UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE MEDICINA
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
A CONSTRUÇÃO DO ENSINO MÉDICO NO RIO DE JANEIRO NO BRASIL
IMPÉRIO
Elias da Silva Maia
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva, como parte dos requisitos para
obtenção do grau de Mestre em Saúde
Coletiva.
Orientadora: Diana Maul de Carvalho
Rio de Janeiro
Março de 2010
Maia, Elias da Silva
A Construção do Ensino Médico no Rio de Janeiro no Brasil Império.
Elias da Silva Maia. Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos de
Saúde Coletiva/Faculdade de Medicina/Centro de Ciências da Saúde,
2010.
iv, 67__p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Estudos de Saúde Coletiva / Faculdade de Medicina /
Centro de Ciências da Saúde, 2010.
1. História. 2. Ensino médico. 3. Reformas. 4. Saúde Coletiva.
5. História e saúde – Dissertação. I. Dissertação (Mestrado) – Instituto
de Estudos de Saúde Coletiva. II. Título.
iii
RESUMO
Este trabalho tem como objeto central a Reforma do Ensino Médico de 1832, e seu
contexto histórico que tem como resultado a criação da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro. É apresentado em dois artigos. No primeiro é descrito o trabalho de
identificação dos documentos do arquivo histórico da Faculdade de Medicina da UFRJ
e que se constituiu num pré-requisito para o preenchimento dos objetivos de nosso
projeto.No segundo artigo discutimos o papel da escola médica na sociedade brasileira
do século XIX, analisando a reforma de 1832, através de documentos dos arquivos da
antiga escola médica do Rio de Janeiro, buscando indícios da relação da Academia
Médico-Cirúrgica com o poder imperial. A reforma é também abordada como o
momento em que a medicina se institucionaliza assumindo o discurso
iluminista/científico hegemônico e subordinando as outras práticas de saúde
socialmente reconhecidas.
Palavras-chaves: Brasil Império, reforma, ensino médico, arquivo histórico, Rio de
Janeiro
ABSTRACT
This work presents a discussion of the changes in medical training in Brazil known as
the reform of 1832 that resulted in the creation of the Medical Schools of Rio de Janeiro
and Bahia. It is presented in the form of two papers, one published and the other
submitted. In the first we describe the process of identification of documents in the
archives of the Medical School, a pre-requisite for our research proposal. In the second
paper we discuss the role of the medical school in eighteenth century Brazil and the
reform of 1832, through the analysis of documents found in the archives of the old
medical school of Rio de Janeiro. We try to identify elements that point to the relation
of the Academia Médico-Cirúrgica with the imperial government. The reform of 1832
is also discussed as the moment of definitive institutionalization of the medical
profession in Brazil, when it assumes the hegemonic illuminist/scientific views
subordinating all other socially recognized health practices.
Keywords: Brazil Empire, reforms, medical education, archives, Rio de Janeiro
iv
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................... iii
ABSTRACT ........................................................................................................................... iii
SUMÁRIO...............................................................................................................................iv
1. APRESENTAÇÃO...............................................................................................................5
2. PROJETO ............................................................................................................................ 8
3. ARTIGO I: MEMÓRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO – A
PROPOSTA DO MUSEU VIRTUAL .......................................................................................... 19
4. ARTIGO II: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDICO NO RIO DE JANEIRO – A
REFORMA DE 1832 ............................................................................................................. 39
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 61
6. ANEXO - BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 64
5
Apresentação:
Em 1808, com a vinda da Família Real portuguesa, o Brasil se torna o centro
administrativo do Reino, e importantes medidas administrativas, econômicas e culturais
incidem sobre o desenvolvimento da medicina no país. Muitas controvérsias envolvem
o início dos cursos médicos. É conhecido o ato do Príncipe Regente em fevereiro de
1808, que manda iniciar na Bahia os cursos de Anatomia, cujo professor tinha a
responsabilidade de ensinar técnicas de ligaduras, cortes, e operação de cirurgias. No
entanto, o início dos cursos no Rio de Janeiro é envolto em discussões sobre a
existência de um decreto de 5 de novembro de 1808 criando a Escola do Rio de Janeiro.
Lycurgo dos Santos Filho (1989) não considera a existência deste decreto e fixa o início
das atividades no Rio de Janeiro a partir de 02 de abril de 1808, data do decreto de
contratação do primeiro professor de Anatomia, para iniciar os cursos no Hospital
Militar do Morro do Castelo, antigas instalações do Colégio dos Jesuítas.
Em 1813 reorganiza-se o ensino médico e no Rio de Janeiro é criada a Academia
Médico Cirúrgica. Vários autores apontam que o curso de medicina da Academia
Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro era irregular e ineficiente, carecendo de condições
físicas adequadas e de recursos didáticos e profissionais.
Na década de 1820, já notamos os primeiros movimentos para reorganizar o ensino
médico no Brasil, sendo alguns projetos apresentados à Assembléia Legislativa.
A Câmara dos Deputados do Império dirigiu-se à Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro em 8 de outubro de 1830, a fim de que esta apresentasse um projeto para
melhorar o ensino nas escolas do Rio e da Bahia. O projeto foi denominado “Plano de
Organização das Escolas Médicas do Império”.
6
Do plano proposto pela comissão, derivou a Lei de 03 de Outubro de 1832, referendada
pelo Ministro do Império, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. As Academias
passavam a ser denominadas Faculdades de Medicina e seriam reguladas seguindo o
modelo dos estatutos e regimentos da Faculdade de Medicina de Paris, enquanto não
tivessem seus próprios regulamentos. O curso médico-cirúrgico passou a ser de seis
anos, tendo também, um curso de farmácia com duração de três anos e um curso de
partos.
Este trabalho tem como objeto central a Reforma do Ensino Médico de 1832, e nos
propomos a discutir o contexto histórico desta reforma que tem como resultado a
criação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em especial, tratamos do impacto
da reforma sobre a Academia Médico Cirúrgica e como seus professores e alunos
lidaram com esta transformação.
Com a vinda da Faculdade de Medicina para a ilha do Fundão (atual Cidade
Universitária da UFRJ) na década de 1970, ocorreu uma virtual eliminação dos antigos
arquivos da Faculdade; não inventariados, mal acondicionados e abandonados num
porão inundável por mais de 20 anos. Assim, grande parte das fontes primárias capazes
de „dar testemunho‟ do que aconteceu na Academia durante sua transformação em
Faculdade em 1832, esteve, até recentemente, inacessível e parte dela se perdeu.
Participando desde 2007 dos esforços de recuperação deste acervo, nos propusemos a
utilizar os registros das Atas da Congregação para discutir a reforma e seus impactos na
Academia. No entanto, para identificar estes documentos tornou-se imprescindível
aprofundar o trabalho de identificação do material presente no arquivo.
7
Assim, produzimos dois artigos: o primeiro descrevendo o trabalho de identificação dos
documentos do Arquivo Histórico e que constitui um pré-requisito para o
preenchimento dos objetivos de nosso projeto.
O segundo apresenta a discussão da reforma utilizando como fontes as Atas da
Congregação de 1832 a 1835, além de outras fontes descritas no artigo.
Antecede a apresentação dos artigos, de acordo com a norma adotada para dissertação
sob forma de artigos, o projeto originalmente submetido ao Programa de Pós-Graduação
e aprovado no exame de qualificação. Os comentários, sugestões, e exigências da banca
de qualificação foram incorporados ao desenvolvimento dos artigos e serão comentados
no capítulo “Comentários Finais” que sucede à apresentação dos mesmos.
A Bibliografia consultada e não diretamente referida nos artigos encontra-se em anexo.
8
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE MEDICINA
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
A CONSTRUÇÃO DO ENSINO MÉDICO NO RIO DE JANEIRO NO BRASIL
IMPÉRIO
Projeto de Dissertação de Mestrado submetido ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva em 2008
Elias da Silva Maia
Orientadora: Diana Maul de Carvalho
9
Título: A construção do ensino médico no Rio de Janeiro no Brasil Império.
Autor: Elias da Silva Maia
Linha de pesquisa: História e Saúde
Palavras-chaves: Brasil Império, saúde pública, ensino médico, reforma.
Introdução:
As práticas de cura no Brasil foram influenciadas pelas culturas indígenas e
africanas desde o século XVI e até a vinda da corte em 1808, os físicos ou licenciados
formados em Coimbra ou outras universidades européias1, os cirurgiões-barbeiros, os
cirurgiões-aprovados, eram os responsáveis pela prática médica no território brasileiro.
Com a vinda da Família Real o Brasil se torna o centro administrativo do Reino, e
importantes medidas administrativas, econômicas e culturais incidem sobre o
desenvolvimento da medicina2 no país. Neste contexto transformador, a cidade do Rio
de Janeiro será o palco de várias iniciativas culturais e científicas como a Imprensa
Régia, a Biblioteca Nacional, os primeiros periódicos e as instituições de ensino,
inclusive aquelas hoje chamadas do „ensino superior‟. O antigo sistema educacional
consistia nos colégios e seminários sob a direção dos jesuítas, e com a expulsão desses
em 1759, houve o que podemos chamar de “vazio educacional”.
Muitas controvérsias envolvem o início dos cursos médicos no país. É conhecido
o ato do Príncipe Regente no ano de 1808, que manda iniciar na Bahia os cursos de
Anatomia, cujo professor tinha a responsabilidade de ensinar técnicas de ligaduras,
cortes, e operação de cirurgias. No entanto, o início dos cursos no Rio de Janeiro é
envolto em discussões sobre a existência de um decreto de 5 de novembro de 1808
criando a Escola do Rio de Janeiro. Tal documento, referido por Fernando de
Magalhães (1932) e outros, se de fato existiu, não é hoje encontrado. Lycurgo dos
Santos Filho (1989) não considera a existência deste decreto e fixa o início das
atividades no Rio de Janeiro a partir de 02 de abril de 1808, data do decreto de
1 Principalmente durante o século XVIII com a „corrida do ouro‟ nas Minas Gerais, médicos (físicos)
formados na Europa vieram tentar fortuna nas terras brasileiras. Para uma discussão da vida e obra de um
deles, Luiz Gomes Ferreira, vide “Erário Mineral” edição comentada, vol1, Júnia Furtado et allii, Ed.
UFMG/Fiocruz, 2002. Para discussão do „ciclo do ouro‟ vide, p. ex., Boxer, O Império Colonial
Português (1415-1825), Edições 70, 1981. 2 Por „medicina‟ entendemos aqui o conjunto das práticas socialmente aceitas de diagnóstico e
intervenção sobre as doenças e lesões, no homem.
10
contratação do primeiro professor de Anatomia, para iniciar os cursos no Hospital
Militar do Morro do Castelo, antigas instalações do Colégio dos Jesuítas.
Em 1813, novo decreto reorganiza o ensino médico no Brasil e no Rio de Janeiro
organiza-se a Academia Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro. As disciplinas do Curso
Médico exigiram maior espaço, que lhe foi fornecido pelo hospital da Santa Casa de
Misericórdia, situado no sopé do Morro do Castelo, no final da Ladeira da Misericórdia,
no alto da qual se achavam as antigas instalações dos jesuítas3.
A chegada, em 1816, da chamada “Missão Artística Francesa”, contribuiu para
instalar no país, uma Escola de Ciências, Artes e Ofícios, e a existência hoje de retratos
dos professores da escola médica pintados por artistas desta „missão‟ são testemunhos
do diálogo cultural desta „medicina oficial‟ nascente.
Havia deficiências no ensino médico, e com isso algumas reformas foram
propostas na tentativa de solucionar os problemas. O curso de medicina da Academia
Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro era irregular e ineficiente, carecendo de condições
físicas adequadas e de recursos didáticos e profissionais. A academia mostrava-se
deficiente em relação à independência política, mostrando que outras transformações
deveriam ser colocadas em prática para se adequar às mudanças ocorridas no Brasil
naquele período. Na década de 1820, já notamos os primeiros movimentos para
organizar o ensino médico no Brasil, sendo alguns projetos apresentados à Assembléia
Legislativa. A classe médica, em 1829, mostra traços de organização e funda a
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, hoje Academia Nacional de Medicina. Os
projetos que tramitavam na Assembléia Legislativa acalentaram os debates, provocando
discussões pela estruturação do ensino médico.
A Câmara dos Deputados do Império dirigiu-se à Sociedade de Medicina do Rio
de Janeiro em 8 de outubro de 1930, a fim de que esta apresentasse um projeto para
melhorar o ensino nas escolas do Rio e da Bahia. O projeto foi denominado “Plano de
Organização das Escolas Médicas do Império”, e a Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro redigiu o documento ficando Cruz Jobim4 com a tarefa de apresentar a proposta
3 Vide Gastão Cruls, “Aparência do Rio de Janeiro”, v.1. O final da Ladeira da Misericórdia, um dos
poucos restos do Morro do Castelo, ainda hoje pode ser visto ao lado da Igreja de Nossa Senhora do
Bonsucesso, contígua ao prédio da Santa Casa de Misericórdia, no Centro do Rio de Janeiro, na área
ainda conhecida como o “Castelo”. 4 José Martins da Cruz Jobim, diretor da escola médica e deputado em seguidos mandatos, ficou
conhecido como o diretor que mais tempo esteve no cargo e menos tempo exerceu de fato a direção da
Academia (vide Fernando Magalhães, 1932)
11
aos parlamentares que em seguida votaram e aprovaram. Esse fato mostra a influência
das organizações intelectuais e sua posição na organização cultural do país. A
colaboração que as organizações deram ao ensino se tornou fundamental para a
institucionalização da prática médica.
Do plano proposto pela comissão, derivou a Lei de 03 de Outubro de 1832,
referendada pelo Ministro do Império, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. As
academias passavam a ser denominadas Faculdades de Medicina e seriam reguladas
seguindo o modelo dos estatutos e regimentos da Faculdade de Medicina de Paris,
enquanto não tivessem seus próprios regulamentos. O curso médico-cirúrgico passou a
ser de seis anos, tendo também, um curso de farmácia com duração de três anos e um
curso de partos. O traço novo era que os alunos aprovados seriam contemplados com
títulos de Doutor em Medicina, de Farmacêutico e de Parteira.
Passa a caber às faculdades a verificação dos títulos de médicos, cirurgiões,
boticários e parteiras obtidos no exterior, ficando também decidido que não seria mais
concedido o diploma de sangrador. Novas exigências fazem parte dos exames de
ingresso, como o conhecimento de latim e inglês ou francês, de filosofia racional e
moral, de aritmética e geometria, além de determinar a idade mínima de 16 anos
completos para admissão. Um fato curioso era a exigência de um atestado de bons
costumes emitido pelo Juiz de Paz da freguesia5.
O ano letivo ia de 01 de março a 31 de outubro, e os exames finais eram
realizados nos meses de novembro e dezembro. O curso constava de 14 matérias que
eram lecionadas por um professor doutor em medicina que ficava sendo proprietário da
cadeira. Havia os professores substitutos, nas seções de ciências acessórias, cirúrgicas e
médicas. Os diretores, os professores e os substitutos poderiam ser jubilados e para
serem demitidos deveria ser consultada a Congregação da Faculdade. O diretor da
Faculdade era nomeado trienalmente pelo Governo Imperial, após consultar uma lista
tríplice encaminhada pelas Faculdades. O secretário era nomeado pelo diretor e deveria
ser formado em medicina. Através de concursos os substitutos podiam preencher as
vagas dos catedráticos, e quando não existissem profissionais brasileiros para as
cadeiras, o Governo Imperial poderia admitir profissionais estrangeiros para as vagas
existentes.
5 Esta exigência permanece até, pelo menos, a década de 1940, segundo os documentos constantes das
pastas dos alunos guardadas no Centro de Documentação do Ensino Médico (CEDEM) do CCS/UFRJ.
12
O curso médico era constituído de aulas teóricas nas sedes das faculdades, e lições
práticas nas enfermarias da Santa Casa da Misericórdia. As disciplinas em 1833 ficaram
distribuídas da seguinte forma: no 1° ano: física médica, e princípios elementares de
zoologia; no 2° ano: química médica, princípios elementares de mineralogia, anatomia
geral e descritiva; no 3° ano: anatomia e fisiologia; no 4° ano: patologia externa,
patologia interna, farmácia, matéria médica, terapêutica e arte de formular; no 5° ano:
anatomia topográfica, medicina operatória e aparelhos, partos, moléstias de mulheres
pejadas e paridas e de meninos recém-nascidos; no 6° ano: higiene, história da medicina
e medicina legal.6
Justificativa
Esta proposta de pesquisa tem como objeto central a conhecida, porém pouco
estudada, Reforma do Ensino Médico de 1832. Questões como a profissionalização e o
ensino da medicina, as teorias científicas dominantes, e as relações com o Estado
Imperial, farão parte da discussão, em que nos propomos a discutir o contexto histórico
da reforma que tem como resultado a criação da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. O estudo terá como corte geográfico a capital do império. A cidade do Rio de
Janeiro, centro cultural do país, será discutida no „contexto transatlântico‟ que marca, na
primeira metade do século XIX, o reposicionamento do Brasil no Império Colonial
Português7.
Consideramos que o tema possui relevância atual, pois conhecer o contexto e as
mudanças que se operam neste início de definição da medicina como uma das
„profissões imperiais‟ pode lançar luz sobre os rumos atuais e o futuro desta prática
social e das instituições criadas para sua organização.
Com o trabalho no Centro de Documentação do Ensino Médico, onde estamos
desde 2007, documentos inéditos surgiram e acreditamos que possam trazer
contribuição relevante para a historiografia. O propósito desta pesquisa também é
explorar as possibilidades deste acervo e chamar atenção para a necessidade de sua
preservação e disponibilização para a pesquisa. Toda a documentação encontrada de
6 A descrição da organização do curso segue o decreto citado, de 1832, e a documentação consultada no
CEDEM. 7 Nesta discussão seguiremos principalmente C. Boxer, “O Império Colonial Português” e “A Idade de
Ouro do Brasil”.
13
praticamente todos os duzentos anos desta instituição possui considerável valor e se faz
necessário ampliar a possibilidade de pesquisas que as levem em consideração.
A pesquisa que propomos, consideramos viável, pois possuímos recursos
humanos e materiais, como também tempo para a sua elaboração. As pessoas
envolvidas possuem formação teórico-metodológica adequada para a pesquisa.
Atualmente estamos identificando fontes que tratam da Faculdade de Medicina na
primeira metade do século XIX, ricas em informações sobre a organização burocrática e
acadêmica da faculdade, provando ser viável e necessário um estudo sobre a reforma de
1832 que as inclua, e que seguramente terá caráter original. Até o momento poucos
trabalhos de pesquisa tratam especificamente da reforma de 1832. Além disso, parte das
fontes que agora se tornam públicas, são inéditas nos estudos da história da medicina e
da escola médica do Rio de Janeiro.8
Objetivos e estrutura:
A pesquisa tem como objetivo discutir o papel da escola médica e desta
profissão, na sociedade brasileira do século XIX, através das propostas de reforma e da
identificação do efetivamente implantado nos anos de vigência da Reforma de 1832.
Um ponto específico será o estudo da relação da Faculdade com o poder imperial, e da
autonomia da escola frente às decisões e objetivos governamentais. O Período
Regencial assim como a Reforma de 1832 são considerados um período e um
acontecimento pouco estudados; assim, tentaremos identificar elementos históricos
novos nesta discussão.
O trabalho será apresentado sob forma de dois artigos.
No primeiro será apresentado e discutido o acervo histórico da Faculdade de
Medicina da UFRJ, para melhor entendimento dos limites e possibilidades de uso dessas
fontes primárias na discussão do desenvolvimento do ensino médico no Rio de Janeiro
no século XIX. Esta parte da pesquisa deverá ocupar o primeiro ano do projeto e seus
resultados deverão ser enviados para publicação até o final de 2008.
No segundo artigo discutiremos a reforma de 1832 e sua implantação na escola
médica do Rio de Janeiro. Analisaremos seus principais pontos, usando as fontes
primárias que se encontram em diversos arquivos e bibliotecas, principalmente a
8 O CEDEM inclui mais de 800 metros lineares de documentos (pastas de alunos e documentos avulsos) e
mais de 300 livros de registro (atas, correspondências, registro de alunos, etc) já identificados.
documentação histórica da Faculdade do Rio de Janeiro que se encontra no CEDEM
(Centro de Documentação do Ensino Médico) da UFRJ, como Atas da Congregação, e
documentação avulsa que corresponde ao período e retrata a burocracia da instituição
assim como dados sobre o ensino e o perfil dos alunos. Outras fontes como jornais, os
discursos das assembléias, pareceres das organizações médicas, leis e decretos
esclarecerão pontos da reforma.
Fundamentação teórica:
As primeiras décadas do século XIX, já expressavam o desdobramento do saber
médico-científico que se tornou dominante ao longo daquele século9. A ciência se
solidificou rumo à especialidade (as „disciplinas‟), e as idéias positivistas estimularam o
sentimento de modernização e evolução. Nesse projeto surgiu a estruturação dos centros
urbanos, a higienização das cidades, a construção de hospitais e a criação das novas
Faculdades de Medicina. Estas ações fazem parte dos caminhos traçados pela elite
brasileira para “civilizar” o país.
A idéia da necessidade de „civilizar‟ a pratica médica já era comum na Europa e
também no Brasil. A reforma realizada em 1832, a exemplo do que ocorria nos países
europeus, cria um instrumento habilitador para o exercício da profissão. A partir de
1832, ninguém poderia curar, praticar cirurgias ou partejar, sem título conferido ou
aprovado pelas Faculdades de Medicina no Rio de Janeiro e da Bahia. 10
O Positivismo norteou o anseio de modernidade da elite brasileira, valorizando a
ciência e condenando as práticas de cura „não-oficiais‟ e até mesmo as parteiras. Esse
movimento era contrário à chamada „medicina popular‟ amplamente praticada e
freqüentada por todos os grupos sociais11
. Cabe acrescentar o papel do Estado nesse
processo e como a sociedade cortesã recebeu as novas teorias médicas, para entender
como a classe médica forjou seu presente, sua experiência e suas expectativas.
Buscaremos entender se a instituição Faculdade de Medicina detinha autonomia
dentro das questões médicas, e frente aos poderes governamentais; questão que se torna
mais pertinente quando analisamos o período em que a reforma de 1832 foi assinada
(Regência Trina). Este período é discutido pela historiografia, que aponta o país
9 Seguiremos aqui a discussão de Rosen, Luz e outros autores.
10 Os caminhos das ‘práticas sem autorização’ são estudados por vários autores como Tânia S. Pimenta.
11
Ver, por exemplo, a história do feiticeiro Juca Rosa. Tese de doutorado de Gabriela dos Reis Sampaio.
14
passando por um momento de descentralização política. Nesse sentido, trataremos de
averiguar qual foi o papel da Faculdade dentro do contexto cientifico e social da cidade
de Rio de Janeiro nesse momento.
Desde sua criação até o ano de 1930, as escolas médicas da Bahia e do Rio de
Janeiro passariam por várias reformas, sendo que muitas das medidas propostas por
elas, na maioria das vezes não seriam postas em execução. Portanto é pertinente saber o
que efetivamente a reforma de 1832 trouxe de beneficio para a ciência médica e para
sociedade de modo geral12
.
Hipóteses:
Desde o final do século XVIII a profissão médica no Brasil já caminhava rumo à
especialidade e ao reconhecimento destacado desta atividade.
A saúde pública se institucionaliza e amplia seu campo de atuação visando afastar a
imagem de país atrasado; e caberia aos médicos formados nas Faculdades de Medicina
do Rio de Janeiro e da Bahia a tarefa de ajudar nesse projeto.
O meio médico contribuiu nas críticas à falta de estrutura dos hospitais; das más
condições gerais de saúde; e da necessidade de uma legislação que desse conta destas
questões como vinham sendo debatidas na Europa. Os médicos buscavam, através de
um contato contínuo com a medicina européia, incorporar os mais novos avanços
alcançados pela ciência médica.
Fontes e Metodologia
A Constituição de 1824, e o Ato Adicional de 1834, são documentos do Estado
Imperial que serão examinados na tentativa de entender a posição do governo frente às
discussões do ensino e da prática médica. Notamos que em alguns artigos as leis são
dirigidas especificamente para a instrução pública. Pelos discursos e escritos dos
parlamentares e intelectuais, tentaremos mostrar o pensamento político dos grupos que
eram representados no império. O foco será o entendimento do que pensavam da saúde
pública, como viam a reforma e sua posição em relação à ciência e ao progresso. Jornais
da época e os discursos no parlamento farão parte dessa documentação, para
acompanhar os debates travados por esses indivíduos.
12
José Gondra, na perspectiva da educação, discute pontos interessantes a partir do conteúdo de teses da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no século XIX.
15
A Lei de 3 de outubro de 1832 é um documento central da pesquisa, pois nela
estão expressas as determinações para a prática médica, e o documento será observado
na tentativa de entender seus reflexos em um amplo quadro social e não apenas restrito
ao meio médico. O primeiro artigo dessa Lei, já determinava que as faculdades
passassem a expedir Diploma de Doutor, e logo em seguida acrescenta que "Os que
obtiveram Título de Doutor em Medicina pelas Faculdades do Brasil, poderão exercer
em todo o Império, indistintamente, qualquer dos ramos da arte de curar”.
Em outros artigos da lei, ficam expressas as regras de jubilação e demissão dos
lentes e substitutos, e a remuneração dos professores. A meu ver esse documento pode
informar além das questões ligadas ao ensino superior no país, pois os exemplos acima
ajudam a entender o tipo de vínculo de um professor com a instituição e com o governo;
e como, na questão salarial, se pode comparar a remuneração desta com outras
profissões, discutindo a posição econômica e social que o cargo proporcionava.
A documentação burocrática da Faculdade nos dará um „raio-x‟ de como
funcionava a instituição, sua estrutura e organização. Já a documentação acadêmica
pode nos ajudar a observar as transformações ocorridas no ensino e o conteúdo
aprendido pelos alunos. Outros documentos importantíssimos para a pesquisa são
aqueles produzidos pelas associações médicas, tendo em vista sua contribuição para a
reforma.
Existe uma considerável variedade de documentos e dados que certamente
exigirão um rigor metodológico e uma dedicação intensiva para sua organização e
análise. Usaremos o método de comparação bibliográfica, observando o que as
diferentes visões trazem para o entendimento do tema da pesquisa, sem tomar uma
corrente filosófica como base, mas desenvolvendo uma pesquisa comprometida com as
questões históricas ligadas ao tema. Será importante discutir algumas teorias do campo
das Ciências Humanas e Biológicas, na tentativa de contribuir para o debate da história
da medicina e da prática médica no Brasil, através desta discussão das reformas do
ensino médico.
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Modernidade, SP: Companhia das Letras, 2000
Sorj, Bernardo. (2001), A Construção Intelectual do Brasil Contemporâneo. Rio de
Janeiro, Zahar Editor.
18
Thompson, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987
_____________________ Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
19
ARTIGO I
Memória da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro – a proposta do Museu Virtual
Elias da Silva Maia e Diana Maul de Carvalho
Artigo publicado nos Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v.40, p.519-
535, 2008
As ilustrações não estão aqui reproduzidas, estando descritas ao final do artigo.
20
Memória da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro – a proposta do Museu Virtual
Elias da Silva Maia e Diana Maul de Carvalho
Resumo
A criação de cursos médicos na Bahia e no Rio de Janeiro faz parte dos primeiros atos
do Príncipe Regente em 1808. Dos primitivos cursos de anatomia até hoje, a atual
Faculdade de Medicina da UFRJ marca uma trajetória de ensino que se desdobrou nos
cursos de formação de várias profissões de saúde, e é uma das três escolas superiores
que, em 1920, constituirá o núcleo inicial da primeira Universidade no país. Neste
percurso de 200 anos a instituição produziu e recebeu um acervo inestimável que retrata
os caminhos dessas profissões no Brasil e as relações da Academia com o Estado.
Disperso várias vezes como conseqüência da derrubada de prédios e do descaso, nos
últimos sete anos este acervo está sendo recuperado e tornado disponível aos
pesquisadores inclusive através de um Museu Virtual. Descrevemos esta trajetória, as
ações atuais e as principais características dos conjuntos documentais já identificados.
Palavras-chaves: museu virtual; Faculdade de Medicina da UFRJ; memória
institucional; ensino médico; Rio de Janeiro; patrimônio arquivístico e museológico.
Abstract
One of the first acts of the Regent on arrival in Brazil in 1808 was the establishment, in
Bahia and Rio de Janeiro, of lessons of anatomy and surgery. Since that time the
Medical School of Rio de Janeiro has been the origin of five health professions
undergraduate training and was, in 1920, one of the three schools that integrated the
first Brazilian University. In 200 years this institution produced and received collections
of documents and objects significant to the understanding of the history of the health
21
professions in Brazil and the relations between academic institutions and the State.
Many times misplaced as a consequence of oblivion and loss of adequate keeping
places, in the last seven years the old archives and other collections are being recovered
and made accessible to researchers including through a Virtual Museum. We describe
this trajectory and the main characteristics of the already identified collections.
Keywords: institutional memory; Medical School; Rio de Janeiro; history of medicine;
virtual museum; archives and museums
Introdução
Com a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, foram criados os
primeiros cursos médicos no país, na Bahia e no Rio de Janeiroi. A Escola Anatômica,
Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro funcionou nas dependências do Real Hospital
Militar no Morro do Castelo até 1813, empenhando-se principalmente na formação de
cirurgiões. Em 1° de abril de 1813, o ensino médico é reorganizado e a Escola passa a
denominar-se Academia Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro.
Em 1832, profunda reforma marca a fundação das Faculdades de Medicina do
Rio de Janeiro e da Bahia, e a do Rio de Janeiro passa a ministrar, além do curso
médico, os cursos de Farmácia e de Obstetrizesii. Nesta época é organizada a Biblioteca
da Faculdade de Medicina. Aos poucos, ampliando suas atividades, passa a Faculdade a
ocupar com seus cursos diversos prédios da cidade, com destaque para a Santa Casa de
Misericórdia, onde, num anexo, tem sua sede até que, em 1918 é inaugurado o edifício
da Praia Vermelha.iii
22
Para a Praia Vermelha foram transferidas além do gabinete do Diretor, da sala da
Congregação, e das atividades administrativas, as Cadeiras que hoje compõem o
chamado Ciclo Básico, e que ali funcionaram até 1973. Para o novo edifício foram
transferidos equipamentos e algum mobiliário, mas a maior parte foi especialmente
construída para a nova sede. Para seus longos corredores foram trazidos os retratos dos
antigos diretores e catedráticos, aos quais se foram somando os mais recentes, formando
magnífica pinacoteca.
No velho anexo da Santa Casa permaneceram a Biblioteca e o Instituto
Anatômico, aguardando a construção de outro bloco previsto no conjunto da Praia
Vermelha que incluía ainda o Hospital de Clínicas. Na década de 1940, em vez da
construção prevista, foi feita uma reforma que acrescentou dois andares ao prédio
primitivo, sendo para lá transferidas a Anatomia e a Biblioteca Central da Faculdade.
Permaneceram ainda no Anexo da Santa Casa a Cadeira de Anatomia Patológica e sua
Biblioteca que só foram transferidas para a Praia Vermelha na década de 1960 com
perda de grande parte do acervo desta Biblioteca.iv
Tanto no Anexo como na Praia
Vermelha foram destinadas instalações para o Centro Acadêmico Carlos Chagas, órgão
de representação dos estudantes da Faculdade de Medicina.
Por sessenta anos, o sonho do Hospital de Clínicas ficou registrado no terreno da
Praia Vermelha em frente à Faculdade, local previsto para sua construção, e em projetos
sucessivos até o “esqueleto” do Hospital Universitário na ilha do Fundão iniciado na
década de 1940 e finalmente inaugurado em 1978. Nesses anos, as atividades do
chamado Ciclo Profissional, se desenvolveram em inúmeros serviços clínicos e
cirúrgicos na cidade do Rio de Janeiro, em prédios próprios ou não. A Cidade
Universitária da Ilha do Fundão, projeto da década de 1940, após o aterramento que
23
criou sua área atual, passou a sediar, em 1953, o Instituto de Pediatria e Puericultura –
unidade pioneira na ocupação da cidade universitária, no seu premiado projeto
arquitetônico, e nas propostas de ensino e assistência ali implantadas. Em todos esses
lugares foram ficando fragmentos da memória da antiga Faculdade de Medicina. Esta
história, quase bicentenária, também foi sendo guardada nos registros fotográficos, nos
escritos, nos objetos conservados por seus ex-alunos.
A última grande reforma do ensino, no final dos anos 1960, separa da Faculdade
de Medicina o chamado Ciclo Básico que passa a ser ministrado pelo recém criado
Instituto de Ciências Biomédicas e pelos Institutos de Biofísica e Microbiologia. No
início da década de 1970, os Institutos básicos são transferidos para a Cidade
Universitária no campus do Fundão e o edifício da Praia Vermelha é derrubado. Esta
demolição ainda hoje objeto de controvérsias quanto aos responsáveis pela decisão, foi
feita de modo precário quanto ao tombamento e transferência de equipamentos,
quadros, objetos, documentos e livros que foram dispersos por várias unidades do
Centro de Ciências da Saúde e, em grande parte, precariamente armazenados. Parte
deste variado acervo desapareceu nos escombros do edifíciov.
A Biblioteca da Faculdade de Medicina foi incorporada à Biblioteca Central do
Centro de Ciências da Saúde que, apesar de suas amplas instalações, era insuficiente
para abrigar todas as obras - livros, periódicos e teses. Periódicos anteriores à década de
1950, incluindo toda a coleção do século XIX, bem como livros, editados do século
XVI ao início do século XX, constituindo as chamadas “obras raras”, foram
precariamente acomodados no porão, sofrendo danos, em alguns casos, irreparáveis.
Somente em 2001, por iniciativa da Direção da Biblioteca Central e com apoio da
FAPERJ, ganham as obras raras um espaço próprio e é iniciado o processo de
24
recuperação. A transferência para o Fundão reduziu também de modo drástico, a área
destinada pela antiga Faculdade de Medicina para a guarda do acervo documental de
cunho administrativo, que foi depositado em área do subsolo do edifício sede do Centro
de Ciências da Saúde da UFRJ (CCS), em condições inadequadas para sua conservação
e praticamente inacessível aos pesquisadores.
Nos seus quase duzentos anos de funcionamento, a Faculdade se tornou
depositária de um acervo histórico de relevância ímpar para o entendimento do ensino e
da prática das ciências da saúde no Brasil. Desde o segundo semestre de 2002 está em
desenvolvimento o projeto Centro de Documentação do Ensino Médico (CEDEM),
desenvolvido pelo Laboratório de História, Saúde e Sociedade da Faculdade de
Medicina, que tem por objetivo o tratamento e organização do acervo documental
possibilitando assim o acesso à pesquisa. No momento, parte da documentação já
passou por processo de higienização e descrição. Com a constituição do Centro de
Documentação estão sendo incorporados acervos particulares, principalmente de
professores, incluindo documentação do Centro Acadêmico Carlos Chagas do período
de 1965 a 1969. Estão também sendo identificados outros conjuntos documentais como
diplomas, peças do antigo Museu de Anatomia Patológica, medalhas e comendas; e a
Pinacoteca que, exceto os quadros localizados no gabinete do Diretor da Faculdade de
Medicina, e em outras Unidades do Centro de Ciências da Saúde, foi encaixotada e
assim permaneceu por mais de vinte anos. Há seis anos, por iniciativa conjunta da
Faculdade de Medicina e do Hospital Universitário, foi iniciada a recuperação dos
quadros e sua catalogação. Apresentamos uma descrição geral destes diferentes
conjuntos e o estágio atual dos trabalhos de identificação e recuperação. Discutimos a
proposta e o atual estágio de implantação do Museu Virtual da Medicina como um
25
espaço de estudo, consulta e exposição integrada deste grande, variado e fisicamente
disperso acervo.
O Acervo Documental
Constitui-se de aproximadamente 700 metros lineares de caixas de documentos e
aproximadamente 500 Livros de Registros que abarcam o período de 1808 a 1975. O
mais antigo livro de registro (possivelmente o primeiro) data de 1815 e registra a
matrícula de alunos inclusive de um escravo do Príncipe Regente; foi encontrado no
espaço das Obras Raras, identificado pela equipe da Biblioteca Central e incorporado ao
Arquivo Histórico.
O conjunto de documentação apresenta três características básicas: a exclusividade
de criação e recepção, a origem de suas atividades, provando as transações feitas pela
instituição e o caráter orgânico do documento que o liga a outrosvi
. Este arquivo se
enquadra em dois conceitos que refletem características peculiares à natureza dos
documentos: é especial, por que tem sob sua guarda documentos de formas físicas
diversas, e conseqüentemente merece tratamento especial tanto no armazenamento,
quanto no registro, acondicionamento, controle e conservação. Além disso, pode ser
considerado especializado, pois sob sua custódia estão documentos que refletem a
experiência humana num campo específico (conhecimento médico), independente de
sua forma física. O Arquivo Histórico da Faculdade de Medicina da UFRJ passa no
momento por um processo de planejamento, organização e controle; coordenação dos
recursos humanos; recuperação e adequação do espaço físico e dos equipamentos. Esse
esforço tem como objetivo preservar e facilitar o acesso aos documentos. Optamos pela
organização mais simplificada, evitando classificações complexas. Tivemos ainda
26
preocupação com a padronização de todos os procedimentos relacionados ao
recolhimento, guarda e manutenção dos documentos. Além do tipo e do tamanho dos
documentos, pensamos no local e no mobiliário de arquivamento e em especificações
que levam em consideração a economia de espaço, arrumação racional dos documentos,
capacidade de expansão (previsão de crescimento do acervo) e segurança.
Grande parte da documentação de cunho administrativo é tradicionalmente vista
apenas por seu valor imediato e freqüentemente submetida a uma destruição
indiscriminada ou uma guarda sem critério dos conjuntos documentais. Apenas as Atas
da Congregação são explicitamente assumidas como de „registro da memória‟ pela
instituição e não submetidas a processos periódicos de descarte. Paradoxalmente, o
abandono a que foi relegada esta documentação fez perder por processos tafonômicosvii
uma parte considerável, mas preservou também séries de documentos que teriam sido
descartados se estivessem “adequadamente arquivados”, como as pastas individuais de
alunos. Estas têm permitido identificar documentos de alguns „alunos notáveis‟ e
resgatar aspectos interessantes de suas trajetórias (Figura 1). Entendendo o papel
histórico dos arquivos que tratam de instituições e assuntos nacionais, nos identificamos
com o princípio de que a atuação não deve ser passiva na custódia de documentos de
grande valor para a pesquisa histórica; tornados muitas vezes, pelo tempo, ainda mais
raros e importantesviii
. A falta de recursos freqüentemente compromete um trabalho que
deve ser realizado paulatinamente, construindo um arquivo bem estruturado e com
pessoal capacitado. Sendo um arquivo de órgão público, deve possibilitar o acesso à
informação a que todo cidadão tem direito; a pesquisa através dos documentos; e a
preservação da memória da instituição pública. Defender os arquivos públicos é
preservar a história, salvando o passado para servir o presente e o futuro.
27
Para Betânia G. Figueiredo, "Somos detentores de memória, e à medida que
exercitamos nossa habilidade para usá-la com apoio nos acervos documentais, estamos
abrindo novas possibilidades de recriação e invenção do mundo que nos cerca.” ix
A disponibilização dos documentos exige mecanismos, como a descrição do
documento, o estudo das modalidades de pesquisa, dos usuários, e ainda instrumentos
para a recuperação da informação. Estamos em fase de discussão dos instrumentos de
busca mais adequados para pesquisas neste acervo, tanto de forma convencional
(inventário, catálogo, índice, etc...) como informatizada (banco de dados e uma base de
documentos digitalizados). Apresentamos a seguir uma visão geral dos documentos
encadernados („livros‟) já trabalhados com breve descrição de cada subconjunto. Alguns
livros são constituídos pela encadernação a posteriori de documentos produzidos
isoladamente, como os Livros de Ofícios, enquanto outros são encadernados na origem
como os livros de registro de freqüência, de compras, etc. Estes últimos têm, quase
sempre, numeração das páginas com numeração impressa, ou manuscrita e referida no
termo de abertura. Estão identificados até agora 338 livros. Sua divisão em temas foi
orientada pelo tipo de documento agrupado em cada exemplar. Pela variedade dos
documentos encontrados a organização destes foi realizada em etapas, e consideramos
que até o presente momento nos encontramos numa fase preliminar de catalogação, pois
a constante descoberta de novos documentos, de natureza diversa daqueles já
encontrados, nos obriga a repensar as divisões previamente estabelecidas.
Descrição dos documentos:
Livros de Folha de Pagamento (104 volumes) - registram a contabilidade das
remunerações dos funcionários. O primeiro livro data de 1871 e o último de 1933,
28
sendo que dentro desse período há mudança no formato do documento. Todos trazem a
quantia recebida, os descontos e impostos cobrados.
Livros de Exame (97 volumes) - trazem a relação alfabética dos alunos, as
matérias e o ano das provas realizadas, a avaliação do aluno e o nome dos
professores/examinadores. O período que esse material abrange é de 1852 a 1954, com
cada livro registrando em média 25 anos.
Livros de Matrícula (52 volumes) - trazem a relação alfabética dos alunos
matriculados nas disciplinas de cada ano do curso médico, e alguns registram os
resultados dos exames precedentes. O período é de 1835 a 1933 tendo em média 30
anos cada volume.
Livros de Atas (21 volumes) - contêm as atas produzidas nas reuniões da
Congregação da Faculdade de Medicina e nas reuniões do Conselho Departamental da
mesma. Seu período (pelo menos até agora) é fragmentado, abrangendo o livro mais
antigo os anos de 1831 a 1839 e o mais recente os anos 1957 a 1961.
Livros de Minutas (11 volumes) - são resumos de documentos tanto internos
quanto externos à Faculdade de Medicina e tratam de questões ligadas à sua
administração. São anuais e cobrem o período de 1918 a 1928.
Livros de Ofícios (10 volumes) - são formados de documentos internos e
externos contendo pedidos e respostas de diversas instituições públicas e privadas
localizadas em território nacional e do exterior, com conteúdo variado. O livro mais
antigo contém documentos de 1854 a 1864 e o mais recente data de 1928.
Livros de Vestibular (10 volumes) - possuem informações gerais sobre os
candidatos e sua situação no concurso, inclusive notas. O período de cobertura é de
1852 a 1933.
29
Livros de Títulos e Nomeações (06 volumes) - trazem informações a respeito
dos funcionários da Faculdade de Medicina - data de admissão, data de falecimento. O
mais antigo é de 1854 e o mais recente termina em 1937.
Livros de Títulos e Diplomas (05 volumes) - encontramos a titulação
concedida pela Faculdade de Medicina e a forma como era obtida. Tais livros abrangem
o período de 1888 a 1937.
Livros de Ponto de Funcionários (04 volumes) - registram os horários de entrada e
saída dos empregados, bem como os seus nomes e a posição que ocupam no quadro da
Faculdade de Medicina. Nesses livros encontramos informações sobre as faltas dos
funcionários e por vezes seus motivos.
Livros de Candidatos a Cadeiras (03 volumes) - apontam nomes dos concorrentes
aos diversos cargos oferecidos pela Faculdade de Medicina no período de 1832 a 1962,
bem como sua concordância com as normas estabelecidas por essa instituição para a
participação no concurso.
Livros de Defesa de Teses (03 volumes) - trazem a relação alfabética dos alunos e o
resumo de suas teses defendidas na Faculdade de Medicina no período entre 1852 e
1943.
Livros de Editais (02 volumes) - trazem informações sobre aberturas de concursos e
licitações para responder às demandas administrativas e pedagógicas da Faculdade de
Medicina (inclusive construção de novas instalações) no período entre 1866 e 1943.
Livros de Portarias e Licenças (02 volumes) - portarias do diretor da Faculdade de
Medicina, e as dispensas dos funcionários com dados como motivo e período de
afastamento.
30
Livro de Colação de Grau (01 volume) - traz a relação alfabética dos alunos dos
cursos de Farmácia e Obstetrícia que obtiveram seus diplomas entre 1867-1909, bem
como a data da colação e as assinaturas dos alunos e do funcionário responsável.
Livro de Cartas Imperiais de Nomeação de Lentes (01 volume) - traz as
nomeações de Lentes (professores) para a Faculdade de Medicina entre os anos de
1854-1926. As nomeações são sempre realizadas em nome da autoridade maior do
território brasileiro, o Imperador ou autoridade regente até 1889 e o Presidente da
República nos anos que seguem.
Livro de Parecer (01 volume) - traz uma série de pareceres sobre diversos assuntos
relacionados à Faculdade de Medicina publicados entre os anos de 1876 e 1893.
Livro de Processos de Alunos (01 volume) - traz os nomes dos alunos por número
de ordem, o dia de entrada do processo, o assunto a que se refere e seu número. Trata-se
dos processos abertos entre os anos de 1945 e 1947.
Livro de Licença dos Lentes (01 volume) - traz em ordem alfabética os nomes dos
professores que pediram licença, bem como os termos da concessão das mesmas no
período entre 1933 e 1940.
Livro de Clínica Obstétrica (01 volume) - traz informações sobre as pacientes dos
alunos do Curso de Clinica Obstétrica da Faculdade de Medicina nos anos de 1891 e
1892. As informações dizem respeito ao nome da paciente, moradia, profissão, estado
civil e condições médicas gerais, além de um detalhado parecer sobre a situação da
gestação, do feto, um quadro de acompanhamento dos batimentos cardíacos, descrição
do tratamento e, quando é o caso, um parecer sobre o estado de saúde do recém nascido,
e data de admissão e alta do hospital.
31
Livro de Relação de Material (01 volume) - traz a relação do material adquirido
pela Faculdade de Medicina para realização das suas atividades docentes e
administrativas no ano de 1921. No livro encontramos discriminados os setores da
universidade para onde cada material era destinado.
Outros conjuntos documentais
A Pinacoteca
Iniciada no século XIXx a pinacoteca soma hoje 137 quadros a óleo sobre tela.
Os pintores incluem nomes dos mais representativos da pintura no Brasil desde o século
XIX: Auguste Petit; Rodolpho Amoedo; Araújo Porto-Alegre; Almeida Junior; Belmiro
de Almeida; Marques Junior; Aurélio d‟Alincourt; Décio Villares; Dmitri Ismailovitch;
Guttmann Bicho; Carlos Oswald; Georgina de Albuquerque; Gustavo Dall‟Arra; Jordão
de Oliveira; Rodolfo Chambelland; Roberto Fantuzzi; Uleich Steffen e outros.
A maioria dos quadros retrata antigos catedráticos e diretores da Faculdade
(figura 2). A série de diretores continua sendo acrescida pela manutenção da tradição de
que todo diretor ao final do mandato doa seu retrato a óleo para a coleção. Além dos
retratos há cenas da vida acadêmica e da prática médica como o quadro de grandes
dimensões de Araújo Porto Alegre que retrata o momento em que o Imperador Pedro I
outorga à Academia Médico-Cirúrgica a atribuição de emissão de diplomas. E ainda a
cena de cirurgia de Roberto Fantuzzi em que todos os presentes são identificáveis. Para
tornar possível o reconhecimento dos retratados o autor concebeu um „truque‟: as
máscaras cirúrgicas são transparentes; o que não era de uso na época.
Numismática
32
Foi recentemente localizada, por professores da Faculdade de Farmácia, uma
caixa que guardava parte da coleção de medalhas comemorativas da Faculdade de
Medicina. São 36 peças que incluem medalhas mandadas cunhar pela Faculdade,
medalhas comemorativas recebidas em eventos diversos, um sinete e um molde em
gesso do anverso e reverso da medalha comemorativa dos 100 anos da transformação
das Academias Médico-Cirúrgicas em Faculdades de Medicina. Somam-se estas à
pequena coleção já anteriormente conhecida de 11 medalhas, três comendas e os selos
em bronze da Faculdade que eram utilizados para o lacre dos diplomas. (Figura 3)
Aparelhos e material de laboratórios
Localizados no prédio do Centro de Ciências da Saúde, o Instituto de Biofísica Carlos
Chagas Filho e a Faculdade de Farmácia possuem extraordinário acervo de aparelhos e
material de laboratório, grande parte dos quais integravam os laboratórios da antiga
Faculdade quando esta era a escola de medicina e de farmácia, e o Instituto ainda não
fora criado. Estes conjuntos estão sendo identificados e catalogados numa iniciativa
destas unidades. (figura 4)
As peças de cera do antigo “Muzeu Anatomo-Pathologico”
Do catálogo de 1913 deste Museu, que era parte da Faculdade de Medicina,
constam 1085 peças entre lâminas, peças conservadas em formol, e 689 peças em cera
assinadas por J. Talrich, Ossian Bonnet e outros. Destas últimas restam hoje menos de
20, conservadas pelo Museu do Departamento de Anatomia da UFRJ. (figura 5)
O Museu Virtual
33
Os esforços de recuperação de livros, documentos e quadros, fizeram reviver o
antigo sonho de organização do Museu da Medicina. No entanto, estes esforços também
indicaram novos caminhos. A convergência de propósitos dos diversos projetos em
curso e a evidente divergência de necessidades e usos de acervos documentais tão
diversos deram origem à proposta de construção de um Museu Virtual. Neste espaço
dinâmico, cada usuário pode construir seu próprio percurso através de espaços reais
contíguos ou não, públicos ou não, e a qualquer hora. Pode também seguir viagem para
outros espaços de seu interesse, através de links temáticos. A construção virtual permite,
de forma mais ágil e com menor custo, dar acesso a objetos e documentos e a
informações complementares, e indicar novos caminhos de pesquisa para o usuário. Ao
mesmo tempo, possibilita a recuperação, manutenção e exposição dos vários acervos,
em áreas físicas diversas de acordo com as necessidades de cada conjunto documental.
O espaço virtual permite também integrar ao Museu, acervos particulares não
disponíveis para visitação. Em levantamento preliminar identificamos grande interesse
de professores, ex-alunos, e seus familiares, em integrar coleções de documentos,
objetos diversos e fotografias que registram momentos vividos na Faculdade. O trabalho
de identificação e descrição dessas coleções deve gerar também um arquivo de
depoimentos orais que poderá estar acessível através do Museu Virtual.
Desde novembro de 2005, está em funcionamento o Museu Virtual da Faculdade
de Medicina, no endereço www.museuvirtual.medicina.ufrj.br. Além da exposição dos
documentos, quadros, fotografias e objetos, na perspectiva do museu como algo
dinâmico, com objetos que não possuem interpretação estática, e contribuem para a
ampliação da visão de mundo de seus „visitantes‟, o Museu Virtual pretende ser um
lugar de resgate da história da instituição. Assim, o conhecimento/informação exposto
34
com os diferentes recursos, ainda que de forma limitada/incompleta deve funcionar
como uma âncora para a construção da memória e a reflexão sobre o presente e o futuro
da formação médica e da Faculdade de Medicina.
Conclusão
Ulpiano B. de Menesesxi
, analisando os problemas que envolvem a cibernética e
os museus, parte de uma reflexão apoiada em quatro pontos que julga como marcantes
em nossa sociedade: uma “crise de representação”, o avanço da sociedade da
informação, uma tendência à “desmaterialização” e a ampliação do “mercado
simbólico”. Ressalta que esses traços são típicos de um período de transição. Utilizando
o conceito de “crise de representação”, podemos considerar que o museu virtual, pela
sua capacidade de representação, pode gerar um conteúdo que possui certa autonomia,
capaz de não ter relação com o real. Dessa forma a imagem virtual, não tem o
compromisso de representar o real, mas criar modelos que se referem a ele.
A informação que nos chega através da rede mundial informatizada está sempre
conectada a outras (redes), e quando não há convergência da comunicação a
fragmentação não garante a comunicabilidade dos códigos culturais; e nesse sentido os
museus devem funcionar como conectores culturais, e não simplesmente fornecer
„informações‟. Outro ponto a ser problematizado é a interferência no campo
documental, afetando categorias como proveniência e autenticidade, forçando assim,
uma reflexão sobre a nossa “sociedade da informação”. A tendência à
“desmaterialização” que é típica do ciberespaço pode favorecer mecanismos que
deslocam o significado que liga o objeto à sua produção. A transformação dos objetos
em mercadorias é um mecanismo que altera a significação, transferindo muitas vezes
propriedades que não são deles, mas sim, resultado das relações que o homem
35
estabeleceu em um mercado definido. Os museus sofrem pressão do mercado cultural e
ajustam seus procedimentos a ele na medida em que a cultura se transforma numa
modalidade de consumo. Os diversos aspectos que se relacionam à preservação, guarda,
e exposição de um acervo, certamente terão nos dias atuais que manter um diálogo com
novas tecnologias, e suas imagens serão expostas em novos meios de veiculação. Inês
Gouveiaxii
se refere a essas imagens como metáforas que podem desvendar o mundo em
que vivemos:
Creio que o próprio termo museu virtual seja uma dessas metáforas, cuja
utilização serve para aproximarmos da compreensão do que vem ocorrendo.
Entretanto, essa metáfora acolhe experiências muito diferentes, cujo grau de
utilização e de entendimento dos usos das novas tecnologias se faz em diversos
níveis.xiii
A autora esclarece que não se trata de pensar na metodologia de apropriação da
tecnologia midiática, mas conceber uma museologia aberta a novas linguagens, com
novos indivíduos, que indiscutivelmente terá que conviver com o uso da informática.
Na implantação de nosso Museu Virtual consideramos o papel da informática e também
as mudanças que podem ser apropriadas no campo museológico. Possibilitar a
interatividade bem como o acesso de um público mais amplo do que os pesquisadores
de língua portuguesa estão entre nossas propostas para o futuro próximo. Para estes
desdobramentos nos fundamentamos em trabalhos que incluem a análise e crítica dos
museus virtuais atualmente existentes, inclusive o nossoxiv
. Não acreditamos que a
criação do Museu Virtual da Faculdade de Medicina substitui a necessidade de um
espaço estruturado nos moldes tradicionais para conservação e guarda deste vasto
acervo, nem caracterizamos a cibernética como um mal necessário para resolver
problemas do espaço físico. Para essa discussão e apoio no desenvolvimento do trabalho
estamos em busca de constante interação com unidades da própria UFRJ como a Escola
de Belas Artes e o Sistema Integrado de Bibliotecas e Informação (SIBI), e com outras
36
instituições. Estamos longe da idéia de que o virtual elimina o social, e como Menesesxv
achamos ser preciso desenvolver uma postura critica permanente capaz de distinguir o
que creditar a César e a Deus. Dito de outra forma, o que se deveria analisar não é uma
eventual essência do museu virtual, mas o papel histórico e social de uma tecnologia
agindo nos museus e na sociedade.xvi
Elias da Silva Maia, nascido no Rio de Janeiro em 22/07/1974, é bacharel em História
e pós-graduado em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense e
mestrando em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
desenvolvendo seu trabalho de dissertação dentro da linha „História, Saúde e
Sociedade‟. Desde o início de 2007 participa da organização do arquivo histórico da
Faculdade de Medicina da UFRJ, trabalho que tem se revelado uma experiência ímpar
de „descobertas‟ e „reencontros‟ de documentos que permaneceram por mais de 30 anos
ocultos aos olhos dos pesquisadores.
Diana Maul de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro em 1945 e é graduada em medicina
pela UFRJ em 1970. Tem mestrado e doutorado em Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz onde começou a desenvolver pesquisas na área de epidemiologia
histórica e história de doenças. É professora associada da Faculdade de Medicina da
UFRJ, do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva e desde 2001 coordena os
esforços de resgate e recuperação de documentos da escola médica e de implantação do
Museu Virtual da Faculdade de Medicina.
1Francisco Bruno Lobo cita a Carta Régia de 05 de novembro de 1808 que autoriza o
estabelecimento dos cursos no Rio de Janeiro (LOBO, F.B. O Ensino da Medicina no
Rio de Janeiro. v.1 Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1964). A
Faculdade de Medicina da UFRJ adota a data (e a Carta Régia) como marco inicial de
seus cursos. O documento, no entanto, parece não ter existido ou ter desaparecido.
Lycurgo dos Santos Filho não cita este documento e considera que o início dos cursos
médicos no Rio de Janeiro data de 02 de abril de 1808, quando foi nomeado o primeiro
lente de anatomia do Hospital Militar (SANTOS FILHO, L. C. História Geral da
Medicina Brasileira. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1991).
ii Para uma discussão das sucessivas reformas do século XIX ver EDLER, F. O debate
em torno da Medicina Experimental no Segundo Reinado. História, Ciência, Saúde -
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 284-299, 1996; e EDLER, F. e FONSECA,
37
M. R. F. História da educação médica no Brasil. Cadernos ABEM, Rio de Janeiro,v. 2,
p. 8-27, 2006
iiiPara uma apresentação da „visão institucional‟ das reformas e do sentido atribuído a
„ter uma sede definitiva‟ ver MAGALHÃES, F. O Centenário da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, 1832-1932. Rio de Janeiro: Tipografia Barthel, 1932
iv O segundo autor era aluna à época e testemunhou esta transferência e o descarte de
parte deste acervo.
v ROCHA, G. W. F. A Faculdade de Medicina da UFRJ: os sentidos da mudança físico-
espacial da Escola da Praia Vermelha para a Ilha do Fundão. Cadernos Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 359-386, 2005.
vi
PAES, M. L. Arquivo Teoria e Prática, Rio de Janeiro: FGV, 1986.
vii
Processos tafonômicos se referem a alterações sofridas por tecidos animais post
mortem. O termo é empregado aqui por analogia caracterizando o processo de mudança
de características e de deterioração sofridas pelos documentos e objetos como
conseqüência do abandono.
viiiJARDIM, J. M. O conceito e a prática da gestão de documentos. Revista
Acervo Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p.36-42, jul/dez. 1987.
ix
FIGUEIREDO, B. G. O arquivo e seus amigos. Estado de Minas, Belo Horizonte,
Caderno Pensar p.4, 01 jul. 2000.
x Encontramos indícios de que a Pinacoteca tenha sido organizada na gestão do
Conselheiro Jobim (1842-1872), mas certamente parte do acervo já existia e não
encontramos ainda documentação que permita estabelecer melhor o processo de sua
organização.
xi MENESES, U. T. B. Os museus na era do virtual. In: Seminário Internacional
“Museus ciência e tecnologia” BITTENCOURT, J.M., GRANATO, M.,
BENCHETRIT, S. F. (orgs) Rio de Janeiro: MHN. 2007
38
xii GOUVEIA, I. A concretude do virtual. In: Seminário Internacional “Museus ciência
e tecnologia” BITTENCOURT, J. M., GRANATO, M., BENCHETRIT, S. F. (orgs)
Rio de Janeiro: MHN, 2007.
xiii
GOUVEIA, I. Op. cit. p. 101
xiv
DODEBEI, V. L. D. L. M.; GOUVEIA, I. C. Memórias de pessoas, de coisas e de
computadores: museus e seus acervos no ciberespaço. Musas (IPHAN), v. 3, p. 93-100,
2007.
xv
MENESES, U. T. B. Op. cit
xvi
Os autores agradecem a participação de Luana Ramos Sidi, bacharel em História e
mestranda do Museu Nacional da UFRJ, na organização do acervo documental aqui
descrito.
Os autores agradecem o apoio da FUJB (Fundação Universitária José Bonifácio),
da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa Carlos Chagas Filho do Estado do Rio de
Janeiro) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
no financiamento dos projetos de conservação de acervos e de pesquisa que permitiram
a elaboração deste trabalho.
Legendas das Figuras:
Figura 1 – documento da pasta de aluno de Oswaldo Gonçalves Cruz. Aprovação da
defesa de tese. (CEDEM/UFRJ)
Figura 2 – retrato óleo sobre tela, de autor desconhecido. José Correia Picanço, barão de
Goiana, iniciador dos cursos médicos no país - acervo da Faculdade de Medicina da
UFRJ
Figura 3 – fita e comendas da Ordem de Cristo recebidas pela Faculdade de Medicina
no Grau de Cavaleiro - acervo da Faculdade de Medicina da UFRJ
Figura 4 – Cumbuca de louça, circa 1900 – acervo da Faculdade de Farmácia da UFRJ
Figura 5 – Feto e cordão – peça em cera por J. Talrich (Paris); parte da série “Os
Tempos da Gravidez” – acervo do Departamento de Anatomia da UFRJ
39
ARTIGO II
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDICO NO RIO DE JANEIRO:
ASPECTOS DA REFORMA DE 1832
Elias da Silva Maia
40
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDICO NO RIO DE JANEIRO:
ASPECTOS DA REFORMA DE 1832
RESUMO
Neste artigo discutimos o papel da escola médica na sociedade brasileira do século XIX,
abordando a reforma de 1832, e apontando através da análise de documentos dos
arquivos da antiga escola médica do Rio de Janeiro, indícios da relação da Academia
Médico-Cirúrgica com o poder imperial. A reforma é também abordada como o
momento em que a medicina se institucionaliza assumindo o discurso
iluminista/científico hegemônico e subordinando todas as outras práticas de saúde
socialmente reconhecidas.
Palavras-chaves: Brasil Império, saúde, reforma, ensino médico
ABSTRACT
We discuss the role of the medical school in the eighteenth century in Brazil, in
particular the reform of 1832, through the analysis of documents found in the archives
of the old medical school of Rio de Janeiro. We try to identify elements that point to the
relation of the Academia Médico-Cirúrgica with the imperial government. The reform
of 1832 is also discussed as the moment of definitive institutionalization of the medical
profession in Brazil, when it assumes the hegemonic illuminist/scientific views
subordinating all other socially recognized health practices.
Keywords: Brazil Empire, health, reforms, medical education
INTRODUÇÃO
Neste artigo discutimos o papel da escola médica e desta profissão, na sociedade
brasileira do século XIX, abordando temas que envolvem o ensino médico neste período
41
como a reforma de 1832, vista como um episódio central. Dois pontos específicos irão
nortear a nossa discussão: a relação da Faculdade com o poder imperial, e a autonomia
da escola frente às decisões e objetivos governamentais. O Período Regencial assim
como a Reforma de 1832 são considerados um período e um acontecimento pouco
estudados. Portanto, tentaremos identificar elementos históricos desse período que
possam apontar elementos para a discussão que levará em conta o desenvolvimento do
pensamento ilustrado no Brasil.
O embate entre os médicos e os outros indivíduos que praticavam curas, é
paralelo à divergência entre o pensamento empírico e o científico, no momento em que
a ciência se afirma como discurso hegemônico nas sociedades ocidentais. A proposta da
reforma do ensino médico neste período pode ser vista como uma tentativa de síntese
que busca orientar o estabelecimento de um novo paradigma – científico - do
conhecimento médico, possibilitando uma releitura e assimilação de práticas
terapêuticas vigentes nos diversos „espaços de cura‟.
O novo discurso científico incorpora os ideais (e conceitos) iluministas do
desenvolvimento humano e das sociedades pelo aprendizado, pela educação. O poder da
instituição se define por sua capacidade de educar, de desenvolver o domínio da razão.
Neste contexto, a reforma da Escola Médica buscava a educação dos médicos
incorporando o novo discurso científico da medicina experimental, integrando esta
formação no projeto nacional de civilização e progresso.
Lorelai Kuryxvi
defende que em Portugal e no Brasil houve uma
internacionalização do debate cientifico acrescido por uma valorização do próprio país.
Porém essa não foi uma relação passiva frente à hegemonia dos modelos francês e
inglês. E o desenvolvimento da medicina cientifica guarda uma relação ainda pouco
estudada com as questões mais gerais do debate científico.
Deste modo, reavaliar o iluminismo luso-brasileiro no que se refere à produção
científica realizada no Brasil convida a uma reflexão cuidadosa das próprias atividades
científicas, pois ciência não é só teoria nem pode ser compreendida pelo critério da
adoção ou não de idéias „verdadeiras‟, ou seja, tidas como legítimas na atualidade.xvi
A partir do debate vigente no período da reforma de 1832, do texto da reforma e
de documentos da Escola Médica, procuramos apontar sinais das tensões produzidas
pela incorporação do novo discurso científico no ensino médico no Rio de Janeiro.
42
Metodologia
No século XIX, a história se torna uma disciplina científica, marcada pela
influência de Leopold von Ranke. O chamado „paradigma rankeano‟ privilegiava o uso
de fontes primárias e a busca da „verdade histórica‟, promovendo uma “revolução nas
fontes e métodos” xvi
. A ruptura com formas anteriores de escrever a História, procura
garantir a maior autenticidade e confiabilidade das fontes e leva progressivamente a uma
valorização da documentação escrita produzida pelos governos, vista como um material
que garantiria maior proximidade dos „fatos‟, levando a uma relativa negligência de
outros tipos de fontes históricas frente aos registros oficiais.
De modo geral, os arquivos oficiais dão suporte à constituição de uma narrativa
que privilegia a visão das camadas superiores e o caráter da documentação encarada
como “científica”. Também estimula o relato dos feitos dos „grandes personagens‟,
vistos como decisivos no desenvolvimento das nações. O tratamento linear da história
articulando as cronologias no tempo e na narração de eventos tidos como significativos e
caracterizado por noções de progresso e de desenvolvimento da história para um fim,
podem levar à acumulação e descrição dos dados minimizando a análise, já que a
documentação deve revelar a essência do fato histórico.
Esta história „tradicional‟, sofre abalos no século XX, com críticas voltadas para
a necessidade de superar o nível da descrição dos acontecimentos para alcançar uma
análise das estruturas e a compreensão dos mecanismos que presidem as mudanças
históricas. Surge a partir daí o alargamento do horizonte de estudo embora haja uma
continuação na centralidade da documentação escrita, não apenas “oficial” e, em geral,
das fontes primárias. A preocupação teórica em superar o entendimento do “fato
histórico” como único e irredutível visando o alcance de esquemas interpretativos mais
gerais, leva a propostas analíticas em que as estruturas são apreendidas a partir de uma
rede conceitual vista como mais importante que os eventos.
Duas correntes exemplificam esse paradigma; uma delas é a primeira geração da
Escola dos Annales.
A revista e o movimento fundado por Bloch e Febvre, na França em 1929, tornaram-se
a manifestação mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista, centrada
nas idéias e decisões de grandes homens e em estratégias diplomáticas. Contra ela
propunham uma história-problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e
43
métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamento de
objetos e aperfeiçoamento metodológico.xvi
Não podemos também esquecer a historiografia marxista que dialogou com
outras disciplinas dinamizando a História com novos métodos como a utilização de
modelos econômicos e conceitos como os de “classe social”, “infra e superestrutura”.
As fontes se ampliaram e houve uma maior problematização sobre a natureza e validade
da documentação. A idéia de que o documento é possuidor de uma “verdade” é
questionada, sendo substituída por uma visão mais crítica.
O surgimento de novos objetos e novas perguntas sobre o passado traz a
necessidade de buscar novos tipos de fontes e até mesmo uma nova forma de lê-las. Não
se trata de uma nova crítica interpretativa, mas descritiva e que aponta para as fontes,
sabendo que a leitura dos documentos depende da experiência com o período e com os
objetivos da pesquisa. O objetivo passa a ser entender o processo de produção dos
documentos e as intenções de seus autores, analisando o conteúdo e sendo crítico na
interpretação, buscando entender não só o que está escrito, mas o que os autores
queriam dizer.
Uma pesquisa mais aprofundada deve estudar o campo semântico dos
documentos, apreendendo a unidade lexical na distribuição, concordância, oposição,
contradição e incompatibilidade. Esses elementos tornam possível a análise dos
enunciados relativos à ideologia, compreendendo de uma forma mais completa o
discurso presente no documento.
A metodologia proposta para a análise dos textos nessa pesquisa considera que o
documento é portador de um discurso, e que a análise de um discurso pode efetuar-se
pela semântica, teoria do conteúdo das significações ou, como agora passou a preferir-
se, estudo das mencionadas significações que seja ao mesmo tempo gerativo
(investimentos sucessivos de sentido em patamares diferentes), sintagmático (e não
unicamente classificatório) e geral (não atado com exclusividade a um único sistema
significante) ou pela semiótica que se ocupa da expressão das significações e de sua
produção, em outras palavras, em especificar como se chega a significar alguma coisa.
(Cardoso e Vainfas: 1997, 377)
Não reduzindo a história ao texto, buscamos relacioná-lo ao contexto social e às
idéias presentes nos discursos e como elas se exprimem nas determinações extratextuais
44
presentes na produção, circulação e consumo dos discursos. O método usado não exclui
a quantificação, mas valoriza a qualidade das expressões e palavras. Algumas palavras
têm mais peso e são importantes em função do tema da pesquisa, portanto é
fundamental entender como elas coordenam, associam, identificam e se opõe entre si.
As unidades de registro e contexto levaram em conta a relação entre as características
do material e os objetivos das análises, do tema e das hipóteses.
Neste trabalho pesquisamos fontes oficiais, não para descobrir a „verdade
histórica‟, mas para tentar estabelecer através da análise documental indícios das
tensões da relação entre a escola médica e o governo imperial e, mais amplamente, entre
o discurso médico „antigo‟ e o discurso da medicina científica nascente.
Poucas são as fontes primárias disponíveis. Apresentamos a discussão destas
relações a partir do texto do decreto que estabelece as diretrizes da reforma de 1832 que
transforma as antigas Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia em
Faculdades de Medicina, e da leitura das Atas da Congregação da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro.
Para tentar uma aproximação às discussões sobre a reforma dentro da Escola Médica,
buscamos identificar documentos do Centro de Documentação do Ensino Médico
(CEDEM) da UFRJ, que pudessem conter testemunhos dessas discussões. Na
documentação já recuperada identificamos o Livro de Atas da Congregação referente ao
período de 1831 a 1839 e procedemos à leitura do mesmo.
O livro mede 40 x 27 x 6 cm e contém 210 folhas. A página de abertura é assinada pelo
então Diretor da Academia Médico-Cirúrgica, Joaquim José Marques e o texto desta
página diz que o Livro se destina ao registro das sessões da Congregação dos Lentes a
partir do ano de 1831. No entanto, a primeira Ata registrada é a de 06 de fevereiro de
1832.
O estado de conservação do livro é precário e variável entre as páginas. Assim, a
dificuldade de leitura restringiu nosso período de análise desses registros a três anos –
de 06 de fevereiro de 1832 a 06 de fevereiro de 1835.
Desenvolvimento das práticas médicas no Brasil
As práticas de cura no Brasil foram influenciadas pelas culturas indígena e
africana desde o século XVI. Essas culturas buscavam nos elementos da natureza as
45
soluções para as curas, e as crenças religiosas faziam parte do tratamento das doenças.
Os portugueses trouxeram a medicina hipocrático-galênica, e incorporaram métodos de
cura das outras tradições, com sua releitura.
No século XVIII os modelos tradicionais são contestados e os racionalistas
combatem as „crendices‟, exigindo cada vez mais que a „explicação da cura‟ se traduza
num discurso coerente com a „lógica racional‟.
O sistema educacional no Brasil consistia principalmente nos colégios e
seminários sob a direção dos jesuítas, e com a expulsão desses em 1759 por iniciativa
do Marques de Pombal, houve o que podemos chamar de um “vazio educacional”.
Até a vinda da corte em 1808, eram os físicos ou licenciados formados em
Coimbra ou outras universidades européiasxvi
, os cirurgiões-barbeiros, e os cirurgiões-
aprovados, os responsáveis pela prática médica no território brasileiro. Com a vinda da
Família Real o Brasil se torna o centro administrativo do Reino, e importantes medidas
administrativas, econômicas e culturais incidem sobre o desenvolvimento da medicinaxvi
no país. Neste contexto transformador, a cidade do Rio de Janeiro será o palco de várias
iniciativas culturais e científicas como a Imprensa Régia, a Biblioteca Nacional, os
primeiros periódicos e as instituições de ensino, inclusive aquelas hoje chamadas do
„ensino superior‟.
Muitas controvérsias envolvem o início dos cursos médicos no país. É conhecido
o ato do Príncipe Regente no ano de 1808, que manda iniciar na Bahia os cursos de
Anatomia, cujo professor tinha a responsabilidade de ensinar técnicas de ligaduras,
cortes, e operação de cirurgias. No entanto, o início dos cursos no Rio de Janeiro é
envolto em discussões sobre a existência de um decreto de 5 de novembro de 1808
criando a Escola do Rio de Janeiro. Tal documento, referido por Fernando de
Magalhães (1932) e outros, se de fato existiu, não é hoje encontrado. Lycurgo dos
Santos Filho (1989) não considera a existência deste decreto e fixa o início das
atividades no Rio de Janeiro a partir de 02 de abril de 1808, data do decreto de
contratação do primeiro professor de Anatomia, para iniciar os cursos no Hospital
Militar do Morro do Castelo, antigas instalações do Colégio dos Jesuítas.
Em 1813, o ensino médico no Brasil é reformado e organiza-se a Academia
Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro. As disciplinas do curso médico exigiram maior
espaço, que lhe foi fornecido pelo hospital da Santa Casa de Misericórdia, situado no
46
sopé do Morro do Castelo, no final da Ladeira da Misericórdia, no alto da qual se
achavam as antigas instalações dos jesuítasxvi
. A chegada, em 1816, da chamada
“Missão Artística Francesa”, contribuiu para instalar no país, uma Escola de Ciências,
Artes e Ofícios, e a existência hoje de retratos dos professores da escola médica
pintados por artistas desta „missão‟ são testemunhos do diálogo cultural desta „medicina
oficial‟ nascente.
As transformações que ocorrem na primeira metade do século XIX se
intensificam nas décadas de 20 e 30, com a publicação de periódicos e revistas
especializadas culminando em 1832 com a criação das Faculdades de Medicina no Rio
de Janeiro e na Bahia.
A medicina acadêmica nos anos 20 e 30 não tinha o monopólio das atividades
terapêuticas, o que constantemente fazia com que o Ministério do Império exigisse
explicações da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por qual motivo pessoas não
habilitadas prestavam serviços da competência dos médicos.
Tais casos de renovação de licença para o exercício terapêutico ou para a venda de
remédios sem formação ou aval acadêmico não constituíam a maior parte dos registros.
No entanto essas situações indicam flexibilidade ao tratar das atividades curativas, como
de resto acontecia em todos os aspectos da sociedade paternalista. Sobretudo,
demonstram que nem oficialmente a medicina acadêmica tinha o monopólio das
políticas de cura.xvi
Os médicos não tinham poder suficiente para impor sua vontade, mas se
manifestavam com cobrança do cumprimento das leis através das associações, das
faculdades e das publicações. A ação mais expressiva era através da assunção de
mandatos legislativos onde podiam ter uma influência mais direta na fiscalização dos
serviços médicos.
Mudanças na regulamentação da Fisicatura-Mor levaram à ilegalidade os
curandeiros e as parteiras, que foram desqualificados e perderam o direito de praticar
seus ofícios. Além da preocupação com o conhecimento da medicina e com o saber
cientifico estava presente a preocupação com a expansão do mercado para os médicos.
É importante salientar algumas mudanças na legislação do exercício das
atividades terapêuticas. As câmaras municipais passaram a controlar e inspecionar a
saúde publica, acabando com os cargos de provedor-mor, físico-mor e cirurgião-mor do
47
império. O Ministério do Império especificou as novas funções exercidas pelas Câmaras
Municipais. Os processos de autorização e fiscalização do exercício de curar ficaram
sem instância de julgamento, já que a fisicatura-mor foi extinta.
Em 1826 um decreto determinou que as academias médicos cirúrgicas
concedessem os diplomas de cirurgião aprovado e cirurgião formado. “Entretanto,
outras questões relativas ao ensino médico, como a conformação das disciplinas,
permaneceram ainda sujeitas às determinações do Governo Imperial.” xvi
Entre 1828 e 1832 parecia haver um vácuo de poder: as Câmaras Municipais
rejeitavam os processos que pediam variadas autorizações para praticar a medicina; a
Sociedade Médica do Rio de Janeiro não quis assumir a função de julgar questões
relacionadas ao ensino e ao exercício da medicina. No entanto, alguns de seus membros
lecionavam na Academia Médico Cirúrgica e foram eles que iniciaram o projeto que
levou ao processo de reforma do ensino, e que redefiniu o campo do exercício
profissional da medicina. Várias correntes iriam se enfrentar nos debates da reforma,
como aponta Ferreira:
Os ecléticos tinham em comum a rejeição pelos sistemas médicos
dogmáticos e a valorização da experiência, entendida como o acúmulo
de casos observados, e mesmo de necrópsias feitas. As estatísticas são,
para o eclético, o fundamento para a sua atividade médica; são a única
certeza de um cientista que só admitia como método a observação e era
contrária a formulação de hipóteses.xvi
O aparente vácuo criado entre a extinção da Fisicatura-Mor e a reforma de 1832,
período em que não havia meios para julgar os processos, acabou servindo de transição,
levando de forma gradual à exclusão daqueles que não tinham o reconhecimento oficial.
O momento de instabilidade que o país passava contribuiu com a indefinição da
regulamentação da profissão médica. Além disso, não havia consenso dentro da própria
classe médica quanto às práticas terapêuticas e conseqüentemente aos parâmetros para a
autorização de licenças.
Tânia S. Pimenta analisando os processos de pedido de licença para a prática da
medicina constata que “a resposta favorável ou não ao curador dependia mais do
vereador responsável pelo parecer do que de determinações elaboradas e estabelecidas
sobre o assunto.” xvi
A Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro que dentro desse
processo se transformou em Academia Imperial de Medicina, embora não tenha
48
demonstrado empenho nas fiscalizações, apontava em seu estatuto que os remédios
novos e secretos não podiam ser oferecidos ao público sem a sua autorização ou
autorização da Faculdade de Medicina.
Muitos médicos não acreditavam que a medicina acadêmica tivesse mais
eficácia que as práticas não oficiais. Um outro fator que tinha forte influência nessa
questão era que a procura da população pelas práticas alternativas não acompanhou de
imediato a institucionalização da medicina. Uma nova visão sobre as atividades médicas
deveria ser introduzida, já que a população nesse período não associava a competência
da atividade a um diploma oficial ou licença das autoridades, ou que pelo menos não era
determinante na escolha desses serviços.
Havia deficiências no ensino médico, e com isso algumas reformas foram
propostas na tentativa de solucionar os problemas. O curso de medicina da Academia
Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro carecia de condições físicas adequadas e de
recursos didáticos e profissionais. Na década de 1820, já notamos os primeiros
movimentos para organizar o ensino médico no Brasil, sendo alguns projetos
apresentados à Assembléia Legislativa. A classe médica, em 1829, mostra traços de
organização e funda a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, atual Academia
Nacional de Medicina. Os projetos que tramitavam na Assembléia Legislativa
acalentaram os debates, provocando discussões pela reestruturação do ensino médico.
A Câmara dos Deputados do Império dirigiu-se à Sociedade de Medicina do Rio
de Janeiro em 8 de outubro de 1930, a fim de que esta apresentasse um projeto para
melhorar o ensino nas escolas do Rio e da Bahia. O projeto foi denominado “Plano de
Organização das Escolas Médicas do Império”, e a Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro redigiu o documento ficando Cruz Jobimxvi
com a tarefa de apresentar a
proposta aos parlamentares que em seguida votaram e aprovaram. Esse fato mostra a
influência das organizações intelectuais e sua posição na organização cultural do país. A
colaboração que as organizações deram ao ensino se tornou fundamental para a
institucionalização da prática médica.
Alguns pontos da lei de 3 de outubro de 1832
Do plano proposto pela comissão, derivou a Lei de 03 de Outubro de 1832,
referendada pelo Ministro do Império, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. As
49
academias passavam a ser denominadas Faculdades de Medicina e seriam reguladas
seguindo o modelo dos estatutos e regimentos da Faculdade de Medicina de Paris,
enquanto não tivessem seus próprios regulamentos. A Lei de 3 de outubro é um
documento central para estudar a reforma, pois nela estão expressas as determinações
para a prática médica, e pode ser entendido por seu reflexo em um amplo quadro social
e não apenas restrito ao meio médico.
O primeiro artigo dessa Lei, já determinava que as faculdades passassem a
expedir Diploma de Doutor, e logo em seguida acrescenta que "Os que obtiveram Título
de Doutor em Medicina pelas Faculdades do Brasil, poderão exercer em todo o Império,
indistintamente, qualquer dos ramos da arte de curar”.xvi
O curso médico-cirúrgico
passou a ser de seis anos, tendo também, um curso de farmácia com duração de três
anos e um curso de partos. Os alunos aprovados seriam contemplados com títulos de
Doutor em Medicina, de Farmacêutico e de Parteira. Em outros artigos da lei, ficam
expressas as regras de jubilação e demissão dos lentes e substitutos, e a remuneração
dos professores.
O artigo 4° expressa uma forma de aposentadoria para os lentes e substitutos que
“não poderem continuar a tomar parte activa nas funcções do magistério; a destinar os
outros as cadeiras, para que forem mais idosos”. O artigo reconhecia a possibilidade de
admitir estrangeiros quando não há brasileiros com a “necessária capacidade”.
O documento atribui poderes ao governo que nesse período era composto pela
regência trina. O governo passou a ser dirigido por um único regente após o ato
adicional de 1834. No artigo 8° consta que o diretor era nomeado trienalmente pelo
governo após a indicação da faculdade de uma lista com três candidatos.
Os artigos 9° e 10° nos dão uma visão sobre o salário dos funcionários da
faculdade. Podemos concluir que a profissão não era tão valorizada; os lentes
proprietários das cadeiras e os substitutos ganhavam respectivamente um conto e
duzentos mil reis e oitocentos mil reis. O porteiro da faculdade ganhava quatrocentos
mil reis como consta no artigo 10°.
No artigo 12° está exposto que “os que obtiverem o titulo de doutor em medicina
pelas faculdades do Brasil, poderão exercer em todo o Império indistinctamente
qualquer dos ramos da arte de curar”. Já o 13° afirma que a atividade médica para quem
50
não tem um titulo conferido ou aprovado pela faculdade estava proibida, não vigorando
para os profissionais “legalmente autorizado em virtude da Lei anterior”
Ao analisar as cadeiras e sua distribuição no decorrer do curso médico
percebemos a fragmentação do conhecimento, já que o curso foi desmembrado em 14
disciplinas distribuídas em seis anos. Os estrangeiros já formados e que quisessem obter
o titulo de doutor no Brasil eram dispensados da freqüência nas disciplinas, mas
passavam por todos os testes e exames.
Nas disposições gerais é possível perceber o papel do Estado e a subordinação
da Faculdade de Medicina. Enquanto a Assembléia Legislativa não aprovasse as
disposições do 14° artigo, vigorariam os estatutos e regulamentos da Faculdade de
Medicina de Paris e quando necessário haveria regulamentos provisórios.
O ano letivo era de 01 de março a 31 de outubro, e os exames finais realizados
nos meses de novembro e dezembro. O curso constava de 14 matérias que eram
lecionadas por um professor doutor em medicina que ficava sendo proprietário da
cadeira. Havia os professores substitutos, nas seções de ciências acessórias, cirúrgicas e
médicas. Os diretores, os professores e os substitutos poderiam ser jubilados e para
serem demitidos deveria ser consultada a Congregação da Faculdade. O diretor da
Faculdade era nomeado trienalmente pelo Governo Imperial, após consultar uma lista
tríplice encaminhada pelas Faculdades. O secretário era nomeado pelo diretor e deveria
ser formado em medicina. Através de concursos os substitutos podiam preencher as
vagas dos catedráticos, e quando não existissem profissionais brasileiros para as
cadeiras, o Governo Imperial poderia admitir profissionais estrangeiros para as vagas
existentes.
Os interessados em se formar médicos participavam do processo de crescente
medicalização do espaço hospitalar, dos avanços da medicina de laboratório e deveriam
ter bom entendimento dos fenômenos físico-químicos e das leis da mecânica; e ainda,
ter competência na análise patológica com procedimentos de macro e microscopia.
O curso médico era constituído de aulas teóricas na sede da faculdade, e lições
práticas nas enfermarias da Santa Casa da Misericórdia. As disciplinas em 1833 ficaram
distribuídas da seguinte forma: no 1° ano: física médica, e princípios elementares de
zoologia; no 2° ano: química médica, princípios elementares de mineralogia, anatomia
geral e descritiva; no 3° ano: anatomia e fisiologia; no 4° ano: patologia externa,
51
patologia interna, farmácia, matéria médica, terapêutica e arte de formular; no 5° ano:
anatomia topográfica, medicina operatória e aparelhos, partos, moléstias de mulheres
pejadas e paridas e de meninos recém-nascidos; no 6° ano: higiene, história da medicina
e medicina legal.xvi
A Assembléia Legislativa decretou e foi sancionada a nova lei que inaugurou a
institucionalização e a oficialização do ensino médico. A faculdade de Medicina ganha
uma função e responsabilidade quando se responsabiliza pela verificação dos títulos de
médicos, cirurgiões, boticários e parteiras obtidos no exterior, e não concedendo mais o
diploma de sangrador. Novas exigências fazem parte dos exames de ingresso, como o
conhecimento de latim e inglês ou francês, de filosofia racional e moral, de aritmética e
geometria, além de determinar a idade mínima de 16 anos completos para admissão.
Um fato curioso era a exigência de um atestado de bons costumes emitido pelo Juiz de
Paz da freguesiaxvi
.
É possível especular que os médicos da então Faculdade de Medicina queriam
maior autonomia, uma visão mais completa demandaria uma pesquisa mais aprofundada
para saber quais os pontos específicos dos questionamentos. De concreto tem as
alterações que a Constituição de 1824 sofreu com o Ato Adicional de 1834 onde no
artigo 10° fica afirmado a competência de legislar das Assembléias Provinciais, porém,
no parágrafo 2° que se refere as questões educacionais, reafirma sua responsabilidade
quanto à instrução pública e formas de promovê-la, mas, “não compreendendo as
faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes ”xvi
A reforma de 1832 demarca a formação médica e busca a centralização nas
questões relacionas a saúde pública, no decorrer dos anos a responsabilidade das
Câmaras Municipais e do Ministério do Império foram sendo transferidos para a
Faculdade de Medicina que passou por diversas reformas para se adaptar a nova
realidade.
A reforma nas Atas da Congregação
A discussão que aqui apresentamos é ainda preliminar, resultado da primeira
leitura de documentos, pela dificuldade de leitura e limitação de tempo para realização
desta pesquisa. Nos limitamos assim, à identificação de pontos que possam sinalizar
momentos de reação e de aceitação e implantação efetiva da reforma, cuja discussão
aprofundaremos, inclusive no diálogo com outras fontes, em próximo artigo.
52
A leitura do Livro de Atas da Congregação permitiu identificar a realização de 97
sessões da Congregação no período de 06 de fevereiro de 1832 a 06 de fevereiro de
1835, sendo 16 no ano de 1832; 23 em 1833; 54 em 1834; e 4 entre 09 de janeiro e 06
de fevereiro de 1835.
A primeira Ata, de 06 de fevereiro de 1832 diz que a Congregação dos Lentes da
Academia Médico-Cirúrgica reuniu-se na Santa Casa de Misericórdia; a segunda
Congregação daquele ano, reuniu-se “na sala de Conferência da Academia Médico-
Cirúrgica”. Este último local não conseguimos precisar onde ficava. As reuniões se
alternam, irregularmente, entre estes dois locais, durante os três anos do nosso período
de observação.
Da primeira Ata consta a solicitação do governo de que a Academia envie sua previsão
orçamentária para o ano seguinte. As discussões nas 14 reuniões realizadas no primeiro
semestre de 1832 reiteram o que parecem ser os problemas mais agudos da escola
médica:
- a falta de docentes: algumas sessões contam com apenas três professores presentes e as
faltas justificadas não passam de mais três.
- a falta de instalações adequadas: em 13 de março é relatada a inspeção das salas do
Hospital Militar que seriam destinadas às aulas a partir da portaria de 09/03/1832 que
estabelece a mudança da escola médica para o Hospital Militar. A discussão desta
mudança ocupará sessões da Congregação durante todo o período desta pesquisa e não
se terá ainda concretizado em fevereiro de 1835. A questão atravessa o final da gestão
de Joaquim José Marques e toda a gestão do implantador da reforma de 1832 –
Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixoto, o barão de Igarassú. Em 07 de fevereiro de
1834, considerando a aparente impossibilidade da mudança para o Hospital Militar, o
conselheiro Jobim propõe que a Faculdade se mude para o prédio do Recolhimento das
Órfãs, ao lado da Santa Casa de Misericórdia. No entanto, esta mudança, ao contrário do
que consta de vários trabalhos contemporâneos sobre a escola médica do Rio de Janeiro,
parece não ter sido feita, já que a Congregação continua o debate sobre a mudança para
o Hospital Militar.
Em 15 de março de 1833 discute-se a organização das aulas e em 05 de maio, o lente
Américo Urzedo encaminha projeto de regulamento da escola médica.
Desde 25 de fevereiro, Guimarães Peixoto preside as reuniões como „diretor-interino‟.
53
Em 24 de maio de 1832, é proposto e aceito o adiamento da discussão do Regulamento
“tendo em vista o projeto de Reforma da Escola de Medicina que passou na Câmara dos
Deputados”. Durante todo o primeiro semestre de 1832, esta é a única menção à
Reforma. No entanto, a freqüência de reuniões e as preocupações com a organização do
ensino, a falta de professores e instalações, e ainda a proposta do Regulamento – todos
problemas aparentemente antigos – parecem ser indícios de que a Academia não estava
alheia às discussões.
Ao longo deste semestre não encontramos menção ao corpo discente a não ser em
poucos, e curiosos, episódios como em 09/06 o relato de queixas porque alunos da
Academia estavam se divertindo dando tiros no Campo do Cemitério.
De 18 de junho a 27 de outubro não há relato de reuniões. Aqui, é preciso fazer a
observação de que as Atas eram aparentemente recolhidas a este Livro após a reunião,
pois em três ocasiões temos reuniões datadas fora da ordem cronológica. Não há
também a assinatura de todos os presentes; apenas do Secretário.
A primeira reunião do segundo semestre é de 27 de outubro de 1832, posterior,
portanto, à promulgação da Reforma. Trata dos concursos docentes que serão
realizados.
A próxima e última reunião deste semestre é datada de 13 de dezembro de 1832 e trata
da solicitação da Secretaria de Estado dos Negócios do Império de um diagnóstico da
situação atual da Academia incluindo a relação dos Lentes, tempo de serviço,
vencimentos e todas as “taboas estatísticas” da escola médica.
É de se ressaltar que somente em 15 de março de 1933 aparece a denominação
“Faculdade de Medicina” no lugar de Academia Médico-Cirúrgica.
A primeira reunião do ano de 1833 trata da solicitação do governo do orçamento para o
período 1834/35.
O ano de 1833, continuando Guimarães Peixoto como diretor interino, é marcado por
medidas que indicam a progressiva implantação da reforma. Assim, em 06 de março
trata-se da nomeação de novos Lentes e das medidas necessárias para a transferência
dos alunos do Plano Antigo da Academia para o Plano Novo da Faculdade. Em 10/03 e
12/03 prossegue esta discussão e trata-se também da realização dos Exames
Preparatórios para o ingresso na Faculdade.
54
Como já mencionado, em 15 de março a reunião é pela primeira vez mencionada como
a da Congregação da Faculdade de Medicina.
As reuniões de 25 de março e 24 de abril tratam do processo de verificação pela
Faculdade dos títulos de médico, cirurgião, boticário e parteira, obtidos no estrangeiro.
Em 29 de abril registra-se a nomeação de 4 novos Lentes e a compra na Europa de
instrumentos para a Faculdade.
Em 05 de junho de 1833, Guimarães Peixoto é nomeado Diretor da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro.
Nas reuniões deste ano, os temas centrais são a implantação da reforma no ensino; a
mudança das instalações (para o Hospital Militar); a necessidade de elaboração dos
novos estatutos que substituam os da Faculdade de Paris, em uso provisoriamente. Estas
discussões atravessarão todo o ano de 1834 e, aparentemente, ainda não estão resolvidas
até o final do período de nossa pesquisa, 06/02/1835.
Na reunião de 29 de janeiro de 1834 decide-se nomear Comissão para a organização dos
Estatutos. Estes não são apresentados até o início do ano seguinte. No entanto, podemos
identificar ao longo desse ano vários „momentos de institucionalização‟ da escola
médica. Seguindo o modelo de formação norteada pelos preceitos da ilustração e da
ciência, além da discussão que já se processava da necessidade de equipar laboratórios,
em 06 de maio de 1834 é enfatizada a necessidade de organização da Biblioteca e se
propõe a confecção da lista de livros a serem adquiridos na Europa.
Em 15 de julho é aprovada a nova forma do Diploma; em 26 de setembro são aprovados
para cunhagem os selos da Faculdade de Medicina; e em 03 e 21 de outubro são
aprovados os novos modelos de becas. Sinais evidentes de uma institucionalização
crescente.
Comentários finais
Uma discussão maior da implantação do ensino médico de base científica utilizando as
fontes primárias do CEDEM/UFRJ ainda exigirá uma pesquisa mais longa nestes
arquivos. No entanto alguns comentários são possíveis e enfatizam a necessidade de
revisão de fontes secundárias amplamente utilizadas. Discutimos aqui alguns aspectos
mais gerais da reforma de 1832 e apontamos alguns caminhos para futuras pesquisas.
A institucionalização da Faculdade de Medicina de Paris, ainda no final do
século XVII e início do XVIII, transformou o leito do paciente em principal informante
55
sobre as patologias, e incorporou na descrição destas a classificação dos naturalistas
(Foucault, 1994). No entanto, a gestação de novos modelos causais que reorientariam as
pesquisas biomédicas só se dará no final do século XIX, com a proposta da medicina
experimental de Claude Bernard e da etiologia infecciosa de Koch e Pasteur (Carvalho,
1996). O caminho para a integração com o discurso científico na primeira metade do
século XIX passa por assumir os discursos da física e da química (ou, melhor dizendo,
da História Natural) no entendimento e tratamento das doenças. A investigação de
laboratório então implantada ilustra os fenômenos físicos (a eletricidade animal, etc)
mas, apenas a patologia, e seu braço microscópico, influenciam então de modo
relevante o discurso sobre as doenças (Machado, 1978). Vista de hoje, e cometendo um
„anacronismo controlado‟, a reforma de 1832 dificilmente teria como resultado maior
„eficácia terapêutica‟ na prática médica. E, de fato, esta questão só estará claramente
colocada no final do século XIX e, plenamente, no século XX.
A reforma de 1832 incorpora o discurso iluminista/científico parecendo apontar para a
legitimação da profissão quase que exclusivamente por esta via e subordinando a
formação médica (e de farmacêuticos e obstetrizes) ao desenho institucional que
corporifica aquele discurso. Como aponta Ferreira,
A diferenciação e complementaridade das especialidades clínicas
emergentes, relacionadas a novos objetos – certas patologias, áreas
limitadas do organismo humano e faixas etárias especificas – estiveram
estritamente relacionadas à mudança das condições institucionais sob as
quais se exerciam a formação e a prática médicas.xvi
Controlar o credenciamento para exercer a prática médica era o primeiro passo
para monopolizar a atividade e excluir institucionalmente os curandeiros e suas práticas.
Nesse contexto a reforma de 1932 e as outras que seguiram no século XIX buscaram
fixar os parâmetros necessários não só para a atividade dos médicos, mas também para
quem poderia ingressar na Faculdade de Medicina.
A medicina acadêmica procurou estabelecer politicamente as bases simbólicas
de sua legitimidade profissional em um ambiente secular e com várias alternativas de
modelos científicos. Essa negociação dava prestígio ao médico formado pelo seu valor
especializado na prevenção e cura. A prevenção, neste momento, tem como referência
as „doenças pestilenciais‟ e as „conjunturas epidêmicas‟ e podemos observar um
crescente engajamento dos médicos e da Faculdade na discussão da salubridade e na
56
visão da relevância das estatísticas de morbidade e de observação dos „dados da
natureza‟ (pluviometria, temperatura, ventos, etc.) para a discussão da saúde e
prevenção de doenças.xvi
Morel em trabalho recente desenvolve a tese de que o Brasil teria herdado
através de variados impressos as luzes francesas. Os livros catalogados pelo pesquisador
apontavam para os grupos letrados, e esses indivíduos estavam ligados à cena política.
Conhecidos como formadores de opinião pública os “homens de letras” agiram de
forma contundente na imprensa, e na política, participando ativamente do processo de
formação nacional. Na cidade imperial, esses intelectuais vindos das universidades
portuguesas, francesas e inglesas, formando-se em Medicina ou Direito, puseram em
prática suas idéias com as quais julgavam contribuir para o progresso do Brasil “Estes
homens de letras apresentavam-se como cidadãos e escritores ativos, como construtores
da opinião que almejavam levar a sociedade a algum tipo de progresso e de ordem
nacional”.xvi
As idéias francesas marcaram a formação do intelectual brasileiro, pela forte
influência do longo reinado de Luiz XIV – período em que “a cultura francesa se tornou
hegemônica em toda a Europa e isto contribuiu para que muitos letrados do século
XVIII olhassem as novas idéias oriundas do meio intelectual francês, principalmente o
parisiense, como modelos ou referências intelectuais que deveriam ser seguidas”.xvi
Mas, o movimento que gerou a reforma das escolas médicas do Rio de Janeiro
pode ser vislumbrado também no cenário da Grã-Bretanha apresentado por Poter e na
atmosfera do seu movimento ilustrado. Podemos notar semelhanças no surgimento
dessas idéias e na experiência vivida pelos médicos no Rio de Janeiro, pois as idéias
foram “primeiramente a expressão de novos valores morais e mentais, novos padrões de
gosto, estilos de sociabilidade e visões da natureza humana”. A Capital do império
também estava num processo que buscava “a renovação urbana, o estabelecimento de
hospitais, escolas, fábricas e prisões; a aceleração das comunicações, a expansão da
imprensa, das vias comerciais e do comportamento consumidor; a venda de novas
mercadorias e novos serviços culturais”.xvi
Guardadas as devidas dimensões, essa
realidade se assemelha à cidade do Rio de Janeiro do primeiro quarto do século XIX.
As primeiras décadas do século XIX, já expressavam o desdobramento do saber
médico-científico que se tornou dominante ao longo daquele século. A ciência se
57
solidificou rumo à especialidade com a criação das disciplinas e os ideais iluministas
estimularam o sentimento de modernização e evolução. Nesse projeto surgiu a
estruturação dos centros urbanos, a higienização das cidades, a construção de hospitais e
a criação das novas Faculdades de Medicina. Estas ações fazem parte dos caminhos
traçados pela elite brasileira para “civilizar” o país.
A idéia da necessidade de „civilizar‟ a prática médica já era comum na Europa e
também no Brasil. A reforma realizada em 1832, a exemplo do que ocorria nos países
europeus, cria um instrumento habilitador para o exercício da profissão. A partir de
1832, ninguém poderia curar, praticar cirurgias ou partejar, sem título conferido ou
aprovado pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia.xvi
O iluminismo norteou o anseio de modernidade da elite brasileira, valorizando a
ciência e condenando as práticas de cura „não-oficiais‟ e até mesmo das parteiras. Esse
movimento era contrário à chamada „medicina popular‟ amplamente praticada e
freqüentada por todos os grupos sociaisxvi
. Cabe acrescentar o papel do Estado nesse
processo e como a sociedade cortesã recebeu as novas teorias médicas, para entender
como a classe médica forjou seu presente, sua experiência e suas expectativas.
Para entender melhor esse processo, podemos nos perguntar se a Faculdade de
Medicina detinha autonomia dentro das questões médicas, frente aos poderes
governamentais no cenário cientifico e social da cidade de Rio de Janeiro, que por sua
vez passava por um momento de descentralização política. Desde o final do século
XVIII a profissão médica no Brasil já caminhava rumo à especialidade e ao
reconhecimento destacado desta atividade. A saúde pública se institucionaliza e amplia
seu campo de atuação visando afastar a imagem de país atrasado; e caberia aos médicos
formados nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia a tarefa de ajudar
nesse projeto.
Os médicos contribuíram nas críticas à falta de estrutura dos hospitais; das más
condições gerais de saúde; e da necessidade de uma legislação que enfrentasse estas
questões como vinham sendo debatidas na Europa. Os médicos buscavam através de um
contato continuo com a medicina européia, incorporar os novos avanços alcançados pela
ciência médica.
Os estudos sobre a ilustração no Brasil têm mostrado uma aproximação com a
corrente utilitarista, privilegiando o lado prático da ciência. O iluminismo não
58
transformou apenas as idéias e a maneira das pessoas agirem, mas foi um conjunto de
transformações nas redes de sociabilidade e circulação de textos impressos por
intermédio de um Estado que buscou práticas administrativas que visavam racionalizar
o funcionamento da sociedade, entendendo isto como um requisito para maior benefício
da humanidade.
O modelo hegemônico franco-inglês valorizava as práticas científicas na rotina
administrativa, e numa maior organização e classificação do conhecimento. Essas
práticas “cumpriam, muitas vezes, funções locais de manutenção de laços sociais e
reconhecimento de relações de proteção, subordinação e homenagem” xvi
. As práticas
médicas agora respaldadas pelo cientificismo estavam ajudando a transformar a
medicina em um campo autônomo e auto-justificado.
Conclusão
Koselleck nos faz pensar na justaposição dos diferentes espaços de experiência,
como também na junção de perspectivas distintas de futuro, aliadas a conflitos que
muitas vezes ainda estão em processo de formação.
A própria singularidade de um tempo histórico único, distinto de um tempo natural e
mensurável, pode ser colocada em dúvida. Pois o tempo histórico, caso o conceito tenha
mesmo um sentido próprio, está associado à ação social e política, homens concretos
que agem e sofrem as conseqüências de ações, a suas instituições e organizações.xvi
As expectativas de futuro devem ser apreendidas na própria sociedade, sendo
objeto de reflexão teórica, destinada a conhecer os limites e as conseqüências de seu
projeto.
Todos os testemunhos atestam a maneira como a experiência do passado foi elaborada
em uma situação concreta, assim como a maneira pela qual expectativas, esperanças e
prognósticos foram trazidos à superfície da linguagem. De maneira geral pretende-se
investigar a forma pela qual, um determinado tempo presente e dimensão temporal do
passado, entra em relação de reciprocidade com a dimensão temporal do futuro.xvi
A reforma de 1832 pode ser considerada próxima da segunda geração do
iluminismo inglês. Essa geração redefiniu e reafirmou a idéia de progresso e a idéia de
evolução como um desdobramento transformador. A idéia de evolução traz a noção de
transformação progressiva. Muitos profissionais da área médica eram renovadores,
59
defendiam a reforma com o objetivo de ganhar prestígio e posição social, além de
privilégio no mercado de trabalho.
O estabelecimento de um campo científico autolegitimado envolveu mais de
uma geração e só se firmou com o engajamento do Estado na sua valorização; na
medida em que as atividades científicas foram acompanhadas por transformações na
esfera da administração, das sociabilidades, das instituições, da economia e da cultura;
dentro de um contexto político onde sua legitimação se deu num espaço de afirmação de
poder.
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61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho desenvolvido nesta dissertação permitiu não apenas discutir aspectos da
reforma de 1832 do ensino médico no Brasil, mas também compreender problemas
envolvidos no resgate de fontes para esta discussão. A oportunidade de participar da
identificação e cuidados iniciais de um vasto conjunto documental recém resgatado de
uma situação de guarda e conservação extremamente precária, nos permitiu conhecer de
perto diversas dimensões e questões institucionais freqüentemente envolvidas nestes
trabalhos.
Grande parte da documentação de cunho administrativo é tradicionalmente vista
apenas por seu valor imediato e freqüentemente submetida a uma destruição
indiscriminada ou uma guarda sem critério dos conjuntos documentais. No caso do
acervo da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da
UFRJ) apenas as Atas da Congregação são explicitamente assumidas como de „registro
da memória‟ pela instituição e não submetidas a processos periódicos de descarte. No
entanto, paradoxalmente, o abandono a que foi relegada esta documentação após a
mudança da antiga sede na Praia Vermelha para a Cidade Universitária, preservou séries
de documentos que teriam sido descartados se estivessem “adequadamente arquivados”,
como as pastas individuais de alunos. Estas têm permitido não apenas identificar
documentos de alguns „alunos notáveis‟ e resgatar aspectos interessantes de suas
trajetórias como, por exemplo, discutir a implantação das reformas vis a vis sua
representação nas provas e outros trabalhos de alunos. Entendendo o papel histórico dos
arquivos que tratam de instituições e assuntos nacionais, nos identificamos com o
princípio de que a atuação não deve ser passiva na custódia de documentos de grande
valor para a pesquisa histórica. A falta de recursos freqüentemente compromete um
62
trabalho que deve ser realizado paulatinamente, construindo um arquivo bem
estruturado e com pessoal capacitado. Sendo um arquivo de órgão público, deve
possibilitar o acesso à informação a que todo cidadão tem direito; a pesquisa através dos
documentos; e a preservação da memória da instituição pública. Defender os arquivos
públicos é preservar a história, salvando o passado para servir o presente e o futuro.
A possibilidade de leitura das Atas da Congregação da Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro permitiu ampliar nossa discussão sobre a reforma de 1832 incluindo
novos aspectos não passíveis de percepção através da leitura das leis e decretos ou das
fontes secundárias disponíveis. Desdobrando o projeto atual, daremos prosseguimento
ao trabalho para incluir a discussão do que nos é apontado por um conjunto mais amplo
de fontes como as „pastas de alunos‟ e os livros de registro de compras de equipamentos
e insumos de laboratório. Estes últimos, à primeira vista uma leitura árdua e pouco
estimulante, nos mostram a vida dos laboratórios quando podemos reconstruir as aulas e
pesquisas desenvolvidas a partir de considerações sobre o emprego dos insumos e
funções dos equipamentos. Pretendemos assim, prosseguir na linha de pesquisa atual
aprofundando a discussão dos impactos da reforma de 1832 na formação médica no
Império.
64
ANEXO I - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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