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Arq Neuropsiquiatr 2001;59(2-B):466-470

VERTIGEM DE POSICIONAMENTOPAROXÍSTICA BENIGNA

Cristiana Borges Pereira1, Milberto Scaff2

RESUMO - A vertigem de posicionamento paroxística benigna é um distúrbio vestibular de diagnóstico fácil,baseado no exame neurológico e tratado com manobras de liberação. Nesta revisão, a fisiopatologia, osaspectos clínicos e as diferentes manobras são sucintamente discutidos.

PALAVRAS-CHAVE: vertigem de posicionamento, vertigem posicional, diagnóstico, tratamento.

Benign paroxysmal positioning vertigo

ABSTRACT - Benign paroxysmal positioning vertigo is a frequent vestibular disorder. With a simple maneuverone can easily diagnose this condition and treatment is based on liberatory maneuvers. On this review thepathogenesis, the clinical features and different maneuvers are briefly discussed.

KEY WORDS: positioning vertigo, positional vertigo, diagnosis, treatment.

Esta revisão trata de aspectos fisiopatológicos,clínicos e terapêuticos da vertigem de posicionamen-to paroxística benigna (VPPB), referida também comovertigem posicional benigna ou vertigem posicionalparoxística benigna. VPPB é a causa mais comum devertigem, principalmente em idosos. Aos 70 anos,30% dos idosos já apresentaram pelo menos umepisódio desta doença1.

A VPPB foi inicialmente descrita por Bárány em1921 e em 1952 Dix e Hallpike cunharam o termo2.Em 1969, Schuknecht propôs a teoria da cupulolitía-se3: pesadas partículas ficariam aderidas à cúpulado canal semicircular (CSC), que deixaria de funcio-nar como transdutor de aceleração angular para fun-cionar como transdutor de aceleração linear. Atual-mente, no entanto, admite-se a teoria da canalolitía-se: as partículas flutuam livremente pela endolinfado CSC. A canalolitíase explica as características clí-nicas do ataque de VPPB (latência, curta duração,fatigabilidade e mudança na direção), e a boa res-posta ao tratamento com as manobras de libera-ção4.

O CSC posterior é o mais freqüentemente acome-tido (85-95% dos casos), enquanto o CSC horizon-tal é acometido em 5 a 10% dos casos5. Existem pou-cos relatos na literatura de comprometimento do

Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) São Paulo SP Brasil: 1Pós graduanda(Doutorado) do Departamento de Neurologia da FMUSP; 2Professor Titular do Departamento de Neurologia da FMUSP

Recebido 1 Novembro 2000, recebido na forma final 23 Janeiro 2001. Aceito 30 Janeiro 2001.

Dra. Cristiana Borges Pereira - Rua Borges Lagoa 1231 / 111 - 04038-033 São Paulo SP – Brasil. FAX: 5573 1154 / 5549 0871.E-mail:[email protected]

CSC anterior5,6. Essas freqüências são explicadas pelarelação anatômica dos canais com o utrículo: a po-sição do CSC posterior facilita o depósito de otólitossoltos no seu interior, enquanto a entrada de partí-culas no canal anterior é muito mais difícil e portan-to incomum. O CSC horizontal por sua vez tem umaabertura mais larga e movimentos de rotação late-ral (por exemplo, ao virar na cama durante o sono)facilitam a saída das partículas.

FISIOPATOLOGIA

Cupulolitíase x canalolitíaseA teoria da cupulolitíase foi proposta por Schuk-

necht em 1969 ao encontrar, em estudos anátomo-patológicos, depósitos basofílicos aderidos à cúpu-la do CSC de indivíduos que apresentavam VPPB an-tes do óbito3. O autor argumentou que estes depó-sitos basofílicos, compostos por partículas inorgâ-nicas, se desprenderiam da mácula do utrículo e emvirtude da ação da gravidade cairiam no CSC poste-rior, cuja abertura está situada inferiormente ao utrí-culo, e ficariam aderidas à cúpula. A teoria da cana-lolitíase também admite que pequenos fragmentosde carbonato de cálcio se soltam da mácula utriculare caem nos CSCs, mas contrariamente à teoria da

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cupulolitíase parte do princípio de que estes frag-mentos flutuam livremente na endolinfa.

Em condições fisiológicas a cúpula tem a mesmadensidade que a endolinfa e é defletida apenas du-rante movimentos de rotação, funcionando comoum transdutor de aceleração angular. Segundo a teo-ria da cupulolitíase, a cúpula, com partículas aderi-das à sua superfície, seria defletida inclusive em situa-ções estáticas de acordo com a força da gravidade,funcionando como um transdutor de aceleração li-near (teoria da flutuação). Este mecanismo explica,por exemplo, o nistagmo posicional presente na in-toxicação alcóolica, que se relaciona à posição dacabeça7,8, mas não explica os ataques de VPPB pordiferentes razões. Na VPPB, se observa um nistagmode posicionamento, provocado por movimentos rá-pidos, que cessa em alguns segundos. Caso a teoriada cupulolitíase fosse correta poderia se esperar queos ataques ocorressem independentemente da ve-locidade do movimento, e dependessem exclusiva-mente da posição da cabeça. Os sintomas teriamduração mais prolongada, enquanto se mantivessea posição desencadeante, ou seja ocorreria um nis-tagmo posicional.

O nistagmo de posicionamento da VPPB, por ou-tro lado, pode ser explicado por partículas que flu-tuam livremente na endolinfa: movimentos da ca-beça provocam o movimento do cálculo, o que levaa uma aceleração anormal da endolinfa com conse-qüente deflecção anormal da cúpula.

O mecanismo da canalolitíase é compatível comtodas as características da VPPB9, como segue: 1.latência: tempo necessário para o cálculo iniciar omovimento desencadeado pela força da gravidade;2. ineficiência nas manobras lentas: o cálculo se mo-vimenta lentamente sem desencadear qualquer de-flecção da cúpula; 3. curta duração do nistagmo eda vertigem: quando o cálculo atinge o ponto maisinferior do CSC, cessando o estímulo; 4. fatigabili-dade: ocorre fragmentação do cálculo, com menorefeito no movimento anormal da endolinfa; 5. rea-tivação da vertigem após períodos de repouso: como tempo ocorre formação de novos cálculos, ou háreagregação de cálculos fragmentados; 6. inversãodo nistagmo: durante as manobras de posicionamen-to há inversão no sentido do nistagmo ao colocar opaciente sentado.

O mecanismo exato pelo qual as partículas saemdo utrículo e caem no CSC não é definido na maio-ria dos casos. Baloh10 observou que aproximadamen-te 50 % dos casos são idiopáticos, enquanto trau-ma, neurite vestibular, isquemia vértebro-basilar, pós-

operatório, repouso prolongado, são as causas maisfreqüentemente encontradas11. O autor também re-lata uma proporção de 2:1 entre mulheres e homensno grupo com VPPB idiopática, enquanto no grupodos casos com etiologia definida a relação é de 1:111.

QUADRO CLÍNICO E EXAME NEUROLÓGICO

Tipicamente o paciente com VPPB descreve ata-ques de vertigem rotatória, de curta duração e forteintensidade desencadeados por movimentos rápidosda cabeça, sendo os mais freqüentes os seguintes:levantar da cama pela manhã, deitar e virar na cama,estender o pescoço para olhar para o alto e fletir opescoço para olhar para baixo. Na posição ortostá-tica, ataques desencadeados por movimentos brus-cos podem levar a quedas, ou em casos menos in-tensos o paciente pode referir tendência a quedapara trás. No entanto, até 1/3 dos pacientes apresen-tam queixas bastante atípicas12.

Alguns pacientes conseguem inclusive referir paraque lado a rotação da cabeça é capaz de desenca-dear o ataque de VPPB. Nestes casos o primeiro pas-so do exame deve ser o posicionamento para o ladoprovavelmente afetado. Devido a grande possibili-dade de ser desencadeado um ataque de vertigem,o paciente deve ser instruído quanto a manobra queserá realizada, devendo permanecer com os olhosabertos, e não tentar se levantar. Uma vez que oataque é rápido, cessando em segundos, isso nãoapresenta nenhuma dificuldade

Há duas manobras que podem ser utilizadas napesquisa de VPPB: Manobra de Dix-Hallpike2: o paci-ente sentado tem a cabeça rodada 45° para o ladoque se deseja examinar e em seguida é deitado paratrás. Ao final da manobra a cabeça fica levementependurada e rodada para o lado examinado (Fig 1A);Manobra de posicionamento lateral1: o paciente sen-tado tem a cabeça rodada 45° para o lado opostoàquele que se deseja examinar. Em seguida é deita-do para o lado examinado. Ao final da manobra opaciente está em decúbito lateral com a cabeça ro-dada, olhando na direção do examinador (Fig 1B).

Ambas as manobras devem ser realizadas rapi-damente, uma vez que movimentos lentos não de-sencadeiam o ataque de VPPB, e se possível deve-seusar óculos de Frenzel (lentes com +20 dioptrias), oque impede a supressão do nistagmo pela fixaçãovisual. O objetivo de cada uma delas é realizar ummovimento com a cabeça no plano do CSC posteri-or, aumentando assim a eficácia da manobra emdeslocar o cálculo e provocar o nistagmo e vertigemtípicos. Independente da manobra utilizada, quan-

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Fig 2. Manobra de Semont. A cabeça do paciente é rodada 45° para o lado são (A). Em seguida o paciente édeitado para o lado comprometido (B). Rapidamente é realizado um grande arco, e o paciente é colocado emdecúbito no outro lado, mantendo a posição da cabeça em relação ao tronco, isto é, o paciente olha para baixo,com o nariz encostado na maca (C). O paciente levanta rapidamente (D).

Fig 1. (A) Manobra de Dix-Hallpike: a cabeça do paciente é rodada 45° para o lado que se quer examinar (A1) eem seguida o paciente é rapidamente colocado em decúbito dorsal, permanecendo com a cabeça rodada einclinada para trás(A2). (B) Manobra de posicionamento lateral: a cabeça do paciente é rodada 45° para o ladooposto àquele que se deseja examinar (B1) e em seguida o paciente é rapidamente colocado em decúbitolateral, do lado examinado. A cabeça permanece rodada e o paciente olha ligeiramente para cima (B2).

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Fig 3. Manobra de Epley. A cabeça do paciente é rodada 45° para o lado comprometido (A).Em seguida o paciente é rapidamente deitado mantendo a posição da cabeça em relação aotronco (B). A cabeça é então rapidamente rodada em duas etapas de 90º (C e D). O pacientelevanta rapidamente (E).

do positiva, o que se observa é um nistagmo comcomponente vertical para cima e outro componen-te rotatório batendo no sentido do “ouvido de bai-xo”. Na VPPB do canal posterior direito o compo-nente rotatório é então no sentido anti-horário (vis-to pelo examinador), e no posterior esquerdo é ho-rário. Outras características típicas do nistagmo naVPPB são: (1) a latência de pouco segundos até seuaparecimento; (2) duração curta, de até 40 segun-dos; (3) inversão da direção quando o paciente écolocado novamente sentado; (4) diminuição na in-tensidade e eventual desaparecimento com mano-bras repetidas, isto é, fatigabilidade9.

A VPPB acometendo mais de um CSC é rara e noscasos em que a direção do nistagmo não pode serexplicada por comprometimento de um único CSC,

deve-se observar cuidadosamente os outros aspec-tos do nistagmo e considerar a possibilidade de ver-tigem central10. Os principais diagnósticos diferen-ciais são (1) o nistagmo posicional vestibular cen-tral, que deve ser suspeitado quando nistagmoposicional é observado na ausência de vertigem, e(2) a vertigem posicional central1. Em ambas as situ-ações o nistagmo não cessa com a manutenção dacabeça na mesma posição e não apresenta fatigabili-dade com manobras repetidas. O critério mais im-portante para diferenciar VPPB das patologias cen-trais, no entanto, é a direção do nistagmo, que temque ser compatível com o estímulo de um dos CSCs10.

A evolução da VPPB, como o próprio nome diz, ébenigna e alguns pacientes apresentam inclusiveresolução espontânea1. Em outros casos, no entan-

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to, pode persistir por meses a anos se não tratadaadequadamente. Nos pacientes tratados corretamen-te há um índice de recorrência de 30 a 45%13,14.

TRATAMENTOA VPPB é um problema mecânico do labirinto e

deve ser tratada como tal. Existem várias manobrasde liberação descritas na literatura, ou de reposicio-namento, como também são denominadas. As ma-nobras de Brandt-Daroff15, de Semont16(Fig 2) e deEpley13(Fig 3) são as utilizadas com maior freqüên-cia. O objetivo destas manobras é induzir um movi-mento do cálculo para que este saia do CSC e caiano utrículo. A manobra de Brandt-Daroff foi a pri-meira a ser proposta e consiste em sucessivos movi-mentos partindo da posição sentada, se assemelhan-do a manobra de decúbito lateral utilizada na pes-quisa de VPPB (Fig 1A). O paciente é orientado adeitar alternadamente para direita e para a esquer-da, e a manter o decúbito por 40 segundos a 1 mi-nuto, ou enquanto persistir a vertigem15.

Enquanto Brandt e Daroff preconizam a realiza-ção da manobra várias vezes por dia, por dias con-secutivos15, as manobras de Semont e de Epley fo-ram descritas originalmente para serem aplicadasuma única vez13,16. Uma única aplicação da mano-bra de Semont tem índices de cura de aproximada-mente 50%17, passando a 97% se a manobra for re-alizada várias vezes18. Para a manobra de Epley, osíndices de cura variam de 87 a 100% 13,19,20. Cohen eJerabek ao comparar as duas manobras, não obser-varam diferença significativa entre o índices de cura21.Brandt e Daroff em sua descrição original relatamcura em 66 pacientes de 67 tratados15.

Em raros casos, nos quais não ocorre melhoraclínica, apesar da realização adequada das diferen-tes manobras de liberação há indicação de procedi-mento cirúrgico. A oclusão do CSC posterior e a tran-secção do nervo ampular posterior são as técnicasmais utilizadas1.

Agradecimentos - Agradeço ao Sr. Márcio Piancastellipela elaboração das figuras.

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