UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA
MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO
A HISTÓRIA DE UM DELITO:
A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO
NATAL /RN
2017
MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO
A HISTÓRIA DE UM DELITO:
A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO
Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPgEL/UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem, na área de concentração de Linguística teórica e descritiva.
Orientador: Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto
NATAL /RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Cardoso, Marília Silva Lemos.
A história de um delito: a sequência narrativa em termos de
depoimento / Marília Silva Lemos Cardoso. - 2017. 106f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem.
Orientador: Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto.
1. Depoimento (testemunhas). 2. Análise textual dos
discursos. 3. Sequência textual narrativa. 4. Gênero jurídico. I.
Silva Neto, João Gomes da. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.143
MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO
A HISTÓRIA DE UM DELITO:
A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO
Relatório de Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos
da linguagem (PPgEL), Departamento de Letras, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como um dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em
Estudos da Linguagem. Avaliado em ___/___/____ pela seguinte banca
examinadora:
___________________________________________________________________
Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto
Presidente / Orientador – UFRN
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Josilete Alves Moreira de Azevedo
Examinadora Interna - UFRN
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Eliete de Queiroz
Examinadora Externa - UERN
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria das Graças Soares Rodrigues
Examinadora Interna (Suplente) - UFRN
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosângela Alves dos Santos Bernardino
Examinadora Externa (suplente) - UERN
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus que me deu todas as condições
necessárias para concluir essa importante etapa de minha vida.
Aos meus pais, Maria das Graças e Sebastião Lemos, sem os quais não
poderia estar onde estou, pois me deram o essencial para que pudesse trilhar o meu
caminho com trabalho, esforço, dedicação e honestidade. Agradeço por estas e
outras lições que levarei para toda vida.
Ao meu esposo Valter Cardoso, presente de Deus em minha vida,
companheiro de todas as horas. Apoio fundamental em todos os momentos dessa
caminhada, sem o qual não teria conseguido chegar ao fim.
Ao professor João Gomes da Silva Neto, pelas lições não só acadêmicas,
mas, sobretudo, de vida.
Às professoras Josilete Alves Moreira de Azevedo e Maria Eliete de Queiroz
que trouxeram contribuições tão valiosas para o aprimoramento deste trabalho. O
meu muito obrigada pela atenção e pelo empenho com que fizeram suas
observações.
Agradeço também a todos os colegas do grupo ATD que sempre estiveram
dispostos a colaborar para o enriquecimento deste trabalho.
RESUMO
Neste trabalho, temos o objetivo de investigar como ocorrem as sequências
narrativas no gênero termo de depoimento, peça processual que integra o inquérito
policial e é destinada ao depoimento da(s) testemunha(s). Nossa fundamentação
teórica parte dos pressupostos gerais da Linguística Textual através de autores
como Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009), Koch e Elias (2012; 2013) e Marcuschi
(2008; 2012), e mais precisamente da Análise Textual dos Discursos com Adam
(2011) no que se refere ao estudo do plano de texto e da sequência textual
narrativa. Em relação ao discurso jurídico, respaldamo-nos em Pelágio (2002),
Gomes (2011), Nucci (2014) e França (2015). Metodologicamente, é uma pesquisa
documental, que apresenta um caráter qualitativo, descritivo e que se orienta pelos
métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. O corpus é constituído por três termos de
depoimento oriundos de uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher
(DEAM), localizada em Natal, Rio Grande do Norte. Os resultados mostram que o
depoimento prestado pela testemunha é composto predominantemente pela
sequência narrativa, a qual constitui uma narrativa maior, global, que por sua vez é
composta por diversas narrativas menores – as chamadas narrativas encaixadas, as
quais atuam no texto em função dessa narrativa de nível global. Os resultados
mostram também que as sequências narrativas desempenham um importante papel
no gênero termo de depoimento, pois funcionam como principal mecanismo de
organização do depoimento da testemunha.
Palavras-chave: Análise Textual dos Discursos. Sequência textual narrativa. Termo
de depoimento. Gênero jurídico.
ABSTRACT
In the present work, we aim to investigate how the narrative sequences occur within
the genre testimony record, procedural component that integrates the police
investigation whilst being intended for the witness testimony. Our theoretical
groundings are based on the general propositions of the Text Linguistics with authors
as Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009), Koch e Elias (2012; 2013) and Marcuschi
(2008; 2012), and, more specifically, on the Discourse Textual Analysis with Adam
(2011) regarding the text plan and narrative sequence studies. In relation to the legal
discourse, we use Pelágio (2002), Gomes (2011), Nucci (2014) and França
(2015).The methodology consists of a documental research, of qualitative and
descriptive nature, as well as guided by the inductive and deductive reasoning. The
corpus is represented by three testimonial records obtained from a Women’s Police
Station (Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher – DEAM), located at
Natal, Rio Grande do Norte. Results indicate that the testimony provided by the
witness is predominantly composed by several minor narratives – the so-called
embedded narratives, which act upon the text due to a global-level narrative. The
results also indicate that the narrative sequences play an important role in the
testimonial record genre, because they function as the main mechanism for the
organization and arrangement of the witness testimony.
Keywords: Discourse Textual Analysis. Narrative textual sequence. Testimonial
record. Legal genre.
LISTA DE SIGLAS
AD Análise do Discurso
ATD Análise Textual dos Discursos
CPB Código Penal Brasileiro
CPP Código de Processo Penal
CP Código Penal
DEAM Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher
LT Linguística Textual
NE Narrativa Encaixada
PPgEL Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem
TD Termo de Depoimento
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Esquema 4: Níveis ou planos da análise de discurso.................. 41
Figura 2 Esquema 5: Operações de textualização..................................... 42
Figura 3 Esquema 30: Ligações textuais.................................................... 44
Figura 4 Esquema 20: Trama narrativa...................................................... 55
Figura 5 Esquema 19: Relações simétricas............................................... 56
Figura 6 Esquema 18: Limites do processo................................................ 56
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Propostas de classificações tipológicas........................................ 48
Quadro 2 Plano de texto do Termo de depoimento 1................................... 68
Quadro 3 Macroproposições da narrativa global.......................................... 70
Quadro 4 Macroproposições da narrativa encaixada 1................................. 73
Quadro 5 Macroproposições da narrativa encaixada 2................................ 75
Quadro 6 Macroproposições da narrativa encaixada 3................................. 77
Quadro 7 Macroproposições da narrativa encaixada 4................................ 78
Quadro 8 Macroproposições da narrativa encaixada 5................................. 79
Quadro 9 Síntese das principais ações de W nas narrativas encaixadas..... 81
Quadro 10 Plano de texto do Termo de depoimento 2................................... 82
Quadro 11 Macroproposições da narrativa global........................................... 84
Quadro 12 Macroproposições da narrativa encaixada 1................................. 87
Quadro 13 Macroproposições da narrativa encaixada 2................................. 88
Quadro 14 Macroproposições da narrativa encaixada 3................................. 89
Quadro 15 Macroproposições da narrativa encaixada 4................................. 90
Quadro 16 Síntese das principais ações de T nas narrativas encaixadas...... 91
Quadro 17 Plano de texto do Termo de depoimento 3................................... 92
Quadro 18 Macroproposições da narrativa global........................................... 94
Quadro 19 Macroproposições da narrativa encaixada.................................... 96
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 15
2 O ESTADO DA ARTE.............................................................................. 18
2.1 O ESTUDO DA NARRATIVA: BREVE PANORAMA ............................... 18
2.2 O ESTUDO DA SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA............................ 23
2.3 O GÊNERO TERMO DE DEPOIMENTO................................................. 30
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................... 36
3.1 A LINGUÍSTICA TEXTUAL....................................................................... 36
3.1.1 A Linguística Textual no Brasil............................................................. 38
3.2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS............................................... 40
3.2.1 Estrutura composicional do texto......................................................... 43
3.2.1.1 Os planos de textos.................................................................................. 45
3.2.1.2 As Sequências textuais ........................................................................... 46
3.2.1.3 A Sequência textual narrativa................................................................... 53
4 METODOLOGIA....................................................................................... 58
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA....................................................... 58
4.2 CORPUS: APRESENTAÇÃO................................................................... 60
4.3 COLETA E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE......................................... 63
5 ANÁLISE ................................................................................................. 67
5.1 TERMO DE DEPOIMENTO 1................................................................... 67
5.1.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 67
5.1.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 67
5.1.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 69
5.1.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições
narrativas.................................................................................................
69
5.1.4.1 Narrativa global......................................................................................... 70
5.1.4.2 Narrativa encaixada 1............................................................................... 72
5.1.4.3 Narrativa encaixada 2............................................................................... 75
5.1.4.4 Narrativa encaixada 3............................................................................... 76
5.1.4.5 Narrativa encaixada 4............................................................................... 78
5.1.4.6 Narrativa encaixada 5............................................................................... 79
5.1.4.7 Síntese das principais ações de W........................................................... 81
5.2 TERMO DE DEPOIMENTO 2.................................................................. 82
5.2.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 83
5.2.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 84
5.2.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 82
5.2.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições
narrativas.................................................................................................
84
5.2.4.1 Narrativa global......................................................................................... 84
5.2.4.2 Narrativa encaixada 1............................................................................... 86
5.2.4.3 Narrativa encaixada 2............................................................................... 88
5.2.4.4 Narrativa encaixada 3............................................................................... 89
5.2.4.5 Narrativa encaixada 4............................................................................... 90
5.2.4.6 Síntese das principais ações de T............................................................ 91
5.3 TERMO DE DEPOIMENTO 3................................................................... 92
5.3.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 92
5.3.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 92
5.3.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 93
5.3.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições
narrativas.................................................................................................
94
5.3.4.1 Narrativa global......................................................................................... 94
5.3.4.2 Narrativa encaixada.................................................................................. 96
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 97
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 99
ANEXOS
15
1 INTRODUÇÃO
Os diversos textos do âmbito jurídico desempenham um importante papel na
sociedade. Apesar disso, esses textos, de um modo geral, são bastante restritos ao
seu meio específico de circulação, o que faz com que sejam facilmente citados como
‘textos difíceis de entender’. Diante disso, surge a necessidade de estudos que
abordem esses textos a fim de contribuir para sua clarificação e assim torná-los mais
acessíveis ao seu leitor, seja ele da área jurídica ou não.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa trata do estudo sobre a realização
das sequências textuais narrativas no gênero jurídico termo de depoimento. O termo
de depoimento é uma peça do inquérito policial, na qual a testemunha respondendo
a algumas perguntas diz o que sabe e é relevante para um determinado caso. Tudo
o que a testemunha diz é registrado pelo escrivão e, no final de seu depoimento, a
testemunha toma conhecimento de suas declarações através da leitura feita pelo
escrivão o qual assina esse documento juntamente com a testemunha e o Delegado
de Polícia. O termo de depoimento constitui, assim, um documento de fundamental
importância para a investigação e formulação das hipóteses investigativas.
O presente trabalho parte das seguintes questões de pesquisa:
Como ocorrem as sequências textuais narrativas no gênero termo de
depoimento?
Que elementos textuais e discursivos são utilizados nas sequências
narrativas no gênero termo de depoimento?
Qual o papel das sequências narrativas para a composição do gênero termo
de depoimento?
Para responder a esses questionamentos traçamos metas a serem
alcançadas com a investigação. Por isso, selecionamos os seguintes objetivos:
Objetivo geral:
Investigar como ocorrem as sequências narrativas no gênero termo de
depoimento.
Objetivos específicos:
Identificar e descrever que elementos textuais e discursivos são utilizados nas
sequências narrativas no gênero termo de depoimento.
16
Interpretar qual o papel das sequências narrativas para a composição do
gênero termo de depoimento.
Nossa fundamentação teórica parte dos pressupostos gerais da Linguística
Textual com autores como Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009;), Koch e Elias
(2012; 2013), Marcuschi (2008; 2012), entre outros, e mais precisamente da Análise
Textual dos Discursos (ATD) proposta por Adam (2011) no que se refere ao plano
de texto e a sequência textual. Além desses, respaldamo-nos também em outros
autores no que se refere ao estudo do gênero, tais como Bazerman (2005), Rojo
(2005) e Marcuschi (2008). Para tratar do discurso jurídico fundamentamo-nos em
Pelágio (2002), Gomes (2011), Nucci (2014) e França (2015).
O corpus da pesquisa é composto por três termos de depoimento oriundos de
uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, DEAM, localizada em
Natal, Rio Grande do Norte, e disponibilizados através do banco de processos do
grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Em conformidade com o seu local de origem, os
documentos aqui analisados abordam a temática da violência contra a mulher.
A escolha do tema do trabalho partiu de algumas motivações: em um primeiro
momento, a escolha de um gênero do âmbito jurídico, bem como a noção de
sequência textual narrativa proposta por Jean Michel Adam, deveu-se ao fato de,
enquanto pesquisadora, estar inserida no grupo de pesquisa ATD, do Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da UFRN que tem como uma de
suas linhas de pesquisa o estudo do discurso jurídico a partir da perspectiva dos
postulados de Adam (2011). Em um segundo momento, o fato de haver poucos
trabalhos nessa perspectiva de estudo abordando o gênero termo de depoimento.
Nessa direção, destaco apenas os trabalhos de Gurpilhares et al. (2012), e de
Cardoso e Cardoso (2015), os quais retomamos aqui pela sua pertinência ao estudo
que pretendemos desenvolver.
A relevância do presente estudo centra-se justamente na abordagem do
gênero jurídico termo de depoimento, sob uma perspectiva linguística e discursiva. A
partir desse estudo, pretendemos contribuir para a sua melhor compreensão.
De acordo com os objetivos propostos, a pesquisa apresenta como categorias
de análise as macroproposições narrativas propostas por Adam (2011), as quais
estão relacionadas à dimensão estrutural e composicional do texto.
17
Esta dissertação estrutura-se em seis capítulos. O primeiro corresponde a
esta introdução, na qual expomos os principais pontos do trabalho, sobre o que ele
trata, em que se fundamenta, seus objetivos gerais e específicos, a origem do seu
corpus, e os critérios de escolha para essa temática, bem como a estruturação do
trabalho como um todo.
No capítulo dois - O estado da arte - trazemos um breve panorama sobre o
estudo da narrativa, como também um levantamento de estudos já realizados a
partir da perspectiva do estudo da sequência textual narrativa proposta por Adam
(2011). Neste capítulo, também focamos no gênero em análise (termo de
depoimento) trazendo primeiramente alguns esclarecimentos sobre em que
perspectiva teórica esse gênero aqui é concebido e, diante disso, suas principais
características, bem como em que contexto geral de pesquisas nosso trabalho se
insere.
O capítulo três - Fundamentação teórica – trata dos pressupostos teóricos a
partir dos quais embasamos nossa pesquisa.
No capítulo quatro – Metodologia – apontamos informações sobre a
caracterização da pesquisa, a apresentação, coleta e tratamento do corpus, as
categorias e os procedimentos de análise e sobre o gênero termo de depoimento.
No capítulo cinco - Análise – apresentamos a análise de acordo com os
fundamentos teóricos expostos anteriormente.
O capítulo seis - Considerações finais - traz os resultados obtidos e as
contribuições do estudo para a área em que se insere. Por último, constam as
referências de todo material utilizado na pesquisa e os anexos.
18
2 O ESTADO DA ARTE
Neste capítulo, apresentamos: um breve histórico sobre o estudo da narrativa
e apresentamos também alguns estudos já realizados acerca dessa categoria; além
disso, explicitamos algumas características do gênero jurídico termo de depoimento,
bem como delimitamos em que perspectiva teórica esse gênero é concebido nessa
pesquisa.
2.1 O ESTUDO DA NARRATIVA: BREVE PANORAMA
Nesta seção, apresentamos uma breve revisão das principais teorias
responsáveis pela elaboração do conceito de estrutura narrativa. Com isso,
objetivamos mostrar a diversidade de abordagens e enfoques existentes a respeito
do estudo da narrativa, bem como situar o nosso estudo a partir desse panorama.
Os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de
Aristóteles, escrito por volta de 335 a.C. Nessa obra, Aristóteles estuda a epopeia, a
tragédia e a comédia para estabelecer os cânones da narrativa clássica. O autor faz
uma análise profunda da tragédia, a qual continua como referência para o estudo da
narrativa até hoje.
Propp ([1928] 1983) retomou os estudos da narrativa através da análise dos
contos de fadas russos. Nesse sentido, o autor realiza uma morfologia desses
contos de fadas, os quais denomina de contos maravilhosos. Essa morfologia
corresponde a uma descrição dos contos a partir das partes que os compõem, das
relações destas partes entre si e com o todo. Através de suas análises, o autor
concluiu que, muitas vezes, os contos emprestam as mesmas ações a personagens
diferentes. Dessa forma, o autor propõe um estudo do conto através das funções
das personagens, as quais passam a representar, nessa perspectiva, as partes
fundamentais do conto.
Propp ([1928] 1983) chega a quatro teses fundamentais: 1) Os elementos
constantes permanentes do conto são as funções das personagens, quaisquer que
sejam estas personagens e qualquer que seja o modo como são preenchidas estas
funções. As funções são as partes constitutivas fundamentais do conto. 2) O número
das funções do conto maravilhoso é limitado. 3) A sucessão das funções é sempre
19
idêntica. 4) Todos os contos maravilhosos pertencem ao mesmo tipo no que diz
respeito à estrutura.
Vieira (2001) ressalta que a importância do trabalho de Propp reside no fato
de que através das funções propostas por ele podemos construir uma estrutura do
conto. Ainda de acordo com Vieira (2001), Propp ([1928] 1983) teria sido o primeiro
a chamar a atenção para a forma estrutural do enunciado narrativo.
Bremond (1966) propõe como modelo para os enunciados narrativos uma
estrutura triádica. Em sua proposta, o processo narrativo apresenta uma situação
lógica na qual atuam três papéis básicos: vítima, agressor e ajudante, que se
organizam segundo o seguinte encadeamento: Degradação → Melhora → Ajuda.
Durante esse processo, se a ajuda é alcançada, ocorre uma melhora e o processo
de degradação é evitado. Contudo, se a ajuda não ocorre, não há melhora e o
processo de degradação é inevitável.
Já Labov e Waletzky (1967) propõem uma estrutura narrativa dividida em
cinco momentos. Para chegar a essa proposta, os autores realizaram suas análises
a partir de narrativas orais recolhidas de crianças e adultos de culturas diferentes.
Para os autores, a narrativa funciona como um método de recapitulação de
experiências passadas e apresenta duas funções básicas: de referência e de
avaliação. A primeira diz respeito à transmissão de informações que há na narrativa
em relação ao lugar, tempo, personagens, etc.; a segunda diz respeito à
transmissão ao ouvinte do motivo da narrativa ter sido contada. Os autores centram
sua definição de núcleo narrativo sobre a dimensão avaliativa que expressa o ponto
central da narrativa, dando destaque, assim, aos eventos mais importantes.
Nessa perspectiva, a narrativa vai ter uma superestrutura textual composta de
orientação, complicação, ação ou avaliação, resolução, conclusão ou moral. A
orientação corresponde ao momento em que são definidas as situações de espaço,
tempo e características das personagens; a complicação ocorre quando há uma
ação que modifica o estado inicial e dá inicio a narrativa propriamente dita. A
narrativa, então, culmina no momento em que uma ação transforma a nova situação
provocada pela complicação ou em que uma avaliação da nova situação indica as
reações do sujeito do enunciado. O resultado corresponde ao novo estado de coisas
que é estabelecido. O final da narrativa se dá no momento em que é elaborada uma
moral diante das consequências da estória.
20
Segundo Todorov (1971), “Uma narrativa ideal começa por uma situação
estável que uma força qualquer vem perturbar”, e que dessa mudança de estado
resultaria “um estado de desequilíbrio”; o equilíbrio, então, seria reestabelecido pela
ação de uma força direcionada em sentido inverso; haveria um segundo equilíbrio
que é parecido com o primeiro, mas nunca idêntico. Assim, para ele, há dois tipos de
episódios na narrativa: “os que descrevem um estado (de equilíbrio ou de
desequilíbrio) e os que descrevem a passagem de um estado a outro” (TODOROV,
1971, p. 124).
Após termos revisitado alguns dos principais autores e suas respectivas
teorias que firmaram as bases do estudo da narrativa, vejamos agora algumas das
principais abordagens sobre a narrativa no âmbito dos estudos da linguagem que
têm respaldado diversos estudos no Brasil.
Cunha (2015), em seu artigo “Um panorama de abordagens da narrativa nos
estudos da linguagem”, tem como objetivo apresentar teorias sobre a narrativa
desenvolvidas apenas no interior da Linguística do Texto e do Discurso. De acordo
com o autor, ainda que seu trabalho “[...] se restringisse somente às abordagens
sobre narrativa produzidas por linguistas [...]” não seria suficiente, pois “[...] a
quantidade e a diversidade dessas abordagens levariam apenas à produção de um
inventário, que, embora exaustivo, permaneceria inevitavelmente incompleto” (p.
36). Assim, o autor ratifica o objetivo do seu trabalho diante da diversidade de
possibilidades existentes para o estudo da narrativa.
Segundo Cunha (2015), podemos começar por distinguir duas vertentes
teóricas distintas: de um lado, Benveniste (1976) e Weinrich (1973) estudam a
narrativa com o auxílio de critérios linguísticos. Do outro lado, Labov (1967), Adam
(1992; 1999) e Bronckart (2007) estudam a narrativa com o auxílio de critérios
principalmente referenciais.
Em conformidade com o que pretendemos investigar na presente pesquisa
para saber como se realizam as sequências narrativas, debruçamo-nos um pouco
mais na segunda vertente teórica acima mencionada, e mais precisamente na
proposta de Adam (1992; 1999).
No âmbito dos estudos da narrativa que utilizam critérios linguísticos,
conforme a proposta de Cunha (2015), destacam-se Benveniste (1976) e Weinrich
(1973). Benveniste (1976) em seu estudo sobre “As relações de tempo no verbo
francês” trata de “procurar, numa visão sincrônica do sistema verbal em francês
21
moderno, as relações que organizam as diversas formas temporais”. A partir desse
estudo, o autor observa que “Os tempos de um verbo francês não se empregam
como os membros de um sistema único; distribuem-se em dois sistemas distintos e
complementares” (BENVENISTE, 1976, p. 261-262 – grifos do autor). Para o autor,
esses sistemas se manifestam em dois planos distintos: o plano da história e o plano
do discurso.
O plano da história diz respeito à narrativa de acontecimentos passados, e
limita-se a língua escrita. O autor cita como exemplos dessas enunciações históricas
os romances realistas do século XIX e as obras historiográficas. Já o plano do
discurso, diz respeito a “toda enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no
primeiro, a intenção de influenciar, de algum modo, o outro” (BENVENISTE, 1976, p.
261-262). De acordo com o autor, nesse plano do discurso estão todos os discursos
orais, como também todos os escritos que reproduzem as características de
composição e a finalidade desses discursos orais.
Weinrich (1973) parte da constatação de que os morfemas que indicam os
tempos verbais são bastante recorrentes, pois ao analisar textos escritos em
francês, observa que o tempo dominante ou mais recorrente é o presente ou o
passado simples associado ao imperfeito. A partir dessa observação, o autor levanta
a hipótese de que os verbos se repartem em dois grupos: o primeiro é constituído
pelo presente, passado composto e futuro; o segundo é constituído pelo passado
simples, o imperfeito, o mais-que-perfeito e o condicional.
Para explicar a recorrência desses tempos verbais distribuídos nesses dois
grupos, Weinrich (1973) chega à conclusão de que os tempos verbais do primeiro
grupo sinalizam o “mundo comentado” e os tempos do segundo grupo sinalizam o
“mundo narrado”. No mundo comentado, o locutor assume uma atitude tensa e
indica ao interlocutor que o texto merece uma atenção maior e espera dele, do
interlocutor, uma reação. No mundo narrado, o locutor assume uma atitude distensa
ou relaxada, porque indica ao auditor que o texto “é ‘somente’ um relato” e que
ambos os interlocutores são expectadores de um mundo representado e não os
seus atores.
As abordagens de Weinrich (1973) e Benveniste (1976) foram alvo de críticas
devido a algumas fragilidades apontadas em suas propostas como, por exemplo, a
diferenciação entre os tempos do mundo narrado e do mundo comentado, uma vez
podemos narrar com tempos do comentário e comentar com tempos da narração.
22
Para Cunha (2015), críticas como essa contribuíram para que ganhassem
cada vez mais espaço as abordagens que estudam a narrativa e os demais tipos ou
sequências com base principalmente em critérios referenciais, das quais são autores
representativos Labov e Waletzky (1967), Adam (1992; 1999) e Bronckart (2007). Na
sequência, veremos um pouco da proposta desses autores que referenciamos.
A proposta de Labov e Waletzky (1967) já foi referenciada anteriormente
nesta seção, acrescentamos apenas que essa proposta, segundo Cunha (2015, p.
41) é “[...] provavelmente, a mais influente das abordagens já propostas nos estudos
da linguagem para o estudo da narrativa.”.
Segundo Cunha (2015), Bronckart (2007) ao falar em tipos de discurso
desenvolve as propostas de Weinrich (1973) e de Benveniste (1976). Porém, Cunha
(2015, p. 48) acrescenta que Bronckart (2007) “encara o problema da
heterogeneidade composicional sob um enfoque sociointeracionista, segundo o qual
as condutas humanas são ações significantes, por meio das quais se elaboram as
capacidades mentais e a consciência dos agentes”. Por isso, para o autor, tal
proposta reinterpreta as teorias de Benveniste (1976) e de Weinrich (1973) no
quadro da psicologia.
Adam (1992) apoia-se em contribuições de Labov e Waletzky (1967) e de
estudiosos da cognição para defender sua proposta sobre os esquemas sequenciais
prototípicos. Assim, tanto a produção quanto a compreensão da estrutura de um
texto envolveria a ativação de conhecimentos desses esquemas, o que possibilitaria
ao sujeito identificar o tipo ou os tipos das sequências que produz ou compreende.
Em sua proposta sobre os esquemas sequenciais prototípicos, Adam (1992)
propõe a existência das sequências narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa
e dialogal. Cada uma dessas sequências prototípicas é definida como um conjunto
de macroproposições hierarquicamente organizadas. E é justamente a partir dessas
macroproposições que, segundo o autor, podemos caracterizar os protótipos.
Nessa proposta, é dado destaque ao papel da interação na constituição do
protótipo da sequência narrativa. Adam (1992) parte do princípio dialógico
bakhtiniano de que o discurso é sempre produzido para o outro e observa que a
estrutura canônica da narrativa não é homogênea, na medida em que não se
compõe apenas de acontecimentos. Algumas macroproposições destinadas a
descrever lugares e personagens (Situação inicial) e a justificar ou a explicar porque
a história merece ser narrada (Moral) são inseridas na narrativa em função de
23
necessidades pragmáticas como a vontade de favorecer a compreensão do outro ou
de convencê-lo de determinado ponto de vista.
É nesse sentido que Adam (1992) fala de uma orientação argumentativa da
narrativa. Ao considerar a dimensão pragmática da narrativa, o autor se afasta um
pouco da concepção dos estruturalistas literários em que se apoia para elaborar o
protótipo, concepção segundo a qual a narrativa seria imune ou impermeável ao
contexto.
Como pudemos observar até aqui, a narrativa tem sido estudada sob
diferentes enfoques teóricos, os quais compõem um quadro complexo de
abordagens. Cunha (2015) enfatiza que essas classificações propostas por ele que
dizem respeito às abordagens de caráter linguístico e referencial não constituem
oposição entre si, antes apenas expressam a predominância de tais aspectos,
linguístico e referencial, em cada uma delas, portanto, não é uma classificação
estanque e opositiva.
É importante destacarmos também que todos os autores aqui elencados
apresentam em comum o fato de terem procurado chegar a uma estrutura básica
geral para os enunciados narrativos, o que contribuiu significativamente para o
desenvolvimento do tema proposto nesta pesquisa.
Diante disso, situamos nosso estudo na perspectiva de Adam (2011) sobre a
sequência textual narrativa por considerarmos a sua abordagem mais completa a
respeito dessa categoria.
2.2 O ESTUDO DA SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA
As sequências textuais constituem-se uma das noções utilizadas pela Análise
Textual dos Discursos (ATD) para o estudo da dimensão estrutural e composicional
do texto, sendo, portanto, uma categoria largamente utilizada para descrição de
textos. Nessa direção, a sequência textual narrativa tem sido tema de diversas
pesquisas que são desenvolvidas sob os mais diversos enfoques conforme os
trabalhos que citamos adiante.
No artigo intitulado “Narração esportiva de futebol e composicionalidade: uma
proposta de estudo textual-discursiva das sequências textuais”, Santos (2012)
apresenta uma análise da composicionalidade de uma narração esportiva de futebol
transmitida na televisão. A partir dos estudos do discurso (de perspectiva dialógica)
24
e da noção de sequência textual, proposta por Adam (2011), investiga o trabalho do
locutor/narrador na construção composicional da narração esportiva de futebol, bem
como pretende descrever a cena enunciativa em que ocorre a interação em análise
e discutir a sua relevância para a compreensão da composicionalidade nesse tipo de
narração. Por fim, pretende refletir sobre como a ocorrência e a organização dessas
sequências interfere, a priori, na arquitetônica do gênero.
O corpus escolhido para análise trata-se de um recorte da narração da última
partida da última rodada do Campeonato Brasileiro de 2008, ocorrida em 07 de
dezembro de 2008, entre São Paulo e Goiás, transmitida pela Rede Globo de São
Paulo.
Sobre a questão de “como a ocorrência e a organização dessas sequências
interfere, a priori, na arquitetônica do gênero” – Santos (2012) observa que o fato de
apresentar muitos traços que se assemelham aos de narrativas orais –
heterogeneidade das sequências, linguagem próxima à coloquial, interrupções,
hesitações, repetições, referência constante ou não ao outro – torna a narração
esportiva de futebol um gênero que tem sua origem na tradição oral, porém mais
complexo, até mesmo por pertencer a uma prática discursiva da esfera midiática e,
mais especificamente, jornalística.
A autora também verifica que há um agenciamento plurissequencial
heterogêneo das sequências por parte do narrador/locutor – já que a narração
constitui-se de uma mescla de diversas sequências – que revela uma flexibilidade
maior do seu discurso, em termos de composicionalidade, por contar com o auxílio
da imagem para informar ao telespectador sobre o que acontece na partida. Essa
espécie de agenciamento permite ao narrador/locutor ir além do ato de narrar a
partida, permitindo-se descrever, explicar fatos, assim como argumentar e dialogar
sobre eles durante a narração.
A arquitetônica do gênero, definida pelo narrador/locutor em uma narração
esportiva de futebol, determina a composicionalidade que esse gênero apresentará.
De acordo com a autora, isso ocorre pelo fato de esse narrador ser uma figura
central na narração. Constata também que ele apresenta o maior número de turnos,
o que justifica a presença de variadas sequências em seu discurso. Em decorrência
disso, observou-se que, em geral, a sequência narrativa acaba “exigindo” a
presença de outras sequências que a ela se articulam a fim de que o telespectador
tenha o máximo de informação relacionada a um determinado lance.
25
Santos (2012) conclui ao fim de sua análise que o narrador/locutor orquestra
não somente o gênero no âmbito das relações interlocutivas e do interdiscurso, mas
também no nível textual, articulando proposições e macroproposições, produzindo
sequências que nos permitem compreender o todo da narração, bem como a sua
finalidade em uma esfera de atividade e em um suporte relativamente recentes.
Santos (2012) salienta que outras investigações sobre a narração esportiva
de futebol podem ser realizadas a partir da perspectiva da análise textual dos
discursos, como estudos comparativos que abordem a questão do estilo dos
narradores com base na forma que eles arquitetam as sequências e os atos de
discurso ou que procurem analisar a relação entre as sequências e o interdiscurso
de modo a investigar de onde enuncia(m) o(s) narrador(es), os comentaristas e os
repórteres, por exemplo.
Em dissertação intitulada “Um estudo da realização da sequência narrativa no
gênero notícia”, Silva (2007) analisa e descreve a realização da sequência narrativa
no gênero notícia, segundo o esquema prototípico narrativo de Adam (1992), e
verifica as relações existentes entre esse modelo sequencial e a estrutura
propriamente dita do gênero.
Seu corpus é constituído por 50 notícias, dentre as quais 26 policiais e 24 não
policiais retiradas dos sites dos periódicos jornalísticos O Povo e Folha de São
Paulo, no período de setembro de 2005 a setembro de 2006, e submetidos à
identificação das macroproposições narrativas em sua estrutura textual. A análise
realizada por Silva (2007) propõe uma nova classificação das notícias em narrativas
e expositivas, de acordo, respectivamente, com a identificação da sequência
narrativa em sua estrutura.
A partir dessa nova classificação, a autora observa que a sequência narrativa
se atualiza predominantemente nas notícias policiais, que apresentaram uma forma
de realização recorrente: a ocorrência expressiva da sequência narrativa com todas
as suas fases no lead e a constante repetição ou retomada de algumas das
macroproposições narrativas no corpo da notícia, como uma extensão do conteúdo
já exposto, configurando uma característica do gênero.
Silva (2007) destaca, ainda, que a sequência narrativa funciona como um
importante mecanismo de organização textual das notícias narrativas, ainda que sua
conformação narrativa prototípica tenha sido diferente da delineada por Adam. Já
nas notícias não policiais, o rendimento foi baixo. A estrutura composicional
26
configura-se como expositiva e, nesse caso, foi analisada sob os pressupostos
teóricos de Bronckart (1999).
A autora enfatiza a importância da reflexão teórica sobre a realização do
protótipo da sequência narrativa de Adam (1992) no gênero notícia e, do ponto de
vista da aplicabilidade, e ressalta a relevância dessa reflexão para a
operacionalização do conceito de sequência textual narrativa no tratamento didático
de gêneros não literários, considerados de natureza narrativa, tal como o gênero
notícia.
Por fim, Silva (2007) enfatiza o fato de que os resultados de sua pesquisa
vêm alimentar os estudos sobre gêneros textuais na interface entre a Linguística
Textual e a análise de gêneros. Enfatiza também o fato de que esses resultados
podem contribuir para propiciar descobertas interessantes sobre o estudo da
sequência narrativa, especialmente quanto à sua realização em um gênero que,
embora não literário, tem sido considerado como narrativo; e também para
demonstrar como a organização dos aspectos estruturais dos gêneros está
imbricada às exigências pragmáticas próprias de sua constituição. Ressalta ainda
que houve uma preocupação com os aspectos didáticos no tratamento dos gêneros
e que, por isso, a pesquisa traz conclusões que podem contribuir para uma reflexão
sobre a prática pedagógica e sobre as múltiplas possibilidades de trabalho com os
gêneros textuais, especificamente com a notícia.
Na dissertação intitulada “Sequência narrativa: narrativa ou script? Um estudo
da infraestrutura em produções textuais de 6° ano”, Oliveira (2010) tem como
objetivo analisar a infraestrutura de textos produzidos por alunos do 6° ano,
verificando a presença da sequência narrativa ou do script, além da construção do
texto com as categorias: tempos verbais, organizadores temporais e pronomes. Sua
pesquisa tem como base os pressupostos da Linguística Textual, com ênfase no
protótipo narrativo de Adam (1992; 2008) e no interacionismo sóciodiscursivo (ISD)
de Bronckart (2007), especificamente, no tipo de discurso narração.
A pesquisa apresenta um caráter teórico-prático e é delineada em quase
experimental com um corpus que se compõe de quarenta e duas (42) produções
textuais divididas em produção inicial (PI) e produção final (PF). Essas produções
textuais foram recolhidas durante um período de três semanas com atividades que
tratavam das categorias citadas anteriormente, em forma de oficinas, à luz das
sequências didáticas de Schneuwly e Dolz (2004).
27
Os resultados mostram que muitas das produções analisadas foram
estruturadas segundo a sequência narrativa de Adam (1992; 2008), outras, porém,
apresentaram somente o script, conforme Bronckart (2007), comprometendo a
infraestrutura textual de gêneros do narrar.
De acordo com a autora, os alunos possuem o conhecimento da estrutura
narrativa internalizada, porém não sabem distinguir entre o processo de intriga e o
script, o que os faz produzir textos em que apenas enumeram ações e, ao construí-
los, utilizam-se das categorias elencadas, priorizando os tempos verbais do narrar,
apesar de em algumas situações essas construções parecerem equivocadas.
Os organizadores temporais, segunda categoria analisada, funcionaram
nesses textos como um elemento que auxilia os tempos verbais com as locuções
adverbiais que se apresentaram com maior incidência.
Na categoria pronomes, as construções apresentaram anáforas que
demonstraram o uso de um mecanismo da língua, evitando repetição de elementos
no texto, o que constitui para um aluno em processo de desenvolvimento da escrita
uma estruturação de ideias.
Oliveira (2010) concebe sua pesquisa como uma reflexão teórica sobre a
construção do texto narrativo de alunos de 6º ano e espera, com isso, ter contribuído
para compreensão da importância da diferenciação entre um texto narrativo e um
script. Segundo a autora, a relevância de sua pesquisa está no fato de ajudar ao
aluno compreender melhor essas categorias presentes na infraestrutura do texto e
que o auxiliam a produzir gêneros do narrar e, também contribuir para o professor,
compreender esse processo, valorizando e auxiliando o aluno na construção da
produção textual narrativa.
Na dissertação “Recursos metadiscursivos de interação em sequência
narrativa”, Santos (2011) investiga a manifestação dos recursos metadiscursivos de
interação na perspectiva das macrocategorias de engajamento e de posicionamento
em textos de sequência narrativa. Sua pesquisa fundamenta-se na base teórica de
Hyland (2005) para o conceito de metadiscurso e em sua classificação das
macrocategorias; e em Adam (2008) para as macrounidades da organização
composicional de um texto com ênfase na sequência narrativa.
Santos (2011) discute brevemente os processos referenciais de anáfora,
introdução referencial e dêixis, os quais se sobrepõem aos recursos metadiscursivos
de interação.
28
A pesquisa é composta por um corpus de 16 textos com sequência narrativa
dominante, a partir do qual foi constatada a presença recorrente dos recursos
metadiscursivos de interação. Para a autora, o fenômeno do metadiscurso também
se manifesta nos textos narrativos através das macrocategorias de posicionamento
e de engajamento, apresentando-se de forma bastante específica e de forma
sobreposta às macrocategorias analisadas.
Na dissertação “Marcadores discursivos e sequências textuais: uma análise
das ações de textualização em programas midiáticos”, Mariano (2014) investiga em
que medida os recursos do nível textual são formatados e, de certa forma, formatam
as situações de uso. Para isso, analisa as ações de textualização empreendidas
pelos participantes do programa midiático “Manos e Minas”, veiculado pela TV
Cultura.
Com o objetivo específico de demonstrar como um olhar para as ações de
textualização empreendidas pelos participantes desse programa midiático pode nos
auxiliar na percepção da estruturação composicional dos textos analisados, a autora
seleciona os marcadores discursivos e as sequências textuais como unidades de
análise. Para tanto, assume a noção de marcadores discursivos (doravante, MDs)
na perspectiva textual-interativa e a noção de sequência textual proposta por Adam
(2008).
O corpus da pesquisa é composto de três amostras do programa de auditório
“Manos e Minas”.
A partir de suas análises, Mariano (2014) observa que no programa “Manos e
Minas” há relações de mútua constitutividade existentes entre (i) o emprego de
certas sequências textuais e determinadas situações comunicativas desenhadas
para atingir certos objetivos mais gerais do programa e entre (ii) a emergência de
algumas sequências textuais e os papéis sociais específicos desempenhados pelos
sujeitos dentro da estrutura de participação do programa. Observa também que os
MDs nesse programa parecem desempenhar um papel fundamental na estruturação
dos microtextos produzidos pelos participantes do programa.
De acordo com Mariano (2014), as análises realizadas em sua pesquisa dão
visibilidade às inúmeras possibilidades de combinação de tipos e ações textuais,
combinações estas que, em geral, são conectadas por meio de MDs. Por fim,
conclui que a textualidade constitutiva da produção discursiva analisada é plasmada
pelas relações sociais estabelecidas entre os participantes do programa. A interação
29
entre os interlocutores no “Manos e Minas” é fortemente marcada por um caráter
fático e colaborativo, reforçado pela presença significativa dos MDs interacionais e
pelo desenvolvimento de sequências textuais do tipo dialogal.
Na tese intitulada “Estrutura composicional em contos de fadas de Marina
Colasanti”, Oliveira (2016) parte da hipótese de que os contos de fadas de Marina
Colasanti têm regularidade em sua estrutura composicional com planos de texto
compostos por sequências narrativas completas, constituídas pelas cinco
proposições narrativas de base (ADAM, 2011). A partir disso, Oliveira (2016) propõe
verificar a estrutura composicional narrativa em contos de fadas de Marina
Colasanti.
A investigação fundamenta-se nos pressupostos da Linguística Textual e da
Análise Textual dos Discursos a partir de autores como Adam (2012; 2011; 2010;
2009; 2005), Adam e Heidmann (2011), que se complementam pelos estudos de
plano de texto realizados por Cabral (2013), Galvão (2013), Lourenço e Rodrigues
(2013), Silva Neto (2013), Marquesi (2014), Santos e Silva Neto (2014), bem como
pelos estudos sobre tipologia textual realizados por Travaglia (2014; 2009; 2007a;
2007c; 1991).
A pesquisa classifica-se como descritiva, de base interpretativa e é
constituída por um corpus composto por seis contos de fadas de Marina Colasanti,
dois publicados no livro “Uma ideia toda azul” e quatro publicados no livro “Doze reis
e a moça no labirinto do vento”. Nessa pesquisa é utilizada como categoria de
análise as macroproposições narrativas de base.
De acordo com Oliveira (2016), o aporte teórico utilizado tornou possível a
caracterização da estrutura composicional narrativa de contos de fadas de Marina
Colasanti, textos narrativos literários voltados para o público infanto-juvenil, de uma
perspectiva diferente das abordagens adotadas em estudos da área da Literatura
e/ou da Teoria Literária e que o diferencial de sua pesquisa é justamente o estudo
da estrutura composicional pelo viés das sequências textuais narrativas.
Por meio da análise empreendida, a autora observa que os planos de texto
dos contos de fadas de Marina Colasanti, no que diz respeito às sequências textuais
narrativas, apresentam dois níveis de organização, um global e um local. No nível
local, a regularidade aparece em alguns aspectos da organização das sequências
textuais narrativas, mais especificamente na configuração das personagens
femininas, na organização espacial, na temporalidade e nas sequências acionais.
30
As regularidades sequenciais identificadas tanto no nível global como no nível
local corroboram o pressuposto teórico segundo o qual as diferentes unidades
textuais podem ser analisadas da forma como são constituídas e da forma como
constituem o todo textual, além disso, mostram-se, definitivamente, como uma
alternativa para o estudo de textos literários.
De acordo com Oliveira (2016), o estudo sobre a estrutura composicional dos
contos de fadas de Marina Colasanti poderá, em pesquisas posteriores, ser
aprofundado em vários aspectos. Um percurso de pesquisa a ser percorrido envolve
a investigação das operações de ligação presentes no texto da autora, mas
especificamente, a função dos conectores, dos organizadores textuais e dos
marcadores discursivos no balizamento das partes dos planos de texto. Da mesma
forma, analisar o agenciamento das sequências textuais na composição dos contos
de Colasanti, da perspectiva de Adam (2011), ou as relações entre os tipos na
composição do gênero conto de fadas, da perspectiva de Travaglia (2014; 2007b),
segundo a autora, pode ampliar suas constatações e, consequentemente,
possibilitar o desenvolvimento de mais pesquisas apoiadas no aporte teórico
adotado.
Por fim, Oliveira (2016) acredita que sua pesquisa traz uma contribuição para
a análise de textos concretos e também para o desenvolvimento futuro de atividades
que facilitem o processo de formação leitora em crianças e adolescentes, com foco
tanto nas formas de organização da narrativa quanto na própria língua e nas normas
sociais que a regulamentam.
Diante do exposto, acreditamos que um estudo que aborde a sequência
narrativa no gênero jurídico termo de depoimento venha a contribuir com os estudos
linguísticos e discursivos do texto.
2.3 O GÊNERO TERMO DE DEPOIMENTO
Ao falar sobre gênero é necessário que façamos alguns esclarecimentos
acerca da perspectiva sobre a qual este conceito está sendo abordado. Isso porque
desde que este conceito passou a ser pensado ainda na Antiguidade por Aristóteles
até os dias de hoje, vários foram os critérios e métodos adotados para que se
estabelecesse uma possível classificação.
31
De um modo geral, existem duas vertentes gerais a respeito do tratamento
com os gêneros, as quais se referem à vertente que usa a denominação “gêneros de
texto” e a que usa a denominação “gêneros do discurso”. Tais nomenclaturas
carregam em si implicações teóricas e metodológicas. A esse respeito Rojo (2005)
em seu texto “gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e
aplicadas”, explica que
Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de texto - , na descrição da materialidade textual. (ROJO, 2005, p. 185).
De acordo com a autora, Bakhtin e seu círculo eram a referência da primeira
vertente. Na segunda, os autores de referência eram, em geral, Bronckart e Adam.
Mesmo assim, de acordo com Rojo (2005, p. 185), em algumas ocasiões, em função
de uma descrição específica de exemplares de gênero, “[...] ambas as vertentes
muitas vezes recorriam a um conjunto de autores comuns, tais como, Charaudeau,
Maingueneau, Kerbrat-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronckart et al. (1985),
Bronckart (1997), Adam (1992).”.
Dessa forma, para uma análise que pretenda focar em aspectos propriamente
textuais, ou seja, na materialidade linguística do texto, é adequado utilizar a
nomenclatura “gênero de texto”. Já para uma análise que pretenda investigar
prioritariamente a situação de produção dos enunciados, utiliza-se “gêneros do
discurso”. Em decorrência disso, para efeito de análise desta pesquisa, utilizamo-
nos da nomenclatura “gênero de texto”, uma vez que focamos nossa análise em
aspectos relativos à estrutura composicional do gênero termo de depoimento.
Para Marcuschi (2008, p. 155), quando falamos em gênero textual estamos
nos referindo a “[...] textos materializados em situações comunicativas recorrentes.”
O autor acrescenta ainda que “Os gêneros textuais são os textos que encontramos
em nossa vida diária [...]” e que “[...] os gêneros são entidades empíricas em
situações comunicativas e se expressam em designações diversas [...]”
(MARCUSCHI, 2008, p. 155).
Nessa direção, Bazerman (2005, p. 32) diz que “Podemos chegar a uma
compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos
32
de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades
socialmente organizadas.” E acrescenta ainda que os “[...] gêneros são tão somente
os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos
outros.”.
Como podemos observar, os autores citados compartilham da ideia de que os
gêneros carregam em si um caráter social, ou seja, estão essencialmente envolvidos
com as atividades sociais que realizamos em nosso dia a dia, e que eles surgem
assim em “[...] processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às
outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados
com vistas a seus propósitos práticos.”. (BAZERMAN, 2005, p. 32). É nessa
perspectiva de gênero textual que conceituamos a seguir o gênero termo de
depoimento.
O termo de depoimento é uma peça do inquérito policial, no qual a
testemunha respondendo a algumas perguntas diz o que sabe e o que é relevante
para a investigação de um determinado caso. Tudo o que a testemunha diz é
registrado pelo escrivão e, no final, a testemunha toma conhecimento de suas
declarações através da leitura feita por ele. Depois disso, o termo de depoimento é
assinado pela testemunha, pelo(a) Delegado(a) de Polícia e pelo próprio escrivão.
A estrutura composicional do gênero termo de depoimento (considerado no
estudo na perspectiva dos gêneros textuais) é padronizada e segue um modelo
estabelecido pelo Código de Processo Penal (CPP), o qual no artigo 203 descreve
que
A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.
O início do documento é composto por informações pessoais como nome,
idade, local onde o(a) depoente mora, a profissão que exerce e onde exerce, o grau
de parentesco com a parte envolvida (que pode ser a vítima ou o indiciado) ou até
mesmo que relação o(a) depoente tem com a parte envolvida, para só depois iniciar
o depoimento propriamente dito.
33
Ao pesquisar sobre estudos voltados para o gênero termo de depoimento,
pudemos observar que esse gênero não tem sido muito abordado, de um modo
geral, em pesquisas relacionadas ao estudo linguístico. Essa constatação nos
motivou ainda mais a empreender uma pesquisa que aborde o estudo desse gênero
a partir de uma perspectiva linguística. Dessa forma, entendemos que esse estudo
justifica sua relevância pelo fato de abordar um gênero que, apesar de desempenhar
um importante papel na sociedade, não tem sido muito explorado.
Nessa perspectiva, destacamos os trabalhos de Gurpilhares et al. (2012), e
de Cardoso e Cardoso (2015), que retomamos aqui pela sua pertinência ao estudo
que pretendemos desenvolver a respeito do gênero jurídico termo de depoimento.
Gurpilhares et al. (2012) em seu artigo intitulado “Linguística e discurso
jurídico – um estudo com o gênero discursivo ‘Declarações e depoimentos’”, têm
como objetivo analisar a construção da referência no gênero declarações e
depoimentos e avaliar a sua contribuição para a construção do sentido. Como
referencial teórico é utilizado, entre outros, Cardoso (2003) sobre a referência, Koch
(2006) sobre o processamento anafórico e Pietroforte (2003) sobre a referência a
partir do estruturalismo.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa. O corpus selecionado para esse
trabalho consta de quatro declarações. Gurpilhares et al. (2012) ressaltam que por
uma questão de espaço e tempo, apresenta somente a análise de uma única
declaração.
Os autores mostram, em seu trabalho, a diferença entre o termo de
declarações e o termo de depoimento. Segundo o Código de Processo Penal
Brasileiro, termo de depoimento é aquele em que a pessoa, testemunha, presta o
compromisso formal da verdade e que, por isso, poderá responder pelo crime de
falso testemunho se o que disser não for a verdade. Termo de declaração é uma
espécie de ‘depoimento’, sem o compromisso da verdade; geralmente os
investigados de um delito, antes de serem interrogados, prestam declarações, tanto
quanto aquelas pessoas que tenham relação de parentesco com o ofendido, assim
como os menores impúberes e o próprio ofendido.
Após a análise, Gurpilhares et al. (2012) constataram a presença de 20
anáforas elípticas, 19 anáforas diretas e 1 anáfora encapsuladora expressa por um
pronome demonstrativo neutro. Quanto às expressões linguísticas que ancoram as
anáforas, apareceram em maior número os pronomes retos ocultos, seguindo-se:
34
pronomes oblíquos, pronomes relativos, pronomes possessivos, pronomes
demonstrativos (neutros e outros), expressões nominais à sua correspondência com
as anáforas elípticas. O maior número de anáforas elípticas deveu-se, de acordo
com os pesquisadores, à presença maior de um único referente: o réu.
Por fim, os autores enfatizam a importância do estudo desse gênero na
escola no sentido de aumentar o repertório do estudante, não só quanto ao tipo
textual, mas também quanto ao conteúdo e estrutura. Para eles, muito pouco tem se
trabalhado o discurso jurídico em sala de aula e que por isso a sua inclusão no
ensino de Língua Portuguesa, especialmente no Curso Médio, é uma contribuição
bem-vinda para o ensino e, ainda, que sua pesquisa traz perspectivas para um
estudo com outros gêneros.
Seguindo essa perspectiva da importância do estudo de gêneros jurídicos em
sala de aula, Cardoso e Cardoso (2015), no artigo “Estruturação composicional em
autos de depoimento de inquérito policial: uma abordagem para o ensino dos
gêneros jurídicos”, apresentam um estudo sobre a estruturação composicional do
gênero auto de depoimento1, focando mais especificamente na configuração do
plano de texto e na sequência textual dominante com o objetivo de elaborar
sequências didáticas para o ensino do gênero auto de depoimento.
O corpus foi coletado em uma Delegacia Especializada em Atendimento à
Mulher (DEAM), localizada em Natal, Rio Grande do Norte, e disponibilizado através
do grupo de pesquisa ATD da UFRN. A metodologia adota um enfoque
multidisciplinar e a fundamentação teórica parte dos pressupostos gerais da
linguística textual a partir de autores como Koch (2004), Koch e Elias (2012; 2013),
Marcuschi (2008), dentre outros, e mais precisamente da Análise Textual dos
Discursos (ATD) proposta por Adam (2011) no que se refere ao plano de texto e a
sequência textual. A proposta apoia-se ainda nas orientações dos “Parâmetros
Curriculares Nacionais” (PCN) e no texto “Procedimentos de Ensino: Escolher e
Decidir”, de Carlini (2004), além de Nucci (2014) no que se refere ao gênero auto de
depoimento.
Cardoso e Cardoso (2015) apresentam a análise de um auto de depoimento
retirado de um inquérito de natureza criminal de violência contra a mulher com foco
1 A expressão “auto de depoimento” é uma nomenclatura também utilizada para referir-se ao gênero termo de
depoimento. Adotamos aqui a nomenclatura termo de depoimento pelo fato de ter sido a expressão utilizada nos
documentos oficiais, como no CPP, por exemplo.
35
nos aspectos composicionais do texto e, de forma mais específica, na configuração
do plano de texto e na sequência textual dominante. A partir disso, os autores
apresentam uma proposta para o ensino da entrevista, procedimento que compõe
basicamente o gênero auto de depoimento.
De acordo com os autores, a proposta não objetiva apenas trazer para o
aluno o conhecimento de um novo gênero e de como esse se estrutura, mas
também mostrar-lhes que, na verdade, o auto de depoimento é composto por um
procedimento bastante conhecido por eles mesmos, uma vez que, em seus próprios
livros didáticos, a entrevista aparece muitas vezes como tema de unidades (divisão
didática e temática do livro) que propõem leituras (de entrevistas), exercícios e até
mesmo oficinas de elaboração e de projetos de jornal e/ou revista da escola.
Nesse enfoque, os autores apresentam uma sequência didática composta
pelas seguintes etapas: descrição, procedimentos de ensino, objetivos de ensino e
atribuições do professor. Por último, os pesquisadores elucidam que sua proposta
trata-se de uma mescla e uma adaptação de uma série de outras propostas e que
esperam que através dela possam contribuir para a atividade do professor em seu
exercício, bem como aproximar o aluno de um gênero desconhecido, mas que é
composto por um procedimento comum em seu cotidiano, a entrevista.
Cardoso e Cardoso (2015) acrescentam ainda que por se tratar de uma
proposta de ensino, essa proposta é passível de modificações e adaptações de
acordo com a necessidade e a realidade do contexto em que se pretende aplicá-la.
36
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo situamos nossa pesquisa no quadro teórico mais amplo da
Linguística Textual e mais especificamente da Análise Textual dos Discursos.
Apresentamos também os principais conceitos relacionados ao nível de análise em
que esta pesquisa se insere (estrutura composicional do texto): plano de texto e
sequências textuais. Por último, focalizamos o conceito de sequência textual
narrativa, adotado como categoria de análise neste trabalho.
3.1 A LINGUÍSTICA TEXTUAL
De acordo com Koch (2009), a Linguística Textual (doravante LT) inicia-se
primeiramente na Europa Continental, nos anos 60 do século XX. Nesse primeiro
momento, destaca-se principalmente em países como Alemanha e Holanda.
A LT surge a partir da premissa básica de que a língua não funciona nem se
realiza em unidades isoladas, como fonemas, morfemas, palavras ou frases soltas,
mas sim em unidades de sentido chamadas texto que podem se materializar tanto
na modalidade oral quanto na escrita. A LT caracteriza-se, assim, como uma
perspectiva teórica que objetiva trazer em suas análises o sujeito e a situação
enunciativa, elementos excluídos das análises de caráter estruturalista, as quais
entendiam a língua como sistema e como código, que possuía consequentemente
uma função puramente informativa.
Um panorama sobre a trajetória de formulação do campo da linguística
textual nos mostra que ele não se desenvolveu de forma homogênea, ao contrário,
constituiu-se a partir de várias perspectivas e métodos. De um modo geral, duas
tendências podem ser destacadas: a análise do discurso de linha francesa (AD) e a
linguística textual propriamente dita, de origem germânica. Na AD, a questão central
é o sujeito da enunciação, os sentidos que ele produz através de seu discurso e a
ideologia subjacente às suas mensagens. Já na LT, o objeto específico de análise
são os processos de construção textual através dos quais os participantes do ato
comunicativo criam sentidos e interagem uns com os outros.
Para Marcuschi (2012), a LT constitui “[...] uma linha de investigação
interdisciplinar dentro da linguística e como tal exige métodos e categorias de várias
37
procedências”. Para ele, a LT “[...] trata dos processos e regularidades gerais e
específicos segundo os quais se produz, constitui, compreende e descreve o
fenômeno texto.” (MARCUSCHI, 2012, p. 17).
Para Koch (2009), as diferentes concepções de texto marcam o percurso de
desenvolvimento da LT e como consequência disso surgem diferenças significativas
entre as etapas de sua evolução. A autora destaca algumas concepções de texto
que fundamentaram os estudos em Linguística Textual, ressaltando, porém, que em
alguns momentos essas concepções se imbricam:
1.texto como frase complexa ou signo lingüístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); 2.texto como signo complexo (concepção de base semiótica) 3.texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica); 4.texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática); 5.texto como discurso “congelado”, como produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); 6.texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); 7.texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitivista); 8.texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional). (KOCH, 2009, p. xii – introdução – grifos da autora).
Na época de seu surgimento na segunda metade da década de 60, como
também na primeira metade da década de 70, em função do conceito de texto até
então em vigor, segundo Koch (2009), a maioria dos estudos estavam centrados na
análise transfrástica e/ou na construção de gramáticas de texto. Nesse período, o
principal objeto de estudo era a coesão, muitas vezes equiparada à coerência, uma
vez que ambas eram vistas como qualidades ou propriedades do texto.
Já na década de 80, segundo a autora, há uma ampliação significativa do
conceito de coerência decorrente de uma perspectiva pragmático-enunciativa, a
partir da qual “[...] passou-se a postular que a coerência não constitui mera
propriedade ou qualidade do texto em si [...]”, mas sim, um fenômeno mais
complexo, “[...] visto que ela se constrói, em dada situação de interação, entre o
texto e seus usuários [...]”, e essa interação ocorre “[...] em função da atuação de
uma complexa rede de fatores, de ordem linguística, cognitiva, sociocultural e
interacional.”. (KOCH, 2009, p. xiii – introdução).
38
É justamente nesse período que se destaca o interesse pelo processamento
cognitivo do texto. Tal perspectiva ganha espaço no início da década de 90 com
uma forte tendência sociocognitivista. Assim, a partir da década de 90, assumem
posição de destaque os estudos sobre os processos de organização global dos
textos, bem como questões de caráter sociocognitivista, com temas como
referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio, etc. É
significativo também nesse período o interesse pelo tratamento da oralidade e da
relação oralidade/escrita, bem como o estudo dos gêneros textuais, agora, a partir
da perspectiva bakhtiniana, o que fez com que a questão dos gêneros voltasse a
ocupar lugar de destaque nas pesquisas sobre o texto.
A Linguística Textual percorreu um longo caminho até chegar ao seu
momento atual e, justamente por isso, segundo Koch (2009), “Aqueles que não
acompanharam a sua trajetória estão longe de poder avaliar o que hoje essa
disciplina vem se propondo como objeto de investigação [...]”, bem como o quanto
ela vem contribuindo “[...] em prol de um melhor conhecimento de como se realiza a
produção textual do sentido”. (p. xvi – introdução). Nesse sentido, Passeggi (2014, p.
61) destaca como um dos grandes avanços alcançados pela linguística textual “[...]
mostrar que o funcionamento da linguagem é complexo e que o contexto/cotexto é
fundamental para sua descrição.”.
3.1.1 A linguística textual no Brasil
A Linguística Textual surge juntamente com a Sociolinguística, a Análise do
Discurso, a Pragmática, entre outras, em um momento de mudança de paradigma
nos estudos da linguagem, quando são considerados, na cena linguística, outros
“atores”, tais como a subjetividade, a dimensão espaço-temporal e as interações de
fala (Cf. SILVA, 2003).
De acordo com Koch (1999), é somente no final da década de 70 que
começam a surgir, no Brasil, os primeiros trabalhos dedicados ao estudo linguístico
do texto. Para a autora, o que contribuiu de forma significativa para o surgimento
desses trabalhos foi a tradução de duas obras: “Semiótica Narrativa e Textual”
(CHABROL et al., 1977) e “Linguística e Teoria do Texto” (SCHMIDT, 1978), como
também a publicação, em Portugal, do livro “Pragmática Linguística e o Ensino do
Português” (FONSECA; FONSECA, 1977), no qual se defendia a aplicação dos
39
princípios da Pragmática Linguística ao ensino de língua materna e, em decorrência,
a necessidade de um enfoque textual, como já era comum em outros países da
Europa.
Ainda de acordo com a autora, paralelamente à tradução dessas obras,
desenvolviam-se na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas, São Paulo,
Brasil), os primeiros importantes estudos relacionados ao discurso e sobre
semântica argumentativa, muitos deles publicados sob a forma de livros (OSAKABE,
1979; VOGT, 1977) ou de artigos em revistas especializadas. Destaca também que
nesse momento os trabalhos de Pontes sobre as estruturas de tópico no português
brasileiro, posteriormente coletados nas obras “Sujeito: da Sintaxe ao Discurso” (São
Paulo, Ed. Ática, 1986) e “O Tópico no Português do Brasil” (Campinas, Ed. Pontes,
1987) desempenharam um importante papel. Contudo, é somente na década de
oitenta que os estudos da denominada Linguística Textual se expandem, de fato,
principalmente depois da publicação do artigo “Por uma Gramática Textual”, de
Ignácio Antônio Neis (1981). Após essa publicação pioneira na Revista “Letras de
Hoje”, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, vêm à luz os dois
primeiros livros na área, em 1983: “Linguística Textual: Introdução” (FÁVERO;
KOCH, 1983) e “Linguística de Texto: O Que é e Como se Faz” (MARCUSCHI,
1983).
A partir de então, muitas revistas passam a trazer artigos desenvolvidos sob
essa perspectiva e até mesmo números inteiros dedicados aos estudos textuais,
como exemplo a revista Letras de Hoje 18 (2), Cadernos PUC 22: Linguística
Textual/ Texto e Leitura. Os trabalhos nessa área começam a surgir também em
anais de congressos e seminários, e em várias universidades brasileiras formam-se
núcleos de pesquisa sobre o texto.
Koch (1999) apresenta a Linguística Textual no Brasil em três momentos, a
saber: a) O primeiro momento corresponde até a metade da década de 80, quando
são publicadas as obras introdutórias dessa nova perspectiva de estudo linguístico;
b) O segundo momento corresponde ao início dos anos 90; e o terceiro momento
corresponde à atualidade, no qual a LT promove um intercâmbio com outras áreas
das Ciências Humanas adotando uma perspectiva sociointeracional no estudo da
linguagem e, portanto, do texto.
40
3.2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS
A Análise Textual dos Discursos (ATD), de acordo com Passeggi et al. (2010,
p. 262- 263), constitui uma abordagem teórica e descritiva do campo da Linguística
textual, elaborada pelo linguista francês Jean-Michel Adam. De acordo com Adam
(2011, p. 23), a linguística textual constitui “[...] uma teoria da produção co(n)textual
de sentido, que deve fundar-se na análise de textos concretos.” E acrescenta que é
esse procedimento que ele propõe desenvolver e designar como “análise textual
dos discursos.” Assim, Adam (2011) inscreve sua proposta na perspectiva de um
posicionamento teórico e metodológico que, com o objetivo de pensar o texto e o
discurso em novas categorias, situa decididamente a linguística textual no quadro
mais amplo da análise de discurso.(Cf. ADAM, 2011, p. 24).
Em sua obra “A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos”,
Adam (2011, p. 25) enfatiza que pretende “[...] trazer respostas à demanda de
proposições concretas sobre a análise de textos [...]”, e que apresenta uma “[...]
reflexão epistemológica e uma teoria do conjunto [...]”. Acrescenta ainda que o
propósito principal de sua obra aqui citada inicialmente “[...] limita-se às bases de
uma análise textual dos discursos, que tem a ambição de delinear uma alternativa
para a explicação de texto tradicional e a análise estilística.”. Ainda em relação à
proposta de sua abordagem, justifica que
O texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25)
O autor esclarece que utiliza o termo análise textual dos discursos em
substituição ao termo “análise textual”, o qual, segundo ele, já foi usado por outros.
Cita como exemplo Roland Barthes ao falar em análise textual por oposição à
análise estrutural, na análise de um texto bíblico (BARTHES, 1972) e de um conto
de Edgar Allan Poe (Barthes, 1973b).
Adam (2011) apresenta em um esquema, reproduzido a seguir, os níveis de
análise textual dos discursos. Nesse esquema, podemos observar a proposta do
41
autor de relacionar os níveis ou planos da análise de discurso aos níveis ou planos
da análise textual. Em relação ao nível discursivo, Passeggi et al. (2010, p. 266),
explicam que
[...] uma determinada intencionalidade ou objetivo (expresso linguisticamente pelos atos ilocucucionários) realiza-se numa intenção social e numa formação discursiva dadas (que delimitam “o que pode e deve ser dito”), utilizando o socioleto (dialeto local) dessa formação e no seio de um interdiscurso, com a mediação de um gênero. Nesta concepção, o gênero é o eixo da articulação discurso/texto.
No âmbito dos níveis ou planos da análise textual, os níveis 4 e 5
(proposições, períodos, sequências e planos de texto) remetem diretamente à
textura/composicionalidade dos textos, isto é, de forma ampla, à sua
sequencialidade ou linearidade.
Os níveis 6, 7 e 8 (representações discursivas, reponsabilidade enunciativa e
valor ilocucionário), segundo Passeggi et al. (2010, p. 268), “[...] são dimensões
constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado
elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto
de vista e um valor ilocucionário/argumentativo.”.
Figura 1 – Esquema 4: Níveis ou planos da análise de discurso
Fonte: Adam (2011, p. 61)
42
Podemos observar, conforme Silva Neto (2014, p. 42) que “[...] os planos da
análise textual estão situados numa dimensão englobante, composta pelos planos
da análise do discurso.” Para o autor, “[...] em termos práticos, os usos da língua,
expressos na materialidade do texto (enquanto enunciado), são considerados na
perspectiva da enunciação, correspondente à dimensão discursiva em que se dá a
linguagem verbal em questão.”.
Adam (2011) utiliza-se de vários esquemas para ilustrar sua proposta. A
exemplo do esquema 4 sobre os níveis ou planos da análise de discurso e níveis ou
planos da análise textual, abaixo segue o esquema 5 que mostra os dois tipos de
operações de textualização: as operações de segmentação e as operações de
ligação.
Figura 2 – Esquema 5: Operações de textualização
Fonte: Adam (2011, p. 64)
Segundo Adam (2011), as unidades textuais são submetidas a esses dois
tipos de operações de textualização. De acordo com o autor, essas unidades são
separadas por segmentação, que na escrita realiza-se de forma tipográfica, na
oralidade através de pausas, entonação e/ou movimentos dos olhos e da cabeça.
Assim, a descontinuidade da cadeia verbal vai da segmentação permanente de
palavras na escrita, através das marcações de parágrafos ou estrofes e de
subdivisões em partes de um texto escrito, e realiza-se de forma mais fraca na
oralidade. Em relação às operações de ligação, “[...] essas unidades textuais são,
com bases nas instruções dadas pelas marcas de segmentação e por diversos
marcadores [...]” ligadas entre elas pelas operações de ligação, “[...] que consistem
na construção de unidades semânticas e de processos de continuidade pelos quais
43
se reconhece um segmento textual.” (Cf. ADAM, 2011, p. 63-64). Em relação à
correspondência entre essas operações, o autor explica que
[...] uma primeira segmentação [3] recorta as unidades de primeira ordem, enquanto uma primeira operação de ligação [4] as reúne em unidades de ordem superior de complexidade. Essas unidades (períodos e/ou sequências são objeto de uma nova segmentação [6] que determina seus limites inicial e final. A ligação [7] dessas unidades de segunda ordem resulta em parágrafos de prosa ou em estrofes constitutivas de um plano de texto [8] e em uma unidade textual delimitada, ela própria, por uma sexta operação de segmentação, que se pode denominar peritextual [9], na medida em que fixa os limites ou fronteiras materiais de um texto. (ADAM, 2011, p. 64).
Dessa forma, podemos observar que essas duas operações de textualização
propostas pelo autor são responsáveis pela constituição do texto como um todo, a
partir da perspectiva de sua segmentação ou descontinuidade, como também de sua
ligação ou continuidade.
3.2.1 Estrutura composicional do texto
Para Adam (2011, p. 255-256), “[...] um texto pode ser constituído de trechos
sucessivos que formam subconjuntos em seu interior. O reconhecimento do texto
como um todo passa pela percepção de um plano de texto [...]”. O autor acrescenta
ainda que esse plano de texto poderá ter “[...] suas partes constituídas, ou não, por
sequências identificáveis.”. Para compreender melhor essa ideia de estruturação do
texto proposta por Adam (2011), vejamos o seu esquema 30 sobre as ligações
textuais.
44
Figura 3 – Esquema 30: Ligações textuais
Fonte: Adam (2011, p. 257)
A partir desse esquema, visualizamos uma representação gráfica de como se
dispõem as partes ou “trechos” que organizam e estruturam o texto. O esquema
constitui-se de dois polos principais: Estruturação sequencial composicional, e
Estruturação não sequencial. No primeiro, temos o “plano de texto”, que pode
classificar-se como “Convencional” ou “Ocasional”. Temos também as “sequências”,
que podem constituir no texto uma “Série de sequências” “Homogêneas” ou
“Heterogêneas”, e ainda “Dominante”, o que configura o “Tipo de texto”. No segundo
polo, observamos que em relação à “Estruturação não sequencial”, temos a
“Reticular” (relacionada ao léxico e às colocações), e a “Configuracional”, que pode
ser “Temática” (macroestrutura semântica), e “Ilocucionária” (macroatos de
discurso).
De acordo com Oliveira (2016, p. 65), a estruturação sequencial
composicional dos textos tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores, entre
os quais, a autora destaca os trabalhos de Marquesi e Elias (2011), Rodrigues et al.
(2012), Cabral (2013), Galvão (2013), Lourenço e Rodrigues (2013), Marquesi
(2013), Silva Neto (2013), Marquesi (2014), Marquesi e Cabral (2014) e Rodrigues,
Passeggi e Silva Neto (2014). Para a autora, tais trabalhos evidenciam “[...] a
45
importância que os conceitos de plano de texto e sequências textuais propostos por
Adam (2011) adquiriram nos estudos linguísticos dos últimos anos”.
É especificamente no polo de composição sequencial composicional que o
nosso trabalho se situa, uma vez que tratamos dos planos de texto e das
sequências. A seguir, veremos um pouco mais sobre os conceitos de plano de texto,
sequências textuais e sequências textuais narrativas.
3.2.1.1 Os planos de texto
O conceito de plano de texto diz respeito a um princípio organizador que
permite atender e materializar as intenções de produção, bem como distribuir a
informação no desenvolvimento da textualidade e também é responsável pela
estrutura composicional do texto. Para Adam (2011, p. 256), “O reconhecimento de
um texto como um todo, passa pela percepção de um plano de texto com suas
partes constituídas, ou não, por sequências identificáveis”.
Adam (2011) fala na existência de um plano de texto convencional e de um
plano de texto ocasional. Assim, como já sugerem as suas classificações, os planos
de texto convencionais dizem respeito àqueles que já seguem um determinado
modelo fixado pelo histórico de um gênero ou subgênero do discurso. Já os
ocasionais referem-se àqueles que surgem de determinadas mudanças que são
realizadas a partir de um gênero ou subgênero que já possui uma determinada
formatação, mas que em um determinado momento, por algum motivo, não foi
seguida.
De acordo com essas classificações, percebemos que alguns textos não
possuem uma organização rígida, mas flexível. Nesse sentido, os planos de texto
mostram sua importância como “o principal fator unificador da estrutura
composicional.”. Eles possibilitam a construção e a reconstrução da organização
global de um texto, a partir da prescrição de um determinado gênero. Assim como os
gêneros, os planos de texto estão disponíveis na nossa memória coletiva. Para
Cabral (2013, p. 244), os planos de texto constituem “[...] parte dos conhecimentos
prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de um texto.”. A respeito do
importante papel dos planos de texto, a autora acrescenta ainda que
46
O plano de texto, ao explicitar a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, pode fornecer os elementos necessários à compreensão e à produção, uma vez que, para a percepção/elaboração da estrutura global do texto, o leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual. (CABRAL, 2013, p. 244).
Diante do exposto, parece-nos clara a importância desse “princípio
organizador” para a construção de sentido dos textos. Ainda de acordo com Cabral
(2013), existe um conhecimento superestrutural ou tipológico, como também um
conhecimento de outros textos que fazem parte da nossa cultura e que são
conhecimentos ligados ao conceito de plano de texto. Para a autora, extrair de um
texto seu plano de texto “[...] auxilia a construção dos sentidos por parte do leitor, na
medida em que lhe permite estabelecer coerência entre as partes do texto”. E por
último, enfatiza que é nesse sentido que considera “[...] importante a percepção de
um plano de texto, como um princípio organizador que fornece subsídios para a
construção dos sentidos do texto [...]”. (Cf. CABRAL, 2013, p. 247).
3.2.1.2 As sequências textuais
Nesta seção, apresentamos algumas das principais propostas de
classificação tipológica de texto, bem como tratamos do conceito de sequência
textual de acordo com Adam (2011), posição teórica adotada neste trabalho.
De acordo com Rodrigues (2014), as propostas tipológicas tiveram sua
origem na Grécia antiga com Aristóteles, em “A Poética” (335 a. C.). O autor propõe
uma classificação para os gêneros poéticos e musicais com base nas diferenças.
Com isso, originam-se as classificações da tragédia, da comédia e outras,
principalmente as que focalizam a narrativa.
Rodrigues (2014) cita o trabalho de Ergon Werlich (1975) como um estudo
basilar no século XX, o qual vem servindo como referência para diversos outros
trabalhos. O autor propõe os seguintes tipos textuais: instrução, argumentação,
narração, exposição e descrição. Tal classificação focaliza a organização linguística
específica de cada um desses tipos de texto.
No Brasil, muitos estudiosos têm se debruçado sobre o tema e proposto
classificações, entres eles: Marcuschi (2002), Koch e Fávero (1987), Travaglia
(2002, 2007, 2009), entre outros. Em relação à Travaglia (2002, 2007, 2009),
47
Rodrigues (2014) observa que o autor objetiva uma teoria que indicasse os pontos
em comum presentes em todas as propostas tipológicas e que caminhasse, assim,
para um quadro classificatório único. Para Rodrigues (2014, p. 18) “Evidentemente,
esse anseio não pode ser atendido [...]”, uma vez que “[...] os critérios usados para
classificação variam.”.
Com o objetivo de enfatizar a pluralidade de critérios utilizados para as
classificações tipológicas, Rodrigues (2014) destaca ainda a proposta de
Charaudeau (2008 [1992]) e a de Marcuschi (2000, 2002, 2008).
De acordo com a autora, Charaudeau (2008 [1992]) afirma que há distinção
entre a finalidade de um texto e o seu modo de organização, e que “[...] a
recorrência do fenômeno linguístico aponta para a classificação do modo de
organização discursivo [...]” (RODRIGUES, 2014, p. 21).
Marcuschi (2002, p. 27), por sua vez, diz que “[...] entre as características
básicas dos tipos textuais está o fato deles serem definidos por traços linguísticos
predominantemente.”. Rodrigues (2014) observa que “[...] diferente de Charaudeau
(2008 [1992]), que se ancora em níveis de análise, como por exemplo, o semântico,
a proposta de Marcuschi focaliza marcas linguísticas em uma perspectiva ampla.”.
Por fim, a autora conclui que
[...] os critérios que fundamentam as classificações variam, conforme revelam as propostas mencionadas, uma vez que Aristóteles propôs uma tipologia, a partir das diferenças, Marcuschi (2002) considera a recorrência do fenômeno linguístico, Charaudeau (2008 [1992]) propõe a ordem discursiva, ‘[...] procedimento que contribui para pôr em cena os outros modos de organização do discurso’. (RODRIGUES, 2014, p. 22 – grifo da autora).
A fim de ilustrar as inúmeras propostas de classificação tipológica, Rodrigues
(2014) apresenta um quadro-resumo, no qual destaca essas principais propostas
bem como seus respectivos autores e designação do objeto, como podemos
observar na reprodução desse quadro a seguir.
48
Quadro 1 - Propostas de classificações tipológicas
Autor Designação do objeto Classificação tipológica Adam (2011, 1992)
Sequência textual (1) Narrativa (2) Descrição (3) Argumentação (4) Explicação (5) Diálogo
Travaglia (2012)
Tipo (1) Texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo; (2) Texto argumentativo “stricto sensu” e argumentativo não “stricto sensu”; (3) Texto preditivo e não preditivo; (4) Texto do mundo comentado e do mundo narrado; (5) Texto lírico, épico / narrativo e dramático; (6) Texto humorístico e não humorístico; (7) Texto literário e não literário; (8) Texto ficcional e factual
Charaudeau (2008 [1992])
Modos de organização do discurso
(1) Enunciativo (2) Descritivo (3) Narrativo (4) Argumentativo
Marcuschi (2002)
Sequência tipológica (1) Narrativa (2) Descritiva (3) Expositiva (4) Injuntiva (5) Argumentativa
Werlich (1975)
Tipos textuais (1) Descrição (2) Narrativa (3) Exposição (4) Argumentação (5) Instrução
Groose (1976)
Classes de textos (1) Textos normativos (2) Texto de contacto (3) Textos que indicam grupos (4) Textos poéticos (5) Textos em que predomina a automanifestação (6) Textos predominantemente exortativos (7) Classes de transição (8) Textos em que predomina a informação
Longacre e Levinsohn (1978)
Tipos de discurso (1) Discurso narrativo (2) Discurso procedural (3) Discurso de conduta (4) Discurso expositivo
Vilela e Koch (2001)
Sequências textuais ou modos de tratamento do tema
(1) Texto argumentativo (2) Texto explicativo (3) Texto descritivo (4) Texto narrativo
Bronckart (2007)
Tipos de textos (1) Contar (2) Conversar (3) Argumentar (4) Teorizar
Fonte: Rodrigues (2014, p. 22) – (Alguns modos de designação do nosso objeto de
reflexão).
49
É importante destacar o que observa Rodrigues (2014) a respeito dessas
propostas, mais precisamente sobre o fato de que há vários pontos em comum entre
elas relacionados às nomeações, bem como a ocorrência da categoria narrativa
presente em quase todas elas, exceto no trabalho de Groose (1976). Em relação à
quantidade de sequências ou tipos, a autora observa também que há uma variação
entre três e oito destas. E por último, constata que “A designação das categorias
envolve pelo menos um dos seguintes lexemas ou seus derivados: sequência, texto,
discurso.” (RODRIGUES, 2014, p. 24).
Nessa direção, de acordo com Passeggi (2014, p. 62 – grifos do autor), no
âmbito da linguística textual, “[...] diversos autores identificam um nível de
estruturação textual intermediário denominado de ‘sequências textuais’, ‘modos de
organização do discurso’ ou ‘modos do discurso’, entre outras denominações.”. O
autor cita como exemplo os trabalhos de Adam (1992, 2008a, 2008b), Charaudeau
(1992, 2004, 2008) e Smith (2009 [2009]). Para ele, os trabalhos desses autores
apresentam noções próximas, mas “[...] não idênticas porquanto inseridas em
contextos teóricos diferenciados, encontram-se relativamente estabilizadas quanto à
sua conceituação e eventual identificação, divergindo quanto ao seu número,
detalhamento e hierarquização.”.
São inúmeras as propostas de classificações tipológicas e igualmente
diversos os critérios, teorias e níveis de análise conforme cada dessas propostas.
Para Rodrigues (2014, p. 21), isso é resultado da “[...] heterogeneidade dos textos,
da amplitude infinita da criatividade humana que supera de modo incomensurável o
universo limitado da gramática normativa.”.
Para fins desta pesquisa, trabalhamos a noção de sequência textual conforme
proposta por Adam (2011). Essa escolha teórica justifica-se por entendermos que,
conforme Silva Neto (2013, p. 95), a proposta de Adam sobre as sequências
constitui uma concepção cognitivo-semântica, reforçada por uma perspectiva
pragmática e “[...] com as devidas implicações analíticas voltadas para o discurso -,
o que sublinha (e revela) seu caráter operatório, na construção de aparato
metodológico de pesquisa de texto [...]”.
A noção de sequência textual diz respeito ao modo como os textos se
organizam e se estruturam para realizar nossos atos comunicativos. Através da
análise das estruturas que compõem um texto identificamos, por exemplo, se
50
estamos diante de um texto do tipo narrativo, descritivo, argumentativo, etc. (Cf.
CAVALCANTE, 2016).
A teoria das sequências, segundo Charaudeau e Maingueneau (2016, p. 444),
tem origem em Adam (1992) e “[...] foi elaborada em virtude da grande generalidade
das tipologias de texto (Werlich, 1975) surgidas com as gramáticas de texto”. De
acordo com Passeggi et al. (2010, p. 263), no contexto da Linguística Textual
brasileira, “[...] Adam é, sobretudo, conhecido pelas suas pesquisas sobre as
sequências textuais [...]”, e acrescenta ainda que “As sequências constituem, hoje,
uma categoria de análise consolidada e regularmente utilizada nas descrições de
textos, de grande interesse pelas suas aplicações ao ensino de língua portuguesa e
língua estrangeira.”.
Para Adam (2011), as sequências textuais são unidades textuais complexas,
compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as
macroproposições. De acordo com a proposta do autor, todo texto apresenta uma
sequência dominante, em relação à qual se organizam as demais sequências
dominadas ou inseridas.
De acordo com Cavalcante (2016, p. 62), “Aspectos como extensão, a
complexidade e os diferentes propósitos comunicativos indicam que há naturalmente
uma inclinação à combinação de sequências textuais, o que torna o texto
heterogêneo.”. Ou seja, para a autora, de um modo geral, um mesmo texto
apresenta diferentes sequências e esse fenômeno é chamado de heterogeneidade
composicional.
Conforme Adam (2011), as proposições-enunciadas, unidades textuais
elementares, estão sujeitas a dois grandes tipos de agrupamentos que as mantêm
juntas. Para o autor, as unidades textuais frouxamente tipificadas correspondem ao
que chama de “período” e as unidades textuais mais complexas, tipificadas,
correspondem às “sequências”. O autor explicita ainda que a diferença entre uma
sequência mínima e um período complexo não está diretamente relacionada à
questão do volume, mas sim à complexidade do todo formado pela organização das
proposições-enunciadas. Ou seja, a diferença substancial entre o período e a
sequência corresponde ao seu nível de organização interno dado pelo
encadeamento dessas proposições.
Diante disso, Adam (2011, p. 204-205) deixa clara a distinção entre essas
unidades composicionais de base, os períodos e as sequências, ao dizer que: “[...]
51
os períodos são unidades que entram diretamente na composição de partes de um
plano de texto [...]”, já as sequências são “[...] unidades textuais complexas,
compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as
macroproposições.”.
A macroproposição, por sua vez, é um tipo de período que tem como principal
característica o fato de ser uma unidade ligada a outras macroproposições,
ocupando assim, posições definidas dentro do todo ordenado da sequência. Cada
macroproposição adquire seu sentido em relação às outras, na unidade hierárquica
complexa da sequência.
Nessa perspectiva, segundo o autor, uma sequência é uma estrutura que
constitui uma “rede relacional hierárquica”, uma grandeza analisável formada por
partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem. O autor também as
considera como uma “entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização
interna” que lhe é própria e, portanto, que possui uma relação de dependência-
independência com o conjunto mais amplo do qual faz parte (o texto).
Segundo Passeggi et al. (2010, p. 274), das sequências textuais propostas
por Adam, “[...] a sequência descritiva aparece como a menos estruturada”, uma vez
que “[...] não possui uma organização típica [...]”, compondo-se frequentemente “[...]
de um conjunto de operações que se desenvolve conforme um plano de texto”. De
acordo com os autores, a descrição não possui, como as demais sequências, uma
ordem de organização das proposições-enunciados em macroproposições
hierarquizadas. Por último, acrescenta que as proposições descritivas formam ciclos,
mais de períodos do que de sequências.
Adam (2011) confere quatro macro-operações que agrupam nove operações
descritivas que originam vários tipos de operações descritivas de base. O autor
propõe quatro macro-operações de construção da sequência descritiva, as quais
são: tematização, aspectualização, relação e expansão por subtematização.
A sequência narrativa, para Adam (2011) compõe-se de uma estrutura
hierárquica constituída por cinco macroproposições narrativas de base (Pn) que
correspondem aos cinco momentos (m) do aspecto: antes do processo (m1), o início
do processo (m2), o curso do processo (m3), o fim do processo (m4) e, por último,
depois do processo (m5). Como essa sequência constitui foco de nossa análise, ela
será detalhada na próxima seção.
52
A sequência argumentativa prototípica proposta por Adam (2011) contempla a
contra-argumentação e é composta por: tese anterior, dados/fatos, apoio, restrição e
conclusão. Conforme Passeggi et al. (2010), essa sequência comporta dois níveis
a) um nível justificativo (P. arg. 1 + P. arg. 2 + P. arg. 3), em que a estratégia argumentativa é dominada pelos conhecimentos apresentados; b) um nível dialógico ou contra-argumentativo (P. arg. 0 e P. arg. 4), em que a argumentação é negociada com um contra-argumentador (auditório) real ou potencial. Nesse nível, a estratégia argumentativa visa a uma transformação dos conhecimentos. (PASSEGGI et al., 2010, p. 291).
Os autores acrescentam ainda que as etapas da argumentação não seguem
uma ordem preestabelecida, uma vez que a tese “[...] pode ser formulada de início e
retomada, ou não, por uma conclusão que a duplica no final da sequência. Além
disso, a tese anterior (P. arg. 0) e os apoios podem estar subentendidos.”. (Cf.
PASSEGGI et al., 2010, p. 291-292).
A sequência explicativa é constituída pelas seguintes macroproposições:
descrição inicial, problema (questão), explicação (resposta) e ratificação/avaliação.
Conforme Passeggi et al.(2010, p. 292) trata-se de
[...] uma estrutura sequencial de base, na qual um primeiro operador [PORQUE?] introduz a primeira macroproposição obrigatória (P. explicativa 1), e o segundo operador [PORQUE] leva à segunda macroproposição obrigatória (P. explicativa 2). Segue-se, geralmente, uma terceira macroproposição, que é de ratificação (P. explicativa 3). Esse conjunto é frequentemente precedido por uma descrição inicial destinada a introduzir o objeto problemático (P. explicativa 0), tematizado pela questão POR QUE?, que corresponde à macroproposição P. explicativa 1.
Por fim, a sequência dialogal é composta por: pergunta, resposta e avaliação.
Para Passeggi et al. (2010, p. 295), um texto dialogal pode apresentar “sequências
fáticas” de abertura e de fechamento que enquadram o núcleo transacional de base.
Silva Neto (2013) observa que para Adam (2011a) esses cinco tipos de base
descritos até aqui “[...] correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas
memorizadas por impregnação cultural (pela leitura, escuta e produção de textos) e
transformadas em esquemas de reconhecimento e de estruturação da informação
textual.”. Nesse sentido, Adam (2011) enfatiza que
53
As asserções narrativas, descritivas, argumentativas e explicativas, factuais ou ficcionais, antes constroem representações esquemáticas do mundo do que se ajustam a ele, e o estabelecimento de uma crença partilhada não é a finalidade última dessas asserções. Seu objetivo último é, como nos [enunciados] diretivos, uma finalidade de ação: fazer partilhar uma crença com a finalidade de induzir um certo comportamento (sonhar, chorar, indignar-se, revoltar-se, agir no mundo etc.). (ADAM, 2011, p. 207).
Silva Neto (2014, p. 56) ressalta a relevância do conceito de sequências
textuais no que refere à questão da metodologia do ensino, mais precisamente na
transposição didática, quando diz que “[...] é possível assumir que as sequências
textuais estão a meio caminho entre os estudos da gramática e os estudos do texto
[...]” e que, dessa forma, as sequências podem “[...] ser tomadas como ferramentas
conceituais que viabilizariam uma melhor compreensão dos elementos constitutivos
dos vários tipos de texto e, por extensão, dos gêneros de discurso.”.
3.2.1.3 A sequência textual narrativa
Nesta pesquisa, realizamos um estudo sobre as sequências textuais
narrativas de acordo com a concepção de Adam (2011), complementada pelos
estudos de Cavalcante (2016), e Silva Neto (2013).
De acordo com Adam (2009, p.125), o narrativo diz respeito a
“desenvolvimentos cronológicos finalizados” e, segundo ele, “[...] esse tipo é
provavelmente aquele que foi o mais e o melhor estudado pela tradição retórica,
poética e semiótica”. Apesar dessa constatação feita pelo autor, para Oliveira (2016,
p. 75) “[...] as possibilidades de descobertas ainda são muitas”. E são justamente
essas possibilidades de novas descobertas que também nos motivam a realizar esta
pesquisa.
De acordo com Adam (2011, p. 225), em sentido amplo, toda narrativa pode
ser considerada como a exposição de fatos reais ou imaginários. Essa designação
geral de “fatos” abrange duas realidades distintas, as quais o autor denomina de
“eventos” e “ações”. A ação se caracteriza pela presença de um agente (ator
humano ou antropomórfico) que provoca ou tenta evitar mudança. Já o evento
ocorre sob o efeito de causas, sem a intervenção intencional de um agente.
54
Para Cavalcante (2016, p. 65), o principal objetivo da sequência narrativa é
“[...] manter a atenção do leitor/ouvinte em relação ao que se conta.”. De acordo com
a autora, para que isso ocorra “[...] são reunidos e selecionados fatos, e a história
passa a ser desenvolvida, quando a situação de equilíbrio é alterada por uma tensão
[...]”. E é justamente essa tensão que irá determinar transformações e
retransformações que direcionam para o final. Cada etapa da sequência narrativa é
chamada de fase. Prototipicamente, para ela, a sequência narrativa constitui-se das
seguintes fases:
i) situação inicial – estágio inicial de equilíbrio, que é modificado por uma situação de conflito ou tensão; ii) complicação – fase marcada por momento de perturbação e de criação de tensão; iii) ações (para o clímax) – fase de encadeamento de acontecimentos que aumentam a tensão; iv) resolução – momento de redução efetiva da tensão para o desencadeamento; v) situação final – novo estado de equilíbrio; vi) avaliação – comentário relativo ao desenvolvimento da história; vii) moral – momento de explicitação da significação global atribuída à história. (CAVALCANTE, 2016, p. 65, grifos da autora.).
É importante dizer que não há uma extensão fixa para essas fases, há uma
variação do número de proposições que as compõem, o que faz com que não
correspondam necessariamente a um parágrafo. As fases avaliação e moral nem
sempre são explícitas, e quando aparecem promovem uma reflexão em relação à
história narrada (aspecto peculiar do gênero fábula, mas muitas vezes implícito em
outros gêneros). A situação inicial, a situação final e a moral apresentam extensão
bem menor do que as demais. (Cf. CAVALCANTE, 2016).
Para Silva Neto (2013, p. 96) é importante “[...] reter a ideia de que a estrutura
narrativa situa-se no interior de um processo narrativo, comumente conhecido por
trama narrativa.”. E que conforme Adam (2011a, p. 225), a sequência narrativa pode
ser pensada em termos de um encadeamento de cinco momentos que constituem a
“exposição de ‘fatos’ reais ou imaginários”, em função dos limites do processo
narrativo. Esses momentos, conforme o autor, são marcados por uma situação inicial
e uma situação final, o que implica uma transformação. Para Silva Neto (2013)
Dentro desses limites são identificados os outros três momentos, nesta ordem: “nó (desencadeador)” ou “núcleo”, “reação ou
55
avaliação” e “desenlace (resolução)”. Dependendo do grau de narrativização, a trama pode ser mais complexa e, por isso, apresentar proposições anteriores e posteriores a esses cinco momentos da sequência narrativa, de maneira que serão observados, nesses casos, mais dois momentos, situados nos limites externos aos cinco anteriores: uma “entrada-prefácio” e um “encerramento ou avaliação final”. (SILVA NETO, 2013, p. 96).
Através do esquema seguinte proposto por Adam (2011) podemos visualizar
como se compõe a trama narrativa complexa.
Figura 4 – Esquema 20: Trama narrativa
Fonte: Adam (2011, p. 229)
Podemos ver no esquema proposto por Adam (2011, p. 229) que a trama
narrativa é composta por cinco momentos: Pn1 ou Situação inicial (orientação), Pn2
ou Nó (Desencadeador), Pn3 ou Re-ação ou Avaliação, Pn4 ou Desenlace
(Resolução) e Pn5 ou Situação final. Para o autor, a trama pode apresentar uma
maior complexidade e, nesse caso, apresentará proposições anteriores e posteriores
a esses cinco momentos da sequência narrativa, as quais serão a Pn0 ou Entrada-
prefácio e o PnΩ ou Encerramento ou Avaliação final.
No esquema a seguir, o autor põe em evidência duas relações simétricas
entre quatro macroproposições. Tais relações encontram-se entre o nó (Pn2) e o
desenlace (Pn4), e entre a situação inicial (Pn1) e a situação final (Pn5). Vejamos o
esquema:
56
Figura 5 – Esquema 19: Relações simétricas
Fonte: Adam (2011, p. 228 – Estrutura narrativa).
Para Adam (2011, p. 228), “O fato de estrutura decorre dessa simetria e
dessa dinâmica: a Pn1 é dinamizada por Pn2 e conduz a um estado transitório Pn3,
que se interrompe, ele próprio, sob o efeito de Pn4, que leva ao final Pn5.”. Para o
autor, “Quando Aristóteles diz que a narração tem um início (Pn1), um meio (Pn2-3-
4) e um final (Pn5), ele reduz a complexidade da tríade central.”. No esquema acima,
Adam propõe o resultado de duas tríades encaixadas.
As diferentes formas de construção de uma narrativa dependem de seu grau
de narrativização. Segundo Adam (2011, p. 226), as narrativas têm um baixo grau
de narrativização quando apresentam apenas uma simples enumeração de ações
e/ou eventos e um alto grau de narrativização quando apresentam uma estrutura
hierárquica formada por cinco macroproposições narrativas de base (Pn). Essas
macroproposições narrativas correspondem “aos cinco momentos (m) do aspecto:
antes do processo (m1), o início do processo (m2), o curso do processo (m3), o fim
do processo (m4) e, por último, depois do processo (m5)”. Esses cinco momentos
encontram-se descritos no esquema abaixo.
Figura 6 – Esquema 18: Limites do processo
Fonte: Adam (2011, p. 226).
57
Para Adam (2011, p. 226), “Tvetzan Todorov (1968, p. 82) e Paul Larivaille
(1974) estão entre os primeiros a propor uma descrição da organização da trama
que corresponde ao mais alto grau de narrativização”. De acordo com Passeggi et
al. (2010, p. 285), “[...] nem toda sequência narrativa atinge o grau de narrativização
mais complexo [...]”.
Para Adam (2011, p. 228), “Não é possível definir nenhuma regra de
segmentação própria às sequências.”. Para o autor, uma sequência pode ser
fortemente segmentada e, nesse caso, teríamos “[...] proposições narrativas
separadas pelo par maiúscula-ponto, ou por um conector [...]” ou fracamente
segmentada. De acordo com o autor, “Se a sequência se desenvolve, não é raro que
os agrupamentos de proposições nas macroproposições narrativas sejam
salientados por mudança de parágrafo.”.
Utilizamos também neste estudo o conceito de narrativa encaixada, o qual se
refere a inserções de narrativas menores numa narrativa maior, principal. Para Adam
A narrativa encaixada pertence a um tipo particular da tradição oral: o conto etiológico, gênero narrativo determinado por um objetivo ilocucionário explicativo. Os contos etiológicos têm por finalidade dar uma resposta às perguntas que o homem se faz sobre as ações humanas, tanto as mais comuns como as mais extraordinárias. (ADAM, 2011, p. 273-274).
Conforme Adam (2011), a narrativa encaixada possui um caráter explicativo.
A partir dessa perspectiva do autor, analisamos as sequências narrativas maiores,
as quais denominamos narrativas globais, bem como as narrativas menores, as
chamadas “encaixadas”, a fim de observarmos como elas se constituem e o papel
que desempenham.
Pretendemos, dessa forma, descrever e analisar como se realiza a sequência
narrativa no gênero termo de depoimento, e se essa sequência narrativa
compreende todos os momentos demonstrados no esquema anterior, possuindo
assim, segundo Adam (2011), um alto grau de narrativização, ou não, se só
apresenta alguns desses momentos, configurando-se assim com um baixo grau de
narrativização.
58
4 METODOLOGIA
Neste capítulo, apresentamos a caracterização da pesquisa e aspectos
relacionados à sua natureza; apresentamos também bem o processo de coleta e
seleção do corpus e, por ultimo, apresentamos as categorias e os procedimentos de
análises utilizados nessa pesquisa.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A presente pesquisa classifica-se como documental e se orienta pelos
métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. Trata-se de uma pesquisa descritiva que
possui uma abordagem qualitativa. De acordo com Severino (2007, p. 122-123)
No caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.
Dessa forma, em conformidade com o que explica Severino (2007), utilizamos
documentos legais, termos de depoimento, os quais constituem matéria-prima a
partir da qual desenvolvemos nossa análise. Porém, para tanto, fez-se necessário
que esse material passasse por um tratamento que viabilizasse a sua utilização para
que pudéssemos realizar a análise pretendida.
Por esse motivo, nas seções seguintes tratamos mais especificamente da
natureza do corpus, sua definição enquanto gênero, e em seguida descrevemos
como foi realizado o processo de coleta, bem como os procedimentos utilizados no
tratamento desse corpus.
Utilizamo-nos dos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. Para Severino
(2007, p. 88), a indução e a dedução constituem as duas grandes formas de
raciocínio. De acordo com o autor, “O raciocínio dedutivo é um raciocínio cujo
antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis; através
dele se chega a um consequente menos universal.” Acrescenta ainda que “As
59
afirmações do antecedente são universais e já previamente aceitas [...]” e que,
assim, “[...] delas decorrerá, de maneira lógica, necessária, a conclusão, a afirmação
do consequente.” Desse modo, há um processo que parte das premissas à
conclusão.
Já em relação ao método indutivo, para Severino (2007, p. 89), “[...] é uma
forma de raciocínio em que o antecedente são dados e fatos particulares e o
consequente uma afirmação mais universal.” Para ele, a indução parte de “[...] fatos
particulares conhecidos para chegar a conclusões gerais até então desconhecidas.”
A partir dessa perspectiva, utilizamo-nos desses dois métodos; o método do
raciocínio indutivo ao analisarmos um texto específico, particular, como também do
raciocínio dedutivo ao partirmos de toda uma proposta teórica já estabelecida como
aceita no âmbito acadêmico para procedermos à análise a que nos propomos
realizar e assim chegar a resultados particulares. Dessa forma, podemos dizer que
tais métodos são utilizados de forma igualmente eficaz em nosso trabalho.
Conforme Charoux (2004), quanto ao tipo de questionamento formulado, a
presente pesquisa classifica-se como descritiva e em relação à sua finalidade,
classifica-se como qualitativa. A pesquisa descritiva, segundo Charoux (2004, p. 38
– grifos da autora),
[...] busca descrever/narrar/classificar características de uma situação e estabelece conexões entre a base teórico-conceitual existente ou de outros trabalhos já realizados sobre o assunto e os fatos coletados. Esse tipo de pesquisa pressupõe uma boa base de conhecimentos anteriores sobre o problema estudado, já que a situação-problema é conhecida, bastando descrever seu comportamento. As respostas encontradas nesse tipo de pesquisa informam como determinado problema ocorre.
Constatamos de forma bastante clara o caráter descritivo de nossa pesquisa
ao termos como objetivo geral investigar como ocorrem as sequências narrativas no
gênero termo de depoimento. Ou seja, assim como explica a autora, a nossa análise
tem como objetivo mostrar “como” ocorre esse fenômeno no texto.
A presente pesquisa classifica-se também como qualitativa na medida em que
conforme Charoux (2004, p. 38), “[...] busca entender não apenas o fato ou
fenômeno estudado, mas também o contexto dentro do qual se desenvolve.” A
autora acrescenta ainda que “O foco do trabalho qualitativo é conhecer o significado
60
que se confere ao objeto estudado, pontos de vista, processos, percepções,
abstrações [...]”.
Nessa direção, segundo Oliveira (2016, p. 37), a pesquisa qualitativa
caracteriza-se como “[...] sendo um processo de reflexão e análise da realidade
através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto
de estudo [...]”.
Para Creswell (2007, p. 206), “[...] os procedimentos qualitativos baseiam-se
em dados de texto e imagem, têm passos singulares na análise dos dados e se
valem de diferentes estratégias de investigação.”.
Nas seções seguintes detalhamos a constituição do corpus da pesquisa, o
processo de coleta e tratamento, bem como as categorias e os procedimentos de
análise.
4.2 CORPUS: APRESENTAÇÃO
O termo de depoimento é uma das peças que integram o inquérito policial. O
inquérito policial, segundo Nucci (2014, p. 109),
[...] é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada.
Ainda de acordo com Nucci (2014, p. 126), o inquérito possui como
particularidade o fato de ser inquisitivo, ou seja, “[...] não permite ao indiciado ou
suspeito a ampla oportunidade de defesa, produzindo e indicando provas,
oferecendo recursos, apresentado alegações, entre outras atividades que, como
regra, possui durante a instrução judicial.” Além disso, possui também caráter
sigiloso “[...] por ser peça de natureza administrativa, inquisitiva e preliminar à ação
penal, deve ser sigiloso, não submetido, pois, à publicidade que rege o processo.”
Acrescenta ainda que, por esse motivo, não é permitido o acesso ao público, mesmo
61
que “[...] a pretexto de fiscalizar e acompanhar o trabalho do Estado-investigação,
como se poderia fazer quanto ao processo-crime em juízo.”.
Conforme Pelágio (2002, p. 23), o inquérito constitui “[...] um procedimento
administrativo realizado pela Polícia Judiciária, que a partir de diligências e
investigações tentará apurar a autoria e colher informações sobre o fato criminoso
[...]”. O autor diz ainda que tal procedimento tem o objetivo de “[...] formar uma maior
convicção do legitimado a oferecer a Ação penal.”. Por fim, afirma que “A
competência para a realização do Inquérito Policial é da Polícia Judiciária, através
do Delegado de Polícia que irá presidir os trabalhos de investigação2.”.
O inquérito policial é composto por vários documentos, dentre eles o termo de
depoimento. O termo de depoimento, segundo França (2008, p. 11 – grifo do autor),
caracteriza-se da seguinte forma:
Em sede de inquérito policial, busca-se diferenciar a coleta de informações entre o suspeito, o qual responde a auto de qualificação e interrogatório, e as ‘testemunhas’, as quais são convocadas para prestar esclarecimentos em termos chamados de depoimento ou de declarações.
Assim, o termo de depoimento presta-se a registrar as informações fornecidas
pela testemunha em relação a um determinado caso. De acordo com o autor, a
testemunha deve estar ciente do compromisso de falar a verdade, “[...] sob pena de
crime de falso testemunho.” Por esse motivo, “[...] há necessidade de confecção de
termo de depoimento.” (FRANÇA, 2008, p. 11).
Por último, o autor ratifica a importância desse procedimento para a
elaboração da hipótese investigativa quando diz que
Em depoimentos, portanto, a testemunha vem realmente informar sobre temas que são de interesse para o conjunto investigatório, de onde serão deduzidas as hipóteses perante, por exemplo, as contradições apresentadas por indiciados nos interrogatórios ou sobre dados ainda obscuros no contexto estudado. (FRANÇA, 2008, p. 12)
2 “Há, porém, outros tipos de procedimentos investigativos que são presididos por outras autoridades não
policiais, dentre elas estão o Inquérito Falimentar, conhecido também como Inquérito Judicial, que é
realizado pelo Juiz respectivo da falência. Também no Inquérito Policial Militar, cuja sua realização compete
as Autoridades Militares.” (PELÁGIO, 2002, p. 23).
62
De acordo com Gomes (2011, p. 75 – grifos do autor), o processo de
elaboração do termo de depoimento ocorre da seguinte maneira:
São ouvidas as pessoas envolvidas. Caso não haja impedimento legal (arts. 206 e 208 do CPP), é tomado o compromisso de falar a verdade (art. 203 do CPP: a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade), sob as penas do art. 342 do CP (falso testemunho – fazer afirmação falsa, calar ou omitir a verdade – reclusão de 1 a 3 anos e multa).
Seguindo essas diretrizes básicas, a testemunha presencial ou mesmo que
tenha sido citada por uma que tenha presenciado os fatos ou qualquer outra
pessoa que possa contribuir com informações relevantes para as investigações,
conforme Gomes (2011, p. 75), “[...] são ouvidas em termo de depoimento”. O autor
esclarece que há diferença entre “termo de depoimento” e o “termo de
declarações”. Segundo ele,
Só prestam “depoimento” aqueles que tenham obrigação de dizer a verdade. Não estão obrigadas, podendo se eximir de prestar “depoimento”, as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão (médico, advogado, jornalista), devam guardar segredo. Podem, contudo, ser intimadas para comparecimento perante a autoridade policial, e, no momento destinado ao ato cartorário, arguir seu impedimento. O “termo de declarações” é reservado para doentes e deficientes mentais, menores de 14 anos, o ascendente ou descendente, irmãos, genitores, afim em linha reta, cônjuge ou companheira do investigado, pois são dispensados do compromisso de dizer a verdade, seja pelas condições físicas e mentais que detenham ou pelo vínculo familiar. (GOMES, 2011, p. 75 – grifos do autor).
O termo de depoimento, portanto, constitui um documento de fundamental
importância para a apuração de um delito. É através dele que as autoridades
policiais tomarão conhecimento de informações que podem vir a esclarecer
questões, bem como lançar novos direcionamentos para investigação.
No presente trabalho, concentramos nossa análise na parte do termo de
depoimento que possui o depoimento propriamente dito, parte do documento em
63
que a testemunha declara o que sabe e é relevante para o caso. O documento
transcrito na íntegra encontra-se nos anexos deste trabalho.
Na seção seguinte, detalhamos o processo de coleta do Corpus e os
procedimentos de análise.
4.3 COLETA E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Inicialmente tínhamos um corpus composto por um conjunto de nove
inquéritos policiais. Todos eles de natureza de crime de violência contra a mulher.
Esse material foi coletado de uma Delegacia Especializada em Atendimento à
Mulher (DEAM) localizada na zona Sul da cidade de Natal, no estado do Rio Grande
do Norte, RN, e encontrava-se digitalizado e disponível através do banco de
processos do grupo de pesquisa ATD da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Após termos tido o contato com esses nove inquéritos policiais, o
primeiro passo foi realizar uma leitura minuciosa de todos eles. Em seguida,
partimos de alguns critérios para que pudéssemos delimitar com precisão quais
desses textos serviriam de objeto à nossa análise.
Dos nove inquéritos policiais de que dispúnhamos, quatro não continham
termo de depoimento. Dos cinco que continham esse tipo de procedimento, somente
um datava do ano de 2011, o qual tratava de agressão; todos os outros datavam do
ano de 2012 e variavam apenas em relação à natureza da ocorrência que se referia
a uma tentativa de estupro, a uma tentativa de homicídio e a ameaça de morte.
Desses inquéritos do ano de 2012, apenas um que tratava de ameaça continha dois
termos de depoimento.
Optamos por escolher os três termos de depoimento que datavam do ano de
2012 e que estavam relacionados ao crime de ameaça. Assim, uniformizamos o
nosso corpus no que se refere ao ano e à natureza da ocorrência.
Mediante esse processo de delimitação do corpus, chegamos a um total de
três termos de depoimento: dois deles foram retirados do inquérito policial de n°
217/2012, referente à incidência penal contida no artigo 1473, ameaça; o outro termo
de depoimento foi retirado do inquérito policial de n°233/2012 referente à incidência
3 Artigo 147 “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe
mal injusto e grave;” (CP- Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940).
64
penal contida no Artigos. 1294, 147 e 1405 do Código Penal Brasileiro (CPB), os
quais se referem respectivamente à ofensa, ameaça e injúria.
A autuação dos dois primeiros termos de depoimento deu-se no dia 13 de
abril de 2012. Esse inquérito policial é composto por um total de 34 páginas, as
quais correspondem a vários procedimentos como portaria, setor cartório, boletim de
ocorrência, termo de declarações, cópias de documentos de identificação das partes
envolvidas no caso (vítima, acusado, testemunha), termo de depoimento, ofícios,
despacho, auto de qualificação e interrogatório, boletim de vida pregressa, boletim
individual e relatório. Muitos desses procedimentos ocorrem mais de uma vez no
inquérito dependendo da necessidade, por exemplo, como há duas testemunhas,
esse inquérito possui dois termos de depoimento.
A autuação do terceiro termo de depoimento selecionado deu-se no dia 17 de
abril de 2012. A natureza da ocorrência consta de ameaça. Esse inquérito policial é
composto por um total de 36 páginas. Tais páginas referem-se aos procedimentos já
descritos anteriormente. Neste inquérito, diferente do primeiro, só consta um único
termo de depoimento.
Quanto à análise, essa será realizada em quatro etapas:
Etapa 1 : estabelecimento do texto;
Etapa 2: apresentação do Plano de texto;
Etapa 3: Codificação do texto do depoimento da testemunha;
Etapa 4: identificação, descrição e interpretação das macroproposições
narrativas.
No estabelecimento do texto, utilizamos as letras ‘TD’ para nos referirmos a
cada um dos termos de depoimentos. Como o corpus desta pesquisa é composto
por três termos de depoimentos, utilizamos algarismos numéricos de 1 a 3 para
distingui-los. Assim, para o termo de depoimento 1 utilizamos a abreviação TD1,
para o termo de depoimento 2, TD2 e para o termo de depoimento 3, TD3.
Na exposição do plano de texto de cada um dos termos de depoimento,
utilizamos um quadro com uma coluna e linhas. A coluna mostra a divisão do
conteúdo de todo o documento em três blocos; as linhas separam a identificação
das partes do texto e se encontram em destaque.
4 Artigo 129 “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
5 Artigo 140 “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.
65
Quanto à codificação do texto do depoimento da testemunha, fizemos a
transcrição de acordo com a escrita original, ou seja, não realizamos nenhum tipo de
modificação no que se refere a questões gramaticais, por exemplo. Por uma questão
de ética, apenas suprimimos todas as informações de identificação de todas as
partes mencionadas no texto. Ao invés de números ou letras correspondentes a
essas informações utilizamos a letra x. Especificamente em relação aos nomes dos
envolvidos utilizamos apenas a letra inicial em maiúsculo.
Ainda nessa terceira etapa, para uma melhor identificação das sequências
textuais narrativas, utilizamos as letras do alfabeto (em minúsculo) de “a” até “z”
dentro de colchetes e em negrito antes de cada proposição enunciada a fim de
identificá-las, ou seja, [a], [b], [c] e assim por diante até a letra z. Quando o número
de enunciados for maior que 26, ou seja, caso ultrapasse o número de letras do
alfabeto, utilizamos um algarismo numérico depois das letras, nesse caso, temos
[a1], [b1], [c1] e assim sucessivamente.
Como nosso foco de análise é o depoimento propriamente dito da
testemunha, a partir do momento em que esta começa o seu depoimento é que
iniciamos a codificação do texto. Realizamos a codificação precisamente depois da
seguinte indicação presente no documento: “Inquirido (a) pela Autoridade Policial,
passou a RESPONDER QUE:”.
Para a identificação das macroproposições narrativas utilizamos quadros
compostos por duas colunas. Na coluna da direita contém os trechos do depoimento
em análise; na coluna da esquerda a nomeação das macroproposições narrativas
segundo Adam (2011). Esses trechos do depoimento são transcritos precedidos pela
identificação dos enunciados anteriormente exposta, como [a], [b], [c] etc. Para
descrição e interpretação das proposições narrativas utilizamos as seguintes
referências:
Pn0 Entrada prefácio ou Resumo;
Pn1 Situação inicial ou Orientação;
Pn2 Nó ou Desencadeador;
Pn3 Re-ação ou Avaliação;
Pn4 Desenlace ou Resolução;
Pn5 Situação final.
PnΩ Encerramento, Avaliação Final ou Moralidade.
66
Os quadros de análise não consideram as proposições correspondentes à
entrada-prefácio ou resumo Pn0 e ao encerramento ou avaliação final (Moral) PnΩ,
uma vez que essas proposições são comuns a todos os documentos e se encontram
fora dos limites do depoimento propriamente dito da testemunha, o qual, como já
enfatizado anteriormente, constitui nosso foco de nossa análise. Por esses motivos,
as mencionamos apenas na análise do TD1.
Quanto à identificação e descrição de uma narrativa encaixada utilizamos a
referência NE. Para identificar a ordem em que essas narrativas ocorrem em cada
termo de depoimento analisado, utilizamos essa referência seguida por um número,
como por exemplo, NE1, NE2, NE3 e assim sucessivamente.
Ao final da análise das narrativas encaixadas elaboramos um quadro-síntese
dessas narrativas a partir da identificação das principais ações relacionadas aos
acusados. Salientamos que essas ações nem sempre se referem ao mesmo tipo de
proposição, ou seja, existem ações que se referem aos “nós”, outras que se referem
à resolução ou à re-ação, etc.
67
5 ANÁLISE
Neste capítulo, trazemos a análise de três termos de depoimento. Como
descrito no capítulo anterior, a análise de cada texto será realizada em quatro
etapas, as quais são: estabelecimento do texto; apresentação do Plano de texto;
codificação do texto do depoimento da testemunha e identificação, descrição e
interpretação das macroproposições narrativas. Dividimos as seções a seguir de
acordo com a ordem de análise de cada texto.
5.1 TERMO DE DEPOIMENTO 1
5.1.1 Estabelecimento do texto
O termo de depoimento 1, doravante TD1, como explicitado anteriormente, foi
retirado do inquérito policial de n°233/2012 referente à incidência penal de ofensa,
ameaça e injúria contida nos artigos 129, 147 e 140 do CPB. A autuação deu-se no
dia 17 de abril de 2012. Trata-se de um caso em que o ex-companheiro da vítima
não se conforma com o fato de ela estar namorando outra pessoa e, por esse
motivo, faz-lhe ameaças.
5.1.2 Apresentação do plano de texto
Para uma melhor compreensão a respeito do gênero termo de depoimento,
faz-se necessário que visualizemos as partes que o constituem. Para tanto,
elaboramos o seu plano de texto. Como podemos observar a seguir, o termo de
depoimento em análise constitui-se das seguintes partes pré-fixadas: timbre;
identificação do documento e da testemunha; data, os presentes e qualificação da
testemunha; compromisso da testemunha; fórmula discursiva de abertura;
depoimento; fórmula discursiva de fechamento; assinaturas. Observamos também
que o documento como um todo pode ser dividido em três blocos maiores: abertura,
coleta e fechamento.
Segue o plano de texto do TD1:
68
Quadro 2 – Plano de texto do TD1
TIMBRE
SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA
“TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...]:”
DATA; OS PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA
ABERTURA
“Aos 17 (dezessete) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012) [...] onde presente se encontrava a Bela. [...] Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo [...] compareceu a pessoa de [...] brasileiro, solteira, auxiliar de produção (desempregada), natural de [...].”
COMPROMISSO DA TESTEMUNHA
“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”
FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA
“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”
COLETA
DEPOIMENTO
“conhece a vítima [...].”
FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO
FECHAMENTO
“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”
ASSINATURAS
AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.
69
5.1.3 Codificação do depoimento da testemunha
[a] conhece a vítima JGS há cerca de 07 (sete) anos; [b] Que a vítima namorou com
W durante 08 (oito) anos; [c] Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE
chorando [d] e dizendo que estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal
motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a
com força [i] e sacudindo a mesma, [j] Que, na época em que namoravam, [k] a
VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava [m] o mesmo
negava; [n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o]
Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q]
porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo; [s] Que a VÍTIMA
mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada por W com
ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [t] Que W deve
dinheiro a VITIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v] que ela se vire
para pagar; [w] Que a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz
ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W
costuma abordar os amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem
como fala com os amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [b1] Que a
VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa; [d1] Que os pais da VÍTIMA
são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses
fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la; [g1] Que, atualmente, W está
cumprindo pena no regime semi-aberto.
5.1.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas
Neste primeiro momento, focamos na narrativa global que constitui o
depoimento da testemunha. As diversas narrativas menores, que compõem essa
narrativa maior ou global, denominamos narrativas encaixadas e analisamos na
sequência. Antes disso, a partir da visualização do plano de texto, destacamos que
as informações que se encontram no bloco que denominamos “abertura”
corresponde ao que Adam (2011) chama de Entrada-prefácio ou Resumo (Pn0),
uma vez que tem a função de fazer uma espécie de abertura do texto, destacando
uma série de informações que contextualizam a situação que envolve a produção do
depoimento da testemunha, bem como o seu compromisso em dizer a verdade
70
sobre o que sabe. Já as informações que se encontram no bloco referente ao que
denominamos “fechamento” correspondem ao conceito de Encerramento ou
Avaliação final (Moralidade) ou PnΩ por ter a função de formalmente anunciar o fim
do depoimento prestado, bem como assegurar a sua autenticidade através do
anúncio das assinaturas das partes presentes. Esses dois blocos de informações
correspondentes à abertura e ao fechamento do depoimento apresentam-se em
todos os termos de depoimento analisados, desempenhando sempre a mesma
função.
5.1.4.1 Narrativa global
Quadro 3 – Macroproposições da narrativa global
Proposições narrativas
Ocorrência no Termo de depoimento
Situação inicial (Orientação) (Pn1)
[b] Que a vítima namorou com W durante 08 (oito) anos; [c] Que, certa vez, VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando [d] e dizendo que estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo a mesma, [j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava, [m] o mesmo negava; [n] Que, inclusive após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;
Nó (Desencadeador) (Pn2)
[s] Que a VÍTIMA mostrou a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [t] Que W deve dinheiro a VITIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v] que ela se vire para pagar; [w] Que a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai ser pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA, para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele ficarem ligando para a VÍTIMA;
Re-ação ou Avaliação (Pn3)
[b1] Que a VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa; [d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;
71
Desenlace (Resolução)
(Pn4)
[Por inferência] a vítima ter prestado queixa contra as ameaças sofridas.
Situação final (Pn5)
[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.
A partir do que Adam (2011) propõe, identificamos como a situação inicial, a
Pn1, a parte do depoimento em que a depoente fala a respeito do tempo em que
conhece a vítima, bem como fala um pouco do que sabe a respeito do
relacionamento da vítima com o acusado. Identificamos essa parte do depoimento
como correspondente a Pn1 por ser uma parte do texto que situa o leitor no que se
refere às pessoas e ao seu estado comportamental dentro do fato que está sendo
narrado. Assim, a depoente cita fatos relacionados à vítima e ao acusado, dos quais
tomou conhecimento a partir da própria vítima, como o caso em que a vítima
encontrava-se na praia e teria sido agredida fisicamente pelo então namorado W,
como também o fato de a vítima desconfiar do envolvimento de W com a venda de
drogas e o fato de a vítima visitar W na cadeia por pena, pois já não gostava mais
dele. Todos esses fatos expostos pela depoente situam o leitor e faz com que os
envolvidos, vítima e acusado, sejam vistos a partir da perspectiva de suas ações.
A Pn2, ou o nó desencadeador, corresponde à parte em que a depoente cita
as várias ameaças sofridas. Nesse momento, fica claro o estado de transformação
das coisas, ou seja, o momento em que o conflito começa a ser instaurado. É o
momento em que a vítima começa a receber ameaças de W, o qual não se
conforma por ela estar namorando outra pessoa. Assim, temos a Pn2 que inicia o
processo propriamente dito da narrativa, no qual se dá a trama. Essa fase é
responsável pela causalidade narrativa de uma colocação em intriga, por meio da
“quebra” de uma situação inicial equilibrada, criando uma tensão. Sua ocorrência é
indispensável para a instauração do conflito.
Tínhamos na situação inicial um estado de equilíbrio em que não havia
nenhum conflito, apenas fatos relacionados ao relacionamento da vítima com o
indiciado. Porém, é a partir do momento em que surgem as ameaças por parte de W
contra a vítima que se instaura o conflito e, consequentemente, essa situação inicial
muda. Esse conflito é evidenciado pelo fato de o motivo da queixa por parte da
vítima ser justamente as ameaças sofridas.
72
Em decorrência do conflito instaurado, temos a fase de Re-ação ou avaliação,
Pn3, a qual identificamos como correspondente ao momento em que a vítima
apresenta uma reação, um novo comportamento resultante desse conflito. Aqui,
observamos a perspectiva dos envolvidos na narrativa, ou seja, de quem age, de
quem sofre ou de quem comenta a ação vivida. Constatamos a perspectiva de quem
sofre a ação, a mudança de comportamento da vítima que passa a conviver com o
sentimento de medo e que, por isso, não sai mais de casa, como também a
mudança de comportamento de seus pais, pessoas idosas, tendo seu pai passado
mal por causa do ocorrido. Assim, Ficam claras as implicações do conflito instaurado
na vida desses envolvidos.
A Pn4 ou desenlace, por inferência, entendemos que corresponde à queixa
prestada pela vítima contra as ameaças sofridas. É importante destacarmos,
contudo, que essa resolução apresenta uma especificidade no sentido de que a
partir dela serão gerados diversos procedimentos de caráter investigatório com o
objetivo de apurar o conteúdo da queixa prestada. Como realizamos esta análise
com base no depoimento da testemunha, não temos condições de tratar daquilo que
poderá ocorrer mediante o processo investigatório. Por isso, ressaltamos que o que
propomos como resolução para essa narrativa circunscreve-se aos limites do
depoimento.
A situação final, Pn5, parte do texto que marca o final propriamente dito da
narrativa, corresponde ao momento em que a situação de equilíbrio é instaurada, ou
seja, explicita como se encontra a situação até aquele determinado momento. “Que,
atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto” é a proposição que
corresponde a Pn5 dessa narrativa. É importante salientar que a Pn5 não
corresponde necessariamente a algo positivo, apenas a resolução encontrada para
a tensão naquele momento.
5.1.4.2 Narrativa encaixada 1
[a] conhece a vítima JGS há cerca de 07 (sete) anos; [b] Que a vítima namorou com
W durante 08 (oito) anos; [j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA
desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava [m] o mesmo negava;
[n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o] Que a
73
VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque
sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;
Quadro 4 – Macroproposições da narrativa encaixada 1
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE1
Pn1
[b] Que a vítima namorou com W durante 08 (oito) anos
Pn2
[j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas
Pn3
[l] mas quando perguntava [m] o mesmo negava;
Pn4
[n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas;
Pn5
[o] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;
Como podemos observar nessa narrativa encaixada, as proposições não
seguem uma ordem, visto que temos a Pn1 correspondente à proposição [b],
seguida das proposições Pn2 - [j] e [k], Pn3 - [l] e [m], Pn4 - [n] e Pn5 - [o], [p], [q]
e [r]. As outras proposições constituem a segunda narrativa encaixada que trata de
uma agressão sofrida pela vítima na praia, da qual tratamos mais adiante.
É importante observarmos em relação ao depoimento da testemunha que
essa conta o que sabe sobre o fato que está sendo investigado a partir de perguntas
que lhes são feitas pela autoridade policial, a Delegada de Polícia, e que essas
respostas dadas são simultaneamente digitadas pela escrivã, conforme vemos no
seguinte trecho final do documento: “E nada mais disse, deu-se por findo o presente
termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado pela
autoridade, pela testemunha, e por mim _______, Escrivã de Polícia, que o digitei.”.
74
Nesse trecho, ficam evidenciadas as partes envolvidas no momento em que a
testemunha faz suas declarações.
Esse aspecto é significativo porque traz consigo uma implicação bastante
relevante para o texto, o uso constante do conectivo “Que”. Antes de a vítima iniciar
seu depoimento propriamente dito, tem-se a seguinte indicação: “Inquirido (a) pela
Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:” Isso nos autoriza a entender que
todos os conectivos “Que” que aparecem com inicial maiúscula e que inicia uma
proposição indica uma resposta da testemunha a algo que lhe foi perguntado.
Constatamos também que há uma elipse do verbo “responder”, o qual aparece como
já explicitado, antes do início do depoimento em “Inquirido (a) pela Autoridade
Policial, passou a RESPONDER QUE:”. Dessa forma, o uso do “Que” utilizado
sozinho reiteradas vezes ao longo do texto faz referência a “respondeu que”.
Nessa NE a depoente inicia a narrativa (Pn1) através de informações sobre o
que sabe a respeito do relacionamento da vítima com W e sobre o tempo de
duração do relacionamento entre eles, “[...] namorou com W durante 08 (oito) anos”.
A partir dessas informações, tem-se também a explicitação das partes envolvidas, a
vítima e W, como também o tipo de relação que eles tinham (namoro).
A informação de que a vítima desconfiava que W vendia drogas corresponde
ao conflito instaurado (Pn2). Ou seja, nesse momento há uma mudança em relação
ao estado inicial das coisas, no qual não constava nenhuma perturbação. Assim, a
desconfiança por parte da vítima de que W vendia drogas desencadeia outras
ações.
Em reação (Pn3) a desconfiança de que W vendia drogas, a vítima resolve
então perguntá-lo sobre isso, ao que W passa a negar. Há aqui claramente uma
reação de ambas as partes envolvidas em relação ao conflito instaurado, a saber, a
vítima que passa a questionar seu então namorado sobre o fato de que desconfiava,
e o namorado que responde com uma negativa.
Destacamos o fato de que, embora os verbos “namoravam”, “desconfiava”,
“vendia”, “perguntava” e “negava” presentes nessas proposições estejam no
pretérito imperfeito e denotem, em um primeiro momento, uma descrição, nessa NE1
eles constituem ações importantes que compõem uma narrativa com um alto grau
de narrativização, ou seja, com todos os seus momentos bem definidos.
Na sequência, ocorre outro fato que corresponde agora à resolução do
conflito (Pn4), o qual diz respeito à prisão de W por tráfico de drogas. Ao utilizar-se
75
do termo “inclusive” na proposição “[m] Que, inclusive, após algum tempo, W foi
preso por tráfico de drogas;” a depoente dá destaque ao fato de a suspeita da vítima
em relação ao envolvimento de W com drogas ter se confirmado, uma vez que ele
chegou a ser preso por tal motivo.
As macroproposições “[n] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [o] mas dizia a
DEPOENTE que só ia [p] porque sentia pena dele, [q] pois não gostava mais do
mesmo;” marcam a situação final (Pn5) dessa narrativa ao trazer um fechamento
para o tópico que estava sendo tratado pela depoente.
Assim, podemos reduzir o tópico tratado pela depoente nessa narrativa da
seguinte forma: namoro da vítima com W; suspeita do envolvimento de W com
drogas por parte da vítima; prisão de W por tráfico de drogas; e término do
sentimento da vítima por W.
5.1.4.3 Narrativa encaixada 2
[c] Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando [d] e dizendo que
estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal motivo, W brigou [g] e
agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo
a mesma,
Quadro 5 – Macroproposições da narrativa encaixada 2
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE2
Pn1
[d] [...] a VÍTIMA [...] estava na praia,
Pn2
[e] um amigo falou com ela
Pn3
[f] e, por tal motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo a mesma,
Pn4
Pn5
[c] [...] a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando
76
Nessa NE2, podemos observar que a depoente trata especificamente de uma
agressão sofrida pela vítima por W. A situação inicial (Pn1) é expressa pela
exposição do local em que a vítima se encontrava, a praia. A indicação do local
serve como principal fator de contextualização dos fatos que virão a seguir.
A proposição “[e] um amigo falou com ela”, constitui o elemento instaurador
do conflito (Pn2). Isso porque na macroproposição seguinte temos uma clara reação
(Pn3) a esse acontecimento quando a depoente diz “[f] e, por tal motivo, W brigou
[g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e
sacudindo a mesma”, ou seja, o fato de um amigo da vítima ter falado com ela foi o
que gerou as ações de brigar, agredir, segurar e sacudir praticadas por W e dirigidas
à vítima. É importante observar a utilização da expressão “e, por tal motivo” presente
na proposição [f] que estabelece de forma clara a relação de causa e consequência
entre as ações aqui descritas.
Nessa NE não é apresentada pela depoente a resolução obtida diante de tal
conflito. Desse modo, constatamos apenas a explicitação de como essa situação
termina até aquele momento relativo ao acontecimento. O modo como essa situação
é encerrada (Pn5) encontra-se na proposição “[c] [...] a VÍTIMA ligou para a
DEPOENTE chorando”.
Em relação à ordem em que as proposições aparecem distribuídas no quadro
anterior, podemos observar que não é seguida uma sequência em relação à fala da
depoente, e isso se dá pelo fato de considerarmos os blocos de acontecimentos
apresentados. Ou seja, apesar de a depoente iniciar o seu relato com o fato de a
vítima ter ligado para ela chorando, observamos que esse constitui o último
momento dessa NE. Assim, após a compreensão como um todo da situação
contada é que ordenamos as proposições.
5.1.4.4 Narrativa encaixada 3
[s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada
por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [w] Que
a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se
eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W costuma abordar os
amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os
77
amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [b1] Que a VÍTIMA está com muito
medo [c1] e não sai de casa;
Quadro 6 – Macroproposições da narrativa encaixada 3
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE3
Pn1
[w] Que a VÍTIMA está namorando
Pn2
[x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!
Pn3
[z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz [que foi] enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!
Pn4
[Por inferência] A vítima presta queixa contra as ameaças sofridas.
Pn5
[b1] Que a VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa
Essa NE diz respeito especificamente ao fato de a vítima estar namorando e
W não aceitar. Assim, a proposição “[w] Que a VÍTIMA está namorando”
corresponde à situação inicial (Pn1) dessa narrativa, ao estado de equilíbrio até
então observado.
A partir da macroproposição “[x] e W não se conforma, [y] faz ameaças
dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”, a depoente utiliza-
se do discurso direto como forma de conferir maior veracidade às suas declarações,
ou seja, nesse momento ela dá voz ao próprio acusado. Com isso, surge um conflito
(Pn2) evidenciado pelo fato de W não se conformar com essa situação em que a
vítima se relaciona com outra pessoa e, consequentemente, começar a fazer
ameaças a vítima.
É importante ressaltar que essa situação possui um diferencial em relação as
demais, uma vez que a queixa prestada pela vítima é justamente em função das
78
ameaças feitas por W. Assim, nesse momento, a depoente passa a expor um
conteúdo de suma importância para o caso.
A macroproposição “[z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA para
saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele para ficarem
ligando para a VÍTIMA; [s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens
de texto e de voz [que foi] enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai
me pagar! Você me traiu!” corresponde às reações (Pn3) por parte de W frente ao
conflito instaurado. Mais uma vez, há a presença do discurso direto que dá voz ao
acusado e, assim, um caráter de maior veracidade àquilo que se está declarando.
Por inferência, o desenlace (Pn4) corresponde à queixa prestada pela vítima
contra as ameaças sofridas.
A situação final (Pn5) se expressa através das proposições “[b1] Que a
VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa;”. É precisamente nessas
proposições que a depoente encerra a narrativa dessa situação referente às
ameaças que W fez a vítima.
5.1.4.5 Narrativa encaixada 4
[t] Que W deve dinheiro a VÍTIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v]
que ela se vire para pagar;
Quadro 7 – Macroproposições da narrativa encaixada 4
Proposições Narrativas
Ocorrência na NE4
Pn1
[Por inferência] W, por algum motivo, precisou de dinheiro e tomou emprestado com a VÍTIMA que, por sua vez, recorreu a terceiros para obtê-lo, contraindo, assim, uma dívida.
Pn2
[t] Que W deve dinheiro a VITIMA
Pn3
[Por inferência] Provavelmente, W foi cobrado pela VÍTIMA que, por sua vez, pode já ter sido cobrado por quem lhe emprestou uma determinada quantia.
79
Pn4
[u] contudo [W] diz a mesma que não vai pagar
Pn5
[v] que ela se vire para pagar;
Nessa NE a depoente se refere à situação de uma dívida que W tem com a
vítima e que se recusa a pagar. A depoente começa pela seguinte proposição “[t]
Que W deve dinheiro a VÍTIMA”, a qual corresponde ao conflito instaurado (Pn2), o
que irá motivar as ações seguintes. Com base nessa mesma proposição, inferimos
que a situação inicial (Pn1) corresponde ao fato de que W, por algum motivo, ter
tomado dinheiro emprestado com a VÍTIMA que, por sua vez, recorreu a terceiros
para obtê-lo, contraindo, assim, uma dívida.
A partir da situação final expressa pela proposição “[v] que ela se vire para
pagar;” inferimos a reação (Pn3), nesse caso de W, que provavelmente foi cobrado
pela VÍTIMA, a qual pode já ter sido cobrada por quem lhe emprestara uma
determinada quantia. Essa inferência resulta do sentido expresso em “que ela se
vire para pagar” que indica que não se trata apenas de não receber o dinheiro
devido por W, mas o fato de estar devendo a terceiros.
Por último, como fechamento a essa situação (Pn5), temos a proposição “[v]
que ela se vire para pagar;”. Ou seja, a depoente deixa claro o fato de W se recusar
a pagar o que deve a vítima.
5.1.4.6 Narrativa encaixada 5
[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA
passou mal por causa desses fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;
[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.
Quadro 8 – Macroproposições da narrativa encaixada 5
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE5
Pn1
[Por inferência] W cumpre pena no regime semiaberto
80
Pn2
[f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;
Pn3
[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos
Pn4
[Por inferência] A queixa prestada pela vítima
Pn5
[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.
Por inferência, entendemos que a situação inicial (Pn1) dessa narrativa é o
fato de W estar cumprindo pena em regime semiaberto, o que tornou possível,
nesse caso, o fato de ele ter ido à casa de sua ex-namorada, a vítima, para procurá-
la, dando assim origem ao nó (Pn2). Esse fato traz consigo a consequência ou
reação (Pn3) de o pai da vítima ter passado mal, como expresso na proposição “[e1]
e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos”.
Destacamos aqui a importância do aspecto descritivo presente nessa
macroproposição em relação ao estado dos pais da vítima, ou seja, a depoente traz,
não por acaso, a informação de “[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas”,
com o objetivo de destacar o caráter de fragilidade das pessoas que estão sendo
afetadas pelas atitudes do acusado.
Em relação a esse aspecto descritivo, Adam (1992) prevê que a narrativa não
é composta apenas de acontecimentos, mas também de descrições, que a exemplo
da mencionada acima, têm uma função pragmática de esclarecer algo ou de até
mesmo tentar convencer o outro de um determinado ponto de vista. Portanto, trata-
se de um aspecto que contribui para a construção da orientação argumentativa do
texto.
O desenlace (Pn4) mediante os outros acontecimentos, inferimos ser a queixa
prestada pela vítima, a qual originou o depoimento onde estão sendo relatadas as
ameaças sofridas.
Linguisticamente, a situação final (Pn5) não apresenta uma oposição à
situação inicial (Pn1), pelo contrário, apenas reitera o fato de que “[g1] Que,
atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.” Porém, considerando
as demais ocorrências narradas nessa NE, observamos que há sim um estado de
mudanças de coisas, visto que W passou de condenado por tráfico de drogas a
81
investigado pelo crime de ameaça, como é o caso desse inquérito ao qual ele
responde.
5.1.4.7 Síntese das principais ações de W
Quadro 9 - Síntese das ações de W nas narrativas encaixadas
Narrativas
Encaixadas
Principais ações relacionadas a W
NE1
“foi preso por tráfico de drogas”
NE2
“brigou e agrediu fisicamente [a vítima] em cima das pedras”
NE3
“costuma abordar os amigos da vítima para saber informações da mesma”
NE4
“deve dinheiro a vítima”
NE5
“Já foi à casa da vítima procurá-la”
Todas essas ações acima citadas visam não só explicar, mas, sobretudo,
colaborar para a aceitação como verdade daquilo que se está declarando no
depoimento. Por isso, observamos que a narrativa como um todo funciona como um
mecanismo de organização textual que conduz à orientação argumentativa do texto
e que as narrativas encaixadas auxiliam esse processo. Assim, as narrativas
encaixadas analisadas anteriormente desempenham um importante papel nessa
narrativa global, uma vez que funcionam como elementos explicativos, que ratificam
o conteúdo que está sendo apresentado na narrativa maior, global.
Dessa forma, observamos que não basta apenas citar as ameaças em si que
a vítima sofria por parte de W e das quais a depoente tinha conhecimento através da
própria vítima, mas importa também citar outros fatos que colaborem para reforçar o
contexto em que se davam essas ameaças e construir, assim, uma determinada
imagem do acusado.
82
5.2 TERMO DE DEPOIMENTO 2
5.2.1 Estabelecimento do texto
O termo de depoimento 2, doravante TD2, foi retirado do inquérito policial de
n° 217/2012. Esse termo de depoimento refere-se à queixa de ameaça de morte. A
não aceitação do fim do relacionamento por parte do ex-companheiro teria gerado
as ameaças contra a vítima. Logo depois da apresentação do plano de texto, temos
o depoimento codificado prestado pela cunhada da vítima.
5.2.2 Apresentação do plano de texto
Quadro 10 – Plano de texto do TD2
TIMBRE
SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA
“TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...].”
DATA; PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA
ABERTURA
“Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. [...], Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de [...], brasileira, solteira, do lar, natural de [...].”
COMPROMISSO DA TESTEMUNHA
“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”
FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA
83
“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”
DEPOIMENTO
COLETA
“é cunhada da VÍTIMA [...].”
FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO
FECHAMENTO
“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”
ASSINATURAS
AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.
5.2.3 Codificação do depoimento da testemunha
[a] é cunhada da VÍTIMA PFTS; [b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [c]
pois o mesmo é usuário de drogas [d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a
mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [g] Que a VÍTIMA
demorou para se separar de T [h] porque tinha muito medo das ameaças que ele
fazia; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [k] e,
inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m]
sem poder sair [n] por causa das ameaças dele; [o] Que T jogou um tijolo no irmão
da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela
vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho
crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas; [t] Que o marido
da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser
ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w]
ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia,
[y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas; [a1] Que T
costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque ninguém
permitia que o mesmo entrasse em casa, [d1] porém, nesta semana, ele veio
extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo; [f1] Que a DEPOENTE
informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para
escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.
84
5.2.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas
Antes de procedermos à descrição e interpretação das macroproposições
narrativas, identificamos as macroproposições narrativas correspondentes à
narrativa global, as quais em seguida são descritas e interpretadas. Na sequência,
repetimos as mesmas etapas em relação às narrativas encaixadas.
5.2.4.1 Narrativa global
Quadro 11 – Macroproposições da narrativa global
Proposições
narrativas
Ocorrência no Termo de depoimento
Situação inicial
(Orientação) (Pn1)
[Por inferência] momento em que a vítima vivia em uma união estável com o acusado, embora já sofresse ameaças. [c] pois o mesmo é usuário de drogas
Nó (Desencadeador)
(Pn2)
[Por inferência] A vítima não querer mais conviver maritalmente com o acusado.
Re-ação ou Avaliação (Pn3)
[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [o] Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas; [t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas; [d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo;
Desenlace
(Resolução) (Pn4)
[Por inferência] A queixa prestada pela vítima contra as ameaças sofridas.
Situação final (Pn5)
[b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [f1] Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.
85
Nesse TD2 entendemos como a situação inicial (Pn1), por inferência, o
momento em que a vítima vivia uma relação estável com o acusado, embora já
sofresse ameaças por parte dele. Tal inferência origina-se das seguintes
proposições “[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h] porque tinha muito
medo das ameaças que ele fazia;”. Corresponde também à situação inicial a
proposição “[c] pois o mesmo é usuário de drogas”, a qual traz um conteúdo
descritivo importante para a caracterização do acusado. Em relação a esse aspecto
descritivo presente na situação inicial, ressaltamos mais uma vez o caráter
pragmático da proposta de Adam (1992) no que se refere à sequência narrativa. Isso
porque o autor observa que a estrutura canônica da narrativa não é homogênea e,
consequentemente, não é composta apenas por acontecimentos. Ou seja, algumas
proposições destinadas a descrever lugares e personagens (Situação inicial), por
exemplo, podem ser inseridas na narrativa em função de necessidades pragmáticas
como o objetivo de favorecer a compreensão do outro ou de convencê-lo de
determinado ponto de vista.
Nesse caso, observamos que a informação de que o acusado é usuário de
drogas traz implicações importantes para a construção de sua imagem perante a
justiça. Posto isso, podemos dizer que até então havia uma situação de equilíbrio,
não em si mesma, mas em relação ao nó desencadeador do conflito em foco na
narrativa.
O que vem instaurar o nó desencadeador do conflito (Pn2) sob a perspectiva
dessa situação inicial é a atitude da vítima de não querer mais conviver maritalmente
com o acusado. Essa inferência que fazemos decorre das seguintes proposições
que denotam a Pn3, as reações diante disso, as quais são: “[d] e costuma ameaçá-
la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de
rodas; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [o] Que T
jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a
VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T
afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para
vender drogas; [t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto
estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a
casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA
voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de
rodas; [d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e
86
ameaçando todo mundo;”. Todas Essas proposições expressam uma série de ações
realizadas pelo acusado como reação a atitude da vítima.
Assim, por não se conformar com a separação, o acusado começa a fazer
ameaças não só à vítima, mas também aos seus familiares, como nas proposições
“[v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo”. Além
disso, de acordo com a depoente, o acusado também agride os familiares da vítima,
como expresso na proposição “[o] Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta
semana;”.
Inferimos que o desenlace ou resolução (Pn4) corresponde à queixa prestada
pela vítima contra as ameaças sofridas.
A situação final, Pn5, corresponde ao estado de medo em que a vítima e seus
familiares se encontram em decorrência das ameaças de T, o que fica bem
demarcado nas proposições “[b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [f1] Que
a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não
estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T”.
A essa narrativa maior, global, são associadas outras narrativas menores, as
narrativas encaixadas. Essas narrativas encaixadas vêm auxiliar no processo de
construção daquilo que a depoente objetiva passar com o seu depoimento,
contribuindo, assim, para a construção da orientação argumentativa do texto.
Nessa narrativa global observamos a presença de quatro narrativas
encaixadas, as quais são analisadas de acordo com a ordem em que aparecem.
5.2.4.2 Narrativa encaixada 1
[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai
deixá-la numa cadeira de rodas; [g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h]
porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia; [p] Que T, também, ameaça a
VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T
afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para
vender drogas;
87
Quadro 12 – Macroproposições da narrativa encaixada 1
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE1
Pn1
[Por inferência] a vítima vivia maritalmente com o acusado.
Pn2
[Por inferência] a vítima queria separar-se do acusado.
Pn3
[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas;
Pn4
[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h] porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia
Pn5
[Por inferência] a vítima separou-se do acusado.
Nessa NE1, por inferência, identificamos a situação inicial (Pn1) como o
período em que a vítima vivia maritalmente com o acusado. Por inferência também
identificamos o nó (Pn2) como o fato de a vítima querer separar-se do marido. Essas
inferências partem do conteúdo posto na reação (Pn3) que corresponde a uma série
de ameaças realizadas pelo acusado, as quais se referem claramente a não
aceitação da separação dessa separação. Observamos isso em “[d] e costuma
ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa
cadeira de rodas;”.
A resolução (Pn4) para esse conflito instaurado é o fato de a vítima ter
demorado a se separar do acusado em função do medo de suas ameaças, o que é
expresso pela depoente em “[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h]
porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia”.
Por inferência da proposição ‘g’ presente na Pn4, inferimos que a situação
final, Pn5, é a vítima estar separada do acusado.
88
5.2.4.3 Narrativa encaixada 2
[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [k] e, inclusive,
nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder
sair [n] por causa das ameaças dele;
Quadro 13 – Macroproposições da narrativa encaixada 2
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE2
Pn1
[Por inferência] A vítima e seus familiares viviam sem a sensação de medo
Pn2
[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [por inferência] T também realiza ameaças.
Pn3
[k] e, inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder sair [n] por causa das ameaças dele;
Pn4
[Por inferência] A queixa prestada contra as ameaças sofridas
Pn5
[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo
Nessa NE2, por inferência, identificamos como situação inicial (Pn1) o
momento em que a vítima e seus familiares viviam sem a sensação de medo, ou
mais especificamente, sem a sensação de medo decorrente das ameaças de T. O
nó desencadeador do conflito (Pn2) está expresso no texto através das proposições
“[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando” e, por inferência,
além de ir para frente da casa da vítima e ficar bagunçando também faz ameaças a
ela e a seus familiares. Isso fica bem claro na reação (Pn3) presente no texto a partir
das seguintes proposições: “[k] e, inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados
dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder sair [n] por causa das ameaças dele;”.
A resolução (Pn4), por inferência, identificamos como a queixa prestada pela vítima
89
contra as ameaças realizadas por T. A situação final (Pn5) corresponde ao estado
de medo em que se encontram a vítima e seus familiares após as ameaças sofridas.
5.2.4.4 Narrativa encaixada 3
[t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava
aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da
VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da
delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas;
Quadro 14 – Macroproposições da narrativa encaixada 3
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE3
Pn1
[Por inferência] A depoente foi à delegacia para prestar depoimento.
Pn2
[v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas;
Pn3
[t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia
Pn4
[Por inferência] O fato constitui mais uma ameaça realizada pelo Acusado e foi acrescentado ao depoimento da testemunha.
Pn5
[Por inferência] A vítima e seus familiares temem as ameaças feitas por T.
Nessa NE3, inferimos a situação inicial (Pn1), a reação (Pn3), o desenlace
(Pn4), e a situação final (Pn5), através do conteúdo expresso no nó desencadeador
do conflito (Pn2). Assim, essa narrativa começa com a ida da depoente até à
delegacia para prestar depoimento contra as ameaças feitas por T. O conflito é
instaurado com o fato de T está naquele momento em frente a casa da vítima
fazendo novas ameaças. A reação a esse fato é a ligação que o marido da
90
depoente faz para ela comunicando o que estava acontecendo. A resolução é o fato
de essas novas ameaças serem acrescentadas ao depoimento da testemunha. A
situação final corresponde ao estado de medo da vítima e de seus familiares diante
das ameaças sofridas.
5.2.4.5 Narrativa encaixada 4
[a1] Que T costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque
ninguém permitia que o mesmo entrasse em casa, [d1] porém, nesta semana, ele
veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo; [f1] Que a
DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão
indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.
Quadro 15 – Macroproposições da narrativa encaixada 4
Proposições
narrativas
Ocorrência na NE4
Pn1
[a1] Que T costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque ninguém permitia que o mesmo entrasse em casa
Pn2
[d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo
Pn3
[f1] Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.
Pn4
[Por inferência] A queixa prestada contra as ameaças realizadas por T.
Pn5
[Por inferência] A vítima e seus familiares temem as ameaças feitas por T.
Nessa NE4, a situação inicial, Pn1, é composta por proposições que trazem
um conteúdo descritivo através de verbos no pretérito imperfeito como “costumava”
e “permitia”. Isso porque esses verbos expressam ações que ocorriam com
91
frequência, ou seja, faziam parte da rotina do acusado as ações de “pedir comida” e
“dormir na calçada”, por não possuir permissão para entrar em casa. O que vem
perturbar esse estado inicial, que até então já constituía uma rotina na vida do
acusado, bem como dos familiares da vítima e que passa a constituir a Pn2, foi a
atitude agressiva de T e suas ameaças para com todos os familiares, como
expresso nas proposições “[d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente
agressivo [e1] e ameaçando todo mundo”. Diante disso, a reação (Pn3) constitui o
fato de os filhos da depoente não irem para escola por estarem com medo das
ameaças sofridas, como expresso em “[f1] Que a DEPOENTE informa que seus
dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com
medo [h1] por causa das ameaças de T”. A resolução (Pn4) encontrada para o
conflito instaurado, por inferência, é a queixa prestada contra essas ameaças
sofridas. E, por último, a situação final (Pn5), também por inferência, é o estado de
medo em que a vítima e seus familiares se encontram em decorrência das ameaças
feitas por T.
5.2.4.6 Síntese das principais ações de T
Quadro 16 - Síntese das ações de T nas narrativas encaixadas
Narrativas
Encaixadas
Principais ações relacionadas a T
NE1
“costuma ameaçá-la”
NE2
“vai para a frente da casa da vítima, fica bagunçando”
NE3
“estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo”
NE4
“veio extremamente agressivo e ameaçando todo mundo”
92
5.3 TERMO DE DEPOIMENTO 3
5.3.1 Estabelecimento do texto
O termo de depoimento 3, doravante TD3, foi retirado do mesmo inquérito
policial de onde fora retirado o TD2, 217/2012. Por esse motivo, também se refere à
mesma queixa de ameaça de morte. O que os diferencia é que no TD2 o
depoimento é prestado pela cunhada da vítima e neste o depoimento é prestado por
uma pessoa que conhece a vítima desde criança.
5.3.2 Apresentação do plano de texto
Quadro 17 – Plano de texto do TD3
TIMBRE
SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA
TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...]
DATA; OS PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA
ABERTURA
“Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012) [...] onde presente se encontrava a Bela [...] Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de [...] brasileira, viúva, aposentada, natural [...].”
COMPROMISSO DA TESTEMUNHA
“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”
93
FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA
“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”
DEPOIMENTO
COLETA
“Conhece a Vítima [...].”
FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO
FECHAMENTO
“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”
ASSINATURAS
AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.
5.3.3 Codificação do depoimento da testemunha
[a] conhece a VÍTIMA PFTS desde que a mesma (vítima) era criança; [b] Que, no
dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE estava em casa [c] quando T chegou [d] e
perguntou: [e] “Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela ou
deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar todo
mundo!”; [k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo [m] e as
crianças não estão indo para escola [n] com medo [o] porque T passou a semana
ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; [p] Que, inclusive, T jogou uma
pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava aguardando na
recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou
[s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo;
[u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu; [w] Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa
idosa e doente,[x] está assustado, [y] com medo [z] e fica todo se tremendo diante
dos fatos; [a1] Que T é uma “pessoa errada”, [b1] é usuário de drogas [c1] e já
assaltou uma mercearia do bairro.
94
5.3.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas
Primeiro, procedemos à identificação, descrição e interpretação das
macroproposições narrativas da narrativa global. Em seguida, realizamos as
mesmas etapas de análise em relação à narrativa encaixada identificada.
5.3.4.1 Narrativa global.
Quadro 18 – Macroproposições da narrativa global
Proposições narrativas
Ocorrência no Termo de depoimento
Situação inicial
(Orientação) (Pn1)
[a1] Que T é uma “pessoa errada”, [b1] é usuário de drogas [c1] e já assaltou uma mercearia do bairro.
Nó (Desencadeador) (Pn2)
[b] Que, no dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE estava em casa [c] quando T chegou [d] e perguntou: [e] “Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela ou deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar todo mundo!”; [p] Que, inclusive, T jogou uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou [s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo; [u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu
Re-ação ou Avaliação (Pn3)
[k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo [m] e as crianças não estão indo para escola [n] com medo [o] porque T passou a semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; [w] Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa idosa e doente [x] está assustado, [y] com medo [z] e fica todo se tremendo diante dos fatos;
Desenlace (Resolução)
(Pn4)
[Por inferência] A queixa de ameaça prestada pela vítima contra as ameaças feitas por T.
Situação final (Pn5)
[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo das ameaças realizadas por T.
95
Nessa narrativa global correspondente ao TD3, observamos que a situação
inicial (Pn1) é composta por duas proposições que descrevem o acusado: “[a1] Que
T é uma ‘pessoa errada’, [b1] é usuário de drogas”. Essas proposições são seguidas
de uma proposição que traz a ocorrência de um fato intimamente relacionado à
descrição realizada “[c1] e já assaltou uma mercearia do bairro”. Essas descrições e
esse fato têm uma função contextualizadora para a narrativa que se desenvolve em
seguida. Como enfatizado em análises anteriores, esses recursos têm uma função
pragmática, como por exemplo, de construir uma imagem a respeito de quem se
fala. Nesse caso, do acusado.
Na sequência, o nó desencadeador do conflito (Pn2) corresponde uma série
de ações realizadas por T, como expressas nas proposições “[c] quando T chegou
[d] e perguntou: [e] 1Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela
ou deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar
todo mundo!’. No caso dessas proposições, a depoente dá voz ao acusado ao
utilizar-se do discurso direto. Esse recurso tem a função de conferir o máximo de
veracidade ao que se está relatando. Nas proposições “[p] Que, inclusive, T jogou
uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava
aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão
da VÍTIMA ligou [s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t]
ameaçando todo mundo; [u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu;”, observamos que
o acusado não só ameaça a vítima, como também seus familiares, chegando até a
agredir o irmão dela, como dito em “[p] Que, inclusive, T jogou uma pedra no irmão
da VÍTIMA nesta semana”. Assim, todas essas proposições marcam o conflito
instaurado na narrativa, as quais poderiam se resumir em ameaças e agressão por
parte do acusado.
Em decorrência desse conflito instaurado, surgem as seguintes reações por
parte dos envolvidos: “[k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo,
[m] e as crianças não estão indo para escola, [n] com medo, [o] porque T passou a
semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma”, “[w] Que o pai da VÍTIMA
é uma pessoa idosa e doente, [x] está assustado, [y] com medo, [z] e fica todo se
tremendo diante dos fatos”.
O desenlace (Pn4) foi identificado por meio de inferência, tratar-se da queixa
prestada pela vítima contra as ameaças realizadas por T; e a situação final (Pn5) o
96
fato de a vítima e seus familiares estarem com medo por causa das ameaças
sofridas.
Por fim, essa narrativa ocorre em torno das ameaças sofridas pela vítima e
por seus familiares. Diferente dos outros dois termos de depoimentos analisados,
essa narrativa global só apresenta uma única narrativa encaixada, a qual é descrita
abaixo.
5.3.4.2 Narrativa encaixada
Quadro 19 – Macroproposições da narrativa encaixada
Proposições Narrativas
Ocorrência na NE1
Pn1
[q] Que, enquanto estava aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou
Pn2
[s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo
Pn3
[u] Que a PM foi chamada
Pn4
[v] e T fugiu;
Pn5
[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo das ameaças realizadas por T.
Essa única narrativa encaixada presente na narrativa global do TD3 tem como
situação inicial (Pn1) o momento em que a depoente encontrava-se na delegacia e
recebeu uma ligação do irmão da vítima. O conflito (Pn2) instaura-se quando a
depoente tem conhecimento de que naquele momento T estava em frente à casa da
vítima ameaçando todo mundo. A reação (Pn3) a esse conflito expressa-se em “[u]
Que a PM foi chamada”, e logo em seguida surge o desenlace (Pn4) “[a1] e T fugiu”.
A situação final (Pn5), por inferência, refere-se ao medo que a vítima e seus
familiares estão sentindo em função das ameaças sofridas.
97
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fundamentados nos pressupostos gerais da Linguística Textual e, mais
especificamente, na Análise Textual dos Discursos (ATD) através de Adam (2011),
tivemos como objetivo neste trabalho, de forma geral, investigar como ocorrem as
sequências textuais narrativas no gênero jurídico termo de depoimento. Após as
análises de três textos, chegamos a algumas conclusões explicitadas abaixo que
elucidam a questão levantada no propósito do estudo.
Em relação ao questionamento de como ocorrem as sequências textuais
narrativas no gênero termo de depoimento, concluímos que essas apresentaram
alguns pontos em comum e algumas particulares no que se refere a sua ocorrência
nos textos analisados. Isso porque em todos os textos constatamos uma narrativa
maior, denominada de narrativa global, constituída por narrativas menores,
denominadas narrativas encaixadas. Porém, observamos que essas narrativas
globais diferiram quanto ao número de narrativas encaixadas em sua constituição,
uma vez que no TD1 identificamos cinco dessas, no TD2 identificamos quatro e
apenas uma no TD3.
Entendemos que essa variação quanto ao número de narrativas encaixadas
pode estar relacionada ao volume textual do depoimento, se compararmos os dois
primeiros com o terceiro; como também ao modo como cada depoente conduz o seu
depoimento. Ou seja, se a depoente dá ênfase apenas ao fato que originou a queixa
(TD3), ou se ela procura relatar outros fatos com o objetivo de construir uma imagem
do acusado e, consequentemente, reforçar a veracidade do motivo da queixa (TD1 e
TD2).
Quanto ao questionamento relacionado aos elementos textuais e discursivos
que são utilizados nas sequências narrativas no gênero termo de depoimento, de um
modo geral, observamos que foram empregados com maior incidência verbos no
pretérito perfeito e no pretérito imperfeito – recurso linguístico tipicamente utilizado
em textos dessa natureza. Constatamos também a presença de proposições de
conteúdo descritivo, o que mostrou a heterogeneidade na composição das
sequências em conformidade com a proposta de Adam (1992), a qual prevê que as
sequências narrativas não são homogêneas e que, por isso, não se constituem
apenas de acontecimentos.
98
Outro ponto importante que deve ser elucidado é o uso do recurso do
discurso direto nos dois primeiros depoimentos. Com a finalidade de construir a
imagem dos acusados, algumas depoentes reproduziram frases proferidas por eles,
a fim de reforçar o conteúdo das ameaças com todos os detalhes necessários,
inclusive com marcas de oralidade como vimos no TD2 e com o uso de xingamentos
como vimos no TD1. Observamos que o uso desse mecanismo foi empregado com
uma finalidade argumentativa.
No caso das proposições descritivas utilizadas nos depoimentos, observamos
que, também, com vistas a argumentar em desfavor do acusado, as testemunhas
elucidaram informações como o medo generalizado e, sobretudo, a fragilidade de
pessoas idosas envolvidas nessas ameaças que, em todos os casos, eram os pais
da vítima.
Por último, no que se refere ao papel das sequências narrativas para a
composição do gênero termo de depoimento, observamos que em todos os textos
analisados a sequência narrativa desempenhou o papel de principal mecanismo de
organização textual dos depoimentos, na medida em que na condução dos
depoimentos, o recurso do narrar se mostrou a principal e mais satisfatória
ferramenta de organização do depoimento das testemunhas. Como vimos, esses
depoimentos ocorreram através de informações em forma de proposições narrativas,
as quais funcionam/funcionaram como um recurso de organização de informações
necessárias para esclarecer o(s) motivo(s) que deram origem a queixa.
Acreditamos que esse estudo contribui para a área dos estudos linguísticos
do texto e do discurso ao abordar o estudo da sequência textual em um texto não
literário ou prototipicamente conhecido como narrativo, mas um texto do domínio
jurídico, o qual não tem sido muito explorado fora do seu âmbito mais comum.
Esperamos, assim, que este trabalho não só contribua para a clarificação do
funcionamento desse tipo de texto, como também motive o surgimento de outros
questionamentos teóricos a partir dos já postos aqui.
99
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean- Michel. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992. ________. Linguistique textuelle: des genres de discours aux textes. Paris: Nathan, 1999. ________. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues et al. 2.ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011. _______. HEIDMANN, Ute. O texto literário: por uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Cortez, 2011. ARISTÓTELES. Arte poética. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007. BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Ângela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (orgs.). São Paulo: Cortez, 2005. BENVENISTE, Émile. As relações de tempo no verbo francês. In:________. Problemas de linguística geral. São Paulo: Ed. Nacional, Ed. Universidade de São Paulo, 1976, p. 260- 276. BRASIL. Código Processo Penal - Decreto-lei 3689/41 | Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em: 27 fev. 2016. ________. Código Processo Civil - Lei 5869/73 | Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm> Acesso em: 27 fev. 2016. BREMOND, Claude. La Logique des Possibles Narratifs, Communications, Paris, v. 8, n. 1, p. 60-76, 1966. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem textos e discursos: por um interacionismo sóciodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2007. CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. O conceito de plano de texto: contribuições para o processo de planejamento da produção escrita. Revista Linha d’Água, v. 26, n. 2, 2013. Disponível em: <www.revistas.usp.br/linhadagua/article>. Acesso em: 15 jun. 2016. CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Os sentidos do texto. – São Paulo: Contexto, 2016. CARDOSO, Valter; CARDOSO, Marília. Estruturação composicional em autos de depoimentos de inquérito policial: uma abordagem para o ensino dos gêneros
100
jurídicos. In: ENCONTRO DAS CIÊNCIAS DA LINGUAGEM APLICADAS AO ENSINO (ECLAE) - Ensino de língua, literaturas e outros diálogos possíveis, IV., 2015, Garanhuns. Anais... Garanhuns. 2015, p. 1817-1831. CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Coordenação da tradução: Fabiana Komesu. 3. ed., 2° reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2016. CHAROUX, Ofélia Maria Guazzelli. Metodologia: processo de produção, registro e relato do conhecimento. São Paulo: DVS, 2004. CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução de Magda França Lopes. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. CUNHA, Gustavo Ximenes. Um panorama de abordagens da narrativa nos estudos da linguagem. Guavira Letras, MG, v. 21, p. 36-51, 2015. FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n.1900, 13 de set. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11719>. Acesso em: 20 jul. 2015. GOMES, Rodrigo Carneiro. Roteiro Prático Simplificado do Inquérito Policial: instauração e instrução. In: Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 53, p. 71-79, abr./jun. 2011. GURPILHARES, Marlene Silva Sardinha et al. Linguística e discurso jurídico: um estudo com o gênero discursivo “Declarações e depoimentos”. In: ECCOM – Revista de Educação, Cultura e Comunicação / Faculdades Integradas Tereza D’Ávila, Lorena, SP, vol. 3, n. 6 (2012): Cursos de Comunicação Social, 2012. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. ________. O desenvolvimento da Linguística Textual no Brasil. D.E.L.T.A., São Paulo, v.15. nº especial, p.167-182, 1999. ________. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2008. ________. Linguística Textual: retrospecto e perspectivas. Alfa, São Paulo, v. 41, p. 67-78, 1997. ________. O desenvolvimento da Linguística Textual no Brasil. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 15, n. especial, p. 165-180, 1999. ________. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2009. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2013.
101
________; ________. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2012. LABOV, William; WALETZKY, Joshua. Narrative analysis: oral versions of personal experience. In: JELM, J. (Ed.). Essays on the verbal and visual arts. Seattle: University of Washington Press, 1967. MARCUSCHI, Luís Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.P; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002. ________. Linguística de texto: o que é e como se faz. São Paulo: Parábola, 2012. ________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARIANO, Rafaela Defendi. Marcadores discursivos e Sequências textuais: uma análise das ações de textualização em programas midiáticos. 2014. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento de Linguística, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza . Manual de processo penal e execução penal . 11 . ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 201 4. OLIVEIRA, Flávia Cristina Candido de. Sequência narrativa: narrativa ou script? Um estudo da infraestrutura em produções textuais de 6º ano. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, 2010. OLIVEIRA, Giovana Flávia de. Estrutura composicional em contos de fadas de Marina Colasanti. 2016. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP, 2016. OLIVEIRA, Maria Marly. Como fazer pesquisa qualitativa. Rio de Janeiro: Vozes, 2016. PASSEGGI, Luis et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual de sentido. In: BENTES, A. C.; LEITE, M. Q. (Orgs.). Linguística de texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 262-312. PASSEGGI, Luis. Para uma gramática dos esquemas sequenciais: uma proposta de pesquisa. In: RODRIGUES, PASSEGGI e SILVA NETO (Orgs.). Linguística Textual e Ensino de Língua Portuguesa. Natal, RN: EDUFRN, 2014. (Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao ensino; v. 3). PELÁGIO, Anderson Araújo. O princípio do contraditório no inquérito policial. 2002. Monografia – Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo- Faculdade de Direto de Presidente Prudente, Presidente Prudente/SP, 2002.
102
PROPP, Vladimir. Morfologia do conto, Tradução de J. Ferreira e V. Oliveira. Lisboa: Vega. [1928] 1983. RODRIGUES, Maria das Graças Soares. Contribuições de algumas propostas tipológicas para o ensino e a aprendizagem da gramática da Língua Portuguesa. In: Linguística Textual e Ensino de Língua Portuguesa. RODRIGUES, PASSEGGI e SILVA NETO (Orgs.). Natal, RN: EDUFRN, 2014. (Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao ensino; v. 3). ________; PASSEGGI, Luís; SILVA NETO, João Gomes da. “Voltarei. O povo me absolverá...”: a construção de um discurso político de renúncia. In: Análise textuais e discursivas. Metodologia e aplicações. ________ (Orgs.). São Paulo: Cortez, 2010. ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, José Luís, BONINI, Adair, MOTTA-ROTH, Désirée. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 184-207. SANTOS, Sâmia Araújo dos. Recursos metadiscursivos de interação em sequência narrativa. 2011. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Programa de Pós Graduação em Linguística do Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/ CE 2011. SANTOS, Cristiane Alvarenga Rocha. Narração esportiva de futebol e composicionalidade: uma proposta de estudo textual-discursiva das sequências textuais. Estudos da Língua(gem) Vitória da Conquista v. 10, n. 2 p. 31-48, dezembro de 2012. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, Aurenívia Ferreira da. Um estudo da realização da sequência narrativa no gênero notícia. 2007. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Programa de Pós Graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, 2007. SILVA, Luciana Pereira da. A disseminação da Linguística Textual no Brasil: Trabalhos publicados no Gel. In: CÍRCULO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DO SUL - CELSUL 2003. V, Curitiba. Anais... Curitiba. 2003 p.797-802. SILVA NETO, João Gomes da. As sequências textuais de gramática e texto: Elementos teórico-metodológicos para a sequência didática. In: Linguística Textual e Ensino de Língua Portuguesa. RODRIGUES, PASSEGGI e SILVA NETO (Orgs.). Natal, RN: EDUFRN, 2014. (Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao ensino; v. 3). _______. Aspectos descritivos do espaço em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa: uma jornada iniciática. Linha d´água, n. 26 (2),
103
p.87 108, 2013. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/viewFile/64416/71547>. Acesso em: 15 jul. 2016. TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa (M. de S. Cruz, Trad.). Lisboa: Edições 70. (Original publicado em 1971). VIEIRA, André Guirland. Do Conceito de Estrutura Narrativa à sua Crítica. Psicologia: Reflexão e Crítica (UFRGS. Impresso), Porto Alegre, v. 14, n.3, p. 599-608, 2001. WEINRICH, Harald. Le temps. Paris: Éditions du Seuil, 1973.
104
ANEXO 1 - TD1
INQUÉRITO POLICIAL: 233/2012
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx
Sxxxxx, portador(a) do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia 18/01/2010,
3º via, CPF n. xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:
Aos 17 (dezessete) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012),
nesta delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxxx Txxxxx
Mxxxxx, Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa
de Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx Sxxxxx, brasileiro, solteira, auxiliar de produção
(desempregada), natural de Mxxxxxxxx/xx, nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o)
de Mxxxxx Fxxxxx Sxxxxx e Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx Sxxxxx, residente na Rua
Cxxxxxx, xxxx, Pxxxxxx, próximo a Igreja Assembleia de Deus, telefone xxxx-
xxxx. Afirma concluiu o Ensino Fundamental. Inquirido a cerca dos fatos que
deram origem ao presente feito. Aos costumes, nada disse. Testemunha
compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do
crime de falso testemunho. Inquirido(a) pela Autoridade Policial, passou a
RESPONDER QUE: conhece a vítima J. G. S. há cerca de 07 (sete) anos; Que a
vítima namorou com W. durante 08 (oito) anos; Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para
a DEPOENTE chorando e dizendo que estava na praia, um amigo falou com ela e,
por tal motivo, W. brigou e agrediu fisicamente em cima das pedras, segurando-a
com força e sacudindo a mesma, Que, na época em que namoravam, a VÍTIMA
desconfiava que W. vendia drogas, mas quando perguntava o mesmo negava; Que,
inclusive, após algum tempo, W. foi preso por tráfico de drogas; Que a VÍTIMA
visitava W. na cadeia, mas dizia a DEPOENTE que só ia porque sentia pena dele,
pois não gostava mais do mesmo; Que a VÍTIMA mostrou a DEPOENTE
mensagens de texto e de voz enviada por W. com ameaças do tipo “Cachorra, você
vai me pagar! Você me traiu!”; Que W. deve dinheiro a VITIMA, contudo diz a
mesma que não vai pagar, que ela se vire para pagar; Que a VÍTIMA está
namorando e W. não se conforma, faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele,
vai se pior! Eu vou te pegar!”; Que W. costuma abordar os amigos da VÍTIMA para
saber informações da mesma, bem como fala com os amigos dele ficarem ligando
para a VÍTIMA; Que a VÍTIMA está com muito medo e não sai de casa; Que os pais
da VÍTIMA são pessoas idosas e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa
desses fatos; Que W. já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la; Que, atualmente, W. está
cumprindo pena no regime semi-aberto. E nada mais disse, deu-se por findo o
presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado
pela autoridade, pela testemunha, e por mim _______, Escrivã de Polícia, que o
digitei.
AUTORIDADE: _____________________________________________________
DEPOENTE: ________________________________________________________
ESCRIVÃ: __________________________________________________________
105
ANEXO 2 - TD2
INQUÉRITO N°217/2012
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SECRETARIA DE SEGURANÇA E DA DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Fxxxxx Fxxxxx Mxxxxx , portador
(a) do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia xx/xx/xxxx, CPF n°.
xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:
Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta
delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxx Mxxxx Txxxx,
Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de
Fxxxxx Fxxxxx Mxxxxx , brasileira, solteira, do lar, natural de Cxxxxxxxx/xx,
nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o) de Mxxxx Fxxxx Mxxxx e Jxxxx Fxxxx Cxxxx
, residente na Rua Jxxxx, Exxxx, Fxxxx, xxx, Conjunto X, 2° etapa, próximo ao
Supermercado X, Natal/RN,, telefone xxxx-xxxx. Afirma que sabe ler e escrever
e que estudou até a 4° série do Ensino Fundamental. Inquirida a cerca dos fatos
que deram origem ao presente feito. Aos costumes, nada disse. Testemunha
compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do
crime de falso testemunho. Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a
RESPONDER: QUE é cunhada da VÍTIMA PFTS; Que a VÍTIMA está com muito
medo de T, pois o mesmo é usuário de drogas e costuma ameaçá-la dizendo que se
a mesma não ficar com ele, vai deixá-la numa cadeira de rodas; Que a VÍTIMA
demorou para se separar de T porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia;
Que T vai para a frente da casa da vítima, fica bagunçando e, inclusive, nesta
semana, todos ficaram trancados dentro de casa com medo, sem poder sair por
causa das ameaças dele; Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana;
Que T, também, ameaça a VÍTIMA dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto
da vida; Que T. afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas e
colocá-lo para vender drogas; Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma
enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia que T estava em
frente a casa da VÍTIMA ameaçando todo mundo e dizendo que quando a VÍTIMA
voltasse da delegacia, iria dar uma facada e deixá-la em uma cadeira de rodas; Que
T costumava pedir comida a sogra e dormir na calçada porque ninguém permitia que
o mesmo entrasse em casa, porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo
e ameaçando todo mundo; Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos
adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola com medo, por causa
das ameaças de T. E nada mais disse, deu-se por findo o presente termo que depois
de lido e achado conforme, vai devidamente assinado pela autoridade, pela
testemunha, e por mim ___________, Escrivã de Polícia, que o digitei.
AUTORIDADE: ________________________________________
DEPOENTE: __________________________________________
ESCRIVÃ: _____________________________________________
106
ANEXO 3 - TD3
INQUÉRITO N°217/2012
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SECRETARIA DE SEGURANÇA E DA DEFESA SOCIAL
DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS
TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Mxxxx Mxxxx Sxxxx , portador (a)
do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia xx/xx/xxxx, 2º via, CPF n°.
xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:
Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta
delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxx Mxxxx Txxxx,
Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de Mxxxx
Mxxxx Sxxxx, brasileira, viúva, aposentada, natural de Sxxxxxxxx/xx,
nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o) de pai não declarado e Rxxxx Mxxxx Cxxxxx
, residente na Rua Jxxxx, Exxxx, Fxxxx, xxx, Conjunto X (lxxxxx), 2° etapa,
próximo ao Supermercado X, Natal/RN,, telefone: não tem. Afirma que não
sabe ler e escrever. Inquirida a cerca dos fatos que deram origem ao presente feito.
Aos costumes, nada disse. Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a
verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho. Inquirido (a) pela
Autoridade Policial, passou a RESPONDER: QUE conhece a VÍTIMA PFTS desde
que a mesma (vítima) era criança; Que, no dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE
estava em casa quando T chegou e perguntou: “Cadê P? Eu tô atrás dela para
matá-la! Ou eu mato ela ou deixo na cadeira de rodas! Eu vou ali usar droga, voltar
doidão e matar todo mundo!”; Que toda a família da VÍTIMA está trancada, com
medo e as crianças não estão indo para escola com medo porque T passou a
semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; Que, inclusive, T jogou
uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; Que, enquanto estava aguardando
na recepção desta Delegacia, a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou
dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA ameaçando todo mundo; Que a
PM foi chamada e T fugiu; Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa idosa e doente, está
assustado, com medo e fica todo se tremendo diante dos fatos; Que T é uma
“pessoa errada”, é usuário de drogas e já assaltou uma mercearia do bairro. E nada
mais disse, deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado
conforme, vai devidamente assinado pela autoridade, pela testemunha, e por mim
___________, Escrivã de Polícia, que o digitei.
AUTORIDADE: ________________________________________
DEPOENTE: __________________________________________
ESCRIVÃ: _____________________________________________