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DUMPING ECOLÓGICO: UM MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO REVELADO PELA SOCIEDADE DE RISCO ECOLOGICAL DUMPING: A MYTH OF THE ECONOMICAL DEVELOPMENT DISCLOSED FOR THE RISK SOCIETY Thábata Biazzuz Veronese RESUMO A política neoliberal incutiu na cultura globalizada a necessidade do livre comércio para o crescimento econômico. Todavia, sem negar essa verdade, os países dominantes empregam algumas falácias nessa teoria desenvolvimentista, as quais precisam ser reveladas. Um desses mitos é o dumping ecológico, tendo em vista que os países subdesenvolvidos toleram sua prática na crença de que sua permanência incrementará a economia nacional. Contudo, essa premissa será desvendada como falsa ao concluir que seus efeitos danosos se mostram maiores do que os benefícios aparentemente anunciados. Por fim, será defendida a importância do fortalecimento da legislação antidumping nos países terceiro-mundistas, a fim de se propiciar seu verdadeiro desenvolvimento econômico e então poderem concorrer de igual para igual com os demais países do Globo. PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO. SOCIEDADE DE RISCO. DUMPING ECOLÓGICO. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. ABSTRACT The neoliberal politics infused in the globalized culture the necessity of the free commerce for the economic growth. However, without denying this truth, the dominant countries use some fallacies in this developing theory, which they need to be disclosed. One of these myths is dumping ecological, in view of that the underdeveloped countries tolerate practical its in the belief of that its permanence will develop the national economy. However, this premise will be unmasked as false when concluding that its harmful effect if show greater of what the apparently announced benefits. Finally, the importance of the strenghtness of the antidumping legislation in the countries will be defended third-worldliness, in order to propitiate its true economic development and then to be able to concur of equal for equal for equal with the too much countries of the Globe. KEYWORDS: GLOBALIZATION. RISK SOCIETY. ECOLOGICAL DUMPING. ECONOMICAL DEVELOPMENT. 2946

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DUMPING ECOLÓGICO: UM MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO REVELADO PELA SOCIEDADE DE RISCO

ECOLOGICAL DUMPING: A MYTH OF THE ECONOMICAL DEVELOPMENT DISCLOSED FOR THE RISK SOCIETY

Thábata Biazzuz Veronese

RESUMO

A política neoliberal incutiu na cultura globalizada a necessidade do livre comércio para o crescimento econômico. Todavia, sem negar essa verdade, os países dominantes empregam algumas falácias nessa teoria desenvolvimentista, as quais precisam ser reveladas. Um desses mitos é o dumping ecológico, tendo em vista que os países subdesenvolvidos toleram sua prática na crença de que sua permanência incrementará a economia nacional. Contudo, essa premissa será desvendada como falsa ao concluir que seus efeitos danosos se mostram maiores do que os benefícios aparentemente anunciados. Por fim, será defendida a importância do fortalecimento da legislação antidumping nos países terceiro-mundistas, a fim de se propiciar seu verdadeiro desenvolvimento econômico e então poderem concorrer de igual para igual com os demais países do Globo.

PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO. SOCIEDADE DE RISCO. DUMPING ECOLÓGICO. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

ABSTRACT

The neoliberal politics infused in the globalized culture the necessity of the free commerce for the economic growth. However, without denying this truth, the dominant countries use some fallacies in this developing theory, which they need to be disclosed. One of these myths is dumping ecological, in view of that the underdeveloped countries tolerate practical its in the belief of that its permanence will develop the national economy. However, this premise will be unmasked as false when concluding that its harmful effect if show greater of what the apparently announced benefits. Finally, the importance of the strenghtness of the antidumping legislation in the countries will be defended third-worldliness, in order to propitiate its true economic development and then to be able to concur of equal for equal for equal with the too much countries of the Globe.

KEYWORDS: GLOBALIZATION. RISK SOCIETY. ECOLOGICAL DUMPING. ECONOMICAL DEVELOPMENT.

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1 INTRODUÇÃO

A cultura capitalista alimenta a ideologia do processo de globalização como condição essencial para a realização das necessidades humanas. Inserida nessa ideologia está a crença da imprescindibilidade da presença de empresas mundiais – multinacionais ou transnacionais – para a permanência do país no mercado globalizado. Imbuídos por esse espírito, os governantes dos países terceiro-mundistas direcionam toda a sua política no sentido de atrair as empresas mundiais ao seu território. Nessa guerra mercadológica, proliferam-se os mecanismos a serem utilizados como atrativos, tais como a isenção ou a redução de impostos, a flexibilização das legislações trabalhista, concorrencial e ambiental, entre outros.

Ocorre que os detentores do poder somente conseguem visualizar os aparentes benefícios que a permanência das empresas parece lhes trazer, que seria, em suma, o pretenso incremento na economia nacional, através da geração de empregos e da injeção de capital no mercado nacional. Contudo, após usufruir de todos os benefícios concedidos pelos governos dos países subdesenvolvidos e após esgotar os recursos naturais e não fazer nenhuma política ambiental em contrapartida, essas empresas migram para outro país subdesenvolvido que ofereça melhores condições de investimento. Além disso, destaque-se que o pretenso incremento econômico não foi efetivado, uma vez que os lucros obtidos são apropriados pelas empresas e não investidos nos países que as receberam.

Destarte, questiona-se a ocorrência do dumping ecológico, que constitui exatamente nessa prática de grandes conglomerados se instalarem em países subdesenvolvidos sob o pretexto de estarem colaborando com o crescimento econômico, quando, na verdade, estão destruindo as possibilidades de desenvolvimento econômico.

A partir da década de 70, com a intensificação do processo industrial, a comunidade internacional se deu conta dos danos ambientais resultantes do sistema capitalista e se principiou a discussão sobre a necessidade de preservação ambiental e paulatinamente se chegou ao conceito de desenvolvimento sustentável. A ideologia de externalizar os custos ambientais, ou seja, transferi-los para a sociedade, sob o argumento de que a assunção dos gastos com controle da poluição diminuiria a lucratividade, a competitividade e a oferta de empregos, aos poucos, passa a ser substituída por aquela de internalizar os custos ambientais, não mais se enxergando a empresa como detentora absoluta da produção de riquezas, mas considerando todos os fatores essenciais para a vida de qualidade. Assim, a sociedade de risco começa a desenvolver sua consciência ecológica e passa a exigir uma mudança de postura por parte das empresas e dos Governos no sentido de implantar meios de conciliar o crescimento econômico com a sustentabilidade planetária.

Assim, não se pretende negar a importância da dinamicidade da estrutura mercadológica instaurada, tampouco seus notáveis benefícios, principalmente diante da inegável irreversibilidade do processo de globalização. Porém, pretende-se, sim, apontar as falácias do modo como tem sido encarado esse processo, destacando-se a importantíssima distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico e

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culminando com a demonstração do dumping ecológico como um mito do desenvolvimento econômico, para, ao final, apontar a urgência de uma revisão axiológica a fim de se proporcionar o verdadeiro desenvolvimento.

2 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADE DE RISCO

2.1 O fenômeno da globalização

Globalização pode ser definida como o processo de integração econômica, social, política e cultural entre as nações do Globo, cuja razão se encontra na necessidade da dinâmica capitalista de formar uma aldeia global que permita a formação de mercados crescentes entre os diversos países cujos mercados internos se apresentam saturados ou em expansão. Denota-se, pois, a sobreposição do fator econômico.

A globalização, diferentemente do que parece, não constitui um fenômeno novo. Na verdade, suas interferências por intermédio do capitalismo contemporâneo compõem “a retomada de processos e tendências bastante antigos”, como mostra a expansão ultramarina contada na história (BATISTA JUNIOR, 1997, p. 96).

Hoje, com o auxílio dos meios de informação e de transporte no grau de evolução que se atingiu, cria-se uma ideologia universal que transpõe qualquer barreira. Os mercados dominantes, comandados pelos interesses de um pequeno grupo dirigente das grandes empresas mundiais, expandem uma ideologia de consumo a nível planetário, o que facilita esse processo de integração.

“Em suma: “formam-se estruturas de poder econômico, político-social e cultural internacionais, mundiais ou globais descentradas, sem qualquer localização nítida neste ou naquele lugar, região ou Nação (...) parecendo flutuar por sobre Estados e fronteiras, moedas e línguas, grupos e classes, movimentos sociais e partidos políticos” (IANNI, 1995, p. 93, apud MARQUES NETO, 2002, p. 107).

Tendo em vista que o desenvolvimento da história acompanha o desenvolvimento do intelecto humano, vislumbra-se na atualidade a era da tecnologia, considerada responsável pela realização das necessidades humanas. A tecnologia alcança um grau tão elevado, que, no que tange à tecnologia da informação, a comunicação é instantânea, de modo a permitir que cada acontecimento seja conhecido simultaneamente em todos os lugares do Globo.

Essa simultaneidade colabora com a expansão das empresas globais, que invadem os territórios impondo uma política de comando de acordo com as prerrogativas que lhes

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são convenientes para consecução de sua lucratividade acima de qualquer outro valor. Em busca dessa lucratividade, as empresas mundiais engendram uma concorrência acirrada, da qual somente sobrevive aquela que obtiver maiores resultados positivos na internacionalização dos mercados, resultados estes aos quais se denominou eficiência. Este processo configura-se num círculo vicioso, uma vez que as empresas que obtém os melhores patamares possuem melhores condições de investimentos em pesquisas e tecnologias para avaliar os interesses do mercado consumidor, aprimorar seus produtos e escolher os lugares mais vantajosos de se investir, fazendo sucumbir aquelas que não têm as mesmas condições.

Vivemos num mundo em que o globo não está mais tradicionalmente dividido em nações, sociedades nacionais, Estados-nações. Agora o centro do mundo não é mais o indivíduo, singularmente considerado ou como minoria, grupo, classe, opinião pública, mas toda a coletividade. [...] O fenômeno da globalização é, em geral, um processo brutal e caótico. Ela força países, empresas e pessoas a competirem num mundo capitalista, onde a lucratividade é o maior objetivo (SOARES, 2005, p. 93).

Verifica-se, ao longo da história, que, se por um lado as empresas caminharam na ânsia de expandirem seu poder de mercado, por outro lado, os Estados se posicionaram a favor dessa expansão porque seus governantes acreditaram que o crescimento das empresas acarretaria o crescimento dos Estados em que tais empresas estariam instaladas. Isso porque, em tese, quanto maior o potencial da empresa, maior a oferta de empregos e maior a ingestão de dinheiro na economia.

Todavia, a história do capitalismo vivencia na atualidade um momento de crise. Essa crise econômica difundida esconde outra crise, a crise de paradigmas. Toda a problemática se dá porque durante toda a história de dominação do homem sobre a natureza, este agiu de forma a satisfazer suas necessidades, olvidando a finitude dos recursos naturais. Hoje, a concorrência atingiu um estágio em que não se vislumbra aqui ou acolá lugar para todos, nem para todas as empresas, nem para todos os indivíduos. A crise desencadeia demissões em massa em todos os cantos do mundo. A tão consagrada hegemonia econômica encontra seus limites e se perde. Pergunta-se qual o motivo que desencadeou essa crise. Muitos divagam sobre os contornos da dinâmica do mercado, entoando apenas os fatores financeiros. Contudo, a força-motriz de toda essa questão está na escolha de paradigmas. Sim, porque o paradigma exclusivamente financeiro não mais satisfaz. A crise faz pensar na necessidade de se desviar do império da informação e do dinheiro para repensar os valores que entoam os verdadeiros interesses sociais.

Nesse sentido, Santos procura desmitificar algumas idéias absorvidas pelo sistema capitalista, agora em crise:

Dentro dessa crise, vivencia-se na atualidade esta globalização perversa para a maior parte da humanidade, que sofre as conseqüências da tirania da informação e do dinheiro, cujo sistema ideológico manipulado, com o auxílio da publicidade, confunde e

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influencia as ações e até o caráter das pessoas, aprofundando as desigualdades. As notícias são mascaradas e repassadas de forma a produzir fábulas e mitos. Dentre as fábulas, está a falsa idéia da comunicação instantânea, quando, na verdade, essa comunicação se faz por intermédio de objetos e não da interação de pessoas; a idéia do tempo e espaço contraído, que só são acessíveis a um número limitado de pessoas que disponibilizam de condições para isso; a idéia de desfalecimento das fronteiras e da criação de uma cidadania universal; e a idéia do neoliberalismo como fundamento da democracia (SANTOS, 2008, p. 37-43).

Interessante notar como a mídia, assaz tão suscetível de influenciar a cultura social, divulga esta crise financeira, mas também, sem uma associação nítida, tem dado crescente ênfase à questão da sustentabilidade. O impacto da industrialização sobre o meio ambiente, com o suporte da cultura do crescimento econômico a qualquer custo, desencadeou uma série de desastres ambientais responsáveis pelo delineamento do que se denominou sociedade de risco, embasada na produção e distribuição dos riscos decorrentes do desenvolvimento industrial.

2.2 A globalização como berço da sociedade de risco

Paradoxalmente, se por um lado vislumbra-se tamanha inteligência do homem ao descobrir curas de tantos males de saúde, bem como os meios de comunicação, os avanços da ciência, e a industrialização de tantos eletro-eletrônicos que facilitam o cotidiano, por outro lado, espanta sua estupidez diante da falta de cuidados ante os malefícios que todo esse “conquistar o mundo” causa em contrapartida.

Esses efeitos decorrentes da estranha falta de discernimento ao tratar dos impactos ambientais são sentidos com mais firmeza a cada dia por todas as pessoas, mesmo que inconscientemente. Constitui exemplos desses impactos a poluição das águas, do solo e do ar. Como é público e notório as conseqüências disso na Terra são tamanhas que chegam a ameaçar a própria vida do ser humano, assim como tem ameaçado de extinção várias espécies da fauna e da flora, causando o desequilíbrio do ecossistema, afora as conseqüências como o efeito estufa, o aquecimento global devido à emissão de poluentes químicos, o degelo dos pólos, o desmatamento das florestas pela busca da madeira, as queimadas, as enchentes, o aumento de dióxido de carbono no ar, a escassez dos recursos naturais, as doenças oriundas da poluição verificadas principalmente nos grandes centros urbanos, entre outros.

Nesse contexto, surge a preocupação de algumas pessoas mais conscientizadas, manifestando-se pelos quatro cantos do mundo através de movimentos em defesa da natureza, formando passeatas, constituindo organizações não-governamentais – ONGs, e, notadamente a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, e seus relatórios com repercussão mundial, cujos estudos demonstram a necessidade de se atentar para a preservação ambiental diante da limitação dos recursos naturais. OTRODUÇ

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pessoasdade sejam beneficiados.s da civilizaçampo.idade de compartilhar a vida e o privilindo-os. dian dia

Essa conscientização tem forçado os governos dos mais diversos países a se preocuparem com sua participação nessa problemática globalizada e se posicionarem no sentido de atuar de forma a diminuir os impactos ambientais, já que as investidas desenvolvimentistas até então sem o aparato de preservação revelaram um modelo insuficiente de preservação.

A sociedade de risco não mais aceita os danos ambientais como fatalidades inerentes ao processo de industrialização necessário ao desenvolvimento social, e indaga por que não controlar os efeitos negativos gerados pelo desenvolvimento industrial. Assim, questiona e exige uma mudança do comportamento empresarial no sentido de se conduzir de modo a evitar, minimizar ou corrigir os danos ambientais decorrentes da ação industrial. Eis a dificuldade anunciada como o desafio da modernidade neste início de século.

Nesse sentido, o modo pelo qual a sociedade é pensada ou concebida resulta na maneira pela qual se admite a racionalidade de suas formas de organização institucional. A idéia de crise aparece quando as racionalidades parciais já não mais se articulam umas com as outras, gerando assim graves distorções estruturais para a consecução do equilíbrio social. Cada instituição aparece como independente em relação às demais, de modo que a crise representaria a sociedade como eivada de incoerências e invadida por contradições. Assim, considerada essa idéia de crise configura um conceito que serve para opor uma ordem ideal a uma desordem real, na qual a ordem jurídica é contrariada por acontecimentos para os quais ela não consegue oferecer soluções ou respostas técnicas e funcionalmente eficazes (FARIA, 2000, p. 41).

Nesse contexto, a sociedade de risco, produto da globalização, imersa nesta crise de paradigmas, desenvolve um consenso acerca dos benefícios gerados pelas empresas – basicamente, geração de emprego e aumento de renda – em contraposição ao peso da moral ecológica, que começa a despontar para além do cenário econômico, invadindo a seara social, política e jurídica, o que, por ameaçar a eficiência, desencadeia a mudança de posicionamento das empresas.

Com efeito, os riscos da modernização, ao acelerarem o processo de conscientização, alteram a redistribuição do poder no âmbito de tomada de decisão nas empresas. Questões como escolha do processo produtivo, planejamento da produção, desenvolvimento tecnológico e disposição dos resíduos, tratadas anteriormente como assuntos de soberania exclusiva dos e administradores de unidades industriais, extrapolam os muros das plantas industriais. Novos grupos e atores sociais entram em cena, exigindo que decisões tomadas nas altas cúpulas administrativas sejam revistas e que processos de produção sejam modificados (DEMAJOROVIC).

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As empresas começam a tomar consciência dessa nova contextualização social e procuram adequar suas condutas a essa nova realidade a fim de não serem banidas da concorrência, que, agora, adquire novos contornos, moldados pelo desenvolvimento da conscientização ecológica, num novo conceito de eficiência. Assim, o planejamento empresarial ultrapassa as metas de números demonstrativos da produção de maior riqueza e abrange os ditames da ética, do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade socioambiental.

No entanto, o grande desafio para a consecução do desenvolvimento sustentável implica em conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, de forma a de fato expandir-se o bem-estar ao maior número possível de pessoas, assumindo que a sustentabilidade é condição necessária para o desenvolvimento e, agora, até o crescimento econômico.

A globalização, impulsionada pelo desejo de interligar os mercados, inicialmente munida apenas pelo anseio de produção de riquezas, encontra-se numa nova fase, em que a concorrência empresarial tem em vista um novo desafio para se manter no mercado globalizado. Hoje, não bastam os indicadores de maior poder econômico, mas interessa mais a conciliação do desenvolvimento tecnológico e industrial à preservação do meio ambiente. As empresas que não sustentarem esse discurso em sua base estarão eliminadas do mercado diante da tomada de consciência ecológica por parte da sociedade de risco.

3 CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA EMERGENTE

A evolução da história acompanha a evolução do homem. E, invariavelmente, a história sempre foi escrita de acordo com o pensamento das classes dominantes.

Primeiramente, quando se deu a passagem do Absolutismo para o Estado Moderno, o capitalismo que se instalava precisava de uma concentração do poder político a fim de preservar as condições necessárias à sua afirmação e reprodução – acumulação de capital e estabilização – o que foi sendo conseguido com a efetivação do Estado de Direito, que procurou amoldar suas funções às necessidades do capitalismo. Hoje em dia, ao contrário, verifica-se uma nova fase do capitalismo, que procura diminuir cada vez mais a atuação estatal de todos os campos em que os agentes econômicos possam atuar. Ocorre que o modo produtivo capitalista desenvolve-se numa dinâmica muito mais veloz do que a regulamentação estatal da atividade econômica, de modo que os agentes econômicos acreditam que a sua atuação com maior liberdade, isenta da maior parcela possível de intervenção estatal, poderia atingir o máximo da eficiência (MARQUES NETO, 2002, p. 101-102).

Inserida neste processo de expansão capitalista encontra-se a colaboração de diversos fatores que contribuíram sobremaneira para sua consagração. Entre esses fatores estão, principalmente, a evolução dos meios de informação e de transporte, cuja atividade

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propiciou a divulgação de padrões de consumo adotados como universais, independentemente de fronteiras, culturas, moedas, línguas e outros critérios.

A democracia plena é substituída pela democracia do consumo, em que os meios de produção têm que se adequar às imposições do mercado, que são feitas pela influência da mídia. Assim, as concepções de democracia, opinião pública e cidadania necessitam de urgente revisão. Daí a necessidade de elaboração de um novo discurso, capaz de desmitificar a competitividade e o consumo e ao menos atenuar a confusão dos espíritos (SANTOS, 2008, p. 54-55).

Contudo, a atualidade presencia uma crise do sistema capitalista, tanto pela realidade, que não mais comporta tais imperativos, quanto pela conscientização da sociedade, que não mais aceita tal dominação.

O atual modelo de desenvolvimento econômico ditado pelos princípios do neoliberalismo não comporta uma política de proteção ambiental, o que desencadeou o estágio de desequilíbrio mundial vivenciado atualmente, cuja característica mais marcante consiste na dissonância entre o desenvolvimento dos países chamados de primeiro-mundo e os terceiro-mundistas.

Contudo, há o surgimento de uma conscientização ecológica emergente, que interfere no comando das grandes empresas, cuja resistência, mais cedo ou mais tarde, desperta para além de seus objetivos econômicos. Isso porque o sistema ideológico parece não resistir à evidência dos fatos. A promessa de que as técnicas melhorariam a vida das pessoas se desmorona frente ao crescimento da escassez que atinge os pobres e a classe média, já que todo o progresso tecnológico não é acessível a toda a população. A conseqüência da incapacidade dessa população desfavorecida de seguir as regras e costumes reinantes no sistema capitalista gera a procura de novas soluções (SANTOS, 2008, p. 117-126). Some-se a isso a emergência de novos atores sociais, como as associações, organizações, corporações, os blocos econômicos – como o Mercosul e a União Européia – e as instituições internacionais – como o FMI – e a crescente influência de seu papel decisório no seio social (MARQUES NETO, 2002, p. 103), angariando forças à população que desenvolve seu senso crítico e luta por seus direitos.

A comunidade global apercebe-se da necessidade do desenvolvimento sustentável. Assim, proliferam-se os tratados internacionais sobre a preservação do meio ambiente, de modo que são exigidos padrões mínimos ambientais nas negociações internacionais.

[...] a postura antropocêntrica atualmente perde campo para a visão ecocêntrica ou geocêntrica, porque ela é a que melhor se contrapõe à idéia de antropocentrismo. Essa nova visão, que se pode definir como o homem centrado em sua casa, ou seja, o homem centrado no planeta como sua morada, é que permite o surgimento de uma ética ambiental para enfrentar o comportamento do homem em relação à natureza global (SOARES, 2005, p. 25-26).

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Desenvolve-se uma conscientização ecológica no seio social que faz com que o homem não se veja mais como um ser soberano sobre a natureza, mas sim como componente desta, de forma a ensejar novas condutas mais harmoniosas nesse conviver socioambiental. A consciência ecológica desperta o senso de interligação planetária impossível de ser afastada ou ignorada sem as conseqüências desastrosas que têm se verificado no caos atual desvelado pela prática do modelo neoliberal clássico.

“As fronteiras nacionais se tornaram tênues a ponto de não podermos mais distinguir, como tradicionalmente era feito, entre as questões locais, nacionais e internacionais, pois em termos ecológicos elas se confundem” (SOARES, 2005, p. 30).

Essa integração universal impõe urgentemente uma reformulação da relação do ser humano com a natureza. E a sociedade de risco é acordada pela situação caótica com a qual se deflagra na atualidade. O Planeta pede socorro. Urge a reestruturação do sistema em prol do desenvolvimento sustentável. O sistema capitalista atende os anseios apenas daqueles que tem poder aquisitivo, excluindo a população carente de atender suas mínimas necessidades. E, mais, se continuar nesse ritmo de exploração, futuramente, não haverá dinheiro que possa satisfazer as demandas sociais, pois não haverá recursos naturais suficientes para se fabricar os bens materiais desejados pela sociedade de consumo.

Em vista disso, paulatinamente, há uma valorização do princípio da comunidade em substituição ao princípio do livre mercado. Os dogmas do livre comércio são derrubados diante de sua insustentabilidade fática verificada. Os contornos da desigualdade social tomam proporções que passam a preocupar até mesmo aqueles que não são atingidos diretamente pelo risco da pobreza e da marginalização. A sociedade de risco se dá conta dos efeitos nocivos das idéias do capitalismo consumista. Indaga-se mundialmente sobre a veracidade do significado do progresso nos termos empregados pela ideologia neoliberal.

A prova dessa tomada de conscientização ecológica está no grande número de Convenções Internacionais que têm como pano de fundo o tema da preservação do meio ambiente. Cite-se, por exemplo, a Convenção de Estocolmo de 1972, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento do Rio de Janeiro de 1992, o Protocolo de Kyoto de 1997, entre outros.

A verdade é que o problema não está em buscar meios de promover o crescimento econômico, mas em como está sendo feita essa busca. Insensata? Inconseqüente? Ilusória? A inserção de valores éticos e ambientais é perfeitamente cabível no sistema capitalista: basta conciliar o desenvolvimento tecnológico e industrial à preservação ambiental, concretizando o que se denominou desenvolvimento sustentável, imprescindível para a sustentabilidade do próprio sistema e da própria vida.

4 O DUMPING ECOLÓGICO E O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

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O Direito Concorrencial pode ser definido como o conjunto de regras mínimas sobre a organização da ordem de mercado, no intuito de garantir a liberdade de escolha e as informações transmitidas aos consumidores.

Ocorre que, muitas vezes, essa regulamentação é desvirtuada em virtude do favorecimento dos grupos dominantes no mercado internacional. Assim tem se verificado a legislação antitruste nos países menos desenvolvidos mais flexível do que nos países desenvolvidos, sob o pretexto de incrementar a economia nacional com a presença de empresas globais em seu território.

O poder econômico é capaz de falsear as informações sobre o mercado, sobretudo através do instrumento fundamental do mercado, verdadeira representação da “mão invisível” de Adam Smith: o preço. O preço em uma situação normal deve ser a representação da escassez relativa de um produto. É decorrência, isso sim, do poder do agente econômico, que, sendo responsável por grande parte da produção, é capaz de reduzir a oferta de forma a obter aumento de preços e, conseqüentemente, o chamado “lucro monopolista” (SALOMÃO FILHO, 1998, p. 43).

O dumping ecológico “trata-se do maior efeito que a falta de harmonização entre comércio e meio ambiente pode produzir, em escala mundial” (SOARES, 2005, p. 19). O dumping ecológico falseia o preço real da mercadoria porque não internaliza os custos ambientais inseridos na produção.

A expressão dumping tem origem inglesa to dump, que significa esvaziar, despejar, lançar por terra. Comercialmente, a acepção é usada para definir a ação de vender produtos muito abaixo dos preços praticados no mercado no intuito de eliminar a concorrência.

O dumping ecológico se destaca na seara comercial internacional entre os vários tipos de dumping. Aparece em duas situações: quando não são incluídos nos preços os custos ecológicos e quando as empresas poluidoras se transferem para países com uma legislação ambiental menos rigorosa.

A questão a ser refletida é se os países que adotam padrões ambientais mínimos seriam realmente beneficiados no mercado internacional. As experiências práticas demonstram que somente aufere vantagens as empresas globais poluidoras, que se estabelecem sem qualquer vínculo pátrio ou ético, alcançando seu objetivo do lucro, que seria a tal vantagem. Porém, o país receptor dessas empresas tem esgotados os seus recursos naturais, sem qualquer reposição, e ainda aquele lucro não é investido no país, mas absorvido pela empresa. Além disso, o país sobeja destruído ambientalmente, desinteressante para investimento, de forma que a empresa se esvai para outro país que se apresente mais vantajoso, deixando o primeiro com grande aumento de desemprego e sem condições de promover o pretendido crescimento econômico planejado (SOARES, 2004, p. 155-156).

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Entre os fatores que favorecem a formação do dumping ecológico está a crença na necessidade de crescimento econômico, pensado apenas quantitativamente, ensejando a exportação de recursos naturais como o destaque de suas economias, e as pressões econômicas internas e externas propugnando a busca pelo crescimento econômico a qualquer custo, inclusive ambiental, como se este fosse uma fatalidade natural inerente ao processo de desenvolvimento econômico.

A promessa da dominação da natureza, e do seu uso comum para o benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conservação do corpo humano em mercadoria última. A promessa de uma paz perpétua, baseada no comércio, na racionalização científica dos processos de decisão e das instituições, levou ao desenvolvimento tecnológico da guerra e ao aumento sem precedentes do seu poder destrutivo. A promessa de uma sociedade mais justa e livre, assente na criação de riqueza, tornada possível pela conversão da ciência em força produtiva, conduziu à espoliação do chamado Terceiro Mundo e a um abismo cada vez maior entre o Norte e o Sul. Neste século morreu mais gente de fome do que em qualquer dos séculos anteriores, e mesmo nos países mais desenvolvidos continua a subir a percentagem dos socialmente excluídos, aqueles que vivem abaixo do nível de pobreza (o chamado “Terceiro Mundo interior) (SANTOS, 2000, p. 57).

Nesse ponto, salutar a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico. O crescimento econômico, empregado erroneamente como sinônimo de desenvolvimento econômico, aufere tão somente os números indicados como balizadores da posição do país no mercado internacional, assim como o Produto Interno Bruto – PIB, a renda per capta, a quantidade de exportação, o valor da moeda nacional, entre outros. Já o desenvolvimento econômico acrescenta a estes índices os níveis de verificação de pobreza, desemprego, desigualdade social, qualidade da educação, moradia, atendimento à saúde, entre outros. Dessa pequena distinção percebe-se que somente o desenvolvimento econômico pode propiciar o verdadeiro desenvolvimento de um país, uma vez que os seus fatores de medição, ao contrário dos fatores do crescimento econômico, é que estão fielmente relacionados com a melhoria da qualidade de vida.

Destarte, os países subdesenvolvidos devem ter cautela no momento de negociação com as empresas mundiais, não se deixando levar pela falsa ilusão de que as ideologias dos países desenvolvidos lhes servirão de garantia de crescimento econômico.

Os modelos desenvolvimentistas da atual Sociedade de Consumo e, muito especialmente, o modelo brasileiro, são modelos absurdos, porque insustentáveis, isto é,

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suicidas. Estes modelos repousam no esbanjamento orgiástico de recursos limitados e insubstituíveis. Eles significam a destruição sistemática de todos os sistemas de sustentação da vida da Terra. [...] A Sociedade de Consumo favorece uma minoria em detrimento das maiorias. Isso é assim no contexto internacional, onde países desenvolvidos vivem dos recursos dos subdesenvolvidos, e é assim dentro dos países de cada grupo. As classes dominantes, tanto nos países desenvolvidos, como mais ainda, nos subdesenvolvidos, concentram para si os privilégios e vantagens, entregando aos que não têm posses os inconvenientes dos custos ambientais e sociais” (LUTZEMBERG, 2001, p. 13-14).

Assim, os meios de comunicação devem exportar não apenas padrões culturais uniformizados de consumo, mas também a divulgação da necessidade de cuidado no trato dos recursos naturais. O modelo norte-americano, consumidor de 1/3 dos recursos não-renováveis por ano para uma população que corresponde a 7,5% da população mundial, não pode ser considerado razoável. Os demais países, principalmente aqueles classificados como sendo do Terceiro Mundo, devem extrair dessa experiência as lições condizentes da concretização de seu desenvolvimento, não podendo incorrer em erros provenientes de falácias desenvolvimentistas exportadas pelos países do Primeiro Mundo.

O problema não está em buscar o desenvolvimento, mas em como se busca esse desenvolvimento, especialmente no que tange às questões ambientais. Daí o surgimento e o crescimento da conscientização ecológica no sentido de propor o desenvolvimento sustentável, definido como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem também as suas.

A coletividade, até então furtada do comando de seu destino diante dos efeitos nefastos da globalização, tem a chance de renovar a democracia social através da prática do princípio da solidariedade, uma das bases do Estado Democrático de Direito.

A crise atual denota a necessidade de reconstruir a nação em prol de atender os interesses da população e não do império do dinheiro, pois o verdadeiro sentido para a realização plena da vida não será alcançado senão pela plenitude do homem. E esta cidadania plena só será possível após a reestruturação político-territorial, com uma redistribuição dos recursos, prerrogativas e obrigações, onde as diferenças são descobertas e ultrapassadas para se chegar à consciência (SANTOS, 2008, p. 79-116).

Por fim, destaque-se a disseminação do reconhecimento dos valores dados aos direitos humanos, cuja preservação é elevada em vários textos normativos internacionais, que, por sua vez, influenciam as legislações nacionais. A isto se some a criação de organismos internacionais criados em defesa desses direitos e a crescente repercussão de seus relatórios no cenário internacional (MARQUES NETO, 2002, p. 110-111).

Diante de todo este processo de internacionalização que vivenciamos na atualidade, Eros Grau declarou a necessidade de um novo Direito (GRAU, 2000, p. 81, apud MARQUES NETO, 2002, p. 112).

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O Estado, parte integrante da sociedade, é também parte indispensável ao funcionamento do mercado, o que afasta obrigatoriamente a ilusão neoliberal em voga de um “fundamentalismo mercantil” – uma crença inabalável no poder de mercado em gerenciar com máxima eficiência os recursos disponíveis. Daí a asserção clássica de que o Estado como agente econômico não é a negação do modo de produção capitalista, mas responde à necessidade de sua lógica interna de expansão (DERANI, 2001, p. 193).

Neste contexto, revela-se o dumping ecológico como um mito do desenvolvimento econômico, reveladas todas as suas falácias de promessa de crescimento econômico, bem como seus efeitos danosos ao verdadeiro desenvolvimento nacional, abordadas as distinções entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico.

O dumping ecológico constitui o mais severo método de destruir o Planeta. Daí a necessidade precípua de se evitar sua realização. O crescimento econômico não pode ser priorizado em detrimento do desenvolvimento econômico, abrangendo as questões ambientais. Impende-se a construção de um paradigma ecológico, solidário e humanista em substituição ao modelo atual de crescimento econômico neoliberal.

Assim, percebe-se como a conscientização ecológica emergente na sociedade de risco deve tomar as rédeas da situação e reverter os efeitos negativos da expansão capitalista de mercado segundo os ditames da política neoliberal. É exatamente esse ideal de desenvolvimento econômico baseado no desenvolvimento sustentável que deve embasar a legislação concorrencial e ditar as regras da nova economia, sob pena de o próprio sistema se auto-extinguir e levar com ele a esperança da subsistência da própria vida humana no planeta Terra.

5 CONCLUSÃO

Do início da expansão ultramarina até o firmamento da globalização, muita coisa mudou. A transição do Estado absolutista para o Estado moderno foi acompanhada de grande evolução social. Contudo, a imbricação comercial e a interdependência econômica verificada entre os Estados não teve correspondente integração da responsabilidade socioambiental.

Nesta passagem de século surge o embrião da conscientização ecológica, despertando a humanidade para o risco de sua conduta até então endeusada. A catástrofe ecológico-financeira atual acorda as mentes dormentes de um sonho ilusório. A imposição da publicidade do consumo não subsistirá sem a reconstrução de um modelo mundial de desenvolvimento sustentável. Os países subdesenvolvidos, principalmente, tomados pela conscientização de sua população menos favorecida, se vêem imbuídos pela percepção de que o fenômeno da globalização favorece apenas os interesses comuns dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Europa e Japão, e passa a procurar soluções. Daí o crescimento da conscientização do combate à forma atual de globalização.

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A dominação da ideologia dos países desenvolvidos defensores do livre comércio como catalisador da igualdade esconde um forte protecionismo dessas nações desenvolvidas em relação a seu produto interno e seu interesse em ter acesso a todos os mercados estrangeiros.

Nesse sentido, diminui a tolerância ao dumping ecológico nos territórios dos países subdesenvolvidos, quando estes se dão conta dos malefícios que sua prática pode trazer ao longo do tempo. Há uma mescla das crises financeira e ecológica. Vive-se um círculo vicioso em que o resultado do modelo neoliberal exclui a população dos países subdesenvolvidos de participar de forma igualitária do sistema capitalista, as empresas mundiais não conseguem espaço satisfatório no mercado internacional, os países subdesenvolvidos são discriminados no mercado internacional e já não têm mais as mesmas condições de explorar seus recursos naturais assaz tão desgastados, e assim por diante.

Esse cenário de desafio à sociedade pós-moderna foi posto à prova recentemente quando explodiu a atual crise iniciada nos Estados Unidos e que vem avassalando todos os países do Globo de forma mais forte desde meados de 2008. Dia a dia cresce o número de desempregados devido às demissões em massa das grandes empresas. Estas empresas declaram estar em crise financeira. Muitas delas pediram socorro aos Estados, e, surpreendentemente, este Estado, que pouco antes fora considerado supérfluo, tem força suficiente para socorrê-las, bem como implantar novas políticas públicas de reestruturação da economia para socorrer também sua população.

A mão invisível de Adam Smith já não mais sobrevive no atual estágio da globalização. Fala-se agora na mão visível do Estado que segura a crise. O Fórum de Davos de 2009 reconhece os riscos do livre mercado e de um neoliberalismo insustentável, e rende-se à necessidade da intervenção estatal e propõe o bem-estar e o planejamento responsável.[1] E o G-20, por sua vez, já fala em uma “desglobalização”, referindo-se à conduta protecionista dos países para defender os seus interesses dos efeitos da crise mundial.

Os juspublicistas e politicólogos tentam, agora, encontrar um caminho de equilíbrio entre as forças mercadológicas e as finalidades instituidoras do Estado. É preciso rever as bases que fundamentam a atuação estatal para que seja cumprido o papel de atender efetivamente o real interesse público.

A globalização disseminada como um processo irreversível, bem como os recursos tecnológicos que a integram, uma vez incorporados ao cotidiano das pessoas, não precisa ser declarada ruim, mas, ao contrário, pode ser revertida em benefício não apenas de um pequeno grupo dominante, mas de toda a comunidade planetária, de modo com que a universalidade seja tomada em seu verdadeiro significado.

Nessa retomada de valores, diga-se, uma verdadeira revolução axiológica de paradigmas, a conscientização ecológica emergente na sociedade de risco deve desmitificar esse mito do crescimento econômico como sinônimo do desenvolvimento econômico, incluindo, sobremaneira, o caso da ocorrência do dumping ecológico, desmascarando suas tendências falaciosas para transformar a globalização de um fim em si mesmo para um meio de se alcançar as metas da justiça socioambiental.

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Especificamente no caso do Brasil, é preciso que o Estado se volte à efetiva construção do Estado Democrático de Direito a que se propôs na Constituição Federal de 1988, sob pena desta se tornar uma simples folha de papel, como diria Ferdinand Lassale. Assim, deve promover a efetividade de sua legislação concorrencial e ambiental de modo a cumprir os ditames dos artigos 170 e 225 da Constituição Federal. Em que pese o Brasil possa ser considerado um exemplo de legislação concorrencial e ambiental, por se situar entre aqueles classificados como terceiro-mundistas, muitas vezes os governos se deixam atar suas mãos diretivas em favorecimento de interesses estrangeiros, devido ao temor da represália mercadológica e econômica. A justiça socioambiental não pode se restringir ao seu aspecto normativo. A intervenção do Estado no domínio econômico deve ser conduzida de acordo com essa previsão legal. Nessa crise mundial financeira e ecológica, caso não se ultrapasse, agora, para além do discurso, talvez depois seja tarde demais.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA JR., Paulo Nogueira. O círculo de giz da globalização. São Paulo: Centro Brasileiro de Análises e Planejamento, 1997.

COSTA, Antônio Luiz M. C. Globalização 2.0. Carta Capital. São Paulo: Editora Três, 14 de fevereiro de 2009, p. 52-55.

DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de Risco e a Evolução das Abordagens de Gestão Socioambiental. Instituto Ethos. Disponível em: http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/texto_Jacques_aula_24_04.pdf. Acesso em 13/04/2009.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.

FARIA, José Eduardo de. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

LUTZEMBERG, José. Gaia – O planeta vivo (por um caminho suave). 3ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2001.

MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros, 2002.

SALOMÃO FILHO, CALIXTO. Direito Concorrencial: As Estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998.

SANTOS. Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. v 1. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

SOARES, Remi Aparecida de Araújo. Proteção Ambiental e Desenvolvimento Econômico: Conciliação. Curitiba: Juruá, 2005.

[1] A Revista Época de 14 de fevereiro de 2009 estampa na capa a imagem do planeta Terra com estes dizeres e traz em seu bojo uma reportagem de dez páginas sobre a atual crise econômica e o papel do Estado sendo chamado a intervir.

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