UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD
Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião
POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann
como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira
Por Alonso de Souza Gonçalves
São Bernardo do Campo/SP 2014
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Alonso de Souza Gonçalves
POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann
como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira
Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro
São Bernardo do Campo/SP 2014
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A dissertação de mestrado sob o título Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir
da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista
brasileira elaborada por Alonso de Souza Gonçalves, foi apresentada e aprovada em 30
de Setembro de 2014, perante Banca Examinadora composta pelos professores doutores
Claudio de Oliveira Ribeiro (Presidente/UMESP), Rui de Souza Josgrilberg
(Titular/UMESP) e Jorge Pinheiro dos Santos (Titular/Faculdade Teológica Batista de
São Paulo).
Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião
Programa: Pós-graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura
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A igreja na força do Espírito ainda não é o reino de Deus, mas já
é sua antecipação na história. O cristianismo ainda não é a nova
criação, mas já é o efeito do Espírito da nova criação. Os
cristãos ainda não são a nova humanidade, mas já são sua
dianteira na resistência contra o enclausuramento mortífero, em
entrega e representação em prol do futuro dos seres humanos.
Jürgen Moltmann
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Agradeço...
À Lívia de Oliveira Simões Gonçalves e ao André Simões Gonçalves,
sem eles não seria possível chegar até aqui;
À Igreja Batista Central em Pariquera-Açu pelo apoio, compreensão e
incentivo;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) por
financiar parte dessa pesquisa, apoio imprescindível;
Ao professor Etienne Alfred Higuet,
que iniciou minha orientação;
Ao professor Claudio de Oliveira Ribeiro, por ser mais que um orientador,
um amigo;
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo, bem como seu Corpo Docente e Administrativo;
Aos colegas e amigos da Casa do
Estudante, por tornar o ambiente amigável e favorável ao diálogo;
Ao teólogo Jürgen Moltmann, que com
profundidade e singeleza me apresentou a esperança que impulsiona para a ação.
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Dedico...
Ao meu pai, José Alonso Gonçalves Filho.
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GONÇALVES, Alonso de Souza. Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p.
Resumo
A pesquisa pretende tratar de um tema na produção acadêmica do teólogo alemão
Jürgen Moltmann, sua eclesiologia. Ela procurará abordar as principais chaves
hermenêuticas da eclesiologia moltmanniana, por entender que o autor, em sua
eclesiologia, desenha uma concepção de igreja em dimensões abertas. Sendo, portanto,
uma igreja que procura estar ciente do que ocorre na sociedade e dela fazer parte com
um grau alto de comprometimento e inserção significativa nos grandes temas suscitados
pela cultura contemporânea. Moltmann, com suas categorias teológicas, favorece o
estabelecimento de bases para se pensar em uma eclesiologia com dimensões abertas,
contribuindo assim para o desenvolvimento de uma práxis que seja mais condizente
com o contexto em que a comunidade de fé está inserida. Para isso, considerando que as
reflexões de Moltmann podem contribuir para o contexto eclesiológico brasileiro, na
pesquisa optamos por fazer a comparação dos principais aspectos eclesiológicos do
autor com o modo de ser batista no Brasil, a partir de autores que produzem reflexão
teológica para a denominação, sendo, portanto, autores reconhecidos no universo
batista. Além destas fontes bibliográficas, a pesquisa trará o pensamento teológico da
Igreja Batista brasileira a partir da Declaração Doutrinária da Convenção Batista
Brasileira, procurando apontar caminhos que são passíveis de reflexão teológica e
contribuição pastoral críticas.
Palavras-chave: Eclesiologia – Jürgen Moltmann – Igreja Batista brasileira.
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GONÇALVES, Alonso de Souza. For an open ecclesiology: reflections on the ecclesiology of Jürgen Moltmann as a theological contribution to the brazilian Baptist Church. Master Thesis (Post-graduation in Religious Studies, Faculty of Humanities and Law of the Methodist University of São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p.
Abstract
This research aims to work with the ecclesiology in the academic production of the
German theologian Jürgen Moltmann. It will seek to handle the principal hermeneutical
keys of Moltmann’s ecclesiology. For it understands that his ecclesiology designs a
concept of church in open dimensions, i.e., a church that demands to be aware of what
occurs in society and be part of it, having commitment and significant inclusion in the
major issues raised by contemporary culture. By his theological categories, Moltmann
contributes towards the achievement of thinking about an ecclesiology with open
dimensions, also to the development of the praxis, which is more consistent within the
context of the community of faith. For this, considering that Moltmann’s reflections can
contribute to Brazilian ecclesiological context, the research chooses to compare the
main ecclesiological aspects of the author with the Baptist way of life in Brazil, and uses
authors of consensus in the Baptist universe in which they produce theological
reflection for the church. In addition to the bibliographical sources, the research will
consider the Brazilian Baptist Church theological thinking on the Doctrinal Statement
of the Brazilian Baptist Convention, trying to point out ways that are liable to
theological reflection and pastoral contribution critiques.
Key-words: Ecclesiology – Jürgen Moltmann – Brazilian Baptist Church.
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Caminhante, não há caminho...
...faz-se caminho ao andar.
Antônio Machado
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Sumário
Considerações iniciais 12 Problemas, objetivos e metodologia 13
Justificativas 15
A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina 19
Um – Jürgen Moltmann: notas bioteográficas 25 Considerações iniciais 25
1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança 26
2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica 31 2.1. A igreja na força do Espírito: uma proposta eclesiológica 32
2.2. A eclesiologia na Teologia da esperança 34
2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado 37
3. Aspectos hermenêuticos da teologia moltmanniana 40 3.1. Promessa e esperança 42
3.2. Escatologia e história 44
3.3. Messianismo e missão 46
Considerações parciais 48
Dois – A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann 50 Considerações iniciais 50
1. A eclesiologia no contexto da teologia sistemática 51 1.1. Cristologia: o seguimento na eclesiologia messiânica 51
1.2. Pneumatologia: a igreja sob o impulso do Espírito Santo 53
1.3. Reino de Deus: a mediação do futuro a partir da igreja 57
1.4. Criação: a responsabilidade ecológica da igreja 59
1.5. Trindade: o modelo teológico de uma comunidade 61
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2. A eclesiologia no contexto da práxis 63 2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta 66
2.2. A eclesiologia pneumática e sua abertura ao mundo 69
2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus 72
Considerações parciais 75
Três – A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann
como contribuição teológica à Igreja Batista brasileira 77 Considerações iniciais 77
1. Os batistas no contexto do protestantismo(s) brasileiro 78 1.1. A teologia dos missionários 82
1.2. Os batistas: aspectos histórico-teológicos 85
1.3. O modo de ser batista 89
2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista 92 2.1. Igreja e reino de Deus 93
2.2. Vocações e ministérios 99
2.3. Missão e proclamação 103
Considerações parciais 107
Considerações finais 109
Referências bibliográficas 113 De Jürgen Moltmann 113
Sobre Jürgen Moltmann 115
Obras complementares 118
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Considerações iniciais
O início da minha caminhada com a teologia se deu quando tinha 18 anos de
idade, quando a Primeira Igreja Batista em Hortolândia/SP reconheceu minha vocação
para o ministério pastoral e assim ingressei na Faculdade Teológica Batista de
Campinas (FTBC), no início do ano de 2001.
O ingresso na FTBC foi uma abertura em termos de vida e crescimento. Lá
entrei em contato com alguns professores provenientes dos Estados Unidos e que, de
alguma forma, incutiram a maneira de pensar sobre Deus, igreja, Cristo e outros temas
teológicos em bases tradicionais. No entanto, com outros professores, pude aprender a
pensar de maneira diferente. Um deles foi o professor Natanael Gabriel da Silva, então
diretor da instituição. Com ele, pude beber de fontes teológicas como as de Karl Rahner,
Paul Tillich, Karl Barth, Leonardo Boff, Juan Luis Segundo dentre outros que jamais eu
tinha ouvido falar. Abria-se um novo horizonte de perspectivas e de pesquisa teológica.
Certa vez, ao ouvir a menção sobre o teólogo alemão Rudolf Bultmann, foi
despertado em mim o interesse pelo seu processo hermenêutico conhecido como
demitologização. Ter outra leitura do Novo Testamento foi uma descoberta frutífera,
embora eu não tivesse naquele momento a mínima ideia das consequências de tal
método. Daí para chegar até Jürgen Moltmann foi um passo. Ouvi falar da sua Teologia
da esperança e fiquei encantado com a perspectiva escatológica desse autor. Pensei: “há
outras possibilidades de pensar a escatologia fora dessas três correntes que ouço aqui –
pré-milenismo, pós-milenismo e amilenismo”. Confesso que foi um alívio e ao mesmo
tempo um desafio.
O teólogo alemão Jürgen Moltmann, conhecido como o teólogo da esperança,
tem dado uma importante contribuição ao pensamento teológico contemporâneo em
diversos temas, mas principalmente dentro do tema da escatologia. A reflexão teológica
do autor é amplamente pesquisada e suas intuições teológicas vêm favorecendo o
diálogo no campo ecumênico bem, como também, ampliando o diálogo inter-religioso,
em especial o judaico-cristão.
O meu interesse, a princípio, foi a Teologia da esperança de Moltmann. Percebi
logo a sua importância no cenário teológico latino-americano. Fui descobrindo que o
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autor escrevia sobre quase todos os temas da teologia e procurei investigar a sua
eclesiologia.
Problemas, objetivos e metodologia
Partindo de alguns aspectos do esboço teológico de Moltmann, esta pesquisa
procurará trabalhar com a sua eclesiologia. O objetivo com o tema, dentro do sistema
teológico do autor, é procurar mostrar a relevância da eclesiologia moltmanniana e seus
elementos que podem contribuir para uma eclesiologia que seja mais aberta ao contexto
vivencial da igreja e a cultura contemporânea. Não obstante a isso, o tema eclesiologia,
recorrente na produção bibliográfica do autor, ainda não foi objeto de pesquisa no
Brasil.
Sobre a sua eclesiologia, o autor considera que a doutrina teológica sobre a
igreja precisa observar pelo menos três dimensões: diante de Deus, diante dos seres
humanos e diante do futuro. No seu entender isso demonstra a vivacidade da igreja,
pois a igreja de Cristo é uma igreja aberta. Ela está aberta para Deus, aberta para o ser
humano e aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos.
A fim de elaborar questões que possam dar direção à pesquisa, algumas
perguntas são necessárias. Quais os fundamentos da eclesiologia aberta de Jürgen
Moltmann? Dentro do seu esboço teológico é possível visualizar uma eclesiologia que
tenha dimensões de abertura? Cabendo a resposta ser positiva, qual a contribuição que
Moltmann poderia dar ao protestantismo(s) no Brasil, particularmente à Igreja Batista
brasileira1 e sua eclesiologia? A proposta de Moltmann é fomentar uma concepção de
igreja que procura concretizar a abertura dela ao mundo, mas para isso precisa deixar
de manter uma fé subjetivista, intimista e incapaz de comunicação.
A eclesiologia moltmanniana que se configura em sua abertura, procura
articular temas a partir de um diálogo com a cultura contemporânea, ou seja, uma igreja
que tenha interação ecumênica; uma práxis que insira a igreja dentro do mundo e não
fora dele; uma dinâmica voltada para as reais necessidades da história; uma eclesiologia
1 Quando, no decorrer da pesquisa, surgir Igreja Batista brasileira, estará se referindo à denominação Batista representada pela Convenção Batista Brasileira (CBB), uma vez que há outros grupos que também se qualificam como Batistas no Brasil.
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marcada pela ação do Espírito Santo; uma dinâmica comunitária baseada em
ministérios.
Dentro desse quadro, a realidade eclesial do protestantismo(s) de missão2 parece
não retratar a concepção teológica do autor pesquisado e não corresponderia a uma
eclesiologia que se elabora em dimensões abertas.
Há no protestantismo(s) de missão alguns elementos que segregam a
comunidade de fé de alguns temas e comportamentos sociais nos quais o discurso
teológico sobre a igreja é espiritualizado, carecendo de um engajamento político-social
mais consistente. Nesse sentido, a eclesiologia moltmanniana pode contribuir por trazer
propostas de integralidade entre igreja e sociedade.
A partir disso, a pesquisa persegue alguns objetivos. O primeiro é analisar como
o autor pesquisado vê a igreja em sua abertura ao futuro. Daí a concepção da pesquisa
em tratar de uma eclesiologia aberta, tendo como consequência a reflexão teológica de
temas como reino de Deus, missão, política e a relação igreja-política-e-sociedade. Essa
reflexão teológica é possível quando a igreja assimila, conscientemente, de que é a
antecipação do futuro, ou seja, um futuro com a marca do reino de Deus. Moltmann
pontua de que Jesus, com sua missão e os desdobramentos da ressurreição, trouxe o
reino de Deus para a história, sendo assim, a igreja é sua antecipação, ou seja, é a
experiência dinâmica do reino de Deus. A esperança do futuro reino de Deus é tarefa da
igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um
horizonte de esperança, justiça, vida e humanidade. A eclesiologia moltmanniana não
concebe um grupo de pessoas fechado em seus pressupostos teológicos que não
contemple sua abertura ao mundo. Aqui, então, o objetivo é articular a eclesiologia de
Moltmann dentro do seu esboço teológico a fim de elencar elementos que configuram
uma igreja aberta.
Outro objetivo é procurar fazer com que a eclesiologia aberta de Moltmann
proporcione chaves de leitura para a realidade eclesial e teológica do protestantismo(s)
de missão e, mais especificamente, para a Igreja Batista (Convenção Batista Brasileira –
CBB) e sua eclesiologia. Nossa hipótese é que as principais características da
eclesiologia moltmanniana podem contribuir para um caminhar da igreja no sentido de 2 Embora a designação protestantismo(s) de missão esteja sendo revisada para identificar as igrejas históricas, uma vez que pesquisadores prefiram denominar de “protestantismo no Brasil” ou ainda “protestantismo(s) brasileiro”, a pesquisa irá optar por essa referência tendo em vista o foco teológico e não, precisamente, o aspecto sociológico.
15
fomentar uma discussão teológica a fim de auxiliar na formulação de um discurso mais
aberto aos desafios da contemporaneidade. Mesmo pertencendo ao protestantismo(s) de
missão, o que em tese deveria favorecer uma eclesiologia livre, a eclesiologia batista
parece aglutinar algumas características que acentuam uma postura eclesiológica
fechada. Esperamos analisar aspectos como: a concepção soteriológica exclusivista; a
incapacidade de trabalhar com a pluralidade eclesial; o fechamento quanto ao
ecumenismo; uma noção de que a única igreja verdadeira se dá na configuração da
denominação. Além disso, há a discussão quanto ao gênero, onde a mulher não tem o
seu espaço legítimo no âmbito ministerial e sua capacidade pastoral é condicionada pelo
crivo de ser mulher, na maioria das avaliações.
A pesquisa é bibliográfica e explanatória, ou seja, num primeiro momento a
pesquisa bibliográfica será desenvolvida a partir dos principais textos de Moltmann e
correlatos para fundamentar a abordagem eclesiológica na obra do autor. Além disso,
será dada uma atenção especial para autores interlocutores da teologia moltmanniana
tais como: Rosino Gibellini (1998), Battista Mondin (1980, 1983, 1984), Levy Bastos
(2009, 2011b), Richard Bauckham (1995) dentre outros.
Como um dos objetivos da pesquisa, além da análise da eclesiologia de
Moltmann, é dialogar e apontar caminhos de um discurso mais acentuadamente
comunitário e libertador para uma comunidade de fé, no caso a Igreja Batista brasileira
como instituição e ramo do protestantismo(s) de missão, pretende-se abordar os
principais teóricos do discurso eclesiológico da referida denominação, mas
principalmente a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (1986), com
o propósito de confrontar ideias, conceitos e comportamentos e, no sentido de
contribuir, sugerir, apontar e mediar possíveis contribuições, a partir da leitura
moltmanniana, para uma realidade eclesial que venha ter uma inserção ética, social e
prática com alguns valores de uma eclesiologia aberta que serão elencados na pesquisa.
Justificativas
No Brasil, a teologia de Jürgen Moltmann tem sido divulgada e pesquisada mais
em relação aos temas da escatologia, pneumatologia, trindade e ecologia. Este último
tema é atual e vem ganhando cada vez mais pesquisadores por ser um assunto que está
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na pauta das Nações Unidas e demais contextos no mundo. Quanto à eclesiologia do
autor, ainda é recente a pesquisa e escassa a produção acadêmica sobre este tema dentro
do esboço teológico moltmanniano.
A reflexão sobre a igreja sempre ocupou um espaço considerável na produção
teológica. Diversos teólogos de diferentes concepções, conservadores ou progressistas,
tem se dedicado ao tema em vários momentos da história da igreja. Aqui nos interessa
Moltmann, pela importância que ele tem no cenário teológico. Com sua reflexão
eclesiológica, Moltmann passa a fazer parte do grupo de teólogos sistemáticos que
refletiram sobre a igreja, tanto católicos quanto protestantes.3 O autor, quando se
propõe a fazer uma leitura da eclesiologia4 em perspectiva messiânica, se junta a Karl
Barth que elaborou a sua Dogmática eclesial, alguém que exercerá certa influência nele,
principalmente com o método dialético; a Hans Küng, com suas obras dedicadas à
eclesiologia da Igreja Católica e que, recentemente, publicou no Brasil um texto
provocativo: A igreja tem salvação? (2012). Outro teólogo de expressão, Roger Haight,
que ficou conhecido pelo seu livro Jesus, símbolo de Deus (2005), dedicou-se ao tema
da igreja em dois volumes com o título A comunidade cristã na história (2012). Por
esses e outros autores, o tema da eclesiologia se faz importante e necessário tanto a sua
reflexão no contexto protestante, quanto no contexto católico. No universo católico o
tema voltou com força principalmente depois da eleição do cardeal Jorge Mario
Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, que vêm assumindo, como papa
Francisco, posições que causam, em alguns setores da igreja, entre os mais
conservadores, por exemplo, certo desconforto. Por outro lado, Francisco está
promovendo novos ares de libertação e projetando uma igreja que seja mais aberta aos
temas da sociedade como divórcio, casamento de pessoas do mesmo sexo e
contraceptivos. Esses e outros temas estão sendo trazidos à tona para que a igreja e seu
papa possam responder de maneira pastoral e, pelo menos é o que alguns estão
esperando, que não sejam posições enrijecidas pelo dogma, ou seja, que seja com o
3 Quando o termo protestante ou protestantismo(s) surgir no texto não tem um sentido teológico definido de uma igreja específica, apenas uma distinção em relação à Igreja Católica. Aqui o termo será para identificar as igrejas comumente conhecidas como igrejas históricas. 4 Tomo o conceito eclesiologia sempre como um discurso teológico que se faz a partir da igreja, não especificamente como doutrina da igreja. Aqui sigo a definição teológica de Roger Haight quando ele diz que “o objeto de estudo da eclesiologia é o povo que confessa ser Deus quem atua em sua vida e que, portanto, se articula como igreja, precípua e centralmente, por causa dessa fé em Deus” (HAIGHT, 2004, p. 271).
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objetivo de contribuir para o diálogo. O caminho, ao que tudo indica, será difícil, mas
necessário.
Voltando a Moltmann, a pretensão em refletir sobre sua eclesiologia se deve não
somente ao fato dele ser um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência
benéfica em diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira
responsável, principalmente na América Latina. Ela se deve, principalmente, à
originalidade e criatividade do autor, que o torna um teólogo relevante para a discussão
acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o impediu de
contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia mais humana e caracterizada pela
dinâmica concreta da vida. Na sua extensa bibliografia, há implicações definitivas em
seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para sustentar a visão escatológica
que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir algumas posições a respeito da
igreja e sua relação com o mundo (sociedade).
A teologia de Moltmann vem sendo objeto de intensa reflexão e produção
acadêmica. É um autor de linhas definidas em termos teológicos e uma história de vida
marcada pela experiência de prisioneiro de guerra em um campo de concentração na
Segunda Guerra Mundial, e de exercer o pastorado por um tempo em uma comunidade
pequena em uma região bucólica da Alemanha.
A pesquisa se dá por entender de que a eclesiologia do autor ainda não foi
devidamente pesquisada. Por um bom tempo a sua eclesiologia foi preterida por outros
temas, igualmente importantes, como a trindade, a criação, a cristologia e sua
escatologia. Até recentemente a sua principal obra sobre eclesiologia, A igreja na força
do Espírito (1975), ainda não havia sido traduzida para o português, sendo trazida ao
Brasil em 2013 com o título A igreja no poder do Espírito.
Além disso, como pastor de uma comunidade batista que tem sua matriz
teológica e histórica no protestantismo(s) de missão do século XIX, percebo que é
visível a ausência de uma eclesiologia que seja inclusiva, ou seja, a Igreja Batista no
Brasil ainda não contempla alguns elementos para maior abertura que vise uma reflexão
teológica holística e engajada socialmente. A recusa à ordenação feminina ao ministério
pastoral, o que constitui como um sinal claro de discriminação quanto ao gênero e uma
teologia meramente salvacionista, escapista (celestial), predominante em seminários e
faculdades teológicas (com exceção de algumas instituições teológicas), revelam, por
18
exemplo, que há uma necessidade de formular bases para se pensar em uma eclesiologia
aberta ou que pelo menos contribua com uma abertura gradativa nesses temas.
Nesse sentido, como já referido, nos orientamos por algumas perguntas: a
eclesiologia de Moltmann pode contribuir para ampliar a concepção teológica da
eclesiologia da Igreja Batista ao pontuar críticas e promover a sinalização de alguns
caminhos pastorais alternativos? Caso sim, quais seriam eles? O teólogo de Tübingen
traz novidades eclesiológicas para propor a discussão em alguns temas da realidade
denominacional da eclesiologia batista? Quais seriam? Nesse sentido, essa pesquisa
nasce do anseio em contribuir com a igreja da qual o pesquisador faz parte. A
dissertação tem como propósito fazer apontamentos a fim de refletir sobre
possibilidades que sejam relevantes com o atual momento da cultura contemporânea e
os desafios pastorais que dela suscitam.
Quais seriam os aspectos norteadores para se falar em uma eclesiologia aberta a
partir de Moltmann?
A principal justificativa para se pensar em uma eclesiologia aberta se deve, num
sentido mais amplo, à própria configuração do protestantismo(s) de missão – sendo os
batistas participantes da mesma matriz teológica com algumas diferenças pontuais – no
país. Um desses aspectos é a dificuldade em refletir holisticamente a dimensão do reino
de Deus como construção histórica e não como mera consumação da história. Outro
aspecto que deixa a sua marca na eclesiologia pensada a partir do protestantismo(s) de
missão, em sua versão tradicional, é a escatologia milenarista. A partir da escatologia
milenarista é pensada a estadia da igreja na terra e a concepção de que um dia tudo
estará consumado e, enquanto isso não ocorre, é preciso se separar do “mundo” e
aguardar a “volta de Jesus”. A escatologia milenarista somada à concepção da
individualização soteriológica, ou seja, uma expectativa pelo “céu” onde tudo será como
antes da queda do ser humano, dá ao protestantismo(s) de missão um discurso teológico
que funciona como negação ou rejeição para não se ter uma vida cristã engajada e
corresponsável pela sociedade. Com uma concepção de que se precisa ganhar almas
para Cristo apenas, o protestantismo(s) de missão parece ter uma mensagem
reducionista. O mundo está se aproximando do fim, o acerto final de contas com Deus;
os eventos que ocorrem no mundo são sinais disso; não é o reino de Deus que precisa
ser expandido, mas é a aniquilação que está chegando (ALVES, 2005, p. 85). Os valores
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do reino de Deus e a continuação-construção desse projeto são engavetados na
eclesiologia protestante sendo que a Igreja Batista participa dessa mesma perspectiva.
A eclesiologia que Moltmann propõe é marcada por alguns elementos que
podem contribuir para uma reflexão eclesiológica que favoreça o engajamento da igreja
com uma práxis comprometida com o contexto em que a igreja está inserida.
Outro aspecto que justifica a nossa pesquisa são as relações que Moltmann
estabeleceu com a teologia latino-americana.
A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina
A teologia moltmanniana, desde a sua gênese, foi bem recebida na América
Latina. Um teólogo que transita bem entre católicos e protestantes, Moltmann desde o
início abriu um profícuo debate, não isento de tensões, em torno de suas ideias com
teólogos latino-americanos. Há um intenso e proveitoso debate em torno dos temas
propostos por Moltmann feito por teólogos latino-americanos, tanto os ligados à
teologia latino-americana da libertação quanto aos ligados à teologia latino-americana
da missão integral.
Como o próprio autor relata, o início foi conturbado, principalmente com o
colega José Míguez Bonino, mas a colaboração mútua esteve presente nas reflexões de
teólogos latino-americanos como também a teologia latino-americana da libertação
esteve presente nas reflexões de Moltmann (MOLTMANN, 2004, p. 185). Na América
Latina o teólogo da esperança irá contribuir com a cristologia de Jon Sobrino; também
com a concepção trinitária de Leonardo Boff, onde a reflexão, de alguma forma, está
relacionada com a de Moltmann. Nesse sentido, Moltmann tem sido bem acolhido na
América Latina, tanto com a sua contribuição bibliográfica como pessoalmente, vindo
ao Brasil por algumas vezes e, na Universidade Metodista de São Paulo por duas, sendo
a última em 2008.
A relação de Jon Sobrino com Moltmann começou com o doutorado em teologia
na Alemanha onde o teólogo espanhol radicado na América Latina desde 1957, vivendo
até hoje em El Salvador, tratou da cristologia moltmanniana juntamente com a de
Pannenberg.
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O laço de Moltmann com Sobrino foi apertado mais ainda depois da tragédia que
culminou na morte de seis jesuítas dentre outros assassinados no campus da
Universidade Centro-americana (UCA) de El Salvador em 1989. Nesse episódio,
Moltmann toma conhecimento, pela fotografia da cena do martírio, de que o seu livro,
El Dios crucificado, estava caído em meio ao sangue de um dos jesuítas assassinados.
A cristologia de Sobrino é um resgate do seguimento de Jesus e suas
consequências na história tendo como interface a situação da América Latina. Como
teólogo da libertação, Sobrino parte do pressuposto de que há crucificados na América
Latina e que Jesus continua solicitando a retirada desses da cruz. Tomando isso como
condição, a cristologia moltmanniana faz todo o sentido para a reflexão teológica de
Sobrino, posto que para Moltmann o presente não se dê a partir de uma “tábula rasa
com possibilidades abertas ainda-não atualizadas, mas é diretamente miséria, opressão,
injustiça, numa palavra, pecado” (SOBRINO, 1996, p. 176-177). Ele concorda com
Moltmann de que o “presente não é só distanciamento com respeito ao futuro, mas
contradição com respeito ao futuro esperado” (SOBRINO, 1996, 177). A esperança se
dá contra a miséria presente e diante dela há uma convocação para favorecer uma práxis
da esperança (SOBRINO, 1996, p. 177). A práxis se dá no seguimento de Jesus e
Sobrino interpreta Moltmann dentro dessa categoria, uma vez que para ele
é possível viver já na história escatologicamente, realizando, ao mesmo tempo, a esperança presente na ressurreição de um crucificado e o amor da vida de Jesus. Dito em linguagem de ressurreição, já se pode viver como ressuscitado nas condições da história. Dito em linguagem histórica, já se pode viver com o amor do crucificado. E isto não é outra coisa senão o seguimento de Jesus (SOBRINO, 1996, p. 178).
Sobrino soube ler o sistema teológico moltmanniano, principalmente a sua
cristologia, favorecendo uma perspectiva positiva da sua teologia para a América
Latina, proporcionando uma linguagem de esperança a partir de um contexto de
desesperança e sofrimento do pobre. Nesse sentido, Sobrino não pontua críticas à
teologia de Moltmann, pois ele entende que a dialética do presente-futuro-presente
contribui para uma práxis que movimenta em direção ao futuro tendo como elemento
propulsor o seguimento de Jesus de Nazaré e sua dimensão histórica.
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Quando Gustavo Gutiérrez escreve sua clássica obra – Teologia da libertação –,
ele traz a discussão da escatologia em sua vertente política e chega à Moltmann
(GUTIÉRREZ, 1976, p. 181). A crítica de Gutiérrez é de que falta à Moltmann uma
“linguagem suficientemente enraizada na experiência histórica concreta do [ser
humano]” (GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Como teólogo da libertação, Gutiérrez está
interessado na práxis da teologia em sua concretização na história de espoliação e
dilemas sociais, daí a sua crítica à Moltmann de que sua teologia não procura vivenciar
o âmago da práxis histórica, sendo apenas uma espécie de evasão, futurismo
(GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Mesmo assim, Gutiérrez admite de que a teologia de
Moltmann é uma das mais importantes da contemporaneidade, pois ela ajudou “a
superar a associação fé e medo ante o futuro” (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Para o
teólogo peruano, Moltmann ajuda a entender que a esperança e o futuro que se espera é
um dom que cumpre “uma função mobilizadora e libertadora da história”
(GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Mesmo tecendo algumas críticas quanto à ausência de
elementos que promovam uma práxis voltada para o “chão das pessoas”, Gutiérrez
esclarece quanto às possibilidades da teologia moltmanniana e, dentre algumas, se
destaca a necessidade de encarar o futuro como uma oportunidade de transformá-lo no
presente, uma vez que aquele (o futuro) depende deste. Nesse aspecto, tod@s5 estão
convocad@s a exercerem uma função libertadora no mundo a partir da esperança, o
futuro será mais humano quando no presente for possível suprimir as injustiças
promovendo libertação (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183).
Rubem Alves, em sua tese de doutorado, Para uma teologia da libertação, obra
que foi publicada nos Estados Unidos como Teologia da esperança humana e
conhecida no Brasil com o título Da esperança (1987), faz uma análise da teologia da
esperança de Moltmann apontando algumas deficiências epistemológicas no seu
sistema.
Alves faz uma leitura da Teologia da esperança tendo como foco a história e o
humanismo político. Assim, ele formula algumas críticas ao sistema moltmanniano
principalmente em sua concepção de história e sua relação com o futuro. Alves
considera que Moltmann vê o movimento da história platonicamente. Ao se apropriar
do conceito aristotélico do primum movens (primeiro movimento), Alves entende que 5 A fim de contribuir com a equidade de gênero, a pesquisa fará uso, sempre que possível e quando a língua assim permitir, de uma linguagem inclusiva, que tem no “@” um símbolo para a referência do feminino e do masculino no decorrer da pesquisa.
22
Moltmann concebe um Deus que arrasta a história para o futuro sem nela se envolver
(ALVES, 1987, p. 108). A crítica mais contundente de Alves (1987, p. 113) à
Moltmann é de que “a história não está aberta”. Ele vê a história cativa de poderes que
produzem morte, “assim, a história não está fechada devido a realidades orgânicas, e
sim devido a poderes ativos de natureza política” (ALVES, 1987, p. 113). Ainda em
reação à Moltmann quanto à história, Alves é contrário à concepção do primum movens,
uma vez que para ele o que coloca a história em movimento é a “dialética da liberdade
enquanto encarnada no sofrimento do mundo e que, em consequência, faz nascer a
negação, a esperança e a ação” (ALVES, 1987, p. 114). Apesar de suas críticas, Alves
assimila à linguagem moltmanniana da ressurreição e aceita a dialética do autor futuro-
presente (HIGUET, 1995, p. 37).
Outro personagem latino-americano que teceu reação ao pensamento de
Moltmann foi Míguez Bonino. Moltmann escreveu uma carta aberta ao colega em 1976
que, segundo ele, causou algum alvoroço (MOLTMANN, 2004, p. 186). Nessa carta
Moltmann formula algumas perguntas que destaco duas: (1) o que é latino-americano na
teologia latino-americana da libertação?; (2) o que é crítica, se no final o crítico afirma
mais ou menos a mesma coisa que o criticado? Essas questões resultaram em reações
que, infelizmente, foram negativas (MOLTMANN, 2004, p. 186). Diante do episódio,
Moltmann deixa bem claro de que não rejeita a teologia latino-americana da libertação,
antes ele assimila seus pressupostos e, de alguma maneira, faz com que eles sejam
refletidos na sua reflexão teológica mais recente.
A reação de Míguez Bonino é, num primeiro momento, de contentamento, pois a
obra de Moltmann é “notável e decisiva para a história do pensamento teológico”
(BONINO, 1987, p. 112-113). O entusiasmo de Míguez Bonino é de que a ideia
moltmanniana de esperança “está longe de levar a uma fácil acomodação ao status quo”
(BONINO, 1987, p. 113). É uma esperança que coloca em movimento, que não se
conforma com a realidade circundante e provoca a mover-se em direção ao futuro.
Tendo a ressurreição de Jesus como primeiro ponto para se pensar no cumprimento da
promessa, Míguez Bonino concorda que é possível um futuro onde o ser humano se
encontra aberto para a promoção do amor, justiça e vida, prometida na ressurreição de
Jesus (BONINO, 1987, p. 113). Por outro lado, a crítica que Míguez Bonino faz à
Moltmann é quanto à tentativa de se desconsiderar aspectos políticos e ideológicos na
tarefa de indicar caminhos concretos para a história e não apenas formular concepções
23
idealistas (BONINO, 1987, p. 115). O que Míguez Bonino rejeita é a ideia de que o
Deus crucificado é, de fato, um Deus sem Estado nem classe. Mas nem por isso ele é
um Deus apolítico. Ele é o Deus dos pobres, oprimidos e humilhados. O teólogo
argentino questiona: “ora, os pobres, os oprimidos, os humilhados são classe e vivem
em Estados” (BONINO, 1987, p. 115). No seu entender não há como não se envolver a
favor dos desfavorecidos sem um comprometimento político. Do contrário não há como
ler de fato a situação histórica concreta. O que Míguez Bonino cobra, especialmente da
teologia política europeia, é uma decisão política e não uma abstenção dela. A pobreza,
os oprimidos são materializados na história e para contemplar essa realidade é preciso
uma inserção mais coerente com a história, ou seja, há que haver um “reconhecimento
claro e coerente das mediações históricas, analíticas e ideológicas” (BONINO, 1987, p.
116). Em outras palavras, a secularização política não poderá ser absorvida por uma
teologia que procura ser crítica, formulando um discurso libertário que contempla a
condição de inumanidade do ser humano.
Quanto a essas críticas, Moltmann faz uma distinção política e de locus
theologicus entre a teologia política europeia e a teologia latino-americana da
libertação. A primeira estava envolvida com as constantes ameaças das potências
mundiais e com a iminência de um apocalipse atômico; já a segunda estava (está?)
envolvida com o “sofrimento e a morte dos pobres” (MOLTMANN, 2004, 187).
A reação de Higuet à Teologia da esperança caminha na mesma direção de
Gutiérrez, Alves e Míguez Bonino. Higuet trata do método moltmanniano quando lida
com a história e a escatologia. Entre o horizonte histórico, que é o objeto da promessa,
juntamente com a esperança, e as possibilidades reais do mundo, a mediação é feita pela
obediência. No entender de Higuet, “o horizonte apocalíptico de uma nova criação
apenas anunciada pelo evento cristológico desvaloriza a práxis histórica dos cristãos”
(HIGUET, 1995, 41). Aqui Higuet reage à Moltmann no sentido de que a obediência
paralisa o cristão quando espera que Deus concretize o futuro. Ele não concebe uma
dicotomia entre história de Deus e história, ou seja, “parece que o processo instaurado
pela promessa inaugura outra história, ao lado da história da humanidade” (HIGUET,
1995, p. 45). A sua reação à Moltmann se deve por entender que o teólogo de Tübingen
parte de uma perspectiva apocalíptica da realidade “e não de um princípio encarnado no
real e operando a partir de dentro para a transformação desse real” (HIGUET, 1995, p.
45).
24
As críticas pontuadas aqui são importantes, pois elas favorecem o debate e
demonstra o quanto a teologia moltmanniana é importante no cenário latino-americano.
As críticas levantadas aqui aguçam mais ainda o debate em torno dos problemas que
todo e qualquer método teológico tem. No caso de Moltmann é possível verificar os
principais pontos do seu sistema teológico que permite estabelecer um profícuo debate
com a reflexão teológica latino-americana. Por ser um teólogo lido e pesquisado na
América Latina e, no caso do Brasil, ser uma referência na discussão teológica,
Moltmann continua sendo interpretado a partir de diferentes aspectos e perspectivas. No
caso dessa pesquisa, a sua eclesiologia será o foco por entender que ela constitui fonte
de reflexão que pode favorecer uma leitura crítica diante das eclesiologias existentes no
cristianismo, mais detidamente a eclesiologia presente no protestantismo(s) de missão e,
mais especificamente, a eclesiologia que a Igreja Batista brasileira representa.
Quanto ao método moltmanniano, alvo de inúmeras reações, ele arremata:
“frequentemente sou questionado a respeito do meu método teológico e raramente tenho
dado alguma resposta. Num tempo em que tantos colegas praticamente só se ocupam
com questões de método, interessam-me os conteúdos teológicos, sua revisão e
inovação” (MOLTMANN, 2002b, p. 13-14).
É a sua capacidade de rever e inovar os conteúdos teológicos que motivaram
pesquisar a eclesiologia do autor.
25
Um
Jürgen Moltmann: notas bioteográficas
Jürgen Moltmann, da Igreja Reformada
alemã, talvez seja atualmente o teólogo
mais representativo da cristandade.
(Leonardo Boff)
Considerações iniciais
A pretensão em refletir sobre a eclesiologia de Moltmann se deve não somente
porque ele é um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência benéfica em
diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira responsável e
solidária, principalmente na América Latina. Não apenas por isso, mas principalmente
porque sua originalidade e criatividade, o torna um teólogo imprescindível para a
discussão acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o
impediu de contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia caracterizada pela
dinâmica da vida e que reforce processos humanizadores. Na extensa bibliografia dele,
há implicações decisivas em seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para
sustentar a visão escatológica que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir
algumas posições a respeito da igreja e sua relação com o mundo (sociedade).
Com este capítulo serão analisadas as principais obras de Moltmann procurando
pontos de acesso à sua eclesiologia. Será uma tentativa de articular a visão eclesiológica
moltmanniana, descrevendo tanto a eclesiologia explícita e implícita encontrada nas
mais destacadas obras do autor.
As análises começam com o principal texto de Moltmann sobre a igreja – A
igreja na força do Espírito, escrita originalmente em 1975, – e logo em seguida as duas
obras que compõem, juntamente com essa, a chamada trilogia da esperança –
expressão cunhada por Rosino Gibellini (1998, p. 296) – a Teologia da esperança,
26
publicada em 1964 e O Deus crucificado, publicada em 1972. O que se pretende é
observar as principais ideias e conceitos de Moltmann sobre a igreja em suas principais
obras (trilogia da esperança), a fim de demonstrar que o tema da eclesiologia está
presente no sistema teológico do autor ao longo de sua inicial produção acadêmica.
Trata-se de uma contribuição para uma teoria teológica da eclesiologia quanto para uma
pastoral que seja integradora no atual contexto contemporâneo.
Em seguida uma análise quanto alguns aspectos da hermenêutica de Jürgen
Moltmann. O eixo hermenêutico moltmanniano gira em torno dos temas: promessa e
esperança; escatologia e história; messianismo e missão.
Antes de tecer algumas observações quanto à eclesiologia de Moltmann em suas
obras se faz necessário expor, mesmo que sucintamente, algumas notas sobre a sua
trajetória de vida e o surgimento de algumas obras que ganharam um peso maior na sua
produção acadêmica.
1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança
Jürgen Moltmann nasceu no dia 8 de Abril de 1926 na cidade de Hamburgo,
região norte da Alemanha. Como ele mesmo descreve, a sua educação até à juventude
não foi cristã, mas sim secular. Influenciado pelo avô, que passou a pertencer à
Maçonaria, o jovem Moltmann assumiu uma postura indiferente e distanciada do
cristianismo (MOLTMANN, 2004, p. 9). Na adolescência pensou até estudar física e
matemática. Nessa fase a teologia não desempenhava qualquer papel importante na sua
vida. Mas os estudos foram interrompidos subitamente quando foi alistado aos 17 anos
em 1943 como auxiliar da Luftwaffe, a Força Área Alemã. A sua cidade natal,
Hamburgo, foi bombardeada em Julho de 1943, na conhecida Operação Sodoma e
Gomorra promovida pela Royal Air Force britânica. Moltmann e seus companheiros
foram destacados para uma bateria antiaérea no centro da cidade. Apenas ele sobreviveu
e o colega ao seu lado foi esfacelado por uma bomba. Nessa noite ele mesmo recorda
como chorou e acabou a gritar pela primeira vez por Deus: “meu Deus, onde estás?”
(MOLTMANN, 2008, p. 10).
27
O jovem Moltmann foi capturado e levado prisioneiro para a Escócia e
Inglaterra e por três anos procurou respostas existenciais para as experiências vividas no
contexto de guerra. Levou consigo os poemas de Goethe, o Fausto e as obras de
Friedrich Nietzsche para suportar aquele difícil período de sua vida (MOLTMANN,
2002a, p. 11). Este tempo, como prisioneiro em diversos campos de concentração, o
fizeram refletir na vida e perceber a esperança por meio de uma cerejeira que florescia e
a Bíblia que ganhou de um capelão. Essa experiência irá dar outra direção à sua vida e
temas como o sofrimento e a injustiça serão contemplados em suas obras
posteriormente.
Nos campos da Bélgica e da Escócia, vivenciei tanto o colapso daquelas coisas que tinham sido certezas para mim quanto uma nova esperança de vida na fé cristã. Devo provavelmente a essa esperança não só minha sobrevivência mental e moral, mas também física, pois foi ela que me salvou do desespero e da resignação. Quando voltei, havia me tornado cristão, e tinha um novo “objeto pessoal” de estudar teologia para entender o poder da esperança à qual devia minha vida (apud MILLER & GRENZ, 2011, p. 123).
As decepções como a de Auschwitz, fizeram o jovem Moltmann perder qualquer
tipo de esperança no regime de Adolf Hitler e na Alemanha de então. Indo para Norton
Camp em 1946, um campo de reeducação que os ingleses mantinham com o objetivo de
preparar jovens para a Alemanha do futuro, Moltmann afirma ter descoberto a
esperança a partir das páginas da Bíblia (Novo Testamento e Salmos). A leitura dos
Salmos o fez progressivamente encontrar a fé cristã ao ponto de afirmar mais tarde de
que foi Deus quem o escolheu e não ele quem escolheu a Deus (MOLTMANN, 2008, p.
12). Além da Bíblia, havia uma capela no acampamento que, segundo ele, exerceu um
enorme fascínio sobre ele (MOLTMANN, 2002a, p. 14). Foi em Norton Camp que o
jovem Moltmann descobre a vida e a esperança nela e surge o desejo, mesmo sem saber
o que esperava, de ser pastor ao invés de professor como idealizava. Ele narra que
deixou Norton Camp assim como Jacó deixou o vale de Jaboque, manco, mas
“abençoado”. No caso dele, “foi Deus quem olhou para nós [ele] com os ‘olhos
radiantes’ de sua alegria eterna” (MOLTMANN, 2002a, p. 16). Ainda em Norton
Camp, faz parte de um grupo de estudantes de teologia e tem contato com a teologia
evangélica (MOLTMANN, 2004, p. 15).
28
Moltmann regressou para casa, em 1948, com vinte e dois anos de idade, em um
contexto de ruínas no pós-guerra. É nesse contexto, que o autor irá esboçar suas
primeiras linhas teológicas. A sua primeira tentativa foi elaborar uma reflexão teológica
que viesse contribuir para que os anseios de um “novo tempo” pudessem ser possíveis e,
ao mesmo tempo, amenizar os sofrimentos dos sobreviventes daquela tragédia humana
chamada Segunda Guerra Mundial.
Com o objetivo de continuar a estudar teologia, Moltmann ingressa na
Universidade de Göttingen, uma instituição em que os professores seguiam o
pensamento teológico de Karl Barth. Daí a influência que o teólogo de Basiléia irá ter
no pensamento e produção do nosso autor. A teologia para ele se abria como uma
possibilidade nova, uma aventura das ideias, um caminho aberto e convidativo,
fascinando o autor e aguçando a sua curiosidade intelectual (MOLTMANN, 2004, p. 9).
Quanto a sua relação com a igreja, Moltmann se aproximou do grupo que passou
ser conhecido como igreja confessante, uma vez que as igrejas nacionais tinham se
calado diante do regime nazista. A igreja confessante mereceu o respeito de Moltmann,
por ser o grupo que se opôs ao regime de Hitler no Terceiro Reich. Foi também por
meio da igreja confessante que Moltmann teve a oportunidade de lecionar teologia na
Escola Teológica (Kirchliche Hochschule) de Wuppertal. Ali Moltmann – e seu colega
Wolfhart Pannenberg – experimentaram um tempo de profunda reflexão teológica sem a
tutela do Estado e a interferência das instâncias políticas da Igreja Evangélica da
Alemanha.
Além da atividade docente, Moltmann também exerceu o pastorado em uma
comunidade rural na cidade de Bremen-Wasserhorst, uma experiência da qual ele se
recorda com profunda gratidão. Foi com a comunidade que ele, mesmo pós-graduado
em teologia, sente-se “confrontado com a vida do povo simples”. Para ele foi uma
oportunidade de encontrar a teologia acadêmica e a teologia do povo – “isso foi duro,
mas benéfico, pois, após ter conhecido a teologia acadêmica, tomei conhecimento da
teologia do povo na luta por suas famílias e seu sustento diário, nas memórias por seus
mortos e nos cuidados pelas suas crianças” (MOLTMANN, 2004, p. 18). Foi no dia a
dia que Moltmann desenvolveu uma teologia pessoal a partir das visitas aos doentes e
relacionamento com os fiéis. Para o autor, a teologia é, prioritariamente, pastoral. Não
há dissociação entre uma e outra. Moltmann entende que,
29
a teologia acadêmica, além de erudita, é também pastoral. Meus alunos universitários procedem de diversas escolas secundárias. Vivem igualmente separados do povo que não pode mais frequentar escolas e, certamente, a universidade. Nossa teologia acadêmica relaciona-se com a Bíblia, os Pais da Igreja, bem como com outras ciências e ideologias. Mas não fala a linguagem do povo nem expressa suas experiências e esperanças (MOLTMANN, 1978, p. 31-32).
Moltmann tem “alma” pastoral, por isso o seu compromisso com a teologia só
tem sentido porque ele sempre propõe, a partir do reino de Deus, uma “teologia
missionária, que liga a igreja à sociedade e o povo de Deus aos povos da terra”
(MOLTMANN, 2004, p. 13).
Quanto aos aspectos teológicos, Moltmann recebeu certas influências de Barth,
como colocado acima. Segundo Richard Bauckham (1995, p. 1-2), Moltmann, como um
estudante em Göttingen do pós-guerra, assimilou a teologia de Barth e durou algum
tempo antes de ver qualquer necessidade de ir além do teólogo suíço. Os rumos que
Moltmann tomou, foram inspirados por seus professores como: Otto Weber, Ernst Wolf
dentre outros. No campo exegético, coube a Gerhard von Rad e Ernst Käsemann, o
primeiro para o Antigo Testamento e o segundo para o Novo Testamento, influenciar o
autor na leitura exegética da Bíblia.
Em 1964, o autor se torna conhecido com sua obra Teologia da esperança. Em
1967 foi-lhe oferecido à oportunidade de lecionar na prestigiada Universidade de
Tübingen como professor de Teologia Sistemática, deixando de ser apenas com a sua
aposentadoria em 1994.
Ainda nos aspectos teológicos do autor, é possível visualizar dois grandes
momentos na sua produção acadêmica além de outros títulos de reflexões teológicas
pontuais. A sua trilogia começa com a chamada Teologia da esperança (1964),
passando pelo O Deus crucificado (1972) e por último A igreja na força do Espírito
(1975). Neste primeiro período (1964-1975), as décadas de sessenta e de setenta, viu
surgir a sua trilogia onde desenvolve três perspectivas complementares da teologia
cristã: revelação e história, a doutrina da cruz e a eclesiologia. Na Teologia da
esperança, Moltmann traz um diálogo com o filósofo de tendência marxista, Ernst
Bloch, e seu principal livro, O princípio esperança, distanciando dele criticamente.
Outro aspecto nessa obra é a concepção de fé que o autor traz, a fé é entendida como
expectativa do futuro prometido por Deus no projeto do reino de Deus em Jesus e a
30
partir dele. A Teologia da esperança atribui um significado decisivo à história e à
própria revelação, mas a partir da promessa. Nesse sentido, a história torna-se o espaço
do compromisso político e social da práxis dos cristãos.
Em O Deus crucificado (1972), Deus é pensado a partir da cruz, do sofrimento e
de como Deus é solidário com o sofrimento. O sofrimento é visto como não sendo uma
contraposição a Deus, pois o ser de Deus está no sofrimento. A cruz é então a
identificação de Deus com o sofrimento do mundo no sofrimento de Cristo. Para
Moltmann, se Deus é amor, então Deus está no sofrimento e o sofrimento está em Deus.
Em 1975 com A igreja na força do Espírito, Moltmann une duas perspectivas:
eclesiologia e pneumatologia. É o Espírito Santo que recorda os não recordados do
mundo. Ele, que deriva do evento da cruz e da ressurreição, move a realidade à
resolução da dialética que invade o mundo do esquecimento e da paixão, enchendo-o
com a presença de Deus. É uma igreja que faz evidenciar nela e por meio dela, a partir
da comunhão eclesial e fraterna, uma igreja no horizonte do mundo, ou seja, não é uma
igreja mundanizada, mas uma igreja comprometida ética e politicamente com o mundo.
O segundo período (1980-1991) será o propriamente sistemático do autor,
conhecido como contribuições sistemáticas para a teologia. Em 1980 publica a sua
doutrina trinitária social em Trindade e reino de Deus tentando superar o conflito entre
a exegese antropológica e a exegese teológica do texto bíblico com o auxílio da
hermenêutica trinitária. Neste livro tenta libertar a doutrina cristã de Deus do
confinamento da antiga metafísica da substância. Desenvolve aqui a sua doutrina social
da trindade. Na obra, Moltmann faz uma opção pela relação pericorética capadócia
intra-trinitária e recusa qualquer concepção monoteística ou monarquista de Deus.
Em 1985 publica Deus na criação para enfatizar o significado ético da doutrina
de Deus nas suas posições trinitárias e escatológicas. Nesta obra aponta para o
panenteísmo em ordem a superar o panteísmo e o deísmo de um Deus radicalmente
separado do mundo, pois o conceito de natureza permite pensar as marcas do próprio
Deus triúno.
Já em 1989, o cenário teológico conhece O caminho de Jesus Cristo. Uma obra
em que Moltmann começa discutindo a questão do messianismo. Para o teólogo alemão,
o messiânico é uma chave hermenêutica. Ele trata dessa categoria, messiânico, em sua
eclesiologia e agora em sua cristologia. A diferença entre O Deus crucificado e O
31
caminho de Jesus Cristo se dá que na primeira ele busca entender a dinâmica da paixão
de Deus e a cruz do seu Filho; aqui ele procura desenhar uma cristologia que não olhe
apenas para o céu, mas sim uma cristologia para homens e mulheres que caminham e
buscam orientações diante dos conflitos e da história, daí o seu sentido messiânico e
pneumatológico. Como Messias, Jesus enxuga lágrimas e encoraja os desesperados,
libertando os oprimidos. Nesta obra o autor procura abordar as diferentes perspectivas
cristológicas, inclusive a cósmica.
Em 1991 Moltmann publica O Espírito da vida. Das suas contribuições
sistemáticas para a teologia esta obra é indubitavelmente um marco no tema do Espírito
Santo. O autor procura conectar as experiências da vida com as experiências de Deus
por meio do seu Espírito e isso ele faz tratando das concepções contemporâneas da
pneumatologia, fazendo uso da Bíblia com suas manifestações do Espírito de Deus na
história. Com O Espírito da vida, Moltmann deflagra um intenso debate no campo da
pneumatologia.
Depois de elencados alguns aspectos da vida e principais produções acadêmicas
do autor, passo a analisar aspectos de algumas obras com o objetivo de ressaltar as
principais ideias explicitas ou implícitas do teólogo alemão quanto a sua eclesiologia.
2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica
Como teólogo sistemático, o tema da eclesiologia não poderia ficar de fora das
suas reflexões, é por isso que ele dedica uma obra, A igreja na força do Espírito, ao
tema e, segundo Battista Mondin (1980, p. 200), esta será a obra mais sistemática do
autor. Acolhendo a opinião de Mondin de que esta é a mais sistemática obra do autor é
que procuro dar uma síntese do trabalho A igreja na força do Espírito. Em seguida,
passo a observar em outros trabalhos do autor, como a Teologia da esperança e O Deus
crucificado, suas reflexões que estão de alguma maneira, conectadas ou que se
relacionam, com sua eclesiologia de maneira explícita ou implícita.
Neste capítulo, portanto, o objetivo é fazer uma leitura de algumas obras de
Moltmann delimitando o foco para a sua eclesiologia. É com esse intento que, num
primeiro momento, a sua principal obra, A igreja na força do Espírito, será analisada a
32
fim de oferecer um esboço da sua eclesiologia e, num segundo momento, as duas
principais obras que compõem o eixo temático do autor conhecido como trilogia da
esperança: Teologia da esperança e O Deus crucificado.
2.1. A igreja na força do Espírito: uma proposta eclesiológica
A obra A igreja na força do Espírito surgiu em 1975 como a última parte que
compõe a conhecida trilogia da esperança. Um texto denso e que procura abordar quase
todas as áreas da eclesiologia como discurso teológico da igreja. No Brasil, ela só foi
publicada em 2013, demonstrando que o tema da eclesiologia foi por muito tempo
preterido por outros temas de igual importância na produção acadêmica do autor. No
Brasil a obra é traduzida como A igreja no poder do Espírito. Embora o título da obra
em alemão traga a palavra força (Kraft) e não poder (Macht), uma vez que Macht,
geralmente indique potência, ou seja, um poder soberano, e, por outro lado, Kraft
denota energia, esforço, força.6 A versão espanhola preserva a palavra traduzindo Kraft
por fuerza. Já a tradução em inglês preferiu power ao invés de force. A obra em
português chega com certo atraso, ou seja, depois de trinta e oito anos, mas continua
atual levantando assuntos e contribuindo com relevância para o cenário teológico e o
diálogo com a sociedade.
Com A igreja no poder do Espírito: uma contribuição à eclesiologia messiânica,
Moltmann quer elaborar uma eclesiologia que seja orientadora dentro de um contexto de
incertezas e ameaças, como era a década de 1970, principalmente com os
desdobramentos e consequências da Guerra Fria. Com o avanço técnico-científico, as
disputas armamentistas, as crises e a sensação de insegurança, a igreja, no entender de
Moltmann (2013, p. 13), “não teria esperança se ela apenas partilhasse a desorientação e
inseguranças generalizadas ou até mesmo as aprofundasse, criando um clima de fim do
mundo”. Uma vez chamada para alimentar a esperança no mundo, a igreja é a presença
do reino de Deus e o seu Espírito é o renovador desse processo.
6 Monika Ottermann, a tradutora da obra para o português, relatou-me de que foi uma opção da editora transliterar “força” (Kraft) por “poder” (Macht) visando um público mais amplo para a obra em português. Essa conversa se deu na Universidade Metodista de São Paulo por ocasião da XVII Semana de Estudos de Religião, realizada de 24 a 26 de Setembro de 2013.
33
As reflexões em A igreja no poder do Espírito não surgiram das aulas do autor
em Tübingen, nem mesmo em seu escritório de estudos. Moltmann credita a obra ao
período que passou como pastor por cinco anos em uma pequena comunidade rural em
Bremen-Wasserhorst (MOLTMANN, 2013, p. 15).
Sua obra está dividida em sete capítulos, sendo o capítulo terceiro o mais
extenso deles, a igreja de Jesus Cristo. Como quer Moltmann, a sua eclesiologia
procura ser um tratado sobre o discurso e a teoria eclesiológica estabelecendo as
dimensões em que ela se dará: sua conexão imprescindível com Jesus Cristo, sua tarefa
missionária, sua condição ecumênica e sua práxis política (capítulo um). No capítulo
dois, o autor procura fazer uma leitura da igreja a partir da história, não a história
eclesiástica comumente, mas a história onde a própria igreja está inserida. No capítulo
terceiro, ele trata de Jesus ser o “fundador” da igreja, sua condição de “comunidade do
êxodo”, sua relação com a cruz, o reino de Deus e os membros desse reino. No capítulo
quatro ele se dedica apenas ao tema do reino de Deus. Um capítulo com diversas facetas
do reino de Deus, como a relação com Israel e as consequências em ser uma igreja para
o reino. Como é uma eclesiologia onde o Espírito Santo tem a sua primazia, o capítulo
cinco traz uma discussão sobre a sua presença na igreja ou a igreja na presença do
Espírito Santo. Um capítulo em que Moltmann trata do evangelho, a pregação da igreja,
o batismo, a maneira com que as pessoas entram na comunhão da comunidade, a ceia
como um convite aberto a tod@s, o culto como uma celebração ou festa messiânica, e,
por último, alguns apontamentos éticos da comunidade de fé. Já no capítulo seis,
Moltmann procura trabalhar a dinâmica da comunidade de fé com seus “ministérios” a
partir dos dons e vocações. Além disso, ele aponta para uma práxis da comunidade de fé
na sociedade com alguns critérios como, por exemplo, a amizade com os “de fora” da
comunidade. O último capítulo ele faz um resumo das principais marcas da igreja, sua
unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.
Como essa obra será analisada nos próximos capítulos, no segundo e terceiro,
aqui, por enquanto, interessa perceber os caminhos que o teólogo de Tübingen procura
traçar com a sua principal obra eclesiológica.
Sendo assim, passo a olhar as demais obras do autor, as que compõem o eixo da
trilogia da esperança (exceto A igreja no poder do Espírito): Teologia da esperança e
O Deus crucificado. Logo em seguida alguns apontamentos quanto à hermenêutica de
Moltmann como um aporte metodológico para se pensar em uma eclesiologia aberta.
34
Passo agora a tecer algumas considerações quanto à eclesiologia que está na sua
obra mais expressiva, a Teologia da esperança de 1964.
2.2. A eclesiologia na Teologia da esperança
A intitulada trilogia da esperança7 tem início com a tão conhecida obra
Teologia da esperança publicada em 1964. Uma obra em que o autor tem como
interlocutor o filósofo Ernst Bloch a partir do seu livro O princípio esperança. A
proposta da obra moltmanniana é tratar a escatologia como um tema importante da
teologia, ou seja, um tema de primeira grandeza. Na Teologia da esperança, Moltmann
trata da eclesiologia em diversos momentos. Aqui interessa esse olhar para a
eclesiologia na Teologia da esperança.
Moltmann expõe as incumbências que são postas pela sociedade moderna à
igreja no transcorrer da história (MOLTMANN, 2003, p. 361-398). Ele sintetiza isso da
seguinte maneira. Com o surgimento da sociedade burguesa e as relações baseadas nas
necessidades, o conceito de religião foi emancipado. Em outra época, era dado à igreja
funções, ou tarefas, na sociedade e com o advento do modernismo isso foi suplantado.
Vista como coração da sociedade, sustentadora e unificadora de interesses político-
sociais no Império Romano, a igreja era tida como culto público, detentora da fé, da
moral e da adoração a Deus. Com a chegada da modernidade, ela perde seu ideal moral
e unificador e passa a ser um culto privado. A religião torna-se religiosidade individual.
Dando ao indivíduo esta liberdade, a religião torna-se intimista e particularizada. Tem, a
partir de agora, uma função consoladora diante da angústia existencial; é sua função dar
às pessoas o sentido de existir.
As novas funções eclesiológicas são consequências de mudanças econômicas e
político-filosóficas. Além desses fatores, Moltmann aponta o crescimento do consumo e
das relações pessoais baseadas nas necessidades. Com isso, o ser humano recorreu à
subjetividade como compensação para as tumultuadas relações sociais.
As necessidades subjetivas dão novas formas a igreja: (1) a igreja-subjetividade:
a cosmologia cedeu lugar à metafísica subjetiva. O salvamento depende da 7 Como mencionado acima, é Rosino Gibellini que assim define o conjunto dessas três obras – Teologia da esperança, O Deus crucificado e A igreja na força do Espírito – como trilogia da esperança.
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interiorização do transcendente. Há um isolamento social de quem encontra esta
religião subjetiva e a fé passa a não ter nenhuma consequência prática para o próximo.
O que conta é o sentimento de eternidade garantida e os desejos, existenciais e de
consumo, atendidos; (2) a igreja-solidariedade: ligada a pequenos grupos, a igreja
funciona como uma arca de Noé. Ela aliena e acrisola as pessoas das situações sociais.
A integração a uma igreja é compensatória porque concede privações sociais ao
indivíduo que vive em uma sociedade secular. O grupo é fechado em si mesmo e não
produz nenhum compromisso social, tornando ineficiente o amor cristão para com a
sociedade; (3) a igreja-instituição: é o retorno do velho jeito Constantino de ser igreja. A
este tipo de comunidade cabem às regras, os padrões de comportamentos. Afinal de
contas, a igreja instituição confere segurança em tempos inseguros porque diz em que se
crê e como crê. Permite ainda aquela sensação de certeza e de caminho certo, além, é
claro, de produzir um sentimento de agraciado por estar ali e sentir, ao mesmo tempo,
uma leve pena de quem não se encontra no lado de cá da fronteira.
São papéis que a sociedade, no entender de Moltmann, requisita para a igreja.
Papéis esses derivados de necessidades ou eventos sociais, mas que não coadunam nem
um pouco com o parecer teológico da igreja neotestamentária: “se o cristianismo quer e
deve ser outra coisa, segundo a vontade de Cristo, em quem crê e a quem espera, deve
tentar nada menos do que irromper para fora desses papéis sociais assim fixados”
(MOLTMANN, 2003, p. 382).
O discurso de Moltmann é uma provocação e, ao mesmo tempo, um desafio para
que a igreja sinta-se parte da sociedade e participe de sua vida. Os modelos que a
sociedade quer da igreja não são mais concebíveis, ela é maior que isso, ela tem uma
grandeza peculiar, porque a ela é dada tarefas superlativas. Em outro momento,
Moltmann passa a expor as funções e tarefas da igreja para um novo contexto.
A eclesiologia na Teologia da esperança é pensada da seguinte maneira: Deus
no Antigo Testamento é um Deus de promessa, portanto a revelação de Deus se dá na
história da promessa. No Novo Testamento a ressurreição de Jesus Cristo, que se inicia
a promessa e a abertura para o futuro é prolepse, ou seja, antecipação do que será o
futuro, mas o futuro não se esgota com a ressurreição, mas antes confirma,
antecipadamente, a promessa da glória e do senhorio do futuro reino de Deus. A missão
da igreja está totalmente atrelada ao conceito de reino de Deus porque apenas por meio
dela, a igreja, o futuro pode ser construído. A missão da igreja, portanto, está entre a
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promessa dada na ressurreição de Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por
meio da missão da igreja, o mundo já é afetado na antecipação da nova criação e
começa a ser transformado em direção da promessa de transformação escatológica.
Em outro momento Moltmann atrela a igreja ao reino de Deus e esta, a igreja, se
torna expressão do reino de Deus quando passa a ser anunciadora da esperança que foi
confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. A igreja, portanto, é chamada para mediar
à presença de Cristo que, por sua vez, faz a mediação do futuro de Deus (ERICKSON,
1982, p. 41). Cabe à igreja ser construtora da realidade futura, e não apenas intérprete da
história (como é visto nas concepções milenaristas, por exemplo, que analisaremos no
capítulo terceiro). À igreja, é-lhe dada a tarefa de esforça-se para trazer o futuro para o
presente. Sendo a igreja portadora do futuro, a promessa do reino de Deus torna-se
fundamento para a missão do amor pelo mundo (MOLTMANN, 2003, p. 265).
O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada
uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela
os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas
(MOLTMANN, 2004, p. 13). A igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel
vive continuamente e não ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e
fraternidade que se torna fermento de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p.
201). Para ela ser isso, fermento de vida, ela deve assimilar conscientemente de que é a
antecipação, o sinal do reino de Deus. Jesus, com sua missão e ressurreição, trouxe o
reino de Deus para a história, a igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do reino de
Deus (MOLTMANN, 2003, p. 386). O que isso significa? Ora, para Moltmann a
promessa gera missão; a promessa do reino de Deus é o fundamento da missão do amor
pelo mundo; a missão é a esperança da fé em ação (MOLTMANN, 2003, p. 202). O
seguimento de Cristo implica no serviço ao mundo.
Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada
cristão compreende sua função na missão. A esperança do futuro reino de Deus é tarefa
da igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um
horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade. Isso só é possível com a pregação do
evangelho (promessa de Deus sobre a nova criação que vem da ressurreição de Cristo).
A missão é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de
Deus e seus valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos.
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Foi dado à igreja papéis que não correspondem com o Novo Testamento
(MOLTMANN, 2003, p. 361ss). À igreja cabem as funções outorgadas pelo Novo
Testamento, ou seja, a colaboração no projeto do reino de Deus.
Cabe à igreja ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social;
contar com o comprometimento de tod@s na missão ao mundo, tornando patente seu
plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das vocações para a transformação da
sociedade por meio dos valores do reino de Deus; procurar ser a sinalização da graça de
Deus, pois ela é a consciência mais profunda do manifestar de Deus; tornar realidade,
nela mesma, a presença amorosa de Deus por meio do cuidado fraterno; alimentar a fé
de um mundo melhor por meio da esperança; celebrar a chave do futuro, a ressurreição
de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer uma leitura de seu contexto de maneira
aberta, ou seja, dialogal e fraterna.
2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado
A discussão sobre a igreja na obra O Deus crucificado se dá no primeiro
capítulo. Nesta clássica obra, Moltmann procura trabalhar a teologia da cruz e sua
relação com o sofrimento. Essa obra ficou amplamente conhecida, principalmente na
América Latina, depois da tragédia com os seis jesuítas em San Salvador em 1989. No
triste fato, conforme Moltmann relata, “o corpo do padre Ramón Moreno foi arrastado
pelos soldados para dentro do quarto de Jon Sobrino que não estava presente no local.
No seu sangue, foi encontrado um livro caído. Tratava-se de El Dios crucificado”
(MOLTMANN, 2004, p. 187). Um livro que procura tratar a cristologia a partir da cruz
e sua relação com Deus. O texto é sua teologia da cruz.
Quanto à eclesiologia, Moltmann trata no prólogo e no capítulo primeiro. Como
o seu tema não é a igreja, mas sim Cristo, ele levanta algumas questões como a
necessidade da igreja ser mais relevante, com sua teologia, no contexto social, deixar de
pertencer ao gueto e ser uma comunidade para fora: “para mim, a igreja e a teologia
cristã adquire importância quando mostra os problemas do mundo moderno unicamente
revelando o ‘núcleo duro’ de sua identidade com Cristo crucificado e deixando-se
questionar por ele juntamente com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010,
p. 25). Para o autor, Jesus precisa estar sendo evidenciado na vida da igreja, ou seja, se a
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igreja toma o nome de Jesus e professa fé nele, algumas atitudes, comportamentos,
precisam ser evidenciados para dar credibilidade a essa assertiva. Nesse sentido,
Moltmann está dizendo que a igreja precisa tomar consciência de que ela está ligada a
Jesus e, portanto, é preciso estar ciente das implicações que o crucificado traz.
No capítulo primeiro, Moltmann trata da “identidade e relevância da fé”. A
teologia, mas principalmente a igreja, se torna irrelevante no contexto atual quando, por
exemplo, tentam afirmar a identidade a partir dos dogmas, ritos e padronização moral.
No entender do autor é aí que cresce a sua irrelevância e falta de credibilidade
(MOLTMANN, 2010, p. 29). Quais as razões que levam a essa irrelevância e falta de
credibilidade? Como a obra está em um contexto pós-guerra, Moltmann quer colocar a
questão a partir do que seja importante ou não para a igreja. Para o autor, “quando esta
igreja, que somente se preocupava em conservar a mesma estrutura e ideologia até o
momento, chegou ao ponto de perder o contato com a realidade científica, social e
política do seu ambiente” (MOLTMANN, 2010, p. 30). A igreja, pelo seu
acrisolamento, se fechou em si mesma e, de algum modo, se manteve afastada das
questões que a sociedade estava discutindo e passando, principalmente com crises
políticas e sociais. É por isso, que para Moltmann (2010, p. 30),
muitos abandonam o estudo teológico, seus cargos de pastores, o sacerdócio e suas congregações, e se põem a estudar sociologia e psicologia, ou a promover a revolução e a trabalhar nos bairros miseráveis de nossas cidades, convencidos de que assim contribuem mais eficazmente para a solução dos conflitos desta sociedade desgarrada.
A questão levantada pelo autor é quanto à relevância da teologia e,
consequentemente da igreja, para o contexto atual quando algumas iniciativas estão
sendo tomadas, ou seja, quando a teologia e a igreja não estão tendo relevância
exatamente por não discutir temas relevantes. A consequência disso é o não
engajamento social que era esperado da igreja, uma vez que ela se identifica como
seguidora de Jesus. Moltmann (2010, p. 31) pontua que
muitos se fixaram nos sofrimentos dos oprimidos e abandonados do mundo, descobrindo a paixão do compromisso social e político. E os que optaram por este caminho se viram com frequência obrigados a
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abandonar as igrejas existentes por não encontrar em suas instituições nenhuma possibilidade de realizar seu compromisso.
A crise da igreja se dá pelas disputas internas, desfigurando o evangelho de
Cristo e sua práxis, esquecendo-se da dimensão política-profética da igreja. A
relevância da igreja no cenário social seria possível mediante o ajuntamento ecumênico,
e não propriamente o dogmático, para superar a falta de identidade com Cristo e a crise
interna das igrejas. Moltmann ressalta de que a morte de Jesus teve a sua dimensão
política, por isso a “fé no crucificado é, em sentido político, testemunho público em prol
da liberdade de Cristo e o direito da graça frente às religiões políticas dos povos, frente
a impérios, raças e classes” (MOLTMANN, 2010, p. 175). A igreja necessita recordar
de que a fé que ela professa é no seguimento de Jesus, portanto uma “fé sem seguimento
se reduziria a mera aceitação de doutrinas e participação em cerimonias”
(MOLTMANN, 2010, p. 85). Outra obra cristológica em que o autor amplia o tema do
seguimento como práxis é O caminho de Jesus Cristo (2000a). Aqui Moltmann começa
discutindo a questão do messianismo e seus desdobramentos, sendo para ele, o conceito
messiânico uma chave hermenêutica importante. Ele trata dessa categoria, messiânico,
em sua obra eclesiológica, mas em O caminho de Jesus Cristo ele amplia a partir da
práxis de Jesus emergindo uma cristologia que não olhe apenas para o céu, mas sim
“uma cristologia para homens e mulheres que caminham e buscam orientações diante
dos conflitos e da história” (MOLTMANN, 2000a, p. 11). Nesse sentido, a igreja é
continuadora dessa dimensão messiânica.
Uma leitura eclesiológica da obra O Deus crucificado se faz a partir da estreita
relação entre Jesus e a igreja, entre a sua práxis e a postura da igreja. Ocorre que, no
entender de Moltmann, a crise de irrelevância está em não levar em consideração as
dimensões da cruz, e uma delas é o seu aspecto político-social.
A fim de sustentar epistemologicamente a concepção de uma eclesiologia
aberta, é importante pontuar alguns aspectos da hermenêutica moltmanniana.
A proposta desse capítulo é procurar mostrar que a eclesiologia está presente na
obra de Moltmann e o autor tem, além da sua principal obra A igreja no poder do
Espírito, outras contribuições valiosas quando o tema é igreja. A delimitação foi a partir
do seu principal livro sobre igreja, já citado, e as duas obras que o projetaram
mundialmente no cenário teológico, Teologia da esperança e O Deus crucificado.
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Diante disso, importa finalizar este capítulo introdutório elencando alguns aspectos da
hermenêutica de Jürgen Moltmann que serviram para fundamentar sua eclesiologia,
tema que será trabalhado no próximo capítulo dessa dissertação.
3. Aspectos hermenêuticos da teologia moltmanniana
O filósofo, denominado de neomarxista, Ernst Bloch, exerceu uma importante
influência em Jürgen Moltmann com a sua filosofia da esperança. Bloch, como leitor e
pesquisador de Karl Marx, diferiu quanto à tese marxista segundo a qual o ser humano
se encontra em estado de alienação (MONDIN, 1983, 244). Para Marx o ser humano se
encontra alienado em sentido econômico e social, ou seja, o trabalhador (proletário) só
tem a sua força de trabalho caindo sob o domínio do outro. Isso só poderia ser superado
pela supressão da economia capitalista (DUROZOI & ROUSSEL, 2005, p. 23). Já
Bloch entende alienação do ser humano por razões ontológicas. A sua alienação se dá
pela sua incompletude, pela sua limitação, pelo “não-ainda-ser” (REALE & ANTISERI,
2006, p. 447). É aqui que o filósofo alemão coloca a esperança como mediadora das
relações humanas. Para Bloch, a esperança se dá em um movimento antecipador do
futuro. Nesse sentido, “aquele que espera (o ser), projeta o seu ainda-não-ser para esse
futuro ainda-não-realizado” (KUZMA, 2014, p. 97). É a partir disso que Bloch elabora
a sua filosofia da esperança postulando a ideia de que o ser humano “é, por essência, a
criatura que tende para o possível que lhe está adiante” (MONDIN, 1983, 244). O
esperar não é um fator de imobilidade, pelo contrário, segundo Bloch “somos ardentes e
indecisos” e é essa dimensão humana que impulsiona para a ação. É a partir dessa
dimensão humana do esperar que vive-se “estimulado em primeiro lugar por si
mesmo”. Assim Bloch sentencia: “se o almejar é sentido, então passa a ser um ansiar, a
única condição sincera de todos os seres humanos” (BLOCH, 2005, p. 29). O filósofo
não centrou suas reflexões no ser ou ainda no conhecimento, mas sim na esperança. Faz
sua leitura da realidade a partir da premissa de que o ser humano vive em tensão para o
futuro, tendo nele algo (daí a dimensão ontológica) que está presente e ativo, como um
impulso originário, que o direciona para a novidade do futuro (REALE & ANTISERI,
2006, p. 447). Uma vez dada essa concepção de futuro, Bloch, na sua filosofia da
esperança, compreende que o possível está à frente. Neste sentido é a possibilidade do
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acontecer que faz com que a realidade se desenvolva. Para isso, há duas dimensões
dialéticas em Bloch. A subjetiva e a objetiva. Para o filósofo alemão, “o fator subjetivo
é a potência inacabada de fazer as coisas evoluírem; o fator objetivo é a potencialidade
não terminada da mutabilidade do mundo” (apud MONDIN, 1983, 244). É dentro dessa
dialética que se dá a construção da possibilidade de transformação histórica. “Essa
abertura, esse estado incompleto, não é condição negativa. Pelo contrário, é muito mais
condição positiva, constituindo o caminho para o cumprimento” (REALE &
ANTISERI, 2006, p. 447). Não é um abandono da história, pelo contrário, é um assumir
a história com suas vicissitudes e contradições e, concomitantemente, com esperança
pelo futuro aberto de possibilidades.
A religião é parte substancial no sistema filosófico blochiano. Diferente de Marx
que a compreendia como ópio do povo,8 Bloch formula a ideia de que “onde há
esperança, há religião” (apud REALE & ANTISERI, 2006, p. 448). A religião, antes de
ser instrumento alienatório, “é a esfera na qual o ser humano ainda incompleto projeta a
sua ânsia perene por uma existência reconciliada” (MONDIN, 1983, p. 246). É dentro
dessa perspectiva que Moltmann encontra o aporte hermenêutico para construir a sua
teologia da esperança. Ainda que houvesse diferenças nos caminhos traçados por
ambos, há uma interação entre os dois, havendo uma profícua interlocução em temas
como utopia, messianismo e religião. Moltmann se apropria das “bases filosóficas de
Bloch para produzir uma teologia que fosse orientada para o futuro, de maneira
histórica, servindo-se da práxis” (KUZMA, 2014, p. 98). Uma vez que o ser humano
“vive voltado unicamente para o futuro; o passado chega somente mais tarde, e quanto
ao presente propriamente dito, pode-se dizer que ainda não chegou” (apud MONDIN,
1983, 244). O teólogo de Tübingen vê nisso uma chave para formular uma escatologia
que alimente a esperança em uma Europa dilacerada pela Segunda Guerra Mundial,
onde fracassa o sonho de uma sociedade madura proclamada pelo iluminismo. Surge
então, a teologia da esperança propondo uma nova perspectiva para o futuro do ser
humano. A iniciativa é olhar para frente e procurar idealizar um futuro mais humano,
colocando Deus e sua promessa no cenário do discurso moderno.
Moltmann se apropria da filosofia da esperança de Bloch abrindo um diálogo
com a teologia, mais especificamente, com a escatologia. Bloch irá suscitar em
8 “A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, tal como é o espírito de condições sociais de que o espírito está excluído. Ela é o opium do povo” (MARX, 1975, p. 48).
42
Moltmann uma profícua reflexão em torno do tema da esperança a partir da teologia
cristã, com sua tradição, e da exegese bíblica.
Alguns conceitos são chaves na reflexão teológica moltmanniana. Sintetizá-los
possibilita elencar o caminho que Moltmann procura seguir para dar consistência
metodológica ao seu sistema teológico.
3.1. Promessa e esperança
Os temas esperança, promessa e escatologia estão presentes de maneira
preponderante no pensamento moltmanniano. A esperança ocupa um lugar primordial
na reflexão do teólogo de Tübingen.
Quanto à sua etimologia, esperança vem do latim, spes, significando uma espera
aberta, ou seja, uma espera que não depende de resultados externos, nesse sentido é
diferente de expectativa, mas sim sobre a realização do ser humano que se dá a partir da
própria condição humana (KUZMA, 2007, p. 21). A partir disso, a esperança se dá
como uma força que impulsiona a caminhar rumo a um horizonte e no caminhar já é
possível favorecer a transformação da realidade (KUZMA, 2007, p. 21).
A esperança para Moltmann é condição sine quo non para a vida cristã: “a fé é o
prius, mas a esperança detém o primado” (MOLTMANN, 2003, p. 27). Quando à
esperança é dada essa primazia, Moltmann entende que a esperança é a esperança da fé
e não ao contrário (GIBELLINI, 1998, p. 282). A esperança em Moltmann se propõe a
relacionar-se e alimentar-se das realidades concretas da vida vivida em opressão,
miséria, exploração e alienação. Ter esperança, por isso mesmo, implica aprender a
dizer sim para o futuro. A esperança no futuro não é um álibi contra o presente, mas
uma energia expectante, ativa e ativadora da história.
Aqui interessa pensar alguns pressupostos da hermenêutica da esperança de
Moltmann a fim de constatar eixos teóricos para dar suporte metodológico ao que se
pretende com essa pesquisa, a sua eclesiologia.
Consciente das críticas que Moltmann recebeu de autores latino-americanos
como, por exemplo, Rubem Alves e Gustavo Gutiérrez, dentre outros, onde apontaram,
de maneira aqui sintetizada, que os conceitos de Moltmann acerca da esperança e da
43
promessa são, respectivamente, muito otimista e às vezes difuso demais. Isto implicaria
imediatamente em um distanciamento alienante da realidade, ao apresentar um futuro
como algo já determinado e acabado (ALVES, 1987, p. 103ss). Já Gustavo Gutiérrez
(1976, p. 178ss) conclui que a linguagem acerca da morte e ressurreição de Jesus Cristo
não deveria, necessariamente, projetar apenas uma esperança futura, mas uma esperança
que estivesse também enraizada no coração de uma práxis histórica. Gutiérrez alega que
falta à Moltmann uma metodologia que tenha uma perspectiva sócio-analítica coerente e
de precisão sócio-política, o que tornam as suas propostas, acerca dos oprimidos,
desprovidas de um conteúdo concreto. Apesar das reações, Moltmann sempre se
manteve aberto ao diálogo com teólogos latino-americanos e reconheceu a importância
da teologia da libertação no seu programa teológico. Quanto às críticas que foram
dirigidas a ele e ao seu sistema escatológico, Moltmann demonstrou, principalmente
com a sua obra A vinda de Deus (2002b), que elas não se confirmaram positivamente.
Como o próprio Moltmann escreve, a hermenêutica da esperança tem uma
lógica (MOLTMANN, 2004, p. 79ss). Ela passa pela promissão. Com isso, Moltmann
pretende dar à esperança possibilidades dentro da história.
O binômio, promessa-esperança, é uma importante chave hermenêutica na
teologia moltmanniana.
Na sua teologia da esperança, a promessa é vinculada à revelação de Deus. A
partir do Antigo Testamento, Moltmann concebe uma relação entre a revelação de Deus
e a promessa dele. Para ele, “Deus se revela sob a forma de promessa e pela história da
promessa”. Nesse caso, o cristianismo seria uma “religião da promessa”, pois o real
fundamento da fé é a promessa. Recorrendo aos reformadores, Moltmann assegura que
“a fé é suscitada pela promessa e por isso é essencialmente esperança, certeza,
confiança no Deus que não mente e que manterá fiel à palavra de sua promessa”
(MOLTMANN, 2003, p. 51). Mas o que seria a promessa para Moltmann?
A compreensão de Moltmann quanto à promessa está baseada no Antigo
Testamento, como mencionado a pouco, ou seja, para ele Israel compreendia as
“aparições” como algo diretamente ligado à promessa de Javé. Nesse sentido, a
promessa aponta “em direção ao futuro e ainda não real” (MOLTMANN, 2003, p. 121).
A novidade de Moltmann é que a sua ênfase na promessa o leva a concluir que a
revelação é a mensagem da promessa, ou seja, “a antecipação no presente de eventos
44
totalmente novos e inesperados que se darão no futuro” (MILLER & GRENZ, 2011, p.
133). Com essa ideia, Moltmann dará uma ênfase no futuro como elemento
impulsionador de sua teologia escatológica. O futuro é quem determina o presente e não
o contrário. “Ele [o futuro] não brota do presente, [antes é] o futuro [que] vem até ele. O
futuro arrasta o presente e o impulsiona adiante ao encontro de novas formas da
realidade” (MILLER & GRENZ, 2011, p. 132). O que dá mobilidade ao futuro é a
promessa: “é na palavra promessa que se torna inteligível o que seja passado e o que
seja futuro” (MOLTMANN, 2003, p. 125).
Essa concepção moltmanniana quanto ao futuro da promessa provocou algumas
críticas de teólogos como Rubem Alves (1987) e Gustavo Gutiérrez (1976), como
mencionado acima. Como aqui o espaço é dedicado a fazer uma análise dos elementos
que compõem a hermenêutica da esperança, aqui interessa apenas questões que ajudem
a elucidar a compreensão do esboço teológico de Moltmann. Nesse sentido, Etienne
Alfred Higuet (1995, p. 36-37) traz o que seria o futuro para Moltmann: “o dom do
futuro deve ser recebido na recusa da injustiça, no protesto contra o desrespeito
sistemático dos direitos humanos e na luta pela paz e a fraternidade. Por isso, a
esperança cumpre uma missão mobilizadora e libertadora da história”. O futuro para
Moltmann é a abertura para a possibilidade da construção histórica (tema que trataremos
mais adiante), ou seja, “esperança é uma abertura radical à irrupção do futuro de Deus”
(HAUGHT, 1998, p. 123).
Na hermenêutica da esperança a promessa e o futuro estão interligados e, nesse
sentido, “a promessa atrai o ser humano dentro de sua própria história pela esperança
que nasce dela mesma, modelando sua existência (do ser humano) de acordo com a
direção apontada por ela própria” (PIRES, 2007, p. 101).
3.2. Escatologia e história
Moltmann será o responsável por colocar a escatologia em lugar de destaque.
Ele não concebe uma escatologia histórico-salvífica apenas, ou a uma escatologia
transcendental ou existencial. Para ele a escatologia está diretamente ligada à promessa
de Deus. Nesse sentido, é uma escatologia que se dedica a pensar a partir da Bíblia,
diferente da concepção grega (MOLTMANN, 2003, p. 49-50). Moltmann quer que a
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escatologia não seja apenas o último tratado da dogmática, mas antes seja a primeira
questão teológica, ou seja, o maior problema da teologia cristã, uma vez que o maior
problema do cristianismo, para ele, é o problema do futuro (HIGUET, 1995, p. 35).
A escatologia está atrelada a concepção de história em Moltmann. Nesse caso, a
história é um dos temas da reflexão teológica moltmanniana. A história é a história
experimentada no Antigo Testamento com o povo de Israel. Assim “Deus não é o
transcendente distante, mas o Deus do êxodo, o Deus que aponta para frente, que vai
adiante, guiando e acompanhando o povo” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 109). Isso só
tem sentido, porque para Moltmann o caminho histórico passa pela experiência da
promessa (GIBELLINI, 1998, p. 283). A teologia da história em Moltmann parte da
ideia de que a história só pode ser considerada significativa quando nela se encontra
algo que aponte para o futuro (PIRES, 2007, p. 76). Como Moltmann parte da história a
partir da experiência de Israel com o seu Deus, ela, a história, é possível mediante a
promessa e como tal é experimentada como história: “o campo de ação daquilo que
enquanto ‘história’ é inserido dentro da experiência, da lembrança e da promessa, é
produzido, torna-se manifesto e é modelado pela promessa” (MOLTMANN, 2003, p.
128). A chave aqui é a promessa, elemento indispensável ao sistema teológico
moltmanniano, porque somente as “promessas de Deus abrem os horizontes da história,
entendendo-se por ‘horizonte’, conforme feliz fórmula de Hans-Georg Gadamer,
‘ausência de limites fixos’, algo para o qual entramos e que caminha conosco”
(MOLTMANN, 2003, p. 128).
O teólogo alemão ao vincular história e promessa, dá uma nova perspectiva para
a história, ela ganha dimensão futurológica, ou seja, o presente é transposto para o
futuro quando a realidade da história é narrada dentro do horizonte das ações históricas
a partir da promessa de Deus ao seu povo, Israel (MOLTMANN, 2003, p. 131). A
consequência disso é uma abertura para as possibilidades na história, não significando
um engessamento das ações humanas, pelo contrário, a promessa dá condições para que
o presente seja vivenciado pela perspectiva do futuro: “a promessa consiste numa
contradição visível com a realidade histórica. Ela ainda não encontrou sua
correspondência e por isso impele o espírito para o futuro” (MOLTMANN, 2003, p.
144).
A teologia da história que Moltmann assimila foi trabalhada pelo amigo
Wolfhart Pannenberg. Colega de trabalho de Moltmann, Pannenberg trata a revelação
46
em seu aspecto histórico, ou seja, eventos na história revelam quem Deus é
(GIBELLINI, 1998, p. 271). É dada uma importância ao “fato” de que “se Deus se
revela na história, isso não pode ocorrer apenas com referência a um segmento da
história, mas deve referir-se à totalidade da história, e, portanto, também ao fim da
história” (GIBELLINI, 1998, p. 272). Moltmann entende que apenas a concepção
judaico-cristã (e o messianismo naturalmente está aqui contemplado, tema que será
tratado mais adiante), diferente da concepção grega, abriu uma perspectiva da história
como algo finalista, irrepetível (MOLTMANN, 2003, p. 310).
Escatologia e história são elementos que não concorrem em si, antes são
concomitantes porque a história ainda é uma realidade inacabada (HIGUET, 1995, p.
39). As possibilidades existentes na construção da história são infindáveis, uma vez que
a história é entendida de maneira aberta podendo o futuro exercer a sua própria
dinâmica. Como esses conceitos estão concatenados, “a esperança cristã só pode ter
sentido se o mundo estiver recheado de possibilidades, podendo ser transformado por
quem espera na promessa de Deus” (HIGUET, 1995, p. 39).
3.3. Messianismo e missão
O messianismo é um tema pelo qual Moltmann tem paixão. Sua teologia,
principalmente nas contribuições sistemáticas para a teologia, a temática do messiânico
está presente. Com isso é possível falar de uma doutrina messiânica da criação (1992a),
uma cristologia messiânica (2000a) e, o nosso foco nessa pesquisa, uma eclesiologia
messiânica (2013).
O messianismo presente em Moltmann (2002b, p. 46-63) possibilitou o diálogo
com os principais filósofos judeus e com o judaísmo. A sua concepção messiânica está
por trás, principalmente, da sua cristologia e eclesiologia. Na sua cristologia, Moltmann
quer recuperar a dimensão messiânica por entender que “a esperança messiânica do
Antigo Testamento permaneceu excluída tanto da cristologia como da escatologia”
(MOLTMANN, 2000a, p. 23). O que seria o messiânico em Moltmann? Ele entende
que o messiânico envolve tanto a pessoa do messias quanto ao reino messiânico tendo
como consequência, o tempo, a terra, o povo e a história que carregam a dimensão do
messiânico (MOLTMANN, 2000a, p. 19-20).
47
Como o objetivo aqui é apenas pontuar algumas chaves hermenêuticas do
pensamento teológico de Moltmann, uma análise mais detalhada não se faz necessária.
Interessa aqui marcar os pontos em que será possível, nos próximos capítulos dessa
pesquisa, desenvolver um caminho de reflexão que leve à eclesiologia aberta dentro do
sistema teológico moltmanniano. Aqui é preciso frisar que o processo metodológico de
Moltmann passa pelo caminho da dialética da contradição e antecipação, método esse
pesquisado por Gustavo Soldati Reis (2003). A partir disso, é possível mapear alguns
pressupostos da teologia moltmanniana que é perpassada pela noção de messianidade.
Moltmann (2000a, p. 21) concorda com Martin Buber de que “o messianismo é a ideia
original mais profunda do judaísmo”. Portanto, é preciso recorrer ao Antigo Testamento
se o cristianismo quiser fazer cumprir a sua missão em penetrar as nações com a
esperança messiânica da chegada de Deus, por isso, é preciso recorrer à raiz do conceito
de messianismo, tanto no judaísmo quanto no Antigo Testamento. O messianismo é
centralizado na figura de Jesus Cristo e, como consequência, “a particular esperança
judaica se constitui em pressuposto para a esperança messiânica universal de Jesus”
(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 121).
A dimensão messiânica está atrelada à concepção de missão. São elementos
constituintes de uma mesma base. Por um lado Moltmann desenvolve uma reflexão
onde a messianidade perpassa a ideia da promessa e sua relação com a esperança, mas
também desenvolve a concepção de missão a partir do seguimento do messias. É nesse
sentido que a dimensão messiânica ganha escopo na figura de Jesus Cristo. A missão se
dá em dimensões messiânicas porque “são as pessoas que se lançam no seguimento
praxístico de Jesus” (REIS, 2003, p. 51). A missão, portanto, é caracterizada pelo
seguimento messiânico, por entender que o messias inaugurou um novo tempo como
cumprimento da promessa de Deus. Sendo assim, a concepção de missão com dimensão
messiânica em Moltmann é a possibilidade de orientar para o futuro, pela força da
esperança, o agir do cristão. “Se os cristãos acreditam realmente que Cristo ressuscitou
dos mortos, não podem contentar-se em conservar esse mundo como está, mas devem
desde já transformá-lo e renová-lo, não apenas nas pessoas, mas também nas condições
de existência” (HIGUET, 1995, p. 37). A tarefa da missão está ligada à dimensão do
seguimento de Jesus, portanto, “seguir Jesus significa traduzir, na própria
responsabilidade e nas circunstâncias atuais, a missão de Cristo”. Por missão de Cristo,
Moltmann entende como sinônimo reino de Deus. O seguimento, a missão do cristão, se
48
dá em uma unidade existencial que engloba teoria e práxis, uma não pode se desprender
da outra (MOLTMANN, 2010, p. 87).
Considerações parciais
O objetivo deste capítulo foi tratar a trajetória de Jürgen Moltmann dando uma
ênfase ao aspecto pastoral e eclesial do teólogo, sem desconsiderar a sua produção
teológica.
Moltmann teve uma experiência significativa como pastor de uma comunidade
pequena, contribuindo assim para a sua produção acadêmica. A sua vida como pastor o
ajudou a fazer teologia porque a “sua primeira trincheira de luta em favor do reino de
Deus nasceu no meio do povo, em uma comunidade bem concreta” (SILVA & DIAS,
2008, p. 28). O destaque quanto a sua atuação pastoral é relevante nessa pesquisa, pois
será essa experiência que impulsionaria o teólogo da esperança a pensar a eclesiologia
a partir da comunidade de fé.
Autor de dezenas de obras que incluem livros, artigos e verbetes, Moltmann tem
o seu destaque na teologia contemporânea por trazer a escatologia para o debate
teológico com outras perspectivas, diferente das concepções que a tratam como um
apêndice na teologia sistemática ou elabora uma reflexão cataclísmica e destruidora do
ecossistema e do ser humano, presente nas concepções milenaristas. A escatologia tem
como sinônimo, em Moltmann, a esperança, ou seja, é uma leitura da vida que tem na
promessa a possibilidade de trazer o futuro para o presente. Quanto à sua eclesiologia,
embora seja um tema relevante no sistema teológico moltmanniano, ela foi preterida nas
pesquisas acadêmicas no contexto brasileiro, priorizando outros temas de igual
relevância.
Apenas para creditar o tema (eclesiologia) no início da sua produção teológica,
comumente conhecida como trilogia da esperança, foi possível, ainda que de maneira
breve, sintetizar algumas ideias quanto à concepção eclesiológica do autor. Esse
apanhando geral serviu para situar a eclesiologia como um tema igualmente relevante,
em comparação à cristologia, à criação, à trindade, à escatologia. Nesse sentido, a
eclesiologia tem o seu devido “peso” no sistema teológico moltmanniano como uma
49
reflexão que procura responder aos anseios da própria comunidade de fé, bem como
também da sociedade que sofre, constantemente, com crises em diferentes setores, seja
ambiental, econômico ou político. Os três títulos que compõem a trilogia da esperança
tem um em especial, A igreja na força do Espírito de 1975, mostrando, desde o início
da reflexão teológica do autor, que a eclesiologia ocuparia um espaço de destaque,
assim como ocupou para outros teólogos contemporâneos de Moltmann. Como um
teólogo sistemático, Moltmann procura abarcar todos os temas da teologia cristã e a
eclesiologia ele a têm como uma contribuição pastoral à igreja.
O sistema teológico moltmanniano contempla algumas chaves hermenêuticas
que dão a base epistemológica ao seu pensamento. Aqui foram sublinhados alguns
conceitos como promessa e esperança, escatologia e história e messianismo e missão.
Esses seis elementos estão concatenados possibilitando a construção do método
moltmanniano para tratar da trindade, da cristologia, da pneumatologia, da
eclesiologia, da criação dentre outros temas que compõem o conjunto sistemático do
autor.
Como o objetivo é assinalar, sinteticamente, os conceitos que compõem o
subsídio metodológico de Moltmann, não foi à intenção fazer uma análise detalhada de
cada um dos conceitos elencados, apenas apontar os caminhos que o teólogo de
Tübingen procurou trilhar e esses caminhos passam pela Bíblia e a noção de promessa
presente no Antigo Testamento, gerando esperança; pela escatologia como um estudo
que provoca o futuro na história; pelo messianismo que tem na figura de Jesus Cristo o
seu cumprimento e na sua ressurreição a abertura para a possibilidade de transformação
da história e, portanto, a chave da messianidade alcança a igreja e dela esperar-se que
continue a missão de Jesus Cristo, portanto, ela é uma comunidade messiânica.
50
Dois
A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann
A esperança é um elemento
intrínseco da estrutura da vida, da
dinâmica do espírito do ser humano.
(Erich Fromm)
Considerações iniciais
No capítulo anterior a proposta foi demonstrar que o tema da eclesiologia é
relevante na reflexão teológica de Jürgen Moltmann como um teólogo sistemático. Com
um recorte feito a partir do primeiro ciclo de textos do autor – as obras Teologia da
esperança, O Deus crucificado e A igreja na força do Espírito –, fecha-se um período
comumente conhecido como trilogia da esperança. Fica patente que a eclesiologia faz
parte do esboço teológico de Moltmann como um tema imprescindível para o seu
sistema teológico e, principalmente, escatológico.
Com este capítulo, a pesquisa pretende abordar as principais ideias de Moltmann
procurando demonstrar as bases para se pensar em uma eclesiologia aberta. A proposta
é fazer uma análise de alguns elementos, ou pelo menos dos principais, que compõe a
reflexão moltmanniana, procurando nesses elementos pontes, conexões, que permitam
pensar em uma eclesiologia com dimensões abertas. Num segundo momento, o capítulo
pretende fazer uma leitura praxiológica da eclesiologia do autor para, em sequência,
dialogar com a eclesiologia presente na Igreja Batista brasileira.
O objetivo é delimitar o pensamento eclesiológico de Moltmann tomando como
ponto de partida alguns conceitos que fazem parte da sua construção hermenêutica,
como visto acima. A proposta é apontar as mediações que Moltmann formula tendo em
vista uma eclesiologia aberta que seja possível visualizar uma práxis que favoreça o
51
diálogo e possíveis contribuições para a eclesiologia batista, alvo do terceiro capítulo
desta pesquisa.
1. A eclesiologia no contexto da teologia sistemática
Os temas teológicos tratados por Moltmann estão, de alguma maneira,
concatenados. Quando ele dá à escatologia o status de ponto inicial e final da reflexão
teológica, os outros temas surgem como consequência dentro do seu sistema teológico.
Aqui interessa olhar a eclesiologia do autor dentro dos seus principais temas:
cristologia, pneumatologia, reino de Deus, criação e trindade. O trabalho será identificar
os pontos que ligam esses grandes temas dentro do esboço teológico moltmanniano com
o intuito de oferecer um esquema que possa possibilitar visualizar as bases da
eclesiologia do autor, ou seja, um olhar tendo como foco a sua eclesiologia e, como
consequência, desenhar os caminhos de uma eclesiologia aberta a partir da práxis.
1.1. Cristologia: o seguimento na eclesiologia messiânica
Depois da Teologia da esperança (2003), a obra O Deus crucificado (2010) é o
texto mais significativo de Moltmann sobre cristologia seguida de O caminho de Jesus
Cristo (2000a). A passagem da teologia da esperança para uma teologia da cruz,
segundo Mondin (1980, p. 197-198) se deu quando Moltmann percebeu que a sua
teologia da esperança estava alimentando o otimismo norte-americano e isso chamou a
sua atenção para o fato de que a cruz precisava ser pensada juntamente com a
esperança. Assim, para Moltmann, a teologia da cruz surge no seu pensamento porque
prometeu que se um dia voltasse aos Estados Unidos falaria somente da cruz e não
apenas da esperança.
Foi disso que nasceu a teologia da cruz. Não é uma mudança. Eu entendo as relações deste modo: a teologia da esperança baseia-se na ressurreição de Cristo crucificado, vale dizer, na esperança cristã; a cruz, que é parte de todo o nosso sofrimento, dos nossos desprazeres e das nossas frustrações, mostra como é profunda essa esperança. Assim,
52
em O Deus crucificado, limitei-me a esclarecer um outro aspecto: não a ressurreição do Cristo crucificado, mas a crucificação do Ressuscitado. E foi o que me levou à teologia da cruz ou do sofrimento, a qual, por sua vez, levou-me a uma teologia da trindade (apud MONDIN, 1980, p. 198).
A cristologia de Moltmann é marcada pela cruz e pela ressurreição
(SCHILSON & KASPER, 1990, p. 91). Esses dois elementos estão presentes na sua
dialética cristológica dando fundamento ao horizonte de esperança. Uma vez que esse
horizonte de esperança só é possível na morte-ressurreição, a cristologia moltmanniana
ganha contornos políticos, ou seja, é uma cristologia que procura “formular em
concreto a transformação exigida do mundo em função da vinda de Deus” (SCHILSON
& KASPER, 1990, p. 99). Aqui começa os primeiros contornos que ligam a cristologia
à eclesiologia do autor. Isso porque para Moltmann, “a igreja e a teologia cristã adquire
importância quando encara os problemas do mundo moderno unicamente revelando o
‘núcleo duro’ de sua identidade com o Cristo crucificado e deixando-se questionar por
ele juntamente com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010, p. 25). No O
Deus crucificado, nosso autor levanta questionamentos quanto à identidade e relevância
da fé (MOLTMANN, 2010, p. 29ss). Nesse capítulo, ele conclui que quanto mais a
igreja tenta reafirmar a sua identidade em dogmas, ritos e abordagens morais
tradicionais, a sua irrelevância cresce e a sua falta de credibilidade aumenta. Tendo o
mundo as suas demandas de ordem econômica, social, política e científica, a igreja, com
o seu discurso intransigente e anacrônico, perdeu, ou tem perdido, a oportunidade de
dialogar, confrontar e, por que não, transformar a sociedade. A identidade que a igreja
precisa assumir é com Cristo e isso só é possível na prática do seguimento, ou seja,
“seguir a Jesus significa traduzir, as próprias responsabilidades nas circunstâncias
atuais, [como sendo] a missão de Cristo” (MOLTMANN, 2010, p. 86-87). A cristologia
de Moltmann está ligada, além do seu caráter escatológico que se faz presente na
dialética ressurreição-promessa, ao seguimento da comunidade que assume Cristo
como o referencial de vida, paz, justiça e amor. É nesse sentido que Moltmann fala de
Cristo-práxis, ou seja, é o “sentido estrito da vida da comunidade no seguimento de
Jesus” (MOLTMANN, 2000a, p. 72). Entende-se por comunidade de Cristo, aquela que
socializa o seguimento de Jesus, a Cristo-práxis, para com “os pobres, os enfermos, os
socialmente supérfluos e oprimidos” (MOLTMANN, 2000a, p. 73). Nesse sentido, o
53
caminho de Jesus Cristo é o caminho da comunidade que aceita ser Cristo o Senhor e,
que por isso, interioriza e externa a prática do messias no contexto atual da sociedade.
O seguimento em Moltmann tem uma dimensão política, como mencionado há
pouco. Seguir Jesus como práxis histórica significa também, e sempre é preciso
lembrar, entrar em conflito com a sociedade vigente que tem nas suas instâncias
(economia, política, ciência) comportamentos e posturas que desqualificam o ser
humano, principalmente os menos favorecidos, e, em alguns casos, banaliza a dignidade
humana quando o tema é o capitalismo. O seguimento, diz Moltmann, também inclui
lutar, questionar, fazer valer o reino de Deus nessas instâncias da sociedade que
trabalham com uma lógica diabólica de opressão e miséria (MOLTMANN, 2000a, p.
180). A comunidade messiânica é chamada para favorecer os desvalidos e
marginalizados, assim como Jesus procurou imprimir na sua caminhada messiânica
registrada nos evangelhos (MOLTMANN, 2013, p. 111).
O chamamento para seguir a proposta de Jesus, o enviado de Deus com uma
missão messiânica, se transfere para os seus discípulos e, por consequência, para a
comunidade de fé (a igreja). Moltmann parte do pressuposto de que Jesus e sua
mensagem são indivisíveis, ou seja, há uma identificação plena entre Jesus e o reino de
Deus. Sendo assim, a “proclamação do reino de Deus por Jesus pode ser continuada
após a sua morte e à luz de sua ressurreição” (MOLTMANN, 2013, p. 119). Isso é tão
evidente em Moltmann que, para o autor, “não existe diferença fundamental entre a
proclamação de Jesus e a proclamação da comunidade” (MOLTMANN, 2013, p. 119).
A igreja, portanto, assume ser Jesus o Cristo (messias) e Senhor e proclama a sua
mensagem (reino de Deus) que agora tornou o evangelho da própria comunidade
(MOLTMANN, 2013, p. 119). Como anunciadora do evangelho, a comunidade, por
meio do seguimento, é a “comunidade do êxodo”, ou seja, ela participa da promessa em
Cristo, por meio da sua morte-ressurreição, tornar-se comunidade messiânica, pelo seu
anúncio do reino de Deus que está vindo, proporcionando libertação ao ser humano
(MOLTMANN, 2013, p. 120).
1.2. Pneumatologia: a igreja sob o impulso do Espírito Santo
54
Como um teólogo sistemático, a pneumatologia não poderia estar ausente da
reflexão teológica de Moltmann. Ele se dedica ao tema na obra O Espírito da vida
(1999b), escrito originalmente em 1991. Um texto que marcou o estudo da
pneumatologia e influenciou teológ@s a refletir com criatividade a doutrina do Espírito
Santo. A fim de ampliar o seu público-leitor, Moltmann publica A fonte da vida
(2002a), escrito em 1997. Uma obra com linguagem acessível e pastoral procurando
colocar a temática pneumatológica em conexão com a vida e sua dinâmica. Além dessas
duas obras, Moltmann trata do Espírito Santo a partir da eclesiologia no livro A igreja
no poder do Espírito (2013). Uma eclesiologia impulsionada pelo Espírito Santo na
história com a marca do reino de Deus e a messianidade de Jesus. Aqui iremos olhar a
pneumatologia moltmanniana com lentes eclesiológicas. O intento é apontar os
elementos que ligam o Espírito Santo à igreja e como isso é mediado na teologia de
Moltmann.
Seguindo Richard Bauckham (1995, p. 22), a pneumatologia de Moltmann é
entendida principalmente como a fonte da vida, ou seja, o Espírito da vida é a
experiência no Deus da vida com sua vitalidade e dinamicidade. Além disso, Moltmann
procura abrir um diálogo com a tradição ortodoxa, por entender que essa ramificação do
cristianismo contribuiu de maneira relevante para o debate pneumatológico. Uma vez
que a teologia ocidental “reservou à pneumatologia um lugar periférico no seu fazer
teológico, pois se esqueceu da teologia do Espírito Santo” (COSTA JÚNIOR, 2011, p.
89). Como pesquisador da pneumatologia moltmanniana, Costa Júnior (2011, p. 94) faz
a seguinte observação: “a pneumatologia moltmanniana se mostra atual e se apresenta
como superação aos métodos que circunscrevem a ação do Espírito aos limitantes
espaços eclesiásticos”. Com uma abertura ecumênica, a pneumatologia de Moltmann
procura estabelecer um profícuo diálogo com diferentes tradições como a da igreja
oriental e o pentecostalismo, com isso a sua pneumatologia ganha contornos que
superam o exclusivismo do Espírito Santo ao âmbito eclesiástico, como um adendo
apenas para a salvação. O Espírito Santo é elemento imprescindível no sistema
teológico moltmanniano por favorecer a dimensão do movimento, da abertura, da
presença de Deus. A partir dessa perspectiva, a cristologia é pensada a partir do
Espírito Santo, a criação tem a atuação do Espírito Santo de maneira intensa, e a
eclesiologia é impulsionada pelo Espírito Santo, ou seja, “a igreja de Cristo vive na
presença do Espírito Santo e na sua força” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 100).
55
A eclesiologia pensada por Moltmann não poderia deixar de ter o Espírito Santo
como elemento fundamental. Battista Mondin, quando trata das diferentes eclesiologias,
classifica a eclesiologia moltmanniana como sendo pneumática, ou seja, “somente a
perspectiva pneumatológica é capaz de tornar inteligível o mistério mais profundo da
igreja: o paradoxo pelo qual a igreja, por um lado, participa das ambiguidades com a
vida em geral e a vida religiosa em particular” (MONDIN, 1984, p. 237). Essa relação
fronteiriça que Mondin apresenta no pensamento eclesiológico de Moltmann – igreja
como comunidade de pessoas que se comprometeram com Cristo e tem diante de si o
mundo (sociedade) – é compreensível quando a igreja é concebida “como uma
comunidade de libertos pelo Espírito, que participa do reino libertador de Cristo e
celebra a vida no interior de um contexto de morte” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 100).
Assim como a eclesiologia de Moltmann tem dimensões abertas – essa é a
perspectiva que a pesquisa está perseguindo –, essa abertura tem como fator
preponderante a ação do Espírito Santo. Ele é o elemento constituinte da ação da igreja,
uma vez que “a missão do Espírito é trazer vida ao mundo, a da igreja, portanto, é
assumir este mesmo desafio e trabalhar para tornar manifesto o reino de Deus”
(RIBEIRO, 2010, p. 140). Como salienta Claudio de Oliveira Ribeiro, “o propósito
eclesial, para Moltmann, não é expandir uma ‘civilização cristã’ sobre a face da terra,
mas promover, na realidade desordenada e caótica do mundo, um espaço onde a graça
de Deus se manifeste trazendo vida e restauração” (RIBEIRO, 2010, p. 140). Assim, a
eclesiologia impulsionada pelo Espírito Santo tem uma abertura que supera as
fronteiras denominacionais e, até mesmo, as fronteiras confessionais, porque para
Moltmann “a experiência de comunhão com o Espírito é ampliada para uma comunhão
com toda a criação” (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 117). Nesse sentido, o Espírito Santo
não fica limitado na esfera eclesiástica apenas, ele age no mundo, na história, na
criação. A pneumatologia de Moltmann procurou superar a ideia de que via o Espírito
Santo com uma função instrumental no indivíduo ou na igreja, onde o interesse estava
atrelado apenas ao como, onde e quando ele age (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 123).
A pneumatologia de Moltmann, quando lida pela perspectiva eclesiológica,
procura superar a lógica de que o Espírito está a serviço da igreja apenas como um
elemento exclusivo dela. A atuação do Espírito Santo está para algo mais, porque “a
missão do Espírito Santo é a missão da nova vida, e isso significa mais”
(MOLTMANN, 2002a, p. 28). O Espírito Santo não pode ser classificado “unicamente
56
como Espírito da salvação, cujo lugar é representado pela igreja e que dá aos homens [e
mulheres] a certeza da bem-aventurança eterna de suas almas” (MOLTMANN, 1999b,
p. 19). Essa tendência, segundo Moltmann, faz com que o ser humano se afaste do
mundo alimentando a expectativa por um mundo melhor no além, ou seja, é uma
tendência limitadora tanto da ação do Espírito quanto da igreja, porque alimenta uma
concepção individualista do Espírito Santo. Por outro lado, “a experiência da comunhão
do Espírito necessariamente leva a cristandade a ultrapassar-se para a comunhão maior
com todas as criaturas de Deus” (MOLTMANN, 1999b, p. 21). Isso vai além de leituras
que pretendem colocar o Espírito Santo como dependente do sistema eclesiástico, antes,
para Moltmann, o Espírito Santo está para a vida, como promotor da nova criação; ele
está para a história e a move para a transformação escatológica do mundo; ele está na
igreja, cuja força impulsiona a comunidade de libertos a agir no mundo (COSTA
JÚNIOR, 2011, p. 123).
Na obra A igreja no poder do Espírito (2013) a eclesiologia de Moltmann ganha
contorno pneumatológico. É aqui que o autor trabalha a relação do Espírito Santo com a
igreja de maneira peculiar.
A igreja para Moltmann é a igreja dos ressuscitados em Jesus, vivendo sob o
Espírito do ressuscitado e tendo como uma das marcas da sua vida, a celebração (NAM
KIM, 2005, p. 243). É o Espírito que guia a igreja; é o Espírito que proporciona a
unidade da igreja; é o Espírito que alimenta a dinâmica dos dons espirituais na
comunidade; é o Espírito que, juntamente com a igreja, favorece a construção da
história, pois é na história do Espírito, que relaciona com a história de Cristo e que é a
história da nova criação, que ganha o seu sentido (MOLTMANN, 2013, p. 52). Nas
palavras de Moltmann,
a igreja como comunidade dos pecadores justificados, das pessoas libertadas por Cristo que experimentam salvação e vivem em gratidão, está no caminho do cumprimento do sentido da história de Cristo. Inteiramente voltada para Cristo, ela vive no Espírito Santo e é nisto, ela mesma, início e sinal do futuro da nova criação. Ela anuncia somente em Cristo, mas o fato de anuncia-lo já é a vinda do futuro de Deus na palavra. Ela crê somente em Cristo, mas o fato de crer já é sinal de esperança (MOLTMANN, 2013, p. 59).
57
Somente uma igreja, impulsionada pelo Espírito, tem condições de encanar na
história a práxis do reino de Deus. Assim, “a igreja terá que se compreender em sua
tensão presente entre fé e experiência, esperança e realidade, nessa história do Espírito
que cria coisas novas” (MOLTMANN, 2013, p. 61-62). Essa tensão dialética levantada
por Moltmann que contempla duas polaridades, antecipação e contradição, que a igreja,
a partir da experiência e prática do Espírito, já vive a antecipação escatológica, ou seja,
“as experiências e o poder do Espírito transmitem ao tempo presente a história de Cristo
e o futuro da nova criação. O que se chama de igreja é essa transmissão. Como igreja de
Cristo, ela é a igreja do Espírito Santo. Como comunhão dos crentes, ela é a esperança
criativa do mundo” (MOLTMANN, 2013, p. 62). O elemento que proporciona essa
dinâmica é o Espírito da vida. A igreja é messiânica, mas o seu messianismo está
atrelado ao Espírito que atualiza a atuação da igreja na história. Para essa atuação, ela (a
igreja) precisa ler os “sinais dos tempos” (MOLTMANN, 2013, p. 64). Sendo ela a
igreja de Cristo ela vive no agora a missão e a presença messiânica dele, o Cristo
(MOLTMANN, 2013, p. 77).
A pneumatologia de Moltmann, como mencionado acima, não está reduzida
apenas ao aspecto subjetivo do ser humano em relação a sua salvação, antes, o Espírito
está dado à igreja agindo nela e por meio dela no mundo e quando a igreja “entende, na
fé em Cristo e na esperança pelo reino, como comunidade messiânica, ela entenderá
corretamente seu presente e seu caminho no presente e no processo do Espírito Santo”
(MOLTMANN, 2013, p. 259).
1.3. Reino de Deus: a mediação do futuro a partir da igreja
A igreja é a expressão do reino de Deus quando se torna anunciadora da
esperança que foi confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. A ressurreição é um
tema chave na reflexão teológica de Moltmann, desde a Teologia da esperança (REIS,
2003, p. 78). A ressurreição é a consumação da promessa e da esperança, em outras
palavras, Moltmann entende que na ressurreição as bases do futuro da humanidade
estão lançadas (GIBELLINI, 1998, p. 284). Moltmann discute esse tema, ressurreição,
na obra O caminho de Jesus Cristo (2000a), e ali ele procura trabalhar com a história.
Como o interesse aqui é demonstrar a relação entre reino de Deus e igreja, sendo esta
58
mediadora do futuro, importa saber que, para Moltmann, a fé na ressurreição “é uma
força viva que reabilita o ser humano a encarar o futuro da vida, livrando-os de ilusões
letais do poder” (MOLTMANN, 2000a, p. 329). Portanto, a proclamação da
ressurreição de Jesus só tem sentido “no horizonte da história da libertação do ser
humano e dos seres que gemem oprimidos pelas forças de aniquilação e morte”
(MOLTMANN, 2000a, p. 329). Com a ressurreição está aberta a história e seu futuro.
Isso se dá, porque ao falar da ressurreição de Cristo não está se falando de um fato, mas
sim de um processo, ou seja, “ver a história na perspectiva da ressurreição significa
participar espiritualmente no processo da ressurreição” (MOLTMANN, 1997, p. 81).
Moltmann está preocupado, mesmo considerando as discussões que envolvem a
historicidade da ressurreição, em colocar a história sob a perspectiva do ressuscitado,
ou seja, a ressurreição de Cristo, enquanto acontecimento “abre [o] futuro e inaugura
[a] história constituindo em fundamento e promessa” (MOLTMANN, 1997, p. 82).
É dentro desse contexto que a igreja, portanto, é chamada para mediar à presença
de Cristo (ressuscitado) que, por sua vez, media o futuro de Deus (ERICKSON, 1982,
p. 41). Para o nosso autor “o futuro da igreja é mais do que igreja” (MOLTMANN,
2008, p. 35). Cabe à igreja ser construtora da realidade futura, “contagiar com esperança
no futuro de Deus” (MOLTMANN, 2008, p. 35). Essa concepção que se dá entre o
futuro e o reino de Deus são possíveis porque para Moltmann o “reino de Deus significa
originariamente reino em promessa, fidelidade e cumprimentos” (MOLTMANN, 2003,
p. 257). À igreja, é-lhe dada a tarefa de esforça-se para trazer o futuro para o presente.
Sendo a igreja promotora do futuro, a promessa do reino de Deus torna-se fundamento
para a missão do amor pelo mundo (MOLTMANN, 2003, p. 265).
O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada
uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela
os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas
(MOLTMANN, 2004, p. 13). A igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel
vive continuamente e não ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e
fraternidade que se torna fermento de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p.
201). Para ela ser isso, fermento de vida, ela deve assimilar conscientemente de que é a
antecipação, o sinal do reino de Deus. Isso não significa que a igreja é o reino de Deus,
mas a igreja é a sua antecipação, como penhor do reino de Deus (MONDIN, 1984, p.
240). Jesus, com sua missão e ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, a
59
igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do Reino de Deus (MOLTMANN, 2003,
p. 386). O que isso significa? Ora, para Moltmann a promessa gera missão, porque “o
cristianismo não existe para si mesmo, mas sim para o reino que está vindo”
(MOLTMANN, 2013, p. 218). A promessa do reino de Deus é o fundamento da missão
do amor pelo mundo, pois o reino de Deus está presente em fé, a partir da comunidade e
pela força do Espírito (MOLTMANN, 2013, p. 252). A missão é a esperança da fé em
ação (MOLTMANN, 2003, p. 202). Por isso o seguimento de Cristo implica no serviço
ao mundo (GIBELLINI, 1998, p. 284).
Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada
cristão compreende sua função na missão (MOLTMANN, 2013, p. 255). A esperança
do futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em
que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade. A missão
é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de Deus e seus
valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos.
Quanto à relação entre a igreja e reino de Deus, Moltmann conclui:
a igreja no poder do Espírito Santo ainda não é o reino de Deus, mas já é sua antecipação na história. O cristianismo ainda não é a nova criação, mas já é o efeito do Espírito da nova criação. Os cristãos ainda não são a nova humanidade, mas já são sua dianteira na resistência contra o enclausuramento mortífero, em entrega e representação em prol do futuro dos seres humanos. (...) a igreja, o cristianismo e os cristãos testemunham o reino de Deus em meio à história como meta da história. Nesse sentido, a igreja de Jesus Cristo é o povo do reino de Deus (MOLTMANN, 2013, p. 258).
O futuro da promessa é um horizonte que tem como mediação a igreja, quando
ela propaga e procura concretizar em sua natureza o reino de Deus, ela é antecipação –
prolepse – do que se espera na história.
1.4. Criação: a responsabilidade ecológica da igreja
O tema da ecologia está presente no pensamento de Moltmann a partir da década
de 1970. Em 1977 ele publica O futuro da criação, publicada recentemente no Brasil
60
em coautoria com Levy Bastos (MOLTMANN & BASTOS, 2011b). A obra mais
sistemática do autor é, indubitavelmente, Deus na criação (1992a), sendo publicada na
Alemanha em 1985. Lendo o atual cenário mundial e a crescente ameaça ao meio
ambiente, Moltmann propõe uma reflexão que atenda aos desafios da sociedade que
envolve, naturalmente, crescimento econômico e consequências que provocam efeitos
catastróficos na natureza. Para ele a origem da crise ecológica é provocada pelo avanço
tecnológico, fazendo uso da natureza e seus recursos de maneira indiscriminada
(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 138).
Para pensar a ecologia, Moltmann trabalha com a concepção de trindade e
criação. A partir disso Moltmann elabora uma doutrina trinitária da criação. Partindo
da ideia de que Deus está no mundo, Moltmann busca um pensamento teológico da
criação como sistema aberto, na tentativa de coadunar ciências naturais com a doutrina
da criação (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 146). Depois de Deus na criação (1992a),
Moltmann procurou estreitar ainda mais o diálogo entre as ciências naturais e a teologia
no texto Ciência e sabedoria (2007a) onde ele trata da escatologia em diálogo com a
cosmologia.
É fato que a reflexão ecológica nem sempre esteve na agenda da igreja. Por
conta de uma escatologia fatalista, a igreja não demonstrou preocupação com a criação
como deveria. A teologia da destruição do mundo dominou o cenário teológico e isso
levou, naturalmente, a uma inércia em relação à corresponsabilidade para com a criação
(MOLTMANN, 2002b, p. 288).
Por entender que o planeta é criação de Deus, faz-se necessário refletir
teologicamente sobre o seu futuro, não mais pela concepção da destruição, mas sim da
recriação. Com a preocupação ambiental, não é mais concebível falar em uma
escatologia que aguarda o fim iminente de todas as coisas como se o planeta fosse um
acidente da criação de Deus. Com o tema da ecologia, surge uma nova concepção
escatológica que vem corrigir a maneira pré-milenista de interpretar o fim de todas as
coisas. “Surge uma escatologia da corresponsabilidade para com o planeta. É uma
escatologia que desconstrói uma escatologia inadequada” (MOLTMANN & BASTOS,
2011b, p. 158). A igreja é chamada a rever a sua postura diante da sociedade e do
planeta quando tratou o futuro com conformismo diante dos poderes vigentes, agindo
com covardia diante das necessidades do ser humano e sua sobrevivência
(MOLTMANN & BASTOS, 2011b, p. 160-161).
61
A escatologia que a igreja precisa disseminar “não pode ser reduzida a mera
resposta à curiosidade de cristãos pouco ou nada preocupados em serem agentes de
transformação histórica” (MOLTMANN & BASTOS, 2011b, p. 161). Como cristãos
que assumem o seguimento messiânico de Jesus, são chamados a encarnar na história a
fim de serem promotores do futuro que Deus espera, uma vez que ele, o futuro, está
aberto e a história é uma sala ampla, que favorece, com liberdade, o agir do ser humano
(MOLTMANN, 2011a, p. 273).
1.5. Trindade: o modelo teológico de uma comunidade
Um tema que sempre intrigou os teológ@s e que, por razões outras, dividiram os
cristãos, foi à temática da trindade. Do século II em diante a discussão teológica em
torno do tema suscitou diversos posicionamentos e pensadores elaboraram seus sistemas
para dar conta do mistério trinitário.
Moltmann tem na doutrina da trindade um importante elemento de coesão ao
seu edifício teológico. A sua compreensão de trindade está em oposição à de teólogos
que postularam uma ideia monoteística de Deus e seu distanciamento do mundo
(COSTA JÚNIOR, 2011, p. 139).
As críticas de Moltmann aos modelos trinitários se deve por conta de que certos
modelos favoreceram, por exemplo, a estrutura hierarquizada da igreja. Sendo assim, a
comunidade sofre com as disputas de poder e a carência de unidade.
Na obra Trindade e reino de Deus (2000c), Moltmann faz um tratado sobre a
trindade demonstrando as deficiências de modelos trinitários que se constituíram a
partir de concepções filosóficas e políticas. No seu entender, “uma reformulação da
doutrina trinitária, hoje, somente poderá ocorrer a partir de uma confrontação crítica”
(MOLTMANN, 2000c, p. 32). Ele propõe uma doutrina da trindade que supere
concepções como, por exemplo, a trindade da substância (MOLTMANN, 2000c, p. 32).
Moltmann apresenta uma “doutrina trinitária social”, ou seja, uma doutrina da trindade
que parta das relações comunitárias da trindade (MOLTMANN, 2000c, p. 33). Um
pensamento onde as relações entre as “pessoas” da trindade seja, de fato, a tônica; onde
o comunitário seja a prioridade da reflexão e não a concepção do monoteísmo
62
monárquico que dominou por muitos anos a discussão trinitária. Essa é a proposta de
Moltmann, “desenvolver um pensamento relacional e comunitário, a partir da doutrina
trinitária” (MOLTMANN, 2000c, p. 33).
A palavra abertura ou aberta tem um peso na sistematização moltmanniana, em
relação à trindade não poderia ser diferente. Assim como a criação tem a sua dimensão
aberta, a trindade também. Para Moltmann, a trindade se dá na sua abertura. A
trindade não se dá a partir de uma unidade numérica, ela reside na comunidade, ou seja,
a unidade conserva a individualidade de cada um e essa unidade não se dá de maneira
ad intra apenas, mas também ad extra, dito de outra maneira, aberta (MOLTMANN,
2000c, p. 107). Em outro momento Moltmann aborda a condição de abertura da
trindade esclarecendo de que as pessoas da trindade não podem ser definidas
unicamente pelo seu relacionamento interno, antes a natureza comum significa
relacionamento com as outras pessoas. Assim, para Moltmann, é através das relações
que podem ser denominado de pessoas e ser pessoa significa “existir-em-relação”
(MOLTMANN, 2000c, p. 179). Se apropriando do termo pericorese, desenvolvido por
João Damasceno, Moltmann concebe a trindade como um relacionamento em que
“vivem plenamente umas em outras e umas pelas outras” (MOLTMANN, 2000c, p.
182).
A trindade em Moltmann, segundo Lynne Faber Lorenzen (2002, p. 85) se dá
em uma abertura ao mundo que inclui, naturalmente, a criação e as pessoas. Nessa
abertura, a relação trinitária dá o exemplo de como deveria ser as relações humanas.
Deste modo, “a trindade serve como modelo para a sociedade integrada, capaz de
mostrar a coexistência entre o pessoal e o social, numa interligação que brota do
mistério trinitário da comunhão das três pessoas” (SILVA, 2009, p. 165).
Uma vez que as relações entre as pessoas da trindade são comunitárias e não
hierárquica, o modelo está dado para a comunidade de fé de como deveria ser as
relações (COSTA JÚNIOR, 2011, p. 143). Uma vez que “a visão comunitária da
trindade é vista como uma possibilidade de evitar totalitarismos” (SILVA, 2009, p.
166). Sendo a relação trinitária uma relação de iguais, onde não há uma hierarquia, é
possível o intercâmbio entre as pessoas, possibilitando a anulação de uma relação de
subalternidade. Portanto, há Pai – Espírito – Filho ou Pai – Filho – Espírito ou ainda
Espírito – Filho – Pai (MOLTMANN, 2000c, p. 106). Essa relação aberta que se
estabelece entre as pessoas da trindade, demonstra um modelo de comunidade para os
63
fiéis, modelo de aceitação, de relacionamento, de comunidade entre iguais
(MOLTMANN, 2000c, p. 102).
2. A eclesiologia no contexto da práxis
A eclesiologia de Jürgen Moltmann está dentro de um contexto onde a igreja se
encontrava em situação delicada depois de um pós-guerra. Nesse contexto há duas
teologias em debate. Por um lado há os teólogos que defendem uma total radicalização
da teologia no universo secular, trata-se da teologia da morte-de-Deus. Os mais
conhecidos expoentes dessa teologia são os estadunidenses Thomás Altizer e William
Hamilton (HORDERN, 1979, p. 244). Na tentativa de responder aos anseios do mundo,
a teologia da morte-de-Deus preconizou de que algumas ideias a respeito de Deus não
eram mais possíveis com o avanço tecnológico e as crescentes mudanças na cultura e
sociedade. Na tentativa de coadunar a técnica com a teologia, os teólogos da morte-de-
Deus procuraram adaptar conceitos religiosos no atual cenário (HORDERN, 1979, p.
246). Concomitantemente à teologia da morte-de-Deus surge os teólogos da esperança,
dentre eles Moltmann. David P. Scaer (1983, p. 153), comentando essas duas propostas
teológicas, afirma que a teologia da esperança substituiu a contento “os arautos do
falecimento de Deus”. A teologia da esperança surge no cenário teológico com a
proposta “de encarar a teologia e as preocupações teológicas da perspectiva do futuro e
não do passado ou do presente”.
É dentro desse contexto de esperança que a reflexão eclesiológica aparece
trazendo novas perspectivas para o atual cenário. Em um contexto totalmente
antagônico a realidade espiritual das igrejas, prevalecendo o anonimato dessas em
relação às demandas sociais e políticas, é que a eclesiologia patrocinada por Moltmann
procura se inserir, ou seja, a sua teologia da esperança toma pleno conhecimento dos
sintomas críticos da atual doença eclesiástica, e das tentativas para inverter essa
tendência que Moltmann desenha uma teologia que acolhe o futuro, procurando
contribuir com a sociedade no sentido de que a igreja, agora, tem como principal tarefa
o envolvimento com a formação da sociedade (SCAER, 1983, p. 159). Sendo assim,
“este envolvimento importa em mudar estruturas governamentais, divisões econômicas,
organizações, e tudo mais que é reconhecido como parte da sociedade. A mudança das
64
estruturas, especialmente as políticas, é vista como a nova missão da igreja ao mundo”
(SCAER, 1983, p. 160).
Neste sentido, a teologia moltmanniana ganha dimensões da práxis, pois no seu
entender “teologia ocorre onde pessoas chegam ao conhecimento de Deus e ‘percebem’
a presença de Deus com todos os seus sentidos na práxis de sua vida, de sua felicidade e
de seus sofrimentos” (MOLTMANN, 2004, p. 11). Uma vez entendido que o
compromisso da igreja necessita ser social e político, Moltmann assegura que essas
questões precisam deixar os cristãos intranquilos, favorecendo, portanto, a imersão nas
questões políticas e sociais (MOLTMANN, 1971, p. 242-243).
Já na Teologia da esperança, Moltmann expõe as incumbências que foram
postas à igreja pela sociedade moderna com o surgimento da burguesia e as relações
baseadas nas necessidades. Com esse deslocamento, o conceito de religião ficou
emancipado. Se antes a igreja tinha certas tarefas ou funções na sociedade, com o
surgimento do modernismo isso foi suplantado. Outrora era vista como coração da
sociedade, sustentadora e unificadora de interesses político-sociais no Império Romano,
a igreja era tida como culto público, detentora da fé, da moral e da adoração a Deus.
Com a chegada da modernidade, ela perde seu ideal moral e unificador e passa a ser um
culto privado. A religião torna-se religiosidade individual (MOLTMANN, 2003, p.
361-398). Dando ao indivíduo esta liberdade, a religião torna-se intimista e
particularizada. Tem, a partir de agora, uma função consoladora diante da angústia
existencial; é sua função dar às pessoas o sentido de existir (GIBELLINI, 1998, p. 285).
As novas funções eclesiológicas são consequências das mudanças econômicas e
político-filosóficas, ocorridas nos últimos anos. Os séculos XIX e XX viram o
crescimento do consumo e das relações pessoais baseadas nas necessidades. Com isso, o
ser humano recorreu à subjetividade como compensação para as tumultuadas relações
sociais.
As necessidades subjetivas dão novas formas a igreja. Isso ocasionou o
aparecimento, no cenário eclesial, de modelos eclesiológicos como: (1) igreja-
subjetividade – a cosmologia cedeu lugar à metafísica subjetiva. O salvamento depende
da interiorização do transcendente. Há um isolamento social de quem encontra esta
religião subjetiva e a fé passa a não ter nenhuma consequência prática para o próximo.
O que conta é o sentimento de eternidade garantida e os desejos, existenciais e de
65
consumo, atendidos; (2) igreja-solidariedade – ligada a pequenos grupos, a igreja
funciona como uma arca de Noé. Ela aliena e acrisola as pessoas das situações sociais.
A integração a uma igreja é compensatória porque concede privações sociais ao
indivíduo que vive em uma sociedade secular. O grupo é fechado em si mesmo e não
produz nenhum compromisso social, tornando ineficiente o amor cristão para com a
sociedade; (3) igreja-instituição – é o retorno do velho jeito Constantino de ser igreja. A
este tipo de comunidade cabem às regras, os padrões de comportamentos. Afinal de
contas, a igreja instituição confere segurança em tempos inseguros porque diz em que se
crê e como crê. Permite ainda aquela sensação de certeza e de caminho certo, além, é
claro, de produzir um sentimento de agraciado por parte de quem está ali e sentir, ao
mesmo tempo, uma leve pena de quem não se encontra no lado de cá da fronteira
eclesiástica.
Essas acusações de Moltmann são papéis que a sociedade, no seu entender,
requisita para a igreja. Papéis esses derivados de necessidades ou eventos sociais, mas
que não conferem nem um pouco com o parecer teológico da igreja neotestamentária.
Se o cristianismo quer e deve ser outra coisa, segundo a vontade de Cristo, em
quem crê e espera, deve tentar nada menos do que irromper para fora desses papéis
sociais assim fixados (MOLTMANN, 2003, p. 382).
Com esse discurso, Moltmann provoca e, ao mesmo tempo, lança o desafio para
que a igreja sinta-se parte da sociedade e participe de sua vida. Os modelos que a
sociedade quer que a igreja desempenhe não são mais concebíveis, ela é maior que isso,
ela tem uma grandeza peculiar, porque a ela é dada tarefas superlativas. Nesse sentido, a
igreja está envolvida com o futuro diretamente. Como já vimos acima, na concepção de
Moltmann, Deus no Antigo Testamento é um Deus de promessa, portanto a revelação
de Deus se dá na história da promessa. Já no Novo Testamento, com a ressurreição de
Jesus Cristo se inicia a promessa e a abertura para o futuro, esse processo se dá como
prolepse, ou seja, antecipação do que será o futuro, mas o futuro não se esgota com a
ressurreição, mas antes confirma, antecipadamente, a promessa da glória e do senhorio
do futuro reino de Deus. Com esse quadro, a missão da igreja está totalmente atrelada
ao conceito de reino de Deus porque apenas por meio dela, a igreja, o futuro pode ser
construído. A missão da igreja, portanto, está entre a promessa dada na ressurreição de
Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por meio, então, da missão da igreja, o
mundo já é afetado na antecipação da nova criação e começa a ser transformado em
66
direção da promessa de transformação escatológica. Com esse esboço é possível
desenvolver uma eclesiologia que tenha dimensões abertas onde à práxis desempenhe
um papel preponderante.
2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta
A eclesiologia de Moltmann está para além das paredes de um templo. Ela não
está pressa a qualquer barreira quer seja espacial quer seja doutrinária. É uma igreja
para o mundo, para os povos. Uma eclesiologia aberta não poderia apresentar um
conceito espacial de igreja, como um lugar determinado, uma morada definida, mas a
eclesiologia se dá a partir do conceito histórico-temporal, ou seja, embora ela, a igreja,
tenha a sua dimensão geográfica, não significa que não tenha uma dimensão histórica
que leve em consideração o tempo em que ela está inserida (MOLTMANN, 1971, p.
374). A eclesiologia desenhada por Moltmann pode ser definida como uma igreja que
procura agir, ou seja, ela se define como uma igreja em ação. Assim, para Moltmann
age “de maneira unificadora, santificante, evangelizadora, pela libertação do mundo”
(MONDIN, 1980, p. 205).
A fim de ter essa dimensão ad extra, a eclesiologia moltmanniana dispõe de um
aparato organizacional que favorece a dinâmica ad intra dos participantes da
comunidade de fé. Os elementos, que assim compõe sua eclesiologia funcional, se dão a
partir dos ministérios – onde pessoas desempenham suas funções como serviço ao outro
e ao reino de Deus, sendo a diaconia um tema chave na eclesiologia de Moltmann
(MOLTMANN, 1987, p. 14). Além dos ministérios, a proclamação do evangelho, o
batismo, a ceia e o culto, são trabalhados por Moltmann com dimensões de abertura ao
mundo sendo, concomitantemente, elementos característicos da vida da igreja em sua
dimensão interna.
Uma vez que a igreja “vive na história que é fundamentada pela ressurreição do
Cristo crucificado e cujo futuro é o reino abrangente da liberdade”, ela é energizada
pelo Espírito Santo, pois é o “poder presente dessa memória e dessa esperança [que] é
chamado poder do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259). Pelo poder do
Espírito Santo, a igreja é capaz de “entender, na fé em Cristo e na esperança pelo reino,
67
como comunidade messiânica, [que] ela entenderá corretamente seu presente e seu
caminho no presente e no processo do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259).
À igreja é dada a oportunidade de proclamação do evangelho, sendo ela mesma
originaria da proclamação apostólica do evangelho (MOLTMANN, 2013, p. 270). A
proclamação se dá pela verbalização da mensagem do evangelho que tem como
conteúdo “a história de Cristo e a liberdade do ser humano para o reino que nela se
abre” (MOLTMANN, 2013, p. 270). Essa proclamação não pode ser caracterizada por
uma linguagem hermética onde a comunidade consome seu próprio discurso, não
havendo nenhum impacto em seu contexto vital. A revelação é algo de Deus, que a
igreja atualiza – aqui Moltmann segue a teologia da palavra de Deus de Karl Barth – na
proclamação do evangelho ao mundo (MOLTMANN, 2013, p. 272).
A proclamação do evangelho não pode ser um monopólio da comunidade de fé,
pelo contrário, a proclamação do evangelho é a revelação do futuro de Deus que a
igreja é chamada a proclamar como promotora do futuro (MOLTMANN, 2013, p. 287).
Compreendendo-se assim, a proclamação de uma igreja aberta tende-se a ser uma
proclamação pública, porque “o evangelho se encontra no ambiente público de uma
sociedade e muda sua forma junto com a mudança do espaço público social”
(MOLTMANN, 2013, p. 291).
Ainda na dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta, Moltmann trata do
batismo. O ato do batismo “é a chamada para a liberdade do tempo messiânico”. Para
Moltmann o batismo não pode ser algo restrito apenas aos participantes da comunidade
como uma maneira de dizer que a partir desse momento há uma fronteira entre os salvo
(dentro da igreja) e os perdidos (aqueles que estão fora da igreja). Como o reino de
Deus é a matriz pela qual a igreja atual, com o batismo a igreja “demonstra o início do
reino de Deus na vida de uma pessoa e a conversão comunitária para seu futuro”
(MOLTMANN, 2013, p. 294). Quando discute quanto à forma do batismo, Moltmann
privilegia o batismo de adultos, defendendo de que o “batismo infantil deveria ser
ocupado pela bênção sobre as crianças no culto da comunidade”. O batismo é
vocacional, pois com ele “o crente é chamado para a comunidade messiânica e
vocacionado para o serviço libertador e criativo do reino”, portanto ele é um evento
vocacional de inserção na comunidade e, ao mesmo tempo, de envio ao mundo
(MOLTMANN, 2013, p. 307).
68
Quanto à ceia do Senhor, Moltmann dá a sua contribuição teológica. Enquanto
“o batismo é o sinal escatológico da partida realizado uma vez por todas, assim a
comunhão periódica e perseverante na mesa do Senhor é o sinal escatológico do
caminho” (MOLTMANN, 2013, p. 313). A ceia do Senhor tem a sua conotação
escatológica, mas também comunitária. Sendo o batismo um evento vocacional para o
serviço ao reino de Deus, a ceia do Senhor é um convite aberto, pois a mesa é de Cristo
e é ele quem convida a tod@s, pelo fato de que a igreja “deve sua vida ao Senhor e sua
comunhão, à ceia dele” (MOLTMANN, 2013, p. 316).
Tratando da ceia do Senhor como um convite de Cristo aberto a tod@s,
Moltmann critica o uso da ceia do Senhor para se praticar a disciplina eclesiástica por
entender que antes de qualquer outra coisa, a ceia do Senhor “celebra a presença
libertadora do Senhor” (MOLTMANN, 2013, p. 316). Sendo assim, ela não pode ser
elemento de controle de quem pode ou não participar da comunhão. Em uma
eclesiologia aberta à celebração da ceia do Senhor “é um convite tão aberto como as
mãos estendidas de Cristo na cruz” (MOLTMANN, 2013, p. 317). A ceia do Senhor em
Moltmann se dá na sua abertura irrestrita a tod@s, não importando as “fronteiras
confessionais” (MOLTMANN, 2013, p. 318). Assumindo a condição escatológica da
igreja, ou seja, ela participa do futuro de Deus, Moltmann não concebe uma celebração
da ceia do Senhor limitada apenas aos fiéis da comunidade. A ceia do Senhor, no seu
entender, “não se trata da refeição das pessoas especialmente justas ou das que se
julgam especialmente fiéis, mas das pessoas cansadas e sobrecarregadas que ouviram o
chamado para procurar alívio” (MOLTMANN, 2013, p. 332).
O culto “é a festa da comunidade reunida que proclama o evangelho, responde à
libertação que é oferecida, batiza pessoas com o sinal do êxodo e antecipa na mesa do
Senhor a comunhão no reino de Deus”. Não se trata de uma celebração reservada
apenas aos preparados para tal rito, antes é uma festa que celebra a presença de Deus
como sinal da esperança messiânica (MOLTMANN, 2013, p. 334).
A configuração do culto, em uma eclesiologia aberta, não se dá como um ritual
fechado em suas tradições e símbolos. O culto é visto como festa, “tem afinidade com o
lúdico, que é despretensioso e aberto”. Como festa, o culto está aberto às pessoas que
dele queiram participar, principalmente as de fora (MOLTMANN, 2013, p. 348).
69
A dimensão comunitária de uma igreja que tem como característica a abertura,
concilia o seu cotidiano como comunidade de fé através dos elementos que a
caracteriza, como a proclamação do evangelho, o batismo, a ceia do Senhor e o culto
como meio de favorecer a graça de Deus ao mundo. É uma eclesiologia que na sua
organização desenvolve a abertura de Cristo ao mundo quando proclama o evangelho
da esperança messiânica; quando promove o batismo a partir da vocação para o reino de
Deus; quando celebra a ceia do Senhor como um convite para se assentar-se na mesa do
Senhor como filh@s de Deus; quando o culto não é uma reunião reservada aos
membros da comunidade, mas também é uma oportunidade de celebrar uma festa com
os que pertencem à comunidade de fé e com aqueles que se achegam para participar da
festa.
2.2. A eclesiologia pneumática e sua abertura ao mundo
Na sua obra eclesiológica, Moltmann trata da igreja e sua relação com Cristo, o
reino de Deus e o Espírito Santo. A sua eclesiologia pneumatológica está atrelada a
Cristo e sua história e ao Espírito Santo e sua ação (MONDIN, 1984, p. 238).
Com A igreja no poder do Espírito, Moltmann quer elaborar uma eclesiologia
que seja orientadora dentro de um contexto de incertezas e ameaças, como era a década
de 1970, principalmente com os desdobramentos e consequências da chamada Guerra
Fria. Com o avanço técnico-científico, as disputas armamentistas, as crises e a sensação
de insegurança, a igreja, no entender de Moltmann, “não teria esperança se ela apenas
partilhasse a desorientação e inseguranças generalizadas ou até mesmo as aprofundasse,
criando um clima de fim do mundo” (MOLTMANN, 2013, p. 13). Uma vez chamada
para alimentar a esperança no mundo, a igreja é a presença do reino de Deus e o seu
Espírito é o renovador desse processo.
As reflexões em A igreja no poder do Espírito não surgiram das aulas do autor
em Tübingen, nem mesmo em seu escritório de estudos. Moltmann credita a obra ao
período que passou como pastor por cinco anos em uma pequena comunidade rural em
Bremen-Wasserhorst (MOLTMANN, 2013, p. 15).
70
Em uma abordagem panorâmica da obra, a eclesiologia que Moltmann propõe
procura ser um tratado sobre o discurso e a teoria eclesiológica estabelecendo as
dimensões em que ela se dará: sua conexão imprescindível com Jesus Cristo, sua tarefa
missionária, sua condição ecumênica e sua práxis política. O autor procura fazer uma
leitura da igreja a partir da história, não a história eclesiástica comumente, mas a
história onde a própria igreja está inserida. Ele trata de Jesus ser o fundador da igreja,
sua condição de comunidade do êxodo, sua relação com a cruz, o reino de Deus e os
membros desse reino. Quando se dedica apenas ao tema do reino de Deus, Moltmann
aborda as diversas facetas do reino de Deus, como a relação com Israel e as
consequências em ser uma igreja para o reino. Como é uma eclesiologia onde o Espírito
Santo tem a sua primazia, a discussão sobre a sua presença na igreja ou a igreja na
presença do Espírito Santo perpassa a obra. Quanto ao trato do Evangelho, a pregação
da igreja, o batismo, a maneira com que as pessoas entram na comunhão da
comunidade, a ceia como um convite aberto a tod@s, o culto como uma celebração ou
festa messiânica, e, por último, alguns apontamentos éticos da comunidade de fé,
marcam a práxis da sua eclesiologia. Em outro momento da obra, Moltmann procura
trabalhar a dinâmica da comunidade de fé com seus ministérios a partir dos dons e
vocações. Além disso, ele aponta para uma práxis da comunidade de fé na sociedade
com alguns critérios como, por exemplo, a amizade com os “de fora” da comunidade,
sendo esta caracterizada como amizade aberta (MOLTMANN, 2013, p. 162). Além
disso, Moltmann faz questão de acentuar as principais marcas da igreja como sua
unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.
Uma eclesiologia aberta tem suas dimensões de abertura. Quando Moltmann
concebe a doutrina teológica da igreja, ele pensa em pelo menos três dimensões de
abertura: “diante de Deus, diante dos seres humanos, diante do futuro”. Tendo como
perspectiva uma igreja aberta, “ela está aberta para Deus, aberta para o ser humano e
aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos. A igreja atrofiará se ela abandonar
uma dessas aberturas e se fechar contra Deus, o ser humano e o futuro” (MOLTMANN,
2013, p. 20). Sendo a principal característica da igreja a sua abertura para Deus, para o
ser humano e para o futuro, a sua práxis é repensada e o seu discurso teológico sofre
mudanças. A dinâmica da igreja quanto à sua interação na sociedade também é
modificada, ou seja, o discurso eclesial não pode mais se dar na “redenção e a felicidade
das almas para um céu no além” (MOLTMANN, 1971, p. 240). Em uma eclesiologia
71
aberta há pelo menos três direções: (1) missão não é entendida como conquista,
expansão, mas como a participação de toda a igreja na proclamação do reino de Deus;
(2) é uma igreja ecumênica, pois entende que as demais igrejas estão “comprometidas
em comum com a missão messiânica de Cristo e que são a igreja do reino vindouro”,
sendo assim, a igreja se abre em diálogo e fraternidade para alcançar o bem comum; (3)
é uma igreja política, pois assume a sociedade e procede com credibilidade porque não
está atada a nenhuma ideologia, grupo, classe ou interesses particulares, agindo assim
ela tem condições de sofrer, lutar com e pelo povo por paz e justiça (MOLTMANN,
2013, p. 26-39). Em uma eclesiologia aberta o batismo é um sinal de comprometimento
dos membros com a tarefa do reino de Deus e a ceia do Senhor nunca seria restrita, mas
um convite a tod@s, porque é o chamamento do próprio Cristo para participar da mesa
e do reino que vem (MOLTMANN, 2013, p. 331). A igreja, para concretizar essa
abertura, precisa entender que isso não será possível se ela: (1) continuar a nutrir uma
fé subjetiva e incapaz de comunicação; (2) desenvolver uma comunidade de cristãos
incapazes de viver em sociedade (MOLTMANN, 1971, p. 369).
Para se pensar em uma eclesiologia aberta, só é possível quando a igreja
compreende de que ela é a “comunidade messiânica no mundo e para o próprio mundo”
(MOLTMANN, 2013, p. 260). Na condução do Espírito Santo, a igreja é levada para
além dela mesma a fim de entrar nos dilemas do mundo e propiciar o futuro de Deus. A
sua abertura é pneumática “pois as mediações e os poderes do Espírito Santo estão
abertos para aquilo que procuram mediar e operar, e por meio da fé e da esperança que
despertam nos seres humanos, faz com que estes se abram ao futuro da nova criação”
(MOLTMANN, 2013, p. 260). Uma eclesiologia aberta experimenta a força do Espírito
Santo e isso a impele a servir o mundo com os valores do reino de Deus
(MOLTMANN, 2013, p. 367). Isso é possível porque o Espírito Santo capacita
concedendo dons espirituais à comunidade de fé favorecendo os ministérios a tod@s
por meio de suas vocações. Aqui há uma dimensão pública na eclesiologia
moltmanniana (MOLTMANN, 2013, p. 373). O tema dos dons espirituais no Novo
Testamento é recorrente e Moltmann faz questão de resgatar esse tema como chave para
a sua eclesiologia pneumatológica seguindo a tradição protestante. Quando os
participantes da comunidade faz uso de seus dons e vocações pelo poder do Espírito
Santo, a meta é a formação dos agenciadores do reino de Deus, ou seja, quando no
batismo a comunidade identifica os vocacionad@s “que são chamados para a vida
72
eterna, para a glória do reino e para a comunhão messiânica, e encarregados a viver na
presença messiânica desse futuro escatológico e a testemunhá-la” (MOLTMANN, 2013,
p. 380-381). Está dada a dimensão pneumática da eclesiologia aberta de Moltmann,
uma eclesiologia marcada pela presença e atuação do Espírito Santo, onde há, dentro da
comunidade, a distribuição dos dons e vocações para que a comunidade messiânica
vivencie o agenciamento do reino de Deus no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 287).
2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus
“Já que a esperança significa ter força de vida, e já que a vida é vivida em
relações abertas, o reino de Deus será apresentado não de modo abstrato, mas
concretamente nas relações vivas do cristianismo” (MOLTMANN, 2013, p. 14). Ser
apresentado nas relações vivas do cristianismo significa dizer na práxis da ação
missionária da igreja. A ação missionária da igreja se dá em relações abertas, pois a
missão para Moltmann não é expandir o “império cristão, a civilização cristã ou os
valores religiosos ocidentais” (MOLTMANN, 2002a, p. 28). Quando a tarefa
missionária da igreja esteve atrelada ao expansionismo, o cristianismo ficou marcado
por cisões e conflitos. A lógica que Moltmann propõe é outra, porque para ele missão é
“o convite ao futuro de Deus e à esperança pela nova criação de todas as coisas”
(MOLTMANN, 2002a, p. 29). Ele aposta de que uma vez seguindo essa concepção de
missão, ou seja, “quando a paixão pelo futuro de Deus tomar o lugar da expansão da
igreja”, não haverá mais razões para cismas e expansionismo denominacional, uma vez
que a premissa será “a esperança do reino de Deus” (MOLTMANN, 2002a, p. 29).
A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann é uma eclesiologia comprometida
com o reino de Deus. O que significa afirmar isso? Significa que o elemento essencial
do discurso e da práxis da igreja é o reino de Deus. Daí que a tarefa do teólogo, não é
produzir “uma dogmática eclesial nem uma doutrina de fé, mas fantasia em prol do
reino de Deus no mundo e em prol do mundo no reino de Deus” (MOLTMANN,
2002b, p. 14). O reino de Deus deve ser a paixão da teologia como um todo. Deve haver
teologia do reino de Deus na vida da igreja, uma vez que ela “se experimenta na força
do Espírito Santo como comunidade messiânica a serviço do reino de Deus”
(GIBELLINI, 1998, p. 297).
73
A teologia missionária desenvolvida por Moltmann vai além da concepção
reinante sobre missões. Ideia de que a igreja envia alguns, como se somente esses
fossem vocacionados para a tarefa missionária e o restante da igreja não. É nesse
sentido que Moltmann entende de que “toda a comunidade tem um dom ‘espiritual’ e
carismático, não só o ‘profissional espiritual’ [...] toda a comunidade e cada pessoa
individual nela estão com todas as forças e possibilidades na missão do reino de Deus”
(MOLTMANN, 2013, p. 29). Daí que a teologia missionária moltmanniana procura
inserir a igreja à sociedade, tornando-a, desta forma, em uma igreja aberta que participa
dos sofrimentos do povo e propõe esperança. A característica missionária da igreja é
essa abertura ao mundo. Quando a igreja compreende que é continuadora do projeto do
reino de Deus, ela se desdobra na esfera pública com comprometimento e solidariedade,
porque não há uma promoção de si mesma, antes é a promoção do reino de Deus. Sua
missão, por estar aberta ao mundo, é levar avante a história de Deus com o mundo
(MOLTMANN, 2013, p. 30). Esse pensamento de Moltmann, Richard Bauckham
(1995, p. 145) definiu bem ao afirmar que “sempre foi um princípio básico da teologia
de Moltmann que a igreja existe como uma realidade provisória para servir como meio
para a vinda do reino universal de Deus no mundo, ou, dito de outra forma, que a igreja
existe em missão”.
Em Diaconia no horizonte do reino de Deus (1987, p. 27), a missão da igreja
toma consciência teológica de que é a continuadora do projeto (reino de Deus) de Jesus
por meio do seguimento. O seguimento implica em agir no mundo, principalmente entre
os pobres e marginalizados. Moltmann concebe uma igreja em que há uma dimensão
inclusiva, porque, para ele, a “promissio do reino fundamenta a missio do amor no
mundo” (MOLTMANN, 2003, p. 265). A missão da igreja está totalmente atrelada ao
conceito de reino de Deus porque apenas por meio dela, a igreja, o futuro pode ser
construído. A missão da igreja, portanto, está entre a promessa dada na ressurreição de
Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por meio da missão da igreja, o mundo
já é afetado na antecipação da nova criação em direção da promessa de transformação
escatológica, assim, a igreja participa da missão de Deus no mundo (MOLTMANN &
BASTOS, 2011b, p. 131).
Uma eclesiologia aberta à relação igreja e reino de Deus não sofre uma fusão e
nem mesmo é confundido um com o outro. Moltmann atrela a igreja ao reino de Deus e
esta, a igreja, se torna expressão do reino de Deus quando passa a ser anunciadora da
74
esperança que foi confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. O reino de Deus é o
real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada uma obrigatoriedade
missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela os sofrimentos desta
época, formulando esperança em Deus para as pessoas (MOLTMANN, 2004, p. 13). A
igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel vive continuamente e não
ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e fraternidade que se torna fermento
de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p. 201). Isso ocorre quando ela assimila
conscientemente de que é a antecipação, o sinal do reino de Deus. Jesus, com sua
missão e ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, a igreja é a sua
antecipação; portanto, é o povo do reino de Deus (MOLTMANN, 2003, p. 386).
Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada
cristão compreende sua função na missão (MOLTMANN, 2013, p. 30). A esperança do
futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em
que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade
(MOLTMANN, 1987, p. 25). Isso só é possível com a proclamação do evangelho
(promessas de Deus sobre a nova criação que vem da ressurreição de Cristo). A missão
é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de Deus e seus
valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos (MOLTMANN, 2000a, p. 144).
Cabe à igreja ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social
(MOLTMANN, 2012, p. 76-77). Contar com o comprometimento de tod@s na missão
ao mundo, tornando patente seu plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das
vocações para a transformação da sociedade por meio dos valores do reino de Deus;
procurar ser a sinalização da graça de Deus, pois ela é a consciência mais profunda do
manifestar de Deus; tornar realidade, nela mesma, a presença amorosa de Deus por
meio do cuidado fraterno; alimentar a fé de um mundo melhor por meio da esperança;
celebrar a chave do futuro, a ressurreição de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer
uma leitura de seu contexto de maneira aberta com uma pastoral acolhedora,
favorecendo com que a comunidade seja instrumento de Deus pela paz, pelas mudanças
sociais onde ela está inserida; buscando viabilizar a vida e sua dignidade; contribuindo
na luta pela preservação do meio ambiente e sua biodiversidade com uma teologia
comprometida com a criação (BASTOS, 2009, p. 251).
75
Considerações parciais
Com este capítulo, a pesquisa intenta pontuar os principais elementos que
promovem uma eclesiologia aberta. O sistema teológico moltmanniano contempla uma
série de áreas, sendo a eclesiologia uma delas que está ligada aos outros temas do autor.
A fim de construir uma base teológica para uma eclesiologia aberta, que
abordamos os principais temas que perpassa a teologia sistemática do autor. Com uma
visão da sua sistemática, foi possível desenvolver conexões com a sua eclesiologia.
Deste modo, foi ressaltado o aspecto do seguimento na cristologia moltmanniana como
condição para seguir o crucificado que é o ressuscitado. Quanto à pneumatologia do
autor, é perceptível de que sem o Espírito Santo não há o impulso necessário da igreja
para o mundo e a nova criação na esperança da promessa. Como a igreja vive em
função do Cristo, a principal mensagem deste precisa ser também a principal
proclamação da igreja, o reino de Deus. Uma igreja aberta está envolvida com aquilo
que Deus está fazendo e ainda fará, portanto, a criação é um tema em que a igreja deve
se preocupar, uma vez que ela, a igreja, é agenciadora do futuro de Deus. Como modelo
comunitário, Moltmann apresenta a trindade em que a relação entre as pessoas não há
hierarquia ou grau de importância, mas há companheirismo e mutualidade nas relações.
Esses elementos que favorecem a abertura da igreja dão condições para que a
igreja desenvolva a sua práxis no mundo. A sua abertura é concretizada quando há
proclamação do evangelho; quando os participantes da comunidade sentem-se
vocacionad@s para o reino de Deus desde o batismo; e o culto não é um mero encontro,
mas sim uma festa, antecipando o banquete do reino de Deus. Isso é possível porque a
igreja é energizada pelo Espírito Santo e sua tarefa missionária tem como foco a
inserção na vida das pessoas com suas necessidades e carências sociais, políticas e
espirituais.
A eclesiologia de Moltmann, com suas dimensões de abertura para Deus, para o
ser humano e para o reino de Deus, contribui com o atual cenário que vive a sociedade
com o avanço tecnológico, com as mudanças culturais, com os problemas ecológicos e
o capitalismo e sua campanha ininterrupta para o consumo, a teoria teológica de
Moltmann suscita reflexões. As categorias que Moltmann trabalha e sua leitura
76
inovadora quanto aos principais temas eclesiológicos, o coloca como um teólogo
extemporâneo no assunto.
A igreja, de fato, precisa se encarnar a fim de se fazer percebida no atual
contexto social.
A eclesiologia aberta de Moltmann foca duas direções, a comunidade de fé e
sua organização que visa, por meio de seus elementos operacionais, focar no mundo, na
sociedade, dentro da perspectiva da nova criação. Com essas categorias, a sua
eclesiologia é bem-vinda ao debate teológico.
77
Três
A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann como
contribuição teológica à Igreja Batista brasileira
As igrejas protestantes tradicionais
esgotaram-se em si mesmas.
(Antônio Gouvêa Mendonça)
Considerações iniciais
Consciente de que o campo religioso do país é extremamente dinâmico, não é
possível considerar todos os aspectos que constituí o protestantismo brasileiro. Por essa
razão que, quando se tratando de um ramo do cristianismo que difere do catolicismo, há
que classificar essa faceta do cristianismo como protestantismo(s), ou seja, a
configuração do protestantismo no Brasil é diversa e plural, ainda que tenha uma matriz
comum com a tradição protestante presente na Europa e nos Estados Unidos. Sendo
assim, a tentativa em descrever aspectos, comportamentos e teologias no
protestantismo(s), torna a tarefa arriscada, podendo incorrer em equívocos quando se
pretende classificar e rotular os diversos grupos que compõem o protestantismo(s)
brasileiro. A fim de não cometer julgamentos indevidos e imprecisos, a pesquisa irá
seguir as reflexões e análises de pesquisadores do protestantismo(s) brasileiro que
contribuíram para um mapeamento coerente desse ramo do cristianismo no Brasil, em
especial as observações de Antônio Gouvêa Mendonça e Rubem Alves e outros que
podem corroborar com o objetivo deste capítulo.
O intento com este capítulo é observar os aspectos que compõem a eclesiologia
presente na Igreja Batista brasileira9 (CBB), ou seja, se há, ou não, aspectos que
permitam classificar essa eclesiologia, tanto no campo teológico quanto no da práxis, 9 Igreja Batista brasileira, assim como em toda a pesquisa, está se referindo à denominação Batista representada pela Convenção Batista Brasileira (CBB). Reconhecendo a pluralidade de denominações que, comumente, se identificam como Batistas.
78
como sendo aberta ou fechada, tendo como base a eclesiologia de Jürgen Moltmann
como elemento de análise, diálogo, reflexão e contribuição.
1. Os batistas no contexto do protestantismo(s) brasileiro
A presença de protestantes no Brasil – segundo Mendonça (1995, p. 23-24) –, se
dá a partir de 1555, com a expedição francesa de Nicolau Durand de Villegaigon no Rio
de Janeiro. Mendonça (2004, p. 50) assegura que, diante da possibilidade de se
constituir uma França Antártica, a expedição francesa não tinha “projeto real de
implantação da reforma no Brasil”. Embora, ao que tudo indica, João Calvino tenha
incentivado tal empreitada, inclusive “enviando pastores e dando orientação em
assuntos controvertidos, o que não evitou que o projeto fracassasse” (MENDONÇA,
1995, p. 24). Se o propósito era criar uma colônia calvinista em solo brasileiro, ela não
logrou êxito, talvez por diversas razões, mas também pelo conflito entre Villegaigon e
os pastores.10 Depois disso, não houve protestantes no país por mais de um século,
exceto esporádicos negociantes. A situação se modificou a partir de 1810, com a
chegada da Família Real ao Brasil e a consequente abertura dos portos para os ingleses.
O tratado assinado pelos dois governos concedia liberdade religiosa aos britânicos
protestantes instalados no Brasil (MENDONÇA, 2004, p. 52). Antes disso, os
holandeses invadem o nordeste brasileiro em 1630 e, mesmo não tendo a intenção
religiosa, teve maior êxito na propagação da fé reformada principalmente entre os índios
(MENDONÇA, 2004, p. 50).
Entre os pesquisadores do protestantismo(s) brasileiro, há a tentativa em
classificar pelo menos duas vertentes sólidas do protestantismo no país: o
protestantismo de imigração e o protestantismo de conversão ou de missão
(MENDONÇA, 1990, p. 27ss). Não estamos considerando nessa análise a vertente
pentecostal. Quanto ao primeiro, protestantismo de imigração, a inserção no país não
teve a intenção de integração com a cultura brasileira, mas apenas preservar a cultura
herdada dos países de origem (WIRTH, 2009, p. 15-46). Quanto ao segundo,
protestantismo de missão, os missionários vieram com o propósito de evangelizar.
10 Há uma importante pesquisa sobre os huguenotes (como eram conhecidos os calvinistas franceses) no Rio de Janeiro e suas relações com a cultura brasileira feita por Jorge Pinheiro dos Santos (2013).
79
Aqui, essa segunda vertente do protestantismo, se caracterizou não pela inclusão
cultural, mas sim pela rivalidade com o catolicismo (MENDONÇA, 1990, p. 61-62). O
protestantismo(s) de missão criou a sua identidade a partir do confronto com o
catolicismo. O protestantismo(s) viu no catolicismo o símbolo da idolatria, da
superstição, da ignorância, do atraso, do resíduo da Idade Média (ALVES, 1982, p. 61).
Essas características fizeram com que o protestantismo(s) repudiasse o catolicismo e,
por consequência, houvesse um distanciamento da cultura brasileira.
Embora haja discussão quanto às marcas que o protestantismo(s) deixou (ou
não) no país, é consenso afirmar que a “nova religião” chegou ao Brasil com ideais de
liberdade, democracia, modernidade e progresso (ALVES, 2005, p. 48). Já Valdinei
Ferreira (2010, p. 171), entende que o protestantismo(s) no Brasil não é nem protestante
e muito menos moderno, ou seja, há discrepâncias consideráveis entre o
protestantismo(s) brasileiro com o protestantismo europeu, por exemplo. Se lá as
principais características do protestantismo se dão a partir de um sistema republicano de
governo; um Estado laico; uma economia liberal; uma filosofia positivista e liberal
(ALVES, 2005, p. 48). No Brasil o protestantismo trazido não foi o europeu, mas sim o
norte-americano. Por este fato, segundo Mendonça (1990, p. 73), o protestantismo
norte-americano trouxe o ideário do destino manifesto, ou seja, uma nação que tem
como alvo salvar as outras nações.
O protestantismo(s) de missão chegou ao Brasil com um discurso pronto: a
suficiência da Bíblia; o arrependimento como imperativo; a entrega a Cristo; o
afastamento do mundo cheio de pecados; o abandono da idolatria e dos santos
(MENDONÇA, 1990, p. 133). A visão de mundo sempre esteve atrelada ao
maniqueísmo, onde se coloca a dicotomia mundo e reino de Deus, ou mundo
(sociedade) e a igreja (MENDONÇA, 2004, p. 61). Na eclesiologia a postura foi de não
envolvimento com as questões políticas do país, tendo como discurso predominante
uma teologia da peregrinação, ideia de que se está no mundo, mas não pertence a ele, e
que, portanto, não deve se envolver com as coisas desse mundo (AZEVEDO, 2005, p.
32). Embora esse absenteísmo político não possa ser generalizado, uma vez que
segmentos do protestantismo tenha tido participação direta no regime totalitário que
teve início no país a partir de 1964, o imobilismo político-social ainda é uma forte
característica do protestantismo que se configurou no Brasil.
80
O protestantismo(s) que se configurou em terras tupiniquins abarca algumas
características notórias: (1) ele é anticatólico, ou seja, teve a sua identidade formada a
partir do catolicismo, este tratado como retrógado e antiquado para o atual momento
histórico do país; (2) os missionários norte-americanos não souberam trabalhar com a
cultura local, mas pelo contrário, repudiaram-na como se fosse totalmente avessa ao
cristianismo; (3) ensinaram que era preciso fazer uma completa ruptura com o meio em
que se vivia, adotando o jeito anglo-saxônico de ser; (4) com isso, o protestantismo(s)
foi construído em cima da negação da sexualidade, da atuação política, da participação
artística, do incentivo ao lazer e da vida em sociedade (ALENCAR, 2007, p. 71).
Quanto ao campo teológico, o fundamentalismo continua sendo a principal
característica do protestantismo(s) brasileiro. Os fundamentalistas surgem como
apologistas da verdadeira fé em contraste com a teologia liberal europeia. Não entrando
em detalhes históricos quanto ao surgimento do termo ou movimento – ligado aos
presbiterianos e sua assembleia que definiu os cinco fundamentos da fé, ou aos
professores de Princeton e sua pureza doutrinária ou ainda ao batista Curtis Lee Laws e
o periódico batista que vinculava o fundamentalismo da Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos –, o fundamentalismo preconiza a inerrância da Bíblia e têm uma
postura hermenêutica literalista do texto (VELASQUES FILHO, 1990, p 123). Com
essa postura, o protestantismo(s) se coloca como detentor de uma verdade exclusiva a
partir da interpretação correta do texto bíblico (ZABATIERO, 2008, p. 14-27). No
início da evangelização protestante por aqui, era comum o confronto dos missionários
com os católicos por conta da interpretação da Bíblia e, até mesmo, entre as
denominações protestantes o mesmo fato se dava, porque cada segmento alegava portar
a interpretação correta do texto bíblico (ZABATIERO, 2009, p. 132).
Em razão disso, que Mendonça (1990, p. 143) irá dizer que o protestantismo(s)
tem uma vocação para o fundamentalismo, pois este impede o diálogo quando se coloca
como detentor da verdade e possuidor de algo exclusivo. As marcas do
fundamentalismo protestante brasileiro, segundo ele, são: (1) ele quer certezas, daí seu
dogmatismo; (2) ele se esforça por se autoidentificar, daí sua ética isolacionista; (3)
contando ainda com uma mentalidade isolacionista e anticultural, daí sua ausência na
cultura brasileira de um modo geral.
Outro aspecto teológico que merece destaque no protestantismo(s) é a
concepção escatológica conhecida como pré-milenismo. A disputa entre pré-milenismo
81
e pós-milenismo começou nos Estados Unidos por volta do século XIX. O pós-
milenismo tinha como pano de fundo o mito do progresso social, em que entendia que
havia a possibilidade de uma vida de perfeita santidade, o que significava uma melhoria
progressiva e constante da sociedade através dos indivíduos aperfeiçoados. Esse
progresso, portanto, viria pela ação normal da igreja que prepararia a segunda vinda de
Cristo. Esta tendência teve como expoente o conhecido pregador Jonathan Edwards no
século XVIII que, assim, incentivou as campanhas missionárias nos Estados Unidos e
em outros países. Na concepção do pós-milenismo, o reino de Deus, já a caminho, devia
ser compartilhado com outros povos (VELASQUES FILHO, 1990, p. 125-126).
Já o pré-milenismo difere do pós-milenismo, ao entender que o ser humano é
incapaz de se aperfeiçoar. Assim, o milênio (reino de Deus) só seria possível com a
volta de Cristo para implantá-lo. A igreja volta-se para si mesma, concentrando-se na
evangelização e nas missões estrangeiras. O pré-milenismo chocou-se com o evangelho
social, por ser contrário a qualquer forma de compromisso eclesial com as mudanças
estruturais da sociedade. Isto resultou, segundo Israel Belo de Azevedo (2004, p. 174ss),
em um protestantismo totalmente descompromissado com a sociedade, deslocando os
acontecimentos históricos e sociais do cotidiano para a vontade soberana de Deus.
Além disso, privou “a comunidade de fé de todo o seu significado, transformando a
igreja numa espécie de ‘sala de espera’ do milênio” (BONINO, 2003, p. 47).
A assimilação da cultura anglo-saxônica no protestantismo(s) brasileiro é uma
marca indelével. A dificuldade com a cultura brasileira não se deu apenas por razões
teológicas e ideológicas, mas também por razões raciais: “samba, originalmente, era
música do morro, de negro e pobre, e foi rejeitado pelas igrejas protestantes, muito mais
por racismo que por razões teológicas” (ALENCAR, 2007, p. 79). Isso só foi possível,
porque uma das marcas do protestantismo(s) de missão, na América Latina e no Brasil
de maneira particular, foi aliar evangelização com civilização (PIEDRA, 2006, p. 49).
A princípio, o protestantismo(s) de missão não soube lidar e se integrar com a
cultura brasileira, procurando favorecer uma cultura wasp no país, desconsiderando o
modo tupiniquim do brasileiro (ALENCAR, 2007, p. 69). Talvez seja essa a razão que o
protestantismo(s) tenha dificuldades em lidar com as diferentes brasilidades. Não por
acaso que Mendonça sentencia: “é possível que, no futuro, esquecidos os preconceitos
históricos e cessada a propaganda ideológica fundamentalista, surja neste campo
82
religioso uma prática religiosa popular comum, enraizada na tradição cristã e
estruturada na cultura brasileira” (apud PINHEIRO, 2008, p. 2).
Se as análises que foram feitas até aqui estiverem ainda dentro do seu rigor, o
que parece ser o caso, o protestantismo(s) de missão – que tem como características o
fundamentalismo bíblico, uma escatologia milenarista, um ascetismo puritano e uma
individualização soteriológica – não favoreceu uma abertura eclesial e um
comprometimento responsável pela sociedade. O discurso escatológico de que precisa
ganhar almas para Cristo, torna o protestantismo(s) um segmento do cristianismo que
tem na sua proclamação uma mensagem reacionária e reducionista diante dos desafios
contemporâneos. Com a concepção de que o mundo está se aproximando do fim, o
acerto final de contas com Deus e que, portanto, os eventos que ocorrem no mundo são
sinais disso, não é o reino de Deus que precisa ser expandido, mas é a aniquilação que
está chegando (ALVES, 2005, p. 85). Com tal postura e discurso, os valores do reino de
Deus e a continuação-construção desse projeto são engavetados na eclesiologia presente
no protestantismo(s) de missão.
Tendo esse protestantismo uma visão secular exacerbada, e como principal
característica o afastamento de qualquer ação política consciente, a sociedade é
destituída de valor (AZEVEDO, 2005, p. 32). Quanto menos contato com o mundo,
melhor. Com isso, a ação política da igreja na sociedade tem sentido restrito no
protestantismo(s) de missão, o que inclui o contexto batista brasileiro.
1.1. A teologia dos missionários
Embora o protestantismo(s) tenha como característica certa pluralidade – mais
ainda se alocarmos o pentecostalismo e suas facetas – há uma matriz comum quando se
trata de teologia e eclesiologia.
As pesquisas de Mendonça (1995, p. 176ss) demonstram que o principal
elemento de difusão e consolidação da teologia protestante no Brasil se deu por meio
dos hinos trazidos pelos missionários estadunidenses, na sua grande maioria. Os batistas
(CBB), ramo do protestantismo(s) brasileiro, partilham dessa mesma perspectiva.
83
Aqui interessa, de maneira sucinta e panorâmica, elencar algumas características
da teologia e, como consequência, da eclesiologia presente no protestantismo(s)
brasileiro. Elas são herança dos missionários que chegaram ao país com sua cultura e
ideologia e, como evangelizadores, passaram não somente o evangelho de Cristo, mas
também suas ideias, posturas e comportamentos com linguagem teológica.
Como mencionado, a maioria dos missionários que chegou ao Brasil nos séculos
XIX e XX eram de origem norte-americana (CALDAS, 2001, p. 35). O protestantismo
norte-americano é uma extensão do protestantismo europeu. Sendo assim, o
protestantismo que se configura nos Estados Unidos tem como fontes o protestantismo
inglês e alemão. Do primeiro, a herança calvinista-puritana e do segundo o pietismo.
Ambas correntes estão presentes na gênese do protestantismo norte-americano que,
como consequência, virá para o Brasil ainda que com algumas modificações, mas na sua
essência possui a mesma disposição e teologia. O aspecto calvinista-puritano irá
influenciar a teologia dos missionários; já o aspecto pietista irá exercer forte influência
na espiritualidade intimista da empreitada missionária no país.
Não obstante a essas duas importantes características da teologia do
protestantismo norte-americano que terá a sua inserção no Brasil, há também dois
elementos que compõem esse quadro: o fundamentalismo teológico e a interpretação
escatológica pré-milenista.
Houve pelo menos duas vertentes de missionários A primeira, no século XIX,
tinha como objetivo trazer o “progresso social, político, econômico e educacional ao
país” (CALDAS, 2001, p. 42). Esses representavam um protestantismo de vanguarda,
uma espécie de iluminismo para a América Latina. A segunda vertente de missionários
que chegou a partir do século XX – já influenciados pelo fundamentalismo –, trouxe na
bagagem a ideia de que tudo que fosse de conotação sócio-política mereceria
afastamento. Assim, “observa-se, portanto, uma trágica mudança: de uma proposta
cristã de vanguarda para uma proposta de alienação, escapismo e não envolvimento [...].
A teologia fundamentalista que aprenderam os impediu de agir” (CALDAS, 2001, p.
42). A relação do protestantismo(s) com a política brasileira tem outros fatores, mas
esses são os mais perceptíveis. As condições sociais e ideológicas de grupo minoritário
que marcaram o protestantismo(s) brasileiro, somada à teologia trazida pelos
missionários estadunidenses, geraram “sinais de inibição política” (MENDONÇA,
2004, p. 67).
84
Aliado ao fundamentalismo teológico, a concepção escatológica trazida pelos
missionários foi a pré-milenista. A interpretação pré-milenista advoga que “o próprio
Cristo governará nosso sofrido planeta, eliminando todas as mazelas e injustiças
sociais” (CALDAS, 2001, p. 43). Esse entendimento escatológico transfere a
responsabilidade do cristão para o Cristo, eliminando assim “a necessidade de
preocupar-se com os problemas sociais de hoje, pois, afinal, quando Jesus voltar, tudo
estará resolvido” (CALDAS, 2001, p. 43). Endossando esse quadro, Mendonça (2004,
p. 69), assegura que a interpretação pré-milenista “contribuiu também em boa escala
para a indiferença política do protestantismo tradicional”. O pré-milenismo divulgado
pelos missionários terá acolhida no processo de evangelização que ainda é possível
verificar a ideia de que evangelizar é ganhar almas para Cristo apenas. Esse conceito de
missão se tornou reducionista, eliminando qualquer participação holística da igreja na
sociedade (CALDAS, 2001, p. 48-49).
Mesmo concordando que a empreitada missionária contribuiu com o país e,
ainda hoje, é possível ver o legado deixado, principalmente no campo educacional, o
fato é que “no Brasil, a herança teológica de influência fundamentalista e pré-milenista,
ensinada por tantos missionários estrangeiros, produziu não poucas vezes alienação
social” (CALDAS, 2001, p. 51-52).
Como um ramo do protestantismo(s) brasileiro, os batistas participam das
análises aferidas por terem a mesma matriz teológica e cultural advindas dos
missionários norte-americanos. Com os devidos reconhecimentos da atuação dos
missionários em diferentes áreas da denominação, os batistas compartilham dos
mesmos problemas e desafios que o protestantismo(s) histórico brasileiro aglutina.
Concebem uma teologia conservadora e fundamentalista, tendo ainda uma considerável
influência norte-americana na sua produção e reflexão teológica. Mesmo com alguns
avanços que merecem destaques, a missão ainda sofre com aspectos reducionistas,
tendo a proclamação um caráter ainda proselitista e meramente salvacionista. No campo
político, a participação dos batistas ainda é mínima, e carece de um projeto que
favoreça a conscientização de uma teologia cidadã. Quando se trata do aspecto social,
alguns projetos da denominação têm visibilidade e credibilidade na sociedade brasileira,
mas ainda as comunidades locais, com algumas exceções, tem extrema dificuldade em
articular a sua teologia com as demandas sociais onde estão inseridas. Por essas e outras
razões, que se faz necessária uma reflexão teológica que contribua para uma práxis
85
integradora em relação ao ser humano e seu ambiente social a partir de uma eclesiologia
aberta.
1.2. Os batistas: aspectos histórico-teológicos
Os batistas são protestantes (AZEVEDO, 2004, p. 23). Essa afirmativa é um
tanto conturbada no ambiente batista. Como observa Elizete da Silva (2011, p. 283), as
origens dos batistas se constituem como “um dos temas mais controvertidos na
literatura dos reformadores”. Mas quem são os batistas? Os pesquisadores não são
unânimes quanto às origens do movimento batista. Existem três teorias quanto ao
surgimento dos batistas. A teoria JJJ em referência a Jerusalém-Jordão-João,
compreendendo de que os batistas possuem uma linhagem ininterrupta com o
movimento bíblico de João Batista, portanto, é um movimento anterior ao apostólico.
Uma segunda teoria associa a origem com os anabatistas do século XVI e uma terceira
teoria relaciona os primeiros batistas com o movimento separatista inglês do século
XVII (PEREIRA, 2001, p. 13). Quanto à primeira teoria (JJJ), é uma teoria antiga e
hoje quase não se encontra quem a defenda, mas ela se tornou popular nos Estados
Unidos no século XIX com o movimento conhecido como landmarkismo (OLIVEIRA,
2010, p. 48). Já a teoria do parentesco com os anabatistas do século XVI encontrou
defensores a partir do século XIX. Embora se verifique muitos pontos de contato entre
doutrinas batistas e anabatistas, essa teoria oferece dificuldades, segundo alguns
estudiosos, porque não há como comprovar essa relação histórica com os anabatistas
(HEWITT, 1993, p. 10). Quanto à teoria que relaciona a origem dos batistas com o
movimento separatista inglês do século XVII conta com o apoio de documentos
históricos e é a posição oficial da Convenção Batista Brasileira. Os separatistas eram
aqueles que, inconformados com a decadência espiritual e moral da igreja de confissão
anglicana, tentaram promover uma reforma religiosa na Inglaterra. Foram duramente
perseguidos e um grupo se refugiou na Holanda, onde obteve apoio do anabatista
Menno Simons, fundador da Igreja Menonita. Em Amsterdã, uma Igreja Batista de
língua inglesa foi organizada no ano de 1609 e ela pode ser considerada “a primeira
Igreja Batista dos tempos modernos” (YAMABUCHI, 2009, p. 100). Um pequeno
grupo de batistas ingleses resolveu voltar para sua pátria e organizou, em 1612, a
86
primeira Igreja Batista da Inglaterra, em Spitalfields, lugar próximo à Londres. O
movimento cresceu, mas a perseguição religiosa, no entanto, não cessava e, por isso,
muitos buscaram sua liberdade em outras terras. Os Estados Unidos foi o destino de
muitos dissidentes que partiram para o novo mundo com o desejo de construir uma vida
melhor. Muitos batistas estavam entre os colonos ingleses. A primeira Igreja Batista em
solo americano surgiu, provavelmente, no ano de 1639, cujo primeiro pastor foi Roger
Williams (YAMABUCHI, 2009, p. 101). Embora ele não tenha continuado como pastor
da igreja, deixando o pastorado para Tomás Olney, ele exerceu uma forte influência na
luta pela liberdade religiosa nos Estados Unidos (OLIVEIRA, 2010, p. 78).
O surgimento do nome batista se deu pela primeira vez em 1644 na Inglaterra e
foi dado aos batistas pelos seus adversários (PEREIRA, 2001, p. 14). Ao que tudo
indica, o motivo foi à prática de imersão nos batismos defendida pelos batistas como a
única forma verdadeira e bíblica de batizar, embora haja indícios de que a primeira
Igreja Batista da Inglaterra, organizada em 1612, praticava o batismo por aspersão
(YAMABUCHI, 2009, p. 102).
O surgimento dos batistas no cenário do cristianismo se dá ainda no século
XVII, com o movimento dos separatistas ingleses. A tentativa de recontar o surgimento
dos batistas fora desse contexto é especulação sem bases históricas.
Essa denominação tem as bases de sua reflexão teológica inscritas no pensamento liberal do século XVII, cujos diferentes elementos formativos priorizavam a livre expressão do indivíduo como condição para uma consciência histórica. Plataforma teórica cunhada a partir de teses do naturalismo, do racionalismo, do individualismo, do progressismo e do relativismo (RODRIGUES, 2013, p. 158).
A síntese de Elisa Rodrigues define a contento a formação, ideologia e
concepções desse grupo que tem, naturalmente, suas distinções, principalmente em
ambiente inglês e, depois, em ambiente norte-americano.
No Brasil, os batistas chegaram como colonos vindos dos Estados Unidos como
refugiados da guerra civil conhecida como Guerra da Secessão. Uma vez no país,
organizou-se no dia 10 de Setembro de 1871, a primeira Igreja Batista em solo
brasileiro em Santa Bárbara d´Oeste, região de Campinas/SP (SANTOS, 2012, p. 32-
33). Além dessa igreja, surgiram outras duas, a igreja da Estação (hoje na cidade de
87
Americana/SP), no dia 2 de Novembro de 1879, e a Primeira Igreja Batista da Bahia, no
dia 15 de Outubro de 1882 (OLIVEIRA, 2010, p. 98).
Quanto à teologia da Igreja Batista, há dificuldades em qualificar e definir de
maneira categórica, pelo fato de que os batistas “não tem na sua história nenhum credo
ou confissão que possa ser considerado como definitivo para a maioria dos batistas”
(HEWITT, 1993, p. 11). Mesmo assim, é possível estabelecer as principais
características da teologia e eclesiologia batista, podendo incorrer em generalizações.
O que é uma Igreja Batista?
De acordo com a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, uma
Igreja Batista “é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após
profissão de fé. É nesse sentido que a palavra ‘igreja’ é empregada no maior número de
vezes nos livros do Novo Testamento” (CBB, 1986, p. 13). Com essa assertiva, os
batistas se entendem como uma igreja neotestamentária e procuram ser fiéis ao que o
Novo Testamento ensina sobre igreja. Deste modo, afirmam a autonomia das igrejas,
daí não é possível nomear como Igreja Batista, mas sim Igrejas Batistas, por conta da
sua pluralidade e sistema congregacional. Como igrejas autônomas e democráticas, elas
não possuem um sistema centralizador, ou seja, cada igreja é soberana em suas decisões
administrativas, que são tomadas democraticamente e isso é o que caracteriza a forma
de governo de uma Igreja Batista. A democracia é sua forte característica e implica em
uma participação igualitária dos membros de uma comunidade local, homens e
mulheres, nas decisões a serem tomadas quanto aos rumos da comunidade
(YAMABUCHI, 2009, p. 102-103).
Merece destaque algumas características que compõem o imaginário batista,
sendo um deles o já referido landmarkismo. Esse movimento surge na segunda metade
do século XIX exercendo uma forte influência em toda a Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos, hoje uma das maiores daquele país e do mundo (HEWITT, 1993, p.
17). Um dos fatores que contribuíram para que esse movimento ganhasse força, foi a
publicação do livro O rastro de sangue de J. M. Carroll (1858-1931). O autor defende
que os batistas são o único grupo institucional que, numa linha ininterrupta, sucede
historicamente as igrejas do Novo Testamento (NOVAES, 2012, p. 10). Essa postura
culminou em um exagerado fundamentalismo dos batistas com relação a grupos
cristãos. O movimento landmarkista influenciou os missionários que chegaram ao
88
Brasil e espalharam essa teoria entre os novos adeptos (OLIVEIRA, 2010, p. 49). Os
missionários norte-americanos que chegaram ao Brasil com a interpretação batista do
cristianismo, não se entendiam como sendo protestantes. Um dos mais destacados
missionários no país, William Bagby, em carta dirigida à Junta de Richmond, declarou:
“nós nos negamos claramente a aceitar origem comum com Lutero, Calvino e outros”.
Outro missionário de igual importância no universo batista, Zacharias Taylor, quando
prefaciou o livro de S. H. Ford, sobre a origem e a história dos batistas, argumenta de
que “os batistas não fizeram parte, nem saíram da Igreja Romana [...] os batistas não
são Protestantes: eles têm sua origem de Cristo, e sua sucessão separada e independente
de toda outra igreja” (YAMABUCHI, 2009, p. 104). Essa reivindicação contribuiu para
que os batistas no Brasil reproduzissem as mesmas idiossincrasias visíveis no universo
batista norte-americano.
Outro elemento de destaque presente na eclesiologia batista é o pietismo.
Segundo Alberto Kenji Yamabuchi (2009, p. 105), do pietismo veio o desejo de
proclamar o evangelho ao mundo, o que acabou desenvolvendo nos batistas norte-
americanos um messianismo com forte teor salvacionista. Uma vez no Brasil, os
missionários trouxeram essa teologia salvacionista influenciando profundamente o
pensamento batista brasileiro. Eles criam que só os batistas tinham a mensagem
salvadora, porque compreendiam ser o povo “chamado” para a tarefa salvífica.
No campo teológico das confissões de fé, os batistas, na gênese do movimento,
tiveram dificuldades em produzir tratados de fé. Yamabuchi (2009, p. 106) lembra que
“embora sejam muitas as influências ideológicas herdadas, os batistas não são afeitos a
desenvolver uma teologia própria, com rigor científico”. Nesse sentindo, completa ele,
“os batistas tendem a desprezar até mesmo a formulação oficial de credos, confissões
ou declarações de fé” (YAMABUCHI, 2009, p. 106). Mesmo com essa característica,
os batistas produziram declarações doutrinárias a fim de estabelecer certa coesão na
tentativa de preservar a identidade denominacional (SILVA, 2007, p. 26).
Em resumo, os batistas compartilham da mesma tradição reformada, mesmo
com vozes que afirmem o contrário, esse é um fato na origem do movimento que foi
fruto do seu tempo e que, portanto, absorveu teologias e ideologias em diferentes
contextos por onde passou, seja no seu início no ambiente europeu até a sua
configuração mais enrijecida nos Estados Unidos. Sendo assim, a história da Igreja
Batista e a sua concepção teológica visível na sua eclesiologia, aglutina pluralidade
89
teológica, ideológica e política. Para alguns essa diversidade constitui elemento de
unidade e identidade dos batistas, já para outros é um elemento que prejudica a doutrina
da igreja fazendo com que ela tenha indesejáveis aberturas teológicas, políticas e
sociais. Uma das marcas então da denominação que consegue agrupar em seu corpus a
pluralidade e a diversidade em diferentes áreas, se deve “a ênfase na competência do
indivíduo para tomar suas próprias decisões morais e religiosas, e a defesa da
eclesiologia congregacionalista, que outorga soberania e autonomia aos membros de
uma igreja local” (NOVAES, 2012, p. 11). Mesmo com essas marcas, os batistas são
envolvidos em disputas internas quanto as suas prioridades e concepções teológicas,
porque há quem vê nelas (competência do indivíduo e autonomia congregacional) um
entrave para o desenvolvimento da teologia salvacionista, herança dos missionários
norte-americanos, ocorrendo assim certa imposição de um pensamento único e, quando
possível, demonstrações de intolerância para com aqueles que pensam e procuram
desenvolver a missão da igreja a partir de outro foco (NOVAES, 2012, p. 12).
1.3. O modo de ser batista
Tendo os batistas a sua gênese no movimento liberal inglês, eles participam dos
anseios e perspectivas de sua época, ou seja, liberdade religiosa e separação entre Igreja
e Estado. Esse ímpeto por liberdade levou o filósofo inglês John Locke a dizer que “os
batistas foram os primeiros proponentes de uma liberdade absoluta, justa e verdadeira
liberdade, liberdade igual e imparcial” (apud YAMABUCHI, 2009, p. 98). Esse intenso
debate em torno da liberdade notabilizou os batistas como um grupo que lutou – a
priori para a sua própria sobrevivência – contra absolutismos e posturas dogmáticas. E
isso teve consequências para a sua eclesiologia, entendendo que esta deveria ser
congregacional, ou seja, igrejas livres e autônomas sem vínculo com a igreja oficial. Os
batistas ingleses são partidários desses ideais (SILVA, 2013, p. 69).
Levando em consideração a trajetória do movimento batista – Inglaterra,
Estados Unidos e Brasil –, ele, naturalmente, sofreu modificações e deu ênfase em
determinados temas. Se na Inglaterra o movimento batista propagou a liberdade, nos
Estados Unidos o ideal libertário não logrou êxito, tendo dificuldades entre lideranças
do nascente protestantismo(s). Os batistas enfrentaram o acirramento dos puritanos que
90
não aceitavam a liberdade religiosa para outros segmentos do protestantismo(s) da
colônia (SILVA, 2013, p. 73).
No Brasil, como mencionado acima, os batistas que chegam ao país são
oriundos do sul dos Estados Unidos e, sem perspectivas para o seu modo de vida
naquele país que travara uma guerra – dentre outros temas conflituosos – em torno da
questão escravagista, aqui encontram um ambiente de trabalho onde os escravos era a
principal mão de obra (SANTOS, 2012, p. 30).
Na questão teológica, os batistas norte-americanos estão dentro da matriz dos
diversos grupos protestantes presentes nos Estados Unidos, ou seja, as raízes teológicas
dos batistas
vem do puritanismo, que tem sua ênfase no biblicismo e na inclinação para uma ética perfeccionista, do fundamentalismo que advoga a interpretação literal da Bíblia e a dogmatização legalista das doutrinas e do landmarkismo, que afirma que os batistas são os únicos herdeiros das doutrinas apostólicas (SANTOS, 2012, p. 35).
Com essas características, os batistas integram-se aos movimentos ideológicos e
teológicos que estão ocorrendo nos Estados Unidos e os seus pressupostos que deram
origem a sua configuração, ainda na Inglaterra, são descaracterizados nos Estados
Unidos, chegando ao Brasil com outro rosto. O que é possível verificar no modo de ser
batista brasileiro – entre correntes majoritariamente conservadoras e vozes dissonantes
– é uma configuração que tem como marcas o conservadorismo teológico, que aglutina
uma teologia salvacionista e uma posição contrária ao ecumenismo; um visível conflito
de gênero, tendo ainda como protagonistas no ministério ordenado apenas homens, onde
uma teologia sexista continua favorecendo um discurso discriminatório e reacionário.
Os temas elencados estão na pauta dos batistas brasileiros favorecendo um
intenso e, em alguns casos, profícuos debates que procuram demarcar aberturas e, por
outro lado, posturas e discursos que tendem a fechar questões e temas para a maioria
dos batistas.
O debate teológico presente na eclesiologia batista se dá em torno de temas
como: (1) a ação missionária da igreja e seu envolvimento social; (2) a teologia
salvacionista; (3) a ordenação de mulheres ao ministério pastoral; (4) o ecumenismo,
91
tema que aquece as discussões entre conservadores e progressistas, tendo entre os
batistas brasileiros um campo ecumênico representado pela Aliança de Batistas do
Brasil, mas sem vínculo com a CBB.
Um documento que exerce influência no modo de ser batista brasileiro é a
Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira elaborada em 1986. Ela
pretende ser “o documento que expõe o que os batistas brasileiros creem” (FERREIRA,
2009, p. 9). Assim como qualquer outro grupo que compõem o segmento protestante
dentro do cristianismo, os batistas procuraram se encaixar em confissões e declarações
doutrinárias, crendo que assim podem exercer um papel apologético, já que uma das
razões para se assumir uma confissão é “para estar pronto a dar resposta de sua fé a
todos que pedirem” (FERREIRA, 2009, p. 7). Com isso, há uma preocupação com a
Declaração Doutrinária da CBB, pois essa, de alguma maneira, funciona como
mecanismo de unidade doutrinária. Os batistas fazem uma distinção entre princípios e
doutrinas, uma vez que princípios é fator necessário para uma “identidade” batista, mas
ainda as doutrinas tem papel preponderante (SILVA, 2007, p. 22). Mesmo com essa
distinção tão tênue, as doutrinas favoreceram o enrijecimento do discurso a partir da
Declaração Doutrinária da CBB.
Um exemplo de enrijecimento doutrinário se dá na temática do ecumenismo.
Dentro do protestantismo(s), os batistas se notabilizam pela resistência ao diálogo
ecumênico. Parece que a resistência quanto ao diálogo ecumênico, tem suas raízes na
configuração do modo de ser batista no Brasil, como já mencionado, ou seja, o
fundamentalismo bíblico que favoreceu o sectarismo (a posse e a pretensão de
interpretar corretamente as Escrituras), o anti-catolicismo como forma de acentuar a
diferença ética e teológica (literaturas produzidas por escritores batistas tomam o
catolicismo como base dialética para a construção do discurso doutrinador), o
landmarkismo, que acredita que os batistas são os únicos cristãos apostólicos. Esses e
outros fatores colaboraram para uma resistência ao ecumenismo e os conservadores se
orgulham disso quando dizem que “os batistas constituem um dos poucos grupos que
lutam tenazmente contra a avalancha terrível do ecumenismo” (FERREIRA, 1987, p.
50). Essa postura de Ebenézer Soares Ferreira quanto ao ecumenismo, não representa
todos os batistas brasileiros, antes é um posicionamento de alguém que tem prestígio na
denominação devido aos cargos de liderança que ocupa na CBB assumindo a condição
de alguém que orienta e traça os rumos da reflexão teológica no âmbito
92
denominacional. Os batistas ingleses, por exemplo, são notadamente ecumênicos e
integram o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), enquanto a Convenção Batista do Sul
dos Estados Unidos, no seu enrijecido fundamentalismo, não participa da Aliança
Batista Mundial (ABM) e também não integra o CMI (OLIVEIRA, 1997, p. 126).
Como o movimento batista brasileiro foi iniciado por missionários norte-americanos,
oriundos da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, a cúpula conservadora da
CBB segue na mesma direção dos sulistas norte-americanos, com uma exceção
surpreendente, a CBB integra a Aliança Batista Mundial que teve inclusive um
brasileiro na direção da entidade máxima dos batistas, Nilson do Amaral Fanini, que se
constituí como uma instituição ecumênica. O questionamento quanto a não participação
em órgãos ecumênicos se dá porque o “ecumenismo fere alguns princípios batistas
como o da autonomia da igreja” (LANDERS, 1986, p. 138). Interessante notar que o
princípio batista da liberdade religiosa não cabe aqui para uma abertura ao diálogo
ecumênico no fórum máximo da representação dos batistas brasileiros, a Convenção
Batista Brasileira.
2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista
A pesquisa busca um diálogo entre Jürgen Moltmann e a eclesiologia batista.
Para esse diálogo ser possível, um dos principais interlocutores será a Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, por entender que esta procura dar
diretrizes doutrinárias e práticas para as igrejas que fazem parte da Convenção Batista
Brasileira (CBB).
Usaremos como recurso, não apenas a Declaração Doutrinária da CBB, mas
também autores que possam contribuir para a reflexão no contexto da Igreja Batista por
serem referências na educação teológica confessional como também, em seus escritos,
comentarem ou fazerem alusão a Declaração Doutrinária da CBB. São autores
reconhecidos no âmbito denominacional e representam, em síntese, o pensamento
hegemônico quando o assunto é eclesiologia batista. Não obstante a isso, há de igual
modo, autores que pensam e refletem a teologia em ambiente batista a partir de
questões abertas e esses são vozes dissonantes dentro do âmbito denominacional.
93
Aqui o interesse em refletir a partir da eclesiologia moltmanniana em contraste
com a eclesiologia da Igreja Batista, tem como objetivo dialogar duas realidades de
discurso teológico em torno de temas comuns. A polaridade se dá uma vez que é
possível destacar elementos de abertura (Moltmann) em contraste com elementos
fechados (eclesiologia batista) presentes na realidade eclesial da Igreja Batista como o
exclusivismo teológico, a resistência ecumênica, a segregação por gênero, o imaginário
celestial como único horizonte utópico-teológico imobilizando a práxis da igreja.
Com o propósito de estabelecer um diálogo a partir dessas duas concepções, que
a pesquisa irá abordar alguns temas, devidamente delimitados, presentes em ambas as
eclesiologias (batista-Moltmann), a fim de estabelecer contribuições para a reflexão
eclesiológica.
2.1. Igreja e reino de Deus
Para Mendonça (1990, p. 44), a Igreja Batista “tem um objetivo único:
evangelizar e converter pessoas às suas igrejas. Os convertidos serão, antes de tudo,
batistas”. Com essa síntese, Mendonça pontua dois conceitos importantes na
eclesiologia batista, “evangelização” e “conversão”. Essa concepção de que os
“convertidos” serão batistas se deve a forte influência do landmarkismo presente na
Igreja Batista brasileira. Na Declaração Doutrinária da CBB, a
igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão de fé [...]. Tais congregações são constituídas por livre vontade dessas pessoas com a finalidade de prestarem culto a Deus, observarem as ordenanças de Jesus, meditarem nos ensinamentos da Bíblia para edificação mútua e para a propagação do evangelho (CBB, 1986, p. 13).
Essa definição de igreja está presente em outras confissões de fé dos batistas. No
caso da confissão de fé brasileira, a ênfase que os batistas dão à igreja local é uma
herança landmarkista que se tornou “uma convicção [para a igreja] batista brasileira”
(AZEVEDO, 2004, p. 247).
94
Com essa definição de igreja, a Declaração Doutrinária traz uma concepção de
que igreja só pode ser mesmo local, ou seja, não há a possibilidade de conceber um
sistema eclesiástico onde a igreja local não tenha a primazia. Por outro lado, ela
delimita a entrada na comunidade de fé quando diz que apenas “pessoas regeneradas e
batizadas após pública profissão de fé” (CBB, 1986, p. 13). A dificuldade dessa
definição, segundo John Landers (1986, p. 82) consiste no fato da Declaração
Doutrinária advogar que o único modo de se fazer parte da igreja é por meio do
batismo, sendo esse batismo por imersão, uma vez que ele se dá por pública profissão
de fé. Assim as demais igrejas que não praticam o batismo por imersão não são
consideras igrejas. Tendo, como já mencionado, a eclesiologia batista uma forte
influência do landmarkismo, aqui é possível ver essa concepção uma vez que “o
movimento landmarkista afirmou categoricamente que essas greis são sociedades, e não
propriamente igrejas” (LANDERS, 1986, p. 82).
Quanto a esse aspecto, Moltmann entende que essa maneira de reduzir a igreja a
partir de um modo de acesso, é um absolutismo (MOLTMANN, 2013, p. 205). No caso
da definição da Declaração Doutrinária, na eclesiologia batista o batismo é um modo
de ingresso e não uma maneira de “demonstrar o início do reino de Deus na vida de
uma pessoa e a conversão comunitária para o seu futuro” (MOLTMANN, 2013, p. 294).
Na forma de aplicar o batismo, Moltmann qualifica o batismo infantil como obsoleto,
sendo que, para ele, o batismo de adultos é o ideal, uma vez que “pelo batismo, o crente
é chamado para a comunidade messiânica e vocacionado para o serviço libertador e
criativo no reino. Nesse aspecto, o batismo é um evento de vocação” (MOLTMANN,
2013, p. 307). Na eclesiologia batista, o batismo é uma “condição para ser membro de
uma igreja” (CBB, 1986, p. 15). Nesse sentido, ele não tem o aspecto de vocacionar
pessoas para o reino de Deus, mas sim para diferenciar os que são membros e os que
não são de uma comunidade de fé. O batismo tem um caráter puramente eclesiástico no
sentido de admitir ou não uma pessoa no rol de membros de uma igreja local. É nesse
sentido que Ferreira (2009, p. 125) entende quando comenta este item (batismo) da
Declaração Doutrinária da CBB: “o batismo é a porta de entrada do convertido na
igreja e é o testemunho público do que se realizou em sua vida: da morte passou para a
vida”. Aqui não se concebe uma ideia de vocação presente na eclesiologia
moltmanniana, antes o batismo tem um sentido apenas para quem dele participa,
significando “a morte e o sepultamento do velho homem (dramatizado simbolicamente
95
pela imersão) e a ressurreição para uma nova vida (dramatizado pela emersão)”
(SILVA, 2007, p. 142-143). A contribuição de Moltmann nesse sentido se dá quando é
possível vincular o batismo não apenas à morte e ressurreição de Jesus, mas também à
missão dele por meio da vocação, ou seja, o batismo se traduz como vocação para uma
“nova vida no serviço da justiça, portanto, no seguimento do crucificado [...]. Contudo,
é também a nova vida na comunidade de Cristo” (MOLTMANN, 2013, p. 307).
Outra temática que está atrelada à compreensão de igreja na eclesiologia batista,
é a do reino de Deus. A Declaração Doutrinária da CBB no item “Reino de Deus”, traz
a seguinte definição: “o reino de Deus é o domínio soberano e universal de Deus e é
eterno. É também o domínio de Deus no coração dos homens que, voluntariamente, eles
se submetem pela fé, aceitando-o como Senhor e Rei” (CBB, 1986, p. 16).
Assim como os demais grupos que compõem o protestantismo(s) de missão no
Brasil, os batistas também entendem que há uma distinção entre o reino de Deus e a
igreja (SILVA, 2007, p. 135). Por outro lado, a concepção dos batistas brasileiros de
reino de Deus sofreu influência do pietismo na sua versão norte-americana, ou seja, o
reino de Deus é o domínio de Deus nos corações de quem se converte (SILVA, 2013, p.
96). Nesse sentido, o reino de Deus só é estabelecido à medida que as pessoas vão se
convertendo. Por isso que a noção de reino de Deus é compreendida como sendo algo
“subjetivo” (FERREIRA, 2001, p. 19). Ele se dá apenas no seu aspecto interior, quando
o ser humano assume a condição de “súdito do Rei”. Azevedo (2005, p. 27), quando
observa o modo subjetivo de conversão no âmbito batista, conclui que a “conversão
passou, então, a significar, além da negação do passado da pessoa, negação do presente
social”. Por isso que o reino de Deus não tem conotações externas na eclesiologia
batista, antes ele se dá no imaginário celestial, ou seja, ele só será possível, na
dependência de Deus, na parousia do Cristo. Essa noção é fruto de interpretações
milenaristas.
Dentro desse aspecto, quando Azevedo (2004, p. 172) faz uma análise do
pensamento batista brasileiro, ele pontua as consequências do imaginário celestial, ou
seja, a ideia de que os cristãos estão apenas aguardando os “céus”. Essa doutrina
contribuiu para que a igreja, de alguma forma, se sentisse descompromissada com a
sociedade e, como consequência, com os seus principais temas. Essa noção de
transitoriedade da igreja decorre da ideia de que tudo que acontece ou irá acontecer está
sendo direcionado pela bendita e soberana vontade de Deus e diante dessa verdade não
96
há nada que se possa fazer para mudar a realidade. Sendo assim, uma nova realidade do
reino de Deus se torna inviável, pois o reino de Deus é algo para o futuro além-morte.
Aqui se insere o debate em torno do milênio. Porque uma correta interpretação sobre o
milênio significa uma correta interpretação do reino de Deus e sua relação com o
mundo e seus problemas.
A vertente do milênio que mais atraiu (e continua atraindo), adeptos em alguns
ambientes teológicos, é o pré-milenismo. O teólogo batista mais influente na
disseminação e ensino do pré-milenismo em Seminários e Faculdades de Teologia foi
Russell Shedd. O pré-milenismo, como já visto, entende que o ser humano é incapaz de
se aperfeiçoar e quanto mais houver o caos, maior será a “glória de Deus”. Quando o
Senhor Jesus Cristo voltar e instaurar o milênio (reino de Deus), as coisas entram nos
eixos definitivamente. Essa concepção ganhou força e o resultado foi o progressivo
distanciamento entre a igreja e a sociedade. A igreja, voltada para si mesma,
concentrou-se na evangelização e nas missões estrangeiras e outros temas foram
solapados por essa concepção teológica, inclusive o tema da ecologia por entender que
tudo que ocorre ou que irá ocorrer é sinal da “glória de Deus”.
Um exemplo desse entendimento vem do pastor e teólogo batista estadunidense
John MacArthur Júnior que tem boa acessibilidade entre os pastores batistas e os demais
grupos que compõem o protestantismo(s) brasileiro. MacArthur Júnior é alguém que é
lido e citado em sermões. No seu livro, A sós com Deus ele diz:
a igreja tem uma única missão neste mundo: levar pessoas destinadas a passar a eternidade no inferno ao conhecimento salvador de Jesus Cristo e à eternidade no céu. Se as pessoas morrerem em um governo comunista ou em uma democracia, sob um ditador tirano ou benevolente, acreditando que a homossexualidade é certa ou errada, ou acreditando que o aborto é direito fundamental de escolha da mulher ou simplesmente um homicídio em massa, nada disso tem relação com onde elas passarão a eternidade. Se elas nunca conheceram Cristo e nunca o receberam como Senhor e Salvador passarão a eternidade no inferno. [...] Um dia o Senhor voltará para estabelecer o seu próprio reino perfeito. Então finalmente perceberemos o que temos esperado com tanta ansiedade – e o que os discípulos de Cristo do primeiro século desejavam ver – Cristo governar na terra e os povos do mundo prostrados de joelhos perante Ele. (MacARTHUR, 2009, p. 193).
97
Como se observa, a preocupação última se dá em “tirar pessoas do inferno”.
Temas atuais como participação política, casamento de pessoas do mesmo sexo,
pobreza e marginalização social são vistos como consequências do pecado e, quando da
segunda vinda de Jesus, tudo irá se resolver e um tempo de paz e prosperidade se
estabelecerá por meio do milênio. Sobre isso, Mary Rute Gomes Esperandio explica que
no universo batista
as estruturas injustas, as condições socioeconômicas não são problematizadas. Elas são entendidas como resultado do pecado – responsável por toda ordem de mal, pelas injustiças, misérias, imperfeições e doenças. Não importa, na missão da igreja, a criação de outras formas de organização social que possam ser mais justas. Importa, sim, a restauração (ou cura) da alma, a salvação do que estava perdido (ESPERANDIO, 2002, p. 26-27).
As análises de Esperandio indicam que o imaginário celestial contribuiu para
uma apatia da igreja concernente a sua participação política e seu engajamento em
assuntos de interesses da sociedade. O isolamento social, sustentado pela concepção
pré-milenista da história, ocasionou no ostracismo da igreja. A partir do momento em
que a história é concebida como algo pré-existente, já dada, consumada, o que se pode
esperar da igreja é a ideia de que as pessoas precisam se separar do mundo (temas e
problemas dele) e aguardarem o retorno iminente de Jesus enquanto se purificam dos
pecados desta terra, causando imobilismo e um reducionismo em relação às dimensões
do reino de Deus (AZEVEDO, 2004, p. 296). Daí a ênfase na conversão, por entender
que “as reformas políticas e sociais [se dá] através da regeneração dos indivíduos”
(SILVA, 2011, p. 309).
Como o universo batista é plural e as opiniões são diversificadas, é importante
mencionar, apesar de claras indicações para se configurar uma eclesiologia batista
como fechada, que houve (e ainda há) preocupações com temas sociais do país. Um
desses momentos e que remonta a década de 1960, foi à participação dos pastores
batistas como David Gomes, Hélcio da Silva Lessa, Merval Rosa e Isaías da Silva Rego
dentre outros, na Conferência do Nordeste que ocorreu em 1962 na cidade de
Recife/PE, mobilizando cristãos militantes das causas sociais no país (SILVA, 2013, p.
127). O impacto da Conferência foi grande no universo protestante evangélico, mas,
infelizmente, as condições do país a partir de 1964 não favoreceram os desdobramentos
98
da Conferência entre as principais denominações (CUNHA, 2014, p. 129). O contexto
político do país, marcado pela ditadura militar, desfavoreceu o engajamento de muitos
teólogos e pastores no país e, até mesmo, no interior das igrejas por serem taxados,
inconsequentemente, de comunistas.
Outro sinal de abertura para se refletir as condições do país, se deu na
Assembleia da Convenção Batista Brasileira em 1963 na cidade de Vitória/ES, ou seja,
um ano depois da Conferência do Nordeste, onde se produziu um texto conhecido como
Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil (PINHEIRO, 2012, p. 251). Nesse
documento, os batistas assumem os desafios sociais do país e os compromissos para
com o tema, denunciando e alertando a denominação e o país
para a inadequação da estrutura social, política e econômica do país e sugeriram a necessidade de um exame objetivo da realidade brasileira, com a finalidade de reestruturação da sociedade em moldes que possibilitem o atendimento das aspirações e necessidades do povo (PINHEIRO, 2012, p. 244-245).
O texto só foi divulgado em 1964, pelo pastor Hélcio da Silva Lessa (1926-
2009). Os pontos que o Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil levantou não logrou
êxito entre os batistas brasileiros porque não houve reflexão posterior, principalmente
depois do Golpe Militar de 1964 que alinhou grande parte da liderança batista ao
regime totalitário, e, por consequência, não houve mudanças substanciais na área
teológica e na práxis da denominação.
Como refletir tal quadro eclesiológico a partir da eclesiologia de Moltmann?
Para ele, o reino de Deus é “o horizonte cristão abrangente para a vida”, ou seja, o reino
de Deus está vindo e tem como foco “a conversão do ser humano e sua libertação das
condições antidivinas e desumanas deste mundo” (MOLTMANN, 2013 p. 181). Para o
nosso autor, o reino de Deus não se configura em seu aspecto subjetivo, é uma realidade
que precisa ser perseguida pela igreja, porque para ele o reino não se resume aos
corações dos súditos do Rei, mas antes ao “futuro de toda a criação” (MOLTMANN,
2013, p. 219). Se na eclesiologia batista o reino de Deus está atrelado à conversão de
indivíduos tendo, portanto, um caráter interior, em Moltmann ele está atrelado às
situações concretas da vida e suas demandas globais como economia, política e cultura.
O reino de Deus se dá nas relações com a sociedade, pois “o cristianismo não existe
99
para si mesmo, mas sim para o reino que está vindo” (MOLTMANN, 2013, p. 218).
Nesse sentido, reino de Deus é o reinar de Deus hoje, ou seja, é um reino que está
vindo.
A concepção escatológica pré-milenista, presente no imaginário celestial do
universo batista, favorece uma noção fatalista e escapista do mundo e suas questões.
Por outro lado, Moltmann entende que os cristãos, com uma concepção escatológica
correta da história, devem ficar “inquietos enquanto não virem a realidade na qual estão
inseridos ser transformada em correspondência àquela desejada por Deus” (BASTOS,
2009, p. 255). O reino de Deus não é de outro mundo (MOLTMANN, 2013, p. 219).
Antes, o reino de Deus é a antecipação na história tendo a igreja como “o povo do
reino de Deus” (MOLTMANN, 2013, p. 258). Quando uma concepção escatológica
“aliena o ser humano de sua própria história, referindo-se [há] um tempo futuro trans-
histórico, não merece o título de escatologia, mas sim de ideologia” (BASTOS, 2011b,
p. 157).
2.2. Vocações e ministérios
Os batistas brasileiros partem do princípio protestante de que tod@s “foram
chamados por Deus para a salvação, para o serviço cristão, para testemunhar de Jesus
Cristo e promover o seu reino, na medida dos talentos e dos dons concedidos pelo
Espírito Santo” (CBB, 1986, p. 15). A princípio, os batistas, por meio de sua
Declaração Doutrinária, admitem a existência do Espírito Santo dirigindo e
concedendo dons aos membros da comunidade de fé para o desempenho do serviço
cristão. Entretanto, a eclesiologia batista reconhece que há apenas dois oficiais na
igreja, pastores e diáconos (FERREIRA, 2001, p. 59). Na eclesiologia batista, outros
termos como bispo e presbítero, são considerados intercambiáveis, ou seja, eles são
aplicados à mesma pessoa para funções diferentes (FERREIRA, 2001, p. 59). Apesar de
reconhecer a diversidade de dons no serviço eclesial, a Declaração Doutrinária da CBB
faz uma distinção em relação ao ministério da palavra quando diz que: “Deus escolhe,
chama e separa certos homens, de maneira especial, para o serviço distinto, definido e
singular do ministério da palavra” (CBB, 1986, p. 15). Aqui, a Declaração Doutrinária
da CBB oferece significativos aspectos à eclesiologia batista quando diz que “Deus
100
escolhe, chama e separa certos homens”, ou seja, é dada a diferença entre membros da
comunidade e, a certos homens, que se tornam especiais, quando desempenham o
ministério da palavra (ministério pastoral), sendo estes, portanto, distintos, definidos e
singulares. Com esses adjetivos, a Declaração Doutrinária vincula o ministério da
palavra apenas aos homens fazendo importantes distinções em relação aos demais
participantes da comunidade e, principalmente, às mulheres.
A Declaração Doutrinária da CBB, aceita a mediação dos dons ou carismas no
desempenho das funções e serviços na comunidade, mas, por outro lado, faz a
diferenciação com o cargo, para usar a linguagem moltmanniana, de pastor. Nesse
sentido, a eclesiologia batista faz o processo da dimensão carismática nos ministérios
para a dimensão institucional.
Nesse aspecto, Moltmann diz que a igreja sofre com a “usurpação de todos os
ministérios e tarefas por uma hierarquia de dignitários clericais ou por uma aristocracia
de pastores” (MOLTMANN, 2013, p. 379). Muito embora a eclesiologia batista não
aceite que haja uma hierarquia funcional e muito menos leigos, advogando de que todos
são ministros, todos são servos, ainda há uma distinção significativa entre pastor e
demais participantes da comunidade (SOBRINHO, 1998, p. 45). Essa compreensão é
possível, porque a Igreja Batista brasileira comunga da mesma concepção de que
apenas o ministro que recebe a imposição de mãos pode ser pastor. De um modo geral,
o protestantismo(s) de missão viu a figura do pastor a partir de um evangelismo
conversionista. O pastor é o evangelista que “ganha almas” para Jesus. Além disso, o
pastor, no protestantismo(s) de missão, em particular no universo batista, é o guardião
do sistema denominacional, onde sua figura é central para o bom desempenho das
funções eclesiásticas. Nesse sentido, então, é uma pastoral voltada para a o templo, para
os membros.
Assim como no protestantismo(s) de missão, a eclesiologia batista tem sérias
dificuldades quanto à compreensão do pastoreio quando entendido fora do indivíduo,
ou seja, do pastor. De alguma maneira há uma excessiva preocupação com o ser do
pastor, como suas qualificações morais, oratória e credenciais teológicas, gerando um
pastoreio preocupado “unicamente com a manutenção de seus membros e programas”
(KOHL & BARRO, 2006, p. 105). Por essa razão que o pastor batista, precisa “manter
em equilíbrio a carga acadêmica, a maturidade do caráter cristão e o treinamento prático
para o ministério cristão” (AZEVEDO, 1998, p. 30). O vocacionado para o ministério
101
da palavra tendem a serem homens, por isso há uma preocupação com o preparo e a
vocação do candidato a pastor (FERREIRA, 1998, p. 141).
A eclesiologia batista, quando trata de vocações e ministérios, traz concepções
que denotam a uma eclesiologia fechada. Mesmo admitindo a contemporaneidade dos
dons e talentos como meios que configuram a vivência eclesial, faz uma clara distinção
com o ofício de pastor no sentido deste ter a primazia quanto aos demais participantes
da comunidade de fé. Não obstante a isso, a clara discriminação quanto às mulheres no
exercício pastoral, como se elas não pudessem receber, de igual modo que os homens, o
carisma do pastoreio. Indubitavelmente essa posição da Declaração Doutrinária da
CBB, embora represente o modo de pensar da denominação, não é também
unanimidade por conta da pluralidade e diversidade denominacional. Em relação às
mulheres no ministério da palavra, Zaqueu Moreira de Oliveira, por exemplo, é
plenamente favorável. Quando a Associação Brasileira de Instituições Batistas de
Ensino Teológico (ABIBET) se reuniu em Guarapari/ES em 1996 para repensar a
denominação batista, Oliveira já apresentava argumentos quanto às mulheres
assumirem o pastorado de comunidades batistas. Pontua ele: “imposição de mãos não
era exclusiva [no Novo Testamento] para homens nem para o ministério pastoral, e,
segundo, porque elas eram ativas e nada existe que leve alguém a acreditar na rejeição
de seu ministério em áreas diversas, inclusive pastoral” (OLIVEIRA, 1998, p. 70).
A pesquisa de Yamabuchi (2009) traz importante contribuição para se entender o
universo machista e preconceituoso na Convenção Batista Brasileira quando do embate
entre José Reis Pereira, então historiador oficial da CBB, e Betty Antunes de Oliveira,
uma mulher que decidiu pesquisar o início do trabalho batista no Brasil sem o apoio da
CBB e, portanto, não estando dentro do sistema denominacional como Reis Pereira
estava. Reis Pereira advogava o surgimento do trabalho batista no Brasil a partir da
Primeira Igreja Batista do Brasil, em Salvador/BA, em 1882. Já Betty Oliveira, defendia
o marco inicial dos batistas no Brasil a partir da cidade de Santa Bárbara d´Oeste/SP em
1871.11 Esse embate, que ocorreu de maneira desproporcional e teve como palco as
assembleias da CBB, serviu, de acordo com Yamabuchi, para demostrar “o poder de
influência da elite masculina nas decisões oficiais das assembleias convencionais”
(YAMABUCHI, 2012, p. 61). Betty Oliveira torna-se símbolo de uma luta que, até o
11 A pesquisa de Marcelo Santos (2011) traz uma importante contribuição histórica para a definição do marco inicial dos Batistas no Brasil.
102
momento, as mulheres vêm travando, ou seja, o de “questionar o poder masculino de
estabelecer o saber religioso” (YAMABUCHI, 2012, p. 72).
Para refletir sobre esse quadro, enfatizamos que a eclesiologia aberta que
Moltmann propõe, traz o Espírito Santo para a comunidade, pois ela é uma
“comunidade carismática” (MOLTMANN, 2013, p. 373). Daí sua valorização quanto
aos dons que opera e vocaciona a tod@s para o serviço na comunidade. Uma vez que o
“Espírito faz criar o povo; o Espírito empodera-o para a missão; o Espírito opera suas
forças de vida e seus respectivos serviços; o Espírito une, ordena e preserva o povo”
(MOLTMANN, 2013, p. 374). A comunidade sob a força do Espírito, não convive com
um “domínio sagrado (hierarquia), mas opta pela expressão diaconia” (MOLTMANN,
2013, p. 374). Nesse sentido, tod@s são vocacionad@s na comunidade, pois tod@s
vivem a diaconia, assim, “todos os membros da comunidade messiânica são todos
[pelo] Espírito, portanto, ministros. Não existe separação entre os que possuem
ministérios e o povo” (MOLTMANN, 2013, p. 377). Mesmo com esse modo igualitário
entre os participantes da comunidade, Moltmann não deixa de fazer uma diferença
funcional na comunidade.
Ainda que haja a necessidade de pessoas designadas para serviços específicos na
comunidade, Moltmann faz questão de ressaltar que
os distintos ministérios da igreja tem como pressuposto e base o ministério comum e único da igreja. Os serviços diversificados pressupõem o serviço comum do reino de Deus em que cada crente está inserido. Os cargos distinguíveis na comunidade estão relacionados com o encargo comum por Cristo que atinge todas as pessoas (MOLTMANN, 2013, p. 380).
Em uma eclesiologia aberta, os dons continuam tendo a primazia. Sendo essa
comunidade de iguais, o principal “cargo da comunidade reside na vocação dos crentes
por Cristo no poder do Espírito Santo para o reino de Deus. Ele [o cargo] se torna
visível por meio do sinal do batismo. A comunidade dos batizados é a comunidade dos
vocacionados” (MOLTMANN, 2013, p. 380-381). Para Moltmann, portanto, não há
alguns que são vocacionados e outros não, tod@s são vocacionad@s para o reino de
Deus e tod@s tem um serviço a desempenhar nessa “causa comum” (MOLTMANN,
2013, p. 382).
103
2.3. Missão e proclamação
A concepção de vocação influi diretamente na concepção de missão e
proclamação. Como Analzira Pereira do Nascimento (2014) observa, há um
“paradigma dominante na nossa prática missionária [que] considera como vocacionado
somente o membro de igreja que sente a inclinação para ser missionário ou aquele que
deseja exercer um ministério eclesiástico, especialmente o pastorado”. Entendendo que
tod@s são vocacionad@s, há que refletir quanto ao conceito de missão e proclamação,
ou seja, a práxis de uma proclamação. As possíveis causas, ou as mais prováveis, já
foram pontuadas acima quanto a esse entendimento de “separar certos homens de
maneira especial, para o serviço distinto, definido e singular do ministério da palavra”
(CBB, 1986, p. 15). Nesse sentido, portanto, a tarefa pastoral se resume na teologia
salvacionista e a igreja passa a ser “composta [por] membros que se separaram do
mundo para viverem uma vida de pureza” (FERREIRA, 2001, p. 25). Influenciada pelo
pietismo, a eclesiologia batista desenvolve uma espécie de segregacionismo com a
sociedade quando assume um discurso de que “sem santificação crescente, a igreja não
se diferencia do mundo, nem se mostra diferente nele” (TORRES, 2009, p. 209). Essa
clara dicotomia é explicada por Magali do Nascimento Cunha (2014, p. 113) de que “o
fundamentalismo bíblico, o individualismo e o puritanismo levaram à construção de
uma presença da igreja negadora da sociedade (o mundo) e afirmativa da igreja como
reduto de proteção e preparação para a passagem para o lar celestial”.
A Declaração Doutrinária da CBB quando trata de evangelização e missões,
segue a mesma perspectiva dos demais grupos que compõem o protestantismo(s) de
missão, embora haja diversidade na concepção de missão e atuação em alguns
segmentos do protestantismo(s), a ênfase se dá na evangelização conversionista. A
Declaração Doutrinária reduz o conceito de missão quando diz que “a missão
primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando à reconciliação do
homem com Deus” (CBB, 1986, p. 14). O ímpeto missionário se dá na pregação da
mensagem do evangelho. A tarefa missionária não é seguida pela questão social e a
Declaração Doutrinária entende que “o maior benefício que pode prestar é anunciar a
mensagem do evangelho; o bem-estar social e o estabelecimento da justiça entre os
homens dependem basicamente da regeneração de cada pessoa e da prática dos
princípios do evangelho” (CBB, 1986, p. 14). Essa postura reducionista da práxis da
104
igreja que a Declaração Doutrinária traz, está sendo criticada por autores
conservadores e progressistas. Roberto do Amaral Silva (2007, p. 189), por exemplo,
um autor considerado conservador, questiona: “mas a pregação do evangelho consiste
apenas de palavras?”. Ainda que tenha indicações de que a igreja precisa ter uma
inserção significativa na sociedade, a Igreja Batista brasileira continua produzindo um
eclesiocentrismo e demonstrando aspectos de uma eclesiologia fechada quando o tema
é igreja e sua inserção na sociedade.
Diante das demandas sociais e o cenário teológico da América Latina, autores
batistas vêm procurado desenvolver uma teologia de caráter mais aberto em que “a
fidelidade aos ensinos do Senhor Jesus chama-nos a viver a missão de forma integral”
(TORRES, 2009, p. 203). Na América Latina, a maneira de fazer teologia visando à
integralidade do ser humano conta com importantes nomes e, aparentemente, os
batistas estão, de maneira paulatina, se aproximando da teologia da missão integral.
A teologia protestante latino-americana vem produzindo uma teologia holística,
denominada de missão integral (SANCHES, 2009, p. 55). Um nome que merece
destaque é o teólogo batista equatoriano Carlos René Padilla. Ele vem contribuindo para
uma reflexão que ousa ultrapassar o eclesiocentrismo que impera na concepção
missiológica da igreja e, de maneira particular, presente na eclesiologia batista. Padilla,
por exemplo, vem refletindo uma teologia que enxerga o outro, uma vez que a teologia
salvacionista é dirigida para a alma. Nesse sentido ele conclui:
a missão da igreja, portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem de salvação da alma: sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público [...]. A missão integral só é possível quando há discípulos que têm visão de conseguir a influência dos valores do reino de Deus a todas as esferas da sociedade (apud REIS, 2011, p. 144).
No entanto, a eclesiologia batista é dependente da teologia salvacionista,
herança da teologia dos missionários norte-americanos. Como já mencionado nessa
pesquisa, os missionários operaram a partir de um distanciamento entre igreja e
sociedade, compreendendo a missão e a proclamação da igreja em termos
salvacionistas. Essa teologia tem como pressuposto a ideia de que o pecado se dá
apenas de maneira individual e a graça de Deus, da mesma maneira. Desta forma, essa
105
teologia salvacionista é “fruto de uma antropologia mutilada, uma vez que esquece o
ser social do [ser humano] e conduz às ingênuas tentativas voluntaristas de pretender
mudar as estruturas injustas unicamente mediante a conversão do indivíduo”
(AZEVEDO, 2005, p. 51). Na mesma perspectiva, Lourenço Stelio Rega (2011, p. 370),
argumenta que, na eclesiologia batista, “tudo gira em torno do salvacionismo, isto é,
tudo é impulsionado, tem significação e é legitimado se é compatível com a salvação da
alma da pessoa”.
Apesar dessa teologia salvacionista que ainda domina a agenda missionária da
igreja, tem havido sinais claros de uma reflexão teológica que procura uma integração
entre igreja e sociedade com uma práxis que tenha relevância no contexto onde a igreja
está inserida. Assim, de acordo com Rega (2011, p. 371-372), a práxis da Igreja Batista
brasileira – quando se pretende fomentar uma eclesiologia aberta –, precisa
desenvolver mais “do que atividade eclesiástica”, uma vez que os missionários norte-
americanos reduziram “a ação e missão da igreja, pois a vida cristã foi simplificada em
trabalho eclesiástico de modo que a práxis protestante-batista (e evangélica) no Brasil
se converteu em apenas ao trabalho na igreja”. O ativismo religioso, na interpretação de
Rega (2011, p. 372), impede que o participante da comunidade de fé seja despertado
“para viver-Cristo-no-mundo encarnando o seu amor”. Se a eclesiologia batista quer ser
relevante em seu ambiente vivencial, é preciso desenvolver uma teologia em que
valorize o seguimento de Jesus como mediação para a sua práxis. Para isso, é preciso
descontruir aquela teologia que não considera a vida e suas mazelas; uma teologia que
se mantém como discurso apenas para os iniciados (REGA, 2011, p. 373). Deste modo,
será possível “ser cristão-no-mundo”, apenas quando for possível “uma prática
evangélica que traspõe as portas de uma igreja” (REGA, 2011, p. 372).
Mesmo com uma Declaração Doutrinária oferecendo elementos reducionistas
quanto ao conceito de missão e proclamação da igreja, há autores – e alguns ligados
administrativamente à Convenção Batista Brasileira –, que vem procurando modificar a
conhecida máxima no universo batista de que convertendo o indivíduo melhora-se a
sociedade (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 47). Uma nova concepção teológica,
auxiliada pela teologia latino-americana da missão integral, tem surgido em alguns
setores da denominação, havendo uma profícua preocupação em descontruir a ideia de
que a missão da igreja se resuma apenas na evangelização (PINHEIRO &
GIANASTACIO, 2012, p. 116).
106
É perceptível o surgimento de uma teologia que vem procurando favorecer o
diálogo e a ação da igreja na sociedade, ou seja, uma teologia que impulsiona a igreja a
dar “prosseguimento à missão do messias no mundo” (CIRINO & GREENWOOD,
2012, p. 48). Um novo conceito de missão em que a imitação do Cristo é encarnada a
partir da concretude da vida (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49). Assim, é
possível, em raras vezes pensar, segundo alguns autores batistas, que o primeiro
interesse não se dê na conversão das pessoas, mas sim na proclamação do evangelho de
Cristo por meio do seguimento da sua práxis (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49-
50).
Diante desse quadro e diante de nossos objetivos de estabelecer o diálogo,
acentuando a contribuição de Jürgen Moltmann à eclesiologia da Igreja Batista
brasileira, podemos articular com essa teologia que surge, que tem como propósito se
desvencilhar de uma concepção salvacionista e eclesiocêntrica, a visão de Moltmann
que pode dar a sua contribuição a fim de favorecer percepções para uma eclesiologia
aberta.
Para Moltmann, a missão de Jesus é a missão da comunidade, ou seja,
assumindo a missão do Cristo, por meio do seguimento, a igreja “provoca seu conflito
com a sociedade na qual vive e provoca conflitos entre os poderes do passado e as
forças do futuro, entre opressão e a libertação” (MOLTMANN, 2013, p. 120). Para
assumir tal postura, a igreja necessita encarnar a dimensão do seguimento. Isso é
possível a partir de uma compreensão do Cristo-práxis, ou seja, conhecer Jesus não
significa aprender um dogma cristológico, mas sim o conhecer a partir da práxis do seu
seguimento (MOLTMANN, 2000a, p. 72-73).
A missão da igreja se estende ao mundo, portanto, é missão da igreja se
envolver com a cultura, com a economia, com os direitos humanos, com a ecologia
(MOLTMANN, 2013, p. 235). A missão não se dá apenas com a conquista de pessoas
para aumentar o número de membros de uma igreja, mas sim desenvolver a abertura
missionária e diaconal no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 293).
A igreja, se favorecer uma dimensão aberta da sua eclesiologia proporcionando
diálogo e se comprometendo com o seu contexto, está diante de temas relevantes que
demandam atenção de imediato, suscitando reflexões que gerem práxis num futuro bem
107
próximo. As principais questões que envolvem a igreja e a sociedade podem ser
elencadas da seguinte forma:
teologia e direitos humanos, ecologia e missão, ética e cidadania, questões étnicas e raciais, a fé cristã diante da pobreza e da exclusão social, a religião frente ao desafio de um Estado laico e do fortalecimento da democracia, o diálogo ecumênico, a organização eclesial em células, missão no mundo urbano e outras dimensões de uma teologia pública e cidadã (RIBEIRO, 2012, p. 124-125).
Os desafios para a missão e proclamação estão dados, antes é preciso fomentar
uma eclesiologia que possa refletir sobre seu meio a fim de gerar uma práxis onde “a
missão da igreja também [seja] ação na sociedade” (PINHEIRO & GIANASTACIO,
2012, p. 116).
Considerações parciais
Com este capítulo, a pesquisa procurou fazer um levantamento das principais
características do protestantismo(s) de missão e, em particular, da Igreja Batista
brasileira, em seu aspecto eclesiológico, para em seguida olhá-los à luz da eclesiologia
de Moltmann.
O que norteou este capítulo foi à tentativa de se fazer uma leitura da eclesiologia
batista a partir de fontes bibliográficas, mas, principalmente, trazendo ao debate a
Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. O intento foi visualizar
elementos que pudessem caracterizar a eclesiologia batista e refletir sobre ela tendo
como principal interlocutor a eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann, descrita no
segundo capítulo desta pesquisa.
Em diálogo com a eclesiologia moltmanniana, alguns aspectos da eclesiologia
batista são passíveis de coadunação, já em outros temas Moltmann pode contribuir com
sua reflexão eclesiológica a fim de favorecer uma eclesiologia que leve em
consideração os temas da contemporaneidade. Isso é possível quando se fomenta uma
eclesiologia aberta.
108
Como Moltmann vivenciou o que é ser participante de uma igreja estatal, ele
valoriza eclesiologias que sejam livres. Para ele igrejas livres, como é a Igreja Batista
brasileira, deve desenvolver a sua “abertura missionária” (MOLTMANN, 2013, p.
293). A igreja estatal, por outro lado, quando “assumiu o atendimento religioso das
pessoas individuais e das famílias”, ela “perdeu sua força crítica e libertadora”
(MOLTMANN, 2013, p. 292). Considerando que Moltmann escreve A igreja na força
do Espírito em 1975, ele está vivenciando uma igreja que precisa ser a voz e a força,
por meio do Espírito Santo, para um mundo agonizante, como também para cristãos que
sofrem e são atribulados no mundo por causa do evangelho. Não por acaso que
Moltmann ao escrever a sua obra eclesiológica além de dedicar ao Conselho Mundial de
Igrejas (CMI), dedica aos cristãos perseguidos do mundo.
Uma comunidade que se propõe a ser aberta em sua maneira de ver o mundo,
inseparavelmente terá uma ação libertadora em seu contexto. Assim, em uma
eclesiologia aberta “a comunidade se reúne em torno do evangelho e da mesa do
Senhor, ela se torna reconhecível no mundo e inconfundivelmente o povo de Cristo, a
comunidade messiânica do reino que está vindo” (MOLTMANN, 2013, p. 420).
109
Considerações finais
A igreja entende-se na presença do Espírito Santo como povo messiânico para o reino que está vindo, quando ela ouve a fala do tempo messiânico e celebra em batismo e ceia do Senhor os sinais do êxodo e da esperança. Na festa messiânica, ela se torna consciente de sua liberdade e de sua missão. Na força do Espírito Santo, a igreja se experimenta como comunidade de serviço ao reino de Deus no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 367).
A citação acima, ainda que sucinta, resume bem a eclesiologia moltmanniana.
Uma eclesiologia que tem como marca o impulso do Espírito Santo para continuação-
construção do reino de Deus na história. Com essa iniciativa, a igreja se torna em
comunidade messiânica e antecipa, por meio do batismo e da ceia, a realidade futura do
mundo quando desenvolve a sua missão no mundo como um serviço ao mundo.
Assim, partindo de alguns aspectos do esboço teológico de Moltmann, a
pesquisa procurou trabalhar a eclesiologia do autor a partir de dimensões abertas. Isso
foi possível, porque a eclesiologia que Moltmann desenha em seus textos e no seu
principal trabalho eclesiológico, A igreja no poder do Espírito (2013), é uma
eclesiologia que procura cumprir, verbalizar e transformar a realidade (em âmbito
teológico, social e político) por meio de uma igreja que compreenda o seu lugar na
história escatológica sendo fomentadora do reino de Deus.
O pensamento teológico de Moltmann é caracterizado pela sua abertura, ou seja,
os seus sistemas teológicos são concebidos a partir da esperança, portanto, o futuro é
condição sine qua non para a sua reflexão teológica. Uma vez tendo o futuro como
chave hermenêutica, ou seja, o futuro é o espaço em que se dá a promessa e, ao mesmo
tempo, proporciona a dinâmica divino-humana no transcorrer da história, Moltmann
elabora uma teologia que nunca está fechada em si mesma, mas sempre aberta para o
além mais. Para o teólogo alemão a teologia não é uma dogmática apenas para a igreja
em seu aspecto eclesiástico, antes a teologia precisa ter como alvo o mundo. A partir
disso, as principais contribuições teológicas de Moltmann tem como pressuposto uma
teologia aberta como na teologia da criação, na teologia da trindade e, no caso dessa
pesquisa, na eclesiologia.
110
Quanto à sua eclesiologia, Moltmann considera que a doutrina teológica sobre a
igreja precisa observar pelo menos três dimensões: diante de Deus, diante dos seres
humanos e diante do futuro. No seu entender isso demonstra a vivacidade da igreja, pois
a igreja de Cristo é uma igreja aberta. Ela está aberta para Deus, aberta para o ser
humano e aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos. A igreja atrofia se
abandonar uma dessas aberturas e se fechar contra Deus, o ser humano e o futuro.
A abertura da igreja se dá com alguns elementos que se tornam imprescindíveis
para uma reflexão teológica que queira de fato ser relevante no seu contexto: (1) uma
eclesiologia comprometida com o reino de Deus – o elemento essencial do discurso da
igreja é o reino de Deus. Para Moltmann o reino de Deus deve ser a paixão da teologia
como um todo. Deve haver teologia do reino de Deus. Uma teologia missionária que
amarra a igreja à sociedade, tornando-a, desta forma, em uma igreja aberta que
participa dos sofrimentos do povo e propõe esperança. A característica missionária da
igreja é essa abertura ao mundo. Quando a igreja compreende que é continuadora do
projeto do reino de Deus, ela se desdobra na esfera pública com comprometimento e
solidariedade. Para Moltmann, a igreja que assim se comporta tem uma dimensão
inclusiva, porque entende que a “promissio do reino fundamenta a missio do amor no
mundo” (MOLTMANN, 2003, p. 265). Uma igreja aberta, portanto, não tem como
preocupação o milênio e suas interpretações milenaristas, pois encarna nela mesma a
dinâmica integradora da mensagem do reino de Deus; (2) uma eclesiologia aberta –
para Moltmann a principal característica da igreja é a sua abertura para Deus, para o ser
humano e para o futuro. Agindo assim ela modifica o seu discurso, a sua dinâmica e sua
interação na sociedade quando, por exemplo, não limita a redenção e a felicidade das
almas para um céu no além. Essa abertura se dá quando missão não é entendida como
conquista, expansão, mas como a participação de toda a igreja na proclamação do reino
de Deus; quando a igreja acolhe a dinâmica ecumênica, pois entende que as demais
igrejas estão comprometidas em comum com a missão messiânica de Cristo e que são a
igreja do reino vindouro, sendo assim, a igreja se abre em diálogo e fraternidade para
alcançar o bem comum; quando a igreja concebe uma práxis politicamente engajada,
pois assume a sociedade e procede com credibilidade, favorecendo a lutar com e pelo
povo por paz e justiça.
Em uma eclesiologia aberta o batismo é um sinal de comprometimento dos
membros com a tarefa do reino de Deus, daí ser tod@s vocacionad@s; a ceia do Senhor
111
nunca seria restrita, mas um convite a tod@s, porque é o chamamento do próprio Cristo
para participar da mesa e do reino que vem.
Os elementos que compõem a eclesiologia moltmanniana, estão presentes em
outras obras do autor. Uma vez que sua eclesiologia está atrelada à dimensão
messiânica de Cristo e ao Espírito Santo, Moltmann entende que a igreja precisa ser
mais relevante, com sua teologia, no contexto social, ou seja, deixar de pertencer ao
gueto e ser uma comunidade para fora agindo assim, a igreja “adquire importância
quando mostra os problemas do mundo moderno unicamente revelando o ‘núcleo duro’
de sua identidade com Cristo crucificado e deixando-se questionar por ele juntamente
com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010, p. 25). Se a igreja toma o nome
de Jesus e professa fé nele, algumas atitudes precisam ser evidenciadas na vivência da
comunidade de fé. Em outras palavras, Moltmann está dizendo que a igreja precisa
tomar consciência de que ela está ligada a Jesus e, portanto, é preciso estar ciente das
implicações que o crucificado traz, sendo uma dessas implicações, no pensamento
moltmanniano, a dimensão messiânica da igreja. Para o autor, olhar para Jesus como
messias, significa conceber a práxis de Jesus e, sendo a igreja messiânica, cabe a ela ser
continuadora dessa dimensão messiânica.
Moltmann soube ler o seu contexto eclesial e propor uma eclesiologia que pode
contribuir com o atual momento da cultura contemporânea. Se a igreja não
compreender que é preciso estabelecer uma relação igreja-mundo que vá além das
fronteiras, e que, portanto, seu discurso precisa integrar-se à cultura e seu contexto
histórico, assimilando as mudanças da sociedade, entendendo que as mesmas favorecem
outros comportamentos e que, assim, a novidade de uma práxis contextualizada se faz
necessárias, ela se encontrará em ostracismo.
Dentre várias contribuições de Moltmann à eclesiologia batista, há o desafio de
que a igreja se torne mais significativa no seu contexto político-social. Para isso, é
preciso favorecer uma eclesiologia aberta que tenha dimensões messiânicas e isso
significa rever e repensar certos preconceitos e exclusivismos como condição
imprescindível para que a igreja tenha uma dimensão aberta.
A fim de contribuir para uma eclesiologia batista que tenha dimensões de
abertura, será preciso refletir sobre a tarefa missionária da igreja a partir do outro e sua
realidade e não apenas em seu aspecto salvacionista. Outro tema que merece destaque é
112
a questão ministerial e as vocações, onde a questão de gênero ainda é um fator
preponderantemente discriminatório. Quanto ao aspecto social, a eclesiologia batista
carece ainda de uma escatologia que não veja a igreja como tendo um fim em si
mesma, mas como um meio de favorecer o mundo com uma práxis que não tenha como
foco o proselitismo, mas antes uma concepção de alteridade e de mudança com os
referenciais de justiça social.
Os estudos revelam que a eclesiologia expressa na Igreja Batista ainda tem
dificuldades em equacionar problemas e desafios da contemporaneidade. Ainda mais
com alguns modelos eclesiológicos que permeiam a realidade eclesial brasileira
propondo outra perspectiva do evangelho sendo, nitidamente, uma proposta que não
contempla um agir significativo como comunidade do reino de Deus na sociedade. Não
obstante a isso, ainda é permanente o debate dentro das fronteiras eclesiásticas, no
âmbito protestante-evangélico, e em particular na eclesiologia batista, do real sentido da
igreja na sociedade, se ela é uma sala de espera, onde as pessoas esperam apenas a
concretização escatológica do fim dos tempos, ou se ela é uma esperança de justiça e
fraternidade para com (e pelo) o mundo.
Quando a pesquisa traz o foco da eclesiologia presente na Igreja Batista
brasileira, é por entender que a eclesiologia moltmanniana pode contribuir com
elementos que favoreçam dimensões abertas na eclesiologia batista tais como: (1) uma
abertura ao ecumenismo, começando por abrir diálogo com a Aliança de Batistas do
Brasil, que é o resultado da participação de batistas nos principais fóruns de reflexão
teológica no Brasil e na América Latina como, por exemplo, na Fraternidade Teológica
Latino-americana (FTL), bem como outros grupos que procuram viabilizar um
engajamento político-social mais efetivo na sociedade brasileira (SILVA, 2013, p. 141);
(2) uma concepção de missão onde o maior interesse seja na proclamação do evangelho,
valorizando as dimensões existenciais do ser humano e não apenas a sua “alma”; (3)
uma noção de vocação onde não haja uma supervalorização da figura do pastor e tod@s
possam desempenhar suas funções eclesiais a partir de seus dons; (4) uma abertura ao
ministério ordenado feminino por entender que o pastoreio é um dom e não,
propriamente, um ofício; (5) uma igreja aberta que promova a esperança a partir de
uma clara concepção de sua atuação no futuro do reino de Deus.
Ao realizar a pesquisa acentuou-se em mim a visão de que há esperança para
uma eclesiologia que favoreça uma pastoral fraterna e acolhedora.
113
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