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  • DIAGNSTICO DO DESENVOLVIMENTO E CLNICA PEDOLGICA DA INFNCIA DIFCIL

    [Esquema de Investigao Pedolgica]

    Lev Semionovitch Vigotski

    Traduo do espanhol e organizao:

    Achilles Delari Junior

  • Diagnstico do desenvolvimento... L. S. Vigotski Traduo/organizao: Achilles Delari Junior

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    DIAGNSTICO DO DESENVOLVIMENTO E CLNICA PEDOLGICA DA INFNCIA DIFCIL

    [Esquema de Investigao Pedolgica] Lev Semionovitch Vigotski

    VIGOTSKI, L. S. Diagnstico do desenvolvimento e clni-ca pedolgica da infncia difcil [Esquema de investigao pedolgica]. Traduo das partes 5 e 6 de: VIGOTSKI, L. S. Diagnstico del desarollo y clnica paidolgica de la infancia difcil. In: ______. Obras Escogidas. Tomo 5 fundamentos de defectologa. Madrid: Visor y Ministrio de Educacin y Ciencia, 1997. p. 275-338. Palvras-chave: Vigotski, diagnstico, clnica, infncia, psicologia, pedologia. Verso digital disponvel em: http://www.4shared.com/file/55971081/d96ff395/Vigotski_-_Diagnstico_do_desenvolvimento_e_clnica_pedolgica_da_infncia_difcil.html

    Traduo e organizao: Achilles Delari Junior Umuarama PR primeira verso: julho de 2008 Passar por revises posteriores Produo voluntria e independente Contatos: [email protected]

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    SUMRIO (paginao original/paginao nossa)

    NOTAS SOBRE PEDOLOGIA E CLNICA EM VIGOTSKI .......................... 03 [ESQUEMA DE INVESTIGAO PEDOLGICA] ...............................316/11 [1 Queixas dos pais, da prpria criana e da instituio educacional]..316/12 [2 Histria do desenvolvimento da criana] ..........................................319/14 [3 Sintomatologia do desenvolvimento] ................................................326/21 [4 Diagnstico pedolgico]....................................................................330/24 [4.1.a Gesell e o diagnstico descritivo] ....................................330/25 [4.1.b Gesell e o diagnstico diferencial]...................................331/26 [4.2.a Nvski e o diagnstico sintomtico ou emprico].............332/27 [4.2.b Nvski e o diagnstico etiolgico ou causal] ...................333/28 [4.2.c Nvski e o diagnstico tipolgico]....................................334/29 [5 Descobrimento das causas]..............................................................335/30 [6 Prognstico] ......................................................................................336/31 [7 Prescrio pedaggica e pedaggico-teraputica] ...........................336/31 NOTAS DA EDIO RUSSA ...............................................................337/32 REFERNCIAS DO TRECHO TRADUZIDO ...............................................34 ANEXO 1: MTODOS PARA O ESTUDO DE CRIANAS COM RETARDO MENTAL (VIGOTSKI)................................................................35 ANEXO 2: A AVALIAO DO TALENTO E OS PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO CULTURAL (VIGOTSKI E LURIA) ...................37

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    NOTAS SOBRE PEDOLOGIA E CLNICA EM VIGOTSKI

    Ele [Vigotski] no era um psiclogo infantil, mas um psiclogo que se tornou cada vez mais interessado no problema terico do desenvolvimento, o qual o le-vou a estudar a diversidade cultural, patologia cere-bral e outras disciplinas. Por inclinao ele era um psiclogo terico. Na prtica, seu trabalho aplicado dava-se mais em settings clnicos

    Valsiner e Van der Veer (2000, p. 339)1*

    Para auxiliar na compreenso do texto sobre o diagnstico do desenvolvimento, trans-creverei, em seguida, algumas informaes sobre o conceito de pedologia, por ser um termo no muito comum entre ns, e sobre as ligaes de Vigotski com a psicologia clni-ca, por no estarmos muito habituados a ouvir falar delas. Quanto pedologia, seu signi-ficado de estudo cientfico geral e interdisciplinar da criana tem ainda outras implica-es especficas que talvez pudessem nos fazer pensar que se trata de um conceito simi-lar ao de psicopedagogia na atualidade, como uma interface entre os recursos terico-prticos da psicologia e da pedagogia, com aplicaes institucionais e clnicas. Contudo, no seria muito correto estabelecer uma comparao to direta, em funo dos diferentes contextos histricos de surgimento desses dois campos, suas bases epistemolgicas dis-tintas e, portanto, suas metas talvez tambm no coincidentes. Alm disso, como vere-mos, havia diferentes modos de interpretar a pedologia na Rssia, no tempo de Vigotski. De toda maneira, o perodo no qual Vigotski se dedicou a esse campo foi significativo em sua trajetria cientfica, pois, segundo Valsiner e Van der Veer (1996), esse momento re-flete uma transio, pela qual Vigotski vai deixando de lado o seu projeto de reforma da psicologia e/ou v que ele pode, de certo modo, ser transposto para o interior da pedolo-gia. Seguem, aqui, um resumo do estudo de Valsiner e Van der Veer sobre Vigotski, o pedlogo e uma nota dos editores das Obras Escolhidas desse autor, referente ao sig-nificado do termo, ao modo, digamos, da viso oficial da psicologia sovitica sobre o assunto, no perodo da publicao destas obras na Rssia (entre 1982 e 1984). Podere-mos notar, nessas duas referncias, modos distintos de abordar a questo, mas que po-dem fornecer ambos, cada qual de seu ngulo, uma breve introduo a esse termo, ne-cessria para a compreenso do Esquema de investigao pedolgica de Vigotski, tra-duzido aqui, e suas possveis articulaes com o trabalho do diagnstico clnico em geral. Em seguida, embora aqui fique de modo ainda apenas justaposto, transcreverei tambm algumas linhas de Valsiner e Van der Veer (idem) sobre o interesse de Vigotski pela clni-ca com adultos no final de sua vida, o qual pode ter correlao tanto com o trabalho clni-co pedolgico quanto com sua experincia com a defectologia. Por fim, numa viso me-nos analtica que a de Valsiner e Van der Veer e mais descritiva, trarei tambm um mate-rial de Anton Yasnitsky e Michel Ferrari, que, ao falarem da relao de Vigotski com a es-cola de Kharkov, listam vrios trabalhos dele e seus colaboradores em psicologia clnica e estudo da patologia. A distino conceitual/ideolgica entre a viso de Valsiner e Van der Veer e a dos autores ligados escola de Kharkov (sobretudo Leontiev) no ficar to explcita quanto a daqueles frente viso oficial da psicologia sovitica sobre a pedologia,

    1* VALSINER, J. VAN DER VER, R. The social mind: construction of idea. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000. Todas as notas cujo nmero sucedido de asterisco so minhas. As notas dos au-tores no tero asterisco e preservaro a numerao do original.

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    mas no deixa de existir. Apenas no aqui nosso objetivo tratar desse confronto. A refe-rncia a Yasnitsky e Ferrari tem seu valor tambm pelo farto levantamento bibliogrfico feito por eles. Embora muitos ttulos sejam de reedies de uma mesma obra, transcreve-rei todos os relativos a Vigotski e parte dos ttulos de colaboradores, mais especificamen-te aqueles referentes aos trabalhos do grupo de pesquisadores de Moscou (paralelo escola de Kharkov) dedicado psicologia clnica e psicologia patolgica. Para voc con-sultar o restante da bibliografia citada neste texto aqui traduzido, poder obter uma cpia acessando a referncia citada em nota prpria (nota 15, p. 8). Embora a leitura dessas citaes que aqui fao se apresente em fragmentos ou pequenas reportagens, entendo que o material possa ser til para quem, como eu, busca se aproximar agora da produo de Vigotski relativa clnica em geral e ao diagnstico em particular. Evidentemente, o leitor no deve esperar encontrar aqui uma receita, passo a passo, para a execuo da tarefa do diagnstico, algo que no tpico do pensamento de Vigotski apresentar, mas sim reflexes sobre momentos possveis de uma prtica sempre aberta a recriar-se, com nossa participao crtica, ativa e criativa no processo de interpretao dos signos do de-senvolvimento humano. Crticas e/ou sugestes de reparo a todo o trabalho realizado aqui em seu modo de organizao, bem como comentrios terico-metodolgicos sobre os seus contedos sero bem vindas, no sentido de melhorar esse material e criar novos estudos no futuro.

    Valsiner e Van der Veer (1991)

    Concluses: Vigotski como pedlogo

    Como vimos, pedologia para Vigotski no era meramente um rtulo para designar seus variados interesses pelo desenvolvimento cultural de crianas normais e retardadas e pe-la educao em geral. Na verdade, no final da dcada de 1920 (por volta de 1927, depois de sua anlise da crise da psicologia e com a crescente insatisfao pelo crescimento do jargo marxista na psicologia), os interesses de Vigotski passaram da psicologia para a pedologia, que era a disciplina que mais crescia na poca. Ele redefiniu a pedologia, se-guindo a linha de uma perspectiva dialtica trazida disciplina por Molozhavii, como o estudo geral do desenvolvimento das crianas. Poderia ser dito que os aspectos da psicologia de Vigotski que ns, na dcada de 1990, aprendemos a apreciar a nfase consistente nos processos de desenvolvimento, na emergncia de formas organizacionais novas (superiores) de processos psicolgicos, e a recusa em reduzir a complexidade psicolgica dinmica a seus elementos constituintes na verdade eram percebidos por Vigotski como a essncia da pedologia. A natureza in-terdisciplinar (em nosso sentido contemporneo) da pedologia de Vigotski estava em n-tido contraste com a ecltica mistura de dados das diferentes disciplinas que, periferica-mente, estudavam as crianas. Ele sem dvida se interessaria pelo debate atual quanto necessidade de interdisciplinaridade em nosso estudo das crianas, uma vez que, para ele, o ncleo terico de uma cincia (e no sua superfcie emprica) determina a generali-dade da disciplina. Foi devido s suas contribuies pedologia que Vigotski foi condenado pelas autorida-des e o estudo de suas idias foi proibido na Unio Sovitica entre 1936 e 1956, o que explica as curiosas modificaes de terminologia em publicaes posteriores das partes selecionadas de sua obra. At a dcada de 1980, as reedies russas de textos de Vi-

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    gotski tinham o cuidado de substituir o termo pedologia por psicologia escolar, psico-logia infantil ou meramente psicologia. Claro que tais correes distanciaram Vigotski do estudo da pedologia (p. ex., Kolbanovski2*, 1956, p. 112). Mas tambm introduziram distores histricas significativas nos textos originais de Vigotski, pois foi exatamente atravs de sua verso prpria da pedologia que Vigotski tentou escapar do provincianis-mo da psicologia marxista da forma como ela havia se desenvolvido no final da dcada de 1920. A pedologia ofereceu a Vigotski o que ele vinha procurando ao longo de sua carrei-ra: uma unificao de seu interesse pelo desenvolvimento de funes complexas novas com o interesse pelas necessidades educacionais de crianas normais e retardadas, e ele defendeu essa nova disciplina de todas as crticas.3*

    Nota das Obras Escolhidas (1983)

    2 Pedologia uma das direes tomadas pela pedagogia burguesa no oeste no fim do sculo XIX e incio do XX; ela prevalente nos EUA, Inglaterra, e outros pases capitalis-tas. O QI baseado na idia reacionria de que o destino da criana depende de fatores biolgicos e da influncia da hereditariedade e de um meio imutvel. Com a ajuda de um conjunto de testes especiais, pedologistas medem quantitativamente o assim chamado coeficiente de desenvolvimento intelectual QI; o tamanho deste QI seja qual for, aponta o potencial da criana. No final do anos 20 e incio dos 30 ela obteve alguma prevalncia na URSS e foi significantemente perigosa para a psicologia e pedagogia geral e aplicada. Durante estes anos, escolas auxiliares4* comearam a crescer rapidamente em nmero; elas no eram ocupadas com deficientes mas com estudantes pedagogicamente negli-genciados e indisciplinados que por vrias razes no estavam aptos a lidar com os tes-tes. Vigotski, ao usar os termos pedologia e pedolgico, de fato tinha em mente uma cincia sinttica sobre a criana, ou melhor, uma psicologia infantil e pedaggica. Mas os fundamentos de tal cincia explicitados por ele correspondem pelo menos externamen-te, e pelo nome, compreenso da pedologia. Em muitos ensaios deste volume, o leitor encontrar uma crtica conseqente e fundamentada de Vigotski a vrias prticas e teori-as pedolgicas do seu tempo (veja, por exemplo, a crtica ao pr-formismo pedolgico, perspectiva puramente quantitativa sobre o retardo mental e assim por diante). As opini-es de Vigotski sobre a pedologia e as psicotcnicas contemporneas a ele revelaram suas estruturas mais vulnerveis. A posio de Vigotski ao avaliar a pedologia contempo-rnea a ele no difere da expressa na resoluo do Comit Central do partido5*: Sobre as interpretaes pedolgicas errneas no sistema do Narkompros6* em 1936. No hou- 2* Trata-se da seguinte referncia: Kolbanovski, V. N. (1956) O psikhologicheskikh vzgljadakh L. S. Vygots-kogo. Voprosy Psikhologuii, 5, 104-13. [Kolbanovski, V. N. (1956) Sobre viso psicolgica de L. S. Vi-gotski. Problemas de Psicologia, 5, 104-13] 3* VALSINER, J. e VAN DER VEER, R. Vygotsky, o pedlogo (Cap. 12). In: ______. Vygotsky: uma snte-se. So Paulo: Loyola: Unimarco, 1996. p. 354. A publicao original de 1991. 4* O termo escola auxiliar tambm aparece no texto de Vigotski aqui traduzido (p. 332/27) e d a entender que se trate de instituies destinas a crianas com necessidades especiais, contudo o termo auxiliar su-gere que no sejam locais exclusivos para o atendimento a essa clientela, mas sim complementares. 5* Cabe lembrar que com base nessa resoluo muitas obras de autores ligados pedologia foram proibi-das na URSS. As de Vigotski inclusive, de 1936 a 1956. 6* Narkompros () uma abreviao para Narodnii Komissariat Prosveschenia ( ), Comissariado do Povo para a Educao.

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    ve um nico psiclogo que, no incio dos anos 1930, demonstrasse to convincentemente, a natureza no cientfica, e o carter prejudicial da ento to comum prtica de mensura-o puramente numrica do intelecto, particularmente como era aplicada aos diagnsticos de retardo mental. Esta perspectiva principalmente fenomenolgica7* deve inevitavelmen-te conduzir-nos, como mostrado acima, determinao de falsas conexes, distoro do quadro de realidades, a uma orientao incorreta para as aes, uma vez que esta (perspectiva) julga a realidade e as conexes que residem nos seus fundamentos, como se pensasse que eles fossem sintomas. Portanto, a principal tarefa na investigao do retardo mental o estudo do desenvolvimento da criana e das leis que dirigem tal de-senvolvimento8*.

    Valsiner e Van der Veer novamente

    (1991)

    O perodo final: a mudana para a psicologia clnica

    No perodo final de sua vida, Vigotski interessou-se e instruiu-se cada vez mais no dom-nio do comportamento desviante de adultos. Fez extensas leituras na rea de psiquiatria e psicologia clnica, e seus tpicos de interesse passaram a incluir, entre outras coisas, o estudo da afasia, da esquizofrenia, do mal de Alzheimer, da doena de Parkinson e da doena de Pick. Seus autores preferidos eram, entre outros, Head, Kretschmer e Lewin. Claro que os escritos de Vigotski nessa rea no se enquadram sob o ttulo de defectolo-gia9. Mesmo assim, alguns deles sero mencionados aqui. A razo que o trabalho de Vigotski no campo da psicologia clnica estava intimamente ligado a seus estudos do de-senvolvimento. Vistas nesse pano de fundo, todas as classificaes de seu trabalho como defectolgico, pedolgico, psicolgico, pedaggico etc., so relativas: ele era um pensador sinttico que desafiava tais classificaes. A primeira incurso de Vigotski na disciplina da psicologia clnica de adultos foi, prova-velmente, seu estudo da esquizofrenia, com a ajuda do mtodo de Ach para a formao de conceitos (este estudo ser avaliado no captulo 11, em relao sua pesquisa de

    7* Por fenomenolgica, nesse caso, entende-se a postura que procura entender uma dada realidade ape-nas com base nas aparncias, no seu aspecto externo, de modo descritivo. O que criticado por Vigotski, por exemplo, em seu texto Problemas de mtodo (VIGOTSKI, L. S. A formao social da mente. Cap. 5. So Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 67-85), alm de em outras passagens como no prprio texto traduzido aqui (ver fenomenalstico, p. 319/14 e fenomenolgico, p. 321/16). 8* VYGOTKY, L. S. The collected words of L. S. Vygotsky. Volume 2. The Fundamentals of Defectology (Abnormal psychology and learning disabilities). Translated by J. E. Knox and C. B. Stevens, New York and London: Plenum Press, 1993. A verso de onde eu traduzi esta nota um pre-print obtido por pesquisado-res da Universidade de Campinas, e a paginao dessa nota nesse material 572-573, na verso final (de 1993) no sei informar. Note-se que na edio americana os fundamentos de defectologia esto no volu-me 2 e no no 5, como na edio russa e na espanhola. Nossa traduo do espanhol do texto Diagnstico do desenvolvimento, no que trata do Esquema de investigao pedolgica, foi feita a partir de cpia e no do livro completo. De modo que recorri a esse pre-print para acrescentar a nota 2 referente ao texto Fun-damental principles in a plan for pedological research in the field of difficult children que se constitui como um relato de Vigotski sobre a elaborao de plano que podemos comparar formulao de uma poltica pblica para a rea na poca. No grupo de elaborao do projeto desse plano estavam Vigotski, D. I. Azbu-kin, M. O. Gurevitch, L. V. Zankov e E. V. Livshits (conforme nota do prprio Vigotski ao referido texto). 9* Os autores esto dizendo isso porque esse tpico est inserido no seu captulo 4 Defectologia, logo antes do tpico Concluso ao mesmo.

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    formao de conceitos). suficiente dizer aqui que Vigotski discernia semelhanas din-micas entre o pensamento conceitual em desenvolvimento de crianas e o pensamento conceitual em desintegrao de esquizofrnicos. Ele considerava que a chave para a compreenso tanto de crianas como de pacientes adultos era o estudo do significado das palavras. O tpico do significado de palavras ocorreu novamente no estudo da doena de Pick pu-blicado em 1934 (Samukhin, Birembaum e Vigotski, 193410*). Este estudo no era tpico de Vigotski, por causa de sua riqueza de fatos clnicos: dois pacientes com a doena de Pick (uma forma de demncia) foram descritos em detalhe. O artigo apresentou todo o histrico deles, detalhes da progresso da doena, respostas a perguntas de psiclogos e testes, etc. Os autores tentaram encontrar a base lgica por trs de todos os sintomas dos pacientes e, ao fazer isso, basearam-se em grande escala nas idias de dependncia de campo de Kurt Lewin, Aufforderungscharacter, e coisas parecidas (ver captulo 811*). Em geral, neste perodo de sua vida entre 1932 e 1934 Vigotski referiu-se com muita freqncia ao trabalho de Kurt Lewin, possivelmente por causa de sua ntima colaborao com os ex-alunos de Lewin, Zeigarnik e Birenbaum (ver introduo parte III).12*

    Yasnitsky e Ferrari (2008)

    Psicologia clnica e estudo da patologia

    A histria e o trabalho do Departamento de Psicologia Clnica da UPNA13* e pesquisas clnicas relacionadas feitas nos anos 1930 a conexo com Vigotski menos explorada nos escritos contemporneos, e um captulo no escrito na histria da escola de Kharkov. O prprio Vigotski estava interessado na patologia do desenvolvimento desde o estgio mais inicial de sua carreira cientfica. Em 1924, ele definiu seu credo cientfico e profissio-nal como a educar crianas cegas-surdas-mudas (Vigodskaia & Lifanova, 1996; 1999), um interesse que ele subseqentemente desenvolveu em seu trabalho. As principais pes-quisas de Vigotski sobre a patologia do desenvolvimento e sobre a psicologia clnica fo-

    10* SAMUKHIN, N. V., BIREMBAUM, G. V. E VIGOTSKI, L. S. K voprosu o demencii pri bolezni Pika. Sovetskaia Nevropatologiia, Psikhiatriia, Psicogigiena, 6, 97-136 [Para o problema da demncia na doena de Pick. Neuropatologia, Psiquiatria e Psicohigiene Soviticas, 6, 1934, 97-136]. Numa bibliografia de Zeigarnik, o ttulo traz tambm a palavra estrutura: . ., . ., . . . , , 1934, . III, . 6. Disponvel em: http://www.psy.msu.ru/science/public/zeigarnik/refer.html. Trata-se da mesma referncia, mas com o ttulo: K voprossu o structure dementsii pri bolezni Pika, ou seja: Sobre o problema da estrutura da demncia na doena de Pick. Poderia ter ocorrido um erro de reviso na bibliografia de Valsiner e Van der Veer, pois a palavra estrutura sugestiva do contedo terico mencio-nado, contudo, na busca Google, pelo ttulo em cirlico, aparecem nove entradas para o termo sem a pala-vra estrutura e apenas duas com ela, ambas em bibliografias de Bluma Zeigarnik (consulta em 18-05-2008). 11* Trata-se de: VALSINER, J. e VAN DER VEER, R. Vygosky e a psicologia da Gestalt (Cap. 8). In: ______. Vygotsky: uma sntese. So Paulo: Loyola: Unimarco, 1996. p. 173-199. 12* VALSINER, J. e VAN DER VEER, R. Defectologia (Cap. 4). In: ______. Vygotsky: uma sntese. So Paulo: Loyola: Unimarco, 1996. p. 89. 13* No ingls: Ukrainian Psychoneurological Academy.

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    ram estudos sobre afasia e demncias como os males de Parkinson ou de Pick (Samu-khin, Birenbaum, & Vygotsky, 1934; Vygotsky, 1935b, 1935/1956, 1935/1983), a esquizo-frenia (Vygotsky, 1932; 1932/1956; 1933; 1934b; 1934/1994), ou a localizao de funes cerebrais (Vygotsky, 1934a; 1934/1960b). Em particular, o papel da linguagem no desenvolvimento humano foi investigado atravs de casos clnicos de patologia da linguagem especificamente, afasia (Galperin & Golu-beva, 1933; Kozis, 1934; Lebedinskii, 1933b, 1934, 1936b, 1941; Lebedinsky, 1936; A. R. Luria, 1932/1933, 1940, 1943, 1947, 1947/1970). Estes estudos, e trabalho posterior de Vigotski sobre a localizao das funes cerebrais (Vygotsky, 1934a), contriburam signi-ficativamente para a neuropsicologia de Luria (A. R. Luria, 1966). O estudo de Vigotski sobre esquizofrenia foi desenvolvido mediante numerosos estudos de formao de con-ceitos (Bassin, 1938), estrutura da ao (Lebedinskii, 1940; Lebedinskii, Artyukh, & Volo-shin, 1938, 1938/1939; Zaporozhets, 1939b) e distrbios da fala na esquizofrenia (Bassin, 1938; Lebedinskii, 1938b; Tatarenko, 1938). A pesquisa de psiclogos clnicos na escola de Kharkov nos anos 1930 estava intimamen-te relacionada com o trabalho realizado simultaneamente em Moscou por outro grande grupo de estudantes de Vigotski no Instituto de Toda a Unio [Sovitica] de Medicina Ex-perimental (VIEM14*), o Instituto de Defectologia Experimental (EDI) e vrias outras insti-tuies educacionais e de pesquisa estudando psicologia do desenvolvimento (Morozova, 1947; Shif, 1935, 1944; L. S. Slavina, 1944, 1947) e desenvolvimento anormal, ou defec-tologia (Boskis, 1939; Levina, 1936, 1940; Morozova, 1944; Pevzner, 1941; Pevzner, Zan-kov, & Shmidt, 1933; Zankov, 1935; Zankov & Solovev, 1940). Na realidade, em paralelo com este trabalho em Kharkov, outro importante grupo de estudantes de Vigotski em Moscou continuou os estudos que ele havia iniciado em psicologia clnica e psicologia patolgica (Birenbaum, 1934; Birenbaum & Zeigarnik, 1935; Dubinin & Zeigarnik, 1940; Kaganovskaya & Zeigarnik, 1935; Samukhin, 1935; Samukhin, Birenbaum, & Vygotsky, 1934; Zeigarnik, 1934, 1940, 1941; Zeigarnik & Birenbaum, 1935). Estes estudos encabe-aram os esforos em tempo de Guerra, em vrios hospitais militares, para restaurar o movimento e funes mentais superiores, sob a superviso de Luria (Galperin, 1943; Gal-perin & Ginevskaya, 1947; A. N. Leontiev & Ginevskaya, 1947; A. N. Leontiev & Zaporo-zhets, 1945; A. R. Luria, 1947, 1947/1970). Contudo, uma investigao detalhada dos es-tudos realizados por esse amplo crculo de seguidores de Vigotski no associados com a escola de Kharkov est alm do escopo do nosso artigo.15*

    Obras de Vigotski citadas logo acima

    Afasia e demncias como as doenas de Parkinson ou de Pick K voprosu o dementsii pri bolezni Pika. Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 3.

    Samukhin, Birenbaum, & Vigotski Para o problema da demncia no mal de Pick. Neuropatologia, psiquia-tria e psicohigiene soviticas, 3.

    1934

    14* No texto em ingls, do qual foi feita essa traduo (ver nota 15), a sigla mostra estar formada pelas inici-ais das palavras russas para o nome da instituio, pois V deve referir-se a Vs, que nas palavras com-postas significa todo, de todo, de toda. 15* ANTON YASNITSKY A. e FERRARI M. From Vygotsky to vygotskian psychology: introduction to the his-tory of the Kharkov school Journal of the History of the Behavioral Sciences, Vol. 44(2), 119145 Spring 2008. Published online in Wiley Interscience (www.interscience.wiley.com). Aqui, exatamente: p. 132-133. O link exato de onde foi retirada a verso aqui referida o seguinte: http://home.oise.utoronto.ca/~ayasnitsky/texts/Yasnitsky%20&%20Ferrari%20(2008).%20From%20LSV.pdf

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    Problema umstvennoj otstalosti. In: L. S. Vygotsky & I. I. Danyushevskii (Eds.), Umstvenno otstalyj rebjonok. Moscow.

    Vigotski

    O problema do retardo mental. In: L. S. Vigotski & I. I. Daniushevskii (Eds,), Retardo mental infantil. Moscou.

    1935

    Problema umstvennoj otstalosti. In: L. S. Vygotsky (Ed.), Izbrannye psikhologicheskie issledovaniya. Moscow: APN RSFSR.

    Vigotski

    O problema do retardo mental. In: L. S. Vigotski (Ed.), Investigaes psicolgicas selecionadas. Moscou: APN RSFSR.

    1935/1956

    Problema umstvennoj otstalosti . In: L. S. Vygotsky (Ed.), Sobranie sochinenij (Vol. 5, Osnovy defektologii, pp. 231256). Moscow: Pedagogika.

    Vigotski

    O problema do retardo mental. In L. S. Vigotski (Ed.), Obras escolhidas (Vol. 5, Fundamentos de defectologia, pp. 231256). Moscou: Peda-goguika.

    1935/1983

    Esquizofrenia K probleme psikhologii shizofrenii. Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 8, 352364.

    Vigotski

    Para o problema da psicologia da esquizofrenia. Neuropatologia, psi-quiatria e psicohigiene soviticas, 8, 352364.

    1932

    Vygotsky, L. S. (1932/1956). Narusheniya ponyatij pri shizofrenii (k probleme psikhologii shizofrenii). In L. S. Vygotsky (Ed.), Izbrannye psikhologicheskie issledovaniya (pp. 481496). Moscow: APN RSFSR.

    Vigotski

    Alterao dos conceitos na esquizofrenia (para o problema da psicolo-gia da esquizofrenia). In L. S. Vigotski (Ed.), Investigaes psicolgicas selecionadas (pp. 481496). Moscou: APN RSFSR.

    1932/1956

    K probleme psikhologii shizophrenii. In Sovremennye problemy shizofrenii. Moscow: Medgiz.

    Vigotski

    Para o problema da psicologia da esquizofrenia. In: Problemas con-temporneos da esquizofrenia. Moscou: Medgiz.

    1933

    Thought in schizophrenia. Archives of neurology and psychatry, 31, 10621077.

    Vigotski

    Pensamento na esquizofrenia. Arquivos de neurologia e psiquiatria, 31, 10621077.

    1934

    Thought in schizophrenia. In: R. Van der Veer & J. Valsiner (Eds.), The Vygotsky reader (pp. 311326). Oxford, UK: Blackwell.

    Vigotski

    Pensamento na esquizofrenia. In: R. Van der Veer & J. Valsiner (Eds.), The Vygotsky reader (pp. 311326). Oxford, UK: Blackwell.

    1934/1994

    Localizao das funes cerebrais Psikhologiya i uchenie o lokalizatsi. In Pervyj Vseukrainskij sezd nevropatologov i psikhiatrov (pp. 3441). Kharkov: Knizhnaya fabrika im. G. I. Petrovskogo.

    Vigotski

    Psicologia e teoria da localizao. In: Primeira conferncia de toda a Ucrnia de neuropatologia e psiquiatria (pp. 3441). Kharkov: Fbrica de livros G. I. Petrovsk.

    1934

    Psikhologiya i uchenie o lokalizatsii psikhicheskikh funktsij. In L. S. Vygotsky (Ed.), Razvitie vysshikh psikhicheskikh funktsij (pp. 384393). Moscow: APN.

    Vigotski

    Psicologia e localizao das funes psquicas. In: L. S. Vigotski (Ed.), O desenvolvimento das funes psquicas superiores (pp. 384393). Moscou: APN.

    1934/1960b

    Obras do grupo de Vigotski em Moscou citadas logo acima

    Psicologia clnica e psicologia patolgica Birenbaum

    K voprosu ob obrazovanii perenosnykh i uslovnykh znachenij slova pri patologicheskikh izmeneniyakh myshleniya. In Novoe v uchenii ob agnozii, apraksii i afazii. Moscow: OGIZ.

    1934

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    Para o problema dos significados figurativos e condicionais das pala-vras em casos de alteraes patolgicas do pensamento. In: Novida-des no estudo sobre agnosia, apraxia e afasia. Moscou: OGIZ. K dinamicheskomu analizu rasstrojstv myshleniya. Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 4.

    Birenbaum & Zeigarnik

    Para a anlise dinmica das desordens do pensamento. Neuropatolo-gia, psiquiatria e psicohigiene soviticas, 4.

    1935

    K voprosu o travmaticheskom slaboumii. Nevropatologiya i psikhiartiya, 78.

    Dubinin & Zei-garnik

    Para a questo da demncia traumtica. Neuropatologia e psiquiatria, 78.

    1940

    Kaganovskaya, E. L., & Zeigarnik, B. V. (1935). K psikhopatlogii negativisma pri epidemicheskom entsefalite. In: Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 4.

    Kaganovskaya & Zeigarnik

    Para a psicopatologia do negativismo em encefalites epidmicas. In: Neuropatologia, psiquiatria e psicohigiene soviticas, 4.

    1935

    K voprosu struktury organicheskoj dementsii. In: Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 4, 910.

    Samukhin

    Para o problema da estrutura da demncia orgnica. Neuropatologia, psiquiatria e psicohigiene soviticas, 4, 910.

    1935

    K voprosu o dementsii pri bolezni Pika. In: Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 3.

    Samukhin, Birenbaum & Vygotsky Para o problema da demncia no mal de Pick. In: Neuropatologia, psiquiatria e psicohigiene soviticas, 3.

    1934

    K probleme ponimaniya perenosnykh slov ili predlozhenij pri patologicheskikh izmeneniyakh myshleniya. In: Novoe v uchenii ob agnozii, apraksii i afazii. Moscow: OGIZ.

    Zeigarnik

    Para o problema da compreenso de palavras figurativas ou senten-as em casos de alteraes patolgicas do pensamento. In: Novida-des no estudo sobre agnosia, apraxia e afasia. Moscou: OGIZ.

    1934

    Psikhologicheskij analiz struktury posttravmaticheskogo snizheniya. In: Sbornik trudov TsIP (Vol. 1). Moscow.

    Zeigarnik

    Anlise psicolgica da estrutura da deteriorao ps-traumtica. In: Coleo de obras TsIP (Vol. 1). Moscow.

    1940

    Zeigarnik, B. V. (1941). Psikhologicheskij analiz struktury posttravmati-cheskogo snizheniya i defekta. In Sbornik trudov TsIP. Moscow.

    Zeigarnik

    Anlise psicolgica da estrutura da deteriorao e defeitos ps-traumticos. In: Coleo de obras TsIP. Moscou.

    1941

    K probleme smyslovogo vospriyatiya. Sovetskaya nevropatologiya, psikhiatriya i psikhogigiena, 4.

    Zeigarnik & Birenbaum

    Para o problema da percepo semntica. Neuropatologia, psiquiatria e psicohigiene soviticas, 4.

    1935

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    DIAGNSTICO DO DESENVOLVIMENTO E CLNICA PEDOLGICA DA INFNCIA DIFCIL16*

    Lev Semionovitch Vigotski (1931)

    {316:} *

    A tarefa da metodologia no consiste s em aprender a medir, seno tambm em aprender a ver, a pensar, a re-lacionar; e isto significa que o excessivo temor aos chamados momentos subjetivos na interpretao e a tentativa de obter os resultados dos nossos estudos de modo puramente mecnico e aritmtico, como ocorre no sistema de Binet, so errneos. Sem a elaborao subje-tiva, isto , sem o pensamento, sem a interpretao, sem a decifrao dos resultados e o exame dos dados, no existe investigao cientfica.

    VIGOTSKI (1997 p. 316)*

    [ESQUEMA DE INVESTIGAO PEDOLGICA]

    5

    Resta-nos traar brevemente o esquema da investigao pedolgica tal como a entende-mos. Pensamos que um dos erros fundamentais da pedologia moderna consiste na insu-ficiente ateno que se presta ao trabalho prtico e cultura do diagnstico do desenvol-vimento. Com efeito, ningum ensina ao pedlogo essa arte, e a enorme maioria de nos-

    16* Essa uma traduo instrumental feita por Achilles Delari Junior, para fins didticos e de estudo em grupo, dos itens 5 e 6 do seguinte texto: Vigotski, L. S. Diagnstico del desarollo y clnica paidolgica de la infancia difcil. In: ______. Obras Escogidas. Tomo 5 fundamentos de defectologa. Madrid: Visor y Minis-trio de Educacin y Ciencia, 1997. p. 275-338. Foram escolhidos, nesse momento, apenas os itens 5 e 6 por serem as sees onde explicitado o esquema da investigao pedolgica de Vigotski, em seus seis (ou sete) elementos fundamentais. Todo o texto original correspondente a estes dois itens foi mantido, mas os ttulos entre colchetes foram acrescentados por mim, para marcar a seqncia dos elementos do es-quema de investigao. Os nmeros de pginas da verso espanhola das Obras Escolhidas de Vigotski sero apresentados entre chaves seguidos de dois pontos, antecedendo o contedo da pgina, para permi-tir citaes remetendo s pginas do livro. As notas da edio russa vm no final, como na edio espanho-la. As notas de rodap com numerao sucedida por asterisco so minhas. Os diagramas tambm so meus, por isso suas indicaes vm entre colchetes. Crticas traduo e sugestes de correo podem ser enviadas para [email protected]. Esse material foi concludo em 20 de julho de 2008 e passar por revises posteriores. * A citao do mesmo texto do qual foram tiradas as sees 5 e 6 que vo aqui na ntegra, ela vem no texto imediatamente antes da abertura da seo 5, foi colocada em destaque apenas por seu carter em-blemtico e sua nfase no papel do investigador como intrprete dos signos do desenvolvimento.

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    sos pedlogos dedicados ao labor tcnico deixam de lado esse aspecto da questo sem elabor-lo sequer no grau mnimo. Neste caso, a pedologia se encontra em uma situao muito mais lamentvel que a pediatria e outros campos contguos. Um pediatra chega a saber, na rea da patologia infantil, no mais, seno menos, do que um pedlogo na rea do desenvolvimento infantil. Mas o pediatra domina o que sabe e pode utilizar praticamen-te seus conhecimentos. Faz pouco tempo, um agrnomo relatou na imprensa o caso de um colega seu que havia estado na Amrica do Norte e havia comeado a buscar trabalho ali. Este cientista agro-nmico desdobrou seus diplomas e comeou a informar a cerca de sua preparao, seus anos de servio, suas investigaes, mas antes lhe perguntaram o que ele sabia fazer. Em realidade, caberia formular tambm esta pergunta para a pedologia moderna. Esta teria que refletir acerca do que sabe fazer e aprender a aplicar vida o capital morto de seus conhecimentos. Pensamos que a pedologia s poder tomar definitivamente a forma de cincia se trabalhar no diagnstico do desenvolvimento e na criao de uma clnica pedolgica. Nunca poder logr-lo seguindo uma via exclusivamente terica. [1 Queixas dos pais, da prpria criana e da instituio educacional] O esquema de investigao pedolgica que propomos, em sua aplicao criana difi-cilmente educvel e ao anormal, compe-se de vrios elementos fundamentais que men-cionaremos em ordem de sucesso. Em primeiro lugar, e cuidadosamente reunidas, de-vem ser postas as queixas dos pais, da prpria criana e da instituio educacional. H que comear precisamente por isso, mas as queixas no devem ser reunidas em absoluto como se faz comumente (so dadas de forma generalizada e, em lugar dos fatos, nos comunicam opinies, concluses j feitas, amide com matizes tendenciosas). Nas quei-xas dos pais, por exemplo, com freqncia lemos: a criana m e retardada. Ao invs disso, {317:} ao investigador interessam os fatos que o pai ou a me devem indicar-lhe. Neste sentido, os princpios fundamentais da investigao do carter adquirem grande importncia metodolgica. Como se sabe, necessrio evitar no s as valoraes subje-tivas, seno tambm acrescentamos por nossa parte todas as generalizaes, em que se creiam ao p da letra, mas no se comprovam no curso da investigao. O fato em si de que o pai considera m criana deve ser levado em conta pelo investigador, mas deve ser estimado precisamente em seu significado, ou seja, como uma opinio do pai. preciso verificar essa opinio no curso do estudo, mas para isso faz falta descobrir os fa-tos na base dos quais se obteve essa opinio, fatos que o investigador deve interpretar a seu modo. Se perguntamos diz Kretschmer a uma simples camponesa se seu irmo foi temeroso, pacfico ou enrgico, amide obtemos respostas confusas e incertas. Se, pelo contrrio, perguntamos que fazia a criana quando devia ir sozinha ao celeiro escuro, ou como se comportava quando ocorria uma discusso na taberna, essa mesma mulher nos dar informaes claras e caractersticas que, por seu frescor vital, levaro o selo da autenticidade. preciso conhecer bem a vida do homem comum, do campons, do ope-rrio, e transladar-se a ela completamente; ademais, nas perguntas no necessrio de-ter-se tanto no esquema dos traos de carter, seno que em sua vida na escola, na igre-ja, na cantina, na atividade cotidiana e tudo isso em exemplos concretos. Por isso, eu ou-torgo um significado especial ao fato de perguntar mais, dentro do possvel, desta forma concreta (1930, p. 138).

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    essencial ter em conta, assim mesmo, os testemunhos subjetivos da prpria criana. Mas tambm neste caso podemos estar diante de testemunhos que logrem ser amide falsos, se se os toma como prova de certos fatos. A criana pode apresentar-se no como na realidade, simplesmente pode no dizer a verdade, mas o fato em si sempre um fato de grande valor para o investigador. O fato da auto-valorao, o fato da mentira, de-vem ser tomados em conta e explicados pelo investigador. Relataram-nos o caso de um notvel neuropatlogo que, negando toda a importncia aos testemunhos subjetivos, empenhava-se em proteger-se da ao sugestionante das quei-xas do paciente e sempre comeava pelo estudo objetivo. Para isso o mdico idealizou um procedimento simples: quando comeava a estudar um paciente lhe ordenava em ca-da oportunidade que respirasse pela boca, a fim de impedir-lhe que dissesse do que se queixava e o que lhe doa. Quando o paciente, naturalmente, surpreso porque o mdico no examinava onde lhe doa, tentava dizer do que sofria, o investigador interrompia o visitante e voltava a recordar-lhe de que devia respirar pela boca. De forma exagerada e caricaturesca faz-se expressa a tendncia, absolutamente errnea, de ignorar os dados subjetivos. J temos assinalado em outro lugar que o valor dos testemunhos subjetivos totalmente anlogo ao valor das declaraes do processado e da vtima em um tribunal. Qualquer juiz procederia de modo totalmente infundado se quisesse resolver uma causa sobre a base das queixas do imputado ou da vtima. Mas {318:} igualmente infundado tratar de resolver-se sem os testemunhos de ambas as partes interessadas, que porque o so deformam a realidade. O juiz pesa e compara os fatos, os confronta, os interpreta, os critica e chega a determinadas concluses. Tambm o investigador procede assim. Na investigao pedolgica prtica h que assimi-lar desde o comeo uma verdade metodolgica muito simples: amide o objetivo direto da investigao cientfica estabelecer algum fato que no est dado no presente. Dos sin-tomas ao que se encontra por trs deles, da comprovao dos sintomas ao diagnstico do desenvolvimento tal o curso da investigao. Por isso, torna-se falsa a idia segundo a qual a verdade cientfica sempre pode ser estabelecida pela comprovao direta. Neste pressuposto falso estava fundada toda a velha psicologia, que cria que os fenmenos psquicos podem ser estudados s em sua observao direta por meio da introspeco. Do mesmo modo, como afirma acertadamente V. N. Ivanovski8 em Introduo metodol-gica cincia e filosofia (1923), esta idia se apia em uma premissa falsa. O esclarecimento definitivo deste problema est ligado introduo em psicologia do conceito de inconsciente. Na poca precedente, a psicologia, em particular a inglesa, com freqncia negava completamente a possibilidade de estudar os estados psicolgicos de carter inconsciente, baseando-se no fato de que no temos conscincia desses estados e que, por conseguinte, nada sabemos acerca deles. Esse raciocnio parte da premissa, tacitamente adotada como indubitvel, segundo a qual podemos estudar e conhecer s aquilo de que temos conscincia direta. Contudo, esta premissa no obrigatria, porque conhecemos e estudamos muitas coisas das quais no temos conscincia direta e as co-nhecemos mediante uma analogia, uma teoria, uma hiptese, um raciocnio deduzido, etc., em geral s por via indireta. Assim, por exemplo, criam-se as cenas do passado, que restabelecemos com ajuda dos mais diversos clculos e construes, sobre a base de um material que logra ser absolutamente dessemelhante dessas cenas. Quando um zologo, pelo osso de um animal extinto, determina seu tamanho, aspecto exterior, modo de vida e diz de que se alimentava, etc., tudo isso no est dado empiricamente ao zologo, no experimentado pessoalmente por ele, seno que faz uma concluso sobre a base de ind-cios dos ossos que foram compreendidos diretamente, etc.

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    Do mesmo modo se estuda tambm o inconsciente, isto , segundo certas pistas suas, ressonncias e manifestaes naquilo de que no se tem conscincia diretamente. A per-sonalidade humana representa uma hierarquia de atividades das quais muito poucas es-to conectadas com a conscincia (no sentido de conscincia direta). O que aqui se disse a respeito do inconsciente inteiramente aplicvel ao lado consciente da personalidade, porquanto tambm na autoconscincia raramente tudo se reflete em seu aspecto absolu-tamente fiel e correspondente realidade. O investigador, tambm no estudo dos {319:} processos conscientes, na determinao de seu verdadeiro nexo, de seus autnticos mo-tivos e de seu curso real, deve passar dos indcios, das manifestaes e dos sintomas essncia dessas coisas, que se encontram por trs deles. Isso concerne ainda mais aos fenmenos do desenvolvimento no psicolgico17*. fcil sinalizar que, na realidade, to-da esta questo est relacionada com o que havamos afrontado no comeo de nosso artigo quando falamos da passagem de um ponto de vista fenomenalstico que estuda s as manifestaes e classifica os fenmenos por seus traos exteriores, a um ponto de vista gentico-condicional, que estuda a essncia dos fenmenos como esta se revela em seu desenvolvimento18*. A investigao pedolgica moderna que, amide sobre a base da elaborao mecnica ou aritmtica dos sintomas descobertos e de seus ndices, trata de obter uma concluso j feita com respeito ao nvel de desenvolvimento, como ocorre nos mtodos de Binet e Rossolimo esta investigao se empenha, nem mais nem menos, do que em economi-zar o momento mais importante em todo o labor cientfico, precisamente o momento do pensamento. O pedlogo que trabalha com estes mtodos, estabelece alguns fatos, de-pois os elabora por meio de clculos puramente aritmticos e o resultado se obtm de modo automtico e totalmente independente de sua elaborao mental. Se se compara isso com o diagnstico cientfico em outros terrenos se obtm algo monstruoso. O mdico mede a temperatura e o pulso, explora os rgos internos, estuda os resultados da anli-se qumica e da radiografia e, refletindo, unindo isto em certo quadro coerente, penetra no processo patolgico interno que gerou todos os sintomas indicados. Mas seria absurdo supor que a mera mecnica dos sintomas proporciona um diagnstico cientfico. Com isso podemos concluir o primeiro ponto de nosso esquema. [2 Histria do desenvolvimento da criana] O Segundo est representado pela histria do desenvolvimento da criana, a qual deve constituir a fonte principal de toda a informao ulterior, o fundo principal de toda a inves-tigao ulterior. So bem conhecidos os momentos dos quais se compe a histria do desenvolvimento da criana. Fazem-se includos aqui o esclarecimento das peculiarida-des hereditrias, do ambiente, da histria do desenvolvimento uterino e extrauterino da criana em seus traos mais importantes. Comumente se omite, mas desde o ponto de vista do tema que nos interessa resulta necessrio, um quarto momento, ou seja, a hist-ria da educao da personalidade. Essas influncias do ambiente, sumamente importan-tes quanto ao desenvolvimento e que formam diretamente a personalidade da criana, {320:} vm a ser omitidas por completo na histria do desenvolvimento e, ao mesmo tem-

    17* Na edio espanhola est literalmente Esto concierne an ms a los fenmenos del desarrollo no psi-colgico no contexto no fica claro se houve alguma incorreo de traduo ou digitao, ou se refere-se mesmo aos fenmenos no psicolgicos como o do exemplo do zologo dado anteriormente, ou ao do m-dico que ser dado em seguida, o que parece mais plausvel. 18* Ver nota 7* (p. 6).

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    po, se enumera minuciosamente a quantidade de metros cbicos do ambiente que habita, a ordem da mudana da roupa branca e outros detalhes secundrios desse estilo.

    (1) Peculiaridades hereditrias

    (2) Peculiaridades do ambiente

    (3) Histria do desenvolvimento uterino e extrauterino

    (4) Histria da educao da personalidade

    Momentos bem conhecidos

    Momento comumente omitido

    Momentos que compem a (sistematizao da) histria de desenvolvimento da criana

    [DIAGRAMA 1]

    Para a criao de uma histria cientfica do desenvolvimento da criana, bsica e es-sencial a exigncia de que toda esta histria do desenvolvimento e da educao seja uma biografia que envolva as causas. Diferentemente de uma simples crnica, da mera enu-merao de acontecimentos isolados (em tal ano aconteceu tal coisa, em tal outro ano tal outra), a descrio causal pressupe uma exposio dos fatos que os ponha em uma de-pendncia entre causa e efeito, que revele seus nexos e examine o perodo dado da his-tria como um todo nico, coerente e dinmico, tratando de descobrir as leis, nexos e mo-vimentos sobre cuja base se construiu e aos quais est subordinada esta unidade. Co-mumente, a histria pedolgica do desenvolvimento da criana se forma pela enumerao de momentos isolados, internamente no vinculados entre si de modo algum, apresenta-dos de maneira simples como em um questionrio, e dispostos em ordem cronolgica. O essencial que, com este modo de proceder, no se obtm o fundamental, que a hist-ria do desenvolvimento, dizer, um todo nico, coerente e dinmico. Estas descries, mais do que as autenticamente histricas, recordam as que do as crnicas dos aconte-cimentos e sua sucesso. Neste caso, totalmente aplicvel a regra que estabelece A. P. Tchkhov com respeito estrutura interna do conto. Fala da necessidade de unir com um nexo interno absoluta-mente todos os elementos do conto; por exemplo, se na primeira pgina, ao descrever a decorao de uma habitao, o autor menciona que em uma parede estava pendurada uma escopeta, foroso que esta arma dispare na ltima pgina, do contrrio no haveria motivo para mencion-la. Na histria do desenvolvimento da criana, cada fato abduzido tambm deve responder exatamente aos fins do todo. A escopeta, que foi mencionada no comeo, deve disparar obrigatoriamente no final. Nenhum fato deve ser citado simples-mente assim, por si mesmo. Cada um dos fatos deve estar solidamente ligado ao todo, de modo que no possa ser retirado sem alterar toda a construo19*. 19* Vigotski parece colocar uma exigncia extremamente difcil de se cumprir. O que nos coloca frente a um questionamento: para que todos os dados coletados sobre a histria de desenvolvimento tenham algum enlace causal ser preciso no registrar no nosso relato aquilo que para ns ainda no faz sentido (o que seria uma omisso) ou tudo que se obtm tem de ser registrado de modo a ser situado numa relao gen-tico-causal (o que seria bastante ambicioso)?

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    A histria ideal do desenvolvimento deve desenvolver-se com a mesma rigorosa regulari-dade lgica que um teorema de geometria. Pensamos que nos primeiros tempos da pedo-logia, em que apenas dominou a arte do diagnstico cientfico do desenvolvimento, no ficaria mal apropriar-se um pouco do rigor lgico de um teorema geomtrico, inclusive ex-cedendo-se desde o ponto de vista da geometrizao20*. E, em todo caso, [cabe] recordar que no comeo da histria do desenvolvimento, o investigador deve formular com preci-so, mesmo que seja mentalmente, o que preciso demonstrar, e que ao final a tese que era necessrio demonstrar deve ser expressa com clareza. Isto se refere no s histria do desenvolvimento em seu conjunto, seno que tambm aos momentos singulares dos quais se compe. Disto fica claro que o centro de gravidade na histria de desenvolvimento da criana deve ser transladado dos fatos exteriores, que podem comprovar tanto qualquer bab como o pedlogo (quando a criana comeou a sentar-se, quando comeou a falar, etc.), ao es-tudo dos nexos internos nos {321:} quais se revela o processo de desenvolvimento. De novo, o caminho do externo ao interno, do que est dado ao que se deve encontrar, da anlise fenomenolgica dos fatos a suas causas internas determinantes. E. K. Sepp, clni-co em enfermidades nervosas, considera que toda cincia passa de incio por um perodo no qual predomina a descrio dos fenmenos de ndole prevalentemente estatstica. medida que se acumula material, produz-se sua sistematizao segundo a semelhana dos fenmenos e o estabelecimento das combinaes que se encontram com freqncia e formam os complexos naturais. Todo este perodo pode chamar-se descritivo ou feno-menolgico. A etapa seguinte no curso do desenvolvimento de diversos campos cientfi-cos o estabelecimento do vnculo interno entre os fenmenos, na determinao da de-pendncia causal por meio da decomposio em elementos de complicados complexos de fenmenos, na reconstruo a partir dos elementos de todas as combinaes pos-sveis. Os traos distintivos desta etapa so a anlise e o estudo da dinmica dos proces-sos, cujos momentos singulares constituem os fenmenos investigados antes desde o ponto de vista estatstico ou fenomenolgico. Devemos dizer que a pedologia, diferente-mente da medicina, tambm no terreno puramente descritivo (em medicina, este tem sua expresso mais brilhante no diagnstico diferencial das enfermidades) se encontra num nvel sumamente baixo. A pedologia tem o objetivo de elevar a descrio a um nvel supe-rior, simultaneamente com a assimilao dos procedimentos de anlise e da dinmica dos processos. Com respeito herana e ao meio, necessrio dizer que ambos os momentos tambm eram includos, por regra geral, na histria do desenvolvimento da criana sem indicar a causa, isto , sem a subordinao s tarefas e aos objetivos da histria dada. Entretanto, o objetivo da investigao pedolgica consiste em apresentar a herana apenas como um momento do desenvolvimento infantil e, por esta razo, o estudo da herana deve seguir, na pedologia, uma via distinta da que segue a medicina, a gentica e outros campos. Comumente, o pedlogo se interessa pela herana s desde o ponto de vista dos mo-mentos etiolgicos patognicos21*. Ademais, observa-se uma srie de casos curiosos 20* Talvez a geometrizao a que se refere Vigotski remeta ao modo de pensar utilizado por Espinosa na tica. sabido que Vigotski tem uma dvida intelectual para com Espinosa. Assim, o modo geomtrico de proceder poderia no implicar uma formalizao pautada em notao matemtica stricto sensu, mas num certo modo sistemtico de proceder a explicao. Note-se que ele critica a apreenso puramente aritmti-ca dos dados sobre o desenvolvimento da criana (ver p.316/11 e p. 328/22). 21* No espanhol: etiolgicos patgenos, de certo modo uma redundncia se tomarmos etiologia como estudo das causas das doenas e patognico como de origem patolgica e/ou relativo doena. Con-tudo, o Houaiss registra antes uma acepo mais genrica para etiologia 1 ramo do conhecimento cujo

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    que, lamentavelmente, converteram-se em pautas do pensamento pedolgico prtico. Na histria da herana se indica, por exemplo, que o av e o pai do menino examinado pade-ciam de alcoolismo. O pedlogo recorre a estes dados para explicar a estranha conduta do menino da qual se queixam: s vezes estando na sala de aula e sem causa aparente, atira-se ao solo, comea a fazer diabruras, interrompe as aulas. O pedlogo raciocina de modo simplrio: o av e o pai bebiam, e isso deve expressar-se de algum modo na con-duta do menino. O exemplo recm aportado acerca de como se emprega em pedologia a teoria da heran-a no constitui uma exceo. Mais que isso, tpico da formao deste campo da hist-ria do desenvolvimento e mostra claramente toda a inutilidade, esterilidade e desacerto deste caminho. Admitamos que, neste caso, o investigador tenha razo; que o alcoolismo do pai e do av realmente deve servir para explicar as extravagncias na conduta de seu filho e neto. Mas, com que {322:} inumerveis associaes, elos intermedirios e transi-es est vinculada a causa ao efeito e at que ponto fica sem resolver a tarefa do inves-tigador! Que vacuidade exibe sua histria de desenvolvimento, se rene direta e linear-mente o primeiro e o ltimo elo de uma grande corrente, omitindo todos os intermedirios! Que terrvel simplificao da realidade e que vulgarizao do mtodo cientfico! De modo que a primeira tarefa consiste em seguir a influncia da herana no desenvolvi-mento da criana atravs de todos os elos intermedirios, de maneira que uns ou outros fenmenos nesse desenvolvimento, uns ou outros momentos da herana sejam postos num claro vnculo gentico entre si. A segunda exigncia reside em que a anlise da he-rana deve ser efetuada na pedologia com uma amplitude muito maior que na patologia. Devemos nos interessar por esta anlise para esclarecer o hereditrio dos traos constitu-tivamente inatos que se manifestam no desenvolvimento da criana. Isto deve ser uma das fontes fundamentais para nosso conhecimento da constituio infantil. De modo que o pedlogo est obrigado no s a interessar-se pelos momentos patolgicos na herana, seno tambm por explicar, em geral, todas as variantes hereditrias da constituio da gerao dada. Um momento obrigatrio do estudo pedolgico deve chegar a ser o que Kretschmer de-nomina investigao caracterolgica da famlia. Inclusive com respeito ao paciente no possvel limitar-se a sua personalidade. Para a caracterologia ocorre o mesmo que para a estrutura do corpo. Os traos clssicos de um tipo constitucional s vezes aparecem mais claramente marcados nos parentes diretos do que no paciente. Ademais, se em um mesmo paciente se encontram vrios tipos constitucionais, podemos ver em outros mem-bros da famlia seus componentes singulares, claramente isolados e dissociados. Em sn-tese, quando desejamos ter a construo da constituio do paciente, devemos prestar a devida ateno herana. Por isso faz j muitos anos que, em presena dos casos mais importantes, tenho registrado tudo o que possvel saber acerca das peculiaridades do carter, das enfermidades e da estrutura do corpo das pessoas consangneas22*. A es-

    objeto a pesquisa e a determinao das causas e origens de um determinado fenmeno, havendo as mais especficas em seguida 1.1 Rubrica: medicina. estudo das causas das doenas Locues e. criminal Rubrica: termo jurdico. parte da criminologia que trata do estudo das causas e dos fatores do delito (Hou-aiss, verso on-line). 22* Em espanhol parientes consanguneos", talvez nessa lngua no seja redundante, pois se pode falar em parentes por afinidade tambm: 1. adj. Respecto de una persona, se dice de cada uno de los ascendien-tes, descendientes y colaterales de su misma familia, ya sea por consanguinidad o afinidad. (DICCIONA-RIO DE LA LENGUA ESPAOLA - REAL ACADEMIA ESPAOLA Vigsima segunda edicin verso digital).

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    trutura da constituio do paciente aparece com surpreendente clarez.a se introduzirmos, no esquema, o mais importante em expresses concisas (E. Kretschmer, 1930, p. 139). Kretschmer d um exemplo de estudo caracterolgico do ambiente: Encontramos nesta famlia a cultura pura das peculiaridades do carter que mais tarde denominamos esqui-zotmicas. Comeando pelos carteres esquizotmicos sos... atravs dos evidentemente psicopticos... que permanecem toda a vida no limite da psicopatia, at chegar leve psi-cose pr-senil abortiva da me, e terminando na grave esquizofrenia do filho. Vemos aqui, nestes poucos membros da famlia todas as possveis transies e matizes entre a en-fermidade e a sade (idem, p. 139-140) De maneira que o interrogatrio habitual sobre a herana, ao qual o pedlogo submete os pais e que se limita a estabelecer a existncia de uma enfermidade psquica, de alcoolis-mo, etc., resulta totalmente inconsistente para {323:} investigar a real complexidade dos fenmenos e relaes que subjazem herana. Inclusive o estudo da herana de uma pessoa enferma no pode ficar limitado ao estudo dos indivduos enfermos. O investigador empreende um caminho errneo se detm sua ateno s nos indivduos enfermos da famlia. Em nosso caso disse Kretschmer, refe-rindo-se ao exemplo que havia dado deveria dizer que vemos aqui uma herana poli-morfa de psicose, porquanto de um pai epiltico nasce uma filho circular. No sentido bio-lgico, este mtodo de pensamento bastante insatisfatrio. Em realidade, o curso do fator hereditrio , neste caso, totalmente distinto. Uma captao semelhante, que abarca s as indicaes mrbidas, nunca nos dar o quadro da herana em seu conjunto (idem, p. 145). A investigao gentica contempornea que, por uma parte, se ocupa do problema da constituio e, por outra, do estudo dos gmeos, pe nas mos do investigador um mag-nfico material para fazer a anlise constitucional mais profunda possvel da personalidade da criana em relao com a herana. O estudo dos gmeos indica a dinmica do desen-volvimento dos traos hereditrios; o estudo das constituies psicopticas, desde o pon-to de vista do hereditrio, mostra as complexssimas leis da estruturao, da dissociao, do entrecruzamento e da combinao na transmisso inclusive das sndromes caractero-lgicas fundamentais. Por exemplo, a investigao estabelece que no grupo das epilepsi-as existe grande quantidade de diversos genes que podem unir-se ou dissociar-se dando formas clnicas diversas. O investigador deve recordar que, em sua dinmica, os fatores hereditrios se manifes-tam em um todo, s na investigao caracterolgica de uma famlia dada, mas no se manifestam absolutamente no estudo de seus membros isolados escolhidos. O estudo da herana do modo que se vem realizando at agora de todo anlogo ao que se segue quando, ao estudar o desenvolvimento fsico ou o estado de uma pessoa, temos em conta no todo o seu organismo ntegro, seno s o estado de um ou dois rgos, porque os membros isolados da famlia que consideramos so aquelas partes de um todo gentico dinmico que esto representadas s na famlia. A anlise constitucional da personalidade da criana deve basear-se nesta complexa in-vestigao caracterolgica da famlia. Mas a tarefa no se limita a isto. Surge a necessi-dade de observar detidamente estes dados hereditrios na histria do desenvolvimento ulterior da criana, seguir seu destino e estabelecer as leis fundamentais da conexo en-tre determinadas inclinaes hereditrias e a linha do desenvolvimento posterior da crian-

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    a. O que foi dito concerne no s esfera do carter, seno tambm do desenvolvimen-to fsico e, em particular, do crescimento da criana. A ttulo de exemplo, mencionamos as investigaes de L. S. Gueshelina, que clareiam a influncia dos fatores hereditrios e ambientais no crescimento das crianas. Um correto estudo constitucional do crescimento da criana, desse fenmeno relativamente simplssimo, demanda o estudo das influncias {324:} hereditrias e ambientais, e este ltimo s possvel com a ajuda do estudo de toda a famlia. O momento seguinte para o qual preciso prestar ateno o estudo das influncias he-reditrias em unidade com as ambientais. Por outra parte, os distintos momentos e ndi-ces do ambiente no podem ser simplesmente amontoados mediante uma enumerao desordenada, o investigador deve apresent-los como um todo estruturado, construdo desde o ponto de vista do desenvolvimento da criana. O estudo do ambiente, dentro da histria do desenvolvimento da criana, nunca ser definitivo e completo se no temos em conta aquilo que j dissemos a propsito da herana. Como s vezes se explica a conduta do neto pelo alcoolismo do av, diversos momentos da vida cotidiana familiar (privao de habitao, ms relaes entre os pais, presena de exemplos negativos, etc.) se pem em relao direta com as queixas pela conduta da cri-ana. Em tal caso, quando fica assinalado o momento ambiental que salta vista, nova-mente se considera que se logrou uma explicao cientfica satisfatria. A criana leva-da ante o investigador com uma srie de queixas sobre sua difcil educabilidade, que pro-cedem da famlia e da escola. O investigador estabelece as graves condies econmi-cas, habitacionais e morais da famlia. A anlise est concluda. Mas o mesmo que capaz de fazer qualquer vizinho pequeno-burgus que, em tais casos logra dizer: Veja voc, como vive essa gente!. A tarefa do pedlogo no se limita de modo algum a essa comprovao pequeno-burguesa do vnculo existente entre as condies de vida penosas e a difcil educabilida-de da criana. O enfoque cientfico se distingue precisamente do emprico comum pelo fato de que se prope revelar as profundas dependncias interiores e os mecanismos de origem de uma ou outra influncia ambiental. Enquanto no se tenha feito isto, enquanto no fique demonstrado como, com que meio, atravs de que elos intermedirios, com a ajuda de que mecanismos psicolgicos, atuando sobre que aspectos do processo de de-senvolvimento, essas condies ambientais conduziram a ditos fenmenos de difcil edu-cabilidade, a tarefa da anlise cientfica no ter sido cumprida totalmente. Ao referir-nos completa estrutura do desenvolvimento da personalidade da criana psi-copata temos aportado dados com respeito influncia do ambiente em crianas psicopa-tas de tipo esquizide. Temos visto que momentos tais como a insuficincia material, a fome, a pobreza, os afetos vitais, a ameaa vida, o terror, o susto, o controle escasso e a vinculao com a rua, desempenham um papel relativamente insignificante na acumula-o de sndromes ulteriores de difcil educabilidade em um grupo dado de crianas. No grupo das psicopatias ciclides estes fatores assumem o primeiro papel no desenvolvi-mento dos estados reativos. Pelo contrrio, todos aqueles momentos que esto vincula-dos com o menosprezo da personalidade do paciente e provocam vivncias conflitivas (uma educao inflexvel, com permanentes coeres e ofensas, as discrdias familiares, a desavena entre os pais, a discusso por causa da criana, a separao forada de um dos pais, o cime com relao a algum dos {325:} membros da famlia, as situaes pe-nosas da vida que ferem o amor prprio), representam momentos altamente traumticos para as crianas de tipo esquizide.

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    Tambm notvel o fato de que no s existe seletividade dentro das diferentes influn-cias ambientais, seno que existe uma forma definida de reao do desenvolvimento in-fantil a determinadas condies ambientais. Em 1/3 dos casos descritos por Sukhareva se observa que a forma mais freqente de reao a condies dadas do ambiente eram di-versos estados neurticos, Podemos pensar diz a autora que a freqncia de dita reao nos esquizides no casual, pois a psique esquizide (particularidades da vida, atraes, falta de unidade das emoes e sua escassa capacidade para reagir) propor-ciona uma srie de mecanismos predispostos para seu surgimento (1930, p. 72). Eviden-temente, nos 2/3 restantes de crianas do mesmo tipo, condies anlogas provocaram uma reao absolutamente distinta. E a tarefa do pedlogo no verificar tais ou quais momentos nocivos, seno estabelecer o nexo dinmico entre certos momentos do ambi-ente e certa linha de desenvolvimento da criana. Tambm, neste caso, a tarefa funda-mental e bsica segue sendo descobrir os nexos e o mecanismo do desenvolvimento, e, se no se resolve, a investigao pedolgica no pode ser denominada investigao cien-tfica. O problema da educao se agrega a isso. Como j temos dito, ocorre de evitar-se por completo este aspecto do tema na histria do desenvolvimento da criana. Entretanto, em todo caso o momento mais importante dentro de todo o material de que pode dispor o investigador. De modo geral, na caracterizao da educao se anotam s alguns mo-mentos excepcionais como uma espcie de castigo corporal, e isto ainda na forma mais geral. Quando, em realidade, a educao, entendida no mais amplo sentido da palavra, deve ser o eixo fundamental ao redor do qual se estrutura todo o desenvolvimento da per-sonalidade da criana. Uma linha dada de desenvolvimento deve ser entendida como conseqncia lgica necessria de uma linha dada de educao. Por tanto, sem o estudo cientfico da educao, o pedlogo nunca poder construir o quadro cientfico do desen-volvimento infantil. Subentende-se que a educao no deve compreender-se de modo algum apenas como instruo, como medidas educativas criadas premeditadamente pe-los pais e aplicadas com respeito criana. Trata-se da educao em toda a extenso do significado da palavra, tal como a entende a pedagogia moderna. J temos reproduzido as teses de Gesell, que diz que a lei gentica superior a seguinte: todo o desenvolvimento no presente se baseia no desenvolvimento anterior. O desenvol-vimento no uma simples funo completamente determinada de uma unidade X de herana mais Y unidades de ambiente. Trata-se de um complexo histrico que reflete, em cada um dos seus estgios, o passado encerrado no mesmo. Em outras palavras, o artifi-cioso dualismo do ambiente e da herana nos leva a um caminho equivocado, nos escon-de o fato de que o desenvolvimento um processo ininterrupto que se auto-condiciona, e no uma marionete manobrada com dois fios. Citamos pela segunda vez esta tese porque nos parece {326:} que central por seu significado para a pedologia prtica. Lamenta-velmente em nossa prtica, a histria do desenvolvimento da criana habitualmente se expe, precisamente, desde o ponto de vista do falso dualismo do ambiente e da herana; a pedologia prtica raras vezes sabe tomar um e o outro em sua unidade, e neste quadro, a criana representada justamente como uma marionete manipulada por dois fios, e seu desenvolvimento se d como um drama dirigido por duas foras. A capacidade de apresentar a herana e o ambiente em sua unidade s pode ser adquiri-da mediante a aplicao prtica, ao estudo do desenvolvimento concreto da criana, da lei a que Gesell denominou lei fundamental de toda a pedologia, ou seja, a lei segundo a qual se demonstra que o desenvolvimento constitui um processo auto-condicionado onde esto sintetizadas as influncias do ambiente e da herana. Isto significa que toda nova

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    etapa no desenvolvimento da criana deve ser representada pelo pedlogo como deriva-da com necessidade da etapa precedente. Devem ser revelados: a lgica do auto-movimento no desenvolvimento, a unidade e luta de contrrios postas dentro do prprio processo. No se deve entender toda nova etapa no desenvolvimento como um novo produto do entrecruzamento mtuo de X unidades de herana mais Y unidades de ambi-ente. Desvelar o auto-movimento do processo de desenvolvimento significa compreender a lgica interna, o condicionamento mtuo, os nexos, a conexo recproca dos momentos singulares de unidade e luta dos contrrios, implcitos ao processo de desenvolvimento. Segundo uma conhecida definio, o desenvolvimento precisamente luta de contrrios. S uma concepo como essa assegura realmente a investigao dialtica do processo de desenvolvimento infantil. [3 Sintomatologia do desenvolvimento] A parte seguinte de nosso esquema a sintomatologia do desenvolvimento. O objetivo desta parte apresentar uma espcie de status pedolgico, determinar o nvel e o carter do desenvolvimento que alcanou a criana no momento presente. Incorporam-se aqui, como dados auxiliares, todos os outros conhecimentos que podem caracterizar o estado da criana e o nvel de seu desenvolvimento; mas estes conhecimentos no devem ser includos de outro modo que no sob o ngulo visual pedolgico. Podemos mencionar como exemplo destes dados, o diagnstico mdico, os informes pedaggicos sobre o rendimento escolar, a preparao e educao da criana, etc. Mas, o central de toda esta parte o problema da verificao cientfica, a descrio e definio dos sintomas de de-senvolvimento. Nosso trabalho prtico, neste aspecto, se encontra enormemente longe do ideal. Basta dizer que nossa investigao, como capacidade de estabelecer certos fatos e qualific-los desde o ponto de vista pedolgico, tem ficado muito afastada da correspondente investi-gao clnica. A ttulo de exemplo poderamos mencionar vrios momentos com os quais se enfrenta muito amide na prtica. Assim, se comprova que uma criana tem um car-ter fechado. Sem uma anlise ulterior, extrai-se daqui a concluso ou se prope a suposi-o sobre a configurao esquizide de sua personalidade. Por outro lado, uma anlise posterior minuciosa dos fatos que levaram concluso sobre o carter {327:} fechado da criana demonstra que esta peculiaridade, por seu grau de manifestao, no ocupa em absoluto um lugar de transio entre o hermetismo patolgico com a psicose correspon-dente e o hermetismo completamente normal que se encontra em uma pessoa normal que passa por determinadas vivencias, isto , que o carter prprio deste hermetismo no permite identific-lo como o que pode considerar-se como sintoma de um estado psicopa-tolgico, no limite entre a enfermidade mental e a sade. Depois se lograr estabelecer que esse hermetismo no o que tanto caracteriza a estrutura psicoptica da personali-dade, seno que na histria de desenvolvimento da criana, est totalmente motivado, explicado e diferenciado em relao com alguns complexos de vivncias23*.

    23* Vigotski aqui parece no considerar (ao menos no de forma explcita) que o prprio processo psicopato-lgico seja tambm fruto de complexos de vivncias. Mesmo anteriormente tendo deixado claro que o desenvolvimento seja uma unidade de contrrios em luta, aqui deixa no ar uma possvel interpretao de que a patologia seja talvez uma realidade em si, da qual se tenha uma vivncia, mas no exatamente como fruto da vivncia. Isso pelo modo pelo qual faz a diferenciao entre normal e patolgico. Se a experincia normal do hermetismo fruto de complexos de vivncias, a experincia patolgica do hermetismo seria fruto do que?

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    Portanto, uma investigao minuciosa dos fatos demonstra que a incapacidade para des-crever, definir e qualificar, desde o ponto de vista pedolgico, um fenmeno conduz a de-sign-lo com o mesmo nome de outros fenmenos, que apenas exteriormente so seme-lhantes a ele e, a partir disso, o rtulo comum, j de maneira completamente mecnica, por simples associao, evoca as recordaes sobre a psicopatia, pondo os processos de recordao e as tendncias associacioanistas no lugar dos processos de pensamento e da elaborao racional dos fatos, que, em realidade, devem ocupar o primeiro plano na investigao. S com este exemplo j vemos quo importante saber estabelecer o pr-prio fato, descrev-lo, que vasta cultura necessria para isso e como faz falta saber de antemo que coisa deve ser advertida e descrita com esse fato. No exemplo dado, quem recolheu os fatos omitiu o mais importante o grau em que se manifestava e o carter do vnculo com os demais sintomas, a motivao, isto , o lugar desse sintoma dentro da sndrome total. Mas ainda mais importante prestar ateno ao segundo momento ligado com a sintoma-tologia do desenvolvimento, ou seja, o momento da qualificao pedolgica dos fenme-nos e fatos observados. Com muita freqncia, em nossa prtica, sob a envoltura de sin-toma do desenvolvimento, encontra-se o que em realidade uma observao cotidiana, registrada com um nome casual, que se registra na folha da investigao pedolgica dire-tamente do lxico de um pequeno-burgus que observou esse fenmeno. Como conse-qncia, encontramos definies e generalizaes tais como teimosia e malcia, sem co-nhecer em absoluto nem a ndole dos fatos em que se baseiam estas denominaes, nem sua qualificao pedolgica. Pelo demais, a mais simples observao demonstra que um mesmo fato no s tem infinitos graus de expresso, seno tambm um significado total-mente diferente segundo o qual seja a sndrome em cuja composio se encontra e de que elementos est formado. Em poucas palavras, amide o que sob uma denominao comum passa por fenmenos de mesma ordem, a rigor, com um exame mais lento, resul-ta ser dois fatos diferentes que foram confundidos ou mesclados porque no foram enca-rados cientificamente. Se tomamos fenmenos da infncia difcil, to freqentes na prtica como o onanismo infantil, a incontinncia urinria ou os caprichos, veremos que, pelo ge-ral, o investigador em vo se esfora para extrair o prprio grmen do fato da {328:} cas-ca que o envolve com toda a classe de rtulos, denominaes e generalizaes. A este respeito como j temos dito, a clnica avanou muitssimo mais, se se a compara com a pedologia. Nenhum mdico se contenta com a simples indicao de que no pacien-te h brotado uma erupo ou que ao paciente sobrevm ataques. A ndole da erupo, a ndole e a natureza desses ataques demandam uma descrio detalhada, cuidadosa e cientfica, a fim de que estes ataques possam ser considerados como um sintoma de epi-lepsia ou de histeria; essa erupo pode ser examinada como um sintoma de sfilis ou de escarlatina. esta definio cientfica dos sintomas e esta qualificao pedolgica dos fenmenos observados o que falta, em primeiro lugar, investigao pedolgica atual. J menciona-mos o procedimento mecnico e aritmtico sumrio mediante o qual a psicometria mo-derna logra obter seus sintomas. Desde logo no podemos considerar os coeficientes de desenvolvimento mais do que como um dos sintomas, mas o modo de definir esse sinto-ma constitui algo sumamente caracterstico da pedologia moderna. Como o leitor recorda-r, esse sintoma obtido sobre a base da soma automtica, do simples clculo de uma srie de fatos totalmente heterogneos, mediante a soma e a subtrao de quilogramas e quilmetros, que se tomam por unidades de iguais dimenses e equivalentes. Isto se refe-re no s ao problema da medio na sintomatologia pedolgica, seno, tambm e em

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    igual medida, a toda definio qualitativa descritiva de tal ou qual sintoma do desenvolvi-mento. Alguns pedlogos falam em particular sobre o diagnstico sintomatolgico, enten-dendo-o como um dos nveis consecutivos que segue o desenvolvimento da metodologia diagnstica em pedologia, exatamente como sucede no terreno do diagnstico mdico, cuja experincia utilizada em medida considervel pela pedologia. Mas temos que dizer que, tambm no diagnstico sintomatolgico ou emprico, a definio cientfica dos sinto-mas do desenvolvimento continua muito escassamente elaborada. Ligada ao problema da sintomatologia do desenvolvimento surge, assim mesmo, a questo da valorao dos di-versos ndices do desenvolvimento, da deduo dos ndices, da comparao do estado da criana com diversas magnitudes constantes e estandartizadas. Por causa da investi-gao cientfica do desenvolvimento ter se iniciado no faz muito tempo, esta questo permanece muito pouco elaborada. Na prtica pedolgica contempornea se pode diferenciar duas direes fundamentais da investigao: o que Gesell chama psicologia normativa e psicologia clnica. Desde o nos-so ponto de vista, a tarefa da psicologia normativa puramente auxiliar. Trata-se de um dos problemas da sintomatologia do desenvolvimento. O objetivo do estudo cientfico de um sintoma no consiste s em descrev-lo, seno tambm em defini-lo desde o ponto de vista do desvio das magnitudes constantes. Assim, no somente os dados no elabora-dos da estatura, o peso, a circunferncia do trax e outras magnitudes antropomtricas, seno tambm a deduo dos ndices e demais magnitudes relativas, a avaliao {329:} do desvio nos sigmas de um ou de outro indcio com relao magnitude standart; tudo isso integra o objetivo da sintomatologia do desenvolvimento. Estamos totalmente de acordo com Gesell, que sublinha que existe uma grande diferena entre uma medio psicolgica e um diagnstico psicolgico. Aclararemos isto do seguin-do modo: a medio psicolgica se refere ao estabelecimento do sintoma, o diagnstico se refere ao juzo definitivo sobre o fenmeno global que se manifesta nesses sintomas, que no se presta diretamente percepo e que valorado sobre a base do estudo, da comparao e da interpretao dos sintomas dados. So poucos os mtodos diagnsticos que funcionam automaticamente. Esto, por exem-plo, a anlise do sangue e o cardiograma que brindam uma definio rpida e precisa da enfermidade, mas tambm no diagnstico mdico existe uma norma segundo a qual to-dos os dados clnicos devem ser ponderados e interpretados em seu conjunto. Se assim no caso dos diagnsticos somticos, isto tambm deve ser justo para o diagnstico psico-lgico e, no nvel atual da tcnica psicomtrica, isto deve ser duplamente justo. Desde este ponto de vista, Gesell diferencia rigorosamente o estudo psicomtrico e a investiga-o clnica no diagnstico do desenvolvimento mental. Mas a investigao psicomtrica s um dos momentos para estabelecer os sintomas, sem os quais o prprio diagnstico no pode ser corretamente formulado. A psicologia clnica uma classe da psicologia aplicada que, mediante a medio, a anlise e a observao, intenta formular uma defini-o correta da estrutura mental do sujeito. Seu objetivo interpretar a conduta humana e determinar seus limites e possibilidades... (A. Gesell, 1930, p. 297-298) Enquanto se apresenta no procedimento psicolgico um elemento de diagnstico respon-svel, a medio psicolgica como tal retrocede a um segundo plano. A psicometria s proporciona o ponto de partida para a anlise ou delineia a trama para a composio do quadro. Os mtodos clnicos ou diagnsticos exigem no s uma medio exata, seno tambm uma interpretao criativa. Tal a razo pela qual um psiclogo clnico compe-tente deve acumular grande quantidade de material experimental de primeira mo seja

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    referente a objetos comuns seja a excepcionais. A partir desta experincia deve construir idias de trabalho que podem manipular em cada caso e em cada uma de suas particula-ridades. O diagnstico psicoclnico reclama um mtodo normativo de comparao. Neste caso, o termo normativo designa o tipo de psicologia que elabora, sistematicamente, standarts objetivos e formulaes descritivas para a avaliao comparada da capacidade e das capacidades mentais24*. A psicologia clnica pode ser definida como a aplicao das normas psicolgicas aos casos de desenvolvimento ou de comportamento em estudo. A normatividade constitui a linha de diviso entre a psicologia clnica e a psiquiatria. Este termo faz ressaltar, assim mesmo, a diferena entre um procedimento puramente psico-mtrico e um diagnstico diferencial comparativo. Ainda que Gesell se refira permanentemente ao problema do desenvolvimento mental, desde o ponto de vista metodolgico, tudo isto pode ser estendido ao {330:} diagnstico do desenvolvimento global. O objetivo de Gesell , precisamente, estabelecer o diagnsti-co do curso de desenvolvimento. Reuniu em ordem sucessiva 10 esquemas de desenvol-vimento, cada um dos quais inclui uma mdia de 35 indcios. Sobre a base dessa bem elaborada sintomatologia do desenvolvimento mental na idade precoce possvel fazer o diagnstico do curso de desenvolvimento. Como sublinha o prprio Gesell, o conceito de desenvolvimento um conceito central, porque aplicvel em igual medida ao desenvol-vimento fsico e psquico da criana. A. Gesell detm-se minuciosamente em aspectos singulares da investigao clnica que no vamos considerar agora em detalhe. Comea com o enfoque da criana, seguindo o transcurso geral da investigao, e termina com questes que, a primeira vista, tm um significado puramente tcnico, mas que, na realidade, coroam todo o problema da sinto-matologia pedolgica. Ao tocar o tema das relaes entre a me e a criana durante o experimento e examinando essas relaes, Gesell assinala que o prprio fato da mudan-a de conduta da criana na presena da me deve converter-se em tema de investiga-o clnica. O estreito vnculo entre o diagnstico do desenvolvimento e a direo dos pais serve de base para adotar as relaes entre a me e a criana como parte integrante da tarefa clnica.

    6 [4 Diagnstico pedolgico] Em essncia, com tudo o que temos dito anteriormente, preparamos j o passo ao ponto seguinte de nosso esquema: o diagnstico pedolgico. Este constitui o momento central e nodal, em nome do qual se desenvolveram todos os momentos precedentes e a partir do qual podem construir-se todos os posteriores. Todos os problemas da clnica pedolgica convergem, como em um foco, no problema do diagnstico pedolgico. Trata-se de um conceito fundamental, de um conceito reitor; por isso necessrio chegar a compreend-lo. O que foi dito at agora teve como fim: delimitar os problemas da sintomatologia e do diagnstico do desenvolvimento que habitualmente se identificam no trabalho prtico; pr um e outro numa relao correta entre eles; demonstrar que o estabelecimento dos sintomas de modo automtico nunca leva ao diagnstico e que o investigador nunca deve

    24* No espanhol: evaluacin comparada de la capacidad y las capacidades mentales no fica muito nti-do se isso indica a pressuposio da existncia de uma capacidade mental geral e outras especficas, mas pode-se interpretar tambm assim, caso no seja uma falha da traduo.

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    admitir que se economize a custo do pensamento, a custo da interpretao criativa dos sintomas. [4.1.a Gesell e o diagnstico descritivo] Se encararmos o diagnstico no sentido prprio da palavra, veremos que a prtica atual distingue diferentes classes de diagnstico do desenvolvimento. Gesell nomeia o diagns-tico diferencial e o descritivo. O diagnstico descritivo se baseia na convico de que o mtodo descritivo permite evitar muitos erros das determinaes psicomtricas absolutas e aproveitar as vantagens do mtodo comparativo. Se nosso mtodo diz o autor pe-ca, a primeira vista, por indeterminao, distingue-se, por outro lado, pela concreo e pela claridade clnica que acompanham as formulaes descritivas e comparativas. Con-fiamos em que o mtodo das valoraes comparativas contribuir para as concluses {331:} clnicas fundamentadas mais do que tem feito as somas e clculos automticos. O mtodo comparativo obriga o investigador a recorrer ao apoio de toda sua experincia prvia para dar soluo a um problema determinado e assim mesmo o ajuda a sistemati-zar sua experincia medida que a v acumulando. O mtodo tem uma propriedade co-mum para todos os sujeitos, sejam estes normais, subnormais, superiores mdia, jo-vens ou adultos: possui um carter comparativo (1930, p. 340). A avaliao definitiva do estado do desenvolvimento se efetua sobre a base do exame atento do nmero, e o car-ter dos resultados positivos e negativos, da comparao da conduta da criana com um esquema evolutivo determinado do desenvolvimento. Mas a avaliao definitiva no deve ser reduzida com o mtodo mecnico da classificao e formao das valoraes formais, seno [produzida] mediante o exame e a avaliao de todo o quadro do comportamento e sobre a base de um critrio normativo, elaborado pelo prprio investigador, para um nvel dado de desenvolvimento. Um dos perigos essenciais que ameaam o diagnstico pedolgico a excessiva genera-lidade e indeterminao das concluses que dele se extraem. Para evitar isso, Gesell exi-ge concluses separadas para quatro grandes campos de conduta, vale dizer, no campo motor, lingstico, de adaptao e de comportamento social. Como j temos dissemos, ns havamos proposto um plano de investigao das funes singulares, ainda que dife-renciado, para a criana dificilmente educvel. No entraremos agora na discusso de que pontos devem ser mencionados nessa investigao diferenciada. Diremos unicamen-te que, sem dvida, muito importante o princpio de mxima especializao da investi-gao das funes por separado25*. 25* Realmente fica no ar a resposta sobre quais poderiam ser essas reas, entende-se a necessidade de especificao para no operar com concluses generalizantes que faam valer para todos os aspectos da vida mental uma mesma lei geral. Contudo, por outro lado, em outros lugares o prprio Vigotski tambm enfatiza a necessidade de se ter uma viso de totalidade, que nos sugere sempre pensar as funes ps-quicas superiores particulares em sua relao sistmica com as demais num dado momento do desenvol-vimento da personalidade em seu conjunto, isto em sua unidade e em suas contradies internas constitu-tivas. No importa s a memria ou a ateno ou a percepo que uma pessoa tem, mas a pessoa que tem tais funes, a importncia que elas ganham para a pessoa a partir de seu significado social, como no caso do sonho para o Cafre, no exemplo dado na Psicologia Concreta do Homem (VIGOTSKI, L.S. Manuscrito de 1929 [Psicologia concreta do homem]. In: Educao e Sociedade Revista quadrimensal de cincia da educao/Centro de Estudos Educao e Sociedade (Cedes). N. 71. Campinas: Cedes. 2000). No mais, a diviso de Gesell, talvez aprovada por Vigotski, no auto-explicativa, distinguir o lingstico do motor pare-ce plausvel, mesmo Wallon o faz, ao seu modo, mas diferenciar o comportamento social do lingstico e a adaptao do comportamento social implicaria explicitar melhor cada definio.

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    Campos da conduta na investigao de Gesell

    (3) CAMPO DE ADAPTAO

    (4) CAMPO DE COMPORTAMENTO SOCIAL

    (1) CAMPO MOTOR

    (2) CAMPO LINGSTICO

    [DIAGRAMA 2]

    [4.1.b Gesell e o diagnstico diferencial] Outro tipo de diagnstico, o denominado diagnstico diferencial, se constri sobre a base do mesmo mtodo comparativo de investigao. Em nosso trabalho clnico disse Gesell procuramos ater-nos regra de realizar a maior quantidade possvel de comparaes, tantas quantas nos permitam o lugar e o tempo, e de no formular uma concluso definiti-va enquanto no obtenhamos dados suficientes para esta avaliao comparativa. Deve-mos admitir que so possveis alguns casos nos que, inclusive depois de tal comparao, no chegamos a uma soluo definitiva, seno que s podemos formular um diagnstico desc


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