durham, e.r. a dinâmica cultural na sociedade moderna

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/< 0Vt' l'vr:~ I CC-t1-G , A Dinâmica Cultural na Sociedade Moderna* Para introduzir este terna, creio ser origem rural (relacionada obviamente à oportuno retomar alguns aspectos dos pteservaçâo dos mesmos "padrões tradi- conceitos de cultura e de dinâmica cul- ciOnais") urna real ou suposta inadequa- tural, Isto me parece necessário porque ção no comportamento de determinadas sua utilização por sociólogos e cientistas camadas urbanas face aos problemas políticos em análises recentes, especial- criados pelo processo de industrialização. mente aquelas voltadas para os chama- A origem rural é, assim, responsabiliza- dos países subdesenvolvidos ou em de- da pela fraqueza do sindicalismo, pela senvolvimento, tem se caracterizado fre- baixa produtividade da indústria e mes- qüentemente por urna aplicação inade- _ mo pela ausência de urna consciência de quada que implica numa reifica ão. ~Çi~pc~r,<>v classe. . Esta reificação resulta de urna re- A "cultura" aparece, assim, corno dução inicial do conceito a seu conteúdo um fenômeno essencialmente irracional e normativo e consiste na atribuição sub- a dinâmica cultural se reduz a um pro- seqüente de urna autonomia excessiva cesso induzido de ressocialização, que re- aos componentes culturais da vida so- moveria os obstáculos representados pe- 'C cial. A cultura passa a ser tratada corno Ia existência de padrões inadequados ao ~ uma "variável" que possui o mesmo "ní- desenvolvimento satisfatório da socieda- .I.. vel de realidade" de outras "variáveis", de. ~ tais corno a industrialização, a urbaniza- ção etc. Corno entidades independentes, tais "variáveis" atuam urnas sobre as ou- L tras, criam obstáculos à mudança e rea- lizam diversas outras proezas.' . Em sua forma menos sofisticada, es- ta abordagem aparece freqüentemente nas análises da chamada "teoria da mo- dernização". Nesta concepção, os. fenô- menos culturais apresentam dois tipos de atuação diferente. De um lado, sob a forma de "padrões tradicionais", susci- tam lealdades irracionais, em aberto con- fIito com as tendências dinâmicas da so- ciedade. Os indivíduos manifestariam, em relação a estes padrões adquiridos no passado, o mesmo tipo de apego que ve- lhas solteironas demonstram para com cãezinhos de estimação e que implicam na sua conservação, mesmo face à de- monstração cabal (por parte dos estu- diosos) de sua inadequação para fazer face ao mundo moderno. De outro lado, no chamado "efeito de demonstração", os padrões culturais se assemelham mais a doenças contagio- sas, corno o sarampo ou a escarlatina. Ex- postos a atitudes, valores e objetos de consumo de sociedades desenvolvidas, as pessoas "contraem", de modo igualmen- te irracional, expectativas e hábitos que estão em desacordo com as possibilida- des efetivas de sua satisfação permanen- te por parte do sistema produtivo. De forma menos caricatural, a mes- ma concepção permeia muito das análi- ses sobre comportamento político e ati- vidade sindical, Que tendem a atribuir à ArT.:" • Trabalho apresentado no Congresso da SPBC de 1977 e originalmente publicado em Ensaios de Opinião n.s 4. 1977. 2.. Não é obviamente minha intenção negar a existência de padrões culturais tradicionais ou de valorização do passa- do. A questão é que a constatação da . persistência desses padrões (ou, seu con- trário, a valorização do "novo" e do "moderno") não constitui explicação de nenhum fenômeno social, mas são em si fenômenos que devem ser explicados na análise do processo de transformação so- cial. Há muitos anos que os antropólo- gos destruíram a ilusão do valor explica- tivo do conceito de sobrevivência cultu- ral. Padrões culturais sobrevivem na me- dida em que persistem as situações que lhes deram origem, ou alteram seu sig- nificado para expressar novos problemas. Na verdade, o que quero criticar é urna concepção na qual a cultura apare- ce como um produto e se abandona a explicação do modo pelo qual é produ- zida, perdendo-se assim toda a possibili- dade de uma análise frutífera da dinâmi- ca cultural. Retomando o problema desta nova perspectiva, é necessário, de início, co- locar de modo mais adequado a relação entre ação e representação, relação esta \ que permeia necessariamente toda a dis- \ cussão sobre a natureza da dinâmica ··cultural. . Um reexame dos clássicos da antro- pologia culturalista, tanto em sua linha americana, que elaborou a noção de pa- drão cultural (e também a de ethos), co- rno na variante inglesa com Malinowski 'e seu conceito de instituição, revela cla- ramente que a noção de cultura parte do estabelecimento de uma unidade funda- mental entre ação e representação, uni- dade esta que está dada em todo o com- portamento social. Neste sentido, padrões Eunice Ribeiro Durham ou instituições não são simplesmente "va- lores", mas ordenações implícitas na ação e que só secundariamente podem vir a ser formuladas explicitamente como re- gras ou. normas. Apresentam-se portanto como noções essencialmente sintéticas, pois referem-se simultaneamente à ação e a seu significado, englobando necessa- riamente aspectos cognitivos e valorati- vos. Presos a urna ordenação real da con- duta, ou melhor, constituindo uma ló- gica própria da 'conduta real, não podem ser dissociados da ação à qual dão for- ma e significâdo. A elaboraç'ão desta "lógica da con- duta", sob a forma de mitos e de teorias ou ideologiás explícitas e coerentes, se constitui, portanto, como um produto que, corno o trabalho morto na concep- ção de Marx, só possui eficácia na me- dida em que é acionado pelo trabalho vivo, isto é, absorvido e recriado na ação social concreta. A cultura constitui, por- tanto, um processo pelo qual os homens orientam e dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica, " que é atributo fundamental de toda prá- ; tica humana. / Nesse sentido, toda análise de fenô- menos culturais é necessariamente análi- se da dinâmica cultural, isto é, do pro- cesso permanente de reorganização das representações na prática social, repre- sentações estas que são simultaneamente condição e produto desta prática. ~ esta conceituação da dinâmica cultural que permeia toda boa etnografia e constitui o fundamento da riqueza e constante originalidade da investigação etnográfica. Nesse tipo de investigação, voltada para as sociedades ditas primiti- vas, os padrões culturais são inferidos a partir da observação direta do compor- tamento, o que garante, de início, a apre- ensão da relação entre ação e represen- tação, e Que é facilitado pela relativa uniformidade cultural, indiferenciação so- cial e redução demográfica. A dificuldade na aplicação do mes- mo método em nossa sociedade reside, basicamente, em sua inadequação para lidar com o tipo e o grau de heteroge- neidade cultural que lhe é própria. A análise da cultura de uma forma- ção social exige uma reconstituição da realidade, que é elaborada a partir da consciência que dela têm os portadores da cultura. Sem se ater, obviamente, aos aspectos conscientes da conduta, é através deles, em sua relação com o comportamento manifesto, que a cultura 13 -------------------------------------;--------------------". __ ." ._.-----_ .. --------- -_.--- --

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Page 1: DURHAM, E.R. A dinâmica cultural na sociedade moderna

/<0Vt' l'vr:~ICC-t1-G ,

A Dinâmica CulturalnaSociedade Moderna*

Para introduzir este terna, creio ser origem rural (relacionada obviamente àoportuno retomar alguns aspectos dos pteservaçâo dos mesmos "padrões tradi-conceitos de cultura e de dinâmica cul- ciOnais") urna real ou suposta inadequa-tural, Isto me parece necessário porque ção no comportamento de determinadassua utilização por sociólogos e cientistas camadas urbanas face aos problemaspolíticos em análises recentes, especial- criados pelo processo de industrialização.mente aquelas voltadas para os chama- A origem rural é, assim, responsabiliza-dos países subdesenvolvidos ou em de- da pela fraqueza do sindicalismo, pelasenvolvimento, tem se caracterizado fre- baixa produtividade da indústria e mes-qüentemente por urna aplicação inade- _ mo pela ausência de urna consciência dequada que implica numa reifica ão. ~Çi~pc~r,<>vclasse. .

Esta reificação resulta de urna re- A "cultura" aparece, assim, cornodução inicial do conceito a seu conteúdo um fenômeno essencialmente irracional enormativo e consiste na atribuição sub- a dinâmica cultural se reduz a um pro-seqüente de urna autonomia excessiva cesso induzido de ressocialização, que re-aos componentes culturais da vida so- moveria os obstáculos representados pe-

'C cial. A cultura passa a ser tratada corno Ia existência de padrões inadequados ao~ uma "variável" que possui o mesmo "ní- desenvolvimento satisfatório da socieda-

.I.. vel de realidade" de outras "variáveis", de.~ tais corno a industrialização, a urbaniza-

ção etc. Corno entidades independentes,tais "variáveis" atuam urnas sobre as ou-

Ltras, criam obstáculos à mudança e rea-lizam diversas outras proezas.' .

Em sua forma menos sofisticada, es-ta abordagem aparece freqüentementenas análises da chamada "teoria da mo-dernização". Nesta concepção, os. fenô-menos culturais apresentam dois tipos deatuação diferente. De um lado, sob aforma de "padrões tradicionais", susci-tam lealdades irracionais, em aberto con-fIi to com as tendências dinâmicas da so-ciedade. Os indivíduos manifestariam, emrelação a estes padrões adquiridos nopassado, o mesmo tipo de apego que ve-lhas solteironas demonstram para comcãezinhos de estimação e que implicamna sua conservação, mesmo face à de-monstração cabal (por parte dos estu-diosos) de sua inadequação para fazerface ao mundo moderno.

De outro lado, no chamado "efeitode demonstração", os padrões culturaisse assemelham mais a doenças contagio-sas, corno o sarampo ou a escarlatina. Ex-postos a atitudes, valores e objetos deconsumo de sociedades desenvolvidas, aspessoas "contraem", de modo igualmen-te irracional, expectativas e hábitos queestão em desacordo com as possibilida-des efetivas de sua satisfação permanen-te por parte do sistema produtivo.

De forma menos caricatural, a mes-ma concepção permeia muito das análi-ses sobre comportamento político e ati-vidade sindical, Que tendem a atribuir à

ArT.:"

• Trabalho apresentado no Congresso da SPBCde 1977 e originalmente publicado em Ensaiosde Opinião n.s 4. 1977.

2..

Não é obviamente minha intençãonegar a existência de padrões culturaistradicionais ou de valorização do passa-do. A questão é que a constatação da

. persistência desses padrões (ou, seu con-trário, a valorização do "novo" e do"moderno") não constitui explicação denenhum fenômeno social, mas são em sifenômenos que devem ser explicados naanálise do processo de transformação so-cial. Há muitos anos que os antropólo-gos destruíram a ilusão do valor explica-tivo do conceito de sobrevivência cultu-ral. Padrões culturais sobrevivem na me-dida em que persistem as situações quelhes deram origem, ou alteram seu sig-nificado para expressar novos problemas.

Na verdade, o que quero criticar éurna concepção na qual a cultura apare-ce como um produto e se abandona aexplicação do modo pelo qual é produ-zida, perdendo-se assim toda a possibili-dade de uma análise frutífera da dinâmi-ca cultural.

Retomando o problema desta novaperspectiva, é necessário, de início, co-locar de modo mais adequado a relaçãoentre ação e representação, relação esta

\ que permeia necessariamente toda a dis-\ cussão sobre a natureza da dinâmica··cultural. .

Um reexame dos clássicos da antro-pologia culturalista, tanto em sua linhaamericana, que elaborou a noção de pa-drão cultural (e também a de ethos), co-rno na variante inglesa com Malinowski'e seu conceito de instituição, revela cla-ramente que a noção de cultura parte doestabelecimento de uma unidade funda-mental entre ação e representação, uni-dade esta que está dada em todo o com-portamento social. Neste sentido, padrões

Eunice Ribeiro Durham

ou instituições não são simplesmente "va-lores", mas ordenações implícitas na açãoe que só secundariamente podem vir aser formuladas explicitamente como re-gras ou. normas. Apresentam-se portantocomo noções essencialmente sintéticas,pois referem-se simultaneamente à açãoe a seu significado, englobando necessa-riamente aspectos cognitivos e valorati-vos. Presos a urna ordenação real da con-duta, ou melhor, constituindo uma ló-gica própria da 'conduta real, não podemser dissociados da ação à qual dão for-ma e significâdo.

A elaboraç'ão desta "lógica da con-duta", sob a forma de mitos e de teoriasou ideologiás explícitas e coerentes, seconstitui, portanto, como um produtoque, corno o trabalho morto na concep-ção de Marx, só possui eficácia na me-dida em que é acionado pelo trabalhovivo, isto é, absorvido e recriado na açãosocial concreta. A cultura constitui, por-tanto, um processo pelo qual os homensorientam e dão significado às suas açõesatravés de uma manipulação simbólica,

" que é atributo fundamental de toda prá-; tica humana.

/ Nesse sentido, toda análise de fenô-menos culturais é necessariamente análi-se da dinâmica cultural, isto é, do pro-cesso permanente de reorganização dasrepresentações na prática social, repre-sentações estas que são simultaneamentecondição e produto desta prática.

~ esta conceituação da dinâmicacultural que permeia toda boa etnografiae constitui o fundamento da riqueza econstante originalidade da investigaçãoetnográfica. Nesse tipo de investigação,voltada para as sociedades ditas primiti-vas, os padrões culturais são inferidos apartir da observação direta do compor-tamento, o que garante, de início, a apre-ensão da relação entre ação e represen-tação, e Que é facilitado pela relativauniformidade cultural, indiferenciação so-cial e redução demográfica.

A dificuldade na aplicação do mes-mo método em nossa sociedade reside,basicamente, em sua inadequação paralidar com o tipo e o grau de heteroge-neidade cultural que lhe é própria.

A análise da cultura de uma forma-ção social exige uma reconstituição darealidade, que é elaborada a partir daconsciência que dela têm os portadoresda cultura. Sem se ater, obviamente,aos aspectos conscientes da conduta, éatravés deles, em sua relação com ocomportamento manifesto, que a cultura

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pode ser reconstituída. O trabalho depesquisa se processa, portanto, ao nívelda investigação do comportamento realde grupos concretos.

Ora, todas as vezes em que as for-ças sociais objetivas que moldam o pro-cesso histórico se encontram distantes,não apenas da percepção mas inclusiveda própria capacidade de ação ou ma-nipulação por parte dos grupos ou decategorias sociais analisados, a análiseculturalista encontra dificuldades quaseinsuperáveis para reconstituir a ~-,;~;iúa-de da qual a realidade que estuda é ape-nas parte. Presa à particularidade e par-cialidade das manifestações culturais degrupos específicos, a análise culturalistaperde a capacidade de compreender osmecanismos através dos quais essas par-ticularidades são engendradas. Em ou-

(tras palavras, a superaXão d? impasseem .que se encontra a ínvestigaçao an-

\\ tropológica depende de sua capacidade,não apenas de constatar e descrever a he-

) terogeneidade cultural, mas de explicar.- o modo pelo qual ela é produzida social-

mente. Cabe então tentar explicitar anatureza do próprio processo de hetero-geneização. -

Devemos partir, por conseguinte, daconstatação da existência, em nossa so-ciedade, de uma heterogeneidade cultu-ral produzida por uma diferenciação dascondições de existência que se prendeà estrutura de classe e resulta da repro-dução de um modo de produção. Masdeve-se considerar, também, que esta di-versidade está permeada, por sua vez,por distinções regionais associadas a pe-culiaridades de recursos naturais e a con-dições demográficas e históricas particu-lares, que-lhe dão conteúdos e formas es-pecíficas. .

Obviamente, este tipo de heteroge-neidade não é exclusivo de .nossa socie-dade, mas caracteriza todo o processoque podemos chamar de civilizatório. Nopassado, entretanto estas distinções po-diam se manifestar em termos de subcul-turas relativamente coerentes e autôno-rrrss. A existência de uma cultura erudi-ta, própria das classes dominantes, nãoimpedia a elaboração de sistemas cultu-rais populares, freqüentemente depen-dentes de formas de comunicação nãoescritas, onde padrões de comportamen-to e representações simbólicas. desenvol-vidas por grupos relativamente homogê-neos, refletiam, com precisão, o modopelo qual cada um deles vivia sua con-dição de dominado. O folclore rural, acultura própria de grupos de ofício oumesmo de bairros operários exernplifi-cam esta situação. Obviamente, esta au-tonomia cultural só se desenvolve dentrode certos limites estabelecidos pela ne-cessidade de manutenção de uma estrutu-ra de dominação, isto é, só é toleradana medida em que é compatível com ela.Mesmo assim, as classes sociais, corpo-rificadas em grupos espacial-e socialmen-te segregados, desenvolviam, através deseus próprios membros, produtos cultu-rais específicos, nos quais se expressavasua experiência coletiva,. incorporadanum "imaginário" social próprio.

Nessas condições, a relativa autono-mia desses modos de vida, a coerência

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interna entre padrões de ação e de re-presentação, elaborados simultaneamentepelos agrupamentos sociais na sua práti-ca cotidiana, permitiam uma análise dacultura em termos antropológicos tradi-cionais. Se bem que deixando de lado oesclarecimento das forças objetivas que,ao nível da formação social em seu con-junto, produzem as -condições nas quaisa heterogeneidade se produz e reproduz,a análise culturalista permite apreendero modo pelo qual essas forças são vivi-ÓM P, nerceni.l-s rodos at,r -,.:,)m~ntos so-ciais concretos. Assim é que o estudode comunidades, especialmente as cam-ponesas, ou de minorias-étnicas, especial-mente as segregadas em guetos, foi em-preendido com bastante sucesso pelosan tropólogos.

Mas a análise da dinâmica culturalda sociedade moderna implica em outrotipo de problema, na medida em queela se caracteriza pela destruição dasbarreiras que, ainda no século passado,permitiam a elaboração de subculturasde classe relativamente autônomas. Osfenômenos conhecidos sob a rubrica de"cultura de massa" constituem a mani-festação mais aparente desta tendência.

Neste caso, não se trata simplesmen-te da divisão no trabalho social, quesepara o trabalho manual do intelectuale cria instituições especializadas na ela-boração de produtos culturais: ciência.arte, ideologia. Trata-se de uma "indús-tria cultural" cuja funcão consiste, ex-plicitamente, em difundir, para o con-junto da população, produtos culturaiselaborados por especialistas e, imolicita-mente, padrões cognitivos, estéticos eéticos que lhes são subjacentes.

A questão importante a consideraraqui é que há uma pretensão de unifor-mização que, sem destruir os fundamen-tos do processo de diversificação cultu-ral, ancorados em diferentes condiçõesconcretas de existência que resulta' dopróprio modo de produção, sobrepõe-sea esta heterogeneidade real em termosde uma manipulação puramente sim-bólica.. . ~ análise .d~ significado destas_ tos-

tituiçóes especializadas na elaboraçãd, edifusão de produtos culturais deve serfeita retomando-se o problema da l'~la-ção entre o produzir e o produto. ~mprimeiro lugar, há que eliminar a con-cepção simplista que opõe os consumido-res aos produtores de cultura em termosde uma aceitação puramente passiva,por parte do público, de um materialque lhe é irnpingido de fora. De 'umlado, porque os produtores têm que çon-siderar, para a eficácia da mensagem, osgostos, preferências e valores da PQPU-lação à qual se dirigem, necessidade es-ta que reintroduz urna heterogeneidadenos produtos culturais oferecidos em ter-mos do' público que pretendem atingir.De outro lado, porque estes "produtos"não constituem uma criação cultural; ori-ginal e inovadora mas, freqüenternente,simples reordenação de imagens, símbo-los e conceitos presentes na cultura po-pular ou erudita. Retirados de seu con-texto original, perdem necessariamentemuito de seu significado e podem ser,

assim, manipulados para compor novosconjuntos, cuja amplitude e alcance pa-rece estar diretamente condicionada aoempobrecimento prévio de seu conteúdo.E, finalmente, porque esses "produtos" as- ,sim apresentados têm que ser ativadospela sua incorporação no cornportamento dos indivíduos e nesse processo so-frem necessariamente uma seleção.. reor-denação e mesmo transformação designificado, que podem implicar, inclusi-ve, num enriquecimento, pela atribuiçãode novos conteúdos ao material simbó-

r Eco. Ao lado, portanto, da produção\ cultural, há todo um processo de reela-I boração de significados em que volta a

atuar a heterogeneidade produzida pelopróprio funcionamento da estrutura

. social.- ~ necessário considerar também ou-tro aspecto, que me parece igualmentefundamental para a análise da dinâmi-ca cultural, o qual deriva do fato de queo grupo que reelabora e utiliza o produ-to cultural acabado tende a ser diferentedaquele que o produziu. Estando a dis-tinção . entre produtores e consumidoresde cultura presa a uma distinção de clas-se, a relação entre eles assume necessa-riamente uma conotação política, isto éela tem implicações em termos de poder.Com isso queremos dizer que, na medi-da em que a chamada cultura de massaconstitui uma tendência homogeneizado-ra que se sobrepõe às diferenças reais,fundadas numa distribuição desigual dotrabalho, da riqueza e do poder e seprocessa, portanto, no nível exclusiva-mente simbólico, todo o problema da di-nâmica cultural se projeta na esfera dasideologias e tem que levar em conside-ração seu significado político.

As manifestações de heterogeneida-de cultural, neste contexto, não podemmais ser tratadas como simples diferen-ças - como manifestações equivalentes(tanto do ponto de vista ético comocientífico) de uma mesma capacidade hu-mana criadora -, posição esta que cons-tituía pressuposto básico da antropoloziana medida em que analisava realidadesculturais autônomas, produtos de preces-

_sos históricos independentes. Neste novocontexto, as diferenças culturais apare-cem, não como simples expressão de par-ticularidades do modo de vida, mas co-mo manifestação de oposições ou acei-tações que implicam num constante re-posicionamento dos grupos sociais na

_dinâmica das relações de classe.A dinâmica da transformação cultu-

ral se dá, pois, em grande parte, nocontexto de "cultura de massa", comoum processo constante de reelaboraçãocultural dos produtos oferecidos ou im-postos pela indústria cultural e pelos ou-tros "aparelhos ideológicos" do Estado.especialmente a escola, por parte de ca-tegorias sociais diversas que vivem demodo particular sua situação de classe.O acesso diferencial às informações, as-sim como às instituições que assegurama distribuição de recursos materiais, cul-turais e políticos promove uma utiliza-ção diferencial do material simbólico, nosentido não só de expressar peculiarida-des das condições de existência mas deformular interesses divergentes.

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