer reformas, por exemplo acabar

    com a evaso fiscal massiva. E, certamente, quer uma funo pblica que funcione.

    No se colocou na posio, que seria insustentvel, de negar a necessidade de

    reformas. Mas, ao aumentar o salrio mnimo, travar privatizaes em curso e travar

    despedimentos na funo pblica, mostrou que nem todas as reformas so iguais. H

    reformismos progressistas e h reformismos que s fazem recuar.

    O novo governo grego no quer l a "troika", quer dizer, aqueles funcionrios que

    aparecem a fazer vistorias, e explica por qu: eles aparecem s para executar o

    passado e o governo grego quer discutir uma mudana de poltica, coisas que aquelessenhores de fato tcnico no tm poder para discutir. Eles sabem que a discusso

    poltica se faz entre representantes eleitos e que burocratas no so interlocutores

    vlidos para este efeito.

    O novo governo grego ps-se a caminho: o primeiro-ministro e o ministro das finanas

    saram de casa para negociar com os seus parceiros, por toda a Europa.

    Por tudo isto, a Grcia no Portugal. Porque em Portugal temos um governo que, naEuropa, se faz de morto. Temos um governo incapaz de perceber que, afastado do

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    Com a Grcia, ressuscitar o mtodo comunitrio

    O novo governo da Grcia fez regressar Europa os bons velhos tempos do mtodo

    comunitrio. No no sentido estritamente institucional, com a Comisso Europeia a

    propor em nome do interesse comum da Unio, o Conselho de ministros a pesar as

    diferentes interpretaes nacionais do bem comum, o Parlamento Europeu a fazer de

    representante direto do soberano. Mas "regresso ao mtodo comunitrio" num

    sentido mais amplo: o mtodo da proposta e contraproposta, do escrutnio das

    alternativas, da negociao dura, do debate pblico a acompanhar o processo polticonas instituies, do compromisso com cedncias mtuas. E digo "fez regressar

    Europa" porque a Unio Europeia o nico espao onde isso possvel.

    Alguns parecem chocados porque a Grcia fala grosso. Outros sentem-se ultrajados

    porque a Alemanha no recebe hoje de braos abertos o que nunca quis. Esquecem-se

    que o eleitorado alemo e o eleitorado grego tm, ambos, como os demais, direito a

    ter as suas opes prprias. O BCE faz-se duro e alguns profetizam o dilvio. Varoufakis

    modula as suas propostas e levanta-se um coro de vozes "cedeu! cedeu!". Ser assim

    to difcil perceber que a Europa s pode ser democrtica se funcionar assim? Se

    houver debate, propostas e contrapropostas, alguma esgrima onde os interesses

    parcialmente coincidentes e parcialmente divergentes possam ser equacionados? Sim,

    tambm presso, at chantagem: haver negociaes cruciais que no tenh