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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TEREZINHA DE SOUZA FERRAZ NUNES

IMPLICAÇÕES DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE TECNOLOGIA NA CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DE

TECNÓLOGOS

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RECIFE 2011

TEREZINHA DE SOUZA FERRAZ NUNES

IMPLICAÇÕES DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE TECNOLOGIA NA CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DE

TECNÓLOGOS

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Educação, do Programa de Pós­graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Educação na Área de Concentração: Formação de Professores e Prática Docente.

Orientadora: Profª. Dra. Márcia Maria de Oliveira Melo

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Nunes, Terezinha de Sousa Ferraz

Implicações da política de educação superior de tecnologia na constituição da docência nos cursos de graduação de tecnólogos / Terezinha de Sousa Ferraz Nunes. ­­ Recife: O Autor, 2011.

298 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Maria de Oliveira Melo

Tese (Doutorado) ­ Universidade Federal de Pernambuco, CE, Programa de Pós­Graduação em Educação, 2011.

Inclui Referências, Apêndices e Anexos.

1. Tecnologia educacional 2. Educação superior em tecnologia 3. Diretrizes curriculares I. Melo, Márcia Maria de Oliveira (Orientadora) II. Título

CDD 371.1 UFPE (CE 2011­086)

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Ao meu querido Assis, que, com o seu amor, dedicação, companheirismo, compreensão e algumas renúncias, favoreceu as condições necessárias à realização deste trabalho e proporciona o apoio de que necessito para, a cada dia, recomeçar. “Você é isso, uma nuvem calma no céu de minh'alma. É ternura em mim...”.

Aos meus filhos, Sizinho, Soraya, Júlio (filho­ genro) e netos, Guilherme e Gabriel, e às suas gerações, por quem mantenho renovada a crença no ser humano e a esperança de que um mundo melhor é possível.

Ao meu irmão, Francisco, e irmãs, Cecília, Lia, Daurinha e Cléo, exemplos da luta e símbolos da dignidade dos nossos pais, pela torcida constante, compreensão e respeito à minha reclusão necessária.

Aos meus pais, Raimundo (in memoriam) e Liquinha (in memoriam), a minha saudade e eterna gratidão.

Aos(às) professores(as) e alunos da Educação Superior de Tecnologia a quem me alio na luta por respeito e dignidade.

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AGRADECIMENTOS

Neste momento de agradecer, fica mais evidente a certeza de que, nessa longa caminhada,

foram muitas as mãos solidárias, a fim de que pudesse realizar mais essa etapa na minha

trajetória profissional e acadêmica, razão por que seria impossível encerrar aqui o meu

manifesto de gratidão.

O meu primeiro reconhecimento, expresso em ato de louvor ao Mestre dos mestres, presença

constante, alívio e força decisiva na superação de tantas intercorrências, de onde saio mais

fortalecida no seu amor.

Quero externar o meu reconhecimento ao Senac/PE, nas pessoas do seu Presidente, Josias

Albuquerque, e Diretora, Lygia Leite, pela compreensão e apoio necessários a esta conquista.

Esta é, também, uma oportunidade de agradecer e confessar, publicamente, que a UFPE/CE/PPGE e CCSA são siglas e láureas que ostento com orgulho e como símbolos de sonhos alcançados. Quero representá­las com o respeito que elas merecem.

À professora Márcia Melo, com quem divido essa vitória e agradeço a orientação cuidadosa,

incentivo, amizade, carinho, presença humana impar, solidária e companheira na condução do

processo de realização deste estudo.

Às professoras Neise Deluiz, Katia Ramos e Clarisse Araujo, pelos ensinamentos e sugestões

apresentadas por ocasião do exame de qualificação.

Ao professor Ramon Oliveira, meu eterno agradecimento, com respeito e admiração, pelos

ensinamentos que se multiplicam, pelo incentivo, confiança e perspicácia na orientação que

me conduziu ao núcleo de pesquisa: Formação de Professores e Prática Docente.

Aos demais professores e professoras do PPGE, sou grata pelas grandes contribuições que

foram decisivas na minha formação acadêmica e humana, e significativas na construção deste

trabalho de pesquisa.

Agradeço à professora Vicentina Ramires a revisão criteriosa, a interlocução paciente, a

segurança, confiança inspirada e a escuta generosa e atenta, mesmo a distância.

Aos (às) colegas de turma, o meu agradecimento pelos conhecimentos partilhados e pelas

oportunidades que me ofereceram de crescermos juntos.

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Nas pessoas de Morgana, Shirley e Izabele, agradeço aos funcionários da Secretaria do

PPGE/CE pela atenção e presteza no atendimento, em todos os momentos. Vocês nem

calculam o bem que me fizeram nas acolhidas pacientes e competentes.

Ao Centro de Educação ETHOS (campo de pesquisa), agradeço a acolhida. Nas pessoas

dos(as) entrevistados(as), agradeço as diferentes formas, os diversos momentos e as grandes

contribuições que deram sentido a este estudo. À Secretaria acadêmica, pelas informações

levantadas. Aos demais funcionários, por muitos apoios recebidos.

Foram muitos os gestos de solidariedade recebidos dos colegas de trabalho, na Faculdade

Senac/PE. Na pessoa de Polyana Amaral, agradeço a todos(as) os companheiros(as) que, de

diversas maneiras, me acompanharam, me incentivaram e contribuíram para minimizar os

esforços requeridos na gestão de uma Instituição de Educação Superior. Marcos, obrigada por

todos os gestos de incentivo e capacidade de olhar para além da profissional. Silvio, obrigada

por, em tão pouco tempo de convivência, ter sido capaz de demonstrar o seu apoio.

À colega Ana Arôxa, estendo um agradecimento especial pelo solidário apoio no que lhe foi

possível e, em especial, na intermediação no sentido de que as entrevistas fossem realizadas.

Ao colega Bruno, o meu “muito obrigada” pela participação na transcrição das entrevistas.

Externo um agradecimento especial à companheira de longos anos de trabalho – Janaisa

Falcão Sobral – pelo competente modo de compartilhar responsabilidades e pela sensibilidade

e generosidade, ao contribuir, de diversas formas (com toques, retoques, intermediações e

gestos amigos), a fim de que fosse possível cumprir as exigências que este projeto impôs.

À colega Suzana, pelo gesto carinhoso, amigo, solidário e espontâneo, pela disposição e

paciência na leitura do texto e intervenções pertinentes.

Finalmente, um abraço terno e grato à companheira Socorro (Côca), com quem, durante vinte

e cinco anos, divido as atividades diárias do lar e de quem recebo gestos de dedicação,

abnegação e acenos de tranquilidade.

Nas pessoas simbolicamente relacionadas estão os agradecimentos a todos, citados ou não,

presentes ou ausentes, que constituem parte da minha história de vida.

Este é, também, um convite à celebração por esta conquista!

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Daquilo que eu Sei Ivan Lins

Daquilo que eu sei Nem tudo me deu clareza Nem tudo foi permitido

Nem tudo me deu certeza...

Daquilo que eu sei Nem tudo foi proibido

Nem tudo me foi possível Nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos Não tapei os ouvidos

Cheirei, toquei, provei Ah! Eu usei todos os sentidos

Só não lavei as mãos E é por isso que eu me sinto

Cada vez mais limpo! Cada vez mais limpo! Cada vez mais limpo!

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RESUMO

O objeto deste estudo é a constituição da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia, investigada sob as influências da política de Educação Superior Tecnológica. Problematiza a dualidade da educação brasileira no âmbito da Educação Superior e suas implicações na constituição identitária docente. Discute as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para esta modalidade acadêmica como materialidade discursiva instituinte de sentidos e projeto de identificação das IES, dos cursos e dos sujeitos educativos (professores/as e aluno/as). A Análise Crítica do Discurso foi utilizada como referência analítica, nos termos formulados por Fairclough (2001), o que possibilitou compreender os discursos pedagógicos oficial, institucional e docente, em suas dimensões de prática discursiva e prática social, e favoreceu o debate em torno da refração e recontextualização dos discursos, bem como as influências das relações ideológicas e de poder e suas implicações na constituição identitária docente. O corpus do estudo é constituído de leis, decretos, portarias, documentos institucionais e outros normativos que orientam a prática docente, bem como da prática discursiva docente, ampliado por bases teórico­conceituais, políticas e culturais, entre outras. A análise dos discursos oficial, institucional e docente está ancorada nos estudos de Basil Bernstein, em interlocução com Ball e Bowe, que favorecem a compreensão dos movimentos da política e dos discursos pedagógicos e docente, em seus processos recontextualizados nos campos internacional, da produção de texto e no contexto da prática pedagógica. Busca ancoragem sociológica em Pierre Bourdieu, no que tange à compreensão da realidade em âmbito macro e microssocial e a intermediação dos campos e sujeitos sociais. O estudo mostra que a docência e cursos de Graduação de Tecnologia expressa uma identificação profissional em conflito, que resulta, entre outras coisas, de políticas diferenciadas que projetam identidades distintas para cursos e docência, na mesma modalidade acadêmica. Indica que os(as) professores(as) são incentivados pelos finalidades implícitas nas diretrizes curriculares, no sentido da constituição de identidade descentrada instrumental, cujos recursos constitutivos são os significadores de mercado, projetados para identidades de base econômica, não obstante insurjam fragmentos discursivos de tendência contrária à racionalidade técnica. Indica, ainda, como perspectiva, a constituição de identidade docente politicamente centrada.

Palavras­chave: Política de educação superior de tecnologia; Cursos de graduação de tecnologia; Diretrizes curriculares; Identificação docente e discurso pedagógico.

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ABSTRACT The object of this study is the creation of teaching in the Technology Institutes, studied under the influence of the policy on Higher Education of Technology. It problematizes the duality of Brazilian education in the scope of Higher Education and its implications for teacher identity formation. Discusses the National Curriculum Guidelines for this academic mode, as a discursive materiality, institutor of a sense and a project for the identification of Higher Education Institutes, courses and educational individuals (teachers and students). A Critical Discourse Analysis was used as an analytical reference in the terms formulated pursuant to Fairclough (2001), in that it allows for understanding the official, institutional and faculty pedagogic discourses, regarding their dimensions of discursive and social practice, which allowed the debate on the refraction and recontextualization of the discourses, as well as the influence of social and ideological power and its implications for teacher identity formation. The corpus of the study consists of laws, decrees, orders, official documents and other rules which guide the teaching practice as well as teaching discursive practice, enhanced by theoretical conceptual, political and cultural foundations, among others. The official, institutional and faculty discourses analysis is anchored in the studies of Bernstein, in dialogue with the Ball’s and Bowen’s (1992), that allows us to understand the movements of the political, educational and teaching discourses, contextualized in its processes in the fields of international production of text and context of teaching practice. To seek sociological grounding in Pierre Bourdieu,, regarding the understanding of reality in macro and micro­ social scope and mediation between the fields and social subjects. The study shows that teaching and undergraduate courses in Technology express a professional identity in conflict that results, among other things, in different policies which design separate identities for the courses and teaching in the same academic mode. It indicates that teachers are encouraged by the outcomes, implicit in the curriculum guidelines, in the sense of the instrumental decentralized identity constitution, whose constituent resources are the market indicators, designed for basic economic identities, despite the fact that it raises discursive fragments against technical rationality. It also indicates, as perspective, the constitution of a politically centered teaching identity.

Keywords: Policy for higher education of technology; Technology Graduation Courses; Curriculum guidelines; Teacher identity and pedagogical discourse.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Dinâmica (Inter)Intrarrelacional ou de mobilidade do discurso pedagógico

oficial................................................................................................................... 97

Figura 02: Principais componentes da universidade............................................................ 130

Figura 03: Dinâmica intra e interrelacional constitutiva da docência, no âmbito da IES...... 132

Figura 04: Organização da Educação Superior no Brasil ................................................... 162

Figura 05: Organização da Educação Profissional e Tecnológica ....................................... 163

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Concepção Tridimensional do Discurso ............................................................ 79

Quadro 02: Conceitos básicos de Análise Crítica do Discurso .............................................. 82

Quadro 03: Corpus Documental .......................................................................................... 83

Quadro 04: Análise do Corpus da Pesquisa ......................................................................... 84

Quadro 05: Expressões de materialidade discursiva dos Projetos Pedagógicos dos Cursos

superiores ....................................................................................................... 214

Quadro 06: Conhecimento Recontextualizado ................................................................... 219

Quadro 07: Formação profissional dos professores pesquisados ........................................ 229

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Evolução do Número de Matrículas na Educação Tecnológica, por Categoria

Administrativa 2004 a 2009 ............................................................................. 176

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

3D

ACD

ANDES­SN

Terceira Dimensão

Análise Crítica do Discurso

Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

ANPED Associação Nacional de Pós­graduação em Educação

ANT Associação Nacional dos Tecnólogos

ANS Ainda Não Suficiente

B Bom

BM Banco Mundial

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEFET Centro Federal de Educação

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CNE/CES

CNE/CP

Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior

Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno

CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia

CPA Comissão Própria de Avaliação

CREA Conselho Regional de Engenharia

CRO

CRP

Campo Recontextualizador Oficial

Campo Recontextualizador Pedagógico

DCNG/CST

DIFES

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para os Cursos Superiores de

Tecnologia

Diretoria de Desenvolvimento da Rede de FIES

DPO Discurso Pedagógico Oficial

ENC

ENDIPE

EP

EP

EPT

Exame Nacional de Curso

Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino

Educação Profissionalizante

Educação Propedêutica

Educação Profissional e Tecnológica

E Excelente

FHC Fernando Henrique Cardoso

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FIES

FMI

FNDE

Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

Fundo Monetário Internacional

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FORGRAD Fórum de Pró­Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras

FUNDEB

FUNDEF

IDEB

I

IES

IFES

INEP

LDB

Fundo de Desenvolvimento de Educação

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Insuficiente

Instituição de Ensino Superior

Institutos Federais de Educação Superior

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

MEC Ministério de Educação

MP

NDE

Medida Provisória

Núcleo Docente Estruturante

O Ótimo

OCDE Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico

ONGS Organização não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OREALC Oficina Regional de Educação da UNESCO para América Latina e Caribe

PCE/CREDUCO Programa de crédito Educativo/Sistema de Crédito Educativo

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

PNE Plano Nacional de Educação

PPC Projeto Pedagógico de Curso

PPI Projeto Pedagógico Institucional

PPP Projeto Pedagógico Institucional

PROUNI Programa Universidade para Todos

R Regular

REUNI Reforma Universitária

RI Regimento Interno

SESu Secretaria de Educação Superior

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SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SINAES Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior

TCH Teoria do Capital Humano

TIC Tecnologias de Informação e de Comunicação

UAB Universidade Aberta do Brasil

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 17

1.1 Considerações iniciais sobre o objeto de estudo.......................................................... 18

1.2 Objetivos e questões que delineiam a pesquisa ........................................................... 36

1.3 Traços da organização do estudo ................................................................................ 45

2 O GLOBAL E O LOCAL NA CONFIGURAÇÃO DO CORPUS DO ESTUDO

........................................................................................................................................... 49

2.1 Interdependência Global: implicações na reconfiguração da Educação Superior

Brasileira ...................................................................................................................... 50

2.2 A Política de Educação Superior no âmbito da reforma do Estado........................... 56

2.3 Educação Superior de Tecnologia: as DCNG/CST como expressão discursiva......... 66

2.4 Situando a docência na Educação Superior ................................................................ 68

3 BALIZADORES DO ESTUDO ...................................................................................... 74

3.1 A Análise Crítica do Discurso como instrumento teórico­metodológico.................... 75

3.1.1 Relações de ideologia e poder ..................................................................................... 81

3.2 Referências teóricas ..................................................................................................... 85

3.2.1 Docência e formação de professores da Educação Superior em Tecnologia:

descentramento identitário .......................................................................................... 96

3.2.2 Paradigmas epistemológicos em discussão ................................................................ 101

3.3 O currículo como projeto de constituição identitária ............................................... 114

3.3.1. O currículo organizado por competências ................................................................ 116

3.4 Elementos constitutivos da docência no âmbito nos Cursos Superiores de

Tecnologia................................................................................................................... 125

3.4.1 Profissionalização e valorização docente na Educação Superior: uma visão

panorâmica brasileira ................................................................................................ 135

3.4.1.1 Formação docente para Educação Superior de Tecnologia: em busca de uma base

comum nacional ..................................................................................................... 142

4 O DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL .................................................................. 152

4.1 Políticas para a Educação Superior: a dualidade histórica sob o manto da qualidade

e expansão ................................................................................................................. 154

4.2 Traços formais da dualidade na política de Educação Superior ............................. 168

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4.3 Considerações parciais ............................................................................................... 182

5 O DISCURSO OFICIAL NO CAMPO ACADÊMICO .............................................. 186

5.1 O campo institucional acadêmico no espaço­tempo pedagógico ............................. 189

5.2 O discurso pedagógico institucional: marcos orientadores ...................................... 192

5.2.1 Concepções, princípios e valores como expressão de um novo discurso:

o PPI 2010­2014 ....................................................................................................... 204

5.3 Traços do desenho curricular dos Cursos de Graduação de Tecnologia ................. 206

5.4 Marcas de recontextualização do discurso pedagógico oficial no campo acadêmico:

considerações parciais ............................................................................................... 214

6 MOVIMENTOS CONSTITUTIVOS DA DOCÊNCIA NO CAMPO

INSTITUCIONAL PEDAGÓGICO­CULTURAL......................................................... 220

6.1 Caracterização dos sujeitos pesquisados .................................................................. 223

6.2 Expressões de materialidade das implicações dos discursos oficial e institucional na

constituição docente nos Cursos Superiores de Tecnologia .................................... 228

6.3 A constituição da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia: em que sentido

caminha? .................................................................................................................. 239

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS ............................................................ 247

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 258

APÊNDICES ................................................................................................................... 278

ANEXOS ......................................................................................................................... 284

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17

INTRODUÇÃO

Aquilo de onde a ciência inicia a própria exposição já é resultado de uma investigação e de uma apropriação crítico­científica da matéria.

(KOSIK, 1976)

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Considerações iniciais sobre o estudo

constituição da docência na Educação Superior de Tecnologia, em seu

tempo­espaço político­pedagógico, sociocultural e histórico, mantém­se

intimamente vinculada a outros fenômenos e práticas, razão por que não se

explica por si mesma. Situada no campo da Educação Profissional, está permeada por

conflitos originados no âmbito das relações entre educação e trabalho, que acendem um

debate em torno da dualidade que distingue formação profissional e formação acadêmica. Isto

significa dizer que a docência, nessa modalidade acadêmica, enquanto campo de

conhecimento teórico­prático que diz respeito ao ensino e a aprendizagem sistematizada, por

si só comporta uma série de variáveis (conhecimentos acadêmicos, profissionalização,

trabalho, inter­relacionam, etc.). Por outro lado, na condição de docência no ensino superior,

guarda uma estreita vinculação com as finalidades sociais desse nível de educação – produção

e disseminação de conhecimentos e da cultura por meio de suas ações que inter­relacionam

ensino, pesquisa e extensão –, sem desconhecer as influências das relações capital e trabalho

que se (re)configuram e promovem efeitos na realidade social, em suas várias dimensões.

Consequentemente, a compreensão da temática – implicações da política de Educação

Superior de Tecnologia na constituição da docência – torna­se parte do desvelamento de

relações estabelecidas no âmbito macropolítico e social, bem como no microcontexto em que

está situado, ou seja, do lugar (em sua especificidade), aqui evidenciando a presença do

Estado enquanto expressão das múltiplas relações estabelecidas em torno do objeto.

Com base nos discursos oficiais podemos entender que a docência nos Cursos de

Graduação em Tecnologia, tal qual foi delineado para os Cursos de Graduação de Tecnólogos,

está dimensionada nas relações entre educação (sentido amplo, que diz respeito à formação

humana, aos valores, às atitudes, aos fins educativos, e o sentido restrito didático­

profissional), ciência (para o aprofundamento dos saberes/competências específicas),

tecnologia (aprofundamento além da técnica, do como fazer), e cultura (mundo de

significados e sentidos). Compondo um todo indivisível, a educação e a ciência – em

interação com pesquisa, cultura e tecnologia – reportam ao desenvolvimento da sociedade,

vinculando­se à formação integral dos sujeitos sociais.

No entanto, o discurso que inscreve essa modalidade acadêmica, no âmbito das

tecnologias, o faz caracterizando­a como um nível da Educação Profissional que corresponde

A

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ao ensino superior, embora sua materialidade discursiva, de forma equivocada, queira

expressar o desenvolvimento e o emprego de tecnologias complexas que emergem vinculadas

aos sistemas de produção. Isto é o que sugere a Resolução CNE/CP nº 3/02, Art. 1º, ao lhe

atribuir como finalidade “garantir aos cidadãos o direito à aquisição de competências

profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja

utilização de tecnologias”. Apropriada sob a ótica do capital, (re)nasce marcada por narrativas

que enfatizam a supremacia de artefatos tecnológicos no campo da produção, ampliando a

exclusão e as desigualdades sociais e buscando inviabilizar a possibilidade de outras formas

de convivência social. Da mesma maneira, sinaliza mitificação da “sociedade do

conhecimento” e “fetichização” dos avanços da produção de ferramentas de informação e de

comunicação (TIC) que são apresentadas de forma desvinculada da realidade socioeconômica

e vinculada ao domínio de conhecimentos mais elaborados. Entretanto, ao que nos parece, o

dimensionamento da docência no âmbito das tecnologias implica reconhecê­las como

intrínsecas à vida humana, bem como situá­las no domínio de conhecimentos necessários ao

uso das novas ferramentas de trabalho que pressupõem educação básica de qualidade e

processos educativos que integrem as várias dimensões de um ser único, sócio­histórico e

cultural. Da mesma forma estende­se à compreensão das implicações das TICs na realidade

social, bem como das tecnologias discursivas, ou seja, dos mecanismos de tecnologização dos

discursos, cuja tendência é a produção, legitimação e disseminação de performances, de

valores e de sentidos políticos e ideológicos, que visam à acomodação dos indivíduos às

prescrições sociais hegemônicas (FAIRCLOUGH, 2001a e b).

Da mesma maneira, a inscrição da Educação Superior de Tecnologia no domínio da

cultura indica como orientação a “valorização da cultura do trabalho [...] com a mobilização

dos valores necessários à tomada de decisões profissionais e ao monitoramento dos seus

próprios desempenhos profissionais, em busca do belo e da perfeição” (BRASIL/MEC/2002a,

p. 33). A despeito das distorções, entendemos que nesse âmbito educativo comporta uma

ampla discussão, entre outras coisas, vinculada à Instituição de Educação Superior (IES) que,

enquanto campo de atuação docente, possui uma cultura própria, geralmente, divergente da

cultura dos sujeitos educativos (professores/as e alunos/as, entre outros) ­ autores das suas

memórias e sujeitos de suas histórias de vida. Dessa forma, a cultura escolar, entre outras

significações, confere ao campo institucional experiências escritas, codificadas, formalizadas,

cujos conhecimentos e saberes constituídos exigem um elevado grau de abstração em relação

aos saberes e conhecimentos constituídos nos demais espaços sociais (TARDIF, 2009).

Sacristán (1996, p. 35) também reforça esse entendimento de cultura escolar como “sui

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generis” ou particular, caracterizada como “uma reconstrução da cultura, feita em razão das

próprias condições nas quais a escolarização reflete suas pautas de comportamento e

organização”. Ampliando a discussão para além da educação sistematizada, Moreira e Candau

(2007, p. 27) enfatizam a cultura como um “conjunto de práticas significantes [...] por meio

das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo”. Entendida sob essas

perspectivas, a política de Educação Superior de Tecnologia e, consequentemente, o currículo

dos cursos de Graduação de Tecnólogos – enquanto discursos pedagógicos – passaram a

figurar neste estudo como instituintes de sentido, promotores de novas identificações e de

práticas sociais.

Deste modo, em se tratando de um campo complexo, controvertido e pouco

investigado, um caminho para melhor compreensão do objeto de estudo – constituição da

docência nos Cursos de Graduação de Tecnólogos – foi o estreitamento de diálogo entre as

interfaces dos discursos que delineiam essa modalidade acadêmica, cujas implicações, nem

sempre de forma explícita, incidem sobre a docência.

Utilizamos o termo "discurso" na forma adotada por Bernstein (2003) e definida por

Fairclough (2001a) para nos referirmos ao uso da linguagem falada e escrita, cuja

materialidade discursiva se expressa em documentos orientadores da prática docente

relacionada à Educação Superior de Tecnologia, embora possa expressar, também, qualquer

signo (imagens, gestos, etc.). Entretanto, enquanto categoria de análise, o discurso indica

configurar­se como uma prática, “[...] não apenas de representação do mundo, mas de

significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significados"

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 91). Neste sentido, o discurso caracteriza­se como “[...] modo de

ação socialmente e historicamente situado, numa relação dialética com outras facetas do

‘social’ (seu ‘contexto social’) – ele é formado socialmente, mas também forma socialmente,

ou é constitutivo.” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 33).

Esses são alguns dos elementos que nos levaram a interpretar a constituição da

docência circulando por quatro vertentes, vistas em interação: 1) as múltiplas influências

internacionais e nacionais no âmbito da reforma do Estado e da educação; 2) os efeitos dessas

influências na constituição das práticas discursivas que integram o discurso das políticas de

Educação Superior de Tecnologia; 3) as implicações dessas práticas discursivas no âmbito

institucional pedagógico e, consequentemente, na constituição da docência nos Cursos de

Graduação em Tecnologia; e 4) a perspectiva de, no âmbito acadêmico, serem desenvolvidos

processos recontextualizadores e de transformação (positivas ou não) dos sujeitos, dos

campos sociais e da sociedade em geral. Não se trata de uma relação linear e determinista,

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mas interativa, inter e intrarrelacional e dinâmica, sem que uma tenha primazia sobre a outra,

tampouco existindo fim e começo. Trata­se de etapas para efeito de estudo e/ou refinamento

das ideias, de forma que, em situações pertinentes, elementos dessas variáveis são tomados

“de per si”, sem que isso signifique considerá­las independente do todo.

No sentido de dar organicidade ao estudo, na sistematização das análises, com vistas

aos resultados perseguidos, as quatro vertentes aqui apresentadas estão inter­relacionadas e

dispostas em três perspectivas de práticas discursivas: discurso oficial de âmbito nacional;

discurso institucional ou do contexto da prática; e os discursos dos sujeitos da docência,

buscando identificar e compreender inter­relações, distanciamentos, aproximações e/ou

refrações e recontextualizações dos discursos pedagógicos.

Deste modo, o corpus da pesquisa foi constituído da legislação vigente que orienta a Educação Superior e a Educação Superior de Tecnologia, na qual fazemos um recorte em

Decretos, Portarias, documentos oficiais (corpus documental), bem como dos discursos dos

entrevistados em torno do objeto de estudo. Estes elementos, ampliados pelas bases teórico­

conceituais que fundamentam o estudo, estão entrecortados pelo debate (inter)nacional em

torno do assunto, influenciado pelo contexto sócio­histórico e ideológico de sua produção.

Neste sentido, existem pontos importantes a serem considerados.

Além do quadro de implicações de ordem pedagógica, político­ideológicas e culturais

em que se encontra a docência nos cursos de tecnologia, nossas investidas no sentido de

coletar elementos constitutivos do corpus da pesquisa – quer sejam documentais, quer sejam teórico­conceituais – encontram restrições nos silenciamentos em torno do assunto e,

consequentemente, das vozes dos(das) professores(as) de cursos de Graduação de

Tecnólogos, elementos importantes para compreensão e explicitação da realidade objetiva, ou

seja, uma realidade que tem existência, independente das ideias e do pensamento, ainda que

permaneça muito pouco desvelada. Em função disso, contraditoriamente, ao mesmo tempo

em que essas limitações se interpunham aos nossos esforços investigativos, restringindo as

possibilidades da pesquisa, indicavam os desafios a serem enfrentados e contribuíam para

justificar a pertinência do estudo.

Dessa forma, passamos a incluí­las entre os referentes do objeto e sobre os quais

trazemos algumas evidências que apresentamos, em seguida.

Para denominar os silenciamentos e/ou as contraditórias presenças ausentes, damos

ênfase à ausência de participação de professores(as) da Graduação em Tecnologia, nas

pesquisas que analisam a docência na Educação Superior. Queremos, com isto, dizer que a

docência nos Cursos Superiores de Tecnologia ocupa um espaço estabelecido e

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institucionalizado por meio da legislação oficial, procurando maximizar suas posições,

embora este campo e práticas venham se revelando, aparentemente, desconsideradas, na

maioria dos estudos e pesquisas que versam sobre a Educação Superior, diante do

silenciamento das “vozes” de professores(as) da referida modalidade acadêmica, nas

pesquisas sobre docência na Educação Superior. Por conseguinte, isto também contribui para

o relativo desconhecimento dessa realidade, que se apresenta sob várias dimensões, e para o

insuficiente número de produção científica qualificada que focalize a docência e seus

professores(as), ou subsidiem seus processos de formação continuada.

Não obstante, fazemos ressalvas aos significativos investimentos realizados por meio

dos núcleos de pesquisas das universidades, que focalizam o campo do trabalho e educação,

com interfaces no âmbito da docência. Nessa esfera podemos constatar uma ampla e

qualificada produção, bem como a existência de pesquisas relacionadas à formação de

professores(as) que, em geral, trazem como elementos balizadores estudos relacionados à

Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Este, já dispõe de significativas contribuições

de pesquisadores comprometidos em contribuir para romper as “amarras” histórico­culturais

que lhe dão contornos (DELUIZ, 2004, 2001; OLIVEIRA, 2003; KUENZER 2004 a e b;

RAMOS, 2001, 2004, 2005; CIAVATTA, 2008; NUNES, 2006; entre outros). Todavia,

estamos realçando que os estudos e pesquisas relacionados aos campos da Educação

Profissional de nível técnico e da Educação Superior não dão conta das peculiaridades

inerentes à Graduação em Tecnologia. Dessa forma, situamos uma contraditória singularidade

de “presença­ausente” da docência nos Cursos de Graduação de Tecnologia e de seus agentes

no âmbito dos estudos e pesquisa. Isso nos leva à assertiva de Santos S. (2002, p. 75), quando

afirma: “temos direito à igualdade sempre que a diferença nos inferioriza. Temos direito à

diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Portanto, a “presença­ausente” a qual

nos referimos evidencia uma ambivalência e, ao mesmo tempo, indica que o campo da

Educação Superior de Tecnologia tem existência real, no entanto permanece silencioso ou

pouco explorado no âmbito dos estudos e pesquisas.

Para melhor ilustrar o que acabamos de expor, não raramente nos defrontamos com

uma significativa produção científica que discute aspectos relacionados à docência nos anos

iniciais do ensino fundamental e, em menor quantidade, aquelas que tratam da prática docente

em cursos de Licenciatura e Bacharelado, fato este que merece reconhecimento. Quanto à

Graduação de Tecnólogos, confirma­se um “silenciamento” que denuncia a relativa ausência

de estudos e pesquisas em torno do assunto. Isto é o que presumimos com base nos resultados

de investigações que figuram entre o chamado “Estado do Conhecimento”. Ainda que alguns

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possam ser considerados de pouca abrangência, em geral, os autores (ANDRÉ, 2002;

BRZEZINSKI e GARRIDO, 2001; PINTO e MOREIRA, 2007; VERMELHO e AREU,

2005; PACHANE e LEITE, 2008, entre outros) procuram analisar elementos relacionados à

formação de professores(as), variável esta inter­relacionada ao exercício da docência. Mesmo

considerando limitações de acesso ou de “fragilidade” nas bases de dados de pesquisas, ou

outras dificuldades inerentes às especificidades dos objetos de conhecimento, para o nosso

estudo importa considerar que os(as) professores(as) da Graduação de Tecnologia figuram

entre os silenciados nas dissertações e teses de doutorado que tratam da docência e das

práticas pedagógicas.

Complementando as informações anteriores, e pelo que os dados empíricos foram

revelando, é que alcançamos o interior de grande parte das universidades brasileiras 1 ,

instância, por excelência, legitimada para subsidiar a construção da qualidade social da

docência, formar professores(as), assim como constituir “lócus privilegiado” de ensino,

pesquisa e extensão. Nos termos adotados por Bourdieu (1983, p. 122), trata­se de um campo

científico de relações entre posições adquiridas, em que está em jogo o monopólio da

autoridade científica, ou seja, “o monopólio da competência científica, compreendida

enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com

autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado” (BOURDIEU, 1983, p.

122­123). Nessa esfera, as nossas observações levam a supor a existência de “fronteiras

simbólicas” entre as pesquisas que focalizam a docência e formação continuada de

professores(as) e os sujeitos da docência nos Cursos de Graduação em Tecnologia. Além

desses estudos não serem facilmente identificados nas “galerias” de produção científica e

divulgadas pelos meios que facilitam seus acessos (bancos de dissertações e teses, publicações

incentivadas, etc.), em seus diversos núcleos de pesquisa não são facilmente dados(as) a

conhecer os(as) pesquisadores(as)­orientadores(as) que elegem a docência ou os(as)

professores(as) da Graduação em Tecnologia como objeto de pesquisa.

Finalmente, nos deparamos com um vazio que denuncia a ausência de um projeto

nacional de formação docente, na perspectiva da autonomia e da emancipação dos(as)

professores(as) da Graduação de Tecnologia e, consequentemente, dos discentes.

Entre tantas outras, essas diferentes expressões de “silenciamento” compõem um

conjunto de variáveis que explicam a ausência de elementos desencadeadores de reflexões e

proposições teórico­conceituais e metodológicas das mais diversas naturezas

1 Como exemplo, consultas podem ser realizadas no “Banco de Teses e Dissertações”, disponíveis nos sites <http://www.teses.usp.br/ ou http://servicos.capes.gov.br/capesdw/ dentre outros.>. Acesso em: 22 maio 2009.

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(epistemológicas, culturais, políticas, ideológicas, éticas, entre outras), bem como de

facilitadores de uma intervenção consciente e responsável nos processos educativos, de modo

a contribuir para uma “sólida formação teórica que propicie a compreensão do fenômeno

educacional em todas as suas dimensões.” (SOUZA, 2006, p. 116). Por conseguinte, as

implicações indicam incidirem sobre a prática docente, de forma similar ao que foi

demonstrado por Nunes (2006, p. 21) em estudo realizado no âmbito do nível técnico, onde as

experiências educativas sinalizaram práticas improvisadas e/ou construídas a partir das

condições existentes no interior das escolas, situadas entre o discurso oficial, os documentos e

orientações institucionais, as experiências profissionais dos(as) professores(as), vivenciadas

no campo específico do trabalho, bem como influenciadas pelo contexto econômico que os

cerca: “um modelo vivido que geralmente se manifesta de forma fragmentada e com aparente

inconsistência teórica” (NUNES, 2006, p. 21).

Em função do que acabamos de discutir, compreendemos que os cursos de Graduação

de Tecnologia e, consequentemente, professores(as) e estudantes, necessitam ser vistos e

tratados em sua existência real, uma vez que cada parte da totalidade da Educação Superior é

composta por heterogeneidades e cada um dos componentes tem vida própria fora da

totalidade. Em circunstâncias dessa natureza, Santos S. (2006a, p. 786) sugere que a pertença

da parte “a uma dada totalidade é sempre precária, quer porque as partes, além do estatuto de

partes, têm sempre, pelo menos em latência, o estatuto de totalidade, quer porque as partes

emigram de uma totalidade para outra”, especialmente quando esse pertencimento é, até certo

ponto, figurativo.

Assim entendendo, longe de negar a totalidade ou de tomar uma parte como

independente das demais, o nosso interesse é promover uma análise que permita um maior

entendimento sobre a dicotomia: professores do curso de Tecnologia versus professores dos cursos de Bacharelado ou de Licenciaturas; Educação Superior versus Educação Superior de Tecnologia, etc., não esquecendo de que as partes até podem parecer simétricas, “mas

sabemos que escondem diferenças e hierarquias” (SANTOS, S., 2007, p. 27). Dessa forma, se

forem apresentadas a partir de uma irreal homogeneidade entre o todo e as partes, tornar­se­á

possível entrever articulações forjadas com base nas relações de poder que as unem. Dizendo

de outra forma, não raramente, experiências hegemônicas e convencionalmente idealizadas e

estabelecidas a partir de uma cultura dominante são apresentadas como suficientes para se

explicar a realidade social como um todo. Aí reside a contradição que, ao excluir e negar,

pode, também, afirmar a força oculta dos silenciosos ou silenciados, conforme nos adverte

Gonçalves (2006):

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Ao longo da história, os excluídos foram sendo aos poucos silenciados. Silenciados não é o mesmo que silenciosos. Neste caso, o silêncio é uma escolha; no outro, uma imposição do opressor. De tanto serem silenciados, muitas vezes os excluídos acabam por tornarem­se silenciosos. Esse silêncio, carregado de medo e vergonha, contém sérios riscos: podem dar origem à impotência, à apatia, ao comodismo e à anulação. Mas o mesmo silêncio esconde também a potencialidade de novas palavras, de uma nova linguagem.

De forma mais esclarecedora queremos enfatizar que a pertinência do desvelamento

das “ausentes­presenças” toma como pressuposto básico a “Sociologia das Ausências”. Neste

sentido, retomamos os estudos de Souza Santos (2006b, p. 786), que incentivam se perseguir

a transformação de “objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as

ausências em presenças. Fá­lo centrando­se nos fragmentos da experiência social, não

socializados pela totalidade metonímica [...]”. Desse modo, o desvelamento da docência nos

Cursos de Graduação de Tecnologia expressa, também, o nosso compromisso com uma nova

realidade social não hierarquizada pelas diferenças. Ele é, também, a luta contra o

silenciamento de questões pertinentes à prática docente na Educação Superior de Tecnologia,

de forma que seja possível incluí­las entre práticas credíveis e cidadãs, quer sejam públicas ou

privadas, ainda que também seja nossa a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade

socialmente referendada, em todos os níveis, como direito inalienável de todos.

As considerações feitas até aqui procuram mostrar a múltipla complexidade da qual se

reveste a docência e as muitas expectativas que possam recair sobre os(as) professores(as) de

cursos de Graduação em Tecnologia. Querem expressar, também, a nossa contribuição no

sentido de ampliar o debate em torno dos sujeitos, aparentemente, “invisíveis”, ou, ainda,

“elementos neutros” que vêm caracterizando os principais sujeitos educativos da Educação

Superior de Tecnologia (professores/as e acadêmicos). Entretanto, a discussão que acabamos

de empreender, mais do que uma composição contextualizada da temática ou uma denúncia

da ausência­presença do objeto em estudo, dá indicativo do desafio ao qual nos submetemos

nesta pesquisa e sobre o qual alude Fazenda (1994, p. 18) que é o de agir como “um

garimpeiro” em busca de “uma pedra valiosa”, cujo valor é ampliado “na medida do interesse

específico do indivíduo que pesquisa”. Ocorre que muitas vezes nos defrontarmos com

enunciados “num ou noutro texto sem que a temática [tenha sido] desenvolvida” (FAZENDA,

1994, p. 18), especialmente no que tange à especificidade da docência que nos propomos a

estudar.

No intuito de melhor desvelar e compreender o objeto estudado e compondo o corpus

documental, a Política de Educação Superior Tecnológica figura como discurso originado no

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plano macropolítico e sociocultural, permeado por relações de força, poder e ideologia, onde

são articulados acordos que incidem sobre as políticas de organização e funcionamento do

sistema de educação. Estas, fruto de sucessivas recontextualizações no âmbito dos órgãos

normativos do Estado, caminham no sentido de orientar a organização do currículo escolar

que, enquanto prática discursiva de natureza pedagógica, contém em si projetos de

identificação social constituídos pela mediação de processos de ensino e aprendizagem. Dessa

forma, as práticas educativas relacionadas às diversas áreas de conhecimento incidem na

constituição de identidades e nas práticas sociais.

A perspectiva apresentada ancora­se no entendimento de Bernstein (1996) de que o

discurso pedagógico constitui princípio de apropriação de outros discursos, cujo processo se

dá por meio da recontextualização, fato este que ocorre sempre que um texto sai de um

contexto para outro – a exemplo do que ocorre quando uma política de educação sai do MEC

(âmbito de produção dos textos pedagógicos oficiais) para as IES (campo de apropriação e/ou

consumo dos mencionados textos). Nesse processo, nos termos adotados por este autor, nas

várias circunstâncias de deslocamento dos discursos “alguns fragmentos são mais valorizados

em detrimento de outros e são associados a outros fragmentos de textos capazes de

ressignificá­los e refocalizá­los” (LOPES, 2005, p. 54). Em síntese, Bernstein (1996)

considera que “o discurso oficial é um discurso embutido, constituindo a realização das inter­

relações entre dois discursos diferentemente especializados: o discurso instrucional e o

discurso regulativo” (BERNSTEIN, 1996, p. 272).

Com relação ao discurso instrucional, este “transmite as competências especializadas e

sua mútua relação”, enquanto “o discurso regulativo cria a ordem, a relação e a identidade

especializadas” (BERNSTEIN, 1996, p. 258), tornando­se condição prévia para os discursos

pedagógicos. Na interpretação de Lopes (2001, p. 3), o discurso instrucional está relacionado

ao “discurso especializado das ciências de referência que se espera ser transmitido na escola”,

enquanto o discurso regulativo diz respeito ao “discurso associado aos valores e aos princípios

pedagógicos”. Lopes complementa afirmando que, sendo o discurso regulativo responsável

pelo domínio do discurso instrucional, é por meio dele que a ideologia intervém no discurso

pedagógico (LOPES, 2001, p. 3). Consequentemente, o discurso oficial, enquanto regulativo e

instrucional, ao se tornar pré­condição para qualquer discurso pedagógico, bem como veículo

de disseminação de ideologia e mecanismo de consolidação de hegemonia e de poder, incide

diretamente na constituição identitária dos sujeitos pedagógicos (aqui nos referindo a

professores/as e alunos/as), por meio do currículo escolar.

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Desse modo, consideramos que os discursos pedagógicos oficial e institucional

buscam ancoragem em pressupostos teórico­metodológicos com a finalidade de assegurar a

efetivação de práticas curriculares nas instituições de educação que, neste estudo,

correspondem às Instituições de Ensino Superior (IES). Ao denominarmos Discurso

Pedagógico Oficial (DPO), estamos nos referindo às políticas educacionais e seus normativos

constituídos no âmbito do sistema oficial (MEC, Secretarias de Educação e demais órgãos

regulamentadores). São reguladores das comunicações internas pedagógicas que orientam as

políticas e práticas curriculares e, juntamente com os sistemas avaliativos, instituem sentidos,

projetam identidades e, dessa forma, caracterizam­se como mecanismos de controle social.

Ao fazermos referência ao Discurso Pedagógico Institucional (DPI), estamos aludindo às

políticas, programas, projetos e normativos construídos no campo das instituições formadoras.

E, embora estes discursos façam uma apropriação do discurso oficial, há que se reconhecer a

relativa autonomia, especificidades, cultura, os processos recontextualizadores, a

intertextualidade que dá origem ao projeto pedagógico, entre outros elementos inerentes a

cada IES. Ambos os discursos são dotados de significados e de posições dominantes

ideologizadas que estão passíveis de serem transmitidos por meio das instituições formadoras.

Este entendimento aponta as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais dos Cursos

Superiores de Tecnologia (DCNG/CST) como expressão de materialidade da política de

Educação Superior de Tecnologia e, consequentemente, projeto de identidade dos sujeitos

educativos. Essa perspectiva encontra respaldo em Macedo (2010, p. 6), tal como em

Bernstein (2003), de forma que o currículo passa a ser visto como “instituinte de sentidos” e

projeto de identidade, haja vista a possibilidade de o “texto político ser normativo com vistas

a propor ou a persuadir seu público alvo de algo. [...] Nesse sentido, interpelariam os sujeitos,

tentando posicioná­los em lugares simbólicos como sujeitos sociais de discursos particulares”

(MACEDO, 2010, p. 9).

Ao assumirmos a compreensão de que os textos da política de Educação Superior em

Tecnologia que orientam os currículos escolares constituem uma prática discursiva e, ao

mesmo tempo, uma prática social instituinte de sentidos e constitutiva das identidades sociais,

estamos adotando o conceito de discurso, em versão ampliada em suas várias dimensões

(política, ideológica, cultural, pedagógica, entre outras). Esta perspectiva tem como referência

os estudos de Fairclough (2001a e 2001b) e Bernstein (2003, 1996), enriquecidos das análises

sociológicas de Bourdieu (2000, 2004, 2010a e b) e, em várias circunstâncias, numa

interlocução com Ball (1994, 2002, 2004) ­, entre outros vinculados a abordagens político­

pedagógicas e culturais ­ naquilo em que vimos pertinência e coerência.

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Ainda que, sob o nosso entendimento, pareça desnecessário, abrimos um espaço para

tecermos algumas considerações acerca das contribuições de Pierre Bourdieu neste estudo.

Ciente das críticas de “determinismo rígido” imputadas a este autor, situamo­nos entre

aqueles que, como Catani (2002, 2004) e Saviani (1983, 2009), consideram­nas superadas.

Admitimos que nas teorias bourdieusianas as relações de dominação não se realizam sem

suscitar resistência. Ao contrário do que alguns autores enfatizam, compreendemos que em

Bourdieu (2004) os campos sociais são dotados de autonomia que têm como principal

indicativo sua capacidade de refração e de retradução, que, na constituição do conhecimento

escolar, nos termos de Bernstein (1996), dá­se por meio de sucessivos processos de

recontextualização. Sob a perspectiva bourdieusiana, “inversamente, a heteronomia de um

campo manifesta­se, essencialmente pelo fato de que os problemas exteriores, em especial os

problemas políticos, aí se exprimem diretamente” (BOURDIEU, 2004, p. 22). Entretanto,

concordamos com Catani (2002) que a obra sociológica de Bourdieu, diferente das distorções

ocorridas, procura apreender a realidade, tal qual vem se apresentando, o que não significa

afirmá­la. Ao contrário, significa fazer com que a manifestação “dos ‘fundamentos ocultos da

dominação’ constitua­se em conhecimento”, ou seja, conhecer os mecanismos de dominação

“exerce um efeito libertador, pois tais mecanismos devem parte considerável de sua eficácia

ao desconhecimento, por parte dos agentes, de sua real situação” (CATANI, 2002, p. 69).

Mesmo admitindo que o seu conceito de habitus, diante de tantas polêmicas geradas, foi aqui refocalizado, os seus estudos favoreceram a compreensão de fundamentos ocultos

hegemônicos da estratificação social, das pressões externas aos campos, da exclusão das

oportunidades, das desigualdades culturais e sociais, da di­visão (duas visões) ou segmentação

de classes e de cultura, na sociedade e na educação, bem como da relativa autonomia dos

agentes e campos sociais. No que tange ao uso da categoria “agente”, ao invés de “sujeito” 2 ,

esta opção diz respeito ao seu interesse em se contrapor a questões conceituais relacionadas à

significação do que viria a ser o sujeito nas concepções estruturalistas. Acreditando ter sido

ultrapassada esta polêmica, neste estudo fazemos referência a “agentes” (expressão

bourdieusiana) e/ou “sujeitos” sociais aos quais se reporta Fairclough (2001a), visto que, na

forma aqui adotada, agentes e sujeitos não se contrapõem e ambos referem­se a seres ativos,

2 Ao justificar a opção pela categoria “agente” ao invés de “sujeito”, Bourdieu (2004, p. 21) afirma que “os agentes sociais, tanto nas sociedades arcaicas como nas nossas, não são apenas autômatos regulados como relógios, segundo leis mecânicas que lhes escapa”. Em outras palavras, o uso da categoria “agente”, para Bourdieu, significa o repúdio ao sujeito caracterizado pelo essencialismo como “preexistente à sua constituição na linguagem e no social” (Silva, 1995, p. 248), onde a estrutura (invariável e rígida) molda a experiência educacional de alunos e professores, à revelia de suas histórias e experiências.

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capazes de agir, atuando discursivamente, produzindo e se produzindo nas relações sociais e

culturais.

Portanto, diante das especificidades dos encaminhamentos teórico­epistemológicos e

objetos pesquisados por Bernstein, Bourdieu e Ball, com todas as possibilidades de riscos ao

quais possamos nos submeter, abrimos a cortina do medo que inibe novas tentativas de

compreensão dos fatos, para fazermos recortes nos estudos por eles empreendidos – com

esforço para que não haja prejuízo dos seus reais significados – e com os quais o nosso estudo

mantém grande interface. Finalmente, embora seja possível identificar divergências entre

algumas especificidades destes e de outros autores referendados nesta pesquisa, nelas

buscamos ancorarem no que apresentam de convergente e/ou pontos de superações, ainda que

estes não constituam nossa preocupação, salvo devidas exceções.

Tecidas essas considerações, retomamos o nosso interesse investigativo no sentido de

“desvelar a complexidade das práticas escolares, percebidas em permanente articulação com

os contextos sociais mais amplos [...]”, ancorada nos estudos de Bernstein (1996, p. 20), que

realçam a importância dos processos comunicativos e/ou da linguagem enquanto fenômeno

social. Esse interesse também se coaduna com Bourdieu (2004) e Fairclough (2001a e b),

quando a atenção se volta para questões relacionadas ao controle simbólico 3 das relações

pedagógicas, assim como ao conferir importância aos agentes recontextualizadores, na

modificação de textos selecionados para a inclusão do discurso pedagógico. Reportando a

Bernstein, Leite (2004) considera que, ao discutir a pedagogização do conhecimento, o autor

procura “criar uma linguagem conceitual capaz de descrever os caminhos de construção do

discurso e da prática das relações pedagógicas, priorizando os contextos escolares e

considerando fundamental nesse processo a configuração dos saberes que circulam nesses

ambientes” (LEITE, 2004, p. 37).

No quadro dessas ponderações, compreendemos que a constituição da docência se dá

por meio de um processo dinâmico, contínuo, contraditoriamente individual e coletivo, razão

pela qual, vários elementos compõem esse todo constituído e constituinte de identidades

sociais – aqui nos reportando às identidades dos sujeitos educativos (alunos/os e

professores/as) – ao mesmo tempo em que promove efeitos na realidade social. De certo

modo, estamos nos recusando a aceitar que a constituição da docência esteja circunscrita à

formação inicial e/ou a um conjunto de conhecimentos e experiências vivenciadas no

processo de ensino, da mesma forma que não se aprende a ser professor(a) a partir das

3 Designado pelo autor como “conjunto de agências e agentes que se especializam nos códigos discursivos que eles dominam” (BERNSTEIN, 1996, p. 190).

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reflexões cotidianas em torno das experiências diárias da docência, conforme alude Schön

(2000, 1995) e seguidores, embora essas sejam condições geradoras de possibilidades do

desenvolvimento profissional e do exercício crítico­reflexivo enquanto elementos

potencializadores da constituição de identidade sociais. No âmbito da constituição da

docência na formação de Tecnólogo, não seria demais enfatizar, também, a nossa recusa em

aceitar o mercado de trabalho como eixo central dos processos de ensino e aprendizagem e

maior referência dos processos constitutivos da docência. Essa perspectiva adquire

materialidade, essencialmente, na formação e desenvolvimento de competências que buscam

o “controle da força de trabalho” por meio de “estratégias de ressocialização e aculturação

pela conformação da subjetividade do trabalhador”, visando “a possibilidade de um controle

menos formalizado e mais difuso sobre a força de trabalho, evitando­se as resistências e os

conflitos” (DELUIZ, 2001, p. 2).

A nossa perspectiva de constituição da docência vai além da ideia de “construção”

enquanto processo ou encadeamento contínuo que leva os profissionais a se tornarem

professores(as), mas como processo que se renova a cada dia em diversas circunstâncias e na

interação com diferentes sujeitos. Concordamos com Pimenta e Anastasiou (2008, p. 77) que

o processo constitutivo do(a) professor(a) se dá “[...] com base na significação social da

profissão; na revisão constante dos significados sociais da profissão; na revisão das tradições

[nas] práticas consagradas culturalmente que permanecem significativas”. Nesse processo,

enquanto constitutivo de identificação, trata­se de um processo que contempla “o confronto

entre as teorias e as práticas, na análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, na

construção de novas teorias” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 77).

Essa compreensão evoca o pressuposto de que os sentidos e significados do trabalho

docente resultam e constituem parte das relações sociais em diferentes épocas. Por

conseguinte, a constituição identitária docente reflete um processo histórico e social,

constituído em permanentes interações, nas diferentes relações sociais vivenciadas ao longo

da vida de cada indivíduo e em seu conjunto. Deste modo, a identidade social, da qual a

identidade profissional docente constitui dimensão significativa, passa a ser entendida como

síntese articuladora entre as identidades individual e coletiva. Na forma discutida por Dubar

(2005, p. 133), seria “[...] uma transação ‘interna’ ao indivíduo e uma transação ‘externa’

entre os indivíduos e as instituições com as quais ele interage”.

Também requer consideração o uso que estamos fazendo da categoria identidade. Para

as finalidades desta pesquisa, apropriamos a forma adotada por Guimarães (2006) e optamos

por fazer uso do conceito de identidade relacionando­o ao “âmbito da cultura profissional”, do

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cultivo da profissionalização e, mais especificamente, no sentido do pertencimento e da

identificação com a docência, considerando serem essas vertentes disposições

potencializadoras da constituição e/ou formação docente.

Importa considerar que os cursos de Graduação de Tecnologia, em sua dimensão

constitutiva e constituinte, no contexto deste estudo assumem relevância em virtude de se

tornarem oportunidade de trabalho para muitos(as) professores(as) e, dessa forma, tornarem­

se elemento constitutivo da docência e dos discentes. Da mesma forma, esses cursos vêm de

encontro a interesses de empresários da educação, necessidades dos jovens e adultos,

enquanto um valor social apropriado, e um significado simbólico constituído e partilhado

socialmente: a conquista do diploma de nível superior.

Desse modo, estamos cientes de que este estudo não se circunscreve ao compromisso

com os sujeitos da docência, mas se estende aos principais sujeitos educativos (professores/as

e alunos/as) e à sociedade, ou seja, foi realizado no sentido de contribuir com o debate em

torno da Política de Educação Superior de Tecnologia e seus efeitos sobre processos

constitutivos de identificação pessoal e social de significativa parcela da população, que busca

nesses cursos uma oportunidade de trabalho ou a realização do “sonho universitário”, e que

depositam suas esperanças nessa difundida possibilidade de “ampla formação tecnológica”,

em curto espaço de tempo, com perspectiva de “rápida inserção no mercado de trabalho”.

Suas finalidades se estendem, também, a uma dimensão mais ampla de contribuição em favor

de uma sociedade que queremos ver transformada.

Em função das controvérsias instaladas em torno do assunto e para situar melhor o

objeto de estudo no sistema de relações nas/pelas e a partir das quais se realizam a prática

docente, bem como no sentido de investigar o campo de atuação dos(as) dos(as)

professores(as) da Educação Superior de Tecnologia, fazemos um recorte a partir da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), quando a Educação Profissional

estende sua atuação ao nível superior, sendo essa proposta reforçada pela Lei Complementar

nº 11.741 de 16/7/2008, que altera dispositivos da LDB 9.394/96 e atribui a denominação de

Educação Profissional e Tecnológica, abrangendo a formação inicial e continuada ou

qualificação profissional, educação profissional técnica de nível médio e Educação

Profissional Tecnológica de Graduação e Pós­graduação. Sob esta perspectiva, transitamos

em meio ao Parecer n. 29/2002 CNE/CP e à Resolução CNE/CP nº 3, de 18/12/2002 do

Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), que tratam das Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos Cursos Superiores

de Tecnologia (DCNG/CST), sem desconsiderar a Lei 5540 de 28/11/1968 que implanta uma

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Reforma Universitária e dá origem aos primeiros Cursos Superiores de Tecnologia,

vinculados à ideia de “curta duração” 4 . E, por se tratar de uma prática discursiva que recebeu

fortes influências do projeto de sociedade neoliberal, no corpus documental, as DCNG/CST assumem posição de destaque, visto que expressam materialidade desveladora das relações de

poder e ideologia presentes em outras práticas discursivas oficiais.

O que estamos a afirmar é que o pensamento liberal mantém­se vivo, entre outras

formas, por meio de políticas que, apesar de não terem sido capazes de promover as mudanças

anunciadas, especialmente em relação ao aumento da produção tecnológica, a elevação das

taxas de inserção dos egressos no mercado de trabalho, crescimento econômico, com

desenvolvimento social, continua revelando a sua força política e ideológica, não obstante o

desvelar da crise desse modelo e a constituição da sua recomposição (pós­liberalismo), nos

últimos anos.

É bem verdade que o papel do(a) professor(a) e, consequentemente, da docência, pode

não se encontrar, explicitamente, estabelecido por meio das DCNG/CST. No entanto,

conforme muito bem adverte Lawn (2001), mesmo quando os(as) professores(as) aparecem

“invisíveis”, ou como “elementos neutros” – “massa imutável e indiferenciada que permanece

constante ao longo do tempo e do espaço” (LAWN, 2001, p. 118) – essa forma de descrição

dos(as) professores(as) “pode tornar­se mais acadêmica, especialmente quando se exprime

noutros fenômenos educativos, como a avaliação, aprendizagem, conhecimentos específicos

da disciplina, etc”. Para esse autor, não raramente, os(as) professores(as) constituem “parte

necessária de uma proposta educativa, embora surjam, nessa mesma proposta, como sombras,

representantes ou sujeitos” (LAWN, 2001, p. 118). Nessa estreita vinculação, a identificação

profissional torna­se “componente essencial do sistema, fabricada para gerir problemas de

ordem pública e de regulamentação” (LAWN, 2001, p. 118). Portanto, a constituição

identitária da docência envolve o Estado, por meio de leis, decretos, políticas e seus

desdobramentos em diretrizes curriculares, projetos, entre outros, por meio dos quais se faz

presente o poder e/ou força do Estado em suas múltiplas relações. Nela também estão

presentes as influências das relações de poder e ideologia que incidem sobre as subjetividades

dos sujeitos educativos (professores/as e estudantes).

Por conseguinte, a força social da qual se nutrem as práticas discursivas oficiais, vista

sob a ótica de Bourdieu (1998), está vinculada, entre outras coisas, ao poder político e

4 A Lei 5540 de 28/11/1968, que implanta uma Reforma Universitária, em seu Artigo 23, Parágrafo 1º, estabelece a implantação de “cursos profissionais de curta duração, destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior”, em diferentes áreas, para “fazer face a peculiaridades do mercado de trabalho regional” (Artigo 18).

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econômico que fortalece o seu discurso, bem como os interesses específicos de quem produz e

a lógica do campo de produção desse discurso, ainda que sua legitimidade esteja vinculada ao

poder simbólico, ou seja, à capacidade de convencimento e de atrair adeptos. Na verdade, a

ideologia atribuída à força do discurso político, e, portanto, ideológico, nos estudos de

Bourdieu (2000, 2008, 2010a e b) revela­se traduzida no que vem a significar “sistemas

simbólicos”, “sistemas ideológicos”, “representações do mundo social”, “história reificada”,

entre outras expressões que buscam explicar as relações sociais e de poder, considerando que

este autor parece evitar o uso do conceito de ideologia diante das divergentes utilizações feitas

socialmente. No entanto, nos termos adotados por Bourdieu (1983), a relação de poder está,

de certa forma, vinculada à hierarquização do poder ou ao capital simbólico apropriado pelos

agentes. Por sua vez, este poder simbólico pode ser traduzido em capital financeiro, cultural

(conhecimentos adquiridos), entre outros valores socialmente referendados, acumulados a

partir da família ou histórias de vida, os quais são determinantes na formação de habitus

(BOURDIEU, 1983, p. 61).

Sobre estas considerações, embora não utilizado como categoria de análise,

reafirmamos que estamos assumindo o entendimento de habitus – originado em Bourdieu – na forma ampliada por Dubar (2005), vista enquanto constituição identitária que ocorre por

meio de sucessivos processos de socialização, conforme abordaremos em discussão posterior.

Entretanto, sob o nosso entendimento, a concepção bourdieusiana de habitus, embora controvertida, permite reconhecer os campos e agentes sociais dotados de relativa autonomia

e de capacidade de refração e de retradução das pressões externas, admitindo­se pensar os

sistemas simbólicos presentes na produção do discurso político enquanto constitutivos do

habitus primário da profissão. Falando de outro modo, diz respeito às influências sobre os sentidos que se atribuem às primeiras formas de ser e de estar na profissão, ou seja, aos efeitos

sobre as bases (que não são permanentes) de constituição das primeiras identificações com

uma profissão. Desse modo, estamos também defendendo que a autonomia é uma conquista

individual e coletiva permanente e exercício explícito constante. Esta perspectiva abalizada

por Castoriadis (1992, p. 140) significa que “a autonomia é o agir reflexivo de uma razão, que

se cria num movimento sem fim, individual e, ao mesmo tempo, social. Assim sendo, torna­se

impossível pensar a autonomia individual sem concebê­la como ação coletiva. Isto significa

dizer que, se buscamos conquistar uma autonomia é porque cada um encontra em si, “[..] um

sentido que não é o seu e que tem que transformá­lo utilizando­o; se a autonomia é essa

relação na qual os outros estão sempre presentes como alteridade [...], então a autonomia só é

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concebível, já filosoficamente, como um problema e uma relação social (CASTORIADIS,

1991, p. 130).

Comporta, ainda, advertir que a nossa perspectiva de análise, ao tomar o objeto

estudado como prática social, expressa um esforço de superar a lógica positivista de

generalizações e de neutralidades das técnicas de análises de sujeito e objeto de pesquisa e de

verdade absoluta como uma meta, ao mesmo tempo em que reconhece os mecanismos de

relações de poder e hegemonia no desenvolvimento e na explicitação dos fenômenos

socioculturais e políticos. Isto expressa o que Silva Junior (2004, p. 2) identifica como uma

“recusa à perspectiva absolutista de uma lógica formal, ainda que não desconsidere sua

validade nem subestime sua necessidade de explorar o conhecimento”. Logo, a distribuição

dos temas e subtemas quer expressar uma forma gradativa de “apropriação” do objeto de

estudo e ocorre em função do que Silva Junior (2004, p. 1) denomina de “análise de cada

forma de desenvolvimento do próprio material e investigação da coerência interna, ou seja, da

unidade das várias formas de desenvolvimento”. Deste modo, ciente de que “tudo o que

existe, existe em movimento”, o nosso estudo também busca retratar uma “interdependência

ativa” entre as partes, de forma que, independente da ordem de disposição no texto

“relacionam­se e condicionam­se reciprocamente. O todo predomina universalmente sobre as

partes e constitui a fonte de seus significados” (SILVA JUNIOR, 2004, p. 2).

Acrescente­se que, as reflexões empreendidas, até aqui, nos autorizam a reafirmar que

o objeto desta pesquisa não se inicia, não se explica, nem se encerra em si mesmo. Dizendo de

outro modo, no quadro dos referentes assinalados, até aqui, destacamos o nosso interesse em

reconhecer o nosso objeto de estudo como parte de uma totalidade histórica, ou seja, que não

se explica por si só. Tampouco se esgota em uma perspectiva de análise, visto que, em sua

totalidade, outras variáveis se entrecruzam e/ou transversalizam o debate. Some­se o fato de

este estudo ter tomado como campo de pesquisa uma IES administrada pela iniciativa privada,

o que nos leva a vislumbrar a possibilidade de novos elementos serem agregados se este

estudo for estendido ao campo de uma IES de natureza pública.

Some­se, ainda, que a imagem, aqui retratada, de Educação Superior de Tecnologia, a

despeito de algumas similaridades, distingue­se da realidade da Educação Superior – aquela

constitucionalmente amparada pela necessidade de produção e circulação de novos

conhecimentos histórico­científicos, político­culturais e socialmente significativos. Aquela

regida pelo princípio da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão, presente na

maioria das universidades brasileiras, tampouco dela pode ser excluída, assunto este que

retomaremos em situação oportuna.

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Queremos, com isto, sublinhar que a constituição da docência nos Cursos Superiores

de Tecnologia é vista enquanto processo contraditório de construção e de transformação

permanentes, imbricado em determinantes histórico­culturais, políticos e ideológicos, razão

por que é analisada em seus componentes (discursos oficial e institucional, cursos

tecnológicos, formação e prática docentes, realidades concretas institucionais e sociais).

Portanto, trata­se de um esforço crítico­reflexivo de discutir o objeto de estudo, em sua

peculiaridade, dinamicidade histórica e, consequentemente, contraditória, iniciado no âmbito

dessas considerações iniciais e vai sendo ampliado em seções específicas posteriores, não

obstante permeiem todo o estudo. Da mesma forma, o objeto de estudo passa a requerer o

desvelamento de outras variáveis pertinentes: Cursos de Graduação de Tecnologia, diretrizes

curriculares, educação por competência, etc.

Acrescente­se, porém, que, a despeito das especificidades de locus de atuação (Universidade, Centro de Educação, Faculdade, etc.), das peculiaridades das especializações

(bacharelado, licenciatura ou tecnologia) e do recorte que delimita o nosso estudo, não

significa afirmar que a docência no ensino superior, em geral, não padece de mal similar.

Compreendemos que ela também está a reclamar atenção a partir do que caracteriza a sua

formação inicial e continuada, assim como do que convencionalmente vinha sendo apontado

como básico e identitário: o ensino, a pesquisa e a extensão, tratados de forma indissociáveis.

Nesse debate, a LDB 9.394/96 – marco de referência do nosso estudo –, ao mesmo tempo em

que assinala uma forma “velada” de romper com o preceito constitucional da

indissociabilidade aqui mencionada, origina o controvertido discurso das DCNG/CST e

normativos que dão conteúdo e forma aos cursos Superiores de Tecnologia e que promovem

efeitos nas políticas institucionais pedagógicas, incidindo, naturalmente, na constituição

identitária docente. Dessa forma, a opacidade de discursos e ideias aqui destacados sinalizam

a necessidade de se estar atento às “ligações entre o discurso, a ideologia e o poder”, que

podem “ser obscuras para aqueles envolvidos”, ao mesmo tempo em que adverte para o fato

de que, geralmente, “a nossa prática social é atada a causas e efeitos que podem não ser

aparentes de forma nenhuma” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35). Este é um exercício que nos

propomos a realizar, fazendo um percurso investigativo orientado a partir de objetivos e das

questões levantadas a seguir.

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1.2 Objetivos e questões que delineiam a pesquisa

Os elementos levantados em torno do objeto de estudo são indicativos da diversidade

de problemas e tensões enfrentados pelos(as) professores(as) da Educação Superior de

Tecnologia, ao iniciarem suas atividades profissionais, especialmente no que tange à

necessidade de superar a “consciência comum espontânea e irreflexiva da atividade prática e

elevar­se a uma verdadeira concepção – filosófica – da práxis”, na forma apresentada por

Vázquez (2007, p. 36) 5 . Diante dos desafios, não seria difícil supor que, especialmente na

etapa inicial constitutiva da docência, em qualquer âmbito de atuação, os(as) professores(as)

também enfrentem problemas relacionados à identificação profissional, socialização no

campo e entre agentes educativos, bem como no que diz respeito à construção de

conhecimentos, saberes e experiências relacionadas à docência. Integram­se a esse conjunto

de variáveis, as tensões que se estabelecem, a partir das prescrições curriculares, no âmbito do

processo de ensino e aprendizagem, constitutivos da docência. Se, por um lado, são instados a

responder às exigências demandadas para desenvolver competências para inserção, em curto

espaço de tempo, no sistema produtivo, por outro, ao integrarem­se ao campo acadêmico, lhes

é inerente a viabilização dos princípios básicos que orientam o ensino superior: a articulação

entre ensino, pesquisa e extensão, também em curto espaço de tempo. Isto pressupõe a

vivencia de situação de conflito.

Essas ponderações reportam aos estudos de Dubar (2005, p. 135), para quem somos

portadores de “identidade para si” (como eu me vejo), e “identidade para o outro” (a

identidade atribuída pelo outro), que “são ao mesmo tempo inseparáveis e ligadas de maneira

problemática”, visto que a experiência do outro é vivida em separado da nossa. Entretanto,

afirma este autor (2005, p. 135), “[...] nunca sei quem sou, a não ser no olhar do outro”.

Prossegue, ainda, afirmando que nem sempre esses processos coincidem. Quando há

‘desacordo’ entre a identidade social “virtual” conferida e a identidade social "real", ou seja, a

que ela mesma se atribui, “existem estratégias identitárias destinadas a reduzir a distância

entre as duas identidades” (DUBAR, 2005, p. 140).

5 Para Vázquez (2007, p. 394), a práxis é compreendida como “atividade humana transformadora do mundo e do próprio homem. Essa atividade real, objetiva é, ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente”. Nesta perspectiva está implícita a “unidade entre teoria e prática, unidade que também implica certa distinção e relativa autonomia. A práxis não tem [...] um âmbito tão amplo que possa inclusive englobar a atividade teórica em si, nem tão limitada que se reduza a uma atividade meramente material” (VÁZQUEZ, 2007, p. 394). Ainda para Vázquez (2007), a práxis, embora se apresente sob diferentes formas específicas, todas “incidem sobre a transformação de uma determinada matéria­prima e criação de um mundo de objetos humanos ou humanizados” (VÁZQUEZ, 2007, p. 394), ou seja, sua última instância é “o próprio homem social”.

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Elas podem assumir duas formas: ou a de transações externas, entre o indivíduo e os outros significativos, visando a tentar acomodar a identidade para si à identidade para o outro (transação denominada ‘objetiva’), ou a de transações "internas" ao indivíduo, entre a necessidade de salvaguardar uma arte de suas identificações anteriores (identidades herdadas) e o desejo de construir para si novas identidades no futuro (identidades visadas), com vistas a tentar assimilar a identidade para­o­outro à identidade­para­si. Essa transação, denominada subjetiva, constitui um segundo mecanismo central do processo de socialização concebido como produtor de identidades sociais. [...] A abordagem sociológica desenvolvida aqui faz da articulação entre as duas transações a chave do processo de construção das identidades sociais.

Desse modo, Dubar (2005, p. 140­141) define “conflitos estruturantes da identidade”

quando não há harmonia entre uma identidade herdada e uma identidade visada, no sentido de

se tentar cotejar a “identidade para­o­outro à identidade­para­si”. Nesses termos, poderíamos

aludir aos conflitos vividos pelos(as) professores(as), diante da necessidade de conciliar a

identidade constituída em sua trajetória profissional de origem e a identidade atribuída na

assunção da docência. O conflito seria uma resposta (defensiva, de resistência, silenciamento,

entre outras) às coerções e/ou às intervenções externas não autorizadas e que se contrapõem à

forma como “eles se veem”.

Não diferente do que foi colocado anteriormente, para Nóvoa (1995), os(as)

professores(as), em geral, vivem momentos difíceis e contraditórios e, a despeito das

inseguranças e críticas que lhes são dirigidas, também são inúmeras e diversas as exigências

que demandam maior capacidade de resposta, ficando os mesmos submetidos a sobrecargas

de atividades desencadeadoras de várias tensões.

No âmbito da Graduação em Tecnologia, mais do que em outras modalidades

acadêmicas, os(as) professores(as) experimentam uma forte tendência em dar ênfase “às

características técnicas do trabalho [...], provocando uma degradação do seu estatuto e

retirando­lhe margens importantes de autonomia profissional” (NÓVOA, 1995, p. 24). Sob a

perspectiva de Bourdieu (2010a), o capital cultural e o capital simbólico que credenciam as

“aprendizagens de sucesso” estão estabelecidos pelo poder hegemônico, o que, para Yvor

Goodson (2007, p. 244), significa dizer que esse desvirtuamento do trabalho docente não se

trata de uma forma acadêmica desinteressada de se definir um currículo, mas de uma relação

estreita com interesses hegemônicos.

O currículo prescritivo e o interesse dos grupos dominantes estão imbricados em uma parceria histórica poderosa que estrutura essencialmente o currículo e efetivamente subverte qualquer tentativa de inovações ou reformas. As prescrições fornecem “regras do jogo” bem claras para a escolarização, e os financiamentos e recursos estão atrelados a essas regras (GOODSON, 2007, p. 247).

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No que tange ao campo das IES, entendemos que, diante da própria natureza e

finalidades educativas que lhe são inerentes, assim como em decorrência da relativa

autonomia desse campo identificado como científico, onde a autonomia relativa pode assumir

grau elevado, nele estão presentes as possibilidades de os sujeitos educativos criarem novos

valores, bem como de se promover processos de conservação ou de transformação de sua

estrutura. Essa perspectiva também se baseia no entendimento de que, em um dado momento,

os sujeitos sociais podem até não saber, exatamente, o que e como vão fazer no sentido da

transformação pretendida, mas têm capacidade de criar condições alternativas, bem como de

conseguir uma “liberdade suplementar”, ao tomarem consciência desses limites que são

imputados a um campo (BOURDIEU, 2000, p. 39). Para tanto, é importante ter a clareza de

que a mudança não poderá ocorrer sem a consciência crítica da realidade que se pretende

transformar e em que sentido se pretende caminhar. Isto demanda, entre outras coisas,

conhecimento crítico da realidade, bases conceituais, compromisso político­social e

determinação, no sentido de que a luta só ocorre quanto existe a crença na causa pela qual se

luta. Da mesma forma, isto aponta para a necessidade de compreensão e desmistificação do

discurso como instrumento de regulação das interações sociais.

Com base nas discussões, até aqui empreendidas, assumimos como hipótese que a

docência na Educação Superior de Tecnologia expressa uma identidade em conflito,

resultante, entre outras coisas, de políticas diferenciadas que projetam identidades distintas

para a docência na mesma modalidade acadêmica. Se, por um lado, a Graduação de

Tecnologia recebe como legado a imagem simbólica de “Educação para o Trabalho” que se

projeta na docência e no sujeito da docência, por outro, na condição de Educação Superior, na

atualidade, ela se revela “em conflito de identificação”.

Essa hipótese tem como pressuposto que, no processo constitutivo de identificação de

ordem acadêmico­pedagógica e profissional, o sujeito da docência, nessa modalidade

acadêmica, vive tensões e conflitos entre vários “eus”, por vezes, ambivalentes. Em seu

exercício teórico­prático destacamos o especialista que sai da condição de empresário, ou

trabalhador de empresas privadas relacionadas a especificidades do curso, e assume a

docência. Por sua vez, na assunção da docência, enquanto profissão acadêmica, esse

especialista prescinde de um novo conceito de ciência, cultura e tecnologia intra e inter­

relacionado à educação, de conhecimentos inerentes aos processos de ensinar e aprender, bem

como do reconhecimento do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão

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para realizá­la nessa integração. Acrescente­se o projeto de identidade implícito na

DCNG/CST, ou currículo acadêmico.

A nossa hipótese considera que, no quadro dessas controvérsias, a constituição da

docência, na Graduação da Tecnologia, indica ainda caminhar de forma ambivalente, solitária

e silenciosa. Os fatos sinalizam uma realidade demarcada pela dualidade da educação –

formação geral e profissional –, influenciada pela força político­ideológica do discurso oficial,

sob fortes tensões inerentes aos contextos externos, bem como uma docência exercida,

também, sob as influências do debate teórico e da cultura interna, no campo acadêmico. Por

conseguinte, o nosso estudo adverte que os(as) professores(as) são incentivados pelos fins

últimos implícitos no discurso pedagógico oficial, ou currículo formal, no sentido da

constituição da identidade descentrada instrumental, cujos recursos constitutivos são os

significadores de mercado, projetados para identidades de base econômica, ou “identidade

descentrada de mercado”, não obstante surjam fragmentos discursivos de tendência contrária

à racionalidade técnica. Esse entendimento fundamenta­se em Bernstein (2003, p. 104),

segundo o qual, as identidades descentradas (instrumental ou de mercado e terapêutica) são

constituídas com base em “recursos opostos e com diferentes localizações [...]”. Em função

dessa dupla possibilidade de origem (mercado e procedimentos internos), esse autor faz uma

distinção entre identidade instrumental e identidade terapêutica. No primeiro caso, os recursos

constitutivos da identidade são os significadores de mercado que são projetados para as

identidades. “Para essas identidades, os limites são permeáveis e o passado não serve de guia

para o presente, muito menos para o futuro. A base econômica dessas identidades orienta sua

política: anticentralista” (BERNSTEIN, 2003, p. 104). No caso da identidade terapêutica, essa

é descentrada, embora em oposição às identidades de mercado que são construídas por meio

de projeções. Construída com recursos locais, a identidade terapêutica é produzida pela

introjeção, de forma que “o conceito de eu passa a ser fundamental, sendo visto como um

projeto pessoal. É uma construção regulada internamente e independente dos significadores

externos de consumo. Ela é uma construção verdadeiramente simbólica” (BERNSTEIN,

2003, p. 105).

Em síntese, para Bernstein (2003), no capitalismo de transição, há um desmonte das

identidades no sentido da constituição de novas identidades, distribuídas em três construções

fundamentais: as identidades descentradas (divididas em dois modos: instrumental e

terapêutica, anteriormente analisados); as identidades retrospectivas (apresentadas sob dois

modos: fundamentalista e elitista); e as prospectivas (criam uma recentralização das

identidades, conferindo­lhes uma nova base de identificação). Neste estudo centramos a nossa

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atenção nas identidades descentradas instrumental e terapêutica, dispensando o debate em

torno das identidades retrospectivas e prospectivas 6 , o que não descaracteriza a sua

importância.

Decerto que esse processo não ocorre de forma linear e/ou sem resistência. A nossa

perspectiva de análise considera, também, a potencialidade crítica, criativa e transformadora

dos seres humanos, a capacidade de organização, de resistência e a possibilidade de, no

interior do campo acadêmico – espaço privilegiado de produção de conhecimento e com

relativa autonomia acentuada – serem desenvolvidos mecanismos de refração e de retradução

ou recontextualização, inerentes ao campo científico e/ou natureza do campo acadêmico. Daí

o nosso olhar focado nas retraduções e/ou recontextualizações do discurso pedagógico oficial,

a partir de iniciativas ocorridas no campo acadêmico.

Partindo dessas reflexões, compreendemos que se faz necessária uma criteriosa análise

da política de Educação Superior Tecnológica, tomando por base as circunstâncias concretas

em que se dá a constituição da docência dos(as) de professores(as) que atuam nessa

modalidade acadêmica. Neste sentido, consideramos que alguns questionamentos nos

pareceram importantes de serem investigados:

§ Quais as bases epistemológicas que fundamentam o discurso das DCNG/CST?

§ Quais as implicações do discurso pedagógico oficial no discurso institucional, na

organização curricular dos Cursos de Graduação de Tecnologia e na constituição da

docência?

§ Como e em que sentido vem sendo projetada a constituição da docência nos Cursos de

Graduação de Tecnólogos?

Por vislumbrarmos as possibilidades que uma pesquisa pode oferecer enquanto

reveladora do objeto de conhecimento e explicativa de um campo de investigação e ciente de

que, enquanto educadores, temos o compromisso de, a partir das circunstâncias concretas,

buscar alternativas de intervenção, estabelecemos como objetivos:

1.Analisar a política oficial e institucional (discurso pedagógico das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para os Cursos Superiores de Tecnologia e do Projeto Pedagógico

Institucional), buscando compreender:

§ a relação entre as concepções epistemológicas que fundamentam o discurso das

DCNG/CST e o Projeto Pedagógico Institucional;

6 Para ler sobre o assunto, ver: BERSNTEIN, Basil. A pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n120/a06n120.pdf.>. Acesso: 20 jan. 2011.

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§ as implicações do discurso que orienta a organização curricular dos cursos de

Graduação em Tecnologia na constituição da docência.

2. Investigar em que sentido vem sendo projetada a constituição da docência nos Cursos de

Graduação de Tecnólogos.

Adotamos como instrumentos para a coleta de dados a análise documental, entrevistas

semiestruturadas e observação. A escolha da entrevista semiestruturada ocorreu por se tratar

de instrumento que melhor se ajusta à situação que se pretendeu investigar, em virtude de

permitir aos entrevistados a oportunidade de enriquecer a entrevista, dando­lhe uma dimensão

qualitativa. Segundo Triviños (1990), esse procedimento metodológico pode ser definido

como aquele que parte de questionamentos básicos, tendo como referências teorias e hipóteses

importantes para a pesquisa, bem como favorece um amplo campo de interrogativas, fruto de

novas hipóteses que vão se apresentando, à medida que se vai recebendo respostas dos

entrevistados. Dessa forma, o entrevistado, ao seguir, espontaneamente, a linha de seu

raciocínio, com base em suas experiências e saberes e com foco no objeto apresentado, ajuda

a delinear o corpus da pesquisa.

Como metodologia de análise, optamos por basear nossa pesquisa em alguns dos

fundamentos da Análise Crítica do Discurso. Essa opção decorreu do entendimento de que a

prática discursiva constitutiva do discurso pedagógico oficial, ao mesmo tempo em que

confere distinção e identificação aos cursos de Graduação em Tecnologia, é considerada uma

prática social, nos termos apresentados por Fairclough (2001a, p. 91): “uma forma em que as

pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo

de representação”. Em tais circunstâncias, estamos cientes de que, conforme analisam Rocha

e Deusdará (2005, p. 320), “os caminhos pelos quais optamos em uma perspectiva discursiva

têm indicado que o pesquisador não descobre nenhuma ‘dimensão oculta’ do real (trate­se de

um real quer sociológico, quer psicológico), mas participa de uma intervenção sobre o social”.

No tratamento e análise qualitativa das práticas discursivas fizemos uso,

especialmente, de duas categorias consideradas essenciais à ACD, relacionadas aos traços

textuais formais ou conteúdos enunciativos: a força dos enunciados de âmbito oficial e da

discursividade acadêmica (discurso pedagógico institucional) e a intertextualidade ou

interdiscursividade, haja vista os textos e discursos poderem se remeter a outros textos e

discursos. Sob esta perspectiva, o nosso interesse voltou­se para as práticas discursivas

oficial, institucional e docente, suas inter­relações e influências, assim como outros fatores

passaram a ser considerados importantes na composição dos enunciados, em sua relação com

o contexto no qual foram produzidos, bem como nas representações e constituição identitária

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docente. Estes elementos parecem relevantes, especialmente, em se tratando da análise de

práticas discursivas da esfera pública reguladora da prática educativa.

Nesse processo, os discursos oficiais e institucionais, “constituídos por elementos de

outros textos” produzidos no passado, foram analisados a partir de traços textuais formais que

evidenciam a intertextualidade, haja vista a apropriação de Kristeva (1986) por Fairclough

(2001a, p. 134) ao indicar que “a intertextualidade implica ‘a inserção da história (sociedade)

em um texto e deste texto na história’ [ou seja], reacentua e retrabalha textos passados e,

assim, fazendo, ajuda a fazer história e contribui para processos de mudança mais amplos,

antecipando e tentando moldar textos subsequentes”.

Para Magalhães (2001), a intertextualidade promove efeitos na constituição do sujeito

por meio dos textos, da mesma forma em que corrobora com as mudanças nas práticas

discursivas. Estas, por sua vez, incidem sobre mudanças na identidade social. No que diz

respeito à interdiscursividade, Fairclough (2001b) orienta que esse conceito põe em evidência

a “heterogeneidade normal dos textos que são constituídos por combinações de gêneros e

discursos diversos. O conceito de interdiscursividade é modelado pelo conceito de

intertextualidade [...] estando estreitamente relacionado com este [...]”. Esses elementos

permitem compreender as diversas combinações utilizadas na constituição de novas práticas

discursivas. Em assim sendo, estarmos atentos aos processos intertextuais em permanente

mudança nas práticas discursivas é essencial para a compreensão dos processos constitutivos

dos sujeitos sociais. Na instância de produção dos textos, os sujeitos interpretantes são interpelados a construir suposições relevantes, a fazer as ligações necessárias a leituras coerentes. Os textos postulam e estabelecem, implicitamente, posições interpretativas para sujeitos interpretantes, capazes de usar suposições de sua experiência anterior para fazer as ligações necessárias entre os elementos intertextuais diferentes do texto e construir interpretações coerentes (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22).

Na perspectiva de analisar expressões de materialidade da discursividade oficial e

institucional, bem como do conteúdo das falas dos(as) entrevistados(as), também ficamos

atentos aos traços discursivos que sinalizam para a colonização do discurso oficial e

institucional pelo discurso do âmbito econômico, de vertente essencialmente funcional.

Outras variáveis foram acrescidas em nossas análises, especialmente, no que se refere às

mudanças discursivas que passaram a interferir na ordem do discurso institucional, entre as

quais destacamos a comodificação e a tecnologizacão dos discursos, que têm produzido

efeitos de grande extensão na vida das pessoas, a partir de uma relação dialética entre as

práticas discursivas e a realidade social (FAIRCLOUGH, 2001a).

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Em face das diferentes interações que envolvem o objeto estudado, outras variáveis

compõem o fenômeno pesquisado, passando a demandar outros aportes teóricos, a fim de

melhor delinear o corpus da pesquisa. Dito isto, a análise das implicações dos discursos

oficial e institucional, na constituição da docência nos cursos de Graduação em Tecnologia,

está ancorada nos estudos de Bernstein (1996, 1998), Zabalza (2004), Fairclough (2001a,

2001b), em interlocução com estudos de Ball (2006, 2005), Ball e Bowe (1992), que versam

sobre o ciclo das políticas em suas múltiplas inter­relações. Também buscamos ancoragem

sociológica em Bourdieu (2010a, 2009, 2004), por concordarmos que esse autor traz grandes

contribuições da sociologia no que tange ao entendimento de que as práticas textuais

existentes e suas interações tornam­se capital cultural corporificado, com valor de troca em

campos sociais particulares. Seus estudos também contribuíram, entre outras coisas, para a

compreensão da realidade em âmbito macro e microssocial, bem como para a análise dos

campos enquanto realidade histórico­social dinâmica e em constantes movimentos.

No âmbito da ação, enquanto ação educativa e ação docente que integra a prática

pedagógica, o nosso estudo busca ancoragem em autores como Zabalza (2004), Soares e

Cunha (2010, 2004a), Moreira (2002), Pimenta (2008), para compor o arcabouço de

possibilidades da docência em cursos de Graduação em Tecnologia. Esta ancoragem deu­se

de forma recontextualizada, haja vista seus estudos não terem como objeto a modalidade de

Educação Superior aqui analisada. Nesse encadeamento, a epistemologia crítica se apresenta

como base teórico­metodológica de constituição da docência, na perspectiva de que, no

coletivo, os(as) professores(as) ganhem bases e disposição, a fim de perseguirem novas

crenças “conectadas a lutas mais amplas por justiça social e para a diminuição das lacunas na

qualidade da educação disponível para estudantes de diferentes perfis, em todos os países do

mundo” (ZEICHNER, 2008, p. 545).

Os diálogos e contribuições dos autores, em geral, ocorrem naquilo em que os textos

são inter­recorrentes, na perspectiva interdisciplinar, sendo guardadas as devidas

peculiaridades, uma vez que a obra de cada autor não se confunde com as demais. Nesse

contexto, a política de Educação Profissional e Tecnológica é vista enquanto discurso

socialmente constitutivo, que expressa uma forma [dos idealizadores] de ver e agir sobre o

mundo e sobre os outros. Isto implica compreendê­la em uma relação dialética entre esse

discurso, enquanto prática social, e a estrutura social, em que a segunda é, ao mesmo tempo,

condição e efeito da primeira (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 91).

As abordagens indicam como palavras­chave para este trabalho: diretrizes

curriculares, identidade docente, discurso pedagógico e graduação de tecnologia.

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Considerando que, de início, optamos por fazer registros de situações, ações e

discursos que, gradativamente foram revelando muito da realidade pesquisada, esses passaram

a assumir proporções qualitativas que lhes atribuíram o “status” de “Diário de Campo”:

instrumento importante de pesquisa que nos permitiu “não deixar escapar” dados da realidade

não captados por outros instrumentos. Acrescente­se, porém, que, embora a metodologia

utilizada tenha grande importância para um trabalho dessa natureza, sua qualidade,

profundidade e importância ultrapassam as formalidades e/ou estruturação de um modelo

metodológico, dependendo, também, da coerência, lucidez e inter­relações investigativas

estabelecidas pelo pesquisador.

No campo da docência, além das observações, as entrevistas dos(as) professores(as),

coordenadores(as) de curso e gestores, foram gravadas, transcritas, passando a compor o

corpus da pesquisa, inscrita na Área de Concentração: Formação de Professores(as) e Prática

Docente. O universo de entrevistados foi composto por 26 (vinte e seis) profissionais, dos

quais 77% correspondem a professores(as). O total de professores(as) entrevistados(as)

corresponde a 39% do total de profissionais que ministram aulas nos Cursos Superiores em

Tecnologia. O universo de entrevistados ficou assim distribuído:

§ Vinte (20) professores(as), sendo: cinco (5) integrantes do curso Superior de Tecnologia em

Gestão de Eventos; quatro (5) integrantes do curso Superior de Tecnologia em Design de

Moda; e dez (10) integrantes do curso Superior de Tecnologia em Gastronomia. Este último

conta com o maior número de turmas e, consequentemente, de professores(as).

§ Três 03 Coordenadores(as) dos respectivos cursos Superiores de Tecnologia.

§ Um (01) Assessor pedagógico.

§ Dois (02) membros diretivos (Diretor Geral e Diretor Acadêmico).

A escolha dos(as) professores(as) entrevistados(as) ocorreu tomando­se como

referência os seguintes critérios:

§ Preferencialmente, ter iniciado o seu processo constitutivo da docência em cursos

Superiores de Tecnologia e neles continuar atuando. Consideramos ser esta uma realidade

presente e tornar­se favorável à consolidação do habitus primário da docência 7 .

7 Bourdieu (2004) refere­se ao habitus primário e secundário. O habitus primário, enquanto princípio gerador de ações, está relacionado às aprendizagens realizadas na infância, no convívio familiar, por meio de estímulos, ensinamentos, censuras, prêmios, entre outras influências que iriam determinar gostos, valores, desejos, autoimagem, que influenciariam as primeiras experiências vividas na escola. Dessa forma, o habitus primário passa a constituir­se como base para outras práticas sociais, ou do habitus secundário, constituído nas relações sociais. Neste estudo, habitus primário, embora de grande importância para a constituição das identificações, não tem um fim em si mesmo. Enquanto processo constitutivo de identificação, está sujeito a sucessivas transformações.

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§ Atuar em cursos Superiores de Tecnologia e neles concentrar maior carga horária do seu

trabalho. Esta alternativa foi incluída, em virtude de ser insuficiente o número de

professores(as) com atuação exclusiva em cursos Superiores de Tecnologia.

A escolha da IES deu­se mediante alguns critérios considerados relevantes para as

finalidades propostas, entre os quais destacamos:

§ A existência de cursos, em sua maioria, de Graduação de Tecnólogos, permitindo supor

fortes influências da política de Educação Profissional e Tecnológica na IES.

§ O fato de o Centro de Educação ETHOS ser considerado referência no âmbito da Educação

Profissional e Tecnológica.

§ A credibilidade da instituição no campo educacional, mediante reconhecimento da

qualidade das ações profissionais de seus egressos.

O estreitamento da relação de confiança estabelecida entre pesquisador e campo

empírico também contribuiu para uma aproximação com outros contextos afins, tornando esta

pesquisa uma possível expressão da realidade e, consequentemente, potencializadora de novos

textos.

As considerações tecidas até aqui constituem referentes para compreensão e

construção do objeto de estudo e lançam bases para o nosso percurso investigativo que passa a

ter a configuração delineada, a seguir.

1.3 Traços da organização do estudo

Visando dar um encadeamento lógico à nossa investigação, o presente estudo está

estruturado em seis capítulos, além das Considerações Finais Provisórias. Portanto,

consideramos que a disposição do nosso estudo começa neste Capítulo Introdutório, onde

ressaltamos que esta “exposição já é resultado de uma investigação e de uma apropriação

crítico­científica da matéria” (KOSIK, 1976, p. 31). Sob esta perspectiva, procuramos

introduzir elementos­chave para a compreensão do objeto, ao mesmo tempo em que deixamos

claro o nosso interesse em que a constituição da docência não seja tratada como um processo

em si, por entender que o nosso objeto de estudo constitui­se na relação com a Política de

Educação Superior de Tecnologia, razão pela qual nos pareceu mais elucidativo tratá­la

conforme propomos: sob as implicações da Política de Educação Superior de Tecnologia.

Assim sendo, a constituição da docência integra­se à respectiva política de educação e se

explica vinculada aos diferentes temas, situada sob diferentes perspectivas. Portanto, por se

tratar de um campo ainda pouco explorado, procuramos, nas considerações iniciais,

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disponibilizar informações preliminares à compreensão do objeto. Desse modo, nestas

considerações procuramos nos aproximar de configurações do campo onde o referido objeto

está situado, de forma que, a partir dos capítulos subsequentes, fosse possível,

gradativamente, tratar do objeto de pesquisa de forma mais aprofundada em suas

peculiaridades.

Quanto ao segundo capítulo, “REFERENTES PARA A CONSTRUÇÃO DO

OBJETO”, além de oferecer uma discussão do problema em estudo, em suas múltiplas

relações (internas e externas ao campo da docência), procuramos apreender elementos dos

movimentos de recomposição do sistema econômico capitalista, bem como a consequente

reorganização produtiva que incidiram diretamente no mundo do trabalho, com fortes

impactos na reforma do Estado, entre as quais estão as reformas educacionais, aqui dando

maior ênfase à reforma da Educação Superior de Tecnologia. Esses fatores foram

indispensáveis à compreensão da realidade em suas múltiplas e complexas relações. Insere­se

aí o debate em torno da dinâmica do mundo atual sob as influências de processos de

globalização e seus impactos na sociedade e na vida das pessoas, com grande repercussão nos

processos identitários. Nele também são levantadas questões que conduziram o

desenvolvimento da pesquisa, bem como procedimentos analíticos do estudo em suas

interconexões e/ou desdobramentos.

No terceiro capítulo, intitulado “BALIZADORES DO ESTUDO”, damos

prosseguimento às discussões iniciais, situando alguns marcos conceituais e metodológicos do

estudo. Consta de um esforço reflexivo em torno de bases conceituais do estudo, bem como

de procedimentos metodológicos adotados, embora não se circunscreva às referências e bases

conceituais e analíticas do estudo. Em seus desdobramentos, procuramos manter maior

aproximação com estudos desenvolvidos em torno das políticas que estão diretamente

relacionadas às singularidades da temática em estudo. Temos presente o interesse em que

teoria­prática transversaliza o texto no sentido da compreensão e explicitação do objeto,

arriscando, mesmo sem a erudição necessária, abrir espaço para ir além das amarras lineares,

hierárquicas e positivistas de construção de um trabalho de pesquisa.

No quarto capítulo, “O DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL”, privilegiamos a

análise dos discursos pedagógicos oficiais, cuja materialidade discursiva vem se expressando

nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais dos Cursos Superiores de Tecnologia. Partimos

do entendimento de que as políticas e/ou diretrizes curriculares guardam em si um projeto de

identidades que se quer ver constituído. Isto não significa dizer que as diretrizes e/ou

currículo, por si só, determinam as identidades dos sujeitos educativos, entretanto, são

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“instituintes de sentido” (MACEDO, 2010). Consequentemente, a constituição identitária

docente é vista como decorrente de sucessivos processos de socialização. Também demos

atenção especial a traços textuais formais ou pistas presentes no discurso oficial, por meio dos

quais procuramos compreender as influências macroinstitucionais e os mecanismos de poder e

ideologia presentes nos discursos, bem como o sentido atribuído aos sujeitos da docência e

discência.

No Capítulo quinto – “O DISCURSO OFICIAL NO CAMPO ACADÊMICO” –

detemo­nos no discurso pedagógico institucional em interação com o campo da docência,

procurando analisar as influências do discurso pedagógico oficial no plano institucional

pedagógico, focalizando a relação entre as concepções epistemológicas que fundamentam o

discurso das DCNG/CST e o os projetos institucionais pedagógicos, bem como manifestações

ideológicas e a presença de elementos identificadores de refração e de recontextualização do

discurso pedagógico oficial, enquanto orientador da organização curricular dos Cursos

Superiores de Tecnologia. Procuramos também investigar em que sentido é projetada a

constituição identitária docente no interior da IES. Dessa forma, a nossa análise considera

processos de produção, circulação e consumo do discurso pedagógico oficial.

No que diz respeito ao Capítulo sexto ­ “MOVIMENTOS CONSTITUTIVOS DA

DOCÊNCIA NO CAMPO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL” –, a nossa análise se volta

para expressões da materialidade discursiva dos/as entrevistados/as (professores/as,

coordenadores/as e gestores/as), por meio das quais procuramos compreender as implicações

dos discursos oficial e institucional na constituição identitária docente nos Cursos Superiores

de Tecnologia. Procuramos também investigar em que sentido caminham os processos

constitutivos da docência no interior da IES.

Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS que encerram a atual produção,

revestidas de provisoriedade, procuramos sintetizar os resultados da pesquisa, bem como

tecemos algumas reflexões sobre o problema investigado e apresentamos recomendações na

perspectiva de responder às perguntas de pesquisa, bem como de atender aos objetivos

estabelecidos. São também apresentadas algumas proposições.

Importa ressaltar que o tema emergiu como interesse investigativo na oportunidade em

que realizamos uma pesquisa sobre “A Ação Supervisora na Educação Profissional: um

estudo sobre competências emergentes do novo ambiente Senac/PE”. Esse interesse ganhou

maiores proporções durante a realização do Mestrado, quando procuramos analisar as

implicações do modelo de competências na Educação Profissional, a partir do olhar do

professor e de movimentos da história da educação brasileira, temas que mantêm interface

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com a docência. Por sua vez, esta pesquisa, que procura compreender a constituição da

docência nos Cursos de Graduação de Tecnologia, foi realizada em uma longa caminhada,

acompanhada, pari passu, por nossa experiência profissional, tal como em um processo de

formação continuada, na qual teoria e prática se inter­relacionam: uma em função da outra.

Essa trajetória sinaliza que estamos dando apenas alguns passos a mais em torno do assunto e

que ainda há muito por fazer.

Outros elementos são, gradativamente, inseridos às nossas argumentações. Para este

capítulo, importa realçar o entendimento de que a discussão em torno da temática torna­se

mais relevante, na medida em que permite manter vivo o debate no sentido de enfraquecer e/

ou desconstruir discursos político­ideológicos que comodificam e colonizam as políticas de

educação nos moldes do sistema produtivo. Espera­se, também, contribuir para a construção

de um desenho humanizador e cidadão da Educação Superior de Tecnologia.

Finalmente, queremos esclarecer que, nessa seção, utilizamos as expressões:

professor(a); coordenador(a); diretor(a); aluno(a), entre outros, procurando evidenciar o

respeito a questões de gênero inerentes aos seres humanos. Entretanto, para evitar repetições

(professor(a), aluno(a); coordenador(a), etc.), aparentemente cansativas aos olhos do(as)

leitores(as), a partir de agora, ao nos referirmos aos sujeitos analisados, passamos a fazê­lo

utilizando as expressões “professor” ou “professores”; “aluno” ou “alunos”, etc. e seus

derivativos, ficando implícitas as suas diferenças no que se refere a homens, mulheres ou

terceiro sexo.

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CAPÍTULO II O GLOBAL E O LOCAL NA CONSTITUIÇÃO DO OBJETO

O ‘objeto’ é sempre inatingível. Cada teoria o formula, como seu objeto, segundo seus pressupostos, segundo a sua postura diante dele. Neste sentido, o objeto do conhecimento é uma ‘representação’ feita pela teoria, tentando reproduzir o real, numa visão sempre mais aprofundada, sempre mais simples e mais geral, buscando nexos e relações, interpretando as aparências, tratando­as como sinais ou indícios parciais a que confere significado ao encontrar para eles um lugar em construções mais amplas, teóricas.

(CARDOSO, 1978)

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2 O GLOBAL E O LOCAL NA CONFIGURAÇÃO DO CORPUS DO ESTUDO

2.1 Interdependência global: implicações na reconfiguração da Educação Superior

brasileira

A centralidade da educação, no contexto brasileiro, remonta ao movimento

reformista instalado no país, o qual atingiu seu auge e deu sinais de

avanços nas três últimas décadas do século XX, ocasião em que foi

promulgada a LDB 9.394/96. Trata­se de uma dinâmica controvertida que comporta vários

fatores necessários à sua compreensão. Entre eles situamos a posição de dependência de

acordos internacionais ocupada pela maioria dos países da América Latina, o que favoreceu

para que a educação fosse posicionada como prioridade para a modernização e

desenvolvimento econômico do país, consonante com estratégias do capital para a retomada

da reprodução do sistema econômico, ao declínio do seu crescimento.

Os impactos decorrentes de movimentos desencadeados em âmbito transnacional,

denominados de globalização, sobre as várias dimensões da sociedade e da vida humana, têm

sido analisados sob diferentes perspectivas. Vistos sob o olhar de Santos S. (2006a), esses

movimentos, que incidem sobre os conjuntos das relações sociais, promovem diferentes

fenômenos denominados de globalizações. Trata­se de comportamentos multiformes e

antagônicos, desencadeados em proporções, tempos e contextos diversos e, no conjunto de

relações sociais, “envolvem, inevitavelmente, conflitos e, portanto, vencedores e vencidos”.

Dizendo de outra forma, “o que chamamos de globalização é sempre a globalização bem

sucedida de um determinado localismo” (SANTOS, S., 2006a, p. 195).

Autores como Leher (1998; 1999) e Ramonet (2002) analisam a globalização como

portadora da hegemonia neoliberal, cujo contexto econômico e ideológico interfere na

estrutura social, com implicações para as identidades individuais e coletivas. Enquanto

“fenômeno financeiro”, motiva as reformas da educação com base na lógica do setor

produtivo, de tal maneira que a educação passa a ser tratada como um produto ou negócio

similar a tantos outros vendidos como forma de obtenção de lucro fácil. De forma mais

incisiva, Ramonet (2002) considera que se trata de uma ideologia ou um “mercado

ideológico”, com leis e soluções para os problemas da sociedade, “destinado a substituir o

Estado e todos os órgãos colegiados” e onde se dispõe o “mercado contra o Estado, o setor

privado contra o público”.

A

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Não podemos desconhecer os discursos mistificadores de uma pretensa “sociedade do

conhecimento” que contribuiu para consolidar o que Frigotto (2011, p. 240) denomina de

“projeto modernizador de capitalismo dependente”, assim como para neutralizar as causas e

efeitos da globalização precursora da hegemonia do pensamento único. Nesses termos,

compreendemos que a globalização se alimenta de uma intencionalidade política e ideológica

e, por meio das organizações sociais, age “sobre o mundo e especialmente sobre os outros”.

Para compreensão desta afirmativa aplicada ao ensino superior, basta aludirmos à

mercantilização presente nos processos de organização desse nível de educação, destacada por

Fairclough (2001b, p. 47) como “uma dimensão da mercantilização da educação superior,

num sentido mais geral”. Na forma descrita por este autor, as Instituições de Educação

Superior (IES) vêm atuando “sob pressão”, como se fossem “negócio comum”.

Optamos pela perspectiva defendida por Santos S. (2006a), que reconhece a

globalização sob formas variadas, sendo o localismo globalizado e globalismo localizado

caracterizados como “globalização hegemônica”, bastante analisada sob diferentes

concepções. As outras são denominadas pelo autor de “cosmopolitismo e patrimônio comum

da humanidade”. Identificadas como “globalização contra­hegemônica”, corporificam­se,

entre outros meios, no compromisso sociocultural e político em favor de toda a humanidade,

no ideal de democracia participativa e na perspectiva de emancipação social. Esta perspectiva

de análise, embora pareça algo muito distante, desafia o “pensamento único” e determinista de

“fim da história”, ao mesmo tempo em que reanima a crença e compromisso com o

fortalecimento dos movimentos em favor dos excluídos. Portanto, constitui um ideal possível

e presente, podendo ser acelerado a partir da reinvenção da cultura política emancipatória, não

obstante tenhamos de concordar que ainda existe um longo, contraditório e tortuoso caminho

a ser percorrido. Em outras palavras, a globalização contra­hegemônia contrapõe­se à

globalização que se manifesta em experiências convencionalmente idealizadas e estabelecidas

a partir de uma cultura hegemônica que é apresentada como suficiente para explicar a

realidade social como um todo.

De forma similar caminha o conceito de “glocalização”, vista inicialmente por

Robertson (1994), que procura unir “local” e “global” (único + diverso), dando origem a um

novo neologismo, tentando superar o “modelo único” e, ao mesmo tempo, restabelecer a

dimensão multicultural da globalização, em que as realidades locais e regionais não possam

ser vistas como em função do global, ainda que dele não esteja isenta. Essa nos parece uma

visão coerente com as realidades sócio­histórica e cultural, na atualidade. Não significa uma

oposição ao global, mas uma forma de mostrar que o local e global têm existência real e

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compõem uma mesma totalidade, sem vencedores e vencidos. Trata­se de reconhecer

fronteiras inerentes às realidades e/ou especificidades regionais e locais que, na atualidade,

são apresentadas pelos defensores da globalização como sendo determinadas.

Entendemos que, em um contexto global marcado pela (des)continuidade,

fragmentação e interconexão, as mudanças orquestradas em âmbito supranacional podem

afetar várias dimensões das sociedades e dos indivíduos, ainda que de forma diferenciada para

cada sociedade e seus respectivos grupos sociais. Isto significa dizer que, em sendo o sujeito

social formado por meio de um pertencimento a uma cultura nacional, os processos de

globalização, geradores de mudanças (sociais, culturais, espaço­tempo, entre outros),

simultaneamente influenciam a constituição das identidades (HALL, 2006). Da mesma forma,

a “compressão” espaço­tempo, amplamente explorada e miticamente abordada no conjunto

das discussões, também incide sobre os currículos educacionais e, consequentemente, sobre as

identidades dos sujeitos educativos. Para esse autor, a “aceleração” dos processos viabilizados

pelos avanços científicos e tecnológicos – bastante propagados nos tempos atuais – tem

contribuído para a disseminação da aparente imagem de “um mundo menor”, com “distâncias

mais curtas”, fato este considerado significativo para a constituição identitária das nações e

das pessoas, em suas múltiplas interelações, haja vista o tempo e o espaço 8 serem

“coordenadas básicas de todos os nossos sistemas de representação” (HALL, 2006, 71­72).

Não há como desconsiderar que, em âmbito global, o capitalismo de transição, que

promoveu uma mudança de âmbito mundial com implicações em várias dimensões das

sociedades e dos indivíduos. É neste sentido que a identificação dos campos e agentes sociais

apresenta­se, de certa forma, susceptível às influências externas veiculadas por meio de

mecanismos capazes de alcançar as subjetividades 9 dos sujeitos sociais; de incidir sobre a

autonomia e emancipação há muito desejadas pela sociedade em geral; e de influenciar,

positivamente, ou não, na constituição da identidade profissional dos trabalhadores: uma

dimensão significativa da identidade de sujeitos e de campos. Esse desmonte social e humano

8 Estas discussões trazem à tona elementos que alimentam a “tese das individualizações” discutida por autores como Stuart Hall (2006) e Anthony Giddens (2002), entre outros. Entretanto, não cabe aqui aprofundar o assunto, tampouco utilizarmos como base para as nossas análises. Importa lembrar que a dinâmica do mundo atual permite compreender a ideia de lugar diferente da ideia de espaço. O lugar é visto como ponto das práticas sociais (fixo, concreto, delimitado). Diferentemente, o espaço pode ser “cruzado” ou “invadido” em frações de segundo (sem a relação face­a­face), por meio dos vários meios de comunicação em uso nas sociedades atuais (HALL, 2006, p. 71­72). 9 A subjetividade, composta de corpo e mente (vistos como elementos inseparáveis) e entendida enquanto “instância da atividade prático­sensível do sujeito humano, é constituída, em si, tanto pela personalidade mental quanto pela corporalidade viva. Essas são dimensões inalienáveis do sujeito, cuja separação é meramente heurística” (ALVES, 2008, p. 236). Portanto, envolvem resultados de experiências práticas e emocionais, memórias, sentimentos que são disponibilizados para construir a imagem que uma pessoa faz de si mesma.

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tem refletido sobre a formulação dos currículos escolares que contribuem para consubstanciar

o desmonte das identidades, ao mesmo tempo em que projetam novas identificações

descentradas e/ou fragmentadas e híbridas, como efeito de diferentes orientações, concepções,

valores e/ou culturas que circulam em um mesmo campo.

Nesses termos, o nosso entendimento rejeita o discurso que dissemina a configuração

ideológica de globalização que advoga a hegemonia do pensamento único; a

internacionalização do interesse do capital que incentiva e promove a alta concentração de

renda; a sociedade global orientada a partir da existência de um Estado Mínimo que tem

reduzida a sua capacidade de controlar a economia e de promover a justiça social, ainda que

venha se apresentando, contraditoriamente, como um Estado forte, intervencionista e

regulador de políticas restritivas. A realidade social e econômica, na maioria dos países, vem

mostrando que esse discurso já não é capaz de sobreviver ileso. Portanto, se, por um lado, não

podemos desconhecer pressões externas e limites estabelecidos aos Estados Nação, por outro

é possível considerar as possibilidades e capacidade de mobilidade interna dos governantes,

assim como a autonomia relativa, a capacidade reativa e de mobilização dos sujeitos e da

sociedade. Este enfoque também é apresentado por Diniz (2001), ao ponderar que as

mudanças ocorridas em âmbito global e as pressões das agências internacionais de fomento

sobre as agendas dos Estados Nação não ocorrem de forma determinista e à revelia dos

poderes nacionalmente constituídos. “As opções das elites dirigentes nacionais – suas

coalizões de apoio político – tiveram e têm um papel importante na escolha das formas de

inserção no sistema internacional e na definição das políticas a serem implementadas”

(DINIZ, 2001, p. 14).

Pelo que foi exposto, queremos sugerir que a (des)estruturação geral (ou estruturação,

no sentido desejado pelas forças hegemônicas) que influenciou a reforma dos Estados Nação e

repercutiu sobre os processos produtivos e, fortalecida pela adoção de tecnologia de base

microeletrônica, deu origem a um novo paradigma produtivo – paradigma flexível –, que

passou a se constituir em marco decisivo na construção dos currículos escolares e na vida dos

trabalhadores, não obstante pese sobre esses avanços o quadro de exclusão e desemprego que

aflige grande parcela da população brasileira. Nas contradições inerentes a essa variável,

reconhecemos que há um significativo aumento de demanda, quer seja por ferramentas para

dinamizar e aperfeiçoar os processos de produção, quer seja para satisfazer necessidades,

viabilizar comunicações e aproximar as distâncias – elementos essenciais às atividades

humanas. Isso corroborou as mudanças nas bases formativas dos trabalhadores em geral e em

especial daquela minoria que irá ocupar posição estratégica da cadeia produtiva. Ao demandar

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maior nível de escolarização, promoveu um consenso em torno da importância da educação

escolar para a produtividade e desenvolvimento da economia nacional. Esse fato refletiu sobre

o conflituoso processo de produção e promulgação da reforma da educação brasileira,

materializada na LDB 9.394/96 e em seus atos regulamentares, aqui abrindo maior espaço

para a discussão em torno da Educação Superior, com ênfase na Graduação em Tecnologia,

cujas consequências não encerram na criação de mais uma modalidade de Educação Superior.

Portanto, trata­se de uma política de educação concebida em meio a um processo

(des)estruturador da economia, do mercado de trabalho, dos sujeitos sociais e da sociedade em

geral.

No conjunto dessas ideias que admitem as influências externas internacionais, aliadas

à força social do Estado na compreensão do objeto de estudo, sublinhamos a nossa recusa em

aceitar a visão simplificada e determinista de que as reformas e políticas sociais, entre outras,

são operadas no âmbito dos Estados Nacionais sob a responsabilidade dos organismos

multilaterais, a expensas do modelo econômico e das regulações sociais. Conforme bem

distingue Costa (2009, p. 31), esta forma de análise da realidade sugere uma visão

denunciativa, contestadora e, muitas vezes, reducionista e linear, que sinaliza para um viés

ideológico ao desconsiderar o processo de democratização instalado no país e,

consequentemente, os sujeitos sociais, ao mesmo tempo em que negligencia o movimento

dialético da realidade, cujas possibilidades de mudanças se operam no âmbito do Estado, em

meio a contradições. Também Lopes (2006), especificamente, no que concerne à prática

discursiva (produção, distribuição e consumo dos textos pedagógicos), corrobora para o nosso

posicionamento, ao analisar a política curricular como um processo desenvolvido nos vários

contextos em que são produzidos novos sentidos e significados para as decisões curriculares

nas instituições escolares, mostrando o quanto é equivocado se esgotar a discussão em

polarizações estéreis, conforme está posto em seguida:

Na medida em que são múltiplos os produtores de textos e discursos – governos, meio acadêmico, práticas escolares, mercado editorial, grupos sociais os mais diversos e suas interpenetrações –, com poderes assimétricos, são múltiplos os sentidos e significados em disputa. Tal concepção se confronta com a ideia de política de currículo como um pacote “lançado de cima para baixo” nas escolas, determinado pelos governos, cabendo às escolas apenas implementar ou resistir a esse pacote. Igualmente se confronta com a distinção entre política e prática como duas instâncias nas quais estão polarizadas a dominação e a resistência, a ação e a reação. A desconstrução desses binarismos não implica a produção de um terceiro termo que expresse a síntese ou solucione a crise estabelecida pelos termos antecedentes. Tem­se outra forma de compreender a política que incorpora os sentidos da prática e, dessa forma, concebe as interpenetrações e mesclas entre dominação e resistência, bem como as ambivalências nos discursos (LOPES, 2006, p. 38).

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O que estamos a destacar é que o discurso das Políticas de Educação Superior de

Tecnologia, que estabelece parâmetros curriculares, enquanto prática social gestada no âmbito

do Estado, integra um projeto político de estruturação da sociedade, sofre implicações do

capitalismo global que busca convalidar o sistema econômico e manter hegemonia em escala

mundial, enquanto pensamento de unificação da economia, da cultura, dos valores sociais,

entre outros. Da mesma maneira, expressa uma prática socialmente constituída e constituinte

de representação e significação do mundo e, contribuindo, também, para a constituição das

identidades sociais. No entanto, admitimos que esses processos não ocorrem de forma linear e

sem conflitos e/ou resistências, visto que os sujeitos sociais são capazes de gerar seus valores,

além de – em decorrência do interesse, entre outros, de se refratar e reinterpretar e/ou

maximizar os discursos no âmbito da Educação Superior – também estarem presentes

filiações pedagógicas e ideológicas, lutas, contestações entre as pessoas, no interior e entre

campos sociais. Esta é uma reflexão que empreendemos a seguir.

2.2 A Política de Educação Superior no campo da reforma do Estado

No sentido de conclamar os Estados­Nação a investirem no ensino superior, a

UNESCO promoveu a Conferência Mundial sobre Educação Superior, em Paris, no período

de 5 a 9 de outubro de 2009. Ao final, em nome dos participantes, e referendando a

“Declaração da Conferência Mundial de Ensino Superior de 1998”, foi redigido um

Comunicado que divulga a pauta da educação mundial para esse nível de educação. O apelo

ao investimento em Educação Superior e os propósitos assumidos estão inspirados na

Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas grandes mudanças ocorridas no mundo,

que evidenciaram a necessidade de se investir nesse nível de educação como

“responsabilidade e suporte econômico para todos os governos”, ao mesmo tempo em que

afirma ser Educação Superior “força maior na construção de uma sociedade inclusiva e de

conhecimento diversificado, além de avançar em pesquisa, inovação e criatividade”

(UNESCO, 2009, p. 1). Essa conferência tornou­se um marco de referência supranacional

para o desenvolvimento de políticas para este nível de educação, nas últimas décadas. O

registro desse fato quer mostrar que a discussão em torno da Educação Superior e, mais

precisamente, da política de Educação Superior de Tecnologia, está vinculada a deliberações

de âmbito internacional, no qual o Estado brasileiro está situado como parte integrante das

articulações. É o global e o local em simbiose, constituindo sentidos, produzindo identidades

e desencadeando novas políticas e práticas sociais.

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Assim é que, ao identificarmos o Parecer n. 29/2002 do Conselho Nacional de

Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), que institui as DCNG/CST como maior expressão de

materialidade dessa política, em se tratando de uma iniciativa do governo brasileiro, necessita

ser tratada no âmbito do Estado que, a partir das últimas três décadas, vem sendo

reconfigurado em meio a acordos e mudanças ocorridas em âmbito mundial. Nesse sentido,

tomamos como referência inicial dessa discussão os estudos de Gramsci (1991), que em sua

Teoria Ampliada, chama a atenção para dois segmentos, assim mencionados por Rego (1991):

A sociedade política (Estado em sentido restrito ou Estado coerção) a qual é formada pelos mecanismos que garantam o monopólio da força pela classe dominante (burocracia executiva e policial­militar) e a sociedade civil, formada pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, composta pelo sistema escolar, igreja, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais, organizações culturais (revistas, jornais, meios de comunicação de massa, etc.).

Dessa forma, Gramsci, ao ampliar o entendimento de Estado para além da sociedade

política, põe em evidência o equilíbrio entre os dois segmentos. E, mesmo lhes conferindo

especificidades, atribui a mesma finalidade de “manter e reproduzir a dominação da classe

hegemônica”, o que, para Rego (1991), significa “a hegemonia de um grupo social sobre a

inteira sociedade nacional, exercida através de organizações ditas privadas, como a igreja, os

sindicatos, as escolas, etc.”. Nestes termos, a sociedade civil é reconhecida como decisiva na

difusão da ideologia. Reconhecendo que a sua perspectiva de mudança para o socialismo não

se daria de cima para baixo, Gramsci atenta para a necessidade de mobilizar a sociedade civil

– mediadora da transformação da ideologia – por meio da participação política organizada,

em que os denominados intelectuais orgânicos devem ocupar lugar de distinção, não pelo seu

nível intelectual ou cultural, mas pelo papel que exercem em uma classe social, buscando

assegurar, por meio da ideologia, a união, a coerência e a coesão, elementos potencializadores

da hegemonia.

Procurando superar o determinismo econômico e a separação entre o Estado e a

sociedade civil, Poulantzas (1985) discute o Estado, tomando por base a relação entre Estado,

poder e classes sociais, ao mesmo tempo em que apresenta o Estado com uma autonomia

relativa decorrente das relações contraditórias que se estabelecem entre as classes sociais.

Neste sentido, parte da premissa seguinte:

O aparelho de Estado [...] não se esgota no poder do Estado. Mas a dominação política está ela própria inscrita na materialidade institucional do Estado. Se o Estado não é integralmente produzido pelas classes dominantes, não o é também por

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elas monopolizado: o poder do Estado (o da burguesia no caso do Estado capitalista) está inscrito nesta materialidade. Nem todas as ações do Estado se reduzem à dominação política, mas nem por isso são constitutivamente menos marcadas. [...] Deve­se procurar o fundamento da ossatura material do Estado nas relações de produção e na divisão social do trabalho [...]. A busca desse fundamento já estabelece uma relação entre o Estado, com as classes e as lutas (POULANTZAS, 1985, p. 17).

Compartilhamos do entendimento de Poulantzas (1985) de que o Estado não se

constitui como um bloco monolítico, mas um campo estratégico e, por isto mesmo, reúne em

si contradições e lutas político­ideológicas. Sob esta perspectiva, o Estado envolve a

sociedade civil e política e se caracteriza pelas contradições de classes presentes no interior e

fora do poder, ao mesmo tempo em que se torna produto e determinante para as relações de

classes. Isto nos aproxima do debate promovido por Dourado (2010, p. 679), ao considerar

que uma concepção ampliada de Estado

[...] envolve sociedade civil e política, seus embates e os percursos históricos em que estas se constroem, tendo por marco as condições objetivas em que se efetivam a relação educação e sociedade, os processos sistemáticos ou não de gestão, bem como o papel das instituições educativas e dos diferentes atores que constroem o seu cotidiano.

Do que foi aqui exposto, Poulantzas (1985) e Dourado (2010) oferecem subsídios

favoráveis ao entendimento de que as mudanças ocorridas no âmbito da educação brasileira

necessitam ser compreendidas no âmbito do Estado, em sua dinâmica inter e intrarrelacional e

contraditória materialidade. Hoje, a literatura e a própria realidade dispõem de elementos

suficientes que permitem explicar as mudanças ocorridas na educação, a partir das últimas

três décadas, implicadas na reforma do Estado brasileiro. Da mesma forma, a reordenação do

sistema econômico, em sua dimensão transnacional, que incidiu sobre várias dimensões da

sociedade e da educação, enquanto marco estruturador e desencadeador de fenômenos

socioculturais, políticos e educacionais ocorridos no âmbito das instituições e da sociedade,

necessita, também, ser analisado sob a perspectiva dos Estados Nação.

Neste sentido é que, juntamente com Gonçalves (2008), revisitamos a década de 80 do

século passado para resgatar a denominada “crise do Estado”, assim nomeada a partir do

entendimento de que o Estado brasileiro concentrava em si diversas crises ocorridas,

simultaneamente (fiscal, econômica, a política, crise do modelo burocrático de gestão pública,

etc.). Embora não seja esta uma visão consensual, ela traça um esboço da configuração do

país na referida década, ao mesmo tempo em que adverte acerca de diferentes problemas que

conduziram as discussões em torno da reforma do Estado brasileiro, ainda que não evidencie

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os vários interesses que permeavam as mencionadas discussões e tampouco expresse os

entendimentos ali presentes em torno da condução de possíveis soluções para os problemas e

conflitos sociais.

Outros elementos foram decisivos para a reforma do Estado Brasileiro e se tornaram

marco para a Educação Superior, tendo como seu principal protagonista o Bresser Pereira,

Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, na gestão do presidente da

República Fernando Henrique Cardoso (FHC, 1995­2002). No âmbito dessa discussão, Luiz

Dourado (2002, p. 238) põe em evidência a atuação do Banco Mundial (BM) pelo seu papel

decisivo “no processo de reestruturação e abertura das economias aos novos marcos do capital

sem fronteiras [...]” e por sua explícita atuação no campo da educação.

Na América Latina, mais especificamente, no Brasil, o BM estabeleceu orientações

com a finalidade de articular “[...] educação e produção do conhecimento, por meio do

binômio, privatização e mercantilização da educação” (DOURADO, 2002, p. 238). O autor

que nos referencia nesta discussão enfatiza ainda as orientações que põem em evidência o

ideário neoliberal ao qual deveriam se filiar as políticas de educação, sintonizadas à lógica do

capital, sobretudo, a partir da adoção de programas de ajuste estrutural (DOURADO, 2002, p.

238). Entre as indicações para o ensino superior do mencionado agente financeiro, Dourado

resgata recomendações contidas no documento “La enseñanza superior: las leciones derivadas

de la experiência (1995)”, as quais transcrevemos, a seguir:

1) privatização desse nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil, que não conseguiram estabelecer políticas de expansão das oportunidades educacionais pautadas pela garantia de acesso e equidade ao ensino fundamental, bem como, pela garantia de um padrão de qualidade a esse nível de ensino; 2) estímulo à implementação de novas formas de regulação e gestão das instituições estatais, que permitam alterações e arranjos jurídico­institucionais, visando a busca de novas fontes de recursos junto a iniciativa privada sob o argumento da necessária diversificação das fontes de recursos; 3) aplicação de recursos públicos nas instituições privadas; 4) eliminação de gastos com políticas compensatórias (moradia, alimentação); 5) diversificação do ensino superior, por meio do incremento à expansão do número de instituições nãouniversitárias” (DOURADO, 2002, p. 240).

Um marco da reforma do Estado que incidiu sobre a Educação Superior, realçado por

Dourado (2002, p. 242), é a LDB 9.394/96, que estabelece para esse nível de educação um

conjunto de pressupostos anunciados com base nos princípios de descentralização e

flexibilização, permeados “por novas formas de controle e padronização por meio de

processos avaliativos estandardizados” (DOURADO, 2002, p. 242), cuja materialidade se

expressa no Sistema Nacional de Avaliação Educação Superior (SINAES). Concebida no

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confronto de interesses entre a sociedade política e a sociedade civil organizada, a

mencionada LDB foi recebida por grande parte dos educadores brasileiros como instrumento

de regulação social. Desse embate sai fortalecida a discussão em torno da educação baseada

na lógica produtivista que orienta a capacidade de gerar lucro, embora esse processo não

tenha se dado por legitimação social. Isto consubstancia o entendimento de Dias Sobrinho

(2005, p. 168), quando afirma que as reformas educativas são consideradas “construções de

um quadro legal e burocrático, geralmente, proposto por políticos, para responder a

determinados problemas e produzir efeitos mais ou menos coerentes com projetos mais

amplos de um governo ou de um sistema de poder”.

Dizendo de outro modo, Azevedo (2001) ajuda­nos a compreender que as políticas

públicas constituem mecanismos utilizados pelo Estado como forma de intervenção social.

Dessa forma, o entendimento do que significam políticas públicas “implica considerar os

recursos de poder que operam na sua definição e que têm nas instituições do Estado,

sobretudo na máquina governamental, o seu principal referente” (AZEVEDO, 2001, p. 5).

Portanto, as políticas também “são construções informadas pelos valores, símbolos, normas,

enfim, pelas representações sociais que integram o universo cultural e simbólico de uma

determinada realidade” (AZEVEDO, 2001, p. 6). Elas têm estrutura dinâmica e refletem um

conjunto de relações histórico­sociais e político­culturais, tornando­se condicionadas e

condicionantes de ações.

Decerto que, em sendo sociais as políticas de educação, por meio das quais é possível

inferir o padrão de proteção social materializado pelo Estado, em princípio, elas deveriam

estar “voltadas para a redistribuição dos benefícios sociais, visando à diminuição das

desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”, conforme

advoga Höfling (2001, p. 31). Todavia, de forma diferente, a realidade social nos permite

entender que, a despeito de alguns esforços empreendidos na última década, persistem as

evidências do que Frigotto (2011, p. 238) caracteriza como uma versão atualizada do

capitalismo dependente que alia, embora de forma subordinada, as “classes detentoras do

capital dos países periféricos com as classes detentoras do capital dos centros hegemônicos no

processo de expansão do capital” (FRIGOTTO, 2011, p. 138). No plano estrutural da

educação, são reiteradas “as reformas que mudam aspectos do panorama educacional sem

alterar nossa herança histórica que atribui caráter secundário à educação como direito

universal e com igual qualidade” (FRIGOTTO, 2011, p. 242).

No âmbito dessa discussão, destacamos a reforma do Estado brasileiro que, até o final

da década de 90 do século passado, deu ênfase a uma reforma administrativa com destaque

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para as privatizações de estatais consideradas de grande potencial econômico­financeiro. E, a

despeito da posição de aparente fragilidade para formular e implantar políticas públicas de

proteção social a todos os cidadãos, e consequente entendimento de que há amarras e pressões

que conduzem à redução de sua base social, há evidências de que ele se mantém

burocraticamente eficaz para fortalecer a hegemonia do capital.

No campo das práticas discursivas se faz presente a retórica de uma promissora

relação entre educação e trabalho, causando eco em vários contextos de circulação dos

discursos pedagógicos, com implicações no campo da docência. Na verdade, o poder de

convencimento não reside, por si só, no discurso oficial que orienta a educação braseira, mas,

essencialmente, no poder do Estado, que, em decorrência da atual configuração econômica

capitalista, foi reorganizado em favor da definição de novas funções de Estado Regulador 10 da

ordem vigente. Dessa forma, ao produzir novas políticas reguladoras, novas práticas

discursivas são engendradas e geram novos sentidos, que, gradativamente, vão se fazendo

presentes na vida dos sujeitos educativos (professores, alunos, equipes técnico­pedagógicas,

entre outros). Na expressão de Bourdieu (2010a, p. 15), “[...] o que faz o poder das palavras, e

das palavras de ordem poder de manter a ordem ou de subvertê­la, é a crença na legitimidade

das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das

palavras”. Da mesma maneira, embora vista a partir de ângulos diferentes, a perspectiva

apontada por Fairclough (2001a, p. 93) corrobora para o entendimento de que “[...] a

constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das

pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais

materiais, concretas, orientando­se para elas”.

Assim é que chegamos ao século XXI e o quadro social brasileiro ainda figura entre os

piores do mundo. O nosso interesse não é assumir o posicionamento de que nada mudou e

permanecemos estagnados no tempo. Nesta última década é possível reconhecer indícios de

“alívio da pobreza”, ampliação da escolaridade básica e superior, um pouco mais de

investimento em políticas sócias, entre outras coisas. No entanto, isso é muito pouco diante

das necessidades presentes na realidade social brasileira. O país ainda registra elevado índice

de analfabetos funcionais e de evasão escolar, grande concentração de renda nas mãos de uma

10 De forma resumida, podemos dizer que, em torno dos anos 70 do século passado, o mito de Estado planejador, produtor direto de bens e serviços, bem como empregador, não resistiu, entre outras coisas, ao aumento do desemprego, às altas taxas de inflação que incidiam sobe o desenvolvimento econômico e, consequentemente, sobre a dívida externa. Acordos internacionais procuram “estancar” os déficits econômicos a partir de um novo modelo de gestão – do Estado regulador ­ que, entre outras coisas, caracteriza­se pelas privatizações; delegação de responsabilidades por serviços prestados a entidades privadas; regulação da economia; alteração nos programas de bem­estar social; (des)regulação da economia no que tange a favorecer o novo modelo de gestão e descentralização administrativa.

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minoria, altas taxas de pessoas abaixo da linha de pobreza, situação esta caracterizada por

Frigotto (2011, p. 238) como capitalismo dependente, conduzido de forma inconciliável e

equivocada, buscando promover abertura de espaço para sua expansão com privilégios para

poucos e simultâneas políticas de minimização das pressões sociais. A despeito de considerar

que, na década passada (relativa ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva ­ 2003­2010) houve

o compromisso de se efetivar mudanças profundas, para Frigotto, a opção do governo pelo

desenvolvimentismo não permitiu alterações significativas no “tecido estrutural de uma das

sociedades mais desiguais do mundo”. Em suas palavras, é possível assinalar uma

continuidade em relação à política do governo anterior (Fernando Henrique Cardoso ­ FHC,

1995 a 2002), no que tange ao empenho em conciliar os interesses da classe dominante com

os interesses de “uma maioria desvalida”, ou classe menos favorecida, embora não signifique

dizer que houve a mesma condução e o mesmo projeto estrutural da gestão anterior.

Contrariando esses posicionamentos, o professor Roberto Leher (2005) procura

demonstrar as experiências vivenciadas na América Latina, relacionadas ao Banco Mundial

(BM). Para ele, o governo Lula da Silva aderiu, de forma incondicional e sem subterfúgios,

aos compromissos anteriormente firmados com o BM, sendo este um grande indicador de que

“[...] o passado segue oprimindo o cérebro dos dirigentes governamentais. No Brasil, o Banco

Mundial financia dois grandes projetos de educação, o Fundo Escola 2 e 3 e, em 2003 e 2004,

foi convidado pelo MEC para apoiar a reforma universitária” (LEHER, 2005, p. 47). Em se

tratando do ensino superior, Leher, ao relacionar projetos como o Programa Universidade

Para Todos (PROUNI), o programa de Financiamento a Educação Superior (FIES) e a

Reforma Universitária (REUNI), considera que o governo Lula esteve fundamentado no

“tripé setor financeiro, agronegócio e exportação de commodities”, e que “nenhum deles

requer universidade pública capaz de gerar conhecimento novo, nem formação massiva para o

trabalho complexo” (LEHER, 2005, p. 50). Sob o seu entendimento, o BM “difunde um

posicionamento ideológico de modo a conformar a universidade pública em um setor

mercantil balizado pelos valores neoliberais” (LEHER, 2005, p. 52).

No âmbito da Educação Superior, é possível entender que a retórica circula em torno

da expansão e da qualidade, tendo esta última como mecanismo de sua viabilização a Lei nº

10.861, de 14 de abril de 2004, por meio da qual se institui o Sistema Nacional de Avaliação

da Educação Superior (SINAES). De acordo com o seu Art. 1º, § 1º, tem por finalidades a

melhoria da qualidade, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua

eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do

aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das IES. Quanto à expansão,

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dois programas são destacados: o apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI), até hoje não consolidada, e o Programa Universidade para

Todos – PROUNI, que se justifica no acesso de alunos a IES privadas por meio da concessão

de bolsas financiadas pelo Governo Federal. Ambos sobrevivem cercados de grandes

contradições, que, junto a outras experiências, levaram Frigotto (2011, p. 27) a admitir que a

primeira década do século XXI “foi marcada pelas concepções e práticas educacionais

mercantis típicas da década de 1990, seja no controle do conteúdo do conhecimento, seja nos

métodos de sua produção ou na socialização, autonomia e organização docentes”.

Além de considerarem a necessidade de se ampliar os direitos sociais e coletivos, nos

diversos âmbitos da vida humana (habitação, saúde e educação, entre outro), Dourado e Pires

(2007) entendem que os dados educacionais relacionados à Educação Superior advertem para

grandes e complexos desafios a serem enfrentados. Prosseguem estes autores afirmando que,

a despeito da expansão do ensino superior, especialmente neste início de século, quando a

educação tecnológica representa uma nova institucionalidade para a Educação Superior, “a

reestruturação na formação profissional e superior, proposta a partir de 2003, no governo

Lula, não representou o fim do modelo de reformas que vinham sendo empreendidas no

governo FHC” (DOURADO; PIRES, 2007, p. 54­55), ainda que tenham ocorrido alterações

no “traçado das políticas educacionais”.

O debate converge e o nosso entendimento caminha no sentido de admitir elementos

de continuidade nas políticas que caracterizam as últimas décadas dos governos brasileiros

(FHC e Lula da Silva), sem que isto tenha como conclusão o entendimento de que houve a

manutenção do modelo de gestão. Realmente, não há como desconhecer a existência de

elementos de continuidade assegurada por meio das forças de sustentação dos governos. No

entanto, cada um traz as marcas do seu “DNA político­ideológico” que conferem

peculiaridades ao seu projeto de sociedade e de cidadania.

Em se tratando das implicações nas políticas de profissionalização docente e formação

de professores(as), concordamos com Shiroma e Evangelista (2007, p. 533) que elas estão

muito mais voltadas para estabelecer “novas formas de controle sobre os docentes” do que no

sentido de “elevar a qualificação dos professores”. Decorre daí todo um arsenal de “projetos

em disputa” que focalizam as mais diversas instâncias da educação. Na perspectiva

apresentada por Ball (2002), isso significa dizer que “as tecnologias políticas da reforma da

educação não são simplesmente veículos para a mudança técnica e estrutural das

organizações, mas também, mecanismos para ‘reformar’ professores e para mudar o que

significa ser professor” (BALL, 2002, p. 3). Entretanto, toda essa mobilização não tem apenas

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os(as) professor(as) como alvos. Concordamos com Shiroma e Evangelista (2007, p. 533) que

“o litígio se põe pelo controle do processo de formação das novas gerações de trabalhadores.

Está em questão manter o estoque da força de trabalho nacional, o processo de reprodução da

capacidade de trabalho e, ao mesmo tempo, a gestão da pobreza”.

É bem verdade que, nos tempos atuais, alguns discursos sinalizam o interesse no

sentido de se fazer um “ajuste de rota” na reforma do Estado brasileiro que marcou a década

de 90 do século passado. Também é possível perceber que a história do desenvolvimento

socioeconômico do país, relativa à década de noventa do século XX, pode ser (re)contada

com algumas ponderações, especialmente quando se busca explicar as grandes tensões que,

naquele momento, afligiam as sociedades no mundo inteiro. Da mesma maneira, embora a

realidade social, em algumas circunstâncias, apresente­se com expectativas positivas, ainda

sinaliza reduzida capacidade do Estado para atender, de forma efetiva, às necessidades básicas

da maioria da população brasileira. Indicativos nesse sentido são as práticas discursivas

constitutivas do discurso apropriado pela hegemonia política brasileira que se apresenta mais

eficiente ao combater o passado do que no sentido de reconstruir o presente.

Diante do exposto, sentimo­nos abalizados para concordar que, conforme ocorre em

tempos de crise, o enfrentamento das dificuldades leva os governantes a encontrar alternativas

mediadoras que respondam de alguma forma a interesses sociais. No caso brasileiro, há sinais

de uma combinação de modelos de gestão 11 . Dados da realidade sugerem e os estudos de

Frigotto (2010) conduzem ao entendimento de que estamos vivenciando uma contraditória

conciliação de experiências que se dá pela continuação das políticas macroeconômicas,

concebidas nos anos de 1990, que favoreceram a classe social economicamente hegemônica

[...] e, por outro, no investimento na melhoria de vida de ‘uma fração de classe (trabalhadora) que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização’ [...]. Tal opção política por ‘executar o programa de combate à desigualdade dentro da ordem’ [...] ‘confeccionou nova via ideológica, com união de bandeiras que pareciam não combinar’ (FRIGOTTO, 2010, p. 239, destaque do autor).

Decorre daí um novo interesse a partir do qual é vislumbrada a perspectiva de uma

nova alternativa que se baseia no fato de o Brasil, ao buscar construir – juntamente com

outros países, entre os quais, Venezuela, Argentina, Equador e Uruguai – formas alternativas

de convivência com o atual sistema econômico, parece conduzir uma gradual transição para

11 O termo “modelo” é aqui adotado como expressão de formas de ações do homem sobre o mundo. Nesse sentido, os modelos constituem “[...] sistemas simbólicos que ditam condutas, ao mesmo tempo em que justificam” (CAMPOS, 2009).

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um novo momento histórico: o pós­neoliberalismo. Para não ter que citar outros, Sader

(2008) 12 considera que, após sucessivas crises instaladas em alguns países (a exemplo da

Venezuela e Argentina), decorrentes de frustradas promessas do neoliberalismo, esse

momento vem sendo arquitetado sob a perspectiva de que:

O neoliberalismo não termina, mas se esgota, abrindo um período de disputa por alternativas, em que por enquanto só se vê na América Latina aparecerem propostas de sua superação. Ganha assim a região um protagonismo – junto com a China – na projeção do futuro do mundo em toda a primeira metade do novo século, na disputa entre o velho que se recusa a morrer e produz crises e suas consequências por todos os lados, e o novo, que começa a anunciar o pós­neoliberalismo, um mundo solidário, desmercantilizado [...] (SADER, 2008).

A despeito de outros posicionamentos contrários, e não sendo nosso interesse

aprofundar, aqui, esse embate de projeções, no âmbito dessa discussão estamos entre aqueles

que, como Frigotto (2011), se inspiram em Florestan Fernandes (1997, p. 5) e acreditam que

todos nós somos parte dos ciclos “que ‘fecham’ ou ‘abrem’ os circuitos da história” e, por

conseguinte, somos parte da estruturação desses ciclos. Consequentemente, o mais sensato

parece ser não a luta em nome do povo, mas o colocar­se em favor da população a fim de que

ela conquiste, “[...] com maior rapidez e profundidade possíveis, a consciência de si próprio e

possa desencadear, por sua conta, a revolução nacional que instaure no Brasil uma nova

ordem social democrática e um estado fundado na dominação efetiva da maioria”

(FERNANDES, 1977, p. 245­246).

Dessa forma, entre os caminhos de que dispomos no sentido de colocarmos em pauta a

Educação Superior de Tecnologia, nesta pesquisa, um nos conduz a fortalecer o debate que

põe em evidência as implicações sociais dos textos das políticas que orientam propostas

curriculares. Esses textos fazem parte de uma prática discursiva de significação e de

representação do mundo, que se constitui e contribui para a constituição das identidades

sociais, dos sistemas de conhecimento e crenças, bem como ajudam a estruturar áreas de

conhecimento e práticas sociais, a exemplo do discurso pedagógico. Esse entendimento

considera que os movimentos de recomposição do sistema econômico, ao contribuírem para

promover a Reforma do Estado brasileiro, promoveram também efeitos sobre políticas que

orientam o currículo da Educação Superior de Tecnologia, razão por que esta passou a ocupar

centralidade neste estudo, haja vista não se tratar de mais um entre tantas outras práticas

12 Fonte: Pós­neoliberalismo na América Latina. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=210.>. Acesso em: 20 jan. 2011.

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discursivas. Sabe­se que na sua forma original elas se mantêm e apropriam a força política e

ideológica do discurso neoliberal, bastante analisado por vários estudiosos do assunto e já

introduzido neste estudo. Trata­se de um discurso que, ao incidir sobre as práticas

curriculares, campo institucional pedagógico, alunos, professores(as) e demais integrantes das

IES, torna­se capaz de contribuir com a fragmentação e/ou desmonte das identidades, no

sentido de construção de novas identificações descentradas.

2.3 Educação Superior de Tecnologia: as DCNG/CST como expressão de discursiva

Com base nas análises já expressas neste estudo, partimos do entendimento de que a

Política de Educação Superior Tecnológica se expressa por meio do Parecer n. 29/2002 do

CNE/CP que discute e institui as DCNG/CST e dá origem a outros normativos afins (Decreto

nº 2208/97 revogado pelo Decreto 5.154//2004, entre outros). Por conseguinte, vemos as

DCNG/CST como prática social destinada a orientar processos de educação sistematizada nas

Instituições de Ensino Superior (IES), ao mesmo tempo em que sinalizam um caráter

ideológico e de manifestação de poder. Elas também apontam expressões de uma dualidade,

agora instalada na Educação Superior, caracterizada pela coexistência de projetos

educacionais distintos (que distinguem) para atender a um público que irá ocupar espaços que

compõem a cadeia produtiva e que estão sujeitos à classificação social, ao favorecer a

distinção entre formação profissional versus formação acadêmica. Essa emblemática dualidade estabelecida na educação brasileira tem origem nas históricas relações construídas

no âmbito do trabalho e educação e se revela impregnada de forte componente político­

ideológico.

Além disso, vemos que os discursos que orientam essa modalidade de educação –

além de sofrerem influência de outros textos (intertextualidade) produzidos no campo das

relações trabalho e educação, bem como no campo do sistema produtivo e do pensamento

pedagógico brasileiro – estão diretamente imbricados nos contextos nos quais foram

idealizados e produzidos, tornando­se, dessa forma, expressões da realidade política, social e

cultural que, felizmente, não reconhecemos como algo posto e/ou determinado. Da mesma

maneira, tornam­se, também, pré­textos para muitos outros textos, a exemplo de documentos

pedagógicos institucionais, que, na condição de prática social, irão influenciar contextos e

identidades sociais e deles sofrer influências.

Acrescente­se, no entanto, que a perspectiva de constituição identitária a qual nos

filiamos, embora contemple influências da família, trabalho, escola, religião, entre outros

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campos sociais, e esteja ligado à história de vida de cada um, é “produto de sucessivas

socializações” (DUBAR, 2005, p. XXV), superando, dessa forma, o conceito de habitus, nos termos adotados por Bourdieu (1983), conforme já referido. Este entendimento inspira­se nas

ideias de identidade e socialização de Dubar (2005), em que o habitus é visto como algo que compõe as nossas identificações e é construído sob influências de condições e interações

socialmente arquitetadas, dos percursos empreendidos e/ou construídos pelo e entre os

sujeitos sociais, em diferentes campos. Sob esta perspectiva de análise, se os padrões

normativos de um determinado espaço contribuem para a formação de habitus, da mesma forma outros padrões podem ser capazes de refratar e de retraduzir ou reestruturar esse

habitus. Nas palavras de Dubar (2005, p. 136), “a identidade nada mais é que o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e

estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os

indivíduos e definem as instituições”. E, ainda que os campos sejam condicionados aos

poderes estabelecidos, em consequência da relativa autonomia inerente aos sujeitos e espaços

sociais, também são estabelecidos princípios de organização próprios de cada campo da

prática. Logo, os agentes sobre os quais falamos são dotados de consciência crítico­reflexiva.

Consequentemente, em oposição às determinações dos poderes estabelecidos, inclusive do

poder simbólico, defendemos a condição das possibilidades em que se processam a refração e

a retradução ou recontextualização dos discursos e das pressões internas e externas no sentido

das transformações perseguidas pela maioria dos sujeitos sociais.

Desta feita, vemos a política de Educação Superior Tecnológica e os normativos que a

regulamentam seguindo uma tendência latino­americana de se alicerçarem em discursos nos

quais os interesses de grupos dominantes apresentam­se hegemônicos, pelo menos por um

determinado tempo­espaço, os quais são naturalizados e apresentados como de interesse de

todos. Assim, ao integrar o conjunto de reforma da educação brasileira, esse discurso revela­

se ancorado às necessidades do setor econômico e compõe o conjunto de mudanças

permeadas de lutas políticas e ideológicas que se apresentam como dimensões inerentes à

prática discursa, sinalizando a acomodação dos sujeitos sociais à lógica do sistema produtivo.

Neste sentido é que, ao se (re)instituírem os cursos de Graduação de Tecnologia com menor

tempo de duração e arquitetura que lhe confere o status de “educação para o trabalho” – com

fortes componentes político­ideológicos, diferentemente do que, convencionalmente, vem

sendo atribuído como “formação acadêmica” –, reforça­se a dualidade que compõe a estrutura

da educação brasileira e também a divisão de classes, aspectos estes dissimulados pela

“retórica” do acesso ao ensino superior, pela sua vinculação à cultura, ciência e tecnologia e

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pela perspectiva anunciada de ingresso imediato no mercado de trabalho. Trata­se de um

discurso que revela materialidade na estreita vinculação com as finalidades do setor

econômico, na sua vertente instrumental, e sinaliza, também, a função de controle simbólico

por meio da administração das subjetividades e, consequentemente, das identidades

individuais e coletivas.

No Brasil, em cumprimento de acordos internacionais orquestrados por instituições

multilaterais de fomento (a exemplo do Banco Mundial/BM e do Fundo Monetário

Internacional/FMI), vinculados à hegemonia capitalista, os sistemas de educação, em todos os

níveis, passaram a conferir às políticas uma lógica neoprodutivista (SAVIANI, 2007), que

corrobora para a constituição do imaginário social de poder das Tecnologias de Informação e

da Comunicação (TIC) – também consideradas filtro social no mercado de trabalho e

argumento de inclusão e exclusão fundamentada na exigência de pessoal especializado. Este

se revela um contexto favorável ao revigoramento da Teoria do Capital Humano (TCH), na

qual o ser humano é visto como um conjunto de investimentos que devem ser revertidos em

benefícios econômicos, ou seja, um capital humano. Trata­se de uma teoria que, no âmbito da

educação brasileira, teve início nos anos 1960 e foi refuncionalizada nos anos de 1990, no

sentido de buscar maior produtividade, estimular “a competição buscando maximizar o lucro”

(SAVIANI, 2007, p. 431). Em relação aos professores, em virtude das mencionadas políticas

orientadoras de práticas curriculares tomarem como referência as leis do mercado, associadas

à produtividade e ao lucro, é possível presumir que esses profissionais são incentivados a um

trabalho máximo com menor investimento possível. Geralmente decorrem de práticas

discursivas que dissimulam suas reais intenções, quando, de forma aparentemente persuasiva,

sinalizam para o convencimento da necessidade e responsabilidade dos trabalhadores em se

manterem atualizados e responsáveis pela manutenção do seu emprego/desemprego

(empregabilidade) e condições de vida.

No que tange à existência de dois segmentos na Educação Superior, a reforma da

educação brasileira (re)alimenta e amplia a histórica dualidade que separa a Educação

Profissional como um segmento paralelo ao ensino fundamental. Neste sentido, nada mais

oportuno do que trazer à lembrança as ponderações de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p.

53) em torno dessa dualidade, aqui referida:

Frente à defesa de um sistema nacional de educação que congregue a educação básica unitária e de qualidade para todos e uma educação superior em que ensino, pesquisa e extensão sejam indissociáveis na perspectiva de produção especialização de conhecimento no e para o país e de desenvolvimento intelectual de seus cidadãos,

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uma medida neste sentido representaria um retrocesso histórico e uma derrota política (FRIGOTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 53).

Com base nesses fundamentos, advogamos, inicialmente, pelo pressuposto de que o

processo constitutivo da docência em Cursos Superiores de Tecnologia, em suas várias

dimensões (social, política, cultural, pedagógica, etc.), implica a compreensão de que o objeto

de estudo congrega múltiplas variáveis que lhe dão forma e conteúdo. Consequentemente, o corpus do estudo vai sendo constituído nos diversos sentidos e movimentos analíticos, de

modo a penetrar no objeto de conhecimento, transformando­o. Isto significa admitir que a

constituição da docência, em suas dimensões pedagógica e identitária, não fica circunscrita à

temática, mas compõe um todo orgânico que vai se manifestando à medida que a investigação

vai sendo desenvolvida.

2.4 Situando a docência na Educação Superior

Embora esteja cada vez mais presente nas produções acadêmicas e publicações, a

discussão em torno da necessidade de se dedicar mais atenção à qualidade da atuação dos(as)

professores(as) da Educação Superior, de forma que a constituição identitária docente possa

se dar de forma prazerosa e significativa para os sujeitos educativos, no Brasil ainda não se

pode constar como uma política que, de fato, trate a questão em suas várias dimensões. Por

outro lado, já é bastante difundido o entendimento advogado por Soares e Cunha, (2010, p.

13) de um “modelo de docente [...] porta­voz de um saber dogmatizado, capaz de transferir,

pelo dom da oratória, em aulas magistrais, seus saberes profissionais, não mais atende as

necessidades da sociedade contemporânea”. De certo modo, em função do que determina a

LDB 9.394/96, são os cursos de pós­graduação stricto sensu que vêm se configurando “formalmente como os responsáveis pela formação do professor da Educação Superior”

(SOARES, CUNHA, 2010, p. 17), embora, geralmente, sejam organizados em função da

formação de pesquisadores.

O que dizer da docência, em suas especificidades, na Graduação deTecnologia?

A busca de elementos que ajudassem a retratar a docência nessa modalidade

acadêmica nos pôs diante de “sinais” sem evidências, ou “indicação” sem materialidade,

muitas controvérsias sob variadas feições e um relativo silenciamento em seu entorno. No

processo de pesquisa bibliográfica, conforme já nos referimos, defrontamo­nos com uma

relativa ausência de bases teórico­metodológicas produzidas com a finalidade subsidiar a

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constituição e o exercício da docência nessa modalidade acadêmica. Foi possível constatar um

significativo número de estudos e produções científicas que tratam da prática pedagógica no

âmbito da Educação Profissional de nível Técnico, bem como nos aproximamos de

experiências discutidas e analisadas no âmbito do Ensino Superior. Entretanto, ainda que

ambas mantenham interface com o objeto em estudo, nenhuma das duas traduz suas

peculiaridades. Isto significa dizer que a compreensão de uma realidade requer não perder de

vista a sua existência real e objetiva. Ademais, os professores integram diferentes espaços

sociais e ampliam suas identidades, visto que, entre outros fatores, as normas e/ou princípios

organizativos que conduzem processos decisórios, valores socioculturais e pedagógicos, neles

predominantes, constituem aspectos que ajudam na constituição da identificação de um

campo. Consequentemente, esses elementos incidem sobre os sujeitos e campos sociais.

A despeito da relativa ausência de dados, é possível assinalar que, além de suas

identificações pessoais no âmbito social, os sujeitos da docência nos Cursos Superiores de

Graduação de Tecnologia integram um campo profissional com dupla identificação, ou

identificação conflituosa (integra a Educação Profissional e a Educação Superior). Essa dupla

inserção em campos oficial e culturalmente demarcados no âmbito do trabalho e educação

parece sugerir a existência de uma modalidade acadêmica conformada aos princípios

estruturadores do campo de origem (Educação Profissional e Tecnológica). Por outro lado, os

processos que induzem à apropriação de normas reguladoras do campo de “inserção”

(Educação Superior) apontam condições favoráveis ao surgimento de tensões, inseguranças e

conflitos, não obstante aí, também, estejam presentes vigor e possibilidades.

Do nosso ponto de vista, nas circunstâncias expostas, o campo de origem vem se

revelando com maior poder de influência, cuja força tem suas raízes no campo das relações do

trabalho e educação, engendrada pela lógica e discurso neoliberais, conforme nos referimos

anteriormente. É nesse campo em que a docência vai se constituindo pari passu com os

processos de formação do Tecnólogo, nos quais se entrecruzam múltiplas influências

(político­ideológicas, culturais e, pedagógicas) das políticas de educação; pressupostos de

identificação dos Cursos de Graduação em Tecnologia; as marcas que caracterizam o contexto

da docência (relação entre educação, ciência, tecnologia e cultura), com efeitos na

constituição identitária docente. Até onde nossas análises conseguiram alcançar, tem­se

presente que a Graduação em Tecnologia é uma modalidade acadêmica dotada de

singularidades demarcadas pelo discurso pedagógico oficial. Ao mesmo tempo integra um

contexto interno de constituição da docência, sem que haja desvinculação dos vários e

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múltiplos fatores externos. Por sua vez, esse discurso oficial caracteriza­se político, social e

ideologicamente comodificado e tecnologizado à luz da cultura produtivista performativa.

Lawn (2001, p. 117), ao analisar as mudanças de identidades nacionais relacionadas

aos(às) professores(as), também reconhece que “as alterações na identidade são manobradas

pelo Estado, através do discurso, traduzindo­se num método sofisticado de controlo e numa

forma eficaz de gerir a mudança”, razão por que considera que a compreensão da governação

da constituição identitária dos professores “e do policiamento das fronteiras da identidade

(associando a identidade dos professores à identidade nacional e de trabalho) são úteis à

compreensão de determinadas fases de desenvolvimento do ensino público e estatal, em

qualquer nação” (LAWN, 2001, p. 118).

Dessas considerações é possível presumir que o discurso das DCNG/CST, em

articulação com normativos afins, reflete influência de mudanças discursivas, as quais, por

sua vez, comprometem a totalidade das práticas discursivas pedagógicas institucionais, bem

como exercem influência sobre a ordem do discurso societal e, consequentemente, as relações

e práticas sociais. Essa suposição fundamenta­se nos estudos de Fairclough (2001a e b), que

identificam a democratização, a comodificação e a tecnologizacão como tendências atuais de

mudança discursiva. A primeira está relacionada a conquistas sociais, em que se pode

assinalar uma tendência de se democratizar ou de se retirar “desigualdades e assimetria dos

direitos das obrigações e do prestígio discursivo e linguístico dos grupos de pessoas”

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 248), embora o processo venha se dando de forma desigual. A

comodificação, nos termos atribuídos ao discurso das DCNG/CST e normativos afins, diz

respeito ao fato de que as instituições sociais, a exemplo das IES que não são destinadas à

produção de bens de consumo, “no sentido econômico estrito de bens para venda, acabam

sendo organizados e conceituados em termos de produção, distribuição e consumo”

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 255). Em outras palavras, o termo sugere que os discursos das

instituições (ex: MEC e IES), ou seja, a ordem do discurso oficial está sendo colonizada –

dominada ou acomodada – ao discurso mercadológico. Já a tecnologização do discurso

decorre do uso de tecnologias discursivas – no dizer de Foucault (1988, 2007), "tecnologias"

ou "técnicas" utilizadas a serviço do "biopoder". Isto significa dizer que o conhecimento,

enquanto instrumento de poder e controle da vida humana, pode ser utilizado por meio de

regulação com o uso de estratégias variadas, inclusive com o treinamento de profissionais – os

chamados tecnólogos do discurso – para uso convincente do discurso em diversos contextos,

no sentido de tornar o contexto social ajustado aos interesses hegemônicos. Nos termos

retraduzidos por Magalhães (2001, p. 26):

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As tecnologias resultam no desenho e refinamento efeitos antecipados dos mais finos detalhes de escolhas de vocabulário, gramática, entonação, organização do diálogo, etc. bem como expressão facial, gestos, postura corporal e movimentos [...] promovem a mudança discursiva através da construção consciente, da simulação em função de propósitos estratégicos e instrumentais de significados interpessoais e práticas discursivas.

Sob a perspectiva discutida por Ball (2004), na atualidade, a privatização e a

performatividade são tecnologias políticas genéricas utilizadas para se provocar mudanças na

forma de gestão do Estado e das instituições públicas. Admite esse autor que a instauração da

cultura de performatividade, ou performatividade, assume um papel importante no conjunto

das políticas. Nas palavras de Ball (2004):

Ela funciona de diversas maneiras para ‘atar as coisas’ e reelaborá­las. Ela facilita o papel de monitoramento do Estado, ‘que governa a distância’ – ‘governando sem governo’. Ela permite que o Estado se insira profundamente nas culturas, práticas e subjetividades das instituições do setor público e de seus trabalhadores, sem parecer fazê­lo. Ela (performatividade) muda o que ele ‘indica’, muda significados, produz novos perfis e garante o ‘alinhamento’. Ela objetifica e mercantiliza o trabalho do setor público, e o trabalho com conhecimento (knowledge­work) das instituições educativas transforma­se em ‘resultados’, ‘níveis de desempenho’, ‘formas de qualidade’. Os discursos da responsabilidade (accountability), da melhoria, da qualidade e da eficiência que circundam e acompanham essas objetivações tornam as práticas existentes frágeis e indefensáveis – a mudança torna­se inevitável e irresistível, mais particularmente quando os incentivos estão vinculados às medidas de desempenho. ‘Consequentemente, o ensino e a aprendizagem são reduzidos a processos de produção e de fornecimento que devem cumprir os objetivos de mercado de transferência eficiente e de controle de qualidade’ (BALL, 2004, p. 1116).

No quadro dessas considerações, as mudanças vão além do esperado, atingindo a

subjetividade dos sujeitos sociais, significando o que Saviani (2007) identifica como uma

refuncionalização da lógica produtivista, que orienta a capacidade de gerar lucro. Portanto,

trata­se de uma tecnologia utilizada para se efetivar mudanças técnicas e estruturais nas

organizações e age como mecanismo de imprimir um entendimento, ou delinear a

performance do que significa ser professor(a), ou seja, um mecanismo de conformação da

identidade docente.

Dessa forma, consideramos que o discurso das DCNG/CST, ao ser organizado e

conceituado, foi “customizado”, nos termos de produção, distribuição e consumo, e

colonizado na forma adotada pelo setor econômico, conforme ocorre com diversos produtos

comercializados nas empresas privadas. Contudo, não se trata de um processo simples. No

processo de colonização os mecanismos adotados procuram assimilar uma combinação de

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novas formas com formas antigas, a exemplo do que vem ocorrendo com as DCNG/CST que

reúne diferentes matrizes epistemológicas (condutivista/behaviorista, matriz funcionalista e

matriz construtivista) em seu discurso. Todavia, é importante lembrar, como faz Fairclough

(2006), que “há um processo de apropriação que pode levar a resultados diferentes – a tomar

formas quiescentes de resistência mais ou menos tácitas ou abertas [...]”, visto que,

diferentemente do que se possa imaginar, este não é um processo linear e nem se dá à revelia

dos destinatários. Ao contrário, “[...] há uma luta na estruturação de textos e ordens do

discurso, e as pessoas podem resistir às mudanças que vêm de cima ou delas se apropriar,

como também simplesmente as seguir” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 28).

Não seria difícil presumir que essas mudanças exerçam influências fundamentais na

prática pedagógica, com ênfase na docência, em quaisquer circunstâncias. Entretanto, quando

o enfoque da docência está oficialmente projetado para a constituição de identidades

descentradas instrumentais, de base econômica, de maneira que se possa responder, com

eficiência e eficácia, os desafios propostos pelo mercado de trabalho, este parece ser um

campo da docência vulnerável à cultura performativa, aos mecanismos de comodificação e

tecnologização dos discursos pedagógicos oficiais e institucionais.

Sobrevém que a aproximação com o campo da Educação Superior sinaliza, não

raramente, o ingresso de especialistas (administradores, economistas, etc.) na docência e, “em

sua maioria, [esses especialistas] tiveram sua formação na área específica de seu bacharelado

e/ou licenciatura sem, contudo, terem qualquer atividade ou disciplina curricular que os

preparasse para atuar na Educação Superior”. Isto é o que revela um estudo de Isaia, Bolsan e

Giordani (2006, p. 2). Essa forma de ingresso no exercício profissional docente traz maiores

impactos, especialmente quando a função é tomada como segunda profissão, sem que isso

caracterize aquela com a qual os(as) professores(as) se identificam. Estes elementos apontam

para o entendimento de que a docência – embora muitas vezes possa qualificar outra profissão

por estar associada à ideia de estudo e produção de conhecimento –, por si só, parece não

conferir status social. Em tais circunstâncias, a função docente é secundarizada em detrimento

do “médico que dá aulas”, do “engenheiro que ensina”, quando não é [des]caracterizada como

um “meio” ou “alternativa temporária” de “complementação da renda familiar” e, não

raramente, em função da conjuntura socioeconômica, torna­se uma atividade profissional

definitiva, sem que a formação inicial possa dar conta das demandas da nova profissão. Some­

se a esse quadro a ausência de iniciativas e estratégias organizadas, no sentido de se

desenvolver processos de formação continuada de professores(as), quer seja de âmbito

político, quer seja de âmbito institucional.

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Em consequência das raízes “essencialmente profissionalizantes”, também

identificamos, nessa modalidade acadêmica, além dos problemas relacionados ao âmbito da

Educação Superior, grande parte das contradições presentes na Educação Profissional: cursos

distribuídos por Eixo Tecnológico; planos de curso organizados em módulos; perfil

profissional definido por competências demandadas pelo mercado de trabalho, a partir das

quais são estabelecidos os conteúdos curriculares; professores(as) com experiências e

conhecimentos específicos relacionados a mercado, marketing, empreendedorismo, etc.,

embora sem experiência e conhecimentos sobre docência. Por outro lado, boa parte dos(as)

professores(as) da Educação Profissional mantém uma relação diferenciada com as disciplinas

academicamente constituídas, conforme revelam os estudos de Tanguy (2003, p. 25): “longe

de sacralizar o saber, os professores das matérias tecnológicas e profissionalizantes

consideram que a validade dele deve ser aprovada pela sua utilização em situações definidas

(inclusive por agentes externos a instituição escolar)”. Tais circunstâncias clamam pela

constituição das dimensões básicas “epistemológica, profissional, humana e política” da

formação docente, conforme recomendam Aguiar e Melo (2005, p. 976). Esta é uma reflexão

que nos acompanhou no decorrer deste estudo e sobre a qual buscamos empreender algumas

reflexões. Dessa forma, estamos a ratificar Cardoso (1978, p. 26) quando afirma, na epígrafe

deste capítulo, que “‘O objeto’ é sempre inatingível”, razão porque estamos sempre em busca

de uma maior aproximação possível com ele, segundo o concebemos.

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CAPÍTULO III BALIZADORES DO ESTUDO

[...] tenha­se, contudo, bem presente que ele [o quadro teórico] serve antes como diretriz e caminhos de reflexão do que, propriamente, de modelo ou de forma, uma vez que o pensamento criativo não pode escravizar­ se mecânica e formalmente a ele [...].

(SEVERINO, 2004)

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3 BALIZADORES DO ESTUDO

3.1 A Análise Crítica do Discurso como instrumento teórico­metodológico

Nessa incessante busca de aproximação com o real, a qual no capítulo anterior,

fazemos uso da Análise Crítica do Discurso (ACD) sob a forma apresentada por Fairclough

(2001a, 2001b, etc.), haja vista sua inter­relação com o objeto de pesquisa e por nos parecer

ser este o procedimento que mais se compatibiliza com perspectiva analítica adotada neste

estudo. Outro elemento favorável a essa opção diz respeito ao fato de que a ACD proposta por

Fairclough (2001a e b), ao mesmo tempo em que contempla de forma crítica o texto como

prática discursiva e prática social, envolve sujeito e objeto da pesquisa em uma relação de

compromisso social.

Conforme propõe Fairclough (2003, p. 185), a ACD também é entendida como ciência

social crítica, que favorece a identificação “dos problemas que as pessoas enfrentam em

decorrência de formas particulares da vida social”, da mesma forma em que permite

“desenvolver recursos de que as pessoas podem se valer a fim de abordar e superar esses

problemas” [tradução nossa]. Considerando a grande importância de Foucault (1979, 1988,

2007) para a constituição da ACD, buscamos ancoragem nesse autor, naquilo que nos parece

mais preciso: a relação entre discurso e poder, a interdependência das práticas discursivas, a

importância dos discursos na constituição dos sujeitos sociais, e a perspectiva de que os

discursos se revelam socialmente constitutivos, ou seja, todos os âmbitos da sociedade são por

eles influenciados, ao mesmo tempo em que lhes confere significação, embora sejam,

também, socialmente constituídos. Quando oportuno, na relação dinâmica do debate fazemos

uso da categoria “enunciado”, não como única, mas como uma entre as categorias de análise

adotadas por Fairclough (2001a e b): vocabulário, gramática, coesão, estrutura textual, a força

dos enunciados, ou os tipos de atos de fala que eles constituem, a coerência e a

intertextualidade dos textos. Essas categorias constituem o quadro de análise dos textos,

proposto por Fairclough, abrangendo aspectos da sua produção e interpretação, bem como

suas propriedades formais.

Tomamos como referência a perspectiva tridimensional adotada pelo autor, que busca

reunir a análise linguística e a teoria social “numa combinação do sentido sócio­teórico do

discurso com o sentido de ‘texto interação’ na análise de discurso orientada linguisticamente”

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 22), conforme representação, a seguir:

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Quadro 01 ­ Concepção Tridimensional do Discurso

Dessa forma, Magalhães (2001, p. 24) considera que a proposta de ACD apresentada

por Fairclough sob três dimensões, “implicitamente posiciona as outras abordagens

discursivas como planas”, em virtude de contemplarem “apenas duas das dimensões da

linguagem, o texto e a interação, deixando de lado a inserção da linguagem na dimensão da

ação social”, aspecto este que possibilita “aos estudos da linguagem lançarem­se para um

objetivo de comprometimento com a sociedade”. Portanto, o quadro tridimensional busca

superar a ideia de texto como algo acabado, de forma que qualquer evento discursivo, ou seja,

qualquer exemplo de discurso é, ao mesmo tempo, texto, prática discursiva e prática social.

Esta perspectiva de intervenção social se dá especialmente em função de que, a ACD:

Visa a explorar sistematicamente relações frequentemente opacas de causalidade e determinação entre (a) práticas discursivas, eventos e textos, e (b) estruturas sociais e culturais, relações e processos mais amplos; a investigar como essas práticas, eventos e textos surgem de relações e lutas de poder, sendo formados ideologicamente por estas; e a explorar como a opacidade dessas relações entre o discurso e a sociedade é ela própria um fator que assegura o poder e a hegemonia [...]. (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35).

Convém adiantar que as nossas análises dos eventos discursivos não privilegiam a

descrição dos elementos linguísticos, e dá mais ênfase à dimensão da análise do discurso

relacionada à prática discursiva e prática social.

PRÁTICA SOCIAL Dimensão da análise do discurso vista em sua matriz social, de forma relacionada aos efeitos ideológicos e ao poder, enquanto hegemonia, investido da condição de prática social.

Fonte: adaptado de FAIRCLOUGH (2001a, p.101).

PRÁTICA DISCURSIVA Dimensão da análise do discurso relacionada à sua produção, distribuição e consumo.

TEXTO Dimensão relacionada à análise dos aspectos linguístico­textuais do

discurso

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A pertinência da ACD para este estudo também se expressa no fato de que, sob a

perspectiva tridimensional, é possível conciliar “uma teoria de poder baseada no conceito de hegemonia de Gramsci com uma teoria de prática discursiva baseada no conceito de intertextualidade” ou mais precisamente, interdiscursividade (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35).

Sob essa perspectiva, a prática discursiva promove a inter­relação entre texto e a prática

social, de forma que: “de um lado, os processos de produção e interpretação são formados

pela natureza da prática social, ajudando também a formá­la e, por outro lado, o processo de

produção forma (e deixa ‘vestígios’) no texto, e o processo interpretativo opera sobre ‘pistas’

no texto” (FAIRCLOUGH, 2001b, 35­36). Portanto, analisar um discurso sob o viés de

prática social, segundo Fairclough (2001b, p. 33), pressupõe tratá­lo sempre como “um modo

de ação socialmente e historicamente situado, numa relação dialética com outras facetas do

"social" (seu "contexto social") ­ ele é formado socialmente, mas também forma socialmente,

ou é constitutivo”. Em razão do exposto, os eventos discursivos podem ser vistos sob a

perspectiva política e ideológica da prática discursiva. Nesse sentido também caminham os

estudos de Dijk (1999, p. 23), que considera a ACD como “um tipo de investigação analítica

sobre o discurso” por meio da qual se estuda “primariamente o modo em que o abuso do

poder social, o domínio e a desigualdade são praticados, reproduzidos, e ocasionalmente

combatidos, nos textos [...]”.

Considera­se, portanto, que as práticas discursivas que incidem sobre o campo

institucional acadêmico são capazes de promoverem efeitos, inclusive o de alterar

significativamente o rumo das transformações sociais. Pelo exposto, o tratamento dos

documentos oficiais e institucionais, vistos enquanto discurso pedagógico, favorece a

compreensão de suas implicações e mediações, concebidas enquanto prática de representação

e de significação do mundo, que “contribui para a construção de todas as dimensões da

estrutura social que diretamente o moldam e o restringem [...]” (FAIRCLOUGH, 2001a, p.

91). Isto significa dizer que os discursos determinam e são determinados pela estrutura social

em todos os níveis. Esta condução implica também considerar questões relacionadas às

dimensões sociais, políticas, ideológicas que se manifestam por meio das várias formas de

comunicação, como expressão do discurso em sua versão hegemônica, também presente na

política de Educação Superior Tecnológica, mais precisamente no texto das DCNG/CST.

Conforme esclarece Fairclough (2001a), os efeitos do discurso incidem na constituição

identitária e posições dos sujeitos sociais, nas relações sociais entre pessoas e na construção

de sistemas de conhecimento e crença que estão relacionados, respectivamente, à

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três funções da linguagem e a dimensões de sentido que coexistem e interagem em todo discurso [denominadas] 'identitária', 'relacional” e ‘ideacional'. A função identitária relaciona­se aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 91­92).

Essa perspectiva dialética, a nosso ver, é coerente com o nosso estudo, especialmente

por adotarmos como objetos de análise textos oficiais e falas dos professores, coordenadores e

direção acadêmica, com a finalidade de investigar suas implicações na constituição da

docência dos cursos Superiores em Tecnologia, assim como – em virtude de se ter como

campo empírico uma IES e como uma finalidade do estudo – a possibilidade de poder

contribuir para a superação da reprodução social e, ao mesmo tempo, fortalecer o debate em

favor da transformação da realidade da Educação Superior Tecnológica.

Diante da relevância dos conceitos trabalhados por Fairclough (2001b, p. 39), para o

nosso estudo tomamos como referência o quadro a seguir, elaborado pelo autor:

Quadro 02 ­ Conceitos básicos de Análise Crítica do Discurso

.

Iniciamos o nosso estudo por meio de uma pesquisa bibliográfica que favoreceu a

nossa aproximação com o fenômeno estudado. A busca de bases teóricas para investigação da

hipótese e de dados empíricos necessários a sua validação, negação ou reorientação encontra

justificativa em Minayo (2000, p. 92), ao afirmar que:

a relação dialética entre teoria e realidade empírica se expressa no fato de que a realidade informa à teoria que por sua vez a antecede, permite percebê­la formulá­la, dar conta dela, fazendo­a distinta, num processo sem fim de distanciamento e

Discurso (substantivo abstrato) Uso da linguagem concebido como prática social.

Evento discursivo Instância de uso da linguagem, analisada como texto, prática discursiva, prática social.

Texto A linguagem escrita ou falada produzida num evento discursivo.

Prática discursiva A produção, distribuição e consumo de um texto.

Interdiscursividade A constituição de um texto a partir de discursos e gêneros diversos.

Discurso (substantivo comum)

Modo de significar a experiência a partir de uma perspectiva particular.

Gênero Uso da linguagem associado com uma atividade social particular.

Ordem do discurso Totalidade das práticas discursivas de uma instituição e as relações entre elas.

Fonte: A Análise Crítica do Discurso e a Mercantilização do Discurso Público: as Universidades, Fairclough (2001b, p. 39).

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apreensão. A teoria domina a construção do conhecimento através de conceitos gerais provenientes do momento anterior. Seu aprofundamento, de forma crítica, permite desvendar dimensões não pensadas a respeito da realidade que não é evidente e que não se dá: ela se revela a partir de interrogações elaboradas no processo de construção teórica.

No quadro dessas considerações, as nossas análises partiram de expressões de

materialidade, tendo como foco três campos de discursividade – nacional, institucional e da

prática docente –, visando a identificar aproximações, distanciamentos, resistências, refrações

e retraduções ou outros processos criativos constituídos no interior da IES, assim como suas

implicações na constituição da docência em cursos de Graduação em Tecnologia. Damos

especial atenção ao contexto de uso dos mencionados discursos, bem como à relação entre

textos e estruturas sociais.

Buscando retratar os mencionados campos da discursividade (nacional, institucional

ou acadêmico e o da prática docente) nos quais buscamos nas ideias­força dos enunciados,

elementos que expressam a sua materialidade, elaboramos o quadro a seguir, que teve como

referência estudos desenvolvidos pela profª Drª Zélia Porto (2008):

Quadro 03 ­ Corpus Documental

Campo de Discursividade Materialidade discursiva

Nacional

• Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96. • Parecer CNE/CP: 29/2002, que analisa as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos Cursos Superiores de Tecnologia.

• Resolução n. 3 de 18/12/2002 do Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno (CNE/CP), que Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos Cursos Superiores de Tecnologia (DCNG/CST).

• Lei nº 11.096/2005 – cria o Programa Universidade para Todos – ProUni. • Decreto nº 6.096, de 24/04/2007 – cria o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais do país – REUNI.

• Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004 ­ cria o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES.

• Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. • Cartilha do Tecnólogo – 2010.

Institucional

• Plano de Desenvolvimento Institucional PDI (2005­2009). • Projeto Pedagógico Institucional (PPI 2010­2014) 2010. • Projeto Pedagógico de Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda. • Projeto Pedagógico de Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia. • Projeto Pedagógico de Curso Superior de Tecnologia em Eventos. • Plano de Cargos e Salários – 2010. • Política de Formação Continuada – 2010.

Docência • Textos transcritos das falas dos entrevistados. Fonte: Elaboração da Autora.

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Tendo em vista que o discurso, em seu contexto, quase sempre não se dá a

conhecer com facilidade, além de estarem implícitos valores e significações ideológicas, a

nossa análise busca materialidade discursiva nas aproximações, distanciamentos e/ou

retraduções dos discursos pedagógicos, nos âmbitos nacional/oficial pedagógico, no campo

institucional­acadêmico e na docência, por meio dos professores, gestores e coordenação de

cursos.

Para melhor entendimento da dinâmica em que se deu a análise discursiva, as suas

variáveis fundamentais estão representadas a partir de três práticas discursivas, situadas em

suas respectivas dimensões: Pedagógico­Oficial, Pedagógico­Institucional e Docência (aqui

relacionada aos Cursos de Formação de Tecnólogos), por meio das quais se busca, na força

dos enunciados, sua materialidade discursiva. Essas dimensões correspondem

respectivamente aos âmbitos: nacional, institucional e às especificidades da docência.

Acrescente­se, porém, que, por se constituir representação gráfica, é possível que alguns

movimentos não estejam, de todo, representados no quadro a seguir:

Quadro 04 ­ Análise do Corpus da Pesquisa

Fonte: Elaboração da Autora.

Ocorre que cada texto é composto de fragmentos de outros textos e, por sua vez,

irão compor novos outros enunciados. Dessa conjugação decorre a intertextualidade, em

função de que se torna portadora de ambivalências, ou hibridez composta de subjetividades,

DOCÊNCIA (formação de tecnólogos)

PEDAGÓGICO OFICIAL/NACIONAL

PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

IDEIAS­FORÇA: APROXIMAÇÕES, DISTANCIAMENTOS E/OU REFRAÇÕES RECONTEXTUALIZAÇÕES

PRÁTICAS DISCURSIVAS: PERSPECTIVAS

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historicidades e de diferentes sentidos ideologizados e constitutivos de uma mesma prática

discursiva ou prática social. Em função disto, a intertextualidade constitui uma categoria

importante na análise das práticas discursivas e das quais fazemos uso.

Algumas expressões de materialidade discursiva tornaram­se mais claras a partir das

observações realizadas no convívio com os(as) entrevistados(as), embora estejam diretamente

relacionadas ao objeto de estudos, em suas interfaces.

No quadro dos referenciais teóricos, assumimos o conceito de discurso – enquanto

linguagem (falada, escrita e semiótica) – que é visto sob a forma de prática social, o que

implica considerá­lo como “modo de ação e modo de representação do mundo [...],

constituindo e ajudando a construir as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de

conhecimento e crenças” (MAGALHÃES, 2001, p. 17). Portanto, a partir deste capítulo,

passamos a utilizar, preferencialmente, a expressão “discurso”, nos termos adotados por

Bernstein (1996, 1998), assim como em Fairclough (2001a e b), naquilo que eles têm em

comum. Nele, temos presente as influências das relações de poder e ideologia, que, de forma

explícita ou velada, tornam­se constitutivas das práticas discursivas e das práticas sociais.

3.1.1 Relações de ideologia e Poder

A relação poder e ideologia na produção, socialização, apropriação e reconstrução de

conhecimento, de per si, comportaria uma extensa exposição, especialmente no que tange aos mecanismos ideológicos e de poder postos de forma velada nas representações do mundo

atual e utilizados na disseminação de ideais políticos, ideológicos, culturais e educacionais

como forma de hegemonia. Este foi um grande desafio enfrentado por autores como Michel

Foucault (1987, 1979), ao enfatizar as relações de poder nas lutas sociais e suas

consequências na produção do conhecimento.

Considerando o explícito desequilíbrio de poder presente nas relações sociais do país,

procuramos evidenciar, também, mecanismos de manipulação em que se fazem presentes

manifestações ideológicas, aqui destacado o uso de práticas discursivas como veículos de

mudança social, e situando o discurso pedagógico oficial que tem se revelado bastante eficaz,

por se tratar de uma prática discursiva reguladora das instituições formadoras, das

subjetividades e identidades dos sujeitos educativos e, consequentemente, da sociedade.

Concordamos que qualquer processo de interpretação, produção e socialização de

conhecimento, independente dos fins aos quais se proponha chegar, não se dá a conhecer por

inteiro, e pode ser interpretado como uma manifestação de relação de poder e de controle

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político, conforme sugere Foucault (1979). Por conseguinte, analisar o discurso pedagógico

oficial sob esta perspectiva põe­nos diante de uma controvertida tarefa, visto que estas

relações se estabelecem entre entidades vivas (ideólogos do discurso, políticos, professores,

estudantes, intelectuais e educadores em geral), nas quais são postos em jogo interesses

hegemônicos dissimulados por meio de “manipulações” conscientes da realidade. Assim

entendidas, essas relações se instituem em campos permeados de contradições e conflitos,

onde a união entre conhecimento e poder caminha no sentido da transformação dos homens

em força produtiva, nos moldes da atual sociedade capitalista de consumo, embora não se

possa desconhecer a possibilidade de, ao mesmo tempo, sermos “vigiados e vigilantes”, ou

seja, em função da dinâmica das relações, o poder não tem uma existência própria e fixa

(FOUCAULT, 2007).

Concordamos com Chauí (1980), que o conceito de ideologia é uma prática social que

atua em articulação com as demais práticas sociais e é produzida pelas relações sociais. Isto

não se dá por acaso ou equívocos. Têm finalidades determinadas e assim se mantêm

influenciando pessoas e sociedade. Trata­se de formas históricas de se produzir ideias no

contexto das relações sociais. Isso atenta para mecanismos ideológicos que procuram

apresentar os fenômenos sociais independentes da realidade histórico­social, de modo que os

mesmos sejam compreendidos em si mesmos, desvinculados da realidade que os concebeu, de

forma que os interesses dominantes implícitos não sejam reconhecidos. Isto só se torna

possível por meio da manipulação e ocultação de sua real finalidade de manutenção do status quo. São mecanismos que classificam, distinguem, segmentam, ocultam, excluem, silenciam e fortalecem a hegemonia do poder instituído.

Compreendemos que não é tarefa fácil resumir o conceito de ideologia. Desse modo, a

visão de Bourdieu (2010a) permite acrescentar que a eficácia dos sistemas sociais está na sua

estruturação, onde se faz presente o poder simbólico, ou seja, um “[…] poder invisível [que]

só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão

sujeitos ou mesmo o exercem” (BOURDIEU, 2010a, p. 8). Trata­se de um poder que “[...]

tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular

do mundo social) supõe o [...] conformismo lógico [...]” (BOURDIEU, 2010a, p. 9). Sob tais

circunstâncias, para Bourdieu é possível considerar os símbolos como excelentes mecanismos

“‘da integração social’: enquanto instrumento de comunicação e dominação [...] eles tornam

possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘lógica’ e a condição da integração ‘moral’”

(BOURDIEU, 2010a, p. 10). Nessa perspectiva, os sistemas simbólicos são utilizados como

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instrumento de dominação a serviço da cultura e da classe hegemônica que exerce poder e/ou

influência e desmobiliza as classes menos favorecidas, com a finalidade de:

[...] legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para legitimação dessas distinções. Este efeito ideológico produz a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une [...] é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem­se pela sua distância em relação à cultura dominante (BOURDIEU, 2010a, p. 10­11).

Ainda, sob a perspectiva bourdieusiana, não basta identificar as relações de

comunicação como relações de poder vinculadas ao poder material ou simbólico acumulado

pelos agentes. Cumpre advertir, conforme o faz Bourdieu (2010a, p. 11), que os sistemas

simbólicos, de forma persuasiva, exercem a função política de legitimar o poder, assegurando,

dessa forma “a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço

da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a

expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados’”.

Diferentemente da visão de dominação bourdieusiana, no pensamento de Foucault

(1979) a dominação não se estabelece de forma unilateral. Nas lutas de classe “todos se

opõem a tudo. Não há dados de forma imediata, sujeitos que seriam o proletariado e a

burguesia. Quem luta contra quem? Nós lutamos contra todos. Existe sempre algo em nós que

luta contra outra coisa em nós” (FOUCAULT, 1979, p. 257). Nesta perspectiva, os sujeitos

em suas relações sociais estão susceptíveis a constantes mudanças de posição.

De certa forma, poderíamos dizer que, em sua contraditória essência, as questões de

ideologia e poder são inesgotáveis. São conduzidas não só no interior das lutas simbólicas,

mas buscam materialidade nas subjetividades dos indivíduos e, por meio dos especialistas ou

tecnólogos, procuram alcançar, de forma dissimulada, legitimação no coletivo social.

Entretanto, mesmo nas relações de dominação, a ideologia e o poder não constituem uma ação

imobilizante dos sujeitos, nem se dá por completo. Tampouco a conformação à dominação se

dá pela força, ficando sempre presente a possibilidade de resistência, ou, como diria Bourdieu,

de refração, de retradução, resistência e/ou de transformação dos campos e dos sujeitos

sociais.

Não menos coerentes com a lógica de disseminação da cultura dominante parecem ser

os mecanismos adotados pelo Estado, por meio das políticas sociais, aqui nos referindo às

políticas de Educação Superior de Tecnologia em sua função de disseminação da organização

curricular e da cultura performativa produtora de indivíduos compatíveis com os interesses

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hegemônicos para que se processe o pretendido funcionamento social. Assim é que, sob a

perspectiva da dinâmica das relações de poder, presumimos a importância da análise das

práticas discursivas que compõem a ordem do discurso social e institucional, mais

precisamente, dos discursos pedagógicos oficial e institucional, vistos enquanto prática social,

em seus processos de produção, distribuição e consumo (FAIRCLOUGH, 2001a e b).

Poderíamos inferir que, sob esse enfoque, o discurso da Política de Educação Superior em

tecnologia é constitutivo das relações de poder e revela­se investido de ideologia, por meio do

qual se busca construir opiniões, valores, conceitos em torno de falsas ou meias verdades.

Diante das argumentações apresentadas e das múltiplas expressões das relações

estabelecidas – local e globalmente; macro e microcosmos; intra e intersujeitos e campo da

produção, campo da reprodução e campo da relocação dos discursos; contextos internacional,

da produção e da prática que se configura, também, como contexto interno de constituição

docente –, concordamos com Ball e Bowe (1992) que a política é uma intervenção textual

com possibilidades e restrições. É originada no contexto da influência (nacional e

internacional) no qual os discursos políticos são construídos. Esse contexto, por sua vez,

estabelece uma relação simbiótica, embora desconfortável, com o contexto de produção do

texto político (instâncias intermediárias do Estado: secretarias, universidades, etc.). Quanto ao

contexto da prática e de constituição da docência, composto pelo contexto institucional,

professores, alunos e currículo, nele as respostas às políticas têm consequências reais, embora

de forma dialética, ou seja, em constantes relações interdisciplinares constituídas e

constitutivas do contexto externo, e sem um fim em si mesmo. A realidade também confirma

que as políticas, enquanto práticas discursivas e práticas sociais, tal qual afirmam os autores

referendados neste tópico, não são, simplesmente, recebidas e colocadas em ação. Elas estão

sujeitas a permanentes reinterpretações e recriações e/ou retraduções (BOURDIEU, 2004)

e/ou, ainda, recontextualizações (BERNSTEIN, 1996).

Isto posto, a seguir empreendemos uma discussão em torno de balizadores teóricos

que orientam as nossas reflexões, ajudando a explicitar e a dar significado ao objeto

pesquisado. No entanto, não é nosso interesse “aprisionar” a discussão a formas ou fórmulas

mecânicas, preconcebidas, formalmente estruturadas e socialmente convencionadas, conforme

orienta Severino (2004), na epígrafe deste capítulo. Temos presente que as referências

teóricas aqui articuladas vêm sendo apropriadas a partir das reflexões iniciais sobre a

temática. A pesquisa tende a caminhar seguindo essa mesma dinâmica, estendendo­se por

todo o estudo, integrando o processo de conhecimento. Na verdade, as referências teóricas

correspondem a “um recorte parcial e imperfeito da realidade”, conforme bem representa

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Queiroz (2005, p. 15), ou, mais precisamente, buscando delinear uma “representação do real”

a partir de nexos e relações, bem como, interpretando as aparências, conforme já referiu

Cardoso (1978, p. 26). Deste modo, elas integraram a contextualização, da mesma maneira

que se estendem por todo o estudo, ampliando, contribuindo para o aprofundamento e

explicitação da temática na constituição e construção do corpus da pesquisa, razão por que

serão gradativamente ampliadas ao longo da produção e, em algumas circunstâncias, são fruto

de retraduções, ou, no dizer de Bernstein (1996), de recontextualizações. Afinal, assim é que

se dá um processo natural de conhecimento da realidade: por meio de um processo reflexivo,

problematizador, no qual se relacionam teoria e prática por meio de uma ação dialética em

que sujeito­objeto se relacionam, se afirmam, modificando e sendo modificados pela realidade

objetiva, conforme advoga Konder (1992).

3.2. Referências teóricas

A progressiva construção deste trabalho nos leva a resgatar um dos fios

desencadeadores do debate: o discurso pedagógico oficial expresso na política que orienta a

organização curricular da Educação Superior de Tecnologia, que tem como núcleo

estruturante o desenvolvimento de competências, com hegemonia da dimensão funcional e

prática da formação de tecnólogos. Neste sentido, tomamos como referência que o discurso

pedagógico da Política de Educação Superior de Tecnologia é estruturado sob a forma de

regras de regulamentação de produção, distribuição, reprodução, inter­relação e mudanças

circunscritas ao que é concebido como texto legitimamente pedagógico (BOWE; BALL,

1992). Este entendimento é ampliado, na medida em que a política não fica circunscrita à

linguagem oral e escrita, estendendo­se por mecanismos recontextualizadores, ao mesmo

tempo em que perpassa o conjunto da vida social, vindo a contemplar expressões de

materialidade das instituições, bem como práticas e produções socioeconômicas, políticas,

culturais, linguísticas, educacionais, entre outras.

Concebida na intensificação do uso de tecnologias e da consequente necessidade de

preparar trabalhadores competentes para desempenhar atividades relacionadas a vários

segmentos de uma cadeia produtiva, na visão de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 46), os

Cursos de Graduação em Tecnologia foram originados na Reforma Universitária de 1968,

“conformando um sistema de carreiras curtas voltadas para áreas consideradas desatendidas

pelos cursos de graduação”. No entanto, esses cursos não se consolidaram no âmbito da

Educação Superior, tampouco houve receptividade dos egressos nos segmentos do mercado

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de trabalho. Em sua nova versão, a Política de Educação Superior Tecnológica tem como a

mais forte e efetiva expressão do discurso oficial o texto das DCNG/CST, que está alicerçado

em discursos dominantes, dissimuladamente apresentados como universais, fruto de

proposições decorrentes de acordos internacionais, conforme já referido. Assim consideradas,

a política e, por conseguinte, as diretrizes curriculares, bem como os demais atos normativos,

enquanto forma de ampliar sua hegemonia, instituem sentidos provisórios e projetam

identidades docentes e discentes (MACEDO, 2010). Em sua materialidade discursiva, a

política de Educação Superior de Tecnologia permite referir a bases teóricas que se vêm

configurando como a “Pedagogia das Competências”, nos termos adotados por Ramos (2001),

cuja controvertida abordagem epistemológica é destacada em um dos tópicos subsequentes

deste estudo.

Para o que comporta neste estudo, recorremos a um criterioso estudo desenvolvido por

Melo (2010), por meio do qual é possível entender a pedagogia como formação discursiva, ou

discurso teórico, científico, que não se confunde com o seu objeto de conhecimento (a prática

educativa), assim como se distingue do pluralismo das Ciências da Educação. Nas palavras

dessa pesquisadora, a pedagogia é vista, enquanto formação discursiva:

[...] como um conjunto de princípios/pressupostos, conceitos, processos educativos e profissionais, orientados por determinadas ordens do discurso macro e micro (ideias­ forças) a produzirem discursos recontextualizados, práticas e novas realidades, sob efeitos de relações de poder. Envolve dimensões epistemológica, teleológica, axiológica, ontológica, praxiológica e pragmática voltadas para formação de sujeitos (condutas sociais) e para mudanças de relações sociais. Constitui­se ainda um discurso do quê (conteúdo) e do como se organiza a prática pedagógica e o seu processo de aquisição e de produção de conhecimentos e práticas, em relações sociais determinadas (MELO, 2010, p. 204).

A sua conceituação amplia­se, na media em que, fundamentada em teóricos que

discutem a temática, estende­se à perspectiva de pedagogia como ciência da educação que

constitui síntese transdisciplinar decorrente de diversas recontextualizações entre as Ciências

Sociais e Humanas e outras, “sem deixar de fortalecer o seu estatuto epistemológico próprio

entre o uno (especificidade) e o plural, como um texto novo em constante atualização”

(MELO, 2010, p. 210).

Ainda ancorada em Melo (2010), esse entendimento de pedagogia como formação

discursiva, nos termos adotados por Fairclough (2001a e b), implica reconhecê­la como uma

prática social capaz de promover mudança na realidade social, “[...] mediada por uma reflexão

científico­filosófica e sócio­política­cultural e histórica integradas, a qual indica problemas,

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efeitos discursivos e de relações de poder, a serem afirmados/contestados nas lutas políticas e

nas articulações entre as diversas práticas sociais” (FAIRCLOUG, 2001a, p. 210). Outros

referentes deste enfoque podem ser acrescentados. Entretanto, para este momento, fica o

entendimento de pedagogia como um campo científico específico próprio da educação que

interage com outras ciências sociais e humanas da educação, não obstante constitua­se um

todo (uno e plural). No que se refere à Pedagogia das Competências 13 , amplamente

disseminada no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica, permite uma reflexão, sem

pretensão de aprofundar o debate em torno do assunto. Entretanto, em decorrência dos efeitos

do poder ideológico desta proposta, retornaremos ao assunto em o espaço posterior, a partir de

enfoque mais adequado para desenvolver o tema.

A ordem dessas ideias toma como referência a Resolução CNE/CP nº 3, que em seu

Art. 1º estabelece como finalidade da formação do Tecnólogo “garantir aos cidadãos o direito

à aquisição de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores

profissionais nos quais haja utilização de tecnologias”. No discurso pedagógico oficial a

competência profissional é entendida como “a capacidade pessoal de mobilizar, articular e

colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para o

desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo

desenvolvimento tecnológico” (DCNG/CST, Art. 7º). Segue­se que, para viabilizar tal

proposta, “os tecnólogos” do discurso pedagógico oficial utilizam a intertextualidade,

reunindo no “discurso da competência” de base mercadológica o conceito de

“interdisciplinaridade” – histórico, político e socialmente construído – articulado aos

conceitos de flexibilidade e de contextualização, formando uma tríade de princípios básicos

da proposta curricular organizada por módulos. Por esse prisma, o currículo deixa de ser

centrado nos conteúdos e elaborado sob a formalização de diferentes disciplinas, conforme

ocorre nas demais graduações, e passa a ser organizado de forma não disciplinar, em que a

formação de competências laborais se sobrepõe à formação acadêmica, passando a orientar

processos e práticas curriculares (planos de curso, formação de professores, sistema de

avaliação, etc.).

Para Carvalho (2001), essa forma de orientação curricular permite compreender que o

desenvolvimento de competências básicas e a interdisciplinaridade, associados a outros temas,

constituem o núcleo do discurso pedagógico, devendo ser discutidos e esclarecidos, a fim de

que não se transformem em um mero jogo retórico das instituições escolares, fato este que tira

13 Para saber mais sobre o Modelo de Competências implícito na pedagogia das competências, ver: RAMOS, Marise Nogueira: A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.

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de foco as especificidades da ação educativa e ignora os reais desafios da docência nas

instituições escolares.

Sob o nosso ponto de vista, no que tange à interdisciplinaridade, a forma apresentada

nas diretrizes curriculares, ainda que faça alusão à real concepção interdisciplinar, sua

controvertida abordagem, ao mesmo tempo em que descaracteriza o conceito, distorce o seu

uso adequado. Ao que nos parece, diferentemente do que propõe este conceito, simplesmente

articular programas e eliminar as disciplinas não caracterizam uma prática interdisciplinar.

Desta feita, a organização por módulos prevista nas DCNG/CST, embora seja apresentada

como forma de transcender a uma qualificação profissional específica e favorecer a formação

de conjuntos de habilidades e competências, os encaminhamentos propostos não

correspondem ao que se propõe a prática discursiva. Conforme explica Lopes (2001, p. 7),

“em função dessa organização curricular não disciplinar, o currículo por competências pode

ser considerado um currículo integrado, pois as competências por si expressam uma

integração dos conteúdos”, com a finalidade de “compor” as competências. Por outro lado,

Perrenoud (1999) – adepto da ideia de construção de competência na escola –, embora realize

uma leitura que nos parece afinada com a epistemologia da prática, seu posicionamento

também reforça ser um grande equívoco imaginar que desenvolver competências implica abrir

mão das disciplinas: “Em toda hipótese, as competências mobilizam conhecimentos dos quais

grande parte é e continuará sendo de ordem disciplinar [...]” (PERRENOUD, 1999, p. 40).

Portanto, a prática interdisciplinar vai muito além do que propõem as DCNG/CST. Os

estudos de Ferreira (1996) nos autorizam a complementar que a prática interdisciplinar

constitui­se em atitude, ou seja, uma exteriorização de uma visão holística de mundo. Nela, a

compreensão da realidade está em função de totalidades integradas, cujas propriedades não

podem ser reduzidas a unidades menores. Elas existem em função do todo orgânico. Tem

como pressuposto que em todos os campos da vida humana vive­se de forma interdisciplinar,

passando a ser esta uma exigência natural dos seres humanos para melhor se compreender,

intervir positivamente e transformar a realidade social em favor dos sujeitos coletivos. No que

tange à educação sistematizada, expressa­se em práxis que se manifesta na ação crítico­

reflexiva extensiva para além do campo acadêmico e setor produtivo.

Acrescente­se que, embora os Cursos Superiores de Tecnologia sejam organizados em

módulos e componentes curriculares ou unidades temáticas, a cultura escolar, fortemente

orientada por disciplina, parece favorecer a organização dos conhecimentos (hoje, vistos

como insumos das competências), de forma disciplinar e, em consequência, esta organização

curricular em módulos termina caracterizada por agrupamentos ou forma conjugada de

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disciplinas por meio de projetos ou situações­problemas. Nos termos adotados por Ramos

(2001, p. 154), “a ausência de um marco curricular, teoricamente consistente, traz o risco de

se estruturarem itinerários de formação ecléticos e desagregados que nem bem transmitem

conteúdos, nem bem desenvolvem competências”.

Partilhamos do entendimento de que, na organização curricular orientada a partir do

desenvolvimento de competências, ao centralizar o que é requerido pelo trabalho produtivo e,

consequentemente, nos conhecimentos correspondentes, corre­se o risco de se limitar os

conteúdos ao que é restrito à dimensão instrumental e, dessa forma, empobrecer e desagregar

o processo de Educação Superior, uma vez que a formação daí decorrente fica circunscrita à

preparação para o desempenho de tarefas e atividades específicas, preestabelecidas e

observáveis (RAMOS, 2001). Com isso, queremos destacar que a ideia de integração

implícita no currículo organizado por competências, conforme adverte Lopes (2001), não está

relacionada aos enfoques questionadores das teorias de eficiência social (Dewey), ou da

perspectiva crítica de currículo. Essa forma de organização curricular permite presumir que

não há interesse em se questionar profundamente o sistema socioeconômico capitalista e as

consequências sociais dele decorrentes.

No que diz respeito ao conceito de integração, na forma apresentada no discurso

pedagógico oficial, indica, muito mais, um processo de aceitação e inserção no modelo

socioeconômico vigente, visto que o elemento integrador do currículo por competências passa

a ser o setor produtivo, integrando os conhecimentos, habilidades e valores necessários ao

desempenho de atividades, seguindo os preceitos demandados pelo mercado. Trata­se de um

currículo que “tem mais a ver com os interesses da produção do que com a autonomização

dos alunos” (FERRETTI, 2002, p. 306).

Nas circunstâncias às quais se referem os autores que nos apoiaram nesta discussão,

parece haver uma grande tendência de direcionamento consciente na ordem do discurso como

mecanismo de mudança social. Essa forma persuasiva de comunicação, ao assumir um estilo

de técnicas transcontextuais, remete a uma das tendências discursivas da atualidade, adotada

por agentes institucionais designados. Denominada por Fairclough (2001a, p. 264) como

“tecnologização do discurso”, por meio delas são adotadas tecnologias, concebidas “[...] como

recursos ou conjunto de instrumentos que podem ser usados para perseguir uma variedade

ampla de estratégias em muitos e diversos contextos”. Portanto, “têm seus próprios

tecnólogos especialistas: pesquisadores que cuidam de sua eficiência, especialistas que

trabalham em seu aperfeiçoamento à luz da pesquisa e da mudança nas exigências

institucionais e treinadores que transmitem as técnicas” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 264).

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Embora indique ser, também, uma forma de “colonização” ensejada com a utilização

de conteúdo político e ideológico específico, de natureza econômica e cultural, entendemos

que a tecnologização do discurso não é uma ação superior que age à revelia dos

“destinatários”. Da mesma maneira, entendemos que nem todos os discursos são insinuações

ideológicas. Fairclough (2001a, p. 121) sugere que “práticas discursivas são investidas

ideológicas à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou

reestruturar as relações de poder”, no sentido da hegemonia.

O que estamos reiterando é que, embora a ideologia procure materialidade,

incorporando­se, subjetivamente, nos indivíduos e busque meios de anular singularidades e/ou

de atingir o maior número possível de “adeptos”, tornando­se “pensamento único”, não se

constitui entidade alheia aos interesses dos indivíduos, visto que lhes são inerentes a

potencialidade e a relativa autonomia para se fazerem sujeitos sociais, a despeito das

injunções político­ideológicas e econômicas, bem como aquelas presentes nos vários âmbitos

do Estado e das Instituições. Afinal, acreditamos haver possibilidades para as ações

contraideológicas, embora haja necessidade de se estimular o debate crítico e construtivo em

torno das capacidades dos sujeitos educativos de superarem o doutrinamento ideológico e

mediarem as discussões, controvérsias, conflitos e contradições inerentes a processos dessa

natureza.

Diante do que acabamos de expor, partilhamos do entendimento de Ball (2001, p.

102), ao afirmar que, em decorrência da articulação ou do que foi convencionado por meio de

acordos formulados entre interlocutores globais, distantes e locais, acabamos por nos tornar

produto de um “nexo” de influências e interdependências, consubstanciando­se em

“interconexão, multiplexidade e hibridização’ [...]”. Essa dinâmica, materializada enquanto

mecanismo de controle do Estado, reverbera na promoção de “estratégias de reformas

genéricas” por meio das quais se engendram “políticas tecnológicas que relacionam mercados

com gestão, com performatividade e com transformações na natureza do próprio Estado”

(BALL, 2001, p. 104). São procedimentos que falseiam a realidade por meio de um corpo de

ideias que visa mostrar a realidade como “algo posto” e contra o qual é difícil lutar.

No contexto deste debate, a performatividade, ou disseminação da cultura

performativa, conforme é denominada por Ball (2006), destaca­se entre as estratégias úteis ao

Estado como forma de disseminação do discurso ideológico e hegemônico que influencia a

constituição identitária dos sujeitos educativos. Na perspectiva apontada, a tecnologia e

cultura performativa, considerada como um método de regulamentação da gestão das

instituições públicas, age sob o controle do Estado reestruturado e acomodado às forças do

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mercado. Nesse processo, suas interferências são as mais diversas, atingindo valores, cultura e

a formação de novas subjetividades, sob o “redirecionamento ético” dos “discursos de

excelência, efetividade e qualidade e a lógica e cultura do novo gerencialismo” (BALL, 2006,

p. 12). Revelando­se de diversas maneiras, essa regulação efetiva­se como forma de

monitoramento do Estado que governa a distância, ainda que busque se inserir profundamente

nas culturas, práticas e subjetividades das instituições e de seus trabalhadores, “sem parecer

fazê­lo”. Essa estratégia de ocultação de suas reais finalidades mobiliza capacidades e forças

humanas em redes de poder, as quais terminam por influenciar os processos de gestão da

educação e, consequentemente, a constituição identitária docente. Bastante sintonizada com a

realidade brasileira ­ aqui nos reportando à Educação Superior de Tecnologia ­ é a forma

ilustrada por Ball (2005, p. 548) quando se refere que os(as) professores(as)

acabam inseridos na performatividade pelo empenho com que tentam corresponder aos novos (e às vezes inconciliáveis) imperativos da competição e do cumprimento de metas. [...] A eficácia prevalece sobre a ética; a ordem, sobre a ambivalência. Essa mudança na consciência e na identidade social do professor apoia­se e se ramifica pela introdução, na preparação do professor, de formas novas de treinamento não intelectualizado, baseado na competência.

Consequentemente, a performatividade, enquanto tecnologia e cultura, procura

regulamentar desempenhos de sujeitos individuais ou de organizações, utilizando­se de

julgamentos, comparações e demonstrações que “servem de parâmetros de produtividade ou

de resultado, ou servem ainda como demonstrações de ‘qualidade’ ou ‘momentos’ de

promoção ou inspeção” (BALL, 2005, p. 548).

Esta discussão quer advertir sobre as práticas discursivas pedagógicas oficiais, que

procuram, por meio do currículo, atribuir novos sentidos à educação de qualidade.

Consequentemente, conforme argumenta Macedo (2010), os reais sentidos da educação de

qualidade vêm sendo adiados em função de outros significantes em disputa: “a formação do

cidadão, do trabalhador, do sujeito local no mundo global, do consumidor são exemplos de

sentidos flutuantes com os quais a ideia de uma educação de qualidade foi preenchida”

(MACEDO, 2010, p. 5). Desse modo, a busca de materialidade da cultura performativa,

desvelada por Ball (2005), enquanto opacidade de significantes, indica estender­se ao âmbito

institucional pedagógico e, consequentemente, aos processos constitutivos da docência. No

entanto, ainda que, de forma contraditória, uma IES, inspirada no modelo empresarial, pode,

por um lado, ser orientada para reproduzir a lógica produtivista e, consequentemente,

influenciar formas de pensar, agir, sentir a produção privada na constituição docente, por

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outro lado, enquanto campo de produção e circulação de novos conhecimentos, constitui­se

também como espaço de resistência e/ou de constituição de novas alternativas.

O desdobramento dessa discussão nos leva a Bernstein (1998) quando advoga que o

processo de criação e disseminação dos discursos oficiais (políticas, normativos, entre outros)

não se dá de forma linear e à revelia dos agentes que compõem os diversos campos; tampouco

os discursos se mantêm inalterados ao serem deslocados do campo intelectual onde foram

produzidos, no sentido de serem veiculados em outros campos. Estudioso da estruturação

social do discurso pedagógico e de suas formas de aquisição e de transmissão nos diversos

âmbitos da educação sistematizada, Bernstein adverte para a “importância do campo

recontextualizador e de seus agentes no movimento seletivo de textos que vai do campo

intelectual, criado pelo sistema educacional, para os campos de reprodução dos sistemas”

(BERNSTEIN, 1996, p. 89­90).

Indo mais além, Bernstein (2003, p. 80) nos ajuda na compreensão dessa dinâmica de

produção e circulação do discurso pedagógico oficial ao fazer a distinção entre o Campo

Recontextualizador Oficial (CRO), cujo âmbito é de controle e domínio do Estado e seus

agentes – internacional, acadêmico, cultural, de produção –, e o Campo Recontextualizador

Pedagógico (CRP) 14 – departamentos de educação nas universidades, educadores, etc., além

de periódicos especializados e fundações de pesquisa

Na estruturação social do discurso pedagógico, esse autor orienta que o CRP pode ser

fortemente classificado internamente e, desta forma, produz subcampos especializados

relativos ao sistema educacional, aos currículos e aos grupos de alunos. Seus estudos também

permitem entender que, até atingir o âmbito da docência, o processo de recontextualização

dos discursos pedagógicos pode ocorrer, primeiramente, pelo processo de

descontextualização, uma vez que alguns textos extraídos de contextos sociais distintos são

selecionados em detrimento de outros, e sofrem uma transformação antes de sua realocação,

seguindo uma dinâmica, conforme demonstra a figura, a seguir:

14 Para Bernstein (2003, p. 80), “campos oficiais de recontextualização são arenas para a construção, distribuição, reprodução e mudança de identidades pedagógicas”.

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FIGURA 01 ­ Dinâmica (Inter)Intrar relacional ou de mobilidade do discurso

pedagógico oficial

Fonte: Elaboração da Autora.

Essa dinâmica (inter)intrarrelacional ou de mobilidade do discurso pedagógico oficial

retratada na figura acima, também é adotada por Bowe e Ball (1992, p. 19­20), que propõem a

análise das políticas, abrangendo três contextos. O contexto de influência internacional e

nacional refere­se ao âmbito em que são iniciadas e/ou concebidas as políticas. Trata­se de

grupos que, embora não definam a política, exercem sobre ela grande influência. Por sua vez,

o contexto da produção de textos diz respeito aos documentos oficiais que representam a

política, apesar de não encerrarem em si a política. Embora os seus produtores pretendam que

assim seja, “não podem ter controle sobre os significados que são atribuídos aos seus textos.

Parte dos textos pode ser rejeitada, excluída, ignorada, deliberadamente mal entendida”

(BOWE; BALL, 1992, p. 22). Neste sentido são produzidos vários outros textos e estratégias

que visam assegurar a compreensão unificada das ideias veiculadas. Quanto ao terceiro

contexto, diz respeito ao campo da prática pedagógica, onde tudo pode ocorrer de forma

diferenciada do planejado. Acrescente­se que, em estudos posteriores, Ball (1994) propõe

mais dois contextos: das estratégias políticas e dos resultados que poderiam corresponder às

iniciativas concebidas em função dos problemas identificados em cada âmbito (contexto da

produção de texto e contexto da prática, respectivamente).

Contexto da Produção de Texto

Contexto de Influência Nacional/Internacional

Contexto da Prática

Contexto de Estr atégia Política

Contexto de Resultados

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Também sob a perspectiva de Bernstein (2003), o DPO move­se de um campo para

outro, por meio do processo de recontextualização, que, de modo geral, ocorre entre os

diferentes contextos de produção e reprodução, mediados pelas relações de poder e por

regulações. Entretanto, é importante se reconhecer que há distinção entre a transformação de

um texto dentro de um campo recontextualizador, daquele que, após sucessivas

recontextualizações, chega ao campo da prática para a transformação que se dá no processo

pedagógico, “na medida em que ele se torna ativo no processo de reprodução dos adquirentes”

(BERNSTEIN, 2003, p. 92). No espaço institucional pedagógico, os textos também

expressam características institucionais, que, por sua vez, são constituídas sob implicações da

sociedade na qual se inserem (em âmbito macro e microinstitucional).

A perspectiva teórica de Bernstein (1998), com a qual concordamos, considera que,

embora as pressões externas exerçam influências no campo, elas são sempre

recontextualizadas a partir da estrutura interna desse campo, sinalizando sua autonomia.

Dessa forma, em função da capacidade recontextualizadora dos campos (oficial e

pedagógico), a transformação do Discurso Pedagógico Oficial (DPO) poderá se dar no sentido

da manutenção ou transformação do status quo. Nestes termos o autor considera a existência dos contextos: primário ou da produção do discurso pedagógico (DPO); secundário, ou de

reprodução do discurso; e recontextualizador, ou de relocação do discurso. No que diz

respeito ao primeiro (o da produção do discurso pedagógico), é identificado pelo pesquisador

como o “campo intelectual do sistema educacional”, criando, assim, uma aproximação com a

terminologia adotada por Bourdieu, conforme revela o próprio Bernstein (1996, p. 90).

Quanto ao “contexto de reprodução do discurso”, é apresentado em quatro níveis: terciário,

secundário, primário e pré­escolar, podendo existir em cada um graus distintos de

especialização do discurso. Por sua vez, o contexto de relocação do discurso estrutura um

campo ou subconjuntos de campos que, em seu conjunto, recebeu do autor a denominação de

campo recontextualizador,

cujas posições, agentes e práticas estão preocupados com os movimentos de textos/práticas do contexto primário da produção discursiva para o contexto secundário da reprodução discursiva. A função da posição, agentes e práticas dentro desse campo e seus subconjuntos é a de regular a circulação de textos entre os contextos primário e secundário. Como consequência, chamaremos o campo e o subconjunto estruturado por esse contexto de campo recontextualizador (BERNSTEIN, 1996, p. 90­91).

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Em virtude de não serem hierarquizados e estarem intimamente relacionados, há a

possibilidade de o contexto da prática assumir a condição de contexto de influência quando da

implantação de uma micropolítica.

Essa perspectiva de análise desenvolvida por Bernstein vem sendo apropriada por

pesquisadores como Ball (1994, 2001, 2004, 2006), Lopes (2006, p. 52) e outros seguidores.

Ball entende que os discursos oficiais disseminam estratégias de gestão que se configuram

como formas de poder arquitetadas e reproduzidas por intermédio de interações sociais, com

efeitos na educação, permitindo “focalizar a inserção do habitus da produção privada, com suas sensibilidades comerciais e sua ‘moralidade utilitária’, nas práticas educativas” (BALL,

2004, p. 1114).

Para Lopes (2006), o conceito de recontextualização, construído por Bernstein, em

uma matriz estruturalista, vem sendo associado, por Ball, ao entendimento das culturas

híbridas, marcado pelas discussões pós­coloniais e pós­estruturalistas, assim como situa os

contextos de influência internacional, de definição de textos e da prática enquanto campos

recontextualizadores não lineares ou hierárquicos. Incorporando a ideia de bricolagem de

discursos de textos, para essa autora, a recontextualização é entendida como um ciclo

contínuo gerador de políticas que revelam discursos híbridos. Lopes considera que, embora

haja uma aparente distinção e incongruência entre matrizes teóricas utilizadas pelos dois

autores mencionados, Ball vem desenvolvendo trabalhos no sentido de viabilizar a articulação

desses conceitos (LOPES, 2006, p. 52).

Dessa forma, o discurso da política de Educação Superior Tecnológica – assim como

outros interesses externos estranhos ao campo acadêmico e aos agentes sociais –, enquanto

instrumento de pressões e/ou imposições, restringe, apontando, dessa forma, o poder e as

determinações das estruturas sociais. Entretanto, concordamos com Bourdieu (2004) que,

embora seja difícil quantificar, é possível vislumbrar a elevada relativa autonomia dos campos

científicos, e, por extensão, o campo acadêmico ou IES é visto como “mundo social e, como

tal, faz imposições, solicitações, etc., que são, no entanto, relativamente independentes das

pressões do mundo social global que o envolve” (BOURDIEU, 2004, p. 21). E por

concordamos com a perspectiva de constituição da autonomia, conforme sugere Fairclough

(2001a), também consideramos a relação dialética entre discurso e estrutura social. Com

Bourdieu e Fairclough, entendemos que, embora existam o estabelecimento e a conservação

das relações desiguais de poder, no campo institucional pedagógico, o desvelamento dessa

ideologia que busca materialidade por meio das práticas discursivas pode contribuir para se

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desencadearem processos contra­hegemônicos favoráveis à transformação social centrado na

justiça social.

Sem interesse de confrontar o instrumental dos teóricos que nos apoiaram nesta

discussão (Bernstein, Bourdieu, Ball e Zabala), bem como as contribuições teórico­

metodológicas de Fairclough – e, guardadas as aproximações e divergências entre os autores –

seus posicionamentos convergem para a compreensão da política de Educação Superior em

Tecnologia como discurso pedagógico orientador da organização curricular, moldado em

arenas permeadas por relações de conflitos, resistências, poder e ideologia, como portadora de

significações concebidas em meio a diversidades culturais, contribuindo também para o

descentramento e fragmentação identitária dos sujeitos pedagógicos.

Na perspectiva apresentada, uma IES, enquanto campo social do trabalho docente,

constitui, também, espaço de construção da identidade social dos agentes educativos. Esta

perspectiva torna­se significativa, diante da possibilidade de se construírem redes de sentidos

e significações para a função docente e finalidades educativas, quer seja sob o olhar arguto do

mercado, quer seja no sentido da apropriação da docência como prática social emancipatória e

transformadora da realidade social complexa, multifacetada e injusta.

3.2.1 Docência e formação de professores da Educação Superior de Tecnologia:

descentramento identitário

Diante da aparente crise da qual se padece a Educação Superior brasileira, falar sobre

bases conceituais que fundamentem a docência e formação de professores implica considerar

que estamos diante de percursos complexos e de situações que demandam intervenções de

várias ordens, especialmente quando temos de considerar as diversas práticas discursivas

destinadas a esse fim. De uma outra perspectiva é possível perceber o grande vigor que habita

nesse campo de atuação, assim como o muito que vem sendo produzido sobre o assunto.

Entretanto, no que concerne à Educação Superior em Tecnologia, ainda há muito por ser feito,

o que não significa dizer que esses dois seguimentos estão postos em polos que os distinguem

entre o bom e o mau andamento. Ambos estão a requerer cuidados

Da mesma maneira, parece haver pouco lugar para dúvidas de que a preparação para a

docência na Educação Superior continua associada à ideia de pós­graduação,

preferencialmente, stricto sensu. Em decorrência, os mecanismos balizadores da profissão docente, nesse nível de ensino, permanecem vagos e imprecisos, com maiores interrogações

sobre sua atuação na Graduação em Tecnologia, tornando esse campo social susceptível e

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vulnerável a investidas externas, embora não seja possível desconhecer que campos e sujeitos

sociais são dotados de capacidade crítico­reflexiva e capazes de gerar seus próprios valores,

ainda que estes não estejam imunes às influências das mais diversas formas.

Embora a formação docente assuma uma importância estratégica nas prescrições dos

agentes reguladores internacionais e nos discursos pedagógicos oficiais direcionados aos

professores – cuja lógica da educação por competências orienta o imperativo para o

desenvolvimento econômico – as demais orientações destinadas à docência advêm de estudos

e pesquisas realizados por educadores e organizações comprometidas com a causa (a exemplo

da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE, Sindicato

Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES­SN e da Associação

Nacional de Pós­graduação em Educação ­ ANPED) e de esforços desenvolvidos no interior

das universidades e/ou IES, em geral. Compreendendo que o problema se avoluma quando

analisamos a Educação Superior de Tecnologia, atentamos para a necessidade de dar nossa

contribuição ao debate, fundamentando as nossas reflexões nas condições concretas da

docência, nessa modalidade acadêmica, por considerá­las constitutivas de identificações, sem

desconhecer possibilidades e restrições inerentes ao campo da prática, sem a elas nos limitar.

As ponderações de Vaillant (2003) caminham no sentido de considerar que, de modo

geral, para haver um bom desempenho dos(as) professores(as), faz­se necessário “um

conjunto de fatores entre os quais estão os incentivos, os recursos, a carreira docente e os

formadores. Um bom corpo docente requer bons mestres que, por sua vez, precisam de boa

formação, boa gestão e boa remuneração” (VAILLANT, 2003, p. 6). Estudo realizado por

essa pesquisadora sobre o papel do formador como figura­chave no desempenho profissional

dos docentes na América Latina e Caribe mostra que, não raramente, são encontrados

[...] docentes mal preparados, mal administrados e mal remunerados, sendo muito difícil esperar que façam um bom trabalho. A formação docente e a formação de formadores encontram­se em um estado deficitário que se evidencia nos documentos escritos sobre o tema e em vários estudos empíricos onde se assinala que os docentes têm consciência de sua preparação insuficiente. [...]. Tal carência caminha de mãos dadas com a ausência de políticas sobre formação de formadores e com a própria tendência destes a entender o problema da formação com “algo” externo a si mesmo e referentes às “condutas de entrada” dos estudantes candidatos a professor, às condições institucionais, às deficiências do currículo do curso de formação e à falta de recursos (VAILLANT, 2003, p. 6).

Essa constatação levanta questões, geralmente, relacionadas à formação inicial e

continuada dos professores que não se restringe à Educação Superior de Tecnologia. Na visão

de Pimenta (2005, p. 16), a formação inicial, em função de currículos e experiências didático­

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pedagógicas “distanciadas da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial

que não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm

contribuído para gestar uma nova do profissional docente”. Ainda para essa professora, em se

tratando dessas formações, geralmente, “não tomam a prática docente e pedagógica nos seus

contextos, [e] acabam por, tão somente, ilustrar, individualmente o professor, não lhe

possibilitando articular e traduzir os novos saberes em novas práticas” (PIMENTA, 2005, p.

16).

Sobre o assunto, Garcia (1999) tem como ponto de vista que se faz necessário incluir

no conceito de formação docente a dimensão pessoal do desenvolvimento humano global, em

superação às concepções eminentemente técnicas. Acrescenta ainda que o conceito de

formação está relacionado à “capacidade de formação, assim como, com a vontade de

formação. Quer dizer, é o indivíduo, a pessoa, o responsável último pela ativação e

desenvolvimento dos processos formativos” (GARCIA, 1999, p. 22), embora não queira

afirmar que o processo de formação seja, necessariamente, autônomo. Para esse autor, é no

processo de “interformação” que os professores podem encontrar contextos favoráveis ao seu

desenvolvimento pessoal e profissional.

Buscando contribuir para o debate, Zeichner (2008), pesquisador e estudioso da

formação dos(as) professores(as), aponta um conjunto de elementos capazes de orientar uma

base geral de formação docente, o que justifica neste estudo a sua citação na íntegra:

Os professores precisam saber o conteúdo acadêmico, que são responsáveis por ensinar e como transformá­lo, a fim de conectá­lo com aquilo que os estudantes já sabem para o desenvolvimento de uma compreensão mais elaborada. Precisam saber como aprender sobre seus estudantes – o que eles sabem e podem fazer, e os recursos culturais que eles trazem para a sala de aula. Os professores também precisam saber como explicar conceitos complexos, conduzir discussões, como avaliar a aprendizagem discente, conduzir uma sala de aula e muitas outras coisas. A ligação da reflexão docente com a luta por justiça social significa que, além de certificar­se que os professores têm o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico que eles precisam para ensinar, de uma maneira que desenvolva a compreensão dos estudantes (rejeitando um modelo transmissivo de ensino que meramente promove a memorização), precisamos nos certificar que os professores sabem como tomar decisões, no dia­a­dia, que não limitem as chances de vida de seus alunos; que eles tomem decisões com uma consciência maior das possíveis consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter (ZEICHNER, 2008, p. 545).

Com estes subsídios, o autor chama a atenção sobre várias dimensões com as quais

os(as) professores(as) interagem em suas diversas ações, iniciativas, possibilidades e

compromissos, indo além dos saberes e conhecimentos construídos na experiência cotidiana,

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haja vista a perspectiva de transformação social. Esse compromisso pressupõe a necessidade

de que os sujeitos sociais compreendam historicamente os processos pedagógicos, se

reconheçam enquanto idealizadores, produtores de conhecimentos, sejam capazes de

organizar a sua prática docente, mas, antes de tudo, sejam agentes de transformação social,

sabendo em que sentido e com que finalidade estão assumindo a docência, porque nesse

mesmo sentido estarão contribuindo para dar rumo à sociedade.

As análises empreendidas por Pimenta e Anastasiou (2005) reforçam a perspectiva

apontada por Zeichner, mesmo que vista sob outro olhar. Para essas autoras, além da

formação inicial e continuada dos(as) professores(as), no processo de desenvolvimento

profissional está implícita a constituição identitária docente. Em outras palavras, trata­se de

um processo epistemológico e profissional, por meio do qual se entrecruzam saberes. Para

tanto, de acordo com essas pesquisadoras, a docência demanda quatro grandes conjuntos de

saberes:

1) conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdos didático­pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; 3) conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; 4) conteúdos ligados à explicitação de sentido da existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p. 166).

Na forma discutida pelas autoras, a inclusão da formação continuada como forma do

aprender permanente e comprometida com as reais finalidades da educação superior, figura

também como possível de minimizar os efeitos negativos de tentativas inconsistentes e

arriscadas, feitas à base de erros e acertos.

Procurando fugir às distinções que segmentam e discriminam, bem como às

generalizações que universalizam, ao lançarmos mão de estudos disponíveis sobre processos

constitutivos da docência e de universidade como parâmetro para as demais realidades do

ensino superior – no esboço que ora buscamos apresentar acerca do quadro geral em que se dá

a docência na Educação Profissional e Tecnológica, conforme se pode ver, além da formação,

quer seja inicial ou continuada –, algumas variáveis parecem encontrar terreno fértil nessa

modalidade acadêmica.

Compreendendo que, em um campo, as estruturas sociais, por vezes, se sobrepõem às

ações dos sujeitos (objetivismo), da mesma forma em que as ações dos sujeitos podem se

contrapor às determinações sociais (subjetivismo), com base em estudos bourdieusianos

(1980), advogamos que o campo da prática docente é da objetivação, mas é também o da

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possibilidade de tomada de consciência no sentido da recontextualização ou refração e

retradução da prática discursiva concernente à Educação Superior de caráter pragmático e

imediatista, impregnado do “habitus da produção privada” (BALL, 2004). Portanto, é nesse processo “real” (objetividade/subjetivismo) que a formação continuada, em interação com a

prática docente (exercício formativo/profissional), apresenta­se como alternativa

potencializadora do processo de “construção de si” (de emancipação) e de constituição da

dimensão identitária docente. Esta poderá ser viabilizada na relação com o(s) outro(s), no e

com o mundo. No rastro dessa intenção, o espaço acadêmico torna­se lócus privilegiado de

construção e socialização de conhecimento e cultura, favorecido por processos de formação

profissional.

Este também indica ser o entendimento de Diniz­Pereira (1999, p. 113), quando afirma

que “a prática não é apenas lócus da aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas espaço de criação e reflexão, em que novos conhecimentos são, constantemente, gerados

e modificados”. Da mesma forma, analisando a atividade docente sob a perspectiva de práxis,

Pimenta (1994) considera que o ensino e a aprendizagem constituem a essência da ação

docente. Isto significa dizer que na ação docente a aprendizagem ocorre como consequência

do ato de ensinar no qual o conhecimento técnico prático constitui parte importante, embora a

ele não se circunscreva.

Envolve, portanto, o conhecimento do objeto, o estabelecimento de finalidades e a intervenção no objeto para que a realidade (não aprendizagem) seja transformada, enquanto realidade social. Ou seja, a aprendizagem (ou não aprendizagem) precisa ser compreendida enquanto determinada em uma realidade histórico­social (DINIZ­ PEREIRA, 1994, p. 83).

Ainda para esse professor (DINIZ­PEREIRA, 1994, p. 86), “não basta conhecer e

interpretar o mundo (teórico) é preciso transformá­lo (práxis)”. Portanto, enquanto

determinada e determinante, a docência é uma prática social cuja realização pressupõe, entre

tantas outras coisas, agentes sociais críticos, reflexivos, participativos, solidários,

comprometidos e preparados para o desempenho consciente e cidadão de suas funções. Isto

não se dá por meio de Decretos. E, independente da modalidade acadêmica, nível de

escolaridade ou ambiente no qual exercem a docência, Lüdke e Boing (2004), parafraseando

Gauthier & Mellouki, explicam, com maior precisão, o mandato atribuído ao(à) professor(a)

de ser mediador, herdeiro, crítico e intérprete, além de depositário da cultura.

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Como intelectual que é, ele é capaz de estabelecer elos entre os diversos saberes sobre o mundo, compreender como foram construídas as diferentes interpretações desse mundo e, conhecendo os estudantes, situá­los em seu contexto sócio­histórico. Na interação com seus alunos, ele necessita, constantemente, decodificar, ler, compreender e explicar textos, situações, intenções e sentimentos [...], deixando evidente a dimensão interpretativa do ofício de professor. Por fim, [...] o aspecto crítico que caracteriza as interpretações que os professores fazem da cultura, pois levam os alunos a observarem o panorama cultural sem lhes impor a sua própria interpretação, mas incentivando e instrumentalizando os estudantes a percorrerem os seus próprios itinerários, numa busca de construção dos seus conhecimentos (LÜDKE; BOING, 2004, p. 1177).

Nos termos por nós adotados, as IES constituem a rede de ações e interações sociais e

se estruturam na relação entre o campo de recontextualização oficial, onde se produzem os

discursos pedagógicos oficiais (CRO), e o campo de recontextualização pedagógica daqueles

e outros discursos da prática social (CRP), segundo Bernstein (2003, 1996). Nesse contexto,

os textos são elementos que compõem os eventos sociais, tais como a aula e outras atividades

afins (reuniões, seminários, etc.) que integram o campo acadêmico. Por conseguinte,

conforme bem pondera Magalhães (2004, p. 115), os textos “se relacionam dialeticamente

com elementos não­discursivos”, contribuindo para “definir os sentidos construídos nas

práticas sociais”. Entretanto, “são as práticas que controlam a seleção dessas possibilidades e

sua manutenção ou transformação em domínios sociais particulares, por exemplo, no domínio

da medicina, da religião ou do ensino” (MAGALHÃES, 2004, p. 115).

Visando ampliar a discussão e fundamentar as análises que mantêm interface com o

campo da prática docente, buscamos compreender algumas bases epistemológicas presentes

no âmbito do discurso pedagógico brasileiro.

3.2.2 Paradigmas epistemológicos em discussão

No âmbito da educação nacional e internacional, teorias são revisitadas no sentido de

se superar o atual quadro de descontentamento em torno do nível de qualidade da educação

que vem sendo praticada na grande maioria de IES. Com base nesse argumento, aqui

resgatamos um debate realizado em coautoria 15 , inspirado em estudiosos que buscam

ancoragem em fundamentos teórico­metodológicos que defendem a formação do professor

como profissional prático, reflexivo e crítico. Sob estes enfoques, geralmente são apontados

15 Esta seção reflete o estudo realizado em parceria com Duarte, Batista Neto, Nunes, Gouveia e Braga, o qual deu origem às produções: “A epistemologia da prática: influências na formação de professores” e “Formação de professores inicial e continuada: tendências teóricas e prática”, hoje disponíveis nos Anais do XV ENDIPE – Encontro nacional de didática e prática de ensino ­ Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 a e b.

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os trabalhos de Donald Schön (2000, 1995), Zeichner (1993), Perrenoud (1997, 1999, 2002) e

Tardif (2000, 2002), nos quais a literatura educacional permite considerar que pelo menos três

grandes paradigmas 16 vêm influenciando as políticas de formação de professores(as): o da

racionalidade técnica, ou epistemologia positivista da prática, o da racionalidade prática e o da

racionalidade crítica ou da reconstrução social (sócio­reconstrucionista). Procurando exercitar

a prudência “no julgamento das correntes pedagógicas”, conforme recomenda Saviani (2008,

p. 147), e não sendo os paradigmas epistemológicos o alvo de nossa investigação – embora

deles não devamos prescindir –, procuramos delinear alguns contrapontos entre eles.

Iniciando pela epistemologia positivista da prática, poderíamos caracterizá­lo pela

separação entre teoria e prática e pela centralidade em um currículo normativo orientado pelo

conhecimento acadêmico. Tem como perspectiva a formação de professores como um técnico

que se restringe a executar regras científicas e/ou pedagógicas elaboradas por especialistas.

Deriva da corrente positivista que compreende o ensino como campo de aplicação de

conhecimentos produzidos por meio da investigação científica. Assim sendo, o trabalho

docente é considerado como uma mera atividade instrumental para a qual se torna suficiente a

escolha acertada dos meios para atingir determinados fins. Os problemas da prática social que,

inevitavelmente, refletem na prática docente e discente não constituem alvo de compreensão

das ações educativas. Neste contexto, a formação docente é tomada como meio de

treinamento para aquisição de competências específicas, funcionais e observáveis, concebidas

como habilidades de intervenção capazes de produzirem os resultados esperados.

Esta concepção epistemológica orientou as práticas formativas caracterizadas como

modelo tradicional ou de transmissão, no qual o conhecimento científico e pedagógico é

transmitido aos professores, numa relação verticalizada. Bastante criticado, esse paradigma

revelou­se inadequado, também, pela aparente “neutralidade” com que trata as dimensões

políticas, sociais e antropológicas implícitas nos processos de ensino­aprendizagem e de

formação docente. Dizendo de outra forma, o conhecimento de natureza positivista “[...] tem

uma utilidade muito limitada no âmbito da prática social, quando o profissional deve enfrentar

problemas complexos [...]” (GÓMÉZ, 1997, p. 35).

No que tange ao paradigma da racionalidade prática, foi concebido em meio ao

movimento de crítica à natureza positivista e pragmática da racionalidade técnica.

Fundamenta­se em uma abordagem construtivista do conhecimento e na resolução de

16 Com base nos estudos de Zeichner (1993, p. 3) compreendemos o paradigma de formação de professores como uma “matriz” de crenças e pressupostos relacionados à natureza e aos propósitos da escola, do ensino, dos professores e da sua formação, que dão características específicas à formação de professores(as).

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problemas práticos. Parte do entendimento de ensino enquanto atividade relacionada às

questões complexas que envolvem o ensino e a prática profissional. Nesta perspectiva, o

professor ainda é concebido como um prático, mas que reflete e questiona sua prática e seus

saberes experienciais. Filiados a essa corrente epistemológica, Schön (1995) e seguidores

entendem que a formação do professor deve ser orientada por um processo de aprendizagem,

no qual a prática cotidiana é ponto de partida e de chegada do processo educativo.

Fundamentada nas proposições teóricas elaboradas por Dewey (1953) 17 , que, na

metade do século XX, defendeu a reflexão sobre a experiência como um elemento

impulsionador da melhoria da prática docente, Donald Schön (1995) é apresentado como um

dos principais expoentes do paradigma da racionalidade prática, cuja perspectiva é a

valorização da prática profissional enquanto fonte de conhecimentos. Emerge, então, uma

concepção de formação que propõe a superação de uma relação dicotômica entre o

conhecimento científico e a prática cotidiana, tornando teoria e prática uma relação

simultânea, recíproca, de autonomia e de dependência, o eixo central da formação do

professor, que passava a ser visto como capaz de refletir, criar e decidir sobre sua prática

docente. Sob esta perspectiva, o professor reflete sobre sua ação para resolver problemas

concretos da prática, que é orientada por conhecimentos produzidos a partir das experiências

diárias da docência. Dessa forma, a reflexão fica circunscrita a questões atinentes ao ensino, e,

consequentemente, as consequências na prática social, a perspectiva de totalidade e os reais

determinantes e condicionantes da ação docente são ignorados, uma vez que essas variáveis

não se limitam ao âmbito da sala de aula e aos muros escola. Pimenta (2002, p. 22), fazendo

referência a Liston e Zeinchner, ratifica a crítica ao enfoque “reducionista e limitante” de

Schon, “por ignorar o contexto institucional e pressupor a prática reflexiva de modo

individual”.

A despeito dessas limitações, muitos estudos, pesquisas e produção literária que

discutem a formação de professores à luz da epistemologia da prática sinalizam que esta tem

sido a referência predominante nas instituições de formação de professores (SACRISTÁN;

GOMÉZ, 2000). Contudo, vale lembrar que a ação reflexiva centrada nas situações práticas

tem o mérito de ir além do paradigma da racionalidade técnica, visto que desloca o eixo

central da ciência, enquanto definidora do que e como deve ser ensinado e aprendido, para a

reflexão a partir da prática, e considera a dimensão reflexiva do professor. Em contraposição,

17 John Dewey foi filósofo, psicólogo, pedagogo e professor norte­americano, que exerceu grande influência no pensamento pedagógico brasileiro, tendo se tornado referência no movimento da Escola Nova. Tornou­se crítico das práticas pedagógicas que defendiam a obediência e a submissão. Suas contribuições teóricas fundamentam as abordagens que valorizam a experiência e a prática do indivíduo como lugar de origem do conhecimento.

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a prática formativa baseada no “praticismo” trouxe preocupações pela possibilidade de se

promover o esvaziamento teórico da formação de professores, condução esta que ainda

sobrevive no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica. Esta parece ser a condução

dada a proposta que Sob o entendimento de Pereira (1999, p. 114):

o rompimento com o modelo que prioriza a teoria em detrimento da prática não pode significar a adoção de esquemas que supervalorizem a prática e minimizem o papel da formação teórica. Assim como não basta o domínio de conteúdos específicos ou pedagógicos para alguém se tornar um bom professor, também não é suficiente estar em contato apenas com a prática para se garantir uma formação docente de qualidade. Sabe­se que a prática pedagógica não é isenta de conhecimentos teóricos e que estes, por sua vez, ganham novos significados quando diante da realidade escolar.

Pode­se depreender do exposto que, da mesma forma que os saberes acadêmicos e os

saberes da prática, por si só, não dão conta da multidimensionalidade do trabalho docente,

tampouco revelam o contexto real da educação escolar, especialmente quando a prática

reflexiva concentra­se em um indivíduo e é realizada de forma descontextualizada da

realidade sociocultural e histórica de produção dos saberes e conhecimentos. Esta

preocupação com o esvaziamento teórico, em detrimento da excessiva centralização dos

saberes práticos, especialmente no que concerne aos cursos de formação de professores, é

compartilhada por Pimenta (2002), que adverte para o fato de que a docência não se

circunscreve à prática. A teoria é indispensável à formação docente, configurando­se como

meio de dotar “os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada,

oferecendo perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos

históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si próprios como profissionais” (PIMENTA,

2002, p. 24).

Em que pesem as contribuições da epistemologia da prática em fomentar o debate

sobre o paradigma da racionalidade técnica, sua perspectiva de formação, ao invés de

transformar a estrutura dos cursos e programas, parece aprofundar o caráter tecnicista, ao

tentar explicar a prática profissional somente pelo que se faz e como se faz. Para Garcia

(1999), esse paradigma de formação evidencia claramente uma separação entre a teoria e a

prática, no qual o “saber­fazer” do professor seria suficiente para se aprender a arte, a técnica

e o ofício do ensino.

Diante da insuficiência apresentada pelas perspectivas epistemológicas técnica e

prática, para os processos de formação de professores, Zeichner (1993), com base nas ideias

de Dewey e Schön, avança nas discussões e proposições construídas acerca da prática

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reflexiva no âmbito da formação docente, dando origem ao paradigma da racionalidade crítica

ou da reconstrução social, que enfatiza a responsabilidade dos professores com os estudantes

e com a equidade social. Este pensamento pedagógico parte da análise crítica de questões

presentes nos movimentos sobre o professor reflexivo, as quais, segundo Zeichner (1993),

contribuíam para a formulação distorcida de conceitos, destacando­se: atribuir o mérito da

reflexão ao professor universitário, que possui conhecimento validado cientificamente; a ideia

de reflexão centrada nas questões técnicas do ensino; a reflexão enquanto ação individual; a

prática dissociada da teoria; técnica e teoria em posições excludentes e a atribuição de

responsabilidades ao indivíduo pelos insucessos na escola. Para o autor, tais proposições,

além de se manterem vinculadas à análise tecnicista e parcial do processo pedagógico,

permitiam criar uma situação ilusória de desenvolvimento profissional docente.

As formulações epistemológicas de Zeichner (1993) consideram que o

desenvolvimento da docência fundamenta­se nos princípios de democracia e de justiça social.

Quanto aos professores, estes são reconhecidos em suas dimensões técnicas, intelectuais,

humanas e com capacidade para desenvolver atividades investigativas e reflexivas sobre sua

prática, em interação com o contexto sociopolítico e a diversidade cultural. Ultrapassando o

caráter individualista e limitado da reflexão proposta por Schön; Zeichner (1993) defende

ainda a prática reflexiva coletiva sobre a ação pedagógica e o contexto em que esta se

manifesta. Para esse autor, a prática da reflexão é situada na perspectiva de reconstrução

dialética da profissão docente, que é vista na sua inter­relação com o contexto social, político

e econômico. Nesta perspectiva, a reflexão reveste­se do caráter formativo, ao favorecer a

identificação de bases teórico­metodológicas que permitam o conhecimento e interpretação da

prática, a construção e/ou organização de formas alternativas de sua transformação, com

perspectivas da reconstrução social.

Entendemos a proposta de Zeichner como uma mudança discursiva advinda de

problematizações originadas nas contradições que emergiram no discurso da epistemologia da

prática e, consequentemente, da necessidade de saná­las. De circunstâncias dessa natureza

nasce o que Fairclough (2001a, p. 127) denomina de necessidade de se criar maneiras

“inovadoras ou criativas ao adaptarem as convenções existentes de novas maneiras e assim,

contribuírem para a mudança discursiva”, que envolve, entre outras coisas, as transgressões.

Embora de forma sucinta, as ideias apresentadas permitem dizer que o pensamento de

Zeichner pode contribuir para a superação do tecnicismo ainda presente em programas e

práticas educativas, bem como servir de base constitutiva de cursos de formação de

professores. Suas proposições também podem ser apontadas como importantes para

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valorização da pesquisa­ação, identificada como “uma dentre outras estratégias para preparar

professores capazes de dar mais respostas em termos culturais, professores que trabalhem

mais ativamente para educar todos os alunos rumo aos mesmos padrões acadêmicos elevados”

(ZEICHNER, 2002, p. 71), o que não significa dizer que a pesquisa­ação, em si, conduza a

ações transformadoras da educação e da sociedade. Complementando, esse autor considera

que a pesquisa­ação não pode ser comparada a “uma panaceia para o estado lamentável da

formação de professores [...]”. Representa uma entre as possibilidades de, no coletivo, se fazer

sujeito do conhecimento e do processo de constituição identitária docente. Esse pesquisador

considera que, no processo de formação, a pesquisa­ação torna­se meio de os professores se

integrarem em processos de investigação

de sua própria prática de ensino, de modo que tal análise possa se tomar a base para o aprofundamento e a expansão de seu pensamento e, consequentemente, incluir um olhar sobre as dimensões sociais e políticas de seu trabalho. Ela pode fazer isso de modo que minimize o grau de obediência estratégica, por parte dos estudantes em estágio, e que possa começar a construir um compromisso autêntico dos professores em formação acerca do trabalho em prol da mudança social em sua prática de sala de aula (ZEICHNER, 2002, p. 71).

Com base nesses pressupostos, é possível perceber que há uma nova perspectiva de

configuração do controle interacional, que reflete “mudanças nos valores culturais e nas

relações sociais” (FAIRCLOUGH, 2001a, p.118) e que influenciam as relações de poder, de

forma que as construções de sentidos podem ser constantemente deslocadas no interior do

campo discursivo, especialmente quando nos referimos ao campo da Educação Superior.

Alguns educadores e sociólogos têm reforçado o pensamento de Dewey sobre a

reflexão e sua importância no desenvolvimento profissional de professores, aqui realçando as

contribuições de Paulo Freire, a partir da década de 60 do século XX, ao defender, entre

outras coisas, uma reflexividade assentada no processo de ação­reflexão­ação, com vistas à

conscientização política dos sujeitos educativos.

Outros pesquisadores brasileiros (SAVIANI, 2005; DUARTE, 2003; MORAES, 2003;

entre outros) não compartilham da ideia de que essa perspectiva possa trazer benefícios à

formação docente, por compreenderem que ela tem contribuído para o esvaziamento teórico

da formação. Da mesma forma, levantam aproximações teórico­conceituais entre elas, em

torno de categorias centrais do ideário da epistemologia da prática­reflexão, conhecimento,

experiência e cotidiano, sendo esta última muitas vezes utilizada como sinônimo de prática,

embora alguns autores, a exemplo de Zeichner, não se reconheçam vinculados a ela.

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Sob o olhar de Saviani (2005), bem como dos demais seguidores (DUARTE, 1992,

2003; MORAES, 2001, entre outros), os pesquisadores vinculados à racionalidade prática e à

racionalidade crítica integram a mesma corrente epistemológica da prática (de raiz filosófica

positivista, vinculada ao modelo experimentalista ao qual se filiava Dewey) e estão alinhados

às concepções pós­estruturalistas, a despeito das distinções que se fazem entre eles. Seguindo

este entendimento, Duarte (2003, p. 601) considera que essas concepções estão em harmonia

com a ideologia neoliberal ou capitalista contemporânea, considerada, na atualidade, como

“hegemônica no campo dos estudos sobre formação de professores”, e também guardam

afinidades, ao secundarizarem o conhecimento científico/teórico/acadêmico, compondo, dessa

forma, o mesmo ideário pedagógico circunscrito à prática.

A mesma perspectiva é apontada por Moraes (2001, p. 22), acrescentando ainda que

elas representam um “recuo da teoria”, haja vista o ceticismo epistemológico, ético e político

nelas instalado, “tanto na sua versão conservadora [racionalidade prática], enquanto peça de

retórica, consciente ou não, de veneração ao mercado, como igualmente, em sua versão crítica

e radical [racionalidade crítica]" (MORAES, 2001, p. 4). Para essa pesquisadora, a

mencionada reflexão “prende­se ao empírico, nele encontrando suas possibilidades e limites”.

Zeichner e Diniz­Pereira (2005), refutando a possibilidade de a proposta de pesquisa­

ação implicar uma rejeição ao conhecimento produzido nas universidades – fato considerado

pelos autores como um erro grave e proporcional à rejeição ao conhecimento profissional –,

reforçam sua vinculação às lutas em favor da justiça social, econômica e política em todo o

mundo, ao mesmo tempo em que ratificam não ser possível conferir legitimidade apenas ao

conhecimento produzido na universidade. Embora muito importante, esse conhecimento deve

estar integrado à prática profissional docente tomada como objeto de estudo.

Acreditamos que a participação dos profissionais e, mais especificamente, dos educadores, em projetos de pesquisa­ação, ou seja, o envolvimento direto deles com o processo de produção sistemática de um saber extremamente relevante e essencial para suas práticas, pode transformá­los também em “consumidores” mais críticos do conhecimento educacional gerado nas universidades. Isso pode acontecer porque esses sujeitos passariam a compreender melhor como tal conhecimento é produzido nos meios acadêmicos (ZEICHNER; DINIZ­PEREIRA, 2005, p. 66).

Reconhecemos que, em decorrência de resultados apresentados, no Brasil, o discurso

da epistemologia crítica tem sido utilizado em processos de formação inicial e continuada de

professores, com significativo número de seguidores. Reconhecemos, também, que as

perspectivas da racionalidade técnica, racionalidade prática e da racionalidade crítica ou da

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reconstrução social deram grandes contribuições em cada momento histórico da educação, e

que as transgressões de cada mudança lhes conferem especificidades que as distinguem.

Concordando com Zeichner (2008, p. 540), embora os modelos de perspectiva crítico­

reflexiva revelem aparentes semelhanças, contêm diferenças “em relação às suas perspectivas

sobre ensino, aprendizagem, educação escolar e o que significa uma boa sociedade”. Isto é o

que também argumenta Pereira (2002, p. 30), ao afirmar que a epistemologia crítica, vista a

partir do modelo sócio­reconstrucionista defendido por Zeichner e Liston, “concebe o ensino

e a aprendizagem como veículos para a promoção de uma maior igualdade, humanidade e

justiça social na sala de aula, na escola e na sociedade”. Significa dizer que a formação

profissional docente, sob a perspectiva apontada por Zeichner (2008, p. 545), só tem razão de

ser “[...] se ela estiver conectada a lutas mais amplas por justiça social e contribuir para a

diminuição das lacunas na qualidade da educação disponível para estudantes de diferentes

perfis, em todos os países do mundo”. Em outras palavras, as contribuições da epistemologia

crítica ou modelo sociorreconstrucionista sugere a transformação das relações mediante a luta

hegemônica.

No quadro desses pressupostos, parece claro que a estruturação dos currículos

escolares e, consequentemente, o exercício da docência, em seu processo histórico, sempre

esteve mais fortemente vinculada ao domínio de conhecimentos específicos e funcionais, em

que a racionalidade prática tem se consolidado, contínua e estreitamente relacionada ao setor

econômico e fortemente influenciada por agentes externos à educação. É neste contexto que, à

revelia dos interesses e necessidades sociais, o Estado moderno vai produzindo “um

neofuncionalismo bem ao gosto do pragmatismo que no plano filosófico legitima as reformas

educacionais do Estado, a nova cultura social” (SILVA JUNIOR; FERRETTI, 2004, p. 75).

Também é fato notório que, entre o processo de planejamento, produção, divulgação e

apropriação das políticas, no âmbito da IES, muitas tensões e conflitos são vivenciados,

outros são potencializados e distorções concebidas nos diversos âmbitos e entre variados

sujeitos pedagógicos, no sentido de fortalecer e/ou legitimar ideias pedagógicas em suas

respectivas matrizes epistemológicas. Decerto que essa permanente mudança de políticas e

matrizes epistemológicas, por vezes pouco aprofundadas no interior das instituições, parece

promover o que Ball (1989) considera não um consenso, mas uma acomodação ‘instável’ de

forças que emergem no “campo de lutas” ou campo institucional, entre seus integrantes, o que

não significa dizer que se promova aí uma aceitação do que está (im)posto.

Conforme defende Lima (2003, p. 64), uma instância educativa, em seus processos de

ação e inter­relação democráticos, torna­se um locus de produção, admitindo­se que possa se

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constituir, também, “como uma instância (auto) organizada para a produção de regras (não­

formais e informais)”. Uma vez que nem sempre se encontram explicitamente redigidas ou

não publicizadas, podem ser consideradas “ocultas”, não internamente, mas para agentes

externos ao campo. Nos termos deste autor:

Uma governação democrática de cada escola deve reger­se, assim, por princípios e regras gerais constantes dos modelos decretados, mas conferindo grande importância à possibilidade de uma mais extensiva e aprofundada recriação daqueles modelos através da produção de regras autônomas, agora consideradas legítimas. (LIMA, 2003, p.113, destaque do autor).

Ao que nos parece, as perspectivas epistemológicas apresentadas nesta seção não

reúnem as teorias que se tem produzido sobre formação de professores. Saviani (2008),

analisando a história do pensamento pedagógico brasileiro, considera que, na atualidade,

persistem duas tendências pedagógicas compondo o ideário da educação nacional: a

tradicional e a renovada, as quais tratam teoria e prática como dois polos extremos e

excludentes. A primeira (a tradicional), ao dar ênfase à teoria, dá mais força à função de

professor, que passa a ser entendido como aquele que:

detendo os conhecimentos elaborados, portanto o saber teoricamente fundamentado, tem a responsabilidade de os ensinar aos alunos mediante procedimentos adequados que configuram os métodos de ensino. A segunda tendência, a renovadora, pondo a ênfase na prática, reforça o papel do aluno. Este é entendido como aquele que só pode aprender na atividade prática. Tendo a iniciativa da ação, ele expressa seu interesse quanto àquilo que é valioso aprender; e, assim procedendo, realiza, com o auxílio do professor, os passos de sua própria educação, que configuram o método de aprendizagem mediante o qual ele, aluno, constrói os próprios conhecimentos. Assim esboçado o contraponto entre as duas tendências pedagógicas, vemos que a recorrente presença da oposição entre teoria e prática na educação se manifesta, aí, como contraposição entre professor e aluno (SAVIANI, 2008, p. 121).

Para este autor, se analisadas em termos dialéticos, é possível perceber que, “em lugar

de se excluírem, mutuamente, teoria e prática são termos opostos que se incluem, abrindo

caminho para a consideração da unidade entre teoria e prática” (SAVIANI, 2008, p. 127). No

sentido de superar este dilema, Saviani propõe a formulação de uma teoria que vá além dessa

“oposição excludente e consiga articular teoria e prática, assim como, professor e aluno, numa

unidade compreensiva destes dois polos que, contrapondo­se entre si, dinamizam e põem em

movimento o trabalho pedagógico” (SAVIANI, 2008, p. 129). No sentido de superar, por

incorporação, as contribuições dessas duas tendências pedagógicas, na visão apontada por

Saviani (2008, p. 131­132), a pedagogia histórico­crítica procura, também:

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[ir além das] pedagogias da essência e da existência dialeticamente, isto é, incorporando suas críticas recíprocas numa proposta radicalmente nova. O cerne dessa novidade radical consiste na superação da crença na autonomia ou na dependência absolutas da educação em face das condições sociais vigentes. Compreendendo a educação como o ato de produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens [...]. Nessa perspectiva, seus métodos estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e graduação para efeito de transmissão­assimilação dos conteúdos cognitivos [...].

Essa corrente pedagógica tem raízes na “Pedagogia Revolucionária”, na qual o ponto

de partida e de chegada para o processo de ensino­aprendizagem é a prática social. Caminha

em direção a uma sociedade sem classes, ao mesmo tempo em que amplia para o sujeito as

possibilidades de leitura e intervenção na realidade, cujo processo envolve movimentos

“únicos e orgânicos”, o que significa dizer que um fato não tem sentido se não for inter­

relacionado aos demais existentes. A escola é vista com possibilidades de contribuir com a

transformação da sociedade, não significando dizer que ela é “redentora da sociedade”. A

orientação metodológica proposta pelo autor é composta de cinco etapas ou passos, e busca

recuperar a unidade entre a teoria e a prática, pela mediação do trabalho pedagógico, de forma

que, ao final, a compreensão e experiência da prática social passam por significativas

mudanças sociais de tal forma que a prática social que se fazia presente no início do processo

(ponto de partida), em confronto com a última etapa (quinto passo) já não é a mesma. Na

verdade, o autor arremata a sua afirmativa justificando que a prática seria a mesma se

considerada “ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e

a finalidade da prática pedagógica”. Entretanto, se analisarmos o modo de nos situarmos em

seu interior, ela teria sofrido alterações qualitativas pela mediação da ação pedagógica. “E

uma vez que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da

prática social, é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente” (SAVIANI,

2008, p. 132).

É possível verificar que a cada evento discursivo vive­se um processo de “produção,

distribuição e consumo textual”, que varia “de acordo com fatores sociais”, inter­relacionados

à estrutura social e política de poder e dominação, assim como é consumido em contexto

social diverso, conforme discute Fairclough (2001a, p. 106). Entretanto, no Brasil, o discurso

que sustenta a epistemologia crítica ou modelo sociorreconstrucionista, assim como o

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discurso da Pedagogia Revolucionária, embora tenham deixado “mesclas de estilos formais e

informais, vocabulários técnicos e não técnicos”, não atingiram da mesma forma e com a

mesma intensidade os seus “receptores”. Isto é o que demonstra Saviani (2007) 18 , ao

considerar que os professores vivem um drama que poderia ser representado da seguinte

forma: Pr imeiro ato: o professor tinha a cabeça escolanovista, mas era obrigado a atuar nas condições tradicionais; segundo ato: nessas condições sobrevém a ele a tendência tecnicista, instando­o a ser eficiente e produtivo; ter ceiro ato: ao mesmo tempo, a visão crítico­reprodutivista veio mostrar que, na crença de estar formando indivíduos autônomos, o professor estava reproduzindo a ordem vigente e, assim, contribuindo para reforçar os mecanismos de exploração. Como as pedagogias contra­hegemônicas formuladas nos anos 80 não tiveram força para reverter esse quadro, nos 90 o professor entra no quar to e atual ato de seu drama: ainda se pede a ele eficiência e produtividade, mas agora sem seguir um planejamento rígido; [...] também os professores são instados a se aperfeiçoarem continuamente, num eterno processo de aprender a aprender. [...] É a concepção produtivista que, hegemônica desde a década de 70, é agora r efuncionalizada numa espécie de neoprodutivismo (grifo nosso).

Independente das conclusões às quais queira chegar Saviani, temos como

entendimento que as concepções que vêm orientando o pensamento pedagógico brasileiro, de

certa forma, têm influenciado “os conteúdos, os métodos e estratégias para formar professor”

(GARCIA, 1999, p. 30), embora essa discussão tenha alcançado em pequena proporção o

ensino superior. Sabe­se, no entanto, que várias são as razões capazes de conduzir a essa

imagem retratada por Saviani, as quais vão desde o desconhecimento à resistência. Considere­

se que existem “dimensões ‘sociocognitivas’ específicas de produção e interpretação textual

que se centralizam na inter­relação entre os recursos dos membros, que os participantes do

discurso têm interiorizados e trazem consigo para o processamento textual, e o próprio texto”

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 109), as quais deixam “traços do processo de produção ou um

conjunto de ‘pistas’ para o processo de interpretação” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 109). Há

que se considerar, também, a intertextualidade inerente às produções textuais, ou seja, não se

pode esquecer que os textos têm a propriedade de serem compostos por fragmentos de outros

textos.

Embora a intertextualidade à qual nos referimos revele­se produto de matrizes

epistemológicas diferentes e com fortes interferências de natureza político­ideológica, as

teorias sobre docência e formação de professores permitem entender que houve avanços que

18 Fonte: Expressão Sindical – Sinpro/Guarulhos. Publicado em 17/09/07 e disponível em: Disponível em: <http://www.sinpro­pe.org.br/noticias/1­noticias­geral/163­professor­demerval­saviani­analisa­o­pde>. Acesso em: 26 out. 2008.

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qualificam ações e reflexões em torno da temática. Por outro lado, é possível confirmar a

necessidade de fortes investimentos para se superar a acirrada disputa no campo das ideias

pedagógicas nas diversas áreas, níveis e modalidades de educação, a fim de que se “dê conta

das questões comuns às áreas específicas de conhecimento, possibilitando perceber, ao

mesmo tempo, a unidade e a diversidade dessas áreas” (MAZZEU, 1998, p. 2). Também é

importante demover práticas cristalizadas e ideais conservadores presentes no discurso

pedagógico brasileiro, os quais sobrevivem retardando avanços de políticas e práticas

docentes.

Some­se ainda que, em geral, quando falamos sobre a estruturação do pensamento

pedagógico brasileiro, possivelmente venha em mente uma ordenação progressiva dos fatos.

De modo contrário, esse processo vem se dando sem um aparente encadeamento e

organicidade, ou seja, convive­se com vertentes teóricas diferentes em um mesmo período.

Mais ainda, matrizes epistemológicas diferentes coexistem e compõem propostas de

educação, não por necessidade de superação dialética, mas como mecanismo de recomposição

do sistema econômico. Além disso, mesmo o tecnicismo refluindo nos anos 80, ou com a

tendência cognitivista construtivista de organização do ensino sendo evidenciada na década de

90 do século passado, a Teoria do Capital Humano manteve­se hegemônica e apresentando

dupla face: uma de dimensão externa, que enfatiza o interesse da produção econômica pela

educação, “e a interna, que visa dotar a escola do máximo de produtividade, maximizando os

investimentos nela realizados pela adoção do princípio da busca constante do máximo de

resultados com o mínimo de dispêndio” (MAZZEU, 1998, p. 34).

Pode­se dizer que, no Brasil, o movimento de ressignificação da epistemologia da

prática encontrou terreno favorável no âmbito das políticas educacionais disseminadas pelo

MEC, a partir da LDB 9.394/96, apresentadas à luz da Pedagogia das competências. Também

é preciso atentar para o fato de que a Educação Superior de Tecnologia tornou­se um campo

favorável à denominada “Pedagogia das Competências”, alimentada pela Teoria do Capital

Humano, que foi refuncionalizada e adquiriu materialidade na educação por competência ou

“modelo de competências” que vem se tornando referência para o currículo nos Cursos

Superiores de Tecnologia. De viés instrumental, a aplicabilidade da educação baseada na

pedagogia das competências fica atrelada a situações do contexto de trabalho, secundarizando,

dessa forma, a sua vinculação com outras práticas sociais. Em outras palavras, os

conhecimentos passam a ser escolhidos em função das competências a serem construídas, ou

em função do seu “valor de uso”. Essa perspectiva de educação traduz um deslocamento do

foco da qualificação do trabalho, para as competências dos trabalhadores e advém da

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necessidade de novos perfis profissionais demandados pela crise do fordismo, que já não

respondia aos interesses do sistema econômico capitalista. No dizer de Fairclough (2001b,

43), trata­se da “colonização do domínio público pelas práticas do domínio privado”,

decorrente do “projeto de uma nova ordem [que] é em parte um projeto de linguagem – a

mudança de linguagem é uma parte importante das mudanças socioeconômicas em curso”

(FAIRCLOUGH, 2006).

Na sociedade atual em que as práticas discursivas atuam no seio de mudanças

históricas e ideológicas, as contribuições de Ramos (2004) permitem constatar as implicações

dessas mudanças, no plano pedagógico, em que a organização de um ensino centrado em

saberes disciplinares é substituído pelo ensino orientado a partir das competências possíveis

de serem observadas em situações reais e específicas. Tais competências são definidas a partir

dos processos de trabalho estabelecidos pelo setor produtivo e constituem o eixo orientador

do currículo escolar, caracterizando­se como o “modelo de competências”. Para Ramos

(Idem), essa seria uma formalização da Pedagogia das Competências, uma vez que existe uma

sistematização que vai além do nível teórico e adquire materialidade na organização

curricular, nos programas e práticas escolares.

Compreendendo que as discussões acerca das implicações do discurso pedagógico

oficial na constituição da docência passam, necessariamente, pelo currículo institucional

pedagógico em ação, consideramos pertinente estabelecer uma inter­relação entre algumas de

suas diversas perspectivas. Neste sentido, ao revisitar determinados momentos da história do

currículo, o fazemos, principalmente, à luz dos estudos de Sacristán (2000) e Lopes (2002,

2001), os quais convergem, ao apresentarem um enfoque processual ao currículo, que se torna

influenciado pelas instâncias (política, econômica, cultural, social e administrativa, em

determinados espaços­tempo), ao mesmo tempo em que estão atentos aos interesses das

grandes corporações econômicas em estabelecer uma estreita vinculação com o setor

produtivo, cujas análises desenvolvemos em seguida.

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3.3 O currículo como projeto de constituição identitária

Compreendemos que, a partir da proposta curricular, torna­se possível presumir os fins

sociais e culturais que se quer atribuir à educação. Nesse sentido, para o desenvolvimento

deste estudo, firmamos a ideia de currículo à luz de estudos de Sacristán (2000, p. 34), razão

pela qual tomamos como pressuposto básico que o currículo expressa um “projeto seletivo de

cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a

atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha

configurada”. Acrescente­se que, por consideramos ser o currículo uma prática social, política

e ideologicamente influenciada, ao adquirir materialidade na ação docente, recebe as

influências das experiências dos professores, bem como de outros saberes difundidos no

campo institucional pedagógico (TARDIF, 2002). Está imbricado nas relações de poder local,

nacional e globalmente constituídas, porém, diante da relativa autonomia dos campos e dos

sujeitos sociais, não é de todo determinado. Também promove efeitos na constituição

identitária dos sujeitos e nos campos sociais. Certamente, ao assumirmos esse entendimento,

estamos acreditando nas possibilidades dos profissionais da educação que atuam nas IES,

enquanto sujeitos históricos.

A real dimensão deste conceito pode ser apresentada por meio dos três grandes grupos

de elementos, os quais, de acordo com Sacristán (2000, p. 34), estão em interação recíproca e,

“definitivamente, concretizam a realidade curricular como cultura da escola”. Diante da

proximidade com a nossa perspectiva de análise, e tendo em vista o nível de esclarecimento

com que foram expressos pelo autor, ainda que se apresente longa, consideramos importante a

transcrição dos mencionados grupos de problemas:

1. A aprendizagem dos alunos, nas instituições escolares, está organizada em função de um projeto cultural para a escola, para um nível escolar ou modalidade; isto é, o currículo é, antes de tudo, uma seleção de conteúdos culturais peculiarmente organizados, que estão codificados de forma singular [...]. 2. Esse projeto cultural se realiza dentro de determinadas condições políticas, administrativas e institucionais, porque a escola é um campo institucional organizado que proporciona uma série de regras que ordenam a experiência que os alunos e os professores podem obter participando nesse projeto. As condições o modelam e são fontes, por si mesmas, de um currículo paralelo ou oculto. [...]. 3. Na sequência histórica, esse projeto cultural, origem de todo currículo, e as próprias condições escolares estão, por sua vez, culturalmente condicionados por uma realidade, mais ampla, que vem a ser a estrutura de pressupostos, ideias e valores que apoiam, justificam e explicam a seleção cultural, a ponderação de componentes que se realizou, a estrutura pedagógica subsequente, etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 34).

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Nos termos adotados neste estudo, o currículo recebe influência dos vários contextos

(internacional e nacional, da produção do texto e do campo institucional pedagógico). Em

virtude de ser selecionado e organizado dentro de um campo social, e adquirir materialidade

no campo da prática pedagógica, “adota uma determinada estrutura condicionada por

esquemas que são a expressão de uma cultura que podemos chamar psicopedagógica, mesmo

que suas raízes remontem, muito além, do pedagógico” (SACRISTÁN, 2000, p. 34). No

entanto, essa relação não se dá entre determinante e determinado. Ele influencia e é

influenciado no decorrer dos processos criativos de refração e de recontextualização, razão

porque, na constituição de um currículo, estão, de forma explícita ou velada, relações de

poder e ideológicas, bem como “uma filosofia curricular ou uma orientação teórica que é, por

sua vez, síntese de uma série de posições filosóficas, epistemológicas, científicas, pedagógicas

e de valores sociais” (SACRISTÁN, 2000, p. 34). Assim considerando, não seria difícil

admitir que as prescrições curriculares são portadoras de sentidos e, consequentemente, são

potencializadoras da projeção de identidades individuais e sociais.

Sacristán (2000) complementa que essas três dimensões sofrem influências das

especificidades dos níveis educativos (quer seja Educação Básica ou Educação Superior) e,

consequentemente, dão origem a um quarto aspecto a ser considerado: toda concepção de

currículo carrega consigo “uma forma explícita de entender o que é mudança do mesmo e da

prática pedagógica” (SACRISTÁN, 2000, p. 36), haja vista que todo campo de conhecimento

sugere uma forma de se manifestar por meio da prática.

Portanto, estamos a considerar as determinações de várias ordens (políticas,

ideológicas, culturais, econômicas, entre outras), as influências performáticas oficial e

institucionalmente constituídas e constituintes, bem como a capacidade organizativa e

recontextualizadora guiada pela relativa autonomia dos sujeitos e dos campos sociais.

Na análise do Plano de Curso ou proposta curricular de cursos Superiores de

Tecnologia é importante considerar que sua materialização se dá por meio de múltiplos

processos nos quais se entrecruzam diversas práticas (de gestão, docente, etc.), destacando­se

o professor como elemento indispensável nesse processo. Portanto, se considerarmos que um

currículo configura a prática docente e, ao mesmo tempo, no processo de seu

desenvolvimento é configurado por ela, não há como desconhecê­los enquanto agentes ativos

nesse processo. “[...] o currículo molda os docentes, mas é traduzido na prática por eles

mesmos – a influência é recíproca (SACRISTÁN, 2000, p. 165).

Na realidade brasileira sempre se conviveu com divergentes conceitos sobre currículo,

entre os quais surgiram movimentos que fortalecem a ideia de currículo como experiências

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vivenciadas a partir de situações­problemas que têm como base conteúdos disciplinares

relacionados às experiências escolares. Em contraposição estão os movimentos de renovação

da escola, centrados nas necessidades psicológicas dos indivíduos e/ou influências sociais.

Isso vem confirmar que as ideias de currículo centradas nos objetivos, conteúdos e/ou

métodos, no Brasil, não sobreviveram ilesas. Elas foram enfraquecidas em decorrência das

intervenções de cunho “progressista”, embora tenham sido, posteriormente, resgatadas. E,

conforme já referimos, nas últimas décadas, na medida em que o setor produtivo se reorganiza

em função das necessidades de recomposição do capital, as políticas educacionais passam a

estabelecer uma maior vinculação entre educação e setor produtivo, de onde decorre a

proposta curricular com foco nas competências.

3.3.1 O Currículo organizado por competências

Bastante discutida no âmbito do trabalho e da educação, a educação orientada a partir

do desenvolvimento de competências ainda constitui alvo de disputas, embora,

gradativamente, os debates venham nos parecendo menos calorosos. Deluiz (2001, p. 14) tem

como ponto de vista que esse “modelo” de educação nasce da necessidade do “uso, controle,

formação e avaliação do desempenho da força de trabalho, diante das novas exigências postas

pelo padrão de acumulação capitalista flexível ou toyotista: competitividade, produtividade,

agilidade, racionalização de custos”. Nesse sentido, a pesquisadora especifica que, enquanto

orientador da organização curricular por competência, o discurso pedagógico oficial busca

ancoragem em modelos epistemológicos diferentes, conforme excerto a seguir:

a matr iz condutivista/behavior ista de análise do processo de trabalho, com o propósito de identificação, definição e construção de competências profissionais, tem seus fundamentos na psicologia de Skinner e na pedagogia dos objetivos de Bloom, entre outros autores, e guarda forte relação com o objetivo da eficiência social [...]. A matr iz funcionalista utiliza a análise funcional como método e esta se realiza a partir da identificação estratégica do setor ou da empresa e dos resultados esperados na atuação dos trabalhadores para que a função estratégica seja cumprida. [...] Sua lógica de construção de competências e dedutiva partindo­se das funções mais gerais ate as mais especificas. A matr iz construtivista apresenta assim pontos de positividade ao atribuir importância não só a constituição de competências voltadas para o mercado, mas direcionadas aos objetivos e potencialidades do trabalhador. [...] Entretanto, para os construtivistas a construção do conhecimento é considerada um processo individual, subjetivo, de desenvolvimento de estruturas cognitivas [...], sem enfatizar o papel do contexto social para além da esfera do trabalho na aprendizagem dos sujeitos (DELUIZ, 2011, p. 19­22, grifo nosso).

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Essa intertextualidade híbrida, ao engendrar mudanças nas bases da organização

curricular, articula diferentes matrizes epistemológicas, que, na luta hegemônica, mantêm a

ideia de educação vinculada ao setor produtivo, cuja finalidade é o desenvolvimento de

competências por ele demandadas. A percepção crítica de Macedo (2010) adverte para as

armadilhas em torno da compreensão de discursos híbridos, destacando a postura em que os

fragmentos são transformados “em parte de um algo que, em sua origem, constituía um todo

orgânico. É como se o discurso híbrido que produzimos hoje fosse formado por fragmentos

cruzados de discursos puros reificados” (MACEDO, 2010, p. 9).

Em tais circunstâncias, recorremos às palavras de Fairclough (2001b, p. 40) para

mostrar que esta indica ser uma condução favorável à “manipulação estratégica de sentido”,

em que o “deslocamento de práticas ‘comunicativas’ pelas práticas ‘estratégicas’ [...]

incorporam uma racionalidade (moderna) puramente instrumental”, por meio das quais “as

relações sociais e de poder são mantidas” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 40). Dessa forma, o

delineamento dado ao discurso pedagógico oficial indica que nos tempos atuais esse discurso

“caracteriza­se por ter o papel distintivo e mais importante na constituição e reprodução das

relações de poder e identidades que este requer” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 40).

Este também é o posicionamento de Lopes (2002), ao analisar que a educação por

competências também constitui base de orientação das políticas de formação e prática docente

e, “como todo discurso oficial, projeta identidades pedagógicas e orienta a produção do

conhecimento oficial – o conhecimento educacional construído e distribuído às instituições

educacionais [...]” (LOPES, 2002, p. 387). Para essa autora, ainda que não haja mais espaço

para as bases tayloristas­fordistas que nortearam o modelo eficientista de produção, tem­se

um modelo híbrido, por meio do qual:

Os princípios do construtivismo e da perspectiva crítica são então associados a princípios eficientistas e a princípios do progressivismo como forma de projetar a formação de competências mais complexas, mas ainda assim marcadas pela formação de desempenhos. Tais competências visam formar um indivíduo que se auto­regula e mobiliza seus conhecimentos de acordo com as performances solicitadas pelo mercado de trabalho (LOPES, 2002, p. 387).

Neste campo, a proposta curricular por competência passou a ser organizada por

módulos, por meio dos quais se presume perseguir três princípios: flexibilidade,

interdisciplinaridade e contextualização, supondo que estes irão permitir “a formação de

conjuntos de habilidades e competências que visam transcender a uma qualificação

profissional específica” (LOPES, 2001, p. 7). Por esse prisma, deixa de ser centrada nos

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conteúdos e elaborada sob a formalização de diferentes disciplinas de caráter

profissionalizante e passa a ser organizada de forma não disciplinar, em que a formação de

competências se sobrepõe à qualificação profissional e passa a orientar todo o processo e

práticas curriculares (capacitações, planos de curso, material didático, metodologia, sistema

de avaliação, etc.). Este desenho apresentado como alternativa de superação do currículo

fragmentado por disciplinas leva ao entendimento de que, “em função dessa organização

curricular não disciplinar, o currículo por competência pode ser considerado um currículo

integrado, pois as competências por si só expressam uma integração de conteúdos” (LOPES,

2001, p. 7). Entretanto, sabemos que na perspectiva apresentada, a partir da citada LDB, o

princípio integrador não está associado à dimensão crítica da educação, mas, em sentido

contrário, o elemento integrador passa a ser o setor produtivo, e a aprendizagem significativa

passa a adquirir o sentido de funcional, prático e utilitário, no âmbito da produção. Esta é a

perspectiva ilustrada no discurso pedagógico oficial e institucional, ancorado na polissêmica 19

noção de competências requeridas pelo mercado. A sobreposição do enfoque empirista que

vem sendo dado à competência reforça a perspectiva prática e funcional do “aprender a fazer”

e anula a dimensão social educativa.

Quanto à formação docente, esta passa a ser orientada na perspectiva polissêmica, ao

mesmo tempo em que se alimenta de uma relação determinista entre o desempenho dos

professores e os resultados apresentados pelos alunos (LOPES, 2001). Estes são pressupostos

que, a partir da LDB 9.394/96, orientam o entendimento sobre formação dos professores,

tendo em vista “como” a prática pedagógica deve ser desenvolvida pelos docentes (LOPES,

2003), a fim de se atingir os objetivos desejados no que se refere à formação dos

trabalhadores(as) brasileiros. Essa abordagem de qualificação para o exercício do magistério,

enquanto forma de conduzir a formação dos trabalhadores sob a égide da ideologia

dominante, também é compartilhada por Shiroma e Evangelista (2003, p. 85), que ponderam:

“Para além da performance educativa do sistema educacional, mais uma vez está em jogo o

controle sobre a maior fração do contingente de servidores públicos, a dos professores, a

quem se reserva a responsabilidade de formar novas gerações”.

Em se tratando da docência na Educação Profissional e Tecnológica (em qualquer

nível), o professor é instado a seguir os dispositivos que a regulamentam. Especialmente no

que tange à formação de professores, no discurso oficial o desenvolvimento de competências

19 Mediante um controvertido mecanismo contemporizador de várias ideias e significados presentes em um campo, o processo recontextualizador nele ocorrido permite a produção de textos e/ou discursos polissêmicos, ou seja, que acomodam várias significações.

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torna­se opção estratégica, no sentido de preparar trabalhadores com domínio dos

proclamados “códigos da modernidade”, bem como para reordenar conceitualmente a

compreensão da relação trabalho­educação (disseminação de novos códigos profissionais que

configuram as relações contratuais; desvio do foco no emprego, ocupações e tarefas;

vinculação entre produtividade e salário, etc.).

Dessa forma, seguindo uma linha verticalizada de raciocínio, alimentado pela lógica

do mercado de trabalho, a proposta curricular para formação de professores, fundamentada no

desenvolvimento de competências, leva a supor uma forma de profissionalização que dá

ênfase ao controle da aprendizagem e da ação docente. Resulta daí uma concepção de ensino

que parece dar menor importância aos conhecimentos teóricos e ao processo educativo.

“Nessa concepção, o conhecimento sobre a prática acaba assumindo o papel de maior

relevância, em detrimento de uma promoção intelectual e política aos professores” (DIAS;

LOPES, 2003, p. 1156).

Concordamos que as reformas educacionais brasileiras, na atualidade, caminham no

sentido de manter finalidades sociais defendidas em políticas anteriores, ao mesmo tempo em

que outros elementos são introduzidos. Para Dias e Lopes (2003), isto sugere manter, ao

mesmo tempo, elementos de tradição e de renovação. Naquilo que diz respeito à “tradição”,

mantém­se vivo o interesse em que as instituições educativas favoreçam a vinculação entre

educação e o setor produtivo. No que se refere à renovação, propõem­se instituições de ensino

integradas aos pais e à comunidade, contando com a participação de membros voluntários da

comunidade, ONGS etc. “Tais elementos de renovação indicam as novas competências

desejáveis para a inserção no mundo atual, como por exemplo, a capacidade de se inserir em

diferentes contextos de trabalho, constantemente em mudança” (LOPES, 2003, p. 1165).

É importante fazer uma ressalva quanto ao uso do conceito de competência. Embora a

expressão venha adquirindo sentido controverso, consideramos significativas as contribuições

de Bernstein (2003) para a compreensão dos sentidos atribuídos a essa terminologia, que é

conceituada de várias maneiras. Esse autor, tomando como referência diferentes

pesquisadores, de diferentes campos de conhecimento, destaca uma “lógica social” inerente

ao conceito de competência, mediante a relação com o social, a comunicação, a interação e

em relação ao sujeito, presente nos estudos analisados, a partir da qual justifica a lógica social

da competência:

1. anúncio de uma democracia universal de aquisição. Todos os sujeitos são intrinsecamente competentes e todos possuem procedimentos em comum. Não existem déficits;

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2. o sujeito é ativo e criativo na construção de um mundo válido de significados e prática. Aqui há diferenças, porém não déficits. Tomemos a criatividade na produção da linguagem (CHOMSKY), a criatividade no processo de acomodação (Piaget), a bricolagem em Lévi­Strauss, as realizações práticas de um membro (GARFINKLE); 3. ênfase no sujeito capaz de se auto­regular, o que é um desenvolvimento positivo. A instrução formal não promove outro avanço ou expansão além desse. Os socializadores oficiais são suspeitos, pois a aquisição desses procedimentos constitui um ato tácito, invisível, não sujeito à regulação pública; 4. visão crítica, cética, das relações hierárquicas. Isto é continuação do ponto (3), pois, de acordo com algumas teorias, a função dos socializadores não deve ir além da facilitação, acomodação e controle do contexto. As teorias sobre competência têm um tom emancipatório. Sem dúvida, em Chomsky e Piaget, a criatividade situa­se fora da cultura. É inerente ao trabalho mental; 5. mudança da perspectiva temporal para o tempo presente. O tempo apropriado procede do ponto de realização da competência, uma vez que é esse ponto que revela o passado e prenuncia o futuro (BERNSTEIN, 2003, p. 78­79).

Fundamentada na teoria bernsteiniana, Lopes (2001, p. 6), em suas investigações sobre

o conceito de competências considera que, ao contrário do que vem demonstrando o discurso

pedagógico oficial, o estudo de Bernstein resgata o “enfoque nitidamente democrático, na

medida em que pressupõe que todos os sujeitos sociais são intrinsecamente competentes,

criativos e ativos na construção do mundo e são capazes de se auto­regular”. Conforme

procura demonstrar Bernstein, há entre os teóricos por ele referidos uma postura

antipositivista, ainda que seus estudos não sejam destinados ao campo da educação. Decorre

daí o questionamento de Bernstein (2003, p. 79­80): “como um conceito que surgiu no campo

intelectual, e cujos autores tinham pouca ou nenhuma relação com a educação, passou a

desempenhar um papel tão central na teoria e prática da educação?” Para o autor, a

convergência desse interesse aponta para a lógica social que subjaz ao conceito de

competência, que se tornou “particularmente interessante para os ocupantes de uma posição

especializada no campo de recontextualização pedagógica” (BERNSTEIN, 2003, p. 80).

Acrescenta ainda que a forma como se deu o processo de recontextualização do conceito de

competência, na educação, permitiu engendrar uma vertente sob a forma de desempenho 20 .

Vemos, pois, a pertinência das análises de Ropé e Tanguy (2003), quando advertem

que as diversas formas de se utilizar a noção de competência no discurso pedagógico oficial

vêm lhe conferindo uma “opacidade semântica”, ao mesmo tempo em que beneficia o seu uso

“inflacionado” em várias situações e contextos, razão pela qual vem sendo utilizada em favor

de interesses diversos. Assim, essa “plasticidade” que é atribuída ao termo “competência”

constitui parte integrante da sua força social. Confirmamos que a noção de competência

20 Para conhecer mais detalhadamente o assunto, ver: Pedagogía, control simbólico e identidad: teoria, investigación y crítica, 1998 e/ou estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle, 1996.

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caminha no sentido de substituir outros conceitos, tais como “conhecimento” e “qualificação”,

na esfera da educação e do trabalho, respectivamente, embora não signifique dizer que elas

desapareçam. Elas saem do status socialmente conferido, enquanto outras conotações são

conferidas a competências. Em função disso, presumem que “não se trata de uma moda. O

caráter exclusivo e duradouro do uso de uma noção demonstra um certo número de mudanças

em uma sociedade, que devem ser identificadas (ROPÉ; TANGUY, 2003, p. 16). Daí a

necessidade de se estar atento às relações geralmente opacas de causalidade e determinação,

estabelecidas entre práticas discursivas, eventos e textos, bem como entre estruturas sociais e

culturais, relações e processos mais amplos. Assim, torna­se possível compreender de que

forma essas práticas, eventos e textos emergem de relações e lutas de poder, sendo formados

ideologicamente por estas, visto que a opacidade lhe assegura poder e hegemonia

(FAIRCLOUGH, 2001b).

Isso coaduna com o que Macedo (2010) explica como excesso de sentidos implícitos

na constituição da linguagem, decorrente do ato de poder que impõe limites aos sistemas de

significação. Reforça ainda essa pesquisadora que “a compreensão dos processos (de luta)

pelos quais os sentidos são fixados na construção de cada discurso específico parte, portanto,

da identificação dos significantes nodais, cujos sentidos flutuam de modo a ampliar suas

possibilidades de agir como articulador” (MACEDO, 2010, p. 5).

Não obstante as tensões presentes nos discursos “distribuídos” nas diversas esferas da

sociedade (trabalho, escola, centros de pesquisa, etc.), e a partir das discussões de Bernstein e

alguns seguidores, poder­se­ia dizer que a ideia de competência não é, “em si”, boa ou má,

embora se faça necessário, conforme afirma Moraes (2009), “desnudar a lógica do discurso”

que a professa. Decerto que na versão apresentada enquanto ordenadora das relações de

educação, trabalho e produção, disseminada na sociedade atual, estamos aliados àqueles que

relacionam o conceito de competência a uma vertente ressignificada da “Teoria do Capital

Humano” (DELUIZ, 1995, 2001; ROPÉ E TANGUY, 2003; KUENZER, 2002a, 2004a e b,

2005; RAMOS, 2001; OLIVEIRA, R., 2010 entre outros), em que o mercado torna­se matriz

estruturadora para acomodação do desempenho e do comportamento socioprofissional dos

trabalhadores às exigências do setor produtivo e, consequentemente, traduz­se em mudanças

significativas nas identidades sociais. Esse posicionamento remete à preocupação de

Fairclough (2001b) em relação às mudanças discursivas, para as quais sugere haver orientação

dupla: por um lado, caminham no sentido de intervir nos eventos discursivos particulares, no

sentido de ajustar situações sócio culturais mutáveis e mutantes da linguagem. Toma como

referência práticas e ordens do discurso existentes, transformando­as frequentemente; por

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outro lado, “em direção às ordens do discurso no prazo mais longo, em direção à mudança das

práticas discursivas dentro e através dos domínios e instituições sociais como uma faceta da

mudança social” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 38). Em tais circunstâncias, a formação e prática

docente são constituídas e/ou acomodadas a diferentes contribuições históricas teórico­

práticas.

No quadro dos argumentos apresentados ficam mais claras as distorções inerentes ao

discurso das competências adotado no país e, consequentemente, o que esses inconvenientes

podem representar para a humanização dos sujeitos sociais e para o projeto de sociedade

emancipatória. Frente a essa questão, o que fazer diante das demandas do mundo do trabalho

por patamares mais elevados de educação dos trabalhadores e dos requisitos aos quais estão

atreladas as oportunidades de trabalho? Com base no que propõem Moreira e Macedo (2002),

o que é possível fazer em função de uma ciência que fundamente educação, ciência,

tecnologia e cultura, coerente com a emancipação multicultural? Afinal, é exatamente no seio

da reforma da educação, consubstanciada na LDB 9.394/96 e seus atos normativos e de

controle, que a competência firma­se enquanto eixo orientador da educação e do trabalho,

fortemente influenciada pela lógica hegemônica que orienta a reestruturação do trabalho

produtivo e a supervalorização de conhecimentos e competências laborais.

A despeito de posicionamentos que enfatizam as impossibilidades de a educação por

competência vir a se tornar uma proposta coerente com os princípios de cidadania dos

trabalhadores, a exemplo de Rodrigues (2008) e Ramos (2003) ­ mesmo concordando que esta

observação é procedente, quando relacionada ao modelo de competência tal como é

apresentado no discurso pedagógico oficial –, consideramos que também não nos parece

solução a resistência sem ação contra­hegemônica. Estamos diante do poder hegemônico que

regulamenta, acompanha e avalia o cumprimento das prescrições, em vários níveis da

educação.

Na perspectiva de encontrar uma alternativa no sentido de discutir competências para

além da dimensão econômica, Deluiz (1995) aponta para a possibilidade de o conceito de

competências ser apropriado na perspectiva do desenvolvimento de outras dimensões do ser

humano. Além de evidenciar as distorções presentes nessa proposta, bem como atentar para a

necessidade de superação, amplia o debate para além da crítica estéril e põe em evidência uma

“reconceitualização” da competência, na perspectiva contra­hegemônica, não se encerrando,

portanto, na inclusão de mais uma dimensão. Dessa forma, a competência é considerada a

partir da ampliação da base – educação geral –, que dá suporte às ações desenvolvidas pelo

ser humano frente aos desafios promovidos pelas inovações tecnológicas e organizacionais,

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ao mesmo tempo em que se dá ênfase às várias dimensões da educação. Na forma apontada

pela pesquisadora, a formação profissional orientada para um processo de emancipação

pessoal e coletivo pressupõe o entendimento de que esta formação integra um todo constituído

de

formação cultural ampla, superando­se a dicotomia entre o mundo da educação e o mundo do trabalho. Mas, se essa condição é necessária, não é, entretanto, suficiente, pois uma formação que pressuponha a expansão das potencialidades humanas e um processo de emancipação individual e coletivo deve inserir­se em um projeto político que esteja organicamente vinculado aos interesses da maioria, o qual supõe a ampliação de mecanismos de socialização da política e o aprofundamento dos processos de democratização e de formação da vontade coletiva (DELUIZ, 1995, p. 178).

Sob esta perspectiva, a preparação para o trabalho adquire maior abrangência, ao

mesmo tempo em que se vislumbra a integração entre “educação geral, formação profissional

e formação política, sem o que se corre o risco de permanecer como uma simples estratégia de

adaptação das qualificações às novas exigências da modernização do sistema produtivo”

(DELUIZ, 1995, p. 178­179). Assim, ao se ampliar a dimensão profissional para além do

preparo técnico­instrumental do trabalhador, são incorporadas as competências técnico­

intelectuais, metódicas, comunicativas, sociais e comportamentais, como base para a

construção da competência técnica, todas inter­relacionadas e acrescidas da dimensão

intelectual.

No que tange à competência política, a mencionada pesquisadora ressalta a

indissociabilidade da dimensão profissional e da dimensão social, extrapolando os aspectos

comportamentais que possibilitam o engajamento dos indivíduos nas relações sociais e de

trabalho. Assim, a competência social se expressa na capacidade de utilizar todos os

conhecimentos construídos nos mais diferentes meios e com o uso de variados recursos, nas

diversas circunstâncias com as quais nos deparamos no mundo do trabalho, bem como na

capacidade de mobilizar conhecimentos do ambiente de trabalho para a vida cotidiana e vice

versa. “Este saber – saber ser – constitui­se, também, de saberes informais e tácitos que estão

ligados à vivência concreta do trabalhador e constitui um conjunto de conhecimentos

apreendidos através da experiência subjetiva [...] (DELUIZ, 1995, p. 181).

Compreendemos que essa abordagem, ao mesmo tempo em que enfrenta o imobilismo

decorrente do antagonismo “a favor versus contra”, instala um processo desmistificador da realidade e vai além dos interesses da esfera produtiva, permitindo que no enfoque das

competências sejam consideradas as várias dimensões do ser humano (histórico­cultural,

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social, econômica, política, intelectual, entre outras). Nesse contexto de múltiplos significados

e perspectivas diversas, sem uma contra­ação, é possível que categorias como

“competências”, com tamanha força e conotação ideológica, cristalizem­se no tempo­espaço

social, tornando “difícil” sua ressignificação, que necessita ocorrer no âmbito do Estado.

Em função dessas considerações, acreditamos na possibilidade de o tema poder ser

apropriado por atores sociais comprometidos com a educação dos homens e mulheres deste

país, de forma que se possa superar a compreensão reducionista e mercantilista determinada

pelos setores produtivos. Por conseguinte, para este estudo, ratificamos o que pondera Tanguy

(2003) quanto à propagação dos discursos das competências, em várias esferas da sociedade,

na qual práticas discursivas são comodificadas no sentido de projetar novas identidades

descentradas funcionais. Independente da vertente discutida, e em função de que a palavra

“competência” vem gerando distorções, “junto com muitas outras que integram essa noção em

suas análises, em vez daquela de qualificação, propomos [sempre] problematizá­la”

(TANGUY, 2003, p. 167) [inserção nossa]. Isto reforça a necessita de manter vivo o debate,

avançando para superações e/ou sucessivas recontextualizações. Afinal, a história vem

mostrando que é nos embates e negociações constantes que os avanços vêm sendo

conquistados pelos educadores, conforme lembra Melo (2010). Para essa autora, no Brasil, o

poder central vem sendo “atenuado, em certa parte, pela influência forte dos movimentos

sociais, com exemplos de derrubadas/acréscimos de decretos executivos, pareceres” (MELO,

2010, p. 205). É possível que em espaço­tempo não muito distante o discurso já não contenha

nada de sua origem. No entanto, o rumo que tomará vincula­se às forças reunidas nesse

sentido.

Diante de um vasto repertório de políticas e de concepções epistemológicas, convém

ratificar, salvo raras exceções, que os processos não ocorrem nos moldes previamente

“arquitetados” no âmbito da produção dos textos pedagógicos. As IES, assim como os

professores, (re)criam estratégias alternativas, a partir das condições possíveis e de

experiências e saberes reconstruídos, situadas entre o discurso oficial e documentos e

orientações institucionais, embora muitas das quais, geralmente, se manifestam sem muita

consistência teórico­metodológica. Dessa maneira, é possível, a partir da prática, serem

geradas teorias pedagógicas e, “no dia­a­dia de nossas escolas ser construída uma didática

prática em antítese à didática teórica, transmitida nos cursos de formação de professores [...]

Nela estão os germes de uma teoria pedagógica alternativa” (MARTINS, 1989, p. 13).

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3.4 Elementos constitutivos da docência nos cursos de Graduação de Tecnologia

O nosso interesse em melhor compreender/descrever e analisar a constituição da

docência no âmbito da Educação Superior de Tecnologia, em suas várias interações (externos

e internos ao campo pedagógico­cultural institucional), conduziu­nos ao delineamento de uma

imagem representativa da realidade em discussão, para o qual tomamos como referência

estudos desenvolvidos por Zabalza (2004, p. 9) sobre ensino universitário. Para a

compreensão da docência universitária, vista enquanto “tomada de decisões formativas”, esse

autor parte de um esquema por meio do qual procura apresentar os principais componentes da

universidade, representados em quadrantes ou eixos. Isso é o que expressa a figura

reproduzida em seguida:

Figura 02 ­ Principais componentes da universidade

Em linhas gerais, para Zabalza (2004) o eixo 1, considerado marco institucional, é

composto pela universidade em seu conjunto. O seu funcionamento não se dá de maneira

independente, “[...] nem está em um vazio social ou institucional. Ao contrário, vê­se

condicionado por um conjunto de influências externas que poderíamos identificar com a

‘política universitária’” (ZABALZA, 2004, p. 10). Esta dimensão torna­se um filtro, visto que

muito do que ocorre na universidade passa por esse âmbito. O eixo 2: currículo/ciência e

tecnologia, em muitas universidades torna­se “[...] eixo central da definição dos cursos.

Constitui a substância formativa do trabalho universitário”. Entretanto, esse eixo é

comprometido pelos avanços da ciência, cultura e pesquisa. O eixo 3, constituído por

Política(s) de educação superior

Colégios Profissionais e Sistemas de credenciamento

Avanços da ciência, cultura, pesquisa

Mercado de trabalho UNIVERSIDADE

como contexto institucional

Professores

Conteúdo/ cursos

(currículo) Alunos DOCÊNCIA

Fonte: ZABALZA, Miguel A. 2004. p. 9.

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professores/mundo profissional, “é formado pelos professores ou staff das universidades e

pelos grupos ou pelas associações profissionais dos diversos campos científicos”, conforme

afirma este autor. Os professores revelam características culturais próprias e exercem grande

importância nos processos de mudança. Isto significa dizer que as inovações não poderão

ocorrer sem que esses profissionais estejam diretamente envolvidos. Finalmente, no eixo 4

situam­se os estudantes e o mercado de trabalho, que se constitui marco de referência externa.

Assim, os quatro vetores internos influenciam sobremaneira a docência, e os quatro

vetores externos incidem “na definição do significado e na administração do ‘mundo

universitário’”. Dessa forma, Zabalza (2004) quer enfatizar que a universidade não se encerra

nas aulas e na organização curricular. Ela é composta por um conjunto de complexas variáveis

que se entrecruzam e interagem entre si, condicionando o seu funcionamento. Portanto, os

quatro vetores internos refletem sobre a docência e alunos, enquanto os quatro fatores

externos influenciam seu funcionamento dessas instituições.

Considerando a pertinência da análise feita pelo autor, tomamos a iniciativa de

recontextualizá­la no âmbito da Educação Superior de Tecnologia, conferindo­lhe uma nova

feição, conforme ocorre em um processo dessa natureza. Portanto, respeitando sua produção

intelectual, bem como resgatando contribuições de outros autores, como Bernstein (1996),

Ball (1992, 2005), Bourdieu (2004, 2010) e Fairclough (2001a e b), naquilo que permite

estabelecer inter­relações, por meio do nosso esforço de produção inter e intratextual,

procuramos delinear uma imagem representativa do campo empírico (IES).

É importante advertir que se trata de uma representação simbólica da realidade em que

ora se apresenta submersa a docência da Educação Superior de Tecnologia. Embora algumas

variáveis possam ser vistas em interação, na figura realçamos a distinção que na proposta

curricular destinada a essa modalidade acadêmica é dada ao setor produtivo, apresentado

como “um ente superior”, referência para organização curricular e, consequentemente, para

projeção de identidades profissionais. Portanto, não é por acaso que essa modalidade

acadêmica – e, consequentemente, a docência e os acadêmicos – está vinculada a dois

Projetos de Educação Superior, também destacados na figura, a seguir:

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Figura 03 ­ Dinâmica intra e inter­relacional constitutiva da docência, no âmbito da IES

Fonte: Elaboração da Autora.

Acrescente­se que, além das restrições inerentes a uma manifestação sensível de

subjetividades, uma imagem nem sempre apreende todos os elementos constitutivos do

contexto real. Entretanto, ela quer evocar, de forma sintética, o encadeamento do estudo em

sua inter­relação com o campo da prática docente. De certo modo, a figura 03 procura

evidenciar que, na constituição da docência nos cursos de Graduação de Tecnólogos, a

perspectiva de produção e recontextualização dos discursos permite destacar três contextos

(nacional/internacional, da produção dos textos e institucional pedagógico­cultural) que

influenciam o campo da ação educativa­docente e, consequentemente, a constituição da

docência. Em cada um desses três campos é possível destacar significativas variáveis que se

entrecruzam, ligadas, de forma às vezes complementar, e sempre inter­relacionadas. Na

mencionada figura, as políticas de Educação Superior e de Educação Superior de

Tecnológica, com seus órgãos reguladores, estão situadas como constituídas e constitutivas do

campo que congrega educação, ciência, cultura e tecnologia, e o setor produtivo, destacados

como variáveis que recebem e influenciam diretamente a docência em cursos superiores de

Tecnologia.

DOCÊNCIA

Contexto de Influências internacional/nacional

Contexto da Produção de Texto

Contexto da Prática

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Dessa forma, estamos ratificando que no âmbito constitutivo da docência estão

evidentes três contextos nos quais se entrecruzam diversas variáveis, tais como agentes,

poder, ideologia, condições, recursos, fontes de pressão. Tais contextos compreendem dois

âmbitos de referência: o interno, ou intra­relacional, em que situamos currículo, políticas

institucionais, normativos, alunos e professores em constantes interações com os demais

agentes institucionais (gestores, coordenadores, etc); e o externo, que corresponde a múltiplas

e diversas variáveis (políticas de educação, tendências culturais, educativas, científicas e

tecnológicas, e o setor produtivo). Essas pressões e/ou influências externas às IES promovem

efeitos no seu funcionamento e, consequentemente, nos sujeitos educativos (ZABALZA,

2004). No âmbito de influências internas, consideramos uma dinâmica intrarrelacional

pedagógica e sociocultural, que estabelece leis e discurso próprios, sem que se possa abrir

mão das regras demandadas pelo contexto externo. Ressalte­se o que já foi advertido no início

deste estudo: a cultura escolar confere ao campo institucional experiências escritas,

codificadas, formalizadas, cujos conhecimentos e saberes constituídos exigem um elevado

grau de abstração em relação aos saberes e conhecimentos constituídos nos demais espaços

sociais (TARDIF, 2009), elementos esses que integram as suas especificidades.

Finalmente, no que concerne ao delineamento da imagem traçada, acrescente­se que a

posição e os tamanhos dos três círculos, enquanto representação dos três contextos, não

expressam ordem, nem grandeza a eles atribuídas. Para que esse entendimento seja, de todo,

esclarecido, basta rever a sua versão inicial e/ou de origem (Figura 01: Dinâmica

(Inter)Intrarrelacional ou de mobilidade do discurso pedagógico oficial).

Acrescente­se também que, assim como Zabalza (2004), entendemos que as políticas

e/ou projetos, de qualquer âmbito (interno e/ou externo), só se tornam reais com o

envolvimento de quem irá realizá­los: “os professores transformam­se sempre nos mediadores

e agentes básicos das inovações [...] (muitas vezes como aplicadores e, com frequência, como

instigadores e mentores das mudanças)” (ZABALZA, 2004, p. 11), não se tornando, porém,

os únicos responsáveis para que isto ocorra.

Nesse contexto, é possível presumir a possibilidade de constituição do sentido de

pertencimento que encerra o sentido de “nós” – os que compõem ou são os incluídos no

campo da docência –, assim como o sentido de “outros” – os que não integram o campo da

docência. Em outras palavras, estão aí identificados os “iguais” e os “diferentes”. Está aí a

importância de se desvelar o sentido da identidade/igualdade (o sentido de “nós”), projetada

pelas diretrizes curriculares, e da diferença (os outros) em consequência de não termos outro

currículo, a exemplo dos cursos de bacharelado e de licenciaturas. Estão também aí dilemas

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inerentes à docência, às lutas, às relações de poder e hegemonia, ou seja, a demarcação de

territórios, de fronteiras, conforme advogam Moreira e Macedo (2002). Somem­se, ainda, os

germes da resistência, crítica possível de ser construída a partir da superação silenciamentos e

das possibilidades criativas de enfrentamento da dualidade, agora extensiva à Educação

Superior.

Apoiados em Moreira e Macedo (2002), parece possível supor que, no processo de

constituição identitária docente, esses profissionais constituam elos a fim de que se

mantenham unidos em torno de objetivos e finalidades comuns, fortalecidos pela

solidariedade, diálogo e reflexão crítica em torno dos meios e condições necessárias à

consecução das reais finalidades educativas de uma IES. Presume­se, também, a possibilidade

de compartilhamento da dinâmica que constitui a razão de ser e existir desse complexo e

multifacetado campo sociocultural: o ensino como processo de trans(formação) dos sujeitos e

da sociedade, a pesquisa, enquanto produtora de novos conhecimentos potencializadores de

mudanças significativas, e a extensão, enquanto prática educativa socialmente responsável.

A despeito do nosso entendimento de docência enquanto prática social exercida por

sujeitos sociais, capazes de refratar e retraduzir pressões externas, a representação gráfica

anteriormente apresentada permite demonstrar, no âmbito dos cursos Superiores de

Tecnologia, a existência de um cenário externo que, no campo interno, caminha no sentido de

conformar a docência às injunções que modelam a Educação Profissional em sua interação

com o setor produtivo, resultando daí impactos na IES e no currículo que orienta a formação

de docentes e formandos. Essa condução ao nível superior da educação nacional apresenta um

caráter dualista que segmenta e diferencia bacharéis e tecnólogos.

Entretanto, nossa reflexão permite não desconhecer que, em se tratando de seres

particulares e ao mesmo tempo coletivos, os professores, mesmo influenciados, de um lado,

por diretrizes curriculares que projetam identidades, e, de outro, pelos contextos teórico­

práticos do trabalho e da vida (em todas as suas dimensões), podem conquistar –

coletivamente, no campo educativo – um grau de conhecimento praxiológico que favorece a

autonomia por meio da qual será possível desenvolver a “capacidade de refratar, retraduzindo

sob uma forma específica, as pressões ou as demandas externas” (BOURDIEU, 2004, p. 22),

que se apresentam, por vezes, dissimuladas e alheias às finalidades socioculturais e políticas

inerentes à docência.

Na perspectiva da transformação dos campos e dos sujeitos sociais, temos como

referência, além de se tratar de uma finalidade implícita na pesquisa orientada a partir da

ACD, a luta histórica da ANFOPE (2000, p. 9), para ratificar que a docência, enquanto um

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elemento unificador e, portanto, identitário da profissão, passa a constituir “a base da

formação de todos os profissionais da educação, pois permite assumir, com radicalidade,

ainda hoje, nas condições postas para a formação de professores, a formulação [...]: formar o

professor e o especialista no educador”.

Finalmente, no que concerne à constituição identitária e sua relação com o conceito de

habitus primário, ou habitus da produção privada, adotados por Bourdieu e Ball, respectivamente, considerando a pertinência da abordagem sociológica na qual se filia o

conceito de habitus (assim como a noção de campo, poder simbólico e relações de dominação), e a necessidade de ir mais além, afastamo­nos da abordagem de Bourdieu. Nesse

caso, ratificamos a posição adotada por Dubar (2005, p. 77­95) 21 , que confere a esse conceito

(habitus) uma perspectiva dialética, no qual a trajetória de vida dos sujeitos e do campo, bem como a realidade social presente, age de forma articulada, sem que uma condição,

necessariamente, deva ser reduzida a outra, tampouco a trajetória de vida, necessariamente,

estabeleça ou promova a reprodução do sistema. Na verdade, as determinações e/ou

reproduções são colocadas no nível das possibilidades. O que defendemos na constituição

identitária é uma relação interativa, em que as experiências passadas (ou habitus construídos) não determinam, “mecanicamente” o futuro, ou seja, uma trajetória “‘objetivamente’

discernível” e anteriormente percorrida pelos sujeitos sociais não promove, necessariamente,

“um tipo de estratégia de futuro ‘subjetivamente’ construída”. Não se trata de construção, mas

de constituição, enquanto processo interativo, dinâmico, dialético e inacabado. Concordamos

com Dubar que:

Entre trajetória e estratégia se intercala o conjunto das relações internas ao sistema no qual o indivíduo deve definir sua identidade específica; da mesma forma, entre representação e oportunidade do sistema se interpõe a trajetória dos indivíduos, a partir da qual avaliam características e evoluções prováveis do sistema. Por isso, a hipótese "visões do futuro reproduzindo as percepções do passado" é apenas uma das configurações possíveis da articulação entre representações (e categorias) herdadas da trajetória passada e estratégias (e categorizações) possibilitadas pelas oportunidades do sistema (DUBAR, 2005, p. 93).

Reconhecendo e respeitando as contribuições e marcas históricas cunhadas por

Bourdieu (2000, 2004, 2010a e b), no nosso entendimento, a constituição identitária dos

agentes sociais, apresentada sob a perspectiva da socialização – além da realidade familiar e

origem social –, considera a trajetória de vida, na qual passado, presente, história de vida e um

21 Maiores detalhes sobre esta análise, ver: “A socialização como incorporação dos habitus”, In: DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, p. 77­95, 2005.

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conjunto de experiências diversas, vivenciadas em contextos diferentes, articulam­se em meio

a causas e efeitos “probabilísticos”, sem que uma situação se sobreponha às demais, na

definição do futuro. Desse modo, firmada nos estudos de Dubar (2005), vemos o processo

constitutivo das identidades – decorrente do encontro entre trajetórias [permeadas de habitus] socialmente condicionadas­condicionantes e campos socialmente estruturados­estruturantes

[mediados por regras do jogo, capitais e poder] – sujeitas a alternâncias e variações. Isto

significa dizer que as trajetórias e os campos sociais, necessariamente, não são concebidos de

forma homogênica, assim como, necessariamente, trajetórias e campos da prática social são

estruturados pelas mesmas categorias significativas. “Essa defasagem abre espaços de

liberdade irredutíveis que tornam possíveis e, às vezes, necessárias conversões identitárias que

engendram rupturas nas trajetórias e modificações possíveis das regras do jogo, nos campos

sociais” (DUBAR, 2005, p. 94).

Portanto, o modo como os professores de cursos de Graduação em Tecnologia se

identificam e reconhecem os seus pares pode estar associado à forma como eles percebem e

vivenciam esse campo. Ou, por outro lado, pode estar associado à instituição de sentidos

intencionalmente projetados por meio de práticas discursivas. Nesse entendimento temos

presente que o campo docente é permeado de tensões, ambivalências, resistências e de

variadas possibilidades. Por um lado, professores que, em sua maioria, são

bacharéis/especialistas e portadores de formação em nível de pós­graduação, podem ter o seu

processo formativo relacionado ou não às especificidades para quais se tornou um professor e

formador. Tem­se presente, ainda, a assunção da docência que lhe faz outras exigências

relacionadas às especificidades da docência, que, como qualquer outra profissão, não pode

prescindir de conhecimento especializado que transcenda o âmbito interno das IES. Poder­se­

ia dizer que, no âmbito da educação sistematizada, ensinar e aprender constituem uma

identificação da docência, tornando­se ações comuns aos(às) professores(as), nos diversos

níveis e modalidades de educação, e se realizam de forma intercomplementar, como partes

inseparáveis de uma mesma totalidade.

Não obstante, na dinâmica do mundo contemporâneo, as instituições formadoras não

mais estão circunscritas a ensinar conteúdos necessários à formação profissional e à

socialização dos educandos. Essas finalidades, embora importantes, são insuficientes para o

contexto atual de trabalho e de sociedade. Superando a concepção de instituição reprodutora

do conhecimento dominante, a IES que defendemos torna­se “expressão de vida em toda sua

complexidade, em toda sua rede de relações e dispositivos com a comunidade, para revelar

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um modo institucional de conhecer e, portanto, de ensinar o mundo e todas as suas

manifestações” (IMBERNÓN, 2009, p. 8).

Entendemos a docência enquanto expressão de uma prática socioeducativa, política e

cultural, caracterizada por processos deliberados de organização, mediação, apropriação,

produção, e difusão crítico­reflexiva de experiências e conhecimentos teórico­práticos.

Desenvolvida em espaços acadêmicos ou não, sob determinadas condições sócio­históricas e

culturais, promovendo situações de aprendizagem, interagindo, permanentemente, com uma

multiplicidade de conhecimentos, seres humanos e realidade social, trata­se de uma prática

social que pressupõe, além de conhecimentos gerais e específicos, motivação, compromisso e

participação social, bem como o já assinalado pensar crítico, epistêmico, autônomo,

transformador e libertador.

A perspectiva que advogamos caracteriza o agente da docência (o professor­educador

e, contraditoriamente, ser inacabado) como sujeito socioeducativo em permanente ação

crítico­reflexiva, que se realiza em interação com outros sujeitos produtores de conhecimentos

necessários ao processo ensino­aprendizagem, na perspectiva do desenvolvimento integral e

permanente de si – um agente formador e em formação –, do outro e do coletivo dos sujeitos

da aprendizagem, em função da equidade social, da saúde e harmonia do ecossistema,

conjugando qualidade 22 formal e profissional com a qualidade sociocultural, econômica e

política. Sem sombra de dúvida, a docência pressupõe a discência, embora a relação ensinar­

aprender não ocorra de forma linear e por estímulo­resposta. Trata­se de uma relação

intercomplementar, como muito bem define Freire (1996, p. 94): “as duas se explicam e seus

sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do

outro”.

Diante de tantos desafios e sem as condições necessárias à sua atuação, tornam­se,

cada vez mais frequentes e contundentes as críticas direcionadas a professores, docência,

cursos e instituições de Educação Superior. Pimenta e Anastasiou (2008, p. 37) argumentam

que “[...] predomina o despreparo e até o desconhecimento científico do que seja o processo

de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que

ingressam na sala de aula”. Da mesma maneira, Tardif e Lessard (2007, p. 46) observam que

a ação docente é entendida como “uma arte aprendida no tato, realizada principalmente às

22 A subjetividade do conceito de qualidade não permite adotá­lo como único, imutável, circunscrito aos conteúdos, às técnicas, metodologias, recursos didáticos, ou definida pelo grau de satisfação dos empregadores. Indo além deste entendimento, a qualidade é aqui empregada no sentido da contribuição da docência (enquanto processo de ensino­aprendizagem significativa) para a sociedade, a partir da otimização dos processos didáticos ou pedagógicos (IMBERNÓN, 2009).

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apalpadelas e por reações parcialmente refletidas em contextos de urgência.” Por sua vez,

Benedito (1995, p. 131) afirma a insuficiência, sem negar a importância da capacidade

autodidata do professor, considerando que se aprende a ser professor

mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos "outros". Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos [...].

Indo mais além, Isaia, Bolsan e Giordani (2006) consideram que a consciência da

necessidade de melhorar suas práticas, em contraposição à falta de preparo para fazê­lo, leva

os professores a desenvolverem o sentimento de “angústia pedagógica que combina solidão,

desamparo e despreparo” (ISAIA; BOLSAN; GIORDANI, 2006, p. 69).

Nesse contexto, não seria difícil supor o quanto se torna desafiador e complexo o

processo constitutivo da identidade docente, na Educação Superior, com maior ênfase para a

Graduação em Tecnologia, que sequer tem claramente definida a identificação de seus cursos

e egressos 23 . Em tais circunstâncias, em que a formação inicial – passo importante para a

constituição da identidade docente – é secundarizada, transfere­se para as IES a

responsabilidade de prover as condições concretas para que esse processo formativo ocorra. A

LDB 9.394/94, em seu Art. 61, apenas deixa claro que a formação de profissionais da

educação, para atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às

características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos a

associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço, bem como o

aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras

atividades. Enquanto isso, parece prevalecer o entendimento de que o acesso a uma profissão

seja precedido de preparação, gerando uma “fuga” recíproca de iniciativas (professor e IES) e

retardando a instalação de medidas efetivas que desencadeiem processos de formação

continuada.

Nesse encadeamento em que se busca ultrapassar a linear e passiva relação

“determinantes e determinados”, faz sentido ratificar que a ideia de exercer a docência ou

“tornar­se professor” pressupõe identificar­se como tal, ou seja, investir­se da condição de

23 Diante do relativo pouco tempo de origem dos cursos de Graduação em Tecnologia e de uma imagem identitária ainda em formação, a Associação Nacional dos Tecnólogos (ANT) e o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), em 2010, divulgam “o caráter e a Identidade da Profissão” de tecnólogo, por meio de uma Cartilha. Disponível em: <http://portal.iff.edu.br/cartilha/Cartilha_Tecnologo_CONFEA_ANT_CONIF.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2010.

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sujeito educativo. Esse processo implica relacionar, de forma dialética, identidade individual e

coletiva, para dar vida à identidade social enquanto decorrência dessa articulação: “uma

transação ‘interna’ ao indivíduo e uma transação ‘externa’ entre o indivíduo e as instituições

com as quais ele interage”, sem deixar de reconhecer “a grande importância tanto aos

processos ‘culturais’ [...] quanto às estratégias de ordem econômica [...]” (DUBAR, 2005, p.

133).

Por sua vez, a prática pedagogia é aqui compreendida com base nos estudos de Souza

(2006), enquanto ação coletiva, intencional e formalmente organizada pelas IES, num

determinado contexto sociocultural, com finalidades estabelecidas e sistematicamente

avaliadas. Trata­se de ações tecidas nas interações dos diferentes agentes (docentes, discentes

e gestores) e campos sociais “na construção de conhecimentos ou no trabalho dos/com

conteúdos pedagógicos (prática epistemológica ou gnosiológica), contribuindo para a

formação humana de sujeitos sociais, na qual se inclui também, mas nem sempre, a formação

profissional” (SOUZA, 2006, p. 11). Sob esta perspectiva, a prática docente é vista como uma

das dimensões da prática pedagógica (SOUZA, 2006, p. 8). Por sua vez, a profissão docente

passa a ser aqui entendida como uma dimensão da identidade social de cada professor(a),

independente da modalidade acadêmica.

Na perspectiva de se dar a real dimensão ao projeto de Educação Superior,

entendemos uma IES como espaço – mesmo que contraditório – de produção do

conhecimento e potencializador de mudanças. Nesse sentido, as concepções que delineiam um

projeto de educação não podem desconsiderar as várias dimensões do ser humano, inseridas

em seus diversos espaços­tempo percorridos historicamente pelos sujeitos sociais. Trata­se de

uma educação que vise à emancipação dos sujeitos sociais com possibilidades de se canalizar

esforços para promover avanços em favor de toda a sociedade. É entendida como aquela que

tem como ponto de partida e horizonte uma concepção de mundo, cidadão, sociedade e

educação esposada, e se realiza em um lócus privilegiado – IES:

que contribui para a formação dos estudantes nos aspectos culturais, antropológicos, econômicos e políticos, para o desempenho de seu papel de cidadão no mundo, tornando­se, assim, uma qualidade referenciada no social. Neste sentido, o ensino de qualidade está intimamente ligado à transformação da realidade. A educação escolar, assim compreendida, é instrumento para a transformação social, é conhecida como educação emancipadora (BRASIL/MEC/2004, p. 33).

Mais uma vez, ratifica­se a importância de se considerar que para o exercício da

docência vários elementos tornam­se imprescindíveis. É importante reconhecer a bandeira de

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luta dos educadores e órgãos representativos (ANPED, ANFOPE, ANDES­SN, entre outros),

em favor da profissionalização docente, de forma que sejam consideradas as suas múltiplas

dimensões, superando o enfoque concebido a partir dos valores inerentes à reprodução do

capital, em suas variadas facetas. Esta é uma discussão que mantém interface com o debate

em torno dos processos de constituição da docência, especialmente quando nos reportamos

aos professores de cursos superiores em tecnologia, já situados, anteriormente, como

“silenciados” em diversos espaços sociais.

3.4.1 Profissionalização e valorização docente na Educação Superior

Entendemos que a discussão em torno da constituição da docência está intimamente

relacionada ao debate em torno da profissionalização e valorização do trabalho docente, que,

por sua vez, não se vincula a um tipo de organização acadêmica ou à categoria administrativa.

Neste enfoque, temos em vista a importância social e humana dos sujeitos sociais que

desempenham a docência, aqui nos reportando à sua atuação na Graduação em Tecnologia,

em qualquer IES, os quais ajudam a construir uma sociedade justa e humanizada. Isto nos leva

ao entendimento de profissionalização, nos termos propostos por Veiga (2005), como:

processo socializador de aquisição das características e capacidades específicas da profissão. A profissionalização docente deve ser entendida no bojo de um conceito de profissão mais social, complexo e multidimensional; fundamentada nos valores da cooperação entre os indivíduos e do progresso social. A afirmação e o prestígio social da profissão tem que andar junto com o processo de valorização da escola que queremos pública, democrática e de qualidade. E esta qualidade depende também do desempenho profissional dos professores intimamente ligado às necessidades do contexto social. A profissionalização não se resume a formação profissional, mas envolve alternativas que garantam melhores condições objetivas de trabalho e de atuação e respeitem as práticas pedagógicas construídas ao longo da experiência profissional (VEIGA, 2005, p. 3).

No âmbito das prescrições legais, a Constituição Federal brasileira de 1988 dá alguns

passos importantes para a profissionalização docente, quando, em seu Art. 206, estabelece que

o ensino seja ministrado, entre outros princípios, com base na valorização dos profissionais da

educação escolar. Reforçando essa perspectiva, o seu Parágrafo Único deixa claro que a lei

disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica.

Da mesma maneira, a reforma da educação brasileira, desencadeada a partir da LDB

9.394/96, sintonizada com os princípios constitucionais, realça a preocupação com a

profissionalização docente, quando, em seu Art. 61, trata dos “profissionais da educação”, e

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no Art. 62 estabelece a formação em nível superior como requisito para exercer a docência na

educação básica, indicação que aparece como condição da profissionalização docente, ainda

que omita a docência no ensino superior de qualquer exigência, além da condição de se ter

pós­graduação, preferencialmente Stritu Sensu, e ao mesmo tempo exclua de sua formação a necessidade de preparação por meio de práticas de ensino (Art. 65).

No entanto, sabe­se que, de modo geral, as prescrições normativas convocam as IES a

darem sua contribuição no que tange à formação continuada dos professores da Educação

Superior, especialmente em se tratando dos conhecimentos pedagógicos. Estas, por sua vez,

contraditoriamente, investem esforços no sentido de ofertarem cursos de licenciatura,

afirmando, assim, a necessidade de preparação para a docência por meio de uma formação

específica, “ao mesmo tempo [em que] nega a existência deste saber quando se trata de seus

próprios professores” (CUNHA, 2000, p. 46).

Da mesma forma, os instrumentos de avaliação que compõem o Sistema Nacional de

Avaliação do Ensino Superior (SINAES), também vistos pelas IES como instrumentos de

classificação, de incentivo à competição entre instituições e de exclusão, vêm se tornando

parte do processo de educação no ensino superior. No entanto, sua condução indica a

valorização dos títulos de mestre e doutor, embora esse valor seja atribuído,

independentemente de os cursos serem correlatos à área de atuação docente, como já

mencionamos anteriormente. Conforme analisam Pimenta e Anastasiou (2008), assim é que o

“Estado avaliador”, sinalizando desconhecimento das reais finalidades sociais de uma IES,

estabelece parâmetros de qualidade, “cabendo às instituições prover formas de

profissionalizar seus professores, o que ocorrerá conforme a visão do que seja essa

profissionalização” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 143). Neste sentido, colocam­se

em jogo os rumos da formação docente, que passa a ser concebida em função de concepções,

princípios e valores estabelecidos, implícita ou explicitamente, pelos poderes constituídos em

cada IES. Desse modo, o que se põe em evidência não é o fato de o professor sentir­se

vigiado, mas a incerteza e a instabilidade decorrente das diferentes maneiras de ser avaliado,

por diferentes meios e agentes. O que se quer é chamar a atenção para a emergência do

“desempenho, da performance – o fluxo de exigências que mudam, expectativas e indicadores

que nos fazem continuamente responsabilizados e constantemente vigiados” (BALL, 2001, p.

110).

Sob essa mesma perspectiva, Cunha (2004b) considera que, nas atuais circunstâncias

em que o Estado vem estabelecendo políticas de educação baseadas na economia de

produção, torna­se evidente que a vertente da regulação se sobrepõe à perspectiva de

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emancipação. Para essa autora, o pilar da regulação torna­se definidor de “prêmios objetivos e

simbólicos que valorizam a docência universitária e reconfiguram a profissionalidade dos

professores, definindo o que é um professor de sucesso” (CUNHA, 2004b, p. 18).

Dessa forma, permite­se o entendimento de que, ancorados em prescrições de agências

internacionais (Banco Mundial/BM; Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico/OCDE, entre outras), nos discursos e atos regulatórios, a anunciada

profissionalização docente tem se tornado, muito mais, um mecanismo para reformar “e

mudar o que significa ser professor”, conforme bem argumenta Ball (2002, p. 4) em suas

análises sobre políticas implantadas, em âmbito mundial, nos anos 90 do século XX.

Concordando com esse autor, os discursos oficiais sobre gestão e controle da

profissionalização docente inter­relacionam mercado, capacidade de gestão e

performatividade (atuação e/ou desempenho dos profissionais da educação), sob a lógica

econômica que orienta o campo do trabalho produtivo. Dessa forma, as políticas de educação,

com seu recorte híbrido, de forma não declarada (dissimulada), permitem manter os sistemas

“voláteis, astuciosos e opacos” (BALL, 2002, p. 10).

De entendimento similar, Shiroma e Evangelista (2004, p. 526) atentam para o fato de

que, tanto no Brasil, quanto em outros países, as reformas educativas da década de 1990,

centradas na formação docente e na gestão educacional, ao focalizarem o “novo perfil

docente”, disseminaram propostas de formação orientadas essencialmente para competências

laborais, respondendo, especificamente, “ao ‘que­fazer’ docente”, de forma que a atenção

passa a ser focada em “métodos e conteúdos de ensino, fórmulas de avaliação, relações

afetivas, ações em equipe, entre outros”. Estas finalidades passam a requerer monitoramento

dos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de processos educativos, em especial o

professor, de tal forma que, com a ampliação e restrições relacionadas às responsabilidades

docentes, fica clara a visão apolítica que se pretende atribuir ao professor, de modo que este

passe a se dedicar “apenas com o que diz respeito aos resultados de seu ensino e à sua atuação

escolar, abstraindo­os das condições político­econômicas que os produzem, embora,

contraditoriamente, essas mesmas condições sejam abstraídas” (SHIROMA;

EVANGELISTA, 2004, p. 526­527).

Reportando, ainda, aos estudos de Cunha (2004b), essa pesquisadora considera que,

para o trabalho docente, parece­lhe pertinente o termo profissionalidade, ao invés de

profissão, visto que o exercício da docência “nunca é estático e permanente; sempre é

processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo

contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações”

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(CUNHA, 2004b, p. 7). Esta concepção vai além da ideia de que a ação docente fica

circunscrita ao ensino de conhecimentos instituídos e validados pela ciência.

Ramos (2010), discutindo a profissionalidade docente universitária, ao mesmo tempo

em que atenta para a polissemia do termo profissionalidade, considera que, tratar a

profissionalidade docência universitária:

para além da especificidade e complexidade dessa docência, exige considerar, por um lado, o desafio de lidar com um conceito em construção [...] e, por outro lado, acrescentar a este desafio o fato de também encontrar em construção um conceito de docência universitária, no quadro de uma condição profissional e não de uma mera autorização para ensinar (RAMOS, 2010, p. 46, grifo no original).

Na forma discutida por esta autora, a profissionalidade docente vai além da

bipolaridade “saber disciplinar” e “saber pedagógico­didático” e se expressa na “superação de

uma profissionalidade restrita, num transitar para o reconhecimento e desencadeamento de um diálogo ente a profissionalidade empírica e científica” (RAMOS, 2010, p. 50, grifo no

original).

Entendemos que, nos tempos atuais, o conceito de profissão vem sofrendo grandes

mudanças que aludem a uma pluralidade de significações, consubstanciando o que Nóvoa

(1995) indica como necessidade de se considerar, nesse processo, “as lutas políticas, os

confrontos e os compromissos que estão envolvidos na formação das profissões” (NÓVOA,

1995, p. 39). No sentido de advertir sobre algumas questões que devem ser superadas, esse

autor, citando Alberto Melo, considera que:

A profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram o seu estatuto, elevam os seus rendimentos e aumentam o seu poder/autonomia. Ao invés, a proletarização provoca uma degradação do estatuto, dos rendimentos e do poder/autonomia; é útil sublinhar quatro elementos deste último processo: a separação entre a concepção e a execução, a estandardização das tarefas, a redução dos custos necessários à aquisição da força de trabalho e a intensificação das exigências em relação à actividade laboral (NÓVOA, 1995, p. 23).

Nesses termos, a profissionalização vai além da regulamentação e do conjunto de

conhecimentos, saberes e valores que orientam uma profissão.

A análise empreendida pela professora Weber (2003) acerca do assunto, embora

circunscrita à Educação Básica, transita em meio ao debate social brasileiro em favor da

democracia, quando o professor passa a ser visto como principal agente de mudança da

sociedade e da educação, condição esta que passou a requer melhor preparação profissional. A

reconstituição dos fatos relativos à profissionalização docente feito pela autora (WEBER,

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2003, p. 1129) considera “três instâncias necessariamente envolvidas com a docência: Estado,

instituições formadoras e associações que se tornaram entidades representativas dos

docentes”, sendo o Estado considerado em sua dimensão legislativa e normativa sobre a

formação em nível superior; as instituições formadoras vistas por meio de suas propostas de

formação, e as entidades representativas dos docentes, focalizadas em suas lutas e

reivindicações específicas, haja vista a sua importância para a efetivação de políticas

educacionais, principalmente em se tratando das peculiaridades da profissão docente e

requerimentos de formação.

Em se tratando da profissionalização docente em Cursos Superiores de Tecnologia,

conforme já referido, até o momento pouco se tem a acrescentar. Diferente dos demais níveis

da educação, ela não foi regulamentada com base em cursos específicos ou relacionados à

profissão. A legislação que trata do assunto o faz de modo superficial, ao se referir à docência

no ensino superior, deixando claro, apenas, que para o exercício profissional é necessário ser

portador de formação em programas de pós­graduação, preferencialmente em nível de

mestrado e doutorado – exigência reforçada por meio do SINAES. Também o notório saber

poderá ser reconhecido por uma universidade com curso de doutorado em área afim, suprindo,

desta forma, a exigência de título acadêmico.

No que tange ao ensino superior, fazemos registro da contribuição do Fórum de Pró­

Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras – FORGRAD, que, em maio de 1999,

com base na LDB, 9.394/96, propôs um Plano Nacional de Graduação. Nele, a qualificação de

professores para a Educação Superior pressupõe um perfil docente com formação científica stricto sensu em sua área de conhecimento, preferencialmente no nível de doutorado, e

permanente atualização. Na perspectiva apresentada, a competência pedagógica não foi

desconhecida: [...] Esta competência primeira não se concentra exclusivamente no domínio da ciência. Esse docente precisa, necessariamente, ter competência formadora, isto é, competência pedagógica. Neste contexto, as demandas da graduação precisam afetar os currículos dos programas de pós­graduação. De qualquer forma, esta competência científico­pedagógica, embora deva ter seu início nos programas formais de pós­graduação, se aprimorará nos processos rotineiros de capacitação que ocorrem no contexto da atuação coletiva dos pares em torno de Projetos Pedagógicos de Curso, coletivamente articulados, de modo a possibilitar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (FORGRAD, 1999, p. 21­22, grifo nosso).

Embora se tenha clareza dos limites decisórios desse fórum, ele tem exercido papel

importante na elaboração de políticas para a Educação Superior.

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Nos moldes em que o trabalho docente é apresentado nos discursos oficiais, Ball

(2005) discute o assunto sob o enfoque do “profissionalismo” 24 . Neste sentido, considera que

está em andamento um processo de mudança profunda “em algumas das ‘múltiplas forças

independentes, que condicionam a formação da identidade profissional dos professores na

prática’ [...] que, no regime do ‘pós­Estado de Bem­Estar’, o profissionalismo como prática

ético­cultural não tem lugar, não tem futuro” (BALL, 2005, p. 541). Partindo da ideia de que

o “profissional pré­reforma” seria um “autêntico profissional”, legitimado pelo “valor da

reflexão e a constante possibilidade de indecisão” – capacidades estas que se pretende omitir

– Ball considera que o “profissionalismo só tem significado dentro da moldura de uma

racionalidade substantiva, e as tentativas de redefinir o profissionalismo dentro de uma

estrutura dominada pela racionalidade técnica tornam esse termo sem sentido”. A extinção do

profissionalismo, sobre a qual fala o autor, é vista como decorrente “dos efeitos combinados

de tecnologias de performatividade e gerencialismo que representam, perfeita e

assustadoramente, a busca modernista por ordem, transparência e classificação” (BALL,

2005, p. 542). Em outras palavras, Ball (2005, p. 542) considera que não podemos chamar de

profissionalismo o que vem sendo largamente nomeado como ‘novo profissionalismo’,

‘reprofissionalismo’, ‘pós­profissionalismo’ ou ‘profissionalismo pós­moderno’. Portanto,

para Ball, falar de profissionalismo implica ter clareza sobre o que estamos falando, visto que:

[...] parte da ressignificação de profissionalismo nos textos gerenciais baseia­se na esperança de que não vamos perceber que o seu significado e a forma como é praticado são diferentes daquilo que significava e da forma como era praticado antes. Os principais pontos dessa diferença, ou pelo menos dois deles, são: primeiro esses pós­profissionalismos se reduzem, em última instância, à obediência a regras geradas de forma exógena; e, segundo, eles relegam o profissionalismo a uma forma de desempenho (performance), em que o que conta como prática profissional resume­se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora. Os critérios de qualidade ou de boa prática são fechados e completos (BALL, 2005, p. 542).

A definição de profissionalismo a qual se reporta esse autor “retrata o profissional

sempre ‘em formação’, como ‘dinâmico’ e ambivalente” (BALL, 2005, p. 547), que está

sempre aprendendo e respondendo a situações para as quais é demandado.

Independente de prescrições legais, entendemos que a discussão em torno da

profissionalização e valorização do trabalho docente, na Graduação em Tecnologia, como em

24 Enquanto dimensão complementar da profissão docente, no discurso oficial o profissionalismo “passa a ter uma existência material e concreta na formação docente” (VEIGA, 2005, p. 3). Para Imbernón (2009, p. 25), “[...] o profissionalismo na docência implica uma referência à organização do trabalho dentro do sistema educativo e à dinâmica externa do mercado de trabalho”.

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qualquer outro campo da docência, não estará completa sem a devida atenção aos processos

de ensinar e aprender. Isto significa ratificar que esses processos estão relacionados à

constituição identitária, da mesma forma que também constitui:

um processo epistemológico que reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos: os conteúdos das diversas áreas do saber (das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes) e do ensino; os conteúdos didático­pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da atividade profissional; os conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; os conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência humana individual, com a sensibilidade pessoal e social. Esses saberes devem ser mobilizados articuladamente nos percursos de formação inicial e continuada (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 78­79).

São conhecimentos que devem assegurar o significado ético, social, cultural, político,

econômico e pedagógico da profissão.

Neste estudo, defendemos a necessidade de se qualificar a dimensão pedagógica no

exercício da docência. Isto significa admitir que, sendo a prática docente “a própria substância

da prática educativa”, passa a ser entendida em seus três principais âmbitos de compreensão

apontados: O nível da filosofia da educação que, sobre a base de uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a problemática educativa, busca explicitar as finalidades, os valores que expressam uma visão geral de homem, mundo e sociedade, com vistas a orientar a compreensão do fenômeno educativo; o nível da teor ia da educação, que procura sistematizar os conhecimentos disponíveis sobre os vários aspectos envolvidos na questão educacional que permitem compreender o lugar e o papel da educação sociedade. [...], sistematizar, também, os métodos, processos e procedimentos, visando a dar intencionalidade ao ato educativo de modo que garanta sua eficácia; finalmente, o terceiro nível é o da prática pedagógica, isto é, o modo como é organizado e realizado o ato educativo (SAVIANI, 2008, p. 167, grifo nosso).

Incorporamos a essa discussão duas outras variáveis consideradas indispensáveis à

profissionalização e à valorização docente: condições de trabalho e a formação continuada –

partes integrantes do processo de produção de si e do outro, enquanto seres coletivos. No que

diz respeito às condições de trabalho, vários fatores estão envolvidos, assim como variam de

instituição para instituição, embora algumas prerrogativas componham os parâmetros de

qualidade das IES. Um dos elementos que merece ser considerado é o regime de trabalho,

que, no momento atual, está orientado por legislação específica (Portaria MEC n.º 2.051, de

09/07/2004; Portaria n. 1.264, de 17/10/2008 e Portaria n. 1.081 de 29/08/2008) 25 , podendo

25 Estes instrumentos legais instituem e regulamentam o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).

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ocorrer das seguintes formas: tempo parcial – contratados com 12 ou mais horas semanais de

trabalho na mesma instituição, nelas reservados pelo menos 25% do tempo para estudos,

pesquisa, extensão, planejamento, avaliação e orientação de alunos; tempo integral que está

relacionado ao cumprimento das três funções essenciais ao ensino superior – ensino, pesquisa

e extensão; e horista – contrato destinado, exclusivamente, para ministrar aula (o professor é

remunerado de acordo com a carga horária ministrada). Esta última é uma situação comum

nas instituições privadas, em virtude de gerar menor custo. Nesta condição, o professor não

dispõe de tempo programado para se integrar ao projeto institucional.

Outros aspectos, tais como ambientes pedagógicos, infraestrutura, remuneração, clima

organizacional, processos de gestão, ajudam a compor o conjunto de elementos que devem

constituir os processos de profissionalização e valorização docente.

Considerando que a formação inicial da maioria dos(as) professores(as), ao que nos

parece, não lhes possibilitou estudos e experiências relacionadas à docência, dentre as

variáveis assinaladas, atribuímos grande importância à formação de professores (inicial e

continuada), de maneira que se favoreça uma compreensão crítico­reflexiva e transformadora

da prática docente e, consequentemente, da prática pedagógica em sua inter­relação com uma

realidade social mais ampla. Trata­se de um processo visto de forma inter­relacionado à

docência e enquanto componente dos processos de profissionalização e valorização docente,

de forma que a atitude crítico­reflexiva sistemática da própria prática, frente à realidade social

que se pretende transformar, favoreça a construção de alternativas pedagógicas criativas e

significativas para alunos e professores.

3.4.1.1 Formação docente para Educação Superior de Tecnologia: em busca de uma base

comum nacional

A formação de professores do ensino superior, felizmente, tornou­se um tema em

pauta do governo, órgãos representativos e educadores em geral, embora continue sendo

apresentado como mais um no rol daqueles considerados desafiadores. Mas, o que vem sendo

feito, de fato, no sentido de uma intervenção, visto que, ao que nos parece, pode não ser fácil,

mas não é um caso sem solução? Mas, quem disse que o fácil é o melhor caminho? Neste

nível de ensino, já não é estranho constatar que os docentes, em sua maioria, não possuem

formação pedagógica, fortalecendo a ideia de que, para o exercício da docência nesse campo

de educação, ter o domínio do saber específico, além de formação em nível de pós­graduação,

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seria o bastante. No âmbito da Graduação em Tecnologia, some­se a prerrogativa do domínio

de saberes da experiência profissional, relacionados ao curso em que se vai atuar, requisito

este que, muitas vezes, se sobrepõe à formação docente. Para a pesquisadora Maria Izabel da

Cunha (2004b), este entendimento tem raízes históricas, uma vez que o professor do ensino

superior se constituiu:

tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no mundo do trabalho. A ideia de que quem sabe fazer sabe ensinar deu sustentação à lógica do recrutamento dos docentes. Além disso, a Universidade, pela sua condição de legitimadora do conhecimento profissional, tornou­se tributária de um poder que tinha raízes nas macroestruturas sociais do campo do trabalho, dominadas, fundamentalmente, pelas corporações. A ordem "natural" das coisas encaminhou para a compreensão de que são os médicos que podem definir currículos de medicina, assim como os economistas o farão para os cursos de economia, os arquitetos para a arquitetura e etc. O pedagogo, quando chamado a atuar nesses campos, é um mero coadjuvante, um estrangeiro em territórios acadêmicos de outras profissões [...] assume apenas a função de dar forma discursiva ao decidido nas corporações, para que os documentos (planos curriculares, projetos pedagógicos processos avaliativos e etc.) transitem nos órgãos oficiais (CUNHA, 2004b, p. 2, grifo no original).

Lembra a citada professora que nesse comportamento estão presentes influências da

concepção epistemológica dominante (própria da ciência moderna, fundamentada na

racionalidade técnica), na qual o conhecimento específico assume preponderância sobre

conhecimentos pedagógicos ou humanistas na formação de professores. Acrescenta, entre

outras coisas, que os saberes pedagógicos foram constituídos fora dos espaços acadêmicos e

só posteriormente atingiram a legitimação científica, bem como tinham como foco a criança,

em função de que “pouco dialogava com as estruturas de poder do conhecimento científico de

outras áreas” (CUNHA, 2004b, p. 3).

É bem verdade que, só a partir dos anos 60 a formação docente passou a ser regulada

por meio de portarias ministeriais, sendo a de nº 141/61 aquela que estabeleceu normas sobre

registros de professores do ensino industrial. Naquele momento, havia um predomínio da

concepção pedagógica renovadora inspirada no filosófico J. Dewey, não obstante tal propósito

tenha sido sufocado pela ditadura do Estado Novo. Isto reporta à professora Kátia Ramos

(2010), quando lembra que os estudos e discussões sobre a docência no ensino superior ainda

são tímidos, embora estejam em sistematização ascendente e contribuam para colocar em

evidência a formação e a docência dos professores do ensino superior, assunto este que, até

bem pouco tempo, fora mantido em silêncio.

Sob a perspectiva apontada pela professora Cunha (2004b), a docência no ensino

superior, pelo caráter instrumental que lhe fora atribuído, conforme apontam os fatos

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históricos, muitas vezes é vista “como um conjunto de normas e prescrições que, na

perspectiva da racionalidade técnica, teria um efeito messiânico na solução de problemas”

(CUNHA, 2004, p. 85). Essa forma de se constituir docente reflete na formação de outros

formadores. Assim sendo, o habitus adquirido nos diferentes espaços e trajetórias dos agentes sociais compõe a matriz de percepção, apreciação e ação pela qual eles se guiarão. Nesse

sentido, o ato de constituir­se professor funciona como um modus operandi ou objetividade interiorizada em que os indivíduos agem numa determinada direção, que orienta e conforma a

ação, guiados pelo “próprio modo de apreender o mundo enquanto conhecimento” (ORTIZ,

1983, p. 16). Sob este entendimento, um habitus anteriormente estruturado condiciona a

aquisição posterior de novas disposições, por parte dos indivíduos, levando­os a agregar os habitus secundários. Dessa forma, para Renato Ortiz, “o habitus tende, portanto, a conformar e a orientar a ação, mas na medida em que é produto das relações sociais ele tende a assegurar

a reprodução dessas mesmas relações objetivas que o engendraram” (ORTIZ, 1983, p. 15).

Estes elementos foram, aqui, levantados, pelas similaridades com a docência na

Educação Superior de Tecnologia, no que se refere ao nível de escolarização – ensino superior

– embora a ela não façam alusão. O sujeito da docência na Graduação em Tecnologia,

especialmente em instituições privadas, parece refém da sua formação inicial e de cursos de

pós­graduação, geralmente vinculados a uma profissional desvinculada do trabalho docente,

bem como de experiências construídas no esforço diário de aprender a ser professor, ainda

que grande parcela da população hoje se nutra desse trabalho.

Quanto a uma política de formação de professores para a Graduação em Tecnologia,

até a presente data não temos informações que assegurem uma condução nesse sentido, o que

não implica dizer que situações construídas no interior das IES não estejam em andamento.

Decerto que, para o momento, tem­se como parâmetro a Resolução nº 3 de 18/12/2002, que,

em seu Art. 12, traz como indicação que “o exercício do magistério nos Cursos Superiores de

Tecnologia, o docente deverá possuir a formação acadêmica exigida para a docência no nível

superior, nos termos do Artigo 66 da LDB e seu Parágrafo Único”. Também o Art. 13

prescreve que, “na ponderação da avaliação da qualidade do corpo docente das disciplinas da

Formação Profissional, a competência e a experiência na área deverão ter equivalência com o

requisito acadêmico, em face das características desta modalidade”.

Algumas discussões indicam, mas não justificam, tais conduções, bem como o

“silenciamento” e “vazio” de ações efetivas. Entre os argumentos apresentados está o fato de

serem diversas as cadeias e respectivos segmentos que integram o sistema produtivo, assim

como são múltiplos os conhecimentos técnico­científicos que necessitam ser construídos e

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mobilizados nas atividades laborais, levando a Graduação em Tecnologia a abrigar uma

infinidade de cursos. Em função disto, tal como ocorre com os demais níveis da Educação

Profissional, não raramente se imagina a inviabilidade de uma proposta de formação de

professores para essa modalidade de educação, a exemplo de Peterossi (1994, p. 15), quando

se refere à dificuldade de garantir: “unidade e mesmo efetividade da proposta educacional

subjacente a esses cursos, com agentes executores tão diferenciados quantas [são] as suas

formações de origem e as suas trajetórias no mercado de trabalho”.

Esse entendimento também é compartilhado por Machado (2008, p. 17), quando

observa que as diferentes formas de organização e heterogeneidade da Educação Profissional

e Tecnológica conferem peculiaridades a esta modalidade de educação. Integrando a

diversidade que compõe o campo da docência nessa modalidade acadêmica, a autora relaciona

“a divisão em setores econômicos (agrícola, industrial e serviços), em áreas profissionais ou

em eixos tecnológicos, variada rede de escolas e centros, mantenedoras públicas nas três

esferas governamentais, mantenedoras privadas, regionalização, níveis, relação com outras

modalidades educacionais etc.” Para essa pesquisadora, trata­se de especificidades que trazem

implicações relacionadas à diversidade de currículos, ao status dos formadores e às

instituições de formação, devendo, portanto, serem considerados no processo de formação de

professores.

Sob o nosso entendimento, devemos ter cuidado com a ênfase dada ao caráter

profissionalizante desta modalidade acadêmica, visto que, se por um lado valoriza as

especificidades, também permite aludir a uma segmentação que reforça a dualidade histórica

(formação profissional versus formação geral), bem como permite advertir para um recorrente

apelo dos agentes internacionais, que fortalece e sobrepõe a especificidade da profissão e o

determinismo tecnológico às demais finalidades da educação. Acrescente­se, ainda, que,

diante das evidências de “demarcação”, entendemos como pertinente que as circunstâncias

sejam cuidadosamente aprofundadas, mediante possibilidades de implicações na constituição

identitária dos sujeitos socioeducativos (professores e alunos). Atente­se para o fato de que,

se, por um lado, a característica do pensamento emancipatório é o de não ser indiferente à

diferença, conforme destaca Santos S. (2000), este entendimento comporta a ideia de que, em

qualquer circunstância, demarcar diferenças torna­se pertinente quando respeitada a premissa

cunhada por esse mesmo autor (2003, p. 56): “[...] temos o direito a ser iguais quando a

diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos

descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma

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diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” e dualidades. Afinal,

diferença não significa deficiência.

Sobre as especificidades atribuídas aos professores de Educação Profissional, a

professora Kuenzer (2008, p. 238) também distingue a necessidade de “formar, com foco no

trabalho, pessoas que serão trabalhadoras”, ao mesmo tempo em que se deve investir na

dimensão político­emancipatória do ser humano, especialmente “daqueles que vivem do

trabalho, nos limites da inclusão possível no modo de produção capitalista”. Para Kuenzer, o

foco no trabalho justifica­se em função de, assim, se conferir

especificidades ao processo pedagógico que deverá ter como objetivo a apropriação de um conhecimento específico, porém na dimensão teórica­prática, e sem perder a relação com a totalidade, tanto do conhecimento básico quanto da prática social. Esta afirmação, por si só, já configura um perfil e um rol de competências que confere especificidade ao percurso formativo do professor de educação profissional. A outra especificidade é conferida pela dimensão política desta formação, norteada pela finalidade de uma inclusão menos subordinada, nos limites permitidos pelas condições de trabalho capitalistas (KUENZER, 2008, p. 239).

Com maior precisão, Kuenzer complementa seus questionamentos, tomando por base

as especificidades da formação de professores para a Educação Profissional, utilizando as

seguintes conjecturas: se não houvesse especificidade, seria suficiente um curso de

complementação pedagógica, “genérico”, contendo “alguns fundamentos, algumas horas de

didática e metodologia de ensino, algum conteúdo de políticas, estrutura e funcionamento da

educação profissional” (KUENZER, 2008, p. 239). Prosseguindo suas reflexões, Kuenzer, em

suas ilustrações, pondera que: “ensinar Matemática em um curso de Educação Profissional

deverá tomar como objeto, conhecimentos que integrem a área básica à especificidade da área

profissional, o que supõe a integração do professor a partir do projeto pedagógico”

(KUENZER, 2008, p. 240). Por fim, sintetiza: “É difícil imaginar uma complementação

meramente pedagógica desvinculada do objeto a ser ensinado, o que levaria a uma redução

formalista de uma questão complexa”.

Compreendendo que os cursos superiores, em geral, preparam trabalhadores, e

reafirmando com Santos S. (2000) que uma atitude emancipatória pressupõe não ser

indiferente às diferenças, haja vista a pluralidade de experiências desenvolvidas, a partir de

diferentes movimentos sociais, queremos retomar o reconhecimento das diferenças na luta

pela igualdade, o que, para Cunha (2004b, p. 6), significa “agir diferenciadamente para cada

situação a partir da leitura da cultura e das condições de produção do conhecimento que se

estabelece entre professor e seus estudantes”. Entendemos que esta discussão refere­se à

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forma como vem sendo introduzida na educação a perspectiva de professor de sucesso a partir

de parâmetros que não parecem compatíveis com o exercício da docência, uma vez que sua

função, diferente do que se costuma imaginar, não tem como elemento fundamental a lógica

organizacional dos conteúdos, ou seja, não se circunscreve “a ensinar um corpo de

conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e cultura, especialmente pelo valor

intrínseco que os mesmos representam”. Parafraseando Tardif (2000), Cunha deixa este

enfoque mais claro, ao se reportar ao conflito da ética que contagia a maioria dos setores

sociais, destacando que os conflitos de valores se instalam com maior intensidade nas

profissões que têm como “objetos de trabalho” os seres humanos, a exemplo do magistério,

diferente de outras profissões. Com a lucidez que lhe é peculiar no trato de questões

relacionadas à docência e formação de professores, a autora levanta questionamentos

possíveis de serem enfrentados pelos professores, na prática cotidiana do ensino superior:

Em que medida consigo atender as expectativas de meus alunos? Como compatibilizá­las com as exigências institucionais? Como motivar meus alunos para as aprendizagens que extrapolam o utilitarismo pragmático que está em seus imaginários? Como trabalhar com turmas heterogêneas e respeitar as diferenças? Que alternativas há para compatibilizar as novas tecnologias com a reflexão ética? De que maneira alio ensino e pesquisa? Que competências preciso ter para interpretar os fatos cotidianos e articulá­los com meu conteúdo? Como enfrento o desafio da interdisciplinaridade? Continuo preocupado com o cumprimento do programa de ensino mesmo que os alunos não demonstrem interesse/prontidão para o mesmo? Como, em contrapartida, garanto conhecimentos que lhes permitam percorrer a trajetória prevista pelo currículo? Tem sentido colocar energias em novas alternativas de ensinar e aprender? Como fugir de avaliações prescritivas e classificatórias e, ao mesmo tempo, manter o rigor no meu trabalho? Como posso contribuir para propostas curriculares inovadoras? (CUNHA, 2004b, p. 10).

Compreendendo, como a autora, que estas questões focalizam a natureza pedagógica

da docência, e não as especificidades dos conteúdos, de nossa parte questionamos se a

discussão em torno da formação dos professores da Educação Profissional e Tecnológica, para

o momento atual, deve se deter diante do impasse gerado pela dificuldade de se enfrentarem

problemas relacionados às especificidades dos cursos (apontados como restritivos de

definição de políticas de formação de professores), ou se seria o caso de se darem os

primeiros passos para a construção de uma base comum nacional para a formação dos

profissionais da educação, enfrentando, assim, muitas questões pertinentes à Educação

Superior, à cidadania dos sujeitos educativos e a mudanças sociais que há muito se deseja ver

em andamento, mesmo que sejam resguardadas as especificidades dos vários âmbitos da

docência. Entende­se como base comum, nos termos adotados pela ANFOPE (2000, p. 27)

que toma como princípio orientador da formação dos profissionais da educação, não um

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“‘currículo mínimo’, e sim como uma concepção básica de formação que orienta a definição

de conhecimentos fundamentais para o trabalho pedagógico, da articulação da teoria e prática,

e das relações entre educação e sociedade”.

Essa ideia que vem mobilizando educadores e profissionais comprometidos com a

formação de professores, aparentemente, de simples compreensão, fica mais bem

compreendida nos termos adotados por Aguiar e Melo (2005, p. 976), quando explicam que a

perspectiva de base comum nacional contempla quatro dimensões básicas, a saber:

epistemológica, profissional, humana e política. Essa base intenciona permear amplamente as práticas curriculares universitárias formativas, na perspectiva de formar um perfil de profissional da educação comum, até certo sentido, uma vez que são resguardadas as especificidades dos diversos níveis e modalidade de ensino. Nesse entendimento, leva em consideração as sobredeterminações políticas, socioeconômicas, culturais, científicas de um dado contexto histórico e as subjetividades individuais e coletivas dos sujeitos que estão envolvidos no processo educacional. Em particular, enfatiza um vínculo orgânico e dinâmico com a realidade da escola básica e a realidade não escolar e, também, com o debate nacional crítico, acerca da educação, pedagogia e docência, sob o aporte das ciências sociais e humanas.

Concordando que a base comum em favor da qual lutam a ANFOPE e as autoras

acima mencionadas não exclui a docência na Educação Superior em Tecnologia, entendemos

que as ponderações de Kuenzer (2008), ao mesmo tempo em que adverte para a necessidade

de se pensar as especificidades na formação de professores de Graduação em Tecnologia, o

que nos parece compreensível, confirmam as inevitáveis contradições presentes nas

discussões em torno dessa modalidade acadêmica, não constituindo, porém, uma

especificidade desse campo da docência. Entretanto, compreendemos que todos os cursos de

graduação têm como uma de suas funções preparar pessoas para atividades profissionais e, em

função disto, podem ser caracterizados como especificidades profissionais que requerem um

objeto de conhecimento (a ser ensinado­aprendido). Isto significa dizer que, enquanto

especificidades (partes), também têm suas peculiaridades que necessitam ser desveladas,

compreendidas, explicadas e transformadas, a fim de que se possa ir além delas, alcançando o

todo, em sua plenitude. Nas ponderações de Cunha (2004b, p. 10):

[...] os impasses que os professores enfrentam cada vez menos dizem respeito ao domínio do conteúdo de suas matérias de ensino, ainda que reconheçam nele uma condição fundamental de seu trabalho. Os desafios atuais da docência universitária parecem estar requerendo saberes que até então representam baixo prestígio acadêmico no cenário das políticas globalizadas, porque extrapolam a possibilidade de quantificar produtos.

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Com isto, queremos reafirmar que reforçar a existência de dois segmentos

educacionais (formação profissional e formação acadêmica) 26 – além de fortalecer o

comportamento imobilizante que reforça “impossibilidades­dificuldades” de se preparar

professores que desempenhem suas funções no âmbito da Educação Profissional e

Tecnológica (em seus vários níveis e segmentos) – abre maior espaço para o pensamento

dominante de extensão mundial. Em função do exposto, fazemos nossas as palavras de

Ciavatta (2005, p. 92­93):

Este sentido transcendente da educação como capacidade de conhecer e de atuar, de transformar e de ressignificar a realidade, pode estar presente na negativa secular da educação do povo na sociedade brasileira, sempre escamoteada, por um meio ou outro, na sua universalização. E pode estar também no dualismo alimentado de diversas formas, inclusive, na concepção de cultura, na segmentação dos currículos, separando formação geral da formação profissional, cerceando a integração do conhecimento que embasa a técnica e as tecnologias, sedimentando uma política curricular equivocada do ponto de vista da educação omnilateral.

Esta discussão conduz a outros questionamentos em torno da Educação Superior,

carentes de discussão aprofundada: a formação de professores para os cursos de Bacharelado

e de Licenciatura deve se abster da significativa compreensão das atividades humanas de

produção, do domínio de conhecimentos técnico­científicos e tecnológicos relacionados às

especificidades de cada profissão (matemática, artes, física, história)? Em caso afirmativo,

qual seria a razão do aparente silenciamento destas necessidades, visto que é explícita a

distinção entre Bacharéis, Licenciados e Tecnólogos?

Consequentemente, o caráter científico que, nas últimas décadas, vem sendo atribuído

à pedagogia, supera a possibilidade de a mesma ainda ficar circunscrita à dimensão da prática

educativa, enquanto a formação das especificidades fica restrita às faculdades especializadas.

Para Saviani (2008, p. 155) esta controvérsia tem sua origem em dois modelos de formação de

professores: “o domínio dos conteúdos que serão objeto do processo educativo, e o domínio

das formas por meio das quais se realiza o referido processo [...]”, dando origem a dois

modelos de educação, “modelo dos conteúdos culturais cognitivos” [correspondendo ao polo

teórico] e o “modelo pedagógico­didático” [correspondendo ao polo prático], separando, desta

maneira, conteúdo e forma. Segundo esse pesquisador, no Brasil, esta forma de conceber a

educação levou a se destinar às faculdades específicas a responsabilidade de tratar do domínio

26 Tal como ainda ocorre (por vezes de forma dissimulada), com a dicotomia entre Educação Propedêutica (EP), que permite e contribui para o desdobramento posterior de uma área de conhecimento, e Educação Profissionalizante (EP), destinada à preparação de trabalhadores que irão atuar em postos intermediários da cadeia produtiva e/ou “chão” da empresa.

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dos conteúdos específicos, e às faculdades de educação competia o preparo pedagógico­

didático. No sentido de superar essas controvérsias, Saviani (2007, p. 130) encaminha a

discussão, sugerindo que, se a educação tiver a história como eixo norteador da organização

curricular “e a escola como lócus privilegiado para o conhecimento do modo pelo qual se

realiza o trabalho educativo, será possível articular, num só processo, unificado, a formação

dos novos pedagogos em suas várias modalidades”. Dessa maneira, também seria possível a

formação para o exercício da docência e a formação para as atividades de gestão.

Sintetizando, o autor propõe como alternativa de solução para uma celeuma que vem se

estendendo há mais de trinta anos, sem perspectiva de solução, que, ao invés de nutrirmos

discordâncias entre correntes pedagógicas, especialmente entre o que vem sendo,

convencionalmente estabelecido como tradicional e renovada, “cabe aceitar o convite para

entrar na fase clássica, que é aquela em que já se deu uma depuração, ocorrendo a superação

dos elementos da conjuntura polêmica com a recuperação daquilo que tem caráter permanente

porque resistiu aos embates do tempo” (SAVIANI, 2008, p. 150).

Nesse conjunto de elementos em que se fazem presentes questões de várias naturezas

(político­pedagógica, culturais, ideológicos, institucionais, trajetórias pessoais de professores

e alunos, etc.), a docência necessita ser vivenciada, em qualquer nível ou modalidade,

enquanto práxis educativa, que neste trabalho é compreendida a partir das reflexões de

Vázquez (2007, p. 109): “a relação entre teoria e práxis é [...] teórica e prática; prática, na

medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem [...], teórica, na

medida em que essa relação é consciente”. Entendemos a sua função em favor da totalidade

humana em constantes interações (entre agentes, entre estes e os diversos campos sociais, bem

como com o ecossistema), não negando, mas compreendendo e intervindo positivamente nas

especificidades e dicotomias.

Com todas as injunções que a ética, normas e requisitos básicos inerentes à produção

intelectual nos permitem, ousamos fazer uma inserção na passagem a seguir, na qual a

professora Machado atribui aos professores da Educação Profissional alguns desafios. Damos

esse realce para advertir que, sob o nosso entendimento, esses desafios primorosamente

relacionados não estão circunscritos aos professores da Educação Profissional, mas estendem­

se os todos os educadores: [os professores, em geral] enfrentam novos desafios relacionados às mudanças organizacionais que afetam as relações profissionais, aos efeitos das inovações tecnológicas sobre as atividades de trabalho e culturas profissionais, ao novo papel que os sistemas simbólicos desempenham na estruturação do mundo do trabalho, ao aumento das exigências de qualidade na produção e nos serviços, à exigência de maior atenção à justiça social, às questões éticas e de sustentabilidade ambiental.

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São novas demandas à construção e reestruturação dos saberes e conhecimentos fundamentais à análise, reflexão e intervenções críticas e criativas na atividade de trabalho (MACHADO, 2008, p. 15, inserção nossa).

Indo além da discussão em torno das especificidades, a Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) defende uma base comum nacional para

a formação de professores, ao mesmo tempo em que reafirma a importância de se inserir a

temática da formação do educador em uma política educacional global, que contemple o tripé:

formação básica, condições de trabalho e formação continuada como condição de melhoria da

qualidade do ensino. Defendemos, com a ANFOPE, a perspectiva também ratificada por

Machado (2008, p. 15) que os desafios da formação de professores podem ser superados,

desde que se assegure uma

[...] ampla e massiva política que leve à consolidação de um sistema nacional de formação docente, que inclua a modalidade inicial, a continuada, as necessárias articulações entre formação inicial e continuada, bem como estratégias de formação de formadores. O que se requer é a inclusão das demandas de formação de professores para a educação profissional no bojo desta discussão, preservando­se o caráter unitário deste sistema nacional de formação docente, evitando­se dar continuidade à fragmentação das políticas.

Da mesma forma, das primeiras aproximações com o objeto de estudo, temos como

indicativo a vinculação entre os discursos de âmbito internacional e a Política de Educação

Superior em sua atual configuração. Da mesma forma, permitem identificar expressões de sua

materialidade discursiva da Política de Educação Superior de Tecnologia, no Parecer CNE/CP

n. 29/2002, que institui as DCNG/CST. Temos presente que se trata de uma produção

intertextual polissêmica e/ou híbrida que reúne diferentes matrizes epistemológicas, fato esse

que não se dá por acaso. Tomando como referência elementos presentes no contexto da

produção do discurso pedagógico oficial passamos a analisar a política de Educação Superior

de Tecnologia e, consequentemente, as DCNG/CST no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO IV O DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL

[...] ‘a interpretação deve inaugurar novos sentidos, pois ela promove novas informações graças aos elementos de confirmação ou não das perguntas iniciais [...]’. O corpus constitui uma materialidade discursiva onde os sentidos se reúnem e se dispersam, onde se realiza o jogo interminável da língua.

(MARQUEZAN, 2009)

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153

4 O DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL

artindo da linha de considerações apresentada até aqui, para seguir pensando,

explicitamente, no jogo das relações de poder e ideologia em que foram

arquitetadas a “produção, distribuição e consumo” do controvertido discurso

da Educação Superior de Tecnologia, consideramo­nos habilitados a reforçar que o discurso

pedagógico oficial vai além da ação pedagógica nas IES e assume papel “importante na

constituição e reprodução das relações de poder e identidade social” (FAIRCLOUGH, 2001b,

p. 40).

Após traçarmos, nos capítulos anteriores, uma visão geral dos referentes do objeto de

estudo e dos balizadores de compreensão da Política de Educação Superior de Tecnologia e

suas implicações na constituição da docência nos Cursos de Graduação de Tecnologia, neste

capítulo buscamos analisar expressões inter­relacionadas de materialidade discursiva, de

âmbito nacional. Esta discussão está intimamente vinculada às bases conceituais e às relações

ideológicas e de poder que incidem no discurso político nacional de perspectiva pedagógica,

bem como às Instituições de Ensino Superior, onde a docência adquire materialidade.

Com base na ACD esperamos avançar na perspectiva de consecução dos objetivos

propostos e questionamentos formulados especificamente no que se refere às bases

epistemológicas que fundamentam os discursos da Política de Educação Superior de

Tecnologia, de maneira que seja possível o desvelamento da hipótese formulada. Mantemos

presente o entendimento de que objeto de estudo caracteriza­se como um fenômeno

sociocultural sob a influência de uma prática discursiva que mantém interlocução com várias

outras. Portanto, embora componham um todo, cada evento discursivo que compõe a política

em discussão “tem três dimensões ou facetas: é um texto falado ou escrito, é uma instância de

prática discursiva envolvendo a produção e a interpretação do texto, e é uma amostra da

prática social” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35).

P

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4.1. Políticas para a Educação Superior: a dualidade histórica sob o manto da qualidade

e expansão

O desenvolvimento desta seção parte do entendimento de que é importante colocar em

pauta o papel das universidades enquanto lócus privilegiado de reflexão crítica, de produção e

difusão de conhecimentos, bem como de formação docente. Inscrevem­se nesta discussão as

crises pelas quais tem passado essa instituição (de hegemonia, legitimidade e

institucionalidade), assunto bastante discutido por vários autores, a exemplo de Santos, S.

(2010) e Chauí (2008), o que dispensa maiores aprofundamentos.

Para este estudo, destacamos a crise de hegemonia decorrente das contradições entre

as tradicionais funções da universidade clássica, formadora de elites e detentora de saberes

científicos inquestionáveis, em contraposição às novas demandas de formação de mão­de­

obra para atender às demandas do capital. Conforme relata Santos, S. (2010), durante muitos

anos a universidade se manteve inflexível às pressões externas, mantendo a rigidez da

organização e da sua função. A não disposição da universidade em atender aos requisitos das

demandas sociais contemporâneas levou o Estado a buscar alternativas fora da universidade,

promovendo, dessa forma, a entrada de outras instituições de ensino superior. Tal

posicionamento favoreceu a quebra de hegemonia dessa instituição milenar. Essa tensão,

também denominada por Santos, S. (2010) como crise do paradigma da racionalidade

científica, abalou a crença na universidade como centro de produção e difusão do saber.

No quadro das intervenções, o Estado brasileiro “decidiu reduzir o seu compromisso

político com as universidades e com a educação em geral, convertendo esta num bem que,

sendo público, não tem de ser exclusivamente assegurado pelo Estado [...]” (SANTOS, S.,

2010, p. 16). Essa forma de condução trouxe como consequência o que esse autor denomina

de crise institucional, que tem entre suas determinações a descapitalização das universidades

públicas e o incentivo à entrada de capital privado no “mercado do ensino superior”, cujas

consequências, no Brasil, foram nefastas para a sociedade e para o país, conforme já nos

referimos em enfoques relacionados à ampliação do acesso ao ensino superior. Essas

mudanças trouxeram repercussão para a docência universitária 27 .

As pressões externas, bem como as injunções do Estado brasileiro em conferir vigor à

Educação Superior de Tecnologia, favoreceram a irrupção de novas IES privadas e,

27 Em se tratando de um assunto que pressupõe outras variáveis não tratadas neste estudo, sugerimos a leitura, entre outros, de Santos, S. Boaventura de: A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade, 2010 (Questões da nossa época, v. 11).

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consequentemente, refletiu no aumento de cursos, turmas e alunos, o que veio a incidir sobre

a necessidade de mais professores. Tal situação desencadeou problemas de diversas ordens,

entre os quais aqueles relacionados à organização e à gestão das IES a um modelo de

educação dual que se estendeu ao nível superior, à fragmentação das identidades sociais, ao

exercício da docência e, por conseguinte, ampliou um problema crônico nesse nível de

educação: a histórica necessidade de se investir na formação docente, interesse que vem se

tornando recursivo em vários debates sociais. Dessa forma, educação e formação continuada

de professores retornam à agenda do governo como requisitos para a formação dos

trabalhadores e consequente desenvolvimento da economia do Estado Nacional.

O apelo social de acesso ao ensino superior – enquanto direito de todos e bem público

de que falam a Declaração Universal dos Direitos Humanos 28 e a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 –, ao que tudo indica, está longe de acontecer, se considerarmos

os marcos até agora erguidos. Entre as iniciativas apresentadas para a expansão, os Cursos

Superiores de Tecnologia destacam­se como os de maior projeção, conquanto a LBD

9.394/96, em seu Art. 10, assinale que os cursos de nível superior que integram a Educação

Profissional de nível tecnológico “deverão ser estruturados para atender aos diversos setores

da economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de Tecnólogo”.

Embora o discurso oficial justifique essa iniciativa como valorização da Educação

Profissional, aponta para a reconfiguração dos Cursos Superiores de Tecnologia como

mecanismo de expansão da Educação Superior em resposta a pressões sociais, bem como para

atendimento a demandas pontuais relacionadas a segmentos produtivos emergentes, em

consonância com as exigências dos acordos internacionais assumidos em função do

desenvolvimento econômico do país.

Uma expressão da materialidade das relações ideológicas e de poder implícitas no

campo da discursividade nacional relacionada à Política de Educação Superior de Tecnologia

pode ser observada na configuração da Educação Superior, composta por cursos de

Graduação, Cursos Sequenciais, Cursos de Extensão e Pós­graduação Stricto Sensu e Lato Sensu. No que se refere à graduação, é composta das modalidades de Bacharelado, Licenciatura e Tecnologia. Ainda fazem parte da Educação Superior os cursos Sequenciais

(divididos em Formação Específica e Complementação) 29 . Para melhor visualização,

28 Documento básico da Organização das Nações Unidas (ONU), que serve de parâmetro para todos os povos. Respeitada a autonomia e liberdade inerentes às nações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos continua sendo uma referência na salvaguarda da dignidade e dos direitos sociais, políticos, econômicos, bem como no campo das relações de trabalho e educação. 29 Mais informações, consultar:

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apresentamos, em seguida, uma figura representativa da estrutura organizacional da Educação

Superior, no Brasil.

Figura 04 ­ Organização da Educação Superior no Brasil

Embora não se configurem como graduação, nem tampouco como Educação

Profissional, os cursos sequenciais possuem duração de dois anos, podem conferir o diploma

de nível superior, definidos por “campo do saber”, e são direcionados para o mercado de

trabalho. Diferentemente, os cursos de graduação são oferecidos por área do conhecimento e

os cursos de tecnologia, por eixos tecnológicos. Por sua vez, os cursos de Extensão possuem

caráter social, podem ser cursados a qualquer momento, devem ser ofertados por IES, mas

não possuem habilitação nem valor acadêmico.

Essa estrutura e organização dispõem de vários documentos normativos 30 , aos quais

nos reportaremos quando melhor convier. O MEC, como órgão normativo, ainda na gestão

FHC, instituiu a Secretaria de Educação Superior (SESu), com a finalidade de planejar,

orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e implementação da Política

Nacional de Educação Superior.

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14384#curso_sequenciais 30 Neste estudo fazemos uso da LDB 9.394/96 e, mais especificamente, do Parecer CNE/CES 436/2001, que dá origem às Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico CNE/CP, 2002. Recorreremos a outros textos oficiais em condições específicas. Disponíveis em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 25 mar. 2009.

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Entretanto, é na complementação da arquitetura desse nível de escolarização que está

a força da mensagem que ora buscamos interpretar. A política da Educação Superior, ao

segmentar a Educação Profissional e Tecnológica como um percurso paralelo, permite

presumir a existência de dois segmentos distintos no nível superior. Esse entendimento é

fortalecido pelo MEC, ao vincular os Cursos Superiores de Tecnologia à Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica (Setec), a quem compete, entre outras finalidades:

planejar, orientar, coordenar e supervisionar os processos de formulação e implementação da

política da Educação Profissional e Tecnológica; promover ações de fomento ao

fortalecimento, à expansão e à melhoria da qualidade da educação profissional e tecnológica,

e zelar pelo cumprimento da legislação educacional no âmbito dessa modalidade de educação.

Acrescente­se que, a despeito de mudanças ocorridas no país, no que se refere à

transição de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso para o presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, sendo este último legitimado como representante dos trabalhadores brasileiros,

nos oito anos de seu mandato (2003­2010), o quadro antes apresentado permaneceu sem

grandes intervenções, conforme sinaliza a organização da Educação Profissional e

Tecnológica ainda vigente no país.

Figura 05 ­ Organização da Educação Profissional e Tecnológica

Fonte: Elaboração da Autora.

Apresentados pelo Ministério da Educação (MEC) como meio de ampliação do acesso

ao nível superior e como “uma das principais respostas do setor educacional às necessidades e

demandas da sociedade brasileira – uma vez que o progresso tecnológico vem causando

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profundas alterações nos modos de produção, na distribuição da força de trabalho e na sua

qualificação” (BRASIL, 2001, p. 7) –, esse discurso indica que a educação mantém­se

curvada ao fetichismo tecnológico e “à lógica de uma economia do conhecimento global, feita

para se ajustar à ideologia política do neoliberalismo” (FAIRCLOUGH, 2006). Da mesma

forma, além da ampliação do atendimento por meio dos Cursos Superiores de Tecnologia, em

que as IES privadas se destacam com maiores protagonistas, as orientações curriculares

indicam caminhar no sentido da conservação da ordem social vigente, na qual ainda se faz

presente a dualidade da educação, ao mesmo tempo em que indica uma reprodução da

segmentação de classe social.

No âmbito do ensino médio, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) também apontam

como dualismo a reestruturação que formalmente divide, de um lado, “a Secretaria de

Educação Básica e, de outro, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Ambas

com responsabilidades sobre Ensino Médio” (FRIGOTT; CIAVATTA; RAMOS, 2006, p.

43). O mesmo ocorre com a Graduação em Tecnologia, com uma Secretaria responsável pela

Educação Profissional e Tecnológica e outra regulamenta a Educação Superior, embora a

Graduação em Tecnologia seja identificada como Educação Superior.

Outros discursos marcam a reforma da Educação Superior. A título de ilustração, entre

os últimos programas destinados à Educação Superior estão a Universidade para Todos

(ProUni); Reestruturação e Expansão das Universidades Federais do país (REUNI); Sistema

Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) e regulamentações relacionadas à

Educação Profissional, os quais, posteriormente, passaram a compor o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), embora a produção dos mesmos tenha antecedido à sua

institucionalização.

Apesar de serem apontadas muitas controvérsias, há que se considerar que o PDE –

nomeado pelo governo federal como uma das maiores expressões do compromisso com a

educação brasileira – apresenta propósitos que indicam ir além do que fizeram outras políticas

implantadas no país de educação até o momento, a exemplo do Plano Nacional de Educação

(PNE, Lei nº 10.172/2001) 31 , que priorizou o estabelecimento de metas sem indicação das

formas de gestão e de financiamento das mesmas. Esse entendimento é ratificado por

educadores e órgãos representativos dos trabalhadores em educação, a exemplo da

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Ademais, contexto político

era bastante favorável à reformulação do projeto de Estado e de educação. Além disso, por

31 O Plano Nacional de Educação, aprovado por meio da Lei nº 10.172/2001, tinha vigência para 2001/2009.

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diversas razões, o PDE também foi visto como arbitrário por alguns e não legitimado por

outros e desconhecido de muitos professores.

Alguns elementos parecem importantes para a compreensão da relação texto­contexto.

O PDE anuncia como razão de ser “enfrentar estruturalmente a desigualdade de oportunidades

educacionais” (PDE, p. 6). Ao pensar a Educação Superior, o plano justifica estar balizado em

cinco princípios considerados intercomplementares: 1) expansão da oferta de vagas; 2)

garantia de qualidade; 3) promoção de inclusão social pela educação; 4) ordenação territorial,

permitindo que ensino de qualidade seja acessível às regiões mais remotas do País, e 5)

desenvolvimento econômico e social, fazendo desse nível de educação elemento

imprescindível à produção científico­tecnológica, isto é, elemento­chave da integração e da

formação da Nação. Expressão da política de educação do governo Lula da Silva, o PDE

configura­se como um conjunto de programas que, embora não se apresentem como estratégia

de cumprimento de metas do PNE, “traduzem continuidade e mudanças nos eixos das

políticas governamentais envolvendo os governos FHC e Lula, e que, por sua vez, tem

impacto nas diretrizes e metas do Plano, ainda que este não seja a referência básica a essas

políticas [...]” (DOURADO, 2011, p. 38). Assim sendo, o PDE indica ser uma

intertextualidade, fato este perfeitamente compreensível.

Sobre o PDE, a CNTE 32 reconhece sua positividade, entre outras coisas, ao priorizar a

alfabetização, abrir linha de crédito com juros abaixo do mercado para aquisição de transporte

escolar (público e privado), a expansão dos Institutos Federais de Educação Superior (IFES),

por meio de novos centros universitários, ao eleger programas voltados para instalações e

materiais pedagógicos destinados à maioria das escolas públicas. Entre suas ressalvas foi

destacado o fato de o plano não apresentar pressupostos considerados indispensáveis a

mudanças do padrão de qualidade e à concepção educacional, visto que se encontra alicerçado

“no atual sistema de organização educacional que se caracteriza pelo elevado grau de

autonomia das três esferas de governo e pela descentralização das políticas educacionais”

(CNTE, 2007, p. 7). Também para esta confederação,

o PDE parece limitar­se a uma visão meritória voltada aos princípios da “premiação por resultados” , muito questionada por abolir o caráter universal das políticas públicas e por impor prejuízos aos que se apresentam em pior situação no ranking escolar. Propõe­se a seguir a lógica da avaliação em massa com variáveis restritas e incapazes de aferir com eficácia, coerência e isenção os resultados da prática educacional, o que dá margem a uma grave inversão de perspectiva da solidariedade

32 Disponível na página da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE): Disponível em http://www.cnte.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=701&Itemid=146 Acesso em 2/06/2008.

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entre escolas e redes pela competição entre as mesmas (CNTE, 2007, p. 2, destaque no original).

Sinalizando imparcialidade em suas análises, a CNTE não se eximiu em apontar

elementos importantes do PDE que necessitam ser redirecionados ou alterados, assim como

incluídos, mas confirmam o nosso entendimento de que as políticas educacionais brasileiras

“foram quase todas concebidas (reformuladas) dentro de um ambiente político neoliberal”. Da

mesma forma demonstra:

[...] contrariedade e disposição em alterar os princípios contidos no Plano, que implicam em drenagem de recursos públicos a programas de instituições/redes de natureza privada; incentivo à concepção mercadológica de ensino; preterimento do controle de recursos públicos pelos agentes públicos; possibilidade de expansão de convênios nas áreas de creche e educação especial em substituição à oferta pública de educação; submissão à lógica de avaliação meritória e por ranking, dentre outras questões (CNTE, 2007, p. 3­4).

Nos termos analisados, o PDE apresenta sinais de ajustar­se à tendência discursiva de

comodificação do discurso, colonizado pelo modelo de empresa privada, o que em Ball

(2004) significa a disseminação da cultura performativa que utiliza os mecanismos de

premiação como meio de projetar perfis ou performances adequadas

De forma mais contundente, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de

Ensino Superior (ANDES­SN, 2007) chama a atenção para o fato de o governo federal – sob

o argumento de que as universidades que desempenham as atividades de ensino, pesquisa e

extensão exigirem altos investimentos –, ao utilizar a evidente necessidade de democratizar o

acesso ao ensino universitário, atende aos interesses do mercado (Lei de Inovação

Tecnológica ­ nº 10.973, de 02/12/2004), propondo, por meio de cursos de curta duração, “um

ensino ‘pobre para os pobres’, com ênfase na formação do cidadão trabalhador, para a

sociedade do desemprego, na qual as relações de trabalho estão cada vez mais precarizadas”

(ANDES­SN, 2007, p. 10). Utilizando como enunciado de capa, em letras garrafais, a frase

“PDE ­ O plano de desestruturação da educação superior”, toda a argumentação do ANDES­

SN expressa grande insatisfação em relação a programas voltados para o ensino superior.

As ponderações do professor Dermeval Saviani 33 permitem, de modo esclarecedor,

sintetizar as ideias centrais do PDE. Vistas como válidas, as restrições desse educador vão

33 Fonte: "Em entrevista ao Sinpro, Dermeval Saviani analisa o PDE”. Trata­se de uma entrevista concedida ao Sindicato dos Professores da rede privada (SINPRO) Expressão Sindical – Sinpro/Guarulhos. Publicado em 17/09/07. Disponível em: < http://www.vermelho.org.br/rs/noticia.php?id_noticia=23856&id_secao=8>. Acesso em: 26 out. 2008.

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desde as questões do financiamento, que têm por base de sustentação o Fundo de

Desenvolvimento de Educação (FUNDEB), passam pelas condições de trabalho, ao não

contemplar a jornada diária em um mesmo estabelecimento de ensino, e chegam à formação

docente para a qual se recorre à Universidade Aberta do Brasil (UAB), oferecendo cursos a

distância, de formação inicial e continuada de professores. Mesmo reconhecendo a

importância dessa metodologia, ao ser adotada como base, corre­se o risco de ser convertida

em meio de certificação, mais do que de qualificação, visto que a sobreposição da qualidade

requer “cursos regulares, de longa duração, ministrados em instituições sólidas e organizadas,

preferencialmente, na forma de universidades” (SAVIANI, 2007). E, mesmo reconhecendo o

esforço do MEC, no sentido de se buscar resolver questões básicas relativas à qualidade do

ensino, na abalizada visão deste educador:

[...] a lógica de base não foi alterada, mesmo porque ela decorre de uma política econômica que o governo Lula continuou. Tanto assim que o PDE foi proposto em sintonia com o grupo de empresários que lançou, em setembro de 2006, o Compromisso Todos pela Educação. Portanto, ainda que os PCNs não integrem o arsenal dos recursos de política educativa do atual ministro, a lógica subjacente a eles é a mesma que sustenta o PDE (SAVIANI, 2007, p. 2007).

Os pontos de vistas apresentados parecem significativos e expressivos das

inquietações e questionamentos em torno do PDE. Para este trabalho damos destaque ao

PROUNI, criado pelo governo federal, em setembro de 2004, com a finalidade de auxiliar

estudantes de baixa renda sem Educação Superior e que desejam cursar este nível de ensino.

A Medida Provisória (MP) nº 213 que instituiu o PROUNI foi regulamentada pelo Decreto nº

5.245/2004. Em outubro de 2004 foi editada a Portaria nº 3.268, que indica procedimentos

para adesão das IES privadas ao mencionado programa, que, em janeiro de 2005, foi

transformado na Lei nº 11.096/05, sendo, a cada ano, reajustadas as condições de adesão das

IES ao programa.

Dentre outras especificidades, o PROUNI permite a adesão de IES privadas (com ou

sem fins lucrativos) a quem compete a oferta de bolsas de estudos em troca da isenção de

Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da

Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e da Contribuição para o

Programa de Integração Social. O projeto inicial fixou que 10% das vagas pagas nas

universidades deveriam ser reservadas para o PROUNI. Ocorre que os donos de IES,

prevendo a possibilidade de baixas em seus lucros, com a intermediação de parlamentares,

fecharam um acordo com o governo federal, que baixou em 8,5% a reserva de vagas para o

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PROUNI. Como era de se esperar, a reação de segmentos sociais (sindicatos, organizações de

professores, etc.) deu sinais de indignação, por considerarem que as iniciativas do governo

federal não sinalizavam interesse, entre outras coisas, em romper com o incentivo à iniciativa

privada que atua no ensino superior, visto que os benefícios fiscais concedidos decorrem da

retirada de recursos essenciais ao setor público. O sentimento de perda é bastante coerente

quando somamos os recursos destinados ao Programa de Financiamento Estudantil (FIES) 34 .

Com esses investimentos presume­se que seria possível um maior crescimento de vagas nas

universidades públicas. Acrescente­se a questionável qualidade de algumas instituições

privadas beneficiadas. Na visão de Frigotto (2011, p. 247), O PROUNI instituiu mais de 700

mil vagas para jovens. Entretanto, essa inclusão deu­se “incorporando, ainda que de forma

enviesada, a tese conservadora de Milton Friedman que, no final da década de 1950, defendia

que o Estado desse aos mais pobres um voucher ou uma carta de crédito para escolherem onde queriam estudar”.

Em função das pressões sociais, algumas alterações vão sendo, gradativamente,

efetivadas. Esses financiamentos passaram a estar condicionados aos resultados obtidos pelas

IES, por meio da avaliação prevista no SINAES 35 , cujo resultado geral não deve ser inferior a

3, em uma escala que vai de 1 a 5.

Também voltado para o ensino superior, o REUNI 36 adquire realce em função das

grandes finalidades propagadas. Criado por meio do Decreto nº 6.096, de 24/04/2007, e com

vigência prevista até 2018, tem como objetivo: criar condições favoráveis: 1. à ampliação do

acesso e permanência na Educação Superior (graduação); 2. ao aumento da qualidade dos

cursos; 3. ao melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas

universidades federais, respeitadas as características particulares de cada instituição e

estimulada a diversidade do sistema de ensino superior. Tem como meta, em dez anos:

34 Criado em 1999 para substituir o Programa de Crédito Educativo (PCE/CREDUC), o FIES objetiva “financiar, prioritariamente, a graduação no Ensino Superior de estudantes que não tem condições de arcar com os custos de sua formação e estejam regularmente matriculados em instituições não gratuitas, cadastradas no Programa e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC”. Cumprida esta finalidade e havendo disponibilidade de recursos e autorização do FNDE (Agente Operador do Programa), o FIES poderá financiar cursos de mestrado e doutorado e cursos técnicos de nível médio. Mais informações, ver: http://www3.caixa.gov.br/fies/ Acesso em 26/05/2010. 35 Instituído pela Lei n. 10.861, de 14/4/2004 e regulamentada pela Portaria n.º 2.051, de 9/7/2004, disponível: http://webproplan.uff.br/catalogo/legisla/20040709PortMEC2051.pdf que foi revogada pelo Decreto 5.773 de 9/5/2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004­2006/2006/Decreto/D5773.htm#art79 Este Decreto foi alterado pelo de nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007­2010/2007/Decreto/D6303.htm#art2 Acesso em 16/04/2009. 36 O plano contempla, além do aumento de vagas, medidas como a ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à evasão. Mais informações estão disponíveis em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12261&Itemid=502>. Acesso em: 26 abr. 2009.

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duplicar o número de alunos(as) matriculados nos cursos de graduação; elevar para 90% a

taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais; elevar, de forma gradual, a

relação aluno(a)/professor(a) de 10 para 18 alunos(as) por professor(a); aumentar, no mínimo,

em 20% as matrículas de graduação. Propõe, ainda: o aumento do número de docentes e

preenchimento das vagas existentes; a concessão das bolsas para mestrado e doutorado, em

parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

além de estabelecer seis diretrizes para o projeto 37 .

Entre os pontos considerados mais polêmicos do plano REUNI, um encontra­se na

nota de rodapé nº 1 de suas Diretrizes (BRASIL, 2007, p. 4), que justifica que a relação

quantitativa (aluno/professor) de 18 estudantes por professor(a) está baseada no Art. 57 da

LDB 9.394/1996, constando a seguinte complementação: “no que se refere à carga horária dos

professores [...], estimando­se salas de aulas com 45 alunos(as) de graduação e uma carga

horária discente de aproximadamente vinte horas semanais”. Entretanto, diferente do

anunciado, o referido Art. 57 da LDB está assim redigido: “nas instituições públicas de

educação superior, o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas semanais de aulas”.

Por sua vez, no Decreto nº 5.773 de 09/05/2006, que, entre outras coisas, dispõe sobre o

exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de IES e cursos superiores de

graduação e sequenciais, em seu Parágrafo Único do Art. 69, está previsto que o trabalho

docente, em tempo integral, compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho

na mesma instituição, nele reservado o tempo de, pelo menos, vinte horas semanais para

estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.

Se considerarmos a previsão do dobro de alunos(as), conforme prevê o Plano REUNI,

diferente do que consta no seu enunciado, também deveria ser duplicado o número de

professores(as). Acrescente­se o fato de, no seu Art. 3º, § 3º, constar que “o atendimento dos

planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação”.

Essa restrição demonstra a sua vulnerabilidade no âmbito universitário, visto que, até os dias

atuais, a falta de recursos sempre foi argumento, no âmbito governamental, para justificar

maior investimento do Estado na educação brasileira. Acrescente­se ainda que, ao invés de

priorizar a qualidade, ampliando o número de professores, o governo federal sinaliza para o

interesse em valorizar dados estatísticos, sinalizando, mais uma vez, o atendimento a

exigências de agências financiadoras internacionais.

37 Ver Decreto nº 6.096, de 24/04/2007, que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais ­ REUNI. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007­2010/2007/decreto/d6096.htm>. Acesso em 16 abr. 2009.

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Embora o REUNI tenha ampliado significativamente, o aumento no atendimento, em

contrapartidos, sob o ponto de vista de Frigotto (2011):

[...] estabelece a desestruturação da carreira docente, conquistada duramente, aumenta o trabalho precário e, sobretudo, impõe uma brutal e, em muitos casos, insuportável intensificação da carga de trabalho. Além disso, especialmente pelo crescimento do enclave da educação à distância, em alguns casos com a defesa de sua crescente expansão em substituição ao ensino superior presencial, produz­se mais uma forma de dualidade. O fetiche da tecnologia opera aqui como argumento ideológico (FRIGOTTO, 2011, p. 247).

Ainda no sentido de concretizar a Reforma da Educação Superior, o MEC, sob o

argumento de construção de uma “reforma democrática”, editou três versões de proposta, sem

que de fato tenha sido publicada em sua versão final. Independente das feições que porventura

venham a assumir, os documentos publicados permitem entender que os principais eixos que

orientam a Reforma da Educação Superior, no Brasil, revelam­se postos por meio dos

programas em vigor, os quais, na percepção aguçada de Roberto Leher, distinguem­se pelas

seguintes “linhas de força”:

1) a consolidação do eixo privado como o vetor do fornecimento da educação superior; 2) a naturalização de que os (poucos) jovens das classes populares que terão acesso ao nível superior receberão ensino de qualidade drasticamente inferior; 3) a transformação da universidade em organização de serviços demandados pelo capital, metamorfoseados como inovação tecnológica; 4) a conversão da educação tecnológica em um braço da ação empresarial; e 5) a hipertrofia do controle governamental (produtividade, eficiência e ideológica, reguladas por meio da avaliação) e do mercado (financiamento e utilitarismo) sobre a universidade pública, inviabilizando a autonomia e, principalmente, a liberdade acadêmica (LEHER, 2005, p. 5).

Assim, a perspectiva de ampliação do atendimento, implícita no REUNI, além de

indicar o predomínio da cultura hegemônica nas relações de poder, também aponta para a

quebra da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, assim como da perda da

qualidade. Além de discurso “comodificado” e “colonizado” pela cultura neoliberal, essa

pretendida reestruturação, nos termos adotados por Tonegutti e Martinez (2007, p. 6), “não

passa de uma tentativa para atender a metas de cobertura educacional impostas por

organismos internacionais a custo reduzido, sem se importar com a sua repercussão na

qualidade de ensino” (TONEGUITTI; MARTINEZ, 2007, p. 6).

Outra iniciativa governamental que integra a reforma da Educação Superior e

promoveu reação, em cadeia, foi o SINAES, não obstante, em todos os segmentos do campo

educacional, muitos profissionais (diretores, professores, estudantes, etc.) tenham entendido

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como importante avaliar o Ensino Superior, especialmente diante das controvertidas

diversidades de sistemas educacionais (federal, estadual, municipal e privado), de formas de

gestão e projetos implantados em IES. Criado pela Lei nº 10.861, de 14/04/2004, esse sistema

de avaliação veio de encontro ao Exame Nacional dos Cursos (ENC­Provão), implantado em

1996, sobre o qual pesavam grandes críticas e incidiram muitos protestos. Embora em

condições bem mais favoráveis que o anterior, o SINAES não conteve as insatisfações, nem

cerceou as mobilizações no sentido de boicotá­lo, mesmo que, na atualidade, em proporções

mais reduzidas, essas reações sejam, por vezes, apresentadas como bandeira de luta em defesa

da Educação Superior pública, gratuita e de qualidade.

De acordo com a Lei nº 10.861/2004, o SINAES tem por finalidades a melhoria da

qualidade da Educação Superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento

permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a

promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das IES, por

meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do

respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional

(BRASIL, 2004, Art. 1º, § 1º). Esse sistema estabelece como objeto de avaliação o

desempenho das IES, dos cursos superiores e dos estudantes, que, por meio de amostragem de

alunos iniciantes e concluintes de determinados cursos superiores, são submetidos ao Exame

Nacional de Desempenho de Estudantes Educação (ENADE) – também conhecido como

Provão.

Do nosso ponto de vista, esse sistema de avaliação apresenta avanços em relação ao

anterior em virtude de utilizar diferentes instrumentos avaliativos, integrando vários âmbitos

acadêmicos (estrutura e condições de funcionamento das IES, aprendizagem dos estudantes,

etc), bem como procura estabelecer um controle de acesso, permanência e/ou

descredenciamento de IES, além de indicar transparência, ao tornar públicos os resultados

alcançados pelas IES. Também institui uma Comissão Própria de Avaliação (CPA), buscando

instalar no interior das IES uma cultura de avaliação permanente. Por outro lado, as

contradições inerentes ao processo avaliativo (subjetividade de avaliadores, os estigmas

decorrentes de conceitos alcançados, dubiedade de indicadores de avaliação, sobreposição da

quantidade em detrimento da qualidade, etc.), bem como as constantes alterações nos

instrumentos de avaliação, parecem corresponder a acomodações que respondem a exigências

de controle externo, decorrentes de acordos internacionais. Da mesma forma, apontam para

uma indefinição quanto ao que se pretende construir como ideal de Educação Superior do

país, bem como em relação a uma reforma da Educação Superior que há muito tempo vem

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sendo anunciada. No que tange às IES privadas, além de alimentarem o clima de

competitividade instalado, apontam para um modelo de sistema educativo inspirado nos

mecanismos adotados pelo setor produtivo, aparentemente coercitivo, contrastando com a

perspectiva de educação emancipatória.

A citação a seguir, fruto de mais uma interlocução com os estudos de Ball (2005),

reflete, com precisão, a imagem que buscamos representar da realidade vivenciada no país:

Em essência, performatividade é uma luta pela visibilidade. A base de dados, a reunião de avaliação, a análise anual, a elaboração de relatório, a publicação periódica dos resultados e das candidaturas à promoção, as inspeções e a análise dos pares são os mecanismos da performatividade. O professor, o pesquisador e o acadêmico estão sujeitos a uma miríade de julgamentos, mensurações, comparações e metas. Informações são coletadas continuamente, registradas e publicadas com frequência na forma de rankings. O desempenho também é monitorado por análises dos pares, visitas locais e inspeções. No meio de tudo isso, ‘violenta­se a concretude’ da humanidade individual e da ‘particularidade’ [...] e os ‘complexos processos humano e social são mais e mais reduzidos a representações grosseiras que se conformam à lógica da produção de mercadorias’ (BALL, 2005, p. 549).

Conforme bem assinala Höfling (2001, p. 30), uma política, entre outras coisas,

“informa as decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos de implementação traçados, e

os modelos de avaliação aplicados, em relação a uma estratégia de intervenção”. Partindo

dessa ponderação, poderíamos deduzir que os programas destacados indicam a condução “às

avessas” de uma Reforma Universitária anunciada nos discursos oficiais como “profunda e

avançada”, mas que, de fato, se expressa na ampliação do atendimento de forma desordenada

e não qualificada, na privatização do ensino superior, que, em sua maioria, é de domínio da

iniciativa privada, e em promover o debate em torno da responsabilidade social das IES

privadas para com a Educação Superior.

As análises de Dourado (2010, p. 689­690) lançam um olhar acurado sobre as políticas

implantadas pelo governo (2003­2010),

[destacando avanços relacionados a] mudanças na concepção e gestão das políticas, buscando romper com a lógica de políticas focalizadas no ensino fundamental e envolver toda a educação básica por meio da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB); à adoção de políticas de inclusão social e de respeito à diversidade; políticas de formação inicial e contínua dos trabalhadores em educação e à aprovação da emenda 59/2009 que ampliou a obrigatoriedade da educação nacional; políticas efetivas de expansão das instituições federais de ensino, envolvendo a criação de universidades, IFETs, campi e cursos e, paradoxalmente, a efetivação de novos mecanismos de financiamento do ensino superior privado, entre outras.

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Com efeito, a década passada registra avanços de várias ordens, alguns já referidos

neste estudo. Entretanto, no que tange à Educação Superior, sob o nosso entendimento, muitas

questões sobrevivem, há décadas, sem indicativos de solução. A constatação da relativa

ausência de um percurso que expresse o encadeamento de atos deliberados e conscientes no

sentido de tornar esse nível de educação – enquanto bem público e direito social – acessível a

todos, nas diversas etapas da história da educação, as políticas oficiais destinadas à Educação

Superior retratam um conjunto de intenções ou discursos com promessas de respostas a apelos

sociais, ainda que a condução e respostas dadas nem sempre reflitam legitimidade e

respondam as expectativas da população.

As políticas analisadas, de forma similar, além de unirem interesses de mercado,

passando uma falsa ideia de democratização e tecnologização da discursividade, indicam a

constituição de sentidos na perspectiva de legitimidade e/ou de mudanças adequadas ao

projeto de sociedade e desenvolvimento em vigor.

Buscando superar pessimismos, é importante destacar os movimentos desencadeados

por educadores e órgãos representativos, no sentido de avaliar o PNE 2001/2008 e,

consequentemente, de qualificar a proposta do PNE do Executivo Federal (PL, 8.035/2010),

aqui nos reportando à Conferência Nacional de Educação (CONAE), realizada em Brasília, no

período de 28/03 a 1º/04/10. Caracterizado enquanto “espaço social de discussão da educação

brasileira, articulando os diferentes agentes institucionais, da sociedade civil e dos governos,

em prol da construção de um projeto nacional de educação e de uma Política de Estado”

(Brasil, MEC/SE, 2010, p. 4), esse fórum congrega representações de todo o país. Em seu

documento de referência, entre outras proposições, o CONAE, além de defender o PNE como

uma política de Estado, considera que:

[...] uma política nacional de avaliação articulada ao sub­sistema, deve ser entendida como processo contínuo e que contribua para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, das escolas e instituições educativas ­ tanto as públicas, quanto as privadas ­, e do processo ensino­aprendizagem, resultando em uma educação de qualidade socialmente referenciada. [...] Assim, é fundamental superar um equívoco comum, quando se trata de avaliação, que é a defesa de um sistema de incentivos, via prêmios e punições, em geral de caráter pecuniário, às escolas ou às redes educacionais, frente a metas de qualidade em geral preestabelecidas. Deve­se superar, também, a ideia de se estabelecer ranking entre as instituições educativas, docentes e discentes considerados “melhores” e “piores” pelos processos de avaliação (BRASIL/MEC, 2010, p. 40).

Reconhecemos a importância das mobilizações em função de um PNE que, de fato,

contribuam para a efetivação da qualidade educacional acessível a todos e socialmente

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reconhecida, em todos os níveis e modalidades que caracterizam a educação nacional. Para o

momento, ratificamos que, até a presente data em que buscamos compor o corpus de arquivo, ainda sobrevive o discurso ideológico comodificado e colonizado pela cultura mercantil,

permeando as políticas de educação. O discurso da qualidade não revela expressividade e o

discurso da expansão vem adquirindo materialidade, especialmente, por meio da iniciativa

privada, em que os cursos de Graduação em Tecnologia vêm se tornando o caminho mais

favorável, conforme veremos, em seguida.

4.2 Traços formais da dualidade na política de Educação Superior

Partimos da controvertida abordagem relacionada ao discurso de expansão da

Educação Superior que vem se materializando com maior intensidade em decorrência da

atuação da iniciativa privada, em contraposição ao insuficiente crescimento do setor público.

Vários são os fatores que respondem, diretamente, por este crescimento, ficando, em parte,

atribuídas aos mecanismos de universalização do ensino básico ocorridos no período de 1994

a 2003, além de programas como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (FUNDEF), o que favoreceu o crescimento do número de concluintes do ensino

médio e, principalmente, as políticas que viabilizaram o credenciamento de IES privadas,

desencadeadas a partir da LDB 9.394/96.

É nesse contexto que os cursos de Graduação em Tecnologia são apresentados como

oportunidade para aqueles que desejam frequentar o ensino superior e, em curto espaço de

tempo, ingressar no mercado de trabalho. Para ilustrar o seu acentuado número de matrículas,

o Censo da Educação Superior de 2009 aponta que em 2004 havia 153.307 alunos(as)

matriculados na Graduação em Tecnologia, dos quais as IES privadas absorviam 107.734

matrículas. Chegamos ao ano de 2009 com 486.730 vagas preenchidas, sendo o setor público

responsável por 84.845 alunos(as) matriculados(as) e o setor privado contando com 401.885

matrículas, o que corresponde 82,6 % dessa oferta.

Observe­se, também, que no período de 2008 a 2009 a Graduação em Tecnologia

ampliou em 74.698 o número de matriculados, enquanto as demais graduações cresceram em

34.858 o número de matriculados. Acrescente­se, ainda, como ilustração dessa realidade, que

o ano de 2009 registrou mais 74.698 vagas em relação ao ano anterior nos Cursos Superiores

de Tecnologia, dos quais 58.714 estão na iniciativa privada e 15.984 alunos(as) foram

matriculados nas IES públicas.

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A alta concentração de vagas nas instituições privadas, em contraposição ao tímido

crescimento das universidades públicas, indica que o sonho da democratização da Educação

Superior ainda se revela distante do que propagam os discursos oficiais. Portanto, a

significação dos dados apresentados por meio da tabela a seguir está na sua expressão

enquanto materialidade do aparente fortalecimento da iniciativa privada e nos possíveis riscos

advindos das injunções políticas, culturais e ideológicas, decorrentes do desordenado

crescimento do ensino superior e da sua duvidosa qualidade para os sujeitos educativos

envolvidos nesse processo.

Tabela 01 ­ Evolução do Número de Matrículas na Educação Tecnológica, por Categoria Administrativa 2004 a 2009

Ano Total Geral

Pública Pr ivada

Total Federal Estadual Municipal

2004 153.307 45.573 24.380 18.988 2.205 107.734

2005 214.271 54.710 29.313 22.148 3.249 159.561

2006 278.727 59.940 32.616 23.113 4.211 218.787

2007 347.150 63.520 34.188 24.743 4.589 283.630

2008 412.032 68.861 35.627 28.740 4.494 343.171

2009 486.730 84.845 45.431 35.972 3.442 401.885

FONTE: Coordenação Geral do Censo da Educação Superior – CGCES Diretoria das Estatísticas Educacionais – DEED/INEP/ME

Por outro lado observamos também que, a despeito das políticas de expansão da

Educação Superior, levantamentos estatísticos continuam sinalizando que as IES públicas não

acolhem a demanda crescente que busca a Educação Superior, o que leva grande parte de

jovens e adultos brasileiros que ingressam neste nível a procurarem as IES privadas e/ou a

desistirem do seu intento, por falta de condições de acesso e/ou permanência. Para

exemplificar, em 2008, apenas 24,31% dos jovens brasileiros, com idade entre 18 e 24 anos,

tiveram acesso à Educação Superior (MEC/Sesu/DIFES, 2008, p. 2).

Outro aspecto importante a destacar é que os Cursos Superiores de Tecnologia

retornam ao cenário da educação brasileira sob a perspectiva de formar profissionais aptos a

desenvolverem, “de forma plena e inovadora”, em uma determinada área profissional,

“pesquisa e inovação tecnológica; difusão de tecnologias; gestão de processos de produção de

bens e serviços; [...] capacidade empreendedora; [...] competências em sintonia com o mundo

do trabalho [...]” (BRASIL, Parecer..., 2002, p. 3). Por outro lado, os mesmos textos,

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contraditoriamente, orientam que esses cursos devem dispor de estrutura curricular mais curta

e, naturalmente, menos densa que os demais cursos de graduação, o que, sob o nosso

entendimento, diante de sua especificidade (voltados para segmentos da cadeia produtiva) e

menor tempo de investimento, essa modalidade de graduação apenas indica elevar um pouco

mais o nível médio de profissionalização dos trabalhadores. Esta forma aparentemente

democrática e flexível de ampliar o acesso à Educação Superior, por meio de cursos mais

rápidos e de menor rigor acadêmico, sob o nosso entendimento, além de fortalecer a dualidade

da educação e as desigualdades sociais, permite aludir a uma “tecnologização” do discurso

oficial, indicando o interesse na manutenção da hegemonia do Estado capitalista, que, na

versão neoliberal, busca mais o convencimento e o consenso na sociedade.

Na configuração dos cursos em análise há outro aspecto que devemos pontuar: além

da LDB, a Lei Ordinária n. 11.741/2008 evidencia a posição dos cursos de Graduação em

Tecnologia como pertencentes à Educação Profissional, ainda que, por força de lei, estejam

inseridos na Educação Superior, passando a integrar dois segmentos distintos. Isto significa

dizer que essa modalidade acadêmica apreende elementos das duas políticas. Entretanto,

recebe da Educação Profissional uma maior “carga genética” por constituir sua origem e de

quem adquire a peculiaridade de ser essencialmente profissionalizante, ou seja, aquela que, ao

longo da história da educação, vem sendo distinguida da educação convencionada como

“regular ou básica”, consolida a divisão de classes e de posição no sistema de produção, ao

mesmo tempo em que sobrepõe as competências profissionais às demais dimensões do ser

humano, características que a segmentam, de forma discriminatória, dos demais cursos de

graduação (licenciaturas e bacharelados). Quanto às políticas de Educação Superior, delas não

se pode dissociar, por constituírem sua principal instância reguladora (Secretaria de Ensino

Superior – Sesu), embora também seja regulamentada pela Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica (Setec). Com tantas distinções, deu­se origem a mais um nível de

formação profissional, ou seja, amplia­se o segmento profissionalizante, mantendo­se um

modelo que reforça desigualdades socioculturais, ao mesmo tempo em que se permite aludir

ao que nos adverte Fairclough (2001a): as práticas discursivas são investidas ideológicas que

incorporam significações que favorecem a conservação ou transformação das relações de

poder, fragmentam as identidades sociais e descaracterizam o ensino superior. Neste caso, as

mudanças efetivadas e os elementos disponíveis, até a presente data, apontam para a

manutenção da ordem vigente. Trata­se de uma interdiscursividade manifesta, que procura

“encaixar” no discurso da Educação profissional o discurso da Educação Superior.

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Consideramos a pertinência de reafirmar que, embora só os cursos de Educação

Superior de Tecnologia estejam categorizados como Educação Profissional, todas as demais

modalidades de cursos que integram a Educação Superior apresentam características

profissionais, haja vista suas especificidades e finalidades também voltadas para o campo do

trabalho. Entendemos que isto seria suficiente para não haver tão radical demarcação. No

entanto, a Graduação em Tecnologia já traz no seu discurso a marca identitária de uma

formação prática, rápida, funcional, essencialmente circunscrita às necessidades específicas

de setores emergentes de uma cadeia produtiva e concebida na intensificação do uso de

tecnologias e da consequente necessidade de se preparar trabalhadores competentes para

desempenhar atividades relacionadas aos novos arranjos produtivos. Na verdade, trata­se de

uma formação prático­utilitária, no sentido consagrado pelo senso comum que, de acordo com

Vázquez (2007, p. 33), expressa “a redução do prático a uma dimensão, a do prático

utilitário”. Sob esta perspectiva, diz esse autor: o “prático é o ato ou objeto que produz uma

utilidade material, uma vantagem, um benefício; imprático é o ato ou objeto que carece dessa

utilidade direta e imediata. O ponto de vista da consciência comum coincide, neste aspecto,

com o da produção capitalista [...]” (VÁZQUEZ, 2007, p. 33).

Outra especificidade desta modalidade acadêmica diz respeito ao fato de se indicar a

possibilidade de obtenção de certificações parciais ou intermediárias, também vistas como

constitutivas do itinerário formativo, ou seja, percurso de formação construído

simultaneamente à formação acadêmica, na qual cada formação parcial é realizada em tempo

relativamente reduzido, com a finalidade de inserção imediata no mercado de trabalho. Da

mesma forma, é justificada sob a possibilidade de contribuir para uma rápida [re]inserção no

campo laboral, ou de permitir aos trabalhadores uma [re]qualificação em função das

emergentes necessidades de “mão­de­obra” especializada. Igualmente, ao dar ênfase a essa

modalidade de educação, o governo brasileiro sinalizava priorizar um alinhamento com os

interesses do setor produtivo, que vem se tornando orientador dos conhecimentos e

necessidades de aprendizagem e das competências a serem desenvolvidas. Neste sentido,

resgatamos outros elementos acerca da despolitização da prática prático­utilitário ou

consciência comum da práxis, defendida por Vázquez (2007, p. 33):

Tentando satisfazer a aspirações "práticas" do homem comum e simples, desenvolve­se, às vezes, a partir do poder, um trabalho destinado à deformação, à castração ou ao esvaziamento de sua consciência política. Este trabalho tende, ao que parece, a integrar esse homem na vida política, mas na condição de que ele se interesse pelos seus aspectos ‘práticos’, ou seja, a política como profissão. É evidente que reduzi­la a este conteúdo ‘prático, produtivo, a política apenas pode assumir um sentido negativo para os que permanecem à margem dessa integração e

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não conseguem ver, fora desse politicismo, ‘prático’, outra dimensão da política que não seja a do romantismo, idealismo ou utopismo.

Outra prática discursiva de âmbito nacional relacionada à temática merece nossa

atenção. De forma não desinteressada, o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e

Agronomia – CONFEA, vinculado ao Conselho Regional de Engenharia – CREA, toma a

iniciativa de propor, junto à SETEC/MEC, a produção da “Cartilha do tecnólogo: o caráter e a

identidade da profissão”. Na visão do então Secretário de Educação Profissional e

Tecnológica, aquela iniciativa “no âmbito do Sistema CONFEA/CREA constitui­se em uma

política de inclusão, integração, reconhecimento e valorização profissional dos Tecnólogos,

visando o exercício profissional digno e pleno, de modo compatível com a formação

acadêmica” (CONFEA; SETEC/MEC, 2010, p. 3). Enfatizando o acentuado crescimento da

oferta de matrículas em CSTs, o referido secretário entende que esse crescimento vem se

dando “de forma sustentada, com qualidade e responsabilidade social, o que é fundamental

para que os tecnólogos possam ocupar seu espaço, contribuindo para o desenvolvimento

social e econômico de nossa nação”. Os dados, até levantados, nos autorizam a presumir que

se trata de um discurso tecnologizado, comodificado e colonizado pela cultura do mercado, de

forma compatível com suas finalidades de convencimento.

Considerando que uma Cartilha é, convencionalmente, destinada a estabelecer

padrões, modelos e/ou parâmetros aos quais devem se adequar os seus destinatários, o

mencionado documento delineia ou estabelece a “identidade da profissão”:

Tecnólogos são profissionais com o domínio operacional de um determinado fazer, compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico, valorização da cultura do trabalho e a mobilização dos valores necessários à tomada de decisões. Este profissional está capacitado a desenvolver de forma plena e inovadora, atividades em um determinado setor produtivo, com formação específica e base científica para a aplicação, desenvolvimento, pesquisa e inovação tecnológica, agregada à capacidade empreendedora (CONFEA, 2010, p. 17).

Da configuração que vem sendo atribuída à Graduação em Tecnologia, demandam

vários outros pertinentes questionamentos, ainda destacando aqui que a Graduação em

Tecnologia, conforme está delineada, sinaliza para a imagem minimalista que se pretende

consolidar da Educação Profissional e das finalidades que se pretende atribuir à Educação

Superior de Tecnologia e suas Instituições de Ensino Superior, pelo que consideramos

importante relembrar as palavras de Gramsci (2006, p. 189):

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Antes de mais nada, e no plano mais geral, [uma IES] tem a tarefa humana de educar os cérebros para pensar de modo claro, seguro e pessoal, libertando­os das névoas e do caos nos quais uma cultura inorgânica, pretensiosa e confusionista ameaçava submergi­los, graças a leituras mal absorvidas, conferências mais brilhantes que sólidas, conversações e discussões sem conteúdo [...] [inserção nossa].

Ratificamos, portanto, que é em versão atualizada que a dualidade histórica da

educação brasileira é reeditada por meio do Parecer CNE/CP nº 29/2002 e da Resolução

CNE/CP nº 3/2002, que institui as DCNG/CST. E, sob o manto das novas tecnologias, são

criadas expectativas das mais diversas ordens: crença na possibilidade de ampliação do acesso

de grande parcela da população ao nível superior de educação; possibilidade de resposta aos

impactos promovidos pelo uso de novas tecnologias, etc. Sob o entendimento dos

elaboradores dessa política, a perspectiva de rápida inserção dos jovens e adultos

desempregados no mercado de trabalho, aliada à possibilidade de terem duração mais

reduzida, atende ao interesse dos jovens em dispor de credencial para inserir­se no mercado

de trabalho, ao mesmo tempo em que é possível “conferir a estes cursos uma grande

atratividade, tornando­se um potencial de sucesso” (BRASIL, 2001, p. 9, grifo nosso).

Contrariando esta expectativa, por meio desses cursos constata­se um crescente processo de

privatização da Educação Superior, da mesma forma que, por outro lado, o país ainda

continua assumindo o papel de “consumidor” da ciência e da tecnologia desenvolvidas nos

chamados países centrais.

O Parecer 29/2002 ainda deixa claro que é importante fazer uma distinção entre os

cursos de Bacharelado e de Tecnologia, cujos critérios de referência, ou mais precisamente,

de distinção entre essas modalidades acadêmicas, são em parte apresentados:

a) natureza: certas áreas são, por natureza, essencialmente científicas e outras essencialmente tecnológicas. [...]; b) densidade: a formação do tecnólogo é, obviamente, mais densa em tecnologia. [...] A formação do bacharel, por seu turno, é mais centr ada na ciência, embora sem exclusão da tecnologia. Trata­se, de fato, de uma questão de densidade e de foco na organização do cur r ículo; c) demanda: [...] Há uma tendência perniciosa de se imaginar e supor uma certa demanda comum tanto do tecnólogo como do bacharel. Às vezes, os dois juntos, para a mesma área, sem perfis profissionais distintos, acarretam confusões nos alunos e no próprio mercado de trabalho. É necessária clareza na definição de perfis profissionais distintos e úteis; d) tempo de formação: [...] há um relativo consenso de que o tecnólogo corresponde a uma demanda mais imediata a ser atendida, de forma ágil e constantemente atualizada; e) perfil: o perfil profissional demandado e devidamente identificado constitui a matéria primordial do projeto pedagógico de um curso, indispensável para a caracterização do itinerário de profissionalização, da habilitação, das qualificações iniciais ou intermediárias do currículo e da duração e carga horária necessárias para a sua formação (BRASIL, Parecer..., 2002, p. 23, grifos nossos).

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Além de criar, naturalizar e transformar os significados do mundo, uma reforma de

educação de um país, enquanto prática ideológica, é capaz de conduzir à transformação dos

significados do mundo, nas relações de poder. Os recortes das DCNG/CST indicam, também,

uma forma de delinear e conduzir a forma de ser e agir, bem como de influenciar as

subjetividades de formadores e formandos. Dessa forma, nas expressões de materialidade

discursiva aqui apresentadas, é importante considerar o que sempre está a advertir Fairclough

(2001a, p. 95), quando sugere que os discursos podem estar “[...]‘investidos’ política e

ideologicamente [...] de formas particulares” de ver e estar no mundo. Por conseguinte, os

usos da linguagem – mais especificamente as práticas discursivas – passam a assumir papel

importante nas mudanças sociais que afetam as atividades, as identidades e as relações

sociais, com significativas implicações para a construção de sistemas de conhecimento e de

crença.

Dessa perspectiva de Fairclough (2001a) resulta a nossa compreensão da política de

educação como evento discursivo que se configura, ao mesmo tempo, como texto, prática

discursiva e prática social. Em assim sendo, pode contribuir para reproduzir ou para

transformar as identidades e a sociedade. Isto leva ao entendimento de que, embora

suscetíveis de transformação, “as identidades de professores e alunos e as relações entre elas,

que estão no centro de um sistema de educação, dependem da consistência e da durabilidade

de padrões de fala no interior e no exterior dessas relações para sua reprodução”

(FAIRCLOUGH, 2001a, p. 91), embora seja a relação entre discurso e estrutura social uma

prática dialética, o que significa dizer que não há sobreposição de um sobre outro(a).

Confirmando a ideia de que, entre o discurso e a realidade existem as mediações, de

forma simultânea e adversa, a Educação Superior brasileira vem dando sinais de baixa

qualidade de cursos e de condições de funcionamento de muitas IES (públicas e privadas);

fragilidade nos critérios de acesso à docência; um perfil questionável dos egressos, no que

tange às bases formativas; altas taxas das mensalidades, em contraposição à incapacidade do

Estado de promover a ampliação do número, ainda reduzido, de IES públicas, assim como de

intervir, de forma positiva, nas necessidades básicas de funcionamento das existentes. Esta é

uma dívida social que sobrevive há décadas e continua repercutindo na vida da maioria de

jovens e adultos que não podem ter acesso à educação superior gratuita. Na verdade, esta não

é uma descoberta nossa. Já em 2006, o Anteprojeto de Lei da Educação Superior (2006, p.

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175

2) 38 advertia sobre o contraste da realidade, que, no Brasil, configurava­se como um grande

desafio, o maior em termos latino­americanos:

o nível de acesso é um dos mais baixos do continente (9% para a faixa etária 18 e 24 anos); a proporção de estudantes nas instituições públicas reduziu­se drasticamente nos últimos dez anos, representando hoje menos de 1/3 do total; o peso da matrícula e das instituições privadas tornou­se o mais alto da América Latina (70% e 88,9%). Esses dados comprometem o presente e o futuro do sistema de educação superior brasileiro, agravado pela redução do financiamento público, particularmente no último decênio.

Visto como uma grande referência para as discussões em torno da relação trabalho e

educação, Antônio Gramsci (1991), analisando o sistema de educação da Itália, chama a

atenção para coexistência de dois projetos diferenciados de ensino: o da escola humanista,

destinada a desenvolver a cultura geral dos indivíduos da classe dominante, e outro reservado

a instituições particulares que atendiam as classes subalternas e tinham como finalidade a

preparação para o exercício de profissões, uma vez que o contexto econômico do país

necessitava dessa mão­de­obra. Consideramos a pertinência de suas reflexões, ao afirmar que:

[...] a multiplicação de escolas profissionais, portanto, tende a eternizar as diferenças tradicionais; mas, dado que ela tende, nestas diferenças, a criar estratificações internas, faz nascer a impressão de possuir uma tendência democrática. Por exemplo: operário manual e qualificado, camponês e agrimensor ou pequeno agrônomo etc. Mas a tendência democrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante e que a sociedade o coloque, ainda que 'abstratamente', nas condições gerais de poder fazê­lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada governado a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação geral necessária a fim de governar. Mas o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo não tende mais sequer a conservar a ilusão, já que ela cada vez mais se organiza de modo a restringir a base da camada governante tecnicamente preparada, num ambiente social político que se restringe ainda mais a 'iniciativa privada' 39 no sentido de fornecer esta capacidade e preparação técnico­política, de modo que, na realidade, retoma­se às divisões em ordens 'juridicamente' fixadas e cristalizadas, ao invés de superar as divisões em grupos; a multiplicação das escolas profissionais, cada vez mais especializadas

38 Esse Simpósio promovido pelo MEC/Setec teve como tema “Formação de Professores para a Educação Profissional e Tecnológica”, que deu origem à 1ª Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, prevista pelo mesmo órgão regulador, para o período de 5 a 8 de novembro de 2006. As contribuições destinadas à Formação de Professores dessa modalidade acadêmica constam do documento organizado pelo INEP, sob o título: Educação Superior em Debate, volume 8. Desse movimento ainda não foi possível registrar avanços. Anteprojeto disponível em: <http://mecsrv04.mec.gov.br/reforma/Documentos/DOCUMENTOS/2005.7.29.21.13.55.pdf.>.Acesso em: 22 jan. 2010. 39 Chamamos a atenção para o fato de que a expressão “iniciativa privada” é utilizada por Gramsci, significando aparelhos privados de hegemonia, com adesão voluntária dos organismos da sociedade civil e movimentos sociais. Quanto à questão da esfera em que a educação deve se desenvolver, cabe ao Estado promover e manter a ação educativa, assegurando a distribuição de recursos materiais necessários.

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desde o início da carreira escolar, é uma das mais evidentes manifestações desta tendência (GRAMSCI, 1991, p. 137).

Outro aspecto a considerar é que, salvo engano, ainda não se dispõe de dados efetivos

(índice de inserção e/ou reinserção no mercado de trabalho; ampliação do nível de

escolarização; melhoria da qualidade de vida dos egressos, redução das desigualdades sociais,

etc.) que permitam afirmar, com precisão, os resultados qualitativos da política de Educação

Superior em Tecnologia. Mesmo fugindo ao pessimismo estéril, não podemos desconhecer

que a história da educação brasileira é pródiga em políticas que anunciam promessas de

inclusão de uma significativa parcela da população ao sistema educacional. Entretanto, não é

difícil perceber que em muitas situações esta inclusão ocorre

[...] em percursos pedagógicos precários, constitui­se falsa inclusão, muitas vezes com caráter meramente formal e certificatório, sem que dela resulte qualidade de formação. Desta forma, a inclusão excludente na ponta da educação apenas reforça, quando não justifica, o consumo predatório da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas (KUENZER, 2008, p. 30).

Pelo exposto, podemos presumir que o nível superior da Educação Profissional, ou

Graduação de Tecnologia, ao ser concebido a partir das “instruções genéticas” que dão forma

e conteúdo à Educação Profissional, retrata expressões dos movimentos de recomposição do

sistema econômico brasileiro, bem como a sua relação com as mudanças nas formas de

produção e organização do trabalho, com a competitividade das empresas e com a

flexibilização dos diversos sistemas sociais. Acrescente­se, ainda, que o próprio modelo de

produção flexível vem se constituindo impulsionador de mudanças na Educação Profissional e

Tecnológica. Nas exigências demandadas para os trabalhadores, a competência não mais se

restringe aos saberes tácitos, às memorizações e treinamentos de habilidades, tornando­se

necessária a capacidade de desenvolver competências cognitivas complexas para trabalhar

articulando saberes científicos e tecnológicos.

Portanto, entendemos que, ao fortalecer o habitus histórico­cultural que conserva a “essência profissionalizante”, ou seja, o “habitus da produção privada”, os indivíduos correm

o risco de incorporam identidade ou um conjunto de disposições para a ação, que são próprias

da posição demarcada por essa modalidade acadêmica, contribuindo para legitimar a

dualidade histórica da educação, ainda presente na sociedade brasileira.

Os estudos de Nogueira, C. e Nogueira, M. (2002, p, 29) sobre a Sociologia da

Educação de Pierre Bourdieu contribuem para se deduzir que esse projeto de Educação

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Superior, simultaneamente, aponta um contorno demarcador de identificação do campo de

formação e atuação profissional, embora a legitimidade conferida a uma IES – sonho da

maioria dos jovens e adultos – dissimule “sua capacidade de se apresentar como não arbitrária

e não vinculada a nenhuma classe social”. Inspirada na adjetivação “tecnológica”, por razões

óbvias – dado o encantamento com os avanços da ciência e das tecnologias que passaram a

requerer novas ferramentas de trabalho e insumos –, a Educação Profissional é convocada a se

reorganizar em função do sistema de produção e, consequentemente, do desenvolvimento

econômico.

Bourdieu (2010a), em sua crítica epistemológica desenvolvida sobre regionalização,

ou, mais precisamente, sobre “identidade e representação” presente nas “lutas pelo poder de

di­visão” (BOURDIEU, 2010a, p. 108), oferece argumentos para essa reflexão. Utilizo os

seus argumentos para inferir que uma acentuada classificação ou demarcação de espaços

previstos para as especificidades das profissões e os saberes gerais acadêmicos, ou seja,

científicos ou doutos (para ser fiel às expressões desse sociólogo), ao mesmo tempo em que

produz uma distinção sociocultural, revela­se produto dela. E, enquanto objeto de

representação definidora de identificação, assim como produto de uma dialética, segundo esse

autor:

A fronteira nunca é mais do que o produto de uma divisão a que se atribuirá maior ou menor fundamento na ‘realidade’ segundo os elementos que ela reúne, tenham entre si semelhanças mais ou menos numerosas e mais ou menos fortes [...]. A fronteira, esse produto de um ato jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto desta: basta pensar na ação do sistema escolar em matéria de língua para ver que a vontade política pode desfazer o que a história tinha feito. Assim, a ciência que pretende propor os critérios mais bem alicerçados na realidade, não deve esquecer que se limita a registrar um estado da luta das classificações, quer dizer, um estado da relação de forças materiais ou simbólicas entre os que têm interesse num ou noutro modo de classificação e que, como ela, invocam, frequentemente, a autoridade científica para fundamentarem, na realidade e na razão, a divisão arbitrária que querem impor (BOURDIEU, 2010a, p. 114­115, destaque no original).

Vê­se que os elementos identificados constituem apenas pequenos extratos ilustrativos

de um contexto mais amplo, diverso e complexo, no qual está inserida essa modalidade

acadêmica, por meio da qual grande parte de jovens e adultos brasileiros buscam a

possibilidade de ascensão ou de inserção no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que

constituem suas identificações, dentre os quais estão aqueles que aí encontram a única via de

ampliação de escolaridade e acesso ao ensino superior.

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Por outro lado, esses cursos vêm se constituindo em oportunidades de trabalho de

novos(as) professores(as). Em razão disto, a esfera de discussões que buscamos desenvolver

toma os elementos levantados (contextos, discursos oficiais, planos e projetos, etc.) como

balizadores de análise e compreensão do objeto de estudo, procurando, todavia, ir além das

razões que levam jovens e adultos a ingressarem nos cursos da Graduação em Tecnologia e da

razão pela qual tantos profissionais passarem a assumir a docência nesses cursos como mais

uma opção de trabalho. Decerto que,continua presente aos olhos de educadores atentos, como

Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a ideia de que vivenciamos uma reedição (em versão

atualizada) de experiência passada, uma vez que:

os cursos de formação de tecnólogos, além de aliviar a pressão sobre o nível superior, formariam profissionais de nível intermediário [...], voltados para as atividades de execução sob a base neofordista. Ter­se­iam, assim, atingidos os objetivos preconizados para países de economia dependente e consumidor de tecnologias importadas: política de capacitação de massa, barateamento dos custos profissionalizantes, adequação e atendimento às necessidades do mercado de trabalho, criação de caminhos alternativos às universidades, e, finalmente, o não aniquilamento da necessária camada de técnicos adequados ao processo de reestruturação produtiva (RAMOS, 2005, p. 48).

Temos presente que a Resolução nº 3 de 18/12/ 2002, em seu Art. 15, estabelece que

“O CNE, no prazo de até dois anos, contados da data de vigência desta Resolução, promoverá

a avaliação das políticas públicas de implantação dos Cursos Superiores de Tecnologia”. Até

a presente data, não dispomos de elementos que permitam afirmar o sucesso ou insucesso

dessa política, assim como não é possível tomar experiências pontuais como parâmetro para

generalizações.

Só o tempo e a história irão indicar, com maior clareza e precisão, em que sentido

caminha hoje a formação de tecnólogos em suas implicações na identidade docente. Não

obstante, o revigoramento dos cursos de graduação em tecnologia permite presumir uma

hierarquização simbólica “de trajetórias alternativas [...] aparentemente confundidas na

origem” (no interior do mesmo nível de ensino superior), indicando haver “uma espécie de

par menos glorioso, relegado àqueles que não possuem suficiente capital (econômico, cultural

e social) para assumirem os riscos [...]” e, por meio das quais são constituídos “sentimentos

de sucesso ou fracasso”, conforme adverte Bourdieu (1998, p. 95). Entretanto,

compreendendo que a espera passiva seria a mais ineficiente alternativa de aproximação com

os indícios de resposta, optamos por um percurso investigativo dos elementos hoje

disponíveis, seguindo as marcas dessa nova configuração de Educação Superior.

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Dessa discussão aqui empreendida, sobrevém que, em meio a tantas controvérsias, a

função docente emerge como oportunidade de trabalho para um maior número de

especialistas, mestres e/ou doutores dos mais diversos campos de atuação e, conforme leva a

crer o discurso pedagógico oficial, para os cursos de Graduação em Tecnologia, o grande

interesse recai sobre aqueles(as) com experiência profissional no setor produtivo.

Consequentemente, ao ser estruturado mais esse campo de trabalho, passa a compor um

campo de identificação da profissão docente para aqueles que aí iniciam e/ou consolidam suas

experiências. Destarte, parece ser na trama desconexa que compõe o campo do ensino

superior que vai sendo forjada a constituição docente na Educação Superior de Tecnologia,

sem as condições necessárias para esse fim, refletindo o entendimento de que ter o domínio

do conhecimento especializado que vai ser ensinado e a experiência no mercado de trabalho

pode se tornar um forte indutor de acesso ao magistério do Ensino Superior. Ocorre que o

quadro que ora se apresenta para a docência nos Cursos Superiores de Tecnologia, situada “no

interior do sistema de trajetórias, aparentemente confundidas na origem”, comporta a reflexão

feita por Bourdieu (2010b, p. 95), ao se referir à forma discriminadora com que são

destacados os professores:

[é nesse interior que são definidas] as mais fundamentais propriedades de profissões como as de professor de desenho ou de filosofia, determinadas objetiva e subjetivamente por sua relação negativa com o conjunto das trajetórias abandonadas: a amplitude do desvio necessário para passar a uma trajetória mais baixa mede, então, a importância do trabalho de desinvestimento que deve ser empreendido para "voar mais baixo", como se diz comumente, isto é, para superar os efeitos do superinvestimento favorecido pela indiferenciação inicial das trajetórias.

Em face das discussões, aqui, empreendidas, assumimos que as DCNG/CST têm como

núcleo central o discurso do desenvolvimento de competências laborais, filiado à pedagogia

das competências, cuja matriz epistemológica é híbrida, nos termos apresentados por Deluiz

(2001) e Ramos (2001): um discurso polissêmico, por meio da qual se atribui grande

importância “aos esquemas operatórios mentais e domínios cognitivos superiores na

mobilização dos saberes, operacionalmente ela se funda em uma perspectiva funcionalista, ao

traduzir as competências nos perfis de competências que descrevem as atividades requeridas

pela natureza do trabalho” (DELUIZ, 2001, p. 17). Isto é o que permitem entender as

mencionadas diretrizes curriculares, ao proporem que:

os currículos dos Cursos Superiores de Tecnologia devem ser estruturados em função das competências a serem adquir idas e ser elaborados a par tir das necessidades or iundas do mundo do tr abalho. O objetivo é o de capacitar o

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estudante para o desenvolvimento de competências profissionais que se traduzam na aplicação, no desenvolvimento (pesquisa aplicada e inovação tecnológica) e na difusão de tecnologias, na gestão de processos de produção de bens e serviços e na criação de condições para articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades, valores e atitudes para r esponder , de forma or iginal e cr iativa, com eficiência e eficácia, aos desafios e r equer imentos do mundo do tr abalho (BRASIL, Parecer..., 2002, p. 25­26, grifo nosso).

Dessa forma, o discurso pedagógico oficial, além de sinalizar para a desconstrução e

produção de novas imagens identitárias que inspiram autonomia, liberdade, capazes de

administrar sua vida e a dinâmica social e de trabalho, ao mesmo tempo aponta para uma

tecnologização e “comodificação” do discurso, ao promover a “colonização de ordens de

discurso institucionais e mais largamente da ordem de discurso societária por tipos de

discurso associados à produção de mercadoria” (DELUIZ, 2001a, p.255). Ao que nos parece,

esta constitui, também, uma expressão da dimensão político­ideológica de caráter hegemônico

da globalização. Por outro lado, a consolidação dessa experiência na forma apresentada

sinaliza para a perspectiva apontada por Gramsci, e interpretada interpretação de Slack (1996,

p. 118), como um artifício utilizado pela classe hegemônica por meio do qual:

[…] articula (ou coordena) os interesses dos grupos sociais de tal forma que esses grupos ativamente ‘concordam’ com seu status subordinado. O veículo para esta subordinação, seu ‘cimento’, por assim dizer, é ideologia, a qual é concebida como uma articulação de elementos díspares, isto é, senso comum [...]. Gramsci oferece um modo de compreender hegemonia como uma luta para construir (articular e rearticular) senso comum dentre um conjunto de interesses, crenças e práticas. O processo de hegemonia com luta ideológica é usado para chamar a atenção para as relações de dominação e subordinação que a articulação sempre requer (destaque no original).

Usando as expressões de Ball (2005), podemos deduzir que vivenciamos um

processo de disseminação da cultura performativa, que, na prática, condiciona a constituição

identitária dos professores. Os mecanismos de tecnologização dos discursos pedagógicos e a

adoção de mecanismos de controle de desempenho favorecem a constituição de perfis

acomodados ao sistema de produção. Uma “fabricação ilusória” de indivíduos adequados aos

interesses das demandas de um mundo guiado pela lógica da individualização e da

competitividade. Essas linguagens falam por nós, transformam­nos em um léxico de ordem e clareza. Novos papéis e subjetividades são produzidos à medida que os professores são transformados em produtores/fornecedores, empresários da educação 40 e

40 Rodrigues (2007) denomina de empresários do ensino aqueles que “comercializam cursos”, quer seja no sentido de tê­los como “educação­mercadoria”, quer seja na forma de “mercadoria­educação”. Segundo esse autor (2007, p. 6), a “educação­mercadoria” ocorre “quando a vaga em um curso interessa em si mesma àquela

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administradores, e ficam sujeitos à avaliação e análise periódicas e a comparações de desempenho. Novas formas de disciplina são instituídas pela competição, eficiência e produtividade. E novos sistemas éticos são introduzidos, com base no interesse próprio da instituição, no pragmatismo e no valor performativo (BALL, 2005, p. 546).

A materialidade discursiva nos conduz ao entendimento de que o discurso da política

de Educação Superior tornou­se mediador de ideologia coerente com interesses ora

hegemônicos, podendo ser considerado como prática política e ideológica.

Quanto aos professores na Educação Superior, independente de qual seja a modalidade

discutida (presencial ou a distância), essa formação sempre esteve fortemente orientada para o

domínio de conteúdos específicos, sem a devida atenção à formação pedagógica, embora seja

unânime o entendimento de que dela não podemos prescindir. Em um campo diversificado e

fortemente demarcado pelo disciplinamento para a vida social e produtiva, conformado às

especificidades dos processos de produção e ao desenvolvimento das forças produtivas,

Frizzo (2008, p. 11) complementa que, ao se pensar a educação nestes termos, “o trabalho

pedagógico fica subordinado à esfera de produção, onde professor se insere na linha de

montagem”. Em razão disto, essa autora, ancorada nos estudos de Marx, acrescenta que o

trabalho “não é simplesmente transformar um objeto em alguma outra coisa – outro objeto – é

envolver­se numa práxis em que o trabalhador também se transforma por seu trabalho”

(FRIZZO, 2008, p. 11).

No que se refere aos processos de educação, observa Frizzo (2008) que os

professores(as) são submetidos à condição de atender aos novos requisitos pedagógicos e

administrativos, não obstante demonstrem “sensação de insegurança e desamparo, tanto do

ponto de vista objetivo – faltam­lhes condições de trabalho adequadas – quanto do ponto de

vista subjetivo” (FRIZZO, 2008, p. 11). Complementando, de forma contundente, o autor

considera que, sob o prisma da flexibilidade propagada:

a finalidade do trabalho pedagógico, articulado ao processo de trabalho capitalista, é o disciplinamento para a vida social e produtiva, em conformidade com as especificidades que os processos de produção, em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas, vão assumindo e o trabalho pedagógico fica subordinado à esfera de produção, onde o professor se insere na linha de montagem (FRIZZO, 2008, p. 11).

instituição que as comercializa. O limite é estabelecido, em última instância, pela relação entre oferta e demanda”. Em se tratando da “mercadoria­educação”, esta traz duas implicações: com a expansão rápida de profissionais graduados, isto favorece o capital industrial, criando “um exército de reservas que tende a baixar os salários dessa categoria profissional. Por outro lado, se este exército é constituído por graduados, sem as [...] qualidades requeridas pelo processo produtivo, a médio e longo prazo, o capital industrial poderá encontrar sérias dificuldades em seu processo produtivo” (RODRIGUES, 2007, p. 7).

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Assim, Gramsci (1991) adverte que a classe dominante, no sentido de tornar aceitos ou

hegemônicos os seus conceitos e valores – ou seja, as suas ideias –, busca o convencimento

que nem sempre se dá pela coação ou força, mas pela persuasão ou convencimento,

mecanismos estes que permitem embutir ideologias nas práticas discursivas, naturalizando­as

ao plano do senso comum.

Portanto, na condição de prática política, com base em Fairclough (2001a),

compreendemos que o discurso pedagógico oficial vem contribuindo para se estabelecer e

manter relações de poder, ao mesmo tempo em que fortalece a divisão social em classes

distintas. Enquanto prática ideológica, “constitui, naturaliza, mantém e transforma os

significados do mundo de posições diversas nas relações de poder” (FAIRCLOUGH, 2001a,

p. 94), incidindo sobre a fragmentação e constituição de identidades sociais. Resta saber em

que sentido caminha a recontextualização do discurso pedagógico oficial no campo

institucional.

4.3 Considerações parciais

Neste capítulo, além da análise da materialidade do discurso pedagógico oficial,

tivemos o interesse em discutir alguns efeitos de natureza política, cultural e ideológica da

discursividade constituída em âmbito global, no campo da produção dos textos pedagógicos

oficiais.

Pelo que foi possível entender, o Parecer 29/2002 do CNE/CP, que institui as

DCNG/CST, sinaliza para “uma prática discursiva” pedagógica oficial que conforma a

Educação Superior Tecnológica e, consequentemente, as identidades dos sujeitos educativos.

Da mesma forma, expressa uma “interdiscursividade” que reflete o estado de luta

hegemônica, expressa também tensões discursivas, teóricas e ideológicas, ao mesmo tempo

em que, em sua veiculação ou distribuição, recorre­se ao mecanismo da “tecnologização” do

discurso, empregando um “conjunto de instrumentos [...] para perseguir uma variedade ampla

de estratégias em muitos e diversos contextos” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 264), com a

finalidade de atingir os seus destinatários ou “consumidores” (alunos, professores, etc.).

Mais especificamente, levanta­se o questionamento: em que base epistemológica está

fundamentado o discurso da Política de Educação Superior em Tecnologia? Trata­se de uma

“interdiscursividade” fundamentada na pedagogia das competências. Sua composição recorre

ao hibridismo, ao fazer uso de três matrizes epistemológicas distintas – behaviorismo,

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funcionalismo e construtivismo –, conforme demonstramos no capítulo anterior, com base em

Ramos (2004) e Deluiz (2001). Tem como eixo estruturador, ou núcleo duro do discurso, a

educação por competência, cujos traços formais da discursividade deixam em evidência a sua

filiação ao paradigma da racionalidade prática. É em meio a essas controvérsias e tensões que

se dá a constituição da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia.

Dessa forma, na ordem do discurso oficial (diretrizes, leis, fóruns, Cartilha do

Tecnólogo, etc.) é possível identificar manifestações discursivas com fundamentos

estratégicos, seguindo as regras de mercado, por meio das quais se busca “seduzir o

consumidor ou destinatário” com “confrontos ideológicos” e com a “promessa” de “rápida

inserção no mercado de trabalho”. Isto significa dizer que o discurso pedagógico oficial segue

as tendências contemporâneas de mudança discursiva e passa por um processo de

comodificação, por meio do qual a prática discursiva oficial – no que concerne à produção,

distribuição e consumo – está influenciada “por tipos de discurso associados à produção de

mercadoria” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 255). Em outras palavras, é possível vislumbrar o

que afirma Fairclough: os traços dos mecanismos de mercantilização que povoam as IES,

onde a educação é apresentada como se fosse um negócio comum, torna cada vez mais

explícito que “a mercantilização das práticas discursivas das universidades é uma dimensão

da mercantilização da educação superior num sentido mais geral” (FAIRCLOUGH, 2001b,

47).

É bem verdade que é possível assinalar a existência de investimentos e que, por se

tratar de processos educacionais, alguns podem ser considerados em andamento. O “Relatório

de Primeiro Ano do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais” (Reuni, 2008), divulgado pelo governo federal 41 , assinala que o

acesso às universidades federais do país cresceu 63%, o que representa a ampliação de 77 mil

novas de vagas, desde 2006. As informações publicadas também contrariam uma tendência

histórica, ao revelarem que as universidades brasileiras investiram em cursos noturnos. No

entanto, esses dados, quando comparados aos dados do Censo 2009 (já referido

anteriormente), permitem entender que se trata de resultados ainda insuficientes, embora

indiquem uma tendência de crescimento e sinalizem para o interesse do Estado em minimizar

41 Apenas para avivar a memória, o plano contempla, além do aumento de vagas, medidas como a ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à evasão. Mais informações estão disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12261&Itemid=502. Acesso em: 26/04/2009.

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o quadro de exclusão decorrente da relativa ausência de políticas que, de fato, demonstrem

compromisso com a Educação Superior.

Na verdade, uma reforma nem sempre produz os efeitos projetados, uma vez que

nasce sob as influências de um campo de discussão movido por interesses e conflitos,

formado por sujeitos que se revelam híbridos 42 . Por meio de processos de refração e

retradução ou recontextualização, as políticas e/ou programas de educação geralmente

chegam ao campo da prática docente sem uma perfeita sintonia com a realidade e o público a

quem se destinam, embora não seja possível considerá­las, em si mesmas, boas ou más. “Elas

surgem como projetos concebidos geralmente na esfera do poder, para dar respostas a

problemas que se confrontam nas disputas econômicas, étnicas, sociais, culturais, religiosas,

política” (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 2).

De certa forma, têm­se indicativos de que o texto da política de Educação Superior em

Tecnologia, enquanto prática discursiva constitutiva do discurso pedagógico oficial,

diferentemente do que vem sendo anunciado, ao estabelecer as diretrizes curriculares, reúne

em si expressões da cultura performativa e revela mecanismos que materializam a dualidade

da educação brasileira, obscurecendo a distinção de classe que caracteriza a sociedade

brasileira. Da mesma forma, promove tensões, fragmenta as identidades dos sujeitos

educativos, ao mesmo tempo em que projeta a constituição identitária docente (e a discente)

conformada às necessidades do sistema produtivo e aos interesses de desenvolvimento do

país, ou seja, uma identidade descentrada instrumental ou de mercado, ou, ainda, na expressão

de Ball (2004), o habitus da empresa privada (formas de pensar, agir, sentir em determinadas circunstâncias, guiado pela lógica da empresa privada). Trata­se de um discurso que, nas

palavras de Fairclough (2001b, p. 33), “é sempre simultaneamente constitutivo de (i)

identidades sociais, (ii) relações sociais e (iii) sistemas de conhecimento e crença – embora

com graus diferentes de proeminência em casos diferentes”.

Como mérito, poderíamos destacar a possibilidade de se elevar um pouco o nível de

escolarização dos trabalhadores, a exemplo do que sempre foi proposto para a formação de

nível técnico, ainda que, por outro lado, além da dualidade sobre a qual falamos, instale uma

dubiedade em relação ao nível técnico.

Quanto aos professores, foram criadas inúmeras oportunidades de trabalho que estão a

requerer atenção e cuidados. Essa discussão nos remete ao âmbito interno da ação educativa­

docente e, consequentemente, de constituição da docência, na qual currículo, políticas

42 No dizer de Bakhtin (1997), isto significa afirmar que cada ser humano compõe uma arena de conflitos em confrontações com os vários discursos que o constituem.

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institucionais, normativos, alunos e professores estão em constantes interações com os demais

agentes institucionais (gestores, coordenadores, etc), às vezes complementar e sempre inter­

relacionadas. Embora seja formalmente constituído, é constitutivo de identidades e práticas

sociais entre si e o contexto externo. Enquanto campo de produção de conhecimento, dispõe

de uma relativa autonomia e, portanto, de possibilidades de intervenção na realidade. Este é o

debate que empreendemos no campo de pesquisa denominado Centro de Educação ETHOS 43 .

43 A IES pesquisada recebeu o nome fictício de “Centro de Educação ETHOS”, mediante o nosso interesse e compromisso de preservar a sua identidade.

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CAPÍTULO V O DISCURSO OFICIAL NO CAMPO ACADÊMICO

[...] a própria experiência de si não é senão o resultado de um complexo processo histórico de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria interioridade.

(LARROSA, 2002)

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5 O DISCURSO OFICIAL NO CAMPO ACADÊMICO

nossa inserção reflexiva no âmbito acadêmico, ou campo científico, ou,

ainda, no contexto da prática e contexto de resultados, buscamos analisar as

implicações dos discursos oficial e institucional na constituição da

docência, bem como em que sentido é projetada a identidade docente. É no contexto da

prática ou contexto interno de constituição da docência que os discursos oficial e institucional,

que dão forma e conteúdo ao currículo formal instituído, inter­relacionam­se ou se

entrecruzam, e conferem materialidade discursiva ao currículo. Portanto, é no interior da IES

que podemos consolidar ideias que vêm sendo construídas no percurso investigativo,

permitindo confirmar, reposicionar ou refutar nossas hipóteses referentes às implicações do

discurso pedagógico oficial nas políticas institucionais pedagógicas, na constituição

identitária docente. É lá (no Centro Acadêmico ETHOS) que procuramos identificar sinais de

materialidade de sentidos projetados para a constituição da docência, a partir das diretrizes

curriculares. Em outras palavras, seguindo os questionamentos formulados no primeiro

capítulo, buscamos analisar a materialidade do discurso pedagógico no âmbito institucional,

identificando as implicações do discurso pedagógico oficial. Fugindo ao determinismo e/ou

linearidade de estruturante e estruturado, nesse campo de discursividade de dimensão

pedagógica institucional prevista no Quadro 04 ­ Análise do Corpus da Pesquisa ­ também

procuramos identificar mecanismos de mobilização das condições e potencialidades internas

no sentido de se conquistar a autonomia emancipatória.

Essa possibilidade parece crucial quando os sujeitos da docência, assim como os

Cursos de Graduação em Tecnologia, indicam enfrentar desafios dos mais diversos. No

discurso pedagógico oficial, as DCNG/CST, enquanto instituintes de sentido e projeto de

identidade, caracterizam essa modalidade acadêmica:

[...] como importante estratégia para que os cidadãos tenham efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade, que tanto modificam suas vidas e seus ambientes de trabalho. Para tanto, impõe­se a superação do enfoque tr adicional da educação profissional, encarada apenas como preparação para a execução de um determinado conjunto de tarefas, em um posto de tr abalho determinado. A nova educação profissional, especialmente a de nível tecnológico, requer [...], além do domínio operacional de uma determinada técnica de tr abalho, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico e do conhecimento que dá forma ao saber técnico e ao ato de fazer, com a valor ização da cultura do trabalho e com a mobilização dos valores necessár ios à tomada de decisões profissionais e ao monitoramento dos seus pr ópr ios desempenhos profissionais, em busca do belo e da perfeição (BRASIL, Parecer..., 2002, p. 14, grifo nosso).

A

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Nesses termos, a interação diária dos professores estaria orientada a partir de

currículos organizados “de acordo com valores que fomentem a criatividade, a iniciativa, a

liberdade de expressão, a intuição, a inovação tecnológica, a descoberta científica, a criação

artística e cultural, bem como suas respectivas aplicações técnicas e tecnológicas” (BRASIL,

Parecer..., 2002, p. 27). Essa expressão de materialidade discursiva evidencia uma

intertextualidade composta pela junção do discurso, que apela para valores sociais

universalmente reconhecidos e desejados (acesso às conquistas científicas e tecnológicas da

sociedade), da mesma forma em que fetichiza “conquistas científicas e tecnológicas da

sociedade” e vende a ideia de que elas “modificam suas vidas e seus ambientes de trabalho”.

Na sua dubiedade tecnologizada, recorre a elementos de conservação da ordem social vigente

quando circunscreve a formação de profissionais ao “domínio operacional de uma

determinada técnica de trabalho” (contraditoriamente, negado), e apela para “valores

necessários à tomada de decisões profissionais e ao monitoramento dos seus próprios

desempenhos profissionais, em busca do belo e da perfeição”.

Aos professores foi destinado o papel de:

a) incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos; b) incentivar a produção e a inovação científico­tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho; c) desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços. d) propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias. e) promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições do trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós­graduação. f) adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos. g) garantir a identidade do perfil profissional de conclusão do curso e da respectiva organização curricular.

Esses objetivos levam a advertir sobre a constituição dos sujeitos enquanto processo

histórico e enquanto pensamento e ação, capaz de constituir­se ser humano, não obstante

esteja sujeito às influências dos discursos que, por meio de processos de subjetivação, buscam

tornar os seres humanos sujeitos “assujeitados”. É sob esta perspectiva que a Resolução nº 3

de 18/12/2002, em seu Art. 1º, ao caracterizar a Educação Profissional de “nível tecnológico”

(não foi utilizada a expressão: nível superior), dimensiona a docência “integrada às diferentes

formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia”, ao mesmo tempo em que

estabelece como principal objetivo “garantir aos cidadãos o direito à aquisição de

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competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais

nos quais haja utilização de tecnologias” (grifos nossos).

Não queremos aqui estender a discussão em torno da escolha entre formação

acadêmico­científica e formação profissional tecnológica, como se elas não pudessem

conviver pacificamente. Decerto que as controvérsias explícitas e implícitas estão a requerer

reflexões e revisões profundas, especialmente no sentido da superação da dualidade e/ou

segmentações dicotômicas promotoras de conflitos identitários, vivenciados, possivelmente,

de forma solitária, silenciosa e silenciada, em um campo marcado pela dualidade e minado

pelas relações político­ideológicas de cunho neoliberal. O que os argumentos apresentados

sinalizam é que elas necessitam ser discutidas e apropriadas como objeto de estudo nos

âmbitos privilegiados para fins dessa natureza (universidades, ANFOPE, ANPED, entre

outro).

Dito isto, parece sensato atentar para o fato de que os professores se constituem,

também, como “mediadores pedagógicos nesse processo de construção, ao mesmo tempo em

que são instrumentos através dos quais se ‘filtram’ em tal processo todos os

condicionamentos culturais e profissionais que o professor dá para a mediação que realiza”

(SACRISTÁN, 2000, p. 193). Neles pode se esconder, também, uma “potencialidade de

novas palavras, de uma nova linguagem”. Portanto, é ilusório pensar que as mudanças possam

ocorrer sem a participação/adesão e real compreensão, por parte dos professores, dos

pressupostos que se pretende ver materializados.

5.1 O campo institucional acadêmico no espaço­tempo pedagógico

O Centro de Educação ETHOS, localizado em uma cidade pernambucana, situado na

Região Metropolitana, é caracterizado como uma IES privada, sem fins lucrativos, que há

muitos anos atua na área de educação. Sua mantenedora integra o campo da Educação que se

estende do nível básico ao superior e abrange todo o Estado de Pernambuco. Estão incluídos

entre suas programações diferentes cursos de pós­graduação (presencial e a distância), assim

como uma variedade de cursos de extensão. Dentre os cursos de graduação ofertados, três

tornaram­se alvo de nosso interesse investigativo: Curso Superior em Tecnologia em

Gastronomia, Curso Superior em Tecnologia em Design de Moda, Curso Superior em

Tecnologia em Eventos.

A IES dispõe de diversos órgãos colegiados, entre os quais damos destaque ao

Conselho Superior, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, Conselhos de Cursos,

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Colegiados dos Cursos, Comissão Própria de Avaliação. Com base em nossas observações e

registros, esses órgãos atuam dentro dos padrões estabelecidos pelos órgãos reguladores e

gozam de relativa autonomia.

Várias outras instâncias compõem a instituição, que dispõe de diversos ambientes

pedagógicos, dentre dos quais fazemos referência aos laboratórios bem equipados e às salas

de aula climatizadas e bem providas (carteiras escolares confortáveis, projetor de multimídia,

telas de projeção com caixa de som, TV, aparelho de DVD, etc.), cuja capacidade física

comporta em torno de 30 a 40 alunos. Estes requisitos físico­estruturais estão entre os que,

convencionalmente, vêm sendo apontados como condições propulsoras do bom

desenvolvimento das atividades docentes e discentes.

Compreendemos, no entanto, que a estrutura organizacional não encerra a razão de ser

das IES, embora dela não se possa abrir mão. As práticas institucionais e organizativas

também são alimentadas por variáveis externas (políticas, tecnologia, setor produtivo, etc.),

retraduzidas no campo institucional pedagógico (âmbito interno).

Temos a acrescentar que:

Conhecer o marco legal de uma instituição, sua estrutura material formal é, de fato, conhecê­la pouco, e deter­se apenas nisso supõe desconhecer o que realmente ela é como funciona: o que a instituição tem de instituído e de constituinte, de tensões e de acordos, os modelos de distribuição de poder e de relações entre pessoas e funções, Isso, na verdade, é o que constitui a "cultura" de cada instituição, sua natureza como sistema específico (ZABALZA, 2004, p. 7).

Portanto, outras variáveis foram alvo de nossas observações e análises. Analisamos

algumas práticas discursivas, que, entre outras coisas, sinalizam aspectos organizativos,

relações humanas e de poder, entre os quais destacamos: Plano de Desenvolvimento

Institucional (PDE), Projeto Pedagógico Institucional (PPI), Projetos Pedagógicos de Curso,

Plano de Cargos e Salários, Política de Ensino, Pesquisa e Extensão, Política de Formação

Continuada e Manual do Professor.

Nesse processo de mobilidade dos discursos, ou processos de refração e retradução ou

de recontextualizadores dos discursos, Bourdieu (2004) desenvolveu estudos que permitem

compreender uma IES como um campo científico dotado de relativa autonomia e de leis

próprias. Entretanto, conforme explica esse sociólogo, também está submetida a leis sociais

que não são as mesmas. Enquanto campo científico, sofre as influências dos vários contextos

sociais, embora disponha de autonomia parcial e relativamente acentuada em relação a eles,

em que pese o grau de estar essa autonomia vinculada aos sujeitos e aos campos, ou seja,

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trata­se de uma conquista, como ressalta Bourdieu:

Um dos problemas conexos será, evidentemente, o de saber qual é a natureza das pressões externas, a forma sob a qual elas se exercem, créditos, ordens, instruções, contratos, e sob quais formas se manifestam as resistências que caracterizam a autonomia, isto é, quais são os mecanismos que o microcosmo aciona para se libertar dessas imposições externas e ter condições de reconhecer apenas suas próprias determinações internas (BOURDIEU, 2004, p. 20­21).

Para esse autor, as pressões externas, de qualquer natureza, são refratadas, retraduzidas

ou mediatizadas pela lógica do campo que se configura enquanto espaço de lutas,

concorrência entre desiguais, com regras estabelecidas (mesmo que, muitas vezes, não

explícitas), caracterizando­se como antagônico, contraditório, dialético e, por isso mesmo, em

permanente constituição. Em função da autonomia relativa e da capacidade de mudança, a

possibilidade de conservar ou transformar a sua estrutura advém da capacidade de

mobilização e do sentido em que caminhem os seus agentes (BOURDIEU, 2004).

Acrescente­se que, mesmo nos referindo à IES enquanto conjunto das instituições de

Educação Superior, no campo institucional considerou­se também sua história, bem como

elementos que compõem suas especificidades, ainda que não se possa perder de vista que

esses processos que lhe conferem identificação institucional sejam também constitutivos no

âmbito das relações histórico­sociais e de poder. Portanto, não estão circunscritos ao campo,

ou seja, em si mesmos. Destarte, importa considerar intrínsecos os movimentos dialéticos e,

portanto, contraditórios, tal como ocorre na realidade, permitindo as mudanças e transição

capazes de favorecerem, também, processos de refração e de retradução das pressões externas,

sem os quais tornariam sem sentido humano os processos educativos.

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5.2 O discurso pedagógico institucional: marcos orientadores

No corpus documental, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) figura, entre os documentos institucionais exigidos pelo MEC 44 , como um dos mais importantes, também

considerado de identificação da IES no que diz respeito à sua filosofia de trabalho, missão a

que se propõe, diretrizes pedagógicas que orientam suas ações educativas, estrutura

organizacional e atividades acadêmicas que desenvolve e/ou que pretende desenvolver por um

período de cinco anos. É composto de vários tópicos vistos como relevantes e

complementares, dentre os quais consta entre os capítulos propostos pelos órgãos reguladores

o Projeto Pedagógico Institucional (PPI), os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC); Políticas

Institucionais (ensino, pesquisa, extensão, gestão, entre outros) e Regimento Interno (RI).

Considerando que nossas primeiras aproximações com o campo de pesquisa tiveram início a

partir de 2008, os nossos registros contêm dados relacionados a dois momentos vivenciados

pelo Centro de Educação ETHOS, os quais correspondem a dois PDIs: um equivalente ao

período de 2005/2009 e outro previsto para o período 2010/2014, particularidade esta

significativa para as nossas análises. Antecipamos, com base nas palavras de Apple (1999, p.

30), no seu desafio intelectual crítico de análise em torno de debates “neos” e “pós”

estruturalistas, que não é tarefa fácil analisar “arenas de poder nas quais estamos envolvidos”.

Em nosso caso, inclui dois modelos de gestão, duas composições de equipes de trabalho e

dois projetos de educação, fundamentados de forma relativamente distinta. Sugerimos se ter

presente o fato de que as análises aqui empreendidas também representam uma tentativa para

equilibrar: “ser crítico, mas basear o ceticismo no reconhecimento de que tanto as escolas

como os atores que nelas agem são complexos” (APPLE, 1999, p. 30).

Durante o nosso percurso investigativo foi possível observar que o PDI relativo ao

período 2005/2009, aos olhos dos coordenadores de curso e atual direção, mostrava­se

“inconsistente”, vindo a ser consultado apenas em situações precisas. Os dados levantados

junto aos entrevistados nos levaram a presumir que esse distanciamento esteve relacionado ao

fato de que dentre os profissionais que participaram de sua elaboração poucos permaneceram

na IES, haja vista uma reestruturação promovida pela mantenedora 45 , iniciada em 2008 e

gradativamente estendida ao início do ano de 2010. Acrescente­se que, em instituições

privadas de ensino superior, semestralmente é possível ocorrer rotatividade de professores,

44 Documentos necessários ao Credenciamento e/ou Recredenciamento de IES estão disponíveis em: http://www4.mec.gov.br/sapiens/pdi.html. Acesso em: 20 nov. 2009. 45 Mantenedora pode ser caracterizada como pessoa física ou jurídica de direito público ou privado que provê as condições necessárias para o funcionamento de uma IES que dela depende administrativa e economicamente.

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decorrente da instabilidade contratual, que está vinculada à existência, ou não, de aulas a

serem ministradas, uma vez que a formação de novas turmas depende do ingresso de novos

alunos selecionados por meio de exames de vestibular. O certo é que, em se tratando do PDI

2005/2009, não raramente constatamos críticas dos novos integrantes da instituição,

especialmente as relacionadas à estrutura do documento, distorções, obsolescência de

informações normativas e, raramente, aquelas relacionadas a pressupostos teórico­

metodológicos ou ideológicos.

Em síntese, o mencionado documento sugeria um modelo de educação para um campo

“idealizado” pelos produtores do discurso que, de forma intertextual, reuniram frações de

duas epistemologias distintas. Por um lado, recorriam, de forma explícita, a fragmentos da

epistemologia crítica e libertadora dos seres humanos e em favor de uma sociedade mais justa

e igualitária (cita Paulo Freire como referência). Por outro, ancorados na epistemologia da

prática, baseavam­se nos estudos de Perrenoud (1999) para adoção do “Modelo de

Competências”. Ocorre que essa “(in)conformidade discursiva” – melhor dizendo, essa

intertextualidade colonizada pela ideologia neoliberal, ou, mais precisamente, influenciada

pelo discurso pedagógico oficial – manteve­se obscurecida pela ausência de debates,

aprofundamentos, problematizações ou de reencaminhamentos capazes de darem

materialidade aos propósitos anunciados.

Além dessa “intertextualidade” híbrida, como expressões de materialidade discursiva

do PDI 2005­2009, extraímos as seguintes ideias­força:

1) Uma excessiva responsabilidade é atribuída ao indivíduo, quando se afirma que ele deve

“b) desenvolver a consciência de que é agente de transformação na sociedade [...]”, ou

quando lhe confere a responsabilidade de “comprometer­se com suas crenças e opções

pessoais e profissionais [...]” (PPP 2005­2009, p. 5, grifos nossos).

2) A educação é apresentada como determinante das mudanças sociais, como, por exemplo,

quando faz a opção “[...] por uma educação capaz de construir uma sociedade democrática,

[...]” (PPP 2005­2009, p. 6), que seria ofertada pela IES com a finalidade reducionista e linear

de “fornecer uma educação que assegure condições de laboralidade do trabalhador” (PPP,

2005­2009, p.7, grifos nossos).

3) O mencionado plano sinaliza estratégias de tecnologização, comodificação e colonização

dos discursos ao fazer uso de um discurso que, de forma aparentemente apologética, afirma:

a) É a vez das ideias, que, na opinião de Gary Becker, caracteriza o atual momento de hoje, mais valor izadas do que os ativos físicos (PPP, 2005­2009, p. 7).

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b) Os aspectos inovadores da atual legislação da educação nacional, como a organização cur r icular baseado no modelo de competência [...] (PPP, 2005­2009, p. 7).

c) As bases filosóficas que orientam o projeto pedagógico estão vinculadas aos valores consagrados pelas diretrizes curriculares nacionais [...] (PPP, 2005­2009, p. 10, grifos nossos).

Dos pontos levantados, o primeiro permite considerar que o discurso Pedagógico

Institucional (período 2005­2009), além sugerir certo apelo aos sentimentos dos destinatários

(consumidores do que será “fornecido”), indica basear­se em um ideal de “indivíduo

soberano’, conforme discute Hall (2006, p. 30), “com as suas (dele) vontades, necessidades,

desejos e interesses [...]” assegurados. A constituição desse “indivíduo”, de forma

ideologizada aos moldes neoliberais, seria fruto da “[...] formação de um trabalhador que, em

suas relações sociais, em suas interações com a realidade que o cerca, seja senhor de sua

vontade e de suas atitudes” (PPP, 2005­2009, p. 5, grifos nossos). Nessas circunstâncias, há

que se atentar para o fato de, nos processos de constituição do “eu”e/ou constituição

identitária, a cultura que se busca veicular por meio do currículo escolar, exerce grande

influência. Conforme analisa Larrosa (2002, p. 45):

Se a experiência de si é histórica e culturalmente contingente, é também algo que deve ser transmitido e ser aprendido. Toda cultura deve transmitir um certo repertório de modos de experiência de si, e todo novo membro de uma cultura deve aprender a ser pessoa em alguma das modalidades incluídas nesse repertório. [...] em qualquer caso, é como se a educação, além de construir e transmitir uma experiência ‘objetiva’ do mundo exterior, construísse e transmitisse também a experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como ‘sujeitos’.

Nesse processo de mediação pedagógica da pessoa consigo mesma, as ideias­força

registradas indicam, da mesma forma, uma hibridez teórico­ideológica que sobrepõe o

interesse individual ao coletivo. Concordamos com Escóssia e Kastrup (2005) que este

debate, no campo filosófico e sociológico, contém em si o germe das lutas históricas entre os

interesses privados (indivíduo) e os interesses públicos (coletivo) e/ou estrutura e sociedade,

bem como Estado e luta de classes (DURKHEIM, 1989, 1995; WEBER, 1979, 1983;

GIDDENS, 2002, BOURDIEU, 2010a). Nesse confronto de ideias em que a dicotomia tem

sido o caminho mais adotado, paira o entendimento de que preexistem dois polos

independentes e alheios à vontade dos homens. Seguindo o entendimento dessas autoras

(ESCÓSSIA; KASTRUP, 2005, p. 295), “[...] o conceito de coletivo tem sido frequentemente

utilizado, seja no âmbito da psicologia, seja no âmbito da sociologia, para designar uma

dimensão da realidade que se opõe a uma dimensão individual”. Essa separação histórica nos

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âmbitos de domínio da sociologia e da psicologia, cuidadosamente analisada pelas autoras

aqui referendadas, vem apontando avanços nas discussões, de forma que os conceitos

individual e coletivo perdem o sentido enquanto lógica dicotômica, “na medida em que as

separações e oposições estabelecidas entre humano e não humano, psíquico e social, natureza

e artifício, indivíduo e sociedade, perdem o sentido”, embora isto não signifique dizer que

“não haja distinção entre as dimensões do real”. Felizmente, as pesquisadoras advertem que

”distinguir não é separar”. Dessa forma, propõem o que consideramos de grande pertinência:

conceber o conceito de coletivo para além das dicotomias.

Se tomarmos o par indivíduo­sociedade, veremos que não se trata de opor os termos, uma vez que ambos são atravessados pelas duas segmentaridades ao mesmo tempo. Indivíduo e grupo social são feitos de linhas e fluxos: linhas de segmentaridade dura, linhas flexíveis, linhas de fuga (ou fluxos). Embora as linhas da segmentaridade dura operem com segmentos bem determinados, como família e profissão, e as linhas flexíveis operem com devires ou microdevires, não se pode dizer que as segundas sejam mais íntimas ou pessoais. Elas atravessam as sociedades e os grupos, assim como os indivíduos. As linhas são imanentes umas às outras (ESCÓSSIA; KASTRUP, 2005, p. 300).

Com isto estamos ratificando que o plano em análise (2005­2009) posiciona­se no

extremo de atribuir ênfase ao aluno, identificado apenas em sua dimensão individual,

permitindo presumir o entendimento de “sujeito” na versão iluminista a qual se reporta Stuart

Hall (2006, p. 10), caracterizado como “um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado

das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo

interior [...]” que lhe assegurava uma identificação perene. Por outro lado, a centralidade no

indivíduo, tornando­o responsável pelo seu fracasso ou sucesso, aponta para a lógica

neoliberal, que, ao incentivar o progresso individual, anula os determinantes de várias outras

ordens (sociais, políticos, ideológicos, etc.).

Ao contra­argumentarmos que, na atual realidade, afirmar a presença do eu centrado é

obscurecer a realidade, não significa negar a utopia de que os currículos possam vir a

contribuir para a constituição de identidades politicamente centradas, conforme defendem

Moreira e Macedo (2002), desde que não venham a neutralizar o compromisso com os

indivíduos e coletivos, com ênfase nos grupos excluídos e/ou silenciados e negados.

Tampouco se utilizem da opacidade para negar, especialmente aos envolvidos, as relações

ideológicas e de poder inerentes às práticas discursivas. Nos termos em que se apresenta o

discurso em análise, negar a existência da dominação seria o mesmo que lhe conferir forças.

Isto reporta a Bourdieu (2004, p. 27), quando se contrapõe às críticas que atribuem os seus

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estudos de “determinismo rígido e do sociologismo dogmático”: “o mal da sociologia é que

ela descobre o arbitrário, a contingência, ali onde as pessoas gostam de ver a necessidade ou a

natureza [...]; e que descobre a necessidade, a coação social, ali onde se gostaria de ver a

escolha, o livre­arbítrio”.

Nos termos referidos, ainda é possível identificar que a educação proposta para a

gestão 2005­2009, conforme foi apresentada, assumia a condição de responsável pela

liberdade individual, realidade social, ao mesmo tempo em que lhe era atribuído o papel de

“[...] chave matricial para que as pessoas possam exercer plenamente a sua cidadania, tanto no

âmbito econômico quanto no social e político” (BOURDIEU, 2004, p. 6), ou seja, a educação

como “redentora da sociedade” ou, na visão de Saviani (1983), uma tendência ou teoria não

crítica da educação, alheia ao contexto do qual é constituída e constituinte. Uma educação

considerada acima dos problemas sociais, autônoma e determinante, sem que seja

determinada pela realidade social.

No que tange à docência, alguns elementos, embora não estejam formalmente

explícitos, deixam sinais de sua pretensa materialidade e oferecem indicativos de análise,

entre os quais destacamos:

1. Os princípios pedagógicos [...] têm como premissa criar as possibilidades para a produção e a construção do conhecimento pelo professor e pelo aluno, a par tir dos valores definidos para a Faculdade, como igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, da liberdade de aprender e ensinar, da valorização dos profissionais de educação e dos demais princípios expressos na LDB, além dos valores estéticos, políticos e éticos como norteadores da educação superior (PPP, 2005­2009, p. 9).

2. O planejamento curricular tem como princípio norteador, a flexibilidade, marcada pela prática pedagógica interdisciplinar e contextualizada, cuja identidade dos cur sos pauta­se pelos per fis de conclusão, delineados em conformidade com o contexto social e econômico (PPP, 2005­2009, p. 10, grifos nossos).

Os conceitos acima, além de sinalizarem para uma controvertida retórica,

possivelmente pela forma, aparentemente, descontextualizada e híbrida – inclusive sem

indicações de como seria efetivada –, permitem presumir um “vazio de sentidos”. O conceito

de planejamento indica uma afiliação à Resolução CNE/CP 3, de 18/12/2002, que institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos Cursos

Superiores de Tecnologia (Art. 1º, já exposto no capítulo II, seção 2.2). No entanto, no

processo de recontextualização do discurso pedagógico oficial, os conceitos sofreram um

processo de deslocamento dos significados, dando origem a um novo discurso ou a um

intradiscurso (Bernstein, 1996). Tal intradiscursividade deu origem a enunciados, tais como:

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A tecnologia está à disposição do aluno, tendo como meta desenvolver as possibilidades individuais, tanto cognitivas como afetivas, sociais e estéticas, por meio da utilização e da experimentação no espaço da aprendizagem, seja presencial ou virtual. A prática docente responde às questões reais do estudante, que chega até ela com todas as suas experiências vitais, e deverá utilizar­se dos mesmos recursos que contribuíram para transformar sua mente fora dali. A tecnologia educacional entendida na sua dimensão instrumental, aliada à didática, responderá pelo caráter transformador da prática pedagógica (PPP, 2005­2009, p. 13).

Na sua materialidade, o discurso pedagógico institucional (2005­2009) permite inferir

que a incorporação de novos sentidos projetados pelo discurso pedagógico oficial, no

processo de retradução ou de recontextualização, deu­se por meio de diferenciadas formas de

interpretação. Ao discutir a avaliação do processo de ensino e aprendizagem, a IES a concebe

com a finalidade de favorecer “[...] a consecução dos objetivos da educação, ou seja, a

formação de pessoas competentes na sua área de atuação e, ao mesmo tempo, capazes de

viver o exercício da cidadania”. Neste sentido as práticas avaliativas inerentes aos Cursos

Superiores de Tecnologia, nos moldes previstos no documento, sugerem que “a prática

avaliativa cumpra o duplo papel de regular as aprendizagens e identificar seus resultados”

(PPP, 2005­2009, 14).

A avaliação prevista para cumprir sua função educativa tem como objetivo diagnosticar e estimular o avanço do conhecimento e ver ificar se os r esultados estão voltados para orientação da aprendizagem e se está planejada para além do desempenho do aluno, o que significa ser extensiva à totalidade das unidades de ensino e parte integrante da proposta pedagógica da IES (PPP, 2005­2009, p. 14, grifos nossos).

Os extratos de materialidade aqui apresentados parecem significativos e reportam às

reflexões de Bernstein (1996) acerca do discurso pedagógico, enquanto princípio para

apropriar outros discursos com a finalidade de aquisições e de transmissões seletivas. O

discurso, ao ser deslocado de um contexto e relocado em outro, deu­se a partir dos próprios

princípios do campo recontextualizador, os quais foram, seletivamente, focalizados e

ordenados. “Trata­se de um princípio recontextualizador que, seletivamente, apropria,

recoloca, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua própria ordem e seus

próprios ordenamentos” (BERNSTEIN, 1996, p. 259). Consequentemente, o texto que é

produzido já não é o mesmo de sua origem. Trata­se de um texto imaginário que no processo

de recontextualização sai da condição de intertextualidade e assume o caráter de

intratextualidade, conforme advoga este estudioso do discurso pedagógico:

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[...] um texto, no campo da produção do discurso, deve ser um texto original, criado por uma mente individual e independente, visando à obtenção do máximo renome, este texto original, embora, talvez admita necessariamente alguns de seus antecedentes, tende a proclamar seu caráter único: ele nega a intertextualidade e afirma uma autoria exclusiva (BERNSTEIN, 1996, p. 259).

Em tais condições, o discurso regulativo 46 torna­se pré­condição para um discurso

pedagógico, mesmo que originando novas regulações. Nesse processo em que se dá um

aparente embate entre o discurso instrucional, forjado no campo da produção do discurso

pedagógico oficial, e as teorias e práticas já legitimadas no campo da prática pedagógica, dá­

se também origem a um novo discurso regulativo na forma discutida por Silva (2009, p. 127),

ou seja, um discurso “que de algum modo, responde às postulações oficiais e leva os

educadores a aderirem ao projeto de escola – e de sociedade – posto pelos enunciados da

reforma e por seus propositores, ainda que tal adesão se dê de forma limitada”, por várias

razões que variam desde a inadequação texto/contexto e/ou relativo desconhecimento do que

está posto, até a resistência à ordem vigente.

Quanto aos princípios incorporados do discurso oficial ao discurso pedagógico

institucional, consideramos que são inúmeros os efeitos da pretensa reforma da Educação

Superior. Aqui comporta observações feitas por Oliveira, R. (2010), que, ao fazer um

percurso investigativo em torno da Educação Profissional desenvolvida nos países da América

Latina, afirma que:

[...] a regulação da educação profissional em quase toda a América Latina serve como um construto ideológico utilizado pelo capital objetivando blindar o Estado contra as críticas potencialmente feitas em virtude do aumento da pobreza e da crise do emprego. Serve também como um espaço de criação de uma referência para compreensão do real, no qual o coletivo se esfuma. Tal empreitada vincula­se com o objetivo de tornar o indivíduo, em detrimento de presença estatal, o único responsável por sua condição social (OLIVEIRA, 2010, p. 32).

Sob o nosso entendimento, essa perspectiva de análise pode ser aplicada a todos os

níveis dessa modalidade acadêmica. No que tange ao fato de o PPI 2005­2009 ter se tornado

um documento sem expressão e de uso em situações pontuais, pode indicar, entre outras

coisas, uma saudável “resistência”. Também consideramos que essa atitude dá sinais de que a

elaboração de um projeto ou plano, no qual estejam formalizados princípios, valores, metas a

46 Nos termos adotados por Bernstein (1996, p. 258): “Chamaremos de discurso instrucional, o discurso que transmite as competências especializadas e sua mútua relação; chamaremos de discurso regulativo o que cria a ordem, a relação e a identidade especializadas”.

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199

serem atingidas por todos, mesmo quando são coerentes com a realidade desejada, por si só

não mobiliza para que as intenções sejam acatadas e/ou transformadas em ação, o mesmo

podendo ocorrer com as políticas de educação.

Confirmando o já referido pensamento bourdieusiano (2004b, p. 21), que considera o

campo científico “um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações etc., que são,

relativamente, independentes das pressões do mundo social global que o envolve”, esse

distanciamento entre “pensado e vivido” revelou­se indicativo de que as etapas de concepção

e de execução inerentes a uma política de educação foram tratadas como etapas distintas. Seus

idealizadores parecem ter­se esquecido de que existe um universo intermediário chamado

campo científico. Portanto, faz­se necessário contar com a participação dos sujeitos

diretamente envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, favorecendo que todos se

sintam parte integrante da proposta pedagógica institucional, uma vez que só é possível

comprometer­se com o que se conhece, com o que se acredita. Supõe­se que, em função disso,

e em consequência de alteração na legislação, o mencionado PDI (2005­2009) tenha passado

por sucessivos ajustes, sem conseguir satisfazer as expectativas dos coordenadores e direção,

bem como não tenha sido suficientemente difundido e se tornado material para consultas

necessárias e pontuais.

Chamamos a atenção para o fato de que, além dos processos de refração, retradução e

de resistência aos quais foi submetido o mencionado PDI (2005­2009), some­se a expiração

do período de sua vigência. Em função disso, foi desencadeado um movimento no sentido da

construção de um novo PDI com vigência para o período 2010­2014. Essa iniciativa também

havia se tornado condição necessária à solicitação de renovação do Reconhecimento dos

cursos, bem como de Recredenciamento da IES, junto ao MEC. Dessa forma, a IES esteve,

explicitamente, submetida a impactos decorrentes de mudanças ocorridas no âmbito externo

(a legislação) e interno (sua relativa autonomia para refratar e retraduzir as pressões externas)

ao campo institucional. Numa demonstração de que, no interior da IES, os sujeitos

(re)constroem representações, mesmo pautando­se no discurso oficial pedagógico que

materializa o poder simbólico, a instituição procurou se redesenhar a partir de um novo

instrumento de gestão.

Seguindo o tempo­espaço pedagógico vivido no Centro Acadêmico ETHOS, é

possível entender que a IES hoje vive uma nítida fase de transição entre propostas de gestão,

projetos institucionais pedagógicos, estrutura organizativa – elementos que trouxeram

implicações para a prática pedagógica (professores, currículo, alunos e, consequentemente,

para a docência). Essas implicações refletiram na condução dos processos de construção e

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definição de novas diretrizes pedagógicas e de gestão da IES.

O processo de construção do novo PDI foi conduzido pela Direção Geral e Direção

Acadêmica da IES, com a participação dos demais membros considerados de gestão

(coordenações de cursos, coordenação de avaliação institucional, coordenação de

planejamento, administração e finanças, secretaria acadêmica, assessoria pedagógica,

assistência de direção).

Nesse processo, o Planejamento Estratégico, parte integrante do PDI, foi coordenado

por uma consultoria especializada nessa especificidade (especialmente no que tange à

sustentabilidade financeira da IES), sob a mediação da Direção Geral da IES. As discussões

foram iniciadas para “sintonizar o discurso” do consultor aos interesses dos novos produtores

do discurso institucional da Faculdade ETHOS. Por parte do consultor, pudemos constatar

capacidade, habilidade para conduzir processos de elaboração de Planejamento Estratégico,

bem como a disposição em conhecer as especificidades do campo acadêmico. Por outro lado,

pudemos constar sinais de urgência decorrente da exiguidade de tempo (os trabalhos sofreram

atraso decorrente das mudanças na estrutura e organização do corpo diretivo da instituição).

Todos estes elementos, somados a outras necessidades (conciliação de entendimento,

fragilidades teórico­metodológicas, etc), tornaram­se decisivos na condução e morosidade no

processo de produção do documento.

Entre conflitos, discordâncias, revisões semanais de enunciados discursivos, o segundo

PDI foi, gradativamente, tecido entre “altos e baixos”, às vezes em ritmo lento, mas sempre

em sentido crescente. Podemos dizer que houve mais necessidade de adequação do consultor

à realidade institucional e às bases teóricas e legais, que conferiam vigor ao debate, do que o

inverso, sem que isto tenha desqualificado a participação dos diretamente envolvidos.

Dizendo de outra forma, o conhecimento da realidade, a segurança para onde se queria

chegar, bem como a capacidade de organização no sentido de serem identificados caminhos

para se atingir as finalidades dos processos institucionais foram maximizados pela relativa

sintonia de interesses profissionais dos integrantes da IES (mesmo havendo discordâncias

entre eles, em alguns pontos e conceitos). Neste sentido, mereceu atenção o fato de que,

embora o consultor estivesse investido de poder “conferido” pela Mantenedora, diante de sua

história profissional junto à mesma, as relações de poder sofreram alternância na sua fluidez,

na medida em que a força constitutiva do habitus acadêmico, inerente aos integrantes do grupo e à força do coletivo, contribuiu para favorecer a autonomia relativa dos representantes

que conduziram o delineamento e bases conceituais da educação pretendida pela IES. Assim,

a inversão de forças permite se referir à premissa bourdieusiana de que, no interior do campo,

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201

as relações de poder sofrem modificações, na medida em que os agentes dispõem de

condições para refratar e retraduzir conhecimentos, normas e pressões externas ao campo.

Na sequência dos acontecimentos, já no segundo semestre de 2010, o novo PDI 2010­

2014 foi, finalmente, apresentado como norteador de

princípios e bases teórico­metodológicas orientadores dos processos de ensino e aprendizagem e da efetivação de políticas, sem perder de vista o atendimento ao conjunto de normas vigentes e o compromisso com a educação superior de qualidade reconhecida, socialmente responsável e eticamente correta. Ao mesmo tempo, sinaliza caminhos a serem percorrido em função do cumprimento de sua missão institucional (PDI, 2010­2014, p. 10).

Considerando que esse documento representa a totalidade das práticas discursivas da

instituição, bem como a perspectiva de materialidade das relações entre elas, podemos

considerá­lo como expressão da ordem do discurso institucional, nos termos adotados por

Fairclough (2001b, quadro 01 deste estudo). Entre os documentos que compõem o PDI, o

Projeto Pedagógico Institucional (PPI) 47 é destacado como o mais importante documento,

conforme já mencionamos, por expressar as bases teórico­metodológicas, que, de acordo com

o Centro Acadêmico ETHOS, “permite viabilizar convergências de objetivos, interesses e

finalidades, ao mesmo tempo em que busca conferir organicidade às ações nos diferentes

âmbitos acadêmicos” (PPI, 2010­2014, p. 10).

Nossa primeira ponderação acerca do processo de produção do discurso Pedagógico

Institucional é no sentido de se refletir sobre o que extraímos como materialidade discursiva

no discurso da Direção Geral, expressa na Apresentação do PDI (2010­2014, p. 10). Sob o seu

entendimento, houve interesse “[...] no sentido de tornar o documento, uma expressão da

realidade e, portanto, capaz de adquirir vida [...]”. Ainda que não devamos pôr em

questionamento o esforço empreendido pela IES – fato constatado em nossas observações –,

parece pertinente resgatar a experiência não satisfatória, vivenciada em torno do PDI 2005­

2009, em que a não identificação (de integrantes da IES) com o projeto tinha como indicativo

a não participação na concepção do mencionado plano, o que dificultou a sua materialidade.

Portanto, dar vida a um projeto implica, entre outros elementos, que os envolvidos no

processo de planejamento­execução tenham domínio da realidade a fim de que seja possível

se promover condições favoráveis às mudanças desejadas. Consequentemente, isso requer

47 Enquanto o documento que integra o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) ­ versão 206­2009 – tenha recebido a denominação de Projeto Político Pedagógico (PPP), o mesmo documento que integra o PDI, na versão 2010­2014 é denominado pelo MEC de Projeto Pedagógico Institucional (PPI). Nas denominações comportam variadas justificativas, embora o MEC não faça restrições ou veicule esclarecimento sobre essas terminologias.

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uma avaliação criteriosa da realidade vivida, até aquele momento, com a finalidade de

intervenções conscientes, consequentes e coerentes com os interesses e finalidades culturais e

socioeducativas de uma IES. Também presume intervenções coerentes com um projeto de

sociedade que se pretende ver construído, além das condições necessárias para torná­lo real,

em todas as suas nuanças. Para isto, mesmo que a participação tenha se dado por meio de

representação, esses elementos necessitam ser contemplados.

Ocorre que o novo PDI (2010­2014) foi divulgado como inacabado e sujeito a novas

contribuições, assim como foi estimulada a sua permanente reconstrução pela necessidade de

adequação aos propósitos institucionais. Entretanto as nossas observações também permitem

ponderar sobre a necessidade de um maior incentivo às referidas reconstruções, agora

demandas para os professores da IES, de forma que a conclamação não se esgote em retórica

e seja possível ampliar e consolidar os processos democráticos, envolvendo os professores no

projeto de educação, ao quais, juntamente com os alunos, é atribuído o papel de principal

agente. Atente­se, também, para o fato de que a participação figura entre os princípios

institucionais, e a gestão democrática é apresentada como uma variável inerente a esse

princípio que pretende ser materializado por meio da participação dos segmentos acadêmicos

e sociais na gestão das políticas e programas institucionais, de forma a assegurar legitimidade

aos processos instalados. Do que foi observado, até ao final do processo de coleta de dados,

não houve movimentos significativos, além da distribuição de documentos oficiais

(Resolução CNE/CP 3/2002 que institui as DCNG/CST e o PPI 2010­2014).

Vemos a pertinência de considerar a existência de indicativos ou expressões de

materialidade discursiva relacionada à participação democrática, especialmente no que diz

respeito à organização e às deliberações dos órgãos colegiados, compartilhamento de ideias e

participação conjunta dos integrantes em iniciativas institucionais, ampliação dos canais de

escuta e de articulação com a comunidade acadêmica e local, envolvimento direto do corpo

administrativo em vários projetos pedagógicos e instalação dos Núcleos Docentes

Estruturantes (NDE) por curso, conforme propõe o MEC 48 . Essa iniciativa prevê um maior

número de aulas disponíveis por curso para um grupo de professores, destinadas a pesquisas,

estudos, planejamentos, organização e consolidação dos projetos e interesses relacionados a

cada curso de graduação. Consideramos como um significativo passo no sentido de se

desenvolver uma cultura acadêmica de pesquisa e de participação. É bem verdade que a

48 Criado por meio da Portaria MEC nº 147 de 02/02/2007, o Núcleo Docente Estruturante – NDE, além dos colegiados de curso, tem como finalidade assegurar a participação de professores na concepção, acompanhamento e consolidação do Projeto Pedagógico dos Cursos Superiores de Graduação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/portarias/portaria147.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011.

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gestão democrática vai muito além da participação, mesmo que qualificada, em ações

pedagógicas. Bandeira de lutas organizadas de professores e estudiosos da educação, a gestão

democrática continua na pauta de órgãos representativos dos trabalhadores em educação. No

âmbito da iniciativa privada, esse princípio por vezes se esgota em discursos e ações pontuais,

quando não refletem a busca de anuência aos propósitos institucionais, previamente

organizados.

Não obstante, pensar uma IES enquanto campo científico permite­nos buscar

ancoragem nas formulações teóricas de Bourdieu (2004) sobre campo. Para esse sociólogo,

um campo científico não é independente das influências externas, tampouco se move,

exclusivamente, determinado por elas, razão por que, para compreender o campo institucional

acadêmico:

[...] não basta referir­se ao conteúdo textual dessa produção, tampouco referir­se ao contexto social contentando­se em estabelecer uma relação direta entra o texto e o contexto. [...] Minha hipótese consiste em supor que, entre estes dois polos muito distanciados, entre os quais se supõe, um pouco imprudentemente, que a ligação possa se fazer, existe um universo intermediário que chamo campo literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas (BOURDIEU, 2004, p. 20).

Nesse sentido, analisar esse espaço (IES), relativamente autônomo, dotado de leis

próprias, mas não independentes do contexto social mais amplo e do contexto da produção

dos textos oficiais, requer considerar as possibilidades e potencialidades constituídas no seu

interior. Portanto, para se discutir a gestão democrática em uma IES privada – regulamentada

no âmbito oficial e orientada por leis de mercado –, embora não nos pareça pertinente, não se

pode descartar a possibilidade da existência de mecanismos assegurados por sua própria

natureza (relativamente autônoma). Dessa forma, inferimos que, a despeito do exposto,

algumas evidências de materialidade do discurso institucional revelam­se potencializadoras de

mudanças em relação ao que vinha sendo encaminhado a partir do PDI 2005­2009, conforme

analisamos, a seguir.

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204

5.2.1 Concepções, princípios e valores como expressão de um “novo discurso”: o PPI 2010­

2014

Por meio do novo PPI do Centro Acadêmico ETHOS, foram expressos os seguintes

“marcos temáticos”: “Educação e Transformação pela necessidade de serem mais bem

compreendidos, haja vista terem sido anunciados como referências para a apreensão e

intervenção na prática social, ficando os mesmos indicados como subsídios à elaboração de

políticas e práticas de educação.

Tomando como parâmetro experiências vivenciadas nos anos anteriores, a IES

estabeleceu como Princípios Filosóficos e Metodológicos:

1. participação: tem a gestão democrática como exercício da cidadania coletiva (PPI, 2010­

2014, p. 29);

2. inclusão social: o texto focaliza “o reconhecimento e valorização da diversidade cultural,

presente na sociedade, e o respeito às diferenças, e como perspectiva, a inclusão qualificada

dos estudantes nos âmbitos do trabalho cidadão e da sociedade” (PPI, 2010­2014, p. 30);

3. qualidade: esta é apontada como prioridade e sua materialidade “se expressa no

reconhecimento social da educação vivenciada na IES”. Vincula­se ao compromisso com a

qualidade e excelência das ações desenvolvidas em todos os âmbitos. Tem como perspectiva,

“entre outras formas, a inserção social e profissional qualificada dos egressos, no

reconhecimento dos empregadores, na satisfação dos acadêmicos” (PPI, 2010­2011, p. 32).

Também referenda os padrões de qualidade estabelecidos por meio do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior (SINAES), acrescentando aos mesmos elementos

demandados pelos acadêmicos e realidade local;

4. valorização profissional: o texto indica reconhecer a importância de atendimento às

necessidades de aprendizagem permanente, condições de trabalho e salários condizentes com

a realidade econômica do país e sustentabilidade da IES e formação continuada em

articulação com a prática docente (PPI, 2010­2011, p. 32­33, destaques nossos);

5. cidadania: a cidadania ativa, conforme está apresentada no discurso institucional, está

relacionada aos direitos e deveres legalmente estabelecidos e a novas possibilidades e

conquistas coletivas, sendo proposto o exercício da mesma em todas as circunstâncias da vida

humana. Para os formuladores do discurso pedagógico institucional, isto requer disposição e

atitude face à conquista do direito ao trabalho e educação, e de uma sociedade democrática

em que se tem respeitada a dignidade humana, a equidade social, a diversidade cultural, de

credo, étnicas e de gênero (PPI, 2010­2011, p. 33);

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6. interdisciplinaridade: a perspectiva interdisciplinar defendida pela IES “tem como um de

seus pressupostos que em todos os campos da vida humana (social, profissional, familiar, etc.)

vive­se de forma interdisciplinar”. A prática crítica e reflexiva é apontada como um dos

elementos da prática interdisciplinar, da mesma forma que foi identificada como uma das

primeiras atitudes para se trabalhar, de forma interdisciplinar, o conhecimento dos seus

fundamentos básicos (2010­2011, p. 33­34).

Finalmente, no atual PPI estão relacionados valores considerados pela IES como

essenciais à materialização dos princípios expressos:

a ética que, entre tantas outras coisas, ajuda a superar a lógica da competitividade interna que mina condições essenciais ao respeito humano e a se manter uma convivência movida pela respeito a si e aos outros e, consequentemente, ao ecossistema; a solidar iedade que atenta para o reconhecimento das potencialidades, possibilidades e diferenças inerentes aos profissionais, para a importância das redes de interação social, sem esquecer a responsabilidade com a “saúde” da instituição; e compr omisso com a missão, objetivos, alcance de metas, processos, sociedade em geral, finalidades da IES e com as tr ansformações sociais em favor de todos. Convém atentar para o fato de que estes são valores que permeiam todos os demais princípios aqui relacionados (PPI, 2010­2011, p. 41, grifos nossos).

A estruturação do atual discurso pedagógico institucional aponta uma característica

peculiar às instituições de educação: enquanto organização socioeducativa e cultural, ela se

torna constitutiva de práticas discursivas portadoras de valores, ideologias, poder simbólico,

que caracterizam suas especificidades, expressam sociabilidades e lhe conferem razão de ser,

embora necessitem ser vistas como produto de uma dada realidade. Portanto, tais

manifestações não se eternizam. Elas vão sendo redesenhadas e/ou (re)constituídas em seu

processo histórico, podendo ser conduzidas no sentido da manutenção, reorganização e/ou

transformação da realidade.

As evidências de mudança discursiva ocorrida na IES nos conduziram a levantar novas

expressões de materialidade em outras práticas discursivas que compõem a ordem do discurso

institucional. Poder­se­ia admitir que a força direta ou indireta do discurso oficial, com seu

poder ideológico, seria um indicativo de mudança. E quando situado em seu contexto,

especialmente, diante dos processos instalados no interior da IES, foi possível identificar

algumas expressões de maior “relativa autonomia” do discurso institucional. Embora sejam

referendadas as prescrições das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos Superiores de

Tecnologia (DCNG/CST, Resolução CNE/CP 3 de 18/12/2002), no que tange aos parâmetros

orientadores da educação por competência, no PPI 2010­2014 (p. 50­51), está expressa a

advertência de que a proposta curricular da IES não se esgota nessas orientações:

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[...] acrescente­se a importância de investimento na constituição da cidadania plena dos acadêmicos e da intervenção crítico­reflexiva nas transformações sociais em benefício de todos os cidadãos. Isto significa dizer que os projetos pedagógicos dos cursos têm como perspectiva preparar os acadêmicos para o domínio dos fundamentos teórico­práticos e das habilidades necessárias à compreensão e desempenho das profissões, de forma a garantir condições de laborabilidade e de intervenção crítico­construtiva ao trabalhador. Mas, precisa ir além, investindo no desenvolvimento de outr as competências que contr ibuam para compreensão desse fazer , a autonomia, a cr ítica, a cr iatividade, elementos fundamentais ao exercício da cidadania e, por tanto, da intervenção nos destinos da sociedade, abrindo espaços para incorporação de atributos como o respeito à vida, postura ética nas relações humanas, valorização do coletivo e das relações profissionais, contribuindo para a percepção de seu trabalho como uma forma concreta de cidadania [...]. Neste sentido, os conteúdos não devem se r estr ingir ao domínio de competências profissionais. Impor ta que sejam consideradas outr as competências humanas (sociais, políticas, histórico, etc.) assim como os conhecimentos políticos, socioculturais e histor icamente construídos e a produção de novos e significativos conhecimentos (grifos nossos).

Extraídos do seu contexto geral, neste recorte poder­se­ia identificar traços de

materialidade discursiva que conduzem ao entendimento de que há sinais de mudança de uma

perspectiva epistemológica da racionalidade técnica, para a racionalidade prática, com

tendências ao paradigma da racionalidade crítica ou da reconstrução social, fundamentada na

proposta contra­hegemônica, sugerida por Deluiz (2001) e já referida neste estudo. No

entanto, nesse processo de exteriorização de visão de mundo, e por se constituir da e na

diversidade e hibridez que caracterizam os sujeitos e os campos sociais, outros documentos

institucionais tornaram­se alvo de nossas observações, e aqui evidenciamos marcas ou ideias­

força da discursividade dos Planos dos Cursos Superiores de Tecnologia em Design de Moda,

Tecnologia em Gastronomia e Tecnologia em Eventos.

5.3 Traços do desenho curricular dos Cursos de Graduação de Tecnologia

No sentido de ampliar a nossa investigação, extraímos alguns indicativos de

materialidade discursiva dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), nos quais atuam os

sujeitos da pesquisa (professores, coordenadores e diretores de Cursos Superiores de

Tecnologia). Esses elementos também servirão de subsídio à compreensão da análise

desenvolvida no capítulo subsequente, em torno da prática discursiva dos sujeitos

pesquisados, ao mesmo tempo em que buscamos identificar elementos que favoreçam um

melhor entendimento das implicações das políticas de Educação Superior de Tecnologia no

campo institucional e, consequentemente, na constituição identitária docente.

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207

Notadamente, os cursos superiores que são objeto de nossas observações e análises

(Cursos Superiores de Tecnologia em Design de Moda, Tecnologia em Gastronomia e

Tecnologia em Eventos) estão organizados de forma bastante similar e com base nas

orientações estabelecidas no Parecer CNE/CP: 29/2002, que versa sobre a Resolução nº 3 de

18/12/2002 (institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais dos Cursos Superiores de

Tecnologia ­ DCNG/CST). Elaborados com a participação de professores, sob a orientação de

cada Coordenador do respectivo Curso, estão devidamente avaliados e reconhecidos pelo

MEC, alcançando elevado índice de qualidade, especialmente no que tange ao projeto

pedagógico, quer seja institucional, quer seja do curso. Adiante­se ainda que, em dois desses

cursos – incluídos entre os avaliados por meio do Exame Nacional de desempenho (ENAD) –

os alunos atingiram os mais altos conceitos apresentados em nível nacional (cinco e quatro,

respectivamente), ficando o Centro Acadêmico ETHOS posicionado entre as IES de melhor

desempenho do Estado de Pernambuco.

Ainda que eles constituam materialidade discursiva, vemos a pertinência de registrar

que as nossas análises não utilizam como referência os parâmetros de avaliação

convencionalmente estabelecidos e utilizados pelo MEC para aferir o desempenho de

acadêmicos e de IES.

Independente da IES analisada, temos o entendimento de que uma boa pontuação em

testes padronizados, nem sempre constitui expressão da realidade acadêmica, em sua

totalidade, ou responde às expectativas dos estudantes e às reais finalidades de uma IES. Esta

ponderação quer também expressar que não constitui nosso propósito concordar ou discordar

das bases que dão sustentação ao Projeto Pedagógico Institucional em análise, ainda que não

possamos nos furtar de emitir algumas considerações sobre o que se defende e as expressões

de materialidade do discurso. A análise e o tratamento dos dados adotados requerem

autonomia crítico­reflexiva suficiente para não se deixar influenciar pela lógica performativa

que dissemina a cultura do desempenho e que, nas palavras de Fairclough (2001b, p. 60­61),

“tem colonizado a ordem do discurso acadêmico”. Nossa perspectiva de análise busca

compreender a educação como mediação de um projeto social justo, além de considerar que

as práticas discursivas (oficiais e institucionais):

“[...] podem ser determinadas em um sentido mais global pela estrutura social em um nível mais profundo – as relações sociais entre as classes e outros grupos, modos em que as instituições sociais são articuladas na formação social, e assim por diante – e podem contribuir para reproduzi­la e transformá­la” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 90).

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Isto posto, procuramos apresentar evidências de materialidade constitutivas da

organização curricular, agora tomando como referência um curso de bacharelado oferecido

pelo Centro Acadêmico ETHOS. Advertimos que os recortes apresentados são representativos

das respectivas modalidades acadêmicas (bacharelado e tecnologia), e, embora existam

algumas peculiaridades inerentes a cada curso, estas não descaracterizam as concepções que

embasam os PPCs, como um todo.

Quadro 05 ­ Expressões de materialidade discursiva dos Projetos Pedagógicos dos Cursos superiores

Cursos Super iores de Bacharelado: Finalidades

Cursos Super iores de Tecnologia: Finalidades

Duração: em torno de 3.600 horas (4 anos ou 8 semestres). Para o MEC é admissível uma carga horária mínima de 3.000 horas 49 .

Duração: em torno de 2.100 horas (2 anos e meio ou 5 semestres). Para o MEC é admissível uma carga horária mínima de 1600 horas.

Núcleo centr al do discur so: conteúdos disciplinares historicamente construídos (no contexto real, em algumas circunstâncias, utilizam­se os mesmos mecanismos adotados nos Cursos Superiores de Tecnologia: desenvolvimento de competências relacionadas às atividades profissionais que compõem o perfil de conclusão de curso).

Núcleo central do discur so: desenvolvimento de competências relacionadas às atividades profissionais que compõem o perfil de conclusão de curso.

Organização Nacional dos Cursos: por área de conhecimento

Organização Nacional dos Cursos: por eixo tecnológico

Organização Cur r icular : por disciplinas Organização Cur r icular : estrutura modular composta por Blocos Temáticos. Cada módulo responde a uma etapa do processo formativo. Cada Bloco Temático propõe um conjunto de competências articuladas e definidas a partir do perfil profissional estabelecido pelo mercado de trabalho. Princípios orientadores: competência, flexibilidade e contextualização (flexibilização na condução do processo formativo).

Organização das disciplinas: ementas organizadas por conteúdos disciplinares universais ou de saberes socialmente organizados.

Bases tecnológicas: conteúdos como insumos, selecionados no sentido de desenvolver competências que foram estabelecidas a partir do perfil profissional (circunscrito às demandas laborais).

Estágio Cur r icular : (obrigatório) Adoção da Pedagogia de Projetos como alternativa de aproximação com o mercado de trabalho e como instrumento de promoção da interdisciplinaridade

Estágio Cur r icular : (não obrigatório) Introdução de ações interdisciplinares como alternativa de aproximação dos componentes curriculares e como mecanismo de aproximação com o mercado de trabalho.

49 Mais detalhes sobre carga horária dos cursos superiores, ver Anexo ao Parecer n. 436/2001 do CNE/CES Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0436.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2011.

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Quadro 05 ­ (Continuação) Expressões de materialidade discursiva dos Projetos Pedagógicos dos Cursos superiores

Cursos Super iores de Bacharelado: outr as especificidades

Cursos Super iores de Tecnologia: outr as especificidades

Sistema de Avaliação: Avaliação de conhecimentos teóricos e, em situações específicas, associa­se à avaliação do desempenho de competências profissionais. Os conhecimentos práticos são avaliados, entre outras formas, no desenvolvimento de situações problemas, cujos indicadores de desempenho são expressos por meio de conceitos: Excelente (E); Ótimo (O); Bom (B); Regular (R); Ainda Não Suficiente (ANS) e Insuficiente (I). Ao final do último semestre o aluno apresenta um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Sistema de Avaliação: avaliação de competências. Dá­se por meio da observação do desempenho dos alunos, frente ao desenvolvimento de práticas vivenciadas nos laboratórios especializados, cujos indicadores de desempenho são expressos por meio de conceitos: Excelente (E); Ótimo (O); Bom (B); Regular (R); Ainda Não Suficiente (ANS) e Insuficiente (I). Em alguns cursos é solicitado o desenvolvimento de um projeto que compreende a criação e a proposição de uma determinada atividade profissional, considerando as ações necessárias ao seu planejamento, organização, gerenciamento e avaliação. O aluno também dispõe da possibilidade de se submeter à avaliação para certificação de competências adquiridas no trabalho em instituições credenciadas (em Pernambuco, o SENAI é uma instituição credenciada para este fim).

Cursos organizados com terminalidade no final do cur so (estruturado nos moldes convencionados como acadêmicos).

Terminalidade em etapas: várias vias de saída intermediária, articuladas entre si, durante a formação. Essas etapas compõem o itinerário formativo compatível com demandas profissionais emergentes. A organização curricular por módulo pode corresponder a uma etapa e confere Certificado de Conclusão de Curso de Qualificação Profissional. O final do último módulo corresponde ao curso Superior de Tecnologia.

Definição de obr igator iedade do estágio supervisionado em todos os cursos. Adoção da Pedagogia de Projetos como alternativa de aproximação com o mercado de trabalho e como instrumento de promoção da interdisciplinaridade

Estágio supervisionado (não obr igatór io). Introdução de ações interdisciplinares como alternativa de aproximação dos componentes curriculares e como mecanismo de aproximação com o mercado de trabalho.

Organização dos ambientes pedagógicos na perspectiva da articulação: teoria­prática. Como mecanismo potencializador da interdisciplinaridade foi adotado o Projeto Integrador, que procura inter­ relacionar várias disciplinas em torno de uma temática.

Organização dos ambientes pedagógicos na perspectiva da formação de competências.

Fonte: PDI 2010­2014. Produção nossa.

Os dados desses quadros oferecerem alguns subsídios para se observar as

especificidades das duas modalidades acadêmicas. Essa distinção – diferente do que muito

bem propõem Escóssia e Kastrup (2005, 302.) quando afirma que “distinguir não é separar” –

evidencia e consubstancia o entendimento da dualidade na Educação Superior que adquire

materialidade por meio do currículo escolar. Também demonstra que estamos formando, em

nível superior, de maneira distinta e estratificada, e alguns acadêmicos são previamente

direcionados a ocuparem determinados espaços na cadeia produtiva.

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Para não ter que citar todos, atente­se para a organização curricular, a organização das

disciplinas, a organização nacional dos cursos, o tempo mínimo de duração e o núcleo central

do discurso. Assim é que, a organização curricular em módulos tem como justificativa ser esta

uma alternativa para promover a interdisciplinaridade, enquanto princípio curricular, no

âmbito da educação. Em sentido contrário, sua materialidade discursiva se expressa,

essencialmente, na seleção de conteúdos úteis ao desenvolvimento de competências

operacionais, ao mesmo tempo em que foi reduzida a duração dos cursos, que passam a ser

autorizados a partir de 1600 horas, ampliando ainda mais as tensões entre formação para o

trabalho e formação acadêmica, conforme demonstraram as falas dos(as) professores(as).

Basta ver que essas práticas diferenciadas, entre outras coisas, indicam influenciar a

constituição docente, condicionam as identidades sociais e, ao mesmo tempo, delas recebem

influências. Da mesma forma, a proposta de avaliação por competência indica uma

recontextualização dos normativos, mais precisamente das DCNG/CST. Nas nossas análises

pudemos entender que, embora o PPI 2010­2014 apresente­se como superação do documento

anterior (versão 2005­2009) e nele esteja explícita a intenção de ir além do desenvolvimento

de competências laborais, os Projetos Pedagógicos dos Cursos Superiores de Tecnologia não

dão indícios de materialidade nesse sentido. Acrescente­se ainda que os PPCs (com suas

ementas) revelam expressividade entre os demais documentos. Embora seja usado por

integrantes da coordenação de curso o argumento de que se trata de uma proposta

institucional, as nossas observações permitem aludir que há uma descentralização da Direção

Geral nesse sentido. Isto significa dizer que, ainda que tal argumento sinalize a transferência

de responsabilidade pela conservação do modelo de competência, para a “instituição” –

traduzida nos membros diretores – ele não parece se sustentar, uma vez a fala do(a) diretor(a)

“A” expressa preocupação em relação aos princípios e finalidades que orientam a referida

proposta, ao mesmo tempo em que a mesma vem sugerindo uma recontextualização da

proposta, de forma a se afastar do “modelo de desempenho”.

Os resultados apresentados reforçam a perspectiva apresentada por Fairclough (2001a

e b, 2006), quando sugere que o discurso assume o papel relevante na constituição social e

ferramenta importante no novo capitalismo. Assim é que, ao se pretender mudar a realidade

social, é importante levar em conta os mecanismos adotados nas práticas discursivas, visto

que, em sendo práticas sociais, é também “um modo de ação, uma forma em que as pessoas

podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também uma forma de

representação” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 91).

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Da mesma forma, Macedo (2006, p. 289), ao analisar o currículo como prática

ambivalente, considera que este inclui “o mesmo e o outro num jogo em que nem a vitória

nem a derrota jamais serão completas”. Essa perspectiva considera o currículo como um

espaço­tempo mesclado por discursos originados nos campos da ciência, nação, mercado,

bem como contempla “os ‘saberes comuns’, as religiosidades e tantos outros, todos também

híbridos em suas próprias constituições. [Nele] os bens simbólicos são ‘descolecionados’,

‘desterritorializados’, ‘impurificados’, num processo que explicita a fluidez das fronteiras

entre as culturas do eu e do outro e torna menos óbvias e estáticas as relações de poder [...]”

(MACEDO, 2006, p. 289). Caracterizado como híbrido, nele “tramas oblíquas de poder tanto

fortalecem certos grupos como potencializam resistências. Em um e outro movimento, que

são parte do mesmo, permitem que a diferença apareça na negociação ‘com as estruturas de

violência e violação que (as) produziram’ [...] (MACEDO, 2006, p. 290). Portanto,

contradições e culturas diversas nele se legitimam por mecanismos diferenciados, o que

significa dizer que “um currículo para lidar com a diferença, precisa ser pensado como

espaço­tempo de negociação cultural” (MACEDO, 2006, p. 294).

Pelo exposto, a proposta curricular, tal como se apresenta, não se explica nela mesma,

nem no outro. Existem razões ocultas, ou obscurecidas pela “impotência” de mudança,

permitindo explícito trânsito entre fronteiras culturais do “eu” e do “outro” e tornando menos

explícitas as relações de ideologia e de poder.

As ambivalências estão expressas, entre outras coisas, na estrutura por módulo,

avaliação de competências, flexibilização do currículo, etc., bem como revelam uma

apropriação de sentidos, relacionados à afirmativa de que “certas áreas são, por natureza,

essencialmente científicas e outras essencialmente tecnológicas” (BRASIL, Parecer..., 2002,

p. 22), ou na intencionalidade de se “evitar o prolongamento desnecessário da duração dos

cursos de graduação” (BRASIL, 2002, p. 37, grifos nossos).

A intertextualidade recorre a elementos do habitus da empresa privada e associa à

epistemologia da prática, com alguns traços da epistemologia crítica, permitindo sugerir o

poder implícito no discurso pedagógico oficial. Ademais, ao se ter como referência e/ou eixo

curricular as competências que asseguram o perfil profissional dos egressos acomodados às

prescrições do sistema produtivo, o discurso dos PPC sinaliza a interiorização da cultura

performativa, nos moldes das DCNG/CST. Dessa forma, há indicativos de que são

reproduzidas as atividades demandadas pela natureza do trabalho, o que também aproxima

essa experiência educativa da análise funcional. Essa forma de descrever um perfil expressa

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muito mais a maneira como o trabalhador deve se conduzir no âmbito de sua ocupação

(Ramos, 2001), ou seja, projeta uma identidade que se pretende ver construída.

Analisada sob a perspectiva bernsteiniana, consideramos que nas teorias gerais da

competência, a exemplo da teoria piagetiana – diferente do que propõe as DCNG/CST –

“existe uma democracia inerente de procedimentos, uma criatividade inerente e uma

autorregulação virtuosa e inerente” (BERNSTEIN, 2003, p. 79), mesmo que os teóricos da

competência, situados em outros campos intelectuais das disciplinas das ciências sociais e

psicológicas, não a tenham destinado às finalidades da educação escolar. Entretanto,

[...] esse idealismo da competência, a celebração do que somos em comparação com aquilo que nos tornamos, tem seu preço; isto é, o preço de separar o indivíduo da análise da distribuição de poder dos princípios de controle que, seletivamente, especializam modos de aquisição e realizações. Assim, o anúncio da competência desloca­se dessas especializações seletivas e, portanto, desloca­se das macroimperfeições do microcontexto. Não é difícil, contudo, ver a repercussão do conceito de competência nas ideologias liberais, progressivistas e até mesmo radicais do final da década de 1960, bem como de seus patrocinadores, principalmente aqueles que dominavam a educação (BERNSTEIN, 2003, p. 79).

Acrescente­se que as disciplinas pedagógicas não buscam ancoragem no mesmo

conceito de competências. “De fato, a lógica social interessava aos membros dominantes do

campo oficial de recontextualização [...]”, vindo a se tornar de interesse comum, “tanto no

campo de recontextualização pedagógica quanto no campo oficial de recontextualização

pedagógica [...]” (BERNSTEIN, 2003, p. 80). Essa convergência de interesse torna­se,

realmente, complexa, visto que, tal como Bourdieu (2010a), Bernstein (2003, p. 80) considera

que “um campo pedagógico de recontextualização é composto de posições (opostas e

complementares), construindo uma arena de conflito e luta por controle”. Da mesma forma,

[...] os campos oficiais de recontextualização são arenas para a construção, distribuição, reprodução e mudança de identidades pedagógicas. As identidades pedagógicas têm uma base social e uma carreira. A base social representa os princípios de ordem social e os desejos institucionalizados pelo Estado em seu sistema educacional. A carreira é moral, instruída e localizada. Uma identidade pedagógica, então, é a fixação de uma carreira em uma base social. As perguntas passam a ser: de quem é a base social, que carreiras e para quem? (BERNSTEIN, 2003, p. 80).

Queremos, com isto, relembrar que a competência em si não pode ser caracterizada

como boa ou ruim, entretanto, na lógica adotada pelo sistema produtivo, ela desvia o foco da

educação e reposiciona no sentido da produção. Portanto, “o conceito de competência tem

raízes epistemológicas diferentes, até mesmo opostas” (BERNSTEIN, 2003, p. 79).

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Acrescente­se ainda que, nesse constante “ir e vir”, no campo da prática, os estudos de

Bernstein (2003) permitem advertir sobre a distinção entre Modelo de Competência e Modelo

de Desempenho que enfatizam o resultado final ou performance do aluno. Para esse autor,

Modelo de Desempenho “coloca a ênfase na produção do adquirente, um texto específico que

o adquirente deve elaborar, e nas habilidades especializadas e necessárias para a produção

desse texto ou produto específico” (BERNSTEIN, 2003, p. 81). Já o Modelo de Competência

tem um significado democrático, emancipatório, e o aluno é visto em seu processo de criação

de sentidos da realidade social. O próprio autor nos contempla com um quadro que sintetiza e,

ao mesmo tempo, delineia variáveis inerentes aos Modelos de Competências e de Modelos de

Desempenho, que permite uma visão geral de sua formulação teórica sobre o assunto,

conforme apresentamos a seguir:

Quadro 06 ­ Conhecimento Recontextualizado

Modelos de Competências Modelos de Desempenho 1.Categorias: Espaço Tempo discurso

Fracamente classificado Fortemente classificado

2. Orientação da Avaliação presenças ausências 3. Controle implícito explícito 4. Texto pedagógico adquirente desempenho 5. Autonomia elevada baixa/elevada 6. Economia custo elevado baixo custo Fonte: Basil Bernstein. A pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização, 2003, p. 8.

Estes elementos nos credenciam a sugerir que a prática institucionalizada no âmbito do

Centro Acadêmico ETHOS revela influência do contexto externo, do campo interno e, ao

mesmo tempo, expressa uma hibridez que a torna de difícil análise, embora as manifestações

de discursividade indiquem que a proposta curricular de educação por competência

implantada guarda grande aproximação com o Modelo de Desempenho, ao se apresentar

como um discurso pedagógico que focaliza o desempenho e lhe confere baixa autonomia, ao

delimitar, por meio da definição de competências essencialmente vinculadas ao mercado de

trabalho, o “recorte de conhecimentos” constitutivos do currículo escolar. Poder­se­ia dizer

que se trata de um discurso advindo da “especialização dos sujeitos, habilidades,

procedimentos que são nitidamente marcados com respeito à forma e função. [...]. Os

adquirentes têm relativamente menos controle sobre a seleção, sequência e ritmo. [...] As

classificações são fortes” (BERNSTEIN, 2003, p. 82).

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Por outro lado, o perfil projetado para o profissional que se pretende formar indica

estar este encastelado no seu caráter essencialmente profissionalizante, o que nos reporta ao

pensamento de Silva, (1999) quando afirma que, na educação voltada para as necessidades do

sistema de produção, “não se problematizam nem a natureza do trabalho capitalista, nem a

concepção de educação daí derivada” (Silva, 1999, p. 76). A ação educativa torna­se uma

“fiel escudeira” dos padrões, normas, valores, comportamentos e tudo que deve compor a

identidade profissional de trabalhadores úteis à produção, mas alienados da sua essência

humana. Alheia às contradições do sistema produtivo, essa postura equivocada reserva às

pessoas que têm como única opção, a formação para o trabalho, a possibilidade de construir

competências que lhes permitam acompanhar as transformações do mundo do trabalho.

5.4 Marcas de recontextualização do discurso pedagógico oficial no campo acadêmico:

considerações parciais

Este capítulo que estamos concluindo teve como referência o conceito bernsteiniano

de recontextualização, bem como o conceito bourdieusiano de que o campo científico pode

ser dotado de autonomia parcial, ou mais ou menos acentuada. Tivemos o interesse de

analisar em que sentido caminham as manifestações de materialidade discursiva constituídas

no interior da IES: se no sentido da adesão, resistências e/ou retradução das pressões externas.

Conquanto haja indicativo de reprodução da dualidade da educação e de um currículo baseado

na lógica das competências – nos moldes oficialmente concebidos –, no campo institucional

alguns elementos dão indicativos da “disposição” em transformar as relações de poder e

ideológicas socialmente cristalizadas. Esse entendimento decorre do fato de que alguns

compromissos apresentam elementos contextualizadores, tendo sido publicamente assumidos

(marcos teóricos, gestão democrática, disposição em “ir além” do Modelo de Competências

circunscrito ao mercado, atuação com relativa autonomia dos órgãos colegiados, etc.).

Considera­se, porém, que, a despeito dos propósitos anunciados, a organização

curricular dos cursos de Tecnologia guarda uma estreita relação com a matriz epistemológica

da racionalidade técnica, assim como o Modelo de Desempenho apresentado por Bernstein

(2003), embora não seja possível fazer generalizações, tampouco se pode afirmar que haja

uma fiel reprodução do discurso pedagógico oficial, especialmente quando esse discurso vem

sendo discutido e questionado.

Concordamos que não se trata de uma especificidade da IES pesquisada. Conforme

lembra Ramos (2008), o Brasil, mesmo num momento atual de desenvolvimento em que a

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base de produção técnico­científica torna­se mais complexa, dedica­se à preparação para o

“trabalho simples” e utiliza­se de mecanismos de controle simbólico vinculados à imagem de

cidadania e de mudança social. No que se refere ao trabalho complexo, os projetos em pauta

não atentam para a

necessária publicização da produção de ciência e tecnologia, a ser orientada pela vinculação orgânica entre educação omnilateral e politécnica dos trabalhadores, política pública de ciência e tecnologia e projeto de nação soberana”. Concluímos que essa concepção ainda não é hegemônica na sociedade civil nem prioridade no aparelho governamental. A análise desses fenômenos e suas contradições nos fazem aprender com a história (RAMOS, 2008, p. 545).

O esforço de uma síntese provisória do nosso estudo, na qual alguns elementos são

importantes para a compreensão do objeto de pesquisa, permite confirmar sinais de mais uma

variável identitária do campo e dos sujeitos: a Educação Superior de Tecnologia está situada

entre dois polos distintos, embora não excludentes, ou seja: vincula­se a dois segmentos da

educação nacional – Educação Profissional e Tecnológica e Educação Superior – em que o

primeiro se sobrepõe conceitualmente, conferindo­lhe identificação; e o outro, a partir de

regulamentações, que confere identificação de nível superior. Esta dualidade também adquire

materialidade na forma como são conduzidos os dois projetos de graduação (Bacharelado e

Tecnologia). Conforme adverte Bourdieu (2010a, p. 98), “as diferenças nas atitudes, tal como

as diferenças de posição (às quais elas se acham frequentemente associadas) estão na origem

de diferenças de percepção e de apreciação e, por isso, de divisões bem reais”.

Complementando este entendimento, Zabalza (2004) pondera que estar entre dois

polos distintos, quando nenhum dos extremos é convincente, também se instala um dilema.

Trata­se de uma situação em que “os polos da questão são posições legítimas, mas, na medida

em que negam o outro polo, são insuficientes ou inapropriadas” (ZABALZA, 2004, p. 117).

Concordando com o autor, ratificamos que, em situações às vezes complexas, dicotômicas, ou

“tangenciais em relação a um ideal”, a solução costuma estar na “busca de um equilíbrio”.

Acrescente­se que, em função das circunstâncias, é possível haver a ascendência de um polo

sobre o outro. No entanto, “em ambos os casos, o importante é que isso se reverte em uma

tomada consciente de decisões, adotada ao se levar em conta os outros elementos da situação

que lhe dão sentido” (ZABALZA, 2004, p. 117). Se considerarmos que, convencionalmente,

se atribui à expressão “equilíbrio” o significado de igualdade, proporcionalidade, combinação

de forças diferentes, no desenho proposto para os Cursos Superiores de Tecnologia, ao

contrário de equilíbrio (pelo menos aproximado), a sobreposição da força “genética”

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profissionalizante (originária da Educação Profissional) sobre a formação convencionalmente

identificada como acadêmica, no campo institucional pedagógico­cultural, revela­se favorável

à formação do habitus profissional, de natureza técnica, ou “habitus da produção privada”, constituindo, dessa maneira, elemento de identificação dos cursos e, consequentemente, da

docência. Essa imagem performativa híbrida e/ou dual que se estendeu ao campo acadêmico

favorece a instalação de tensões e de descentramentos e/ou fragmentação das identidades dos

sujeitos pedagógicos. Em meio a essas tensões, a identificação docente na Educação Superior

de Tecnologia, supostamente desmontada, indica que está sendo projetada para a constituição

identitária descentrada instrumental constituída por significadores de mercado.

A despeito das considerações apresentadas, os fundamentos, princípios e valores

apontados, as bases teórico­metodológicas anunciadas por meio do PPI (2010­2014)

necessitam ser consideradas. Em meio a tantas controvérsias esses elementos permitem supor

um processo de recontextualização do discurso pedagógico oficial, de forma criativa, visto

não poder ser tratado como mera reprodução do discurso oficial. Sob o nosso entendimento,

nele há sinais de refração e de retradução que apontam para a presença de ideias, cuja

perspectiva teórico­metodológica e ideológica se insurge frente a prescrições funcionais que

tomam o setor produtivo como único orientador do currículo acadêmico, e as competências

profissionais, como finalidade educativa. Isto significa dizer que, embora sejam incorporadas

prescrições normativas, há sinais de percepções, propósitos, perspectivas, anseios e marcas

criativas de sujeitos que compõem e exercem influência no campo institucional. Entretanto,

constituem apenas germes, ou seja, por não serem hegemônicos, necessitam ser

cuidadosamente adubados no coletivo institucional a fim de que adquiram legitimidade, vigor

e, consequentemente, materialidade, de forma que se consubstancie um projeto de identidade

institucional e docente coerente com as reais finalidades da Educação Superior. Esse

entendimento também está pautado nos posicionamentos dos(as) professores(as), em seguida:

No Projeto Pedagógico Institucional eu vi uma diferença em relação às diretrizes curriculares do MEC. [...] O Projeto Pedagógico Institucional amplia a visão de educação. Ele trabalha as questões de valores, responsabilidade social, cidadania. Eu acho que ele propõe aquilo que é ideal ... Aquilo que a gente pretende chegar a partir de agora. Mas as diretrizes curriculares, eu acho que estão em consonância com o Projeto Pedagógico do Curso, uma vez que, do mesmo jeito que as diretrizes curriculares, são conduzidas para o mundo do trabalho, e eu acho que não é só isso que a gente quer de um profissional (professor/a “Q”).

[...] digamos, assim: eu vejo o projeto Pedagógico Institucional daqui com uma linguagem de direcionamento mais humanista (professor/a “C”).

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O que eu acho interessante é porque o Projeto Pedagógico daqui é uma coisa diferente do Projeto Pedagógico de outra instituição onde eu trabalho, apesar de todo mundo ser direcionado pelo MEC (professor/a “E”).

Seguindo essa linha de pensamento, os Coordenadores de curso também reconhecem

no PPI 2010­2014, assim como no campo da docência, expressões de materialidade que

conferem distinção ao PPI 2010­2014, conforme afirma o(a) Coordenador(a) “2”:

No início de cada semestre, para o encontro docente se procura trazer temas para serem discutidos com os professores. Isso vai além de você fazer uma reunião administrativa para falar de preenchimento de caderneta, horário, ponto... esse tipo de coisa. Eu acho que isso é um passo na direção de se trabalhar uma política. Isso já mostra uma política da instituição. Então, quando eu trago, por exemplo, como aconteceu nesse semestre, pessoas da área de educação pra discutir metodologia de ensino, avaliação, ou alguma coisa relacionada à prática docente, por trás disso também há uma política de educação da instituição. Se ela é suficiente ou não – bom, talvez precisassem de mais ações nesse sentido. [...] Também pensamos os projetos integradores. Eu também fiz encontros por módulos, por períodos, que é outra coisa que eu achei que funcionou muito melhor, ao invés daquela reunião com todos os professores do curso, em que você vai ter interesses muito diversos,

Consideramos a pertinência de registrar que, no Plano de Cargos e Carreira Docente,

foram extraídos indicativos que sinalizam o interesse em dar maior atenção a requisitos que

caracterizam a docência. Entre os critérios de acesso, a IES atribui maior pontuação a:

a) conhecimentos teórico­metodológicos para trabalhar os conteúdos articulados a situações práticas; b) utilização das estratégias e recursos didáticos; c) avaliação da aprendizagem; d) capacidade de intervenção em situação imprevisíveis do processo ensino­aprendizagem; e) controle do tempo (PPC 2010­2014, p.7).

De forma similar, os critérios de promoção incluídos entre os mais valorizados no PPC

(2010­2014, p. 11­12) estão: conclusão do doutorado; pós­doutorado; cursos realizados na

área de educação; realização de pesquisa; orientação de dissertações e tese; artigo completo

publicado em periódicos (a e b); livro publicado, organização de livro; publicação de capítulo

de livro; artigo (completo) publicado em anais de evento; orientação de monografia, entre

outros. Esses requisitos, de certa forma, delineiam um perfil de IES comprometida com a

qualidade e reais finalidades da Educação Superior.

Compreende­se que uma instituição escolar não constitui um campo neutro e

harmonizado. A despeito de, em um dado momento, a materialidade discursiva apontar para

novas proposições e compromissos alinhados a perspectivas de transformação da realidade,

até então vivenciada, por outro lado, os meios para se atingir suas finalidades, a exemplo da

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proposta curricular dos cursos, indicam não estarem alinhados às proposições anunciadas no

PPI 2010­2014.

Portanto, o campo da docência em análise sinaliza a presença de tensões conceituais,

metodológicas e ideológicas. Dessa forma, os sujeitos educativos parecem se mover em um

campo minado por controvérsias, que, se por um lado, apontam orientações e práticas

cristalizadas (organização dos cursos) e adaptadas ao discurso oficial, por outro, sinalizam o

despertar de novos valores e práticas, confirmando que uma IES constitui­se espaço plural,

criativo, relativamente autônomo, de luta e resistência.

A ideia de currículo enquanto instituinte de sentidos e projeto de identificação

necessita ser desenvolvida a partir da prática discursiva docente. Por meio dessa escuta,

procuramos identificar a materialidade discursiva que nos permita compreender em que

sentido é projetada a constituição docente. Este é o objeto análise do próximo capítulo.

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CAPÍTULO VI MOVIMENTO CONSTITUTIVO DA DOCÊNCIA NO CAMPO INSTITUCIONAL PEDAGÓGICO­CULTURAL

Nada é mais distante de meu propósito e de minhas possibilidades do que tentar fechar a questão em um tema tão complexo como a docência [...] e os fatores que a afetam. Eu mesmo me senti hesitante em relação a muitos dos pontos que analisei e quase sempre fui muito consciente de que algumas conclusões poderiam ser colocadas sob outro ponto vista.

(ZABALZA, 2004)

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6 MOVIMENTOS CONSTITUTIVOS DA DOCÊNCIA NO CAMPO NSTITUCIONAL

PEDAGÓGICO­CULTURAL

s discussões empreendidas até aqui tiveram como ponto de partida as múltiplas

influências internacionais e nacionais no âmbito da reforma do Estado brasileiro

que incidiram na reforma da Educação e, consequentemente, promoveram efeitos

de várias ordens. Esse cenário tornou­se favorável a mudanças na ordem do discurso societal,

com a emergência de novas práticas discursivas que se estenderam aos campos

recontextualizadores da produção dos textos e da prática pedagógica (alunos, professores,

currículo e contexto institucional pedagógico­cultural), com expressiva materialidade nas

práticas discursivas institucionais. Os resultados já apontam as DCNG/CST como instituintes

de sentidos e projetos de identidades (MACEDO, 2010). Decerto que essas intervenções não

ocorreram de forma linear e/ou sem resistência.

Dando sequência às investigações no campo empírico neste capítulo, o nosso

interesse é compreender até que ponto as práticas discursivas de natureza pedagógico­cultural

de dimensão nacional e institucional vêm incidindo sobre “a constituição da docência em

Cursos Superiores em Tecnologia” – objeto de nossa pesquisa. Na verdade, estamos nos

propondo a responder ao questionamento: como e em que sentido é projetada a constituição

da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia? Sob esta perspectiva, mantemos presente

a síntese refletida na figura 03, em que campos e/ou contextos, com suas variáveis intra e

interconectadas, indicam pressões externas sobre o campo recontextualizador da prática, onde

destacamos o contexto institucional pedagógico­cultural, o currículo, os professores e alunos

em interação com outros atores institucionais, como elementos significativos na constituição

da docência.

Nossas análises aqui focalizam as falas dos(s) entrevistados(as). Ratificamos que as

entrevistas foram gravadas, com anuência dos sujeitos, em ambientes de acústica favorável e

relativa naturalidade, haja vista ter sido criado um clima favorável para este fim. Não houve

controle de tempo.

No âmbito da discursividade docente, os textos dos(as) entrevistados(as) circularam

em torno das DCNG/CST, do PPI e do PPC, sem alusões significativas a outros discursos,

razão por que na fala dos(as) entrevistados(as) eles também se destacaram como expressões

de materialidade discursiva da política de Educação Superior de Tecnologia na constituição

A

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221

da docência. As entrevistas, semi­estruturadas, foram transcritas na íntegra e versaram sobre

os seguintes pontos:

§ a forma como as políticas de Educação Superior de Tecnologia (oficial e institucional)

foram ou estão sendo implantadas na IES;

§ as contribuições dos discursos pedagógicos (oficial e institucional) para a prática docente e

formação de professores;

§ o sentido em que caminham os processos internos de constituição da docência nos Cursos

de Graduação de Tecnólogos, no interior da IES.

Alguns(mas) entrevistados(as) se estenderam por questões que não estavam

direcionadas ao objeto de estudo. No entanto, observando recomendações, especialmente no

que tange à disposição para ouvir com atenção, conforme orientam Lüdke e André (1986),

procuramos respeitar as suas necessidades de comunicação, estimulando “o fluxo das

informações”. Temos presente que no “uso do roteiro com tópicos principais (ainda que este

seja feito antes da entrevista para que o pesquisador tome consciência do seu objeto), seu

êxito depende das qualidades e habilidades do pesquisador” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 35­

36).

No que se refere às entrevistas dos(as) coordenadores(as) de curso, da assessora

Psicopedagógica, da direção Geral e Acadêmica, as questões se estenderem para além das

influências dos discursos pedagógicos e envolveram questões relacionadas a ações

institucionais favoráveis à constituição da docência em Cursos Superiores de Tecnologia.

Embora as entrevistas tenham se estendido aos(às) coordenadores(as) e direção,

tínhamos como principal objetivo dar voz aos(às) professores(as), em função do

silenciamento em que se encontram imersos, pelo papel relevante e pelo poder político­

ideológico e cultural que ocupam no interior de uma IES e, consequentemente, na sociedade.

Esse posicionamento referenda o entendimento de Zabalza (2004), ao afirmar que o papel

desempenhado pelos professores do ensino superior constitui “uma das fontes de poder e, ao

mesmo tempo, de fraqueza das atuais instituições” (ZABALZA, 2004, p. 69). Desta forma, o

autor sugere que os professores constituem o principal patrimônio das instituições, visto que

“o que elas são e podem oferecer à sociedade depende de cada um de nós – de nossa

capacidade intelectual, de nossa criatividade e aptidão para pesquisa, de nossas produções

científicas ou artísticas, etc.”. No entanto, dada a forma individualista com que são

conduzidas as iniciativas nesse âmbito de atuação, complementa o autor, “é difícil pôr em

prática estratégias coletivas ou fazer ofertas mais adaptadas às demandas da sociedade”

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222

(ZABALZA, 2004, p. 69). Como se vê, não faltam desafios e contradições que desafiam as

nossas análises e reflexões.

6.1 Caracterização dos sujeitos pesquisados

De início pensamos na possibilidade de, neste estudo, ser dispensável a caracterização

dos(as) entrevistados(as). Entretanto, optamos pela fidelidade ao nosso entendimento de que a

gênese da formação de um profissional torna­se elemento significativo da identificação

pessoal e sociocultural dos sujeitos, especialmente por estarmos discutindo experiências, em

sua maioria, constitutivas de identificação, relacionadas a sujeitos advindos (em sua maioria)

de experiências em empresas privadas vinculadas ao setor produtivo. Acrescente­se que,

conforme mostra Dubar (2005, p. XXVI), “[...] por acompanhar, cada vez mais, todas as

modificações do trabalho e do emprego, a formação intervém nas dinâmicas identitárias por

muito tempo além do período escolar”.

Ainda que estejamos enfatizando o contexto interno ou campo da prática docente, bem

como especificidades relacionadas aos(às) entrevistados(as), o enfoque analítico deste estudo,

tampouco a nossa compreensão da realidade, permite sobrepor o contexto externo (contexto

internacional/nacional e da produção de textos) ao campo da docência e/ou da microestrutura

(contexto institucional, professores, alunos, currículo em ação) e vice­versa. Ambos são vistos

em interação, e, a despeito das pressões externas, os campos e sujeitos sociais são dotados de

relativa autonomia e de consciência crítica e reflexiva.

Neste contexto, iniciamos por considerar a discussão empreendida em torno da entrada

de novos profissionais ao âmbito da docência, na Educação Superior de Tecnologia, razão

pela qual consideramos a pertinência de destacar, no quadro a seguir, o campo de origem,

bem como a diversidade de formação dos(as) entrevistados(as):

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223

Quadro 07­ Formação profissional dos professor es pesquisados

Fonte: Elaboração da Autora.

Visto em seu conjunto, o quadro permite reconhecer que o grupo se distingue pela

pluralidade e/ou diversidade de formação profissional, não obstante, em sua maioria, estejam

relacionadas às especificidades dos cursos superiores nos quais exerce a docência. Trata­se de

uma realidade compatível com as IES que atuam no campo da Educação Superior em

Tecnologia no âmbito das instituições privadas. Por outro lado, em meio a essa diversidade, a

perspectiva de diálogo entre os saberes multidisciplinares – ou seja, a ideia de interatividade

do trabalho docente – pressupõe a quebra de barreiras das “especializações”, ou superação das

compartimentalizações, de modo que as bases comuns da formação necessária ao campo da

docência, no ensino superior, e finalidades educativas tornem­se elo favorável à identificação

de eixos comuns à constituição da docência.

Considere­se ainda que a variedade de formação inicial e, consequentemente, das

profissões de origem (administrador, engenheiro, professor, advogado, etc.) que integram o

Formação Inicial Formação Continuada (pós­graduação) § Graduação em Letras § Graduação em História § Graduação em Pedagogia § Graduação em Psicologia § Bacharelado em Gastronomia e

Segurança Alimentar § Graduação em Direito § Graduação em História § Engenharia/Agronomia § Licenciatura em Ciências Biológicas § Bacharelado em Administração § Bacharelado em Hotelaria e Turismo § Bacharelado em Design de Moda § Bacharelado em Hotelaria § Bacharelado e Licenciatura em Nutrição § Graduação em Engenharia Elétrica § Engenharia Mecânica § Licenciatura em Economia Doméstica § Planejamento e Gestão do Turismo § Bacharelado em Hotelaria § Graduação em Tecnologia em

Gastronomia § Graduação em Administração de

Empresas § Graduação em Administração § Graduação em Arquitetura e Urbanismo § Graduação em Turismo e Administração

Hoteleira

§ Linguística Aplicada ao ensino de Espanhol § Especialização em Docência no Ensino Superior § Mestrado e doutorado em História § Mestrado e doutorado em Educação § Especialização Administração de RH na escola § Especialização em Administração Escolar e

Planejamento Educacional § Doutorado em História § Doutorado em Sociologia § Mestrado em Administração § Mestrado em Ensino das Ciências § Mestrado em Geografia § Mestrado em Design de Moda § MBA em Administração Hoteleira e

Especialização em Nutrição § Mestrado em Administração § Mestrado em Telecomunicações § Mestrado em Engenharia Mecânica § Mestrado em Serviço Social § Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento

Local § Especialização em Gestão de Qualidade em

Serviços. § Especialização em Alta Gastronomia § Especialização em Cultura de Moda § Especialização em Gestão de Negócios § Especialização em Turismo e Patrimônio § M.B.A. em Gestão Empresarial.

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campo da docência, se, por um lado ,sinaliza um certo distanciamento do foco pedagógico­

cultural de boa parte dos entrevistados, por outro, tornou­se elemento favorável ao estudo,

Isso se dá porque essa variedade de formação inicial, além de expressar a realidade, a

influência da gênese de cada formação, bem como as referências de experiências profissionais

exercidas em paralelo, pelos professores, frente ao mesmo objeto de pesquisa – constituição

da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia –, contribuiu para diversificar os “olhares”.

Entenda­se, portanto, que não estamos negando a necessidade do domínio de conhecimentos

específicos, o que significa dizer que formação para docência e formação específica para uma

atividade produtiva não se excluem. Eles podem constituir partes da mesma totalidade.

Estamos chamando a atenção para a secundarização da formação para docência, ou seja, da

sobreposição das especificidades profissionalizantes no exercício da docência.

Consequentemente, se considerarmos o cenário atual, bastante controvertido para a Educação

Superior de Tecnologia (alvo dos interesses do sistema econômico e descaracterizada na sua

essência acadêmica: ensino, pesquisa e extensão), é possível presumir que a referida

diversidade de formação, quando não bem canalizada para as reais finalidades e objetivos da

Educação Superior e da perspectiva da integralidade do ser humano, pode incidir no risco de

tornar essa modalidade de IES comprometida no ethos da cultura acadêmica e,

consequentemente, vulnerável a dissimulações e obscurantismos inerentes a práticas

discursivas fortemente comprometidas com interesses hegemônicos vinculados (não só) ao

poder econômico.

Na esteira da configuração apresentada no início desta seção, consideramos a

pertinência de destacar a fala de alguns(umas) entrevistados(as), quando, durante a entrevista,

faziam alusão ao acesso à docência, bem como à sua preparação para o desempenho de tal

função. Boa parte dos(as) professores(as) fazem menção a um membro da família que

desempenha ou desempenhava a função (professores/as “H”, “R”, “S”). Outros entrevistados

relataram experiências de quando eram crianças, brincando de ser professor(a), a exemplo dos

entrevistados(as) “P” e “R”. A maioria considerou as circunstâncias favoráveis ao acesso à

docência, além se denominarem identificados com função (“F”, “G” e “J”). Entre os que

afirmam terem sido convidados(as) e incentivados(as) pelo(a) Coordenador(a) ou por outro(a)

professor(a) do curso, os seus relatos lembram a frase de Cunha, Brito e Cicilini (2006, p. 14),

­ quando fazem alusão à frase: “Dormi aluno(a) e acordei professor(a)”. Retraduzindo as

autoras, poderíamos dizer: “dormi empresário, ou, dormi chefe de cozinha e acordei na

docência no ensino superior”, conforme podemos ver no texto dos(as) seguintes

entrevistados(as):

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Eu nunca me formei para ser professora. A minha formação é toda em áreas que me servem para dominar o conteúdo que eu ensino, mas eu nunca tive nenhuma formação docente para isso. [...] Para começar, peguei algumas coisas que eu achava importante incluir [no PPC] e adequei, também, um modelo meu de ensino para esse curso (professor/a “K”). Eu já vi esses documentos que orientam o projeto de educação daqui [...], mas, em nenhum momento, a gente pegou para estudar. Logo que cheguei aqui recebi o Manual do Professor, onde estão alguns padrões que devem ser seguidos, a ementa da disciplina, mas as diretrizes do curso e projeto pedagógico da instituição, eu ainda não tive em mãos para trabalhar. Eu me sinto meio que treinando comigo mesmo (professor/a “M”). Eu comecei dando aulas aqui. Eu nunca fui preparada(o) em momento algum, desde que entrei na docência (professor/a “L”). Eu estou aprendendo a ser professor(a) aqui nesta instituição (professor/a “O”).

Conforme pudemos entender, os saberes da experiência em atividades profissionais,

não docentes – ou, no dizer de Cunha, Brito e Cicillini (2006) ­ em atividades liberais,

constituem a base de formação dos(as) professore(as). Estes dados constituem, sem dúvida,

um grande sinalizador de que a instituição pesquisada, como as demais IES, tem como

desafio: a formação continuada dos(as) professores(as). O como, quem, quando e para que

fazer formação continuada são questões a serem enfrentadas, embora estejamos cientes de que

o que define o papel formador dos professores do ensino superior é a sua dimensão

profissional (ZABALZA, 2004, p. 153). É real o fato de o professor do ensino superior

constituir­se “historicamente, tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no

mundo do trabalho”, conforme advoga Cunha (2004a, p. 526). No entanto, conforme adverte

Ramos (2010, p. 34), se a docência no ensino superior baseada em saberes disciplinares

ultrapassou décadas, imune de questionamentos, hoje “é convocada a dar atenção a questões

de ordem pedagógico­didática. Tal convocação encontra­se na menção da responsabilidade

docente diante do desenvolvimento da criatividade, da criticidade e da reflexividade do

estudante [...]”. Contudo, a professora adverte que devemos manter o “devido cuidado” de

não se atribuir a essas questões o “poder redentor”.

Outros aspectos relacionados ao quadro apresentado e sua relação com a constituição

da docência foram considerados significativos. O primeiro atenta para o fato de que,

geralmente, as nuances da constituição de conhecimentos inerentes à gênese de uma profissão

estão carregadas de valores, muitos dos quais intimamente relacionados às especificidades

dessas profissões. Por outro lado, essa pluralidade, ainda que torne o campo complexo, pode

contribuir para o compartilhamento de conhecimentos, saberes e valores socioculturais.

Decerto que esse contexto reflete uma arena na qual o diálogo entre conhecimentos, interesses

e valores necessitam ser “mediados”, para superar possíveis conflitos e/ou confrontos de

várias ordens.

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O segundo decorre do primeiro: quanto mais bem integrado for o grupo de

professores, especialmente no que se refere a um projeto de sociedade e de cidadania dos

trabalhadores, maior será a possibilidade de tornar essa diversidade um grande facilitador da

ação interdisciplinar e de se caminhar para a autonomia crítica e criativa dos sujeitos e de

transformação da realidade social.

O terceiro aspecto diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem. Para que esse

não se esgote em uma ação linear e de caráter essencialmente técnico, reconhecemos como

necessária a formação para a docência, mesmo sabendo que os cursos de formação para o

magistério, em sua maioria, indicam permanecer destinados a criar “intelectuais que atuem no

interesse do Estado, cuja função social é basicamente sustentar e legitimar o status quo”

(Giroux, 1997, p. 197). Essa particularidade enfatizada por esse autor reforça a necessidade de

qualificar os cursos de preparação para o magistério. O reconhecimento da fragilidade dos

cursos de formação profissional para docência, bem como a ausência de preparação para a

docência no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica, é afirmar a sua importância.

O quarto aspecto está relacionado aos mecanismos de manipulação discursiva,

relacionados às diversas áreas de conhecimento, que, enquanto práticas de representação e de

significação do mundo, constituem e ajudam a constituir identidades sociais. Segue­se que, se

considerarmos a demarcação de fronteira – formação profissional e formação acadêmica –,

alimentada por mudanças efetivas nas práticas discursivas que veiculam diferentes tipos de

discursos, devemos atentar para o fato de que os diversos processos de interações constituem

sentido e identificação.

Some­se o fato de que, não raramente, os problemas relacionados ao processo de

ensino e aprendizagem são associados à falta de preparação dos docentes, bem como à

relativa ausência de condições para tratar, relacionar e mediatizar os processos de constituição

de saberes e conhecimentos (relação professor/conhecimento e, da mesma forma, a mediação

do professor na relação aluno/conhecimento/realidade), seja para lidar com a ideologização

das políticas educacionais ou com as limitações e diferenças (culturais, sociais, econômicas,

estruturais, cronológicas, de gênero, de nível, etc.).

E por acreditar nas possibilidades transformadoras das sucessivas experiências vividas

pelos profissionais e na importância da formação continuada, vale considerar, ainda, como

parte dos elementos que caracterizam o perfil profissional dos sujeitos, o fato de que, da

totalidade dos professores entrevistados, 65 % trabalham em atividades não relacionadas ao

magistério, nas quais concentram grande dedicação pessoal e profissional.

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Da mesma forma, as opções pelos cursos de pós­graduação, quer sejam realizadas,

quer sejam as verbalizadas como de interesse, apontam uma supervalorização dos

conhecimentos relacionados à área de atuação de maior interesse (a especificidade da

formação inicial ou em que exerce a docência). Isso nos permite presumir que, em tais

circunstâncias, quando não existem políticas institucionais de formação continuada, de modo

que seja oportunizada uma base de formação comum ao exercício da docência, corre­se o

risco de ser esta orientada mais para uma ação instrumental que enfatiza conhecimentos

específicos/técnicos, em detrimento de uma ação educativa que contemple os sujeitos

educativos em suas várias dimensões. Este entendimento é reforçado por Gadotti (2003, p.

31), ao afirmar que a formação continuada de professores deve ser idealizada “como reflexão,

pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não

como mera aprendizagem de novas técnicas, atualização em novas receitas pedagógicas ou

aprendizagem das últimas inovações tecnológicas”.

Outro aspecto observado, e que não se desvincula dos anteriores, é que, ao discutirmos

a docência em Cursos Superiores de Tecnologia – cuja formação inicial e continuada, assim

como as experiências profissionais favorecem uma maior aproximação com as especificidades

das profissões de origem –, isto passa a requerer investimentos na formação docente. Esse

entendimento sugere que as reais finalidades da Educação Superior rompem qualquer artifício

semântico que se possa utilizar (orientador e/ou mediador da aprendizagem, médico que dá

aula, etc.), visto que, em princípio, todos são caracterizados “profissionais da educação”

(BRASIL, 1996, Art. 61),os quais, de forma deliberada ou não, vivenciam um processo

constitutivo da docência. Daí porque consideramos importante desenvolver ou intensificar a

consciência identitária da profissão e de classe, para que juntos possam superar a apatia e

resignação ainda presentes no campo da docência, diante da mistificação que se esconde sob

(re)conceitualizadas categorias (competências, tecnologia, interdisciplinaridade, entre outros),

bem como a supremacia dos valores mercantis disseminados com fortes componentes

ideológicos.

Pelo exposto, dentro do processo reflexivo que aqui estamos, gradativamente,

desenvolvendo, procuramos identificar elementos que constituem expressão de materialidade

da relação do discurso pedagógico oficial e institucional e implicações na constituição

docente. Nesse sentido, na seção seguinte procuramos analisar a prática discursiva do(as)

entrevistados(as).

Diante do compromisso assumido em preservar a instituição e os(as) participantes que

se dispuseram a colaborar com o nosso estudo, passamos a identificá­los(as) por pseudônimos

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(professores: letras do alfabeto; outros entrevistados: número) e, na transcrição de suas falas,

procuramos omitir expressões que pudessem aludir as suas identificações (nome do curso de

atuação, particularidades pessoais). Elas foram substituídas por palavras explicativas ou

reticências, inseridas em colchetes ([ ]).

6.2 Expressões de materialidade dos discursos oficial e institucional na constituição da

docência nos Cursos Superiores de Tecnologia

O discurso pedagógico oficial, enquanto mediador de crenças, valores, ideologias,

formas de ver e de encarar a realidade, indica contribuir para instituir significados que

favorecem a manutenção das relações de poder e a consequente manutenção da ordem vigente

(FAIRCLOUGH, 2001 a e b). Essa força decorre, em grande parte, do poder inerente ao

Estado que, nos Cursos Superiores de Tecnologia, tem como expressão de materialidade a

proposta curricular por competência – núcleo central ou duro do discurso. Em tais

circunstâncias, a despeito da autonomia (relativa) do campo científico e dos sucessivos

processos de recontextualização, os discursos institucionais não ficam imunes a essas pressões

externas.

Sob um outro ângulo, Giroux (1997) discute que o âmbito interno da docência é

composto por uma multiplicidade de “[...] discursos e lutas conflitantes, um terreno móvel no

qual as culturas da escola e da rua se chocam e os professores, estudantes e administradores

escolares afirmam, negociam e, às vezes, resistem à forma como a experiência e práticas

escolares são denominadas e realizadas” (GIROUX, 1997, p. 203). Para Melo (2007), as

demandas do mundo atual passam a requerer:

um novo perfil do profissional docente, com uma visão integrada de mundo, com atuação competente, comprometida com as problemáticas políticas, socioculturais, técnico­científicas, ecológicas, estéticas, de ordem moral e ética etc.; um profissional que tenha uma compreensão realística da sociedade/universidade sintonizada com essas transformações, questionando (e resistindo a eles) os dispositivos de ordem regulativa de controle e de poder, instituídos nos campos oficial e social, que vêm contribuindo para legitimar e naturalizar as práticas pragmáticas e produtivistas da ‘universidade operacional’, inseridas nos ditames da ideologia neoliberal e da lógica de mercado [...].

Diante dessa complexidade, ao professor é lançado o desafio “[...] de compreender

essa trama invisível que impacta no processo ensino e aprendizagem [...]” (SOARES;

CUNHA, 2010, p. 27). Com base no que a nossa pesquisa conseguiu até aqui alcançar,

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poderíamos ratificar que estes constituem, também, desdobramentos dos discursos e

influências dos contextos externos no âmbito da docência.

Neste sentido, procuramos ouvir os sujeitos da docência, dentre os quais 54%

trabalham em mais de uma IES. Em função disto, supomos que, embora os questionamentos

estejam relacionados ao contexto da prática docente que tem como referência especificidades

de um determinado campo institucional pedagógico, o posicionamento de muitos(as)

entrevistados(as) faz referência a mais de uma IES. Esse entendimento decorre do fato de que,

em várias circunstâncias, foram mencionados, espontaneamente, nomes de outras instituições

de ensino nas quais os(as) professores(as) exercem a docência, o que sinaliza a possibilidade

de maior abrangência ao estudo. Adiantamos que os nomes das IES mencionadas foram

omitidos.

Para ratificar o que acabamos de relatar, a fala do(a) entrevistado(a) “Q”, ao fazer

referência à reduzida carga horária destinada aos Cursos Superiores de Tecnologia, admite

que: “na [IES] eu tinha duas horas por semana para ministrar esta disciplina. Aqui, no curso

tecnológico, eu trabalho reduzindo para uma aula”.

De maneira similar, a fala do(a) do(a) professor(a) “O” referenda o nosso

entendimento, ao reportar que, “nesta instituição, diferente da [IES], eu tive uma influência do

Projeto Pedagógico, porque cada instituição, cada sistema de ensino tem as suas

características e a gente precisa se adequar, se adaptar e até se modernizar”. O(a) professor(a)

“R”, relatando sua experiência quanto ao exercício da docência nos Cursos Superiores de

Tecnologia, desabafa: “na (IES) está menos complicado, porque não trabalha competência.

Nós trabalhamos os conteúdos”.

Ainda, o(a) entrevistado(a) “J” toma outro campo institucional como referência, no

momento em que analisa o seu acesso ao discurso oficial:

[...] eu já havia substituído a minha coordenadora no curso de Turismo da [...], então eu sabia que aquela ementa correspondia a uma diretriz curricular, porque, inclusive, no momento que eu respondi pela minha coordenadora, foi um momento de avaliação do MEC, então eu tive que estar apto(a) para responder perguntas dos avaliadores.

É bem verdade que fazer referência a pessoas e instituições pode também significar

busca de respaldo para os seus posicionamentos. De qualquer forma, esses espaços também

representam elementos constitutivos de formação e de identificações.

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Essas ponderações advertem para a análise dos discursos dos(as) professore(as),

produzidos em situação que foge ao contexto diário e em circunstâncias ou condições

específicas (falar sobre sua prática social docente). Em função disto, buscamos identificar

“pistas” que sugerissem aproximações, distanciamentos e/ou recontextualizações do discurso

oficial e institucional e suas influências nos(as) entrevistados(as). Se, por um lado, há a

possibilidade de alguém deixar transparecer aquilo que não quis dizer, ou, pelo menos, não

pensou dizer, há, também, a possibilidade de que sejam omitidos posicionamentos que não se

quis ver expostos. Estes são alguns riscos aos quais, geralmente, estamos submetidos, por

mais favoráveis que sejam as posições em que estejam situados(as) entrevistados(as) e

entrevistador. Assim é que a convivência mais prolongada e as observações realizadas

contribuíram para uma maior percepção e conhecimento da realidade.

Não obstante a política de Educação Superior tenha adquirido maior vigor, na década

de 90 do século passado – e, a partir de então, a tônica do discurso e das ações pedagógicas

venham girando em torno das DCNG/CST –, os discursos dos(as) entrevistados(as) indicam

que o mencionado documento não foi suficientemente difundido. No entanto, o seu poder

ideológico se estendeu ao campo da docência por meio do “Modelo de Competência”

materializado na organização curricular expressa nos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC).

Tal evidência advém do fato de que a maioria dos(as) entrevistados(as), ao serem

questionados sobre a forma como a Política de Educação Superior de Tecnologia foi ou está

sendo implantada, e como ela tem influenciado a sua prática docente, reporta­se (ou

reconhece) como expressão de materialidade da mencionada política a “Educação por

Competência”, conforme indicam as falas dos(as) entrevistados(as), transcritas a seguir:

Eu já havia trabalhado em um curso de tecnólogo e eu já conhecia esse tipo de tr abalho, que é por competências. Então, não foi muito difícil continuar trabalhando, porque eu já conhecia esse mecanismo que apresenta um leque de opções. Na avaliação por competências tem que saber deixar , logo no início, as r egras muito claras para os alunos: tudo o vai ser trabalhado, o momento da aula, a frequência, a participação, as atividades que são passadas, tudo vai ser avaliado. Então, não fica r estr ito só àquela prova escr ita. Especificamente, na minha disciplina, é até mais fácil fazer esse tipo de tr abalho, porque eu tr abalho com prática no laboratór io (professor/a “J”, destaques nossos). Nunca tive [aos documentos das políticas oficial e/ou institucional]. O que eu sei r ealmente é atr avés de conver sas, assim: “olhe, o curso tecnológico tem essa ênfase prática, profissional, o olhar para o mercado, essa tendência prática, aderência à prática”, mas nunca li a documentação. [...] No começo eu não entendia direito, er a meio complicado pelo própr io sistema de avaliação […]. O primeiro contato que a gente tem na prática é com o sistema de avaliação – é uma avaliação por conceito, porque é uma avaliação que vai resgatar as competências que o aluno desenvolveu. [...] Então, a gente estabelece as competências como se fossem ferramentas de trabalho que devem ser ensinadas. Se eles conseguem mostrar

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que sabem usar essas fer r amentas, então a gente considera que ele desenvolveu aquela competência (professor/a “G”) (destaques nossos). [...] a partir do momento que você trabalha com esse foco na competência, você não está querendo que o aluno “devore” aquele assunto. Você está querendo que ele saiba lidar com aquela situação, e isso r equer dele muitas habilidades. Você tem que estimular vár ias habilidades [...] (professor/a “G”) (grifos nossos).

Os discursos deixam transparecer o expressivo poder inerente ao discurso oficial como

de grande expressividade que se faz presente, mesmo não tendo sido evidenciados, no campo

interno da docência, significativos investimentos circunscritos à sua divulgação e/ou

compreensão. Outro aspecto evidenciado é que, no processo de deslocamento dos seus

significados, as ideias chegam ao contexto da prática originando um novo discurso ou um

intradiscurso, no qual se insere o discurso do(a) professor(a) (BERNSTEIN, 1996).

As expressões de materialidade também permitem supor que, ao focalizarem o mesmo

objeto (desenvolvimento de competências), os(as) entrevistados(as) o fazem sob diferentes

perspectivas, externando sinais de suas experiências profissionais (empresas e/ou outras

instituições) e sociais, bem como sentidos construídos, como, por exemplo: processo

“controlado por regras muito claras”; conteúdos considerados “insumos” para as

competências; currículo como instrumento de controle; um tipo de visão vinculada à imagem

simbólica do “moderno” utilizado pelas empresas, etc.

Queremos alertar para o caráter utilitário e funcional que se mantém presente no

modelo de competências, sua regulamentação pelo mercado de trabalho, com forte tendência

de secundarizar, ou mesmo desconsiderar, na formação profissional, os saberes histórico­

culturais e socialmente construídos que “ficam “subsumidos às competências”, conforme

adverte Lopes (2001, p. 8). Assim, “as habilidades e comportamentos vinculados a relações

sociais e práticas culturais cotidianas são substituídas por competências técnicas derivadas dos

saberes especializados” (LOPES, 2001, p. 7). Em tais circunstâncias, não seria demais trazer à

lembrança o pronunciamento da professora Kuenzer (2002, p. 11), que, no nosso

entendimento, é pertinente, oportuno e permanece atual:

A escola é o lugar de aprender a interpretar o mundo para poder transformá­lo, a partir do domínio das categorias de método e de conteúdo que inspirem e que se transformem em práticas de emancipação humana, em uma sociedade cada vez mais mediada pelo conhecimento. O lugar de desenvolver competências que, por sua vez, mobilizam conhecimentos, mas que com eles não se confundem, é a prática social e produtiva. Confundir estes dois espaços, proclamando a escola como responsável pelo desenvolvimento de competências, resulta em mais uma forma, sutil, mas extremamente perversa, forma de exclusão dos que vivem do trabalho, uma vez que os filhos da burguesia desenvolvem suas capacidades, apesar da escola que para muitos passa a ser apenas uma instituição certificadora; para os trabalhadores, a escola se constitui no único espaço de relação intencional e sistematizada com o conhecimento”.

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Portanto, ao se implantar um currículo cuja função prioritária é o desenvolvimento de

competências profissionais, secundarizando o desenvolvimento de outras dimensões do ser

humano, bem como da função de compreender e tornar real a inter­relação ensino, pesquisa e

extensão, diferente do que propõe o PDI 2010­2014, as finalidades de uma IES ficam

circunscritas à formação de “mão­de­obra” útil às necessidades do mercado de trabalho. É

coerente considerar que trabalhar a dimensão econômica da sociedade também está incluída

entre as funções da educação. Não obstante, conforme aponta Ferretti (1997), não podemos

sobrepor a dimensão econômica às demais dimensões da educação humana.

Das análises realizadas trazemos algumas ponderações. A primeira indica que o

discurso oficial tem como eixo central o desenvolvimento de competências, embora outras

categorias sejam anunciadas como base conceitual da proposta curricular, entre as quais,

flexibilidade e interdisciplinaridade. Compreendemos que esses conceitos, assim como os

conteúdos curriculares, são muito mais enfatizados em função das competências que se

pretende desenvolver – nas quais estão sobrepostas as competências laborais – do que em

função de sua essência histórico­crítica, política e epistemológica. Este entendimento foi

reforçado, ao se observar, com o apoio de autores como Ramos (2004, 2002), Deluiz (1995,

2001), que essa proposta de educação fundamenta­se em três matrizes epistemológicas

(condutivista/behaviorista, funcionalista e construtivista), caracterizando, dessa forma, uma

intertextualidade híbrida em que convivem conceitos nem sempre harmoniosos. Ressalte­se,

porém, que, nas DCNG/CST, diversas etapas do texto também indicam a sobreposição da

vertente funcionalista, permitindo supor a refuncionalização da Teoria do Capital Humano.

O segundo questionamento que orientou o desenvolvimento deste estudo está

relacionado às implicações do discurso pedagógico oficial, na constituição identitária docente.

Os resultados alcançados revelam que, segundo Dias e Lopes (2003), citando Bernstein e

Solomon , a formação docente com foco nas competências constitui um mecanismo de

controle simbólico que se dá por meio de um conjunto de regras pedagógicas prescritas, “que

regulam o acesso e a distribuição da consciência, da identidade e do desejo. No caso em

questão, mais fortemente o controle faz­se sobre como os professores constroem suas

identidades profissionais” (DIAS; LOPES, 2003, p. 1159). Dessa forma é incentivada uma

relação determinista entre o desempenho dos professores e o sucesso dos alunos. Pelo

exposto, colocam­se em segundo plano os conhecimentos teóricos (científicos, sócio­

históricos, culturais, etc.) e sua mediação pedagógica. Por conseguinte, a formação de

professores “também vem se apresentando como recontextualização dos princípios da

formação por competências presentes na literatura que embasou programas norte­americanos

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[...]” (LOPES, 2004, p. 114). De forma geral, para essa pesquisadora, a hibridez que

caracteriza os processos de recontextualização,

ao mesmo tempo que se desenvolve por princípios que estabelecem constrangimentos e limitam as leituras a serem realizadas, engendram espaços de conflitos e de resistência que podem ser ampliados, caso as definições políticas assumam esse propósito. Nas propostas expressas em documentos oficiais, os sentidos da prática também estão expressos; nas práticas no cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também estão inscritas (LOPES, 2004, p. 116).

Por certo que foi possível identificar materialidade discursiva de tendência contrária à

racionalidade técnica. Isto é o que permite entender o texto apresentado em seguida, que

expressa uma análise reflexiva em torno das condições em que se encontram os(as)

professores(as) dos Cursos Superiores de Tecnologia, em relação ao currículo proposto,

tornando­se representativo de 25% dos/as professores/as, e, diante da pertinência,

transcrevemos grande parte do mesmo:

O conhecimento, a gente sabe, necessita de um tempo para ser maturado no entanto, o tempo de que dispomos não dá para essa matur idade intelectual, não dá para o aluno alcançar essa matur idade no nível que se espera em termos de conhecimentos científicos, tecnológicos, que exigem pesquisa. Eu não acredito que isso seja possível. [...] O professor fica diante do impasse de desenvolver as competências e resumir todo esse conhecimento necessário e preparar para a pesquisa, cursos de pós­graduação. Primeiro, é uma dificuldade muito grande para o professor , porque fica totalmente r esponsabilizado pela iniciativa de pegar aquele conhecimento e r esumi­lo, r esumi­lo, r esumi­lo e, ainda assim, o aluno sair preparado para o mercado de tr abalho e para concor rer a cur sos de especialização ou mestr ado. E aí a gente sabe que, por mais que a gente selecione conteúdos e conceitos considerados primordiais para aplicação nas experiências práticas e na continuidade dos estudos, a gente sabe que ficam lacunas. [...] Outr o problema... Como tr abalhar pesquisas de campo? Elas ficam muito compr ometidas nessa grade cur ricular do cur so de tecnologia. Com essa nova proposta de formação você não tem tempo para explorar uma pesquisa, porque a carga horária está muito limitada. [...] Eu creio que a prática é impor tante, mas ela necessita da fundamentação teór ica para que haja, r ealmente, um profissional qualificado. Ocorre que, nesse formato, o profissional não sai preparando. O aluno vem muito no afã de terminar o curso logo, de entrar no mercado de trabalho. Ele vê muito a questão mercadológica, a questão operacional. Então, eu acho que há um impasse e isso é algo que as instituições precisam, r ealmente, se preocupar muito: como tr azer esse equilíbr io do tempo em relação ao que se propõe como teór ico e prático? (professor/a “Q”, grifos nossos).

Nas expressões discursivas do(a) professor(a) “Q”, ao se reportar ao impasse frente à

necessidade de “desenvolver as competências e resumir todo esse conhecimento necessário e

preparar para pesquisa e cursos de pós­graduação”, bem como diante do (des)equilíbrio entre

“teórico e prático” – como se fossem duas coisas separadas –, de forma velada, deixa

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transparecer o conflito entre o profissional e o acadêmico, ou entre a universidade e as demais

IES, ou, mais precisamente, entre o curso de tecnologia e o curso de bacharelado. Essas

preocupações também se expressam no questionamento que faz a si próprio e responde:

“como trabalhar pesquisas de campo? Elas ficam muito comprometidas nessa grade curricular

do curso de tecnologia”. Essas inquietações ou “impasses” sinalizam o conflito em que se

encontra a constituição da docência nessa modalidade acadêmica. Neste sentido, Pires (2010,

p. 214) afirma que se torna “necessário superar este vínculo imediatista com o setor

produtivo”. Lembra, ainda, com bastante pertinência, que, se a emergência de um novo

mercado de trabalho está a exigir “trabalhadores polivalentes, capazes de atuar em diferentes

setores, áreas, empresas, não é uma formação aligeirada, pragmática, que vai assegurar esta

situação. Acredita­se que é justamente o contrário: só uma formação sólida [e humana] seria

capaz de assegurar esta possibilidade (PIRES, 2010, p. 215)”. Acreditamos também que esta

seria uma boa solução para o impasse levantado pelo(a) professor(a).

De certa forma, e em minoria, também existem registros que apontam para sinais de

resistência, conforme expressões destacadas, em seguida:

Acho que as diretrizes dão um direcionamento para o desenvolvimento de competência. Agora, o corpo a corpo é feito no dia da sala de aula. É aí, realmente, aonde o professor tá ali e é quem tá conduzindo o processo, que pode ou não encaminhar o tr abalho, conforme propõem as diretr izes (professor/a “C”, grifos nossos).

Eu acho essa política ainda uma utopia, cer to? Por quê? Pela forma como atuam, tanto as instituições privadas como as públicas. Primeiro, atendem de uma forma massiva... Então isso é um fator de estrangulamento ou um fator de extrema dificuldade de operacionalização pra quem tá em sala de aula. Como é que eu posso acompanhar o r endimento de um grupo ou de cada aluno, quando eu tenho “n” turmas? Com poucas aulas, diante do conjunto de afazeres que nós temos, eu creio que ainda é uma utopia pra nós operacionalizarmos. [...] a lógica das instituições de ensino super ior é de mercado, funciona dentro do modelo de mercado e nós temos que entrar também dentro dessa. Com relação aos alunos, eu tenho uma relação, praticamente, de cliente com o serviço. Nós somos vistos, vamos dizer , como funcionár ios à disposição. Isso a gente tem que começar a desconstruir, principalmente nos primeiros períodos. Você tem que introduzir ou r eintroduzir uma cultura de educação, porque às vezes eles [os alunos], mesmo que implicitamente, se acham nessa condição: “porque eu tô pagando, eu tenho direito”. Eles veem como se fosse um negócio: “eu estou aqui comprando os serviços” (professor/a “E”, grifos nossos).

Os questionamentos apresentados, a nosso ver, sinalizam para um “benéfico não

convencimento” dos sentidos difundidos por “tecnólogos” dos discursos oficial e

institucional, ao mesmo tempo em que dão sinais de resistência. O(a) professor(a) “E”

denomina a proposta curricular de “utópica” (no sentido de irrealizável) e parece atento à

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comodificação do discurso pedagógico que contamina as IES com a massificação do ensino e

um modelo de gestão colonizado pelo sistema produtivo. A pertinência de sua fala reporta à

mercantilização, que, segundo Soares e Cunha (2010, p. 29), “impacta o campo das profissões

e também invade a educação superior e interfere nas práticas educativas dos docentes [...]”,

gerando uma distorção na relação professor e aluno, que se vê transformada entre prestador de

serviços e cliente (CUNHA, 2010, p. 29). Referendadas em estudiosos do assunto, essas

autoras relacionam algumas consequências decorrentes dos impactos da mercantilização, no

processo de formação dos alunos, no ensino superior:

1) tendência, pelos estudantes, ao interiorizarem a identidade de clientes, de interpretar a aprendizagem como uma transação comercial e de se tornarem consumidores passivos; 2) possibilidade de haver naturalização da visão de aprendizagem como um processo de seleção, consumo e reprodução de informações fragmentadas, desconexas, porém bem transmitidas pelo professor­prestador de serviços; 3) ao privilegiar o tratamento superficial dos conteúdos, consequentemente há prejuízo do desenvolvimento de competências capazes de possibilitar uma aprendizagem autônoma, crítica e reflexiva; 4) estímulo à transformação do professor em refém dos estudantes­clientes que, diante de suas ameaças e queixas, tende a abrir mão do método de questionamentos às ideias existentes, do estímulo à reflexão crítica, ‘[...] optando por uma ‘formação segura’ que permita transmitir aos estudantes conteúdos pré­definidos e avaliável de forma convencional [...]’ (CUNHA, 2010, 29­30).

Quanto a exercer influência sobre a docência, em geral, os posicionamentos enfatizam

o processo dinâmico e de constante monitoramento do desempenho do aluno, deixando

evidências do discurso polissêmico da Pedagogia das Competências: Eu acho que desenvolve muito a capacidade criativa do professor. Nessa proposta, ele precisa se r einventar . O desenvolvimento da competência e a avaliação por competência, digamos assim, desenvolve a capacidade do professor de ser muito dinâmico. Não pode se acomodar porque a cada nova competência a ser desenvolvida, ele tem que se reinventar (professor/a “H”, destaques nossos).

Porque, na verdade, é um tr abalho constante, não é uma coisa que você vai simplesmente pegar uma prova, aplicar e pronto, acabou. É um trabalho contínuo. A gente está o tempo todo avaliando o aluno, se ele procedeu de forma correta por vários momentos (professor/a “L”, destaques nossos).

Influencia demais, porque r equer mais desempenho, mais esforço do professor. É completamente diferente de só colocar uma prova inscrita de 0 a 10, a média é 7, e ponto. Requer todo um controle de desempenho dos alunos ao longo de todo o semestr e, mas é um tr abalho gostoso também, porque vê o crescimento do aluno e não analisa pura e simplesmente aquela nota de 0 a 10 (professor/a “L”, destaques nossos).

[...] eu acho que você cria um olhar diferente, de observação com os alunos, porque você tem que dar um feedback para eles, então você, além de estar avaliando não só a questão educacional, “está passando conteúdo”. Você tem que olhar sobre outras perspectivas, como um todo. Pelo menos eu enxergo desse jeito (professor/a “F”, grifos nossos).

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De modo geral, as variáveis apontadas como importantes pelos(as) entrevistados(as)

como importantes, de forma aparentemente equivocada, foram vinculadas à relação

professor/aluno, professor/conhecimento/aluno, avaliação como processo permanente,

elementos esses que não constituem privilégio do modelo de competências. Portanto, diante

de um significativo número de professores(as) que não possuem formação para docência e

considerando que a prática curricular contribui significativamente para a constituição da

docência, a refocalização e/ou reinterpretação crítica e fundamentada da política de Educação

Superior de Tecnologia apresenta­se como algo indispensável e premente. Melhor seria

atentar para o que adverte Ramos (2003, p. 111):

[...] para ser possível uma pedagogia das competências contra­hegemônica, teríamos de suprimir exatamente o termo que nos impede de admitir os princípios anteriores: competências. Voltamos, então, à questão central da formação humana sob o modo de produção capitalista: a necessidade de construção de uma pedagogia contra­ hegemônica, que seja ativa e criadora, construída com base em uma profunda e orgânica ligação entre ela e o específico dinamismo social objetivo que nela se identifica.

Ainda sob a ótica de Ramos (2001), a institucionalização da competência tem se

constituído numa materialidade e, portanto, essa noção tende a se consolidar como ordenadora

das relações de trabalho e de educação. Hoje já é possível acrescentar que a situação torna­se

mais grave quando se constata o representativo número de entrevistados(as) que revelam estar

no exercício da docência sem experiência anterior e/ou sem “nenhuma formação voltada para

isso”. Desenvolvem sua ação docente apenas “pelo feeling”, conforme admite o(a)

entrevistado(a) “I”, ou superdimensiona a formação do específica, na função docente,

conforme enfatiza o(a) professor(a) “C”:

De qualquer forma, apesar de não ter formação na área de docência, […] eu já conhecia essa proposta de educação, que é por competência. É um tipo de visão que até as própr ias empresas, hoje, tr abalham com ela, independente do ensino. Então, é realmente uma proposta que é aplicada em diversos setores, não só na docência. Eu tr abalho numa grande empresa e, digamos, tem uma gestão, também, mais moderna e que pensa dessa forma, e que atuam dessa forma. Eu acho que a gente acaba um pouco desenvolvendo essa prática, mais por sentimento, do que por formação. [...] Eu não tenho nenhuma formação voltada para isso. No meu caso, pelo menos, eu faço muito mais pelo feeling mesmo (professor/a “I”, destaques nossos).

[...] se a gente r ecebe no cur so de tecnologia um professor com a exper iência simplesmente acadêmica, sem ter a experiência de “chão de fábr ica”, como a gente chama no mercado de trabalho, é difícil ele saber até qual a competência que o mercado está exigindo naquele momento. Quando o professor tem essa vivência de “chão de fábrica”, de mercado de trabalho das áreas específicas, ele sabe: quem vai trabalhar na linha de produção tem que saber disso aqui, quem vai

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trabalhar em [...] tem que saber disso aqui. É impossível você tr abalhar nessa área sem você não sabe fazer isso. Então ele tem como distinguir as competências e desenvolver isso nos alunos, ou, pelo menos, mostrar para eles que é necessário ele ter aquela competência (professor/a “C”, grifos nossos).

O(a) professor(a) “I” também estabelece uma explícita relação intertextual entre

discurso pedagógico e discurso mercantil, colocando­os no mesmo patamar e sob a mesma

ótica, ao mesmo tempo em que deixa transparecer a força ideológica e capacidade de projeção

social das DCNG/CST. Do mesmo modo, indica a sobreposição de saberes da experiência

profissional do especialista, permitindo­nos reportar à premissa bastante discutida por

educadores, como Zabalza (2004) “ensinar é uma arte que se aprende com a prática (visão

não­profissional do ensino, ou seja, não é preciso se preparar para isso)”. Do mesmo modo,

esse discurso aponta a necessidade de discussão em torno das questões relacionadas à

docência e/ou de investimento institucional em formação continuada.

Em geral, a diversidade de enfoques presentes nas falas dos(as) entrevistados(as), da

mesma forma em que pode indicar autonomia intelectual, de modo contrário, pode dar sinais

da ausência de reflexão crítica em torno das reais funções do currículo e da prática docente,

em suas múltiplas implicações, bem como ausência de formação continuada que contribua

para a construção de conhecimentos, saberes e competências que “não podem ser adquiridos

por imitação, e, sim, mediante uma formação específica e consistente” (ZABALZA, 2004, p.

30).

Este entendimento é reforçado por expressões que apontam a generalização de

situações muito particulares, bem como por indícios de que a proposta curricular não é

discutida no coletivo dos(as) professores(as). Também a divulgação da mencionada política

parece não ter sido encaminhada de forma crítica e reflexiva, se considerarmos expressões

recorrentes, tais como: “eu fui apresentada à política na reunião pedagógica” (professor/a

“N”); “Já vi a encadernação desse documento na mesa do(a) coordenador(a), mas a gente não

pegou isso para estudar” (professor/a “M”); ou, ainda, “eu tive contato com elas no 2º

Encontro Pedagógico, aqui na Faculdade, que foi o(a) diretor(a) [...] que fez uma explanação

sobre a importância dos professores discutirem e dar contribuições para melhorar o projeto da

faculdade” (professor/a “O”).

Não sendo o nosso interesse avaliar os sujeitos do discurso, mas as implicações de

práticas discursivas (oficial, institucional) na constituição docente e, enquanto prática social,

capaz de promover efeitos de várias ordens, nos agentes e nos campos sociais, a partir das

práticas discursivas analisadas é possível presumir que o discurso pedagógico oficial possui

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uma força simbólica que é inerente ao Estado e que lhe dá sustentação. Dessa forma, estende­

se às instituições educativas por meio de vários mecanismos e após sucessivas

recontextualizações. Os novos textos, ou intertextualidades, além de bastante controvertidos,

ambivalentes, chegam ao campo da docência de forma bem diferente daquela que lhe deu

origem.

As expressões discursivas até aqui analisadas revelam vários percursos formativos e

de constituição docente, alguns dos quais, aparentemente, “forjados” pelas circunstâncias. Em

qualquer das circunstâncias, as falas indicam que a política de Educação Superior de

Tecnologia estabelece diretrizes curriculares que procuram influenciar a constituição

identitária docente (e a discente) conformada às necessidades do sistema produtivo. Nesse

contexto, os profissionais que ingressam na função docente, movidos por diversas razões,

procuram atentar para o que foi prescrito, especialmente, no Projeto Pedagógico do Curso

(PPC), aproximando­se da imagem projetada a partir das diretrizes curriculares e normativos

afins, que indicam ter como um dos seus efeitos mais explícitos a constituição de identidades

conformadas ao sistema produtivo, e “os menos avisados” acabam aderindo, conforme afirma

o(a) professor(a) “F”: “[...] eu já fui inserido(a) nessa, então, realmente, eu tentei me adaptar”.

E, visando seguir o que foi determinado no Projeto Pedagógico do Curso, o(a) professora(a)

“S” desabafa: “termino meio que me ‘virando nos trinta’ para poder cumprir o programa

todinho”.

A prática discursiva docente, além de sinalizar conflitos de várias ordens, admite

aludir ao pressuposto gramsciano que trata da formação dos intelectuais orgânicos necessários

aos diversos segmentos sociais. Com efeito, a cada etapa de evolução do setor econômico, os

grupos sociais criam para si, de modo orgânico, “uma ou mais camadas de intelectuais que lhe

dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas

também no social e no político [...]” (GRAMSCI, 1991, p 3). Nas palavras de Fairclough

(2001a e b), são os chamados tecnólogos do discurso. Chamamos a atenção para o fato de que

optar por se tornar intérprete da realidade e mediadora das necessidades dos estudantes, em

um contexto extremamente diversificado e mutável, no nosso entendimento, implica, entre

outras coisas, ter domínio dos elementos necessários a tomadas de decisões, por meio das

quais se vê refletido o compromisso a serviço de que e de quem se pretende desenvolver a

ação educativa. A posição de consumidor – acrítico – de discurso torna os sujeitos

pedagógicos reféns de determinações, em sua maioria, estabelecidas por agentes externos à

escola.

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Evocamos a pertinente ponderação de Soares e Cunha (2010, p. 124), que consideram

“evidente a falta de uma ambivalência que valorize a formação pedagógica e que oportunize,

institucionalmente, uma reflexão coletiva sobre os pressupostos teóricos, epistemológicos,

políticos pedagógicos, metodológicos da prática docente”. No entanto, na assunção da

docência, enquanto profissão acadêmica, não pode prescindir de um novo conceito de ciência,

cultura e tecnologia intra e inter­relacionado à educação, de conhecimentos necessários aos

processos de ensinar e de aprender, bem como de, no seu exercício docente, integrar ensino

pesquisa e extensão. Neste sentido, Zabalza (2004, p. 110) adverte que “qualquer um pode

entender que a pesquisa constitui um processo bastante complicado e que exige

conhecimentos e competências variados em que é necessário se formar”.

6.3 A constituição da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia: em que sentido

caminha?

Conforme vêm mostrando os resultados da nossa pesquisa, o processo constitutivo da

docência nos Cursos Superiores de Tecnologia (no Centro Acadêmico ETHOS), em seu

exercício teórico­prático, foi possível perceber o especialista que sai da condição de

empresário ou trabalhador de empresas privadas vinculadas a especificidades do sistema

produtivo e assume a docência. Em dadas circunstâncias, nas falas e experiências acadêmicas,

identificamos também esse profissional assumindo a função docente e, em sua maioria, sem a

devida preparação para tal. Esses profissionais reconhecem e procuram alternativas para

superar suas dificuldades. No entanto, o exercício da docência requer, entre outras coisas,

conhecimento científico e pedagógico da profissão e preparo para realizar intervenção crítica

e potencializadora de mudanças nos campos institucionais, nos sujeitos e na sociedade. Tais

circunstâncias apontam tensões que se instalam entre a identidade do especialista, que domina

o saber especializado de uma profissão, e a necessidade de preparação para o exercício da

docência. Resta saber em que sentido vem sendo projetada a constituição da docência nos

Cursos de Graduação de Tecnologia.

De certa forma, o estudo traz elementos que indicam a formação inicial e experiência

profissional – advogado, administrador, engenheiro – ainda como base de referência da

docência nos Cursos de Graduação de Tecnologia, o que posterga a pertença a trabalho

docente. Da mesma forma, ratificam o que Benedito (1995, p. 131) advertia, ao afirmar que se

aprende a ser professor “mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata

ou [...] seguindo a rotina dos ‘outros’”, cujos saberes da experiência revelam­se de grande

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importância, ainda que não signifique afirmar que são suficientes. Indicações também estão

subentendidas nas falas dos sujeitos pesquisados, quando se referem às implicações dos

discursos pedagógicos oficial e institucional na sua constituição docente e na forma como se

dá esse processo constitutivo.

[...] a gente acaba aprendendo conforme a gente vai fazendo, vai organizando as aulas, você vai pensando nessa questão de como vai querer o perfil do aluno [...] Eu acabo conver sando com outr o professor que seja de outr a disciplina e que esteja mais ligado a uma formação pedagógica, a um nível melhor . Com [cita três colegas] eu converso muito sobre isso, e os próprios professores da pós­ graduação que eu até aproveitei na última semana. Eu brinquei: “professora eu esperei muito a senhora para me or ientar os caminhos que eu poder ia tr abalhar com a didática em sala de aula” (Professor/a “O”, grifos nossos).

Para mim é mais difícil. Eu entro pra dar aula, termina a aula eu preciso ir embora direto. Então, são poucos os momentos que eu consigo me encontrar com outros professores, mas, em conver sas com outros professores de outros locais – papo de professor sempre –, a gente conver sa, discute sobre isso, vê o que é mais interessante, o que é que poder ia fazer , pede ajuda. Em muitos momentos você tem que pedir ajuda. [Professor/a “tal”], mesmo, é um/a professor/a a quem eu recorro sempre e pergunto: “[professor/a], a disciplina diz que é pra fazer isso, a gente faz assim ou é muito difícil? Ela diz: “não [...], assim não dá cer to, o per fil às vezes da turma pode facilitar isso ou não”. Eu recorro muito a [...] por conta dessa vivência da disciplina prática, que é diferente, às vezes, de você dar aula só teórica (Professor/a “M”, grifos nossos).

Trabalhar competência de forma interdisciplinar e usando conceitos é uma coisa que dificulta muito. Eu acho que ainda tem muito caminho para ser percorrido [...]. Infelizmente ou felizmente, a gente vai ter que tr abalhar muito em conjunto. A gente tem que começar a se coordenar melhor entr e nós mesmos pra gente não estar passando por “palhaço” diante do aluno, quando ele diz que outro professor faz diferente (Professor/a “L”, grifos nossos).

Outro aspecto a ser observado na fala dos(as) entrevistados(as), a seguir, é que no

interior da IES, alguns agentes não assumem o papel de executores passivos dos projetos e

normas estabelecidas. A despeito da ausência de formação para docência e de estarem

submetidos a pressões externas, no interior do campo científico, os agentes validam,

legitimam, classificam o que é legítimo e constroem representações que materializam o poder

simbólico (Bourdieu, 2005), conforme subentende os seguintes depoimentos:

Eu creio que, como a vida do professor hoje é muito atr ibulada de atividades, eu não gosto de formação muito extensa. A gente não pode pensar numa coisa “surreal”: “ah vamos dar um curso de formação docente”. Quando ele [professor/a] quer, ele já opta por um mestrado, um doutorado. [...] Hoje, a própria modernidade diz que, para você ser um profissional competente, tem que estar antenado às informações de nível macro e microssocial. Então, eu acho que poder ia levar esse professor , pr imeiro a r epensar sua prática, porque a gente só modifica quando vê que não tá cor reto [...]. Não adianta a instituição vir com uma capacitação, com uma formação belíssima, se esse professor não se conscientiza da necessidade. [...] Na semana pedagógica aqui, a gente conversou: “[fulana], vamos tentar trabalhar junto, porque, assim, a gente se ajuda, e até as angústias, as dores,

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as falhas, tem como a gente tr abalhar , uma ajudando a outr a” (Professor/a “P”) (grifos nossos).

Pra mim isso [formação continuada] não faz diferença porque o cur so que eles abrem aqui pra gente é o da pós­graduação [...]. Então pra mim, em especial, que estou em nível [stricto sensu] não agrega nada. Professora [fulana] estava r elatando que achava um absurdo a gente par ticipar de congresso [...], geralmente em São Paulo, e a instituição não dar nenhuma ajuda [...]. Eu acho muito favorável tr abalhar a interdisciplinaridade, porque as pessoas discutem muito, trabalham em conjunto, trocam ideias para tr abalhar o linear , eu acho o ideal (Professor/a “D”, grifos nossos).

Na realidade eu sou empresário(a). Aqui a gente tem acesso a fazer qualquer tipo de cur so de especialização. Por exemplo, se eu quero fazer um módulo dentro do curso de docência, então eu tenho acesso a fazê­lo gratuitamente. Além de ajudar a minha formação, ele me dá, inclusive, o certificado de pós­graduação. Tem, também, a ajuda em relação a me afastar para participar de Congresso. Agora mesmo eu estou indo para o quinto Congresso Internacional de [...]. Então eu tenho a compreensão e a colaboração da professora [coordenador/a] (Professor/a “A”, grifos nossos).

Ainda que os dados não sejam suficientes, comportam uma reflexão sobre capacitação

relacionada a “colocar em prática” propostas estabelecidas ou regulamentações, refletindo o

caráter, essencialmente, técnico­instrumental que sempre foi atribuído à educação baseada na

racionalidade técnica. Neste sentido, Giroux (1997) considera que professores são

incentivados a se tornarem consumidores de instruções, material, conceitos e modelos

prontos, que são “à prova de professores”. Para esse pesquisador, os referidos instrumentos

geram uma “incapacitação” nos docentes e, ao mesmo tempo, negam a identidade de

profissionais intelectuais, construtores de conhecimentos e de suas próprias experiências.

Portanto, se as capacitações forem conduzidas nesse sentido, justificaria a rejeição.

Olhando sob outra vertente, os posicionamentos dos(as) professores(as) “P” e “D”

também permitem entender que o domínio dos saberes específicos justifica a assunção da

docência, assim como permitem supor que “ensinar se aprende ensinando”. Isso fica mais

evidenciado quando se nega o curso de pós­graduação – proposto pela IES e sem ônus para o

professor, como o de preparação para docência – bem como atividades realizadas como de

“capacitação” sob a justificativa de que: “para mim, em especial, que estou em nível [stricto sensu na formação específica] não agrega nada”. E, em posição contrária, é dado maior valor

às especialidades técnico­científicas. Queremos, com isto, tão somente, reportar ao que

Zabalza (2004, p. 107) lembra, com propriedade, quando diz que “a docência universitária é

bastante contraditória em relação a seus parâmetros de identidade sócio profissional”. Se, por

um lado, identificar­se como professor(a) do ensino superior lhe confere um “status social”,

por outro, “esse reconhecimento (ao menos no que se refere aos seus componentes docentes) é

secundário na hora de avaliar os elementos a partir dos quais se constrói e desenvolve­se essa

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identidade” (ZABALZA, 2004, p. 107). Refletindo ainda sobre a centralidade das

especialidades científicas, esses elementos permitem presumir o quanto pode ser crítica a

questão da identificação nos Cursos Superiores de Tecnologia, diante de tantos fatores que

reforçam tal situação e distorcem esse campo acadêmico. Com maior precisão, esse autor

sugere que no âmbito do ensino superior, a identidade docente indica estar marcada pelo

“conhecimento sobre a especificidade (o que nos identifica com os outros colegas da

especialidade, sejam ou não sejam professores) e não no conhecimento sobre a docência (o

que nos identificaria com os outros colegas da universidade, sejam ou não sejam de nossa

especialidade)”, fato que contribui para que os professores (em geral) tenham uma “identidade

profissional indefinida” (ZABALZA, 2004, p. 107).

Outro olhar pode ser lançado sobre a lógica mercantil, que vem se estendendo aos

diversos campos profissionais, promovendo distorções, inclusive, no que significa ensinar e

aprender. Neste sentido, Dore (2006, p. 338), interpretando Gramsci, lembra que: “quando a

classe dominante consegue dar uma direção intelectual para a sociedade, essa direção também

é moral, isto é, implica formas de agir no mundo, a prática. A hegemonia é o exercício da

direção intelectual e moral da sociedade”.

Com isto estamos a considerar que as expressões de materialidade discursiva docente,

bem como a diversidade nas formas de compreensão e/ou interpretação apresentada, longe de

caracterizar um aprofundamento ou disputa do capital científico, sinaliza implicações da

mudança da ordem do discurso societal que se estende ao discurso pedagógico (oficial e

institucional), comodificando­o e colonizando­o à lógica do sistema produtivo que invadiu as

instituições de Ensino Superior. Dessa forma, o apelo à “modernidade” e à necessidade de se

manter “antenado às informações, a nível macro e a nível micro”, desconsidera o investimento

institucional em formação continuada.

No quadro das reflexões que compõem esta seção, não podemos esquecer de que, se

concordarmos com Woodward (2000, p. 55) que “[...] nós vivemos nossa subjetividade em

um contexto social, onde a linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de

nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade”, também devemos considerar que os

discursos só alcançam a finalidade projetada se forem apropriados/legitimados pelos agentes.

Em outras palavras, a constituição de nossa identidade constitui­se ação “consentida”, mesmo

que, por vezes, não consciente. Essa dinâmica, nas palavras de Bourdieu e Passeron (1982),

está relacionada à socialização dos indivíduos, circunstância esta que se dá por meio de uma

ação dialética e, portanto, consequência do conhecimento praxiológico.

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Sob essa perspectiva, a interiorização de conceitos e valores, disseminados de várias

formas, pode conduzir à formação de identidades conformadas à cultura hegemônica

dominante, sem que esse processo seja, necessariamente e/ou conscientemente, percebido

pelos agentes sociais. Isto significa dizer que as pessoas estão submetidas a vários tipos de

manifestação da violência simbólica, embora o seu poder arbitrário seja exercido enquanto

ação dissimulada/desconhecida. Consequentemente, conforme indica Almeida (2005, p. 146),

“sua influência será maior, quanto menor for a consciência dos agentes nela envolvidos”.

Decerto que, nas posições assumidas e com as quais cada sujeito social se identifica,

constituem suas identidades (WOODWARD, 2000).

Portanto, a reflexão empreendida neste estudo considera a construção da identidade

docente como um processo subjetivo, reconstrutivo, contínuo, determinante e determinado

pela imagem que se tem de si e da profissão docente; está relacionada a trajetórias e

experiências individuais e coletivas. Sua constituição é intimamente influenciada pela

dimensão profissional, uma vez que é no ambiente de trabalho que estabelecemos relações de

convivência diária, em grande parte do dia, cujas experiências são intencionalmente

direcionadas. No entanto, não se trata de uma relação linear e passiva, ainda que a imagem

que cada um constrói de si esteja susceptível de acolher impressões ou representações

construídas em sucessivas relações sociais, assim como de receber influências da forma como

se é reconhecido pelos outros nessas relações.

Em função do que acabamos de referir, parece pertinente ter presente a arquitetura

delineada para os cursos e a docência na Graduação em Tecnologia, visto que as

representações que eles constroem das funções exercidas podem repercutir na constituição da

identidade coletiva desses profissionais. Em que pese a importância dada às demais

dimensões da identidade dos sujeitos sociais, a dimensão profissional vem sendo focalizada

com maior ênfase e tomada como referência para a constituição de identidades sociais. Essa

perspectiva é apontada por Dubar (2005, p. XXVI) ao afirmar que:

por ter se tornado um bem raro, o emprego condiciona a construção das identidades sociais; por passar por mudanças impressionantes, o trabalho obriga a transforma­ ções identitárias delicadas; por acompanhar cada vez mais todas as modificações do trabalho e do emprego, a formação intervém nas dinâmicas identitárias por muito tempo além do período escolar (grifos do autor).

Tomando como referência os discursos dos professores, a condução da resposta que

orienta nossa discussão, nesta seção, requer que teçamos mais algumas considerações em

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torno da docência na Educação Superior, a fim de oferecer mais elementos que contribuam

para a maior compreensão possível acerca do objeto de estudo: constituição da docência nos

Cursos Superiores de Tecnologia.

A partir das contribuições de Soares e Cunha (2010, p. 23), podemos entender que a

palavra docência tem sua origem no latim (docere) que significa ensinar. Entretanto, essa ação

está vinculada à ação de outro sujeito educativo: discente (em latim: discere), que realiza o ato de aprender. Deste modo, a ação docente é realizada em comunhão e caracteriza­se pela

inter­relação ensinar e aprender. No âmbito do ensino superior, essa relação está intimamente

relacionada às atividades de ensino, pesquisa e extensão, realizadas de forma inter­

relacionada, com finalidades formativas e transformadoras, o que requer interação com o

meio social, econômico, cultural, entre outros. Acrescente­se que tais requisitos não

distinguem professores iniciantes ou experientes. Desse modo, concordamos com as autoras

que ensinar e aprender caracteriza­se como identidade unificadora dos(as) professore(as).

Tenha­se presente que o ato de ensinar e aprender se estende para além dos muros de uma

instituição educativa e se estende à sociedade.

Também se reportando à universidade, Zabalza (2004) pressupõe para o desempenho

da ação docente o domínio de conhecimentos específicos a serem ensinados, bem como de

sólida formação relacionada aos “aspectos correspondentes a sua didática e ao

encaminhamento das diversas variáveis que caracterizam a docência” (ZABALZA, 2004, p.

145), vindo a considerar que qualificação científica e pedagógica constituem fatores básicos

de qualidade da universidade. Indo mais além, no sentido de superar a “visão não

profissional” de que “ensinar se aprende ensinando”, esse autor destaca a importância da

profissionalização docente, bem como de condições para o exercício da docência, entre as

quais distingue a necessidade de “conhecimentos e de competências próprios, preparação

específica, requisitos de ingresso, plano de carreira profissional” (ZABALZA, p. 2004, p.

109), elementos já referidos por nós em outra seção. Zabalza reforça ainda que se trata de uma

atividade complexa, na medida em que requer não só o domínio dos conhecimentos

específicos da disciplina, mas de atividades relacionadas à maneira como os estudantes

aprendem, bem como sobre como serão conduzidos os recursos e os processos de ensino mais

adequados às condições e aos sujeitos da aprendizagem. Estas, entre outras peculiaridades,

seriam suficientes para se entender que a docência pressupõe uma relação dialética entre

ensinar e aprender, de forma que “a capacidade intelectual do docente e a forma como

abordará os conteúdos são muito distintas de como o especialista o faz” (ZABALZA, 2004, p.

111).

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Sob o olhar de Marcelo Garcia (1999, p. 243), é possível ver a ação docente para além

da sala de aula, incorporando a forma de aprender dos adultos, bem como diversas atividades

“[...] pré, inter e pós­activas que os professores têm de realizar para assegurar a aprendizagem

dos alunos”, processo que também está vinculado à disposição e autonomia do acadêmico.

Daí porque, na forma analisada por Soares e Cunha (2010, p. 24), “[...] a ausência de saberes

pedagógicos limita a ação docente e causa transtornos de naturezas variadas ao processo de

ensinar e aprender”.

Na assunção da docência, Tardif (2009) compreende que o professor necessita

interagir, além do contexto externo multifacetado e diverso, com acadêmicos, currículo,

campo institucional pedagógico, professores e outros agentes institucionais, passando a lidar

com a natureza humana do “seu objeto de trabalho”, que requer conhecimento especializado,

bases conceituais e metodológicas para assumir as atividades docentes, com “características

originais e particulares que permitem distingui­las das outras formas de trabalho [...]”

(TARDIF, 2009, p. 11). Portanto, a docência se dá em interação com outros sujeitos – e suas

complexidades – e em articulação com outras instâncias sociais.

Na forma abordada por Soares e Cunha (2010, p. 27), significa que: “reconhecer a

interatividade como um traço característico da docência, é considerar que o processo

formativo se desenvolve num contexto grupal, em que pessoas e histórias de vidas distintas se

implicam mutuamente”. Esse processo, embora presuma um compartilhamento, requer a

opção de escolhas conscientes, que colocam os agentes formativos em posição decisiva frente

aos indivíduos à sociedade. Implicam, entre outras coisas, conhecimentos, valores,

concepções ideologias inerentes às práticas discursivas que compõem a ordem discursiva

societal. Enquanto prática social, é capaz de promover grandes efeitos (favoráveis ou não) nas

identidades individuais e sócias. Nesses termos, consideramos oportuna a advertência de

Gramsci (1991): [...] na escola, o nexo instrução­educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o mestre é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e de cultura representado pelos alunos, sendo também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e em disciplinar a formação [...] conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior. [...] Na realidade, um professor medíocre pode conseguir que os alunos se tornem mais instruídos, mas não conseguirá que sejam mais cultos; ele desenvolverá – com escrúpulo e com consciência burocrática – a parte mecânica da escola, e o aluno, se for um cérebro ativo, organizará por sua conta – e com a ajuda de seu ambiente social – a ‘bagagem’ acumulada. Com os novos programas, que coincidem com uma queda geral do nível do corpo docente, simplesmente não existirá mais ‘bagagem’ a organizar (Gramsci, 1991, p. 131­132).

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Sem nenhuma pretensão de verdade, os dados indicam um conflito de identificação:

nega e afirma a docência em suas várias dimensões. Marcada pela materialidade discursiva de

dimensão nacional que manifesta a histórica dualidade da educação, entre formação geral e

profissional, a constituição da docência nos Cursos Superiores de Tecnologia sinaliza marcas

de ambivalência na busca de novas identidades. Isto significa dizer que, nesse processo de

busca de identificação de ordem acadêmico­pedagógica e profissional, os sujeitos da docência

revelam vários “eus” ambivalentes, ficando difícil confirmar a identidade central que os

unifique internamente.

Em um campo demarcado pela dualidade da educação – formação geral e profissional

–, influenciado pela força político­ideológica do discurso oficial, sob fortes tensões inerentes

aos contextos externos e também sob as influências do debate teórico e da cultura interna, no

campo acadêmico, é possível entender que a docência, assim como os professores, são

incentivados por diretrizes curriculares que instituem sentidos e projetam identidades

descentradas de vertente instrumental. Esse projeto de identidade tem como recursos

constitutivos, os significadores de mercado projetados para identidades de base econômica,

embora tenhamos identificado fragmentos discursivos que contrariam a racionalidade técnica.

Consequentemente, ratifica o entendimento de que a hegemonia ideológica vigente

fragmenta e descentra as identidades para a constituição de identidades conformadas ao

mercado de trabalho. Esses mecanismos político­ideológicos, no sentido inverso da

constituição e/ou fortalecimento do grupo social, individualizam e desagregam.

Finalmente, ainda que os dados levantados apontem evidências, Zabalza (2004),

estudioso da docência no âmbito universitário, corrobora com o nosso interesse, inicialmente

referido, de nos despir de qualquer pretensão de “verdade comprovada”. Inspirados nesse

autor, temos nos esforçado para não sentir frustrações se a leitura deste estudo provocar

controvérsias e dissensos, porque não foi nossa intenção encerrar a discussão em torno de uma

temática de tamanha abrangência e complexidade. Também, como Zabalza, sentimo­nos

hesitantes em relação a muitos pontos que analisados, conscientes “de que algumas

conclusões poderiam ser colocadas sob outro ponto vista” (ZABALZA, 2004, p. 16).

O nosso posicionamento, ao contrário do que se possa imaginar, não encerra o debate.

Ele apenas inicia e desafia os leitores deste estudo a aguçar o seu olhar, partindo de outra

perspectiva.

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CAPÍTULO VII CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS

Efetivamente, a importância e o valor de um texto medem­se não apenas pelas respostas às questões que lucidamente soube formular, mas também pelas perguntas que deixa em aberto e que constituem um desafio permanente à nossa capacidade de interrogar o mundo e o ser humano, os discursos com que dizemos o mundo e o ser humano e os metadiscursos com que interrogamos as nossas mais fortes ou mais débeis convicções discursivas.

(ANDRÉ, 2006)

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS PROVISÓRIAS

este longo percurso investigativo, à medida que ampliamos o debate em

torno do objeto estudado, foram emergindo novas variáveis carentes de

investigação, as quais se revertiam em questionamentos e nos afastava,

cada vez mais, da possibilidade de concluir a discussão sobre um tema complexo e

relativamente pouco pesquisado, como é a constituição da docência na Educação Superior de

Tecnologia. Agora é chegado o momento em que submetemos ao debate o trabalho realizado.

As primeiras aproximações com o objeto estudado permitiram o entendimento de que

a docência vai se constituindo – os(as) professores(as) vão se produzindo – no processo de

formação de Tecnólogos, em meio a práticas discursivas (oficial e institucional) que orientam

o currículo acadêmico, retraduzido no campo das Instituições de Ensino Superior (IES),

enquanto espaço social especializado e segmentado, de práticas institucionais pedagógicas.

Isto aponta para o entendimento de que a constituição da docência vai sendo tecida no plano

institucional, sob a influência das políticas de educação que surgem no âmbito das

articulações internacionais, buscando responder a interesses hegemônicos e,

contraditoriamente, às lutas sociais. Dizendo de outra forma, as políticas, concebidas no

campo das influências internacionais, são produzidas e distribuídas na esfera do Estado, sob

influência do contexto macrossocial, político e cultural, tornando­se instrumento de

orientação curricular e, portanto, de significação da realidade social, com potencial de projetar

novas identificações nos campos sociais e nos sujeitos educativos, embora estejam sujeitas a

processos de refração, retradução ou recontextualização no campo institucional pedagógico.

Do que foi possível trazer como etapa final para este momento, o que podemos

destacar como preciso é que circulamos em um terreno arenoso, multifacetado e complexo.

Nele, os Cursos Superiores de Tecnologia são considerados campo de atuação e de

constituição da docência. Enquanto, por um lado, encontram­se pouco investigados no campo

acadêmico, por outro, tornaram­se alvo de interesse de intelectuais orgânicos do capital e/ou

tecnólogos da cultura performativa e dos “empresários do ensino”. Da mesma forma,

apresentam­se como uma modalidade acadêmica inscrita no âmbito da Educação Profissional

e, em função de uma cruel dualidade que legitima a divisão de classe social e sobrevive aos

dias atuais, foram­lhe atribuídos traços essencialmente funcionalistas e pragmáticos, coerentes

com a lógica do sistema produtivo a quem se destina a atender, ao mesmo tempo em que

devem responder a prescrições normativas do nível superior, reforçando a interpretação de

dualidade estendida à Educação Superior.

N

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249

Essa dualidade, pelo que foi possível observar, salvo devidas exceções de âmbito

institucional e da discência, além de reproduzir o sistema de classe e manter a ordem social

vigente, incide sobre a concepção de formação de nível técnico, descaracteriza o nível

superior e acaba por não repercutir positivamente nem para a Educação Profissional, nem para

a Educação Superior. Por conseguinte, a modalidade acadêmica e, consequentemente, os

cursos e a performance dos professores situam­se entre a lógica do sistema produtivo, que

baliza a Educação Profissional e Tecnológica, e as influências normativas, que regem a

Educação Superior, com quem mantém vínculo com base na legislação vigente, fortalecendo,

desta forma, o descentramento de identidades, no sentido de projetar novas identificações

conformadas aos interesses do setor produtivo.

Consideramos também que essa dualidade contém em si os germes da di­visão (duas visões), que segmenta, conforma, institui sentidos, reproduz a divisão social do trabalho e,

consequentemente, projeta identidades. Esses traços indicam influências dos discursos

internacional e nacional, que incidem sobre as práticas pedagógicas institucionais e

promovem estreita vinculação entre educação, sistema produtivo e desenvolvimento do país.

Nesse processo, temos presente o ciclo da Política de Educação Superior de Tecnologia e, por

conseguinte, a mobilidade do discurso pedagógico oficial, que, em sua dinâmica, foi analisado

sob quatro vertentes (ver figura 03).

A análise do discurso pedagógico oficial, ou nacional, aponta comodificações

colonizadas sob a influência da lógica do mercado, indicando que foram preparados no campo

da produção no âmbito do Estado, por meio dos órgãos reguladores e, desde então, são

definidos em termos de produção, distribuição e consumo pelo seu público­alvo (professores,

alunos, etc.), embora seus efeitos ultrapassem os muros das instituições de educação e se

estendam à sociedade em geral. Nessa dinâmica em que as relações ideológicas e de poder

exercem grande influência, aos discursos pedagógicos são incorporados elementos

considerados satisfatórios àqueles hegemonicamente situados, que, gradativamente, vão

consolidando a sua maneira de ser e de estar no mundo.

No quadro das análises, a intertextualidade, na composição do discurso pedagógico

oficial, revela a junção de matrizes epistemológicas diferentes (condutivista/behaviorista,

matriz funcionalista e matriz construtivista, com sobreposição das duas primeiras),

favorecendo, dessa forma, o revigoramento da Teoria do Capital Humano, cuja maior

expressão de materialidade, no sistema educacional, é a educação orientada a partir do

desenvolvimento de competências. Tal composição textual não se dá por acaso. Ela sinaliza

intencionalidades políticas, ideológicas e socioculturais, que têm como alvo, entre outras

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coisas, a constituição de novas identificações, assim como um sempre renovado projeto de

sociedade alinhada aos interesses do capital.

Esses mecanismos político­ideológicos, aliados a uma aparente baixa qualidade

político­social e cultural da educação nacional, indicam favorecer distorções nas reais

finalidades da Educação Superior. Ao incentivar a participação dos chamados “empresários

do ensino” (RODRIGUES, 2007) na oferta de educação alinhada à pretensão de lucro, indica

uma aparente passividade frente à manutenção de políticas educacionais, a exemplo da

Política de Educação Superior de Tecnologia, conduzidas no sentido de que as Instituições de

Ensino Superior venham a exercer o papel de provedoras de intelectuais e trabalhadores úteis

às finalidades do mercado.

Consequentemente, o estudo indica que estão sendo projetadas identidades

descentradas instrumentais constituídas sob as mesmas bases de descritores de mercado.

Acrescente­se, porém, que isto não significa dizer que o discurso pedagógico oficial se

propaga em todos os espaços acadêmicos na mesma proporção e da mesma forma. Tampouco

em uma mesma IES incide, igualmente, sobre os sujeitos da docência, o que não anula o seu

intento de instituir sentidos e de constituir identidades.

Portanto, de forma implícita, a lógica da razão instrumental que permeia os discursos

pedagógicos oficial e institucional indica a circunscrição da docência, nesta modalidade

acadêmica, à utilização de um conjunto de técnicas vinculadas às competências e habilidades,

essencialmente funcionais e pragmáticas, que devem ser evidenciadas pelos professores

enquanto saber docente. Conforme está exposto, esse saber afigura­se reduzido a

procedimentos técnicos relacionados com o tratamento e a transmissão de informações e

conhecimentos úteis ao desenvolvimento de competências para laboralidade.

Em se tratando das práticas discursivas de perspectiva institucional, as expressões de

materialidade discursiva apontadas por esta pesquisa sugerem influências significativas do

discurso oficial, cuja ideia­força sinaliza aproximação entre si (discurso oficial e

institucional), especialmente no que tange à proposta curricular orientada pelo “Modelo de

Competências”. Entretanto, supõe­se que, em função dos requisitos acadêmicos inerentes à

Educação Superior, foi possível identificar, especialmente em relação ao Projeto Pedagógico

Institucional para o período 2010­2014 da instituição pesquisada, a presença de fragmentos

que indicam a perspectiva de superação da vertente funcionalista. Esse movimento de refração

e de retradução indica receber influências de sujeitos que integram o campo da IES, a

exemplo do(a) professor(a) “Q”, para quem “a formação continuada é condição urgente e

indispensável à qualidade da educação proposta pela IES”, e a quem muitos(as)

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professores(as) identificam como incentivador(a), a ele(a) recorrendo no momento de

“dúvidas pedagógicas”.

Da mesma forma, os(as) entrevistados(as) “1”, “5” e “6” revelam­se mobilizadores(as)

de um movimento sutil, mas que avança, gradativamente, em que “a intenção, o incentivo e a

vontade de fazer já começam a surtir efeitos e podem ser observados, mesmo que em ações

pontuais, mas que se apresentam exitosas” (Entrevistado/a “5”). São agentes que podem ser

mobilizados e mobilizadores para ampliar e fortalecer espaços de reflexões críticas e criativas,

bem como de promover ações interdisciplinares de transformação do campo e dos sujeitos

educativos.

A constatação de dois projetos de Educação Superior, também materializado no

interior do campo pesquisado, além dos distanciamentos apontados em todo o percurso

investigativo que expressam relações de poder e divisão social, revelam pontos de

aproximação. No entanto, essa convergência parece residir, principalmente, naquilo que vem

sendo apontado pelo debate nacional como desqualificação do ensino superior: ausência de

políticas de formação inicial e continuada, despreparo dos(as) professores(as), entre outros.

Não devemos omitir que a convergência também se dá no âmbito da discursividade

que professa a qualidade, a cidadania, a equidade social, o desenvolvimento do país e a

possibilidade de inserção no mercado de trabalho, embora se revele desprovida de ação

efetiva. Consideramos, portanto, que a existência da dualidade instalada na Educação

Superior, entre tantos outros prejuízos para a sociedade, em geral, contribui para fortalecer

fronteiras que distinguem, de forma negativa, as modalidades acadêmicas, o campo do

trabalho e os sujeitos sociais, consubstanciando, dessa forma, a sociedade de classe que

segrega, discrimina e exclui. Porém, um grave prejuízo, nem sempre muito evidenciado, é o

enfraquecimento de lutas que, quando articuladas pelo conjunto dos educadores, tornariam

mais evidente a leitura da realidade em que ora se apresenta a Educação Superior de

Tecnologia. O eco teria muito mais poder de alcance e mobilização para se atingir resultados

satisfatórios.

Desse modo, a constituição da docência nos cursos de Graduação de Tecnologia vai

sendo tecida em um campo minado pela ideologia de caráter hegemônico, de forma solitária,

silenciosa e silenciada, permeados de tensões e controvérsias, onde as DCNG/CST,

orientadoras da organização curricular, em sua materialidade discursiva, ratificam a nossa

hipótese de que elas instituem sentidos e projetam identidades das IES, dos cursos e dos

sujeitos educativos, com perspectiva de intervenção na sociedade. Os especialistas, situados

entre dois projetos de educação superior e marcados por identidades construídas no âmbito de

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suas formações iniciais e das experiências profissionais correlacionadas ao campo de

conhecimento a ser ensinado, na assunção da docência, indicam vivenciar um “desmonte” ou

conflito identitário entre a “identidade para si” e a “identidade para o outro” (DUBAR, 2005).

Diante de tantas ambivalências, o estudo indica também que as IES, cursos, docência,

assim como os(as) professores(as), tornam­se vulneráveis e alvos da projeção da identidade

descentrada instrumental, cujos recursos constitutivos são os significadores de mercado,

projetados para identidades de base econômica, ou “identidade descentrada de mercado”. No

entanto, não se trata de um movimento único e linear, razão por que foram identificados

fragmentos de materialidade discursiva de tendência contrária à racionalidade técnica.

Considerando que se trata de um processo constitutivo, “estáveis, apenas, no método de

elaboração”, sua permeabilidade, assim como susceptibilidade à mudança temporal, favorece

uma reorientação. Este é um fator positivo, se não apropriado pela lógica do setor produtivo.

Outro elemento favorável é que o processo constitutivo de identificação (profissional ou não),

não ocorre sem resistência no campo institucional pedagógico, onde foram identificadas

materialidades expressivas da capacidade e potencialidades críticas, criativas e

transformadoras dos sujeitos educativos.

Portanto, dessas sementes de resistência e de superação da racionalidade técnica

renasce a cresça nas potencialidades críticas, criativas e transformadoras dos sujeitos

pedagógicos, na capacidade de organização e na possibilidade de, no interior do campo

acadêmico – espaço privilegiado de produção de conhecimento e com relativa autonomia

acentuada –, serem desenvolvidos mecanismos de refração e de retradução ou

recontextualização, que permitam lançar sementes de possibilidades libertadoras e

emancipatórias dos sujeitos e da sociedade, no âmbito da docência. Afinal, estamos falando

de práticas discursivas vistas como práticas sociais, que certamente não têm um fim em si

mesmas e são desencadeadas por sujeitos sociais. Ainda que a mudança possa parecer difícil,

não podemos desconhecer que ela é possível e parte dela requer investimentos significativos

na educação escolar.

Compactuamos do entendimento de que o campo institucional pedagógico não deveria

se abster de constituir­se espaço de formação continuada dos professores, de forma que

contemple o domínio crítico da “base comum” nacional de formação, visto que, sob o nosso

olhar, não se contrapõe às especificidades das profissões. Ao contrário, procura ir além,

buscando superar, entre outros aspectos, o reducionismo e fragmentação dos conhecimentos

teórico­metodológicos, a “deificação” dos avanços tecnológicos, a visão produtivista das

técnicas e tecnológicas, a fragilidade teórico­epistemológica, a alienação político­ideológica e

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cultural, a sobreposição do individual ao coletivo, o improviso no exercício da profissão,

necessidades estas presentes na prática docente dos professores, sem distinção de nível e

modalidade. Indica também que a complexidade – e, em boa medida, a compreensão crítica e

desmistificadora da relação trabalho e educação – coloca­se hoje como desafio para todos, a

despeito da dualidade do sistema educacional brasileiro. De sorte que o princípio de formação

passou a ser alvo de debates intensos para sua formulação enquanto um novo paradigma, e, ao

que nos parece, os primeiros entendimentos sobre a base comum nacional começam a ser

apontados, graças aos movimentos e organizações dos educadores. Suspeitamos que, se nesse

conjunto estiverem presentes as vozes (interesses e necessidade, etc) dos professores de

Cursos Superiores de Tecnologia, é possível pensar uma nova Educação Profissional e/ou

Educação Superir sem “di­visão” e como projeto de humanização dos sujeitos e da sociedade.

Vemos a necessidade de tornar a Política de Educação Superior de Tecnologia objeto

de conhecimento e de intervenção, de forma coletiva, ampliada e, ao mesmo tempo, o mais

profundo e persistente possível, de maneira que os elementos constitutivos dessa realidade

ecoem nos variados contextos de produção e de circulação do discurso pedagógico, a fim de

que se torne possível a criação de um novo projeto de Educação Superior capaz de superar a

dualidade profissional / acadêmico, como se estivéssemos falando de duas coisas diferentes,

quando elas são faces de uma mesma moeda. Essa dicotomia é fortalecida pelo discurso

oficial ao situar os Cursos Superiores de Tecnologia “nas fronteiras de atuação do técnico e do

bacharel”, assim como ao estabelecer que a formação de tecnólogo é mais densa em

tecnologia, enquanto a formação do bacharel é mais centrada na ciência. Resta explicar o que

impede que a formação do bacharel venha a ser densa em tecnologia? Apesar de apresentados

como similares (cursos de graduação), há uma explícita fronteira entre essas modalidades

acadêmicas, fato este já assimilado socialmente. Isto pode ser percebido em editais de seleção

para acesso a mestrados ou concursos promovidos por universidades e por outros órgãos

públicos e/ou privados, onde os Cursos de Tecnologias são vistos como de “curta duração”, a

exemplo do que anuncia o Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de

Pernambuco (ano 2011), por meio de Edital para seleção para acesso ao mestrado, onde

consta, no item 2.5, a seguinte condição: “admitir­se­á inscrição à seleção de Mestrado de

concluintes de curso de Graduação Plena [...]” 50 . Não é de nosso conhecimento a existência de

cursos de graduação que não seja plena. Na verdade, a participação de tecnólogos na

50 Edital disponível em: http://www.ufpe.br/propad/images/documentos/2011/Agosto/edital_2012.pdf. Acesso em: 15 set. 2011.

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mencionada seleção de mestrado esteve condicionada a um parecer jurídico 51 . Diante de tais

circunstâncias emergem novos questionamentos: afinal, no mercado de trabalho, que espaço

está sendo ocupado pelos profissionais Tecnólogos? E pelos Técnicos? Estas são questões

susceptíveis de novos estudos.

Estamos a sugerir que, independente desses cursos terem maior concentração nas IES

privadas, onde existe pouco investimento em pesquisa, uma forma de intervenção possível

seria trazer para o centro do debate o que se encontra à margem. Isto significa reconhecer que

existem diferenças entre as modalidades acadêmicas, mas reconhecer, também, que é possível

promover o diálogo entre as diferenças, assim como é importante comprometer­se com

possibilidades de superação das dualidades e/ou binarismos. Estamos, também, ratificando

que o problema não reside, exclusivamente, na necessária discussão que põe em evidência o

ensino superior público versus privado, até porque está sendo progressiva e significativa a

ampliação dos Institutos Federais de Educação. Aqui, estamos enfatizando a preocupação com

a qualidade do ensino superior, em todas as modalidades, que carece de atenção; o sonho

“vendido” a grande parcela de jovens e adultos que investem em sua formação com a

esperança de rápida e qualificada inserção no mercado de trabalho; o projeto de sociedade e

de cidadania implícito nos processos formadores, bem como a constituição da docência que

está sendo forjada nesse controvertido campo acadêmico.

Este posicionamento é pertinente, na medida em que os princípios e finalidades

educativas, anunciados por meio de discursos pedagógicos que orientam essa modalidade

acadêmica, dão indicativos de que não há significativas e sustentáveis intervenções

qualificadas nos problemas sociais (ampliação das chances de emprego, ampliação da

capacidade de produção de novas tecnologias, possibilidade de continuidade dos estudos,

etc.); tampouco as políticas voltadas para essa modalidade de graduação priorizam a dimensão

política e social da educação. Essas observações atentam para o fato de que, depois de

confirmada a existência de problemas na educação, geralmente são formuladas políticas e/ou

programas pontuais que visam tratar as especificidades, presumindo­se que, efetivadas essas

ações, os objetivos serão alcançados. Essa visão linear questionada por Dias Sobrinho (2005),

por mais que incorpore propostas pedagógicas coerentes com a realidade, desconsidera, entre

outras coisas, que os professores não podem se comprometer com reformas, especialmente

quando essas lhes parecem incompatíveis com o contexto real da prática social, além de não

51 Para assegurar direito de submeter­se ao mestrado, o candidato (omitimmos o nome para preservar sua identidade) recorreu juridicamente. O Procurador, não se sentindo apto para julgar o caso, emitiu o seguinte Parecer: “Solicitação encaminhada à administração central da UFPE para análise e emissão de parecer. O candidato poderá realizar a Prova de Conhecimento, sub­júdice, nos horário e local indicados no edital”.

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se sentirem parte delas. Daí porque consideramos a pertinência de ratificar que propostas

dessa natureza, se adequadamente planejadas e implantadas, poderiam contribuir para a

democratização das oportunidades educacionais, bem como com a ampliação da base de

formação dos trabalhadores (KUENZER, 2005). Todavia, as incongruências, naturalmente

repercutem negativamente nas IES e, consequentemente, na prática docente.

De modo geral, paradoxalmente, não pretendemos cair no extremo de afirmar que

nada melhorou, nem tampouco supor que as iniciativas relacionadas à Educação Superior ou

que os Cursos Superiores de Tecnologia não possam trazer alguns benefícios para os

estudantes. Não podemos desconhecer que essa política tem o mérito de ampliar a base de

conhecimento e escolaridade mínima dos trabalhadores, embora seja este o papel dos cursos

técnicos, que muito se assemelham aos Cursos de Graduação em Tecnologia.

É justo reconhecer que esse quadro não tem impedido que alternativas de intervenção

estejam sendo desenvolvidas no interior das IES. No enfrentamento desses desafios, o

desenvolvimento de processos permanentes de formação continuada revela­se uma alternativa

que pode ser construída de forma integrada e articulada ao exercício da docência, superando a

prática de capacitações ou cursos relacionados ao campo específico de conhecimento, de curta

duração, descontextualizados, desarticulados da docência e das bases teóricas que lhes dão

sustentação.

Cabe, ainda, mais uma ponderação. Nos tempos atuais em que diversos olhares se

voltam para a constituição identitária, ela vem sendo analisada sob diversas perspectivas. No

entanto, é possível perceber que as análises convergem no sentido de verem as identidades, no

mundo contemporâneo, descentradas e/ou fragmentadas, e/ou, ainda, em crise de identidade, a

despeito do discurso neoliberal de identidades transnacionalizadas, em que seríamos membros

de uma “sociedade global”. Fugindo aos princípios ideológicos neoliberais, concordamos com

o entendimento de Moreira e Macedo (2002), ao ratificarem que, afirmar a existência do eu

multifacetado não significa negar a possibilidade de se ter um centro, ou, em suas palavras, de

se ter uma “identidade politicamente centrada”. Neste sentido, as instituições de educação e os

seus currículos exercem uma grande importância.

Finalmente, no momento em que encerrávamos a etapa de levantamento de dados da

pesquisa, procuramos saber quais os horizontes que se descortinam para a Educação Superior

de Tecnologia. Pudemos constar que se encontra na pauta do governo brasileiro e na agenda

de debates de intelectuais, educadores e órgãos representativos dos profissionais em educação

o novo Plano Nacional de Educação (PNE, 2011­2020). Do que foi possível levantar para este

estudo, existem movimentos expressivos que avaliam a realidade instalada nos vários níveis e

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modalidades da educação brasileira 52 , com o mérito de promoverem o debate, mobilizarem os

profissionais da educação e a sociedade em geral, bem como de indicarem proposições.

Considerando tratar­se de um processo em tramitação no Congresso Nacional, ainda nos

parece precoce um análise mais acurada, restando, para o momento, participar e referendar

posicionamentos e “estratégias de mobilização que congreguem a todos e todas que,

individual ou coletivamente, queiram se somar a esse movimento”, em favor de um futuro

melhor para todos (OLIVIERA, 2010, p. 11). No que tange à Educação Profissional e

Tecnológica, alcançamos um debate que incide sobre o nível técnico, a exemplo de Kuenzer

(2010), e sobre a Educação Superior de Tecnologia, aqui citando Pires (2010). Entretanto, ao

que nos parece, sobre essa modalidade acadêmica, o debate merece ser ampliado. Em

referência à Educação Superior de Tecnologia, os avanços caminham no sentido da expansão

que vem se dando por meio da ampliação dos Institutos Federais e da ampliação das IES

privadas.

Isto posto, os elementos apresentados, ao mesmo tempo em que sinalizam para a

necessidade de maiores aprofundamentos sobre a questão em pauta, reforçam a necessidade

de se buscar o papel socioeducativo e cultural das IES, no sentido de encontrar caminhos que

conduzam à superação das pressões e dissimulações, enquanto mecanismos de dominação

e/ou reprodução, bem como às possibilidades de transformação social, mesmo reconhecendo a

existência de mecanismos de dominação e complexidade da realidade social.

A despeito dos mecanismos de poder instalados em vários âmbitos das relações

socioculturais, acreditamos que campos, sujeitos sociais e grupos organizados e distribuídos

enquanto produtos das lutas históricas, comprometidos com uma sociedade justa e igualitária,

possam, no mínimo, reduzir os avanços da lógica mercantil que invade as IES e/ou minimizar

os seus efeitos. É entre avanços e retrocessos que a história da humanidade – e,

consequentemente, da educação – vem sendo construída. Nesse âmbito de possibilidades, o

papel das IES é fundamental para contribuir e tornar viável e acelerado o processo de

emancipação dos sujeitos, dos campos e da sociedade nacional. E, conforme afirma Santos S.

(2002a, p. 25), todas as iniciativas direcionadas nesse sentido valerão a pena, visto que,

mesmo não substituindo o sistema econômico em vigor e, consequentemente, seus projetos de

sociedade e de educação, podemos tornar mais difícil a sua reprodução e hegemonia.

Esperamos, da mesma forma, contribuir para se manter vivo o interesse de se

conquistar as mudanças sociais, há muito tempo desejadas pela maioria da população

52 Mais detalhes podem ser encontrados em DOURADO, Luiz Fernandes: Plano Nacional de Educação 2010­ 2014: avaliação e perspectivas, 2011.

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brasileira, a despeito de suas múltiplas e diversas interdependências presentes nas variáveis

que compõem a temática. É importante ratificar que, em se tratando de uma temática

complexa e pouco explorada, assim como, mediante a perspectiva dialética em que buscamos

compreender o objeto em seu “processo histórico e seu dinamismo, provisoriedade e

transformação” (MINAYO, 2000, p. 65), faz­se presente a certeza de não podemos esgotar o

tema. Portanto, os resultados alcançados constituem, também, ponto de partida para novas

pesquisas em torno do objeto em estudo que está a demandar maior investimento teórico.

Acreditamos ter deixado claro que não foi nosso propósito identificar erros e acertos

relacionados ao modo de exercer a docência, tampouco à forma de ser e exercitar a gestão de

uma IES, mas, acima de tudo, compreender mecanismos formalmente encaminhados que

possam contribuir, enquanto função social da pesquisa, para melhoria dos processos

constitutivos da docência, e elaboração de políticas de formação dos(as) professores(as) de

cursos de Graduação em Tecnologia. Afinal, este estudo não inicia nem termina aqui. Ele

reúne dados que compõem as nossas investidas no sentido de aprofundar questões

relacionadas ao âmbito da docência, que foi se ampliando ancorado ao percurso profissional

vivido concomitante ao acadêmico, assinalando etapas significativas da nossa trajetória de

vida.

Estamos cientes de que o exercício de reflexão aqui empreendido, embora revele

indícios, não foi o suficiente para expressar a complexidade do mundo social e, mais

especificamente, todas as implicações no âmbito da Educação Superior de Tecnologia.

Tampouco foi este o nosso intuito. Concordamos com Orlandi (2006, p. 7) que é importante

aceitar a condição de não pôr um ponto final neste estudo e nos entregar “ao prazer da

descoberta em cada passo. Frequentar autores não para fechar questão, mas para dialogar na

diferença [...]. Na linguagem as questões não se fecham. Elas retornam”. Podemos dizer que

esse entendimento é coerente com o que já anunciamos na epígrafe deste capítulo: estamos

dispostos a continuar interrogando “os discursos com que dizemos o mundo e o ser humano e

os metadiscursos com que interrogamos as nossas mais fortes ou mais débeis convicções

discursivas” (ANDRÉ, 2006, p. 386).

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______. Projeto Pedagógico de Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia: 2010. [S.l.]: Centro Acadêmico ETHOS, 2010.

______. Projeto Pedagógico de Curso Superior de Tecnologia em Eventos: 2010. [S.l.]: Centro Acadêmico ETHOS, 2010.

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PPI. Projeto Político Institucional: 2005­2009. [S.l.]: Centro Acadêmico ETHOS, 2005.

______. Projeto Político Institucional: 2010. [S.l.]: Centro Acadêmico ETHOS, 2010.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A ­ ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ­ PROFESSOR(A)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA DOCENTE

CONVITE

Prezado(a) professor(a)

Estamos realizando uma pesquisa que será utilizada na Tese que estamos

desenvolvendo como aluna do Doutorado em Educação, na Universidade Federal de

Pernambuco – UFPE/CE, sob a orientação da Professora Ph/Drª. Márcia Maria de Oliveira

Melo. Tem como objetivo compreender implicações de políticas da Educação Superior

Tecnológica, na constituição da docência nos cursos de graduação de tecnólogos.

A coleta de dados envolve entrevista gravada e sua participação deve ser voluntária,

assim como asseguramos o sigilo de sua identificação, razão por que o seu nome será

substituído por um pseudônimo e as informações levantadas serão utilizadas, exclusivamente,

para fins de estudo.

Esperando contar com a sua cooperação, anexamos o roteiro da entrevista, que, depois

de realizada e transcrita, poderá ser submetida à sua apreciação, a fim de que possa ser

confirmado se a transcrição corresponde ao que você quis dizer.

Antecipadamente agradecemos a sua colaboração.

Terezinha de S. Ferraz Nunes Márcia Maria de O. Melo Doutoranda Orientadora

Conhecendo os objetivos da pesquisa, concordo em participar do estudo, ciente de que

poderei retirar meu consentimento em qualquer momento, excluindo minhas informações

do conjunto de dados.

Nome: _______________________________________________ RG: _________ ­ _____

IES: _______________ Curso: ___________________ Disciplina: ___________________

Recife,__/__/2010 Assinatura:_____________________________________________

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APÊNDICE B ­ ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ­ PROFESSOR(A)

1. Processo de Implantação da Política de Educação Superior de Tecnologia na IES:

a) Como você teve ou tem acesso ao conteúdo/discurso das DCNG/CST?

b) Como você foi preparado para implantar a proposta curricular por Competência?

c) Houve ou há alguma orientação ou discussão, junto aos(às) professores(as), sobre o

currículo orientado para o desenvolvimento de competências? Como se deu ou se dá?

d) O que você distingue de significativo na proposta curricular orientada para o

desenvolvimento de Competência?

2. Contribuição das DCNG/CST para a constituição da docência nos cursos de Graduação de

Tecnólogo

a) O que mudou na sua prática docente após ter adotado o currículo orientado a partir do

desenvolvimento de competências?

b) Como o currículo orientado a partir do desenvolvimento de competências influencia o

desempenho dos seus alunos?

c) O que mudou na sua prática docente após a implantação do novo Projeto Político

Institucional (PPI)?

d) O que você faz para que, no percurso acadêmico, o Curso de Graduação de Tecnologia

atenda ao que foi previsto nas Diretrizes Curriculares no sentido de promover o

desenvolvimento científico e tecnológico e a vida social dos estudantes?

e) No exercício da docência, o que é possível ser feito no sentido de sua

profissionalização?

3. Como e em que sentido caminham os processos de refração e retradução

(recontextualização) das políticas de Educação Superior em Tecnologia, no interior da IES:

a) Nas práticas institucionais pedagógicas o que é feito pela IES no sentido de promover o

desenvolvimento profissional docente?

b) O que você sugere no sentido de promover o seu desenvolvimento profissional docente?

c) Qual o papel dos conteúdos curriculares no desenvolvimento de competências e na vida

social?

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APÊNDICE C ­ ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ­ SUJEITO: Coordenador(a) de Curso e Direção (Geral e Acadêmica)

1. Implantação das políticas Educação Superior de Tecnologia e políticas institucionais:

a) Como os professores tiveram ou têm acesso às Políticas oficiais de Educação Superior

de Tecnologia? E às políticas institucionais pedagógicas?

b) Houve ou há alguma ação organizada, junto aos professores, no sentido de aprofundar

questões relacionadas a essas Políticas? Como são coordenadas e executadas essas

ações? E quais as respostas percebidas nesse sentido?

c) O que nelas você destaca como indispensável à prática docente?

2. Contribuições das políticas oficial e institucional pedagógicas na constituição da docência

em cursos de Graduação em Tecnologia:

a. De que forma os professores são preparados para inserção no campo da docência?

b. Nessas ações, que documentos (oficial e institucional) são indicados como orientadores

da prática docente? De que forma ele(s) contribuem para a constituição da docência?

c. Qual o papel da coordenação de curso em relação aos discursos oficial e institucional?

3. Como e em que sentido caminham os processos de refração e retradução

(recontextualização) das políticas de Educação Superior em Tecnologia, no interior da IES:

a) Qual o sentido da docência na Educação Superior?

b) Qual o sentido da Coordenação de Curso na Educação Superior?

c) O que você considera indispensável ao exercício da docência?

d) Qual o lugar das políticas oficiais na formação continuada de professores desta IES?

e) O que é priorizado no sentido de contribuir para a constituição da docência?

f) Existem diferenciações e/ou convergências entre a política de Educação Superior de

Tecnologia e as políticas institucionais pedagógicas? No campo da IES, de que forma

elas são tratadas?

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APÊNDICE D – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL (SÍNTESE)

IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

Projeto Pedagógico dos Cursos Superiores de

Tecnologia

Duração: em torno de 2.100 horas (2 anos e meio ou 5 semestres). Para o MEC é admissível uma carga horária mínima de 1600 horas. Núcleo central do discur so: desenvolvimento de competências relacionadas às atividades profissionais que compõem o perfil de conclusão de curso. Organização Nacional dos Cursos: por eixo tecnológico Organização Cur r icular : estrutura modular composta por Blocos Temáticos. Cada módulo responde a uma etapa do processo formativo. Cada Bloco Temático propõe um conjunto de competências articuladas e definidas a partir do perfil profissional estabelecido pelo mercado de trabalho. Princípios orientadores: competência, flexibilidade e contextualização (flexibilização na condução do processo formativo). Bases tecnológicas: conteúdos como insumos, selecionados no sentido de desenvolver competências que foram estabelecidas a partir do perfil profissional (circunscrito às demandas laborais). Estágio Cur r icular : (não obrigatório) Introdução de ações interdisciplinares como alternativa de aproximação dos componentes curriculares e como mecanismo de aproximação com o mercado de trabalho Sistema de Avaliação: avaliação de competências. Dá­se por meio da observação do desempenho dos alunos, frente ao desenvolvimento de práticas vivenciadas nos laboratórios especializados, cujos indicadores de desempenho são expressos por meio de conceitos: Excelente (E); Ótimo (O); Bom (B); Regular (R); Ainda Não Suficiente (ANS) e Insuficiente (I). Em alguns cursos é solicitado o desenvolvimento de um projeto que compreende a criação e a proposição de uma determinada atividade profissional, considerando as ações necessárias ao seu planejamento, organização, gerenciamento e avaliação. O aluno também dispõe da possibilidade de se submeter à avaliação para certificação de competências adquiridas no trabalho em instituições credenciadas (em Pernambuco, o SENAI é uma instituição credenciada para este fim). Terminalidade em etapas: várias vias de saída intermediária, articuladas entre si, durante a formação. Essas etapas compõem o itinerár io formativo compatível com demandas profissionais emergentes. A organização curricular por módulo pode corresponder a uma etapa e confere Certificado de Conclusão de Curso de Qualificação Profissional. O final do último módulo corresponde ao curso Superior de Tecnologia. Estágio supervisionado (não obr igatór io). Introdução de ações interdisciplinares como alternativa de aproximação dos componentes curriculares e como mecanismo de aproximação com o mercado de trabalho. Organização dos ambientes pedagógicos na perspectiva da formação de competências.

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APÊNDICE E – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO DOCENTE (SÍNTESE)

IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

Educação ê Prepara profissionais para o desenvolvimento de competências profissionais exigidas pelo mercado de trabalho. ê O conhecimento sobre comportamento e prática profissional assume maior relevância, em detrimento das bases conceituais, bem como em relação aos conhecimentos histórico­críticos.

Ensino aprendizagem ê Relação determinista entre o ensinar, aprender e o perfil profissional traçado no Projeto Pedagógico do curso ê Foco no desenvolvimento de competências laborais com tendência à racionalidade técnica (com exceções)

Organização curricular

ê Currículo não disciplinar, ou seja, construído em módulos e integrado por competências laborais; ê Conteúdos escolhidos em função das competências laborais ê Currículo visto como “estrutura curricular” prescrita no Programa do Curso

Prática docente

ê Ações planejadas em função do desenvolvimento de competências profissionais dos estudantes ê Centrada no “Modelo de Competências” filiada a Pedagogia das Competências; ê Avaliação do desempenho de competências construídas pelos alunos e de alguns “conteúdos” trabalhados (há uma indefinição ou conflito quanto aos processos de avaliação, inclusive no uso dos indicadores de desempenho ou conceitos).

Formação continuada de professores/as

ê Incentivo à participação dos professores no Curso de Docência no Ensino Superior (latu senso) sem ônus ê Incentivo à participação dos professores no Curso de Docência na Educação Profissional (latu senso) sem ônus ê Incentivo à participação dos professores em disciplinas pedagógicas do Curso de Docência no Ensino Superior (latu senso) ê Desenvolvimento de ações de “capacitação”: semana pedagógica (uma a cada semestre) ê Ações pontuais coordenadas por alguns dos coordenadores de curso ê Incentivo à participação dos professores em cursos de pós­graduação e de extensão voltados para a formação específica com desconto de 30% do valor do curso ê Realização de Congresso com participação de educadores e pesquisadores nacionais e internacionais com elevado nível de publicação na área de educação. ê Outros processos administrados pelos/as professores/as (seminários, cursos na formação específica, etc.)

Ensino pesquisa e extensão ê Atividades de pesquisas como parte integrante do curso/disciplina (atividade acadêmica) ê Realização do Encontro de Ensino Pesquisa e Extensão ê Pesquisas sociais embrionárias

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ANEXOS

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ANEXO A ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­ NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

1996

LDB 9.394/96 Estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional

• Da Educação ê Art. 1º. § 2º. A educação escolar deverá vincular­se ao mundo do trabalho e à prática social e é dever da família e do Estado • Dos Princípios e Fins da Educação Nacional ê O pleno desenvolvimento do educando ­ seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. ê Princípios (Arts. 2º e 3º): de liberdade; solidariedade humana; igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização do profissional da educação escolar; gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extraescolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. • Do direito à educação: ê Art. 4º V ­ acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística. ê Art.8º § 1º. Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. • Da Educação Super ior ê Art. 44. Abrangerá os seguintes cursos e programas: I ­ sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente; II ­ de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo. III ­ de pós­graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; IV ­ de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.

• Da Educação Profissional e Tecnológica ê Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.

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ANEXO B – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL ­ NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

1996

LDB 9.394/96 Estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional

LDBB 9.394/96

ê Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. MEC apresenta os cursos superiores de tecnologia como uma das principais respostas do setor educacional às necessidades e demandas da sociedade brasileira. • Justificativa ê O progresso tecnológico que vem causando profundas alterações nos modos de produção, na distribuição da força de trabalho e na sua qualificação. ê A ampliação da participação brasileira no mercado mundial, assim como o incremento do mercado interno que depende fundamentalmente da nossa capacitação tecnológica, ou seja, de perceber, compreender, criar, adaptar, organizar e produzir insumos, produtos e serviços. ê Desafios enfrentados pelos países estão, hoje, intimamente relacionados às contínuas e profundas transformações sociais ocasionadas pela velocidade com que são gerados os novos conhecimentos científicos e tecnológicos, sua rápida difusão e uso pelo setor produtivo e pela sociedade em geral. ê O grande desafio foi definir DCNG para CST que já está sendo oferecidos por muitas IES, públicos e privados. É como cumprir a tarefa de “abastecer o avião em pleno voo”. • Relevância ê Contempla a formação de um profissional “apto a desenvolver, de forma plena e inovadora, atividades em uma determinada área profissional”, e deve ter formação específica para: aplicação e desenvolvimento de pesquisa e inovação tecnológica; difusão de tecnologias; gestão de processos de produção de bens e serviços; desenvolvimento da capacidade empreendedora; manutenção das suas competências em sintonia com o mundo do trabalho; e desenvolvimento no contexto das respectivas áreas profissionais. ê A permanente ligação dos CST com o meio produtivo e com as necessidades da sociedade: excelente perspectiva de contínua atualização, renovação e auto­reestruturação. ê O CST é essencialmente um curso de graduação, com características diferenciadas, de acordo com o respectivo perfil profissional de conclusão. ê CBO/2002 que inclui o exercício profissional do tecnólogo, formado em curso superior de nível tecnológico, com atribuições tais como, planejar serviços e implementar atividades, administrar e gerenciar recursos, promover mudanças tecnológicas, aprimorar condições de segurança, qualidade, saúde e meio ambiente.

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ANEXO B (CONTINUAÇÃO) ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­

NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Parecer CNE/CP: 29/2002

Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível

Tecnológico (DCNG/CST)

ê A Educação profissional foi profundamente reestruturada, para atendimento desse novo contexto do mundo do trabalho, em condições de modificá­lo e de criar novas condições de ocupação. ê Ela é concebida, agora, como importante estratégia para que os cidadãos tenham efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade, que tanto modificam suas vidas e seus ambientes de trabalho. Para tanto, impõe­se a superação do enfoque tradicional da educação profissional, encarada apenas como preparação para a execução de um determinado conjunto de tarefas, em um posto de trabalho determinado. ê Ela requer, além do domínio operacional de uma determinada técnica de trabalho, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico e do conhecimento que dá forma ao saber técnico e ao ato de fazer, com a valorização da cultura do trabalho e com a mobilização dos valores necessários à tomada de decisões profissionais e ao monitoramento dos seus próprios desempenhos profissionais, em busca do belo e da perfeição. ê É preciso superar essas incongruências, para não cair na tentação de caracterizar uma educação tecnológica tão diferente das demais formas de educação superior que se torne um ser à parte da educação superior, como um quisto a ser futuramente extirpado. Este é um passo decisivo para refutar o tradicional preconceito da sociedade brasileira contra a educação profissional, fundado em nossa herança cultural colonial e escravista. ê Natureza dos cursos: certas áreas são, por natureza, essencialmente científicas e outras essencialmente tecnológicas. [...]; ê Densidade: a formação do tecnólogo é, obviamente, mais densa em tecnologia. [...] A formação do bacharel, por seu turno, é mais centr ada na ciência, embora sem exclusão da tecnologia. Trata­se, de fato, de uma questão de densidade e de foco na organização do cur r ículo; ê Demanda: [...] Há uma tendência perniciosa de se imaginar e supor uma certa demanda comum tanto do tecnólogo como do bacharel. Às vezes, os dois juntos, para a mesma área, sem perfis profissionais distintos, acarretam confusões nos alunos e no próprio mercado de trabalho. É necessária clareza na definição de perfis profissionais distintos e úteis; Tempo de formação: [...] há um relativo consenso de que o tecnólogo corresponde a uma demanda mais imediata a ser atendida, de forma ágil e constantemente atualizada; Perfil: o perfil profissional demandado e devidamente identificado constitui a matéria primordial do projeto pedagógico de um curso, indispensável para a caracterização do itinerário de profissionalização, da habilitação, das qualificações iniciais ou intermediárias do currículo e da duração e carga horária necessárias para a sua formação (BRASIL, Parecer... 2002, p. 23, grifo nosso).

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ANEXO B (CONTINUAÇÃO) ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­

NACIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Parecer CNE/CP: 29/13/12/2002 Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico

ê O conceito de competência, mesmo que ainda polêmico, como elemento orientador de currículos, estes encarados como conjuntos integrados e articulados de situações­meio, pedagogicamente concebidos e organizados para promover aprendizagens profissionais significativas. Currículos, portanto, não são mais centrados em conteúdos ou necessariamente traduzidos em grades de disciplinas. ê A nova educação profissional desloca o foco do trabalho educacional do ensinar para o aprender, do que vai ser ensinado para o que é preciso aprender no mundo contemporâneo e futuro”. ê Os cursos de graduação em tecnologia são cursos regulares de educação superior, enquadrados no disposto no Inciso II do Artigo 44 da LDB, com Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo CNE, com foco no domínio e na aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos em áreas específicas de conhecimento relacionado a uma ou mais áreas profissionais. Os cur sos de graduação em tecnologia deverão: ê Desenvolver competências profissionais tecnológicas para a gestão de processos de produção de bens e serviços; ê Promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós­graduação; ê Cultivar o pensamento reflexivo, a autonomia intelectual, a capacidade empreendedora e a compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos, nas suas relações com o desenvolvimento do espírito científico; ê Incentivar a produção e a inovação científico­tecnológica, a criação artística e cultural e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho; ê A formação do tecnólogo requer desenvolvimento de competências mais complexas que as do nível técnico, requer maior nível de conhecimento tecnológico. ê Adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos; Entre os referenciais para caracterização de tecnólogo e a correspondente formação em determinada área podem ser destacados os seguintes: a) natureza: certas áreas são, por natureza, essencialmente científicas e outras essencialmente tecnológicas. No primeiro caso, por exemplo, matemática, comporta cursos de Bacharelado e não de Tecnologia. No segundo, por hipótese, informática, comporta cursos, onde a ênfase da formação e da atuação do profissional situa­se, fortemente, tanto no campo da ciência quanto no da tecnologia.

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ANEXO B (CONTINUAÇÃO) ­ QUADRO : CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­

NACIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Parecer CNE/CP: 29/13/12/2002 Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico

b) densidade: a formação do tecnólogo é, obviamente, mais densa em tecnologia. Não significa que não deva ter conhecimento científico. O seu foco deve ser o da tecnologia, diretamente ligada à produção e gestão de bens e serviços. A formação do bacharel, por seu turno, é mais centrada na ciência, embora sem exclusão da tecnologia. Trata­se, de fato, de uma questão de densidade e de foco na organização do currículo. c) demanda: é fundamental que tanto a oferta de formação do tecnólogo como do bacharel correspondam às reais necessidades do mercado e da sociedade. Há uma tendência perniciosa de se imaginar e supor uma certa demanda comum tanto do tecnólogo como do bacharel. Às vezes, os dois juntos, para a mesma área, sem perfis profissionais distintos, acarretam confusões nos alunos e no próprio mercado de trabalho. É necessária clareza na definição de perfis profissionais distintos e úteis. d) tempo de formação: é muito difícil precisar a duração de um curso de formação de tecnólogo, objetivando fixar limites mínimos e máximos. De qualquer forma, há um relativo consenso de que o tecnólogo corresponde a uma demanda mais imediata a ser atendida, de forma ágil e constantemente atualizada. e) per fil: o perfil profissional demandado e devidamente identificado constitui a matéria primordial do projeto pedagógico de um curso, indispensável para • Os Cursos Superiores de Tecnologia surgem como uma das principais respostas do setor educacional às necessidades e demandas da sociedade brasileira.

• O Parecer CNE/CES nº 776/97, procurou sinalizar a necessidade de se promover formas de aprendizagem que contribuam efetivamente para reduzir a evasão, bem como desenvolvam no aluno sua criatividade, análise crítica, atitudes e valores orientados para a cidadania, atentas às dimensões éticas e humanísticas. O assim chamado conteudismo é também apontado como característica superada pela proposta educacional em implantação, pela superação do enfoque em cursos reduzidos à condição de meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações. Doravante, devem orientar­se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios decorrentes das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional em situações cambiantes. p.24

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ANEXO B (CONTINUAÇÃO) – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­ NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Parecer CNE/CP: 29/13/12/2002 Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico

ê a. Incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos; ê b. Incentivar a produção e a inovação científico­tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho ê c. Desenvolver competências profissionais tecnológicas,gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços ê d. Propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias. ê e. Promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições do trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós­graduação. ê f. Adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos ê g. Garantir a identidade do Perfil Profissional de conclusão do curso e da respectiva organização curricular.

• Obedecidos os critérios de acesso ao ensino superior estabelecidos em lei e nas normas específicas, será facultado a estudantes regularmente matriculados em um determinado curso superior de tecnologia, para o qual foram classificados em processo seletivo, requerer o aproveitamento de competências já desenvolvidas e diretamente vinculadas ao perfil profissional do respectivo curso. Tais competências podem ser oriundas de cursos profissionais de nível técnico, de outros cursos de nível superior ou ainda, adquiridas no mundo do trabalho, nos termos do Artigo 41 da LDB. P. 35.

ê A estruturação curricular dos cursos superiores de tecnologia deverá ser formulada em consonância com o perfil profissional de conclusão do curso, o qual define a identidade do mesmo e que caracteriza o compromisso ético da instituição de ensino para com os seus alunos, seus docentes e a sociedade em geral. Em decorrência, o respectivo Projeto Pedagógico do curso deverá contemplar o pleno desenvolvimento de competências profissionais gerais e específicas da área da habilitação profissional, que conduzam à formação de um tecnólogo apto a desenvolver, de forma plena e inovadora, suas atividades profissionais. ê Esses cursos superiores de tecnologia poderão ser organizados por etapas ou módulos, sempre com terminalidade profissional correspondente a uma qualificação profissional bem identificada e efetivamente requerida pelo mercado de trabalho Os módulos concluídos darão direito a certificados de qualificação profissional, os quais conferem determinadas competências necessárias ao desempenho de atividades no setor produtivo.

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ANEXO B (CONTINUAÇÃO) ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­

NACIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Parecer CNE/CP: 29/13/12/2002 Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico

êA possibilidade de estruturar currículos em módulos proporciona não apenas uma maior flexibilidade na elaboração dos mesmos ê Assim, os projetos pedagógicos dos cursos poderão ser estruturados em módulos, disciplinas, núcleos temáticos, projetos ou outras atividades educacionais, com base em competências a serem desenvolvidas, devendo os mesmos serem elaborados a partir de necessidades oriundas do mundo do trabalho, devendo cada modalidade referir­se a uma ou mais áreas profissionais. A organização curricular dos cursos superiores de tecnologia deverá contemplar o desenvolvimento de competências profissionais e será formulada em consonância com o perfil profissional de conclusão do curso, o qual deverá caracterizar a formação específica de um profissional voltado para o desenvolvimento, produção, gestão, aplicação e difusão de tecnologias, de forma a desenvolver competências profissionais sintonizadas com o respectivo setor produtivo. Essa orientação quanto à organização curricular dos cursos superiores de tecnologia é essencial para a concretização de uma educação profissional que seja “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia” (Artigo 39 da LDB), objetivando o “permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (idem) e a capacidade de adaptar­se, com flexibilidade, ativamente, “às novas condições de ocupação e aperfeiçoamentos posteriores” (Artigo 35 da LDB). ê No caso específico dos cursos superiores de tecnologia, não há como definir essas diretrizes por curso, definindo à priori o perfil do novo e do inusitado e imprevisível, num mundo do trabalho em constante e permanente mutação. Não é conveniente fechar propostas curriculares para cursos que deverão se orientar, por natureza, pela interdisciplinaridade e pela transdisciplinaridade. Por isso mesmo, a orientação aqui seguida é a da instituição de diretrizes curriculares nacionais gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia.

• Quanto à formação de docentes para a Educação Profissional de Nível Tecnológico, deve­se considerar a formação acadêmica exigida para a docência no ensino superior, nos termos do Artigo 66 da LDB e seu Parágrafo Único. Esse Artigo 66 estabelece que a preparação para o exercício do magistério superior far­se­á em nível de pós­ graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Admite­se também a docência para os portadores de certificados de especialização, como pós­graduação latu senso. Este artigo deve ser analisado conjuntamente com os Incisos I e II do Artigo 52 da LDB, combinado com o Parágrafo Único do referido Artigo 66. É este posicionamento que justifica a redação dada ao Artigo 13 do Anexo Projeto de Resolução, onde se prevê que “na ponderação da avaliação da qualidade do corpo docente das disciplinas da Formação Profissional, a competência e a experiência na área deverão ter equivalência com o requisito acadêmico, em face das características desta modalidade de ensino”.

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ANEXO C ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­ NACIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Resolução CNE/CP nº 3 de 18/12/2002:

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de

tecnologia (DCNG/CST)

ê Ar t. 1º A educação profissional de nível tecnológico, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito à aquisição de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de tecnologias. Ar t. 2º ­ Os cursos de Educação Profissional de Nível Tecnológico serão designados como Cursos Superiores de Tecnologia e deverão: I. Incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos; II. incentivar a produção e a inovação científico­tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho; III. desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços; IV. propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias; V. promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós­graduação; VI. adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos; VII. garantir a identidade do perfil profissional de conclusão de curso e da respectiva organização curricular.ê ê Art. 5º ­ Os Cursos Superiores de Tecnologia poderão ser organizados por módulos que correspondam a qualificações profissionais identificáveis no mundo do trabalho. Art. 6º A organização curricular dos cursos superiores de tecnologia deverá contemplar o desenvolvimento de competências profissionais e será formulada em consonância com o perfil profissional de conclusão do curso, o qual define a identidade do mesmo e caracteriza o compromisso ético da instituição com os seus alunos e a sociedade. § 1º A organização curricular compreenderá as competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, incluindo os fundamentos científicos e humanísticos necessários ao desempenho profissional do graduado em tecnologia. § 2º Quando o perfil profissional de conclusão e a organização curricular incluírem competências profissionais de distintas áreas, o curso deverá ser classificado na área profissional predominante. Art. 7º Entende­se por competência profissional a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico.

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ANEXO C (CONTINUAÇÃO) ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO CAMPO DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­ NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2002

Resolução CNE/CP nº 3 de 18/12/2002:

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de

tecnologia (DCNG/CST)

Art. 9º ­ É facultado ao aluno o aproveitamento de competências profissionais anteriormente desenvolvidas, para fins de prosseguimento de estudos em Cursos Superiores de Tecnologia. §1º ­ As competências profissionais adquiridas em cursos regulares serão reconhecidas mediante análise detalhada dos programas desenvolvidos, à luz do perfil profissional de conclusão do curso. §2º ­ As competências profissionais adquiridas no trabalho serão reconhecidas através da avaliação individual do aluno. Art. 12 – Para o exercício do magistério nos Cursos Superiores de Tecnologia, o docente deverá possuir a formação acadêmica exigida para a docência no nível superior, nos termos do Artigo 66 da LDB e seu Parágrafo Único. Art. 13. Na ponderação da avaliação da qualidade do corpo docente das disciplinas da Formação Profissional, a competência e a experiência na área deverão ter equivalência com o requisito acadêmico, em face das características desta modalidade de ensino. Art. 15. O CNE, no prazo de até dois anos, contados da data de vigência desta Resolução, promoverá a avaliação das políticas públicas de implantação dos cursos superiores de tecnologia.

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ANEXO D – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO FICIAL ­ NACIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2004

Decreto nº 5.154 de 23/7/2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os Arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20

de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras

providências.

• Art. 1º A educação profissional, prevista no art. 39 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), observadas as diretr izes cur r iculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, será desenvolvida por meio de cursos e programas de: ê I ­ formação inicial e continuada de trabalhadores; ê II ­ educação profissional técnica de nível médio; e ê III ­ educação profissional tecnológica de graduação e de pós­graduação do ensino técnico (Observação: a manutenção da DCNG/CST, tal como prevista na gestão FHC, continua sendo motivo de grande controvérsia e alvo do debate social e ideológico) • Art. 6 o Os cursos e programas de educação profissional técnica de nível médio e os cursos de educação profissional tecnológica de graduação, quando estruturados e organizados em etapas com terminalidade, incluirão saídas intermediárias, que possibilitarão a obtenção de certificados de qualificação para o trabalho após sua conclusão com aproveitamento. ê § 1 o Para fins do disposto no caput considera­se etapa com terminalidade a conclusão intermediária de cursos de educação profissional técnica de nível médio ou de cursos de educação profissional tecnológica de graduação que caracterize uma qualificação para o trabalho, claramente definida e com identidade própria. ê § 2 o As etapas com terminalidade deverão estar articuladas entre si, compondo os itinerários formativos e os respectivos perfis profissionais de conclusão.

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ANEXO E ­ QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL ­ NACIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2008

Lei nº 11.741 de 16/7/2008 Altera dispositivos da LDB no 9.394, de

20/12/1996, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica.

• Da Educação Profissional e Tecnológica ê Art. 39. A educação profissional e tecnológica: integra­se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. ê § 1 o Os cursos: poderão ser organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a construção de diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo sistema e nível de ensino. ê § 2o A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; II – de educação profissional técnica de nível médio; III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós­graduação. ê § 3º Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós­graduação organizar­se­ão, no que concerne a objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação. ê Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. ê Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.

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ANEXO F – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2010

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)

e Projeto Pedagógico Institucional (PPI)

ê Elaborado com representação dos setores e cursos. ê É resultado de avaliações, reflexões e teorizações das experiências vivenciadas no período 2006/2009. ê Considerado referencial para efetivação das ações, por meio de sua vertente política e sócio educacional; ê Expressa objetivos, diretrizes, princípios, valores, ações e orientações gerais para a concretização de políticas, planos e projetos a serem desenvolvidos nos âmbitos da graduação, pós­graduação, pesquisa e extensão, durante cinco anos. • Missão: ê “Oferecer Educação Superior de qualidade, formando profissionais competentes e cidadão conscientes, com relevante contribuição para o desenvolvimento da região”. • Visão de Futuro ê “Ser referência em Educação Superior de qualidade no Estado de Pernambuco, instalada em nova sede.” • IES: caracterizada pela democracia e pelo sentido de avanço êTem o compromisso, entre outros, de promover educação interdisciplinar, contextualizada e continuada, baseada numa concepção democrática de mundo, focada na percepção e vivência dos ideais de liberdade, igualdade, justiça, respeito ao meio ambiente e solidariedade humana, objetivando desenvolvimento integral do homem como sujeito de seu destino histórico. ê Formação profissional que transcenda à preparação para postos de trabalho e incorpore conceitos e valores capazes de ampliar a compreensão sobre os fundamentos e processos tanto do mundo do trabalho, como da sociedade de forma geral. ê Formação, em nível superior, de sujeitos sociais, em suas várias dimensões, de maneira que se tornem capazes de intervir positivamente nos destinos da sociedade local e regional e no desenvolvimento sustentável do país. Marcos Temáticos que subsidiam políticas e práticas de educação: • Educação e Transformação Social êAvanços tecnológicos potencializadores de mudanças de paradigmas (do modelo taylorista/fordista para o modelo de produção flexível), tornando­se balizador na vida dos trabalhadores. Altera o modelo de produção que prescindia da inter­relação teoria­prática; tecnologias favorecem a automação e modernização do parque industrial; evidente o processo de produção flexível que continua promovendo grandes impactos na vida das pessoas, nas organizações sociais e do trabalho. ê A educação superior passa a ser vista como importante veículo para se efetivar as mudanças pretendidas pelos governos e setor produtivo, e vem se tornando objeto de desejo da maioria dos trabalhadores, na perspectiva de ascensão social e de realizações pessoais.

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ANEXO F (CONTINUAÇÃO) – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2010 a 2014

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)

e Projeto Pedagógico Institucional (PPI)

• Trabalho Educação e Cidadania ê Dentre os direitos inerentes ao ser humano e referendado pela atual Constituição Federativa do Brasil de 1988 está o direto ao trabalho e à educação, na perspectiva da cidadania plena de todos. ê A existência humana é produzida pelos próprios homens, ou seja, a existência torna­se um produto do trabalho; o ato de aprender torna­se o ato de educar­se e dá origem a educação escolar, distinguindo a escola da classe dominante da escola da classe dominada; ê a história da educação é vista, também, como a história do trabalho; ê a história de divisão de classe social separa o trabalho intelectual do trabalho manual, dá origem a escola profissionalizante e a escola da classe dominante. • Educação Super ior à Luz da Legislação ê1948: a Declaração Universal dos Direitos Humanos; ê a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reafirma a importância da Educação Superior, por meio do Art. 208; ê Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, reafirma­se o dever do Estado com a Educação Superior quando estabelece, por meio do Art. 208, que será efetivado mediante a garantia de: “[...] V ­ acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. ê A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), em seu Art. 4º reafirma o dever do Estado­nação com a educação superior. Essa mesma legislação estabelece como sua finalidade maior “a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” (BRASIL, 1996, Art. 43, I). ê Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) • Educação Profissional e Tecnológica no Contexto do Ensino Super ior ê Nas exigências demandadas para os trabalhadores, a competência não mais se restringe aos saberes tácitos, às memorizações e treinamentos de habilidades, tornando­se necessária a capacidade de desenvolver competências cognitivas complexas para trabalhar articulando saberes científicos e tecnológicos. ê Diferente do curso de graduação em Administração, nos cursos superiores de tecnologia, as competências não têm um conteúdo específico. Elas são formadas por meio de conteúdos localizados em outros grupos de conhecimentos especializados e se expressam, traduzindo determinados conteúdos em uma habilidade.

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ANEXO F (CONTINUAÇÃO) – QUADRO: CONTEÚDOS ENUNCIATIVOS DO DISCURSO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL ANO IDEIAS FORÇA – ENUNCIADOS MATERIALIDADE DISCURSIVA

2010 a 2014

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e

Projeto Pedagógico Institucional (PPI)

ê faz­se necessário o desencadeamento de um processo de formação continuada de professores, coordenadores de curso, entre outros, com vistas a impedir a fragmentação do processo formativo dos acadêmicos e a secundarização de conhecimentos e competências essenciais ao exercício da cidadania e à continuidade dos estudos. ê A definição dos perfis profissionais, de conteúdos, processo e práticas curriculares de cada curso deve ter como elemento integrador a dimensão crítica da educação e, de forma decisiva, deve superar o sentido prático e utilitário historicamente disseminado no âmbito da educação profissional. Também serão estabelecidas estratégias pedagógicas a serem adotadas nos processos de aprendizagem; recursos didáticos necessários e mais apropriados, entre outros, de forma que sejam asseguradas as finalidades propostas. ê No enfoque das competências devem ser consideradas as várias dimensões do ser humano (histórico­cultural, social, econômica, política, intelectual, entre outras), bem como os diversos espaços­tempo (sociedade, trabalho, grupos sociais, etc.) percorridos pelos sujeitos sociais. Pretende­se, desta forma, resgatar a perspectiva da formação de sujeitos históricos e da IES comprometida com as várias dimensões dos seres humanos e com as transformações sociais, em favor de todos. Bases Teór ico­metodológicas: ê A prática de reflexão situada na perspectiva da reconstrução dialética da profissão docente que é vista na sua inter­ relação com o contexto sociocultural, político, econômico, entre outros, refletindo, assim, o compromisso dos professores com os estudantes e a sociedade em geral. Fundamentada na prática reflexiva, constitui­se expressão da pedagogia crítica que tem como base as relações entre educação, sociedade e trabalho, reconhecendo os determinantes sociais; tem como característica a articulação de saberes significativos para construção e reconstrução de novos conhecimentos por meio da assimilação crítica e criativa de conteúdos significativos, os quais não têm fim em si mesmo; a relação entre professor e aluno é dialética, dialógica, interativa e mediatizada pelo conhecimento, com vistas à emancipação dos sujeitos da aprendizagem. Assim, a prática crítico­reflexiva torna­se uma ação investigativa que procura conhecer a realidade sobre a qual vai atuar, evitando práticas pré­estabelecidas. Tem como principal característica a unidade teoria­prática promotora da unidade: finalidade­ação; ê Pressupõe que os professores dominem criticamente as bases teórico­epistemológicas e metodológicas dos conteúdos a serem trabalhados, construam conhecimentos pedagógicos necessários ao desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem, rejeitando a pura transmissão que promove a memorização e/ou o treinamento de habilidades. Pr incípios e Valores êParticipação; Inclusão Social; Qualidade; Valorização Profissional; Cidadania; Interdisciplinaridade


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