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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
MESTRADO EM EDUCAO
REA DE CONCENTRAO EDUCAO SOCIAL
CAMPUS DO PANTANAL
EDITH FANY JOBBINS
REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA DE
AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO
MUNICPIO DE CORUMB MS
CORUMB
2015
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ii
EDITH FANY JOBBINS
REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA DE
AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO
MUNICPIO DE CORUMB MS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Educao, rea de concentrao em Educao Social do Campus
do Pantanal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
como requisito para obteno do Ttulo de Mestre em Educao.
Orientao: Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki
CORUMB
2015
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iii
JOBBINS, Edith Fany. REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA
DE AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO
MUNICPIO DE CORUMB MS. 2015. 134 folhas. Relatrio de Defesa (Mestrado
em Educao). Programa de Ps-Graduao em Educao, rea de concentrao em
Educao Social do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, Corumb, 2015.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Campus do
Pantanal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para
obteno do Ttulo de Mestre em Educao.
rea de Concentrao: Educao Social
`
Orientador: Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki
Aprovada em____________________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki UFMS/CPAN
Julgamento: ___________________ Assinatura: _______________________________
Prof. Dr Adriana Almeida Sales de Melo UNB
Julgamento: ___________________ Assinatura: _______________________________
Prof. Dr Anamaria Santana da Silva UFMS/CPAN
Julgamento: __________________ Assinatura: ________________________________
Prof. Dr Fabiano Antonio dos Santos UFMS/CPAN
Julgamento: __________________ Assinatura: ________________________________
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iv
Dedico com todo carinho aos meus Rodrigos.
Rodrigo pai, grande companheiro e principal incentivador,
especialmente nas fases mais difceis da jornada.
Rodrigo filho, que em seus apenas 3 anos de existncia,
no consegue mensurar a importncia que ocupa em minha vida,
mas, a quem com certeza dedico o melhor de mim.
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v
AGRADECIMENTO
A construo de um trabalho dessa grandeza no tarefa fcil, tampouco se
consegue individualmente, trata-se de uma ao coletiva, portanto, gostaria aqui de
agradecer aos muitos participantes, no apenas na construo da pesquisa, mas na
construo da minha histria, posto que cada um contribuiu sua maneira para a
concretizao desta conquista.
Agradeo primeiramente a Deus por me dar fora para seguir em frente;
coragem para no desmoronar diante s dificuldades encontradas e sabedoria para
entender s condies nem sempre favorveis da vida.
Aos meus pais Almir e Bernadete Jobbins, por me darem a vida.
Aos meus pais Vicente Max e Mrcia Regina, que a partir da adolescncia
assumiram para si a funo de me preparar para a vida. Vocs no me ensinaram a
andar, mas me proporcionaram condies de escolher o melhor caminho, no me
ensinaram a falar, mas me fizeram compreender que as palavras, especialmente as de
incentivo, so importantes e podem mudar trajetrias. A vocs todo o meu
reconhecimento.
Ao meu companheiro Rodrigo Antnio, minha melhor escolha. Respeito e
companheirismo so palavras que ganharam muito sentido nesses 15 anos de
convivncia com voc. Obrigada por voc existir na minha vida e me proporcionar
todos os dias um amanhecer com a certeza de ser amada e admirada.
Ao meu amado filho, com quem aprendo todos os dias a ser melhor. A voc
dedico minha vida, minhas aes, meu amor e tudo de melhor que h em mim.
minha amiga Ana Carolina, com quem tantas experincias j foram trocadas,
tantas discusses tecidas e tantos cafs compartilhados. Obrigada por estar to presente
na minha vida, especialmente me fortalecendo nos momentos mais necessrios.
Aos colegas de mestrados com quem dividi tantas dvidas, angstias e alegrias.
Aos professores do curso de Ps-Graduao da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Campus do Pantanal, aqui representados em dois nomes mais do que
especiais prof. Dr Mnica Kassar e prof. Dr Anamaria Santana. Suas aes me
incentivam a sempre buscar mais, querer mais e, especialmente fazer mais a cada dia.
Obrigada por todo o conhecimento compartilhado e ateno dedicada.
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vi
Ao Prof. Dr Fabiano Antonio dos Santos pela disponibilidade em participar da
banca examinadora deste trabalho.
Cleide secretaria do curso (de 2009 a 2014) pelo carinho e ateno no apenas
comigo, mas com todas as turmas.
prof. Dr Adriana Melo, agradeo no apenas pelo aceite em participar da
Banca examinadora deste trabalho e suas contribuies essenciais na construo do
mesmo, mas, especialmente, agradeo por me proporcionar o entendimento necessrio
sobre a construo e reconstruo das nossas polticas educacionais por meio de suas
obras to generosamente escritas.
Ao querido prof Dr Hajime Takeuchi Nozaki, que aceitou a importante misso
de dar continuidade orientao na concluso deste trabalho. Sei que difcil a tarefa
de conduzir meus passos, especialmente pelas limitaes que reconheo em mim. A
voc um agradecimento especial pelo carinho, ateno, pacincia dedicados a mim, mas
especialmente agradeo pela experincia, competncia e seriedade que disps na
realizao do trabalho. No fcil transmitir em palavras a importncia do seu apoio,
ento, obrigada.
Agradeo prof. Dr Ester Senna a quem admiro e agradeo as orientaes
iniciais deste trabalho. Foi um grande prazer segurar em suas mos quando ainda estava
nos primeiros passos.
E, por fim, agradeo aos 57 sujeitos da pesquisa, que me permitiram desvelar
aqui como se deu o processo de ampliao do ensino fundamental no municpio de
Corumb-MS.
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vii
A verdadeira meta a riqueza interior que no um tipo de
contemplao abstrata, mas autoconfirmao na plenitude da
atividade vital de cada um. Isto significa que toda a estrutura
da atividade vital que precisa ser transformada desde o
trabalho cotidiano at uma participao real nos mais altos
nveis da elaborao de polticas que tm influncia na nossa
vida e no simplesmente o potencial da produo material de
um pas [...]
Istvn Mszros
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viii
RESUMO
A Pesquisa aqui apresentada foi realizada com o objetivo central de analisar
criticamente os processos de implantao e implementao do Programa de Ampliao
do Ensino Fundamental de Nove Anos nas escolas do municpio de Corumb, MS. A
questo compreender a materializao deste Programa no contexto da Reforma da
Educao Bsica, buscando apreender em que medida as polticas e prticas do Estado
central e local se coadunam com as demandas e questionamentos da sociedade. Para a
realizao da pesquisa adotou-se o materialismo histrico-dialtico como opo terico-
metodolgica. Como procedimento metodolgico utilizou-se a entrevista
semiestruturada o que nos permitiu compreender o processo de ampliao em mbito
emprico por meio da voz de 57 sujeitos participantes da pesquisa, entre diretores,
coordenadores e professores da rede municipal de ensino. A partir dos estudos tericos
empreendidos na pesquisa percebeu-se que as mudanas na sociedade em razo da
mundializao do capital provocaram mudanas no campo educacional. Os resultados
da pesquisa em mbito emprico mostram que a poltica ampliao no municpio foi
realizada de cima para baixo, sem as discusses necessrias em relao s adaptaes na
estrutura fsica das escolas, sem investimentos na formao continuada dos
profissionais, bem como sem orientaes para a reelaborao da prtica pedaggica dos
professores, revelaram que o municpio de Corumb-MS, no processo de ampliao do
ensino fundamental priorizou as questes legais e burocrticas, em detrimento das
questes em mbito prtico, conferindo ao Programa uma implementao aparente. Tais
resultados nos respaldam na afirmao de que o processo de ampliao do ensino
fundamental no municpio de Corumb-MS, assim como nas esferas federal e estadual,
antes de objetivar a melhoria na qualidade da educao se configura com estratgias de
consonncia com os ditames mundiais para a educao.
Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos. Reforma da Educao Bsica.
Corumb-MS.
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ABSTRAT
The research presented here was conducted with the main objective to critically analyze
the implantation process and implementation of the Basic Education Expansion
Program of Nine Years in schools in the city of Corumb, MS. The question is to
comprehend the materialization of this program in the context of the Reform of Basic
Education, looking to understand to what extent the central and local State policies and
practices are consistent with the demands and questions of the society. To perform the
research was adopted the historical and dialectical materialism as the theoretical-
methodological option. As a methodological procedure it was used semi-structured
interviews which allowed us to understand the enlargement process in empirical level
through the voice of 57 patients and research participants, including directors,
coordinators and teachers of the municipal school system. From the theoretical studies
undertaken in the research it was noted that changes in society because of the
internationalization of capital caused changes in the educational field. The results of the
research in empirical scope shows that the expansion policy in the city was carried out
from top to bottom, without the necessary discussions regarding the adjustments to the
physical structure of schools, without investment in the continuing education of
professionals, as well as no guidelines for reworking the pedagogical practice of
teachers, revealed that the city of Corumb-MS, prioritized the legal and bureaucratic
issuesin the process of expansion of primary education, to the detriment of the issues at
a practical level, giving the Program an apparent implementation. These results supports
the claim that in the process of expansion of primary education in the city of Corumb-
MS, as well as the federal and state levels, before aim to improve the quality of
education sets with line strategies with world dictates to education.
Keywords: Basic Education of Nine Years. Reform of Basic Education. Corumb-MS.
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x
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Equivalncia entre o Ensino Fundamental de oito e nove
anos................................................................................................................................70
Quadro 02 Nmero de matrculas no Estado de Mato Grosso do Sul no ano de
2014...............................................................................................................................82
Quadro 03 Nmero de matrculas no municpio de Corumb-MS no ano de
2014...............................................................................................................................82
Quadro 04 - Corumb MS e as metas estipuladas pelo
MEC...............................................................................................................................83
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xi
LISTA DE SIGLAS
APM Associao de Pais e Mestres
BM Banco Mundial
CD Conselho Deliberativo
CE Colegiado Escolar
CEB Cmara de Educao Bsica
CEE Conselho Estadual de Educao
CF Constituio Federal
CNE Conselho Nacional de Educao
COEF Coordenao Geral do Ensino Fundamental
CONSED Conselho Nacional dos Secretrios de Educao
CPAN Campus do Pantanal
DPE Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental
EC Emenda Constitucional
EJA Educao de Jovens e Adultos
EPT Educao Para Todos
FMI Fundo Monetrio Internacional
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
FUNDEB Fundo de Manuteno da Educao Bsica e Valorizao dos Profissionais
da Educao
FUNDEF Fundo de Manuteno do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas
IDEB Indice de Desenvolvimento da Educao Bsica
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e bases
MEC Ministrio da Educao
ONU Organizao das Naes Unidas
OREALC Oficina Regional de Educao para Amrica Latina e Caribe
PCNs Parmetros Curriculares Nacionais
PDE Programa de Desenvolvimento da Educao
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PNE Plano Nacional de Educao
PPP Projeto Poltico Pedaggico
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PTA Plano de Trabalho Anual
RE Regimento Escolar
REME Rede Municipal de Educao
SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica
SEB Secretaria de Educao Bsica
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UNDIME Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e a Cultura
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SUMRIO
APRESENTAO ........................................................................................................ 15
INTRODUO... ............................................................................................................ 19
O MATERIALISMO HISTRICO DAILTICO E SUAS CATEGORIAS, MAIS QUE
UMA OPO TERICO-METODOLGICA, UMA FORMA DE LER E
COMPREENDER A REALIDADE................................................................................24
1 MUDANAS NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO E MANIFESTAES
NOCAMPO EDUCACIONAL ..................................................................................... 32
1.1 MUNDIALIZAO E PROCESSOS DE GESTO PBLICA ............................. 33
1.2 EDUCAO BSICA E AS RELAES ENTRE OS GOVERNOS NACIONAIS
E INTERNACIONAIS .................................................................................................... 40
1.2.1 As conferncias mundiais de educao na determinao do papel de cada pas
no contexto da mundializao ..................................................................................... 42
1.2.2 O relatrio Jaques Delors para a Unesco...........................................................50
1.3 EDUCAO BSICA E SUAS MUDANAS HISTRICAS NO BRASIL A
PARTIR DA DCADA DE 1990...................................................................................57
2 O PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE
ANOS E O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO BSICA
NO
BRASIL..........................................................................................................................61
2.1 O PROGRAMA, SUA CONCEPO E DESENHO..............................................63
2.1.1 Amparo Legal....................................... ...............................................................63
2.1.2 Determinaes administrativas e pedaggicas...................................................68
2.2 ELABORAO, IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA A
PARTIR DAS PUBLICAES DO MINISTRIO DA EDUCAO.........................75
2.3 IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA NO MUNICPIO DE
CORUMB MS: BREVE CONTEXTUALIZAO.................................................79
3 O PROGRAMA E SUA MATERIALIZAO NAS ESCOLAS DO
MUNICPIO DE CORUMB-MS...............................................................................88
3.1 OS SUJEITOS E O CAMPO DE PESQUISA..........................................................88
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xiv
3.2 IMPLANTAO DO PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO
FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-
MS...................................................................................................................................91
3.3 IMPLEMENTAO DO PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO
FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-
MS...................................................................................................................................97
3.4 AVALIAO E ACOMPANHAMENTO DO PROGRAMA DE AMPLIAO
DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-
MS.................................................................................................................................113
CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................122
REFERNCIAS...........................................................................................................128
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15
APRESENTAO
Ter um posicionamento bem definido diante das realidades que surgem parece
essencial para determinar nossas aes durante a prpria vida. Porm, apesar de ser
bvia tal afirmao, no nada simples, especialmente porque tal posicionamento
pressupe uma srie de condies proporcionadas ao indivduo e que devem preceder
suas atitudes, pois cada indivduo resultado de uma srie de vivncias que os tornam
quem de fato . Partindo da, considero importante contar aqui, mesmo que brevemente,
um pouco da histria da minha vida para permitir ao leitor a compreenso sobre os
caminhos que me trouxeram a realizar a pesquisa aqui apresentada.
Minha histria at os doze anos de idade foi escrita na coletividade de um
orfanato no interior do Paran, de onde trago minha bagagem de lembranas, nem
sempre boas, mas nem todas ruins. O fato que ser criada em uma instituio para
menores rfos, no me permitiu saber quem era o que queria, o que pensar ou esperar
da vida.
Uma breve tentativa de retorno ao convvio familiar que durou dois anos me fez
entender que para conquistar um espao ainda que pequeno seria necessrio abrir
mo de qualquer movimento e/ou pensamento que fosse contrrio ao estabelecido em
cada uma das trs famlias por onde passei.
Aos catorze anos, insatisfeita com a trajetria escrita at o momento, aceitei a
deciso de trabalhar em casa de famlia, imaginando que assim poderia conquistar a
liberdade de pensar e agir, o direito de opinar em qualquer coisa que fosse, o importante
naquele momento era ter voz, ainda que fraca.
Na ocasio, acabei por conhecer as pessoas que por circunstncias da vida
acabaram se tornando o que hoje conheo por famlia e que me proporcionaram, a partir
da adolescncia, alm de uma vida mais tranquila e confortvel em relao s condies
materiais, a ampliao do meu histrico escolar que at ento era escasso, visto que aos
dezesseis anos havia apenas concludo a 5 srie do ensino fundamental.
Aos dezoito entrei em uma escola particular pela primeira vez para cursar o
segundo grau (ensino mdio) e, apesar das dificuldades encontradas pelo dficit de
conhecimentos adquiridos at aquele momento, consegui compreender a necessidade do
estudo na vida de uma pessoa. Foi nesse perodo tambm que comecei a perceber as
diferenas de oportunidades entre as pessoas, as diferenas de ateno recebida por
estudantes de uma escola pblica e privada, especialmente em relao garantia dos
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16
direitos de aprendizagens. Enfim, tive aos dezoito a oportunidade de perceber as
diferenas de classe nas quais a sociedade est pautada e pude perceber o quanto tais
diferenas acabam por determinar a histria de vida de cada indivduo. Considero esse
momento da vida como um marco, pois, tive a um incio de compreenso sobre
injustia e desigualdade social.
A vida seguiu e, entre o fim do ensino mdio e incio do ensino superior, foram
muitas vivncias, muitas dvidas, cursos iniciados e no concludos devido s
dificuldades de diversas naturezas e, especialmente, muitos desvios nos caminhos
traados, desvios esses que me trouxeram Corumb MS, em abril de 2003 e me
fizeram optar pelo curso de pedagogia que iniciei em 2004. Confesso que ao iniciar o
curso, pensava mais na necessidade de obter um diploma e ter assim uma formao em
nvel superior, no pude mensurar o quanto o curso e as pessoas com as quais convivi
durante os quatro anos de graduao mudariam minha vida. Na verdade, o contato com
a Educao e, especialmente com os professores e colegas da graduao, me
oportunizou a, alm de adquirir os conhecimentos para o exerccio da profisso,
conhecer a mim mesma, um diferencial que me fez rever a prpria histria e me colocar
como autora e no simplesmente expectadora da vida. Percebi nesses quatro anos, por
meio de atividades referentes ao curso especialmente as atividades relacionadas s
pesquisas de iniciao cientfica e projetos que participei mas tambm nas discusses
estabelecidas com os professores e colegas, que na vida necessrio ir alm de aceitar
as determinaes dadas, necessrio se envolver, mudar a trajetria, buscar as
determinaes reais para compreender as determinaes aparentes. Aprendi e aprendo a
cada dia a buscar a essncia antes de me encantar com a aparncia das coisas.
Em 2007 conclu o curso de graduao em Pedagogia e imediatamente entrei no
mercado de trabalho na ansiedade de colocar em prtica todo o conhecimento adquirido
durante os quatro anos anteriores. Naturalmente, surgiram muitas dvidas,
principalmente em relao alfabetizao das crianas do 1 ano do ensino
fundamental, srie que assumi logo no primeiro ano de profisso, especialmente porque
naquele mesmo ano ocorria a ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos,
trazendo para a escola novas questes que precisavam ser esclarecidas.
Na tentativa de sanar as dvidas para a realizao de um bom trabalho, busquei
informaes com os colegas de trabalho indagando professores, coordenadores, busquei
apoio at mesmo nos antigos professores da graduao, procurando solues para uma
prtica pedaggica adequada. Nessa busca, percebi que as dvidas que me inquietavam
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17
a respeito das modificaes no processo de alfabetizao, institudas pela Lei n
11.274/06 (BRASIL, 2006a)1 que entrava em vigor nas escolas do municpio de
Corumb MS naquele mesmo ano, no eram apenas minhas e que outros profissionais
da rea tambm estavam pouco interados do assunto e pouco me ajudariam a pensar
uma prtica que, alm de atender s necessidades das crianas, atendesse tambm s
exigncias da instituio escolar, da nova legislao em vigor e aos anseios dos pais dos
alunos, que nesse processo de mudana se apresentavam com frequncia na escola
repletos de dvidas em relao educao dos filhos.
Atravs do site do Ministrio da Educao (MEC), encontrei os documentos que
constituem o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos,
elaborados pelo Governo Federal no intuito de subsidiar os profissionais da educao
nesse processo de mudana do ensino fundamental. Esses documentos me trouxeram
esclarecimentos de algumas questes, principalmente referentes aos objetivos da
ampliao, bem como os caminhos a seguir para construir uma prtica condizente com
tais objetivos. Porm, me trouxeram outras tantas dvidas em relao s prticas
orientadas pelos documentos e em relao s responsabilidades de cada um dos agentes
envolvidos no sistema de educao, para que o Programa de Ampliao pudesse ser
implantado e implementado2 com sucesso no pas e para que realmente pudesse fazer
diferena no processo de aprendizagem das crianas includas nesse nvel de ensino.
A necessidade de responder s minhas dvidas, unida ao desejo de embasar e
melhorar minha prtica pedaggica como professora alfabetizadora suscitou o interesse
em realizar a pesquisa aqui apresentada. H quem possa questionar que as indagaes
iniciais do estudo se referem somente s prticas pedaggicas e que, portanto, o trabalho
estaria ligado a uma linha de pesquisa na rea da formao de educadores. Porm,
apesar de admitir que minhas preocupaes iniciais originaram-se do trabalho cotidiano
realizado no ptio escolar, penso ser uma questo ainda maior, posto que as mudanas
que ocorrem na escola nesse momento so resultados de uma proposta de mudana nas
polticas pblicas educacionais do pas, necessitando, portanto, ser refletida no contexto
1 A Lei n 11.274/06 modifica o Ensino Fundamental, que passa a ter durao de nove anos e a idade
obrigatria para a matrcula das crianas no 1 ano passa a ser de seis anos, na busca de assegurar a todas
as crianas um tempo maior de escolarizao e aumentar suas oportunidades de aprendizagens. Essa lei
ser melhor explorada durante o desenvolvimento da pesquisa por ser a base do Programa de Ampliao
do Ensino Fundamental de Oito para Nove anos que se apresenta como objeto deste estudo. 2 O termo implantao refere-se fase da formao de uma poltica, o momento em que as propostas se
constituem em poltica propriamente dita. J o termo implementao refere-se ao momento em que a
poltica se transforma em programa e so criadas as condies para que se efetive. No captulo II a
diferena entre os dois termos ser melhor explicitada.
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18
nacional e at internacional, pois a ampliao desse nvel de ensino no se apresenta de
forma isolada, mas faz parte de uma agenda de reformas da educao bsica que na
dcada de 1990 busca a conformidade com as diretrizes dos Organismos Internacionais.
Sendo assim, no momento em que foi inicialmente problematizado,
considerando a complexidade do tema e que somente os questionamentos no mbito
escolar no trariam as respostas almejadas, percebi que o trabalho deveria ser inserido
na linha de pesquisa: Polticas, Prticas Institucionais e Incluso/Excluso Social do
Programa de Ps Graduao em Educao, em nvel de Mestrado do Campus do
Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPAN/UFMS).
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19
INTRODUO
A partir da promulgao da Lei n 11.274, de 06 de fevereiro de 2006 (BRASIL,
2006a), o Governo Federal, cumprindo seu papel de indutor de polticas pblicas,
lanou ainda o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de nove anos, tendo
como objetivos principais:
a) Melhorar as condies de equidade e de qualidade da Educao Bsica;
b) Estruturar um novo ensino fundamental para que as crianas prossigam nos estudos, alcanando maior nvel de escolaridade;
c) Assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianas tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da
alfabetizao e do letramento. (BRASIL, 2009a, p.5)
Porm, somente o aumento no tempo de escolarizao no garante um melhor
aprendizado da criana includa no ensino fundamental e, para que os objetivos da nova
lei sejam efetivados, necessria uma srie de aes relacionadas s condies
pedaggicas, administrativas, financeiras, materiais e de recursos humanos, para que
esse tempo maior de convvio escolar seja empregado de maneira eficiente e que
realmente contribua para o processo de aprendizagem da criana, garantindo a qualidade
na educao.
A implantao de uma poltica de ampliao do Ensino Fundamental de nove
anos, alm de se apresentar em consonncia com vrios outros pases, - caracterstica do
processo de mundializao3 vivido pela sociedade contempornea - representa mais uma
estratgia do Estado na busca do cumprimento das metas de Educao para Todos,
estabelecidas na Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jomtiem,
em 1990, e reafirmada nos compromissos assumidos em Nova Delhi (1993), e em
Dakar (2000), bem como em outros encontros mundiais que visam discutir a garantia do
direito educao de que todo cidado possuidor. Atende especificamente a uma das
metas do Compromisso de Dakar, que estabelece:
3 O termo mundializao do capital de origem francesa utilizado por Chesnais (1996) em detrimento
ao termo globalizao. De acordo com o autor mundializao diminui a falta de nitidez conceitual do
termo globalizao utilizado para manipular a imaginao social. No captulo I ser apresentada mais
detalhadamente a diferena entre os termos.
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[...] consolidar os principais resultados positivos da Educao para
Todos alcanados pela regio4 durante a dcada de 1990. Entre eles,
no mbito regional, constatam-se os seguintes: [...] ampliao do
nmero de anos de escolaridade obrigatria [...].
(UNESCO/CONSED, 2001)
Para que a Lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a) se efetivasse de fato, o Programa de
Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos, atravs de suas publicaes
estabeleceu algumas modificaes nos sistemas de ensino que implicavam determinadas
aes e atenes especficas em relao normatizao e organizao pedaggica para
o bom andamento e um melhor resultado do novo formato do Ensino Fundamental,
como: amparo legal, implicaes administrativas, questes sobre a nomenclatura,
reflexes sobre o currculo, a avaliao e formao dos profissionais da educao.
Sobre as implicaes administrativas, por exemplo, de acordo com o 3 relatrio
do Programa de Ampliao do Ensino Fundamental, para a ampliao desse nvel de
ensino, necessrio:
- Reorganizar o ensino fundamental tendo em vista no apenas o
primeiro ano, mas toda a estrutura dos nove anos de ensino;
- Planejar oferta de vagas, nmero de salas de aula, adequao dos
espaos fsicos, nmero de professores e profissionais de apoio,
adequao de material pedaggico;
- Realizar a chamada pblica, conforme estabelece a LDB;
- Providenciar a normatizao legal do Conselho de
Educao. (BRASIL, 2006b. p.7)
Alm disso, ainda nas implicaes administrativas, cabe ressaltar a questo da
nomenclatura que tambm sofreu alteraes nesse processo de modificaes do ensino.
De acordo com a Resoluo CNE/CEB n 3 de 2005 (BRASIL, 2005c), ficou da
seguinte maneira.
Educao Infantil, com durao de cinco anos, sendo que, as crianas de
at 3 anos de idade sero atendidas pela creche e as crianas de 4 e 5
anos sero atendidas pela pr-escola.
Ensino Fundamental, tambm com duas fases, sendo a 1 denominada
anos iniciais, com cinco anos de durao, que atender as crianas de 6 a
10 anos de idade, e a 2 denominada anos finais, com quatro anos de
durao, pra os estudantes de 11 a 14 anos de idade.
4 A regio em questo trata-se das Amricas posto que o texto foi retirado do Anexo Educao para
Todos nas Amricas/Marco de Ao Regional, que compe o documento Educao para Todos: O
compromisso de Dakar.
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21
Atravs dos Pareceres CNE/CEB n 6/2005 (BRASIL, 2005d), CNE/CEB n
18/2005 (BRASIL, 2005e), CNE/CEB n 7/2007 (BRASIL, 2007a) e CNE/CEB n
4/2008 (BRASIL, 2008), as crianas devem ingressar no Ensino Fundamental a partir
dos seis anos de idade, completos ou a completar at o incio do ano letivo.
Ainda de acordo com o 3 Relatrio de Acompanhamento do Programa, os
recursos financeiros para a implantao do Ensino Fundamental de nove anos devero
ser repassados s Secretarias de Educao pelo Plano de Trabalho Anual (PTA) e
dependem da aprovao das propostas que apresentam. Os gastos com as crianas de 06
anos de idade passam a ser contabilizados no ensino fundamental e no mais na
educao infantil.
A organizao pedaggica do novo Ensino Fundamental requer uma ateno
especial com relao ao currculo, que deve ter uma nova proposta pedaggica e uma
forma de avaliao cumulativa do desempenho do aluno que valorize seu processo de
aprendizagem e no apenas as provas finais. preciso elaborar um currculo que
considere no somente as especificidades da criana de 06 anos que ser includa no 1
ano do Ensino Fundamental, mas tambm as crianas de todo esse nvel de ensino.
Ainda sobre o currculo do novo Ensino Fundamental, os documentos
publicados pelo MEC, especialmente o 3 Relatrio do Programa, ressalta que os
contedos devem ser elaborados, a partir de consultas nos documentos oficiais, que so:
A Constituio Federal; a LDB n 9.394/1996; o Plano Nacional de
Educao, Lei n 10.172/2001; os pareceres e as resolues do
CNE/CEB e do respectivo sistema de ensino; orientaes gerais para a
ampliao do ensino fundamental de nove anos
MEC/SEB/DPE/Coef; Ensino Fundamental de nove anos: orientaes
para a incluso das crianas de 6 anos de idade; as propostas
pedaggicas das Secretarias de Educao; os projetos poltico-
pedaggicos das escolas; as pesquisas educacionais; a literatura
pertinente. (BRASIL, 2006b. p. 09 e 10)
Outra preocupao no processo de implementao do Ensino Fundamental de
nove anos com a incluso de crianas de 06 anos de idade no 1 ano, a formao dos
profissionais que trabalharo diretamente com essas crianas, que dever seguir o que
rege o parecer CNE/CEB n 4/2008 (BRASIL, 2008) que reitera o que est estabelecido
no artigo 62 da Lei n 9.394/96 (BRASIL, 1996a), que diz que a formao mnima para
os professores das sries iniciais deve ser o ensino mdio na modalidade normal, mas,
preferencialmente, licenciados em Pedagogia ou Curso Normal Superior. Porm,
somente a formao inicial no basta para a realizao de um bom trabalho, devendo,
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portanto, ser dada a devida ateno a esses profissionais que assumiro a
responsabilidade de trabalhar com as crianas de 6 anos de idade includas no novo
Ensino Fundamental, fornecendo-lhes capacitaes para que este esteja preparado de
fato para realizar um trabalho que realmente favorea o processo de aprendizagem das
crianas.
O Brasil avanou bastante em relao democratizao do acesso ao ensino
obrigatrio, nas ltimas dcadas. De acordo com o documento Ensino Fundamental de
Nove Anos: Orientaes Gerais do Programa de ampliao do Ensino Fundamental,
97% das crianas brasileiras j esto na escola, entretanto, avalia-se que o modelo
educacional vigente no provocou mudanas efetivas de comportamento para construir
uma cidadania solidria (BRASIL, 2004a p. 9), ou seja, o aumento no acesso no
suficiente para garantir a qualidade desse ensino. Caminhamos para a universalizao
desse atendimento, mas ainda temos muito a construir para que a educao seja
considerada prioridade na vida das crianas e jovens e estes, por sua vez, sejam
considerados pela escola nas suas especificidades, para que a democratizao
efetivamente acontea.
Nesse sentido, a ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos
apresentaria-se como mais uma estratgia de democratizao e acesso escola. A Lei n
11.274, de 06 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006a), assegura o direito das crianas de
seis anos educao formal e obrigatria, exigindo que as famlias as matriculem e que
o Estado oferea o atendimento.
O municpio de Corumb MS, em consonncia com o Estado do Mato Grosso
do Sul, tem adotado uma postura bastante imediatista no que diz respeito ao
cumprimento das leis educacionais, postura que se pode perceber nitidamente no
cumprimento das exigncias da Lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a). J em 2006, o
municpio deu os primeiros passos para a regulamentao da lei por meio da
Deliberao CEE/MS n 8.144/06 (MATO GROSSO DO SUL, 2006), que estipula a
implantao da ampliao do ensino fundamental j a partir de 2007. Mas ser que esse
imediatismo no cumprimento da lei no se configura como obstculo garantia da
qualidade no processo de implementao da nova legislao?
Sobre essa questo, Brito e Senna (2009, p.11), aps anlise nas polticas
educacionais voltadas especificamente para o ensino fundamental, e especialmente
focalizando as discusses e as lutas travadas durante o processo de implementao da
ampliao do ensino fundamental, produzem um artigo e concluem que:
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23
O que fica evidente que no Estado o processo de implantao do
Ensino Fundamental de nove anos antes que fossem garantidas as
condies de preparao das respectivas escolas e professores, denota
precocidade e a conseqente preocupao de que esta mudana possa
se configurar apenas numa mudana estrutural.
Silva e Scaff (2010) corroboram com tal alerta quando, ao pesquisarem o
processo de implantao da lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a) nos estados da Bahia e
Mato Grosso do Sul, percebem que as preocupaes se limitam aos procedimentos de
regulamentao da lei sem que houvesse uma qualificao dos profissionais que vo
atuar com as crianas, ou mesmo com a adequao das escolas, sem os ajustes
pedaggicos ou materiais preconizados pela lei e julgados adequados para o processo de
incluso pautado pela premissa da qualidade na educao.
Aps a leitura de todas as especificidades das publicaes do MEC, ficaram
algumas questes pertinentes que demonstram minha preocupao relacionada ao tema
no mbito municipal, tais como: ser que a Secretaria de Educao do municpio de
Corumb MS tem procurado realmente efetivar a garantia dos direitos das crianas
envolvidas nesse processo, ou tem se preocupado apenas com o cumprimento da Lei?
Tem dado suporte tcnico e terico s instituies escolares bem como aos educadores
na prtica de suas aes? E os profissionais que atuam diretamente com os alunos
foram includos no processo de discusso sobre a efetivao da lei, ou foram apenas
informados sobre as mudanas? Foram preparados para atuar de acordo com a nova lei?
Foram realizados cursos de formao continuada que tratassem especificamente desse
assunto? Quais so as orientaes e exigncias dos diretores, coordenadores e/ou
supervisores das escolas em relao prtica pedaggica nas salas de aula? Existiu uma
preocupao em reelaborar os currculos e planejamentos para o atendimento s novas
exigncias? Teve preocupao em mudar o espao fsico das salas de aula e da escola
para atender s necessidades das crianas de seis anos includas no ensino fundamental,
assim como preconizam as orientaes da legislao em questo?
Desta forma, o objetivo central da pesquisa analisar criticamente o processo de
implantao e implementao do Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de
Nove Anos nas escolas do municpio de Corumb em Mato Grosso do Sul. J os
objetivos especficos so:
Analisar no contexto de mundializao do capital, como se deu a Reforma da
Educao Bsica e sua manifestao nas polticas educacionais;
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Discutir a interlocuo dos diferentes atores da poltica educacional com o
Estado acerca do Programa;
Analisar a interseo das polticas e prticas educacionais do governo central e
local;
Analisar como se concretizou no municpio de Corumb a implantao do
Programa nas escolas;
Compreende-se no ser possvel realizar um estudo sobre a implantao e
implementao de uma determinada poltica, sem considerar o contexto das polticas
nacionais e o papel que o Estado central e local ocupam na sociedade, bem como as
relaes e embates entre Estado/sociedade, posto que as reformas educacionais so
mediaes das tendncias da reforma do Estado. A reforma do Estado est intimamente
conectada com as transformaes internacionais, principalmente no que diz respeito
educao bsica (objeto de pesquisa do presente trabalho). As relaes entre os
governos nacionais e internacionais ocorrem por meio de compromissos, encontros e
conferncias mundiais e regionais, ocasies em que so delineadas as aes e estratgias
educativas que os pases devem adotar para que as metas de direito universal educao
para todos sejam atingidas, bem como para garantir o financiamento externo.
Justifica-se, assim, a necessidade de incluso na pesquisa de um estudo sobre o
processo de desenvolvimento das polticas pblicas de educao a partir das metas de
educao assumidas pelas naes, nas conferncias e encontros mundiais em busca de
uma educao para todos os cidados, enfocando os compromissos das Conferncias de
Educao Para Todos, realizada em Jomtien na Tailndia em 1990 (UNESCO, 1998a), a
de Nova Delhi, realizada em 1993 (UNESCO, 1998b), e os compromissos assumidos
em Dakar, Senegal no ano de 2000 (UNESCO, 2001a) e no Relatrio Jaques Delors
(UNESCO, 2001b), um documento da Comisso Internacional sobre Educao para o
sculo XXI. Esse resgate se fez necessrio para dar base ao pressuposto da pesquisa, de
que as mudanas na sociedade em razo da mundializao do capital provocaram
mudanas significativas no campo educacional.
O materialismo histrico-dialtico e suas categorias, mais que uma opo terico-
metodolgica, uma forma de ler e compreender a realidade.
Para a realizao da pesquisa adotamos o materialismo histrico-dialtico como
opo terico-metodolgica, pois nos fornece a possibilidade de estudar e captar a
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essncia do objeto a ser estudado, analisando-o dialeticamente, ou seja, considerando a
relao dialtica todo-parte, existente no objeto pesquisado e que, a essncia no se d
imediatamente; mediata ao fenmeno e, portanto, se manifesta em algo diferente
daquilo que . A essncia se manifesta no fenmeno (KOSIK, 1976, p.11). Assim
sendo, para alcanarmos a compreenso que vai alm da aparncia e atingirmos a
essncia da coisa, necessrio fazermos um dtour, ou seja, fazer um desvio na
inteno de descobrir a essncia, a verdade oculta, a coisa em si, (KOSIK, 1976) que
se esconde atrs da aparncia da coisa, do fenmeno.
As polticas pblicas esto vinculadas ao processo social e histrico em que
esto inseridas, devendo ser consideradas em sua totalidade e historicidade. Marx (1983,
p. 224) ensina que:
Do mesmo modo que toda cincia histrica ou social em geral,
preciso nunca esquecer, a propsito da evoluo das categorias
econmicas, que o objeto, neste caso a sociedade burguesa moderna,
dado, tanto na realidade como no crebro; no esquecer que as
categorias exprimem, portanto, formas de existncia, condies de
existncia determinadas...
Com base nesta perspectiva e fazendo uso de categorias metodolgicas tais
como: a totalidade, a contradio e a mediao, bem como algumas categorias de
contedo como: a historicidade, a reproduo, a hegemonia e o Estado que
procuraremos compreender, explicar e expor detalhadamente os mltiplos aspectos que
produziram um Programa para uma determinada poltica educacional em determinado
momento da histria.
Totalidade, pois a compreenso da relao todo/parte nos esclarece que uma
poltica pblica no se desvincula de uma estrutura mais ampla, mas ao contrrio, est
intimamente ligada a um projeto de sociedade, e nesse caso, sociedade capitalista. No
caso especfico do estudo presente, a categoria totalidade torna-se imprescindvel na
medida em que o objeto de pesquisa um programa que se coloca na realidade escolar e
que no pode ser entendido se no por meio da compreenso do todo, ou seja, das
relaes estabelecidas entre as bases de produo e o princpio educativo atual. Logo, a
proposta aqui no simplesmente conhecer o fenmeno, mas conhec-lo e compreend-
lo como parte que compe o todo.
Contradio, posto que todo fenmeno, - a exemplo disso, uma poltica
educacional -, repleto de contradies e conflitos, a prpria educao reflete a
estrutura social na qual est inserida, ao mesmo tempo em que evidencia as contradies
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desta mesma sociedade. captando as contradies do fenmeno que se compreende a
realidade, enquanto que ignor-la: ... querer retirar do real o movimento e, por isso,
recurso prprio das ideologias dominantes, que, no podendo retir-la das relaes
sociais, econmicas e polticas, representam-na como imaginariamente superada.
(CURY, 1987. p. 34)
Mediao, pois, a educao possui antes de qualquer outro, um carter
mediador, Cury (1987, p. 66) evidencia isso quando afirma que:
Atravs da categoria da mediao a educao se revela como um elo
existente capaz de viabilizar uma estruturao ideolgica para um
determinado modo de produo, que, por sua vez, tende a assegurar a
dominao da classe pela hegemonia. Em outros termos, ela um
momento mediador em que se busca e onde se pretende a direo
ideolgica da sociedade [...].
A categoria mediao fundamental no estudo, posto que no processo de
conhecimento de um objeto, o pesquisador obrigado a fazer cises na totalidade
buscando as determinaes especficas do objeto de pesquisa, porm, no contexto real
nada isolado. De acordo com Kuenzer, (2008, p. 65).
[...] isolar os fatos significa priv-los de sentido e inviabilizar sua
explicao, esvaziando-o de seu contedo; da a necessidade de
trabalhar com a categoria mediao, de tal modo a, cindindo o todo ao
buscar a determinao mais simples do objeto de investigao, poder
estudar o conjunto das relaes que estabelece com os demais
fenmenos e com a totalidade [...]
A categoria mediao permear, portanto, em todo o trabalho, na medida em que
ser necessrio em determinados momentos desvincular partes do objeto, nesse caso, o
Programa de Ampliao do Ensino Fundamental, para conhecer suas determinaes
mais especficas, a fim de explic-las diante do conjunto das relaes com os demais
fenmenos educativos. Porm, na mesma medida o movimento contrrio tambm se faz
necessrio para buscarmos a compreenso dos seus determinantes no contexto histrico
e social.
Historicidade, no sentido que toda ao poltica se d de acordo com o momento
histrico vivido pela sociedade.
Reproduo uma vez que a escola, instituio alvo da poltica pblica aqui
analisada, est associada reproduo na medida em que dissipa em seu interior uma
conformao, uma forma de pensar condizente com as aspiraes da classe dominante.
A esse respeito temos:
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Alm da reproduo, numa escala ampliada, das mltiplas habilidades
sem as quais a atividade produtiva no poderia ser realizada, o
complexo sistema educacional da sociedade tambm responsvel
pela produo e reproduo da estrutura de valores dentro da qual os
indivduos definem seus prprios objetivos e fins especficos. As
relaes sociais de produo capitalistas no se perpetuam
automaticamente. (MSZROS, 1981 p. 260)
Nesse sentido a categoria reproduo tambm precisa estar presente no estudo,
posto que a escola, lcus emprico da pesquisa, est vinculada categoria na medida em
que em seu funcionamento desencadeia conflitos de ideias, produz seus valores e
reproduz continuamente os valores de que a sociedade capitalista necessita para a sua
sobrevivncia.
Hegemonia, pelo fato de a educao ser um espao social de disputa. Quem nos
d base para tal afirmao Frigotto (2003, p. 25), quando ressalta que:
A educao, quando apreendida no plano das determinaes e relaes
sociais e, portanto, ela mesma constituda e constituinte destas
relaes, apresenta-se historicamente como um campo da disputa
hegemnica. Esta disputa d-se na perspectiva de articular as
concepes, a organizao dos processos e dos contedos educativos
na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social,
aos interesses de classe.
Na mesma medida em que a escola um campo de produo de ideologias,
tambm uma reprodutora de ideologias, especialmente as ideologias das classes
dominantes, que usa o espao escolar para incutir seus valores na classe dominada.
Sendo assim, no poderamos excluir do estudo a hegemonia, uma vez que nada mais
do que essa capacidade de direo cultural e ideolgica (CURY, 1987), num
movimento constantemente contraditrio no qual uma classe busca domnio sobre a
outra.
O Estado visto na pesquisa pela tica gramsciana, mais especificamente em seu
conceito de Estado Ampliado, que distingue duas esferas no interior dessa
superestrutura, as quais denomina sociedade poltica referindo-se aos aparelhos
coercitivos do Estado como as foras armadas, as foras policiais e as leis e
sociedade civil o conjunto das instituies que representam interesses de diferentes
grupos sociais como o sistema escolar, a igreja, os partidos polticos, os meios de
comunicao, as organizaes profissionais, a comunidade cientfica, os artistas entre
outros grupos e organizaes que elaboram e difundem os valores simblicos e
ideologias nas sociedades. Temos em Coutinho (1994, p.54) que:
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28
Essas duas esferas se distinguem, justificando assim que recebam em
Gramsci um tratamento relativamente autnomo, pela funo que
exercem na organizao da vida social e, mais especificamente na
articulao e reproduo das relaes de poder. Em conjunto as duas
esferas formam o Estado em sentido amplo.
Nesse sentido, as duas esferas podem conservar ou transformar uma determinada
sociedade de acordo com o interesse de uma classe social no modo de produo
capitalista, o que as diferencia a maneira que atuam, enquanto que a sociedade civil
busca exercer sua hegemonia por meio de alianas e consenso, a sociedade poltica
exerce a dominao por meio da coero, mas, independente da forma como o Estado
exerce o poder, Gramsci o v como um aparelho a servio da coero de uma classe
sobre a outra, e defensora dos interesses da classe hegemnica. Segundo Gramsci (1980,
p. 87): [...] o Estado todo um complexo de atividades prticas e tericas com as quais
a classe dirigente justifica e mantm no s o seu domnio, mas consegue obter o
consentimento ativo dos governados [...]. As ideias de Gramsci permanecem atuais na
medida em que se faz um questionamento das polticas contemporneas que, apesar do
discurso do direito do cidado que torna possvel o domnio consentido dos
governados -, tendem a atender sempre as determinaes das ideias hegemnicas no
cenrio mundial.
Ao encontro dessa concepo do Estado como regulador das relaes sociais,
por meio de suas polticas pblicas, temos Fedatto (2008, p.15) que afirma que:
O entendimento de que o Estado ente abstrato, como um personagem,
um leviat, nas palavras de Hobbes, no existe, o que existem so
instituies permanentes criadas pelo homem para regular as relaes
sociais que vo se tornando complexas a partir do progresso das foras
produtivas e das conseqentes distines sociais e desigualdades entre
os indivduos e os grupos fundamental para a compreenso da
educao como estratgia de interveno na sociedade pelo Estado,
seja para criar tipos de homens 5, seja para o controle ideolgico.
Para discutir uma poltica pblica, seja ela no campo social, econmico ou
educacional, como prope esta pesquisa, no se pode deixar de considerar que toda
poltica est articulada a um projeto de sociedade, e sabe-se que em qualquer sociedade
mas especificamente aqui, a sociedade capitalista as diretrizes estabelecidas para o
desenvolvimento econmico que vo direcionar e mediar, o planejamento das polticas
pblicas. Portanto, pode se afirmar que, uma poltica pblica constitui-se a partir de
uma questo que j se tornou socialmente problematizada, exigindo a ao do Estado,
5 Termo cunhado por Brando,1985 e destacado por Fedatto, 2008.
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que deve tomar decises, sempre visando os interesses que predominam na sociedade
em questo. Sobre isso, Azevedo (2004, p. 61) afirma:
Neste quadro importante, tambm, ter presente como se d o
surgimento de uma poltica pblica para um setor, ou, melhor dizendo,
como um problema de um setor ser reconhecido pelo Estado e, em
consequncia, ser alvo de uma poltica pblica especfica. Poltica
esta que surgir como meio de o Estado tentar garantir que o setor se
reproduza de forma harmonizada com os interesses que predominam
na sociedade.
A autora, tendo Jobert como referncia, refora essa afirmao quando o mesmo
salienta que:
Os modelos de poltica no so independentes da poltica cultural e
dos valores. Suas relaes so duplas. Primeiramente o modelo de
poltica deve dar forma aos conceitos e aos valores mais gerais da
ordem social. Segundo, deve estar em harmonia com as concepes
dominantes do Governo e com as formas de interao entre o Estado e
sociedade. (JOBERT, 1989b: p.378, apud AZEVEDO, 2004, p. 66 e
67).
A partir dessas observaes, mais uma vez, reafirma-se o pressuposto da
pesquisa que aqui se apresenta, de que as polticas educacionais, sendo polticas
pblicas, no esto desvinculadas aos ditames da hegemonia mundial para a educao,
posto que hoje as naes no possam agir de forma isolada devido ao processo de
mundializao. Evidencia-se, por outro lado, a importncia da questo central tratada na
pesquisa, que compreender a materializao do Programa de Ampliao do Ensino
Fundamental de oito para nove anos, no contexto da Reforma da Educao Bsica
orquestrada pelos Organismos internacionais nos anos 1990. Busca-se, assim, apreender
em que medida as polticas e prticas do Estado central e local se coadunam com as
demandas da sociedade civil, bem como em mbito local, analisando como se
concretizou o processo de ampliao do ensino fundamental no municpio de Corumb
MS.
Para atingir os objetivos propostos para a pesquisa, foram realizados estudos
tericos a respeito do tema, tendo como base material produes como, livros, teses,
dissertaes, artigos e trabalhos publicados que tratam dos temas, Estado e Polticas
Pblicas de Educao, Capitalismo Contemporneo, Conferncias Mundiais e Polticas
Educacionais no Estado de Mato Grosso do Sul, documentos oficiais da legislao da
Educao bsica, tais como a Constituio Federal (1988), A Lei n 9.394 (BRASIL,
1996a), a Lei n 10.172 (BRASIL, 2001), Lei n 11.114 (BRASIL, 2005a), a Lei n
11.274 (BRASIL, 2006a), alm de uma anlise nos documentos do Programa de
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Ampliao do Ensino Fundamental de oito para nove anos, objeto da pesquisa dentre
eles, Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientaes Gerais (Brasil, 2004a); 1
relatrio do Programa (BRASIL, 2004b); 2 Relatrio do Programa (BRASIL, 2005);
Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientaes para a incluso da criana de seis anos
de idade (Brasil, 2006b); 3 Relatrio do Programa (Brasil 2006c) e Ensino
Fundamental de Nove Anos: Passo a Passo do Processo de Implantao (BRASIL,
2009), objeto da pesquisa.
As informaes sobre a implantao e implementao no mbito prtico, foram
coletadas a partir de entrevistas semiestruturadas, que contaram com a participao de
profissionais da Secretaria Municipal de Educao, dos gestores das instituies de
ensino do municpio de Corumb, e dos professores que atuam no 1 ano do ensino
fundamental de nove anos.
O trabalho aqui apresentado est estruturado por uma introduo e 3 captulos e
Consideraes Finais, elaborados de acordo com os propsitos da pesquisa.
O Captulo I discute as mudanas no capitalismo contemporneo e
manifestaes no campo educacional, abordando os temas da mundializao do capital e
processos de gesto pblica, a educao bsica e as relaes entre os governos nacionais
e internacionais. Neste captulo, realizou-se, alm de uma contextualizao do
capitalismo contemporneo com a educao, um estudo aprofundado em diversos
documentos e declaraes de acordos mundiais para a educao, visto que hoje os
pases esto todos interligados de alguma maneira devido ao processo de mundializao
que vem ocorrendo de forma contnua.
O Captulo II apresenta o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de
Nove Anos desde sua concepo, os caminhos percorridos para sua implantao e
implementao, a finalidade do Programa, a perspectiva governamental e demandas da
sociedade civil organizada, alm de uma anlise no processo de implantao e
implementao do Programa em nvel nacional e local, trazendo informaes sobre a
implantao do Programa no municpio de Corumb.
O Captulo III buscando cumprir com os objetivos propostos pela pesquisa,
especialmente o objetivo especfico de analisar como se concretizou a implantao do
Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos nas escolas, assim,
apresenta o campo da pesquisa, os sujeitos, os dados empricos coletados por meio das
entrevistas realizadas no decorrer da pesquisa, envolvendo a participao de gestores e
profissionais diversos envolvidos no processo de ampliao do ensino fundamental bem
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como as anlises dos discursos apresentados nas entrevistas em confronto com os
estudos tericos realizados para a concretizao da pesquisa, especialmente os
documentos elaborados pelo MEC na busca de fornecer os subsdios necessrios ao
processo de ampliao do ensino fundamental. A construo deste captulo possibilita a
afirmao de que no processo de ampliao do ensino fundamental de oito para nove
anos, as preocupaes tanto da secretaria municipal de educao quanto das instituies
escolares da rede municipal de educao de Corumb-MS, estiveram muito mais
instaladas nas questes burocrticas do que no mbito da prtica pedaggica.
E por fim nas Consideraes Finais, finalizamos o trabalho proposto
evidenciando que os esforos realizados no processo de ampliao do ensino
fundamental nos levam a reafirmar que os reais objetivos da reforma da educao
bsica, especialmente a partir da dcada de 1990, se aproximam mais do campo
econmico do sistema capitalista, na medida em que busca antes de garantir a qualidade
na educao, estar em consonncia com os ditames internacionais para a educao.
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1. MUDANAS NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO E
MANISFESTAES NO CAMPO EDUCACIONAL.
A sociedade est em processo de desenvolvimento e passa por vrios processos
de transformaes permeados de contradies e antagonismos. Um exemplo disso o
modo de produo predominante nas sociedades contemporneas, o modo de produo
capitalista, que vem enfrentando crises contnuas e permanentes em sua dinmica de
crescimento, com a hegemonia do capital financeiro. Marx, no sculo XIX, j alertava
para a impossibilidade de se estabelecer uma sociedade slida, a partir de um modo de
produo to contraditrio, caracterizado pela diviso da sociedade em classes, na qual
a verdadeira necessidade produzida pela economia a necessidade do capital, e o valor
do homem e seu poder so medidos pela sua capacidade de acumulao e,
principalmente, uma sociedade com base na propriedade privada. Segundo o prprio
Marx (1987, p. 182):
[...] a propriedade privada no sabe fazer da necessidade bruta
necessidade humana; seu idealismo a fantasia, a arbitrariedade, o
capricho; nenhum eunuco adula mais baixamente seu dspota ou
procura com os meios mais infames estimular sua capacidade
embotada de gozo, a fim de obter um favor, do que o eunuco
industrial, o produto, para granjear para si mais moedas de prata e para
fazer sair ovos de ouro do bolso de seus prximos, cristmente
amados (cada produto uma isca com a qual se quer atrair o ser dos
outros, seu dinheiro; toda necessidade real ou possvel uma fraqueza
que arrastar as moscas ao melado explorao universal da essncia
coletiva do homem; assim como toda imperfeio do homem um
lao como os cus, um lao pelo qual seu corao acessvel ao
sacerdote; toda carncia oferece uma ocasio para parecer de modo
mais amvel diante do prximo e dizer-lhe: querido amigo, dou-te o
que necessitas, mas j conheces a conditio sine qua non, j sabes com
que tintas tem que assinar o compromisso que te liga a mim; engano-
te enquanto te proporciono gozo) [...].
Tendo como referncia as ideias de Marx, o captulo discorrer sobre essas
mudanas sociais, nas quais imperativos econmicos tornam seus indivduos cada vez
menos humanizados, e sempre em confronto com as necessidades do capital. Marx
desvela que quem possui os meios de produo possui tambm o direito de fazer do
operrio (o trabalhador) seu objeto, a ponto de:
[...] A simplificao da mquina, do trabalho, utilizada para
converter em operrio o homem que ainda est se formando, o homem
ainda no formado a criana -, assim como o operrio tornou-se
uma criana totalmente abandonada. A mquina acomoda-se
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33
fraqueza do homem, para converter o homem fraco em mquina.
(MARX, 1987, p.183)
Assim, este captulo far uso de algumas das categorias principais do
materialismo histrico-dialtico, como a prpria dialtica do processo de
desenvolvimento social, a totalidade e a contextualizao histrica - posto que no se
pode entender um objeto sem que se compreenda as condies em que os homens
construram a histria -, as lutas de classes e a hegemonia de poucos (dominantes) sobre
a maioria dos pases dominados, o processo de mudanas no capitalismo
contemporneo, bem como suas implicaes nos processos de gesto pblica e suas
influncias na rea educacional por meio das polticas pblicas de atendimento
educao bsica.
Buscando atender os objetivos da pesquisa, especialmente analisar no contexto
de mundializao do capital, como se deu a Reforma da Educao Bsica e suas
manifestaes nas polticas educacionais, o captulo est dividido em 3 partes: a
primeira trata de compreender o processo de mundializao e suas manifestaes nos
processos de gesto pblica, evidenciando que existe uma proposta mundial especfica
para a educao e que os pases de capitalismo perifrico como o Brasil precisam
seguir. A segunda parte busca apresentar os compromissos assumidos pelo pas a partir
dos encontros e conferncias mundiais para a educao, eventos organizados e
financiados pelos organismos multilaterais do capital tais como a Organizao da
Naes Unidas (ONU), o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial
(BM), que impem suas condicionalidades para o financiamento da educao no pas. A
terceira parte finaliza o captulo trazendo um breve resgate histrico da educao
brasileira discutindo em que medida a Reforma da Educao Bsica realizada pelo
governo federal entre os anos 1995 a 2001 se coaduna com as orientaes mundiais para
a educao a partir da dcada de 1990.
1.1 Mundializao e processos de gesto pblica.
O capitalismo o sistema socioeconmico dominante, caracterizado pela
propriedade privada, meios de produo baseados na acumulao de capital, existncia
de livres mercados, gerao de lucros, diviso de classes, que enfatiza as relaes entre
a classe trabalhadora e a classe dominante e suas diferentes fraes. A classe dominante
se sobrepe primeira numa relao de poder econmico, poltico e ideolgico. Trata-
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34
se de um sistema que no considera as necessidades societais, mas sim, sua
autovalorizao e que subordina radicalmente o valor de uso das mercadorias em
detrimento do valor de troca das mesmas, pois o que realmente importa para o
capitalismo que a mercadoria tenha utilidade para o capital.
Ao longo de sua histria, o capitalismo vem passando por uma srie de ciclos
que sempre variou entre expanso e crise, porm, vrios autores que se ocuparam em
estudar esta forma de produo entram num consenso que a crise atual do capitalismo
uma das mais fortes da histria. Mszros (2009) defende a ideia de que a crise atual do
capitalismo uma crise estrutural, e que a busca de uma alternativa para solucionar essa
crise seria a construo de um novo modo de produo e de vida totalmente contrrio ao
modo de produo capitalista destrutivo, hoje dominante, pois segundo ele:
Recentemente, vocs tiveram um prenncio do que eu tinha em
mente6. Mas apenas um prenncio, porque a crise estrutural do
sistema do capital como um todo a qual estamos experimentando
nos dias de hoje em uma escala de poca est destinada a piorar
consideravelmente. Vai se tornar a certa altura muito mais profunda,
no sentido de invadir no apenas o mundo das finanas globais mais
ou menos parasitrias, mas tambm todos os domnios da nossa vida
social, econmica e cultural. (MSZAROS, 2009, p. 17)
O processo de mundializao vivido pelas sociedades na atualidade nos mostra
que a ligao entre as naes est cada vez mais estreita em todos os sentidos, assim,
verifica-se que um fato ocorrido em qualquer parte do mundo no d mais para ser
considerado um evento isolado, pois suas consequncias tm abrangncia em todas as
partes do globo e em todos os setores, seja de ordem econmica, social, na sade, nas
relaes de trabalho, no campo educacional e em todos os setores que envolvem a vida
dos indivduos.
Para iniciar uma discusso sobre mundializao e a influncia que esse processo
pode ter sobre os processos de gesto pblica, primeiramente se faz necessria uma
explicao da opo pelo termo mundializao em detrimento de globalizao, uma vez
que muitos trabalhos acadmicos trazem os termos como sinnimos, enquanto que
outros os diferenciam entre si. Assim, ser possvel justificar a escolha no presente
estudo.
A respeito da palavra globalizao, temos que ela:
6 Referncia a uma anlise dele prprio de que a crise mundial de 1929-1933 se parece com uma festa
no salo de ch do vigrio em comparao com a crise na qual estamos realmente entrando.
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[...] est relacionada com a forma expansionista do modo de produo
capitalista -, que tende, (desde) o seu nascimento, a incorporar
territrios, povos, recursos naturais e culturas. (NORONHA, 2008,
p.16).
O conceito de globalizao se aplica, portanto, produo,
distribuio e consumo de bens e servios, organizados a partir de
uma estratgia mundial, e voltada para um mercado mundial. Ele
corresponde a um nvel e a uma complexidade da histria econmica,
no qual as partes, antes internacionais, se fundem agora numa mesma
sntese: o mercado mundial. (ORTIZ, 1994, p.29)
De acordo com Ortiz, a diferena dos termos que enquanto a globalizao
est ligada aos processos de natureza econmica e tecnolgica, a mundializao reporta-
se ao mbito dos processos culturais (ORTIZ, 1994 apud NORONHA, 2008 p. 22).
Chesnais (1996), em sua obra Mundializao do Capital, esclarece que os termos
global, globalismo e globalizao no so termos neutros, ao contrrio, so
carregados de ideologia e conscientemente utilizados para manipular a imaginao
social e pesar nos debates polticos, mas ao mesmo tempo so vagos a ponto de
poderem ser empregados da maneira mais conveniente por quem quer que seja. O termo
americano global surgiu na dcada de 1980 por meio da imprensa econmica e
financeira destinado aos grandes grupos econmicos no intuito de transmitir que:
[...] em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstculos
expanso das atividades de vocs foram levantados, graas
liberalizao e desregulamentao; a telemtica e os satlites de
comunicaes colocam em suas mos formidveis instrumentos de
comunicao e controle; reorganizem-se e reformulem, em
consequncia, suas estratgias internacionais. (CHESNAIS, 1996,
p.23).
J o termo de origem francesa mundializao remete ideia de que junto com
a mundializao da economia, necessrio construir instituies polticas que sejam
capazes de controlar esse movimento e, isso o que as foras que atualmente regem os
destinos do mundo no querem de jeito nenhum (CHESNAIS, 1996 p. 24). Para o
autor, o termo mundializao diminui a falta de nitidez conceitual do termo
globalizao e esse um dos motivos que fez com que o termo encontrasse
dificuldades para se impor nos discursos da economia e da poltica francesa, bem como
nas grandes organizaes internacionais.
Assim, este trabalho pretende fazer um estudo sobre as manifestaes do
capitalismo no campo educacional, que est includo de forma mais diretamente aos
processos culturais que nos processos econmicos, ainda que no esteja excludo deles,
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uma vez que o sistema de produo capitalista est determinado, em ltima instncia,
pelo campo econmico. Assim, compreende-se que os processos econmicos
estabelecem mediaes com o campo educacional.
Por outro lado, o estudo representa um esforo na tentativa de desvelar e no
encobrir as reais intenes de uma determinada poltica na rea da educao. E, por
entender que esse processo de internacionalizao no s uma questo conceitual, mas
especialmente de formao de ideologias, optou-se por utilizar o termo mundializao
em detrimento de globalizao.
A influncia que as aes que um pas exerce sobre todos os outros pases, pode
ser claramente percebida se analisarmos as consequncias no caso das maiores
indstrias automobilsticas, General Motors e Ford que, beira da falncia, j contaram
no passado com o apoio financeiro do governo norte-americano na tentativa de salv-
las. No entanto, independente da ajuda que obtiveram em outros tempos, nenhum
subsdio pode ser considerado suficiente, pois as trs grandes indstrias automobilsticas
encontravam-se novamente beira da bancarrota no final da primeira dcada do sculo
XX (MSZROS, 2009). Isto mostra que, a partir do momento em que os subsdios
financeiros se fazem presente, fica sempre difcil de interromp-los. E mais uma vez as
indstrias recorreram ao governo, contando com o apoio do Estado americano, num
acordo que, segundo The Economist (Londres), publicado em 04/10/2008 :
O acordo significa que as companhias de automveis abenoadas
com a garantia do governo deveriam obter emprstimos com uma
taxa de juro de cerca de 5% em vez dos 15% que enfrentariam no
mercado aberto nas condies de hoje. (apud MSZAROS, 2009,
p.24)
Mas o que essas informaes sobre as grandes automobilsticas podem ajudar na
compreenso das manifestaes do capitalismo nas polticas do campo educacional?
importante ressaltar aqui que todo esse montante de dinheiro gasto pelo
governo norte-americano na tentativa de salvar a economia - no s das empresas
automobilsticas, mas em casos como de grandes bancos, das companhias hipotecrias e
de seguros, por exemplo -, trata-se de dinheiro pblico e, para que se recupere esse
capital, necessrio o desencadeamento da parte do Governo, de vrias outras aes.
Aes inclusive no campo educacional, que implicam consequncias na vida dos
cidados, no somente daquele, mas em todos os outros pases. , posto que hoje, a
ligao entre eles evidente por meio do processo de mundializao da economia.
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As aes e consequncias mais comuns na busca de reaver o dinheiro gasto na
tentativa de salvamento dessas indstrias so o aumento de impostos, a inflao, o
desemprego, entre outras que vo influenciar diretamente na qualidade de vida das
pessoas no mundo todo, pois no devemos esquecer que so grandes empresas
totalmente mundializadas em seu funcionamento. No caso das automobilsticas, por
exemplo, as peas necessrias para a montagem de determinado carro so fabricadas em
vrias partes do globo. Assim, as empresas podem utilizar a mo de obra mais barata em
determinadas partes do mundo, diminuindo o custo para a fabricao e aumentando em
escala extraordinria os lucros de seus produtos atravs da explorao da mo de obra
de trabalhadores que necessitam trabalhar, mesmo que em algumas situaes precrias.
(MSZROS, 2009).
Ainda nesse sentido, temos em Chesnais (1996) a flexibilizao da produo, a
proximidade do mercado e as desigualdades salariais entre pases e as deslocalizaes7,
vistas como uma forma de tirar proveito da liberalizao do comrcio exterior, no
intuito de se beneficiar dos baixos custos salariais e da ausncia de legislao social em
determinados pases. Tal ao caracteriza uma das peculiaridades do modo de produo
capitalista, portanto, refletindo sobre esse fato pode-se perceber as mudanas que
ocorreram e esto ocorrendo nas relaes entre capital e trabalho (MZROS, 2009).
Poderamos aqui nos perguntar ento: por que o Estado coloca uma nao diante
dessa situao? Vrios fatores influenciam essa poltica, mas uma das principais razes
para esse aventureirismo financeiro a necessidade da confiana, pois, para o
capitalista, nenhum pas pode atrair investimentos sem um ndice favorvel de
confiana. Mszros (2009, p. 19) ironiza essa necessidade de confiana no mercado
capitalista:
De qualquer forma, toda essa conversa sobre as virtudes absolutas da
confiana na administrao econmica capitalista assemelha-se muito
explicao oferecida pela mitologia indiana sobre a base de suporte
do universo. Pois naquela antiga viso do mundo, dizia-se que o
universo era carregado, muito confortavelmente, sobre as costas de
elefantes.
O autor prossegue discorrendo a respeito do elefante, que este ainda seria
confortavelmente carregado nas costas de uma tartaruga csmica, ou seja, h uma
espcie de comodismo a respeito das grandes crises, pois utilizando a excessiva
confiana no mercado, nem mesmo se procura uma sada, pois se acredita que o
7 Ver mais sobre os conceitos em A Mundializao do Capital (CHESNAIS, 1996).
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mercado sempre conseguir resolver seus problemas por conta prpria para salvar o
sistema.
Para Mzros (2009), o que tem acontecido na verdade um fechamento
generalizado de olhos para a totalidade da problemtica, pois as recentes solues e
medidas adotadas pelas autoridades que governam os pases somente buscam remediar
os problemas no aspecto financeiro da crise. Mas a verdade que nem todos querem
enxergar que o aprofundamento da crise se agrava a cada dia, e que:
Naturalmente a conseqncia necessria da crise sempre em
aprofundamento nos ramos produtivos da economia real como
eles agora comeam a cham-la contrastando a economia produtiva
com o aventureirismo especulativo financeiro o crescimento do
desemprego por toda a parte numa escala assustadora, e a misria
humana a ele associada. Esperar uma soluo feliz para esses
problemas vinda das operaes de resgate do Estado capitalista seria
uma grande iluso. (MSZROS, 2009 p. 25)
Em sua obra, Mszros faz referncia a outro grande problema para o sistema
capitalista global. Trata-se da inadimplncia dos EUA, ou seja, a possibilidade deste
pas no conseguir honrar suas dvidas, afirmao que ele tem feito j h alguns anos8.
Segundo o autor, existem duas certezas diante dessa situao, a de que a inadimplncia
dos Estados Unidos afetar a vida de todos no nosso planeta, e a de que a hegemonia
dos Estados Unidos continuar, e ser afirmada de todas as formas possveis e far com
que todos paguem suas dvidas:
O agravante da realidade hoje, que o resto do mundo tem cada vez
mais dificuldades para preencher o buraco negro produzido numa
escala sempre crescente pelo insacivel apetite dos Estados Unidos
por financiamento da dvida mesmo com a macia contribuio
chinesa, historicamente irnica, para a balana do Tesouro norte-
americano-, como demonstrado pelas repercusses globais da recente
crise hipotecria e bancria norte-americana. (MSZROS, 2009,
p.27)
Mszros (2009, p. 27) discorre ainda sobre a proximidade do calote dos Estados
Unidos:
A verdade dessa matria perturbante que pode no haver caminho de
volta para essas contradies essencialmente suicidas contradies
que so inseparveis do imperativo da infindvel expanso do capital
a todo custo, confundindo de forma arbitrria e mistificadora com
crescimento como tal sem a mudana radical do nosso modo de
reproduo sociometablica.
8 Referncia a A crise atual, em Para Alm do Capital de Stvn Mzaros, 1995.
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E essa transformao no modo de produo deve ser realizada atravs de
prticas responsveis e racionais, orientada primordialmente pela necessidade humana e
no mais pelo degradante lucro. Mszros (2009) se refere Marx, dizendo que ele se
torna hoje ainda mais relevante quando diz que apenas uma mudana sistmica radical
proporcionar a esperana e a soluo para o futuro.
Mas a histria da evoluo do capitalismo mostra que nem sempre foi assim. H
pouco tempo atrs, o capitalismo era bem aceito. Sobre isso, Mszros (2009, p. 48)
escreveu:
[...] o crescimento sem barreiras e a multiplicao do poder do capital,
a irresistvel extenso de seu domnio a todos os aspectos da vida
humana eram fatos proclamados com toda a segurana e amplamente
aceitos. O funcionamento no-problemtico e sem distrbios das
estruturas capitalistas de poder era tomado como certo e declarado
como feio permanente da prpria vida humana[...].
Complementa ainda que quem desacreditasse ou colocasse em dvida essas
afirmaes, costumava ser desqualificado pela sociedade hegemnica burguesa, e era
tachado como idelogo. Porm, a poca da crise chegou tambm para o capitalismo. A
dominao e a expanso sem limites esto encontrando resistncias em toda parte, a
degradao do meio ambiente por conta da explorao irresponsvel em nome do
crescimento capitalista, a crise estrutural na educao que j vem ocorrendo h anos, e a
desintegrao da famlia que aos poucos se dissolve diante dos diversos conflitos
sociais, como exemplo, o nmero cada vez maior de desemprego, inclusive de pessoas
com alta qualificao, so algumas evidncias de que o capitalismo est em franco
declnio, comprometendo o status quo social.
Mszros, com base nas palavras de Isaac Deutscher9 reitera que:
Num mundo constitudo por uma multiplicidade de sistemas sociais
conflitantes e em mtua interao em contraste com o mundo
fantasioso das escaladas e desescaladas dos tabuleiros de xadrez, o
precrio status quo global caminha por certo para a ruptura.
(MSZAROS, 2009, p.48)
Alm disso, o capitalismo conta tambm com outra contradio, o fato de no se
conseguir separar o avano e a destruio, em sua busca por lucratividade, custe o que
custar e o progresso sempre vem acompanhado de desperdcios que afetam toda a
humanidade. Sobre essa destruio temos:
9 Referncia obra de Isaac Deutscher, The Unifished Revolution (Oxford, Universidade Oxford, 1967),
p.110-4 [Ed.bras.: A Revoluo inacabada: Rssia 1917-1967, So Paulo, Civilizao Brasileira,1968.]
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Quanto mais o sistema destrava os poderes da produtividade, mais
libera os poderes da destruio; e quanto mais dilata o volume da
produo, tanto mais tem de sepultar tudo sob montanhas de lixo
asfixiante. O conceito de economia radicalmente incompatvel com a
economia da produo do capital, que necessariamente causa um
duplo malefcio, primeiro por usar com desperdcio voraz os limitados
recursos do nosso planeta, o que posteriormente agravado pela
poluio e pelo envenenamento do meio ambiente humano,
decorrentes da produo em massa de lixo e afluentes. (MSZAROS,
2009, p.73)
Na verdade, para o autor, a ruptura coisa certa, a questo de que forma ela
acontecer e a resposta a essa pergunta, depender da capacidade das sociedades em
criar mecanismos que garantam assegurar a transio para uma sociedade socialista, na
qual a humanidade possa encontrar a unidade que necessita para sua simples
sobrevivncia (MSZROS, 2009, p.48).
A sociedade contempornea est enfrentando srios problemas, principalmente
relacionados s desigualdades ocasionadas pelo modo de produo capitalista, processo
em que se utiliza da mundializao do capital para cada vez mais conseguir a
hegemonia de cultura dos poucos pases dominantes sobre um turbilho de outros
pases, uma vez que a desigualdade entre as naes se materializa por meio do controle
mundial, inclusive de forma repressiva. Nesse contexto, difcil fragmentar o processo
de mundializao da economia, cultura e educao, dos processos de gesto pblica
entre os pases, posto que todos esto interligados e dependentes uns dos outros na
dinmica do capitalismo.
1.2 Educao bsica e as relaes entre os governos nacionais e internacionais
Evidenciamos at aqui que os pases esto interligados de alguma maneira
devido ao processo de mundializao do capital, que vem ocorrendo de forma contnua.
A educao dos pases no foge a essa regra, pois se constata que atualmente no se d
nem mesmo um passo adiante sem que se tenha em vista as metas educativas universais,
uma vez que tais metas so periodicamente revistas, reestabelecidas e avaliadas em
nvel mundial.
No campo educacional, principalmente no que diz respeito educao bsica, as
relaes entre os governos nacionais e internacionais se d por meio de compromissos
assumidos em encontros e conferncias mundiais e regionais, ocasies em que so
delineadas as aes e estratgias educativas que os pases devem adotar.
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Antes da discusso sobre esses encontros e conferncias, necessrio
apresentarmos alguns organismos multilaterais do capital, tais como a Organizao das
Naes Unidas (ONU), que com suas agncias como a Organizao das Naes Unidas
para a Educao, Cincia e a Cultura (UNESCO), criadas no sentido de promover a paz
mundial e o bem estar comum da humanidade (MELO, 2004, p.176), e especialmente o
Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), posto que so os
organizadores e os principais financiadores desses encontros que influenciam no
direcionamento das polticas sociais, dentre elas as polticas educacionais dos pases do
mundo todo.
A criao do FMI e do BM ocorreu em 1945 atravs dos acordos de Bretton
Woods, que buscavam no perodo ps-segunda guerra mundial consolidar a hegemonia
dos Estados Unidos por meio da reconstruo e desenvolvimento dos pases derrotados.
A materialidade do acordo de Bretton Woods, bem como da criao desses organismos,
reside na busca de recomposio da crise capitalista da dcada de 1930, inicialmente
contornada pela rediviso internacional do trabalho, por meio da II Guerra Mundial que
torna lder os EUA. Posteriormente, o padro taylorista-fordista e o Estado de Bem-
estar social vieram a compor esta estratgia de recomposio.
Inicialmente cabia ao FMI as polticas monetrias, fiscal e o monitoramento da
dvida externa dos pases europeus. O BM se responsabilizaria pelos emprstimos para a
infraestrutura, gastos pblicos, polticas de preo e aperfeioamento da eficincia de uso
dos recursos pelos pases tomadores de emprstimos. A partir da dcada de 1950, com a
emergncia da Guerra Fria, houve a necessidade de assistncia econmica, poltica e
militar aos pases do Terceiro Mundo. S ento que o Banco Mundial adquiriu o perfil
hoje conhecido de um banco voltado para o financiamento dos assim denominados
pases em desenvolvimento (SOARES, 2003).
No ano de 1968, Robert S. MacNamara, um dos mais importantes formuladores
da poltica externa dos EUA, assumiu a presidncia do BM e sua gesto se caracterizou
por tentar ganhar os pases em desenvolvimento para o capitalismo, sob o discurso da
preocupao com a pobreza. No difcil imaginar que a real inteno dos emprstimos
aos pases que jamais poderiam saldar suas dvidas, s poderia ser a possibilidade de
control-los. Porm, nos anos 1970, o BM perde importncia novamente no cenrio
mundial devido ao crescimento do crdito bancrio privado, pois os recursos
provenientes dos petrodlares levam os bancos a oferecer crditos em condies
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facilitadas para os pases em desenvolvimento, superando em pouco tempo o volume de
emprstimos oferecidos pelo BM. (SOARES, 2003).
Nos anos 1980 eclode a crise do endividamento dos pases latino-americanos,
causando uma instabilidade no mercado internacional. Esse acontecimento abre espao
para uma ampla transformao do papel que o conjunto de organismos multilaterais
vinha desempenhando, e especialmente o BM ganha novamente importncia estratgica
na reestruturao econmica desses pases e:
[...] De um banco de desenvolvimento, indutor de investimentos, o
Banco Mundial tornou-se o guardio dos interesses dos grandes
credores internacionais, responsvel por assegurar o pagamento da
dvida externa e por empreender a reestruturao e abertura dessas
economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado.
(SOARES, 2003, p. 20 e 21)
Devido vulnerabilidade dos pases endividados, no foi difcil o Banco
Mundial atingir seu objetivo de controle, pois passou a ser a nica fonte de recursos
externos, uma vez que os bancos privados haviam interrompido os emprstimos a esses
pases, a forma de controle utilizada foi exatamente a imposio de condies para a
concesso dos emprstimos, passando assim a influenciar o conjunto das polticas
domsticas e at na legislao dos pases.
Os espaos em que se delineiam tais estratgias so os encontros e conferncias
mundiais para as discusses e definies de como devem seguir as polticas de diversos
pases, inclusive do Brasil. Alguns exemplos sero abordados aqui, tais como: A
Conferncia Mundial de Educao para Todos em Jomtien (UNESCO, 1998a), na
Tailndia - 1990, a Decl