UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
JAIME EDUARDO VILLAIN
O INSTITUTO DA POSSE E SEUS EFEITOS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
CURITIBA
2014
JAIME EDUARDO VILLAIN
O INSTITUTO DA POSSE E SEUS EFEITOS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Said Staut Jr.
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
Jaime Eduardo Villain
O INSTITUTO DA POSSE E SEUS EFEITOS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção
do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____de________de 2014.
Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Prof. Doutor Sérgio Said Staut Junior
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. ____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho monográfico a Deus em primeiro lugar, pois sem Ele
não conseguiria superar a batalha diária de sempre tentar acertar nas
escolhas da vida, mantendo meus passos no caminho correto desta
jornada. À Minha noiva Vanesse Eluse, pessoa iluminada, que me ensinou
a buscar meus sonhos e me incentivou, no momento em que a conheci, a
voltar aos bancos acadêmicos, dando forças, estando ao meu lado nestes
anos difíceis, e incansavelmente me enchendo de esperanças e mostrando
um futuro melhor, razão pela qual divido com ela o mérito desta conquista
da conclusão deste curso acadêmico.
RESUMO
O presente trabalho monográfico foi desenvolvido com a pretensão de pontuar os principais efeitos da posse. O método utilizado foi o de revisão bibliográfica: buscando periódicos e obras em língua portuguesa, seguindo rigorosas etapas de revisão. Os artigos e obras selecionados foram analisados criticamente e organizados por meio de tópicos de interesse do estudo, categorizando-os dentro de manuais de direito civil e efeitos da posse. Há um breve panorama geral sobre a evolução histórica e importância conferida a posse ao longo dos anos; Apresenta as diversas teorias sobre a conceituação da posse e suas polêmicas; a posse e os meios para a sua proteção também são pontuados de forma crítica, citando a doutrina especializada e jurisprudências de Tribunais Estaduais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal e apontando as principais controvérsias nos julgados dessas cortes; também pontua-se a legitimidade a as nuances de cada remédio processual para defesa da posse e usucapião, seja ela feita através da autotutela ou pelo meio legal; concluí-se que os efeitos da posse são as consequências jurídicas produzidas por ela. Sendo assim, é inseparável o fenômeno da posse de sua proteção. Também é importante pontuar que a relação possessória está fixada em regras de direito material.
Palavras-chave: Propriedade; Posse; Efeitos da Posse.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AI - Agravo de Instrumento
Art. - Artigo
CAP. - Capítulo
CC - Código Civil
CFRB - Constituição Federal da República Federativa do Brasil
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
MIN. - Ministro
P. - Página
P. ex. - Por exemplo
RE - Recurso Extraordinário
REL. - Relator
RESP. - Recurso Especial
RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
2 BREVE HISTÓRICO DE PROPRIEDADE ......................................................... 12
2.1 A PROPRIEDADE NA CIVILIZAÇÃO GRECO-ROMANA ............................... 12
2.2 A PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA ............................................................. 13
2.3 A IMPORTÂNCIA DA PROPRIEDADE PARA A BURGUESIA ........................ 13
2.4 A PROPRIEDADE NO BRASIL EM MEADOS DO SÉCULO XIX .................... 14
2.5 O SURGIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ........................ 15
3 A POSSE ............................................................................................................ 17
3.1 CONCEITO E DENOMINAÇÃO ....................................................................... 17
3.2 ESPÉCIES DE POSSE .................................................................................... 18
3.2.1 Posse justa e posse injusta ........................................................................... 19
3.2.2 Composse e posse exclusiva ........................................................................ 19
3.2.3 Posse direta e Posse indireta........................................................................ 20
3.2.3 Posse de boa-fé e Posse de má-fé ............................................................... 20
3.2.4 Demais Classificações da posse ................................................................... 21
4 A POSSE E SEUS EFEITOS .............................................................................. 22
4.1 PROTEÇÃO POSSESSÓRIA .......................................................................... 22
4.1.1 Autotutela ...................................................................................................... 23
4.1.2 Interditos possessórios ................................................................................. 24
4.1.2.1 A manutenção de posse ............................................................................ 24
4.1.2.2 A reintegração de posse ............................................................................ 26
4.1.2.3 O interdito proibitório .................................................................................. 27
4.1.3 Nunciação de obra nova ............................................................................... 28
4.1.4 Calção por Dano Infecto ............................................................................... 29
4.1.5 Embargos de Terceiro ................................................................................... 30
4.1.6 Percepção dos Frutos ................................................................................... 32
4.1.7 Direito de retenção por benfeitorias .............................................................. 32
4.1.8 Responsabilidade pela deterioração e perda da coisa .................................. 33
4.2 A USUCAPIÃO ................................................................................................. 33
4.2.1 Usucapião extraordinária .............................................................................. 34
4.2.2 Usucapião ordinária ...................................................................................... 35
4.2.3 Usucapião urbana ......................................................................................... 36
4.2.4 Usucapião pro labore ou rural ....................................................................... 37
4.2.5 Usucapião coletiva ........................................................................................ 38
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 40
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 42
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1 INTRODUÇÃO
A propriedade ao longo da história se mostrou como um dos direitos mais
relevantes para o homem. Atualmente sua importância evidencia-se pela inscrição
entre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira, art. 5º,
inciso XXII: “é garantido o direito de propriedade”. Também consta na CFRB como
princípio da Ordem Econômica e Financeira: “Art. 170 – A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os princípios (...) II – propriedade privada”; e como categoria unitária
pelo Código Civil (arts 1228 – 1368).
Devido à grande importância da propriedade para o Direito, a proposta do
presente trabalho é apresentar um estudo sobre o instituto da posse, concentrando o
enfoque nos efeitos da posse no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil tem-se um histórico interessante no que tange a posse. Observa-se
que a grilagem no território nacional existe desde o período colonial. Naquele tempo
a coroa portuguesa doava terras para quem quisesse colonizá-las. Quando o Brasil
se tornou independente de Portugal proliferaram as posses, essas posses eram
caracterizadas por serem pequenas propriedades em que as famílias tiravam seu
sustento. Mas com os agricultores (que eram chamados de posseiros) estavam os
grileiros de terras que agindo de má-fé falsificavam títulos de terras e expulsavam os
posseiros. Dessa forma formaram imensas propriedades, que eram chamadas de
latifúndios.
No Brasil poucas pessoas se preocupavam em registrar os imóveis, em
regularizar a situação da propriedade ou fazer a usucapião. Assim, recebiam a
posse dos pais e passavam a vida inteira sem se preocuparem com as
consequências jurídicas da propriedade que possuíam nem se a posse era de boa
ou má-fé. Dito isso, encontramos aqui a importância do instituto da posse no direito
brasileiro.
Na utilização da posse observa-se que todo homem tem o direito à
apropriação individual deste bem, mas o seu uso exclusivo da posse tem que
proporcionar vantagens para o bem comum. Dessa forma, o cidadão tem que
aproveitar o solo da terra pelo trabalho de acordo com as necessidades pessoais,
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mas também sociais e transformando a natureza em proveito da coletividade. Na
sociedade brasileira a importância função social da propriedade evidencia-se na
capacidade de solucionar alguns problemas sociais existentes em nosso país. Esses
problemas sociais podem ser caracterizados como a concentração de terras nas
mãos de poucos proprietários, alto crescimento demográfico, insuficiência de
moradia etc. Esses problemas podem ser amenizados com a função social da
propriedade.
Este trabalho monográfico objetiva mostrar a importância da posse no direito
brasileiro, por isso mostra no primeiro capítulo um relato sobre a evolução histórica
da posse na história desde a civilização Greco-Romana; idade média e o
fortalecimento da Igreja Católica; idade moderna e a importância da propriedade
para a burguesia; até chegar às capitanias hereditárias, Regime Militar e a
atualidade no Brasil da função social da propriedade.
No segundo capítulo apresentam-se noções gerais sobre o instituto da posse:
tentativa de conceituação; espécies de posse; natureza jurídica; e objeto da posse.
De forma sucinta pincela-se sobre esses temas relacionados à posse.
No terceiro capítulo demonstram-se os efeitos da posse: proteção
possessória; persecução dos frutos; responsabilidade; usucapião; ônus da prova;
benefício processual e presunção de propriedade; apresentamos diversos julgados
de Tribunais de Justiça de vários estados federados, além do STJ e STF sobre os
efeitos da posse.
O presente trabalho, avaliando o exercício do direito de propriedade em nosso
ordenamento jurídico, pretende analisar os efeitos da posse fundamentando essa
investigação na doutrina civilista e jurisprudência. O tema é bastante relevante, pois,
“na dinâmica da vida, a posse das coisas apresenta relevância de ordem prática,
além de jurídica, e constitui, com ou sem causa jurídica ou titulação, objeto de
proteção legal” (NADER: 2009, p. 23).
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2 BREVE HISTÓRICO DE PROPRIEDADE
2.1 A PROPRIEDADE NA CIVILIZAÇÃO GRECO-ROMANA
A propriedade privada em Roma e nas cidades gregas antigas estava ligada
com a religião. A crença era de que o deus-lar apossava-se de um solo e, assim,
não podia ser retirado daquele local. A propriedade neste período estava de tal
forma ligada com o indivíduo e a família, que alguns comparam essa proximidade
como algo semelhante aos laços de sangue que unem determinado grupo.
A intuição nos leva a crer que os antigos utilizavam-se das coisas sem atentar para a distinção entre posse e propriedade. Utilizavam-se dos utensílios, serviam-se dos frutos, ocupavam os espaços, improvisavam habitações, guiados pelo instinto de sobrevivência. Os grupos se organizavam de acordo com as condições geográficas e do que lhes parecia a ordem natural das coisas. A ideia de propriedade nasceu quando se tomou a consciência da limitação das coisas e da necessidade de usá-las e usufruí-las na preservação da vida e busca de conforto (NADER: 2009, p. 27-8).
A noção de propriedade e direito surgiu efetivamente quando as
necessidades apareceram. Os grupos, tribos e famílias se viam obrigados a se
adaptarem a algumas situações, como também a manter a harmonia do grupo
social. Com o avanço natural da civilização e o processo que tornava o direito uma
ciência, a partir do Direito Romano a posse passa a ser um objeto de proteção. Mas
para ser protegida a posse deveria ter dois elementos fundamentais: a) a possesio
naturalis, que significada o poder físico sobre a propriedade; e b) o animus ou
affectio naturalis, que consistia na ideia de manter a coisa na própria disposição.
Corroborando com esse entendimento histórico, Nader (2009, p. 28-9) afirma:
Os romanos teriam repartido, em possessiones, as terras conquistadas. As terras eram divididas em ager privatus e ager publicus. As primeiras, protegidas pela reivindicatória, enquanto que as segundas, pelos interditos pretorianos. Posteriormente, estendeu-se a proteção dos interditos ao ager privatus (...) os interditos teriam surgido como forma de proteção da posse. Para outros, os interditos foram a causa do surgimento da posse. Esta, portanto, seria uma consequência. Na opinião de Ihering a posse foi emanação do interdito uti possidetis, que seria um incidente preliminar ao litígio sobre a propriedade e no qual o pretor podia conceder a posse de uma coisa a um das partes.
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2.2 A PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA
Com as invasões que ocorriam na Europa na Idade Média, muitos cidadãos
foram empurrados das cidades urbanas para o campo. Esse êxodo fez com que a
população se refugiasse próximo a castelos, dessa forma originou-se o sistema
feudal de propriedade.
De acordo com os ensinamentos de Rocha (2010) na Idade Média a
propriedade foi desmembrada. Sobre a propriedade foram postos pesados ônus. No
continente europeu predominou-se o feudalismo, este sistema era social, econômico
e político. Durante a Idade Média a noção de propriedade se dava em dois prismas:
o directum e o utile. Nota-se que neste sistema o proprietário de terras era chamado
de suserano, ele era o titular do directum, concedia a posse de uma parte de sua
propriedade ao vassalo. O vassalo exercia a utile, o que alguns doutrinadores
denominam de possuidor direto, este também podia transmitir par outro parte desse
domínio. De acordo com Costa (2003, p. 13-14): "os primeiros cediam a terra aos
últimos e lhes concediam o seu gozo, a sua fruição. O proprietário feudal era que
aplicava justiça e cobrava impostos, por ter poderes de soberania".
No sistema feudal a propriedade tinha como característica a sobreposição de
direitos e a não exclusividade. Sucedendo à Idade Média e também ao Estado
Absoluto, inicia-se a chamada Idade Moderna.
2.3 A IMPORTÂNCIA DA PROPRIEDADE PARA A BURGUESIA
Com o desenvolvimento da produção manufatureira, o avanço do comércio e
o crescimento econômico dos impérios isso fez com que houvesse uma necessidade
de expansão da propriedade privada. A transição do sistema feudal para o
surgimento das cidades apresentou algumas características notórias no que tange à
propriedade. Essa transição se deu em dois momentos: 1) inicialmente a
dependência da população assustada com as ocupações dos bárbaros fez com se
submetessem aos senhores feudais em troca de segurança, aqui não havia opção
porque a terra e as armas pertenciam aos nobres; 2) em seguida, após as
ocupações bárbaras, houve a criação de universidades, o aumento da população, a
criação de universidades e o desenvolvimento comercial, e isso fez com que se
extinguisse a dependência do antigo sistema.
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Vencida a necessidade de proteção, agora há alternativas de renda. O
homem passa da condição de servo para detentor de direitos. O lucro e o
desenvolvimento atraem o cidadão, mas traz consigo alguns problemas como o
desmatamento desordenado. Neste período ocorre também o início das navegações
exploratórias pelo mundo. Com os olhos fitos no lucro muitos foram para outras
terras em busca de ouro e propriedades.
Neste período o homem passa a lutar pelos seus direitos e por sua
autonomia. Luta-se pela emancipação do Estado e pede-se que este pare de
persegui-lo; busca-se também a autonomia política, levantando a bandeira de seu
reconhecimento como cidadão. A luta pela emancipação também era em relação ao
trabalho, cultura, religião, pelo livre pensamento e direito à propriedade: seu uso,
gozo e fruição.
2.4 A PROPRIEDADE NO BRASIL EM MEADOS DO SÉCULO XIX
As cidades brasileiras hoje, de acordo com historiadores, demonstram uma
sociedade que não venceu a herança colonial e apresenta debilidades no que tange
uma distribuição equitativa das suas riquezas. As terras no Brasil eram concedidas
pela coroa (as sesmarias) até o final do século XIX. Os municípios tinham o “‟Rócio”,
que era as terras que se construíam as casas e pequenos espaços para a produção,
sem custo algum. Neste período a terra não possuía valor comercial.
Em meados de 1850, a Lei das Terras transformou-a em mercadoria e, assim,
conferindo-lhe valor comercial. As terras eram posse de quem tinham em mãos
“cartas de sesmaria” ou provas de que ocupava a terra de forma “pacífica e sem
contestação”. A coroa possuía o restante do território ainda não ocupado. Em outras
palavras podemos conferir à Lei de Terras o marco inicial da propriedade privada no
Brasil.
Um ponto importante da Lei das Terras é que ela promove a implantação do
trabalho assalariado e, assim, dá os primeiros passos para a abolição da escravidão
no Brasil. Antes desta lei o potencial dos donos de terras era medido pelo número de
escravos que possuía.
Ao conferir a terra o valor comercial, verificou-se a necessidade de
estabelecer limites para o uso da propriedade e o que era do particular e o que
pertencia ao Estado. Neste sentido surgem algumas leis como o Código de Minas
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(1934) e o Código de Águas (1934), que dispunha da supremacia do interesse
público sobre o privado. Essas leis também foram marcos que influenciaram
decisivamente na atual ideia do direito de propriedade. De acordo com Washington
de Barros Monteiro (1998, p. 82) a propriedade é o mais importante e sólido dos
conceitos subjetivos, sendo assim é um direito real por excelência. No entanto, Vitor
Frederico Kümpel (2010, p. 78) define propriedade munindo-se do artigo 1228 do
CC: “é um direito complexo decorrente de uma garantia fundamental do homem,
assegurando ao seu titular o poder de usar, fruir e dispor da coisa, podendo reavê-la
de quem quer que injustamente a possua”.
A evolução do conceito de propriedade no final do século XIX e início do
século XX sofreu influência muito grande das ideias de Savigny e Ihering,
construindo assim uma moderna noção de posse no ordenamento jurídico brasileiro.
Neste sentido aduz o eminente jurista Sérgio Said Staut Jr. (2009, p. 178):
As idéias de Savigny e de Ihering foram fundamentais para a construção moderna da posse e suas manifestações jurídicas no Brasil. Ocorre que, provavelmente pela força das idéias dos juristas aqui mencionados e pelo momento histórico em que foram pensadas essas teorias, a doutrina posterior, em geral, não foi capaz de se libertar dos seus antecessores e permanece, de certo modo, no mesmo eixo teórico do século XIX nessa matéria. Isso revela a importância de uma releitura da posse e de sua teoria no direito passando necessariamente pelo filtro da história.
2.5 O SURGIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A partir das do Código de Minas e do Código de Águas foi modificada a noção
da propriedade como um direito absoluto e ilimitado, assim caminhava-se para
transformá-la em um direito com finalidade social. O Código de Mineração (1940) e o
Código Florestal passaram a impor restrições para o uso da propriedade, com
limitações decorrentes do direito de vizinhança e proteção do meio ambiente.
Segundo Tibério Bassi de Melo (2010, p. 37) a noção de função social surgiu com o
francês Duguit. Com o advento da Constituição Federal estabeleceu-se que a
propriedade deverá atender a sua função social.
Art. 5º, XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III – Função social da propriedade.
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A Constitucionalização do Direito Civil fez com que estes dispositivos
constitucionais fossem adotados:
Art. 1228, § 1º- O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
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3 A POSSE
3.1 CONCEITO E DENOMINAÇÃO
Há uma questão bastante controvertida envolvendo a conceituação da posse.
A problemática reside na natureza jurídica da posse. Nesta questão encontram-se
pelo menos três correntes: a primeira sustentava que a posse era uma simples
relação de fato, então não seria protegida pelo direito, que assegura a propriedade,
mas esse posicionamento já está ultrapassado, pois já ficou demonstrado que o
direito protege também a posse.
Restam duas posições conflitantes sobre a posse, a teoria subjetivista de
Friederich Karl Von Savigny e a teoria objetivista de Rudolf Von Ihering. De acordo
com o entendimento de Savigny a posse tem dois elementos essenciais: o corpus,
que consiste no elemento material e é o poder físico sobre a coisa; e o animus, que
consiste no elemento intelectual e é a intenção de possuir a coisa. Sendo assim, se
o indivíduo tem apenas o elemento material isso gera uma relação de fato, e o
elemento intelectual apartado do elemento material gera a detenção. De acordo com
os apontamentos de Sílvio de Salvo Venosa (2010, p. 40):
Se alguém detém a coisa sabendo-a pertencer a outrem, não há animus, não existindo posse. Na teoria de Savigny, é o animus que distingue o possuidor do simples detentor. O elemento exterior, o corpus, não permite essa distinção, pois aos olhos de terceiros tanto o possuidor, como o detentor, têm relação aparentemente idêntica com a coisa.
Por outro lado, a teoria objetivista de Ihering sustenta que apenas o elemento
corpus é necessário para se caracterizar a posse. Ihering considerava a posse como
uma condição de exercício da propriedade. Não há que se falar em distinção entre
animus e corpus, pois o corpus já traria em seu bojo o animus, sendo assim o
animus é a maneira como o proprietário se comporta em face da coisa que possui.
Aqui não se considera como uma espécie de poder físico sobre a propriedade, mas
apenas uma condição de detê-la e explorá-la economicamente. De acordo com os
apontamentos de Diniz (2002, p. 49) que segue essa doutrina: “pode-se aplicar o
princípio de que o acessório segue o principal, sendo a propriedade o principal e a
posse o acessório, já que não há propriedade sem a posse”.
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Seguindo na mesma toada Rodrigues (2002, p. 18) cita alguns exemplos
dados por Ihering:
O lavrador que deixa sua colheita no campo não a tem fisicamente; entretanto, a conserva em sua posse, pois que age, em relação ao produto colhido, como o proprietário ordinariamente o faz. Mas se deixa no mesmo local uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza. O camponês que encontra animal capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta; desse modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, já que o está subtraindo da posse de seu dono; o madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim é que age o proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao pé da obra sabe que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob a sua detenção física (IHERING apud RODRIGUES: 2010, p. 18-19).
O Código Civil de 1916, em seu art. 485, e o Código Civil de 2002, no art.
1196: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, demonstram terem adotado o
posicionamento de Ihering. Ainda, neste sentido, pontua Gonçalves (2010, p. 59):
Em todas as escolas está sempre em foco a ideia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independente de ser ou não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a. É assim que procede o dono em relação ao que é seu; é assim que faz o que tem apenas a fruição juridicamente cedida por outrem (locatário, comodatário, usufrutuário); é assim que se porta o que zela por coisa alheia (administrador, inventariante, síndico); é assim que age o que se utiliza de coisa móvel ou imóvel, para dela sacar proveito ou vantagem (usufrutuário). Em toda posse há, pois, uma coisa e uma vontade, traduzindo a relação de fruição.
3.2 ESPÉCIES DE POSSE
Os artigos 1196 à 1203 apresentam algumas espécies de posse: a) a posse
justa; b) posse injusta; c) posse de boa-fé; d) posse de má-fé; e) posse direta e; f)
posse indireta. No entanto, a doutrina aponta para outros tipos de posse: a posse
exclusiva; composse; posse paralela; posse nova e posse velha; posse natural e
posse civil; posse ad interdicta e posse usucapionem; posse pro diviso e posse pro
indiviso.
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3.2.1 Posse justa e posse injusta
O Código Civil traz a conceituação de posse justa em seu art. 1200: “é justa a
posse que não for violenta, clandestina ou precária”. Dessa forma, pode-se afirma
que a posse justa é aquela que não contém vícios e que foi adquirida de acordo com
os ditames da lei. Já a posse injusta tem-se a partir da interpretação a contrário
senso do referido dispositivo. Venosa (2010, p. 67) aduz:
A justiça ou injustiça da posse é conceito de exame objetivo. Não se confunde com a posse de boa ou de má-fé, que exigem exame jurídico, ou seja, exame da vontade do agente. Para sabermos se uma posse é justa, não há necessidade de recorrer à análise da intenção da pessoa. A posse pode ser injusta e o possuidor ignorar o vício.
No que tange a caracterização da posse injusta a violência, clandestinidade
ou precariedade não pertencem à posse em si mesma, mas em relação a alguém, e
somente a vítima pode alegar a posse injusta. Sendo assim, terceiros não podem
argüi a injustiça da posse. Neste sentido argumenta Nader (2009, p. 47) “a posse
injusta não impede a proteção possessória em face de terceiros. O pleito só não tem
cabimento em face de quem foi adquirida. Não se presta, todavia, para a percepção
de frutos e para efeito de usucapião”.
3.2.2 Composse e posse exclusiva
O art. 1199 do Código Civil conceitua a composse da seguinte forma: “se
duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre
atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”. Feita
a definição de composse a contrário senso conceituamos a posse exclusiva como
aquela que não é partilhada. Nader (2010, p. 44) exemplifica a posse exclusiva:
Se “A” adquire um imóvel não-gravado, podendo exercer todos os poderes inerentes ao domínio, será detentor de uma posse plena. Pelo fato de não partilhar com qualquer pessoa os poderes a sua posse será também exclusiva. Se “A” adquire a nua-propriedade de um apartamento, assumirá a posse exclusiva, que não será absoluta ou plena, porque não reunirá todos os poderes inerentes ao domínio.
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A composse, seja ela de natureza direta ou indireta, caracteriza-se pela
partilha de um bem com duas ou mais pessoas. Nader (2010, p. 45) aduz “pode
caracterizar-se pelo casamento sob regime de união universal de bens, concubinato
quanto os bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, e pela herança,
enquanto não houver partilha”.
3.2.3 Posse direta e Posse indireta
A posse direta diferencia-se da indireta quando os poderes de titularidade são
distintos. Segundo o Art. 1197 do Código Civil:
A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Um exemplo para a diferenciação de posse direta da posse indireta ocorre no
usufruto em que o usufrutuário tem a posse direta e tem o direito de uso e gozo da
coisa, já a posse indireta pertence ao nu-proprietário que é proprietário, mas não
possui os poderes de utilização. Neste sentido, Nader (2010, p. 43) aponta outro
caso:
A posse direta, pertencente a quem tem a coisa em seu poder, pode emanar de um direito real ou pessoal. Como exemplo do primeiro caso, temos a posse pignoratícia: o credor detém a coisa dada em garantia (posse direta), enquanto o devedor mantém o direito à substância da coisa (posse indireta). Na exemplificação do segundo, podemos nos valer do contrato de comodato: fisicamente a coisa fica com o comodatário (posse direta), enquanto o comodante conserva o direito real de propriedade. Constituem posse direta, também, a do arrendatário, testamenteiro, depositário, entre outros.
3.2.3 Posse de boa-fé e Posse de má-fé
Para diferenciar posse de boa-fé da má-fé, é preciso uma análise da posse
pela via subjetiva, observando a intenção do possuidor da propriedade de acordo
com a natureza jurídica. O art. 1201 do Código Civil dispõe: “é de boa-fé a posse, se
o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”.
Depreende-se dessa definição que a posse de boa-fé ocorre quando o possuidor
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crer que a propriedade que possui está em conformidade com a lei e não prejudica
outrem.
Já o art. 1201 do Código Civil dispõe que a posse de má-fé é aquela em que
o possuidor sabe da existência de vícios ou obstáculos impeditivos da coisa. Para se
caracterizar a posse de má-fé são necessários dois elementos: 1) a composição do
vício (violência, clandestinidade e precariedade) e; 2) impedimento à aquisição
(permissão ou tolerância). Sobre a caracterização da posse de boa ou má-fé Venosa
(2009, p. 73) argumenta:
Em matéria de posse não se configurará a posse de boa-fé quando a ignorância derivar de circunstâncias facilmente perceptíveis pelo comum dos homens. Também ali concluímos que, em determinadas circunstâncias, o erro (e também a ignorância) de direito, de determinadas circunstâncias, o erro (e também a ignorância) de direito, de lei cogente, pode caracterizar posse de boa-fé, enquanto não alertado ou não ficar ciente o possuidor.
3.2.4 Demais Classificações da posse
A doutrina, a partir do exame do texto legal, ainda classifica a posse como: a)
ad interdicta que é a posse que está capacitada a receber os benefícios da proteção
possessória, o titular desta modalidade de posse pode ajuizar ações de reintegração
e manutenção de posse e interditos proibitórios; b) a posse ad usucapionem esse
tipo de posse ocorre quando a propriedade foi adquirida a partir da prescrição
aquisitiva, usucapião; c) a posse natural e a posse civil ocorrem quando, no primeiro
caso o indivíduo tem contato físico com a propriedade e no segundo caso quando
por intermédio de lei o indivíduo adquire a posse, tendo contato ou não com a coisa;
d) a posse nova e a posse velha são: a primeira ocorre quando o indivíduo possui a
coisa por menos de um ano e a segunda ocorre quando ele possui por mais de um
ano e um dia.
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4 A POSSE E SEUS EFEITOS
As consequências jurídicas produzidas pela posse também são chamadas de
„efeitos da posse‟, isto é, a lei atribui as consequências. Neste sentido, existe uma
controvérsia quanto aos efeitos da posse, alguns doutrinadores argumentam que a
posse só possui um efeito: a possibilidade de invocar os interditos possessórios.
Mas de acordo com Gonçalves (2010, p. 129):
Malgrado Sistenis negasse qualquer efeito à posse, não paira dúvida de que ela produz vários, que lhe são próprios. São precisamente eles que lhe imprimem cunho jurídico e a distinguem da mera detenção.
Neste sentido, ainda encontramos a argumentação de Nader (2009, p. 62)
que aduz:
Embora o Código Civil apresente um capítulo com o título Dos Efeitos da Posse, abrangendo os arts. 1210 a 1222, nem todos os efeitos estão ali previstos, que é uma das consequências fundamentais da posse, encontra-se regulada também no Código de Processo Civil, especialmente nos arts. 920 a 933. A cabal cognição do instituto da posse requer a compreensão tanto das normas de fundo quanto de forma.
Sendo assim, os efeitos da posse são diversos: a) em relação a defesa da
posse em ações possessórias; b) em relação aos frutos; c) em relação às
benfeitorias e direito de retenção; d) em relação à perda ou deteriorização da coisa;
e) em relação à usucapião; f) em relação ao uso e gozo da coisa enquanto durar.
4.1 PROTEÇÃO POSSESSÓRIA
Em se tratando de efeitos da posse a proteção possessória é o principal
efeito. A proteção possessória se dá por várias vias: interditos possessórios; ação de
manutenção de posse; ação de reintegração de posse; interdito proibitório; ações
possessórias; nunciação de obra nova; caução por dano infecto; imissão na posse;
embargos de terceiros e percepção dos frutos.
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4.1.1 Autotutela
Afora essas vias supracitadas ainda existe a autotutela da posse que consiste
na defesa da posse com as próprias forças quando o Estado se mostra incapaz de
atender a urgência do caso. Nader (2009, p. 64) afirma:
Na impossibilidade fática de se valer da proteção oficial, seja para conter injusta agressão a seu direito ou a de terceiros, seja para se opor a atos de turbação ou de esbulho, a pessoa pode reagir manu militari, moderadamente e com os meios necessários. O direito de reação está previsto no art. 25 do Código Penal (legítima defesa), arts. 188, I (legítima defesa) e 1210 § 1º, do Código Civil (autotutela da posse). Tais recursos que o direito positivo faculta ao possuidor correspondem à ordem natural das coisas.
Desta forma, a autotutela também é considerada um meio de proteção da
posse. Mas este recurso deve ser utilizado de forma moderada e, somente quando o
Estado se omitir ou for incapaz de fazer a defesa de forma rápida no caso concreto.
Quando o indivíduo defende sua posse ele está, implicitamente, defendendo sua
honra e seus direitos, conforme os ensinamentos de Rudolf Von Ihering (1972, 46):
A luta pela existência é a lei suprema de toda a criação humana; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto de conservação. Entretanto para o homem não se trata somente da vida física, mas conjuntamente da existência moral, uma das condições da qual é a defesa do direito. No seu direito o homem possui e defende a condição da sua existência moral.
É importante salientar que na autotutela não importa se a posse é justa ou
injusta, de boa ou má-fé. Permitindo ao possuidor a resistência contra a turbação.
Na autotutela é necessária a existência de um ato de turbação, este ato deve ser
real e atual e que seja injusto, não apenas uma possibilidade futura. Por fim, deve
haver uma proporcionalidade no ato para manter-se na posse. Os excessos são
reprovados. Em se tratando de excessos, separamos dois julgados neste sentido:
TUTELA RESSARCITÓRIA - ABUSO DE DIREITO - Recurso inacolhido. Pressupõe o desforço necessário a existência de esbulho ou turbação, cujo ato, se indispensável, precisa ser imediato e chefiado pelo possuidor. Inatendidos esses requisitos, há ilícito decorrente do irregular exercício de direito, acarretando a obrigação de indenizar. (Apelação cível nº 34.441, 1ª Câmara Civil do TJSC, São Francisco do Sul, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho).
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AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. - Pedido fundado em alegação de prejuízos pela derrubada de uma cerca imediatamente após sua construção. - Falta de prova de que a cerca fora erguida na linha divisória. - Desforço pessoal imediato da ré, com fundamento no art. 502 do Código Civil, sancionado pelo art. 160, I do mesmo Código. Inexistência de ato ilícito e, conseqüentemente, ausência do dever de indenizar.- Verba honorária, entretanto, fixada acima do limite a que se refere o § 3o. do art. 20 do CPC. - Sentença que se mantém, salvo no tocante aos honorários, ajustados ao limite legal. (Apelação cível nº 28.581, 4ª Câmara Civil do TJSC, Florianópolis, Rel. Des. João José Schaefer).
Nos presentes julgados observamos o reconhecimento de desforço
necessário a existência de esbulho ou turbação que foi indispensável naquele
momento. Note-se que o indivíduo possuidor do bem pode agir com as próprias
forças, mas pode ser auxiliado por amigos ou funcionários, permitindo até,
dependendo do caso, o uso de armas.
4.1.2 Interditos possessórios
Os interditos possessórios fazem parte da chamada heterotutela da posse. A
utilização do interdito possessório remonta do direito romano, era concedido o
interdito quando a parte provava que sua posse não possuía vícios em pelo menos
12 meses antes da concessão da medida. Os interditos possessórios no direito
romano, de acordo com alguns doutrinadores, eram apenas dois: 1) interdicta
retinendae e; 2) recuperandae possessionis, essas duas medidas eram cabíveis
para reter ou recuperar a posse.
4.1.2.1 A manutenção de posse
A manutenção de posse consiste em uma ação possessória que tem por fim
proteger a posse da coisa da turbação. Quando ocorre a turbação aquele que possui
não destituído da posse, mas é impedido de utilizá-la de forma plena. Essa solução
processual encontra-se disciplinada nos arts. 1210, do CC, e 926 a 931 do CPC.
Com a ação de manutenção de o autor também poderá cumular seu pedido com
indenização por eventuais danos sofridos. Quando se trata de turbador de má-fé é
autorizado ao autor da ação remover ou demolir a construção feita em sua posse. A
turbação pode ser positiva ou negativa, de acordo com os apontamentos de Nader
(2009, p. 71):
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A turbação pode ser positiva ou negativa. Pela primeira vez, o turbador possessionis molesta a posse invadindo propriedade; pela segunda, quando impede o livre uso da coisa por seu possuidor.
A turbação ainda pode ser de fato, quando existe agressão material à posse;
pode ser de direito, quando existe ação judicial ou administrativa contestando a
posse; direta, quando recai sobre o bem de forma imediata; e indireta, quando é fora
do bem, mas que os efeitos da turbação recaem sobre o bem. O artigo 927
apresenta alguns requisitos necessários o ajuizamento:
Art. 927. Incumbe ao autor provar: I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.
O autor da ação de manutenção de posse pode pedir uma medida liminar
para solucionar o problema com a turbação. Citamos abaixo duas jurisprudências, a
primeira no sentido de que o mandado de segurança seria cabível para impugnar
uma medida de manutenção ou reintegração de posse.
MANDADO DE SEGURANÇA. FIRMOU-SE A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NA VIGENCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939, SOBRE A ADMISSIBILIDADE, EM TESE, DE MANDADO DE SEGURANÇA, CONTRA MEDIDA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, OU DE MANUTENÇÃO DE POSSE, INITIO LITIS. AO RECONHECER QUE O DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR DE MANUTENÇÃO DE POSSE NÃO ATENDEU AOS REQUISITOS LEGAIS, A DECISÃO RECORRIDA NÃO NEGOU VIGENCIA A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF - RE: 80651 RJ , Relator: ELOY DA ROCHA, Data de Julgamento: 17/05/1977, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09-08-1977 PP-*****)
Neste segundo julgado os desembargadores do Tribunal Paranaense
entenderam que a concessão de liminar é possível somente nos casos em que se
prova que o autor tinha a posse e que a turbação tenha ocorrido menos de um ano e
um dia.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. MANDADO LIMINAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A concessão de mandado liminar de manutenção de posse initio litis, somente se justifica se o autor provar, de forma veemente, que detinha a posse, sendo pressupostos necessários para o êxito da manutenção que tenha havido a turbação, que date de menos de ano e dia e a continuação da
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posse, ainda que turbada (art. 927 e seus incisos do Código de Processo Civil). (TJ-PR - AI: 2685701 PR Agravo de Instrumento - 0268570-1, Relator: Wilde de Lima Pugliese, Data de Julgamento: 21/09/2004, Nona Câmara Cível (extinto TA), Data de Publicação: 01/10/2004 DJ: 6717).
4.1.2.2 A reintegração de posse
A reintegração de posse é sugestiva o seu nome, pois consiste em ação que
visa reintegrar a posse do bem a seu possuidor de direito. O doutrinador Paulo
Nader (2009, p. 72) afirma que:
Após a prática do esbulho, caso a posse tenha sido transmitida a terceiro, que a recebeu ciente de sua origem, contra ele o possuidor prejudicado poderá pleitear a reintegração ou a verba indenizatória consoante o permissivo do art. 1212 do Código Civil.
Quando ocorre o contrário do disposto pelo professor Paulo Nader, quando o
possuidor é de boa-fé, neste caso só poderá ser ajuizada a reivindicatória que
consiste em ação intentada pelo proprietário que não possui a posse direta em face
do possuidor direto. Selecionamos dois julgados em ações de reintegração de
posse, o primeiro julgado consiste na remoção de cerca que fixava a divisão de duas
propriedades e, consequentemente invasão da propriedade vizinha:
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE aforada por proprietário contra vizinho, dono do imóvel limítrofe, por ter removido cerca divisória, deslocando a divisa e tapume para outro ponto dentro do perímetro da gleba de sua propriedade, em cuja posse se encontra, por si e antecessor, desde a aquisição do imóvel descrito na petição inicial. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (derrubada de cerca limítrofe e invasão da área) - Esbulho caracterizado. Comete esbulho possessório o confrontante que faz derrubada de cerca divisória por não concordar com a divisa estabelecida e invade parte do imóvel limítrofe ao argumento de que se trata de "terras devolutas", cuja posse lhe cabe com base em documentação referente à filiação e localização da gleba. (Apelação cível nº 42.169, 4ª Câmara Civil do TJSC, Brusque, Rel. Des. Anselmo Cerello, 04.11.93).
No segundo julgado disposto acima é uma situação parecida com o primeiro
julgado, diferenciando apenas no fato de que neste é argumentado que a divisão
feita e demarcada por cerca não era justa, pois, seria parte de “terras devolutas”. A
reintegração de posse foi concedida pelos desembargadores do tribunal de justiça
catarinense.
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4.1.2.3 O interdito proibitório
O interdito proibitório consiste num meio de defesa de quem possui um bem,
que prevendo o esbulho ou possível atentado contra sua posse, se protege de
iminente violência. Os requisitos para ajuizar o pedido de interdito proibitório estão
disciplinados no art. 1210 do CC e art. 932 do CPC, que dispõe:
Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
Quando o juiz expede o mandado proibitório, ao mesmo tempo deve fixar
pena de caráter pecuniário para o descumprimento da ordem judicial. Neste sentido
argumenta Nader (2009, p. 72):
Tal providência poderá ser tomada liminarmente e em decisão final. Dada a conversibilidade dos interditos, caso se constate, no curso da ação, a ocorrência de turbação ou de esbulho, o interdito se transmudará em ação de manutenção ou reintegração de posse.
Ainda é importante pontuar que em matéria de proteção de direito autoral o
STJ já consignou Súmula que dispõe: “é inadmissível o interdito possessório para
proteção de direito autoral”. Selecionamos duas jurisprudências em matéria de
interdito proibitório, neste primeiro julgado os magistrados catarinenses
vislumbraram a ameaça de turbação e concedeu o interdito proibitório.
POSSESSÓRIA - INTERDITO PROIBITÓRIO - ARRENDAMENTO RURAL - CONTRATO RENOVADO - NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO NO FINAL DO PRAZO ANTIGO, ANTES DO NOVO LAPSO TEMPORAL - NOTIFICANTE JÁ ENVOLVIDO EM ESBULHO ANTERIOR À POSSE DA ARRENDATÁRIA - JUSTO RECEIO POSSÍVEL A SER APRECIADO APÓS A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL - RECURSO PROVIDO. Torna-se possível vislumbrar a ameaça de turbação à posse da arrendatária no ato que denuncia pretenderem os proprietários do imóvel retomá-lo antes de findo o prazo do contrato, sem observar prorrogação efetivada, ainda mais por figurar, dentre os pretendentes, autores de esbulho pretérito. (Apelação cível nº 46.201, 3ª Câmara Civil do TJSC, Capinzal, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, 06.09.94). AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - Provada a posse dos autores e o justo receio de serem molestados pelos réus, procede a ação de interdito proibitório; Ajustamento, ao pedido dos autores, da pena cominada, e confirmação da verba honorária, bem dosada, atendendo ao prescrito no § 4o. do art. 20 do CPC. Provimento parcial do recurso. (Apelação cível nº
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31.911, 4ª Câmara Civil do TJSC, Balneário Camboriú, Rel. Des. João José Schaefer, 31 de outubro da 1991, Publ. no DJESC nº 8.379 - Pág 11 - 18.11.91).
Neste segundo julgado, igualmente como ocorreu no primeiro, foi dado
provimento ao pedido de interdito. Identificando o justo receio, e somando com verba
honorária.
4.1.3 Nunciação de obra nova
A nunciação de obra nova consiste num remédio processual em que o
proprietário ou possuidor do imóvel prejudicado por construção vizinha pode
apresentar esta irregularidade perante o judiciário. O art. 934 do CPC dispõe sobre a
competência desta ação:
Art. 934. Compete esta ação: I – ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado; II – ao condômino, para impedir que o co-proprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum; III – ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura.
Ao ajuizar esta ação o proprietário ou possuidor tem por objetivo embargar a
construção vizinha que prejudicará ou prejudica o seu direito. Somente é cabível
esta ação quando a construção ainda está em curso ou na fase de acabamento.
Esta ação visa impedir a conclusão da obra, por isso existe essa limitação temporal.
Quando a obra já está acabada o proprietário ou possuidor pode ajuizar um pedido
de nunciação de obra demolitória, neste sentido já existe julgado do Superior
Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA COM PEDIDO DEMOLITÓRIO. PROPOSITURA PELO CONDOMÍNIO CONTRA CONDÔMINO. ADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO INEXISTENTE. AÇÃO PROCEDENTE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1.- Embargos de Declaração corretamente rejeitados porque não houve omissão, contradição ou obscuridade no Acórdão recorrido. 2.- Admite-se ação de nunciação de obra nova demolitória movida pelo condomínio contra condômino, proprietário de apartamento, que realiza obra pela qual transforma seu apartamento em apartamento de cobertura.
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Inteligência do art. 934 do Código de Processo Civil, consentânea com a defesa da coletividade de condôminos representada pelo condomínio. 3.- Inexigibilidade de acionamento, em litisconsórcio passivo, dos demais condôminos do último andar do prédio. 4.- Recurso Especial improvido. (STJ - REsp: 1374456 MG 2012/0211190-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 10/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2013)
Ainda, nos casos de uso comum de imóvel localizado em condomínio também
é cabível a nunciação de obra nova, conforme entendimento do egrégio tribunal
gaúcho:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. Construção por parte dos recorrentes em área de uso comum em imóvel sob condomínio com os recorridos. Prova pericial favorável aos autores. Sentença mantida. SENTENÇA MANTIDA. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70048029631, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 19/12/2012)
4.1.4 Calção por Dano Infecto
Essa medida judicial é facultada ao proprietário ou possuidor que tem receio
de que seu vizinho, devido a ruína, demolição ou qualquer intempérie em sua obra
lhe cause prejuízos. Assim, ele pede uma garantia ao magistrado para reparar
futuros danos que pode ser causados a sua propriedade pela construção vizinha. Os
artigos 1280 e 1281 do Código Civil dispõem sobre esse remédio processual:
Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente. Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.
O autor desta ação pode pedir um calção ao juiz para garantir a indenização
por qualquer mau futuro que a obra vizinha ainda possa causar. O causador em
potencial do dano é obrigado a parar a obra ou a pagar indenização por dano
causado a seu vizinho. Essa ação não é muito utilizada, mas na maioria dos casos
em que fica provado o dano por perturbação sonora tem sido deferida pelo judiciário.
Como existem outros remédios processuais para serem utilizados, a medida de
caução por dano infecto é cada vez mais rara nos gabinetes dos juízes.
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Selecionamos jurisprudência no sentido de utilização nociva da propriedade e
de que a demarcação existente entre propriedades é irrelevante para se considerar
o dano infecto:
AÇÃO DE DANO INFECTO - DIREITO DE VIZINHANÇA - USO NOCIVO DA PROPRIEDADE - ARTS. 554 E 555 DO CÓDIGO CIVIL - DEVER DE PRESTAR CAUÇÃO - CONSTRUÇÃO DE MURO ESPECÌFICO PARA IMPEDIR DESLIZAMENTOS - OBRA DE ESCAVAÇÃO EM TERRENO VIZINHO - RECURSO DESPROVIDA É irrelevante a existência de demarcação efetiva de limites entre os terrenos vizinhos, porquanto se trata de direito de vizinhança, não abrangendo a questão entre as divisas, mormente quando a linha divisória foi identificada na perícia através de mapeamento. O proprietário ou inquilino de um prédio, tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha, venha a lhe causar prejuízos quanto a segurança, o sossego e a saúde dos moradores. Além disso, o proprietário tem direito a exigir do dono do prédio vizinho que lhe preste caução, pelo dano iminente. (TJ-SC - AC: 29468 SC 1999.002946-8, Relator: José Volpato de Souza, Data de Julgamento: 03/11/2002, Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Brusque.)
4.1.5 Embargos de Terceiro
Os embargos de terceiro é o remédio processual a disposição do dono ou
possuidor que sofra esbulho ou turbação, por meio de ato judicial em ação em que
ele não figure como parte. Encontramos esse instituto disciplinado nos arts. 1046,
1047 e seus incisos:
Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. § 1o Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor. § 2o Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial. § 3o Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação. Art. 1.047. Admitem-se ainda embargos de terceiro: I – para a defesa da posse, quando nas ações de divisão ou de demarcação, for o imóvel sujeito a atos materiais, preparatórios ou definitivos, da partilha ou da fixação de rumos; II – para o credor com garantia real obstar alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor anticrese.
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Tendo em vista a sua característica, os embargos de terceiro decorrem
sempre se outro processo judicial. A ação deve ser distribuída por dependência,
correndo no mesmo juízo e com o mesmo magistrado que determinar o ato. Ainda,
sobre a legitimidade e procedimento dos embargos, Venosa (2010, p. 156) afirma:
Somente tem legitimidade para intentar a medida quem não for parte no outro processo, guardando a condição de terceiro. A ação pressupõe a discussão de direito distinto daquele versado no outro processo (...) pode também nessa ação ser designada audiência de justificação de posse (art. 1050, § 1º, do CPC), a fim de ser deferida a medida liminar (art. 1051), também com possibilidade de caução. Embora a lei não o diga, designada a audiência de justificação, deve ser citado o embargado, não somente por analogia ao que sucede nas ações possessórias típicas, como também pelo princípio constitucional (do contraditório) da ampla defesa consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal.
É importante pontuar que os embargos de terceiro podem ser ajuizados em
qualquer tempo do processo, antes da sentença final. Também pode ser ajuizado na
fase de execução, no prazo de até cinco dias após a arrematação, adjudicação ou
remissão. Uma polêmica surgiu com a edição da súmula 621 do STF em
antagonismo com a súmula 84 do STJ, a esse respeito Venoza (2010, p. 158) alega:
A súmula 621 do Supremo Tribunal Federal exigia o registro imobiliário do compromisso de compra e venda, para sua defesa por embargos. Atendendo forte corrente jurisprudencial dos tribunais estaduais, o Superior Tribunal de Justiça expediu a Súmula 84: “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro”. Essa orientação está de acordo com a finalidade dos embargos de terceiro possuidor. Muitas iniqüidades foram praticadas contra compromissários-compradores que gozavam de boa posse por largo período e vieram a perdê-la por força da superada orientação do Superior Tribunal Federal, tão-só por lhes faltar o dispendioso e por vezes inacessível registro imobiliário.
Selecionamos uma jurisprudência de embargos de terceiro para clarificar um
pouco mais o que dispomos acima:
EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE. POSSUIDOR. O terceiro que adquiriu a posse do bem posteriormente constritado, por contrato de promessa de permuta não registrado, tem legitimidade para desconstituir a penhora através do manejo dos embargos de terceiro. (Apelação cível nº acórdão: 98.014876-6. Terceira Câmara Civil do TJSC, Tijucas, Relator: Des. Silveira Lenzi, 23/02/1999).
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4.1.6 Percepção dos Frutos
Alguns doutrinadores como Sílvio Salvo Venosa não traz em a percepção dos
frutos na lista dos efeitos da posse, no entanto, Carlos Roberto Gonçalves classifica
esse remédio processual na parte “demais efeitos da posse”. De acordo com este
doutrinador são necessários dois requisitos para pedir a percepção dos frutos:
Os frutos devem pertencer ao proprietário, como acessórios da coisa. Sendo dele a coisa principal, dele também terão que ser as coisas acessórias, segundo o princípio acessorium sequitur suum principale (CC, art. 92) (...) a condição fundamental, pois, para que o possuidor ganhe os frutos é a sua boa-fé, ou seja, o pensamento de que é proprietário. Tal condição vem expressamente exigida pelo art. 1214 do diploma civil (GONÇALVES: 2010, p. 207).
Para entendermos melhor esse efeito da posse, é necessário conceituarmos
os frutos. Podem-se definir os frutos, de forma simples e objetiva, como as utilidades
produzidas de forma periódica pela coisa, que a percepção não altera a substância.
Exemplo: estantes = quando armazenados para venda. No que tange à divisão dos
frutos Gonçalves (2010, p. 208) relata:
Dividem-se os frutos, quando à origem, em naturais, industriais e civis. Naturais são os que se desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza, como os cereais, as frutas das árvores, as crias dos animais etc. Industriais são os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação do homem sobre a natureza, como a produção de uma fábrica. Civis são as rendas produzidas pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário, como os juros e os aluguéis.
4.1.7 Direito de retenção por benfeitorias
Antes de argumentar qualquer coisa no que tange às benfeitorias é
necessário fazer uma rápida conceituação e classificação do que são “benfeitorias”.
Pode-se definir benfeitoria como a obra ou despesa que é feita na coisa com o fim
de conservá-la. O Código Civil dispõe sobre três tipos de benfeitorias:
Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. § 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
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O código civil dispõe que somente o possuidor de boa-fé terá direito
indenização em virtude de benfeitorias e estas devem ser necessárias e úteis, mas
pode ser levantadas as voluptuárias, somente se não danificar a coisa caso não seja
indenizada (vide art. 1219 CC). Ainda, o art. 1222 do mesmo código disciplina que a
indenização pelas benfeitorias será calculada tendo como parâmetro o valor atual da
benfeitoria.
4.1.8 Responsabilidade pela deterioração e perda da coisa
O indivíduo que sofreu o desapossamento pode sofrer prejuízos pelo tempo
em que ficou sem o bem. A responsabilidade e a indenização pela deterioração e
perda da coisa é semelhante a responsabilidade aquiliana disposta no art. 186 do
Código Civil, Venosa (2010, p. 118) corrobora com esse entendimento:
O ressarcimento de dano tem a mesma natureza da responsabilidade aquiliana, tecida em regra geral no art. 186, embora alguns estudiosos entendam que se trata de indenização típica e exclusiva da posse. Não foi essa última a corrente adotada pelo diploma civil deste século. Na verdade, consubstanciado o esbulho ou turbação, haverá sempre necessidade de prova de efetivos prejuízos sofridos à posse, mas depende de efetivos prejuízos sofridos e comprovados no processo. Destarte, não se afasta da natureza indenizatória dos atos ilícitos, pois estes são turbação da posse e desapossamento injusto.
É importante pontuar que de acordo com o art. 1217 do Código Civil: “o
possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não
der causa”. Sobre este dispositivo legal Gonçalves (2010, p. 211) aduz “a expressão
„a que não der causa‟, contida na parte final, equivale a dizer que a responsabilidade
do possuidor não caracteriza, a menos que tenha agido com dolo ou culpa.”
4.2 A USUCAPIÃO
A usucapião é um tema bastante vasto, desde a sua origem e aplicação.
Como não é a intenção do presente trabalho, pincelamos o conceito e elencamos as
diversas espécies de usucapião. A usucapião é uma modalidade de aquisição da
propriedade, de acordo com Lenine Nequete (1970, p. 29):
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Assim como a prescrição extintiva, é a aquisitiva um instituto de ordem e estabilidade social. Numa palavra, o fundamento básico e elementar da prescrição é o bem comum – o interesse social – que é o fundamento mesmo do direito enquanto norma de convívio informada pela justiça, isto é, capaz de propiciar a cada um, em particular, e à sociedade, em geral, a realização de seus fins.
Através da usucapião adquire-se a propriedade de coisa imóvel ou móvel. O
código civil disciplinas essas duas modalidades nos artigos 1238 a 1244 para coisa
imóvel, e 1260 a 1262 para a coisa móvel. Paulo Nader (2009, p. 108) traz o
seguinte conceito de usucapião:
Usucapião, ou prescrição aquisitiva, é a modalidade de aquisição originária da propriedade, móvel ou imóvel, e de outros direitos reais. Donde se infere que a usucapião possui duplo caráter: ao mesmo tempo em que o possuidor adquire o domínio da coisa, o proprietário a perde.
A usucapião não cabe apenas em relação a propriedade, mas também em
relação aos demais direitos reais compatíveis. Selecionamos recente julgado neste
sentido:
Possível a usucapião relativamente ao chamado domínio útil, quando pessoa jurídica de direito público tem apenas a nua propriedade e a prescrição aquisitiva refere-se ao chamado domínio útil de que é titular um particular (STJ, RE n. 10.986/RS, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro).
4.2.1 Usucapião extraordinária
Encontramos no art. 1238 do Código Civil os requisitos da usucapião
extraordinária:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirelhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Então, a posse de quinze anos, exercida com ânimo de dono, continuamente,
mansa e pacificamente, pode ser objeto de usucapião. No entanto, nos casos em
que se construa na propriedade residência, investimento de caráter produtivo ou
cultural pode fazer com que o prazo de 15 (quinze) anos seja reduzido para 10 (dez)
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anos, conforme o ditame do parágrafo único do artigo citado acima. De acordo com
Gonçalves (2010, p. 260):
Para que ocorra a redução do prazo não basta comprovar o pagamento de tributos, uma vez que, num país com grandes áreas despovoadas, poderia o fato propiciar direitos a quem não se encontre em situação efetivamente merecedora do amparo legal. Pareceu mais conforme aos ditames sociais (...) situar o problema em termos de “posse-trabalho”, que se manifesta por meio de obras e serviços realizados pelo possuidor ou de construção, no local, de sua morada.
Por fim, a propriedade que foi adquirida por intermédio de usucapião não é
composta apenas aos atributos da coisa, mas também à servidão, enfiteuse,
usufruto, uso etc.
Para ilustrar um caso em que não cabe a usucapião, selecionamos um
julgado de usucapião extraordinária em que o bem pertence a uma falecida e a resta
a outra parte fazer a cessão de direito hereditário:
APELAÇÃO CÍVEL. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. No caso, a hipótese não é de usucapião, uma vez que o imóvel pertence à falecida mãe do apelante, que deverá tomar as providências cabíveis para regularização da cessão de direito hereditário. O instituto da usucapião não se presta para conferir a mera regularização do imóvel. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70054602677, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 28/08/2013) Ver íntegra da ementa. (TJ-RS - AC: 70054602677 RS , Relator: Walda Maria Melo Pierro, Data de Julgamento: 28/08/2013, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/09/2013)
4.2.2 Usucapião ordinária
A usucapião ordinária possui uma característica diferente da extraordinária,
qual seja: posse de dez anos da coisa, mas que pode ser reduzida para cinco anos.
Esse instituto encontra-se disciplinado no art. 1242 do Código Civil:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
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Para que se vede a eficácia de medida não seja observada são necessários
três requisitos segundo Orlando Gomes (2004, p. 193):
a) o possuidor firma contrato para a aquisição do imóvel com non domino; b) o negócio é feito com o domínio, mas este não estava habilitado para alienar a coisa; c) incidência do vício de erro no ato negocial.
Outro ponto ainda importante nessa modalidade de usucapião é pontuado por
Nader (2009, p. 121): “quanto á boa-fé, esta é tomada em sentido subjetivo, como a
crença do usucapiente de que o imóvel lhe pertencia de pleno direito,
desconhecendo o vício impregnado no domínio”. Para exemplificar, citamos abaixo
uma jurisprudência em que não foram preenchidos os requisitos legais para a
caracterização da usucapião:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO - REQUISITOS - JUSTO TÍTULO - AUSÊNCIA DE PROVA IDÔNEA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Cuidando-se de usucapião ordinário, cumpre ao requerente comprovar o preenchimento dos requisitos legais, quais sejam posse contínua e incontestada, com justo título e boa-fé, pelo lapso temporal exigido em lei. (TJ-MG - AC: 10686061861635001 MG , Relator: Valdez Leite Machado, Data de Julgamento: 28/02/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/03/2013)
4.2.3 Usucapião urbana
O instituto da usucapião urbana encontra-se disciplinado no art. 1240, § 1º e
2º do Código Civil, também no art. 183 da Constituição Federal, que dispõe:
Art. 183 – aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrado, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-à o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Essa modalidade de usucapião foi trazida com o advento da Constituição
Federal de 1988. Gonçalves (2010, p. 264) entende que:
Como se trata de inovação trazida pela Carta de 1988, conforme mencionado, não se incluem no preceito constitucional as posses anteriores. O prazo de cinco anos só começou a contar, para os interessados, a partir da vigência da atual Constituição. O novo direito não poderia retroagir, surpreendendo o proprietário com uma situação jurídica anteriormente não prevista. Assim, os primeiros pedidos somente puderam ser formulados a partir de 5 de outubro de 1993.
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Não tem legitimidade para pleitear essa modalidade de usucapião pessoa
jurídica, somente pessoa física que utilize como sua residência ou de sua família.
Também só terá legitimidade o brasileiro nato ou naturalizado. Para exemplificar a
presente modalidade de usucapião citamos a seguinte jurisprudência:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. USUCAPIÃO URBANO. AQUISIÇÃO. REQUISITOS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O acórdão recorrido concluiu que foram atendidos os requisitos exigidos pelo artigo 183 da Constituição do Brasil para a aquisição da propriedade por meio de usucapião urbano. 2. Necessidade de reexamina-se fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - RE: 577029 MG , Relator: Min. EROS GRAU, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 EMENT VOL-02382-06 PP-01155)
4.2.4 Usucapião pro labore ou rural
A usucapião pro labore ou rural também se encontra disciplinado no código
civil e na Constituição. No CC está disposto no art. 1239 e no art. 191, § único, da
CF. A partir do exame desses diplomas legais pontuamos alguns requisitos para
essa modalidade de usucapião: a) posse contínua, com animus domini; b) cinco
anos; c) a dimensão do imóvel não pode ultrapassa a 50 hectares em área rural; d) o
possuidor não pode ter outro imóvel, seja ele urbano ou rural; e) deve utilizar para
moradia própria ou da família; f) que o possuidor tenha tornado a área produtiva; e
g) a sentença declare a aquisição da propriedade, que deve ser registrada no
Cartório de Registro de Imóveis. Neste sentido citamos interessante julgado em que
os magistrados do egrégio paranaense entenderam não ser possível a eleição de
herdeiro para pedir a usucapião pro labore:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL OU USUCAPIÃO "PRO LABORE". EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR (ART. 267, VI, DO CPC). RECURSO NÃO PROVIDO. - É vedado ao herdeiro, por sua vontade, eleger o meio pelo qual pretende regularizar a propriedade de bem imóvel, quando a exigência legal é o inventário. (TJ-PR - AC: 6114390 PR 0611439-0, Relator: Stewalt Camargo Filho Data de Julgamento: 27/01/2010, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 333)
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4.2.5 Usucapião coletiva
A usucapião coletiva difere das outras modalidades de usucapião porque ela
encontra-se disciplinada no Estatuto da Cidade, Lei 10257/01. Essa modalidade de
usucapião surgiu com o fim de atender o crescimento vertiginoso da população nas
grandes cidades, em que os centros urbanos são tomados. Depreendemos da
leitura do art. 10 da referida lei os seguintes requisitos: a) posse incontestada,
exercida com animus domini; b) decurso contínuo do prazo legal de 05 (cinco) anos;
c) dimensão da área superior a 250 m²; d) área ocupada por população de baixa
renda; e) impossibilidade de identificar a área ocupada por cada um dos
possuidores; f) fixação de moradia pelos possuidores; g) possuidores não
proprietários de qualquer outro imóvel urbano ou rural; h) sentença que declare a
aquisição da propriedade do bem, registrada no Cartório de Registro de Imóveis
competente. Ainda relatando os requisitos Nader (2009, p. 122) dispõe:
O imóvel usucapiendo deve situar-se em zona urbana e ocupar área superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados. A posse deve ser exercida por pessoas de baixa renda e que vivam coletivamente no local, sem divisão interna de espaço, de modo que não se possa identificar o terreno de cada um. Os interessados não podem ser proprietários de qualquer imóvel urbano ou rural. O prazo estabelecido para a posse, ininterruptamente e sem oposição, é de cinco anos. Como se observa, não se exige justo título e boa-fé dos possuidores. A acessão das posses é permitida, desde que contínuas.
Citamos abaixo interessante jurisprudência em que não foi reconhecido a
usucapião coletivo, mas ficou caracterizado a usucapião individual:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO REFORMADA. USUCAPIÃO INDIVIDUAL E NÃO COLETIVO. INTERESSADOS QUE INTEGRAM O POLO ATIVO DA LIDE. FEITO QUE DEVE TER SEU PROSSEGUIMENTO NORMAL. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. QUESTÃO A SER DIRIMIDA PRIMEIRAMENTE PELO JUÍZO SINGULAR, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE UM GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. 1. Não se tratando de usucapião especial coletivo, previsto no artigo 10, do Estatuto da Cidade, e sim o usucapião individual, previsto no artigo 9º, do mesmo diploma legal, não há que se falar em expressa autorização dos associados. 2. Havendo a inclusão dos 374 interessados no pólo ativo da lide, o processo deve prosseguir, devendo a questão do litisconsórcio facultativo ser dirimida, primeiramente, pelo Juízo singular, sob pena de supressão de um grau de jurisdição. (TJ-PR - AC: 7688871 PR 0768887-1,
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Relator: José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento: 25/05/2011, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 645)
No que tange ao benefício processual, nota-se que o possuidor da
propriedade goza de lugar mais favorável processualmente, e sua defesa completa-
se com a posse. Sendo assim, o possuidor tem presunção de dono, até que se
prove o contrário.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo objetivou fazer um panorama histórico sobre a
propriedade, especialmente no que tange a sua posse. Apesar de haver polêmica no
que tange a sua conceituação das teorias subjetivista de Savigny e a objetivista de
Ihering, notamos que os Códigos civilistas de 1916 e 2002 adotaram o
posicionamento de Ihering, em que dispõe que o elemento corpus já é suficiente
para se caracterizar a posse, estando implícito o animus.
As principais controvérsias encontradas no que tange aos efeitos da posse
foram o aparente conflito entre as Súmulas 621 do STF e a Súmula 84 do STJ, A
súmula do Supremo Tribunal Federal, para a defesa da posse por embargos, exigia
o registro imobiliário do compromisso de compra e venda. No entanto, cedendo à
forte corrente jurisprudencial dos tribunais regionais e estaduais, o STJ decidiu que
“é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse
advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de
registro” (súmula 84).
No Brasil tem-se o costume de acreditar que a compra de um imóvel se dá
através de um contrato particular, contrato esse que se denomina de “contrato de
gaveta”. Esse instrumento recebe o nome de “contrato de gaveta” porque somente
as pessoas que o convencionaram sabem de sua existência, sendo assim, ele não é
público. Sem qualquer formalidade da lei, esse contrato é chamado pelos
operadores do direito como “compromisso de compra e venda”. Realmente, é um
compromisso, pois não é um negócio de compra e venda.
A compra e venda do imóvel é disciplinada pela legislação civil de forma que
somente é dono do imóvel quem o adquiriu através de Escritura. Essa escritura
caracteriza o contrato de compra e venda do imóvel operada pelo cartório. Ocorre
que muitos brasileiros acreditam que somente a escritura já é suficiente para a
aquisição do imóvel. No entanto, quem possui a escritura de compra e venda ainda
não é dono do imóvel, esse tem apenas a expectativa de ser dono do imóvel, ou
seja, está em processo de ser dono. Para, efetivamente, o cidadão ser dono do
imóvel de forma inquestionável faz-se necessário o registro dessa escritura no
Cartório de Registros e Imóveis. Essa exigência consta disciplinada na Lei de
Registros Públicos Lei 6015/1973.
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Dados esses problemas, aliados a falta de conhecimento da população, é que
o instituto da posse abordado no presente trabalho mostra-se de extrema
importância e atual para a coletividade.
Na pesquisa, outro ponto curioso encontrado, mas nem tanto controvertido,
diz respeito ao calção por dano infecto que é utilizada muitas vezes como remédio
processual contra a perturbação sonora e não mais como uma reparação por danos
materiais na propriedade causada por vizinhos.
Apesar de a matéria ser delimitada no texto legal, na doutrina encontra-se
diversas tabulações e classificações no que tange aos efeitos da posse. Concluímos
que os efeitos da posse são as consequências jurídicas produzidas por ela. Sendo
assim, é inseparável o fenômeno da posse de sua proteção. Também é importante
pontuar que a relação possessória está fixada em regras de direito material. Nas
palavras de Venosa (2010, p. 107) “as regras do processo darão vida e dinâmica à
proteção da posse enunciada pelo direito material”.
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REFERÊNCIAS
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análise do ensino do direito de propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
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século XIX ao código civil de 1916. 2009. 220 f. Tese (Doutorado em Direito). Setor
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VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das coisas. 10ª edição. São Paulo:
Editora Atlas, 2010.