UTILIZAÇÃO DE REGRESSÃO MULTIVARIADA NA DETERMINAÇÃO DO
PERFIL DA POPULAÇÃO AFETADA POR DESASTRES
Irineu de Brito Jr. Departamento de Engenharia de Produção
Universidade de São Paulo
Departamento de Logística
FATEC Jessen Vidal S J Campos
Bruno César Kawasaki Departamento de Engenharia de Produção
Universidade de São Paulo
Carlos Henrique Viégas de Rosis Departamento de Engenharia de Produção
Universidade de São Paulo
Adriana Leiras Departamento de Engenharia de Produção
Universidade de São Paulo
Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki Departamento de Engenharia de Produção
Universidade de São Paulo
RESUMO
Desastres naturais são eventos calamitosos que provocam vítimas, afetam as atividades de uma comunidade e
vêm crescendo nas últimas décadas devido ao adensamento populacional e alterações climáticas. Embora
existam registros de ocorrências de desastres naturais, não foram encontrados estudos sobre análises do perfil e
características das vítimas no Brasil. Neste estudo, o perfil das vítimas de desastres naturais no estado de São
Paulo é avaliado com o intuito de orientar as atividades preventivas para a população em situação de risco.
Foram obtidos dados reais dos acidentes e para a análise foi utilizada regressão multivariada e dados
demográficos e geográficos. Os resultados mostram que o perfil da população afetada difere de acordo com o
gênero e faixa etária das vítimas, características socioeconômicas do local, além do regime climático vigente
durante o período. Conhecendo os segmentos sociais e locais mais vulneráveis, organismos de defesa civil
podem utilizar esses dados para realizar treinamento e orientação de forma mais eficaz, a fim de conduzir
atividades de prevenção e resposta para futuros desastres.
ABSTRACT
Natural disasters are calamitous events that cause victims, disrupt community activities and have been increasing
in recent decades due to the increase of population density and to climate change. Although there are records of
natural disasters occurrences, analysis of the profile and characteristics of victims do not exist in Brazil. In this
study, the profile of victims of natural disasters in the state of Sao Paulo is evaluated in order to guide preventive
activities for the population at risk. Real data from accidents were obtained and the analysis used a multivariate
regression, demographic and geographic data based on the type of disaster. The results show that the profile of
the affected population differs according to victims’ gender and age, socio-economic characteristics, in addition
to the current climate regime during the period. Knowing the social groups and the most vulnerable places, civil
defense agencies can use these data to more effectively provide training and guidance, in order to conduct
activities to prevent and respond to future disasters.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com a Federação Internacional da Cruz Vermelha - IFRC (2008), desastre significa
uma interrupção grave do funcionamento de uma sociedade, representando uma ameaça
significativa e generalizada à vida humana, saúde, propriedade ou ao meio ambiente.
Desastres podem ser de origem natural ou antropogênica, e ocorrer de forma repentina ou
lenta. As catástrofes naturais (inundações, secas, terremotos, furacões, fome) ou catástrofes
provocadas pelo homem (guerras conflitos armados e crises de refugiados) têm impactado
cada vez mais comunidades e nações ao redor do mundo nas últimas décadas, e as previsões
sugerem que esta tendência continuará (EM-DAT, 2011).
Anualmente, milhões de pessoas são afetadas por desastres que consequentemente
desencadeiam crises humanitárias. As organizações de ajuda, tais como as ONGs
(organizações não governamentais), Nações Unidas (ONU) ou governos, trabalham para
ajudar e dar suporte às comunidades afetadas, mediante a entrega de água, medicamentos,
equipamentos médicos, abrigo, itens alimentares, entre outros (Rottkemper et al., 2011).
Desastres e riscos, conforme Rodriguez et al. (2007), são fenômenos socialmente construídos,
influenciados por: estrutura política e social; disponibilidade de recursos; estratificação e
desigualdades entre os habitantes; crescimento, densidade e a distribuição populacional; além
da degradação ambiental. O'Keefe et al. (1976) introduziram o conceito de vulnerabilidade,
que pode ser entendida como a situação de risco que uma pessoa ou população se encontra.
Apresentaram uma tendência crescente para este fator e afirmaram que as condições
socioeconômicas são as principais causas de desastres naturais.
Episódios tais como o terremoto e o tsunami na Ásia (2004); os terremotos no Paquistão
(2005), China (2008), Chile (2010), Haiti (2010), e na Nova Zelândia (2011); as inundações e
deslizamentos de terra no Brasil (2008, 2009 e 2011); a série de desastres em Tohoku, no
Japão (2011), entre outros, têm demonstrado a vulnerabilidade das sociedades, mesmo em
países desenvolvidos.
O aquecimento global também tem agravado a severidade e a frequência de catástrofes
mundiais e foi incorporado aos debates políticos e públicos (KUN et al., 2010). Previsões
estimam que nos próximos 50 anos os desastres naturais e antropogênicos irão aumentar cinco
vezes em número e gravidade (Thomas e Kopczak, 2005). No Brasil, tempestades mais
frequentes são previstas na região Sudeste devido ao aquecimento global (FAPESP, 2011), o
que tem incentivado o investimento em prevenção a desastres.
Em uma sessão especial da Assembléia Geral da ONU em 2000, denominada “Gender
equality, development and peace for the twenty-first century”, a adaptação das políticas de
redução de desastres para diferentes perfis de populações afetadas foi identificada como uma
necessidade. Também foram destacadas as ineficiências e inadequações das abordagens e
métodos existentes para responder a desastres naturais (Silverstein, 2008). Um relatório da
Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002) apontou o fator gênero na vulnerabilidade a
desastres além da falta de pesquisa acadêmica no assunto.
Este trabalho tem como objetivo analisar o perfil da população afetada por desastres naturais
no estado de São Paulo no período de 2005 a 2012 considerando fatores como gênero, idade,
regime climático e características geográficas das vítimas, de acordo com os tipos mais
recorrentes de acidentes: deslizamentos, enchentes, raios e desabamentos. A pesquisa foi
baseada em dados reais fornecidos pela Defesa Civil do Estado de São Paulo, responsável
pela contagem das vítimas fatais de desastres. No estado de São Paulo, assim como em todo o
Brasil, a população anualmente, durante o período das chuvas, é afetada por desastres naturais
que ocasionam vítimas fatais.
2. A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS DE GÊNERO NA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA
O'Keefe et al. (1976) apresentaram a primeira publicação em um periódico de grande
circulação (Nature) a detectar a interface entre catástrofes naturais e os segmentos mais
vulneráveis da população. Neste artigo, foi explicado que o aumento de vítimas de desastres
naturais é decorrente do crescimento populacional. "Como a população continua a crescer e os
recursos continuam a ser controlados pela minoria, o padrão real de vida decresce para grande
parte da população mundial" (O'Keefe et al., 1976). Quanto mais a população aumenta, mais
vulnerável se torna. Para reduzir essa vulnerabilidade, planejamento preventivo deve ser
estabelecido, considerando os aspectos geográficos e geológicos, socioeconômicos e o status
cultural.
Segundo Neumayer e Plümper (2007) e O'Keefe et al. (1976), diferenças biológicas,
fisiológicas, de gênero e na capacidade de resposta a catástrofes podem levar a diferentes
taxas de mortalidade. Isto se deve, entre outros motivos, ao fato de os indivíduos do sexo
masculino serem fisicamente mais bem preparados para sobreviver ao impacto físico de um
desastre. Por exemplo, se uma mulher possui força física menor que um homem, ela será mais
facilmente arrastada pela água, neve ou terra. Além disso, em cenários de desastres, as
mulheres geralmente possuem menor velocidade em atividades físicas, como correr, subir em
árvores e alcançar pontos elevados para resgate.
Chou et al. (2004) estudaram o risco de morte em terremotos. A literatura sugere que as
limitações de saúde mental e física podem afetar a resposta a desastres. Além disso, a saúde e
o status socioeconômico (SES) poderiam ser dois fatores importantes determinantes de
vulnerabilidade a terremotos, mas pouco se sabe sobre a relação entre esses fatores de risco e
mortes relacionadas a terremotos.
Outros aspectos importantes de desastres são os esforços de mobilização, comunicação e
treinamento de pessoas em situação de risco, como forma de prevenção de desastres. Desta
maneira, para serem eficazes, os esforços devem considerar as especificidades de grupos
populacionais de acordo com gênero, idade e status socioeconômico. West e Orr (2007)
afirmam que não se possui conhecimento suficiente sobre como as pessoas percebem sua
vulnerabilidade e o que afeta a sua motivação para evacuação em casos de desastre. Não é
óbvio o que influencia a percepção de vulnerabilidade, como os cidadãos julgam as diversas
fontes de informação governamentais e não governamentais. Observaram que as mulheres e
grupos minoritários são mais propensos a evacuação se recomendado pelo governo ou mídia.
Algumas das maiores fatalidades ocorreram quando as pessoas desconsideraram as
recomendações oficiais para abandono de local.
Neumayer e Plümper (2007) também explicam a diferença no impacto dos desastres naturais
na expectativa de vida em mulheres em comparação aos homens, não só por diferentes
exposições físicas ou diferenças fisiológicas e biológicas, mas também pelas vulnerabilidades
socialmente construídas pelos papéis que homens e mulheres assumem, voluntariamente ou
não, bem como os padrões de discriminação de gênero. Eles afirmam que a exposição
desigual aos riscos é uma consequência do sistema socioeconômico e proporcionaram a
primeira análise sistemática e quantitativa das diferenças de gênero na mortalidade por
desastres naturais. Observaram que, em geral, quanto mais grave um desastre natural, mais
mulheres falecem e que a idade média das mulheres mortas é inferior à dos homens.
3. DESASTRES NATURAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO
3.1. Estudo da geografia e da população
Os desastres naturais mais comuns no Brasil são as secas no Nordeste e as enchentes e
deslizamentos de terra no Sul e no Sudeste. As regiões Norte e Centro Oeste são afetadas por
seca ou inundações conforme o regime de suas bacias hidrográficas. Eventos isolados, como
furacões provocados pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) também podem
ocorrer. O clima do país é influenciado pelos eventos La Niña e El Niño (INPE, 2012).
O Estado de São Paulo tem um clima tropical, com estação chuvosa bem definida (dezembro
a março) e outra estação seca (junho a agosto). A topografia é constituída por uma planície
costeira, uma região oriental que consiste de vales e montanhas (São Paulo, 2012). Estas
características fazem com que o risco de deslizamentos seja elevado nestas áreas. A Figura 1
mostra o mapa do relevo do Estado de São Paulo e as montanhas da região leste.
Figura 1: Relevo do Estado de São Paulo (Libault, 1971)
Os dados reais de vítimas apresentados neste trabalho são provenientes das Operações Verão
da Defesa Civil do Estado de São Paulo nos anos de 2005 a 2012. Nestas operações,
realizadas durante a estação chuvosa, a Defesa Civil Estadual apresenta planos de
contingência junto a outros órgãos públicos, sendo registradas as situações de emergência ou
calamidade pública, os respectivos prejuízos e as providências tomadas.
Os desastres naturais que ocorrem com maior frequência no Estado de São Paulo, devido ao
período chuvoso e à topografia, são classificados de acordo com a EM-DAT (2012) como:
deslizamentos de terra (hidrológico), inundações (hidrológico) e raios (meteorológico local,
tempestade convectiva). Outro tipo de acidente, o desabamento ("acidente envolvendo o
colapso de um edifício ou estrutura, que pode envolver estruturas industriais ou estruturas
domésticas / não industriais" - EM-DAT, 2012) que, apesar de não considerado como desastre
pelo EM-DAT, foi aqui considerado devido às características e diferenças específicas em
relação aos deslizamentos de terra que ocorrem durante a estação chuvosa.
O Estado de São Paulo tem uma população de 41.262.199 habitantes (IBGE, 2010), da qual
75% está concentrada na região leste do estado, onde se localizam a capital e três regiões
metropolitanas.
3.2. Classificação etária
O propósito da classificação etária é para facilitar a síntese dos dados coletados e da
investigação sobre como os desastres afetam diferentes grupos de pessoas. Uma vez que esta
atividade é realizada, os esforços de redução de desastres podem ser mais bem orientados de
acordo com os segmentos da população, o que é de particular interesse para as organizações
humanitárias e para a Defesa Civil.
A seguinte classificação etária foi adotada neste estudo: criança (0 a 14 anos), jovem (15 a 24
anos), adulto (25 a 60 anos), e idoso (acima de 60 anos). Esta classificação foi considerada de
acordo com a recomendação das Nações Unidas (ONU, 2004). A classificação escolhida é
razoável tanto em termos de análise de dados (Gráfico 1) quanto de contexto cultural,
considerando os papéis sociais exercidos por cidadãos brasileiros conforme a idade.
Gráfico 1: Vítimas fatais agrupadas em 4 faixas etárias
3.3. Metodologia de pesquisa
Para a verificação estatística dos dados, a regressão logit foi usada, semelhante à utilizada em
estudos epidemiológicos multivariados. No modelo logístico, os valores de uma série de
variáveis independentes são utilizados para prever a ocorrência da doença (variável
dependente). Assim, todas as variáveis consideradas no modelo são controladas em conjunto.
Como diversas variáveis independentes são usadas, trata-se de um problema multivariado. Os
fatores podem ser cruzados. A medida da associação calculada a partir do modelo logístico é a
odds ratio (razão de chance). Odds ratio ajustadas são obtidas por meio da comparação de
indivíduos que diferem apenas na característica de interesse e têm os valores de outras
variáveis constantes (Dobson e Barnett, 2008). Odds ratio iguais a 1 indicam que não existem
diferenças entre esses indivíduos, valores maiores que 1 indicam diferenças nas características
de interesse.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Dois tipos de análises foram feitas. A análise preliminar, em que foi comparado o percentual
de vítimas e o da população (Chouet et al., 2004), e a detecção dos locais onde os eventos
ocorreram, permitindo assim uma estimativa das características da população em risco e
também incidência anormal relativa a idade e gênero. Essa análise é importante para definir as
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 a 14 15 a 24 25 a 59 > 60
Qu
an
tid
ad
e d
e vít
imas
Faixa etária
Masculino
Feminino
variáveis de referência para a análise multivariada. O segundo tipo de análise refere-se à
análise multivariada através da regressão logit, que objetiva determinar quais fatores
influenciam a ocorrência de vítimas de desastres naturais. Os resultados odds ratio (OR) e
Estimate Coefficient foram considerados com as seguintes variáveis:
Sexo: Masculino ou Feminino;
Faixa etária: Criança, Jovem, Adulto, Idoso;
Mês: Dezembro, Janeiro, Fevereiro, Março/Abril (março foi agrupado com abril
devido à quantidade de dados nesses meses);
Regime climático: El Niño, La Ninã, Neutro.
Todas as variáveis foram codificadas de maneira binária. Para as variáveis de referência
foram atribuídos valores iguais a 0. O software R, versão 2.11.1, (2010 The R Foundation for
StatisticalComputing), foi utilizado para a análise de regressão logit (função glm, família
binomial).
Figura 2: Metodologia empregada
4.1. Deslizamentos de terra
As Tabelas 1 e 2 mostram a quantidade de mortos por deslizamentos, ocorrências por faixa
etária e sua proporção em relação à população do estado. A maioria das vítimas se concentra
no grupo de mulheres com menos de 14 anos de idade. Este tipo de resultado também foi
observado por Neumayer e Plümper (2007), que o explicaram em termos físicos (força e
agilidade) e por razões socioeconômicas. Em discussão com membros da Defesa Civil e
Corpo de Bombeiros, uma possível causa é uma tendência de as mulheres e meninas passarem
uma maior quantidade de tempo no interior de suas residências, sendo assim, maior o risco de
serem vítimas de deslizamentos de terra.
Tabela 1: Vítimas fatais de deslizamento: análise preliminar por gênero e idade
Idade
(anos)
Masculino Feminino
Casos População Razão Casos População Razão
No. % No. % No. % No. % 1.1.
0 – 14 14 14,3% 3.457.016 10,9% 1,3 29 29,6% 3.345.045 10,6% 2,8
15 – 24 5 5,1% 2.632.856 8,5% 0,6 5 5,1% 2.611.146 8,3% 0,6
25 – 59 18 18,4% 7.515.729 24,2% 0,8 17 17,3% 8.140.293 25,9% 0,7
> 60 7 7,1% 1.464.474 5,0% 1,4 3 3,1% 1.970.005 6,6% 0,5
Total 44 44,9% 15.070.075 48,7% 0,9 54 55,1% 16.066.489 51,3% 1,1
n = 98 casos, p = 31.136.564 habitantes (na região leste do estado). Razão = %casos / %população
Tabela 2: Vítimas fatais de deslizamento: análise preliminar por tamanho da cidade
Tamanho da cidade
(número de habitantes)
Casos População Razão
No. % No. %
< 100.000 (570 cidades) 28 28,6% 10.438.191 25,3% 1,1
100.001 500.000 (66 cidades) 39 39,8% 14.172.516 34,3% 1,2
500.001 10.000.000 (8 cidades) 19 19,4% 5.992.106 14,5% 1,3
> 10.000.000 (São Paulo) 12 12,2% 10.659.386 25,8% 0,5
Total 98 100,0% 41.262.199 100,0%
n = 98 casos, p = 41.262.199 habitantes. Razão = %casos / %população
A Figura 3 mostra a localização das vítimas. Observa-se que as vítimas estão concentradas na
região leste do estado.
Figura 3: Localização das vítimas fatais de deslizamentos de terra
Os resultados da regressão logit multivariada confirmam a influência do sexo (OR = 2,29) e
uma influência significativa do grupo etário em Crianças (OR = 7,75). A variável mês, que
não foi considerada na análise preliminar, foi incluída na análise multivariada, pois a mesma
apresentou uma forte influência nas ocorrências de deslizamentos de terra no mês de janeiro
(OR = 9,28). Neste tipo de evento, as variáveis de referência foram: Masculino (Sexo); Idosos
(Faixa etária); Dezembro (Mês); Neutro (Regime climático).
4.2. Enchentes
Neste tipo de acidente observa-se nas Tabelas 3 e 4 que o maior número de vítimas é do sexo
masculino (66,3% das vítimas x 48,7% da população), principalmente os adultos. Isto pode
ser explicado em termos de fatores culturais e socioeconômicos, as características do trabalho
dos homens, outra possível causa discutida com pessoas que lidam com emergências e
resgates é o fato de que os homens, em comparação com as mulheres, subestimarem mais os
riscos, por exemplo, tentar salvar seus pertences durante uma inundação.
Tabela 3:Vítimas fatais de enchentes: análise preliminar por gênero e idade
Idade
(anos)
Masculino Feminino
Casos População Razão Casos População Razão
No. % No. % No. % No. %
0 14 13 15,7% 4.506.645 10,9% 1,43 1 1,2% 4.354.273 10,6% 0,1
15 24 3 3,6% 3.502.704 8,5% 0,43 4 4,8% 3.438.892 8,3% 0,6
25 59 30 36,1% 10.004.998 24,2% 1,49 17 20,5% 10.683.251 25,9% 0,8
> 60 9 10,8% 2.063.526 5,0% 2,17 6 7,2% 2.707.910 6,6% 1,1
Total 55 66,3% 20.077.873 48,7% 1,36 28 33,7% 21.184.326 51,3% 0,7
n = 83 casos, p = 41.262.199 habitantes. Razão = %casos / %população
Tabela 4:Vítimas fatais de enchentes: análise preliminar por tamanho da cidade
Tamanho da cidade Casos População Razão
No. % No. %
< 100.000 (570 cidades) 30 36,1% 10.438.191 25,3% 1,4
100.000 500.000 (66 cidades) 23 27,7% 14.172.516 34,3% 0,8
500.000 10.000.000 (8 cidades) 9 10,8% 5.992.106 14,5% 0,8
> 10.000.000 (São Paulo apenas) 21 25,3% 10.659.386 25,8% 1,0
Total 83 100,0% 412.621.99 100,0%
n = 83 casos, p = 41.262.199 habitantes. Razão = %casos / %população
A Figura 4 ilustra a localização das vítimas. Observa-se que as vítimas estão distribuídas por
todo o estado.
Figura 4: Localização de vítimas fatais relacionadas a enchentes
Os resultados da análise preliminar e da regressão logit multivariada mostraram que os
homens têm uma probabilidade ligeiramente maior de serem vítimas das inundações (OR =
1,34) do que mulheres. Crianças (sexo masculino e feminino) têm uma probabilidade muito
menor de serem vítimas das inundações (OR = 0,33 e EC = -1,1).
Para as inundações, as variáveis de referência foram: Feminino (Sexo), Idosos (Faixa etária);
Março/Abril (Mês); Neutro (Regime climático).
4.3. Raios
Nestes desastres também observa-se (tabelas 5 e 6) uma concentração maior de ocorrências
envolvendo homens. Este fato também pode ser explicado por fatores culturais e
socioeconômicos, pois este tipo de evento ocorre principalmente em áreas rurais, onde a
concentração de trabalhadores do sexo masculino é comparativamente maior do que o número
de trabalhadores do sexo feminino. Outra possível causa é o fato de, tal como nos
deslizamentos e inundações, os homens subestimarem mais os riscos do que as mulheres,
expondo-se ao ar livre durante tempestades.
Tabela 5: Vítimas fatais de raios: análise preliminar por gênero e idade
Idade
(anos)
Masculino Feminino
Casos População Razão Casos População Razão
No. % No. % No. % No. %
0 – 14 3 5,7% 4.506.645 10,9% 0,5 2 3,8% 4.354.273 10,6% 0,4
15 – 24 7 13,2% 3.502.704 8,5% 1,6 3 5,7% 3.438.892 8,3% 0,7
25 – 59 29 54,7% 10.004.998 24,2% 2,3 6 11,3% 10.683.251 25,9% 0,4
> 60 2 3,8% 2.063.526 5,0% 0,8 1 1,9% 2.707.910 6,6% 0,3
Total 41 77,4% 20.077.873 48,7% 1,6 12 22,6% 21.184.326 51,3% 0,4
n = 48 casos, p = 41.262.199 habitantes. Razão = %casos / %população
Tabela 6: Vítimas fatais de raios: análise preliminar com relação ao porte da cidade.
Tamanho da cidade Casos População Razão
No. % No. %
< 100.000 (570 cidades) 29 54,7% 10.438.191 25,3% 2,2
100.000 – 500.000 (66 cidades) 16 30,2% 14.172.516 34,3% 0,9
500.000 – 10.000.000 (8 cidades) 5 9,4% 5.992.106 14,5% 0,7
> 10.000.000 (São Paulo apenas) 3 5,7% 10.659.386 25,8% 0,2
Total 53 100,0% 41.262.199 100,0% 1,0 n = 48 casos, p = 41.262.199 habitantes. Razão = %casos / %população
Comparando a localização das vítimas fatais com censo demográfico do IBGE de 2010,
verificou-se que em cidades com menos de 100.000 habitantes, onde vive 25% da população
do estado, encontravam-se 56% das vítimas de raios. No entanto, a cidade de São Paulo tem
27% da população do estado e responde por apenas 4% das vítimas. A maior vulnerabilidade
dos habitantes de pequenas cidades pode ser explicada por uma maior permanência em áreas
abertas, onde existe maior dificuldade em encontrar abrigos durante uma tempestade.
O número de ocorrências de raios no Estado de São Paulo é significativo. Nos primeiros 20
dias de 2012, foram registrados 109.680 raios em todo o estado (INPE, 2012), causando danos
materiais e mortes, principalmente de trabalhadores rurais.
A Figura 5 apresenta a localização das vítimas. Como nas inundações, observa-se que as
vítimas estão em distribuídas por todo o estado.
Figura 5: Localização das vítimas fatais de raios
Os resultados da regressão logit multivariada confirmam a influência do gênero, como
observado na análise preliminar. As mulheres (OR = 2,32) têm uma menor probabilidade de
serem vítimas de raios. A forte influência das faixas etárias Jovem (OR = 4,36) e Adulta (OR
= 2,33) também foi confirmada. O regime climático La Niña também teve grande influência
na ocorrência de raios (OR = 2,81).
Para os eventos de raios, as variáveis de referências foram: Feminino (Sexo); Idoso (Faixa
etária); Março / Abril (mês); Neutro (Regime climático).
4.4. Desabamentos
A quantidade reduzida de dados (15 ocorrências no período) não permitiu uma análise
consistente.
5. CONCLUSÕES
Este trabalho apresentou uma análise da população vitimada por desastres naturais no estado
de São Paulo, considerando gênero e idade das vítimas além de características geográficas e
climáticas da região.
Os dados das vítimas fatais foram fornecidos pela Defesa Civil e foram comparados com
informações demográficas e geográficas públicas a fim de identificar os segmentos da
população sob os riscos mais altos de óbito em um desastre. A regressão logit foi aplicada
para quantificar a importância de diferentes fatores (idade, sexo, data e climático).
Em resumo, observou-se que os grupos mais vulneráveis da população dependem do tipo de
acidente ou desastre, como se segue:
• Deslizamentos de terra: crianças do sexo feminino (0-14 anos); moradores de
municípios estabelecidos em regiões montanhosas. Mês significativo da estação
chuvosa: Janeiro.
• Enchentes: Homens (e menor probabilidade para crianças).
• Raios: adultos do sexo masculino (25-60 anos); municípios com menos de 100.000
habitantes.
Órgãos da Defesa Civil podem, desta maneira, usar esses dados levantados para realizar
treinamento e orientação de forma mais eficaz, a fim de conduzir atividades de prevenção
para futuros desastres – especialmente quando há previsão de eventos climáticos.
Considerando a população pouco alfabetizada, panfletos com ilustrações de orientação e
alertas públicos divulgados pela mídia podem ser mais bem direcionados aos grupos sociais
de maior vulnerabilidade. Estudos futuros poderão estender este trabalho para outros estados
brasileiros ou outros países. Comparações das populações afetadas em diferentes regiões
podem fornecer um guia interessante para os profissionais da logística humanitária.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e à Defesa Civil do
estado de São Paulo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DOBSON, A. J. e A. G. BARNETT. (2008) An introduction to generalized linear models (3a. ed.). CRC Press:
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Irineu de Brito Jr. ([email protected])
Bruno César Kawasaki ([email protected])
Adriana Leiras ([email protected])
Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki ([email protected])
Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Tel: (55 11) 3091-5363 – ext. 489
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Palavras chave: Logística Humanitária, Desastres Naturais, Estatística, Perfil da população afetada