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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA POLÍTICA COMPARADA DROGAS E CIDADANIA Uma análise comparada da implementação das políticas de Redução de Danos nas cidades de Porto Alegre e Santos. Dênis Roberto da Silva Petuco Trabalho para cadeira de Política Comparada Professor Alexandre Bier Porto Alegre, Julho de 2006.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

POLÍTICA COMPARADA

DROGAS E CIDADANIA

Uma análise comparada da implementação das políticas

de Redução de Danos nas cidades de Porto Alegre e Santos.

Dênis Roberto da Silva Petuco

Trabalho para cadeira de Política Comparada

Professor Alexandre Bier

Porto Alegre, Julho de 2006.

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Introdução

A medicina não é neutra. O exercício da medicina não é neutro. Toda e qualquer

decisão de um médico junto ao seu paciente está ancorada em um conjunto de concepções

que não são naturais, mas que foram, sim, construídas pela humanidade ao longo de

séculos. Um médico alinhado a uma escola alopática irá orientar seus pacientes de acordo

com suas concepções, que serão diferentes das concepções de um médico de orientação

homeopática. Um médico que construiu seus saberes dentro de uma cultura oriental terá

uma visão de saúde diferente da visão de um médico educado em um contexto ocidental.

Da mesma forma acontece com as políticas públicas. Toda e qualquer proposta de

política de saúde estará sempre vinculada a um conjunto de concepções políticas e

ideológicas alinhadas a uma visão de sociedade. As políticas de saúde de um estado

populista serão diferentes das políticas de saúde de um estado ditatorial. Um governo

alinhado às propostas da social-democracia pensará uma política de saúde diferentemente

de um governo afinado com concepções liberais. E em tempos de pós-modernidade, sempre

é possível encontrar políticas de saúde pública identificadas com um determinado ideário,

promovidas por um governo que, em suas linhas gerais, orienta-se por ideologias

completamente distintas, aumentando ainda mais o grau de complexidade de qualquer

análise conseqüente.

As diferentes concepções sobre os problemas relacionados ao uso indevido de

substâncias psicoativas, de igual modo, estão também ligadas a diferentes concepções de

saúde, que por sua vez estão alinhadas a diferentes concepções de sociedade. Estão também

diretamente envolvidas questões culturais, morais e religiosas. E, sendo assim, tais

concepções se modificam junto com a sociedade, de modo que aquilo que é imoral hoje

talvez seja moralidade amanhã, e aquilo que é considerado equivocado em uma cultura,

talvez seja recomendado em outra.

Neste sentido, as propostas de Redução de Danos (RD), como premissa aceitável no

trato dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e drogas, surgem politicamente

alinhadas com o movimento de luta contra a Aids, e também com o movimento

antimanicomial. Assim como o movimento antimanicomial, as propostas de políticas

públicas para álcool e outras drogas alinhadas com a perspectiva da redução de danos

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encontraram oposição em praticamente todos os lugares onde se buscou implementá-las,

exceção feita, talvez, a cidade holandesa de Amsterdã, onde o respeito às liberdades

individuais dá a tônica das políticas públicas.

No Brasil, os Programas de Redução de Danos (PRD’s), já nasceram com a marca

da polêmica. Em Santos, primeira cidade onde se buscou a implementação de um programa

de troca de seringas (PTS) para usuários de drogas injetáveis (UDI’s), o coordenador do

programa foi processado, e o material utilizado para o programa (estojo plástico contendo

seringas, swabs com álcool, ampolas de água destilada, copinhos plásticos para a diluição

de cocaína e materiais educativos), foram apreendidos como prova para posterior utilização

em julgamento. Em Porto Alegre, as ações de repressão e oposição não foram tão intensas,

mas ainda assim, os agentes ligados ao PRD da Secretaria Municipal de Saúde, vinculado à

Coordenação de Política Municipal de Controle de DST/Aids, atuaram por cerca de dois

anos, se não na ilegalidade, pelo menos na ausência de regulamentação.

Nesta introdução, bem como em todo o trabalho, busco exercitar a nobre arte da

imparcialidade, esforçando-me para realizar um trabalho minimamente científico, de

caráter investigativo e não panfletário. Tarefa difícil. Já no parágrafo em que ligo uma

pretensa cultura holandesa de respeito às liberdades individuais à aprovação (ou não

desaprovação, quem sabe...), às políticas de RD, fica nítido de que lado se encontra o

pesquisador. De qualquer modo, não vou corrigir o texto: ele ficará assim, como uma

denúncia das dificuldades que qualquer estudo encontrará para manter sua cientificidade e

sua imparcialidade. Afinal, como ouvi de um professor, há mesmo uma lógica que faz com

que busquemos estudar assuntos que nos fascinam. E dificilmente nos manteremos neutros

diante de algo que nos mobiliza. Não é possível. Quiçá desejável.

Metodologia

O presente estudo busca debruçar-se sobre a história do PRD na cidade de Porto

Alegre, priorizando os aspectos políticos do processo de implementação, centrando a

pesquisa nos anos de 1994 a 1997. Para tanto, apoiei minha pesquisa em dois tipos de

fontes: as de natureza bibliográfica, e os relatos diretos dos participantes do processo em si.

Quanto às fontes bibliográficas, estas se constituem em material extremamente escasso,

reduzindo-se a alguns poucos recortes de jornal, e a alguns poucos textos presentes em

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algumas poucas publicações financiadas com recursos do Ministério da Saúde. Neste

último caso, as publicações priorizam a produção de dados que se prestam tanto à descrição

de programas no Brasil e em outros países, quanto à defesa das idéias em si, em

contraposição aos argumentos dos oposicionistas da lógica de RD. Quanto aos relatos,

utilizei técnicas de entrevista pessoal, e conversas feitas por meio da escrita, utilizando

troca de e-mails. Tal expediente foi necessário, pois um dos mais ativos participantes dos

debates à época encontra-se, à época da pesquisa, residindo em Vitória (ES).

Inicio meu trabalho organizando um breve relato do desenvolvimento das idéias

acerca dos problemas relacionados ao uso indevido e/ou abusivo de substâncias psicoativas

ao longo da história. Logo em seguida, busco situar o leitor no contexto histórico,

geográfico, político, cultural e social em que surgem, em nível mundial, as propostas

ligadas à Redução de Danos. Tanto para o primeiro quanto para o segundo ponto, utilizo

pouquíssimas fontes. Espero poder prosseguir nesta pesquisa em outro momento.

Num terceiro momento, ainda que superficialmente, busco descrever as disputas

políticas decorrentes da chegada destas propostas ao Brasil, através do exemplo de Santos,

primeira cidade brasileira a buscar a implementação deste tipo de ação em saúde. Deste

modo, Santos se torna uma cidade pioneira, não apenas na implementação de um programa

de Redução de Danos, mas também na organização de um cenário público de disputa

política extremamente rico e interessante. Posteriormente, falo do processo como se deu na

cidade de Porto Alegre, observando suas especificidades na comparação com Santos.

Que este trabalho, que nasce da curiosidade do autor, possa servir a uma anamnese

sobre as atuais políticas públicas de manejo dos problemas decorrentes do uso de álcool e

outras drogas, pelo menos em sua interface com as políticas de saúde. Se as instituições

públicas brasileiras são como troféus e monumentos erigidos aos vencedores pelos próprios

vencedores, de modo que as gerações vindouras não percebam nem sinal das acirradas

disputas que aconteceram até que nosso país assumisse a configuração que tem hoje

(CARVALHO, 1990), as políticas de drogas no Brasil, da mesma forma, também o são, e o

conjunto de leis e normas que o Estado Brasileiro utiliza para lidar com esta questão das

drogas não é o único existente. A história poderia ter sido outra, se outras concepções, em

determinados momentos da história, houvessem sobrepujado às que vigoram hoje em dia.

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Conhecer aos processos e às idéias defendidas pelos atores sociais participantes

destas disputas políticas é de fundamental importância para que possamos reconhecer até

que ponto se julga natural àquilo que é construído social e politicamente. Para que nos

posicionemos com clareza, e principalmente, para que nossa ação política, independente da

posição, possua qualidade.

1. Uma breve história das idéias da medicina com respeito ao álcool e outras drogas

A redução do social ao psicológico, tentada por alguns por intermédio da psicopatologia, seria ainda mais ilusória do que admitimos até o presente, se devesse ser reconhecido que cada sociedade possui suas formas preferidas de distúrbios mentais, e estes, tanto como as formas normais, são função de uma ordem coletiva que a própria exceção não deixa indiferente (LÉVI-STRAUSS, 2003).

Os primeiros relatos que encontramos na história da medicina com respeito ao uso

de álcool e drogas estão em Galeno, segundo grande pensador da medicina (130 – 200

D.C.), precedido apenas por Hipócrates: não passam de orientações sobre como utilizar

estas substâncias – notadamente álcool e ópio – de modo a não sofrer nenhum tipo de

reação ou efeito indesejado (ESCOHOTADO, 1995) . Já durante toda a idade média, o

caráter investigativo presente na medicina greco-romana cede lugar às idéias de Agostinho

e Tomás de Aquino, que ligam os distúrbios (tanto físicos quanto psíquicos) à ação do

demônio. O uso do álcool é tolerado, e o uso abusivo é visto apenas como um exagero

eventual ou freqüente, não constituindo-se em prova de ação demoníaca, mas tão somente

em fraqueza moral. Já o uso de outras drogas é considerado uma prova da ligação da pessoa

com o mal, constituindo-se em prova de bruxaria. Esta visão irá perdurar até o

renascimento (FOUCAULT, 2004).

Ao que tudo indica, os primeiros indícios de uma medicalização dos problemas

ligados ao uso indevido de substâncias psicoativas datam do século XVII, marcado pelo

retorno das concepções gregas à medicina. Destacam-se as teorias de Felix Plater, que

estuda as patologias de ordem psíquica, incluindo o uso de substâncias como causa externa

de distúrbios mentais (PESSOTI, 1999). Nos Estados Unidos, já no século dezoito,

começam a surgir os primeiros rumores de que talvez houvesse algo além da vontade pura e

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simples instigando as pessoas ao uso de álcool e outra drogas (BERRIDGE, 1994). Talvez

a referência mais antiga de que se tenha notícia seja a de um estudo sobre o ópio, realizado

por um Doutor John Jones, onde há um capítulo sobre os efeitos da parada súbita no uso de

ópio, depois de um uso longo e abusivo. Com relação ao álcool, podemos citar um trecho

escrito pelo pesquisador John Coakley Lettsom, ainda no século dezoito, que descobri em

um artigo escrito pela historiadora Virginia Berridge na obra “A Natureza das Drogas”,

organizada por Griffith Edwards e Malcolm Lader:

[...] aqueles de hábito leve, que tentaram superar sua fragilidade nervosa através da ajuda da bebida alcoólica, muitos deles começaram a usar este tóxico, por convicção de sua utilidade e não por uma questão de gosto; porém, como o alívio é temporário, o uso freqüente, para manter seus efeitos, conduz à mesma ilusão até que, finalmente, o que era obtido por compulsão torna-se apego à bebida e um pequeno gole de brandy ou de gin com água torna-se tão necessário quanto o alimento; o sexo feminino, por sua natural fragilidade, adquire esse costume gradativamente, e o tóxico, ingerido em pequenas doses, apesar de lento em sua ação, não é menos doloroso em seus efeitos (LETTSON apud BERRIDGE, 1994).

Ainda que as bases para um desenvolvimento de um olhar da medicina sobre os

problemas relacionados ao uso indevido de álcool e drogas já estivessem presentes no

século dezoito, este processo irá realmente ganhar corpo – e conhecer as primeiras

polêmicas - no século dezenove. Para estes pioneiros, os problemas com álcool e drogas,

até então tratados na esfera religiosa e moralista, deveriam encontrar seu devido lugar sob o

olhar criterioso da medicina. Termos como “doença” ou “transtorno de vontade” começam

a ser mais e mais empregados. Na Europa, surgem idéias como a de que a embriaguez seria

decorrência de disfunções no sistema nervoso central. Surgem também as primeiras

considerações acerca de possibilidades genéticas, categorizadas como “degeneração

hereditária”. Agindo de certa forma como elementos de “costura” de toda esta

efervescência criativa em meio científico, temos as idéias de Esquirol e Prichard sobre a

insanidade moral como paralisia da vontade. Em uma citação de Esquirol, pinçada da obra

“A Microfísica do Poder”, de Michel Foucault, podemos ler que:

A cura significa a volta às afeições morais dentro dos seus justos limites, o desejo de rever seus amigos, seus filhos, as lágrimas de sensibilidade, a necessidade

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de abrir seu coração, de estar com sua família, de retomar seus hábitos (ESQUIROL apud FOUCAULT, 2003).

Na verdade, observar o surgimento de um olhar medicalizante sobre o uso de

álcool e drogas como sendo apenas um avanço das ciências médicas seria uma visão

reducionista da questão. Como já colocamos na introdução deste trabalho, a ciência não é

neutra, e o desenvolvimento das terapêuticas médicas articula-se às forças políticas, sociais

e culturais de seu tempo. E o que se vê surgir com extrema força naqueles dias são os

movimentos de abstinência e antiópio, com preocupações que vão desde restringir o uso do

ópio aos “legítimos interesses médicos” até a simples recuperação de bebedores. A “teoria

do germe”, que data também deste período, irá contribuir enormemente para uma

concepção higienista de saúde pública.

No que concerne às teorias de orientação genética, a noção de “predisposição

hereditária”, muito forte em determinados setores ainda hoje, surgia com extrema força à

época. Muito longe da sofisticação presente nos estudos sobre as cadeias de DNA existente

na genética contemporânea, as teorias sobre hereditariedade existentes à época, observadas

a partir de uma perspectiva contemporânea, nos soam extremamente curiosas, e até mesmo

engraçadas, como pode ser visto neste trecho escrito pelo grande pesquisador George

Harley, que desenvolveu teorias sobre problemas psiquiátricos válidas ainda hoje. O trecho

foi também extraído da contribuição de Berridge presente no livro organizado por Edwards

e Lader, e diz:

(...) a insanidade hereditária deve-se à transmissão de pai para filho, não de pensamentos anormais, mas sim do próprio tecido cerebral mórbido, onde originam-se tais pensamentos. De maneira similar, o bebedor não transmite a sua prole o desejo intenso pelo álcool, mas sim o tecido corporal orgânico anormal, que dá origem a este desejo (HARLEY apud BERRIDGE, 1994).

No século vinte, surgem as teorias da adicção. O termo adicto vem do inglês,

“addiction”, e significa “dedicação total”, mas tem raiz no latim “adictum”, termo utilizado

na Roma Antiga para descrever àqueles que, por dívida, tornavam-se escravos de seus

credores. De um modo geral, a medicina considera que todos os usuários contumazes de

álcool e outras drogas são adictos, independente de ser este consumo moderado ou não, e a

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adicção passou a ser uma doença. Tais definições trouxeram em seu bojo todo um conjunto

de práticas específicas. Os usuários de morfina, a partir desta definição, passam a ter um

tratamento especializado à sua disposição, principalmente pelo fato de ser esta uma droga

consumida pelas classes sociais mais abastadas. As pessoas com problemas ligados ao

consumo de álcool, por sua vez, passam a receber um olhar mais condescendente por parte

da medicina. Não obstante, o tratamento utilizado pelos serviços de saúde pública à época

para os bebedores de classes desfavorecidas – a internação compulsória – em pouco ou

nada se diferenciava dos modelos punitivos de reclusão.

Estas duas noções – compulsão e segregação – originam-se de um modelo político

apoiado na idéia de que, em nome da higiene social, se poderia impor quarentenas,

vacinações e outros modelos de prevenção e recuperação. No que diz respeito à compulsão,

a condenação do uso do álcool por todos os problemas sociais que viessem a ocorre – de

acidentes no trabalho à mortalidade infantil – dá ênfase ao fracasso pessoal contra a

situação social. Mais ou menos como no Brasil atual, onde o desemprego é reputado à

baixa qualificação da mão de obra, e não à situação macro-econômica. Este modelo

higienista, no Brasil, teve seu ponto máximo no momento exatamente anterior à Revolta da

Vacina.

Com o fim da primeira guerra mundial, o surgimento dos problemas relacionados

aos ex-combatentes e suas “neuroses de guerra” provocam sérios abalos às concepções de

degeneração hereditária. Estes abalos se fazem sentir principalmente na psiquiatria, e

fortalecem uma vertente até então desprestigiada: a psicologia. Textos como este, do oficial

médico inglês do Hospital Real para os Abalos ao Sistema Nervoso, davam a tônica:

[...] a necessidade do álcool não se torna imperativa, a menos que haja uma grande discrepância entre o consciente e o inconsciente – isto é, quando há uma grande quantidade de energia psicológica alojada no inconsciente, sob um símbolo que está muito distante da possibilidade de aplicação consciente (NICOLL apud BERRIDGE, 1994).

Interessante perceber que ao mesmo tempo em que este olhar psicanalítico oferece

mais qualidade à forma com que a medicina via os alcoolistas e usuários de drogas, os

Estados Unidos vêm nascer, em 1919, a Lei Seca. A 18ª emenda ofereceu grandes

possibilidades de negócios à máfia, que recém se organizava em solo americano,

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originando um processo que ofereceu rica matéria prima à Hollywood. Pouco tempo depois

de sua revogação, em 1933, o mundo irá assistir ao discreto surgimento da Irmandade de

Alcoólicos Anônimos, a partir das idéias de dois homens: um apostador das bolsas de

valores de Wall Street, e um médico cardiologista, ambos alcoolistas (ALCOÓLICOS

ANÔNIMOS, 1994).

Após a II Guerra Mundial, as discussões sobre os problemas relacionados ao uso

indevido de álcool e drogas alcançaram nível mundial, resultando na criação dos “Expert

Committees on Alcoholism and on Drugs Liable to Produce Addiction1”, vinculados à

Organização Mundial de Saúde (OMS). A definição adotada pela organização para o

alcoolismo, construída por Jellinek, que elaborou um modelo matemático para a definição

das diferenças entre bebedor problema e social, oscilou, durante muitos anos, entre

problema médico e social. Ao que tudo indica, interesses econômicos mantinha o álcool

numa zona intermediária entre as drogas de hábito e de dependência. Com respeito às

drogas ilícitas, não se considerava a possibilidade de uso recreativo e eventual, e usá-las era

sinônimo de doença. Em 1964, a adoção da noção de “dependência de drogas” reuniu tanto

adicção quanto hábito, não lhes fazendo distinção. As definições levavam em conta,

principalmente, aspectos bioquímicos, sendo de alguma relevância a avaliação psicológica.

A partir do fim dos anos setenta, busca-se um tipo de definição que atenda aos

interesses médicos, mas que ao mesmo tempo seja capaz de enfrentar as críticas da

sociologia e da psicologia. A saída surge com a elaboração de um conceito extremamente

flexível, que agrada a todos; o alcoolismo, pela definição da OMS, passa a ser registrado

como um conjunto de “problemas relacionados ao álcool”. Deste modo, considerando que

os “problemas” podem ser de qualquer ordem, em qualquer nível, a definição cai no gosto

de todos, abrindo espaço, inclusive, para a moderna conceituação de que não há tanta

importância no ato de beber (ou de usar drogas), mas sim nos problemas que eventualmente

possam decorrer deste ato. Outra leitura possível é que o aumento da visibilidade do

problema “droga” exige ações rápidas; tratar um “problema” é mais rápido do que uma

“doença”, que pode até mesmo ser uma condição permanente. O que se percebe diante de

1 - Em uma tradução livre, algo como “Comitês Especializados em Alcoolismo e em Drogas Capazes de produzir Adicção”.

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toda esta confusão de termos é que os diferentes conceitos para os problemas relativos ao

álcool são tão divididos pela ideologia quanto os “conceitos” de doença.

Não obstante todo este debate sobre o conceito de doença que povoa o cenário

científico naquele período, ainda se pode observar toda uma corrente ligada a psiquiatria

alternativa, ou antipsiquiatria, que busca um rompimento radical com toda esta lógica. Um

dos representantes mais importantes desta tendência é o psiquiatra italiano Franco Basaglia.

Suas idéias, que ligavam psicanálise ao marxismo, davam origem a declarações como esta:

Para conter os marginais, os improdutivos, seria necessário dispor de uma cidade grande como São Paulo. O problema é que os técnicos devem encontrar outros meios para controlar esses marginais que não seja o manicômio ou a prisão. O poder deve tornar produtiva a improdutividade. Sabemos que nos Estados Unidos, por exemplo, a população não ativa representa 75%. É preciso pensar como controlar essa população, esses 75%. O medo do manicômio e da prisão já não é suficiente (BASAGLIA, 1982).

Nos anos oitenta, as definições continuam provocando polêmicas intensas. O

álcool segue sendo o centro das atenções, pelo menos no campo da saúde, mas a grande

explosão do uso de substâncias ilícitas traz consigo debates acirrados. Ainda não se

concebe a possibilidade de um uso meramente recreativo destas substâncias. Não obstante,

o surgimento da Aids vai mexer neste debate; assim como aconteceu com a sexualidade, a

Aids vai obrigar a humanidade a romper com hipocrisias, tornando incontornável o debate

sobre novas políticas e ações de saúde com respeito ao uso de drogas ilícitas,

principalmente por via injetável.

Ao final desta pequena história das idéias das diferentes formas de prevenção,

recuperação e manejo dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e drogas, uma

última reflexão é cabível: as mudanças de definições e o avanço teórico com respeito a

estes problemas refletiram-se em uma melhoria real na qualidade dos tratamentos e dos

programas de saúde e atenção destinados aos usuários de álcool e drogas?

Uma resposta simples daria conta de que não. Todos os dias vêem-se mais e mais

pessoas desenvolvendo problemas nesse sentido, e os recursos de saúde são precários ou

inexistentes. Olhando deste modo, pareceria óbvio que tais debates não contribuíram em

nada para uma real melhoria na qualidade de vida destes indivíduos. Porém, quando

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observamos que as limitações dizem respeito não apenas aos problemas relacionados ao uso

de álcool e outras drogas, mas à saúde pública como um todo, somos obrigados a avaliar

esta questão a partir de novos parâmetros. Se for verdade que a grande maioria das pessoas

que necessitam de apoio para o tratamento de problemas com álcool e drogas não são

felizes nesta busca, também é verdade que os indivíduos que conseguem acessar estes

serviços, hoje em dia, recebem um tratamento muito mais humano do que teriam recebido

há cinqüenta ou cem anos. Atualmente, em tempos de pós-modernidade, a existência

simultânea de vários modelos de recuperação, prevenção e manejo dos problemas

relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas, oferece à sociedade um amplo

leque de possibilidades. Além do mais, a cada dia que passa é maior o número de países a

considerar que a saúde é um direto, e não um dever, alinhando-se ao movimento

antimanicomial e anti-higienista. Tais concepções, alinhadas aos debates provocados pelo

incremento dos casos de Aids relacionados ao uso de drogas, possibilitaram um salto de

qualidade nestas questões, pelo menos no que tange ao universo conceitual. Hoje, ainda

que de maneira precária, já é possível rimar saúde com cidadania.

2. Drogas e Cidadania: O Surgimento das Idéias de Redução de Danos

Primum non nocere

Hipócrates

Um dos grandes equívocos com respeito ao surgimento das propostas de RD no

trato de problemas relacionados ao uso de drogas é a crença de que estes nasceram em

decorrência da descoberta de que o HIV poderia ser transmitido pelo compartilhamento de

seringas entre UDI’s. O próprio Hipócrates, pai da medicina, já dizia que antes de mais

nada, é preciso reduzir e evitar danos. Ainda que não tenha se constituído em políticas

públicas sistemáticas durante décadas, o conceito de RD, entendido como uma forma

aceitável na abordagem dos problemas relacionados ao uso de drogas, surgiu na Inglaterra,

em 1926. Porém, é com o advento da Aids que estas estratégias entram na pauta de

discussões como abordagens possíveis na prevenção à transmissão do HIV. Entretanto,

como ações de saúde pública, a gênese da redução de danos é ainda anterior à Aids.

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Em 1984, o medo de uma epidemia de hepatite do tipo “B”, extremamente comum

entre UDI’s2, potencializou um evento de pequenas proporções: a recusa dos proprietários

de uma farmácia localizada no centro de Amsterdã em vender seringas àqueles que fossem

possíveis UDI’s (VERSTER, 1998). O que o dono desta farmácia não sabia era que um

bom número de usuários e ex-usuários de drogas encontrava-se já organizados em uma

entidade de defesa de seus direitos civis (a “União Junkie”), que inicia uma campanha

exigindo a distribuição de seringas como parte de um programa de saúde pública. O

equivalente à Secretaria Municipal de Saúde da capital holandesa concordou em colaborar

com o programa, exigindo apenas que este fosse organizado a partir de um sistema de

trocas – uma seringa suja por uma seringa limpa. Como diz Francisco Inácio Bastos,

pesquisador do Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz:

À época, a questão central era a difusão dos agentes etiológicos das hepatites virais (basicamente B e C), por meio de agulhas e seringas compartilhadas. Ainda que a questão da disseminação do HIV constituísse então um problema emergente, esta questão ainda não se mostrava tão evidente para os próprios UDI’s como nos anos imediatamente subseqüentes. Residem aí algumas contradições e paradoxos que acompanham a história dos PTS’s desde então. Em primeiro lugar, os programas têm origem em um conjunto de países onde a epidemia que dominaria a cena daí em diante – a epidemia pelo HIV/Aids entre UDI – não chegou propriamente a “alçar vôo”, talvez, em parte, devido à própria implementação precoce desses programas (BASTOS, 1998).

Poucos anos depois das experiências iniciais com trocas de seringas em Amsterdã, o

mundo toma ciência de que os UDI’s constituíam-se em uma população extremamente

vulnerável à infecção pelo HIV. Naqueles dias, ainda se trabalhava com o conceito de

“grupo de risco3”, que caracterizava de maneira extremamente estigmatizante os

2 - A incidência de hepatites de diferentes tipos entre UDI’s é um problema histórico, e seriíssimo. Para se ter uma idéia, dados levantados pela pesquisa AJUDE BRASIL durante o ano de 1998 junto a um universo que oscilou entre 250 e 500 UDI’s entrevistados em cinco cidades brasileiras, dão conta de que 77% dos UDI’s entrevistados são portadores do vírus das hepatites C, contra 52% de portadores do HIV. 3 - Os “grupos de risco” eram basicamente três: usuários de drogas injetáveis, homossexuais masculinos e portadores de hemofilia. Esta noção contribuiu em muito para a manutenção e até ampliação dos preconceitos a que estes grupos já se viam submetidos. Atualmente, trabalha-se com a noção de “vulnerabilidade”. Como no dizer de Betinho: “Hoje a epidemia deve ser objeto de preocupação e de prevenção de todas as pessoas, independente de sua condição social, conjugal, idade, sexo ou conduta sexual. O grupo de risco é a própria sociedade” (SOUZA, 1992).

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homossexuais masculinos, os hemofílicos e os usuários de drogas injetáveis, considerados

por muitos como os responsáveis pela disseminação do vírus da Aids. Não deixa de chamar

atenção o fato de que justamente neste período inicial de alastramento da doença, aqueles

públicos considerados como vítimas preferenciais assumiram a tarefa de impedir a

propagação do HIV. Como no dizer de Caetano Veloso, na citação que abre este capítulo;

assim como os veados de São Francisco, os drogados de Amsterdã se anteciparam e

conseguiram controlar aquilo que, em outros países, acabou por tornar-se uma epidemia de

proporções assustadoras.

O Reino Unido foi o segundo país a implementar um PTS, em 1986, já em função

da identificação do potencial de infecção pelo HIV entre UDI’s, principalmente na cidade

de Edimburgo, na Escócia (STIMSON, 1998). É neste momento que as idéias de redução

de danos começam a encontrar os primeiros sinais de oposição à sua implementação.

Naquele mesmo ano, o Departamento Escocês de Saúde apresenta um relatório afirmando

que um dos fatores que teriam estimulado a disseminação do HIV entre os UDI’s de

Edimburgo teria sido a repressão policial, que desestimulava a venda e o porte de seringas.

O relatório ainda apresentava a experiência de Amsterdã como positivamente

impressionante, e recomendava ao governo inglês a adoção de medidas semelhantes.

O principal argumento dos oposicionistas às idéias de RD no Reino Unido estava

embasado não no moralismo, mas na experiência qualificada de inúmeros profissionais da

área da saúde, e consistia da afirmação de que os UDI’s seriam pessoas refratárias a

mudanças de comportamento, o que tornaria o trabalho infrutífero. Não obstante, o relatório

da ACMD4 afirmava que:

A disseminação do HIV representa uma ameaça maior para a saúde dos indivíduos e para a saúde pública do que o abuso de drogas. Por essa razão, os serviços que tiverem como objetivo minimizar os comportamentos de risco para o HIV, lançando mão de todos os recursos disponíveis, deverão merecer prioridade dos planos-diretores (ACMD apud STIMSON, 1998).

4 - Advisory Council on the Misuse of Drugs. Em tradução livre, algo como “Conselho Consultivo para o Uso Indevido de Drogas”. Trata-se de um comitê assessor interministerial composto por um conjunto de notáveis designados pela Casa Civil. A publicação de seus relatórios sempre influenciou em muito a elaboração das políticas britânicas de drogas.

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Foi nos Estados Unidos, porém, que a disputa pela implementação ou não de

políticas de RD foi mais acirrada. Já em 1986, alguns poucos PTS’s surgiram em território

norte-americano, sob a coordenação de ONG’s de apoio à prevenção da Aids, redundando

na prisão de pelo menos trinta e cinco pessoas neste período. Tal nível de repressão foi

resultante, em parte, de uma lei que proibia não apenas tais ações, mas até mesmo o

investimento público em pesquisa sobre troca de seringas para usuários de substâncias

ilícitas (LURIE, 1998). A baixa aceitação da população americana, bem como de seus

governantes, com relação ao uso de drogas, pode ser percebida pela dimensão do impacto

que a simples possibilidade de uma razoável aceitação do uso de drogas teve, ainda que

justificada como estratégia de prevenção a Aids. Poucos anos antes, em 1981, o Presidente

Reagan utilizou seu discurso de posse para declarar início da War on Drugs. Parece óbvio

que a postura de uma grande parcela do povo americano em não aceitar flexibilizações com

respeito ao uso de drogas não se deve a uma reação ao discurso do presidente, mas sim o

contrário: que o discurso do presidente surge como manifestação pública do pensamento de

uma parcela considerável do eleitorado americano. Não obstante, tal declaração, partindo

do mandatário máximo da nação, fatalmente irá direcionar, de alguma forma, as políticas

públicas para o setor.

A bem da verdade, este discurso de “Guerra às Drogas”, além de agradar ao gosto

do eleitor republicano americano, irá servir como coadjuvante no processo de justificação

da retomada do papel hegemônico dos estados Unidos no cenário internacional, como bem

irá se ver nos anos subseqüentes (Santana, 1999).

A primeira pesquisa norte-americana financiada com recursos públicos sobre troca

de seringas aconteceu entre abril de 1992 e setembro de 1993, sob a coordenação da

Universidade da Califórnia. De forma alguma seria possível considerar que tal estudo

ocorreu em um ambiente de tranqüilidade política. É muito comum, em se tratando de

pesquisas científicas, que os contratantes esperem resultados que simplesmente comprovem

determinadas concepções já cristalizadas por concepções construídas a partir de argumentos

não necessariamente embasados na lógica e na razão. Ainda em 1992, o ONDCP5 publica

um relatório intitulado “Programas de Troca de Seringas: São eles Efetivos?”, assumindo 5 - Office of National Drug Control Policy. Em tradução livre, algo como “Escritório Nacional de Políticas Contra as Drogas”.

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publicamente uma posição contrária a qualquer estratégia de RD que incluísse troca de

seringas para UDI’s. A conclusão final do relatório dava conta de que: “não resta dúvida de

que a distribuição de seringas favorece o consumo de drogas e solapa a credibilidade da

mensagem endereçada à sociedade de que consumir drogas constitui um ato ilegal e

moralmente condenável” (ONDCP apud LURIE, 1998).

Com a divulgação deste relatório, construído a partir de críticas feitas a dados

preliminares de um relatório inicial (não publicado) sobre o PTS da Cidade de New Haven

(um daqueles poucos PTS’s que havia operado em 1986, cujos coordenadores acabaram

sendo presos), os opositores das políticas de redução de danos antecipam-se na construção

de um instrumento de legitimação de seus argumentos. Os defensores, por outro lado,

possuíam também seu instrumento. Tratava-se de um relatório produzido General

Accounting Office6, que dava conta de que os PTS’s se constituíam em uma estratégia

promissora com respeito à prevenção da Aids. O interessante é que este estudo foi

solicitado por um deputado do Partido Democrata que era um opositor ferrenho das

políticas de RD. Ao ver seu tiro sair pela culatra, divulgou os dados sem muito alarde,

apresentando-os como inconclusivos.

O Relatório da Universidade da Califórnia foi apresentado em setembro de 1993, e

não apresentava dados conclusivos, mas indicava que os PTS’s, muito possivelmente,

constituíam-se em instrumentos reais de prevenção à Aids e à hepatite B, além de não haver

sido constatado um incremento no uso de drogas nas regiões dos PTS’s estudados. Por fim,

o relatório recomendava a suspensão da proibição federal para o financiamento de PTS’s.

O que pôde ser observado no cenário norte-americano de disputa das políticas

públicas de drogas e de prevenção à Aids corrobora tudo o que Max Weber disse em suas

conferências, proferidas quase um século antes, sobre ciência e política. Dizia Weber:

Certamente, uma coisa é tomar uma posição política prática, e outra coisa é analisar cientificamente as estruturas políticas e as doutrinas dos partidos (WEBER, 2003).

6 - Em tradução livre, “Escritório Geral de Contabilidade”. Trata-se de um órgão não-partidário de pesquisa do Congresso Americano, envolvido na avaliação dos PTS’s no que diz respeito à sua viabilidade e justificação financeira.

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A partir do estudo destes casos, é possível perceber que a aceitação das propostas de

RD no trato dos problemas relacionados ao uso de drogas não foram aceitas universalmente

da mesma forma. Muitos países – os Estados Unidos, por exemplo - ainda não

implementam ações deste tipo, e as polêmicas quanto à sua real eficácia ainda suscitam

debates ferrenhos, principalmente no que diz respeito à possibilidade de que tais ações

representem um incentivo ao uso de drogas. Em contrapartida, em uma série de outros

países, a implementação destas ações recolocaram os debates sobre as políticas de drogas

em pauta, possibilitando a abertura para uma série de reformulações legais e jurídicas de

caráter liberalizante. No âmbito da saúde, a adoção de políticas públicas alinhadas com as

propostas de RD acabou possibilitando o desenvolvimento de uma série de novas prática

clínicas no trato de problemas como o alcoolismo e o uso de drogas, não apenas como

estratégias de prevenção à Aids e à hepatite B, mas com relação às toxicomanias como um

todo. Estuda-se, atualmente, que estas estratégias possam talvez se constituir num novo

paradigma em saúde, onde a cidadania do paciente é reconhecida, e onde as estratégias de

tratamento passem pelo crivo do mesmo, alçado agora à condição de sujeito do processo

terapêutico.

3. Políticas de Redução de Danos no Brasil – o caso de Santos

A gente deve ir às ruas como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo... não importa que os compromissos, que as obrigações estejam logo ali... chegamos de muito longe, de alma aberta e coração cortado... (Mário Quintana)

No Brasil, a primeira cidade a buscar a implementação de políticas públicas de RD

para usuários de drogas foi Santos, em São Paulo. Santos, já no fim da década de oitenta,

vivia um quadro verdadeiramente epidemiológico no que diz respeito aos níveis de infecção

pelo HIV. Tal situação encontra explicação devido a duas características: a condição

portuária da cidade, e o momento histórico, onde sociedade e Estado ainda não possuíam o

acúmulo teórico e prático no manejo de ações de prevenção à Aids (BUENO, 1998).

A idéia de implementar um PTS foi revelada durante um seminário organizado para

discutir ações de prevenção à Aids em Santos. O secretário de saúde era o médico

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sanitarista David Capistrano, militante engajado na luta contra a Aids e pela implantação

radical dos princípios da Reforma Sanitária. A notícia de um PTS, anunciada com

empolgação pelos organizadores do evento, gerou uma série de retaliações. Imprensa, igreja

e judiciário pronunciaram-se radicalmente contra o projeto, que teve sua implementação

adiada, em parte por uma séria de ações judiciais, em parte por uma reavaliação da situação

política, feita por parte dos próprios defensores da idéia.

No campo jurídico, havia duas leis que eram utilizadas como argumento. Os

opositores dos PTS’s costumavam apoiar suas argumentações nos artigos 12 e 13 da Lei

6368, de 1976, que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico de drogas.

Abre-se margem à interpretação de que os PTS’s incentivam o uso de drogas, sendo o

incentivo ao uso crime previsto na lei. Já os defensores da RD buscavam amparo no artigo

196 da Constituição Federal, que diz:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

O projeto de implementação de um PTS em Santos ficará suspenso até 1991,

quando o mesmo grupo envolvido na tentativa anterior cria o IEPAS7. O IEPAS, por ser

uma ONG, possuía muito mais flexibilidade e mobilidade. Através dele, foi possível

prosseguir na luta pela implementação de ações de redução de danos, como a distribuição

de hipoclorito de sódio, utilizado na desinfecção de seringas. E, ao mesmo tempo em que

distribuíam anti-sépticos e materiais educativos sobre as formas de transmissão do HIV,

formavam uma rede de apoio na base santista, construindo vínculos com o movimento

comunitário e com outros atores sociais e políticos, rompendo preconceitos a conquistando

apoios em um processo “formiguinha”. Enquanto isto, nem um pouco alheios a este

processo, os opositores do projeto – basicamente o judiciário santista e a igreja - seguem

fiscalizando de perto as ações do IEPAS, barrando qualquer tentativa de implementação das

trocas de seringas, pautados no artigo 12 do Código Penal, segundo o qual a distribuição de

seringas seria comparável ao ato de vender drogas ilícitas (MESQUITA, 1998).

7 - Instituto de Estudos e Pesquisas em Aids de Santos.

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Em 1995, várias outras cidades do Brasil iniciam tentativas semelhantes, com o

incentivo do governo federal. Passavam-se já seis anos da tentativa santista, e um convênio

entre UNODC8 e a Coordenação Nacional de DST/Aids viabilizaria o projeto. Neste

momento, o Ministério da Saúde já caminhava a passos largos para tornar às políticas

brasileiras de Aids – sejam no campo da prevenção ou do tratamento – referência mundial.

Para tanto, a implementação de PTS’s em todo o território nacional era fundamental. Em

1995, o número de casos de Aids entre UDI’s já era igual ao número de casos entre

homossexuais masculinos (cerca de seis mil casos registrados). Este número, ainda que

muito abaixo do número de casos registrados entre heterossexuais de ambos os sexos (cerca

de dezesseis mil casos), era o suficiente para justificar ações contundentes no campo da

saúde. Os primeiros estados com cidades escolhidas, segundo critérios epidemiológicos e

logísticos, foram: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,

Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Ceará e Bahia.

A cidade de Santos estava incluída nesta listagem. Por razões óbvias, Santos

ocuparia um papel central nos debates nacionais para a implementação dos PTS’s em nível

nacional, não apenas por seus altos índices de infecção pelo HIV, mas pelo caráter

vanguardista de seus militantes na luta contra a Aids. A data marcada para o início das

atividades era simbólica: 1º de dezembro, dia mundial de luta contra a Aids. Um erro de

avaliação, porém, faz com que os coordenadores do programa antecipassem sua divulgação,

oferecendo ao judiciário tempo de se posicionar e impedir o início das ações.

A partir deste evento, o IEPAS assume uma postura que será um marco e um

exemplo para vários outros PRD’s em todo o Brasil – inclusive Porto Alegre: a

implementação do programa na clandestinidade. Da mesma forma como ocorreu em

algumas outras cidades do mundo, as trocas de seringas ocorreriam na ilegalidade. Ora;

tendo sido construído com a participação efetiva dos usuários de drogas, não foi difícil

adaptar o PTS de Santos a uma realidade de clandestinidade, até mesmo porque tal lógica já

permeava as relações da clientela do programa. Além do mais, não se pode desconsiderar o

8 - United Nations Office on Drugs and Crime. Em tradução livre, “Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime”.

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fato de que boa parte dos “out-reach workers9” era constituída de usuários ou ex-usuários

de drogas. Esta realidade em Santos só foi modificada em 1998, com a aprovação de uma

lei estadual que protegia o trabalho do redutor de danos. Até 98, entretanto, vários

trabalhadores acabaram enquadrados por “colaboração com o tráfico de drogas”.

Enquanto isso, em muitas outras cidades do Brasil, as ações visando à redução dos

danos junto a usuários de drogas – principalmente através de troca de seringas – segue seu

curso. Em nenhuma será repetido o nível de pressão que oposição que aconteceu em

Santos, mas será raro o município onde esta modalidade de ação em saúde não será

acompanhada de polêmica. Salvador, por exemplo, é uma destas cidades onde não se sentiu

nenhum tipo de oposição mais sistemática. Em Itajaí, idem. Mas, em Porto Alegre...

4. Políticas de Redução de Danos em Porto Alegre

4.1 Origens do Grupo Pró-Redução de Danos

Há entre todos os entrevistados, e entre o conjunto das pessoas que atuam de uma

maneira ou de outra em PRD’s em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, um consenso com

respeito ao fato de que o PRD de Porto Alegre nasceu de um grupo de pessoas que se

reuniu, por volta de 1995, em torno do projeto “A seringa passa, a Aids fica”. Participavam

deste grupo - que se reunia na sede da Cruz Vermelha porto-alegrense – pessoas que hoje

são importantes referências no que diz respeito à atuação e pesquisa sobre o uso de drogas e

redução de danos: Marta Conte10, Sérgio D’Ávila11, Eduardo Mendes Ribeiro12, Rosa

Mayer13 e Domiciano Siqueira14, por exemplo.

9 - Literalmente, “trabalhadores fora do alcance”. Out-reach Workers é a forma como se tornaram conhecidos os agentes redutores de danos no exterior. Por questões de mobilidade territorial e reconhecimento dos códigos, desde o início, os PRD’s contaram com usuários de drogas ou ex-usuários em seu plantel de agentes de saúde. 10 - Psicóloga e ex-presidenta do Conselho Estadual de Entorpecentes, autora de artigos publicados em inúmeras publicações científicas, e do livro “A clínica psicanalítica com toxicômanos: O ‘Corte & Costura’ no enquadre institucional”. 11 - Coordenador do Programa Estadual de DST e Aids do Rio Grande do Sul durante o governo Olívio Dutra. 12 - Doutor em Antropologia Social, professor titular da PUC/RS, consultor da Política Nacional de Humanização da Saúde do Ministério da Saúde. 13 - Psicóloga especialista em dependência química, e coordenadora do Programa de Redução de Danos de Gravataí.

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Nesta época, começaram os primeiros contatos com o então coordenador da Divisão

de DST/Aids da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Gerson Winkler. Já havia

à época financiamento aprovado para o projeto, envolvendo recursos oriundos de parcerias

entre a Coordenação Nacional de DST/Aids e a Organização Mundial de Saúde. Faltavam

tão somente pessoas capacitadas (e dispostas), a “tocar” o projeto. Os primeiros encontros

reuniram as Coordenações Municipal e Estadual de DST/Aids e o grupo ligado a Cruz

Vermelha. E a figura de Domiciano Siqueira emerge como liderança em meio ao processo.

Em 1996, com os primeiros contatos diretos com os UDI’s para a orientação sobre o

“uso limpo” de drogas, a situação já tensa com a Cruz Vermelha torna-se insustentável,

forçando o grupo a mudar-se para a Coordenação Municipal de DST/Aids. Antes disto,

porém, cabe o registro de que paralelamente aos problemas de ordem municipal, um

encontro em Brasília, reunindo representantes dos PRD’s já existentes com pessoas ligadas

aos PRD’s emergentes, fez com que Domiciano percebesse “[...] que a sustentabilidade

dessas ações estava intimamente ligadas ao surgimento de uma ONG ligada a usuários de

drogas” (SIQUEIRA, 2004). Diante disto, Domiciano irá empenhar-se na fundação da

ABORDA (Associação Brasileira de Redutores de Danos), à qual dirigiu por cinco anos.

4.2 Origens da Oposição à Redução de Danos

Simultaneamente a todo este processo, surgem as primeiras vozes contrárias à

implementação de um PRD em Porto Alegre, ligadas majoritariamente a setores da igreja

católica, aos grupos de Amor Exigente (AE), e a pessoas ligadas a comunidades

terapêuticas (CT’s). Estes, em muitos momentos, tornavam-se um só, pois os grupos de

AE, via de regra, eram formados por familiares de residentes15 em CT’s. As CT’s, por seu

turno, eram majoritariamente dirigidas por pessoas ligadas a setores da igreja,

principalmente ao movimento cursilhista, mas que também eram membros de grupos de

AE.

14 - Consultor do Ministério da Saúde para assuntos de drogas e Aids, ex-presidente da ABORDA (Associação Brasileira de Redutores de Danos), e ex-coordenador do PRD de Porto Alegre. 15 - Utiliza-se o termo “residente” para designar à pessoa que se submete a um tratamento em CT, em detrimento do termo “paciente”. Tal definição pode ser encontrada na literatura (Jones, 1972), e resulta de um discurso de crítica ao modelo manicomial clássico. Nas CT’s, o residente é considerado sujeito do processo de recuperação, tendo liberdade de deixar a CT à hora que desejar (JONES, 1972).

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Quanto às CT’s e ao AE, talvez fosse interessante dizer algumas palavras. Tais

iniciativas, no Brasil, estão intimamente interligadas, e aportam por nossas terras através do

trabalho pioneiro do Padre Jesuíta Harold Joseph Rahm. Padre Haroldo, como prefere ser

chamado, chega ao país em 1964, com a tarefa de estudar os problemas sociais brasileiros,

visando definir uma área de atuação para os jesuítas no Brasil. Em 1978, em Campinas, ele

decide fundar a APOT (Associação Pastoral Oração e Trabalho), que dá origem à primeira

CT voltada ao tratamento em dependência química e alcoolismo do Brasil, chamada

“Fazenda do Senhor Jesus”. A metodologia: os princípios de Amor Exigente, que apontam

para uma atitude extremamente crítica dos pais diante dos problemas de comportamento

dos filhos, com especial ênfase para o uso de drogas (YORK, YORK & WACHTEL,

1986).

Em 1989, um grupo de militares reservistas de alta patente, convocados pelo

delegado de polícia Sérgio Ivan Borges, fundam a PACTO – PoA (Pastoral de Auxílio

Comunitário ao Toxicômano – Porto Alegre). Inspirados pelas concepções e pelo trabalho

realizado pela APOT, os dirigentes da PACTO vão seguir os mesmos passos: a criação de

uma CT (também chamada “Fazenda do Senhor Jesus), e a organização de grupos de AE.

Na versão porto-alegrense, uma diferença metodológica se destaca: a utilização dos doze

passos de Alcoólicos Anônimos como eixo central do modelo de recuperação utilizado na

CT (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 1994).

O modelo de recuperação empregado nesta CT merece um olhar mais apurado,

pois este olhar irá trazer algumas luzes à compreensão da postura crítica deste setor diante

da implementação das ações de RD. Tal modelo baseia-se, como já dito anteriormente, no

programa de doze passos de Alcoólicos Anônimos, mas também nos princípios de Amor

Exigente, em uma espiritualidade cristã e em uma disciplina de inspiração militar. A

dependência química e o alcoolismo são considerados como uma mesma doença, onde se

distingue apenas o objeto de fixação. Esta doença é “progressiva, incurável e término fatal”

(RAHM, 1997). Comparada freqüentemente ao diabetes, a dependência química não possui

cura, mas o portador poderá administrá-la, se mantiver a abstinência. Esta abstinência

dependerá de uma conversão radical, que inclui a adoção de um novo estilo de vida,

reuniões com grupos de apoio, a descoberta de um caminho espiritual, e uma disciplina que

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valoriza o trabalho. Se algum destes pontos estiver falho, acredita-se, a recaída é uma

questão de tempo.

Estes projetos (criação de CT’s e de grupos de AE), vão se desenvolver com

rapidez, tomando proporções realmente consideráveis. Contribuíram para tanto a ausência

do Estado no desenvolvimento de políticas públicas para atender às pessoas com problemas

decorrentes do uso indevido de drogas, e a relativa eficiência16 dos programas. Com isto, as

bases para o surgimento de um bloco de oposição às políticas de redução de danos com real

capacidade de interlocução e multiplicação estavam lançadas. Seria só uma questão de

tempo.

4.3 O Processo de Disputa

Quando as estratégias de redução de danos chegam a Porto Alegre, a PACTO já

existia há seis anos. Sérgio Ivan Borges, nesta época, já havia se desligado da Pastoral, mas

continuava engajado no desenvolvimento de projetos de recuperação em CT’s, na

organização de grupos de AE, e na militância junto ao COMEN (Conselho Municipal de

Entorpecentes). Bem informado, Borges já conhecia, à época, as idéias e as experiências de

RD ao redor do mundo, sendo-lhes radicalmente contrário. Sem aceitar a estratégia de “fato

consumado” impetrada pela Coordenação Nacional de DST/Aids, ele irá construir todo um

arcabouço referencial e conceitual, que irá municiar os oposicionistas da RD. O palco, no

sentido gramsciano, está montado.

Um outro aspecto interessante deste processo é o tipo de argumentação necessária

para o convencimento interno da própria prefeitura, não exatamente com relação à

aceitação das idéias de RD – ao que parece, não houve nenhum movimento interno de

oposição mais sério - mas sim com respeito à aceitação de alguns detalhes jurídicos do

programa. Uma das principais idéias que sempre estiveram em pauta desde o início foi a de

que a equipe de agentes redutores de danos deveria ser formada por pessoas que

conhecessem os códigos de territorialidade dos “mundos da droga” (VELHO, 1998).

Garantir este tipo de conhecimento através de um concurso público seria praticamente 16 - Diante de estatísticas extremamente desanimadoras quanto ao número de pessoas que conseguem uma manutenção duradoura da sua condição abstinente após utilizarem-se de diferentes modelos de recuperação, os números da PACTO dão conta de que cerca de trinta por cento das pessoas que terminam o programa de recuperação (de nove meses), mantêm-se sem utilizar substâncias psicoativas (Fonte: PACTO – PoA).

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impossível: era preciso arregimentar pessoas com envolvimento pessoal com drogas,

principalmente usuários e ex-usuários. Convencer a Procuradoria Geral do Município

(PGM) disto seria um trabalho e tanto.

No início de 1997, é apresentado a PGM um relatório dando conta das

dificuldades de implementação de um PTS piloto na Vila São José (região de Porto Alegre

conhecida como “Morro da Cruz”), contando com os profissionais de saúde da região –

enfermeiros, médicos e agentes de saúde ligados aos postos da área. A idéia inicial dava

conta de que os UDI’s deveriam deslocar-se até os postos de saúde para realizarem suas

trocas de seringas, contatando, para tanto, os profissionais da rede de saúde. Os problemas,

no entanto, foram muitos:

• Os UDI ‘s não se sentiam à vontade para comparecerem aos postos;

• Os UDI’s procuravam os postos em horários muito pouco convencionais,

encontrando suas portas fechadas nos momentos de maior necessidade;

• Os UDI’s chegavam às vezes embriagados ou ligadões, gerando desconforto e medo

nos funcionários dos postos.

Estes problemas foram descritos no relatório apresentado a PGM, que incluía

ainda a descrição de como estes mesmos problemas haviam sido solucionados em outros

lugares do país e do mundo: com a utilização de out-reach workers. A PGM cedeu, e a

Coordenação de DST/Aids de Porto Alegre já tinha carta branca para apresentar um plano

de vinculação destes trabalhadores, consolidando o PRD de Porto Alegre. Em alguns

momentos, estas características próprias do PRD geraram alguns contratempos. Por duas

vezes, por exemplo, o vereador João Dib solicitou informações detalhadas sobre as razões

desta “inexigibilidade de concurso público” via Ministério Público.

Os debates irão estender-se ao longo de pelo menos três anos (se bem que hoje, é

provável que uma mesa redonda sobre o tema ainda mobilize assistência). Durante este

período, a intensidade e a freqüência com a qual estes debates ocorreram foi altíssima. A

mídia, percebendo o potencial mobilizador do tema, explorou o assunto em inúmeros

colóquios, debates e matérias, mas nem sempre (quase nunca), de maneira esclarecedora.

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Era impossível, diante de um assunto tão polêmico e tão fortemente abordado pela

imprensa, permanecer alheio e sem posicionamento: ou se era contra, ou a favor.

E foi isto o que se viu. A sociedade, ainda que a uma certa distância,

acompanhava o debate de maneira interessada, e tomava posição. Neste momento, foi

extremamente importante para os oposicionistas o amparo popular, resultante de anos de

trabalho de massa realizados pelos grupos de Amor Exigente. Afinal, faz parte da filosofia

das CT’s a necessidade de manutenção da recuperação, considerada um processo

permanente, e não um evento. E esta manutenção, conforme descrito anteriormente, se dá

através da participação de reuniões em grupos de apoio, participação esta que irá colaborar

para uma manutenção dos vínculos afetivos e ideológicos que unem o ex-usuário de drogas

e seus familiares aos grupos e às idéias defendidas por este.

Se o trunfo dos oposicionistas residia no apoio popular, o trunfo dos defensores

residia em uma sábia utilização dos recursos políticos e legais disponíveis. No campo da

legislação, a elaboração de um documento embasando juridicamente as trocas de seringas,

com base nos princípios do SUS (universalidade, eqüidade, integralidade e saúde como

direito), iniciou um processo praticamente irreversível de implementação real do programa.

Afinal, os princípios do SUS, aliados à prioridade máxima do Ministério da Saúde às ações

de prevenção a Aids, ofereciam um arcabouço legal e político praticamente imbatível caso

este debate chegasse ao judiciário, como aconteceu em outros estados.

Em 2000, o debate alcança a Assembléia Legislativa, e o deputado Adilson Troca,

do PSDB, encampou a batalha para garantir a criação de um dispositivo legal que

garantisse a consolidação dos PTS’s em nível estadual. O gabinete do deputado Troca

elaborou uma lei amparado por dados e argumentos fornecidos pelas equipes das

Coordenações de DST/Aids municipal, estadual e nacional. O Projeto de Lei 11.562/2000

foi à votação em plenário no dia 28 de novembro de 2000, tendo sido aprovado por

unanimidade, e foi sancionado no dia 28 de dezembro de 2000. Os números, porém, não

dão conta da polêmica que antecedeu esta votação. Os deputados ligados a tradições

religiosas (basicamente católica e evangélica), tanto da “esquerda” quanto da “direita”,

buscaram impedir que o projeto chegasse ao plenário. No dia da votação, percebendo que

seus votos não seriam suficientes para derrotar o projeto, alguns deputados simplesmente

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deixaram o plenário, não registrando nem mesmo seus votos contrários. Ainda assim, o PL

11.562/2000 foi aprovado por 38 votos; um número considerável em uma Assembléia que

conta com 55 deputados (a votação exatamente anterior a esta, no mesmo dia, contou com

41 deputados). O deputado Roque Grazziotin, da base “igrejeira” do PT, deu voto favorável

ao projeto.

Considerações finais

Nota-se algumas diferenças entre os processos vividos nas cidades de Santos e

Porto Alegre. Enquanto que naquela a oposição foi estruturada a partir de dispositivos

jurídicos, os defensores da Redução de Danos na capital dos gaúchos enfrentaram uma

oposição muito mais, digamos, “política”. De certo modo, poder-se-ia dizer que a oposição

santista era mais “positivista”. Explico: a oposição à RD não se pautou tanto pelo advocacy,

mas sim pela defesa do respeito a dispositivos legais positivados. Está na lei que quem

disponibilizar meios que possam facilitar o consumo de drogas ilícitas incorre em infração

ao artigo 16, podendo, portanto, ser enquadrado como traficante.

Em Porto Alegre, foram os defensores da política de RD que utilizaram

dispositivos jurídicos para garantir a implementação do programa. Observando o exemplo

santista, os ativistas porto-alegrenses buscaram desde cedo a articulação de diferentes

formas de sustentabilidade política para as ações, não se satisfazendo apenas com alianças

entre setores mais facilmente convencíveis por dados oriundos de discurso científico, ou

mesmo político. Houve todo um esforço de convencimento da Procuradoria Geral do

Município, através de estudos científicos e discursos políticos cuidadosamente preparados.

O advocacy era uma prática preparada cuidadosamente, fazendo parte mesmo da

capacitação dos trabalhadores e gestores dos PRD’s. A oposição, por outro lado, baseou seu

discurso em pesquisas isoladas e desacreditadas dos meios acadêmicos. Alguns dos

oposicionistas defendiam publicamente não só a não adoção de ações de RD, como também

a não distribuição de preservativos e a implementação de políticas pautadas numa lógica de

abstinência sexual. Os discursos dos opositores, portanto, tiveram pouca penetração além

de setores ligados às igrejas católica e evangélica, dos militantes de Amor Exigente e dos

trabalhadores e gestores em Comunidades Terapêuticas.

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Em Santos, as coisas foram diferentes. Os discursos de defesa da RD estavam

muito ligados à defesa dos princípios do SUS, provavelmente por influência de David

Capistrano. O discurso eminentemente político, antimoralista e militante não apenas no

sentido da luta contra a Aids, mas também no que tange ao enfrentamento dos preconceitos,

foi pouco eficiente no sentido de construir uma sensibilização dos outros atores políticos

implicados no processo. O judiciário santista, de base católica, não foi simpático à

proposta, e não foi sensibilizado por um discurso pautado na defesa da democracia e dos

direitos humanos. Tampouco por uma defesa da eqüidade, da integralidade e da saúde

como direito. Quando os ativistas decidiram mudar o discurso, já havia um sentimento

contrário à RD bastante constituído em meio ao judiciário da cidade paulista, de modo que

a reversão do quadro demorou vários anos. Santos, no que tange à implementação das

políticas de RD, pagou o preço do ineditismo, da vanguarda, da ousadia. Uma das primeiras

cidades a tentar, acabou uma das últimas a conseguir, efetivamente.

De um modo geral, estas polêmicas não morreram. As pessoas ligadas à

coordenação das Políticas de Redução de Danos, voltadas ao manejo dos problemas

decorrentes do uso indevido de drogas, ainda precisam realizar constantemente o Advocacy

de suas ações. Hoje, as ações de redução de danos são vistas não somente como estratégias

de prevenção a Aids, hepatites e outras doenças infecciosas, mas também como um meio

extremamente eficiente de construção de vínculos entre os programas de saúde pública e os

usuários de drogas ilícitas – população normalmente refratária ao contato com agentes

públicos de qualquer ordem. Neste sentido, o aumento expressivo do uso do crack,

acompanhado de uma drástica diminuição do uso de drogas injetáveis17, promete trazer

novas polêmicas, pois em alguns municípios da região metropolitana de Porto Alegre, e

também em algumas outras cidades do país, estratégias de redução de danos incluindo a

utilização de cachimbos fornecidos pelos agentes redutores de danos já vêm sendo testadas,

com o objetivo de reduzir as taxas de infecção por hepatites, além de contribuir como

estratégia de aproximação entre agentes de saúde e usuários.

17 - Ao que tudo indica, o que se vê, pelo menos em Porto Alegre e arredores, é uma migração dos UDI’s para o crack, em função da similaridade de efeitos em conjunto com uma relativa simplificação do rito de uso. Segundo alguns relatos, contribui também para esta migração a baixa qualidade da droga disponível no mercado porto-alegrense, que torna o consumo por via injetável complicado.

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SIQUEIRA, Domiciano. [E-mail] 19 abr. 2004, Vitória/ES [para] Dênis Roberto da Silva

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