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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de
Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital
VANESSA FERNANDES
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-
CRIMINAIS
LISBOA
2017
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de
Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital
VANESSA FERNANDES
Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de
Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de
Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa
Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-
CRIMINAIS
LISBOA
2017
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Aos meus avoacutes
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A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo
Harvard
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SIGLAS E ABREVIATURAS
AAVV Autores vaacuterios
ADN Aacutecido Desoxirribonucleico
al Aliacutenea
artordm arts artigo artigos
CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
cf cfr confira confronte
CP Coacutedigo Penal
CPP Coacutedigo de Processo Penal
CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
EUA Estados Unidos da Ameacuterica
FBI Federal Bureau of Investigation
HTC Hit the Cell
ie id est (isto eacute)
ID Identity
MMS Multimedia Messaging Service
MP Ministeacuterio Puacuteblico
nordm nos nuacutemero nuacutemeros
NSA National Security Agency
OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico
PIN Personal Identification Number
pp Paacuteginas
RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000
seacutec Seacuteculo
SMS Short Message Service
StPO Strafprozessordnung
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
v Versus
vg verbi gratia (por exemplo)
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RESUMO
A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por
palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de
documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos
seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no
sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos
dos seus dispositivos electroacutenicos
No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo
vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a
niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta
capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade
de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos
probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo
instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico
No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo
resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na
investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em
colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar
constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo
situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam
contribuir para a sua incriminaccedilatildeo
Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a
uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo
actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de
igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a
revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu
smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este
trabalho sugere que sim veremos porquecirc
Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital
autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova
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ABSTRACT
The implementation of encryption technology on smartphones such as password or
fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and
personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password
or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the
contents of his electronic device
However with these advantages come unforeseen legal implications Currently
smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not
only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate
data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of
evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the
pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device
is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to
collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo
tenetur se ipsum accusare
The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an
involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is
constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in
which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his
incrimination
But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an
alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard
highly private and personal information and both are equally deserving of protection
from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to
provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants
privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why
Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination
exclusionary rules
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INTRODUCcedilAtildeO
Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute
exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se
encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido
destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o
acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone
Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e
teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia
geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de
colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas
compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha
compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem
duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar
que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina
internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste
sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da
investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano
Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente
de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela
inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo
criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo
Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades
judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute
necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees
digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional
De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos
nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de
acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de
sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos
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de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam
peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo
importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de
complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de
trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados
para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles
dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o
desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal
Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da
sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por
intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as
dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao
grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos
dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a
investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo
afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a
investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do
arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal
colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de
centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar
se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido
de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu
smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo
por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha
faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por
parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua
palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da
desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e
perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-
americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio
nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal
portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo
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praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de
desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a
apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)
Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um
ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-
se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra
protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro
capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de
encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos
existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder
ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o
arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o
seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da
palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo
digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda
cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo
deste princiacutepio constitucional
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CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-
americana
Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger
ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente
armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta
tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones
Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento
de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails
fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para
aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros
possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica
preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente
os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1
Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos
electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados
biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a
privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de
outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo
reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o
coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos
Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a
questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu
dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados
biomeacutetricos
Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que
faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana
1 Oliveira Silva 2015 735
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11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2
No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach
Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado
e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3
A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo
de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi
colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de
Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no
entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4
Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido
sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto
para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido
No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi
recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de
gravaccedilatildeo flash drives e um computador
Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do
segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao
conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava
protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou
uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que
desencriptam o smartphone
A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido
a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)
2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em
httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-
rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em
22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-
breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]
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A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o
pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido
de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir
o arguido a fornecer a sua palavra-passe
No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar
a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o
seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo
criminalrdquo7
A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o
juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido
cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de
uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria
(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas
para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da
impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo
requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da
impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz
Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a
revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de
compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8
Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a
lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital
como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais
Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo
comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone
eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido
lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de
6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-
conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-
phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having
to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles
Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-
fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente
Dissertaccedilatildeo
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caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o
arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para
compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para
compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9
Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a
sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso
ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse
das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade
eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso
O arguido foi absolvido por falta de provas
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11
No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030
e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200
encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado
Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia
a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou
um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou
fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem
Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia
de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu
ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima
numa loja de penhores
9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry
The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental
processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the
Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to
lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a
fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the
fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo
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No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de
SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido
foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo
relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram
recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone
Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no
local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e
apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um
mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone
de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective
Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo
Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a
desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde
depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal
de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida
pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo
entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta
Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de
Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia
e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser
penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as
autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o
acesso a todos os seus conteuacutedos
Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew
Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau
ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo
esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em
iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade
ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de
sistema Android
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O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto
em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima
O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio
contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu
smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas
autoincriminatoacuterias
O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew
Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido
de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou
comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um
smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees
digitais
Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso
apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district
court)
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12
No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos
da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi
condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado
as acusaccedilotildees13
Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois
de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a
cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades
policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que
fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de
permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava
protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe
12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo
25
Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave
tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar
Bkhchadzhyan
Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje
desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia
pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro
de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por
perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees
atraveacutes de pirataria informaacutetica
No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a
pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do
iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de
2016rdquo16
Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan
a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se
infrutiacutefero17
Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das
impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho
usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan
recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu
Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar
Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar
14 Mandado de 9 de Maio de 2016
No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades
judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca
15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-
up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person
covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California
91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016]
26
a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda
autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem
compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees
digitais
Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela
advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No
memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao
pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees
digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante
a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de
dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se
encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo
acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20
No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa
uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo
digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada
durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser
encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos
aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo
o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros
dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21
Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se
encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da
18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-
demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant
which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the
SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law
enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente
dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or
indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause
that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and
maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords
encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1
Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-
force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]
27
impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo
entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de
Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras
produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma
palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e
sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade
de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu
utilizador torna-se extremamente difiacutecil
Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns
limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do
iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem
ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da
palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear
Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e
a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes
da leitura das suas impressotildees digitais
O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo
viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
15 Conclusotildees intermeacutedias
Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a
palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um
lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se
tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de
protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo
Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees
chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela
Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-
demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]
28
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados
Unidos da Ameacuterica
Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo
da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao
princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no
sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o
arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo
Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda
ajudar-nos-aacute a obter uma resposta
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte
ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por
denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo
de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia
quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas
vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute
obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade
ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada
para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase
ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo
211 Requisitos da Quinta Emenda
Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum
accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode
23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment
or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when
in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to
be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property
be taken for public use without just compensationrdquo
29
ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que
recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos
sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute
igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do
ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si
proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e
judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em
desobediecircncia26
No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja
reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que
sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos
distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes
requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o
arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou
comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do
fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades
judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo
24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official
questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might
incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of
every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial
Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v
California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml
[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from
him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would
forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we
need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited
whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo
Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States
30
pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na
sua incriminaccedilatildeo32
Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio
do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre
esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo
digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees
2111 Coacccedilatildeo (compulsion)
Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma
pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum
tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a
afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar
perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34
Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e
esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36
Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana
jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees
do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)
No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio
que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os
v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em
24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo
natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v
United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em
24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States
v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado
em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a
31
tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco
substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma
acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo
do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido
incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo
se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro
seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo
poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no
sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto
impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem
palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)
Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais
cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que
resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode
ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados
substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos
definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de
ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos
Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no
entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos
conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the
chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States
1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em
24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v
Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059
[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml
[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer
2015 26 45 AllenMace 2004 267-268
32
desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de
factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute
perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o
roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o
paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda
quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a
comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47
No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica
definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou
implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No
entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver
igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o
Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado
a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula
de Autoincriminaccedilatildeordquo50
Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando
as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu
computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe
seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria
considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora
da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o
tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco
riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente
46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201
[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of
his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)
Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-
courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]
33
caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal
acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar
(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador
Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua
grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a
desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma
vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55
Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta
temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo
jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo
eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan
Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o
governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao
arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta
Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da
palavra-passerdquo59
Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)
importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou
por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua
vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O
54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the
suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in
naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015
413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-
fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant
enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it
would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014
2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-
state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado
em 28112016]
34
primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v
United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a
testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta
Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi
expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do
arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar
expirado
No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher
uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada
com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido
por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65
O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-
testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e
de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue
urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto
porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de
conhecimento68
60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition
of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body
as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute
violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise
provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605
[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States
v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado
em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-
casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355
35
Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a
Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou
atributos identificadores70
Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-
americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila
entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside
no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo
natildeo71
Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de
smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta
sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como
declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)
Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes
da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em
consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada
pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de
considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)
No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de
encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem
ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert
Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente
agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na
cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo
ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute
preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido
uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de
69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law
enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016
2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-
storyhtml [consultado em 28112016]
36
terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute
contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento
da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados
biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que
os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento
George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude
com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar
na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm
autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante
uma actividade criminosardquo75
Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela
jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a
necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem
que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido
detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77
com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local
do crime
212 Limites da Quinta Emenda
Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as
entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho
incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim
os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora
73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for
the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your
knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em
httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-
with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means
therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em
httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em
28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-
132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]
37
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas
fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse
imunidade ao arguido79
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)
Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo
conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende
compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave
sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou
nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta
Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto
nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera
independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial
evidence)
A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo
da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu
conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova
pelo arguido c) a autenticidade da prova82
Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o
Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de
impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que
a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o
contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo
simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85
78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo
conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a
informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone
conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by
conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203
38
A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma
justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86
Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87
para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o
governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88
mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram
encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo
compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90
a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United
States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94
Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o
arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base
na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por
parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute
eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o
fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel
natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96
86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v
David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em
httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]
Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-
court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em
httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-
circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em
28112016] 96 Wilson 2015 26
39
2122 Imunidade (immunity)
Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como
tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de
incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao
suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas
perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo
concedido pela Quinta Emenda98
A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo
e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo
responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar
tal violaccedilatildeo
Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo
dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima
anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar
pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito
de obter coactivamente determinadas provas99
O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a
testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem
(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra
informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100
No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade
deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute
provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de
imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102
97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-
incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information
directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in
any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83
40
consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas
deste103
Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a
tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve
conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras
proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer
outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar
qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido
numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte
legiacutetima e independente do testemunho compelido105
Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e
que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva
comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo
prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106
3 Conclusotildees intermeacutedias
Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-
americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de
prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido
contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)
coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas
Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo
do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro
103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
29112016] 106 Soares 2012 2007
41
requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute
relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de
que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido
eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que
a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser
compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a
colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo
Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da
Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo
de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando
a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um
conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros
que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone
conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido
Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da
palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo
digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre
saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos
jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional
42
43
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS
Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute
resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido
No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o
ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de
estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal
Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do
problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede
de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal
eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados
no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de
acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo
problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado
por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo
mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo
eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos
devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do
smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido
legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha
feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece
loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado
se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do
aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que
discorreremos nas proacuteximas paacuteginas
1 Os smartphones e a prova digital
Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se
regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada
44
assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado
igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica
O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela
sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso
no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda
assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior
inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque
o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova
em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros
procedimentos
Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta
da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha
de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e
recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo
125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as
provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de
cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo
de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo
admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da
legalidade e objectividade108
A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de
informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou
digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a
informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou
remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que
seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital
seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que
estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista
107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova
pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9
45
mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a
informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente
numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e
traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112
Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um
forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que
um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se
trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser
apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a
rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos
fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115
Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar
que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave
ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com
a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos
de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre
outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos
pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)
Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua
capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os
investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma
investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de
seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute
significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo
de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail
fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas
112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz
chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a
panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio
leitor de muacutesica mapa entre outras
46
histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as
redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees
geograacuteficas entre outras119
Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone
podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais
de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de
imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a
intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do
histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de
suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a
praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios
dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos
Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os
investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser
considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade
de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova
armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo
e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados
Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de
Setembro de 2009
2 A Lei do Cibercrime
Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime
No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios
causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da
publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde
15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o
Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da
119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas
de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e
os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos
processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por
uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute
compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel
47
Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica
nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o
direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de
Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo
Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre
disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria
penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo
desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais
nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de
dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a
dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados
informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees
(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional
(artigos 20ordm a 26ordm)
Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo
o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da
Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto
sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121
independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes
sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)
Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito
probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre
cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas
nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional
e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados
ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento
automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto
de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles
dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm
da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre
o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de
informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre
dados informaacuteticos)
48
correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica
em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122
Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do
Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave
recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a
quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute
caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso
a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na
aliacutenea c) do seu artigo 11ordm
Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve
anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados
informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo
de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)
No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede
de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e
a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores
da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos
incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails
contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento
destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum
tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos
gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados
informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto
mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo
electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos
em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos
No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista
no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser
122 Mesquita 2010 98
49
emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre
determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa
ou que permita o acesso aos mesmos123
No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o
nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo
Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados
relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que
natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em
maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais
adiante no nosso estudo
As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida
com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que
dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar
a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do
smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a
colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela
O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio
criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo
criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional
mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as
entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo
de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124
armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente
autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema
informaacutetico125
Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2
do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem
tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou
123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados
informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser
pesquisados 125 Rodrigues 2010 446
50
altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia
criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria
devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo
semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos
3 e 4 do artigo 15ordm)
Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal
executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro
sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados
satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo
15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou
lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1
e 2 do artigo 15ordm da citada lei126
No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado
com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio
ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros
estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei
do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob
uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os
programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a
pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias
deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime
Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do
Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave
autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos
dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de
outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem
necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127
126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451
51
No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa
(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal
levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da
autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade
judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se
durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz
de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no
despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo
apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da
Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria
no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de
intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo
dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados
pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de
terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa
a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou
aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos
tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades
legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129
Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime
que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime
natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em
mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas
tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo
sobre o Cibercrime
O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de
correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem
armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa
128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741
52
informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a
apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova130
Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui
um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute
ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de
prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma
pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido
regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que
ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema
informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que
seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico
ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar
por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo
Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende
que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com
pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave
nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm
do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito
mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea
a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo
se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos
constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de
130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102
53
ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees
apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo
179ordmrdquo132
Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos
distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das
mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm
1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o
juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia
apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo
de Processo Penal)
Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a
apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a
existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro
Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria
de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas
realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais
mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e
junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails
SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133
Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar
que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema
que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a
eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone
e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees
fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto
De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja
validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre
dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744
54
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de
telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos
validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC
Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a
apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm
da Lei do Cibercrimerdquo134
No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu
destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das
mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo
judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135
Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo
provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia
encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)
ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta
apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do
despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o
correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo
a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais
Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a
primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja
quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica
das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o
primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de
texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa
134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d
OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016]
55
mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia
da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-
mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente
determinantes para a provardquo137
Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o
proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz
mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute
ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por
uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as
mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem
encontrados no decurso de pesquisas
Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao
remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de
Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees
Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela
jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou
determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como
determinante para a prova sob pena de nulidade
Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo
concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute
aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades
judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de
multimeacutedia armazenados num smartphone
137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua
apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de
informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo
relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca
haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]
apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um
juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745
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3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal
Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees
de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime
da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a
aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees
A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no
Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte
digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime
para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento
juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue
a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime
aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato
para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico
- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal
na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140
Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi
no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo
17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de
texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo
16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias
gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)
armazenados em smartphones
4 Conclusotildees intermeacutedias
Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder
agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a
apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo
portuguesa
140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm
1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal
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Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de
prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por
um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito
de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital
previsto no Coacutedigo de Processo Penal
No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone
para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira
instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada
pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em
ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de
apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade
de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos
Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados
ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de
dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo
de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias
viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria
para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que
autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)
Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta
apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia
sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio
pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem
consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo
Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia
cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
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deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio
electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do
Cibercrime)
Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros
electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No
entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o
acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone
Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios
armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por
parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute
sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida
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CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves
autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de
obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo
raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros
guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de
aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo
criminal torna-se mais complexa
Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos
smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe
alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os
casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o
elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da
encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar
No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o
fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade
informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142
A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos
os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o
apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente
criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda
pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto
essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute
divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas
negociaccedilotildees
142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits
of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets
Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109
60
Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou
de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade
digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade
e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146
O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo
tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto
profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute
sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash
digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os
telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar
que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo
que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua
privacidade
Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de
condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de
participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta
forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado
momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de
caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o
escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana
Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas
informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de
comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150
No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade
moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas
dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente
encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes
terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada
146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21
61
Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios
electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar
teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de
desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital
de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila
da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se
que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende
manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se
encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones
O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo
recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de
alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como
encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores
diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e
amantes ao longo do tempo152
Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas
de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo
passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com
variados propoacutesitos153
21 Noccedilatildeo
A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer
informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154
No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)
para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode
ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de
encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute
codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra
151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141
62
numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna
consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a
encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando
impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros
e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do
modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para
terceiros ndash governo ou particulares
Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio
de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas
de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo
escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo
definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada
em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o
processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160
22 Funcionalidades
Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos
a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo
e) e o ldquociphertextrdquo162
A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo
de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo
pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo
electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes
criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros
fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila
baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a
terceiros natildeo autorizados
157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512
63
Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de
privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como
a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a
implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma
medida de seguranccedila e privacidade164
A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa
investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave
encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para
evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro
de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara
tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos
Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo
encriptados167
Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas
informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens
De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque
a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e
ldquobackdoorsrdquo168
Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao
smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de
diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da
combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser
mais ou menos demorado
A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a
tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas
para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante
164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-
store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you
have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em
httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold
[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19
64
anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo
seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-
reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo
Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo
As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio
de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como
brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao
dispositivo sem a necessidade de desencriptar171
Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que
a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um
ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que
criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre
os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades
judiciaacuterias172
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones
Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones
muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou
de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores
distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou
um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-
passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital
a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante
seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade
170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a
backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em
determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um
aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-
idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]
Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante
qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione
una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una
caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454
65
Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado
podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe
e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos
ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)
reconhecimento de voz175
Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o
dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse
motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo
implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder
ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos
(quer simultacircnea quer separadamente)
Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a
impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e
desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo
231 Palavra-passe
A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem
como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no
smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-
passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177
Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma
variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo
da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da
encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis
ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente
seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de
programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-
passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-
passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139
175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153
66
biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para
conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio
do proprietaacuterio
A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6
diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais
complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de
apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-
passe alfanumeacuterica
Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple
a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo
de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No
entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos
com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades
para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de
chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a
esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades
judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no
smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo
Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema
de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones
mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de
encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de
seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo
da palavra-passe182
De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de
smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como
tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens
O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais
179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-
passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]
67
O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo
exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os
ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de
criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua
memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de
palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso
profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o
utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de
alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a
memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte
do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis
Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe
longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe
curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes
de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado
que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares
para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para
evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num
papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a
seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente
autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone
O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a
sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem
qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute
incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente
(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome
183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
12122016]
68
conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu
poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone
Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa
a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
232 Biometria
Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que
permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria
A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892
o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees
digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave
biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto
como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189
A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as
propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a
seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190
Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel
e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de
determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia
biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas
suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise
188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-
repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-
recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova
vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della
sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como
ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf
OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-
ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec
ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]
69
estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of
biometricsrdquo193
As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais
utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos
No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas
a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo
da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194
A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o
registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma
amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de
impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra
satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma
subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da
amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave
semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo
igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo
biomeacutetrico fornecido anteriormente
Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas
apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de
identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na
tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197
193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche
biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la
verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il
rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora
Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera
lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72
70
No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua
identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que
apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e
comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada
nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala
ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198
Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra
relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na
encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser
aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra
biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo
registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo
digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso
natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de
salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de
smartphones199
Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na
encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as
vantagens destes meacutetodos
Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da
utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de
memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer
processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais
198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years
Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique
ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices
have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo
Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]
71
do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de
memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica
Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas
deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de
serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a
possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos
Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a
dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por
biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de
terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de
partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo
de um determinado smartphone204
Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo
tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave
biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205
Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de
memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar
constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador
precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em
meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave
conveniecircncia do meacutetodo207
201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707
[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the
market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have
fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs
e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf
Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]
72
A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer
tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua
natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de
seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone
Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de
encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste
meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de
impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital
e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados
pessoais210
Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo
de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos
casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam
diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular
eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por
fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais
utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a
autenticaccedilatildeo
Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa
que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico
eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo
dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das
vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma
reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a
possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo
208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are
alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one
enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf
Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 14122016]
73
digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital
para aceder a um smartphone214
E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma
das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel
Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo
seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a
impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone
na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de
acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216
No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees
digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens
notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador
tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da
impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma
leitura bem-sucedida217
Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os
elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final
do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado
um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar
que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de
dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de
desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas
213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little
more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos
Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf
Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-
hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em
14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]
74
tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones
tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de
ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado
Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-
se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de
analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos
ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves
particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID
A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos
dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da
introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou
notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte
dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que
autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o
utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o
facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe
para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado
como uma alternativa menos incoacutemoda221
A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de
hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue
captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em
pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas
impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma
representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais
anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital
219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision
It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual
details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in
ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on
iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]
75
fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado
automaticamente223
Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo
escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4
ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais
O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o
acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes
das aplicaccedilotildees instaladas225
Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da
aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID
O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo
apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que
funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado
de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este
processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo
matemaacutetica registada
O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no
A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o
propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no
smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave
apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema
operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a
iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas
223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-
down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-
will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-
fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]
76
Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a
introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado
b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo
natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou
apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees
do Touch ID
3 Conclusotildees intermeacutedias
Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave
constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade
actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os
seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos
tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares
como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a
encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje
em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por
parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231
Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito
de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a
impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia
encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo
encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades
judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo
lugar a claras desvantagens
Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas
complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas
mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as
autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados
num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que
230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]
77
entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em
pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o
direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
78
79
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
1 Colocaccedilatildeo do problema
Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente
adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como
tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-
americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo
Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em
especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto
porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente
do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os
suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo
pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente
ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone
encriptado
Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o
acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o
processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja
porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de
nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe
ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-
force attacks235
Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos
necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo
232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um
possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo
virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de
outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias
2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208
80
despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que
as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236
Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser
bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o
suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo
Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir
aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237
Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238
No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a
impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo
armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees
quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o
princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma
divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido
ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o
smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido
ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem
violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo
processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239
Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas
situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo
sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare
236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403
[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92
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2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec
XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo
o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de
que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa
evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades
puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do
modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico
Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do
arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional
numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito
direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade
de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou
por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243
A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo
tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee
que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria
defesa245
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo
deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que
o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua
proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou
240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado
em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18
Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf
[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser
fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios
de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da
culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121
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elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que
do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis
no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal
de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto
da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de
verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como
presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este
deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual
a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa
Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios
que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra
a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na
investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de
comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo
nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma
determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a
colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que
lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila
246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b
OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal
da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam
ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou
ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de
30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46
OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146
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do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio
eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu
turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido
seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo
autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais
longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do
nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255
21 Consagraccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees
dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei
fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio
ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de
protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do
Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como
princiacutepio essencial do processo penal
De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos
Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em
plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar
contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo
Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado
natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute
presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido
contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de
adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da
Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum
252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20
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accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do
arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo
o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de
prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade
deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido
estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada
no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente
na ordem juriacutedica interna259
Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de
outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo
espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262
a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e
italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa
Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do
arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito
ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a
jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo
unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como
258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute
obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra
si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual
ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades
responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o
suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa
ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante
essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur
se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo
penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em
18012017]
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quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare
como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266
No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo
expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido
(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267
Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial
em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo
responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem
imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao
silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem
recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido
como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a
responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo
penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve
ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante
as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de
as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8
do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao
silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271
265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e
articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de
deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr
artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo
de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou
ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o
arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos
141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu
silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido
ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser
interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187
86
Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito
ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na
doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em
sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista
abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se
encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser
obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A
maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante
ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute
solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo
teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos
meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam
postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses
expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos
cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-
passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou
gestuais275
Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do
arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que
toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em
sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de
julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca
da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do
Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)
272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo
do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a
garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o
suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio
utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263
87
Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de
exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo
172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo
facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante
22 Fundamentos juriacutedicos
Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu
fundamento e conteuacutedo
Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies
distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente
substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279
Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento
deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam
directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem
aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280
Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais
reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do
processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados
respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281
Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos
fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa
278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em
18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125
88
Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou
forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu
fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade
humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado
de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente
processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os
direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283
A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir
que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa
asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como
sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se
harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285
Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias
processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se
de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm
4 do artigo 20ordm da CRP286
No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia
Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de
natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais
poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na
decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do
direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees
justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288
282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24
89
23 Limitaccedilotildees
No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos
do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos
liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure
ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290
De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de
assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao
inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar
ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo
criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de
prova292293
Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do
arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja
sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no
exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja
tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira
mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido
289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte
de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto
2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]
encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa
investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de
prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira
Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer
que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas
coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e
probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer
forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a
descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado
de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico
da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz
esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de
alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf
Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades
judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28
90
natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da
verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu
direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296
Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal
natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a
doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves
perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com
verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de
realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a
obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando
ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de
Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do
consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298
No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido
ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo
ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de
realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido
mesmo contra a sua vontade)rdquo299
Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o
arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes
das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu
corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias
de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300
Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -
a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da
palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave
conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo
296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439
91
digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer
prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da
impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das
anteriores
Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer
uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves
diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser
considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados
termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio
de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova
especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem
proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da
justiccedila301
Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que
o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente
ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos
meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm
3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de
prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que
impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com
o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova
instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a
contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303
A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita
medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto
301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17
92
agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da
prisatildeo preventiva304
Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente
previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes
do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)
O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo
no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos
factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia
surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela
decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou
apreciaccedilatildeo dos factos305
No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo
que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu
objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir
meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou
pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua
apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia
ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de
quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo
juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de
decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem
se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees
que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela
ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia
comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas
e experimentadasrdquo307
304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de
Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-
consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261
93
Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova
como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal
em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308
No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar
ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao
lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm
1 do artigo 171ordm do CPP)309
O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios
(vg dactiloscopia310)
Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que
ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se
na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia
de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o
pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se
permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila
do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)
Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais
conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo
avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija
especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija
conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311
Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um
lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as
qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente
em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida
308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por
teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o
estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em
cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434
94
poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer
ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um
verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312
Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir
que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana
Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e
nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-
nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um
smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais
(exame) suficiente para o seu desbloqueio
A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no
Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia
usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software
alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de
alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da
impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido
seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo
Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da
coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso
estaremos perante uma periacutecia ou um exame
Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser
considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem
uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia
312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira
2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser
classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais
(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em
orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes
entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases
explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e
plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435
95
de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar
o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-
passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou
declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes
da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de
prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas
anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se
restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -
proferidas pelo arguido
No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona
de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu
estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta
deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no
acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta
ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo
coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a
sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se
traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317
Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido
ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado
podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para
a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave
questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
nesta situaccedilatildeo
Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete
socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura
315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num
caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma
diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22
96
da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare
Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios
apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa
revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o
efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira
entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente
imposta permitida318
Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido
diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido
Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila
de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo
espiritual da sua parte319
Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino
Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi
condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime
de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns
(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers
Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem
318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
97
sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara
sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo
administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que
violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2
do artigo 6ordm da CEDH321
O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)
ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua
argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar
provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas
coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito
estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo
2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula
que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal
como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes
contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo
em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja
ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas
321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the
right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter
alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing
to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the
above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22
para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal
case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of
coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the
presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do
Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an
accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties
to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which
may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence
independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath
blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo
Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
98
amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente
portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de
investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
ou a natildeo se confessar culpado326
O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como
previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre
as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo
tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia
da vontade do arguido
Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino
Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v
Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo
do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo
considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela
vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo
colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em
que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332
Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-
autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para
entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente
autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da
325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-
5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em
25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773
99
vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue
ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333
No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou
em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende
ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido
em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos
que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam
independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora
nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de
ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o
privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova
de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo
incriminadorardquo335
Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-
americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente
investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se
em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos
A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como
vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo
(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos
circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo336
333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio
da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste
sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel
em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a
OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de
2015 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9
OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e
OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376
100
Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz
menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao
inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da
mente do arguidordquo337
Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas
integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova
incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua
mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave
subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo
do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para
que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente
Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir
pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur
Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou
a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou
natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia
e independecircncia da vontade do arguido
No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um
smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe
e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute
um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339
337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind
of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman
2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]
Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe
alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do
arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do
defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido
ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf
United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]
101
O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone
seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade
Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua
mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada
pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340
Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que
modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto
porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar
algo sobre o qual tenha conhecimento342
Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do
arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um
lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de
uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da
doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343
Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico
que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no
dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua
desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do
arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo
ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe
contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States
1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em
26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-
fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption
password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do
defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are
not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be
compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to
a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State
of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
102
do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa
dependecircncia da sua vontade
Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute
aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende
obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias
Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade
do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela
jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta
tese
De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -
defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar
declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham
obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente
da vontade do sujeitordquo346
Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare
permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija
a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo
praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute
desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348
Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes
do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma
qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo
sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71
103
modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular
desse corpo pretende calar349
Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave
apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e
internacionais
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva
O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da
doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo
com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente
para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo
seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e
comprovaccedilatildeo do crime imputado
No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como
criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo
(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de
toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa
(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina
tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa
(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare352
Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta
activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se
lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria
qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando
assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353
A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a
liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por
349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112
104
contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a
autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com
o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos
casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe
o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354
Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as
autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as
investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o
seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova
da sua culpabilidade355
Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece
acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da
recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo
dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf
instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo
do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais
comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo
activa com o princiacutepio da legalidade357
Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da
palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas
violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees
incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o
seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave
354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da
actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame
tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute
correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo
coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e
OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128
105
informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir
activamente para a sua incriminaccedilatildeo359
Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por
sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital
possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode
optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de
forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no
sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta
activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva
A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um
exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e
tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente
o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No
entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur
manifesta-se insatisfatoacuterio360
Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil
aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre
actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362
Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria
condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas
tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja
utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que
a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando
compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento
contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas
circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364
359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104
106
Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo
e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo
conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda
que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de
ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou
omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou
uma simples toleracircncia passivardquo365
No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a
mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da
escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas
matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua
incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute
difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o
arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo
tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367
nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um
smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente
incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva
o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a
obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias
Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre
este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional
no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de
realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um
comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368
Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia
passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto
Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando
imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o
365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99
107
Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil
praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre
as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados
seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece
evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de
coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva
urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou
do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo
voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371
Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e
inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser
considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo
admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina
e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao
progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens
A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da
ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare
Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a
priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais
rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em
conflito
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios
Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras
e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria
adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo
entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel
desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente
370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63
108
desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e
nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo
Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente
forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial
enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o
peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da
validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo
que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo
que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a
cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374
Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos
definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo
entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se
isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de
optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de
acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376
Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para
Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra
ou um princiacutepio377
Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e
princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios
e a subsunccedilatildeo nas regras378
De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se
depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e
natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de
princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo
373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode
ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida
constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou
simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348
109
natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy
quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder
perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha
de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379
Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta
distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado
de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros
princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas
constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os
direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo
crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso
concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos
princiacutepios
Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de
resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais
Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o
processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos
responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os
arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito
dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros
valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382
Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio
como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida
Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por
forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar
379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo
de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito
amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo
a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146
110
na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-
se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um
ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo
Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam
seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo
de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua
colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o
referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na
ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na
sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas
pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente
como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes
mais graves387
De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma
posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de
que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos
requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem
compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor
procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389
Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou
compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas
determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo
ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos
383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein
dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or
nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios
colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais
implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e
exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em
conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos
ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer
deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23
111
fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela
teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de
terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo
satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito
fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende
Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave
cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode
acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]
jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um
princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia
constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do
princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392
Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso
concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente
diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das
especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo
No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos
fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido
potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e
qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das
necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a
garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais
Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo
o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens
cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir
obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave
terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais
390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo
consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua
vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por
indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24
112
No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente
ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos
a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)
c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve
aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3
in fine)394
Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos
liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei
Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)
e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)
Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel
a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal
Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal
Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de
zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a
possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a
muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta
jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo
de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada
pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei
da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e
393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando
defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo
Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo
criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho
2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um
criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do
queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau
de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo
da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios
de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]
113
artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa
salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf
parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a
extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm
3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396
Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da
legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso
ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute
desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas
natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para
a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos
factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por
um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do
processo [hellip]rdquo397
4331 Exigecircncia de lei formal
No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser
restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a
primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser
reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que
deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e
densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399
396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553
OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o
Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos
contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem
razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em
obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f
OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128
114
Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada
no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute
pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos
anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo
32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece
claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias
Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental
portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses
defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as
teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica
O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio
a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo
estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes
nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos
constitucionais relativos a esses direitos400
Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no
entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos
consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a
essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da
Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente
autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro
lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites
imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com
imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403
400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]
115
Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra
enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos
com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no
artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da
natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em
segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo
trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa
de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo
abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade
da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no
texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407
Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido
O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias
consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa
fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo
pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408
Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro
direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo
Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a
possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual
colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes
404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391
116
Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir
um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e
adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional
democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409
Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor
digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais
uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia
meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se
os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de
estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso
superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que
mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir
direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos
princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto
independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica
que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees
aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio
para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral
e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee
atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro
meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413
409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da
proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais
soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem
corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor
constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir
que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem
constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]
117
Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave
proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente
do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves
restriccedilotildees de direitos fundamentais414
O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade
de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido
tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)
a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio
menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416
O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas
devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este
subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo
de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o
alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o
responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu
ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um
controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta
forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e
cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para
atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem
as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo
pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo
podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do
chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas
ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se
torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao
legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou
direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes
discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739
118
indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo
deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o
meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma
aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins
pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e
materialmente possiacuteveis
O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que
constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve
recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da
necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou
indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser
utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela
comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam
provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a
desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida
restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e
tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer
outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros
interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute
complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo
concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios
ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425
Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da
justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a
gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria
420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida
pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute
efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que
se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica
idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija
mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458
119
e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito
em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de
ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo
Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a
uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende
que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a
ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi
concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o
controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de
proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee
em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos
benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a
adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo
dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor
pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da
nova medida429
Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o
cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega
mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo
do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto
tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo
426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
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120
necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso
concreto431
4334 Garantia do conteuacutedo essencial
O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste
na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo
pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute
constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave
salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432
Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma
criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e
jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo
constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem
uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes
agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e
teorias relativas
Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo
irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria
absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo
essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem
que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera
que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434
que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser
431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o
meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a
necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure
possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo
entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf
Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial
em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259
121
afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da
dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse
objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social
global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo
pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436
Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da
exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse
exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como
mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437
Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo
de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo
essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que
se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o
meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos
fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma
desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental
apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa
a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens
Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia
uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se
pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo
nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439
A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da
proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira
uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer
hipoacutetese440
435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a
garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias
delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014
396
122
Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no
ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da
necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)
dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice
relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente
de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a
extensatildeo do nuacutecleo essencial
Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um
tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos
direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de
outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima
anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um
resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade
constitucionalrdquo441
O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila
assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade
Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer
direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de
pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou
melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de
leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos
Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e
abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais
eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444
Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece
que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer
outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade
441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393
123
suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no
essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de
regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445
O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute
relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer
restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos
passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446
Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente
vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita
a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm
e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447
A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada
retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees
jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute
tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que
as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou
afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e
improacutepria
A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores
intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos
defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees
transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno
Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos
fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450
Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar
claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de
colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de
colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de
445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817
124
colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a
colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que
natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo
de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens
Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela
doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia
natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste
contexto
Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados
contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente
a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos
fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do
meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees
jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452
No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra
Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua
tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute
balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias
normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar
o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido
pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um
Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454
A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo
dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave
451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar
qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de
que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620
125
arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por
natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a
comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem
constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia
insusceptiacutevel de produzir resultados seguros
Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente
criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de
prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica
Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo
de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia
dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos
da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na
medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento
comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel
prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com
proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de
colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta
nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas
Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de
criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais
Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo
de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios
e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a
tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se
converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador
Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em
decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos
fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei
da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser
compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de
455 Reis Novais 2010 640-641
126
prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida
concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso
concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra
explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo
correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer
actuaccedilotildees restritivas da liberdade456
Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente
os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do
nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando
desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito
fundamental restringido evitando a subjectividade
Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios
constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de
restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais
objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na
generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais
exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como
forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem
reservas457
Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro
que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais
raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa
dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve
simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio
da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que
a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a
ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos
agressivorestritivo
456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696
127
Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta
entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo
Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica
quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia
Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto
mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente
adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de
outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem
sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa
hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a
prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo
ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto
Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o
proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de
restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)
E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo
dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo
constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459
Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros
materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a
priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas
estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em
soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)
ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo
sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e
agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do
reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de
458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707
128
ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um
caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460
Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia
de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que
discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas
ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade
estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos
procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos
constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes
juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na
ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem
vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade
subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia
se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo
dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461
Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a
chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo
criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste
criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para
desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio
460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a
seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a
este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a
verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do
controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de
valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se
traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos
direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698
129
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na
desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal
Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones
com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e
apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da
nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e
recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas
desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da
impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de
direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este
princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos
limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da
Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves
perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a
obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de
substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP)
No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo
penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material
Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as
restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes
requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem
obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa
130
atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes
requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois
requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade
Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave
ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou
de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo
ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo
entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute
prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido
amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se
respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise
do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que
obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima
colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009
foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou
a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido
o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone
Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra
Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a
disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem
armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique
ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo
actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia
previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal
131
Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria
uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao
conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses
e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo
ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no
processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves
autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a
possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo
electroacutenico
Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente
respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma
colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo
Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal
referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio
deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em
segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico
Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma
norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe
Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a
criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida
pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a
462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do
seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt
relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para
desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em
httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-
Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to
whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with
the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against
any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to
any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person
shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all
subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and
before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this
section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the
132
notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida
legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido
optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida
entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir
a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente
seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em
conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de
uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na
decisatildeo a proferir467
Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe
pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses
ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a
palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a
descoberta da verdade material468
appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term
not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]
five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a
case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing
a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in
the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies
where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise
of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other
property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2
believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any
person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public
authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to
the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of
the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary
on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for
the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United
Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque
le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette
recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un
autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation
de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient
disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus
sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes
informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme
133
Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples
obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano
temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos
introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469
Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum
comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos
constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute
ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido
pelas autoridades judiciaacuterias470
De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou
inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre
o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico
de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias
informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees
recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge
dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent
ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du
Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du
ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les
autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle
89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm
88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du
procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une
connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui
permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder
ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme
compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure
dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner
agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le
cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui
sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes
sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut
ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de
fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme
informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a
connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret
est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le
dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux
donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo
superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59
134
psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo
contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo
do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471
Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo
do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na
medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472
Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente
e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo
os restantes requisitos
Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse
validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a
obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash
a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um
outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de
maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o
seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o
acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a
realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido
dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e
desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones
dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I
respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor
da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a
anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido
471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111
135
Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o
quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3
do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial
do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia
de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso
algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades
e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso
do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do
nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela
persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de
uma qualquer aniquilaccedilatildeo
Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo
essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre
um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o
arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da
revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo
poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da
garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final
do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas
as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito
sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a
aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos
Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido
natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios
473 Anastaacutecio 2010 217
136
Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o
seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-
passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de
tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por
palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a
aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser
considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento
prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido
seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone
porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda
incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que
faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca
seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade
penal477
Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do
princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido
uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital do arguido
474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the
defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the
smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence
exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will
implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the
passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and
in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a
defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies
statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a
proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua
incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um
coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115
137
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido
Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova
em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos
norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em
sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo
previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por
fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos
pelo primeiro requisito
Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior
Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute
dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro
da unidade da Constituiccedilatildeo)
Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a
colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital
possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo
Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no
sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser
considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova
A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o
arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas
de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por
entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a
inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que
natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba
478 Marques da Silva 2010 318
138
por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o
seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479
No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm
142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando
que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais
processuais integrantes do seu direito de defesardquo480
Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da
jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo
61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal
Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no
entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo
125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo
sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se
mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo
a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o
legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob
cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo
cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano
Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo
tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482
O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees
entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas
natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro
de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem
479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76
139
ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu
dispositivo electroacutenico
Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias
de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando
estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do
arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si
proacuteprio [hellip]rdquo483
Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este
entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o
arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do
arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo
das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e
substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma
qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei
formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de
determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe
agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486
483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de
Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em
sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que
uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no
sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe
profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de
prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro
de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos
electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades
ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade
material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios
constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos
considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de
colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf
Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291
140
Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o
acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico
Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos
entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo
exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo
do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O
simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia
de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do
disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo
ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487
E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm
como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua
impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos
direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave
verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou
interesse constitucionalmente protegido
Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma
ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida
ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das
uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que
como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da
Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre
salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso
Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora
487 Ascensatildeo 1997 918
141
por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos
O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva
em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar
Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem
dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu
smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo
prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material
Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a
ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa
medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre
perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar
A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre
emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades
judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam
estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido
Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na
totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo
armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem
aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades
podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou
pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do
arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone
natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos
oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica
claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este
subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar
o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de
prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de
desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis
142
no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo
da justiccedila e descoberta da verdade material
Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur
ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash
revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que
agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades
judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas
autoincriminatoacuterias
Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de
desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso
do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade
da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua
aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em
todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas
incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade
respectivamente)
De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada
inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos
adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da
adequaccedilatildeo488
Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que
se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel
no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir
o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos
provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela
utilizaccedilatildeo de um meio alternativo
Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para
armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos
informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-
488 Alexy 2014 820
143
mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens
instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre
localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a
este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito
agrave reserva sobre a intimidade da vida privada
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de
caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave
violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do
direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental
consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber
se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam
ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo
Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade
fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de
prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo
Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone
estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros
meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees
seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave
reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do
dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da
presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa
agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais
do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do
meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao
local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto
foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital
489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos
provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou
pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra
afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
relevantes do mesmo titular ou de outros afectados
144
no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam
o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a
comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito
menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da
intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma
busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz
para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo
Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento
sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de
desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos
proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos
sujeitos aiacute presentes
Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade
na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum
prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a
desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma
maior eficaacutecia
Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra
devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa
apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e
busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre
comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios
produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo
Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave
maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende
145
que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490
Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo
dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa
verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios
legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo
criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a
fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais
intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena
esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca
se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a
prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do
interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em
obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave
pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto
oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito
concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista
da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil
e subjectivo
Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida
por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma
afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio
contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia
Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do
interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime
investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera
obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do
arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito
incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento
490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622
146
apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido
ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado
Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute
bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute
consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a
informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este
aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na
necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo
contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do
nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo
Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso
atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila
e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave
indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre
outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo
Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no
sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for
o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia
da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-
passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a
ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos
oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio
493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a
alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un
derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la
intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su
realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del
resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes
individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten
procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174
147
contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade
natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros
gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre
o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)
Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos
constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones
(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e
obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude
desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de
desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em
primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob
investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada
no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de
que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de
todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves
a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas
telefoacutenicas496
Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido
estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina
na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que
novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido
de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas
autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido
e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o
interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila
Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado
de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de
desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos
proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo
indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre
494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216
148
qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da
anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo
estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias
Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto
sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute
natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos
A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de
identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a
impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse
propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais
privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo
estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas
sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel
de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e
digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que
facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico
Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este
dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe
alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute
o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo
matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de
biometric hash
Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um
mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do
arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o
acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500
incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is
being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em
httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-
smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209
149
Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as
ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar
- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave
finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo
de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas
incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de
medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de
eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados
no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente
desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas
ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a
dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas
utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo
justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do
puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de
defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de
terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I
ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais
Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da
intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da
relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da
medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias
Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos
referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees
a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
150
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a
colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso
em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado
Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo
em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima
e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido
previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)
Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como
uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo
digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o
arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e
ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade
abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de
pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos
passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras
Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua
ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de
lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que
obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz
dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a
legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como
afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados
6 Conclusotildees intermeacutedias
Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens
de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo
501 Anastaacutecio 2010 217
151
nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na
jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um
tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo
digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo
isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-
passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser
compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo
arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare502
Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a
desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da
Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo
ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova
tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e
determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade
judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que
os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por
desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso
ao smartphone
A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir
toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte
do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim
retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a
concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da
desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo
digital tratando estes dois meacutetodos como iguais
Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se
entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas
cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento
502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86
152
uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao
dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias
Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer
que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como
incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves
entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos
que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas
condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez
revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos
Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a
ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone
fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados
que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os
mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem
reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo
desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506
A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com
intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo
autoincriminatoacuteria taacutecita508
Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos
concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a
504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a
means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]
biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to
admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt
the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have
control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf
HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21
153
possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela
existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que
uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo
de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja
uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em
sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e
que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo
I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim
compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados
aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em
violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do
nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos
154
155
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de
introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas
alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade
que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer
requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512
No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto
ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo
atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material
probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido
no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio
e distante da eacuteticardquo513
Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio
da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao
proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar
(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada
no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios
tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo
atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode
o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos
documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher
indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a
natureza da factualidade a provar515
511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a
utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de
serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja
que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561
156
Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave
semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo
valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute
uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e
obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518
1 As proibiccedilotildees de prova
Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas
abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A
este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova
satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo
Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a
prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como
proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e
mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra
relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de
averiguaccedilatildeoraquordquo519
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de
valoraccedilatildeo de prova
Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de
investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das
proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das
consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520
Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria
alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo
de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova
(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das
516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade
natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de
hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e
(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134
157
provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de
sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da
valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a
realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes
ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre
eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524
Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se
tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova
proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos
abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem
proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da
proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees
quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da
Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do
nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova
satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos
advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no
processo530)531
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova
O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se
essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa
consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a
522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)
por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008
329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por
exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar
[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por
exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222
158
injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que
disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso
O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova
e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a
nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade
fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da
integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de
obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia
ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos
comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em
causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4
do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534
Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte
natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer
a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em
vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias
o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores
do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos
532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de
prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas
[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques
2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos
devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo
judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos
proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de
anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em
causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da
CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de
em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo
32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira
Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas
sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no
sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo
probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329
159
da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos
de prova535
Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm
8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as
proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora
uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que
sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm
3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou
em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas
autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos
proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo
126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas
no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual
outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que
o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo
injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538
Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo
de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica
ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos
fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539
Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam
antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum
de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa
utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral
respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade
pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui
objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade
535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578
160
de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541
vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por
coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta
dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de
vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de
prova542
13 A invalidade do acto processual
Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs
associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo
ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime
da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades
dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades
insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade
prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica
das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do
presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545
Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves
proibiccedilotildees de prova
Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as
nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade
mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade
em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica
completa em face do regime das nulidades processuais546
O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo
126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo
ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim
a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP
541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101
161
apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem
as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a
finalidade de demonstrar que eacute proibida548
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova
Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute
para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros
meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do
efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da
proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas
das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550
O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma
determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido
ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que
eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves
provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente
se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses
frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o
arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551
Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore
envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua
equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)
enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra
os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem
inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552
548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co
v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em
causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade
comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador
(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para
produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo
Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando
pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de
uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas
162
O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os
procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de
produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo
chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553
Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez
pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm
77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo
impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo
valorativordquo
Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e
irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do
enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de
excepccedilotildees554
Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent
source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United
States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de
1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao
lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente
de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que
foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560
assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de
maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e
inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses
factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios
iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu
pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de
1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737
163
A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta
inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees
Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das
provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro
tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da
lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que
a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal
mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565
Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo
(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963
e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no
processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam
chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova
mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre
tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas
secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570
Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo
autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que
mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser
utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572
561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em
09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]
164
Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de
prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao
nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da
ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso
ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de
analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e
qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos
fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)
instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto
da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio
No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte
das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo
proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo
da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo
Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o
fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando
atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os
meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo
da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo
Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem
de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-
passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um
meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido
573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal
alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal
de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin
2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do
StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade
do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423
165
Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios
de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a
direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que
natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo
as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo
obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a
vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade
do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do
arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias
probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os
dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria
Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos
limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo
eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de
Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo
proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575
cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576
Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito
difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova
desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso
do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente
proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira
De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a
provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal
como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade
reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados
574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo
[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas
mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282
166
possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o
arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578
Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas
secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo
do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina
tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-
nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a
excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)
A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada
no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas
armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova
tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-
passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora
ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-
passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam
utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos
Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou
maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de
desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de
uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a
palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder
licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los
como prova no processo penal
Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido
culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do
artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-
distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)
como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas
secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem
578 Costa Andrade 1992 315
167
ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte
independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem
168
169
CONCLUSOtildeES GERAIS
Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de
desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este
permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura
da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees
As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o
mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional
considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados
claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio
Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo
dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo
compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a
fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo
e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs
Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por
fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional
poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza
absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido
eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias
Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas
que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem
a conduta omissiva do arguido
Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da
revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser
reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de
uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida
pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo
o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo
podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo
170
acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que
permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e
atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais
(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo
legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo
tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no
sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se
passa na lei inglesa e belga
No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo
como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem
a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de
sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal
expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos
fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos
concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido revelaram-se desproporcionais
Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as
ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da
leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento
juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo
deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas
O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido
agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que
se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos
quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de
legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do
171
nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu
smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma
zona de offshore digital num Estado de Direito579
579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada
a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
172
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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de 2015 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
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198
199
ANEXOS
Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust
200
201
202
203
204
205
Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond
STATE OF MINNESOTA
IN COURT OF APPEALS
A15-2075
State of Minnesota
Respondent
vs
Matthew Vaughn Diamond Appellant
Filed January 17 2017
Affirmed
Smith Tracy M Judge
Carver County District Court
File No 10-CR-14-1286
Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and
Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)
Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St
Paul Minnesota (for appellant)
Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith
Tracy M Judge
S Y L L A B U S
A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos
cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
O P I N I O N
SMITH TRACY M Judge
Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor
theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his
convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment
(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos
circumstantial evidence was insufficient We affirm
206
FACTS
On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH
returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been
kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items
of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her
driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the
shoeprints left on the garagersquos side-entry door
Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and
license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on
October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police
located SWrsquos car which
Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case
He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes
and cellphone
The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond
Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the
garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to
seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW
attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released
On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos
shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the
contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the
warrant on November 21
In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to
unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the
district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos
cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to
unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or
thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On
April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order
would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his
cellphone
At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW
arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement
The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was
tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond
thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the
district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3
At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)
the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)
SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and
identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text
messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos
residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints
on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]
going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would
be dismissed if SW did not testify or recanted her statement
207
The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree
burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property
Diamond appeals
ISSUES
I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property
II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone
III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond
committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property
ANALYSIS
I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment
Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos
directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an
unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency
exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable
because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions
to jail staff
In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal
conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability
of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33
(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id
The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo
of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v
Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the
consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of
property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully
interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113
104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence
of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33
A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence
until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The
United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from
destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-
32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement
officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have
not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its
contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United
States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))
Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant
Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone
208
which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day
Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone
In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be
justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the
police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court
concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme
Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained
on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary
seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect
physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes
See McArthur 531 US at
331-32 121 S Ct at 950
Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson
ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond
did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of
viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure
inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the
district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional
questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a
constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)
But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument
we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that
Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a
ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA
lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos
reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied
(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable
As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their
law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In
McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement
needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search
his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement
needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and
inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed
Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left
on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed
Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant
On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before
attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the
Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at
2495
We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and
that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion
II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to
provide his fingerprint so police could search his cellphone
Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his
Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for
580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he
asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015
209
Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege
against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600
NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)
The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness
against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94
(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth
Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which
proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of
its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v
Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme
Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own
compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580
(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the
cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was
unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock
a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo
In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established
that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly
relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against
himselfrdquo Doe v United States 487 US
201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that
[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in
which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish
a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing
Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)
(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951
1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929
(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826
Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously
returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the
contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus
hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the
statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two
days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral
argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the
omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes
373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)
210
1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)
(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually
held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo
Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J
dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of
physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560
562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs
does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)
Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to
support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned
that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was
unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by
[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his
possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the
filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a
combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially
incriminate Id
By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any
knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district
courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a
combination See eg In re Grand Jury
670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that
requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth
Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in
ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled
to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing
handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at
210 108 S Ct at 2347-48
Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate
ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the
fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion
211
that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would
communicate his exclusive use of the cellphone
Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints
would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument
however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled
Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to
unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond
providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a
thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the
detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks
itrdquo
It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and
thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or
which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There
is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the
cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with
the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an
additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he
initiated
In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone
did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth
Amendment privilege against compelled self-incrimination581
III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions
Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not
exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property
When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis
State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances
provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of
these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved
by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence
in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and
disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine
581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be
compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment
212
whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis
except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)
Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without
consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty
of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without
the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn
Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the
person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent
Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)
The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October
30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos
side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos
driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time
she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she
sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers
near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of
Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door
Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes
at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in
isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down
MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a
crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other
rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the
juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and
fourth-degree criminal damage to property
D E C I S I O N
The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of
his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment
The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not
require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos
conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree
criminal damage to property
Affirmed
213
Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan
NO LA081589
SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES
PAGE NO 1
THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01
PAYTSAR BKHCHADZHYAN
LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY
STATION
BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER
DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515
AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY
CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH
HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE
FOLLOWING OFFENSE(S) OF
COUNT 01 5305(A) pc FEL
COUNT 02 487 (A) pc FEL
COUNT 03 529(A) (3) pc FEL
COUNT 04 484E(D) pc FEL
COUNT 05 484E(D) pc FEL
COUNT 06 484E(D) pc FEL
COUNT 07 4841(C)
pc FEL NEXT
SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE
081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY
ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)
ON 082115 AT 800 AM
NEXT SCHEDULED EVENT
082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE
COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS
214
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT
COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN
DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING
A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE
DEFENDANT BAIL SET AT $50000
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT
100
082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED
(082415)
CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY
ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE
DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE
1275PC HOLD ON THE
DEFENDANT
NEXT SCHEDULED EVENT
DISPOSITION
ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR DISPOSITION
PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF
CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 05
484E(D)
pc
215
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)
PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04
484E(D) pc
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND
PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING
IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS
ZERO OF 10
THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10
090915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING
SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT
ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112
DAY 00 OF 10
092915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 06
484E(D)
pc
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 07
4841(C) pc
216
ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY
HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED
BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT
112
DAY OO OF 30
102815 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING
RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY
REFERENCE HEREIN
JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING
CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES
SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR
DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION
DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING
THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE
COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES
THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO
CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND
ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS
217
AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT
CONVICTIONS FOR THE
SAME OR SIMILAR OFFENSES
THE EFFECTS OF PROBATION
IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF
THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE
CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE
UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF
THE UNITED STATES
THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND
EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS
THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND
PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF
SECTION
530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY
COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA
AND COURT ACCEPTS PLEA
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16
NEXT SCHEDULED EVENT
012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
120915 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)
DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE
COUNSEL
ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT
DATE NEXT SCHEDULED EVENT
022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
012516 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
218
ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE
COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE
IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT
ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT
AS TO COUNT (01)
COURT ORDERS PROBATION DENIED
SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)
COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01
DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL
CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME
FORTHWITH
PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )
$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373
GC)
$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)
COMMIT
MENT
ISSUED
TOTAL
DUE
$8000 IN
ADDITIO
N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION
120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300
COURT ORDERS AND FINDINGS
-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE
BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT
IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER
BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW
ENFORCEMENT IDENTIFICATION
HARVEY WAIVER TAKEN
COUNT (01) DISPOSITION
CONVICTED REMAINING COUNTS
DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
219
COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
DMV ABSTRACT NOT
REQUIRED NEXT
SCHEDULED EVENT
PROCEEDINGS TERMINATED
022516 EXONERATED AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED
ON 022916 AT 900 AM
COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY
JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN
030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO
DEPARTMENT OF
J USTICE
220
221
Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan
222
223
224
225
Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 15
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana
19
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24
14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25
15 Conclusotildees intermeacutedias 27
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos
da Ameacuterica 28
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28
211 Requisitos da Quinta Emenda 28
2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31
212 Limites da Quinta Emenda 36
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37
2122 Imunidade (immunity) 39
3 Conclusotildees intermeacutedias 40
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43
1 Os smartphones e a prova digital 43
2 A Lei do Cibercrime 46
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56
4 Conclusotildees intermeacutedias 56
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61
21 Noccedilatildeo 61
22 Funcionalidades 62
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64
231 Palavra-passe 65
236
232 Biometria 68
3 Conclusotildees intermeacutedias 76
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO
DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-
AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79
1 Colocaccedilatildeo do problema 79
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81
21 Consagraccedilatildeo 83
22 Fundamentos juriacutedicos 87
23 Limitaccedilotildees 89
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare 96
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos
fundamentais 109
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111
4331 Exigecircncia de lei formal 113
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido 115
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116
4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido 137
6 Conclusotildees intermeacutedias 150
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155
1 As proibiccedilotildees de prova 156
237
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo
de prova 156
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157
13 A invalidade do acto processual 160
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo 164
CONCLUSOtildeES GERAIS 169
BIBLIOGRAFIA 173
ANEXOS 199
2
3
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de
Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital
VANESSA FERNANDES
Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de
Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de
Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa
Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-
CRIMINAIS
LISBOA
2017
4
5
Aos meus avoacutes
6
7
A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo
Harvard
8
9
SIGLAS E ABREVIATURAS
AAVV Autores vaacuterios
ADN Aacutecido Desoxirribonucleico
al Aliacutenea
artordm arts artigo artigos
CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
cf cfr confira confronte
CP Coacutedigo Penal
CPP Coacutedigo de Processo Penal
CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
EUA Estados Unidos da Ameacuterica
FBI Federal Bureau of Investigation
HTC Hit the Cell
ie id est (isto eacute)
ID Identity
MMS Multimedia Messaging Service
MP Ministeacuterio Puacuteblico
nordm nos nuacutemero nuacutemeros
NSA National Security Agency
OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico
PIN Personal Identification Number
pp Paacuteginas
RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000
seacutec Seacuteculo
SMS Short Message Service
StPO Strafprozessordnung
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
v Versus
vg verbi gratia (por exemplo)
10
11
RESUMO
A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por
palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de
documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos
seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no
sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos
dos seus dispositivos electroacutenicos
No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo
vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a
niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta
capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade
de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos
probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo
instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico
No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo
resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na
investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em
colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar
constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo
situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam
contribuir para a sua incriminaccedilatildeo
Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a
uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo
actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de
igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a
revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu
smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este
trabalho sugere que sim veremos porquecirc
Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital
autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova
12
13
ABSTRACT
The implementation of encryption technology on smartphones such as password or
fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and
personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password
or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the
contents of his electronic device
However with these advantages come unforeseen legal implications Currently
smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not
only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate
data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of
evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the
pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device
is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to
collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo
tenetur se ipsum accusare
The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an
involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is
constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in
which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his
incrimination
But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an
alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard
highly private and personal information and both are equally deserving of protection
from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to
provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants
privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why
Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination
exclusionary rules
14
15
INTRODUCcedilAtildeO
Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute
exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se
encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido
destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o
acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone
Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e
teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia
geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de
colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas
compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha
compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem
duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar
que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina
internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste
sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da
investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano
Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente
de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela
inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo
criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo
Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades
judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute
necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees
digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional
De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos
nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de
acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de
sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos
16
de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam
peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo
importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de
complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de
trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados
para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles
dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o
desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal
Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da
sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por
intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as
dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao
grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos
dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a
investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo
afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a
investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do
arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal
colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de
centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar
se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido
de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu
smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo
por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha
faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por
parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua
palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da
desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e
perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-
americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio
nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal
portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo
17
praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de
desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a
apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)
Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um
ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-
se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra
protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro
capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de
encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos
existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder
ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o
arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o
seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da
palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo
digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda
cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo
deste princiacutepio constitucional
18
19
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-
americana
Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger
ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente
armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta
tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones
Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento
de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails
fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para
aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros
possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica
preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente
os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1
Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos
electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados
biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a
privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de
outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo
reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o
coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos
Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a
questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu
dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados
biomeacutetricos
Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que
faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana
1 Oliveira Silva 2015 735
20
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2
No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach
Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado
e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3
A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo
de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi
colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de
Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no
entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4
Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido
sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto
para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido
No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi
recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de
gravaccedilatildeo flash drives e um computador
Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do
segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao
conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava
protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou
uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que
desencriptam o smartphone
A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido
a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)
2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em
httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-
rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em
22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-
breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]
21
A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o
pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido
de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir
o arguido a fornecer a sua palavra-passe
No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar
a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o
seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo
criminalrdquo7
A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o
juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido
cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de
uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria
(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas
para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da
impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo
requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da
impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz
Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a
revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de
compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8
Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a
lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital
como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais
Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo
comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone
eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido
lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de
6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-
conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-
phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having
to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles
Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-
fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente
Dissertaccedilatildeo
22
caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o
arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para
compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para
compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9
Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a
sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso
ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse
das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade
eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso
O arguido foi absolvido por falta de provas
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11
No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030
e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200
encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado
Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia
a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou
um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou
fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem
Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia
de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu
ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima
numa loja de penhores
9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry
The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental
processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the
Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to
lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a
fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the
fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo
23
No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de
SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido
foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo
relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram
recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone
Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no
local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e
apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um
mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone
de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective
Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo
Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a
desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde
depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal
de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida
pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo
entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta
Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de
Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia
e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser
penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as
autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o
acesso a todos os seus conteuacutedos
Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew
Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau
ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo
esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em
iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade
ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de
sistema Android
24
O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto
em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima
O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio
contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu
smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas
autoincriminatoacuterias
O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew
Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido
de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou
comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um
smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees
digitais
Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso
apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district
court)
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12
No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos
da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi
condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado
as acusaccedilotildees13
Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois
de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a
cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades
policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que
fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de
permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava
protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe
12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo
25
Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave
tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar
Bkhchadzhyan
Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje
desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia
pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro
de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por
perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees
atraveacutes de pirataria informaacutetica
No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a
pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do
iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de
2016rdquo16
Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan
a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se
infrutiacutefero17
Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das
impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho
usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan
recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu
Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar
Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar
14 Mandado de 9 de Maio de 2016
No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades
judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca
15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-
up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person
covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California
91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016]
26
a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda
autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem
compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees
digitais
Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela
advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No
memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao
pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees
digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante
a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de
dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se
encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo
acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20
No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa
uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo
digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada
durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser
encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos
aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo
o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros
dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21
Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se
encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da
18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-
demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant
which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the
SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law
enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente
dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or
indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause
that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and
maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords
encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1
Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-
force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]
27
impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo
entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de
Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras
produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma
palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e
sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade
de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu
utilizador torna-se extremamente difiacutecil
Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns
limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do
iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem
ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da
palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear
Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e
a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes
da leitura das suas impressotildees digitais
O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo
viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
15 Conclusotildees intermeacutedias
Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a
palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um
lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se
tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de
protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo
Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees
chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela
Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-
demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]
28
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados
Unidos da Ameacuterica
Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo
da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao
princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no
sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o
arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo
Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda
ajudar-nos-aacute a obter uma resposta
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte
ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por
denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo
de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia
quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas
vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute
obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade
ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada
para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase
ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo
211 Requisitos da Quinta Emenda
Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum
accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode
23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment
or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when
in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to
be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property
be taken for public use without just compensationrdquo
29
ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que
recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos
sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute
igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do
ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si
proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e
judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em
desobediecircncia26
No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja
reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que
sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos
distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes
requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o
arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou
comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do
fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades
judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo
24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official
questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might
incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of
every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial
Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v
California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml
[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from
him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would
forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we
need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited
whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo
Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States
30
pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na
sua incriminaccedilatildeo32
Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio
do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre
esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo
digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees
2111 Coacccedilatildeo (compulsion)
Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma
pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum
tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a
afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar
perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34
Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e
esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36
Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana
jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees
do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)
No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio
que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os
v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em
24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo
natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v
United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em
24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States
v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado
em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a
31
tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco
substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma
acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo
do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido
incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo
se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro
seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo
poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no
sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto
impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem
palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)
Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais
cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que
resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode
ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados
substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos
definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de
ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos
Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no
entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos
conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the
chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States
1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em
24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v
Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059
[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml
[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer
2015 26 45 AllenMace 2004 267-268
32
desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de
factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute
perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o
roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o
paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda
quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a
comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47
No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica
definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou
implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No
entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver
igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o
Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado
a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula
de Autoincriminaccedilatildeordquo50
Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando
as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu
computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe
seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria
considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora
da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o
tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco
riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente
46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201
[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of
his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)
Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-
courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]
33
caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal
acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar
(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador
Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua
grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a
desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma
vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55
Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta
temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo
jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo
eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan
Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o
governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao
arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta
Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da
palavra-passerdquo59
Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)
importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou
por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua
vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O
54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the
suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in
naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015
413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-
fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant
enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it
would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014
2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-
state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado
em 28112016]
34
primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v
United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a
testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta
Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi
expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do
arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar
expirado
No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher
uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada
com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido
por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65
O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-
testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e
de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue
urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto
porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de
conhecimento68
60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition
of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body
as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute
violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise
provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605
[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States
v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado
em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-
casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355
35
Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a
Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou
atributos identificadores70
Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-
americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila
entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside
no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo
natildeo71
Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de
smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta
sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como
declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)
Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes
da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em
consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada
pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de
considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)
No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de
encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem
ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert
Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente
agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na
cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo
ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute
preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido
uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de
69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law
enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016
2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-
storyhtml [consultado em 28112016]
36
terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute
contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento
da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados
biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que
os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento
George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude
com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar
na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm
autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante
uma actividade criminosardquo75
Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela
jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a
necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem
que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido
detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77
com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local
do crime
212 Limites da Quinta Emenda
Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as
entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho
incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim
os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora
73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for
the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your
knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em
httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-
with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means
therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em
httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em
28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-
132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]
37
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas
fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse
imunidade ao arguido79
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)
Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo
conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende
compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave
sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou
nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta
Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto
nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera
independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial
evidence)
A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo
da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu
conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova
pelo arguido c) a autenticidade da prova82
Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o
Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de
impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que
a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o
contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo
simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85
78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo
conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a
informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone
conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by
conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203
38
A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma
justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86
Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87
para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o
governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88
mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram
encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo
compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90
a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United
States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94
Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o
arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base
na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por
parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute
eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o
fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel
natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96
86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v
David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em
httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]
Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-
court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em
httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-
circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em
28112016] 96 Wilson 2015 26
39
2122 Imunidade (immunity)
Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como
tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de
incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao
suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas
perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo
concedido pela Quinta Emenda98
A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo
e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo
responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar
tal violaccedilatildeo
Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo
dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima
anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar
pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito
de obter coactivamente determinadas provas99
O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a
testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem
(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra
informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100
No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade
deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute
provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de
imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102
97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-
incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information
directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in
any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83
40
consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas
deste103
Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a
tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve
conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras
proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer
outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar
qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido
numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte
legiacutetima e independente do testemunho compelido105
Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e
que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva
comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo
prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106
3 Conclusotildees intermeacutedias
Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-
americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de
prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido
contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)
coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas
Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo
do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro
103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
29112016] 106 Soares 2012 2007
41
requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute
relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de
que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido
eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que
a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser
compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a
colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo
Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da
Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo
de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando
a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um
conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros
que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone
conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido
Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da
palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo
digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre
saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos
jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional
42
43
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS
Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute
resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido
No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o
ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de
estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal
Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do
problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede
de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal
eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados
no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de
acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo
problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado
por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo
mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo
eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos
devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do
smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido
legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha
feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece
loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado
se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do
aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que
discorreremos nas proacuteximas paacuteginas
1 Os smartphones e a prova digital
Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se
regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada
44
assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado
igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica
O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela
sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso
no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda
assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior
inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque
o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova
em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros
procedimentos
Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta
da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha
de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e
recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo
125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as
provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de
cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo
de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo
admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da
legalidade e objectividade108
A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de
informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou
digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a
informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou
remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que
seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital
seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que
estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista
107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova
pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9
45
mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a
informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente
numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e
traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112
Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um
forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que
um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se
trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser
apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a
rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos
fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115
Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar
que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave
ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com
a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos
de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre
outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos
pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)
Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua
capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os
investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma
investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de
seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute
significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo
de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail
fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas
112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz
chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a
panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio
leitor de muacutesica mapa entre outras
46
histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as
redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees
geograacuteficas entre outras119
Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone
podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais
de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de
imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a
intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do
histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de
suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a
praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios
dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos
Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os
investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser
considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade
de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova
armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo
e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados
Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de
Setembro de 2009
2 A Lei do Cibercrime
Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime
No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios
causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da
publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde
15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o
Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da
119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas
de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e
os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos
processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por
uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute
compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel
47
Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica
nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o
direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de
Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo
Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre
disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria
penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo
desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais
nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de
dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a
dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados
informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees
(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional
(artigos 20ordm a 26ordm)
Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo
o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da
Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto
sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121
independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes
sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)
Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito
probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre
cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas
nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional
e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados
ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento
automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto
de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles
dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm
da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre
o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de
informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre
dados informaacuteticos)
48
correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica
em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122
Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do
Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave
recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a
quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute
caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso
a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na
aliacutenea c) do seu artigo 11ordm
Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve
anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados
informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo
de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)
No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede
de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e
a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores
da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos
incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails
contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento
destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum
tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos
gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados
informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto
mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo
electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos
em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos
No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista
no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser
122 Mesquita 2010 98
49
emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre
determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa
ou que permita o acesso aos mesmos123
No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o
nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo
Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados
relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que
natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em
maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais
adiante no nosso estudo
As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida
com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que
dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar
a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do
smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a
colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela
O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio
criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo
criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional
mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as
entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo
de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124
armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente
autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema
informaacutetico125
Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2
do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem
tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou
123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados
informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser
pesquisados 125 Rodrigues 2010 446
50
altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia
criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria
devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo
semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos
3 e 4 do artigo 15ordm)
Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal
executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro
sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados
satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo
15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou
lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1
e 2 do artigo 15ordm da citada lei126
No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado
com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio
ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros
estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei
do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob
uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os
programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a
pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias
deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime
Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do
Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave
autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos
dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de
outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem
necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127
126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451
51
No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa
(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal
levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da
autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade
judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se
durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz
de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no
despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo
apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da
Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria
no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de
intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo
dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados
pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de
terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa
a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou
aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos
tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades
legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129
Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime
que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime
natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em
mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas
tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo
sobre o Cibercrime
O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de
correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem
armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa
128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741
52
informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a
apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova130
Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui
um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute
ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de
prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma
pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido
regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que
ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema
informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que
seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico
ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar
por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo
Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende
que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com
pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave
nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm
do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito
mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea
a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo
se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos
constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de
130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102
53
ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees
apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo
179ordmrdquo132
Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos
distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das
mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm
1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o
juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia
apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo
de Processo Penal)
Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a
apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a
existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro
Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria
de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas
realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais
mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e
junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails
SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133
Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar
que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema
que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a
eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone
e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees
fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto
De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja
validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre
dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744
54
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de
telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos
validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC
Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a
apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm
da Lei do Cibercrimerdquo134
No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu
destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das
mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo
judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135
Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo
provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia
encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)
ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta
apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do
despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o
correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo
a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais
Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a
primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja
quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica
das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o
primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de
texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa
134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d
OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016]
55
mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia
da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-
mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente
determinantes para a provardquo137
Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o
proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz
mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute
ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por
uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as
mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem
encontrados no decurso de pesquisas
Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao
remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de
Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees
Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela
jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou
determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como
determinante para a prova sob pena de nulidade
Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo
concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute
aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades
judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de
multimeacutedia armazenados num smartphone
137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua
apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de
informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo
relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca
haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]
apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um
juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745
56
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal
Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees
de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime
da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a
aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees
A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no
Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte
digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime
para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento
juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue
a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime
aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato
para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico
- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal
na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140
Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi
no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo
17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de
texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo
16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias
gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)
armazenados em smartphones
4 Conclusotildees intermeacutedias
Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder
agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a
apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo
portuguesa
140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm
1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal
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Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de
prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por
um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito
de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital
previsto no Coacutedigo de Processo Penal
No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone
para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira
instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada
pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em
ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de
apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade
de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos
Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados
ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de
dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo
de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias
viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria
para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que
autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)
Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta
apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia
sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio
pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem
consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo
Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia
cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
58
deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio
electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do
Cibercrime)
Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros
electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No
entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o
acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone
Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios
armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por
parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute
sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida
59
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves
autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de
obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo
raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros
guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de
aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo
criminal torna-se mais complexa
Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos
smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe
alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os
casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o
elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da
encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar
No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o
fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade
informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142
A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos
os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o
apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente
criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda
pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto
essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute
divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas
negociaccedilotildees
142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits
of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets
Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109
60
Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou
de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade
digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade
e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146
O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo
tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto
profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute
sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash
digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os
telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar
que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo
que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua
privacidade
Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de
condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de
participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta
forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado
momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de
caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o
escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana
Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas
informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de
comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150
No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade
moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas
dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente
encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes
terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada
146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21
61
Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios
electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar
teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de
desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital
de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila
da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se
que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende
manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se
encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones
O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo
recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de
alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como
encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores
diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e
amantes ao longo do tempo152
Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas
de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo
passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com
variados propoacutesitos153
21 Noccedilatildeo
A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer
informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154
No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)
para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode
ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de
encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute
codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra
151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141
62
numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna
consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a
encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando
impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros
e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do
modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para
terceiros ndash governo ou particulares
Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio
de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas
de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo
escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo
definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada
em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o
processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160
22 Funcionalidades
Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos
a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo
e) e o ldquociphertextrdquo162
A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo
de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo
pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo
electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes
criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros
fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila
baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a
terceiros natildeo autorizados
157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512
63
Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de
privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como
a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a
implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma
medida de seguranccedila e privacidade164
A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa
investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave
encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para
evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro
de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara
tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos
Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo
encriptados167
Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas
informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens
De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque
a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e
ldquobackdoorsrdquo168
Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao
smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de
diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da
combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser
mais ou menos demorado
A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a
tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas
para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante
164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-
store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you
have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em
httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold
[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19
64
anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo
seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-
reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo
Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo
As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio
de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como
brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao
dispositivo sem a necessidade de desencriptar171
Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que
a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um
ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que
criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre
os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades
judiciaacuterias172
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones
Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones
muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou
de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores
distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou
um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-
passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital
a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante
seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade
170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a
backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em
determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um
aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-
idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]
Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante
qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione
una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una
caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454
65
Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado
podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe
e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos
ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)
reconhecimento de voz175
Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o
dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse
motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo
implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder
ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos
(quer simultacircnea quer separadamente)
Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a
impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e
desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo
231 Palavra-passe
A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem
como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no
smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-
passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177
Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma
variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo
da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da
encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis
ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente
seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de
programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-
passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-
passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139
175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153
66
biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para
conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio
do proprietaacuterio
A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6
diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais
complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de
apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-
passe alfanumeacuterica
Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple
a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo
de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No
entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos
com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades
para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de
chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a
esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades
judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no
smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo
Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema
de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones
mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de
encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de
seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo
da palavra-passe182
De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de
smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como
tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens
O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais
179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-
passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]
67
O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo
exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os
ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de
criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua
memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de
palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso
profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o
utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de
alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a
memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte
do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis
Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe
longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe
curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes
de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado
que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares
para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para
evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num
papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a
seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente
autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone
O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a
sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem
qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute
incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente
(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome
183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
12122016]
68
conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu
poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone
Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa
a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
232 Biometria
Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que
permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria
A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892
o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees
digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave
biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto
como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189
A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as
propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a
seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190
Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel
e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de
determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia
biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas
suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise
188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-
repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-
recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova
vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della
sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como
ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf
OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-
ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec
ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]
69
estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of
biometricsrdquo193
As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais
utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos
No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas
a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo
da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194
A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o
registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma
amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de
impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra
satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma
subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da
amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave
semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo
igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo
biomeacutetrico fornecido anteriormente
Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas
apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de
identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na
tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197
193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche
biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la
verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il
rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora
Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera
lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72
70
No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua
identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que
apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e
comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada
nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala
ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198
Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra
relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na
encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser
aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra
biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo
registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo
digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso
natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de
salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de
smartphones199
Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na
encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as
vantagens destes meacutetodos
Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da
utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de
memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer
processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais
198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years
Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique
ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices
have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo
Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]
71
do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de
memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica
Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas
deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de
serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a
possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos
Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a
dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por
biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de
terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de
partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo
de um determinado smartphone204
Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo
tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave
biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205
Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de
memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar
constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador
precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em
meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave
conveniecircncia do meacutetodo207
201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707
[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the
market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have
fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs
e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf
Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]
72
A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer
tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua
natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de
seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone
Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de
encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste
meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de
impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital
e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados
pessoais210
Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo
de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos
casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam
diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular
eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por
fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais
utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a
autenticaccedilatildeo
Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa
que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico
eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo
dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das
vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma
reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a
possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo
208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are
alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one
enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf
Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 14122016]
73
digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital
para aceder a um smartphone214
E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma
das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel
Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo
seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a
impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone
na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de
acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216
No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees
digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens
notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador
tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da
impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma
leitura bem-sucedida217
Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os
elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final
do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado
um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar
que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de
dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de
desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas
213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little
more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos
Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf
Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-
hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em
14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]
74
tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones
tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de
ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado
Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-
se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de
analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos
ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves
particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID
A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos
dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da
introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou
notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte
dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que
autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o
utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o
facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe
para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado
como uma alternativa menos incoacutemoda221
A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de
hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue
captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em
pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas
impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma
representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais
anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital
219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision
It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual
details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in
ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on
iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]
75
fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado
automaticamente223
Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo
escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4
ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais
O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o
acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes
das aplicaccedilotildees instaladas225
Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da
aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID
O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo
apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que
funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado
de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este
processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo
matemaacutetica registada
O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no
A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o
propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no
smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave
apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema
operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a
iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas
223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-
down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-
will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-
fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]
76
Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a
introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado
b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo
natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou
apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees
do Touch ID
3 Conclusotildees intermeacutedias
Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave
constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade
actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os
seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos
tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares
como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a
encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje
em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por
parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231
Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito
de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a
impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia
encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo
encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades
judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo
lugar a claras desvantagens
Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas
complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas
mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as
autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados
num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que
230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]
77
entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em
pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o
direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
78
79
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
1 Colocaccedilatildeo do problema
Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente
adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como
tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-
americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo
Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em
especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto
porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente
do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os
suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo
pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente
ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone
encriptado
Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o
acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o
processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja
porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de
nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe
ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-
force attacks235
Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos
necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo
232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um
possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo
virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de
outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias
2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208
80
despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que
as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236
Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser
bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o
suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo
Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir
aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237
Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238
No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a
impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo
armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees
quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o
princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma
divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido
ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o
smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido
ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem
violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo
processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239
Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas
situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo
sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare
236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403
[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92
81
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec
XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo
o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de
que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa
evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades
puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do
modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico
Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do
arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional
numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito
direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade
de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou
por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243
A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo
tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee
que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria
defesa245
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo
deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que
o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua
proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou
240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado
em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18
Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf
[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser
fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios
de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da
culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121
82
elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que
do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis
no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal
de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto
da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de
verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como
presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este
deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual
a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa
Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios
que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra
a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na
investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de
comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo
nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma
determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a
colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que
lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila
246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b
OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal
da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam
ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou
ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de
30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46
OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146
83
do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio
eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu
turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido
seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo
autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais
longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do
nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255
21 Consagraccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees
dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei
fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio
ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de
protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do
Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como
princiacutepio essencial do processo penal
De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos
Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em
plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar
contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo
Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado
natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute
presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido
contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de
adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da
Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum
252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20
84
accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do
arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo
o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de
prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade
deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido
estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada
no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente
na ordem juriacutedica interna259
Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de
outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo
espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262
a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e
italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa
Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do
arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito
ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a
jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo
unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como
258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute
obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra
si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual
ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades
responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o
suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa
ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante
essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur
se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo
penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em
18012017]
85
quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare
como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266
No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo
expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido
(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267
Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial
em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo
responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem
imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao
silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem
recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido
como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a
responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo
penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve
ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante
as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de
as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8
do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao
silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271
265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e
articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de
deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr
artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo
de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou
ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o
arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos
141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu
silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido
ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser
interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187
86
Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito
ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na
doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em
sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista
abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se
encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser
obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A
maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante
ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute
solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo
teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos
meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam
postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses
expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos
cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-
passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou
gestuais275
Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do
arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que
toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em
sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de
julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca
da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do
Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)
272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo
do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a
garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o
suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio
utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263
87
Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de
exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo
172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo
facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante
22 Fundamentos juriacutedicos
Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu
fundamento e conteuacutedo
Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies
distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente
substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279
Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento
deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam
directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem
aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280
Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais
reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do
processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados
respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281
Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos
fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa
278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em
18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125
88
Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou
forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu
fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade
humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado
de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente
processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os
direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283
A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir
que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa
asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como
sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se
harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285
Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias
processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se
de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm
4 do artigo 20ordm da CRP286
No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia
Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de
natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais
poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na
decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do
direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees
justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288
282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24
89
23 Limitaccedilotildees
No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos
do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos
liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure
ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290
De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de
assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao
inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar
ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo
criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de
prova292293
Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do
arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja
sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no
exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja
tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira
mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido
289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte
de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto
2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]
encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa
investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de
prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira
Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer
que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas
coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e
probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer
forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a
descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado
de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico
da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz
esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de
alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf
Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades
judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28
90
natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da
verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu
direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296
Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal
natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a
doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves
perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com
verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de
realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a
obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando
ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de
Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do
consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298
No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido
ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo
ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de
realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido
mesmo contra a sua vontade)rdquo299
Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o
arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes
das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu
corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias
de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300
Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -
a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da
palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave
conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo
296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439
91
digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer
prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da
impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das
anteriores
Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer
uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves
diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser
considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados
termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio
de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova
especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem
proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da
justiccedila301
Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que
o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente
ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos
meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm
3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de
prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que
impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com
o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova
instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a
contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303
A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita
medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto
301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17
92
agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da
prisatildeo preventiva304
Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente
previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes
do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)
O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo
no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos
factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia
surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela
decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou
apreciaccedilatildeo dos factos305
No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo
que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu
objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir
meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou
pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua
apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia
ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de
quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo
juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de
decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem
se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees
que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela
ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia
comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas
e experimentadasrdquo307
304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de
Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-
consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261
93
Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova
como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal
em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308
No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar
ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao
lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm
1 do artigo 171ordm do CPP)309
O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios
(vg dactiloscopia310)
Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que
ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se
na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia
de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o
pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se
permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila
do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)
Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais
conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo
avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija
especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija
conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311
Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um
lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as
qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente
em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida
308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por
teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o
estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em
cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434
94
poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer
ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um
verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312
Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir
que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana
Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e
nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-
nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um
smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais
(exame) suficiente para o seu desbloqueio
A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no
Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia
usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software
alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de
alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da
impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido
seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo
Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da
coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso
estaremos perante uma periacutecia ou um exame
Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser
considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem
uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia
312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira
2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser
classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais
(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em
orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes
entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases
explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e
plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435
95
de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar
o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-
passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou
declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes
da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de
prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas
anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se
restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -
proferidas pelo arguido
No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona
de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu
estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta
deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no
acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta
ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo
coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a
sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se
traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317
Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido
ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado
podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para
a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave
questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
nesta situaccedilatildeo
Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete
socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura
315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num
caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma
diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22
96
da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare
Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios
apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa
revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o
efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira
entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente
imposta permitida318
Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido
diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido
Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila
de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo
espiritual da sua parte319
Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino
Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi
condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime
de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns
(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers
Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem
318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
97
sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara
sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo
administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que
violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2
do artigo 6ordm da CEDH321
O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)
ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua
argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar
provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas
coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito
estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo
2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula
que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal
como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes
contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo
em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja
ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas
321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the
right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter
alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing
to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the
above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22
para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal
case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of
coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the
presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do
Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an
accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties
to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which
may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence
independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath
blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo
Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
98
amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente
portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de
investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
ou a natildeo se confessar culpado326
O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como
previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre
as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo
tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia
da vontade do arguido
Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino
Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v
Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo
do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo
considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela
vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo
colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em
que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332
Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-
autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para
entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente
autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da
325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-
5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em
25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773
99
vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue
ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333
No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou
em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende
ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido
em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos
que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam
independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora
nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de
ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o
privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova
de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo
incriminadorardquo335
Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-
americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente
investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se
em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos
A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como
vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo
(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos
circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo336
333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio
da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste
sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel
em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a
OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de
2015 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9
OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e
OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376
100
Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz
menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao
inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da
mente do arguidordquo337
Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas
integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova
incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua
mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave
subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo
do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para
que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente
Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir
pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur
Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou
a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou
natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia
e independecircncia da vontade do arguido
No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um
smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe
e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute
um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339
337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind
of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman
2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]
Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe
alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do
arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do
defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido
ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf
United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]
101
O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone
seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade
Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua
mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada
pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340
Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que
modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto
porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar
algo sobre o qual tenha conhecimento342
Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do
arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um
lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de
uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da
doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343
Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico
que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no
dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua
desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do
arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo
ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe
contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States
1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em
26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-
fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption
password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do
defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are
not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be
compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to
a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State
of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
102
do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa
dependecircncia da sua vontade
Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute
aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende
obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias
Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade
do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela
jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta
tese
De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -
defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar
declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham
obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente
da vontade do sujeitordquo346
Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare
permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija
a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo
praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute
desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348
Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes
do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma
qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo
sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71
103
modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular
desse corpo pretende calar349
Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave
apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e
internacionais
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva
O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da
doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo
com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente
para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo
seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e
comprovaccedilatildeo do crime imputado
No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como
criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo
(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de
toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa
(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina
tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa
(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare352
Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta
activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se
lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria
qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando
assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353
A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a
liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por
349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112
104
contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a
autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com
o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos
casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe
o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354
Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as
autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as
investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o
seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova
da sua culpabilidade355
Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece
acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da
recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo
dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf
instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo
do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais
comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo
activa com o princiacutepio da legalidade357
Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da
palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas
violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees
incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o
seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave
354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da
actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame
tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute
correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo
coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e
OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128
105
informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir
activamente para a sua incriminaccedilatildeo359
Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por
sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital
possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode
optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de
forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no
sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta
activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva
A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um
exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e
tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente
o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No
entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur
manifesta-se insatisfatoacuterio360
Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil
aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre
actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362
Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria
condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas
tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja
utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que
a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando
compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento
contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas
circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364
359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104
106
Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo
e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo
conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda
que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de
ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou
omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou
uma simples toleracircncia passivardquo365
No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a
mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da
escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas
matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua
incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute
difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o
arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo
tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367
nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um
smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente
incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva
o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a
obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias
Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre
este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional
no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de
realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um
comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368
Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia
passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto
Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando
imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o
365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99
107
Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil
praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre
as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados
seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece
evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de
coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva
urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou
do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo
voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371
Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e
inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser
considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo
admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina
e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao
progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens
A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da
ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare
Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a
priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais
rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em
conflito
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios
Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras
e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria
adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo
entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel
desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente
370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63
108
desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e
nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo
Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente
forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial
enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o
peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da
validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo
que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo
que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a
cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374
Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos
definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo
entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se
isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de
optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de
acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376
Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para
Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra
ou um princiacutepio377
Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e
princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios
e a subsunccedilatildeo nas regras378
De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se
depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e
natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de
princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo
373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode
ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida
constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou
simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348
109
natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy
quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder
perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha
de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379
Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta
distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado
de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros
princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas
constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os
direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo
crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso
concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos
princiacutepios
Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de
resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais
Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o
processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos
responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os
arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito
dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros
valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382
Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio
como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida
Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por
forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar
379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo
de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito
amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo
a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146
110
na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-
se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um
ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo
Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam
seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo
de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua
colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o
referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na
ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na
sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas
pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente
como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes
mais graves387
De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma
posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de
que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos
requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem
compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor
procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389
Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou
compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas
determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo
ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos
383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein
dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or
nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios
colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais
implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e
exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em
conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos
ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer
deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23
111
fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela
teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de
terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo
satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito
fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende
Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave
cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode
acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]
jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um
princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia
constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do
princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392
Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso
concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente
diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das
especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo
No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos
fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido
potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e
qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das
necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a
garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais
Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo
o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens
cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir
obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave
terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais
390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo
consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua
vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por
indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24
112
No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente
ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos
a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)
c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve
aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3
in fine)394
Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos
liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei
Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)
e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)
Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel
a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal
Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal
Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de
zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a
possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a
muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta
jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo
de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada
pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei
da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e
393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando
defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo
Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo
criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho
2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um
criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do
queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau
de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo
da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios
de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]
113
artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa
salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf
parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a
extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm
3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396
Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da
legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso
ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute
desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas
natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para
a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos
factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por
um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do
processo [hellip]rdquo397
4331 Exigecircncia de lei formal
No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser
restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a
primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser
reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que
deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e
densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399
396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553
OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o
Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos
contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem
razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em
obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f
OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128
114
Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada
no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute
pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos
anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo
32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece
claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias
Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental
portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses
defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as
teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica
O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio
a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo
estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes
nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos
constitucionais relativos a esses direitos400
Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no
entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos
consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a
essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da
Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente
autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro
lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites
imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com
imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403
400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]
115
Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra
enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos
com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no
artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da
natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em
segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo
trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa
de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo
abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade
da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no
texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407
Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido
O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias
consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa
fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo
pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408
Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro
direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo
Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a
possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual
colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes
404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391
116
Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir
um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e
adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional
democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409
Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor
digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais
uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia
meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se
os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de
estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso
superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que
mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir
direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos
princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto
independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica
que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees
aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio
para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral
e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee
atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro
meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413
409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da
proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais
soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem
corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor
constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir
que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem
constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]
117
Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave
proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente
do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves
restriccedilotildees de direitos fundamentais414
O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade
de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido
tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)
a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio
menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416
O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas
devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este
subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo
de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o
alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o
responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu
ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um
controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta
forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e
cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para
atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem
as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo
pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo
podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do
chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas
ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se
torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao
legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou
direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes
discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739
118
indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo
deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o
meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma
aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins
pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e
materialmente possiacuteveis
O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que
constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve
recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da
necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou
indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser
utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela
comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam
provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a
desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida
restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e
tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer
outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros
interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute
complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo
concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios
ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425
Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da
justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a
gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria
420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida
pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute
efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que
se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica
idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija
mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458
119
e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito
em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de
ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo
Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a
uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende
que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a
ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi
concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o
controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de
proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee
em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos
benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a
adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo
dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor
pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da
nova medida429
Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o
cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega
mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo
do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto
tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo
426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
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120
necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso
concreto431
4334 Garantia do conteuacutedo essencial
O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste
na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo
pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute
constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave
salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432
Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma
criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e
jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo
constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem
uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes
agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e
teorias relativas
Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo
irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria
absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo
essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem
que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera
que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434
que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser
431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o
meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a
necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure
possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo
entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf
Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial
em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259
121
afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da
dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse
objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social
global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo
pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436
Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da
exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse
exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como
mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437
Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo
de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo
essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que
se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o
meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos
fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma
desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental
apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa
a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens
Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia
uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se
pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo
nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439
A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da
proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira
uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer
hipoacutetese440
435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a
garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias
delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014
396
122
Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no
ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da
necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)
dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice
relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente
de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a
extensatildeo do nuacutecleo essencial
Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um
tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos
direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de
outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima
anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um
resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade
constitucionalrdquo441
O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila
assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade
Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer
direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de
pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou
melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de
leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos
Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e
abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais
eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444
Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece
que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer
outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade
441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393
123
suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no
essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de
regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445
O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute
relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer
restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos
passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446
Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente
vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita
a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm
e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447
A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada
retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees
jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute
tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que
as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou
afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e
improacutepria
A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores
intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos
defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees
transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno
Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos
fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450
Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar
claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de
colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de
colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de
445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817
124
colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a
colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que
natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo
de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens
Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela
doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia
natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste
contexto
Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados
contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente
a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos
fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do
meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees
jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452
No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra
Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua
tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute
balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias
normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar
o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido
pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um
Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454
A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo
dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave
451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar
qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de
que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620
125
arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por
natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a
comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem
constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia
insusceptiacutevel de produzir resultados seguros
Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente
criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de
prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica
Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo
de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia
dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos
da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na
medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento
comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel
prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com
proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de
colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta
nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas
Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de
criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais
Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo
de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios
e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a
tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se
converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador
Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em
decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos
fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei
da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser
compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de
455 Reis Novais 2010 640-641
126
prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida
concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso
concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra
explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo
correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer
actuaccedilotildees restritivas da liberdade456
Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente
os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do
nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando
desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito
fundamental restringido evitando a subjectividade
Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios
constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de
restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais
objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na
generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais
exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como
forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem
reservas457
Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro
que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais
raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa
dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve
simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio
da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que
a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a
ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos
agressivorestritivo
456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696
127
Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta
entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo
Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica
quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia
Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto
mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente
adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de
outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem
sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa
hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a
prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo
ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto
Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o
proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de
restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)
E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo
dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo
constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459
Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros
materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a
priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas
estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em
soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)
ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo
sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e
agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do
reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de
458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707
128
ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um
caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460
Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia
de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que
discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas
ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade
estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos
procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos
constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes
juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na
ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem
vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade
subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia
se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo
dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461
Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a
chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo
criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste
criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para
desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio
460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a
seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a
este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a
verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do
controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de
valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se
traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos
direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698
129
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na
desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal
Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones
com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e
apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da
nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e
recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas
desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da
impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de
direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este
princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos
limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da
Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves
perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a
obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de
substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP)
No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo
penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material
Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as
restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes
requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem
obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa
130
atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes
requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois
requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade
Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave
ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou
de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo
ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo
entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute
prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido
amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se
respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise
do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que
obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima
colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009
foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou
a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido
o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone
Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra
Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a
disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem
armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique
ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo
actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia
previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal
131
Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria
uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao
conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses
e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo
ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no
processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves
autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a
possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo
electroacutenico
Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente
respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma
colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo
Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal
referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio
deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em
segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico
Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma
norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe
Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a
criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida
pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a
462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do
seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt
relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para
desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em
httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-
Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to
whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with
the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against
any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to
any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person
shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all
subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and
before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this
section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the
132
notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida
legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido
optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida
entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir
a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente
seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em
conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de
uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na
decisatildeo a proferir467
Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe
pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses
ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a
palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a
descoberta da verdade material468
appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term
not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]
five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a
case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing
a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in
the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies
where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise
of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other
property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2
believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any
person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public
authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to
the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of
the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary
on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for
the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United
Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque
le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette
recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un
autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation
de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient
disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus
sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes
informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme
133
Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples
obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano
temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos
introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469
Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum
comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos
constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute
ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido
pelas autoridades judiciaacuterias470
De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou
inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre
o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico
de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias
informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees
recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge
dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent
ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du
Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du
ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les
autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle
89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm
88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du
procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une
connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui
permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder
ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme
compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure
dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner
agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le
cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui
sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes
sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut
ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de
fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme
informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a
connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret
est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le
dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux
donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo
superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59
134
psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo
contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo
do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471
Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo
do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na
medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472
Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente
e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo
os restantes requisitos
Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse
validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a
obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash
a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um
outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de
maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o
seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o
acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a
realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido
dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e
desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones
dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I
respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor
da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a
anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido
471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111
135
Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o
quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3
do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial
do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia
de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso
algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades
e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso
do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do
nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela
persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de
uma qualquer aniquilaccedilatildeo
Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo
essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre
um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o
arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da
revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo
poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da
garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final
do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas
as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito
sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a
aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos
Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido
natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios
473 Anastaacutecio 2010 217
136
Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o
seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-
passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de
tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por
palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a
aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser
considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento
prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido
seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone
porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda
incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que
faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca
seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade
penal477
Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do
princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido
uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital do arguido
474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the
defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the
smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence
exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will
implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the
passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and
in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a
defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies
statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a
proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua
incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um
coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115
137
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido
Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova
em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos
norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em
sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo
previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por
fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos
pelo primeiro requisito
Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior
Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute
dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro
da unidade da Constituiccedilatildeo)
Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a
colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital
possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo
Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no
sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser
considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova
A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o
arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas
de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por
entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a
inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que
natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba
478 Marques da Silva 2010 318
138
por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o
seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479
No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm
142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando
que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais
processuais integrantes do seu direito de defesardquo480
Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da
jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo
61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal
Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no
entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo
125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo
sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se
mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo
a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o
legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob
cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo
cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano
Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo
tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482
O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees
entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas
natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro
de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem
479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76
139
ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu
dispositivo electroacutenico
Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias
de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando
estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do
arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si
proacuteprio [hellip]rdquo483
Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este
entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o
arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do
arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo
das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e
substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma
qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei
formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de
determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe
agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486
483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de
Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em
sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que
uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no
sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe
profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de
prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro
de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos
electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades
ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade
material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios
constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos
considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de
colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf
Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291
140
Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o
acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico
Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos
entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo
exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo
do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O
simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia
de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do
disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo
ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487
E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm
como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua
impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos
direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave
verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou
interesse constitucionalmente protegido
Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma
ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida
ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das
uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que
como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da
Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre
salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso
Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora
487 Ascensatildeo 1997 918
141
por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos
O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva
em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar
Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem
dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu
smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo
prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material
Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a
ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa
medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre
perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar
A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre
emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades
judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam
estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido
Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na
totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo
armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem
aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades
podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou
pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do
arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone
natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos
oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica
claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este
subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar
o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de
prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de
desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis
142
no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo
da justiccedila e descoberta da verdade material
Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur
ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash
revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que
agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades
judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas
autoincriminatoacuterias
Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de
desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso
do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade
da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua
aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em
todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas
incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade
respectivamente)
De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada
inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos
adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da
adequaccedilatildeo488
Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que
se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel
no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir
o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos
provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela
utilizaccedilatildeo de um meio alternativo
Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para
armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos
informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-
488 Alexy 2014 820
143
mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens
instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre
localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a
este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito
agrave reserva sobre a intimidade da vida privada
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de
caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave
violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do
direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental
consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber
se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam
ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo
Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade
fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de
prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo
Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone
estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros
meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees
seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave
reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do
dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da
presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa
agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais
do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do
meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao
local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto
foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital
489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos
provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou
pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra
afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
relevantes do mesmo titular ou de outros afectados
144
no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam
o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a
comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito
menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da
intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma
busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz
para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo
Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento
sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de
desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos
proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos
sujeitos aiacute presentes
Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade
na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum
prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a
desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma
maior eficaacutecia
Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra
devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa
apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e
busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre
comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios
produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo
Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave
maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende
145
que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490
Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo
dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa
verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios
legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo
criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a
fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais
intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena
esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca
se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a
prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do
interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em
obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave
pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto
oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito
concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista
da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil
e subjectivo
Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida
por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma
afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio
contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia
Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do
interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime
investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera
obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do
arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito
incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento
490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622
146
apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido
ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado
Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute
bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute
consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a
informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este
aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na
necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo
contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do
nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo
Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso
atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila
e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave
indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre
outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo
Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no
sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for
o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia
da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-
passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a
ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos
oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio
493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a
alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un
derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la
intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su
realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del
resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes
individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten
procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174
147
contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade
natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros
gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre
o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)
Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos
constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones
(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e
obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude
desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de
desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em
primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob
investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada
no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de
que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de
todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves
a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas
telefoacutenicas496
Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido
estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina
na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que
novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido
de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas
autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido
e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o
interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila
Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado
de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de
desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos
proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo
indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre
494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216
148
qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da
anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo
estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias
Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto
sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute
natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos
A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de
identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a
impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse
propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais
privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo
estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas
sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel
de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e
digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que
facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico
Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este
dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe
alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute
o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo
matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de
biometric hash
Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um
mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do
arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o
acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500
incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is
being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em
httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-
smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209
149
Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as
ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar
- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave
finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo
de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas
incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de
medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de
eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados
no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente
desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas
ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a
dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas
utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo
justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do
puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de
defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de
terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I
ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais
Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da
intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da
relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da
medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias
Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos
referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees
a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
150
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a
colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso
em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado
Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo
em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima
e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido
previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)
Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como
uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo
digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o
arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e
ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade
abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de
pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos
passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras
Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua
ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de
lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que
obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz
dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a
legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como
afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados
6 Conclusotildees intermeacutedias
Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens
de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo
501 Anastaacutecio 2010 217
151
nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na
jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um
tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo
digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo
isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-
passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser
compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo
arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare502
Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a
desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da
Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo
ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova
tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e
determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade
judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que
os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por
desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso
ao smartphone
A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir
toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte
do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim
retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a
concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da
desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo
digital tratando estes dois meacutetodos como iguais
Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se
entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas
cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento
502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86
152
uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao
dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias
Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer
que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como
incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves
entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos
que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas
condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez
revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos
Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a
ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone
fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados
que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os
mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem
reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo
desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506
A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com
intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo
autoincriminatoacuteria taacutecita508
Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos
concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a
504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a
means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]
biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to
admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt
the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have
control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf
HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21
153
possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela
existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que
uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo
de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja
uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em
sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e
que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo
I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim
compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados
aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em
violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do
nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos
154
155
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de
introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas
alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade
que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer
requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512
No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto
ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo
atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material
probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido
no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio
e distante da eacuteticardquo513
Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio
da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao
proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar
(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada
no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios
tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo
atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode
o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos
documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher
indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a
natureza da factualidade a provar515
511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a
utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de
serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja
que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561
156
Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave
semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo
valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute
uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e
obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518
1 As proibiccedilotildees de prova
Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas
abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A
este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova
satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo
Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a
prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como
proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e
mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra
relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de
averiguaccedilatildeoraquordquo519
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de
valoraccedilatildeo de prova
Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de
investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das
proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das
consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520
Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria
alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo
de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova
(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das
516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade
natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de
hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e
(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134
157
provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de
sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da
valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a
realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes
ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre
eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524
Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se
tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova
proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos
abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem
proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da
proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees
quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da
Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do
nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova
satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos
advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no
processo530)531
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova
O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se
essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa
consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a
522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)
por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008
329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por
exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar
[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por
exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222
158
injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que
disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso
O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova
e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a
nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade
fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da
integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de
obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia
ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos
comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em
causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4
do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534
Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte
natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer
a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em
vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias
o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores
do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos
532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de
prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas
[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques
2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos
devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo
judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos
proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de
anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em
causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da
CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de
em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo
32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira
Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas
sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no
sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo
probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329
159
da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos
de prova535
Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm
8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as
proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora
uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que
sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm
3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou
em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas
autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos
proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo
126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas
no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual
outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que
o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo
injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538
Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo
de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica
ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos
fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539
Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam
antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum
de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa
utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral
respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade
pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui
objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade
535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578
160
de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541
vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por
coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta
dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de
vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de
prova542
13 A invalidade do acto processual
Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs
associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo
ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime
da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades
dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades
insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade
prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica
das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do
presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545
Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves
proibiccedilotildees de prova
Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as
nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade
mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade
em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica
completa em face do regime das nulidades processuais546
O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo
126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo
ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim
a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP
541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101
161
apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem
as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a
finalidade de demonstrar que eacute proibida548
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova
Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute
para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros
meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do
efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da
proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas
das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550
O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma
determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido
ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que
eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves
provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente
se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses
frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o
arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551
Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore
envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua
equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)
enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra
os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem
inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552
548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co
v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em
causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade
comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador
(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para
produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo
Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando
pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de
uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas
162
O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os
procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de
produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo
chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553
Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez
pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm
77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo
impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo
valorativordquo
Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e
irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do
enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de
excepccedilotildees554
Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent
source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United
States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de
1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao
lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente
de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que
foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560
assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de
maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e
inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses
factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios
iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu
pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de
1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737
163
A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta
inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees
Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das
provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro
tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da
lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que
a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal
mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565
Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo
(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963
e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no
processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam
chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova
mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre
tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas
secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570
Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo
autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que
mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser
utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572
561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em
09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]
164
Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de
prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao
nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da
ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso
ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de
analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e
qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos
fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)
instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto
da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio
No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte
das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo
proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo
da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo
Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o
fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando
atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os
meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo
da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo
Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem
de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-
passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um
meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido
573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal
alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal
de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin
2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do
StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade
do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423
165
Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios
de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a
direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que
natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo
as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo
obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a
vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade
do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do
arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias
probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os
dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria
Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos
limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo
eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de
Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo
proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575
cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576
Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito
difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova
desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso
do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente
proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira
De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a
provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal
como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade
reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados
574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo
[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas
mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282
166
possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o
arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578
Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas
secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo
do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina
tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-
nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a
excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)
A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada
no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas
armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova
tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-
passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora
ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-
passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam
utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos
Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou
maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de
desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de
uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a
palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder
licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los
como prova no processo penal
Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido
culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do
artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-
distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)
como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas
secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem
578 Costa Andrade 1992 315
167
ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte
independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem
168
169
CONCLUSOtildeES GERAIS
Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de
desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este
permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura
da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees
As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o
mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional
considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados
claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio
Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo
dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo
compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a
fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo
e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs
Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por
fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional
poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza
absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido
eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias
Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas
que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem
a conduta omissiva do arguido
Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da
revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser
reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de
uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida
pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo
o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo
podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo
170
acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que
permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e
atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais
(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo
legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo
tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no
sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se
passa na lei inglesa e belga
No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo
como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem
a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de
sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal
expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos
fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos
concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido revelaram-se desproporcionais
Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as
ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da
leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento
juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo
deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas
O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido
agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que
se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos
quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de
legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do
171
nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu
smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma
zona de offshore digital num Estado de Direito579
579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada
a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
172
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
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195
Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998 disponiacutevel em
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Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2
de Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014
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197
Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
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Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml
Segura v United States 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel
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Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008
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198
199
ANEXOS
Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust
200
201
202
203
204
205
Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond
STATE OF MINNESOTA
IN COURT OF APPEALS
A15-2075
State of Minnesota
Respondent
vs
Matthew Vaughn Diamond Appellant
Filed January 17 2017
Affirmed
Smith Tracy M Judge
Carver County District Court
File No 10-CR-14-1286
Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and
Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)
Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St
Paul Minnesota (for appellant)
Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith
Tracy M Judge
S Y L L A B U S
A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos
cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
O P I N I O N
SMITH TRACY M Judge
Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor
theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his
convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment
(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos
circumstantial evidence was insufficient We affirm
206
FACTS
On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH
returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been
kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items
of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her
driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the
shoeprints left on the garagersquos side-entry door
Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and
license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on
October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police
located SWrsquos car which
Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case
He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes
and cellphone
The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond
Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the
garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to
seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW
attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released
On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos
shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the
contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the
warrant on November 21
In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to
unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the
district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos
cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to
unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or
thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On
April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order
would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his
cellphone
At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW
arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement
The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was
tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond
thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the
district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3
At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)
the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)
SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and
identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text
messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos
residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints
on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]
going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would
be dismissed if SW did not testify or recanted her statement
207
The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree
burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property
Diamond appeals
ISSUES
I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property
II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone
III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond
committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property
ANALYSIS
I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment
Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos
directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an
unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency
exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable
because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions
to jail staff
In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal
conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability
of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33
(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id
The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo
of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v
Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the
consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of
property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully
interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113
104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence
of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33
A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence
until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The
United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from
destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-
32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement
officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have
not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its
contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United
States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))
Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant
Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone
208
which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day
Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone
In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be
justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the
police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court
concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme
Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained
on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary
seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect
physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes
See McArthur 531 US at
331-32 121 S Ct at 950
Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson
ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond
did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of
viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure
inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the
district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional
questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a
constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)
But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument
we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that
Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a
ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA
lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos
reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied
(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable
As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their
law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In
McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement
needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search
his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement
needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and
inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed
Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left
on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed
Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant
On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before
attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the
Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at
2495
We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and
that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion
II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to
provide his fingerprint so police could search his cellphone
Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his
Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for
580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he
asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015
209
Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege
against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600
NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)
The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness
against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94
(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth
Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which
proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of
its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v
Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme
Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own
compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580
(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the
cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was
unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock
a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo
In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established
that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly
relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against
himselfrdquo Doe v United States 487 US
201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that
[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in
which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish
a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing
Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)
(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951
1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929
(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826
Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously
returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the
contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus
hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the
statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two
days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral
argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the
omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes
373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)
210
1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)
(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually
held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo
Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J
dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of
physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560
562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs
does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)
Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to
support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned
that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was
unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by
[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his
possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the
filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a
combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially
incriminate Id
By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any
knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district
courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a
combination See eg In re Grand Jury
670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that
requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth
Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in
ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled
to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing
handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at
210 108 S Ct at 2347-48
Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate
ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the
fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion
211
that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would
communicate his exclusive use of the cellphone
Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints
would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument
however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled
Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to
unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond
providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a
thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the
detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks
itrdquo
It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and
thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or
which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There
is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the
cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with
the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an
additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he
initiated
In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone
did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth
Amendment privilege against compelled self-incrimination581
III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions
Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not
exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property
When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis
State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances
provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of
these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved
by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence
in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and
disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine
581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be
compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment
212
whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis
except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)
Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without
consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty
of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without
the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn
Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the
person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent
Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)
The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October
30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos
side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos
driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time
she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she
sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers
near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of
Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door
Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes
at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in
isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down
MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a
crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other
rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the
juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and
fourth-degree criminal damage to property
D E C I S I O N
The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of
his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment
The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not
require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos
conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree
criminal damage to property
Affirmed
213
Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan
NO LA081589
SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES
PAGE NO 1
THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01
PAYTSAR BKHCHADZHYAN
LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY
STATION
BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER
DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515
AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY
CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH
HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE
FOLLOWING OFFENSE(S) OF
COUNT 01 5305(A) pc FEL
COUNT 02 487 (A) pc FEL
COUNT 03 529(A) (3) pc FEL
COUNT 04 484E(D) pc FEL
COUNT 05 484E(D) pc FEL
COUNT 06 484E(D) pc FEL
COUNT 07 4841(C)
pc FEL NEXT
SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE
081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY
ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)
ON 082115 AT 800 AM
NEXT SCHEDULED EVENT
082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE
COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS
214
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT
COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN
DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING
A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE
DEFENDANT BAIL SET AT $50000
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT
100
082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED
(082415)
CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY
ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE
DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE
1275PC HOLD ON THE
DEFENDANT
NEXT SCHEDULED EVENT
DISPOSITION
ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR DISPOSITION
PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF
CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 05
484E(D)
pc
215
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)
PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04
484E(D) pc
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND
PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING
IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS
ZERO OF 10
THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10
090915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING
SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT
ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112
DAY 00 OF 10
092915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 06
484E(D)
pc
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 07
4841(C) pc
216
ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY
HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED
BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT
112
DAY OO OF 30
102815 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING
RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY
REFERENCE HEREIN
JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING
CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES
SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR
DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION
DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING
THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE
COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES
THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO
CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND
ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS
217
AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT
CONVICTIONS FOR THE
SAME OR SIMILAR OFFENSES
THE EFFECTS OF PROBATION
IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF
THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE
CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE
UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF
THE UNITED STATES
THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND
EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS
THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND
PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF
SECTION
530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY
COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA
AND COURT ACCEPTS PLEA
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16
NEXT SCHEDULED EVENT
012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
120915 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)
DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE
COUNSEL
ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT
DATE NEXT SCHEDULED EVENT
022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
012516 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
218
ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE
COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE
IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT
ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT
AS TO COUNT (01)
COURT ORDERS PROBATION DENIED
SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)
COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01
DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL
CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME
FORTHWITH
PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )
$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373
GC)
$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)
COMMIT
MENT
ISSUED
TOTAL
DUE
$8000 IN
ADDITIO
N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION
120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300
COURT ORDERS AND FINDINGS
-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE
BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT
IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER
BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW
ENFORCEMENT IDENTIFICATION
HARVEY WAIVER TAKEN
COUNT (01) DISPOSITION
CONVICTED REMAINING COUNTS
DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
219
COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
DMV ABSTRACT NOT
REQUIRED NEXT
SCHEDULED EVENT
PROCEEDINGS TERMINATED
022516 EXONERATED AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED
ON 022916 AT 900 AM
COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY
JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN
030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO
DEPARTMENT OF
J USTICE
220
221
Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan
222
223
224
225
Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 15
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana
19
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24
14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25
15 Conclusotildees intermeacutedias 27
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos
da Ameacuterica 28
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28
211 Requisitos da Quinta Emenda 28
2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31
212 Limites da Quinta Emenda 36
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37
2122 Imunidade (immunity) 39
3 Conclusotildees intermeacutedias 40
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43
1 Os smartphones e a prova digital 43
2 A Lei do Cibercrime 46
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56
4 Conclusotildees intermeacutedias 56
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61
21 Noccedilatildeo 61
22 Funcionalidades 62
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64
231 Palavra-passe 65
236
232 Biometria 68
3 Conclusotildees intermeacutedias 76
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO
DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-
AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79
1 Colocaccedilatildeo do problema 79
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81
21 Consagraccedilatildeo 83
22 Fundamentos juriacutedicos 87
23 Limitaccedilotildees 89
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare 96
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos
fundamentais 109
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111
4331 Exigecircncia de lei formal 113
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido 115
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116
4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido 137
6 Conclusotildees intermeacutedias 150
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155
1 As proibiccedilotildees de prova 156
237
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo
de prova 156
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157
13 A invalidade do acto processual 160
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo 164
CONCLUSOtildeES GERAIS 169
BIBLIOGRAFIA 173
ANEXOS 199
3
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
A NECESSIDADE DE DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Restriccedilotildees ao Princiacutepio de
Natildeo-Autoincriminaccedilatildeo na Era Digital
VANESSA FERNANDES
Dissertaccedilatildeo apresentada para obtenccedilatildeo do Grau de
Mestre em Ciecircncias Juriacutedico-Criminais no Curso de
Mestrado Cientiacutefico da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa
Orientador Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO CIENTIacuteFICO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-
CRIMINAIS
LISBOA
2017
4
5
Aos meus avoacutes
6
7
A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo
Harvard
8
9
SIGLAS E ABREVIATURAS
AAVV Autores vaacuterios
ADN Aacutecido Desoxirribonucleico
al Aliacutenea
artordm arts artigo artigos
CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
cf cfr confira confronte
CP Coacutedigo Penal
CPP Coacutedigo de Processo Penal
CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
EUA Estados Unidos da Ameacuterica
FBI Federal Bureau of Investigation
HTC Hit the Cell
ie id est (isto eacute)
ID Identity
MMS Multimedia Messaging Service
MP Ministeacuterio Puacuteblico
nordm nos nuacutemero nuacutemeros
NSA National Security Agency
OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico
PIN Personal Identification Number
pp Paacuteginas
RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000
seacutec Seacuteculo
SMS Short Message Service
StPO Strafprozessordnung
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
v Versus
vg verbi gratia (por exemplo)
10
11
RESUMO
A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por
palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de
documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos
seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no
sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos
dos seus dispositivos electroacutenicos
No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo
vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a
niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta
capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade
de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos
probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo
instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico
No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo
resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na
investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em
colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar
constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo
situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam
contribuir para a sua incriminaccedilatildeo
Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a
uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo
actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de
igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a
revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu
smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este
trabalho sugere que sim veremos porquecirc
Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital
autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova
12
13
ABSTRACT
The implementation of encryption technology on smartphones such as password or
fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and
personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password
or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the
contents of his electronic device
However with these advantages come unforeseen legal implications Currently
smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not
only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate
data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of
evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the
pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device
is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to
collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo
tenetur se ipsum accusare
The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an
involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is
constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in
which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his
incrimination
But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an
alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard
highly private and personal information and both are equally deserving of protection
from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to
provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants
privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why
Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination
exclusionary rules
14
15
INTRODUCcedilAtildeO
Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute
exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se
encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido
destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o
acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone
Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e
teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia
geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de
colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas
compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha
compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem
duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar
que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina
internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste
sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da
investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano
Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente
de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela
inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo
criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo
Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades
judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute
necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees
digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional
De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos
nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de
acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de
sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos
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de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam
peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo
importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de
complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de
trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados
para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles
dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o
desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal
Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da
sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por
intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as
dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao
grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos
dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a
investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo
afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a
investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do
arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal
colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de
centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar
se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido
de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu
smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo
por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha
faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por
parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua
palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da
desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e
perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-
americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio
nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal
portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo
17
praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de
desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a
apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)
Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um
ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-
se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra
protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro
capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de
encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos
existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder
ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o
arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o
seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da
palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo
digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda
cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo
deste princiacutepio constitucional
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CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-
americana
Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger
ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente
armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta
tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones
Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento
de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails
fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para
aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros
possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica
preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente
os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1
Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos
electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados
biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a
privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de
outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo
reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o
coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos
Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a
questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu
dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados
biomeacutetricos
Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que
faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana
1 Oliveira Silva 2015 735
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11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2
No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach
Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado
e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3
A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo
de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi
colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de
Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no
entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4
Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido
sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto
para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido
No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi
recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de
gravaccedilatildeo flash drives e um computador
Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do
segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao
conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava
protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou
uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que
desencriptam o smartphone
A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido
a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)
2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em
httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-
rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em
22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-
breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]
21
A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o
pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido
de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir
o arguido a fornecer a sua palavra-passe
No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar
a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o
seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo
criminalrdquo7
A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o
juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido
cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de
uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria
(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas
para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da
impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo
requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da
impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz
Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a
revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de
compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8
Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a
lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital
como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais
Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo
comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone
eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido
lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de
6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-
conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-
phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having
to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles
Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-
fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente
Dissertaccedilatildeo
22
caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o
arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para
compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para
compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9
Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a
sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso
ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse
das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade
eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso
O arguido foi absolvido por falta de provas
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11
No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030
e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200
encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado
Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia
a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou
um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou
fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem
Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia
de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu
ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima
numa loja de penhores
9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry
The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental
processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the
Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to
lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a
fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the
fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo
23
No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de
SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido
foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo
relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram
recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone
Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no
local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e
apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um
mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone
de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective
Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo
Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a
desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde
depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal
de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida
pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo
entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta
Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de
Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia
e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser
penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as
autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o
acesso a todos os seus conteuacutedos
Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew
Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau
ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo
esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em
iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade
ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de
sistema Android
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O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto
em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima
O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio
contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu
smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas
autoincriminatoacuterias
O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew
Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido
de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou
comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um
smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees
digitais
Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso
apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district
court)
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12
No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos
da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi
condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado
as acusaccedilotildees13
Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois
de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a
cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades
policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que
fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de
permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava
protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe
12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo
25
Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave
tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar
Bkhchadzhyan
Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje
desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia
pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro
de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por
perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees
atraveacutes de pirataria informaacutetica
No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a
pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do
iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de
2016rdquo16
Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan
a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se
infrutiacutefero17
Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das
impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho
usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan
recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu
Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar
Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar
14 Mandado de 9 de Maio de 2016
No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades
judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca
15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-
up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person
covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California
91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016]
26
a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda
autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem
compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees
digitais
Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela
advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No
memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao
pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees
digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante
a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de
dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se
encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo
acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20
No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa
uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo
digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada
durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser
encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos
aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo
o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros
dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21
Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se
encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da
18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-
demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant
which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the
SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law
enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente
dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or
indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause
that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and
maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords
encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1
Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-
force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]
27
impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo
entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de
Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras
produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma
palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e
sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade
de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu
utilizador torna-se extremamente difiacutecil
Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns
limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do
iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem
ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da
palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear
Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e
a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes
da leitura das suas impressotildees digitais
O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo
viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
15 Conclusotildees intermeacutedias
Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a
palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um
lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se
tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de
protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo
Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees
chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela
Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-
demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]
28
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados
Unidos da Ameacuterica
Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo
da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao
princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no
sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o
arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo
Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda
ajudar-nos-aacute a obter uma resposta
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte
ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por
denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo
de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia
quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas
vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute
obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade
ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada
para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase
ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo
211 Requisitos da Quinta Emenda
Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum
accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode
23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment
or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when
in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to
be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property
be taken for public use without just compensationrdquo
29
ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que
recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos
sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute
igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do
ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si
proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e
judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em
desobediecircncia26
No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja
reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que
sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos
distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes
requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o
arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou
comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do
fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades
judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo
24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official
questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might
incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of
every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial
Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v
California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml
[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from
him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would
forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we
need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited
whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo
Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States
30
pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na
sua incriminaccedilatildeo32
Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio
do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre
esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo
digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees
2111 Coacccedilatildeo (compulsion)
Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma
pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum
tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a
afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar
perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34
Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e
esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36
Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana
jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees
do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)
No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio
que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os
v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em
24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo
natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v
United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em
24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States
v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado
em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a
31
tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco
substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma
acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo
do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido
incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo
se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro
seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo
poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no
sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto
impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem
palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)
Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais
cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que
resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode
ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados
substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos
definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de
ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos
Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no
entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos
conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the
chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States
1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em
24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v
Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059
[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml
[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer
2015 26 45 AllenMace 2004 267-268
32
desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de
factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute
perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o
roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o
paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda
quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a
comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47
No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica
definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou
implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No
entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver
igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o
Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado
a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula
de Autoincriminaccedilatildeordquo50
Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando
as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu
computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe
seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria
considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora
da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o
tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco
riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente
46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201
[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of
his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)
Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-
courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]
33
caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal
acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar
(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador
Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua
grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a
desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma
vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55
Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta
temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo
jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo
eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan
Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o
governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao
arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta
Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da
palavra-passerdquo59
Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)
importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou
por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua
vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O
54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the
suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in
naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015
413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-
fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant
enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it
would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014
2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-
state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado
em 28112016]
34
primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v
United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a
testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta
Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi
expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do
arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar
expirado
No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher
uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada
com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido
por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65
O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-
testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e
de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue
urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto
porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de
conhecimento68
60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition
of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body
as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute
violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise
provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605
[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States
v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado
em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-
casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355
35
Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a
Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou
atributos identificadores70
Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-
americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila
entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside
no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo
natildeo71
Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de
smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta
sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como
declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)
Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes
da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em
consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada
pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de
considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)
No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de
encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem
ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert
Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente
agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na
cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo
ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute
preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido
uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de
69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law
enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016
2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-
storyhtml [consultado em 28112016]
36
terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute
contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento
da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados
biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que
os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento
George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude
com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar
na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm
autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante
uma actividade criminosardquo75
Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela
jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a
necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem
que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido
detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77
com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local
do crime
212 Limites da Quinta Emenda
Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as
entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho
incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim
os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora
73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for
the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your
knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em
httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-
with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means
therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em
httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em
28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-
132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]
37
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas
fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse
imunidade ao arguido79
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)
Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo
conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende
compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave
sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou
nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta
Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto
nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera
independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial
evidence)
A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo
da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu
conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova
pelo arguido c) a autenticidade da prova82
Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o
Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de
impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que
a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o
contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo
simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85
78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo
conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a
informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone
conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by
conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203
38
A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma
justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86
Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87
para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o
governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88
mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram
encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo
compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90
a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United
States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94
Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o
arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base
na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por
parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute
eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o
fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel
natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96
86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v
David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em
httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]
Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-
court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em
httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-
circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em
28112016] 96 Wilson 2015 26
39
2122 Imunidade (immunity)
Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como
tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de
incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao
suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas
perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo
concedido pela Quinta Emenda98
A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo
e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo
responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar
tal violaccedilatildeo
Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo
dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima
anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar
pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito
de obter coactivamente determinadas provas99
O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a
testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem
(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra
informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100
No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade
deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute
provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de
imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102
97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-
incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information
directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in
any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83
40
consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas
deste103
Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a
tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve
conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras
proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer
outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar
qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido
numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte
legiacutetima e independente do testemunho compelido105
Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e
que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva
comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo
prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106
3 Conclusotildees intermeacutedias
Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-
americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de
prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido
contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)
coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas
Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo
do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro
103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
29112016] 106 Soares 2012 2007
41
requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute
relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de
que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido
eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que
a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser
compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a
colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo
Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da
Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo
de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando
a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um
conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros
que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone
conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido
Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da
palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo
digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre
saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos
jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional
42
43
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS
Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute
resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido
No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o
ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de
estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal
Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do
problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede
de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal
eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados
no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de
acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo
problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado
por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo
mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo
eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos
devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do
smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido
legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha
feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece
loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado
se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do
aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que
discorreremos nas proacuteximas paacuteginas
1 Os smartphones e a prova digital
Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se
regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada
44
assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado
igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica
O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela
sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso
no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda
assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior
inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque
o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova
em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros
procedimentos
Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta
da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha
de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e
recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo
125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as
provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de
cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo
de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo
admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da
legalidade e objectividade108
A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de
informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou
digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a
informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou
remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que
seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital
seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que
estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista
107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova
pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9
45
mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a
informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente
numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e
traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112
Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um
forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que
um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se
trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser
apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a
rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos
fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115
Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar
que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave
ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com
a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos
de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre
outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos
pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)
Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua
capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os
investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma
investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de
seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute
significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo
de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail
fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas
112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz
chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a
panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio
leitor de muacutesica mapa entre outras
46
histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as
redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees
geograacuteficas entre outras119
Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone
podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais
de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de
imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a
intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do
histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de
suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a
praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios
dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos
Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os
investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser
considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade
de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova
armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo
e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados
Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de
Setembro de 2009
2 A Lei do Cibercrime
Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime
No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios
causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da
publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde
15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o
Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da
119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas
de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e
os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos
processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por
uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute
compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel
47
Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica
nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o
direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de
Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo
Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre
disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria
penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo
desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais
nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de
dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a
dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados
informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees
(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional
(artigos 20ordm a 26ordm)
Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo
o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da
Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto
sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121
independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes
sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)
Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito
probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre
cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas
nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional
e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados
ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento
automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto
de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles
dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm
da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre
o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de
informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre
dados informaacuteticos)
48
correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica
em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122
Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do
Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave
recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a
quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute
caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso
a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na
aliacutenea c) do seu artigo 11ordm
Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve
anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados
informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo
de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)
No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede
de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e
a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores
da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos
incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails
contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento
destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum
tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos
gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados
informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto
mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo
electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos
em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos
No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista
no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser
122 Mesquita 2010 98
49
emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre
determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa
ou que permita o acesso aos mesmos123
No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o
nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo
Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados
relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que
natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em
maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais
adiante no nosso estudo
As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida
com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que
dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar
a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do
smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a
colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela
O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio
criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo
criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional
mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as
entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo
de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124
armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente
autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema
informaacutetico125
Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2
do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem
tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou
123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados
informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser
pesquisados 125 Rodrigues 2010 446
50
altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia
criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria
devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo
semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos
3 e 4 do artigo 15ordm)
Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal
executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro
sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados
satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo
15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou
lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1
e 2 do artigo 15ordm da citada lei126
No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado
com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio
ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros
estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei
do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob
uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os
programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a
pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias
deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime
Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do
Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave
autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos
dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de
outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem
necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127
126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451
51
No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa
(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal
levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da
autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade
judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se
durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz
de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no
despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo
apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da
Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria
no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de
intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo
dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados
pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de
terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa
a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou
aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos
tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades
legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129
Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime
que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime
natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em
mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas
tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo
sobre o Cibercrime
O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de
correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem
armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa
128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741
52
informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a
apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova130
Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui
um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute
ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de
prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma
pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido
regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que
ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema
informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que
seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico
ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar
por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo
Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende
que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com
pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave
nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm
do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito
mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea
a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo
se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos
constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de
130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102
53
ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees
apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo
179ordmrdquo132
Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos
distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das
mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm
1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o
juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia
apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo
de Processo Penal)
Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a
apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a
existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro
Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria
de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas
realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais
mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e
junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails
SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133
Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar
que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema
que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a
eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone
e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees
fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto
De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja
validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre
dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744
54
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de
telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos
validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC
Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a
apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm
da Lei do Cibercrimerdquo134
No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu
destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das
mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo
judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135
Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo
provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia
encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)
ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta
apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do
despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o
correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo
a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais
Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a
primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja
quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica
das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o
primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de
texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa
134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d
OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016]
55
mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia
da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-
mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente
determinantes para a provardquo137
Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o
proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz
mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute
ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por
uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as
mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem
encontrados no decurso de pesquisas
Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao
remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de
Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees
Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela
jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou
determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como
determinante para a prova sob pena de nulidade
Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo
concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute
aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades
judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de
multimeacutedia armazenados num smartphone
137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua
apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de
informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo
relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca
haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]
apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um
juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745
56
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal
Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees
de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime
da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a
aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees
A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no
Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte
digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime
para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento
juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue
a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime
aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato
para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico
- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal
na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140
Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi
no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo
17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de
texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo
16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias
gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)
armazenados em smartphones
4 Conclusotildees intermeacutedias
Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder
agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a
apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo
portuguesa
140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm
1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal
57
Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de
prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por
um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito
de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital
previsto no Coacutedigo de Processo Penal
No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone
para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira
instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada
pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em
ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de
apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade
de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos
Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados
ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de
dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo
de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias
viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria
para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que
autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)
Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta
apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia
sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio
pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem
consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo
Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia
cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
58
deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio
electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do
Cibercrime)
Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros
electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No
entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o
acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone
Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios
armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por
parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute
sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida
59
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves
autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de
obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo
raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros
guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de
aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo
criminal torna-se mais complexa
Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos
smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe
alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os
casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o
elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da
encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar
No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o
fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade
informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142
A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos
os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o
apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente
criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda
pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto
essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute
divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas
negociaccedilotildees
142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits
of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets
Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109
60
Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou
de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade
digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade
e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146
O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo
tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto
profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute
sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash
digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os
telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar
que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo
que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua
privacidade
Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de
condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de
participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta
forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado
momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de
caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o
escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana
Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas
informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de
comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150
No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade
moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas
dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente
encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes
terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada
146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21
61
Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios
electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar
teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de
desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital
de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila
da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se
que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende
manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se
encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones
O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo
recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de
alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como
encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores
diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e
amantes ao longo do tempo152
Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas
de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo
passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com
variados propoacutesitos153
21 Noccedilatildeo
A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer
informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154
No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)
para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode
ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de
encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute
codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra
151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141
62
numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna
consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a
encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando
impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros
e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do
modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para
terceiros ndash governo ou particulares
Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio
de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas
de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo
escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo
definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada
em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o
processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160
22 Funcionalidades
Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos
a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo
e) e o ldquociphertextrdquo162
A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo
de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo
pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo
electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes
criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros
fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila
baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a
terceiros natildeo autorizados
157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512
63
Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de
privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como
a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a
implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma
medida de seguranccedila e privacidade164
A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa
investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave
encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para
evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro
de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara
tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos
Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo
encriptados167
Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas
informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens
De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque
a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e
ldquobackdoorsrdquo168
Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao
smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de
diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da
combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser
mais ou menos demorado
A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a
tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas
para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante
164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-
store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you
have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em
httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold
[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19
64
anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo
seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-
reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo
Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo
As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio
de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como
brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao
dispositivo sem a necessidade de desencriptar171
Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que
a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um
ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que
criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre
os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades
judiciaacuterias172
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones
Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones
muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou
de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores
distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou
um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-
passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital
a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante
seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade
170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a
backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em
determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um
aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-
idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]
Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante
qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione
una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una
caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454
65
Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado
podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe
e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos
ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)
reconhecimento de voz175
Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o
dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse
motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo
implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder
ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos
(quer simultacircnea quer separadamente)
Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a
impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e
desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo
231 Palavra-passe
A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem
como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no
smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-
passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177
Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma
variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo
da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da
encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis
ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente
seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de
programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-
passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-
passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139
175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153
66
biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para
conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio
do proprietaacuterio
A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6
diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais
complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de
apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-
passe alfanumeacuterica
Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple
a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo
de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No
entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos
com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades
para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de
chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a
esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades
judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no
smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo
Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema
de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones
mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de
encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de
seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo
da palavra-passe182
De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de
smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como
tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens
O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais
179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-
passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]
67
O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo
exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os
ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de
criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua
memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de
palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso
profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o
utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de
alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a
memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte
do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis
Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe
longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe
curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes
de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado
que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares
para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para
evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num
papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a
seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente
autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone
O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a
sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem
qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute
incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente
(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome
183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
12122016]
68
conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu
poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone
Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa
a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
232 Biometria
Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que
permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria
A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892
o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees
digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave
biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto
como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189
A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as
propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a
seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190
Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel
e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de
determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia
biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas
suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise
188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-
repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-
recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova
vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della
sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como
ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf
OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-
ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec
ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]
69
estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of
biometricsrdquo193
As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais
utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos
No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas
a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo
da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194
A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o
registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma
amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de
impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra
satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma
subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da
amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave
semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo
igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo
biomeacutetrico fornecido anteriormente
Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas
apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de
identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na
tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197
193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche
biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la
verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il
rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora
Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera
lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72
70
No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua
identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que
apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e
comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada
nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala
ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198
Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra
relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na
encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser
aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra
biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo
registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo
digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso
natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de
salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de
smartphones199
Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na
encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as
vantagens destes meacutetodos
Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da
utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de
memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer
processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais
198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years
Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique
ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices
have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo
Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]
71
do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de
memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica
Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas
deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de
serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a
possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos
Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a
dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por
biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de
terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de
partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo
de um determinado smartphone204
Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo
tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave
biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205
Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de
memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar
constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador
precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em
meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave
conveniecircncia do meacutetodo207
201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707
[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the
market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have
fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs
e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf
Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]
72
A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer
tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua
natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de
seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone
Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de
encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste
meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de
impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital
e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados
pessoais210
Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo
de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos
casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam
diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular
eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por
fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais
utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a
autenticaccedilatildeo
Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa
que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico
eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo
dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das
vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma
reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a
possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo
208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are
alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one
enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf
Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 14122016]
73
digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital
para aceder a um smartphone214
E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma
das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel
Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo
seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a
impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone
na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de
acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216
No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees
digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens
notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador
tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da
impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma
leitura bem-sucedida217
Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os
elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final
do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado
um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar
que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de
dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de
desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas
213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little
more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos
Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf
Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-
hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em
14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]
74
tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones
tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de
ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado
Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-
se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de
analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos
ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves
particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID
A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos
dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da
introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou
notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte
dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que
autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o
utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o
facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe
para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado
como uma alternativa menos incoacutemoda221
A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de
hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue
captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em
pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas
impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma
representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais
anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital
219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision
It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual
details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in
ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on
iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]
75
fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado
automaticamente223
Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo
escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4
ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais
O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o
acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes
das aplicaccedilotildees instaladas225
Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da
aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID
O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo
apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que
funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado
de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este
processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo
matemaacutetica registada
O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no
A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o
propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no
smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave
apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema
operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a
iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas
223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-
down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-
will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-
fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]
76
Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a
introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado
b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo
natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou
apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees
do Touch ID
3 Conclusotildees intermeacutedias
Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave
constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade
actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os
seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos
tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares
como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a
encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje
em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por
parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231
Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito
de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a
impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia
encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo
encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades
judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo
lugar a claras desvantagens
Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas
complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas
mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as
autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados
num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que
230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]
77
entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em
pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o
direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
78
79
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
1 Colocaccedilatildeo do problema
Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente
adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como
tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-
americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo
Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em
especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto
porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente
do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os
suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo
pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente
ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone
encriptado
Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o
acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o
processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja
porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de
nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe
ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-
force attacks235
Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos
necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo
232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um
possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo
virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de
outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias
2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208
80
despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que
as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236
Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser
bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o
suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo
Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir
aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237
Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238
No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a
impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo
armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees
quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o
princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma
divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido
ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o
smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido
ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem
violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo
processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239
Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas
situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo
sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare
236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403
[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92
81
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec
XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo
o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de
que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa
evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades
puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do
modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico
Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do
arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional
numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito
direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade
de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou
por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243
A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo
tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee
que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria
defesa245
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo
deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que
o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua
proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou
240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado
em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18
Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf
[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser
fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios
de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da
culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121
82
elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que
do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis
no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal
de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto
da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de
verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como
presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este
deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual
a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa
Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios
que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra
a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na
investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de
comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo
nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma
determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a
colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que
lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila
246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b
OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal
da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam
ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou
ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de
30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46
OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146
83
do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio
eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu
turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido
seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo
autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais
longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do
nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255
21 Consagraccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees
dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei
fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio
ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de
protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do
Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como
princiacutepio essencial do processo penal
De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos
Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em
plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar
contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo
Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado
natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute
presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido
contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de
adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da
Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum
252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20
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accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do
arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo
o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de
prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade
deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido
estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada
no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente
na ordem juriacutedica interna259
Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de
outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo
espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262
a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e
italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa
Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do
arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito
ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a
jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo
unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como
258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute
obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra
si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual
ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades
responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o
suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa
ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante
essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur
se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo
penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em
18012017]
85
quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare
como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266
No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo
expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido
(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267
Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial
em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo
responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem
imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao
silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem
recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido
como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a
responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo
penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve
ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante
as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de
as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8
do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao
silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271
265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e
articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de
deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr
artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo
de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou
ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o
arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos
141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu
silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido
ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser
interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187
86
Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito
ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na
doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em
sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista
abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se
encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser
obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A
maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante
ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute
solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo
teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos
meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam
postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses
expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos
cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-
passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou
gestuais275
Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do
arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que
toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em
sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de
julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca
da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do
Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)
272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo
do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a
garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o
suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio
utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263
87
Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de
exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo
172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo
facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante
22 Fundamentos juriacutedicos
Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu
fundamento e conteuacutedo
Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies
distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente
substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279
Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento
deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam
directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem
aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280
Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais
reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do
processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados
respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281
Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos
fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa
278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em
18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125
88
Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou
forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu
fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade
humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado
de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente
processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os
direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283
A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir
que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa
asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como
sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se
harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285
Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias
processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se
de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm
4 do artigo 20ordm da CRP286
No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia
Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de
natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais
poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na
decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do
direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees
justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288
282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24
89
23 Limitaccedilotildees
No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos
do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos
liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure
ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290
De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de
assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao
inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar
ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo
criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de
prova292293
Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do
arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja
sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no
exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja
tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira
mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido
289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte
de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto
2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]
encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa
investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de
prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira
Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer
que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas
coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e
probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer
forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a
descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado
de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico
da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz
esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de
alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf
Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades
judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28
90
natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da
verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu
direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296
Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal
natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a
doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves
perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com
verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de
realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a
obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando
ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de
Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do
consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298
No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido
ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo
ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de
realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido
mesmo contra a sua vontade)rdquo299
Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o
arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes
das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu
corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias
de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300
Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -
a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da
palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave
conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo
296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439
91
digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer
prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da
impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das
anteriores
Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer
uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves
diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser
considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados
termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio
de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova
especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem
proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da
justiccedila301
Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que
o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente
ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos
meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm
3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de
prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que
impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com
o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova
instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a
contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303
A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita
medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto
301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17
92
agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da
prisatildeo preventiva304
Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente
previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes
do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)
O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo
no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos
factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia
surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela
decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou
apreciaccedilatildeo dos factos305
No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo
que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu
objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir
meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou
pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua
apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia
ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de
quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo
juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de
decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem
se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees
que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela
ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia
comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas
e experimentadasrdquo307
304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de
Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-
consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261
93
Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova
como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal
em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308
No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar
ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao
lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm
1 do artigo 171ordm do CPP)309
O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios
(vg dactiloscopia310)
Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que
ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se
na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia
de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o
pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se
permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila
do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)
Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais
conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo
avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija
especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija
conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311
Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um
lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as
qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente
em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida
308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por
teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o
estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em
cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434
94
poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer
ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um
verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312
Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir
que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana
Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e
nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-
nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um
smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais
(exame) suficiente para o seu desbloqueio
A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no
Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia
usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software
alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de
alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da
impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido
seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo
Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da
coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso
estaremos perante uma periacutecia ou um exame
Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser
considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem
uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia
312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira
2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser
classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais
(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em
orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes
entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases
explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e
plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435
95
de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar
o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-
passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou
declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes
da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de
prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas
anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se
restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -
proferidas pelo arguido
No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona
de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu
estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta
deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no
acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta
ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo
coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a
sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se
traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317
Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido
ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado
podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para
a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave
questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
nesta situaccedilatildeo
Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete
socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura
315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num
caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma
diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22
96
da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare
Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios
apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa
revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o
efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira
entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente
imposta permitida318
Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido
diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido
Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila
de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo
espiritual da sua parte319
Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino
Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi
condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime
de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns
(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers
Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem
318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
97
sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara
sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo
administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que
violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2
do artigo 6ordm da CEDH321
O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)
ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua
argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar
provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas
coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito
estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo
2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula
que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal
como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes
contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo
em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja
ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas
321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the
right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter
alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing
to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the
above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22
para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal
case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of
coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the
presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do
Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an
accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties
to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which
may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence
independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath
blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo
Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
98
amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente
portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de
investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
ou a natildeo se confessar culpado326
O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como
previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre
as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo
tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia
da vontade do arguido
Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino
Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v
Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo
do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo
considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela
vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo
colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em
que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332
Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-
autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para
entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente
autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da
325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-
5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em
25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773
99
vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue
ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333
No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou
em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende
ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido
em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos
que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam
independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora
nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de
ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o
privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova
de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo
incriminadorardquo335
Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-
americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente
investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se
em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos
A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como
vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo
(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos
circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo336
333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio
da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste
sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel
em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a
OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de
2015 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9
OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e
OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376
100
Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz
menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao
inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da
mente do arguidordquo337
Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas
integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova
incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua
mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave
subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo
do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para
que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente
Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir
pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur
Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou
a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou
natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia
e independecircncia da vontade do arguido
No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um
smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe
e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute
um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339
337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind
of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman
2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]
Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe
alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do
arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do
defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido
ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf
United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]
101
O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone
seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade
Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua
mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada
pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340
Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que
modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto
porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar
algo sobre o qual tenha conhecimento342
Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do
arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um
lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de
uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da
doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343
Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico
que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no
dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua
desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do
arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo
ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe
contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States
1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em
26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-
fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption
password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do
defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are
not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be
compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to
a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State
of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
102
do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa
dependecircncia da sua vontade
Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute
aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende
obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias
Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade
do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela
jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta
tese
De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -
defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar
declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham
obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente
da vontade do sujeitordquo346
Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare
permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija
a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo
praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute
desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348
Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes
do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma
qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo
sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71
103
modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular
desse corpo pretende calar349
Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave
apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e
internacionais
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva
O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da
doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo
com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente
para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo
seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e
comprovaccedilatildeo do crime imputado
No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como
criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo
(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de
toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa
(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina
tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa
(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare352
Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta
activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se
lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria
qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando
assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353
A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a
liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por
349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112
104
contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a
autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com
o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos
casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe
o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354
Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as
autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as
investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o
seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova
da sua culpabilidade355
Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece
acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da
recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo
dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf
instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo
do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais
comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo
activa com o princiacutepio da legalidade357
Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da
palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas
violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees
incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o
seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave
354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da
actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame
tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute
correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo
coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e
OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128
105
informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir
activamente para a sua incriminaccedilatildeo359
Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por
sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital
possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode
optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de
forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no
sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta
activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva
A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um
exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e
tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente
o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No
entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur
manifesta-se insatisfatoacuterio360
Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil
aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre
actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362
Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria
condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas
tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja
utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que
a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando
compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento
contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas
circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364
359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104
106
Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo
e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo
conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda
que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de
ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou
omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou
uma simples toleracircncia passivardquo365
No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a
mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da
escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas
matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua
incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute
difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o
arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo
tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367
nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um
smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente
incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva
o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a
obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias
Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre
este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional
no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de
realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um
comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368
Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia
passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto
Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando
imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o
365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99
107
Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil
praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre
as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados
seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece
evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de
coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva
urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou
do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo
voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371
Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e
inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser
considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo
admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina
e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao
progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens
A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da
ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare
Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a
priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais
rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em
conflito
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios
Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras
e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria
adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo
entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel
desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente
370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63
108
desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e
nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo
Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente
forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial
enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o
peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da
validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo
que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo
que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a
cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374
Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos
definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo
entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se
isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de
optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de
acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376
Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para
Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra
ou um princiacutepio377
Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e
princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios
e a subsunccedilatildeo nas regras378
De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se
depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e
natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de
princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo
373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode
ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida
constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou
simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348
109
natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy
quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder
perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha
de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379
Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta
distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado
de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros
princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas
constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os
direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo
crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso
concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos
princiacutepios
Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de
resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais
Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o
processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos
responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os
arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito
dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros
valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382
Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio
como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida
Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por
forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar
379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo
de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito
amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo
a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146
110
na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-
se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um
ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo
Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam
seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo
de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua
colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o
referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na
ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na
sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas
pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente
como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes
mais graves387
De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma
posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de
que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos
requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem
compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor
procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389
Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou
compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas
determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo
ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos
383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein
dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or
nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios
colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais
implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e
exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em
conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos
ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer
deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23
111
fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela
teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de
terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo
satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito
fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende
Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave
cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode
acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]
jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um
princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia
constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do
princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392
Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso
concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente
diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das
especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo
No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos
fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido
potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e
qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das
necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a
garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais
Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo
o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens
cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir
obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave
terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais
390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo
consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua
vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por
indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24
112
No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente
ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos
a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)
c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve
aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3
in fine)394
Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos
liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei
Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)
e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)
Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel
a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal
Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal
Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de
zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a
possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a
muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta
jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo
de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada
pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei
da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e
393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando
defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo
Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo
criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho
2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um
criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do
queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau
de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo
da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios
de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]
113
artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa
salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf
parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a
extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm
3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396
Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da
legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso
ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute
desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas
natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para
a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos
factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por
um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do
processo [hellip]rdquo397
4331 Exigecircncia de lei formal
No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser
restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a
primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser
reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que
deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e
densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399
396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553
OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o
Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos
contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem
razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em
obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f
OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128
114
Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada
no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute
pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos
anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo
32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece
claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias
Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental
portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses
defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as
teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica
O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio
a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo
estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes
nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos
constitucionais relativos a esses direitos400
Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no
entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos
consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a
essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da
Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente
autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro
lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites
imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com
imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403
400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]
115
Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra
enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos
com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no
artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da
natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em
segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo
trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa
de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo
abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade
da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no
texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407
Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido
O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias
consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa
fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo
pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408
Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro
direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo
Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a
possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual
colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes
404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391
116
Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir
um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e
adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional
democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409
Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor
digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais
uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia
meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se
os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de
estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso
superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que
mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir
direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos
princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto
independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica
que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees
aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio
para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral
e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee
atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro
meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413
409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da
proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais
soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem
corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor
constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir
que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem
constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]
117
Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave
proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente
do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves
restriccedilotildees de direitos fundamentais414
O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade
de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido
tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)
a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio
menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416
O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas
devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este
subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo
de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o
alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o
responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu
ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um
controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta
forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e
cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para
atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem
as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo
pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo
podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do
chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas
ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se
torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao
legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou
direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes
discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739
118
indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo
deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o
meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma
aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins
pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e
materialmente possiacuteveis
O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que
constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve
recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da
necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou
indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser
utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela
comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam
provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a
desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida
restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e
tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer
outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros
interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute
complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo
concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios
ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425
Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da
justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a
gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria
420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida
pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute
efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que
se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica
idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija
mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458
119
e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito
em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de
ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo
Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a
uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende
que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a
ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi
concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o
controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de
proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee
em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos
benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a
adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo
dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor
pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da
nova medida429
Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o
cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega
mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo
do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto
tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo
426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
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necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso
concreto431
4334 Garantia do conteuacutedo essencial
O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste
na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo
pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute
constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave
salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432
Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma
criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e
jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo
constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem
uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes
agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e
teorias relativas
Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo
irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria
absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo
essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem
que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera
que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434
que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser
431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o
meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a
necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure
possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo
entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf
Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial
em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259
121
afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da
dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse
objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social
global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo
pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436
Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da
exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse
exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como
mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437
Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo
de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo
essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que
se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o
meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos
fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma
desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental
apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa
a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens
Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia
uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se
pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo
nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439
A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da
proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira
uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer
hipoacutetese440
435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a
garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias
delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014
396
122
Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no
ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da
necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)
dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice
relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente
de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a
extensatildeo do nuacutecleo essencial
Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um
tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos
direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de
outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima
anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um
resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade
constitucionalrdquo441
O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila
assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade
Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer
direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de
pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou
melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de
leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos
Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e
abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais
eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444
Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece
que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer
outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade
441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393
123
suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no
essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de
regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445
O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute
relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer
restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos
passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446
Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente
vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita
a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm
e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447
A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada
retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees
jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute
tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que
as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou
afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e
improacutepria
A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores
intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos
defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees
transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno
Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos
fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450
Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar
claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de
colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de
colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de
445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817
124
colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a
colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que
natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo
de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens
Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela
doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia
natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste
contexto
Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados
contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente
a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos
fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do
meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees
jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452
No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra
Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua
tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute
balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias
normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar
o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido
pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um
Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454
A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo
dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave
451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar
qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de
que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620
125
arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por
natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a
comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem
constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia
insusceptiacutevel de produzir resultados seguros
Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente
criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de
prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica
Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo
de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia
dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos
da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na
medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento
comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel
prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com
proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de
colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta
nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas
Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de
criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais
Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo
de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios
e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a
tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se
converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador
Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em
decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos
fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei
da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser
compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de
455 Reis Novais 2010 640-641
126
prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida
concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso
concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra
explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo
correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer
actuaccedilotildees restritivas da liberdade456
Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente
os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do
nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando
desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito
fundamental restringido evitando a subjectividade
Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios
constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de
restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais
objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na
generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais
exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como
forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem
reservas457
Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro
que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais
raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa
dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve
simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio
da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que
a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a
ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos
agressivorestritivo
456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696
127
Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta
entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo
Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica
quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia
Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto
mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente
adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de
outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem
sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa
hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a
prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo
ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto
Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o
proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de
restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)
E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo
dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo
constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459
Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros
materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a
priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas
estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em
soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)
ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo
sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e
agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do
reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de
458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707
128
ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um
caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460
Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia
de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que
discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas
ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade
estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos
procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos
constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes
juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na
ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem
vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade
subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia
se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo
dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461
Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a
chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo
criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste
criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para
desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio
460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a
seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a
este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a
verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do
controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de
valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se
traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos
direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698
129
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na
desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal
Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones
com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e
apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da
nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e
recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas
desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da
impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de
direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este
princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos
limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da
Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves
perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a
obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de
substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP)
No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo
penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material
Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as
restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes
requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem
obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa
130
atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes
requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois
requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade
Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave
ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou
de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo
ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo
entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute
prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido
amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se
respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise
do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que
obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima
colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009
foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou
a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido
o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone
Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra
Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a
disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem
armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique
ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo
actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia
previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal
131
Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria
uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao
conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses
e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo
ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no
processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves
autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a
possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo
electroacutenico
Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente
respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma
colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo
Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal
referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio
deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em
segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico
Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma
norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe
Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a
criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida
pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a
462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do
seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt
relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para
desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em
httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-
Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to
whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with
the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against
any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to
any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person
shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all
subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and
before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this
section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the
132
notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida
legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido
optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida
entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir
a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente
seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em
conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de
uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na
decisatildeo a proferir467
Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe
pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses
ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a
palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a
descoberta da verdade material468
appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term
not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]
five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a
case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing
a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in
the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies
where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise
of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other
property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2
believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any
person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public
authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to
the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of
the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary
on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for
the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United
Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque
le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette
recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un
autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation
de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient
disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus
sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes
informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme
133
Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples
obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano
temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos
introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469
Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum
comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos
constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute
ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido
pelas autoridades judiciaacuterias470
De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou
inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre
o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico
de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias
informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees
recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge
dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent
ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du
Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du
ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les
autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle
89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm
88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du
procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une
connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui
permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder
ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme
compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure
dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner
agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le
cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui
sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes
sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut
ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de
fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme
informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a
connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret
est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le
dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux
donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo
superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59
134
psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo
contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo
do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471
Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo
do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na
medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472
Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente
e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo
os restantes requisitos
Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse
validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a
obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash
a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um
outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de
maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o
seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o
acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a
realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido
dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e
desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones
dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I
respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor
da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a
anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido
471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111
135
Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o
quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3
do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial
do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia
de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso
algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades
e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso
do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do
nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela
persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de
uma qualquer aniquilaccedilatildeo
Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo
essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre
um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o
arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da
revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo
poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da
garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final
do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas
as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito
sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a
aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos
Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido
natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios
473 Anastaacutecio 2010 217
136
Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o
seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-
passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de
tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por
palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a
aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser
considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento
prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido
seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone
porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda
incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que
faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca
seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade
penal477
Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do
princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido
uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital do arguido
474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the
defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the
smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence
exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will
implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the
passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and
in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a
defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies
statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a
proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua
incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um
coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115
137
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido
Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova
em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos
norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em
sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo
previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por
fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos
pelo primeiro requisito
Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior
Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute
dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro
da unidade da Constituiccedilatildeo)
Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a
colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital
possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo
Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no
sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser
considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova
A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o
arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas
de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por
entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a
inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que
natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba
478 Marques da Silva 2010 318
138
por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o
seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479
No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm
142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando
que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais
processuais integrantes do seu direito de defesardquo480
Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da
jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo
61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal
Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no
entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo
125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo
sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se
mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo
a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o
legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob
cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo
cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano
Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo
tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482
O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees
entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas
natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro
de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem
479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76
139
ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu
dispositivo electroacutenico
Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias
de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando
estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do
arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si
proacuteprio [hellip]rdquo483
Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este
entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o
arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do
arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo
das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e
substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma
qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei
formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de
determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe
agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486
483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de
Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em
sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que
uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no
sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe
profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de
prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro
de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos
electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades
ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade
material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios
constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos
considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de
colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf
Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291
140
Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o
acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico
Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos
entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo
exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo
do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O
simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia
de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do
disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo
ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487
E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm
como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua
impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos
direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave
verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou
interesse constitucionalmente protegido
Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma
ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida
ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das
uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que
como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da
Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre
salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso
Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora
487 Ascensatildeo 1997 918
141
por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos
O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva
em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar
Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem
dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu
smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo
prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material
Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a
ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa
medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre
perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar
A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre
emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades
judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam
estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido
Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na
totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo
armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem
aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades
podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou
pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do
arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone
natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos
oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica
claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este
subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar
o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de
prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de
desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis
142
no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo
da justiccedila e descoberta da verdade material
Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur
ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash
revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que
agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades
judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas
autoincriminatoacuterias
Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de
desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso
do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade
da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua
aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em
todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas
incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade
respectivamente)
De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada
inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos
adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da
adequaccedilatildeo488
Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que
se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel
no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir
o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos
provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela
utilizaccedilatildeo de um meio alternativo
Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para
armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos
informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-
488 Alexy 2014 820
143
mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens
instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre
localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a
este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito
agrave reserva sobre a intimidade da vida privada
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de
caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave
violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do
direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental
consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber
se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam
ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo
Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade
fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de
prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo
Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone
estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros
meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees
seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave
reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do
dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da
presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa
agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais
do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do
meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao
local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto
foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital
489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos
provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou
pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra
afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
relevantes do mesmo titular ou de outros afectados
144
no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam
o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a
comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito
menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da
intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma
busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz
para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo
Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento
sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de
desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos
proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos
sujeitos aiacute presentes
Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade
na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum
prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a
desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma
maior eficaacutecia
Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra
devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa
apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e
busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre
comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios
produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo
Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave
maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende
145
que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490
Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo
dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa
verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios
legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo
criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a
fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais
intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena
esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca
se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a
prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do
interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em
obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave
pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto
oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito
concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista
da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil
e subjectivo
Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida
por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma
afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio
contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia
Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do
interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime
investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera
obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do
arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito
incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento
490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622
146
apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido
ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado
Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute
bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute
consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a
informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este
aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na
necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo
contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do
nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo
Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso
atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila
e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave
indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre
outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo
Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no
sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for
o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia
da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-
passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a
ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos
oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio
493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a
alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un
derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la
intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su
realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del
resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes
individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten
procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174
147
contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade
natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros
gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre
o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)
Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos
constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones
(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e
obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude
desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de
desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em
primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob
investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada
no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de
que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de
todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves
a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas
telefoacutenicas496
Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido
estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina
na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que
novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido
de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas
autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido
e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o
interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila
Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado
de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de
desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos
proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo
indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre
494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216
148
qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da
anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo
estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias
Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto
sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute
natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos
A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de
identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a
impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse
propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais
privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo
estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas
sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel
de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e
digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que
facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico
Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este
dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe
alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute
o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo
matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de
biometric hash
Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um
mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do
arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o
acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500
incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is
being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em
httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-
smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209
149
Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as
ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar
- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave
finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo
de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas
incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de
medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de
eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados
no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente
desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas
ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a
dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas
utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo
justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do
puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de
defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de
terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I
ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais
Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da
intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da
relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da
medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias
Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos
referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees
a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
150
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a
colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso
em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado
Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo
em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima
e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido
previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)
Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como
uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo
digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o
arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e
ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade
abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de
pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos
passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras
Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua
ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de
lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que
obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz
dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a
legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como
afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados
6 Conclusotildees intermeacutedias
Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens
de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo
501 Anastaacutecio 2010 217
151
nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na
jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um
tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo
digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo
isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-
passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser
compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo
arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare502
Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a
desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da
Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo
ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova
tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e
determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade
judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que
os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por
desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso
ao smartphone
A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir
toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte
do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim
retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a
concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da
desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo
digital tratando estes dois meacutetodos como iguais
Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se
entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas
cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento
502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86
152
uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao
dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias
Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer
que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como
incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves
entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos
que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas
condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez
revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos
Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a
ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone
fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados
que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os
mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem
reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo
desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506
A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com
intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo
autoincriminatoacuteria taacutecita508
Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos
concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a
504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a
means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]
biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to
admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt
the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have
control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf
HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21
153
possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela
existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que
uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo
de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja
uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em
sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e
que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo
I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim
compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados
aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em
violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do
nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos
154
155
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de
introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas
alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade
que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer
requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512
No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto
ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo
atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material
probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido
no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio
e distante da eacuteticardquo513
Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio
da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao
proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar
(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada
no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios
tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo
atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode
o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos
documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher
indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a
natureza da factualidade a provar515
511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a
utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de
serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja
que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561
156
Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave
semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo
valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute
uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e
obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518
1 As proibiccedilotildees de prova
Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas
abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A
este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova
satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo
Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a
prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como
proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e
mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra
relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de
averiguaccedilatildeoraquordquo519
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de
valoraccedilatildeo de prova
Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de
investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das
proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das
consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520
Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria
alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo
de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova
(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das
516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade
natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de
hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e
(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134
157
provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de
sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da
valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a
realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes
ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre
eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524
Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se
tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova
proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos
abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem
proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da
proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees
quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da
Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do
nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova
satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos
advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no
processo530)531
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova
O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se
essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa
consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a
522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)
por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008
329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por
exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar
[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por
exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222
158
injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que
disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso
O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova
e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a
nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade
fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da
integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de
obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia
ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos
comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em
causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4
do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534
Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte
natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer
a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em
vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias
o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores
do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos
532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de
prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas
[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques
2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos
devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo
judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos
proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de
anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em
causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da
CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de
em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo
32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira
Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas
sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no
sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo
probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329
159
da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos
de prova535
Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm
8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as
proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora
uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que
sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm
3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou
em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas
autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos
proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo
126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas
no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual
outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que
o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo
injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538
Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo
de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica
ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos
fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539
Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam
antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum
de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa
utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral
respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade
pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui
objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade
535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578
160
de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541
vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por
coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta
dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de
vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de
prova542
13 A invalidade do acto processual
Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs
associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo
ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime
da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades
dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades
insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade
prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica
das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do
presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545
Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves
proibiccedilotildees de prova
Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as
nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade
mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade
em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica
completa em face do regime das nulidades processuais546
O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo
126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo
ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim
a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP
541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101
161
apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem
as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a
finalidade de demonstrar que eacute proibida548
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova
Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute
para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros
meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do
efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da
proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas
das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550
O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma
determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido
ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que
eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves
provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente
se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses
frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o
arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551
Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore
envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua
equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)
enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra
os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem
inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552
548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co
v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em
causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade
comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador
(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para
produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo
Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando
pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de
uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas
162
O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os
procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de
produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo
chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553
Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez
pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm
77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo
impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo
valorativordquo
Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e
irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do
enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de
excepccedilotildees554
Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent
source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United
States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de
1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao
lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente
de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que
foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560
assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de
maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e
inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses
factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios
iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu
pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de
1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737
163
A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta
inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees
Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das
provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro
tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da
lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que
a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal
mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565
Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo
(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963
e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no
processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam
chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova
mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre
tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas
secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570
Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo
autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que
mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser
utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572
561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em
09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]
164
Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de
prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao
nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da
ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso
ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de
analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e
qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos
fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)
instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto
da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio
No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte
das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo
proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo
da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo
Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o
fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando
atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os
meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo
da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo
Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem
de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-
passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um
meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido
573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal
alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal
de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin
2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do
StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade
do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423
165
Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios
de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a
direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que
natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo
as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo
obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a
vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade
do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do
arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias
probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os
dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria
Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos
limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo
eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de
Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo
proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575
cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576
Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito
difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova
desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso
do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente
proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira
De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a
provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal
como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade
reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados
574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo
[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas
mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282
166
possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o
arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578
Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas
secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo
do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina
tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-
nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a
excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)
A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada
no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas
armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova
tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-
passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora
ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-
passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam
utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos
Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou
maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de
desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de
uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a
palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder
licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los
como prova no processo penal
Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido
culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do
artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-
distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)
como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas
secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem
578 Costa Andrade 1992 315
167
ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte
independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem
168
169
CONCLUSOtildeES GERAIS
Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de
desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este
permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura
da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees
As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o
mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional
considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados
claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio
Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo
dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo
compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a
fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo
e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs
Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por
fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional
poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza
absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido
eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias
Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas
que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem
a conduta omissiva do arguido
Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da
revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser
reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de
uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida
pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo
o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo
podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo
170
acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que
permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e
atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais
(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo
legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo
tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no
sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se
passa na lei inglesa e belga
No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo
como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem
a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de
sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal
expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos
fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos
concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido revelaram-se desproporcionais
Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as
ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da
leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento
juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo
deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas
O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido
agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que
se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos
quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de
legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do
171
nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu
smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma
zona de offshore digital num Estado de Direito579
579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada
a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
172
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Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
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196
Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de 2015 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd80
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Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014
disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485
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Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
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httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml
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httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
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httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em
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Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html
Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html
198
199
ANEXOS
Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust
200
201
202
203
204
205
Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond
STATE OF MINNESOTA
IN COURT OF APPEALS
A15-2075
State of Minnesota
Respondent
vs
Matthew Vaughn Diamond Appellant
Filed January 17 2017
Affirmed
Smith Tracy M Judge
Carver County District Court
File No 10-CR-14-1286
Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and
Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)
Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St
Paul Minnesota (for appellant)
Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith
Tracy M Judge
S Y L L A B U S
A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos
cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
O P I N I O N
SMITH TRACY M Judge
Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor
theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his
convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment
(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos
circumstantial evidence was insufficient We affirm
206
FACTS
On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH
returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been
kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items
of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her
driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the
shoeprints left on the garagersquos side-entry door
Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and
license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on
October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police
located SWrsquos car which
Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case
He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes
and cellphone
The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond
Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the
garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to
seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW
attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released
On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos
shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the
contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the
warrant on November 21
In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to
unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the
district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos
cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to
unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or
thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On
April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order
would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his
cellphone
At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW
arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement
The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was
tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond
thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the
district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3
At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)
the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)
SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and
identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text
messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos
residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints
on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]
going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would
be dismissed if SW did not testify or recanted her statement
207
The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree
burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property
Diamond appeals
ISSUES
I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property
II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone
III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond
committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property
ANALYSIS
I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment
Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos
directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an
unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency
exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable
because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions
to jail staff
In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal
conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability
of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33
(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id
The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo
of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v
Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the
consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of
property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully
interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113
104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence
of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33
A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence
until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The
United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from
destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-
32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement
officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have
not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its
contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United
States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))
Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant
Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone
208
which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day
Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone
In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be
justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the
police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court
concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme
Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained
on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary
seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect
physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes
See McArthur 531 US at
331-32 121 S Ct at 950
Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson
ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond
did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of
viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure
inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the
district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional
questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a
constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)
But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument
we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that
Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a
ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA
lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos
reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied
(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable
As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their
law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In
McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement
needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search
his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement
needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and
inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed
Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left
on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed
Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant
On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before
attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the
Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at
2495
We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and
that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion
II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to
provide his fingerprint so police could search his cellphone
Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his
Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for
580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he
asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015
209
Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege
against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600
NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)
The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness
against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94
(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth
Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which
proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of
its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v
Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme
Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own
compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580
(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the
cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was
unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock
a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo
In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established
that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly
relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against
himselfrdquo Doe v United States 487 US
201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that
[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in
which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish
a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing
Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)
(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951
1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929
(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826
Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously
returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the
contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus
hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the
statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two
days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral
argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the
omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes
373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)
210
1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)
(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually
held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo
Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J
dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of
physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560
562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs
does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)
Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to
support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned
that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was
unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by
[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his
possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the
filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a
combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially
incriminate Id
By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any
knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district
courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a
combination See eg In re Grand Jury
670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that
requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth
Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in
ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled
to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing
handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at
210 108 S Ct at 2347-48
Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate
ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the
fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion
211
that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would
communicate his exclusive use of the cellphone
Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints
would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument
however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled
Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to
unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond
providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a
thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the
detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks
itrdquo
It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and
thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or
which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There
is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the
cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with
the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an
additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he
initiated
In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone
did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth
Amendment privilege against compelled self-incrimination581
III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions
Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not
exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property
When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis
State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances
provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of
these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved
by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence
in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and
disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine
581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be
compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment
212
whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis
except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)
Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without
consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty
of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without
the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn
Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the
person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent
Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)
The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October
30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos
side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos
driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time
she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she
sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers
near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of
Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door
Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes
at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in
isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down
MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a
crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other
rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the
juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and
fourth-degree criminal damage to property
D E C I S I O N
The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of
his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment
The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not
require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos
conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree
criminal damage to property
Affirmed
213
Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan
NO LA081589
SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES
PAGE NO 1
THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01
PAYTSAR BKHCHADZHYAN
LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY
STATION
BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER
DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515
AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY
CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH
HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE
FOLLOWING OFFENSE(S) OF
COUNT 01 5305(A) pc FEL
COUNT 02 487 (A) pc FEL
COUNT 03 529(A) (3) pc FEL
COUNT 04 484E(D) pc FEL
COUNT 05 484E(D) pc FEL
COUNT 06 484E(D) pc FEL
COUNT 07 4841(C)
pc FEL NEXT
SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE
081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY
ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)
ON 082115 AT 800 AM
NEXT SCHEDULED EVENT
082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE
COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS
214
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT
COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN
DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING
A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE
DEFENDANT BAIL SET AT $50000
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT
100
082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED
(082415)
CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY
ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE
DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE
1275PC HOLD ON THE
DEFENDANT
NEXT SCHEDULED EVENT
DISPOSITION
ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR DISPOSITION
PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF
CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 05
484E(D)
pc
215
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)
PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04
484E(D) pc
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND
PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING
IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS
ZERO OF 10
THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10
090915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING
SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT
ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112
DAY 00 OF 10
092915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 06
484E(D)
pc
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 07
4841(C) pc
216
ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY
HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED
BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT
112
DAY OO OF 30
102815 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING
RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY
REFERENCE HEREIN
JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING
CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES
SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR
DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION
DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING
THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE
COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES
THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO
CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND
ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS
217
AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT
CONVICTIONS FOR THE
SAME OR SIMILAR OFFENSES
THE EFFECTS OF PROBATION
IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF
THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE
CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE
UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF
THE UNITED STATES
THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND
EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS
THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND
PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF
SECTION
530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY
COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA
AND COURT ACCEPTS PLEA
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16
NEXT SCHEDULED EVENT
012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
120915 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)
DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE
COUNSEL
ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT
DATE NEXT SCHEDULED EVENT
022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
012516 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
218
ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE
COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE
IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT
ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT
AS TO COUNT (01)
COURT ORDERS PROBATION DENIED
SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)
COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01
DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL
CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME
FORTHWITH
PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )
$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373
GC)
$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)
COMMIT
MENT
ISSUED
TOTAL
DUE
$8000 IN
ADDITIO
N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION
120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300
COURT ORDERS AND FINDINGS
-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE
BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT
IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER
BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW
ENFORCEMENT IDENTIFICATION
HARVEY WAIVER TAKEN
COUNT (01) DISPOSITION
CONVICTED REMAINING COUNTS
DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
219
COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
DMV ABSTRACT NOT
REQUIRED NEXT
SCHEDULED EVENT
PROCEEDINGS TERMINATED
022516 EXONERATED AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED
ON 022916 AT 900 AM
COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY
JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN
030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO
DEPARTMENT OF
J USTICE
220
221
Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan
222
223
224
225
Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 15
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana
19
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24
14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25
15 Conclusotildees intermeacutedias 27
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos
da Ameacuterica 28
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28
211 Requisitos da Quinta Emenda 28
2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31
212 Limites da Quinta Emenda 36
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37
2122 Imunidade (immunity) 39
3 Conclusotildees intermeacutedias 40
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43
1 Os smartphones e a prova digital 43
2 A Lei do Cibercrime 46
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56
4 Conclusotildees intermeacutedias 56
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61
21 Noccedilatildeo 61
22 Funcionalidades 62
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64
231 Palavra-passe 65
236
232 Biometria 68
3 Conclusotildees intermeacutedias 76
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO
DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-
AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79
1 Colocaccedilatildeo do problema 79
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81
21 Consagraccedilatildeo 83
22 Fundamentos juriacutedicos 87
23 Limitaccedilotildees 89
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare 96
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos
fundamentais 109
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111
4331 Exigecircncia de lei formal 113
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido 115
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116
4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido 137
6 Conclusotildees intermeacutedias 150
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155
1 As proibiccedilotildees de prova 156
237
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo
de prova 156
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157
13 A invalidade do acto processual 160
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo 164
CONCLUSOtildeES GERAIS 169
BIBLIOGRAFIA 173
ANEXOS 199
4
5
Aos meus avoacutes
6
7
A presente dissertaccedilatildeo eacute redigida segundo o antigo acordo ortograacutefico e meacutetodo de citaccedilatildeo
Harvard
8
9
SIGLAS E ABREVIATURAS
AAVV Autores vaacuterios
ADN Aacutecido Desoxirribonucleico
al Aliacutenea
artordm arts artigo artigos
CEDH Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
cf cfr confira confronte
CP Coacutedigo Penal
CPP Coacutedigo de Processo Penal
CRP Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
EUA Estados Unidos da Ameacuterica
FBI Federal Bureau of Investigation
HTC Hit the Cell
ie id est (isto eacute)
ID Identity
MMS Multimedia Messaging Service
MP Ministeacuterio Puacuteblico
nordm nos nuacutemero nuacutemeros
NSA National Security Agency
OCDE Organizaccedilatildeo de Cooperaccedilatildeo e de Desenvolvimento Econoacutemico
PIN Personal Identification Number
pp Paacuteginas
RIPA Regulation of Investigatory Powers Act 2000
seacutec Seacuteculo
SMS Short Message Service
StPO Strafprozessordnung
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
v Versus
vg verbi gratia (por exemplo)
10
11
RESUMO
A implementaccedilatildeo da tecnologia de encriptaccedilatildeo em smartphones nomeadamente por
palavra-passe ou impressatildeo digital contribuiu para o aumento da seguranccedila de
documentos confidenciais e informaccedilotildees pessoais O iPhone por exemplo assegura aos
seus utilizadores atraveacutes da digitaccedilatildeo da palavra-passe ou do mero toque com o dedo no
sensor de impressotildees digitais que ningueacutem teraacute a possibilidade de aceder aos conteuacutedos
dos seus dispositivos electroacutenicos
No entanto destas vantagens advecircm inesperadas implicaccedilotildees legais Os smartphones satildeo
vistos actualmente como uma ferramenta indispensaacutevel quer a niacutevel profissional quer a
niacutevel pessoal natildeo soacute pelas suas inuacutemeras funcionalidades mas tambeacutem devido agrave sua vasta
capacidade de armazenamento de dados (muita das vezes iacutentimos) E eacute esta capacidade
de armazenamento que faz do smartphone um oacuteptimo repositoacuterio de elementos
probatoacuterios De facto estes dispositivos electroacutenicos podem ser ou natildeo
instrumentalizados para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico
No entanto nos casos em que o dispositivo se encontra encriptado muitas das vezes natildeo
resta outra opccedilatildeo agraves autoridades que natildeo a de pedirem ao arguido que colabore na
investigaccedilatildeo criminal levantando questotildees quanto ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
O princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo evita que o arguido seja transformado em
colaborador involuntaacuterio das autoridades judiciaacuterias E apesar de o arguido estar
constitucionalmente protegido no sentido de natildeo auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo
situaccedilotildees haacute em que pode ser compelido a revelar ou a entregar provas que possam
contribuir para a sua incriminaccedilatildeo
Mas o que acontece quando o arguido decide encriptar o seu smartphone com recurso a
uma palavra-passe alfanumeacuterica e a uma impressatildeo digital Ambos os meacutetodos satildeo
actualmente usados para guardar informaccedilatildeo pessoal e privada sendo merecedores de
igual protecccedilatildeo em casos de intrusatildeo por parte do Estado Seraacute que compelir o arguido a
revelar a palavra-passe ou a fornecer a sua impressatildeo digital para desencriptar o seu
smartphone deveraacute accionar o privileacutegio do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo Este
trabalho sugere que sim veremos porquecirc
Palavras-chave smartphones encriptaccedilatildeo palavra-passe impressatildeo digital
autoincriminaccedilatildeo proibiccedilatildeo de prova
12
13
ABSTRACT
The implementation of encryption technology on smartphones such as password or
fingerprint scanner has facilitated the increased security of confidential documents and
personal information The iPhone for example assures its owner by typing the password
or merely touch his finger to a sensor that no one else will have the ability to acess the
contents of his electronic device
However with these advantages come unforeseen legal implications Currently
smartphones are seen as an indispensable tool both professionally and personally not
only for its many features but also because of its vast data storage capacity (often intimate
data) And it is this storage capacity that makes the smartphone a great repository of
evidence In fact these electronic devices may or may not be instrumentalized for the
pursuit of purposes contrary to the legal system However in the cases where the device
is encrypted there is often no other choice for the authorities than to ask the defendant to
collaborate in the criminal investigation raising questions about the principle nemo
tenetur se ipsum accusare
The privilege against self-incrimination prevents the accused from becoming an
involuntary collaborator of the judicial authorities And although the defendant is
constitutionally protected from assisting in his own incrimination there are situations in
which he may be compelled to reveal or deliver evidence that may contribute to his
incrimination
But what happens when the defendant decides to encrypt his smartphone using an
alphanumeric password and a fingerprint Both methods are currently used to guard
highly private and personal information and both are equally deserving of protection
from government intrusion Does compelling the defendant to reveal his password or to
provide his fingerprint in order to decrypt the smartphone should trigger the defendants
privilege against self-incrimination This work suggests that it does we will see why
Keywords smartphones encryption password fingerprint self-incrimination
exclusionary rules
14
15
INTRODUCcedilAtildeO
Propomo-nos fazer uma incursatildeo na temaacutetica relativa agrave articulaccedilatildeo entre as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones dirigidas ao arguido e a colaboraccedilatildeo processual que lhe eacute
exigiacutevel Assim pretendemos aferir se em sede de Direito Processual Penal o arguido se
encontra adstrito a colaborar com as autoridades judiciaacuterias no sentido de a pedido
destas facultar a sua impressatildeo digital ou quaisquer palavras-passe que permitam o
acesso a dados protegidos que se encontrem armazenados no seu smartphone
Como se infere com facilidade a questatildeo sub judice apresenta uma matriz dual praacutetica e
teoacuterica afigurando-se absolutamente compreendida no acircmbito de uma indagaccedilatildeo preacutevia
geral a que cumpre dar resposta seraacute que sobre o arguido impende um dever de
colaboraccedilatildeo com as autoridades judiciaacuterias no acircmbito da investigaccedilatildeo criminal que a estas
compete Poderaacute sustentar-se que a existecircncia de um tal dever eacute a toda a linha
compatiacutevel com o princiacutepio constitucional da natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta seraacute sem
duacutevida a interrogaccedilatildeo subjacente que nortearaacute a presente investigaccedilatildeo Cumpre salientar
que esta mateacuteria tem sido amplamente discutida pela jurisprudecircncia e doutrina
internacionais nomeadamente pela jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas Neste
sentido mostra-se pertinente fazer remissatildeo logo desde o iacutenicio e ao longo da
investigaccedilatildeo ao ordenamento juriacutedico norte-americano
Esta problemaacutetica centra-se no confronto entre o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
conhecido tambeacutem por nemo tenetur se ipsum accusare e os interesses eminentemente
de natureza puacuteblica associados agrave investigaccedilatildeo criminal Aqui ainda que se conclua pela
inexistecircncia de um princiacutepio geral de colaboraccedilatildeo do arguido no quadro da investigaccedilatildeo
criminal cumpre determinar se pontualmente o Coacutedigo Penal e o Coacutedigo de Processo
Penal estabelecem ou natildeo a prevalecircncia dos interesses prosseguidos pelas autoridades
judiciaacuterias sobre as garantias de defesa do arguido Em caso afirmativo afigurar-se-aacute
necessaacuterio apurar se no que tange ao fornecimento de palavras-passe ou impressotildees
digitais do arguido eacute ou natildeo aplicaacutevel um regime de natureza excepcional
De facto o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo jaacute foi alvo de vaacuterios estudos
nomeadamente em sede de apresentaccedilatildeo de documentos pelo arguido de concessatildeo de
acesso pelo arguido a espaccedilos vedados que se encontrem na sua disponibilidade ou de
sujeiccedilatildeo a revistas e exames de natureza pericial No entanto os dispositivos electroacutenicos
16
de armazenamento de dados (vg smartphone computador tablet etc) apresentam
peculiaridades que os elevam ao estatuto de questatildeo autonomizaacutevel Desde logo
importaraacute referir que estes dispositivos electroacutenicos com diversos graus de
complexidade se impuseram no quotidiano do cidadatildeo comum enquanto ferramentas de
trabalho e de lazer Quer isto significar que por vezes ainda que natildeo instrumentalizados
para a prossecuccedilatildeo de finalidades contraacuterias ao ordenamento juriacutedico aqueles
dispositivos encerram em si um conjunto de dados susceptiacuteveis de concorrer para o
desenvolvimento da investigaccedilatildeo criminal
Por outro lado os meios tecnoloacutegicos que se encontram actualmente ao dispor da
sociedade permitem com relativa facilidade a ocultaccedilatildeo e protecccedilatildeo de dados por
intermeacutedio da encriptaccedilatildeo Ora natildeo subsistem quaisquer duacutevidas quanto a saber que as
dificuldades das entidades judiciaacuterias em aceder aos dados encriptados eacute proporcional ao
grau de sofisticaccedilatildeo do meacutetodo de protecccedilatildeo ou ocultaccedilatildeo empregue Em alguns casos
dir-se-aacute mesmo que a natildeo colaboraccedilatildeo do arguido poderaacute inquinar decisivamente a
investigaccedilatildeo porquanto a desencriptaccedilatildeo poderaacute consumir muito tempo ou ateacute mesmo
afigurar-se infrutiacutefera Como tal estes dados natildeo raras vezes da maior relevacircncia para a
investigaccedilatildeo satildeo em muitos casos extremamente volaacuteteis pelo que a colaboraccedilatildeo do
arguido pode ser indispensaacutevel para que os mesmos sejam acedidos Mas natildeo seraacute tal
colaboraccedilatildeo violadora do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Esta interrogaccedilatildeo serve de
centro de gravidade para o presente estudo cujo propoacutesito central consiste em determinar
se a ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido
de este fornecer a sua impressatildeo digital ou palavra-passe que possibilitam o acesso ao seu
smartphone eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Para que possamos dar resposta a esta problemaacutetica comeccedilaremos no primeiro capiacutetulo
por analisar a questatildeo agrave luz do ordenamento juriacutedico norte-americano Em primeira linha
faremos a apresentaccedilatildeo de quatro casos jurisprudenciais relacionados com a coacccedilatildeo por
parte de entidades judiciaacuterias sobre o arguidosuspeito no sentido de este fornecer a sua
palavra-passe ou impressatildeo digital Posteriormente indagaremos sobre a temaacutetica da
desencriptaccedilatildeo compelida no acircmbito da Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e
perceberemos o motivo pelo qual estas situaccedilotildees chegaram aos tribunais norte-
americanos No entanto uma vez que a presente investigaccedilatildeo eacute feita em territoacuterio
nacional cumpre fazer o enquadramento destes casos face ao direito processual penal
portuguecircs Por esse motivo decidimos tratar da questatildeo fazendo uma desconstruccedilatildeo
17
praacutetica do problema sendo que a primeira questatildeo que se coloca num caso de
desencriptaccedilatildeo compelida de um smartphone eacute a de saber como se processa o acesso e a
apreensatildeo dos dados aiacute armazenados agrave luz do processo penal portuguecircs (capiacutetulo II)
Depois da tentativa de acesso e apreensatildeo dos dados armazenados no smartphone de um
ponto de vista praacutetico o segundo obstaacuteculo que se coloca agrave investigaccedilatildeo criminal prende-
se com a constataccedilatildeo de que o acesso ao smartphone e a todos os seus ficheiros se encontra
protegido por um sistema de encriptaccedilatildeo Assim mostra-se relevante fazer num terceiro
capiacutetulo a explicaccedilatildeo do que se entende por encriptaccedilatildeo e a enunciaccedilatildeo dos meacutetodos de
encriptaccedilatildeo comummente utilizados pelos proprietaacuterios de smartphones Como dissemos
existe uma correlaccedilatildeo entre a sofisticaccedilatildeo do meacutetodo utilizado e a dificuldade em aceder
ao dispositivo Desta forma surge a questatildeo no capiacutetulo IV de saber ateacute que ponto o
arguido poderaacute auxiliar as autoridades judiciaacuterias na investigaccedilatildeo sem com isso violar o
seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Aqui discutir-se-aacute se por um lado a revelaccedilatildeo da
palavra-passe eacute violadora do nemo tenetur e se por outro o fornecimento da impressatildeo
digital eacute violador do nemo tenetur Por fim depois de respondermos a esta contenda
cumpre indagar no capiacutetulo V quais as consequecircncias da recolha de provas em violaccedilatildeo
deste princiacutepio constitucional
18
19
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-
americana
Com a evoluccedilatildeo da tecnologia nasce em meados dos anos 90 a necessidade de proteger
ndash electronicamente - a confidencialidade dos vaacuterios ficheiros que satildeo diariamente
armazenados em sistemas electroacutenicos (nomeadamente o computador) Mais tarde esta
tendecircncia alarga-se igualmente aos telemoacuteveis ou mais precisamente aos smartphones
Um computador ou um smartphone tecircm actualmente uma capacidade de armazenamento
de ficheiros consideraacutevel possibilitando que o seu utilizador guarde contactos e-mails
fotografias viacutedeos entre outros ficheiros de uma maneira faacutecil e raacutepida No entanto para
aleacutem de existir esta necessidade por parte do utilizador comum de impedir que terceiros
possam aceder aos seus ficheiros pessoais tambeacutem os criminosos tecircm idecircntica
preocupaccedilatildeo com a confidencialidade dos elementos relativos aos seus crimes mormente
os que pressupotildeem sistemas sofisticados de comunicaccedilatildeo ou partilha de ficheiros1
Atendendo a esta necessidade de confidencialidade os utilizadores destes dispositivos
electroacutenicos recorrem a chaves criptograacuteficas compostas pela combinaccedilatildeo de dados
biomeacutetricos com palavras-passe relativamente simples e memorizaacuteveis garantindo a
privacidade das mensagens trocadas ou guardadas das fotografias dos viacutedeos ou de
outros ficheiros contra a intromissatildeo de terceiros Assim a efectividade deste meacutetodo
reside na necessidade de colaboraccedilatildeo activa e voluntaacuteria da pessoa que memorizou o
coacutedigo ou que introduziu os seus dados biomeacutetricos
Tendo em conta que estes coacutedigos criptograacuteficos satildeo na praacutetica indecifraacuteveis surge a
questatildeo de saber se no acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e atendendo ao princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo seraacute legiacutetimo compelir o arguido a desencriptar o seu
dispositivo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou do fornecimento dos seus dados
biomeacutetricos
Esta questatildeo jaacute foi abordada em diversos casos nos Estados Unidos da Ameacuterica pelo que
faremos nos proacuteximos pontos uma anaacutelise da questatildeo na jurisprudecircncia norte-americana
1 Oliveira Silva 2015 735
20
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust2
No dia 19 de Fevereiro de 2014 David Charles Baust residente em Virginia Beach
Estados Unidos da Ameacuterica e parameacutedico de profissatildeo teraacute alegadamente estrangulado
e agredido a sua namorada no quarto de sua casa3
A viacutetima alegou que o arguido gravou todo o ataque atraveacutes de um aparelho de gravaccedilatildeo
de viacutedeo que estaria sincronizado com o seu telemoacutevel pessoal um iPhone 5S que foi
colocado no quarto Foi ainda relatado pela viacutetima que ainda na manhatilde do dia 19 de
Fevereiro de 2014 apoacutes ter sido agredida tentou guardar o aparelho de gravaccedilatildeo no
entanto o arguido apercebendo-se da situaccedilatildeo voltou a agredi-la4
Anteriormente agrave alegada agressatildeo David Charles Baust jaacute tinha utilizado o referido
sistema de gravaccedilatildeo de viacutedeo ligado ao seu iPhone 5S enviando por mensagem de texto
para a viacutetima um viacutedeo onde ambos tinham relaccedilotildees sexuais no quarto do arguido
No seguimento de um mandado de busca executado diversos dias depois da agressatildeo foi
recolhido da casa do arguido o seu telemoacutevel pessoal (iPhone 5S) diversos aparelhos de
gravaccedilatildeo flash drives e um computador
Tanto a viacutetima quanto o arguido afirmaram que seria possiacutevel que no telemoacutevel do
segundo estivesse armazenada a gravaccedilatildeo de viacutedeo da agressatildeo5 No entanto o acesso ao
conteuacutedo do smartphone ficou impossibilitado uma vez que o dispositivo se encontrava
protegido por palavra-passe e impressatildeo digital Dada a situaccedilatildeo a acusaccedilatildeo apresentou
uma moccedilatildeo para a produccedilatildeo compelida da palavra-passe ou da impressatildeo digital que
desencriptam o smartphone
A questatildeo que se colocou em tribunal foi a de saber se seria possiacutevel compelir o arguido
a fornecer a palavra-passe ou a sua impressatildeo digital sem violar o seu princiacutepio agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo (Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica)
2 Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em
httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 3 Hudman 2015 213 4 Winterbottom 2014 1 Disponiacutevel em httpjoltlawharvardedudigesttelecommunicationscourt-
rules-police-may-compel-suspects-to-unlock-fingerprint-protected-smartphones [consultado em
22112016] 5 FerminoFeuchtbaum 2016 3 Disponiacutevel em httpwwwlawcomsitesarticles20160623the-laws-
breakable-protections-for-unbreakable-encryption [consultado em 22112016]
21
A decisatildeo do tribunal foi fraccionada6 Por um lado o juiz Steven Frucci autorizou o
pedido da acusaccedilatildeo para compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital no sentido
de desencriptar o seu smartphone por outro negou o pedido da acusaccedilatildeo para compelir
o arguido a fornecer a sua palavra-passe
No que concerne agrave argumentaccedilatildeo para a decisatildeo o juiz Steven Frucci comeccedila por analisar
a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica que estabelece o
seguinte ldquonenhuma pessoa seraacute obrigada a depor contra si proacutepria em qualquer processo
criminalrdquo7
A Quinta Emenda concede ao arguido o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo Segundo o
juiz para que a Quinta Emenda seja violada eacute necessaacuterio que a ordem dada ao arguido
cumpra trecircs requisitos a) que seja uma ordem coactiva (compulsion) b) de prestaccedilatildeo de
uma declaraccedilatildeo comunicativa (of a testimonial communication) c) que seja incriminatoacuteria
(that is incriminating) Quanto ao primeiro e terceiro requisitos parece natildeo haver duacutevidas
para o douto tribunal eacute notoacuterio que o pedido de cedecircncia da palavra-passe ou da
impressatildeo digital eacute coactivo e incriminatoacuterio A duacutevida surge quanto ao segundo
requisito nomeadamente quando se questiona se esta cedecircncia da palavra-passe e da
impressatildeo digital eacute ou natildeo uma declaraccedilatildeo ou comunicaccedilatildeo Eacute afirmado no caso pelo juiz
Steven Frucci que um acto eacute declarativo (testimonial) ldquoquando o arguido eacute forccedilado a
revelar o conhecimento de factos que o relacionam com o delito ou quando tenha de
compartilhar os seus pensamentos e crenccedilas com o governordquo8
Por esse motivo o tribunal concluiu o seguinte ldquoO arguido natildeo pode ser obrigado a
lsquodivulgar atraveacutes de processos mentaisrsquo a palavra-passe No entanto a impressatildeo digital
como uma chave natildeo exige que a testemunha divulgue algo atraveacutes de processos mentais
Pelo contraacuterio agrave semelhanccedila das caracteriacutesticas fiacutesicas que satildeo natildeo declarativas ou natildeo
comunicativas a impressatildeo digital do arguido se utilizada para aceder ao seu smartphone
eacute igualmente natildeo declarativa ou natildeo comunicativa natildeo exigindo que o arguido
lsquocomunique qualquer tipo de conhecimentorsquo Ao contraacuterio da produccedilatildeo de provas de
6 Kerr 2014 2 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-
conspiracywp20141103virginia-state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-
phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado em 22112016] 7 ldquoNo person shall be compelled in any criminal case to be a witness against himselfrdquo 8 ldquoWhen the accused is forced to reveal his knowlegde of facts relating him to the offense or from having
to share his thoughts and beliefs with the governmentrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles
Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-
fingerprint-unlock-rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente
Dissertaccedilatildeo
22
caraacutecter fiacutesico tal como uma impressatildeo digital a revelaccedilatildeo de uma palavra-passe forccedila o
arguido a lsquorevelar o conteuacutedo da sua proacutepria mentersquo Por esta razatildeo a moccedilatildeo para
compelir o arguido a revelar a palavra-passe deve ser NEGADA mas a moccedilatildeo para
compelir o arguido a fornecer a sua impressatildeo digital deve ser CONCEDIDArdquo9
Apesar da autorizaccedilatildeo dada pelo juiz Steven Frucci para compelir o arguido a fornecer a
sua impressatildeo digital com o propoacutesito de desbloquear o smartphone apreendido o acesso
ao seu conteuacutedo acabou por natildeo se realizar visto que o dispositivo teria estado na posse
das entidades judiciaacuterias durante cerca de 6 meses10 e ao fim de 48 horas de inactividade
eacute necessaacuteria a palavra-passe para permitir o acesso
O arguido foi absolvido por falta de provas
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond11
No dia 30 de Outubro de 2014 a viacutetima MH saiu de sua casa em Chaska entre as 1030
e 1045 da manhatilde para fazer alguns recados Quando regressou cerca das 1200
encontrou a porta da sua garagem danificada resultado de um arrombamento forccedilado
Depois de se aperceber do furto de um cofre um computador portaacutetil e diversa joalharia
a viacutetima ligou para a poliacutecia Enquanto aguardava a chegada da poliacutecia a viacutetima encontrou
um envelope na entrada da sua garagem com o nome ldquoSWrdquo escrito A poliacutecia tirou
fotografias ao local e a diversas pegadas que foram deixadas junto agrave entrada da garagem
Depois de recorrer agrave base de dados estatal a detective Nelson do Departamento de Poliacutecia
de Chaska conseguiu determinar o nuacutemero de matriacutecula do carro de SW e descobriu
ainda que no proacuteprio dia 30 SW tinha penhorado as joacuteias furtadas da casa da viacutetima
numa loja de penhores
9 ldquoThe defendant cannot be compelled to lsquodivulge through his mental processesrsquo the passcode for entry
The fingerprint like a key however does not require the witness to divulge anything through his mental
processes On the contrary like physical characteristics that are non-testimonial the fingerprint of the
Defendant if used to access his phone is likewise non-testimonial and does not require Defendant to
lsquocommunicate any knowledgersquo at all Unlike the production of physical characteristic evidence such as a
fingerprint the production of a password forces the Defendant to lsquodisclose the contents of his own mindrsquo For this reason the motion to compel the passcode should be DENIED but the motion to compel the
fingerprint should be GRANTEDrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 22112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 10 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016] 11 State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 23022017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo
23
No dia 4 de Novembro as autoridades judiciaacuterias localizaram o veiacuteculo automoacutevel de
SW que no momento estava a ser utilizado pelo arguido Matthew Diamond O arguido
foi detido no momento uma vez que teria pendente um mandado de detenccedilatildeo
relativamente a um outro crime Ficou detido na prisatildeo de Scott County onde foram
recolhidos os seus pertences uns sapatos e um smartphone
Dadas as similitudes entre os sapatos de Matthew Diamond e as pegadas deixadas no
local do furto no dia 6 de Novembro foi emitido e executado um mandado de busca e
apreensatildeo dos sapatos e do smartphone No dia 12 de Novembro foi emitido ainda um
mandado adicional relativamente agrave pesquisa de conteuacutedos armazenados no smartphone
de Matthew Diamond No entanto o smartphone estava encriptado pelo que a detective
Nelson natildeo conseguiu aceder ao mesmo
Em Dezembro o Estado apresentou uma moccedilatildeo para compelir Matthew Diamond a
desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Mais tarde
depois de algumas controveacutersias relativamente a esta moccedilatildeo a 11 de Fevereiro o tribunal
de comarca (district court) concedeu a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone pedida
pelo Estado atestando que tal ordem estaria justificada por ldquoprobable causerdquo e que natildeo
entraria em confronto com o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo consagrado na Quinta
Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
Matthew Diamond recusou-se a desencriptar o seu dispositivo electroacutenico No dia 3 de
Abril o tribunal de comarca (district court) acusou Matthew Diamond de desobediecircncia
e informou-o que se colaborasse com a ordem de desencriptaccedilatildeo deixaria de ser
penalizado por esse crime O arguido decidiu por esse motivo colaborar com as
autoridades judiciaacuterias e colocar o dedo no sensor do seu smartphone para conceder o
acesso a todos os seus conteuacutedos
Depois de terem sido recolhidas provas incriminatoacuterias que relacionavam Matthew
Diamond ao crime em questatildeo o arguido foi condenado por furto em segundo grau
ldquomisdemeanor theftrdquo e danos de propriedade em quarto grau Apesar de o acoacuterdatildeo natildeo
esclarecer que tipo de smartphone estaria em causa dado que o sistema iOS (usado em
iPhones) requer a introduccedilatildeo da palavra-passe alfanumeacuterica apoacutes 48 horas de inactividade
ou apoacutes o dispositivo ser desligado acreditamos que o smartphone do arguido seria de
sistema Android
24
O tribunal de comarca (district court) condenou o arguido a 51 meses de prisatildeo pelo furto
em segundo grau e 90 dias de prisatildeo pelos danos causados na propriedade da viacutetima
O arguido recorreu para o Tribunal do Estado de Minnesota alegando que o seu privileacutegio
contra a autoincriminaccedilatildeo teria sido violado quando foi compelido a desencriptar o seu
smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital fornecendo assim provas
autoincriminatoacuterias
O douto tribunal concluiu que a Quinta Emenda natildeo teria sido violada no caso de Matthew
Diamond uma vez que o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo apenas protege o arguido
de ser compelido a fornecer elementos probatoacuterios de tipo declarativo (testimonial) ou
comunicativo (communicative) natildeo estando aqui incluiacuteda a acccedilatildeo de desencriptar um
smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo num sensor de reconhecimento de impressotildees
digitais
Desta forma o Tribunal do Estado de Minnesota natildeo deu provimento ao recurso
apresentado pelo arguido confirmando a sentenccedila dada pelo tribunal de comarca (district
court)
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan12
No dia 25 de Fevereiro de 2016 no tribunal de Van Nuys na Califoacuternia Estados Unidos
da Ameacuterica uma cidadatilde norte-americana Paytsar Bkhchadzhyan de 29 anos foi
condenada pelo crime de roubo de identidade (identity theft) depois de natildeo ter contestado
as acusaccedilotildees13
Os registos da detenccedilatildeo e documentos judiciais mostram que apenas 45 minutos depois
de ter sido levada sob custoacutedia a juiacuteza Alicia Rosenberg sentada num outro tribunal a
cerca de 30 quiloacutemetros de Van Nuys assinou um mandado14 autorizando as entidades
policiais a compelirem Paytsar Bkhchadzhyan a pressionar o seu dedo no smartphone que
fora apreendido durante a sua detenccedilatildeo (um iPhone da marca Apple) com o objectivo de
permitir o acesso ao seu conteuacutedo por parte do FBI uma vez que o mesmo se encontrava
protegido com um meacutetodo de desbloqueio atraveacutes de impressatildeo digital e palavra-passe
12 O processo pode ser consultado no Anexo III da presente dissertaccedilatildeo 13 HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21112016] 14 O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo
25
Em menos de 30 minutos um agente do FBI especializado em cibercrime deu iniacutecio agrave
tentativa de desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo digital de Paytsar
Bkhchadzhyan
Os motivos que levaram o FBI a pedir a emissatildeo deste mandado satildeo ateacute hoje
desconhecidos O aparelho foi apreendido numa residecircncia em Glendale na Califoacuternia
pertencente a Sevak Mesrobian que seria namorado de Paytsar Bkhchadzhyan e membro
de um gang armeacutenio designado de Armenian Power15 O gang era conhecido por
perpetrar inuacutemeros raptos roubos de identidade fraude bancaacuteria e clonagem de cartotildees
atraveacutes de pirataria informaacutetica
No mandado pode ler-se o seguinte ldquoas autoridades judiciaacuterias estatildeo autorizadas a
pressionar os dedos da pessoa abrangida por este mandado no sensor de Touch ID do
iPhone da Apple apreendido em [] Glendale Califoacuternia 91214 em 25 de Fevereiro de
2016rdquo16
Apesar da raacutepida actuaccedilatildeo das entidades policiais ao compelirem Paytsar Bkhchadzhyan
a usar todos os seus dez dedos para desbloquear o iPhone o meacutetodo revelou-se
infrutiacutefero17
Confrontados com a impossibilidade de acederem ao conteuacutedo do smartphone atraveacutes das
impressotildees digitais de Paytsar Bkhchadzhyan o FBI decidiu tentar aceder ao aparelho
usando um caminho diferente pedindo a palavra-passe Mas Paytsar Bkhchadzhyan
recusou alegando que o smartphone natildeo seria seu
Por este motivo o acesso ao conteuacutedo do iPhone alegadamente pertencente a Paytsar
Bkhchadzhyan acabou por natildeo se efectivar
14 Mandado de 9 de Maio de 2016
No dia 9 de Maio de 2016 foi emitido um mandado que autorizava as entidades
judiciaacuterias do estado da Califoacuternia nos Estados Unidos da Ameacuterica a efectuar uma busca
15 Blue 2016 3 Disponiacutevel em httpswwwengadgetcom20160506how-armenian-gangsters-blew-
up-the-fingerprint-password-debate [consultado em 21112016] 16 ldquoLaw enforcement personnel are authorized to depress the fingerprints andor thumbprints of the person
covered by this warrant onto the Touch ID sensor of the Apple iPhone seized from [hellip] Glendale California
91214 on February 25 2016rdquo O mandado pode ser consultado no Anexo IV da presente dissertaccedilatildeo 17 Pagliery 2016 1 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 21112016]
26
a uma residecircncia em Lancaster na Califoacuternia18 No entanto para aleacutem da busca foi ainda
autorizado que todos os sujeitos que se encontrassem no periacutemetro da busca fossem
compelidos a desencriptarem os seus smartphones atraveacutes da leitura das suas impressotildees
digitais
Apesar de o mandado natildeo ter sido tornado puacuteblico o memorandum19 assinado pela
advogada do Distrito Central da Califoacuternia Eileen Decker teve outro desfecho No
memorandum pode ler-se ldquoO governo submete esta autoridade suplementar em apoio ao
pedido de mandado de busca que solicita a autorizaccedilatildeo para recolher as impressotildees
digitais de qualquer pessoa que se encontre nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO durante
a execuccedilatildeo da busca sobre as quais seja razoavelmente acreditado serem utilizadoras de
dispositivos electroacutenicos com sensor de reconhecimento de impressatildeo digital que se
encontrem localizados nas INSTALACcedilOtildeES DO SUJEITO e que estejam abrangidos pelo
acircmbito de aplicaccedilatildeo do mandadordquo20
No entanto neste caso natildeo eram apenas as impressotildees digitais que estavam em causa
uma vez que ldquoembora o governo natildeo saiba de antematildeo a identidade de cada dispositivo
digital ou impressatildeo digital (ou de facto qualquer outra prova) que possa ser encontrada
durante a busca ficou demonstrada ldquoprobable causerdquo de que essas provas poderiam ser
encontradas no local da busca sendo necessaacuterio ganhar e manter o acesso aos dispositivos
aiacute localizados para que seja possiacutevel realizar uma pesquisa sobre estes Por esse motivo
o mandado autoriza a apreensatildeo de palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo e outros
dispositivos de acesso que sejam necessaacuterios para aceder ao dispositivordquo21
Como justificaccedilatildeo para poderem por um lado compelir todos os sujeitos que se
encontrassem no periacutemetro da busca a desencriptarem o seu smartphone atraveacutes da
18 Fox-Brewster 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesthomasbrewster20161016doj-
demands-mass-fingerprint-seizure-to-open-iphones46075ff48d9d [consultado em 21112016] 19 O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente dissertaccedilatildeo 20 ldquoThe government submits this supplemental authority in support of its application for a search warrant
which seeks authorization to depress the fingerprints and thumbprints of every person who is located at the
SUBJECT PREMISES during the execution of the search and who is reasonably believed by law
enforcement to be a user of a fingerprint sensor-enabler device that is located at the SUBJECT PREMISES and falls within the scope of the warrantrdquo O memorandum pode ser consultado no Anexo V da presente
dissertaccedilatildeo 21 ldquoWhile the government does not know ahead of time the identity of every digital device or fingerprint (or
indeed every other piece of evidence) that it will find in the search it has demonstrated probable cause
that evidence may exist at the search location and needs the ability to gain access to those devices and
maintain that access to search them For that reason the warrant authorizes the seizure of lsquopasswords
encryption keys and other access devices that may be necessary to access the devicerdquo Cf Shaw 2016 1
Disponiacutevel em httpwwwthenewamericancomusnewsconstitutionitem24354-doj-gets-warrant-to-
force-people-to-use-fingerprints-to-unlock-their-phones [consultado em 21112016]
27
impressatildeo digital e por outro apreender todas as palavras-passe chaves de encriptaccedilatildeo
entre outros meios de desencriptaccedilatildeo que se encontrassem no local o Departamento de
Justiccedila veio alegar que empresas como a Apple Motorola HTC e Samsung entre outras
produzem diversos aparelhos que podem ser desbloqueados pelo utilizador com uma
palavra-passe numeacuterica alfanumeacuterica ou em alguns aparelhos mais modernos e
sofisticados com a impressatildeo digital atraveacutes de um sensor22 Desta forma a possibilidade
de acesso das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo dos smartphones sem o auxiacutelio do seu
utilizador torna-se extremamente difiacutecil
Para aleacutem deste reforccedilo na seguranccedila destes dispositivos foram ainda criados alguns
limites ao desbloqueio dos smartphones O Departamento de Justiccedila daacute o exemplo do
iPhone da Apple que apoacutes 5 tentativas de desbloqueio atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital requer palavra-passe Aleacutem desta caracteriacutestica o iPhone tecircm ainda a vantagem
ou desvantagem de apoacutes 48 horas de inactividade necessitar obrigatoriamente da
palavra-passe (e natildeo apenas da impressatildeo digital) para desbloquear
Eacute com base nestas circunstacircncias que o Departamento de Justiccedila justifica a necessidade e
a urgecircncia da coacccedilatildeo dos sujeitos no sentido de desencriptarem os dispositivos atraveacutes
da leitura das suas impressotildees digitais
O Departamento de Justiccedila finaliza o memorandum afirmando que este mandado natildeo
viola nem a Quarta nem a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
15 Conclusotildees intermeacutedias
Depois da leitura dos quatro casos apresentados podemos concluir que em todos eles a
palavra-passe e a impressatildeo digital parecem ter um tratamento diferenciado Se por um
lado a revelaccedilatildeo da palavra-passe parece estar protegida pela Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica por outro a impressatildeo digital por natildeo se
tratar de uma declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo do arguido parece natildeo ter qualquer tipo de
protecccedilatildeo contra a autoincriminaccedilatildeo
Para percebermos em maior detalhe esta diferenciaccedilatildeo e o motivo pelo qual estas questotildees
chegaram agrave jurisprudecircncia norte-americana cumpre analisar a protecccedilatildeo conferida pela
Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica
22 Vaas 2016 3 Disponiacutevel em httpsnakedsecuritysophoscom20161018feds-got-search-warrant-
demanding-anyones-fingerprints-to-open-phones [consultado em 21112016]
28
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados
Unidos da Ameacuterica
Qualquer caso de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido seja atraveacutes da revelaccedilatildeo
da palavra-passe seja atraveacutes da leitura da impressatildeo digital gera problemas quanto ao
princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Segundo este princiacutepio o arguido natildeo deveraacute colaborar com as autoridades judiciaacuterias no
sentido de auxiliar na sua proacutepria incriminaccedilatildeo Assim coloca-se a questatildeo estaraacute o
arguido a violar segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano o seu direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo quando obedece a estas ordens de desencriptaccedilatildeo
Uma anaacutelise agrave Constituiccedilatildeo norte-americana nomeadamente agrave sua Quinta Emenda
ajudar-nos-aacute a obter uma resposta
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica estabelece o seguinte
ldquoNenhuma pessoa seraacute obrigada a responder por um crime capital ou infame salvo por
denuacutencia ou pronuacutencia de um grande juacuteri excepto quando se trate de casos que em tempo
de guerra ou de perigo puacuteblico ocorram nas forccedilas terrestres ou navais ou na miliacutecia
quando em serviccedilo activo nenhuma pessoa seraacute pelo mesmo crime submetida duas
vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro nem seraacute
obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal ou ser privada da vida liberdade
ou propriedade sem processo legal regular a propriedade privada natildeo seraacute desapropriada
para uso puacuteblico sem justa indemnizaccedilatildeordquo23 Do texto retiramos a seguinte frase
ldquoNenhuma pessoa seraacute [hellip] obrigada a depor contra si proacutepria em processo criminal [hellip]rdquo
211 Requisitos da Quinta Emenda
Da Quinta Emenda podemos extrair a defesa do brocardo latino nemo tenetur se ipsum
accusare ou seja o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo O princiacutepio protege o arguido ldquode
23 ldquoNo person shall be held to answer for a capital or otherwise infamous crime unless on a presentment
or indictment of a Grand Jury except in cases arising in the land or naval forces or in the Militia when
in actual service in time of War or public danger nor shall any person be subject for the same offence to
be twice put in jeopardy of life or limb nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself nor be deprived of life liberty or property without due process of law nor shall private property
be taken for public use without just compensationrdquo
29
ser chamado a testemunhar contra si proacuteprio no seu proacuteprio julgamento e permite que
recuse responder a perguntas oficiais que possam incriminaacute-lo em futuros processos
sejam eles civis ou criminais formais ou informaisrdquo24 Na doutrina norte-americana eacute
igualmente defendido que este princiacutepio tem ainda como finalidade proteger o arguido do
ldquocruel trilemmardquo25 de ter de escolher entre a) fornecer provas incriminadoras contra si
proacuteprio arriscando ser alvo de uma acccedilatildeo criminal b) mentir agraves autoridades judiciaacuterias e
judiciais sob o risco de cometer perjuacuterio c) manter o silecircncio e incorrer em
desobediecircncia26
No entanto o princiacutepio vertido na Quinta Emenda natildeo eacute absoluto27 para que seja
reivindicado eacute necessaacuterio como jaacute tivemos oportunidade de salientar ainda que
sucintamente na exposiccedilatildeo do caso Baust que estejam verificados trecircs requisitos
distintos28 a) coacccedilatildeo (compulsion) b) incriminaccedilatildeo (incrimination) c)
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)29 Eacute ainda necessaacuterio que estes
requisitos sejam comprovados cumulativamente Assim o governo pode compelir o
arguido a autoincriminar-se desde que a autoincriminaccedilatildeo natildeo seja declarativa ou
comunicativa30 Semelhantemente o arguido pode autoincriminar-se atraveacutes do
fornecimento de um testemunho no entanto se o fizer sem a coacccedilatildeo das entidades
judiciaacuterias natildeo poderaacute reivindicar o seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo31 O governo
24 ldquoFrom being called to testify against himself at his own trial and permits him to refuse to answer official
questions put him in any other proceeding civil or criminal formal or informal where the answers might
incriminate him in future criminal proceedingsrdquo Cf Minnesota v Murphy 1984 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus465420casehtml [consultado em 24112016] 25 Cauthen 2016 5 26 Thompson IIJaikaran 2016 6-7 27 Engel 2012 105-106 28 ldquoIt is also clear that the Fifth Amendment does not independently proscribe the compelled production of
every sort of incriminating evidence but applies only when the accused is compelled to make a Testimonial
Communication that is incriminatingrdquo Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 29 AllenMace 2004 246 30 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] Schmerber v
California 1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml
[consultado em 24112016] ldquoBut the prohibition of compelling a man in a criminal court to be witness against himself is a prohibition of the use of physical or moral compulsion to extort communications from
him not an exclusion of his body as evidence when it may be material The objection in principle would
forbid a jury to look at a prisioner and compare his features with a photograph in proof Moreover we
need not consider how far a court would go in compelling a man to exhibit himself For when he is exhibited
whether voluntarily or by order and even if the order goes too far the evidence if material is competentrdquo
Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 24112016] 31 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] United States
30
pode ainda compelir o arguido a prestar um depoimento desde que este natildeo culmine na
sua incriminaccedilatildeo32
Os primeiros dois requisitos em mateacuteria de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio
do arguido natildeo trazem grandes duacutevidas Em contrapartida na maior parte dos casos sobre
esta temaacutetica o problema de saber se o fornecimento de palavra-passe ou de impressatildeo
digital para desencriptar um smartphone se inclui ou natildeo na categoria de
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo gera vaacuterias questotildees
2111 Coacccedilatildeo (compulsion)
Para o preenchimento do requisito da coacccedilatildeo (compulsion) teraacute de se verificar uma
pressatildeo por parte do governo sobre o arguido no sentido de o obrigar a divulgar algum
tipo de informaccedilatildeo33 A jurisprudecircncia norte-americana vai mais longe chegando a
afirmar que eacute necessaacuterio para responder afirmativamente ao teste da coacccedilatildeo apurar
perante todas as circunstacircncias do caso se o livre arbiacutetrio do arguido foi reprimido34
Essencialmente os tribunais devem decidir se o depoimento eacute prestado de forma livre e
esclarecida35 ou contrariamente se foi obtido atraveacutes do uso de influecircncia improacutepria36
Na circunstacircncia de se confirmar esta uacuteltima situaccedilatildeo a jurisprudecircncia norte-americana
jaacute se fez ouvir no sentido de considerar esta coacccedilatildeo como uma ldquoextorsatildeo de informaccedilotildees
do acusado ofensiva ao senso de justiccedilardquo37
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination)
No que concerne ao requisito da incriminaccedilatildeo para que este se verifique eacute necessaacuterio
que o acto incrimine o arguido ou leve agrave descoberta de provas incriminatoacuterias38 Os
v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605 [consultado em
24112016] 32 Jarone 2015 771 33 Morrison 2012 144 34 Cf United States v Washington 1977 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus431181casehtml [consultado em 24112016] 35 Se um documento eacute escrito e entregue agraves entidades judiciaacuterias voluntariamente o requisito da coacccedilatildeo
natildeo se iraacute verificar No entanto se o governo intimar o arguido a produzir o mesmo documento o requisito da coacccedilatildeo passa a estar preenchido Cf Jarone 2015 772 36 Wilson 2015 24 37 ldquoExtortion of information from the accused himself as offensive to our sense of justicerdquo Cf Couch v
United States 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus409322 [consultado em
24112016] 38 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 24112016] United States
v Hubbel 2000 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus53027casehtml [consultado
em 24112016] ldquoThe privilege afforded not only extends to answers that would in themselves support a
31
tribunais devem desta forma determinar se a revelaccedilatildeo do testemunho gera um risco
substancial de autoincriminaccedilatildeo ou se expotildee de qualquer outra forma o sujeito a uma
acusaccedilatildeo criminal39 Para aleacutem desta exigecircncia eacute ainda imprescindiacutevel para a verificaccedilatildeo
do requisito em causa que o sujeito se autoincrimine Assim se o depoimento do arguido
incriminar apenas terceiros o requisito da incriminaccedilatildeo natildeo se verificaraacute40 O arguido natildeo
se pode apoiar na protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda para alegar que um terceiro
seraacute incriminado com o seu testemunho41 Desta forma o requisito da (auto)incriminaccedilatildeo
poderaacute permitir que arguidos invoquem a protecccedilatildeo conferida pela Quinta Emenda no
sentido de natildeo fornecerem as suas palavras-passe ou impressotildees digitais no entanto
impede que terceiros recorram agrave mesma protecccedilatildeo quando satildeo compelidos a fornecerem
palavras-passe ou impressotildees digitais dos suspeitos42
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication)
Resta-nos tecer algumas consideraccedilotildees sobre o terceiro e uacuteltimo requisito
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) De um ponto de vista mais
cientiacutefico declaraccedilatildeo significa cogniccedilatildeo substantiva ou seja eacute o produto da cogniccedilatildeo que
resulta da realizaccedilatildeo ou afirmaccedilatildeo de proposiccedilotildees de valor autecircntico43 Desta forma pode
ser entendida como a revelaccedilatildeo coactiva causada pelo Estado dos resultados
substantivos incriminatoacuterios da sua cogniccedilatildeo4445 De uma outra perspectiva podemos
definir a prova declarativa (testimonial evidence) como sendo uma prova reveladora de
ideias informaccedilotildees dados conceitos conhecimentos e pensamentos
Tipicamente estas revelaccedilotildees satildeo feitas atraveacutes de comunicaccedilotildees escritas ou orais no
entanto nada impede que sejam feitas igualmente atraveacutes de actos condutas e gestos
conviction under a federal criminal statute but likewise embraces those which would furnish a link in the
chain of evidence needed to prosecute the claimant for a federal crimerdquo Cf Hoffman v United States
1951 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus341479casehtml [consultado em
24112016] 39 ldquoThe suspect must be faced with substancial and real hazards of self-incriminationrdquo Cf United States v
Reis 1985 Disponiacutevel em httpswwwravellawcomopinions35b1b3165aed24221933677a50da6059
[consultado em 24112016] Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml [consultado em 24112016] 40 Jarone 2015 773 41 Cf Hale v Henkel 1906 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus20143casehtml
[consultado em 24112016] Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 24112016] 42 Wilson 2015 25 43 AllenMace 2004 267 44 A cogniccedilatildeo involve aquisiccedilatildeo armazenamento recuperaccedilatildeo e uso do conhecimento Cf MatlinFarmer
2015 26 45 AllenMace 2004 267-268
32
desde que estes por sua vez revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de
factos A tiacutetulo de exemplo acenar com a cabeccedila para cima e para baixo quando eacute
perguntado ldquofoste tu que o fizesterdquo transmite uma resposta afirmativa Apontar para o
roupeiro quando eacute perguntado ldquoonde estaacute a armardquo transmite conhecimento sobre o
paradeiro da arma conhecimento sobre a sua localizaccedilatildeo e acesso46 Por fim existe ainda
quem defenda que a prova declarativa (testimonial evidence) pode ser entendida como a
comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo atraveacutes da memoacuteria ou do conhecimento do arguido47
No que respeita agrave jurisprudecircncia o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica
definiu que um acto compelido pode ser considerado como declarativo se expliacutecita ou
implicitamente divulgar uma afirmaccedilatildeo factual ou qualquer tipo de informaccedilatildeo48 No
entanto o acto tem que fazer mais do que apenas revelar informaccedilotildees deve envolver
igualmente a divulgaccedilatildeo compelida do conteuacutedo da mente do arguido49 Neste sentido o
Supremo Tribunal chega mesmo a afirmar que ldquoeacute a extorsatildeo de informaccedilatildeo do acusado
a tentativa de forccedilaacute-lo a revelar o conteuacutedo da sua proacutepria mente que implica a Claacuteusula
de Autoincriminaccedilatildeordquo50
Por este motivo natildeo causa estranheza que no caso United States v Kirschner51 quando
as autoridades judiciaacuterias compeliram o arguido a fornecer a palavra-passe do seu
computador encriptado o tribunal tenha decidido que o fornecimento da palavra-passe
seria semelhante ao acto de fornecer a combinaccedilatildeo de um cofre pelo que seria
considerado como uma comunicaccedilatildeo declarativa (testimonial communication) violadora
da Quinta Emenda52 Semelhantemente no caso United States v Doe (Doe III)53 o
tribunal decidiu no sentido de que ldquotanto a produccedilatildeo como a desencriptaccedilatildeo do disco
riacutegido exigiriam o recurso ao conteuacutedo da mente do suspeito natildeo podendo ser justamente
46 Cauthen 2016 6 47 Dripps 2005 335 48 Doe v United States 1988 (Doe II) Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201
[consultado em 25112016] 49ldquo[hellip] it must also involve some compelled use of the contents of the suspectrsquos mindrdquo Cf AllenMase 2004 246 50 ldquoIt is the extortion of information from the accused the attempt to force him to disclose the contents of
his own mind that implicates the Self-Incrimination Clauserdquo Cf Doe v United States 1988 (Doe II)
Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus487201 [consultado em 25112016] 51 United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 25112016] 52 Bales 2012 1302 53 United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesfederalappellate-
courtsF3112910585109 [consultado em 25112016]
33
caracterizada como um acto fiacutesico que seria natildeo declarativo por naturezardquo54 O tribunal
acabou por concluir que o arguido invocou correctamente o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo sendo que natildeo poderia ser compelido a produzir ou desencriptar
(atraveacutes de palavra-passe) as hard drives do seu computador
Na esteira do defendido pela jurisprudecircncia tambeacutem a doutrina norte-americana na sua
grande maioria eacute apoiante da tese de que o fornecimento de palavra-passe para a
desencriptaccedilatildeo de um smartphone eacute um acto declarativo (testimonial) por natureza uma
vez que obriga o arguido a divulgar o conteuacutedo da sua mente55
Ainda assim alguns tribunais tecircm uma abordagem diferente relativamente a esta
temaacutetica Para evitar violar a Quinta Emenda ao compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe alguns tribunais optaram por compelir o arguido a fornecer o proacuteprio dispositivo
jaacute desencriptado sem revelar a palavra-passe a qualquer entidade judiciaacuteria56 Esta opccedilatildeo
eacute tambeacutem defendida por alguma doutrina minoritaacuteria nomeadamente Orin Kerr Dan
Terzian57 e Anna Bodi58 O primeiro Autor chega mesmo a reiterar que ldquodesta forma o
governo recebe o telefone desbloqueado mas nunca eacute revelada a palavra-passe Pedir ao
arguido que digite ele proacuteprio a palavra-passe minimizaria as implicaccedilotildees da Quinta
Emenda uma vez que natildeo envolveria a revelaccedilatildeo potencialmente incriminatoacuteria da
palavra-passerdquo59
Em contrapartida no que diz respeito agraves provas natildeo declarativas (non-testimonial)
importa ter presente que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica comeccedilou
por fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e provas comunicativas para diferenciar por sua
vez entre as provas declarativas (testimonial) e natildeo declarativas (non-testimonial) O
54 ldquoBoth the production and decryption of the hard drives would require the use of the contents of the
suspectrsquos mind and could not be fairly characterized as a physical act that would be non-testimonial in
naturerdquo Cf United States v Doe 2011 (Doe III) Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesfederalappellate-courtsF3112910585109 [consultado em 25112016] 55 ldquoProving a password could also implicate the cruel trilemmardquo Cf Bales 2012 1304 Atwood 2015
413-415 ldquoThe act of decryption and production would be testimonialrdquo Cf Ajello 2015 454-457 56 In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 25112016] 57 Terzian 2016 170-174 58 Bodi 2015 2-4 Disponiacutevel em httpwwwamericancriminallawreviewcomaclr-onlinephones-
fingerprints-and-fifth-amendment [consultado em 28112016] 59 ldquoThat way the government gets the unlocked phone but never gets the passcode Having the defendant
enter his passcode would minimize the Fifth Amendment implications of the compelled compliance as it
would not involve disclosing the potentially incriminating evidence of the passcode itselfrdquo Cf Kerr 2014
2-3 Disponiacutevel em httpswwwwashingtonpostcomnewsvolokh-conspiracywp20141103virginia-
state-trial-court-ruling-on-the-fifth-amendment-and-smart-phonesutm_term=399c18bf1a04 [consultado
em 28112016]
34
primeiro caso a fazer a distinccedilatildeo entre provas fiacutesicas e comunicativas foi o caso Holt v
United States60 onde a coacccedilatildeo de um prisioneiro a vestir uma camisa para que a
testemunha o conseguisse identificar foi considerada como natildeo sendo violadora da Quinta
Emenda6162 Mas foi com o caso Schmerber v California que este entendimento foi
expandido no sentido de incluir outras formas de obtenccedilatildeo de prova atraveacutes do corpo do
arguido nomeadamente recolha de sangue amostra de caligrafia e exames atraveacutes do ar
expirado
No caso Schmerber v California63 o arguido alegou que o seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo fora violado uma vez que a poliacutecia teria instruiacutedo um meacutedico a recolher
uma amostra de sangue do seu corpo sem o seu consentimento64 A amostra foi analisada
com o desiacutegnio de descobrir se o arguido teria aacutelcool no sangue depois de ter sido detido
por conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool65
O Supremo Tribunal vem considerar actualmente como provas natildeo declarativas (non-
testimonial evidence) todas as provas utilizadas com o propoacutesito de identificar pessoas e
de correlacionaacute-las com o crime investigado tais como impressotildees digitais sangue
urina ADN amostras de cabelo amostras de caligrafia lineups entre outras6667 Isto
porque nenhuma destas provas fiacutesicas obriga a que o arguido divulgue qualquer tipo de
conhecimento68
60 Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 61 ldquoThe prohibition of compelling a man in a criminal court to be a witness against himself is a prohibition
of the use of physical or moral compulsion to extort communications from him not an exclusion of his body
as evidence when it may be materialrdquo Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016] 62 Desta forma segundo o entendimento do Supremo Tribunal a coacccedilatildeo de ldquobodily evidencerdquo nunca seraacute
violadora da Quinta Emenda Cf Goldman 2015 217 63 Cf Schmerber v California 1966 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em 28112016] 64 ldquoThe privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself or otherwise
provide the State with evidence of a testimonial or communicative naturerdquo Cf Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 65 Sales 2014 199-200 66 Fakhoury 2012 82 Silver 2012 811 Farahany 2012 356-357 67 Cf United States v Doe 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus465605
[consultado em 28112016] United States v Wade 1967 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus388218casehtml [consultado em 28112016] United States
v Dionisio 1973 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus4101casehtml [consultado
em 28112016] Gilbert v California 1967 Disponiacutevel em httpsupreme-court-
casesinsidegovcoml2630Gilbert-v-California [consultado em 28112016] Schmerber v California
1966 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus384757casehtml [consultado em
28112016] 68 Palfreyman 2009 354-355
35
Tambeacutem a grande maioria da doutrina norte-americana segue o entendimento de que a
Quinta Emenda natildeo protege o arguido contra o fornecimento de provas fiacutesicas69 ou
atributos identificadores70
Deste modo podemos reiterar que segundo o entendimento da jurisprudecircncia norte-
americana nomeadamente do Supremo Tribunal e da maioria da doutrina a diferenccedila
entre um acto declarativo (testimonial) e um acto natildeo declarativo (non-testimonial) reside
no facto de o primeiro exigir que o arguido faccedila uso do conteuacutedo da sua mente e o segundo
natildeo71
Uma vez que o tema central da nossa dissertaccedilatildeo prende-se com a desencriptaccedilatildeo de
smartphones nomeadamente atraveacutes de impressatildeo digital mostra-se relevante nesta
sede tecer algumas reflexotildees sobre a possibilidade de considerarmos esta conduta como
declarativa (testimonial) ou natildeo declarativa (non-testimonial)
Pela parte da jurisprudecircncia norte-americana podemos obter uma raacutepida resposta atraveacutes
da anaacutelise dos casos apresentados no iniacutecio da presente dissertaccedilatildeo Tendo em
consideraccedilatildeo o resultado do caso Baust e do caso Diamond e a argumentaccedilatildeo apresentada
pela jurisprudecircncia nos restantes casos torna-se clara a sua tendecircncia no sentido de
considerar o fornecimento de impressatildeo digital para a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
como um acto natildeo declarativo (non-testimonial)
No que agrave doutrina diz respeito o entendimento da grande maioria dos Autores vai de
encontro ao defendido pela jurisprudecircncia afirmando que as impressotildees digitais podem
ser compelidas sem violaccedilatildeo da Quinta Emenda contrariamente agraves palavras-passe Albert
Gidari defende a ideia de que na leitura da impressatildeo digital do arguido ldquocontrariamente
agrave revelaccedilatildeo de palavras-passe natildeo haacute coacccedilatildeo para comunicar ou dizer o que lsquovai na
cabeccedilarsquo agraves autoridades judiciaacuterias lsquoColoque o seu dedo aquirsquo natildeo eacute um acto declarativo
ou autoincriminadorrdquo72 Na mesma esteira Riana Pfefferkorn afirma que ldquode facto eacute
preocupante pensar que as autoridades judiciaacuterias podem acabar por usar contra o arguido
uma decisatildeo que este tomou por conveniecircncia e para tornar mais difiacutecil o acesso de
69 Bonin 1996 509 70 Colarusso 2011 134 71 Jarone 2015 774 72 ldquoUnlike disclosing passcodes you are not compelled to speak or say whatrsquos in lsquoyour mindrsquo to law
enforcement lsquoPut your finger herersquo is not testimonial or self-incriminatingrdquo Cf HamiltonWinton 2016
2 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-
storyhtml [consultado em 28112016]
36
terceiros ao seu telefone sem o seu conhecimento No entanto natildeo acredito que isto vaacute
contra a Quinta Emendardquo73 Por seu turno Sarah Wilson apoiando-se no entendimento
da jurisprudecircncia afirma que ldquoo governo poderia exigir a desencriptaccedilatildeo por dados
biomeacutetricos sem implicar a Quinta Emenda uma vez que o Supremo Tribunal decidiu que
os dados biomeacutetricos natildeo satildeo declarativosrdquo74 Por fim acompanha ainda este pensamento
George Dery III que reitera a ideia de que a impressatildeo digital deve ser vista em similitude
com uma chave de um cofre sustentando ainda que ldquomesmo que seja problemaacutetico pensar
na possibilidade de algueacutem aceder ao telefone do arguido as autoridades judiciaacuterias tecircm
autorizaccedilatildeo de um juiz e isso significa que existe a probabilidade de estarmos perante
uma actividade criminosardquo75
Haacute ainda que salientar duas ideias que satildeo unanimemente defendidas tanto pela
jurisprudecircncia quanto pela doutrina norte-americana a primeira prende-se com a
necessidade de mandado judicial para a apreensatildeo de um smartphone76 a segunda tem
que ver com a concepccedilatildeo de que as autoridades judiciaacuterias podem compelir o arguido
detido a fornecer provas fiacutesicas incluindo impressotildees digitais sem autorizaccedilatildeo judicial77
com o propoacutesito de auxiliar agrave sua identificaccedilatildeo ou de possibilitar a sua ligaccedilatildeo com o local
do crime
212 Limites da Quinta Emenda
Chegados a este ponto e depois de analisados os trecircs requisitos da Quinta Emenda agrave
Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica cumpre esclarecer que mesmo que as
entidades judiciaacuterias compelissem o arguido a prestar um depoimento ou testemunho
incriminatoacuterio (nomeadamente a palavra-passe do seu smartphone) preenchendo assim
os trecircs requisitos mencionados poderiacuteamos estar aqui perante uma conduta natildeo violadora
73 ldquoTo be sure itrsquos troubling to think that the police could end up using against you a choice you made for
the sake of convenience and to make it harder for someone to snoop into your phone without your
knowledge But I donrsquot think it runs counter to the Fifth Amendmentrdquo Cf Farivar 2016 2 Disponiacutevel em
httparstechnicacomtech-policy201605should-the-govt-be-able-to-force-you-to-open-your-phone-
with-just-your-fingerprint [consultado em 28112016] 74 ldquoThe government could demand biometric passwords without implicating the Fifth Amendment because the Supreme Court has decided that biometrics are not testimonialrdquo Cf Wilson 2015 28 75 ldquoEven though it is a big deal having someone open up their phone theyrsquove gone to a judge and it means
therersquos a likelihood of criminal activityrdquo Cf HamiltonWinton 2016 3 Disponiacutevel em
httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em
28112016] 76 Cf Riley v California 2014 Disponiacutevel em httpswwwsupremecourtgovopinions13pdf13-
132_8l9cpdf [consultado em 28112016] 77 Cf Holt v United States 1910 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus218245casehtml [consultado em 28112016]
37
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare por duas vias78 se as informaccedilotildees prestadas
fossem uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) ou se o governo concedesse
imunidade ao arguido79
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)
Segundo a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) se o governo
conseguir mostrar com razoaacutevel particularidade que no momento em que pretende
compelir a produccedilatildeo de determinada prova jaacute teraacute em sua posse informaccedilotildees relativas agrave
sua existecircncia e localizaccedilatildeo o arguido acrescentaraacute atraveacutes do seu testemunho pouco ou
nada a essa informaccedilatildeo pelo que a coacccedilatildeo seraacute legiacutetima de acordo com a Quinta
Emenda80 Uma vez que a comunicaccedilatildeo de uma conclusatildeo inevitaacutevel natildeo revela de facto
nenhuma informaccedilatildeo nova o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo natildeo opera
independentemente de estarmos ou natildeo perante uma prova declarativa (testimonial
evidence)
A jurisprudecircncia norte-americana desenvolveu um teste de trecircs passos para a aplicaccedilatildeo
da excepccedilatildeo da conclusatildeo inevitaacutevel81 Assim o governo deve estabelecer o seu
conhecimento sobre a) a existecircncia da prova exigida b) a posse e o controlo dessa prova
pelo arguido c) a autenticidade da prova82
Esta doutrina foi mencionada pela primeira vez no caso Fisher v United States83 onde o
Supremo Tribunal alegou que a entrega de documentos relativos ao pagamento de
impostos pelo contribuinte natildeo constituiria um depoimento incriminatoacuterio uma vez que
a existecircncia e localizaccedilatildeo dos documentos eram uma conclusatildeo inevitaacutevel84 Assim o
contribuinte natildeo iria acrescentar nada agrave informaccedilatildeo jaacute recolhida pelo governo pelo
simples facto de admitir que tinha a documentaccedilatildeo em sua posse85
78 Terzian 2015 1134 79 Soares 2012 2004 80 Soares 2012 2006 81 Werner 2016 4 82 Efectivamente apesar de a prestaccedilatildeo de depoimento ter geralmente um aspecto declarativo se o governo
conseguir mostrar que tinha conhecimento preacutevio da existecircncia posse e autenticidade da informaccedilatildeo a
informaccedilatildeo declarativa passa a ser uma conclusatildeo inevitaacutevel Cf Fruiterman 2013 658 Sales 2014 203 83 Cf Fisher v United States 1976 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em 28112016] 84 ldquoThe government can compel production when the existence and location of documents are a foregone
conclusion and the defendant adds little to nothing to the sum total of the governmentrsquos information by
conceding that he in fact has the papersrdquo Cf MohanVillasenor 2012 14 85 Sales 2014 203
38
A doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel tem sido igualmente considerada como uma
justificaccedilatildeo legal viaacutevel nos casos de desencriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos86
Alguns tribunais requerem que o governo tenha conhecimento sobre um certo ficheiro87
para que a doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel seja aplicada outros exigem apenas que o
governo tenha acesso a qualquer tipo de informaccedilatildeo sobre determinados ficheiros88
mesmo que natildeo esteja informado sobre o seu conteuacutedo dado que se encontram
encriptados89 Quatro tribunais em quatro casos distintos aprovaram a desencriptaccedilatildeo
compelida de dispositivos electroacutenicos com base na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel90
a) caso United States v Gavegnano91 b) caso United States v Fricosu92 c) caso United
States v Hatfield93 d) caso In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher94
Num caso relativamente recente Commonwealth v Gelfgatt95 o tribunal decidiu que o
arguido poderia ser compelido a fornecer a palavra-passe do seu computador com base
na doutrina da conclusatildeo inevitaacutevel Visto que a posse e o controlo do computador por
parte do arguido e o seu conhecimento sobre a encriptaccedilatildeo e a respectiva palavra-passe jaacute
eram conhecidos pelo governo o Supremo Tribunal de Massachusetts concluiu que o
fornecimento da palavra-passe neste caso seria considerado como conclusatildeo inevitaacutevel
natildeo estando assim protegido pelo privileacutegio concedido pela Quinta Emenda96
86 Silver 2012 811 87 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] Commonwealth of Virginia v
David Charles Baust 2014 Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-rulingpdf
[consultado em 28112016] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo 88 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em
httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016]
Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-
court2014sjc-11358html [consultado em 28112016] 89 Terzian 2016 173 90 Silver 2012 811 91 Cf United States v Gavegnano 2012 Disponiacutevel em
httpfederalevidencecompdfComputUS20v20Gavegnanopdf [consultado em 28112016] 92 Cf United States v Fricosu 2012 Disponiacutevel em httpswwwwiredcomimages_blogsthreatlevel201201decryptpdf [consultado em 28112016] 93 Cf United States v Hatfield 2010 Disponiacutevel em httpcaselawfindlawcomus-7th-
circuit1519786html [consultado em 28112016] 94 Cf In re Grand Jury Subpoena to Sebastien Boucher 2009 Disponiacutevel em
httpvolokhcomfilesBoucherDCT1pdf [consultado em 28112016] 95 Cf Commonwealth v Gelfgatt 2014 Disponiacutevel em
httplawjustiacomcasesmassachusettssupreme-court2014sjc-11358html [consultado em
28112016] 96 Wilson 2015 26
39
2122 Imunidade (immunity)
Para que se possa invocar o privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo eacute necessaacuterio como
tivemos oportunidade de salientar anteriormente que se crie um risco especiacutefico de
incriminaccedilatildeo97 No entanto se o governo eliminar esse risco concedendo imunidade ao
suspeito poderaacute compeli-lo a fornecer determinadas provas e a responder a diversas
perguntas Esta imunidade tem de ser deferida de acordo com o acircmbito de proteccedilatildeo
concedido pela Quinta Emenda98
A necessidade de concessatildeo de imunidade para que se ultrapasse o risco de incriminaccedilatildeo
e consequentemente de desrespeito pelo princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo
responde agrave questatildeo de saber qual seraacute a ldquoquantidaderdquo necessaacuteria de imunidade para evitar
tal violaccedilatildeo
Uma imunidade total ou absoluta afastaria por completo o risco de incriminaccedilatildeo contudo
dar-se-ia ao suspeito a possibilidade de evitar a acusaccedilatildeo na sua plenitude Em uacuteltima
anaacutelise o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica concluiu que o preccedilo a pagar
pela imunidade total ou absoluta eacute mais alto do que o governo deveraacute suportar no intuito
de obter coactivamente determinadas provas99
O estatuto federal de imunidade estabelece que se for concedida imunidade [] a
testemunha natildeo pode recusar-se a cumprir a ordem com base no seu privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo mas nenhum testemunho ou outra informaccedilatildeo compelida pela ordem
(ou qualquer informaccedilatildeo derivada directa ou indirectamente de tal testemunho ou outra
informaccedilatildeo) pode ser usada contra a testemunha em qualquer processo criminal []100
No caso Kastigar v United States101 o Supremo Tribunal esclareceu que a imunidade
deve proibir o governo de usar o testemunho compelido bem como as provas daiacute
provenientes directa ou indirectamente para acusar o arguido Estas duas formas de
imunidade foram classificadas como ldquouse immunityrdquo e ldquoderivative use immunityrdquo102
97 Berger 2002 235 98 Soares 2012 2007 99 Kiok 2015 60 100 ldquo[hellip] the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-
incrimination but no testimony or other information compelled under the order (or any information
directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in
any criminal case [hellip]rdquo 101 Cf Kastigar v United States 1972 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus406441casehtml [consultado em 29112016] 102 Fakhoury 2012 83
40
consoante as provas fossem retiradas directamente do testemunho prestado ou derivadas
deste103
Assim o tribunal deve em primeira instacircncia averiguar se o governo estaraacute ou natildeo a
tentar compelir um testemunho incriminatoacuterio Se tal se verificar o tribunal deve
conceder imunidade no sentido de proibir o governo natildeo soacute de utilizar as palavras
proferidas ou os actos realizados contra o arguido como tambeacutem de utilizar qualquer
outra prova obtida atraveacutes do testemunho104 No caso de o governo querer utilizar
qualquer tipo de prova derivada do testemunho prestado sob coacccedilatildeo contra o arguido
numa subsequente acusaccedilatildeo deveraacute demonstrar que tal prova deriva de uma fonte
legiacutetima e independente do testemunho compelido105
Para que a imunidade possa ser concedida eacute necessaacuterio que a ordem dada seja coactiva e
que resulte numa acccedilatildeo incriminatoacuteria de natureza testemunhal que envolva
comunicaccedilatildeo e que expresse o conteuacutedo do pensamento do arguido e que a informaccedilatildeo
prestada natildeo seja considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion)106
3 Conclusotildees intermeacutedias
Podemos comprovar pela anaacutelise da jurisprudecircncia Constituiccedilatildeo e doutrina norte-
americanas que a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de
prova no processo penal com o auxiacutelio do arguido eacute uma questatildeo juriacutedica actual e real
A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica protege o arguido
contra determinadas medidas sempre que estas se revelem cumulativamente a)
coactivas b) incriminatoacuterias c) e declarativascomunicativas
Se por um lado estes trecircs requisitos estatildeo cumulativamente verificados na desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe sendo esta ordem violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo por outro o uacuteltimo requisito da
declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo natildeo se encontra preenchido na ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido resultando na natildeo violaccedilatildeo
do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo Esta conclusatildeo pelo natildeo preenchimento do terceiro
103 Duong 2009 339 104 Fakhoury 2012 84 105 Pfefferkorn 2009 4-5 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
29112016] 106 Soares 2012 2007
41
requisito no caso de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital estaacute
relacionada com a teoria defendida pela doutrina e jurisprudecircncia norte-americanas de
que uma acccedilatildeo soacute se considera declarativacomunicativa nas situaccedilotildees em que o arguido
eacute compelido a divulgar o conteuacutedo da sua mente Assim se explicam os resultados a que
a jurisprudecircncia norte-americana chegou nos casos apresentados o arguido natildeo pode ser
compelido a fornecer a palavra-passe do seu smartphone mas pode ser compelido a
colocar o seu dedo no leitor de impressotildees digitais para desencriptar o dispositivo
Ademais ficou esclarecido que mesmo nas situaccedilotildees em que todos os requisitos da
Quinta Emenda tenham sido cumulativamente preenchidos as ordens de desencriptaccedilatildeo
de smartphones (independetemente do meacutetodo) podem ser dirigidas ao arguido ficando
a sua validade a depender de duas situaccedilotildees a) da demonstraccedilatildeo pelas autoridades de um
conhecimento de tal ordem particularizado sobre a existecircncia e localizaccedilatildeo dos ficheiros
que essa informaccedilatildeo possa ser considerada como uma conclusatildeo inevitaacutevel (foregone
conclusion) b) da concessatildeo de imunidade ao arguido
Apesar de segundo o ordenamento juriacutedico norte-americano a revelaccedilatildeo coactiva da
palavra-passe que desencripta um smartphone ser considerada ilegiacutetima por violaccedilatildeo do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo e contrariamente a leitura coactiva da impressatildeo
digital do arguido que desencripta um smartphone ser considerada legiacutetima cumpre
saber uma vez que a nossa investigaccedilatildeo eacute realizada em territoacuterio portuguecircs se estes casos
jurisprudenciais teriam a mesma soluccedilatildeo segundo o ordenamento juriacutedico nacional
42
43
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS
Ficou analisado no capiacutetulo anterior como o ordenamento juriacutedico norte-americano daacute
resposta ao problema da desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido
No entanto torna-se evidente a necessidade de perceber em pormenor como o
ordenamento juriacutedico nacional daria resposta a esta problemaacutetica na eventualidade de
estes casos jurisprudenciais surgirem em Portugal
Para respondermos a esta pertinente contenda recorreremos agrave desconstruccedilatildeo praacutetica do
problema Assim de uma perspectiva praacutetica a primeira questatildeo que se coloca em sede
de desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones para obtenccedilatildeo de prova no processo penal
eacute a de saber a priori como se processa a apreensatildeo e o acesso aos conteuacutedos armazenados
no smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo portuguesa Posteriormente agrave tentativa de
acesso e apreensatildeo desses conteuacutedos agraves autoridades judiciaacuterias eacute colocado um segundo
problema a encriptaccedilatildeo do dispositivo Visto que o smartphone se encontra encriptado
por palavra-passe ou por biometria a colaboraccedilatildeo do arguido para sua a desencriptaccedilatildeo
mostra-se indispensaacutevel Eacute nesta sede que surge o problema se saber se esta colaboraccedilatildeo
eacute ou natildeo violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
De facto como dissemos a problemaacutetica da desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal levanta um problema a montante sobre o qual nos
devemos debruccedilar em primeira instacircncia durante este capiacutetulo O desbloqueio do
smartphone pressupotildee a priori duas circunstacircncias que o dispositivo tenha sido
legitimamente apreendido pelas autoridades judiciaacuterias e posteriormente que se tenha
feito uma tentativa de acesso aos conteuacutedos electroacutenicos aiacute armazenados Assim parece
loacutegico que as entidades judiciaacuterias soacute podem constatar que um dispositivo estaacute encriptado
se houver previamente uma tentativa de acesso ao seu conteuacutedo apoacutes a apreensatildeo do
aparelho Eacute sobre esta apreensatildeo e acesso aos ficheiros armazenados em smartphones que
discorreremos nas proacuteximas paacuteginas
1 Os smartphones e a prova digital
Vivemos actualmente no seio de uma sociedade informatizada uma sociedade que se
regula diariamente com recurso a sistemas electroacutenicos Durante esta uacuteltima deacutecada
44
assistimos a uma raacutepida evoluccedilatildeo tecnoloacutegica evoluccedilatildeo essa que se tem manifestado
igualmente na aacuterea da criminalidade informaacutetica
O telemoacutevel eacute hoje em dia um aparelho indispensaacutevel na vida dos cidadatildeos quer pela
sua capacidade comunicacional com o resto do mundo quer pelo seu constante progresso
no que concerne agraves suas aplicaccedilotildees que vatildeo facilitando o dia-a-dia de cada um Ainda
assim no seio da investigaccedilatildeo de um crime o telemoacutevel poderaacute ser visto como o maior
inimigo do homem neste caso o maior inimigo dos investigadores criminais Isto porque
o acesso a um telemoacutevel ou mais precisamente a um smartphone para obtenccedilatildeo de prova
em processo penal teraacute de cumprir determinadas regras e obedecer a tantos outros
procedimentos
Em todos os casos de criminalidade o objectivo do processo penal passa pela descoberta
da verdade e pela persecuccedilatildeo da justiccedila Para tal eacute necessaacuterio que se proceda agrave recolha
de prova para que se possa condenar os culpados Na investigaccedilatildeo criminal a obtenccedilatildeo e
recolha da prova rege-se por dois artigos previstos no Coacutedigo de Processo Penal o artigo
125ordm e o artigo 126ordm O primeiro estipula o princiacutepio de que satildeo permitidas todas as
provas que natildeo forem proibidas por lei ao passo que o segundo estabelece que o valor de
cada elemento de prova eacute determinado pelas regras da experiecircncia e pela livre convicccedilatildeo
de quem tem que decidir sobre elas107 Daqui resulta que as provas de iacutendole digital satildeo
admitidas desde que a sua obtenccedilatildeo tenha sido realizada dentro dos estritos criteacuterios da
legalidade e objectividade108
A prova digital eacute definida por Benjamin Silva Rodrigues como qualquer tipo de
informaccedilatildeo com valor probatoacuterio armazenada ou transmitida sob forma binaacuteria ou
digital109 Por seu turno Armando Dias Ramos define a prova digital como ldquotoda a
informaccedilatildeo passiacutevel de ser obtida ou extraiacuteda de um dispositivo digital (local virtual ou
remoto) ou de uma rede de comunicaccedilotildeesrdquo110 O legislador portuguecircs natildeo definiu o que
seria prova digital no entanto acreditamos que de um ponto de vista geral a prova digital
seraacute toda e qualquer informaccedilatildeodados que tenham sido recebidos transmitidos ou que
estejam armazenados num dispositivo electroacutenico111 Por outro lado de um ponto de vista
107 Este princiacutepio natildeo eacute absoluto havendo excepccedilotildees ao mesmo designadamente quanto ao valor da prova
pericial 108 Ramos 2014 85 109 Rodrigues 2009a 39 110 Ramos 2014 86 111 MukaseySedgwickHagy 2008 9
45
mais teacutecnico cumpre esclarecer que a designaccedilatildeo de ldquodigitalrdquo adveacutem do facto de a
informaccedilatildeo armazenada electronicamente ser repartida em diacutegitos mais precisamente
numa sequecircncia de nuacutemeros binaacuterios (isto eacute zero ou um) que satildeo reconhecidos e
traduzidos pelo aparelho informaacutetico transformando-se em informaccedilatildeo112
Por este motivo como facilmente se adivinha a prova digital carece de ser tratada de um
forma diferente mais precisamente de uma forma mais diligente e cautelosa uma vez que
um mero lapso poderaacute tornar a prova irremediavelmente inutilizada113 Uma vez que se
trata de informaccedilatildeo em formato digital existe sempre a preocupaccedilatildeo da mesma ser
apagada modificada ou destruiacuteda em segundos sem se deixar rasto114 Daiacute resulta que a
rapidez na obtenccedilatildeo desta prova aliada a uma correcta recolha satildeo dois passos
fundamentais para o ecircxito da investigaccedilatildeo e imputaccedilatildeo dos factos ao suspeito do crime115
Toda esta constelaccedilatildeo de problemas eacute tambeacutem enfatizada por Figueiredo Dias ao afirmar
que entre as novas problemaacuteticas que se tecircm vindo a colocar tanto agrave legislaccedilatildeo como agrave
ciecircncia do processo penal nos uacuteltimos tempos a primeira tem que ver precisamente com
a circunstacircncia de os novos horizontes teacutecnico-cientiacuteficos terem aberto a porta a meacutetodos
de investigaccedilatildeo ateacute haacute natildeo muito tempo desconhecidos116 Estando aiacute incluiacutedos entre
outros os meacutetodos de investigaccedilatildeo computadorizados ou de forma mais geral permitidos
pelos avanccedilos informaacuteticos117 (vg o smartphone)
Atendendo agrave quantidade cada vez maior de utilizadores de smartphones e agrave sua
capacidade de armazenamento118 estes dispositivos podem ser uacuteteis ferramentas para os
investigadores criminais na recolha de prova em processos crime Se durante uma
investigaccedilatildeo criminal for apreendido um smartphone relativamente recente com cerca de
seis ou sete anos a amplitude de informaccedilatildeo que pode ser obtida pelos investigadores eacute
significante abrangendo linguagem e outras definiccedilotildees agenda de contactos informaccedilatildeo
de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-mail
fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens instantacircneas
112 Militatildeo 2012 261 113 Ramos 2014 87 114 Mouraz LopesAntatildeo Cabreiro 2006 72 115 Ramos 2014 87 116 Figueiredo Dias 2009 808-809 117 Figueiredo Dias 2009 809 118 Os smartphones satildeo constantemente utilizados para as mais variadas funccedilotildees chamadas de voz
chamadas de viacutedeo mensagens de texto mensagens de imagem pesquisas na internet incluindo toda a
panoacuteplia de redes sociais acesso a correio electroacutenico fotografias e viacutedeos calculadora agenda reloacutegio
leitor de muacutesica mapa entre outras
46
histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados relacionados com as
redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre localizaccedilotildees
geograacuteficas entre outras119
Todas estas informaccedilotildees que podem ser recolhidas apenas de um pequeno smartphone
podem fazer toda a diferenccedila no processo penal auxiliando os investigadores criminais
de inuacutemeras maneiras recolhendo informaccedilatildeo sobre um crime cometido (atraveacutes de
imagens viacutedeos e-mails documentos etc) recolhendo informaccedilatildeo que comprove a
intenccedilatildeo ou a tentativa da praacutetica de um crime (por exemplo atraveacutes da anaacutelise do
histoacuterico do web browser) recolhendo informaccedilatildeo que comprove o envolvimento de
suspeitos que negam estar implicados num delito recolhendo informaccedilatildeo que revele a
praacutetica de diferentes crimes ainda desconhecidos recolhendo informaccedilatildeo de vaacuterios
dispositivos electroacutenicos que combinados permitem criar um cronograma de eventos
Em vaacuterios processos criminais eacute deixado um rasto de informaccedilatildeo electroacutenica para os
investigadores criminais analisarem E uma vez que o smartphone poderaacute ser
considerado um oacuteptimo repositoacuterio de elementos probatoacuterios dada a sua vasta capacidade
de armazenamento coloca-se a questatildeo no caso de necessidade de recolha de prova
armazenada num smartphone encriptado como se procederaacute a apreensatildeo do dispositivo
e o posterior acesso aos conteuacutedos aiacute guardados
Para respondermos a esta questatildeo importa analisar a Lei do Cibercrime de 15 de
Setembro de 2009
2 A Lei do Cibercrime
Actualmente a prova digital eacute regulada na sua essencialidade pela Lei do Cibercrime
No dia 15 de Setembro de 2009 o legislador portuguecircs reagiu aos inuacutemeros desafios
causados pela lacuna legislativa quanto agrave mateacuteria da obtenccedilatildeo de prova digital por via da
publicaccedilatildeo da Lei do Cibercrime ndash Lei nordm 1092009 de 15 de Setembro (em vigor desde
15 de Outubro de 2009) Cerca de 8 anos apoacutes a assinatura da Convenccedilatildeo sobre o
Cibercrime120 foram publicados em Diaacuterio da Repuacuteblica a Resoluccedilatildeo da Assembleia da
119 GeorgeMason 2015 250 120 A Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime eacute o primeiro tratado internacional sobre criminalidade contra sistemas
de computadores redes ou dados e conta com trecircs objectivos principais pretende harmonizar legislaccedilotildees e
os crimes nelas previstos pretende estender agraves jurisdiccedilotildees de Estados Parte determinados instrumentos
processuais e de produccedilatildeo de prova modernos e adequados agrave investigaccedilatildeo da cibercriminalidade por
uacuteltimo pretende facilitar a cooperaccedilatildeo internacional e viabilizar investigaccedilotildees Para tal a Convenccedilatildeo estaacute
compartimentada em quatro capiacutetulos distintos Cap I ndash Terminologia Cap II ndash Medidas a tomar ao niacutevel
47
Repuacuteblica nordm 882009 que aprova a Convenccedilatildeo o Decreto do Presidente da Repuacuteblica
nordm 922009 que a ratifica e ainda a jaacute acima referida Lei nordm 1092009 que adapta o
direito interno agrave Convenccedilatildeo e agrave Decisatildeo Quadro nordm 2005222JAI do Conselho de 24 de
Fevereiro relativa a ataques contra sistemas de informaccedilatildeo
Do ponto de vista sistemaacutetico a Lei do Cibercrime tem uma estrutura tripartida entre
disposiccedilotildees materiais processuais e relativas agrave cooperaccedilatildeo internacional em mateacuteria
penal agrave semelhanccedila do consagrado na Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime A nossa atenccedilatildeo
desviar-se-aacute obviamente para o Capiacutetulo III dedicado agraves disposiccedilotildees processuais
nomeadamente a preservaccedilatildeo expedita de dados (artigo 12ordm) a revelaccedilatildeo expedita de
dados de traacutefego (artigo 13ordm) a injunccedilatildeo para a preservaccedilatildeo ou concessatildeo de acesso a
dados (artigo 14ordm) a pesquisa de dados informaacuteticos (artigo 15ordm) a apreensatildeo de dados
informaacuteticos (artigo 16ordm) a apreensatildeo de correio electroacutenico e de registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm) a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees
(artigo 18ordm) as acccedilotildees encobertas (artigo 19ordm) e ainda a cooperaccedilatildeo internacional
(artigos 20ordm a 26ordm)
Estas disposiccedilotildees processuais penais contidas na Lei do Cibercrime aplicam-se segundo
o artigo 11ordm do referido diploma (em consonacircncia com o determinado no artigo 14ordm da
Convenccedilatildeo sobre o Cibercrime) aos crimes aiacute previstos a) crimes informaacuteticos stricto
sensu (al a) b) ldquocrimes cometidos por meio de um sistema informaacuteticordquo121
independentemente da previsatildeo tiacutepica do crime (al b) c) e por fim a quaisquer crimes
sempre que ldquoseja necessaacuterio proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenicordquo (al c)
Podemos concluir na esteira do defendido por Paulo Daacute Mesquita que as regras de direito
probatoacuterio previstas no diploma natildeo satildeo assim meras normas processuais sobre
cibercrimes ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informaacuteticos mas
nacional Secccedilatildeo I ndash Direito Material Secccedilatildeo II ndash Direito Processual Cap III ndash Cooperaccedilatildeo internacional
e por uacuteltimo Cap IV ndash Claacuteusulas Finais Cf Ramalho 2014 134 121 Sistema informaacutetico significa nesta sede ldquoqualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados
ou associados em que um ou mais de entre eles desenvolve em execuccedilatildeo de um programa o tratamento
automatizado de dados informaacuteticos bem como a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre eles e o conjunto
de dados informaacuteticos armazenados tratados recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles
dispositivos tendo em vista o seu funcionamento utilizaccedilatildeo protecccedilatildeo e manutenccedilatildeordquo (al a) do artigo 1ordm
da Lei do Cibercrime cuja primeira parte corresponde agrave previsatildeo da al a) do artigo 1ordm da Convenccedilatildeo sobre
o Cibercrime e no essencial similar agrave al a) do artigo 1ordm da Decisatildeo-Quadro nordm 2005222JAI (sistema de
informaccedilatildeo) onde contudo natildeo se prevecirc de forma especificada a rede que suporta a comunicaccedilatildeo entre
dados informaacuteticos)
48
correspondem a um regime consideravelmente mais abrangente sobre prova electroacutenica
em processo penal aplicaacutevel a qualquer crime122
Voltando ao nosso caso concreto cumpre referir que a aliacutenea c) do artigo 11ordm da Lei do
Cibercrime ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave
recolha de prova em suporte electroacutenico acaba por alargar o acircmbito de aplicaccedilatildeo da lei a
quaisquer casos de recolha de prova em smartphones Uma vez que o smartphone eacute
caracterizado como um ldquosuporte electroacutenicordquo toda a recolha de prova feita com recurso
a este dispositivo seraacute regulada pela Lei do Cibercrime de acordo com o consagrado na
aliacutenea c) do seu artigo 11ordm
Visto que o cerne do nosso estudo se centra na desencriptaccedilatildeo de smartphones para
obtenccedilatildeo de prova em processo penal torna-se fundamental nesta etapa fazer uma breve
anaacutelise a algumas destas medidas processuais nomeadamente agrave injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados (artigo 14ordm) agrave pesquisa de dados
informaacuteticos (artigo 15ordm) agrave apreensatildeo de dados informaacuteticos (artigo 16ordm) e agrave apreensatildeo
de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm)
No entanto antes de passarmos agrave anaacutelise destas medidas importa esclarecer que em sede
de Lei do Cibercrime haacute que fazer a distinccedilatildeo entre a apreensatildeo de dados informaacuteticos e
a apreensatildeo de registos de comunicaccedilotildees Como jaacute deixaacutemos claro nas paacuteginas anteriores
da presente investigaccedilatildeo o smartphone armazena os mais variados ficheiros electroacutenicos
incluindo mensagens de texto (SMS) e mensagens de multimeacutedia (MMS) e-mails
contactos telefoacutenicos fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio entre outros O tratamento
destes ficheiros vai depender da sua natureza nomeadamente se estes comportam algum
tipo de comunicaccedilatildeo ou natildeo Assim se por um lado a apreensatildeo de fotografias viacutedeos
gravaccedilotildees aacuteudio contactos entre outros pode ser tratada como apreensatildeo de meros dados
informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) a apreensatildeo de mensagens de texto
mensagens de multimeacutedia e e-mails por se tratarem de ficheiros de comunicaccedilatildeo
electroacutenica deve ser tratada como apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime) Analisaremos
em maior detalhe esta distinccedilatildeo nos proacuteximos paraacutegrafos
No que respeita agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista
no artigo 14ordm da Lei nordm 1092009 o legislador veio desta forma criar uma ordem a ser
122 Mesquita 2010 98
49
emitida por autoridade judiciaacuteria dirigida a quem tenha disponibilidade ou controlo sobre
determinados dados informaacuteticos no sentido de que os comunique ao processo em causa
ou que permita o acesso aos mesmos123
No entanto esta medida eacute apenas aplicada a fornecedores de serviccedilos proibindo o
nuacutemero 5 do referido artigo que seja dirigida contra suspeito ou arguido no processo
Desta forma o fornecedor de serviccedilo pode ser ordenado a comunicar ao processo dados
relativos aos clientes ou assinantes neles se incluindo qualquer informaccedilatildeo desde que
natildeo inserida na categoria dos dados relativos ao traacutefego ou ao conteuacutedo Voltaremos em
maior detalhe a esta questatildeo da proibiccedilatildeo de injunccedilatildeo dirigida a arguido e suspeito mais
adiante no nosso estudo
As razotildees que estatildeo subjacentes agrave criaccedilatildeo desta medida prendem-se em primeira medida
com a imensidade de espaccedilo de armazenamento dos modernos suportes digitais que
dificulta a investigaccedilatildeo e em segunda medida com as diversas possibilidades de ocultar
a informaccedilatildeo ou de bloquear o acesso a ela (por exemplo por via da encriptaccedilatildeo do
smartphone) que podem igualmente tornar malsucedida a procura de informaccedilatildeo sem a
colaboraccedilatildeo de quem tem o domiacutenio sobre ela
O artigo 15ordm da Lei do Cibercrime que consagra a pesquisa de dados informaacuteticos veio
criar uma forma de acesso coercivo ao sistema informaacutetico objecto de um processo
criminal Assim esta pesquisa pode perfeitamente ser comparada a uma busca tradicional
mas num ambiente digital Desta forma sempre que numa investigaccedilatildeo criminal as
entidades judiciaacuterias verificarem que se afigura oportuno e necessaacuterio para a produccedilatildeo
de prova com vista agrave descoberta da verdade material que se obtenham certos dados124
armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade judiciaacuteria competente
autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema
informaacutetico125
Esta autorizaccedilatildeo tem uma validade de 30 dias sob pena de nulidade nos termos do nordm 2
do artigo 15ordm da Lei do Cibercrime Nos casos de obtenccedilatildeo de consentimento por quem
tenha a disponibilidade ou controlo dos dados de terrorismo criminalidade violenta ou
123 Venacircncio 2011 107 124 Contrariamente agrave injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados na pesquisa de dados
informaacuteticos a lei natildeo coloca quaisquer restriccedilotildees relativamente aos conteuacutedos dos dados que podem ser
pesquisados 125 Rodrigues 2010 446
50
altamente organizada e quando haja fundados indiacutecios da praacutetica iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa os oacutergatildeos de poliacutecia
criminal poderatildeo proceder agrave pesquisa sem preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria
devendo a diligecircncia ser-lhe de imediato comunicada e elaborado um relatoacuterio em tudo
semelhante ao disposto no artigo 253ordm do Coacutedigo de Processo Penal (nos termos dos nos
3 e 4 do artigo 15ordm)
Pode ainda acontecer que no decurso da pesquisa aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal
executores da medida surja a convicccedilatildeo de que os dados procurados se encontram noutro
sistema informaacutetico ou numa parte diferente do sistema pesquisado mas que tais dados
satildeo legitimamente acessiacuteveis a partir do sistema inicial entatildeo por forccedila do nordm 5 do artigo
15ordm da Lei do Cibercrime haveraacute lugar agrave extensatildeo da medida agravequeles outros sistemas ou
lugares mediante autorizaccedilatildeo ou ordem da autoridade competente nos termos dos nos 1
e 2 do artigo 15ordm da citada lei126
No caso concreto de as autoridades judiciaacuterias encontrarem um smartphone armazenado
com e-mails mensagens de texto mensagens de multimeacutedia fotografias gravaccedilotildees aacuteudio
ou viacutedeo histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees entre outros
estamos claramente perante dados informaacuteticos definidos pela al b) do artigo 2ordm da Lei
do Cibercrime como ldquoqualquer representaccedilatildeo de factos informaccedilotildees ou conceitos sob
uma forma susceptiacutevel de processamento num sistema informaacutetico incluindo os
programas aptos a fazerem um sistema informaacutetico executar uma funccedilatildeordquo Assim a
pesquisa destes dados armazenados no smartphone por parte das autoridades judiciaacuterias
deveraacute ser regulada pelo citado artigo 15ordm da Lei do Cibercrime
Por seu turno a apreensatildeo de dados informaacuteticos vem prevista no artigo 16ordm da Lei do
Cibercrime que vem estabelecer a possibilidade de os investigadores pedirem agrave
autoridade judiciaacuteria competente que autorize ou ordene por despacho a apreensatildeo dos
dados ou documentos informaacuteticos que no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou de
outro acesso legiacutetimo a um sistema informaacutetico forem encontrados e que se afigurem
necessaacuterios agrave produccedilatildeo da prova tendo em vista a descoberta da verdade127
126 Rodrigues 2010 449-450 127 Rodrigues 2010 451
51
No entanto nos casos em que tenha sido um oacutergatildeo de poliacutecia criminal a realizar a pesquisa
(artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) existe a possibilidade de o oacutergatildeo de poliacutecia criminal
levar igualmente a cabo a apreensatildeo dos dados informaacuteticos (sem preacutevia autorizaccedilatildeo da
autoridade judiciaacuteria) ficando estas diligecircncias sujeitas a validaccedilatildeo pela autoridade
judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas128 Assim a tiacutetulo de exemplo se
durante uma busca domiciliaacuteria promovida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e autorizada pelo Juiz
de Instruccedilatildeo competente for encontrado um smartphone ndash que natildeo estaria incluiacutedo no
despacho judicial - os oacutergatildeos de poliacutecia criminal executores da medida poderatildeo
apreender validamente o conteuacutedo do dispositivo de acordo com o nordm 2 do artigo 16ordm da
Lei do Cibercrime ficando esta diligecircncia sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria
no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
O nordm 3 do artigo 16ordm da Lei do Cibercrime vem consagrar a obrigatoriedade de
intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo sempre que forem apreendidos para junccedilatildeo ao processo
dados ou documentos informaacuteticos cujo conteuacutedo seja susceptiacutevel de revelar dados
pessoais ou iacutentimos que possam pocircr em causa a privacidade do respectivo titular ou de
terceiros Nestas situaccedilotildees os dados informaacuteticos apreendidos ndash que possam por em causa
a privacidade do respectivo titular ou de terceiros (vg fotografias gravaccedilotildees de viacutedeo ou
aacuteudio entre outros) - seratildeo apresentados ao juiz que ponderaraacute a sua junccedilatildeo aos autos
tendo em conta os interesses do caso concreto A natildeo observacircncia destas formalidades
legais tem como consequecircncia a nulidade da prova obtida por esta via129
Por fim cabe-nos fazer uma anaacutelise mais detalhada do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime
que consagra a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante A criaccedilatildeo desta norma eacute uma das grandes novidades da Lei do Cibercrime
natildeo soacute por estabelecer um regime especial para a apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (aqui incluindo as SMS e MMS) em
mateacuteria de criminalidade informaacutetica e obtenccedilatildeo de prova em suporte electroacutenico mas
tambeacutem por estabelecer um regime que natildeo encontra correspectivo directo na Convenccedilatildeo
sobre o Cibercrime
O artigo 17ordm da Lei nordm 1092009 determina que eacute possiacutevel apreender mensagens de
correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante que se encontrem
armazenados no sistema informaacutetico (vg smartphone) que tenha sido alvo de pesquisa
128 Morais 2012 101-102 129 Verdelho 2009 741
52
informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo desde que a) seja o juiz a autorizar ou ordenar a
apreensatildeo b) e esta seja de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova130
Dois comentaacuterios iniciais sobre este dispositivo primeiro podemos afirmar que haacute aqui
um aumento substancial das exigecircncias para esta medida dado que a mesma soacute poderaacute
ser autorizada se for de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
segundo importa tambeacutem referir que natildeo estamos aqui perante um meio de obtenccedilatildeo de
prova autoacutenomo e independente mas sim perante uma possibilidade decorrente de uma
pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime) jaacute em curso que tenha sido
regularmente executada131 Efectivamente consagra esta disposiccedilatildeo normativa que
ldquoQuando no decurso de uma pesquisa informaacutetica ou outro acesso legiacutetimo a um sistema
informaacutetico forem encontrados armazenados nesse sistema informaacutetico ou noutro a que
seja permitido o acesso legiacutetimo a partir do primeiro mensagens de correio electroacutenico
ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar
por despacho a apreensatildeo daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova aplicando-se correspondentemente o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penalrdquo
Relativamente agrave remissatildeo feita no final do referido artigo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia estamos com Rita Castanheira Neves quando afirma que se compreende
que em respeito pelo artigo 11ordm da Lei do Cibercrime ldquoa remissatildeo para o regime da
apreensatildeo de correspondecircncia natildeo abranja a exigecircncia de se tratar de crime puniacutevel com
pena de prisatildeo superior a trecircs anos Esta remissatildeo para o regime da apreensatildeo de
correspondecircncia parece pois realizada a quatro aspectos do regime agrave referecircncia agrave
nulidade no caso de natildeo respeito pelos requisitos estabelecidos (nos 1 e 2 do artigo 179ordm
do Coacutedigo de Processo Penal) ao facto de ter que estar em causa correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante enviados ou recebidos pelo suspeito
mesmo que dea partir de endereccedilo electroacutenico ou outros registos de pessoa diversa (aliacutenea
a) do nordm 1 do mesmo artigo 179ordm) agrave proibiccedilatildeo da apreensatildeo de correio electroacutenico e
registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante trocado entre arguido e defensor salvo
se o juiz tiver fundadas razotildees para crer que aquele correio electroacutenico ou aqueles registos
constituem objecto ou elemento do crime (nordm 2 do artigo 179ordm) e finalmente ao facto de
130 Neves 2011 273 131 Morais 2012 102
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ter que ser o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligecircncia a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico e demais registos de comunicaccedilotildees
apreendido mandando-o juntar ao processo se o considerar relevante [hellip] ndash nordm 3 do artigo
179ordmrdquo132
Quanto a esta uacuteltima questatildeo parece-nos necessaacuterio focar em especial dois aspectos
distintos primeiro a necessidade ou natildeo de despacho judicial para a apreensatildeo das
mensagens de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante (nordm
1 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) segundo a necessidade de ter que ser o
juiz a primeira pessoa a ler o correio electroacutenico ou as mensagens de texto ou multimeacutedia
apreendidas e a decidir da sua junccedilatildeo ou natildeo ao processo (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo
de Processo Penal)
Tendo em conta que a uacutenica exigecircncia do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para a
apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilatildeo de natureza semelhante eacute a
existecircncia de uma forma legiacutetima de acesso ao meio informaacutetico concordamos com Pedro
Verdelho quando defende que a referida medida permite fazer uma apreensatildeo provisoacuteria
de mensagens de correio electroacutenico de texto ou multimeacutedia no decurso de pesquisas
realizadas por exemplo com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico devendo todavia tais
mensagens ser presentes ao juiz para que ordene a respectiva apreensatildeo definitiva e
junccedilatildeo ao processo Ou seja natildeo se requereraacute para a apreensatildeo provisoacuteria de e-mails
SMS ou MMS que haja uma preacutevia decisatildeo judicial133
Em regra antes de uma busca ainda natildeo se tem conhecimentos bastantes para certificar
que se encontraraacute ou natildeo um smartphone Assim na praacutetica seria inviaacutevel um sistema
que exigisse antes de toda e qualquer busca a obtenccedilatildeo de autorizaccedilatildeo judicial para a
eventual possibilidade de vir a ser encontrado no decurso de uma busca um smartphone
e que tal smartphone contivesse registos de comunicaccedilotildees e que tais comunicaccedilotildees
fossem prova necessaacuteria agrave investigaccedilatildeo do caso concreto
De salientar no entanto que esta apreensatildeo seraacute meramente uma apreensatildeo cautelar cuja
validade (definitiva) e consequente valoraccedilatildeo no processo em curso estaraacute sempre
dependente do despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
132 Neves 2011 274-275 133 Verdelho 2009 743-744
54
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia ao afirmar que ldquoa apreensatildeo de mensagens de
telemoacutevel (SMS) mesmo que resultante de uma pesquisa de dados informaacuteticos
validamente ordenada pelo Ministeacuterio Puacuteblico deve depois ser autorizada pelo JIC
Embora o MP deva tomar conhecimento em primeira matildeo das mensagens ordenando a
apreensatildeo provisoacuteria deve depois ser o juiz a ordenar a apreensatildeo definitiva ndash artigo 17ordm
da Lei do Cibercrimerdquo134
No entanto nos casos de apreensatildeo de mensagens decorrentes da autorizaccedilatildeo do seu
destinataacuterio (por exemplo quando eacute o proacuteprio a facultar o telemoacutevel para a obtenccedilatildeo das
mensagens) a jurisprudecircncia tem sido unacircnime quanto agrave desnecessidade de intervenccedilatildeo
judicial na obtenccedilatildeo e junccedilatildeo ao processo desses registos135
Assim concluiacutemos no sentido de natildeo carecer de autorizaccedilatildeo judicial a mera apreensatildeo
provisoacuteriacautelar de mensagens de correio electroacutenico de texto ou de multimeacutedia
encontradas no decurso de uma pesquisa informaacutetica (artigo 15ordm da Lei do Cibercrime)
ou outro acesso legiacutetimo num smartphone136 Sem embargo a validade definitiva desta
apreensatildeo e a sua consequente valoraccedilatildeo no processo em curso dependeraacute sempre do
despacho do juiz (nordm 1 do artigo 179ordm do CPP)
No que concerne agrave questatildeo da necessidade de ter que ser o juiz a primeira pessoa a ler o
correio electroacutenico e outros registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
apreendidos (nordm 3 do artigo 179ordm do Coacutedigo de Processo Penal) importa trazer agrave colaccedilatildeo
a posiccedilatildeo defendida por dois Autores nacionais
Rita Castanheira Neves defende a tese de que dada a dificuldade praacutetica de ser o juiz a
primeira pessoa a tomar conhecimento do conteuacutedo de todas as mensagens cuja
quantidade pode ser bastante significativa se deveria proceder a uma inversatildeo da loacutegica
das coisas Assim a Autora afirma que ldquonatildeo haacute que deixar de exigir que seja o juiz o
primeiro a tomar conhecimento do conteuacutedo do correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de
texto e multimeacutedia ldquo[hellip] pelas dificuldades praacuteticas de atribuir a um soacute juiz essa tarefa
134 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016] 135 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eece5ed1936deb44eb180257824004ab09d
OpenDocument [consultado em 29082016] 136 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 29 de Marccedilo de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrgnsf86c25a698e4e7cb7802579ec004d38326aa96edf91e899b2802578a00054631f
OpenDocument [consultado em 29082016]
55
mas sim exigir que durante a diligecircncia se tenha sempre em atenccedilatildeo que para a eficaacutecia
da mesma devem-se seguir estritos criteacuterios de abrangecircncia apenas apreendendo os e-
mails [hellip]rdquo mensagens de texto e de multimeacutedia ldquo[hellip] que se afiguram realmente
determinantes para a provardquo137
Em sentido semelhante Pedro Verdelho vem apoiar-se na letra da lei que segundo o
proacuteprio aponta para a possibilidade de quem procede agrave pesquisa encaminhar para o juiz
mensagens concretas com relevacircncia para o caso concreto que aquele depois apreenderaacute
ou natildeo138 Entendendo-se a lei de outra forma estar-se-ia segundo o Autor a optar por
uma soluccedilatildeo processual inviaacutevel que exigiria a verificaccedilatildeo pelo juiz de todas as
mensagens de correio electroacutenico e registos em todos os smartphones que fossem
encontrados no decurso de pesquisas
Pela nossa parte apoiamo-nos na ideia de que o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime ao
remeter quanto agrave apreensatildeo de mensagens de correio electroacutenico e registos de
comunicaccedilotildees de natureza semelhante para o regime geral previsto no Coacutedigo de
Processo Penal determina a aplicaccedilatildeo daquele regime com as devidas adaptaccedilotildees
Assim e de encontro com o defendido por Rita Castanheira Neves Pedro Verdelho e pela
jurisprudecircncia aquelas apreensotildees (definitivas) tecircm efectivamente de ser autorizadas ou
determinadas por despacho judicial139 devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteuacutedo da correspondecircncia previamente seleccionada como
determinante para a prova sob pena de nulidade
Chegados a esta parte e tendo em consideraccedilatildeo o objecto do nosso estudo podemos entatildeo
concluir depois de analisado o artigo 17ordm da Lei do Cibercrime que este preceito eacute
aplicaacutevel a todas as situaccedilotildees em que surja a necessidade por parte das entidades
judiciaacuterias de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de texto e mensagens de
multimeacutedia armazenados num smartphone
137 Neves 2011 275 138 Verdelho 2009 744 139 Morais 2012 105 No caso de e-mails SMS e MMS ldquoa intervenccedilatildeo judicial tendo em vista a sua
apreensatildeo ou natildeo eacute sempre exigida em momento ulterior portanto apoacutes se ter encontrado este tipo de
informaccedilatildeo Nessa altura compete ao juiz escolher de entre as mensagens encontradas as que satildeo
relevantes para a prova Sublinha-se portanto que no sistema legal da Lei do Cibercrime natildeo poderaacute nunca
haver mensagens de correio electroacutenico [hellip]rdquo mensagens de texto e mensagens de multimeacutedia ldquo[hellip]
apreendidas para serem utilizadas como prova de determinado processo sem que haja um despacho de um
juiz nesse sentidordquo Cf Verdelho 2009 745
56
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal
Jaacute foi analisado em sede de apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees
de natureza semelhante que a remissatildeo do artigo 17ordm da Lei do Cibercrime para o regime
da apreensatildeo de correspondecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Penal determina a
aplicaccedilatildeo deste regime com as devidas adaptaccedilotildees
A questatildeo que se coloca agora eacute a de saber qual seraacute a relaccedilatildeo entre o regime vertido no
Coacutedigo de Processo Penal sobre a intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte
digital (artigos 187ordm a 190ordm do CPP) e o regime estabelecido na nova Lei do Cibercrime
para a apreensatildeo de correio electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza
semelhante (artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Eacute da nossa opiniatildeo na esteira do defendido pela maioria da doutrina que no ordenamento
juriacutedico portuguecircs a intercepccedilatildeo e o registo das transmissotildees de dados informaacuteticos segue
a partir da entrada em vigor da Lei do Cibercrime em 15 de Outubro de 2009 o regime
aiacute vertido Efectivamente a Lei do Cibercrime ao optar por mobilizar um criteacuterio lato
para a sua aplicaccedilatildeo ndash necessidade de proceder agrave recolha de prova em suporte electroacutenico
- acabou por esvaziar o acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 189ordm do Coacutedigo de Processo Penal
na parte relativa a comunicaccedilotildees electroacutenicas140
Em suma podemos concluir que a legislaccedilatildeo contida no Coacutedigo de Processo Penal foi
no essencial141 ultrapassada pela Lei nordm 1092009 levando assim agrave aplicaccedilatildeo do artigo
17ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de correio electroacutenico mensagens de
texto e mensagens de multimeacutedia como tiacutenhamos concluiacutedo supra e agrave aplicaccedilatildeo do artigo
16ordm da Lei do Cibercrime aos casos de apreensatildeo de dados informaacuteticos (vg fotografias
gravaccedilotildees de viacutedeo e aacuteudio contactos documentos electroacutenicos entre outros)
armazenados em smartphones
4 Conclusotildees intermeacutedias
Apoacutes uma anaacutelise detalhada sobre a Lei do Cibercrime encontramo-nos aptos a responder
agrave questatildeo que colocaacutemos no iniacutecio do presente capiacutetulo como se processa o acesso e a
apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone de acordo com a legislaccedilatildeo
portuguesa
140 Neves 2011 280 Neste sentido vai tambeacutem Mesquita 2010 103 141 Tal natildeo invalida que todas as medidas gerais ou excepcionais e obrigaccedilotildees previstas na Lei nordm
1092009 se cumulem em tudo o que as natildeo contrarie com as estabelecidas no Coacutedigo de Processo Penal
57
Ao abranger todos os crimes em relaccedilatildeo aos quais seja necessaacuterio proceder agrave recolha de
prova em suporte electroacutenico a Lei do Cibercrime na al c) do seu artigo 11ordm acaba por
um lado por alargar o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo a quaisquer casos de desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal e por outro por esvaziar o acircmbito
de aplicaccedilatildeo do regime da intercepccedilatildeo de comunicaccedilotildees guardadas em suporte digital
previsto no Coacutedigo de Processo Penal
No que concerne ao acesso e agrave apreensatildeo de conteuacutedos armazenados num smartphone
para a obtenccedilatildeo de prova em processo penal cumpre deixar claro que em primeira
instacircncia eacute autorizada por despacho uma pesquisa ao conteuacutedo do smartphone regulada
pelo artigo 15ordm da Lei do Cibercrime e equiparada a uma busca tradicional mas em
ambiente digital Desta pesquisa podem resultar duas situaccedilotildees a necessidade de
apreensatildeo de determinados ficheiros electroacutenicos ou contrariamente a desnecessidade
de apreensatildeo de quaisquer ficheiros electroacutenicos
Caso se venha a verificar a primeira situaccedilatildeo (necessidade de apreensatildeo de determinados
ficheiros electroacutenicos) deveraacute ser feita a divisatildeo entre a) a necessidade de apreensatildeo de
dados informaacuteticos (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime) b) e a necessidade de apreensatildeo
de mensagens de correio electroacutenico ou registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante
(artigo 17ordm da Lei do Cibercrime)
Se depois de feita uma primeira pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem determinados dados ou documentos informaacuteticos tais como fotografias
viacutedeos gravaccedilotildees de auacutedio ou listas de contactos cuja apreensatildeo se mostre necessaacuteria
para a investigaccedilatildeo criminal deveraacute ser pedido agrave autoridade judiciaacuteria competente que
autorize ou ordene por despacho a sua apreensatildeo (artigo 16ordm da Lei do Cibercrime)
Existe ainda a possibilidade de o proacuteprio oacutergatildeo de poliacutecia criminal levar a cabo esta
apreensatildeo sem a preacutevia autorizaccedilatildeo da autoridade judiciaacuteria ficando esta diligecircncia
sujeita a validaccedilatildeo pela autoridade judiciaacuteria no prazo maacuteximo de setenta e duas horas
Como a apreensatildeo destes dados nomeadamente de fotografias viacutedeos ou gravaccedilotildees auacutedio
pode pocircr em causa a privacidade do arguido ou de terceiros o nordm 3 do referido artigo vem
consagrar a obrigatoriedade de intervenccedilatildeo do juiz de instruccedilatildeo
Por seu turno se no decorrer da pesquisa ao conteuacutedo do smartphone os investigadores
encontrarem mensagens de correio electroacutenico mensagens de texto ou de multimeacutedia
cuja apreensatildeo se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
58
deveraacute ser pedido ao juiz que autorize ou ordene a apreensatildeo dessas mensagens de correio
electroacutenico e registos de comunicaccedilotildees de natureza semelhante (artigo 17ordm da Lei do
Cibercrime)
Isto posto parece-nos ser possiacutevel afirmar que o acesso e a apreensatildeo de ficheiros
electroacutenicos armazenados num smartphone eacute um processo relativamente simples No
entanto durante a abordagem da referida questatildeo natildeo colocaacutemos a possibilidade de o
acesso e a apreensatildeo destes ficheiros serem dificultados pela encriptaccedilatildeo do smartphone
Assim a tentativa de aceder e apreender ficheiros potencialmente incriminatoacuterios
armazenados num smartphone pode ser impossibilitada pelo bloqueio do dispositivo por
parte do seu proprietaacuterio atraveacutes da encriptaccedilatildeo por palavra-passe ou por biometria Eacute
sobre esta encriptaccedilatildeo que nos pronunciaremos de seguida
59
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES
Num caso tiacutepico de desencriptaccedilatildeo de smartphones apoacutes a recolha do dispositivo agraves
autoridades judiciaacuterias cabe aceder e apreender os conteuacutedos aiacute armazenados a fim de
obterem provas incriminatoacuterias Sem embargo como ficou assente anteriormente natildeo
raras vezes os investigadores deparam-se com um entrave ao acesso aos ficheiros
guardados no smartphone a encriptaccedilatildeo do dispositivo Dada a circunstacircncia a tarefa de
aceder ao dispositivo com o desiacutegnio de recolher prova digital para auxiliar agrave investigaccedilatildeo
criminal torna-se mais complexa
Nos casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo a encriptaccedilatildeo dos
smartphones em causa era feita atraveacutes de dois meacutetodos distintos a palavra-passe
alfanumeacuterica e a biometria (leitura de impressotildees digitais) Tendo em consideraccedilatildeo os
casos apresentados que nos hatildeo de servir de modelo ao longo da nossa investigaccedilatildeo e o
elevado nuacutemero de utilizadores que actualmente recorre a estes dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo mostra-se imperativo natildeo soacute analisar a noccedilatildeo e as funcionalidades da
encriptaccedilatildeo mas tambeacutem como funcionam estes dois meacutetodos em concreto
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar
No final do seacuteculo passado com os avanccedilos tecnoloacutegicos cientiacuteficos sociais e o
fenoacutemeno da globalizaccedilatildeo a sociedade industrial passou a caminhar para uma sociedade
informacional e comunicacional ganhando o epiacuteteto de sociedade na era digital142
A entrada de Portugal na era comum da informaccedilatildeo tornou-se irreversiacutevel e afectou todos
os aspectos da sociedade143 estando o seu surgimento umbilicalmente relacionado com o
apogeu e o sucesso da Internet Assim com o nascimento da Internet eacute simultaneamente
criado um novo paradigma de sociedade onde a energia eacute progressivamente substituiacuteda
pela informaccedilatildeo144 como fonte primeira do progresso social tendo como produto
essencial a prestaccedilatildeo de novos serviccedilos145 Numa realidade recente a informaccedilatildeo eacute
divulgada agrave velocidade da luz funcionando como moeda de troca em diversas
negociaccedilotildees
142 Quelhas 2008 22 143 Rodrigues 2009a 96 144 ldquoThe world isnrsquot run by weapons anymore or energy or money Itrsquos run by ones and zeros ndash little bits
of data Itrsquos all electronshellip Therersquos a war out there a world war Itrsquos not about who has the most bullets
Itrsquos about who controls the informationhellip Itrsquos all about informationrdquo Cf Weinberg 1998 675 145 MarquesMartins 2006 109
60
Contudo dada a facilidade na troca de informaccedilotildees ndash muita das vezes confidenciais ou
de caraacutecter privado - esta sociedade da informaccedilatildeo ou como preferimos sociedade
digital deveraacute pautar-se sempre em respeito pelos princiacutepios democraacuteticos da igualdade
e solidariedade visando a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadatildeos146
O telemoacutevel nomeadamente o smartphone eacute um dos resultados desta evoluccedilatildeo
tecnoloacutegica sendo considerado actualmente como uma necessidade tanto pessoal quanto
profissional para a generalidade das pessoas147 Na sociedade actual informaccedilatildeo eacute
sinoacutenimo de poder Esta realidade levou a que o homem meacutedio passasse a armazenar ndash
digitalmente - uma quantidade consideraacutevel de informaccedilatildeo convertendo por sua vez os
telemoacuteveis em tesouros dos tempos modernos Desta forma natildeo causa estranheza afirmar
que a informaccedilatildeo aiacute armazenada tem frequentemente caraacutecter pessoal ou privado pelo
que surgem diversas preocupaccedilotildees por parte dos proprietaacuterios relativamente agrave sua
privacidade
Efectivamente a protecccedilatildeo da vida privada na era digital deixou de ser um iacutendice de
condiccedilatildeo social eacute um problema colectivo O Estado social moderno tem um grau de
participaccedilatildeo ou ingerecircncia na sociedade impensaacutevel no modelo de Estado liberal Desta
forma de uma maneira ou de outra todos os cidadatildeos acabam por estabelecer a dado
momento contacto com a maacutequina estatal vendo-se compelidos a ceder-lhe dados de
caraacutecter pessoal148 Como exemplo desta ingerecircncia estatal podemos chamar agrave colaccedilatildeo o
escacircndalo norte-americano que envolveu o funcionaacuterio da agecircncia NSA americana
Edward Snowden149 No veratildeo de 2013 Edward Snowden tornou puacuteblicas diversas
informaccedilotildees sobre programas que constituiriam o sistema de vigilacircncia global de
comunicaccedilotildees e traacutefego de informaccedilotildees executada pela NSA americana150
No entanto natildeo eacute apenas esta ingerecircncia estatal no acircmbito digital que inquieta a sociedade
moderna mas tambeacutem a ingerecircncia de terceiros Diversos satildeo os dispositivos de pequenas
dimensotildees tais como os smartphones que podem ser perdidos e posteriormente
encontrados por terceiros curiosos Assim natildeo seraacute soacute o Estado mas tambeacutem estes
terceiros que geram na sociedade um receio de devassa da vida privada
146 Benevides 2002 90 147 Clemens 2004 2 148 Benevides 2002 84 149 JafferRosenthal 2016 286 150 McCarthy 2016 21
61
Ora numa sociedade em que grande parte das trocas de informaccedilotildees ocorre por meios
electroacutenicos como o smartphone eacute natural que exista a preocupaccedilatildeo de implementar
teacutecnicas e meios de transmissatildeo seguros dessa mesma informaccedilatildeo A necessidade de
desenvolvimento de um meio teacutecnico que permita no acircmbito do armazenamento digital
de informaccedilotildees a confirmaccedilatildeo de determinados aspectos relacionados com a seguranccedila
da informaccedilatildeo aiacute armazenada levou ao desenvolvimento da encriptaccedilatildeo151 Percebe-se
que a encriptaccedilatildeo seja especialmente importante quando a informaccedilatildeo que se pretende
manter segura eacute armazenada em suportes electroacutenicos de pequena escala que se
encontram presentes no dia-a-dia de qualquer cidadatildeo (vg smartphone)
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones
O recurso agrave encriptaccedilatildeo como tentativa de proteger certo tipo de informaccedilatildeo natildeo eacute algo
recente pelo contraacuterio existe de uma forma ou de outra haacute milhares de anos Apesar de
alguns exemplos dos uacuteltimos 4000 anos diferirem daquilo que hoje conhecemos como
encriptaccedilatildeo diferentes formas de encriptar foram utilizadas por padres imperadores
diplomatas generais espiotildees comerciantes insurgentes criminosos prisioneiros e
amantes ao longo do tempo152
Actualmente e atendendo ao tema da nossa investigaccedilatildeo uma das formas mais utilizadas
de encriptaccedilatildeo eacute precisamente a encriptaccedilatildeo de smartphones De facto esta encriptaccedilatildeo
passou a ser a norma e natildeo a excepccedilatildeo sendo utilizada de diversas maneiras e com
variados propoacutesitos153
21 Noccedilatildeo
A encriptaccedilatildeo pode ser definida como o processo atraveacutes do qual uma qualquer
informaccedilatildeo eacute convertida numa forma ilegiacutevel com recurso a algoritmos matemaacuteticos154
No niacutevel mais baacutesico a encriptaccedilatildeo usa a arte da criptografia (em grego ldquoescrita secretardquo)
para transformar informaccedilatildeo que pode ser lida (plaintext) em informaccedilatildeo que natildeo pode
ser lida (ciphertext)155 O processo eacute executado de acordo com um algoritmo de
encriptaccedilatildeo o cipher156 (um conjunto de regras que regula como o ldquoplaintextrdquo eacute
codificado) Apesar de este processo poder ser tatildeo simples quanto substituir cada letra
151 MartinsMarquesDias 2004 69 152 Vagle 2015 106-107 153 SwireAhmad 2012 453 154 Sales 2014 208 155 Thompson IIJaikaran 2016 2 156 Colarusso 2011 141
62
numa mensagem por um respectivo nuacutemero os algoritmos da encriptaccedilatildeo mais moderna
consistem frequentemente numa seacuterie complexa de funccedilotildees matemaacuteticas157 Assim a
encriptaccedilatildeo pode ser usada para baralhar todo o conteuacutedo do smartphone tornando
impossiacutevel a distinccedilatildeo entre zeros e uns que poderatildeo representar um documento e zeros
e uns que poderatildeo ser apenas espaccedilo de armazenamento vazio158 Independentemente do
modo de encriptaccedilatildeo o resultado final seraacute sempre a ininteligibilidade da informaccedilatildeo para
terceiros ndash governo ou particulares
Para que a encriptaccedilatildeo possa ser vista como um meacutetodo uacutetil de armazenamento ou envio
de informaccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja reversiacutevel Desta forma os mais modernos sistemas
de encriptaccedilatildeo utilizam uma chave que deve ser aplicada ao algoritmo de encriptaccedilatildeo
escolhido para a recuperaccedilatildeo do ldquoplaintextrdquo159 A desencriptaccedilatildeo poderaacute ser entatildeo
definida como o processo pelo qual se transforma ou converte a informaccedilatildeo codificada
em informaccedilatildeo legiacutevel Igualmente correcta eacute a afirmaccedilatildeo de que a desencriptaccedilatildeo seraacute o
processo de transformaccedilatildeo de um ldquociphertextrdquo em ldquoplaintextrdquo160
22 Funcionalidades
Para o correcto funcionamento da encriptaccedilatildeo satildeo necessaacuterios cinco elementos distintos
a) a funccedilatildeo da encriptaccedilatildeo161 b) a funccedilatildeo da desencriptaccedilatildeo c) a chave d) o ldquoplaintextrdquo
e) e o ldquociphertextrdquo162
A encriptaccedilatildeo tem como funccedilatildeo principal a garantia de confidencialidade e a prevenccedilatildeo
de intromissatildeo de terceiros em determinadas informaccedilotildees Efectivamente a encriptaccedilatildeo
pode ser caracterizada como um dos meacutetodos mais idoacuteneos na protecccedilatildeo de informaccedilatildeo
electroacutenica contra intercepccedilotildees iliacutecitas por parte do governo empresas concorrentes
criminosos e outros163 O recurso agrave encriptaccedilatildeo passou a ser tatildeo comum que inuacutemeros
fabricantes de aparelhos tecnoloacutegicos a consideram como uma medida de seguranccedila
baacutesica Mesmo que a informaccedilatildeo codificada seja perdida ou furtada natildeo seraacute acessiacutevel a
terceiros natildeo autorizados
157 Ungberg 2009 540 158 MohanVillasenor 2012 17 159 LehtinenGangemi 2006 141-142 160 Mathur 2012 1650 161 A ldquofunccedilatildeordquo seraacute o processo matemaacutetico usado 162 Thompson IIJaikaran 2016 3 163 Sherwinter 2007 512
63
Apoacutes o escacircndalo de Snowden ter espalhado a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e de falta de
privacidade na sociedade digital e atendendo agraves valecircncias da encriptaccedilatildeo empresas como
a Apple Samsung Google Facebook WhatsApp e Blackberry anunciaram a
implementaccedilatildeo de sistemas de encriptaccedilatildeo nas suas plataformas e produtos como uma
medida de seguranccedila e privacidade164
A tiacutetulo de exemplo a empresa Apple que seraacute objecto de estudo durante a nossa
investigaccedilatildeo no seu sistema operativo iOS nos iPads iPhones e iPods recorre agrave
encriptaccedilatildeo natildeo soacute para prevenir o acesso de pessoas natildeo autorizadas como tambeacutem para
evitar que o sistema operativo seja apagado por terceiros No final do mecircs de Novembro
de 2016 cerca de 95 dos iPhones a niacutevel mundial - uma percentagem com uma clara
tendecircncia para aumentar - seriam inacessiacuteveis agraves autoridades judiciaacuterias165166 Soacute nos
Estados Unidos da Ameacuterica cerca de 85 milhotildees de aparelhos da marca Apple estatildeo
encriptados167
Apesar das suas claras vantagens no acircmbito da seguranccedila e privacidade de determinadas
informaccedilotildees a encriptaccedilatildeo tem igualmente algumas vulnerabilidades e desvantagens
De facto todas as formas de encriptaccedilatildeo estatildeo sujeitas a trecircs categorias baacutesicas de ataque
a) ataques de forccedila bruta (brute-force attacks) b) ataques atraveacutes de ldquopeer-reviewrdquo c) e
ldquobackdoorsrdquo168
Nos ataques de forccedila bruta ou brute-force attacks os terceiros que pretendem aceder ao
smartphone recorrem a programas informaacuteticos que testam todas as combinaccedilotildees de
diferentes caracteres possiacuteveis ateacute conseguirem desencriptar o dispositivo atraveacutes da
combinaccedilatildeo correcta169 Dependendo da forccedila da combinaccedilatildeo este processo poderaacute ser
mais ou menos demorado
A segunda e mais sofisticada forma de ataque designada por ldquopeer-reviewrdquo envolve a
tentativa por parte de especialistas em seguranccedila e criptoacutegrafos de desencriptar sistemas
para testar a sua seguranccedila Ateacute que um sistema de encriptaccedilatildeo tenha resistido durante
164 McCarthy 2016 21-22 165 Cf App Store Support ndash Apple Developer Disponiacutevel em httpsdeveloperapplecomsupportapp-
store [consultado em 09122016] 166 ldquoWhen conducting criminal investigations if you pull the power on a smartphone that is encrypted you
have lost any chance of recovering that datardquo Cf Garfinkel 2012 2 Disponiacutevel em
httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-passed-a-key-security-threshold
[consultado em 09122016] 167 JafferRosenthal 2016 289 168 SwireAhmad 2012 429 169 McCarthy 2016 19
64
anos porventura deacutecadas a um escrutiacutenio por parte destes criptoacutegrafos experientes natildeo
seraacute considerado seguro o suficiente para uso comercial170 Ser submetido a um ldquopeer-
reviewrdquo eacute portanto essencial para a implementaccedilatildeo comercial de um ldquocryptosystemrdquo
Por fim a terceira forma de ataque a um smartphone pode passar pelo uso de ldquobackdoorsrdquo
As backdoors satildeo intencionalmente construiacutedas no sistema de encriptaccedilatildeo com o desiacutegnio
de fornecer uma alternativa para aceder ao conteuacutedo codificado Podem ser vistas como
brechas de seguranccedila inerentes uma vez que permitem um acesso secundaacuterio ao
dispositivo sem a necessidade de desencriptar171
Numa outra perspectiva podemos ainda chamar agrave colaccedilatildeo uma possiacutevel desvantagem que
a implementaccedilatildeo de encriptaccedilatildeo em smartphones pode gerar o aumento do crime De um
ponto de vista mais extremo haacute quem defenda que a encriptaccedilatildeo pode levar a que
criminosos e terroristas tracem os seus planos e armazenem informaccedilotildees relevantes sobre
os seus intentos nos seus smartphones encriptados longe dos olhares das entidades
judiciaacuterias172
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones
Existem actualmente diversos meacutetodos de encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de smartphones
muito dependente da marca do dispositivo Tipicamente os meacutetodos de encriptaccedilatildeo (ou
de autenticaccedilatildeo como satildeo muitas vezes designados) baseiam-se em trecircs factores
distintos a) possessatildeo (algo que a pessoa tem como um cartatildeo do banco uma chave ou
um token173) b) conhecimento (algo que a pessoa sabe como um username uma palavra-
passe ou um PIN) c) identidade (algo que a pessoa eacute ou faz como uma impressatildeo digital
a iacuteris a voz ou o rosto)174 No que agrave nossa investigaccedilatildeo diz respeito a distinccedilatildeo revelante
seraacute feita entre o factor do conhecimento e da identidade
170 SwireAhmad 2012 431-432 171 ldquoThe image is that the front door to a house is securely locked but someone can enter through a
backdoor that appears to be locked but is actually easy to openrdquo Cf SwireAhmad 2012 432 172 Andrews 2000 211 173 Tokens satildeo dispositivos fiacutesicos utilizados para auxiliarem a seguranccedila pessoal do seu utilizador em
determinadas transacccedilotildees (muitas das vezes bancaacuterias) Normalmente o processo eacute feito atraveacutes de um
aparelho semelhante a uma chave que vai gerando diversas senhas com um uacutenico clique 174 Hoyos Labs 2016 4 Disponiacutevel em httppimn-publicsharepointcomDocumentatie2016-06-10-
idm-Hoyos-Labs-Guaranteeing-identity-with-biometric-authenticationpdf [consultado em 12122016]
Neste sentido cf PatoMillett 2010 5 ldquoUn soggetto dunque puograve essere identificato non solo mediante
qualcosa che conosce (una password un PIN) o qualcosa che possiede (un dispositivo di autenticazione
una smart card) come comunemente avviene ma anche mediante qualcosa che gli egrave proprio una
caratteristica biometrica appuntordquo Cf Girotto 2009 454
65
Com base nos vaacuterios modelos de smartphones disponiacuteveis actualmente no mercado
podemos enumerar os seguintes meacutetodos de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo a) palavra-passe
e PIN b) gesto (padratildeo desenhado no touchscreen conectado com uma seacuterie de pontos
ou formas) c) impressatildeo digital d) reconhecimento facial e) reconhecimento da iacuteris f)
reconhecimento de voz175
Na maioria dos casos referidos no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo o
dispositivo moacutevel que estaria sobre escrutiacutenio seria um iPhone da marca Apple Por esse
motivo toda a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo
implementado em tal smartphone sem prejuiacutezo de toda a informaccedilatildeo apresentada poder
ser ainda pertinente para todos os dispositivos que funcionem com os mesmos meacutetodos
(quer simultacircnea quer separadamente)
Actualmente o iPhone utiliza duas medidas de seguranccedila distintas a palavra-passe e a
impressatildeo digital176 Desta forma seratildeo estes os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo e
desencriptaccedilatildeo que analisaremos ao longo do nosso estudo
231 Palavra-passe
A palavra-passe pode ser definida como um coacutedigo numeacuterico ou alfanumeacuterico que tem
como objectivo principal criar uma barreira entre a informaccedilatildeo armazenada no
smartphone e um terceiro que queira aceder ao dispositivo Actualmente as palavras-
passe satildeo consideradas o meacutetodo padratildeo de encriptaccedilatildeo de smartphones177
Para comprovar a sua eficaacutecia eacute necessaacuterio que as palavras-passe sejam resistentes a uma
variedade de ataques Assim a sua eficiecircncia vai depender da forccedila do cipher e do segredo
da palavra-passe Geralmente quanto maior for a palavra-passe maior seraacute a forccedila da
encriptaccedilatildeo uma vez que os brute-force attacks vatildeo testar todas as combinaccedilotildees possiacuteveis
ateacute chegarem agrave combinaccedilatildeo correcta178 De facto uma palavra-passe longa dificilmente
seraacute descoberta atendendo agrave actual velocidade e capacidade de processamento de
programas de descoberta de palavras-passe e plataformas de smartphones Numa palavra-
passe com 4 diacutegitos existem 10000 combinaccedilotildees possiacuteveis por outro lado numa palavra-
passe alfanumeacuterica com 6 caracteres o nuacutemero de combinaccedilotildees possiacuteveis sobe para 139
175 ChoongFranklinGreene 2016 11-14 176 Vogl 2015 202 177 ChoongFranklinGreene 2016 17 178 Colarusso 2011 152-153
66
biliotildees179 Nesta uacuteltima hipoacutetese seriam necessaacuterios cerca de cinco anos e meio para
conseguir descobrir a palavra-passe correcta e desencriptar o smartphone sem o auxiacutelio
do proprietaacuterio
A palavra-passe nos iPhones dos uacuteltimos quatro anos eacute tipicamente composta por 6
diacutegitos no entanto o utilizador poderaacute optar por uma palavra-passe alfanumeacuterica mais
complexa Por sua vez os iPhones anteriores a 2012 tecircm uma palavra-chave padratildeo de
apenas 4 diacutegitos sendo que os seus utilizadores tambeacutem poderatildeo optar por uma palavra-
passe alfanumeacuterica
Em 2010 com o lanccedilamento do novo sistema operativo iOS4 foi introduzida pela Apple
a primeira de muitas medidas de seguranccedila e privacidade nos seus produtos a protecccedilatildeo
de correio electroacutenico e lista de contactos atraveacutes de encriptaccedilatildeo por palavra-passe No
entanto estes coacutedigos de 4 diacutegitos eram facilmente descobertos em menos 20 minutos
com recurso a ferramentas forenses180 Ateacute Outubro de 2014 a Apple possuiacutea capacidades
para aceder ao conteuacutedo (SMS MMS fotografias viacutedeos contactos histoacuterico de
chamadas entre outros) de qualquer dispositivo encriptado da sua marca Atendendo a
esta capacidade natildeo raras vezes eram feitos pedidos agrave Apple por parte das entidades
judiciaacuterias no sentido de lhes serem fornecidos todos os ficheiros armazenados no
smartphone que seriam posteriormente usados como prova em determinada investigaccedilatildeo
Com o lanccedilamento do iOS8 em Outubro de 2014 e a consequente melhoria no sistema
de total encriptaccedilatildeo dos seus dispositivos a Apple deixa de conseguir aceder aos iPhones
mesmo que a pedido das autoridades judiciaacuterias181 Desta melhoria no sistema de
encriptaccedilatildeo podemos ainda extrair a possibilidade de activaccedilatildeo de uma definiccedilatildeo de
seguranccedila que permite apagar todos os dados do iPhone apoacutes 10 tentativas de introduccedilatildeo
da palavra-passe182
De facto a encriptaccedilatildeo com palavra-passe tem sido utilizada pelos grandes fabricantes de
smartphones como um meacutetodo padratildeo de seguranccedila e privacidade No entanto como
tantos outros meacutetodos de seguranccedila as palavras-passe tecircm desvantagens
O meacutetodo de encriptaccedilatildeo por palavra-passe envolve dois problemas principais
179 Thompson IIJaikaran 2016 4 180 Potapchuk 2016 1409 181 JafferRosenthal 2016 287-288 182 Garfinkel 2012 3-4 Disponiacutevel em httpswwwtechnologyreviewcoms428477the-iphone-has-
passed-a-key-security-threshold [consultado em 12122016]
67
O primeiro tem que ver com a seguranccedila da palavra-passe Este meacutetodo de encriptaccedilatildeo
exige necessariamente que o seu utilizador memorize a combinaccedilatildeo Uma vez que os
ataques de forccedila bruta a smartphones satildeo cada vez mais recorrentes a necessidade de
criaccedilatildeo de palavras-passe mais longas e complexas eacute cada vez maior tornando a sua
memorizaccedilatildeo numa tarefa extremamente difiacutecil183 Para agravar a situaccedilatildeo o nuacutemero de
palavras-passe que o utilizador teraacute de memorizar relativamente a dispositivos de uso
profissional ou pessoal tambeacutem tem aumentado184 Quantas mais palavras-passe o
utilizador tem de memorizar maior seraacute a probabilidade de errar ou esquecer-se de
alguma Essencialmente qualquer meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo que envolva a
memorizaccedilatildeo e o segredo de uma palavra-passe ou uma sequecircncia de nuacutemeros por parte
do utilizador eacute faliacutevel dado que os seres humanos satildeo por natureza igualmente faliacuteveis
Por outro lado para evitar a tarefa de ter de memorizar uma diversidade de palavras-passe
longas e complexas o utilizador acaba por muitas das vezes escolher uma palavra-passe
curta e fraca185 Estas palavras-passe para aleacutem de serem facilmente descobertas atraveacutes
de ataques de forccedila bruta satildeo ainda passiacuteveis de ser adivinhadas por terceiros186 dado
que natildeo raras vezes os utilizadores utilizam datas de aniversaacuterio ou nomes de familiares
para protegerem os seus smartphones Uma outra maneira diversas vezes utilizada para
evitar memorizar ou por outro lado esquecer palavras-passe complexas eacute anotaacute-las num
papel ou em outro formato Desta forma o utilizador estaraacute a comprometer toda a
seguranccedila e privacidade do sistema possibilitando que terceiros (nomeadamente
autoridades judiciaacuterias) encontrem a palavra-passe e acedam ao smartphone
O segundo problema relacionado com a encriptaccedilatildeo por palavra-passe prende-se com a
sua falta de conexatildeo directa com o utilizador187 Visto que a palavra-passe natildeo tem
qualquer ligaccedilatildeo com o utilizador o sistema que executa o algoritmo criptograacutefico eacute
incapaz de diferenciar entre o utilizador legiacutetimo e um invasor que adquiriu ilicitamente
(ou mesmo que licitamente) a palavra-passe Assim qualquer terceiro que tome
183 Keenan 2016 5 184 PaulIrvine 2016 80 185 Rubens 2012 3 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 12122016] 186 Casey 2002 107 187 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 3 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
12122016]
68
conhecimento da palavra-passe seja porque lhe foi concedida ou porque a descobriu
poderaacute aceder a todo o conteuacutedo do smartphone
Atendendo agraves desvantagens da encriptaccedilatildeo por palavra-passe foi criada uma alternativa
a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
232 Biometria
Para aleacutem da encriptaccedilatildeo por palavra-passe existe ainda uma outra tecnologia que
permite a protecccedilatildeo de dados sensiacuteveis esta tecnologia eacute designada por biometria
A encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo eacute uma realidade recente Jaacute no ano de 1892
o cientista Francis Galton desenvolveu um sistema de classificaccedilatildeo para impressotildees
digitais188 Vaacuterios avanccedilos foram alcanccedilados desde essa altura Actualmente o recurso agrave
biometria na encriptaccedilatildeo e desencriptaccedilatildeo de qualquer dispositivo electroacutenico eacute visto
como um passo fundamental para a garantia da seguranccedila e privacidade189
A biometria eacute um ramo da biologia que mede e analisa dados bioloacutegicos para que as
propriedades bioloacutegicas de determinada pessoa possam ser usadas para garantir a
seguranccedila do seu acesso a determinada informaccedilatildeo190
Por seu turno a biomeacutetrica pode ser definida como uma caracteriacutestica uacutenica mensuraacutevel
e bioloacutegica cujo objectivo eacute reconhecer ou verificar automaticamente a identidade de
determinado ser humano191 Numa outra perspetiva podemos afirmar que a tecnologia
biomeacutetrica eacute utilizada para verificar a identidade de determinada pessoa com base nas
suas caracteriacutesticas fiacutesicas ou comportamentais atraveacutes de meios digitais192 A anaacutelise
188 National Science and Technology Coucil 2006 2 Disponiacutevel em httpswwwfbigovfile-
repositoryabout-us-cjis-fingerprints_biometrics-biometric-center-of-excellences-fingerprint-
recognitionpdfview [consultado em 13122016] 189 Keenan 2016 6 190 Silver 2012 813 191 ldquoLa biometria egrave dunque una tecnica che permettendo di autenticare o identificare un soggetto trova
vasta applicazione in molteplici ambiti soprattutto laddove si pone una concreta esigenza di garanzia della
sicurezza pubblica o privatardquo Cf Girotto 2009 455 192 Feldman 2003 103 Neste sentido vai tambeacutem a OCDE que definiu a identificaccedilatildeo biomeacutetrica como
ldquothe automated use of physiological or behavioural characteristics to determine or verify identityrdquo Cf
OCDE 2004 10 Disponiacutevel em httpwwwoecd-
ilibraryorgdocserverdownload232075642747pdfexpires=1481644102ampid=idampaccname=guestampchec
ksum=B1A21B7898A864D5763D4AB7F7310AFA [consultado em 13122016]
69
estatiacutestica destas caracteriacutesticas bioloacutegicas ficou conhecida como a ldquoscience of
biometricsrdquo193
As impressotildees digitais objecto do nosso estudo satildeo a forma de dados biomeacutetricos mais
utilizada na encriptaccedilatildeo de dispositivos electroacutenicos
No entanto existem outras tecnologias biomeacutetricas que satildeo igualmente usadas satildeo elas
a) o rosto b) a geometria da palma da matildeo c) a marchapassada d) a iacuteris e) a impressatildeo
da palma da matildeo f) o reconhecimento de voz entre outros194
A tecnologia biomeacutetrica de uma forma geral eacute dividida em duas fases distintas a) o
registo (enrollment) b) e a verificaccedilatildeo (verification)195 Durante a fase do registo uma
amostra da biomeacutetrica designada eacute obtida (vg atraveacutes de microfones ou de scanners de
impressotildees digitais)196 Posteriormente algumas das caracteriacutesticas uacutenicas dessa amostra
satildeo extraiacutedas para formar um modelo (template) biomeacutetrico que seraacute alvo de uma
subsequente comparaccedilatildeo Durante a fase da verificaccedilatildeo eacute necessaacuteria uma actualizaccedilatildeo da
amostra biomeacutetrica que se obteacutem atraveacutes do fornecimento de uma nova amostra Agrave
semelhanccedila do que acontece na fase de registo caracteriacutesticas desta nova amostra seratildeo
igualmente recolhidas Por fim as suas caracteriacutesticas seratildeo comparadas com o modelo
biomeacutetrico fornecido anteriormente
Eacute ainda pertinente neste acircmbito esclarecer que todas as tecnologias biomeacutetricas
apresentadas podem ser aplicadas sob duas formas distintas a) como meacutetodo de
identificaccedilatildeo b) ou como meacutetodo de autenticaccedilatildeo A identificaccedilatildeo biomeacutetrica consiste na
tarefa de determinar a identidade de uma pessoa desconhecida ao passo que a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica simplesmente atesta se o indiviacuteduo eacute quem afirma ser197
193 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 1 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 194 PatoMillett 2010 31 CorcoranCostache 2016 70 ldquoSi egrave soliti inoltre distinguere le caratteristiche
biometriche fisiche o fisiologiche da quelle comportamentali Tra le prime rientrano principalmente la
verifica delle impronte digitali lanalisi dellimmagine delle dita il riconoscimento delliride lanalisi della retina il riconoscimento del volto la geometria della mano il riconoscimento della forma dellorecchio il
rilevamento dellodore del corpo il riconoscimento vocale lanalisi dei pori della pelle e altro ancora
Tra le seconde le piugrave utilizzate sono la verifica della firma manoscritta lanalisi della battitura su tastiera
lanalisi dellandaturardquo Cf Girotto 2009 454 195 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 2 Disponiacutevel em
httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 196 GelbClark 2013 62-63 197 CorcoranCostache 2016 72
70
No processo de autenticaccedilatildeo biomeacutetrica o utilizador submete a reivindicaccedilatildeo da sua
identidade ao sistema (atraveacutes do fornecimento de uma amostra biomeacutetrica) sendo que
apenas um modelo biomeacutetrico eacute recuperado da base de dados dos utilizadores e
comparado com a amostra por si fornecida A autenticaccedilatildeo biomeacutetrica eacute tipicamente usada
nas circunstacircncias em que eacute feito um controlo do acesso seja o acesso fiacutesico a uma sala
ou edifiacutecio ou o acesso a um sistema eletroacutenico como um smartphone198
Desta forma no que concerne ao objecto da nossa investigaccedilatildeo apenas se mostra
relevante a autenticaccedilatildeo biomeacutetrica uma vez que eacute a teacutecnica utilizada na
encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones Quando determinado utilizador quiser
aceder a um smartphone encriptado atraveacutes de biometria teraacute de fornecer uma amostra
biomeacutetrica (vg a sua impressatildeo digital) para que esta seja comparada com o modelo
registado Caso haja correspondecircncia entre a impressatildeo digital fornecida e a impressatildeo
digital registada anteriormente o utilizador vecirc o acesso ao smartphone autorizado caso
natildeo haja correspondecircncia o acesso manteacutem-se interdito De facto actualmente a
autenticaccedilatildeo biomeacutetrica atraveacutes da impressatildeo digital eacute como tivemos oportunidade de
salientar anteriormente um dos meacutetodos mais utilizados na encriptaccedilatildeo de
smartphones199
Este aumento significativo e exponencial do recurso agraves tecnologias biomeacutetricas na
encriptaccedilatildeo de smartphones natildeo causa estranheza tomando em consideraccedilatildeo todas as
vantagens destes meacutetodos
Contrariamente agraves palavras-passe que para serem seguras e ldquofortesrdquo necessitam da
utilizaccedilatildeo de diversos nuacutemeros letras e outros caracteres especiais tornando a tarefa de
memorizaccedilatildeo mais difiacutecil a encriptaccedilatildeo atraveacutes da biometria natildeo necessita de qualquer
processo de memorizaccedilatildeo200 Uma vez que a biometria utiliza as caracteriacutesticas pessoais
198 SoutarRobergeStoianovGilroyKumar 2007 4 Disponiacutevel em httpwwwcselehigheduprrBiometricsArchivePapersBiometricEncryptionpdf [consultado em
13122016] 199 ldquoFingerprints are a commom biometric used in modern mobile devices over the past several years
Multiple types of fingerprint sensors exist such as optical capacitive and ultrasonic each with unique
ways of assessing characteristics of a biometric sample In general fingerprint scanners on mobile devices
have a smaller surface area than traditional scanners affecting resolution which may impact accuracyrdquo
Cf ChoongFranklinGreene 2016 13 200 SaintGermain 2014a 8-9 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 14122016]
71
do utilizador natildeo haacute qualquer possibilidade de esquecimento ou necessidade de
memorizaccedilatildeo201 O proacuteprio utilizador eacute a palavra-passe tornando-a uacutenica
Visto que deixa de existir a necessidade de criaccedilatildeo de palavras-passe longas e complexas
deixa igualmente de existir a necessidade de as escrever ou guardar correndo o risco de
serem descobertas ou furtadas por terceiros Na encriptaccedilatildeo biomeacutetrica natildeo se coloca a
possibilidade de furto dos dados biomeacutetricos
Adveacutem da circunstacircncia de o utilizador ser a proacutepria ldquopalavra-passerdquo do smartphone a
dificuldade de a copiar ou duplicar202 Esta vantagem torna o meacutetodo de encriptaccedilatildeo por
biometria apropriado para o controlo do acesso a informaccedilotildees pessoais por parte de
terceiros natildeo autorizados203 Decorre ainda desta circunstacircncia a impossibilidade de
partilha dos dados biomeacutetricos (vg impressatildeo digital voz iacuteris rosto) para desencriptaccedilatildeo
de um determinado smartphone204
Agrave medida que a tecnologia se vai desenvolvendo e melhorando ao longo do tempo
tambeacutem estas teacutecnicas de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo de smartphones com recurso agrave
biometria vatildeo aperfeiccediloando a sua precisatildeo e robustez205
Com a encriptaccedilatildeo biomeacutetrica para aleacutem de se evitar a inconveniecircncia de se ter de
memorizar palavras-passe longas e complexas deixa de ser necessaacuterio estar
constantemente a digitar a palavra-passe (longa e complexa) sempre que o utilizador
precisa de aceder ao seu smartphone206 Dado que um smartphone eacute desbloqueado em
meacutedia cerca de 48 vezes por dia esta eacute uma clara vantagem no que concerne agrave
conveniecircncia do meacutetodo207
201 ChuRajendran 2009 3-4 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016] 202 Keenan 2016 6 203 SaintGermain 2014b 3 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2498707
[consultado em 14122016] 204 Rubens 2012 1 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-it-workshtml [consultado em 14122016] 205 Keenan 2016 7 206 PaulIrvine 2016 80-81 207 ldquoAmong all biometrics technologies fingerprint biometrics technology has captured majority of the
market share Ease of usage low cost and benefits over smart card-based access control systems have
fuelled the growth of fingerprint biometrics systems globally Government projects such as national IDs
e-passports and driving license are also playing a vital role for the growth of biometrics marketrdquo Cf
Hustle 2014 1 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016]
72
A encriptaccedilatildeo biomeacutetrica eacute vista como uma das formas mais seguras de aceder a qualquer
tipo de dispositivo208 No que concerne agrave impressatildeo digital em particular atendendo agrave sua
natureza singular209 este meacutetodo de encriptaccedilatildeo acaba por gerar um maior sentimento de
seguranccedila e protecccedilatildeo relativamente agrave informaccedilatildeo armazenada no smartphone
Por fim eacute imperativo fazer ainda menccedilatildeo em sede de vantagens da utilizaccedilatildeo de
encriptaccedilatildeo biomeacutetrica agrave importacircncia que eacute dada agrave privacidade na utilizaccedilatildeo deste
meacutetodo A tiacutetulo de exemplo podemos trazer agrave colaccedilatildeo o caso dos sistemas de leitura de
impressotildees digitais que apenas capturam as principais caracteriacutesticas da impressatildeo digital
e natildeo a impressatildeo digital integral garantindo assim a privacidade destes dados
pessoais210
Apesar das claras vantagens que adveacutem da utilizaccedilatildeo de dados biomeacutetricos na encriptaccedilatildeo
de smartphones natildeo podemos concluir que esta teacutecnica eacute completamente perfeita211 Nos
casos de reconhecimento facial basta que a luz o ambiente de fundo ou os acircngulos sejam
diferentes para que a autenticaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel Para uma eficaz autenticaccedilatildeo ocular
eacute necessaacuterio que o olho esteja perfeitamente posicionado para evitar possiacuteveis erros Por
fim apesar de a leitura da impressatildeo digital ser um dos meacutetodos mais eficazes e mais
utilizados basta que o acircngulo ou a pressatildeo aplicada sejam diferentes para inviabilizar a
autenticaccedilatildeo
Contrariamente agraves palavras-passe os dados biomeacutetricos natildeo satildeo secretos212 Isto significa
que eacute possiacutevel que um terceiro tomando conhecimento de que um tipo de dado biomeacutetrico
eacute utilizado para a encriptaccedilatildeo de determinado smartphone faccedila uma reacuteplica desse mesmo
dado para garantir o acesso ao dispositivo Frisaacutemos anteriormente que uma das
vantagens do recurso a estas teacutecnicas seria precisamente a dificuldade de criaccedilatildeo de uma
reacuteplica No entanto com a constante evoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica natildeo se descarta a
possibilidade da construccedilatildeo de um molde de um dedo com a respectiva impressatildeo
208 PaulIrvine 2016 81 209 ldquoYour fingerprint is one of the best passcodes in the world Itrsquos always with you and no two are exactly alikehellipEvery fingerprint is unique so it is rare that even a small section of two separate fingerprints are
alike enough to register as a match for Touch ID The probability of this happening is 1 in 50000 for one
enrolled finger This is much better than the 1 in 10000 odds of guessing a typical 4-digit passcoderdquo Cf
Hustle 2014 3 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-fingerprints-
are-less-secure-than-passwords [consultado em 14122016] 210 Keenan 2016 7 211 Feldman 2003 110 212 Rubens 2012 2 Disponiacutevel em httpwwwesecurityplanetcomtrendsbiometric-authentication-how-
it-workshtml [consultado em 14122016]
73
digital213 ou a utilizaccedilatildeo de uma fotografia de alta resoluccedilatildeo de uma impressatildeo digital
para aceder a um smartphone214
E como estes dados biomeacutetricos consistem em caracteriacutesticas fiacutesicas dos utilizadores uma
das desvantagens fundamentais tem que ver com a sua natureza estaacutetica e inalteraacutevel
Qualquer caracteriacutestica fiacutesica de um ser humano eacute a priori permanente pelo que natildeo
seraacute viaacutevel a alteraccedilatildeo ou revogaccedilatildeo do modo de acesso ao smartphone215 Assim dada a
impossibilidade de revogaccedilatildeo do dado biomeacutetrico utilizado para aceder ao smartphone
na circunstacircncia de um terceiro ter acesso a esse dado eacute criado um risco permanente de
acesso agraves informaccedilotildees armazenadas no dispositivo216
No que respeita agraves consideraccedilotildees fiacutesicas sobre a utilizaccedilatildeo em particular de impressotildees
digitais para a encriptaccedilatildeo de smartphones satildeo de apontar algumas desvantagens
notoacuterias este meacutetodo natildeo funcionaraacute se o utilizador estiver a usar luvas se o utilizador
tiver qualquer tipo de lesatildeo temporaacuteria nos dedos ou se no momento do fornecimento da
impressatildeo digital for detectado algum tipo de humidade ou sujidade que impeccedila uma
leitura bem-sucedida217
Uma outra desvantagem destes meacutetodos biomeacutetricos de encriptaccedilatildeo prende-se com os
elevados custos para a sua instalaccedilatildeo218 No caso concreto dos smartphones o preccedilo final
do aparelho poderaacute aumentar consideravelmente consoante tenha ou natildeo implementado
um sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica
Por fim ainda em sede de desvantagens da encriptaccedilatildeo biomeacutetrica resta-nos mencionar
que com a divulgaccedilatildeo dos atentados praticados contra a privacidade dos utilizadores de
dispositivos electroacutenicos perpetrados pela NSA norte-americana gerou-se um clima de
desconfianccedila por parte da sociedade em relaccedilatildeo agrave implementaccedilatildeo destas novas
213 PaulIrvine 2016 82 214 ldquoFor a few German hackers breaking Apples much-hyped fingerprint reader seems to have been little
more than a one-weekend project On Sunday the Berlin-based hacker group known as the Chaos
Computer Club - and more specifically a member of the group who goes by the name Starbug - announced that theyve managed to crack the iPhone 5ss fingerprint reader just two days after it was releasedrdquo Cf
Greenberg 2013 1 Disponiacutevel em httpwwwforbescomsitesandygreenberg20130922german-
hackers-say-theyve-broken-the-iphones-touchid-fingerprint-reader2a8d881167c4 [consultado em
14122016] 215 PatoMillett 2010 7 216 CorcoranCostache 2016 73 217 ChoongFranklinGreene 2016 25 218 ChuRajendran 2009 5 Disponiacutevel em
httpciteseerxistpsueduviewdocsummarydoi=1011363739 [consultado em 14122016]
74
tecnologias nomeadamente em smartphones219 Assim os utilizadores de smartphones
tecircm alguma reticecircncia em utilizar este tipo de novas tecnologias temendo ser alvo de
ingerecircncias na sua vida privada por parte do Estado
Como tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente a nossa investigaccedilatildeo iraacute centrar-
se no meacutetodo de encriptaccedilatildeodesencriptaccedilatildeo implementado no iPhone Assim depois de
analisados os dois meacutetodos de encriptaccedilatildeo utilizados pela marca Apple nos seus produtos
ndash a palavra-passe e a biometria - importa agora fazer uma breve referecircncia agraves
particularidades teacutecnicas do seu sistema de encriptaccedilatildeo biomeacutetrica o Touch ID
A teacutecnica da encriptaccedilatildeo por impressatildeo digital jaacute existe haacute alguns anos em diversos
dispositivos electroacutenicos nomeadamente computadores No entanto foi soacute depois da
introduccedilatildeo do Touch ID em 2013 que a autenticaccedilatildeo por impressatildeo digital ganhou
notoriedade na aacuterea das novas tecnologias220 A empresa Apple lanccedilou em grande parte
dos seus produtos (vg iPhones e iPads) o Touch ID um leitor de impressotildees digitais que
autoriza o sistema operativo a desbloquear determinadas funcionalidades quando o
utilizador toca no sensor localizado no botatildeo principal do dispositivo Considerando o
facto de que a grande parte dos utilizadores do iPhone natildeo utilizavam a palavra-passe
para bloquear o seu smartphone por questotildees de conveniecircncia o Touch ID foi criado
como uma alternativa menos incoacutemoda221
A tecnologia usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de
hardware e software alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue
captar uma imagem de alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em
pequenas secccedilotildees da impressatildeo digital222 O Touch ID tem capacidade para ler diversas
impressotildees digitais mesmo numa orientaccedilatildeo de 360 graus Apoacutes a leitura eacute criada uma
representaccedilatildeo matemaacutetica da impressatildeo digital que seraacute comparada agraves impressotildees digitais
anteriormente registadas no dispositivo No caso de coincidecircncia entre a impressatildeo digital
219 Keenan 2016 8 220 CorcoranCostache 2016 71 221 Vogl 2015 205 222 ldquoTouch ID then intelligently analyzes this information with a remarkable degree of detail and precision
It categorizes your fingerprint as one of three basic typesmdasharch loop or whorl It also maps out individual
details in the ridges that are smaller than the human eye can see and even inspects minor variations in
ridge direction caused by pores and edge structuresrdquo Cf Apple Support ndash About Touch ID security on
iPhone and iPad Disponiacutevel em httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 14122016]
75
fornecida e a impressatildeo digital registada o dispositivo eacute desbloqueado
automaticamente223
Eacute ainda possiacutevel que o utilizador do smartphone aumente a seguranccedila do seu dispositivo
escolhendo em simultacircneo com a impressatildeo digital uma palavra-passe composta por 4
ou 6 nuacutemeros letras ou outros caracteres especiais
O Touch ID pode ser usado para desbloquear mais rapidamente o dispositivo prevenir o
acesso de terceiros natildeo autorizados224 instalar novas aplicaccedilotildees e fazer compras atraveacutes
das aplicaccedilotildees instaladas225
Caso o iPhone seja furtado ou perdido eacute possiacutevel desactivar agrave distacircncia atraveacutes da
aplicaccedilatildeo Find My iPhone a definiccedilatildeo que permite a autenticaccedilatildeo atraveacutes do Touch ID
O Touch ID natildeo armazena fotografias das impressotildees digitais226 o que fica registado satildeo
apenas representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees ou seja um longo nuacutemero que
funciona como uma segunda palavra-passe composto por 50 a 100 diacutegitos227 designado
de biometric hash228 Assim natildeo seraacute possiacutevel que um terceiro consiga reverter este
processo de maneira a criar uma imagem da impressatildeo digital atraveacutes da representaccedilatildeo
matemaacutetica registada
O registo destas representaccedilotildees fica armazenado no smartphone mais precisamente no
A7 CPU229 denominado de ldquosecure enclaverdquo A secure enclave foi desenvolvida com o
propoacutesito de proteger a palavra-passe e os dados biomeacutetricos armazenados no
smartphone Os dados biomeacutetricos satildeo encriptados e protegidos com uma palavra-chave
apenas disponiacutevel para a secure enclave que se encontra separada do resto do sistema
operativo Desta forma nenhuma aplicaccedilatildeo nem o proacuteprio sistema iOS (incluindo a
iCloud) tecircm acesso agraves representaccedilotildees matemaacuteticas das impressotildees digitais fornecidas
223 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 224 Whittaker 2013 3 Disponiacutevel em httpwwwsmartsuiteiniphone-5s-fingerprint-reader-doubling-
down-on-identity-a-death-knell-to-zdnethtml [consultado em 15122016] 225 Tabini 2014 2 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 226 Apple Support ndash About Touch ID security on iPhone and iPad Disponiacutevel em
httpssupportapplecomen-usHT204587 [consultado em 15122016] 227 Pagliery 2016 2 Disponiacutevel em httpmoneycnncom20160512technologyfbi-fingerprint-iphone
[consultado em 15122016] 228 Tabini 2014 3 Disponiacutevel em httpwwwmacworldcomarticle2455474open-sesame-how-ios-8-
will-unlock-touch-ids-powerhtml [consultado em 15122016] 229 Tarantola 2013 1 Disponiacutevel em httpgizmodocomstop-worrying-about-the-new-iphones-
fingerprint-scanne-1326146704 [consultado em 15122016]
76
Apesar da activaccedilatildeo do Touch ID podem surgir situaccedilotildees em que eacute necessaacuterio a
introduccedilatildeo da palavra-passe para aceder ao smartphone a) se o dispositivo for reiniciado
b) se a impressatildeo digital natildeo for reconhecida cinco vezes consecutivas c) se o dispositivo
natildeo tiver sido desbloqueado haacute mais de 48 horas230 d) se tiverem sido registadas ou
apagadas impressotildees digitais recentemente e) se o utilizador tentar aceder agraves definiccedilotildees
do Touch ID
3 Conclusotildees intermeacutedias
Atendendo a tudo o que ficou dito durante este capiacutetulo nomeadamente quanto agrave
constante evoluccedilatildeo da tecnologia e ao papel fundamental da informaccedilatildeo na sociedade
actual percebe-se a necessidade sentida pelos particulares no sentido de protegerem os
seus smartphones Dada a sua vasta capacidade de armazenamento estes dispositivos
tornaram-se ao longo do tempo objecto de curiosidade tanto para outros particulares
como para o Estado levando a que os seus fabricantes incluiacutessem nas suas definiccedilotildees a
encriptaccedilatildeo como uma medida de seguranccedila baacutesica De facto a encriptaccedilatildeo eacute vista hoje
em dia como uma tecnologia cuja funccedilatildeo primordial eacute minimizar os riscos de acesso por
parte de terceiros natildeo autorizados a informaccedilotildees pessoais231
Isto posto natildeo causa estranheza que natildeo raras vezes as autoridades judiciaacuterias no acircmbito
de uma investigaccedilatildeo criminal depois de apreenderem um smartphone se deparem com a
impossibilidade do acesso aos ficheiros aiacute armazenados provocada pela sua preacutevia
encriptaccedilatildeo As vantagens do recurso a este tipo de tecnologia para o titular do dispositivo
encriptado satildeo como vimos inegaacuteveis no entanto no caso concreto de estarmos no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal e de a encriptaccedilatildeo impedir o acesso das autoridades
judiciaacuterias a provas potencialmente fundamentais para o processo penal as vantagens datildeo
lugar a claras desvantagens
Ao longo deste terceiro capiacutetulo tivemos oportunidade de enunciar as diversas
complexidades tecnoloacutegicas associadas agrave encriptaccedilatildeo de smartphones E satildeo essas
mesmas complexidades que diminuem em larga escala as possibilidades de as
autoridades judiciaacuterias conseguirem apreender eficientemente os ficheiros armazenados
num smartphone encriptado sem o auxiacutelio do arguido Eacute precisamente neste ponto que
230 O que sucedeu em alguns dos casos enunciados no Capiacutetulo I do presente estudo 231 Lowman 2010 1 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 15122016]
77
entra em discussatildeo a questatildeo central da nossa investigaccedilatildeo que iremos tratar em
pormenor no proacuteximo capiacutetulo a articulaccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo de smartphones e o
direito do arguido agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
78
79
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA
OBTENCcedilAtildeO DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
1 Colocaccedilatildeo do problema
Actualmente a encriptaccedilatildeo de smartphones eacute uma tecnologia de livre acesso e facilmente
adquirida No entanto natildeo raras vezes esta tecnologia eacute usada pelos piores motivos como
tivemos oportunidade de perceber pela anaacutelise dos casos jurisprudenciais norte-
americanos que seratildeo objecto do nosso estudo ao longo deste quarto capiacutetulo
Nestes casos a utilizaccedilatildeo da encriptaccedilatildeo em smartphones representa um perigo em
especial para a defesa da seguranccedila nacional e para a persecuccedilatildeo da justiccedila232 Isto
porque em abstracto a possibilidade de ocultar informaccedilatildeo de terceiros nomeadamente
do Estado faz da encriptaccedilatildeo um instrumento atractivo para criminosos233 De facto os
suspeitos de actividades ilegais como lavagem de dinheiro fraude terrorismo
pornografia infantil homiciacutedio abuso sexual entre outros seratildeo mais facilmente
ilibados234 se as potenciais provas do crime estiverem armazenadas num smartphone
encriptado
Atraveacutes da encriptaccedilatildeo dos smartphones os criminosos tornam quase impossiacutevel o
acesso por parte das entidades judiciaacuterias ao conteuacutedo do dispositivo Durante o
processo criminal eacute comum que as autoridades consigam ter acesso agrave palavra-passe seja
porque foi escrita num papel ou porque simplesmente era faacutecil de adivinhar (vg data de
nascimento do arguido ou um nome de um familiar) No caso de tal natildeo se verificar existe
ainda a possibilidade de desencriptar o smartphone atraveacutes dos jaacute mencionados brute-
force attacks235
Contudo ainda que assumindo que as autoridades judiciaacuterias tecircm todos os meios teacutecnicos
necessaacuterios para desencriptar o smartphone surge a questatildeo seraacute que os custos e tempo
232 MartinsMarquesDias 2004 70 233 Ungberg 2009 552 Neste sentido ldquo[hellip] a circulaccedilatildeo livre desta tecnologia permitiraacute que qualquer um
possa transmitir informaccedilotildees virtualmente indecifraacuteveis para terceiros construindo desse modo um espaccedilo
virtual lsquono manrsquos landrsquo onde o desenvolvimento e planeamento de actividades criminosas terroristas e de
outras actividades contraacuterias agrave garantia da seguranccedila dos Estados fossem livresrdquo Cf MartinsMarquesDias
2004 71 234 Weinberg 1998 680 235 Sales 2014 208
80
despendidos no desbloqueio do dispositivo seratildeo justificados atendendo ao facto de que
as autoridades natildeo tecircm qualquer informaccedilatildeo sobre o conteuacutedo do smartphone236
Haacute ainda que ponderar um outro ponto mesmo na circunstacircncia de a desencriptaccedilatildeo ser
bem-sucedida eacute possiacutevel que a recolha de prova do smartphone natildeo seja ceacutelere o
suficiente para dar resposta ao crime em questatildeo
Por estes motivos e tantos outros muitas das vezes a uacutenica maneira viaacutevel de conseguir
aceder ao conteuacutedo do smartphone passa pela colaboraccedilatildeo do proprietaacuterio (arguido)237
Desta forma as autoridades judiciaacuterias teriam de compelir o arguido a fornecer a palavra-
passe ou a sua impressatildeo digital para desencriptar o dispositivo238
No entanto a coacccedilatildeo do arguido no sentido de fornecer tanto a palavra-passe quanto a
impressatildeo digital para desencriptar o seu smartphone onde potencialmente estaratildeo
armazenadas provas incriminatoacuterias de um delito que cometeu levanta preocupaccedilotildees
quanto a uma possiacutevel violaccedilatildeo do brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare ou o
princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Para conseguirmos dar resposta a esta problemaacutetica mostra-se necessaacuterio fazer uma
divisatildeo entre duas sub-hipoacuteteses uma vez que estamos a tratar de dois meacutetodos de
encriptaccedilatildeo diferenciados a palavra-passe e a impressatildeo digital Assim poderaacute o arguido
ser compelido a fornecer agraves entidades judiciaacuterias a palavra-passe que desencripta o
smartphone sem violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ou ainda poderaacute o arguido
ser coagido a fornecer a sua impressatildeo digital com vista a desencriptar o smartphone sem
violar o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo Ateacute que ponto seraacute exigiacutevel uma colaboraccedilatildeo
processual do arguido tendo em conta os limites impostos pelo seu estatuto processual239
Para percebermos como o princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo poderaacute nestas duas
situaccedilotildees ser ou natildeo violado torna-se imperativo que faccedilamos a priori uma reflexatildeo
sobre o brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare
236 Duong 2009 328 237 Atwood 2015 410 238 Gershowitz 2010 22 Disponiacutevel em httpspapersssrncomsol3papers2cfmabstract_id=1669403
[consultado em 15122016] 239 Pinto 2013 92
81
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teve a sua origem no Reino Unido no seacutec
XVII como reacccedilatildeo agraves praacuteticas inquisitoriais dos tribunais eclesiaacutesticos240 Desde entatildeo
o princiacutepio assistiu a inuacutemeras mudanccedilas e evoluccedilotildees culminando no entendimento de
que ao arguido cabe decidir se como e quando estaacute disposto a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo241 Assim no seu sentido mais profundo a garantia do nemo tenetur visa
evitar que o arguido seja transformado em colaborador involuntaacuterio das entidades
puacuteblicas com competecircncias processuais242 sendo portanto um princiacutepio estruturante do
modelo processual acusatoacuterio e do sistema democraacutetico
Este princiacutepio ou privileacutegio estaacute estreitamente ligado agrave liberdade de declaraccedilatildeo do
arguido que eacute analisada pela doutrina e pela jurisprudecircncia do Tribunal Constitucional
numa dupla dimensatildeo positiva e negativa Pela positiva ldquoabre ao arguido o mais restrito
direito de intervenccedilatildeo e declaraccedilatildeo em abono da sua defesa e pela negativa a liberdade
de declaraccedilatildeo do arguido veda todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou
por coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuteriasrdquo243
A doutrina nacional e mesmo internacional defende a ideia de que o princiacutepio nemo
tenetur implica que ningueacutem pode ser obrigado a contribuir para estabelecer a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo244 Deste modo de um ponto de vista menos amplo o princiacutepio pressupotildee
que ningueacutem eacute obrigado a produzir prova ou a praticar actos lesivos agrave sua proacutepria
defesa245
Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia nacional que no que concerne ao conteuacutedo
deste princiacutepio vem estabelecer que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo significa que
o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua
proacutepria incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou
240 Pinto 2013 100 241 Ramos 2010 179 242 Silva Dias 2010 242 243 Costa Andrade 1992 120 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado
em 17012017] 244 Pinto 2013 104 Oliveira Silva 2013 364 NevesCorreia 2014 146 Cruz Bucho 2013 18
Disponiacutevel em httpswwwtrgptficheirosestudossobre_a_recolha_de_autografos_do_arguidopdf
[consultado em 17012017] Anastaacutecio 2010 205 Haddad 2003 37 245 Ristori 2007 98 Neste sentido vai tambeacutem Costa Andrade ao referir que ldquo[hellip] o arguido natildeo pode ser
fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenaccedilatildeo ie a carrear ou oferecer meios
de prova contra a sua defesa Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questatildeo da
culpabilidade quer no que respeita aos atinentes agrave medida da penardquo Cf Costa Andrade 1992 121
82
elementos (vg documentais) que o desfavoreccedilam ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que
do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou ilaccedilotildees desfavoraacuteveis
no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo246 Jaacute o Tribunal Constitucional vem afirmar que ldquoo
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute uma marca irrenunciaacutevel do processo penal
de estrutura acusatoacuteria visando garantir que o arguido natildeo seja reduzido a mero objecto
da actividade estadual de repressatildeo do crime devendo antes ser-lhe atribuiacutedo o papel de
verdadeiro sujeito processual armado com os direitos de defesa e tratado como
presumivelmente inocente Daiacute que para protecccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo do arguido este
deva ter a possibilidade de decidir no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade qual
a posiccedilatildeo a tomar perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo247
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que consubstancia para Paulo de Sousa
Mendes ldquoum dos pilares do processo penal portuguecircsrdquo248 desdobra-se em dois corolaacuterios
que embora intimamente relacionados natildeo se confundem entre si249 o princiacutepio contra
a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito e o direito ao silecircncio O princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito traduz-se no direito de natildeo cooperar na
investigaccedilatildeo250 ou seja no fornecimento de quaisquer meios de prova susceptiacuteveis de
comprometer a presunccedilatildeo de inocecircncia do arguido coadjuvando a sua incriminaccedilatildeo
nomeadamente atraveacutes da entrega de documentos ou outros elementos ou atraveacutes de uma
determinada actuaccedilatildeo251 Jaacute no que concerne ao direito ao silecircncio este abarca apenas a
colaboraccedilatildeo do arguido na sua incriminaccedilatildeo atraveacutes de declaraccedilotildees sobre os factos que
lhe satildeo imputados Deste modo como bem refere Maria Fernanda Palma eacute sobre a justiccedila
246 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrcnsfc3fb530030ea1c61802568d9005cd5bbd3a8f7db2f94ad6180257c0f0052958b
OpenDocument [consultado em 17012017] 247 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 17012017] 248 Sousa Mendes 2017 210 249 Martins 2015 24 Em sentido contraacuterio apoiando-se na tese de que o direito ao silecircncio e o princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo satildeo sinoacutenimos para descrever uma mesma realidade pronunciou-se o Tribunal
da Relaccedilatildeo de Eacutevora afirmando que ldquoo privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo ou direito ao silecircncio significa que o arguido natildeo pode ser obrigado nem deve ser condicionado a contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo isto eacute tem o direito a natildeo ceder ou fornecer informaccedilotildees ou elementos que o desfavoreccedilam
ou a natildeo prestar declaraccedilotildees sem que do silecircncio possam resultar quaisquer consequecircncias negativas ou
ilaccedilotildees desfavoraacuteveis no plano da valoraccedilatildeo probatoacuteriardquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de
30 de Setembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b986b0759b8e0108880257de100574d46
OpenDocument [consultado em 17012017] 250 Cruz 2011 22 251 NevesCorreia 2014 146
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do Estado que recai o oacutenus de demonstrar os factos da acusaccedilatildeo252 O direito ao silecircncio
eacute assim o direito de calar o reconhecimento da liberdade moral do arguido253 Por seu
turno Vacircnia Costa Ramos vem salientar e bem que ldquosem o direito ao silecircncio o arguido
seria obrigado a declarar e cooperar sempre que estes actos natildeo revestissem conteuacutedo
autoincriminatoacuteriordquo254 A Autora conjuntamente com Augusto Silva Dias vai mais
longe chegando a afirmar que o direito ao silecircncio eacute o nuacutecleo duro e quase absoluto do
nemo tenetur tanto por razotildees histoacutericas como pelo regime legal que o acolhe255
21 Consagraccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare eacute consagrado na maioria das constituiccedilotildees
dos modernos Estados de Direito Nos casos de falta de consagraccedilatildeo expressa na lei
fundamental acaba por ser reconhecido ao abrigo das suas disposiccedilotildees Este princiacutepio
ou privileacutegio encontra ainda acolhimento em importantes documentos internacionais de
protecccedilatildeo dos direitos do Homem entre os quais a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do
Homem e o Pacto Internacional sobre Direitos Ciacutevicos e Poliacuteticos da ONU256 como
princiacutepio essencial do processo penal
De acordo com a aliacutenea g) do nordm 3 do artigo 14ordm do Pacto Internacional sobre Direitos
Ciacutevicos e Poliacuteticos ldquoQualquer pessoa acusada de uma infracccedilatildeo penal teraacute direito em
plena igualdade pelo menos agraves seguintes garantias g) A natildeo ser forccedilada a testemunhar
contra si proacutepria ou a confessar-se culpadardquo
Por seu turno a Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) no seu articulado
natildeo prevecirc de forma expliacutecita o direito ao silecircncio ou o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Contudo segundo o entendimento da jurisprudecircncia do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (TEDH) o princiacutepio nemo tenetur constitui um standard internacional que estaacute
presente no nuacutecleo da noccedilatildeo de processo equitativo o qual se destina a proteger o arguido
contra o exerciacutecio abusivo de poderes coercivos pelas autoridades a evitar o perigo de
adulteraccedilatildeo da justiccedila e nesse sentido a assegurar a realizaccedilatildeo plena do artigo 6ordm da
Convenccedilatildeo257 Segundo aquela jurisprudecircncia o princiacutepio nemo tenetur se ipsum
252 Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
17012017] 253 Queijo 2012 233 254 Ramos 2007 68 255 Silva DiasRamos 2009 20 256 Silva 2007 59 257 Cruz Bucho 2013 20
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accusare relaciona-se em primeira linha com o respeito pela vontade da pessoa do
arguido em permanecer em silecircncio e constitui uma decorrecircncia do pressuposto segundo
o qual a acusaccedilatildeo deveraacute provar a sua tese contra o acusado sem o recurso a elementos de
prova obtidos atraveacutes de meacutetodos coercivos ou opressivos com desrespeito pela vontade
deste258 Assim o direito ao silecircncio e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido
estrito encontram-se intimamente relacionados com a presunccedilatildeo de inocecircncia consagrada
no nordm 2 do artigo 6ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
Por conseguinte por forccedila do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 8ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa pode sustentar-se que ambos os preceitos vigoram directamente
na ordem juriacutedica interna259
Contrariamente ao que sucede com inuacutemeras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees de direitos de
outros paiacuteses nomeadamente a Constituiccedilatildeo americana (5ordf Emenda)260 a Constituiccedilatildeo
espanhola (artigos 173 e 242)261 ou a Constituiccedilatildeo brasileira (artigo 5ordm inciso LXIII)262
a Constituiccedilatildeo portuguesa natildeo consagra agrave semelhanccedila da Lei Fundamental alematilde e
italiana o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare de uma forma expressa e directa
Natildeo obstante o princiacutepio nemo tenetur ndash seja na sua vertente de direito ao silecircncio do
arguido seja na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito
ndash natildeo estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional a doutrina263 e a
jurisprudecircncia264 portuguesas em similitude com a doutrina e jurisprudecircncia alematildes satildeo
unacircnimes natildeo soacute quanto agrave vigecircncia daquele princiacutepio no direito processual penal como
258 Cruz Bucho 2013 21 259 Andrade 2014 19 260 Estabelece a Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica ldquoNenhuma pessoa seraacute
obrigada em qualquer caso criminal a ser uma testemunha contra si mesmardquo 261 No seu artigo 242 a Constituiccedilatildeo espanhola consagra que todos tecircm direito ldquo[hellip] a natildeo declarar contra
si mesmo e a natildeo se confessar culpadordquo assim como no artigo 173 se prevecirc o princiacutepio segundo o qual
ningueacutem seraacute obrigado a fazer declaraccedilatildeo que possa resultar em autoincriminaccedilatildeo impondo agraves autoridades
responsaacuteveis a obrigaccedilatildeo de preacutevia informaccedilatildeo acerca dos direitos e da acusaccedilatildeo que recaem sobre o
suspeito 262 Prevecirc o inciso LXIII do artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo brasileira que ldquoo preso seraacute informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendo-lhe assegurada a assistecircncia da famiacutelia e de advogadordquo 263 Cruz Bucho 2013 22 Sousa Mendes 2010 125 Pinto 2013 105 Catarina Anastaacutecio fala aqui numa
ldquo[hellip] base constitucional (ainda que indirecta ou impliacutecita) deste direito [hellip]rdquo Cf Anastaacutecio 2010 206 264 ldquoA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa natildeo consagra expressis verbis este princiacutepio mas natildeo obstante
essa natildeo consagraccedilatildeo expressa tanto a doutrina como a jurisprudecircncia tecircm defendido que o nemo tenetur
se ipsum accusare tem assento constitucional sendo considerado um direito constitucional do processo
penal natildeo escritordquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em
18012017]
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quanto agrave sua natureza constitucional265 Fala-se aqui no nemo tenetur se ipsum accusare
como um verdadeiro ldquodireito constitucional natildeo escritordquo266
No que agrave lei processual penal portuguesa diz respeito este princiacutepio obteve consagraccedilatildeo
expressa no Coacutedigo de Processo Penal na vertente de direito ao silecircncio do arguido
(artigos 61ordm nordm 1 aliacutenea d) 141ordm nordm 4 aliacutenea a) 343ordm nordm 1 e 345ordm nordm 1 in fine)267
Assim a aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm estabelece que ldquoO arguido goza em especial
em qualquer fase do processo e salvas as excepccedilotildees da lei dos direitos de d) Natildeo
responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre os factos que lhe forem
imputados e sobre o conteuacutedo das declaraccedilotildees que acerca deles prestarrdquo O direito ao
silecircncio estende-se mesmo ao proacuteprio suspeito desde logo porque a pessoa sobre quem
recair a suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituiacuteda a seu pedido
como arguido (nordm 2 do artigo 59ordm do CPP) Tambeacutem a ldquotestemunha natildeo eacute obrigada a
responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilizaccedilatildeo
penalrdquo (nordm 2 do artigo 132ordm do CPP)268 O direito ao silecircncio de que goza o arguido deve
ser-lhe comunicado pela autoridade judiciaacuteria ou pelo oacutergatildeo de poliacutecia criminal perante
as quais seja obrigado a comparecer (al h) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) sob pena de
as declaraccedilotildees feitas constituiacuterem prova proibida por intromissatildeo na vida privada (nordm 8
do artigo 32ordm da CRP e nordm 3 do artigo 126ordm do CPP)269 O exerciacutecio deste direito ao
silecircncio natildeo pode ser valorado como indiacutecio ou presunccedilatildeo de culpa270271
265 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 39 266 Costa Andrade 1992 124 267 Como bem refere Costa Andrade ldquoa lei processual penal portuguesa conteacutem uma malha desenvolvida e
articulada de normas atraveacutes das quais se assenta o princiacutepio nemo teneturrdquo Cf Costa Andrade 1992 126 268 Sousa Mendes 2017 209-210 Curado 2012 262 269 Marques da Silva 2013 74 270 ldquoO conteuacutedo material do referido princiacutepio (nemo teneturhellip) eacute assegurado atraveacutes da imposiccedilatildeo de
deveres de esclarecimento ou de advertecircncia agraves autoridades judiciaacuterias e aos oacutergatildeos de poliacutecia criminal [cfr
artigos 58ordm nordm 2 61ordm nordm 1 aliacutenea g) 141ordm nordm 4 e 343ordm nordm 1] estabelecendo-se a sanccedilatildeo de proibiccedilatildeo
de valoraccedilatildeo nos termos do artigo 58ordm nordm 4 e da nulidade das provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ou
ofensa da integridade fiacutesica ou moral (cfr artigo 126ordm nordm 1 todos do CPP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
Constitucional nordm 3042004 de 5 de Maio de 2004 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040304html [consultado em 18012017] ldquo[hellip] o
arguido deve ser informado antes de qualquer interrogatoacuterio de que goza do direito ao silecircncio (artigos
141ordm nordm 4 143ordm nordm 2 144ordm nordm 1 e 343ordm nordm 1 do CPP) devendo tambeacutem ser esclarecido de que o seu
silecircncio natildeo pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses natildeo podendo por isso o arguido
ser prejudicado por ter exercitado o seu direito a natildeo prestar quaisquer declaraccedilotildees (o silecircncio natildeo pode ser
interpretado como presunccedilatildeo de culpa) Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] 271 Saacute 2004 187
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Chegados a este ponto torna-se necessaacuterio chamar agrave colaccedilatildeo as duas extensotildees do direito
ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal discutidas na
doutrina a) a extensatildeo minimalista incidindo apenas sobre as declaraccedilotildees do arguido em
sentido estrito e sobre os factos que lhe satildeo imputados b) a extensatildeo maximalista
abarcando as declaraccedilotildees por meio de documentos da indicaccedilatildeo do lugar onde se
encontra o meio de prova de uma actuaccedilatildeo consubstanciando-se num direito a natildeo ser
obrigado a fornecer prova (documental declarativa ou outra) da sua culpabilidade272 A
maioria da doutrina nacional defende a tese de que estamos aqui perante uma variante
ampla do direito ao silecircncio273 Assim malgrado a redacccedilatildeo do referido artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal sugira um direito restrito aos casos em que o arguido eacute
solicitado a prestar declaraccedilotildees verbais somos da opiniatildeo de que uma interpretaccedilatildeo
teleoloacutegica da norma aponta para que a invocaccedilatildeo deste direito natildeo esteja dependente dos
meios utilizados mas dos fins que se pretendem alcanccedilar e dos interesses que sejam
postos em causa designadamente o da natildeo-autoincriminaccedilatildeo sob pena de esses
expedientes serem utilizados como forma de contornar um direito fundamental dos
cidadatildeos274 Desta forma poderia estar aqui incluiacutedo natildeo soacute o fornecimento da palavra-
passe atraveacutes de declaraccedilotildees orais como tambeacutem atraveacutes de declaraccedilotildees escritas ou
gestuais275
Por fim resta deixar claro que este direito ao silecircncio consagrado no artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal natildeo pode ser visto como direito absoluto Na verdade este direito do
arguido estaacute submetido a algumas restriccedilotildees no processo penal276 nomeadamente no que
toca agrave sua identificaccedilatildeo pessoal (aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)277 Tanto em
sede de primeiro interrogatoacuterio judicial (nordm 3 do artigo 141ordm do CPP) como em fase de
julgamento (artigo 342ordm do CPP) o arguido eacute obrigado a responder com verdade acerca
da sua identificaccedilatildeo sob pena de incorrer em crime de desobediecircncia (artigo 349ordm do
Coacutedigo Penal) ou falsas declaraccedilotildees (artigo 359ordm do Coacutedigo Penal)
272 Pinto 2013 108-109 273 Silva Dias 2010 244 274 Saacute 2004 188 Neste sentido vai tambeacutem Augusto Silva Dias quando afirma que ldquo[hellip] uma compreensatildeo
do problema menos legal-positivista e mais sensiacutevel agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos obriga a considerar que a
garantia vigora tambeacutem perante outros actos comunicativos (orais escritos gestuais) atraveacutes dos quais o
suspeito pode contribuir para a sua proacutepria inculpaccedilatildeordquo Cf Silva Dias 2010 244 275 ldquoAs manifestaccedilotildees verbais natildeo satildeo as uacutenicas formas em que se apresenta o princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo pois atraveacutes de outras condutas eacute possiacutevel produzir prova de caraacutecter incriminatoacuterio
utilizaacutevel contra quem a produziurdquo Cf Cruz Bucho 2013 30 276 Sousa Mendes 2017 210 277 Curado 2012 262-263
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Agrave semelhanccedila do direito ao silecircncio tambeacutem o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
sentido estrito natildeo poderaacute ser considerado como um direito absoluto278 A tiacutetulo de
exemplo podemos mencionar a possibilidade de sujeiccedilatildeo a exames consagrada no artigo
172ordm do Coacutedigo de Processo Penal como sendo uma clara limitaccedilatildeo ao direito de natildeo
facultar provas contra si proacuteprio Voltaremos a este tema mais adiante
22 Fundamentos juriacutedicos
Actualmente natildeo eacute tanto o reconhecimento legal e constitucional do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare que suscita dificuldades quanto a determinaccedilatildeo exacta do seu
fundamento e conteuacutedo
Eacute usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo tenetur em duas espeacutecies
distintas concebendo-o alternativamente como direito material de liberdade (corrente
substantiva) ou como garantia processual fundamental (corrente processual)279
Segundo a corrente substantiva defendida pela doutrina maioritaacuteria alematilde o fundamento
deste princiacutepio estaria enraizado em alguns direitos fundamentais que fundar-se-iam
directamente na dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa Ainda dentro desta mesma corrente outros Autores concebem
aquele princiacutepio como reflexo dos direitos agrave integridade pessoal e ao desenvolvimento da
personalidade vertidos nos artigos 25ordm e 26ordm da CRP280
Por outro lado segundo a corrente processualista o direito ao silecircncio e agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo teriam a sua fonte juriacutedico-constitucional nas garantias processuais
reconhecidas ao arguido no texto constitucional designadamente no princiacutepio do
processo equitativo e no princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia consagrados
respectivamente no nordm 4 do artigo 20ordm e nos nos 2 e 8 do artigo 32ordm ambos da CRP281
Natildeo obstante os direitos do arguido consagrados nomeadamente no artigo 61ordm do
Coacutedigo de Processo Penal contribuiacuterem activamente para a protecccedilatildeo de direitos
fundamentais como a dignidade da pessoa humana estamos com Figueiredo Dias e Costa
278 Sousa Mendes 2017 210 Neste sentido cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de
Dezembro de 1995 disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html
[consultado em 18012017] Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 37298 de 13 de Maio de 1998
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19980372html [consultado em
18012017] 279 Oliveira Silva 2013 370 280 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 40 281 Menezes 2010 124-125
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Andrade quando defendem que o facto de estes direitos processuais serem ldquoum meio ou
forma de concretizar um determinado direito fundamental natildeo implica que este seja o seu
fundamento directo e imediato Desde logo se aponta que o proacuteprio conceito de dignidade
humana recobre de forma mediata toda a mateacuteria penal e processual penal de um Estado
de Direitordquo282 Assim apesar de se defender na doutrina portuguesa a corrente
processualista eacute tambeacutem aceite que o princiacutepio nemo tenetur protege reflexamente os
direitos fundamentais referidos pela corrente substantiva283
A jurisprudecircncia nacional nomeadamente a do Tribunal Constitucional vem concluir
que o princiacutepio nemo tenetur configura ldquouma componente das garantias de defesa
asseguradas no artigo 32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a protecccedilatildeo do arguido como
sujeito no processordquo284 Daqui decorre que a posiccedilatildeo do Tribunal Constitucional se
harmoniza com a posiccedilatildeo da doutrina optando tambeacutem pela corrente processualista do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare285
Eacute assim de concluir que em Portugal o entendimento maioritaacuterio defende que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare encontra o seu fundamento imediato nas garantias
processuais que a Constituiccedilatildeo impotildee no artigo 32ordm da Lei Fundamental cumprindo-se
de igual modo a exigecircncia constitucional de um processo penal equitativo prevista no nordm
4 do artigo 20ordm da CRP286
No entanto esta natildeo eacute uma questatildeo puramente teoacuterica pois como bem assinala Vacircnia
Costa Ramos se um direito fundado na dignidade da pessoa humana eacute ldquoum direito de
natureza tendencialmente absolutardquo jaacute um direito fundado em garantias processuais
poderaacute ser sujeito a certas limitaccedilotildeesrdquo287 Assim natildeo causa estranha afirmar na
decorrecircncia do que jaacute ficou escrito relativamente agraves limitaccedilotildees do direito ao silecircncio e do
direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo em sentido estrito que o proacuteprio princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo constitui um princiacutepio absoluto pelo que comporta restriccedilotildees
justificadas (vg al b) do nordm 3 do artigo 61ordm e artigo 172ordm ambos do CPP)288
282 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 41 283 Pinto 2013 106 284 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 69695 de 5 de Dezembro de 1995 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos19950695html [consultado em 18012017] 285 Pinto 2013 107 286 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 42 287 Ramos 2007 58 e 73 288 Cruz Bucho 2013 24
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23 Limitaccedilotildees
No processo acusatoacuterio coaduna-se a investigaccedilatildeo da verdade material aos pressupostos
do Estado de Direito limitando-a assim pela observacircncia escrupulosa dos direitos
liberdades e garantias dos cidadatildeos Desta forma natildeo causa estranheza que se assegure
ao arguido a posiccedilatildeo de sujeito289 dotado de um real e efectivo direito de defesa290
De facto o caminho trilhado por este processo penal reformulado vai no sentido de
assegurar ao arguido uma cada vez mais consistente e efectiva condiccedilatildeo de sujeito ao
inveacutes de mero meio de prova291 No entanto como jaacute tivemos oportunidade de analisar
ao longo da nossa investigaccedilatildeo muitas vezes o arguido no seio de uma investigaccedilatildeo
criminal acaba por ser sujeito a certas diligecircncias sendo utilizado como meio de
prova292293
Na doutrina Figueiredo Dias afasta a existecircncia de um dever abstracto de colaboraccedilatildeo do
arguido294 na medida em que exige que ldquoa utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova seja
sempre limitada pelo integral respeito da sua vontaderdquo adiantando ainda que ldquosoacute no
exerciacutecio de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja
tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui objecto do processordquo295 Na mesma esteira
mais recentemente Paulo Pinto de Albuquerque veio defender a ideia de que o arguido
289 ldquoO arguido eacute um sujeito processual e em regra natildeo pode ser utilizado contra sua vontade como fonte
de prova contra si mesmordquo Cf Palma 2009 1 Disponiacutevel em
httpwwwidpccptxmsfilesNewslettersBoletim_Ano1_Ed1_Dez08Jan09pdf [consultado em
19012017] Luiacutesa Neto por seu turno fala aqui no arguido como o ldquolegislador de si mesmordquo Cf Neto
2004 188 290 Rodrigues 2002 549 291 Figueiredo Dias 1997 26 Neto 1997 184-185 292 ldquoSubmetido ao processo agraves ordens do tribunal e susceptiacutevel de sofrer medidas coactivas ele [o arguido]
encontra-se nessa medida certamente numa situaccedilatildeo passiva obrigado a sofrer na sua proacutepria pessoa
investigaccedilotildees de prova (os exames) e autor de declaraccedilotildees com valor probatoacuterio ele eacute tambeacutem meio de
prova Mas nem por isso ele poderaacute deixar de ser considerado como sujeito do processordquo Cf Castanheira
Neves 1968 166 Figueiredo Dias segue igualmente este pensamento defendendo que ldquoNatildeo quer isto dizer
que o arguido natildeo possa em termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa ser objecto de medidas
coactivas e constituir ele proacuteprio um meio de prova Quer dizer sim que as medidas coactivas e
probatoacuterias que sobre ele se exerccedilam natildeo poderatildeo nunca dirigir-se agrave extorsatildeo de declaraccedilotildees ou de qualquer
forma de autoincriminaccedilatildeo [hellip]rdquo Cf Figueiredo Dias 2004 430 293 Neste sentido Roxin afirma que no processo penal alematildeo se tem debatido sobre o confronto entre a
descoberta da verdade e os interesses do arguido ldquoEm qualquer sistema legal de um Estado de Direito a lei processual penal estaacute obrigada a contrabalanccedilar a investigaccedilatildeo criminal e os interesses do arguido acusado
de determinado delito onde a sua privacidade estaacute em causa O processo penal alematildeo eacute um exemplo tiacutepico
da constante luta entre essas demandas conflituantes Assim enquanto a maioria da jurisprudecircncia faz
esforccedilos no sentido de reforccedilar a protecccedilatildeo do arguido a legislaccedilatildeo mais recente revela uma tendecircncia de
alcance cada vez maior para a admissatildeo de medidas que interferem com o campo da personalidaderdquo Cf
Roxin 2009 87 294 Neste sentido cf Sousa Mendes 2007 609 ldquo[hellip] o arguido natildeo eacute um colaborador das autoridades
judiciaacuterias e dos OPC para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da justiccedilardquo 295 Figueiredo Dias 1997 27-28
90
natildeo tem um ldquodever de colaboraccedilatildeo com o tribunal ou o MP com vista agrave descoberta da
verdade material e agrave boa decisatildeo da causa (nemo tenetur se ipsum accusare) dado o seu
direito constitucional ao silecircncio (nordm 1 do artigo 32ordm da CRP)rdquo296
Natildeo obstante a inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal
natildeo significa que natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur apresentando a
doutrina vaacuterios exemplos a) o direito ao silecircncio natildeo assiste ao arguido relativamente agraves
perguntas sobre a sua identidade tendo inclusive o dever de responder a elas com
verdade nos termos da aliacutenea b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP b) a obrigatoriedade de
realizar determinadas periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) c) a
obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a exames no acircmbito de periacutecias meacutedico-legais quando
ordenados pela autoridade judiciaacuteria competente prevista pela Lei nordm 452004 de 29 de
Agosto297 d) a obrigatoriedade de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova decorrente do
consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP298
No que concerne agrave jurisprudecircncia o Tribunal Constitucional jaacute deixou claro que tem sido
ldquoreconhecido que o direito agrave natildeo autoincriminaccedilatildeo natildeo tem um caraacutecter absoluto podendo
ser legalmente restringido em determinadas circunstacircncias (vg a obrigatoriedade de
realizaccedilatildeo de determinados exames ou diligecircncias que exijam a colaboraccedilatildeo do arguido
mesmo contra a sua vontade)rdquo299
Assim podemos concluir no seguimento do defendido por Figueiredo Dias que o
arguido pode constituir meio de prova num duplo sentido a) em sentido material atraveacutes
das declaraccedilotildees prestadas sobre os factos b) em sentido formal na medida em que o seu
corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de periacutecias exames ou outras diligecircncias
de prova (artigo 151ordm artigo 172ordm e al d) do nordm 1 do artigo 61ordm todos do CPP) 300
Chegados a este ponto e atendendo aos dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo do smartphone -
a palavra-passe e a impressatildeo digital - podemos afirmar que a acccedilatildeo de fornecimento da
palavra-passe agraves autoridades judiciaacuterias seria sem margem para duacutevidas reconduziacutevel agrave
conduta de prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees sobre os factos (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Contrariamente no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da impressatildeo
296 Albuquerque 2011 48 e 183 297 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 44-45 298 Marques da Silva 2010 318 299 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 19012017] 300 Figueiredo Dias 2004 438-439
91
digital natildeo podemos defender que esta acccedilatildeo poderaacute ser reconduzida a uma qualquer
prestaccedilatildeo de declaraccedilatildeo Assim resta-nos saber seraacute a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da
impressatildeo digital uma periacutecia um exame uma outra diligecircncia de prova ou nenhuma das
anteriores
Para que possamos responder com clareza a esta questatildeo iremos no proacuteximo ponto fazer
uma breve anaacutelise ao regime das periacutecias e exames (artigos 151ordm a 172ordm do CPP) e agraves
diligecircncias de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Como jaacute tivemos oportunidade de enfatizar anteriormente o facto de o arguido ser
considerado um sujeito do processo penal natildeo significa que natildeo possa em determinados
termos demarcados pela lei por forma estrita e expressa constituir ele proacuteprio um meio
de prova Desta forma sobre o arguido recai o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova
especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm do CPP) considerando-se como tais as diligecircncias de prova que natildeo forem
proibidas por lei e que sejam necessaacuterias para a descoberta da verdade e a realizaccedilatildeo da
justiccedila301
Natildeo obstante este dever de sujeiccedilatildeo que recai sobre o arguido o mesmo natildeo significa que
o arguido natildeo se possa opor agrave realizaccedilatildeo dessas diligecircncias quando forem manifestamente
ilegais vg por atentatoacuterias de direitos fundamentais e de nessa medida recorrer aos
meios que a lei lhe confere nomeadamente o de recurso judicial O que a aliacutenea d) do nordm
3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal prevecirc eacute que pressupondo que o meio de
prova seja legal o arguido deve sujeitar-se agrave diligecircncia302 Assim a obrigaccedilatildeo que
impende sobre o arguido de se sujeitar a diligecircncias de prova tem de ser temperada com
o direito fundamental da natildeo-autoincriminaccedilatildeo porque ele natildeo pode ser objecto de prova
instrumento abusivo da sua proacutepria condenaccedilatildeo ou de qualquer forma obrigado a
contribuir para estabelecer a sua proacutepria culpabilidade303
A sujeiccedilatildeo coerciva do arguido a diligecircncias de prova tem caraacutecter excepcional na estrita
medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova devendo observar-se quanto
301 Garrett 2007 15 302 Monte 2006 254-255 303 Garrett 2007 17
92
agrave sua utilizaccedilatildeo os mesmos princiacutepios que regem a aplicaccedilatildeo da medida de coacccedilatildeo da
prisatildeo preventiva304
Algumas diligecircncias de prova a que o arguido pode ser sujeito estatildeo expressamente
previstas no Coacutedigo de Processo Penal nomeadamente a periacutecia (artigo 151ordm e seguintes
do CPP) e o exame (artigo 171ordm e seguintes do CPP)
O Coacutedigo de Processo Penal enquadrou a periacutecia no acircmbito dos meios de prova referindo
no seu artigo 151ordm que ldquoa prova pericial tem lugar quando a percepccedilatildeo ou apreciaccedilatildeo dos
factos exigirem especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticosrdquo A periacutecia
surge assim como um meio de prova auxiliar facultando agrave entidade responsaacutevel pela
decisatildeo a proferir elementos de que esta careccedila e que sejam necessaacuterios agrave percepccedilatildeo ou
apreciaccedilatildeo dos factos305
No que agrave doutrina diz respeito no entender de Germano Marques da Silva ldquoa qualificaccedilatildeo
que melhor cabe agrave periacutecia eacute efectivamente a de meio de prova pessoalrdquo sendo o seu
objecto ldquoa percepccedilatildeo dos factos ou a sua valoraccedilatildeordquo uma vez que ldquoo perito pode descobrir
meios de prova recorrendo a meacutetodos cientiacuteficos uacutenicos a permitirem a sua apreensatildeo ou
pode exigir-se ao perito natildeo a descoberta dos factos probatoacuterios mas apenas a sua
apreciaccedilatildeordquo306 Na mesma esteira Manuel Andrade defende a ideia de que a periacutecia
ldquotraduz-se na percepccedilatildeo por meio de pessoas idoacuteneas para tal efeito designadas de
quaisquer factos presentes quando natildeo possa ser directa e exclusivamente realizada pelo
juiz por necessitar de conhecimentos cientiacuteficos ou teacutecnicos especiais ou por motivos de
decoro ou de respeito pela sensibilidade (legiacutetima susceptibilidade) das pessoas em quem
se verificam tais factos ou na apreciaccedilatildeo de quaisquer factos (na determinaccedilatildeo das ilaccedilotildees
que deles se possam tirar acerca doutros factos) caso dependa de conhecimentos daquela
ordem isto eacute de regras de experiecircncia que natildeo fazem parte da cultura geral ou experiecircncia
comum que pode e deve presumir-se no juiz como na generalidade das pessoas instruiacutedas
e experimentadasrdquo307
304 Monte 2006 252 Garrett 2007 16 305 Cf Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Repuacuteblica P000642006 de 2 de
Novembro de 2006 disponiacutevel em httpwwwministeriopublicoptiframepareceres-do-conselho-
consultivo-da-pgr [consultado em 23012017] 306 Marques da Silva 2011 197-198 307 Andrade 1979 261
93
Em sentido inverso o exame eacute um meio de obtenccedilatildeo de prova (e natildeo um meio de prova
como a periacutecia) destinado a recolher vestiacutegios materiais de factos com relevacircncia penal
em ordem agrave determinaccedilatildeo das circunstacircncias da praacutetica e da respectiva autoria308
No mesmo sentido vai a lei quando aponta que os exames tecircm por finalidade inspeccionar
ldquoos vestiacutegios que possa ter deixado o crime e todos os indiacutecios relativos ao modo e ao
lugar onde foi praticado agraves pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometidordquo (nordm
1 do artigo 171ordm do CPP)309
O exame visa a detecccedilatildeo de vestiacutegios a periacutecia visa a avaliaccedilatildeo desses mesmos vestiacutegios
(vg dactiloscopia310)
Um ponto fundamental a ter em consideraccedilatildeo em mateacuteria de sujeiccedilatildeo a exames tem que
ver com a sua obrigatoriedade (nordm 1 do artigo 172ordm do CPP) Este princiacutepio expressa-se
na possibilidade de a autoridade judiciaacuteria competente compelir o arguido agrave observacircncia
de tais obrigaccedilotildees ainda que condicionadas (no caso de exame susceptiacutevel de ofender o
pudor das pessoas) ao respeito pela intimidade e dignidade da pessoa a examinar natildeo se
permitindo assistentes aleacutem da proacutepria autoridade judiciaacuteria ou de pessoa de confianccedila
do visado que este venha a indicar (nordm 3 do artigo 172ordm do CPP)
Contrariamente agraves periacutecias os exames natildeo supotildeem a existecircncia de especiais
conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos No entanto a mera detecccedilatildeo (e natildeo
avaliaccedilatildeo) de vestiacutegios que exija especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos eacute ainda um exame Assim tambeacutem a avaliaccedilatildeo de vestiacutegios que natildeo exija
especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou artiacutesticos isto eacute que apenas exija
conhecimentos comuns natildeo eacute uma periacutecia mas um exame311
Figueiredo Dias fala aqui de uma dupla natureza dos exames visto que satildeo ldquo[hellip] por um
lado meios de prova enquanto neles se faccedila avultar o juiacutezo que se emite sobre as
qualidades ou caracteriacutesticas de uma pessoa ie enquanto neles se tenha primacialmente
em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de inspecccedilatildeo ou periacutecia na medida
308 Simas SantosLeal-HenriquesSimas Santos 2010 226-227 309 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 23012017] 310 A dactiloscopia assenta na comparaccedilatildeo das marcas digitais colhidas directamente dos objectos por
teacutecnicas cada vez mais apuradas com as impressotildees digitais constantes dos ficheiros policiais para o
estabelecimento da coincidecircncia (match) das respectivas formas as quais satildeo absolutamente originais em
cada ser humano Cf Oliveira 2008 134-135 311 Albuquerque 2011 434
94
poreacutem em que o objecto do exame seja uma pessoa que assim se vecirc constrangida a sofrer
ou a suportar uma actividade de investigaccedilatildeo sobre si mesma o exame constitui um
verdadeiro meio de coacccedilatildeo processualrdquo312
Depois de analisadas as figuras da diligecircncia de prova periacutecia e exame podemos concluir
que a recolha de impressotildees digitais313 eacute um exame314 Isto porque a sua detecccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo natildeo supotildee a existecircncia de especiais conhecimentos teacutecnicos cientiacuteficos ou
artiacutesticos sendo apenas exigiacuteveis conhecimentos comuns ao niacutevel da anatomia humana
Natildeo obstante o que foi dito ateacute agora sobre diligecircncias de prova periacutecias e exames e
nomeadamente sobre o facto de a recolha de impressotildees digitais ser um exame surge-
nos a questatildeo em caso de necessidade de desencriptaccedilatildeo por impressatildeo digital de um
smartphone (no caso concreto da marca Apple) seria esta recolha de impressotildees digitais
(exame) suficiente para o seu desbloqueio
A esta pergunta teremos de responder negativamente Tal como deixamos claro no
Capiacutetulo III do presente estudo e atendendo ao caso concreto do iPhone a tecnologia
usada no fabrico do Touch ID eacute uma das formas mais avanccediladas de hardware e software
alguma vez implementada num smartphone O sensor consegue captar uma imagem de
alta resoluccedilatildeo das camadas subepideacutermicas da pele localizadas em pequenas secccedilotildees da
impressatildeo digital impossibilitando assim que uma reacuteplica da impressatildeo digital do arguido
seja eficaz para a sua desencriptaccedilatildeo
Desta forma a uacutenica maneira eficiente de desencriptar o smartphone seria atraveacutes da
coacccedilatildeo do arguido no sentido de colocar o seu dedo no sensor Mas neste caso
estaremos perante uma periacutecia ou um exame
Ora o acto (compelido) de colocar o dedo no sensor de um smartphone natildeo pode ser
considerado pelo que analisaacutemos anteriormente nem uma periacutecia nem um exame nem
uma declaraccedilatildeo verbal (vg fornecimento da palavra-passe) mas sim uma outra diligecircncia
312 Figueiredo Dias 2004 438-439 313 As impressotildees digitais satildeo consideradas como um vestiacutegio morfoloacutegico Neste sentido cf Ferreira
2014 81 ldquoOs vestiacutegios que podem ser detectados ou ateacute mesmo avaliados em sede de exame podem ser
classificados como fiacutesicos ou materiais (materialmente individualizaacuteveis) ou psiacutequicos ou imateriais
(condutas comportamentais psiacutequicas ou de personalidade) Os vestiacutegios fiacutesicos podem ser divididos em
orgacircnicos ou bioloacutegicos (saliva seacutemen sangue urina secreccedilotildees unhas plantas insectos estupefacientes
entre outros) natildeo orgacircnicos ou natildeo bioloacutegicos (instrumentos fragmentos solos tintas vidros gases
explosivos venenos papel documentos entre outros) morfoloacutegicos (impressotildees digitais palmares e
plantares pegadas rastos marcas de objectos vestiacutegios baliacutesticos entre outros)rdquo 314 Albuquerque 2011 435
95
de prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP)315 relativamente agrave qual natildeo cabe invocar
o direito ao silecircncio (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP)
Chegados a este ponto resta-nos concluir que ao passo que o fornecimento da palavra-
passe para a desencriptaccedilatildeo de smartphone se reconduz a um acto comunicativo ou
declarativo (al d) do nordm 1 do artigo 61ordm do CPP) a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes
da colocaccedilatildeo do dedo no sensor para a leitura da impressatildeo digital seraacute uma diligecircncia de
prova (al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) E como jaacute deixamos claro nas paacuteginas
anteriores a aacuterea de abrangecircncia do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo se
restringe agraves declaraccedilotildees orais ndash nomeadamente ao fornecimento de palavra-passe -
proferidas pelo arguido
No entanto conforme assinala Costa Andrade importa reconhecer que existe uma ldquozona
de fronteira e concorrecircncia entre o estatuto do arguido como sujeito processual e o seu
estatuto como objecto de medidas de coacccedilatildeo ou meios de prova Nesta zona cinzenta
deparam-se natildeo raramente situaccedilotildees em que natildeo eacute faacutecil decidir quando se estaacute ainda no
acircmbito [hellip]rdquo de uma diligecircncia de prova admissiacutevel mesmo se coactivamente imposta
ldquo[hellip] ou quando inversamente se invade jaacute o campo da inadmissiacutevel autoincriminaccedilatildeo
coercivardquo316 Assim a legitimidade destas diligecircncias depende da questatildeo de saber se a
sua realizaccedilatildeo ainda eacute compatiacutevel com o estatuto de sujeito processual do arguido ou se
traduz antes uma degradaccedilatildeo deste agrave condiccedilatildeo de objecto do processo317
Eacute ainda de ressalvar que atendendo ao facto de que o proacuteprio direito ao silecircncio conferido
ao arguido em sede de processo criminal natildeo eacute absoluto ou seja pode ser limitado
podemos afirmar tambeacutem que o proacuteprio fornecimento de palavra-passe (declaraccedilatildeo) para
a desencriptaccedilatildeo de smartphone pode gerar algumas duacutevidas nomeadamente quanto agrave
questatildeo de saber ateacute que ponto estaacute ou natildeo violado o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
nesta situaccedilatildeo
Por conseguinte coloca-se a pergunta de que criteacuterio ou criteacuterios deve entatildeo o inteacuterprete
socorrer-se para aquilatar se a revelaccedilatildeo da palavra-passe ou a desencriptaccedilatildeo por leitura
315 Em sentido semelhante mas relativamente agrave recolha de autoacutegrafos Cruz Bucho afirma que ldquo[hellip] num
caso de recolha de autoacutegrafos natildeo estamos perante declaraccedilotildees verbais do arguido mas sim perante uma
diligecircncia de prova relativamente agrave qual natildeo cabe invocar o direito ao silecircnciordquo Cf Cruz Bucho 2013 34 316 Costa Andrade 1992 127 317 Silva DiasRamos 2009 21-22
96
da impressatildeo digital do arguido se encontram ou natildeo abrangidos pelo princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare
Para respondermos a esta questatildeo analisaremos no proacuteximo ponto os criteacuterios
apresentados pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e internacionais
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare
A delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare eacute como se intui tarefa
revestida da maior dificuldade e simultaneamente do mais significativo relevo Para o
efeito impotildee-se a definiccedilatildeo de um criteacuterio apto a discernir nas zonas criacuteticas de fronteira
entre a colaboraccedilatildeo coercivamente imposta proibida e a colaboraccedilatildeo coercivamente
imposta permitida318
Tanto a doutrina quanto a jurisprudecircncia nacionais e internacionais tecircm admitido
diferentes criteacuterios para a determinaccedilatildeo da violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Analisaremos de seguida os trecircs criteacuterios defendidos
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido
Segundo o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido estariam fora
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare prestaccedilotildees pessoais exigidas sobre ameaccedila
de sanccedilatildeo mas independentes da vontade do sujeito que natildeo passam por uma colaboraccedilatildeo
espiritual da sua parte319
Este criteacuterio foi defendido inuacutemeras vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH) sendo que o caso emblemaacutetico que lhe deu origem foi o caso Saunders v Reino
Unido320 Ernest Saunders administrador executivo da sociedade Guinness PLC foi
condenado no sistema judicial britacircnico a cinco anos de prisatildeo por conspiraccedilatildeo no crime
de falsificaccedilatildeo de balanccedilo (false accounting) e noutros crimes patrimoniais comuns
(thefts) todos relacionados com uma oferta puacuteblica de aquisiccedilatildeo sobre a Distillers
Company PLC em competiccedilatildeo com a Argyll Group PLC O Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos teve de decidir sobre a queixa de Saunders fundada no facto de terem
318 Oliveira Silva 2013 375-376 319 Cruz Bucho 2013 35 320 Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
97
sido usadas como prova num processo-crime subsequente as declaraccedilotildees que ele prestara
sob coerccedilatildeo (ie sob cominaccedilatildeo de desobediecircncia) em procedimento de investigaccedilatildeo
administrativo aos inspectores do Ministeacuterio do Comeacutercio e Induacutestria britacircnico o que
violaria o seu direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo implicitamente consagrado nos nos 1 e 2
do artigo 6ordm da CEDH321
O TEDH comeccedilou por enunciar os corolaacuterios do processo equitativo (artigo 6ordm da CEDH)
ndash o direito ao silecircncio e a prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo ndash prosseguindo na sua
argumentaccedilatildeo322 afirmando que ldquo[hellip] o direito de natildeo contribuir para a sua proacutepria
incriminaccedilatildeo em especial pressupotildee que em mateacuteria penal a acusaccedilatildeo deve procurar
provar a sua argumentaccedilatildeo sem recorrer a elementos de prova obtidos mediante medidas
coercivas ou opressivas desrespeitando a vontade do arguido Neste sentido este direito
estaacute intimamente ligado ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado no paraacutegrafo
2ordm do artigo 6ordm da Convenccedilatildeordquo323 O douto Tribunal acrescenta ainda ndash numa foacutermula
que se tornou claacutessica pois perde-se a conta agraves vezes em que jaacute tem sido citada ndash que tal
como eacute comummente entendido na generalidade dos sistemas juriacutedicos das Partes
contratantes da Convenccedilatildeo o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo abrange a utilizaccedilatildeo
em quaisquer processos penais de elementos susceptiacuteveis de serem obtidos do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos contando que a respectiva existecircncia seja
ldquoindependente da vontade do suspeitordquo324 tais como documentos apreendidos em buscas
321 Sousa Mendes 2017 212 322 Ramos 2007 94 323 ldquoThe Court recalls that although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention (art 6) the
right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognised international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art 6) Their rationale lies inter
alia in the protection of the accused against improper compulsion by the authorities thereby contributing
to the avoidance of miscarriages of justice and to the fulfilment of the aims of Article 6 (art 6) (see the
above-mentioned John Murray judgment p 49 para 45 and the above-mentioned Funke judgment p 22
para 44) The right not to incriminate oneself in particular presupposes that the prosecution in a criminal
case seek to prove their case against the accused without resort to evidence obtained through methods of
coercion or oppression in defiance of the will of the accused In this sense the right is closely linked to the
presumption of innocence contained in Article 6 para 2 of the Convention (art 6-2)rdquo Cf paraacutegrafo 68 do
Acoacuterdatildeo Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017] 324 ldquoThe right not to incriminate oneself is primarily concerned however with respecting the will of an
accused person to remain silent As commonly understood in the legal systems of the Contracting Parties
to the Convention and elsewhere it does not extend to the use in criminal proceedings of material which
may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence
independent of the will of the suspect such as inter alia documents acquired pursuant to a warrant breath
blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testingrdquo Cf paraacutegrafo 69 do Acoacuterdatildeo
Saunders v Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-58009TID=thkbhnilzk [consultado em
25012017]
98
amostras de sangue ou de urina e tecidos corporais para testes de ADN325 Eacute evidente
portanto que os reconhecimentos ou intervenccedilotildees sobre o corpo humano com fins de
investigaccedilatildeo penal natildeo estatildeo protegidos pelo direito ao silecircncio agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo
ou a natildeo se confessar culpado326
O Tribunal decidiu por conseguinte que o princiacutepio do processo equitativo tal como
previsto no nordm 1 do artigo 6ordm da CEDH tinha sido violado Agrave conta do obter dictum sobre
as provas existentes independentemente da vontade do acusado327 o presente acoacuterdatildeo
tornar-se-ia o caso de referecircncia para a defesa do criteacuterio da dependecircncia e independecircncia
da vontade do arguido
Este criteacuterio voltou a ser utilizado nos casos Quinn v Irlanda328 PG et JH v Reino
Unido329 Shannon v Reino Unido330 e reafirmado no importante caso Jalloh v
Alemanha331 Neste uacuteltimo caso o TEDH procedeu agrave delimitaccedilatildeo do campo de aplicaccedilatildeo
do princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo consagrado no artigo 6ordm da Convenccedilatildeo
considerando que o mesmo apesar de se relacionar em primeira linha com o respeito pela
vontade do acusado em permanecer em silecircncio em face de perguntas que lhe satildeo
colocadas e de natildeo ser compelido a prestar declaraccedilotildees abrange ainda outros casos em
que a coacccedilatildeo tenha sido exercida pelas autoridades sobre o acusado para obter prova332
Os casos ainda abrangidos pelo acircmbito de incidecircncia do princiacutepio da natildeo-
autoincriminaccedilatildeo correspondem segundo o TEDH agraves hipoacuteteses de intimaccedilatildeo para
entrega atraveacutes de prendimentos coercivos de prova documental potencialmente
autoincriminatoacuteria natildeo se estendendo jaacute ao material susceptiacutevel de ser obtido do acusado
atraveacutes do exerciacutecio de poderes compulsivos mas cuja existecircncia eacute independente da
325 Costa 2011 156 326 Rodrigues 2008 197-198 327 Sousa Mendes 2017 214 328 Acoacuterdatildeo Quinn v Irlanda de 21 de Dezembro de 2000 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintengitemid[001-59098] [consultado em 25012017] 329 Acoacuterdatildeo PG e JH v Reino Unido de 25 de Setembro de 2001 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintappconversionpdflibrary=ECHRampid=002-5500ampfilename=002-
5500pdfampTID=ihgdqbxnfi [consultado em 25012017] 330 Acoacuterdatildeo Shannon v Reino Unido de 4 de Outubro de 2005 disponiacutevel em
httphudocechrcoeintwebservicescontentpdf001-70364TID=ihgdqbxnfi [consultado em
25012017] 331 Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 25012017] 332 Costa 2011 156 Ashworth 2008 773
99
vontade do suspeito tal como documentos apreendidos em buscas amostras de sangue
ou urina e tecidos corporais para testes de ADN333
No que concerne agrave jurisprudecircncia nacional tambeacutem o Tribunal Constitucional perfilhou
em tempos este entendimento ao sublinhar no seu Acoacuterdatildeo nordm 1552007 que entende
ldquo[hellip] que o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido
em natildeo prestar declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos
que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam
independentemente da vontade do sujeito como eacute o caso por exemplo e para o que agora
nos importa considerar da colheita de saliva para efeitos de realizaccedilatildeo de anaacutelises de
ADNrdquo334 O Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora acrescenta ainda que ldquoNa essecircncia o
privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo estaacute associado a um depoimento e natildeo a uma prova
de natureza fiacutesica mas abrange a obrigatoriedade de apresentaccedilatildeo de documentaccedilatildeo
incriminadorardquo335
Eacute tambeacutem este o criteacuterio adoptado maioritariamente pela doutrina e jurisprudecircncia norte-
americanas como jaacute tivemos oportunidade de mencionar no Capiacutetulo I da presente
investigaccedilatildeo No entanto a adopccedilatildeo deste criteacuterio em territoacuterio norte-americano faz-se
em termos ligeiramente diferentes aos defendidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos
A construccedilatildeo largamente dominante no contexto juriacutedico norte-americano assenta como
vimos anteriormente na dicotomia entre os elementos probatoacuterios de tipo declarativo
(testimonial) ou comunicativo (communicative) e os elementos probatoacuterios fiacutesicos
circunscrevendo-se agraves provas da primeira espeacutecie a operatividade do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo336
333 Criticando a distinccedilatildeo entre declaraccedilotildees orais e os elementos de prova enunciados com base no criteacuterio
da sua existecircncia independente da vontade do arguido cf Silva DiasRamos 2009 24 334 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 25012017] Neste
sentido vatildeo tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 15 de Novembro de 2011 disponiacutevel
em httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3475e69cdc8de87380257de10056f84a
OpenDocument [consultado 25012017] e o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 21 de Abril de
2015 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b21398dcfc4605f1980257e43003306a9
OpenDocument [consultado em 25012017] 335 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Eacutevora de 11 de Outubro de 2011 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrensf134973db04f39bf2802579bf005f080b3693bad042ba17bb80257de10056f62e
OpenDocument [consultado em 25012017] 336 Oliveira Silva 2013 376
100
Apesar da ratio do criteacuterio ser a mesma o sistema juriacutedico norte-americano natildeo faz
menccedilatildeo aos elementos probatoacuterios ldquodependentes da vontade do arguidordquo fazendo ao
inveacutes referecircncia aos elementos probatoacuterios que pressuponham o recurso ao ldquoconteuacutedo da
mente do arguidordquo337
Em uacuteltima anaacutelise podemos concluir que satildeo meramente duas expressotildees distintas - mas
integralmente interligadas - que culminam no mesmo entendimento nenhuma prova
incriminatoacuteria que dependa de alguma maneira inteiramente do arguido (da sua
mentevontade) pode ser compelida Quanto agrave interligaccedilatildeo ou se preferirmos agrave
subordinaccedilatildeo entre as duas expressotildees ndash dependecircncia da vontade do arguido e revelaccedilatildeo
do conteuacutedo da sua mente ndash fica claro que eacute necessaacuterio que se faccedila uso da vontade para
que algueacutem possa revelar ainda que coercivamente qualquer conteuacutedo da sua mente
Assim segundo este criteacuterio a recolha coerciva de um elemento probatoacuterio inteiramente
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) seraacute violadora do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo Por outro lado se essa recolha de prova natildeo estiver
dependente de alguma maneira do arguido (da sua mentevontade) podemos concluir
pela natildeo violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur
Chegados a este ponto resta-nos entatildeo apurar se a revelaccedilatildeo coagida da palavra-passe ou
a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo ou
natildeo condutas violadoras do princiacutepio nemo tenetur com base neste criteacuterio da dependecircncia
e independecircncia da vontade do arguido
No que concerne ao fornecimento coagido de palavra-passe para desencriptaccedilatildeo de um
smartphone a doutrina norte-americana tende a fazer uma analogia entre a palavra-passe
e uma combinaccedilatildeo de um cofre338 defendendo que o fornecimento da palavra-passe seraacute
um elemento probatoacuterio declarativo (testimonial) 339
337 Mesquita 2011 560 338 ldquoA passphrase is more analogous to a combination to a safe in the sense that both exist only in the mind
of the individualrdquo Cf Duong 2009 349-350 339 ldquoA combination metaphor to a safe more accurately captures a passwordrsquos testimonial nature because a combination is something that is in onersquos mindrdquo Cf Kiok 2015 77 Neste sentido vatildeo tambeacutem Wiseman
2014 29 Disponiacutevel em httpsworksbepresscomtimothy_wiseman2 [consultado em 26012017]
Thompson IIJaikaran 2016 12 Engel 2012 107-108 MohanVillasenor 2012 24-25 Poreacutem existe
alguma doutrina ainda que claramente minoritaacuteria que defende a ideia de que mesmo contra a vontade do
arguido a proacutepria revelaccedilatildeo pode ser legalmente compelida Cf Terzian 2014 305 Na esteira do
defendido pela maioria da doutrina norte-americana tambeacutem a jurisprudecircncia parece ir no mesmo sentido
ldquoforcing the Defendant to reveal the passwordhellip requires Defendant to communicate lsquoknowlegdersquordquo Cf
United States v Kirschner 2010 Disponiacutevel em
httpswwwravellawcomopinions789d10be33066b73e4377a26bf5c574a [consultado em 26012017]
101
O arguido ao fornecer sob coacccedilatildeo a palavra-passe que desencripta o seu smartphone
seja pela via oral escrita ou gestual estaraacute necessariamente a fazer uso da sua vontade
Ou seja para o fornecimento da palavra-passe o arguido tem de revelar o conteuacutedo da sua
mente e essa revelaccedilatildeo estaacute como jaacute adiantaacutemos anteriormente totalmente condicionada
pela sua vontade em auxiliar ou natildeo a investigaccedilatildeo340
Assim natildeo podemos caracterizar esta conduta de revelaccedilatildeo da palavra-passe seja de que
modo for como um qualquer acto fiacutesico independente da vontade do arguido341 Isto
porque seria impossiacutevel para as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a divulgar
algo sobre o qual tenha conhecimento342
Jaacute no que diz respeito agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo do dedo do
arguido no sensor para a leitura da sua impressatildeo digital o resultado eacute diacutespar Se por um
lado podiacuteamos fazer uma analogia entre a divulgaccedilatildeo da palavra-passe e a divulgaccedilatildeo de
uma combinaccedilatildeo de um cofre por outro podemos aqui falar segundo o entendimento da
doutrina norte-americana numa analogia entre a desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido e a entrega de uma chave de um cofre343
Contrariamente ao fornecimento de palavra-passe a desencriptaccedilatildeo do smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido configura um acto inteiramente fiacutesico
que compara apenas a impressatildeo digital lida com a impressatildeo digital armazenada no
dispositivo344 O acto de colocar o dedo no sensor do smartphone para possibilitar a sua
desencriptaccedilatildeo natildeo exige qualquer tipo de divulgaccedilatildeo do conteuacutedo da mente do
arguido345 E uma vez que as entidades judiciaacuterias podem simplesmente agarrar no dedo
ldquo[hellip] the production was testimonial because the decryption password require the appellant to use lsquothe
contents of the mindrsquo to produce information that could be incriminatingrdquo Cf Fisher v United States
1976 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus425391casehtml [consultado em
26012017] 340 Wiseman 2015 548-549 341 Bales 2012 1302-1303 342 Hustle 2014 2 Disponiacutevel em httprebelpunditcombiometrics-and-the-constitution-why-
fingerprints-are-less-secure-than-passwords [consultado em 26012017] ldquo[hellip] using a decryption
password requires sufficiently great mental use [hellip]rdquo Cf Terzian 2015 1136 343 Thompson IIJaikaran 2016 14 344 Sales 2014 222-223 345 Goldman 2015 218 Neste sentido vatildeo tambeacutem Silver 2012 814 Wilson 2015 28-29 Na esteira do
defendido pela doutrina tambeacutem a jurisprudecircncia norte-americana vem afirmar que ldquo[hellip] fingerprints are
not deemed testimonial and therefore not subject to Fifth Amendment protection [hellip] a fingerprint can be
compelled even though it is being used to open the cell phone The passcode is more like a combination to
a safe and the fingerprint is more like a keyrdquo Cf Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 2014
Disponiacutevel em httpsconsumermediallcfileswordpresscom201411245515028-fingerprint-unlock-
rulingpdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no Anexo I da presente Dissertaccedilatildeo Cf State
of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 2017 Disponiacutevel em httpmngovlaw-library-
102
do arguido e colocaacute-lo no sensor natildeo podemos semelhantemente falar numa
dependecircncia da sua vontade
Assim sendo a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido um acto fiacutesico independente da sua vontade podemos admitir que natildeo haveraacute
aqui segundo este criteacuterio uma violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Em sentido inverso o fornecimento da palavra-passe sendo um acto que depende
obrigatoriamente da vontade do arguido seraacute violador segundo este criteacuterio do princiacutepio
contra a autoincriminaccedilatildeo se for compelido pelas autoridades judiciaacuterias
Natildeo obstante o que ficou dito sobre o criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade
do arguido defendido tanto pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como pela
jurisprudecircncia e doutrina maioritaacuteria norte-americanas vaacuterias criacuteticas surgem contra esta
tese
De facto natildeo partilhamos desta linha argumentativa ndash fraacutegil no nosso entender -
defendida vaacuterias vezes pelo Tribunal Constitucional portuguecircs de que ldquoo direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo se refere ao respeito pela vontade do arguido em natildeo prestar
declaraccedilotildees natildeo abrangendo [hellip] o uso em processo penal de elementos que se tenham
obtido do arguido por meio de poderes coercivos mas que existam independentemente
da vontade do sujeitordquo346
Esta concepccedilatildeo altamente restritiva do conceito do nemo tenetur se ipsum accusare
permite que o arguido seja o objecto de prova em todas as situaccedilotildees nas quais natildeo se exija
a prestaccedilatildeo de declaraccedilotildees O princiacutepio ficaria cingido agraves declaraccedilotildees orais coincidindo
praticamente com o direito ao silecircncio347 E limitar o princiacutepio ao direito ao silecircncio eacute
desprovecirc-lo de todo o seu conteuacutedo e alcance praacutetico348
Por outro lado parece irrefutaacutevel que as declaraccedilotildees orais natildeo satildeo o uacutenico meio atraveacutes
do qual algueacutem se pode autoincriminar jaacute que natildeo se vecirc como algueacutem que eacute alvo de uma
qualquer ingerecircncia corporal natildeo estaraacute a contribuir para a sua autoincriminaccedilatildeo
sobretudo se a prova a final apenas vier a assentar em tal meio de prova que de outro
statarchivectappub2017OPa152075-011717pdf [consultado em 26012017] Pode ser consultado no
Anexo II da presente Dissertaccedilatildeo 346 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 31012017] 347 Silva DiasRamos 2009 24 348 Cruz 2011 71
103
modo natildeo existiria Do que se trata eacute de se colocar a ldquofalar o corpordquo quando o titular
desse corpo pretende calar349
Posto isto analisadas que estatildeo as criacuteticas relativas a este criteacuterio passaremos agrave
apreciaccedilatildeo de um segundo criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia nacionais e
internacionais
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva
O segundo criteacuterio adoptado pelo Tribunal Constitucional alematildeo e pela generalidade da
doutrina alematilde assenta na distinccedilatildeo entre conduta activa e toleracircncia passiva De acordo
com este criteacuterio ningueacutem poderaacute ser coactivamente obrigado a contribuir activamente
para a sua proacutepria condenaccedilatildeo em processo criminal350 - seja declarando contra si mesmo
seja realizando algum outro tipo de actividade que contribua para a investigaccedilatildeo e
comprovaccedilatildeo do crime imputado
No panorama juriacutedico alematildeo a doutrina tradicional e (ainda) dominante aponta como
criteacuterio delimitador do princiacutepio nemo tenetur a ldquoqualidade da condutardquo
(ldquoHandlungsqualitaumltrdquo) esperada do arguido distinguindo entre os meros deveres de
toleracircncia passiva (ldquopassive Duldungspflichtenrdquo) e as obrigaccedilotildees de colaboraccedilatildeo activa
(ldquoaktive Mitwirkungspflichtenrdquo)351 A colaboraccedilatildeo activa seraacute segundo esta doutrina
tradicional inexigiacutevel ao arguido existindo um direito de oposiccedilatildeo agrave colaboraccedilatildeo activa
(Mitwirkungsverweigerungsrecht) porquanto esta seria violadora do princiacutepio nemo
tenetur se ipsum accusare352
Nesta esteira de ideias se ao arguido se impusesse a colaboraccedilatildeo mediante uma conduta
activa tal seria susceptiacutevel de ferir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo se ao inveacutes se
lhe impusesse meramente que tolerasse uma determinada actividade natildeo haveria
qualquer colisatildeo com o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo que lhe assiste natildeo configurando
assim uma manifestaccedilatildeo inadmissiacutevel de autoincriminaccedilatildeo353
A referida diferenciaccedilatildeo fenomenoloacutegica assenta na premissa filosoacutefica de que a
liberdade de vontade constitui a expressatildeo mais nuclear da personalidade humana por
349 Rodrigues 2008 198 350 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 3402013 de 17 de Junho de 2013 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130340html [consultado em 31012017] 351 Oliveira Silva 2013 376-377 352 Pinto 2013 97 353 Agostinho 2014 112
104
contraposiccedilatildeo com a existecircncia fiacutesicacorpoacuterea E tem como certa a ideia de que a
autonomia pessoal eacute mais severamente atingida se o arguido for forccedilado a colaborar com
o Estado na proacutepria perseguiccedilatildeo criminal sob a forma de uma acccedilatildeo positiva do que nos
casos em que o seu corpo eacute simplesmente manipulado pelas autoridades impondo-se-lhe
o dever de tolerar a intervenccedilatildeo (mas jaacute natildeo a de coadjuvar)354
Claus Roxin defensor desta teoria adianta que o arguido natildeo tem o dever de auxiliar as
autoridades judiciaacuterias de forma activa no entanto deve tolerar natildeo apenas as
investigaccedilotildees relativas agrave sua vida privada mas tambeacutem as intervenccedilotildees fiacutesicas sobre o
seu corpo que podem facilmente consubstanciar uma contribuiccedilatildeo decisiva para a prova
da sua culpabilidade355
Eacute de notar que o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto num acoacuterdatildeo relativamente recente parece
acolher esta distinccedilatildeo356 Neste caso jurisprudencial estaria em causa a legitimidade da
recusa do arguido em se sujeitar agrave recolha de autoacutegrafos e a legitimidade da cominaccedilatildeo
dessa recusa com o crime de desobediecircncia No acoacuterdatildeo recorrido o Tribunal de 1ordf
instacircncia afasta categoricamente toda a colaboraccedilatildeo qualificada como activa O acoacuterdatildeo
do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto acaba por confirmar o acoacuterdatildeo recorrido mas eacute mais
comedido do que o Tribunal de 1ordf instacircncia temperando o argumento da colaboraccedilatildeo
activa com o princiacutepio da legalidade357
Fazendo apelo a este segundo criteacuterio importa agora perceber se o fornecimento da
palavra-passe e a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da impressatildeo digital seriam ou natildeo condutas
violadoras do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
As coisas satildeo particularmente oacutebvias quando se trata de obter por coacccedilatildeo declaraccedilotildees
incriminadoras do arguido358 Assim segundo o criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva o arguido natildeo poderaacute ser compelido a revelar a palavra-passe que desencripta o
seu smartphone essencial para os investigadores criminais terem raacutepido acesso agrave
354 Oliveira Silva 2015 575-576 355 Cf Roxin 2009 98 356 ldquoMesmo que o recorrente natildeo concorde natildeo podemos esquecer que aqui a recolha de autoacutegrafos implica uma acccedilatildeo positiva do arguido (contra a sua vontade) que natildeo se confunde com ldquoo mero tolerar passivo da
actividade de terceirordquo vg que decorre da execuccedilatildeo de decisatildeo de juiz a ldquocompelirrdquo agrave sujeiccedilatildeo a exame
tal como hoje se prevecirc expressamente nos nos 1 e 2 do artigo 172ordm do CPP (estabelecendo-se ainda que eacute
correspondentemente aplicaacutevel o disposto no nordm 2 do artigo 154ordm e nos nos 5 e 6 do artigo 156ordm do mesmo
coacutedigo)rdquo Cf Acoacuterdatildeo da Relaccedilatildeo do Porto de 28 de Janeiro de 2009 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdff861aadc84da529a8025754e0054040e
OpenDocument [consultado em 31012017] 357 Pinto 2013 97-98 358 Costa Andrade 1992 128
105
informaccedilatildeo nele contida por ser ilegitimamente obrigado a colaborar ou a contribuir
activamente para a sua incriminaccedilatildeo359
Quanto agrave desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
a situaccedilatildeo eacute mais duacutebia Isto porque como frisaacutemos anteriormente o arguido pode por
sua livre vontade colocar o dedo no sensor para permitir a leitura da sua impressatildeo digital
possibilitando assim a desencriptaccedilatildeo do dispositivo No entanto o mesmo arguido pode
optar por se opor a colocar o dedo no sensor restando agraves autoridades a alternativa de
forccedilarem a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da colocaccedilatildeo coactiva do seu dedo no
sensor E se por um lado podemos classificar a primeira conduta como uma conduta
activa por outro podemos qualificar a segunda como uma conduta passiva
A desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido eacute um
exemplo tiacutepico de uma das criacuteticas feitas a este criteacuterio da conduta activa e toleracircncia
passiva um criteacuterio que estaacute longe de concitar um aplauso paciacutefico entre Autores e
tribunais Eacute certo que ldquofazerrdquo eacute diferente de ldquodeixar fazerrdquo que o direito (nomeadamente
o direito penal) valora de modo diferente condutas activas e condutas omissivas No
entanto este criteacuterio de averiguaccedilatildeo da conformidade com o princiacutepio nemo tenetur
manifesta-se insatisfatoacuterio360
Na verdade este segundo criteacuterio tem sido qualificado como simplista e de difiacutecil
aplicaccedilatildeo praacutetica361 pela dificuldade em diferenciar sob o prisma fenomenoloacutegico entre
actos de colaboraccedilatildeo activa e meros estados passivos de toleracircncia362
Acompanhamos Wolfslast quando afirma que ldquonatildeo se eacute apenas instrumento da proacutepria
condenaccedilatildeo quando se colabora mediante uma conduta activa querida e livre mas
tambeacutem quando [hellip] contra vontade uma pessoa tem de tolerar que o proacuteprio corpo seja
utilizado como meio de provardquo363 De resto acrescenta seraacute difiacutecil discernir porque eacute que
a dignidade humana do arguido soacute eacute atingida quando forccedilado a uma acccedilatildeo e natildeo jaacute quando
compelido a ter de tolerar uma acccedilatildeo O tormento a humilhaccedilatildeo de ter de ser instrumento
contra si proacuteprio podem em caso de passividade forccedilada e verificadas certas
circunstacircncias ser maiores do que em caso de colaboraccedilatildeo activa364
359 Haddad 2003 42-43 360 Fidalgo 2006 141 361 Cruz Bucho 2013 46 Pinto 2013 98 362 Oliveira Silva 2015 580 363 Wolfslast 1987 103 364 Wolfslast 1987 104
106
Como bem refere Sandra Oliveira e Silva ldquoa distinccedilatildeo conceitual-positivista entre acccedilatildeo
e omissatildeo eacute inadequada para estabelecer valoraccedilotildees juriacutedicas distintas Em causa estatildeo
conceitos intercambiaacuteveis de acordo com a conclusatildeo pretendida pelo inteacuterprete E ainda
que se pudesse obter um consenso sobre o sentido a adoptar em cada caso natildeo deixa de
ser possiacutevel interpretar indistintamente determinados comportamentos como acccedilatildeo ou
omissatildeo e as correspondentes obrigaccedilotildees como importando uma colaboraccedilatildeo activa ou
uma simples toleracircncia passivardquo365
No que concerne agraves inconsistecircncias deste criteacuterio no plano teoacuterico importa voltar a
mencionar a ideia de que o nemo tenetur pretende preservar o arguido do ldquotrilemardquo da
escolha entre trecircs males poupaacute-lo agrave experiecircncia degradante de ser obrigado a colocar nas
matildeos das autoridades de perseguiccedilatildeo criminal o material probatoacuterio para a sua
incriminaccedilatildeo366 Acreditamos na esteira do defendido por Sandra Oliveira e Silva que eacute
difiacutecil discernir as razotildees pelas quais o sentimento de humilhaccedilatildeo soacute se manifesta se o
arguido for obrigado a entregar o material incriminador pelos seus proacuteprios meios e natildeo
tambeacutem nas hipoacuteteses em que as informaccedilotildees satildeo extraiacutedas agrave forccedila do seu corpo367
nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo da sua impressatildeo digital para desencriptar um
smartphone onde estaratildeo armazenadas informaccedilotildees iacutentimas e possivelmente
incriminatoacuterias Quer no caso de uma conduta activa quer no caso de toleracircncia passiva
o arguido tem plena consciecircncia de ser obrigado a contribuir contra a sua vontade para a
obtenccedilatildeo de provas incriminatoacuterias
Tambeacutem a jurisprudecircncia nacional se tem pronunciado ainda que em pouca escala sobre
este criteacuterio defendido pela doutrina e jurisprudecircncia alematildes O Tribunal Constitucional
no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 refere-se a propoacutesito da colheita de saliva para efeitos de
realizaccedilatildeo de anaacutelises de ADN que esta ldquoindependentemente de natildeo requerer apenas um
comportamento passivo natildeo se pode catalogar como obrigaccedilatildeo de autoincriminaccedilatildeordquo368
Esta expressatildeo parece apontar para a conclusatildeo de que o criteacuterio conduta activatoleracircncia
passiva natildeo tem relevacircncia no sistema juriacutedico nacional na medida em que o douto
Tribunal aceita a existecircncia de um caso de colaboraccedilatildeo activa do arguido natildeo o afastando
imediata e categoricamente depois de o qualificar como tal369 Mais recentemente o
365 Oliveira Silva 2015 583-584 366 Costa Andrade 2014 143-144 367 Oliveira Silva 2015 590 368 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 01022017] 369 Pinto 2013 99
107
Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm 142014 veio destacar a difiacutecil
praticabilidade deste criteacuterio ldquopor nem sempre ser viaacutevel e nem visiacutevel a distinccedilatildeo entre
as duas formas procedimentais por ser demasiado simplista natildeo conducente a resultados
seguros sequer aceitaacuteveisrdquo370 O Supremo Tribunal atesta ainda que ldquona verdade parece
evidente que mesmo em casos havidos classicamente de toleracircncia passiva natildeo deixa de
coexistir uma participaccedilatildeo activa como eacute o caso da sujeiccedilatildeo a recolha de sangue saliva
urina corte de cabelo de tecidos corporais aacutelcool no sangue a partir do ar expirado ou
do sangue etc em que sem a colaboraccedilatildeo (necessariamente activa) do arguido expondo
voluntariamente o seu corpo fica comprometido o resultado a alcanccedilarrdquo371
Em conclusatildeo podemos afirmar que dadas as dificuldades de aplicaccedilatildeo fragilidades e
inconsistecircncias do criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva este natildeo poderaacute ser
considerado como um meacutetodo viaacutevel para traccedilar a linha de fronteira entre a colaboraccedilatildeo
admissiacutevel e a inadmissiacutevel Por esse motivo estas dificuldades tecircm conduzido a doutrina
e jurisprudecircncia nacionais ao esboccedilo de um terceiro criteacuterio de delimitaccedilatildeo e ao
progressivo abandono do binoacutemio actividadepassividade
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens
A doutrina e jurisprudecircncia constitucional portuguesas tecircm vindo a adoptar o criteacuterio da
ponderaccedilatildeo de bens para delimitar a aacuterea de tutela do nemo tenetur se ipsum accusare
Sem embargo antes de procedermos agrave anaacutelise deste criteacuterio impera que se estabeleccedila a
priori uma distinccedilatildeo relativa agrave natureza dos direitos fundamentais ou mais
rigorosamente agrave natureza das normas de direitos fundamentais que possam entrar em
conflito
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios
Grande parte da doutrina nacional e internacional defende a distinccedilatildeo niacutetida entre regras
e princiacutepios Distinccedilatildeo segundo Alexy sem a qual natildeo poderia existir uma teoria
adequada dos limites dos direitos fundamentais nem uma teoria satisfatoacuteria da colisatildeo
entre direitos fundamentais nem tatildeo pouco uma teoria suficiente acerca do papel
desempenhado por estes direitos no sistema juriacutedico372 Esta construccedilatildeo foi globalmente
370 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 371 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 01022017] 372 Alexy 2008 63
108
desenvolvida na deacutecada de oitenta por Alexy inspirado no pensamento de Dworkin e
nas suas distinccedilotildees entre ldquorulesrdquo e ldquoprinciplesrdquo
Segundo Dworkin a distinccedilatildeo loacutegica entre regras e princiacutepios manifesta-se na diferente
forma de aplicaccedilatildeo e de colisatildeo que por sua vez se funda na seguinte diferenccedila essencial
enquanto que a dimensatildeo fundamental das regras eacute a da validade a dos princiacutepios eacute o
peso373 Assim um conflito de regras seria decidido atraveacutes da dimensatildeo determinante da
validade implicando a eliminaccedilatildeo na ordem juriacutedica da regra contraacuteria invaacutelida ao passo
que uma colisatildeo de princiacutepios diferentemente seria decidida em funccedilatildeo do peso relativo
que cada um deles apresenta no caso concreto (dimension of weight) implicando a
cedecircncia do princiacutepio mais fraco nesse caso sem a sua exclusatildeo da ordem juriacutedica374
Para Alexy as regras satildeo normas que exigem algo de modo definitivo satildeo comandos
definitivos Se uma regra eacute vaacutelida e estatildeo reunidas as condiccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo
entatildeo deve ser feito exactamente o que ela exige Se isso for feito a regra eacute cumprida se
isso natildeo for feito a regra eacute violada375 Pelo contraacuterio os princiacutepios satildeo mandados de
optimizaccedilatildeo Como tal eles exigem que algo seja feito na maacutexima extensatildeo possiacutevel de
acordo com as possibilidades de facto e de direito existentes376
Neste sentido a diferenccedila entre regras e princiacutepios permanece para Alexy tal como para
Dworkin uma diferenccedila qualitativa e natildeo gradativa sendo qualquer norma ou uma regra
ou um princiacutepio377
Jaacute na doutrina nacional Jorge Reis Novais afirma que a diferenccedila entre regras e
princiacutepios eacute determinada pelo meacutetodo de aplicaccedilatildeo que seria a ponderaccedilatildeo nos princiacutepios
e a subsunccedilatildeo nas regras378
De acordo com estas distinccedilotildees entre normas-regras e normas-princiacutepios facilmente se
depreende que o nemo tenetur se ipsum accusare seria qualificado como um princiacutepio e
natildeo uma regra E apresentando este direito fundamental natildeo escrito a natureza de
princiacutepio o nemo tenetur como temos vindo a reiterar ao longo da nossa investigaccedilatildeo
373 Dworkin 1977 35 374 Dworkin 1977 22-26 375 Alexy 2014 818-819 376 Alexy 2014 819 377 Alexy 2008 68 Contra esta ideia vai Jorge Reis Novais ao afirmar que um direito fundamental pode
ser simultaneamente uma regra e um princiacutepio dando como exemplo o direito agrave vida ldquo[hellip] o direito agrave vida
constitucionalmente reconhecido pode ser fundamentalmente considerado como regra como princiacutepio ou
simultaneamente regra e princiacutepio [hellip]rdquo Cf Reis Novais 2010 352 378 Reis Novais 2010 347-348
109
natildeo seraacute absoluto podendo ser alvo de colisotildees com outros princiacutepios Segundo Alexy
quando dois princiacutepios entram em colisatildeo um deles teraacute obrigatoriamente que ceder
perante o outro No entanto isto natildeo significa como se referiu anteriormente que se tenha
de considerar invaacutelido o princiacutepio alvo de cedecircncia379
Efectivamente os defensores dos direitos fundamentais como princiacutepios partem desta
distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios para afirmarem que a determinaccedilatildeo do grau adequado
de satisfaccedilatildeo ou de realizaccedilatildeo de um princiacutepio relativamente aos mandados de outros
princiacutepios eacute conseguida atraveacutes da ponderaccedilatildeo380 Ou seja apresentando as normas
constitucionais de direitos fundamentais a natureza de princiacutepios isso significa que os
direitos nelas sustentados soacute se convertem em direitos definitivos depois de passarem pelo
crivo do criteacuterio da ponderaccedilatildeo com os princiacutepios opostos nas circunstacircncias do caso
concreto381 O criteacuterio da ponderaccedilatildeo seraacute assim a forma especiacutefica de aplicaccedilatildeo aos
princiacutepios
Depois de feita a distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios e o seu meacutetodo de
resoluccedilatildeo em caso de conflito passaremos agora agrave anaacutelise do criteacuterio da ponderaccedilatildeo
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais
Sendo o princiacutepio nemo tenetur sujeito a restriccedilotildees natildeo causa estranheza afirmar que o
processo penal eacute foco permanente de tensotildees entre o dever de eficaacutecia que eacute exigido aos
responsaacuteveis pela investigaccedilatildeo criminal e as garantias de defesa que cabem a todos os
arguidos Eacute assim neste acircmbito que assume relevacircncia a ponderaccedilatildeo deste amplo direito
dos arguidos em natildeo colaborar para a autoincriminaccedilatildeo quando em confronto com outros
valores como a eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal e a tutela efectiva da justiccedila382
Augusto Silva Dias e Vacircnia Costa Ramos satildeo dois Autores que perfilham este criteacuterio
como sendo o correcto para a delimitaccedilatildeo entre a coacccedilatildeo permitida e a coacccedilatildeo proibida
Segundo os Autores ldquosempre que o suspeito (ou arguido) seja induzido ou coagido por
forma mais ou menos activa ou mais ou menos intelectualmente elaborada a colaborar
379 Alexy 2008 70 380 Alexy 2014 819 Contra este entendimento vai Vieira de Andrade ao defender que ldquo[hellip] a limitaccedilatildeo
de direitos fundamentais associada ao meacutetodo da ponderaccedilatildeo e da harmonizaccedilatildeo toma um sentido muito
amplo que tende a consumir na colisatildeo de direitos ou de direitos e valores aleacutem dos casos de harmonizaccedilatildeo
a declaraccedilatildeo de limites imanentes e a restriccedilatildeo legislativardquo Cf Vieira de Andrade 2016 266-267 381 Reis Novais 2010 339 382 NevesCorreia 2014 146
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na sua inculpaccedilatildeo cai-se na esfera de protecccedilatildeo do nemo teneturrdquo383 No entanto estando-
se perante um princiacutepio de natureza natildeo absoluta existe a necessidade de encontrar um
ponto de equiliacutebrio entre as garantias de defesa do arguido e os interesses da investigaccedilatildeo
Com efeito a descoberta da verdade e a correcta realizaccedilatildeo da justiccedila criminal ficariam
seriamente comprometidas caso fossem eliminadas todas as possibilidades de utilizaccedilatildeo
de elementos probatoacuterios provenientes da esfera do arguido ou obtidos com a sua
colaboraccedilatildeo384 Para os Autores citados e para a maioria da doutrina nacional385 o
referido ponto de equiliacutebrio eacute dado pela ideia de concordacircncia praacutetica fundada na
ponderaccedilatildeo de interesses conflituantes386 ldquoPorque nenhum princiacutepio pode pretender na
sua globalidade vigecircncia absolutardquo satildeo legiacutetimas as restriccedilotildees ao nemo tenetur impostas
pela necessidade de salvaguarda de um interesse ou direito concretamente prevalecente
como seraacute o da maacutexima eficaacutecia da administraccedilatildeo da justiccedila na perseguiccedilatildeo dos crimes
mais graves387
De facto ter um direito fundamental significa na sua dimensatildeo subjectiva ter uma
posiccedilatildeo forte de garantia que vincula directamente as entidades puacuteblicas no sentido de
que estas natildeo podem dispor ou intervir livremente sobre ela sem que estejam preenchidos
requisitos constitucionais escritos388 Poreacutem dada a necessidade de essas posiccedilotildees serem
compatibilizadas com outros bens a ponderaccedilatildeo dos bens em conflito parece ser o melhor
procedimento ao inveacutes de um criteacuterio all or nothing389
Neste caso quando os poderes constituiacutedos procedem agrave harmonizaccedilatildeo ou
compatibilizaccedilatildeo de bens natildeo procedem agrave mera declaraccedilatildeo de limites jaacute existentes mas
determinam de uma maneira geral constitutivamente de entre vaacuterias hipoacuteteses de soluccedilatildeo
ao seu dispor o se o como e o quanto da eventual cedecircncia (restriccedilatildeo) dos direitos
383 Silva DiasRamos 2009 29 384 Oliveira Silva 2015 617 385 ldquoA doutrina portuguesa vem aceitando a concepccedilatildeo de Dworkin e de Alexy segundo a qual o Dasein
dos princiacutepios eacute em colisatildeo com outros e o modo de dirimir essa colisatildeo eacute natildeo atraveacutes de um criteacuterio all or
nothing mas por meio de uma compatibilizaccedilatildeo ou concordacircncia praacutetica que visa aplicar todos os princiacutepios
colidentes harmonizando-os entre si na situaccedilatildeo concretardquo Cf Silva DiasRamos 2009 23 386 Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que ldquoa restriccedilatildeo de direitos fundamentais
implica necessariamente uma relaccedilatildeo de conciliaccedilatildeo com outros direitos ou interesses constitucionais e
exige necessariamente uma tarefa de ponderaccedilatildeo ou de concordacircncia praacutetica dos direitos ou interesses em
conflitordquo Cf CanotilhoMoreira 1991 134 387 Silva DiasRamos 2009 34 ldquoO grau dessa restriccedilatildeo depende da importacircncia constitucional dos direitos
ou interesses puacuteblicos colidentes mas nunca pode ir ao ponto de aniquilar o conteuacutedo essencial de qualquer
deles (v nordm 3 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Silva Dias 2010 246 388 Reis Novais 2010 570 389 Silva DiasRamos 2009 23
111
fundamentais390 Desta forma natildeo devemos falar aqui contrariamente ao defendido pela
teoria interna dos limites dos direitos fundamentais em limites imanentes Os direitos de
terceiros ou outros bens constitucionais que colidam com os direitos fundamentais natildeo
satildeo os seus limites ou seja natildeo excluem a priori qualquer exerciacutecio de direito
fundamental que eventualmente afecte esses bens O que se passa como bem defende
Jorge Reis Novais eacute que ldquotendo os direitos fundamentais uma validade condicionada agrave
cedecircncia perante valores que apresentem no caso concreto um maior peso pode
acontecer que por forccedila da sua colisatildeo com esses bens os interesses [hellip]
jusfundamentalmente protegidos tenham que cederrdquo391 Efectivamente quando um
princiacutepio direito ou garantia eacute superior a outro de acordo com criteacuterios de relevacircncia
constitucional e natildeo eacute possiacutevel na situaccedilatildeo concreta salvaguardar alguns aspectos do
princiacutepio inferior nesse caso eacute permitido o sacrifiacutecio deste uacuteltimo392
Sem embargo cumpre deixar claro que a colisatildeo dos mesmos bens num outro caso
concreto pode ser resolvida num sentido ou numa medida de restriccedilatildeo completamente
diferentes seja pela novidade das circunstacircncias envolventes seja pela diversidade das
especiacuteficas modalidades aacutereas ou recortes dos interesses e dos bens em colisatildeo
No fundo como jaacute referimos anteriormente todo o problema dos limites dos direitos
fundamentais em Estado de Direito gira em torno de duas exigecircncias de sentido
potencialmente divergente de um lado as necessidades de protecccedilatildeo privilegiada e
qualidade das liberdades individuais e de outro a satisfaccedilatildeo por parte do Estado das
necessidades de vida em comunidade politicamente organizada e em particular a
garantia dos direitos fundamentais dos outros e a realizaccedilatildeo dos bens constitucionais
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais
Atendendo ao facto de que o conflito entre estas duas exigecircncias resolver-se-agrave segundo
o criteacuterio da ponderaccedilatildeo atraveacutes de uma harmonizaccedilatildeo ou compatibilizaccedilatildeo de bens
cumpre agora deixar claro que esta ponderaccedilatildeo de bens na medida em que iraacute restringir
obrigatoriamente um ou ambos os direitos fundamentais teraacute de observar recorrendo agrave
terminologia germacircnica os chamados limites aos limites dos direitos fundamentais
390 Reis Novais 2010 570-571 391 Reis Novais 2010 572 Neste sentido Alexy vem defender a ideia de que a soluccedilatildeo para a colisatildeo
consiste na fixaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada entre os princiacutepios em conflito Por sua
vez a determinaccedilatildeo desta relaccedilatildeo de precedecircncia condicionada atendendo ao caso concreto passa por
indicar em que condiccedilotildees um princiacutepio tem prevalecircncia sobre o outro Cf Alexy 2008 73 392 Silva DiasRamos 2009 23-24
112
No caso portuguecircs por forccedila da aplicaccedilatildeo dos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa toda e qualquer restriccedilatildeo a direitos fundamentais nomeadamente
ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare teraacute de obedecer aos seguintes requisitos
a) deve estar prevista em lei formal (nordm 2 1ordf parte) b) deve ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( nordm 2 in fine)
c) deve obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (nordm 2 2ordf parte)393 d) natildeo deve
aniquilar o direito em causa atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito ( nordm 3
in fine)394
Aleacutem da verificaccedilatildeo destes requisitos materiais a validade das restriccedilotildees a direitos
liberdades e garantias depende ainda nos termos do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei
Fundamental de dois requisitos formais a) deve ser geral e abstracta (nordm 3 1ordf parte) b)
e natildeo deve ter efeito retroactivo (nordm 3 2ordf parte)
Verificados estes requisitos deveraacute considerar-se juriacutedico-constitucionalmente admissiacutevel
a restriccedilatildeo daquelas garantias processuais mesmo em mateacuteria criminal
Entendimento semelhante eacute defendido pela jurisprudecircncia nacional395 O Tribunal
Constitucional no seu acoacuterdatildeo nordm 1552007 relativo agrave recolha de saliva atraveacutes de
zaragatoa bucal veio atestar que ldquo[hellip] natildeo proibindo a Constituiccedilatildeo em absoluto a
possibilidade de restriccedilatildeo legal aos direitos liberdades e garantias submete-a contudo a
muacuteltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade Da vasta
jurisprudecircncia constitucional sobre a mateacuteria decorre em siacutentese que qualquer restriccedilatildeo
de direitos liberdades e garantias soacute eacute constitucionalmente legiacutetima se (i) for autorizada
pela Constituiccedilatildeo (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei
da Assembleia da Repuacuteblica ou em decreto-lei autorizado (artigo 18ordm nordm 2 1ordf parte e
393 Figueiredo DiasCosta Andrade 2009 45 Neste sentido vai tambeacutem Vacircnia Costa Ramos quando
defende a ideia de que ldquoo nemo tenetur natildeo eacute todavia um princiacutepio absoluto subtraiacutedo a ponderaccedilatildeo
Poderaacute ser limitado para protecccedilatildeo de outros direitos liberdades ou garantias da mesma natureza e segundo
criteacuterios de adequaccedilatildeo e de proporcionalidade em conformidade com o nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesardquo Cf Ramos 2010 180 394 Gomes CanotilhoMoreira 2014 388 Miranda 2006 96-97 Moniz 2009 149 Gomes Canotilho
2016 451 395 O proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Jalloh v Alemanha parece adoptar um
criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens quando afirma que ldquoPara determinar se o direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo do
queixoso foi violado o Tribunal por sua vez teraacute de considerar os seguintes factores a natureza e o grau
de coerccedilatildeo empregado para obter as provas a importacircncia do interesse puacuteblico na investigaccedilatildeo e puniccedilatildeo
da infracccedilatildeo em apreccedilo a existecircncia de garantias relevantes no processo e a utilizaccedilatildeo prevista dos meios
de prova obtidos dessa formardquo Cf Acoacuterdatildeo Jalloh v Alemanha de 11 de Julho de 2006 disponiacutevel em
httpswcdcoeintViewDocjspp=ampid=1018815ampSite=COEampdirect=true [consultado em 02022017]
113
artigo 165ordm nordm 1 aliacutenea b) (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (artigo 18ordm nordm 2 in fine) (iv) for necessaacuteria a essa
salvaguarda adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18ordm nordm 2 2ordf
parte) (v) tiver caraacutecter geral e abstracto natildeo tiver efeito retroactivo e natildeo diminuir a
extensatildeo e o alcance do conteuacutedo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18ordm nordm
3 da Constituiccedilatildeo)rdquo396
Por sua vez o Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto tambeacutem em sede de apreciaccedilatildeo da
legitimidade do uso de zaragatoa bucal para a recolha de ADN e defendendo o recurso
ao criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens veio esclarecer que ldquo[hellip] natildeo existiraacute
desproporcionalidade na utilizaccedilatildeo de tais meacutetodos invasivos do corpo da pessoa (mas
natildeo lesivos da integridade fiacutesica) da sua liberdade e privacidade como uacutenico meio para
a obtenccedilatildeo de prova em situaccedilotildees (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos
factos perpetrados com base numa ponderaccedilatildeo de todas as circunstacircncias a efectuar por
um juiz imparcial que natildeo tem a seu cargo ou sob o seu domiacutenio a investigaccedilatildeo do
processo [hellip]rdquo397
4331 Exigecircncia de lei formal
No que concerne ao primeiro requisito apresentado cumpre deixar claro que o princiacutepio
nemo tenetur se ipsum accusare assim como todos os direitos fundamentais soacute pode ser
restringido por lei398 Esta reserva material de lei tem duas dimensotildees principais a
primeira (dimensatildeo negativa) significa que as mateacuterias reservadas agrave lei natildeo podem ser
reguladas por outras fontes diferentes da lei a segunda (dimensatildeo positiva) significa que
deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com suficiente grau de certeza precisatildeo e
densidade) o regime juriacutedico das mateacuterias em questatildeo399
396 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 02022017] 397 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 10 de Dezembro de 2008 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrpnsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf673fcb5dc0168da6802575220056a553
OpenDocument [consultado em 02022017] Tambeacutem em sede de processos contra-ordenacionais o
Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa veio atestar que dada ldquo[hellip] a necessidade de compatibilizar os diversos direitos princiacutepios e interesses constitucionalmente protegidos caberaacute verificar se no caso dos processos
contra-ordenacionais investigados instruiacutedos e decididos pelo Instituto Nacional de Aviaccedilatildeo Civil existem
razotildees que determinem a supressatildeo ou a mera restriccedilatildeo do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo sempre em
obediecircncia ao princiacutepio da proporcionalidade (cfr nordm 2 do artigo 18ordm da CRP)rdquo Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal
da Relaccedilatildeo de Lisboa de 17 de Abril de 2012 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec849980283d233cfd802579e6004e401f
OpenDocument [consultado em 02022017] 398 Gomes Canotilho 2016 453 399 Alexandrino 2015 128
114
Este requisito constitucional das restriccedilotildees estaacute patente na problemaacutetica regra enunciada
no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa segundo a qual a lei soacute
pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituiccedilatildeo Sendo que o princiacutepio nemo tenetur configura como frisaacutemos
anteriormente uma componente das garantias de defesa do arguido asseguradas no artigo
32ordm da CRP cujo objectivo uacuteltimo eacute a sua protecccedilatildeo como sujeito no processo parece
claro que nos encontramos aqui perante uma restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias
Sobre o sentido e a funccedilatildeo a reconhecer a essa singular claacuteusula da Lei Fundamental
portuguesa existem pelo menos trecircs grupos de orientaccedilotildees na doutrina a) as teses
defensoras da relevacircncia absoluta b) as teses defensoras da relevacircncia relativa c) e as
teses defensoras da irrelevacircncia juriacutedica
O primeiro grupo de orientaccedilotildees defendido por Vieira de Andrade pretende levar a seacuterio
a proibiccedilatildeo constante dessa regra constitucional Para este Autor o nordm 2 do referido artigo
estabelece categoricamente a figura das restriccedilotildees legislativas Assim as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo soacute seriam permitidas entre noacutes
nos casos e para os efeitos em que fossem expressamente previstas pelos preceitos
constitucionais relativos a esses direitos400
Uma segunda corrente doutrinaacuteria relativiza o sentido da proibiccedilatildeo fazendo-o no
entanto de formas muito distintas podendo designadamente considerar-se dois grupos
consoante persista uma ideia de resolver a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a
essa dificuldade401 Assim a) para muitos Autores da interpretaccedilatildeo sistemaacutetica da
Constituiccedilatildeo decorreria a necessidade de admitir ao lado das restriccedilotildees expressamente
autorizadas restriccedilotildees impliacutecitas restriccedilotildees implicitamente autorizadas402 b) por outro
lado tecircm constituiacutedo exemplos de orientaccedilotildees centriacutefugas o recurso agrave figura dos limites
imanentes a priori o recurso ao nordm 2 do artigo 29ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
do Homem o recurso agrave transferecircncia de limites ou a introduccedilatildeo da distinccedilatildeo com
imediatos efeitos de regime entre restriccedilatildeo e condicionamento (limitaccedilatildeo)403
400 Vieira de Andrade 2016 271-273 401 Alexandrino 2015 131 402 Alexandrino 2006 445-448 403 Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1552007 de 2 de Marccedilo de 2007 disponiacutevel em
httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20070155html [consultado em 10022017]
115
Por fim uma terceira tese defendida por Jorge Reis Novais vem afirmar que a regra
enunciada no nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo natildeo pode ser levada a seacuterio Estamos
com o Autor quando defende que o legislador constituinte portuguecircs proclamou (no
artigo 18ordm) uma regra que natildeo tem correspondecircncia na natureza das coisas404 pois eacute da
natureza dos direitos fundamentais que estes entrem em colisatildeo uns com os outros Em
segundo plano adianta o Autor se eacute verdade que os direitos liberdades e garantias satildeo
trunfos eles podem ser batidos por trunfos mais altos405 O Autor conclui com a defesa
de que a consagraccedilatildeo na revisatildeo constitucional de 1997 de uma liberdade geral de acccedilatildeo
abrangente tem necessariamente como contrapartida o reconhecimento da possibilidade
da sua limitaccedilatildeo da forma mais ampla possiacutevel406 Efectivamente se todas as restriccedilotildees
nomeadamente ao princiacutepio nemo tenetur tivessem de ser previstas expressamente no
texto constitucional este haveria de conter muitos milhares de artigos407
Desta forma defendemos a ideia de que uma restriccedilatildeo vaacutelida ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare natildeo necessita de constar expressamente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa mas antes de ser admitida dentro da unidade desta
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido
O segundo requisito material para a restriccedilatildeo legiacutetima de direitos liberdades e garantias
consiste em que ela soacute se pode justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido (nordm 2 do artigo 18ordm da CRP) Este requisito significa
fundamentalmente que o sacrifiacutecio ainda que parcial de um direito fundamental natildeo
pode ser arbitraacuterio gratuito ou desmotivado408
Natildeo haacute consenso na doutrina quanto agrave necessidade de estatura constitucional do outro
direito ou interesse que justifica a restriccedilatildeo
Por um lado Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem que eacute vedada ao legislador a
possibilidade de justificar a restriccedilatildeo de direitos liberdades e garantias por eventual
colisatildeo com outros direitos ou bens tutelados apenas a niacutevel infraconstitucional Para estes
404 Reis Novais 2010 581 e 587 405 Reis Novais 2006 52 406 Reis Novais 2010 591 407 Martinez 1992 33 408 Gomes CanotilhoMoreira 2014 391
116
Autores torna-se necessaacuterio ldquoque o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir
um dos direitos liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e
adequada expressatildeordquo (vg patrimoacutenio cultural defesa nacional ordem constitucional
democraacutetica seguranccedila puacuteblica sauacutede puacuteblica entre outros)409
Por outro lado Jorge Reis Novais com quem concordamos reitera que qualquer valor
digno de protecccedilatildeo juriacutedica pode fundamentar uma restriccedilatildeo aos direitos fundamentais
uma vez que indagar do fundamento da restriccedilatildeo atraveacutes de uma distinccedilatildeo de hierarquia
meramente formal de bens pode mascarar aquilo que estaacute realmente em causa ndash saber se
os direitos fundamentais podem ser restringidos em funccedilatildeo da protecccedilatildeo de bens de
estatura infraconstitucional mas que no caso concreto apresente um valor ou peso
superior ao dos direitos fundamentais que se pretende restringir410 Defende o Autor que
mesmo direitos ou interesses natildeo consagrados na Lei Fundamental podem restringir
direitos fundamentais Seraacute ainda segundo o Autor o peso concreto e material dos
princiacutepios opostos que determinaraacute a preferecircncia relativa no caso concreto
independentemente do niacutevel constitucional ou infraconstitucional da garantia juriacutedica
que eacute soacute mais um entre os diversos factores que devem ser considerados na ponderaccedilatildeo411
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
Decorre do nordm 2 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa que as restriccedilotildees
aos direitos liberdades e garantias tecircm de ser necessaacuterias para a salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e tecircm de limitar-se ao necessaacuterio
para esse fim412 Assim para aleacutem de ter de constar em lei autorizada com caraacutecter geral
e abstracto a ordem restritiva (nomeadamente a ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones) tem ainda que ser adequada ou seja apropriada aos fins que se propotildee
atingir necessaacuteria na medida em que soacute eacute admissiacutevel quando for impossiacutevel utilizar outro
meio menos oneroso e proporcional em relaccedilatildeo aos resultados obtidos413
409 Gomes CanotilhoMoreira 2014 392 410 Reis Novais 2010 602-603 411 Reis Novais 2010 604 412 Alexandrino 2015 134 413 Correia 1999a 59 Em sentido semelhante ldquoas restriccedilotildees estatildeo sujeitas ao princiacutepio da
proporcionalidade ndash soacute podem ser estabelecidas quando os fins os interesses e os valores constitucionais
soacute atraveacutes deles possam ser protegidos devem em cada caso realizar esses fins e natildeo outros e devem
corresponder agrave medida agrave justa medida tambeacutem em cada caso concretordquo Cf Miranda 2006 97 ldquoO valor
constitucional dos preceitos relativos aos direitos fundamentais soacute eacute efectivamente garantido se se exigir
que a eventual restriccedilatildeo seja adequada e justificada pela necessidade de proteger ou promover um bem
constitucionalmente valioso e soacute na proporccedilatildeo dessa necessidaderdquo Cf Vieira de Andrade 2016 287 ldquo[hellip]
117
Apesar de a Constituiccedilatildeo no seu artigo 18ordm natildeo fazer menccedilatildeo expressa agrave
proporcionalidade como paracircmetro de controlo a doutrina portuguesa fez formalmente
do princiacutepio da proporcionalidade o nuacutecleo central dos requisitos materiais exigidos agraves
restriccedilotildees de direitos fundamentais414
O texto constitucional faz ainda que implicitamente referecircncia ao princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo que estabelece um limite constitucional agrave liberdade
de conformaccedilatildeo do legislador415 O princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
constitui um verdadeiro super conceito (Oberbegriff) super conceito esse que tem sido
tradicionalmente decomposto em trecircs subprinciacutepios (corolaacuterios maacuteximas ou dimensotildees)
a) o da adequaccedilatildeo (ou idoneidade) b) o da necessidade (indispensabilidade ou do meio
menos restritivo) c) o da proporcionalidade em sentido estrito (ou da justa medida)416
O primeiro subprinciacutepio da adequaccedilatildeo ou idoneidade significa que as medidas restritivas
devem ser aptas ou idoacuteneas para realizar o fim prosseguido pela restriccedilatildeo Ou seja este
subprinciacutepio exige que a medida restritiva em causa seja considerada atraveacutes de um juiacutezo
de prognose417 apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o
alcanccedilar418 Para que se apure a existecircncia de inconstitucionalidade seraacute necessaacuterio que o
responsaacutevel pela restriccedilatildeo pudesse ter previsto tal inaptidatildeo no momento em que a decidiu
ou a actuou O controlo da adequaccedilatildeo acaba por ser segundo Jorge Reis Novais um
controlo ex ante incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes puacuteblicos
responsaacuteveis pela criaccedilatildeo ou concretizaccedilatildeo da restriccedilatildeo a direitos fundamentais419 Desta
forma viola-se este corolaacuterio sempre que tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e
cientiacuteficos disponiacuteveis no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta para
atingir o fim visado seraacute naturalmente inapta se os efeitos dessa medida se revelarem
as restriccedilotildees de direitos fundamentais carecem tambeacutem de justificaccedilatildeo natildeo podendo legitimar-se senatildeo
pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e natildeo
podendo ultrapassar a medida necessaacuteria para o efeito (nordm 2 do artigo 18ordm) Eacute a consagraccedilatildeo expressa do
chamado princiacutepio da proporcionalidade que proiacutebe nomeadamente as restriccedilotildees desnecessaacuterias inaptas
ou excessivas de direitos fundamentais Os direitos fundamentais soacute podem ser restringidos quando tal se
torne indispensaacutevel e no miacutenimo necessaacuterio para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 1991 133-134 414 Reis Novais 2010 729-730 415 ldquoA Constituiccedilatildeo ao autorizar a lei a restringir direitos liberdades e garantias de forma a permitir ao
legislador a realizaccedilatildeo de uma tarefa de concordacircncia praacutetica justificada pela defesa de outros bens ou
direitos constitucionalmente protegidos impotildee uma clara vinculaccedilatildeo ao exerciacutecio dos poderes
discricionaacuterios do legisladorrdquo Cf Gomes Canotilho 2016 457 416 Alexandrino 2015 135 417 Rodrigues 2009b 216 418 Reis Novais 2010 731 419 Reis Novais 2010 739
118
indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista420 Eacute ainda de referir que a aptidatildeo
deve ser aferida natildeo no sentido de uma exigecircncia que soacute se considera cumprida quando o
meio realiza integral ou plenamente o fim visado mas bastando-se antes com uma
aproximaccedilatildeo sensiacutevel ainda que parcelar do fim pretendido421 Relativamente aos fins
pressupotildee-se que os mesmos sejam legiacutetimos e aleacutem disso que sejam juriacutedica e
materialmente possiacuteveis
O segundo corolaacuterio da necessidade indispensabilidade ou do meio menos restritivo que
constitui sem duacutevida o teste mais complexo exigente e decisivo significa que se deve
recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista422 Isto eacute o princiacutepio da
necessidade impotildee que se recorra para atingir esse fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou
indispensaacutevel no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser
utilizado para atingir o fim em vista423 A indispensabilidade afere-se entatildeo pela
comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos provocados por esse meio e os prejuiacutezos que seriam
provocados pela utilizaccedilatildeo de um meio alternativo menos agressivo Por sua vez a
desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos provocados pela medida
restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou pessoais e
tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer
outra afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros
interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros afectados424 O teste eacute
complexo desde logo porque eacute funccedilatildeo de muacuteltiplas variaacuteveis nomeadamente do tipo
concreto de afectaccedilatildeo da agressividade do meio da medida da eficaacutecia dos vaacuterios meios
ou da existecircncia de outros efeitos colaterais425
Por fim o terceiro e uacuteltimo subprinciacutepio o da proporcionalidade em sentido estrito ou da
justa medida visa apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado e a
gravidade do sacrifiacutecio imposto Na verdade uma medida pode ser adequada e necessaacuteria
420 Gomes Canotilho 2016 457 421 Reis Novais 2010 738 Qualquer exigecircncia de plena realizaccedilatildeo do fim seria impossiacutevel de ser atingida
pelo legislador aquando da realizaccedilatildeo da medida uma vez que natildeo haacute como saber a priori se a medida iraacute
efectivamente realizar o fim motivo pelo qual basta que a medida seja adequada para fomentar o fim 422 Alexandrino 2015 136 423 Neste sentido vai tambeacutem a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila ao afirmar que ldquoainda que
se considere a medida idoacutenea esta deve ser necessaacuteria ou seja perante medidas que oferecem idecircntica
idoneidade deve escolher-se a que ofereccedila o menor potencial de prejuiacutezo para o visado mesmo que exija
mais tempo para a sua realizaccedilatildeo obrigando a utilizar outros meios de obtenccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 16022017] 424 Reis Novais 2010 741 425 Gomes Canotilho 2016 458
119
e ao mesmo tempo afectar de forma excessiva intoleraacutevel ou desproporcionada o direito
em questatildeo426 Este corolaacuterio estaacute relacionado com a ideia de pesar de sopesar de
ponderar as vantagens e desvantagens presentes num determinado cenaacuterio de restriccedilatildeo
Segundo Alexy o subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde a
uma maacutexima que pode ser designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo Esta maacutexima defende
que quanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente427 De facto aqui jaacute natildeo eacute a
ponderaccedilatildeo entre bens que estaacute em anaacutelise mas antes a medida restritiva que foi
concretamente adoptada no seguimento daquela ponderaccedilatildeo e mais precisamente o
controlo da proporcionalidade dessa medida restritiva E neste controlo de
proporcionalidade em sentido estrito aquilo que se avalia que se compara ou que se potildee
em relaccedilatildeo satildeo os sacrifiacutecios (custos) impostos ao direito fundamental contrapostos aos
benefiacutecios (vantagens) produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo428 Se a
adopccedilatildeo de uma medida restritiva adoptada introduz na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal miacutenimo para o fim visado mas produz simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecio na liberdade na autonomia ou no bem-estar entatildeo a ponderaccedilatildeo
dessas grandezas com as que resultam das medidas alternativas actualmente em vigor
pode revelar uma relaccedilatildeo claramente desproporcionada e daiacute a inconstitucionalidade da
nova medida429
Por fim quanto agrave concretizaccedilatildeo jurisprudencial pode afirmar-se que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso eacute talvez o
cacircnone mais utilizado pelos tribunais portugueses O Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa chega
mesmo a afimar no seu acoacuterdatildeo de 3 de Marccedilo de 2016 que o princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo configura-se ldquocomo a trave mestra de legitimaccedilatildeo
do ldquoius puniendirdquo estatal e de toda a restriccedilatildeo de direitos fundamentaisrdquo430 O douto
tribunal dissocia ainda de uma forma clara as trecircs dimensotildees do princiacutepio adequaccedilatildeo
426 Alexandrino 2015 137 427 Alexy 2014 821 428 Reis Novais 2012 128 429 Reis Novais 2012 131 430 Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
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necessidade e proporcionalidade (stricto sensu) aplicando cada uma delas ao caso
concreto431
4334 Garantia do conteuacutedo essencial
O uacuteltimo requisito material da legitimidade das restriccedilotildees a direitos fundamentais consiste
na ideia de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos liberdades e garantias que natildeo
pode em caso algum ser violado Mesmo nos casos em que o legislador estaacute
constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado agrave
salvaguarda do nuacutecleo essencial dos direitos432
Esta garantia do nuacutecleoconteuacutedo essencial dos direitos fundamentais apesar de ser uma
criaccedilatildeo especificamente alematilde encontrou um eco generalizado na doutrina e
jurisprudecircncia constitucionais de vaacuterios outros paiacuteses incluindo mesmo uma recepccedilatildeo
constitucional expressa como aconteceu entre noacutes (nordm 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa) Efectivamente na doutrina alematilde cuja Constituiccedilatildeo conteacutem
uma claacuteusula semelhante que inspirou a nossa aparecem dois tipos de teorias atinentes
agrave natureza do conteuacutedo essencial habitualmente designadas como teorias absolutas e
teorias relativas
Para as teorias absolutas o nuacutecleo essencial consistiria num conteuacutedo normativo
irrestringiacutevel abstractamente fixado433 Desta forma podemos afirmar que a teoria
absoluta eacute assim uma perspectiva ontoloacutegico-substancialista que entende o conteuacutedo
essencial como grandeza estaacutetica e intemporal Independentemente do interesse ou bem
que justifique a restriccedilatildeo e da importacircncia relativa da sua realizaccedilatildeo esta teoria considera
que haacute em cada direito fundamental uma zona esfera ou acircmbito nuclear intocaacutevel434
que sob pena de desnaturaccedilatildeo ou perda do seu sentido uacutetil em caso algum poderaacute ser
431 ldquoO princiacutepio da idoneidade [hellip] traduz-se na ideia de que se exige uma relaccedilatildeo de adequaccedilatildeo entre o
meio usado e o fim perseguido [hellip] o princiacutepio da necessidade e da miacutenima intervenccedilatildeo implica a
necessaacuteria utilizaccedilatildeo de outros meios menos lesivos para os direitos fundamentais quando isso se afigure
possiacutevel [hellip] o princiacutepio da proporcionalidade em sentido estrito ou da adequaccedilatildeo ao fim exige uma ponderaccedilatildeo do interesse em conflito segundo um criteacuterio de justiccedila material [hellip] implica uma ponderaccedilatildeo
entre os interesses individuais que se vatildeo constranger e os interesses que se pretendem defenderrdquo Cf
Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Lisboa de 3 de Marccedilo de 2016 disponiacutevel em
httpwwwdgsiptjtrlnsf33182fc732316039802565fa00497eec36f34b50b321b89980257f6f004d5fc6
OpenDocument [consultado em 16022017] 432 Gomes Canotilho 2016 458 433 Gomes Canotilho 2016 459 434 Neste sentido vai Robert Alexy ao afimar que segundo as teorias absolutas existe um nuacutecleo essencial
em todos os direitos fundamentais que em nenhum caso pode ser afectado Cf Alexy 2008 259
121
afectada435 Segundo alguns Autores o nuacutecleo essencial corresponderia agrave projecccedilatildeo da
dignidade humana em cada direito e seria afectado sempre que o indiviacuteduo se tornasse
objecto do acontecer estadual para outros significaria uma certa medida de valor social
global que teria sempre de sobrar depois da restriccedilatildeo para outros ainda seria constituiacutedo
pelos elementos tiacutepicos que conferem caraacutecter ao direito436
Por seu turno as teorias relativas reconduzem o conteuacutedo essencial aos princiacutepios da
exigibilidade e da proporcionalidade a restriccedilatildeo soacute seria legiacutetima quando (se) fosse
exigida para a realizaccedilatildeo de bens juriacutedicos que devessem ser considerados (no caso) como
mais valiosos e soacute na medida em que essa exigecircncia se imponha ao direito fundamental437
Assim natildeo eacute a gravidade ou intensidade da lesatildeo a relevacircncia da justificaccedilatildeo ou o tipo
de prejuiacutezo na liberdade que determinam por si soacute a activaccedilatildeo da garantia do nuacutecleo
essencial O que estaacute em causa eacute segundo Jorge Reis Novais a natureza da relaccedilatildeo que
se estabelece entre os bens em confronto e entre o fim prosseguido com a restriccedilatildeo e o
meio utilizado considerando-se que haacute violaccedilatildeo do conteuacutedo essencial dos direitos
fundamentais quando se verifica um excesso uma desproporcionalidade uma
desnecessidade independentemente do muito ou pouco que reste do direito fundamental
apoacutes a incidecircncia da restriccedilatildeo438 Donde facilmente se conclui que para a teoria relativa
a garantia do conteuacutedo essencial se identifica com o princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amploproibiccedilatildeo do excesso num quadro de ponderaccedilatildeo de bens
Estamos com Gomes Canotilho e Vital Moreira que defendem uma soluccedilatildeo intermeacutedia
uma teoria mista segundo a qual a questatildeo do conteuacutedo essencial de um direito natildeo se
pode equacionar senatildeo em confronto com outro bem mas nos termos da Constituiccedilatildeo
nunca essa ponderaccedilatildeo poderaacute conduzir agrave aniquilaccedilatildeo de qualquer direito fundamental439
A garantia do conteuacutedo essencial deve servir como um ldquoplusrdquo em relaccedilatildeo ao princiacutepio da
proporcionalidade Ou como sustenta Jorge Miranda deveraacute funcionar como barreira
uacuteltima e efectiva contra o abuso do poder que natildeo pode ser violada em qualquer
hipoacutetese440
435 Reis Novais 2010 782 436 Vieira de Andrade 2016 282-283 437 Vieira de Andrade 2016 283 438 Reis Novais 2010 781 439 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 440 Miranda 2014 315 Nesta linha de pensamento Gomes Canotilho e Vital Moreira reiteram que a
garantia do conteuacutedo essencial eacute uma baliza uacuteltima de defesa dos direitos liberdades e garantias
delimitando um nuacutecleo que em nenhum caso deveraacute ser invadido Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014
396
122
Em termos praacuteticos pode dizer-se que o requisito da proporcionalidade mencionado no
ponto anterior eacute uma terceira aproximaccedilatildeo (depois da exigecircncia da legalidade e da
necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido)
dado que a existecircncia de uma restriccedilatildeo arbitraacuteria desproporcionada eacute um iacutendice
relativamente seguro da ofensa do nuacutecleo essencial Sem embargo independentemente
de haver ou natildeo uma desproporcionalidade na restriccedilatildeo haacute que salvaguardar sempre a
extensatildeo do nuacutecleo essencial
Desta forma apoiamo-nos no recurso a uma teoria mista sustentada pelos Autores a um
tempo relativa e absoluta ldquorelativa porque a proacutepria delimitaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos
direitos liberdades e garantias tem de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo de
outros bens ou direitos constitucionalmente garantidos absoluta porque em uacuteltima
anaacutelise para natildeo existir aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial eacute necessaacuterio que haja sempre um
resto substancial de direito liberdade e garantia que assegure a sua utilidade
constitucionalrdquo441
O conteuacutedo inatacaacutevel dos preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias comeccedila
assim onde acaba a possibilidade e legitimidade da sua restriccedilatildeo442
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade
Segundo o primeiro requisito formal - lei geral e abstracta - a restriccedilatildeo de um qualquer
direito fundamental deve ser aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de
pessoas (proibiccedilatildeo de leis individuais) e natildeo pode ter como objecto um caso concreto ou
melhor deve regular um nuacutemero indeterminado ou indeterminaacutevel de casos (proibiccedilatildeo de
leis concretas)443 Estes dois requisitos satildeo cumulativos
Note-se que natildeo basta que as leis sejam formalmente ou aparentemente gerais e
abstractas Importa que o sejam material e realmente sendo ilegiacutetimas as leis individuais
eou concretas camufladas em forma geral e abstracta444
Ainda assim apesar de natildeo estar expressamente referido Vieira de Andrade esclarece
que deve ainda considerar-se que a restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ou a qualquer
outro princiacutepio ldquoem funccedilatildeo da reserva de lei formal tem de apresentar uma densidade
441 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 442 Vieira de Andrade 2016 287 443 Gomes Canotilho 2016 454 444 Gomes CanotilhoMoreira 2014 393
123
suficiente isto eacute um certo grau de determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no
essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de
regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo445
O segundo requisito formal das restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias estaacute
relacionado com o respeito pelo princiacutepio da natildeo retroactividade Desta forma qualquer
restriccedilatildeo a direitos fundamentais natildeo pode portanto aplicar-se a situaccedilotildees ou actos
passados mas antes e apenas aos verificados ou praticados apoacutes a sua entrada em vigor446
Este princiacutepio da natildeo retroactividade natildeo eacute um princiacutepio constitucional irrestritamente
vaacutelido na ordem juriacutedica portuguesa mas eacute-o sem quaisquer excepccedilotildees no que respeita
a restriccedilotildees de direitos liberdades e garantias ou de direitos anaacutelogos (nordm 3 do artigo 18ordm
e artigo 17ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblcica Portuguesa)447
A proibiccedilatildeo incide segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre a chamada
retroactividade autecircntica em que as leis restritivas de direitos afectam posiccedilotildees
jusfundamentais jaacute estabelecidas no passado ou mesmo esgotadas448 Ela abrangeraacute
tambeacutem alguns casos de retrospectividade ou de retroactividade inautecircntica sempre que
as medidas legislativas se revelarem arbitraacuterias inesperadas desproporcionadas ou
afectarem posiccedilotildees jusfundamentais dos particulares de forma excessivamente gravosa e
improacutepria
A razatildeo de ser deste requisito estaacute ainda segundo o entendimento dos referidos Autores
intimamente ligada agrave ideia de protecccedilatildeo da confianccedila e da seguranccedila dos cidadatildeos
defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou agraves situaccedilotildees
transactas efeitos juriacutedicos com que razoavelmente natildeo podiam contar449 Por seu turno
Jorge Reis Novais defende aqui a ideia de que a proibiccedilatildeo de restriccedilotildees a direitos
fundamentais de caraacutecter retroactivo decorre do princiacutepio da protecccedilatildeo da confianccedila450
Por fim em jeito de conclusatildeo desta problemaacutetica dos limites aos limites cumpre deixar
claro que pela nossa parte natildeo rejeitamos a possibilidade de poder haver casos de
colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela existecircncia de uma tipicidade dos casos de
colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que uma lei formal possa impor novos casos de
445 Vieira de Andrade 2016 290-291 446 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 447 Gomes Canotilho 2016 456 448 Gomes CanotilhoMoreira 2014 394 449 Gomes CanotilhoMoreira 2014 395 450 Reis Novais 2010 816-817
124
colaboraccedilatildeo contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa451 Assim o ponto eacute que haja uma lei formal que exija a
colaboraccedilatildeo que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em sentido estrito que
natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido e que seja uma restriccedilatildeo
de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens
Depois de analisado o criteacuterio da ponderaccedilatildeo como meacutetodo de resoluccedilatildeo de conflitos entre
direitos fundamentais cumpre agora trazer agrave colaccedilatildeo as vaacuterias criacuteticas apresentadas pela
doutrina a este criteacuterio Independemente da concordacircncia ou natildeo com esta metodologia
natildeo podem deixar de se reconhecer os perigos do recurso agrave ponderaccedilatildeo de bens neste
contexto
Considerando o entendimento de parte da doutrina diremos que os argumentos avanccedilados
contra o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de interesses satildeo ainda que genericamente
a ausecircncia de linhas seguras que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos casos de direitos
fundamentais a imprevisibilidade associada a essa desregulaccedilatildeo a manipulabilidade do
meacutetodo e as consequentes ameaccedilas para uma protecccedilatildeo adequada das posiccedilotildees
jusfundamentais dos particulares protegidas pelas normas constitucionais452
No que ao princiacutepio nemo tenetur diz respeito segundo o entendimento de Sandra
Oliveira e Silva a soluccedilatildeo da ponderaccedilatildeo acaba por enfraquecer a consistecircncia da sua
tutela juriacutedica uma vez que o juiacutezo de ponderaccedilatildeo do legislador ou do aplicador natildeo eacute
balizado de forma cuidadosa por paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos das proacuteprias
normas constitucionais453 Para a Autora agrave ponderaccedilatildeo de bens caberaacute em rigor delimitar
o acircmbito normativo de cada direito fundamental vale dizer determinar o quid protegido
pelas normas que os consagram Desta forma o recurso agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
acabaria por gerar riscos de subjectivismo e arbitrariedade na decisatildeo passando de um
Estado-de-Direito para um Estado-de-Ponderaccedilatildeo454
A ponderaccedilatildeo eacute vista assim como um meacutetodo de esvaziamento do acircmbito de protecccedilatildeo
dos direitos fundamentais onde tudo eacute deixado em aberto agrave relativizaccedilatildeo e agrave
451 Pinto 2013 111 452 ldquo[hellip] dir-se-ia que a vantagem praacutetica da ponderaccedilatildeo de bens eacute a de que pode ser utilizada para justificar
qualquer decisatildeo tanto a admissibilidade da restriccedilatildeo como exactamente o contraacuterio a desvantagem eacute a de
que toda a gente de apercebe dissohelliprdquo Cf Reis Novais 2010 694 453 Oliveira Silva 2015 617-619 454 Oliveira Silva 2015 620
125
arbitrariedade Efectivamente segundo este entendimento o criteacuterio da ponderaccedilatildeo por
natildeo delimitar paracircmetros materiais objectivos extraiacutedos do texto da lei que permitam a
comparaccedilatildeo dos bens constitucionais em conflito e por rejeitar a existecircncia de uma ordem
constitucional de valores acaba por converter-se numa simples foacutermula vazia
insusceptiacutevel de produzir resultados seguros
Em siacutentese pela junccedilatildeo dos argumentos acima mencionados a ponderaccedilatildeo eacute altamente
criticada por pautar-se num intenso subjectivismo natildeo possuindo mecanismos de
prevenccedilatildeo ao arbiacutetrio nem tampouco consistecircncia metodoloacutegica
Da nossa parte se bem que reconhecendo a pertinecircncia das criacuteticas dirigidas agrave ponderaccedilatildeo
de bens delas natildeo nos permitimos inferir a rejeiccedilatildeo do meacutetodo mas tatildeo soacute a importacircncia
dos riscos da sua utilizaccedilatildeo De resto como grande parte dos Autores tidos como adeptos
da ponderaccedilatildeo de bens consideramos que o recurso a essa metodologia eacute inevitaacutevel na
medida em que sendo o procedimento que intuitivamente corresponde ao sentimento
comum de justiccedila na resoluccedilatildeo de conflitos de bens ou de interesses natildeo eacute possiacutevel
prescindir da sua utilizaccedilatildeo nem encontrar qualquer outro meacutetodo que o substituiacutea com
proveito sempre que se trate de determinar uma relaccedilatildeo de prevalecircncia num contexto de
colisatildeo entre direitos liberdades e garantias455 Explicaremos de seguida o porquecirc desta
nossa posiccedilatildeo atraveacutes da contestaccedilatildeo das criacuteticas apresentadas
Uma das criacuteticas apresentadas contra a ponderaccedilatildeo de bens prende-se com a ausecircncia de
criteacuterios que regulem ou orientem a soluccedilatildeo dos conflitos entre direitos fundamentais
Sem embargo e apesar de a Constituiccedilatildeo natildeo fornecer criteacuterios definidos para a resoluccedilatildeo
de cada conflito em concreto cremos que da Lei Fundamental podemos deduzir criteacuterios
e paracircmetros de valoraccedilatildeo objectivos que vinculando os resultados da ponderaccedilatildeo a
tornem verificaacutevel previsiacutevel e escrutinaacutevel e impeccedilam que esse procedimento se
converta numa decisatildeo valorativa subjectiva e irrefutaacutevel do julgador
Senatildeo leiam-se os nuacutemeros 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa
que consagram a necessidade de as restriccedilotildees fundamentadas essencialmente em
decisotildees de ponderaccedilatildeo de bens observarem os limites aos limites dos direitos
fundamentais aplicaacuteveis a quaisquer restriccedilotildees Desde logo de acordo com a chamada lei
da ponderaccedilatildeo de Alexy a intensidade do prejuiacutezo sofrido por um dos bens deve ser
compensada pelo peso relativo do bem que a justifica dependendo a decisatildeo de
455 Reis Novais 2010 640-641
126
prevalecircncia do alcance que venha a atingir a restriccedilatildeo que a concretiza Assim a medida
concreta do recuo ou da cedecircncia que um bem em colisatildeo tem que suportar num caso
concreto eacute condicionada pelos limites aos limites que a nossa Constituiccedilatildeo consagra
explicitamente e que de resto deveriam ser sempre observados jaacute que grosso modo
correspondem a exigecircncias que o princiacutepio do Estado de Direito coloca a quaisquer
actuaccedilotildees restritivas da liberdade456
Uma decisatildeo de ponderaccedilatildeo teraacute sempre de observar como mencionado anteriormente
os princiacutepios da reserva de lei da necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido da proporcionalidade em sentido amplo e da protecccedilatildeo do
nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais bem como os requisitos formais da
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) traccedilando
desta forma fronteiras claramente discerniacuteveis do acircmbito de protecccedilatildeo de cada direito
fundamental restringido evitando a subjectividade
Logo sendo certo que a ponderaccedilatildeo de bens natildeo pode deixar de observar estes criteacuterios
constitucionais que regem a actuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos no caso das situaccedilotildees de
restriccedilatildeo de direitos fundamentais aquele perigo de falta de paracircmetros materiais
objectivos para a resoluccedilatildeo de conflitos deixa de fazer sentido Natildeo haveraacute na
generalidade dos casos uma inobservacircncia ou dissoluccedilatildeo de criteacuterios constitucionais
exclusivamente pelo facto de se ter recorrido agrave metodologia da ponderaccedilatildeo de bens como
forma de solucionar a colisatildeo que envolva um direito fundamental consagrado sem
reservas457
Quanto agrave questatildeo da rejeiccedilatildeo de uma ordem constitucional de valores cumpre deixar claro
que a ponderaccedilatildeo de bens utilizada no domiacutenio das restriccedilotildees aos direitos fundamentais
raramente surge limitada agrave avaliaccedilatildeo do peso relativo de dois bens ou interesses numa
dada situaccedilatildeo antecipada ou verificada de colisatildeo Para aleacutem desse factor ela envolve
simultaneamente como jaacute tivemos oportunidade de referir em sede de anaacutelise ao princiacutepio
da proporcionalidade em sentido amplo uma valoraccedilatildeo das vantagens e desvantagens que
a restriccedilatildeo de determinado direito fundamental inevitavelmente provoca bem como a
ponderaccedilatildeo das vantagens e desvantagens de um meio alternativo menos
agressivorestritivo
456 Reis Novais 2010 723-724 457 Reis Novais 2010 696
127
Assim de nada serve para os fins em causa proceder a uma hierarquizaccedilatildeo abstracta
entre dois direitos fundamentais Para demonstrar esta desnecessidade de hierarquizaccedilatildeo
Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre a liberdade religiosa e a sauacutede puacuteblica
quando o exerciacutecio da primeira arrasta consigo o perigo de uma propagaccedilatildeo de epidemia
Aqui o conflito em questatildeo natildeo eacute segundo o Autor entre aqueles dois bens em abstracto
mas sim entre de um lado ldquouma manifestaccedilatildeo parcelar substituiacutevel eventualmente
adiaacutevel de uma forma particular de culto religioso por parte de alguns cidadatildeos e de
outro as ameaccedilas mais ou menos remotas intensas reais ou aparentes que impendem
sobre a sauacutede de outros ou dos mesmos cidadatildeosrdquo 458 Por conseguinte mesmo que essa
hierarquizaccedilatildeo fosse constitucionalmente possiacutevel ela de nada adiantaria sobre a
prevalecircncia de um ou de outro bem uma vez que deve sempre assistir-se a uma valoraccedilatildeo
ponderada das vantagens e desvantagens da restriccedilatildeo em determinado caso concreto
Do ponto de vista da jurisprudecircncia internacional cumpre ainda deixar claro que o
proacuteprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deparando-se com uma situaccedilatildeo de
restriccedilatildeo a direitos fundamentais recorre sistematicamente agrave metodologia da ponderaccedilatildeo
de bens (e natildeo apenas ao criteacuterio da dependecircnciaindependecircncia da vontade do arguido)
E tambeacutem aqui a ponderaccedilatildeo eacute necessariamente fundada sobre uma elaboraccedilatildeo
dogmaacutetica geneacuterica acerca do sentido das ldquoexigecircncias da sociedade democraacuteticardquo e natildeo
constitucionalmente preacute-determinadas por qualquer hipoteacutetica ordem de valores459
Desta feita podemos concluir que a criacutetica agrave ponderaccedilatildeo baseada na falta de paracircmetros
materiais objectivos e a resultante tentativa de criar criteacuterios riacutegidos e preacute-definidos a
priori para a resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos fundamentais defendidas pelas
estrateacutegias absolutistas falham por culminarem em duas situaccedilotildees alternativas a) em
soluccedilotildees abstractas inadequadas natildeo realistas e ateacute pura e simplesmente inaplicaacuteveis b)
ou em contrapartida em soluccedilotildees baseadas de facto em ponderaccedilotildees mas que natildeo
sendo assumidas enquanto tal natildeo podem consequentemente ser sujeitas ao controlo e
agrave criacutetica Por este motivo somos da opiniatildeo de que nunca seraacute possiacutevel prescindir do
reconhecimento de uma margem de apreciaccedilatildeo que permita mediante procedimentos de
458 Reis Novais 2010 701 459 Reis Novais 2010 707
128
ponderaccedilatildeo e respeitando os criteacuterios impostos constitucionalmente dar resposta a um
caso concreto de conflito entre direitos fundamentais460
Por fim no que respeita agrave questatildeo da arbitrariedade na decisatildeo derivada da circunstacircncia
de ser o juiz a proceder agrave ponderaccedilatildeo de bens cumpre esclarecer que mais importante que
discutir se os tribunais podem proceder a ponderaccedilotildees eacute considerar a forma como essas
ponderaccedilotildees se devem processar num quadro de necessaacuteria garantia de previsibilidade
estabilidade e igualdade Para assegurar a reduccedilatildeo da discricionariedade judicial nos
procedimentos de ponderaccedilatildeo os juiacutezes devem atender aos criteacuterios impostos
constitucionalmente nos jaacute mencionados nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Desta forma o meacutetodo da ponderaccedilatildeo de bens mediante a intervenccedilatildeo de condicionantes
juriacutedico-constitucionais pode escapar a um decisionismo casuiacutestico Eacute que diz-se na
ausecircncia de criteacuterios juriacutedicos objectivos e precisos susceptiacuteveis de se imporem
vinculativamente aos procedimentos de valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens eacute a vontade
subjectiva do julgador que acaba por prevalecer com o inconveniente de essa prevalecircncia
se estabelecer com o sacrifiacutecio da decisatildeo de quem fora eleito para proceder agrave ponderaccedilatildeo
dos interesses subjacentes agraves colisotildees em causa461
Pelos motivos enunciados acreditamos que a ponderaccedilatildeo de bens constitui assim a
chave da soluccedilatildeo do problema das restriccedilotildees a direitos fundamentais E optando pelo
criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens como o meacutetodo ideal para a delimitaccedilatildeo da aacuterea de tutela
do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare resta-nos averiguar se com base neste
criteacuterio a revelaccedilatildeo da palavra-passe e a leitura da impressatildeo digital do arguido para
desencriptaccedilatildeo de smartphones estatildeo ou natildeo sob o acircmbito de protecccedilatildeo desse princiacutepio
460 Cumpre salientar neste acircmbito que o proacuteprio direito agrave vida natildeo se pode considerar isento de valoraccedilatildeo e ponderaccedilotildees no caso concreto Jorge Reis Novais daacute o exemplo do conflito entre o direito agrave vida e a
seguranccedila do Estado defendendo que apesar de o direito agrave vida ter uma preferecircncia eacutetica relativamente a
este uacuteltimo no caso concreto em que um grupo de terroristas rapta um empresaacuterio e ameaccedila com toda a
verosimilhanccedila mataacute-lo caso o Estado natildeo satisfaccedila as suas exigecircncias a soluccedilatildeo seria ou prescindir do
controlo ou aderir a um controlo de constitucionalidade essencialmente concretizado e dependente de
valoraccedilatildeo e ponderaccedilatildeo de bens Natildeo haacute segundo o Autor alternativas agrave ponderaccedilatildeo de bens que se
traduzam em acreacutescimo de racionalidade de seguranccedila juriacutedica e sobretudo de protecccedilatildeo efectiva dos
direitos fundamentais Cf Reis Novais 2010 719 461 Reis Novais 2010 697-698
129
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na
desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal
Depois de feita a apreciaccedilatildeo dos casos jurisprudenciais de desencriptaccedilatildeo de smartphones
com o auxiacutelio do arguido nos Estados Unidos da Ameacuterica a anaacutelise sobre o acesso e
apreensatildeo dos seus conteuacutedos no ordenamento juriacutedico portuguecircs a encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e a possibilidade de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
nos casos de desencriptaccedilatildeo compelida dos mesmos chegamos agrave derradeira questatildeo da
nossa investigaccedilatildeo tendo como referecircncia os casos apresentados no Capiacutetulo I e
recorrendo agrave legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia portuguesas seriam estas
desencriptaccedilotildees de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da
impressatildeo digital do arguido violadoras do princiacutepio de natildeo-autoincriminaccedilatildeo
Jaacute foi salientado diversas vezes durante o nosso estudo que o princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare natildeo eacute absoluto pelo que pode ser restringido quer na sua vertente de
direito ao silecircncio do arguido quer na sua dimensatildeo de princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo A tiacutetulo de exemplo podemos chamar agrave colaccedilatildeo as restriccedilotildees a este
princiacutepio que tecircm sido assumidas pelo legislador sempre por via da intervenccedilatildeo dos
limites aos limites com previsatildeo constitucional expressa nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da
Lei Fundamental nomeadamente a) a obrigaccedilatildeo do arguido responder com verdade agraves
perguntas sobre a sua identidade (al b) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) b) a
obrigatoriedade de realizar determinados exames por exemplo de alcoolemia ou de
substacircncias psicotroacutepicas ( artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) ou exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP)
No caso concreto de desencriptaccedilatildeo de smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo
penal este princiacutepio entraraacute em confronto com outros valores nomeadamente com a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material
Como referido anteriormente segundo o criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens satildeo legiacutetimas as
restriccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que observem os seguintes
requisitos a) devem estar previstas em lei formal b) devem ter como objectivo a
salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido c) devem
obedecer ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo ndash adequaccedilatildeo necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito d) natildeo devem aniquilar o direito em causa
130
atingindo o conteuacutedo essencial do respectivo preceito Aleacutem da verificaccedilatildeo destes
requisitos materiais todas as restriccedilotildees ao nemo tenetur devem ainda observar dois
requisitos de ordem formal a) generalidade e abstracccedilatildeo b) natildeo retroactividade
Tendo como referecircncia os casos norte-americanos apresentados no Capiacutetulo I relativos agrave
ordem de desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido no sentido de revelar a sua palavra-passe ou
de permitir a leitura da sua impressatildeo digital veremos de seguida se estes criteacuterios estatildeo
ou natildeo respeitados nesses casos Por questotildees de ordem praacutetica faremos uma divisatildeo
entre o primeiro e o segundo meacutetodo de desbloqueio do dispositivo
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Para podermos aferir da legitimidade da ordem de desencriptaccedilatildeo de um smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe pelo arguido cumpre analisar se esta ordem estaacute
prevista em lei formal se tem como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedece ao princiacutepio da proporcionalidade em sentido
amplo se natildeo aniquila o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por fim se
respeita os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos pela anaacutelise
do primeiro requisito onde indagaremos sobre a existecircncia de um comando legal que
obrigue o arguido agrave desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
Ateacute 2009 natildeo havia nenhuma soluccedilatildeo legislativa acerca da questatildeo concreta acima
colocada No entanto como foi referido no Capiacutetulo II da presente investigaccedilatildeo em 2009
foi aprovada a Lei do Cibercrime o que nos leva a perguntar se perante esta lei se passou
a consagrar a possibilidade ndash alargada ndash de as autoridades judiciaacuterias exigirem do arguido
o fornecimento da palavra-passe do seu smartphone
Um dos meios de obtenccedilatildeo de prova previstos na Lei do Cibercrime eacute a injunccedilatildeo para
apresentaccedilatildeo ou concessatildeo do acesso a dados prevista no artigo 14ordm analisado supra
Esta norma consagra que as autoridades judiciaacuterias podem ordenar a quem tenha a
disponibilidade ou o controlo de dados informaacuteticos especiacuteficos e que se encontrem
armazenados num determinado sistema informaacutetico (vg smartphone) que os comunique
ao processo ou que permita o acesso aos mesmos Prevecirc ainda este artigo que quem natildeo
actuar segundo as imposiccedilotildees previstas pode ser punido pelo crime de desobediecircncia
previsto pelo artigo 348ordm do Coacutedigo Penal
131
Ora impotildee-se saber se esta medida pode ter por alvo o arguido jaacute que isso implicaria
uma clara opccedilatildeo do legislador em restringir o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo em
detrimento da eficaacutecia da investigaccedilatildeo criminal E como atestaacutemos em sede de acesso ao
conteuacutedo dos smartphones a resposta eacute negativa o legislador ponderou bem os interesses
e direitos aqui em conflito tomando a opccedilatildeo clara de salvaguardar o direito agrave natildeo-
autoincriminaccedilatildeo ao consagrar no nordm 5 do artigo 14ordm que a injunccedilatildeo para apresentaccedilatildeo
ou concessatildeo do acesso a dados natildeo pode ser dirigida a suspeitos ou a arguidos no
processo em que for determinada a proacutepria medida462 Desta forma fica vedada agraves
autoridades judiciaacuterias ndash atraveacutes do mecanismo do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime - a
possibilidade de compelirem o arguido a revelar a palavra-passe do seu dispositivo
electroacutenico
Entendem-se e aplaudem-se as excepccedilotildees formuladas sendo que no que particularmente
respeita agrave protecccedilatildeo do arguido parece ser esta a uacutenica forma de natildeo impor uma
colaboraccedilatildeo deste na recolha de prova da sua eventual incriminaccedilatildeo
Ademais a jaacute mencionada aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal
referente aos direitos e deveres processuais do arguido consagra o direito ao silecircncio
deste sujeito processual enfatizando assim a possibilidade de o arguido manter em
segredo a palavra-passe que permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico
Desta forma podemos concluir que na legislaccedilatildeo nacional parece natildeo constar uma
norma que permita agraves autoridades judiciaacuterias compelir o arguido a revelar a palavra-passe
Contrariamente ao que acontece no ordenamento juriacutedico portuguecircs no Reino Unido a
criminalizaccedilatildeo da recusa em fornecer a palavra-passe encontra-se prevista e eacute punida
pelo artigo 53ordm da Regulation of Investigatory Powers Act 2000 (RIPA)463 sendo que a
462 NevesCorreia 2014 147-148 Tambeacutem na Holanda o Coacutedigo de Processo Penal prevecirc na secccedilatildeo 2 do
seu artigo 125K que ldquoan order can be given to provide access of a secured computer andor to decrypt
relevant datardquo Esta ordem pode ser dada a qualquer pessoa que tenha acesso agrave informaccedilatildeo necessaacuteria para
desencriptar o dispositivo agrave excepccedilatildeo do suspeito e arguido Cf Vordoglou 2016 17 Disponiacutevel em
httpsrepositoryihuedugrxmluibitstreamhandle1154414539Dissertation-Final-1104130034-
Vordogloupdfsequence=1 [consultado em 10022017] Koops 2010 607 463 Dispotildee o artigo 53ordm da RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoFailure to comply with a noticerdquo ldquo(1) A person to
whom a section 49 notice has been given is guilty of an offence if he knowingly fails in accordance with
the notice to make the disclosure required by virtue of the giving of the notice (2) In proceedings against
any person for an offence under this section if it is shown that that person was in possession of a key to
any protected information at any time before the time of the giving of the section 49 notice that person
shall be taken for the purposes of those proceedings to have continued to be in possession of that key at all
subsequent times unless it is shown that the key was not in his possession after the giving of the notice and
before the time by which he was required to disclose it [hellip] (5) A person guilty of an offence under this
section shall be liable - (a) on conviction on indictment to imprisonment for a term not exceeding [the
132
notificaccedilatildeo para ceder qualquer palavra-passe eacute consagrada no artigo 49ordm da referida
legislaccedilatildeo464 Assim se apoacutes a notificaccedilatildeo para fornecer uma palavra-passe o arguido
optar por natildeo o fazer a puniccedilatildeo aplicaacutevel corresponde a uma pena de prisatildeo compreendida
entre 2 a 5 anos465 Atendendo ao caso concreto a eventual recusa do arguido em cumprir
a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone que lhe eacute dirigida pela autoridade competente
seraacute livremente apreciada pelo tribunal466 Por outro lado se o arguido actuar em
conformidade com a ordem de desencriptaccedilatildeo tambeacutem os dados descodificados seratildeo de
uma perspectiva probatoacuteria livremente ponderados e tomados em consideraccedilatildeo na
decisatildeo a proferir467
Jaacute no ordenamento juriacutedico belga a criminalizaccedilatildeo da recusa em revelar palavras-passe
pode desencadear a aplicaccedilatildeo de uma pena de prisatildeo compreendida entre os 6 a 12 meses
ou ainda uma pena de multa De facto o juiz pode ordenar que o arguido revele a
palavra-passe do seu smartphone quando considere que a mesma eacute essencial para a
descoberta da verdade material468
appropriate maximum term] or to a fine or to both (b) on summary conviction to imprisonment for a term
not exceeding six months or to a fine not exceeding the statutory maximum or to both (5A) In subsection (5) lsquothe appropriate maximum termrsquo means - (a) in a national security case [or a child indecency case]
five years and (b) in any other case two years (5B) In subsection (5A) lsquoa national security casersquo means a
case in which the grounds specified in the notice to which the offence relates as the grounds for imposing
a disclosure requirement were or included a belief that the imposition of the requirement was necessary in
the interests of national security] [hellip]rdquo 464 Dispotildee o artigo 49ordm do RIPA sob a epiacutegrafe de ldquoNothing requiring disclosurerdquo ldquo(1) This section applies
where any protected information (a) has come into the possession of any person by means of the exercise
of a statutory power to seize detain inspect search or otherwise to interfere with documents or other
property or is likely to do so [hellip] (2) If any person with the appropriate permission under Schedule 2
believes on reasonable groundsmdash (a) that a key to the protected information is in the possession of any
person (b) that the imposition of a disclosure requirement in respect of the protected information ismdash [hellip] (ii) necessary for the purpose of securing the effective exercise or proper performance by any public
authority of any statutory power or statutory duty [hellip] the person with that permission may by notice to
the person whom he believes to have possession of the key impose a disclosure requirement in respect of
the protected information (3) A disclosure requirement in respect of any protected information is necessary
on grounds falling within this subsection if it is necessarymdash (a) in the interests of national security (b) for
the purpose of preventing or detecting crime or (c) in the interests of the economic well-being of the United
Kingdom [hellip]rdquo 465 Atwood 2015 431 466 Palfreyman 2009 362-370 Lowman 2010 3-4 Disponiacutevel em
httpswwwlowmaniocoukshareThe20Effect20of20File20and20Disk20Encryption20on
20Computer20Forensicspdf [consultado em 10022017] 467 Andrade 2014 33 468 Dispotildee o artigo 88ordm do Coacutedigo Processual Penal belga (Code DrsquoInstruction Criminelle) ldquosect 1er Lorsque
le juge dinstruction ordonne une recherche dans un systegraveme informatique ou une partie de celuici cette
recherche peut ecirctre eacutetendue vers un systegraveme informatique ou une partie de celui-ci qui se trouve dans un
autre lieu que celui ougrave la recherche est effectueacutee - si cette extension est neacutecessaire pour la manifestation
de la veacuteriteacute agrave leacutegard de linfraction qui fait lobjet de la recherche et - si dautres mesures seraient
disproportionneacutees ou sil existe un risque que sans cette extension des eacuteleacutements de preuve soient perdus
sect 2 Lextension de la recherche dans un systegraveme informatique ne peut pas exceacuteder les systegravemes
informatiques ou les parties de tels systegravemes auxquels les personnes autoriseacutees agrave utiliser le systegraveme
133
Se ateacute ao ano de 2000 nenhum paiacutes tinha legislado a criminalizaccedilatildeo ou mesmo a simples
obrigaccedilatildeo de fornecer uma palavra-passe quando tal lhe fosse ordenado desde esse ano
temos assistido ao movimento segundo o qual vaacuterios ordenamentos juriacutedicos
introduziram normas atinentes agrave desencriptaccedilatildeo de dados469
Ora atendendo ao facto de que na legislaccedilatildeo nacional natildeo podemos encontrar nenhum
comando legal que regule esta mateacuteria o julgador aplicando directamente os preceitos
constitucionais devidamente interpretados e concretizados teraacute de concluir que eacute
ilegiacutetima e violadora do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare qualquer ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe diriga ao arguido
pelas autoridades judiciaacuterias470
De facto estamos com Vacircnia Costa Ramos quando centra a discussatildeo na existecircncia ou
inexistecircncia de uma obrigaccedilatildeo imposta por lei e na especiacutefica relaccedilatildeo que se impotildee entre
o Estado e a pessoa Segundo a Autora se sobre o cidadatildeo impende um dever especiacutefico
de submissatildeo ao controlo das autoridades (vg exames de alcoolemia substacircncias
informatique qui fait lobjet de la mesure ont speacutecifiquement accegraves sect 3 En ce qui concerne les donneacutees
recueillies par lextension de la recherche dans un systegraveme informatique qui sont utiles pour les mecircmes finaliteacutes que celles preacutevues pour la saisie les regravegles preacutevues agrave larticle 39bis sappliquent Le juge
dinstruction informe le responsable du systegraveme informatique sauf si son identiteacute ou son adresse ne peuvent
ecirctre raisonnablement retrouveacutees Lorsquil savegravere que ces donneacutees ne se trouvent pas sur le territoire du
Royaume elles peuvent seulement ecirctre copieacutees Dans ce cas le juge dinstruction par lintermeacutediaire du
ministegravere public communique sans deacutelai cette information au ministegravere de la Justice qui en informe les
autoriteacutes compeacutetentes de leacutetat concerneacute si celui-ci peut raisonnablement ecirctre deacutetermineacute sect 4 Larticle
89bis est applicable agrave lextension de la recherche dans un systegraveme informatiquerdquo Por seu turno o artordm
88quater dispotildee o seguinte ldquosect 1er Le juge dinstruction ou un officier de police judiciaire auxiliaire du
procureur du Roi deacuteleacutegueacute par lui peut ordonner aux personnes dont il presume quelles ont une
connaissance particuliegravere du systegraveme informatique qui fait lobjet de la recherche ou des services qui
permettent de proteacuteger ou de crypter des donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un systegraveme informatique de fournir des informations sur le fonctionnement de ce systegraveme et sur la maniegravere dy acceacuteder
ou dacceacuteder aux donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegraveme dans une forme
compreacutehensible Le juge dinstruction mentionne les circonstances propres agrave laffaire justifiant la mesure
dans une ordonnance motiveacutee quil transmet au procureur du Roi sect 2 Le juge dinstruction peut ordonner
agrave toute personne approprieacutee de mettre en fonctionnement ellemecircme le systegraveme informatique ou selon le
cas de rechercher rendre accessibles copier rendre inaccessibles ou retirer les donneacutees pertinentes qui
sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par ce systegraveme dans la forme quil aura demandeacutee Ces personnes
sont tenues dy donner suite dans la mesure de leurs moyens Lordonnance vises agrave lalineacutea 1er ne peut
ecirctre prise agrave leacutegard de linculpeacute et agrave leacutegard des personnes viseacutees agrave larticle 156 sect 3 Celui qui refuse de
fournir la collaboration ordonneacutee aux sectsect 1er et 2 ou qui fait obstacle agrave la recherche dans le systegraveme
informatique est puni dun emprisonnement de six mois agrave un an et dune amende de vingt-six francs agrave vingt mille francs ou dune de ces peines seulement sect 4 Toute personne qui du chef de sa fonction a
connaissance de la mesure ou y precircte son concours est tenue de garder le secret Toute violation du secret
est punie conformeacutement agrave larticle 458 du Code peacutenal sect 5 LEtat est civilement responsable pour le
dommage causeacute de faccedilon non intentionnelle par les personnes requises agrave un systegraveme informatique ou aux
donneacutees qui sont stockeacutees traiteacutees ou transmises par un tel systegravemerdquo 469 Andrade 2014 35 470 Dias 2005 211 ldquo[hellip] natildeo havendo entre noacutes nenhuma norma habilitante dificilmente se poderatildeo
superar os constrangimentos processuais penais decorrentes do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
O arguido natildeo pode ser forccedilado a contribuir para a sua proacutepria condenaccedilatildeordquo Cf Correia 2014 59
134
psicotroacutepicas ou exames de ADN) qualquer restriccedilatildeo do nemo tenetur eacute vaacutelida se pelo
contraacuterio impender unicamente um dever geneacuterico natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar Em suma ldquoas restriccedilotildees ao nemo tenetur situam-se num campo de verificaccedilatildeo
do cumprimento de obrigaccedilotildees impostas por leirdquo471
Assim sendo cremos que do enquadramento legal portuguecircs decorre que a colaboraccedilatildeo
do arguido eacute a excepccedilatildeo (e natildeo a regra) soacute havendo colaboraccedilatildeo exigiacutevel ao arguido na
medida em que haja uma lei formal nesse sentido (que excepcione concretamente o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare)472
Apesar da falta de uma lei formal que regule a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe por parte do arguido analisaremos ainda que sumariamente
e sob pena de tratarmos a questatildeo em maior detalhe mais agrave frente na nossa investigaccedilatildeo
os restantes requisitos
Desta feita se o primeiro requisito das restriccedilotildees a direitos fundamentais fosse
validamente preenchido atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma lei formal que previsse a
obrigaccedilatildeo de o arguido revelar a palavra-passe do seu smartphone o segundo requisito ndash
a necessidade de a restriccedilatildeo ao nemo tenetur ter como objectivo a salvaguarda de um
outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ndash natildeo parece levantar duacutevidas de
maior Na circunstacircncia de as autoridades judiciaacuterias forccedilarem o arguido a desencriptar o
seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da sua palavra-passe para desta forma obterem o
acesso ao seu conteuacutedo salta agrave vista que interesse as primeiras pretendem alcanccedilar a
realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material Tal interesse eacute claramente protegido
dentro da unidade da Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e
desmotivado do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
No que concerne agrave questatildeo de saber se as ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones
dirigidas aos arguidos atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe enunciadas no Capiacutetulo I
respeitam o princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo posicionamo-nos a favor
da sua clara desproporcionalidade em violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare Sem embargo sob pena de nos adiantaacutermos nesta mateacuteria remetemos para a
anaacutelise deste princiacutepio em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido
471 Ramos 2007 90 472 Pinto 2013 111
135
Queda-nos ainda referir que pela nossa parte qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe dirigida ao arguido natildeo respeita o
quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos fundamentais vertido no nordm 3
do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa ndash a garantia do conteuacutedo essencial
do direito restringido Como mencionado anteriormente este requisito consagra a ideia
de que existe um nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais que natildeo pode em caso
algum ser violado Sendo o uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees a direitos liberdades
e garantias este pressuposto funciona como uma barreira final e efectiva contra o abuso
do poder De acordo com uma teoria mista por noacutes defendida este nuacutecleo essencial do
nemo tenetur teraacute de articular-se com a necessidade de protecccedilatildeo do interesse pela
persecuccedilatildeo da justiccedila e pela busca da verdade material sendo que natildeo poderaacute ser alvo de
uma qualquer aniquilaccedilatildeo
Nesta linha de raciociacutenio estamos com Catarina Anastaacutecio quando defende que o nuacutecleo
essencial deste princiacutepio eacute aniquilado nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo uma vez que tal admissatildeo a verificar-se deveraacute ser sempre
um acto totalmente livre e conscienterdquo473 Por conseguinte atendendo ao facto de que o
arguido ao acatar uma qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da
revelaccedilatildeo da sua palavra-passe estaraacute a emitir declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias outra natildeo
poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que esta medida eacute claramente violadora do requisito da
garantia do nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido consagrado na parte final
do nordm 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Perante um caso de conflito entre dois direitos fundamentais e depois de valoradas todas
as circunstacircncias do caso concreto dever-se-aacute concluir pela prevalecircncia de um direito
sobre o outro No entanto o sacrifiacutecio deste uacuteltimo em caso algum poderaacute jusitificar a
aniquilaccedilatildeo do conteuacutedo essencial de qualquer um dos direitos
Por fim quanto aos requisitos formais das restriccedilotildees a direitos fundamentais ndash
generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade - atendendo ao facto de que a ordem de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo de palavra-passe dirigida ao arguido
natildeo tem consagraccedilatildeo em lei formal deixa de ser pertinente a anaacutelise destes criteacuterios
473 Anastaacutecio 2010 217
136
Em jeito de conclusatildeo contra a revelaccedilatildeo coactiva da palavra-passe poder-se-aacute alegar o
seguinte a) natildeo estaacute prevista na lei qualquer obrigatoriedade de fornecimento da palavra-
passe por parte do arguido b) o acesso ao smartphone encriptado eacute possiacutevel atraveacutes de
tentativas de adivinhar a palavra-passe uma vez que muitos utilizadores optam por
palavras-passe faacuteceis de decifrar c) o arguido tem direito ao silecircncio de acordo com a
aliacutenea d) do nordm 1 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal d) a palavra-passe pode ser
considerada como incriminatoacuteria uma vez que a demonstraccedilatildeo do seu conhecimento
prova ainda que implicitamente474 determinados factos nomeadamente que o arguido
seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados que estejam armazenados no smartphone
porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os mesmos475 e) a palavra-passe pode ser ainda
incriminatoacuteria noutro sentido seraacute incriminatoacuteria de modo indirecto na medida em que
faculta o acesso a dados incriminatoacuterios476 os quais sem a colaboraccedilatildeo do arguido nunca
seriam acedidos e nunca fundamentariam por isso mesmo a sua responsabilidade
penal477
Depois de confirmada a violaccedilatildeo de acordo com ordenamento juriacutedico nacional do
princiacutepio nemo tenetur nos casos em que as autoridades judiciaacuterias dirigem ao arguido
uma ordem de desencriptaccedilatildeo do seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe
resta-nos apenas aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital do arguido
474 ldquo[hellip] the entry of the passphrase is testimonial because it implicity communicates facts namely that the
defendant knows the passphrase has control over the smartphone files and believes he can access the
smartphonersquos contentsrdquo Cf Pfefferkorn 2009 11 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1883697ampdownload=yes [consultado em
13022017] 475 ldquo[hellip] disclosing the passphrase [hellip] implicity involves statements of fact by admitting that the evidence
exists is in the personrsquos possession or control and is authentic By entering a passphrase the person will
implicity admit the fact that he or she knows the passphrase it is within his or her control and the
passphrase is authentic in the sense that it is what the person believes the government wants In this case the act of disclosing a passphrase will lead to the inference that the contents decrypted were created and
in the control of that person which may be highly incriminating [hellip]rdquo Cf Duong 2009 349 ldquoWhen a
defendant is compelled to enter a password into his smartphone the act of decryption necessarily implies
statements of fact that could prove to be incriminatoryrdquo Cf Winkler 2014 46 476 ldquoO princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo abrange acccedilotildees verbais ou fiacutesicas capazes de contribuir para a
proacutepria condenaccedilatildeo e encurtando razotildees o arguido natildeo pode ser condicionado a contribuir para a sua
incriminaccedilatildeo atraveacutes da prestaccedilatildeo de qualquer tipo de declaraccedilotildees nomeadamente [hellip] fornecendo um
coacutedigo [hellip]rdquo Cf Haddad 2003 20-21 477 Pinto 2013 112-115
137
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido
Para aferir da legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones para a obtenccedilatildeo de prova
em processo penal atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido com base nos casos
norte-americanos anteriormente apresentados cumpre agrave semelhanccedila do que foi feito em
sede de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe aferir se estas ordens estatildeo
previstas em lei formal se tecircm como objectivo a salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido se obedecem ao princiacutepio da proporcionalidade em
sentido amplo se natildeo aniquilam o nemo tenetur atingindo o seu conteuacutedo essencial e por
fim se respeitam os requisitos formais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da CRP) Comeccedilaremos
pelo primeiro requisito
Quanto agrave questatildeo da exigecircncia de lei formal vale o que ficou dito no ponto anterior
Assim a legitimidade da restriccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare estaacute
dependente da sua consagraccedilatildeo na legislaccedilatildeo nacional (bastando que seja admitida dentro
da unidade da Constituiccedilatildeo)
Queda-nos entatildeo apurar sobre a existecircncia de uma norma que obrigue o arguido a
colocar o seu dedo no sensor do smartphone para que a leitura da sua impressatildeo digital
possibilite o acesso das autoridades judiciaacuterias ao conteuacutedo do seu dispositivo
Como ficou assente no Capiacutetulo II da nossa investigaccedilatildeo o acto de colocar o dedo no
sensor do smartphone para permitir a leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo pode ser
considerado nem uma periacutecia nem um exame mas sim uma outra diligecircncia de prova
A aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal regula que sobre o
arguido recaem em especial os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova e a medidas
de coacccedilatildeo e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por
entidade competenterdquo De facto como realccedilaacutemos anteriormente natildeo obstante a
inexistecircncia de um dever de o arguido colaborar com as autoridades tal natildeo significa que
natildeo possa haver derrogaccedilotildees ao princiacutepio nemo tenetur478 Neste caso concreto de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital o arguido acaba
478 Marques da Silva 2010 318
138
por constituir um meio de prova em sentido formal na medida em que o seu corpo e o
seu estado corporal podem ser objecto de diligecircncias de prova479
No que agrave jurisprudecircncia diz respeito o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu acoacuterdatildeo nordm
142014 veio realccedilar o disposto na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP afirmando
que ldquoo estatuto processual do arguido natildeo eacute incompatiacutevel com a sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ou meios de as obter posto que esses deveres natildeo afectem direitos fundamentais
processuais integrantes do seu direito de defesardquo480
Poderiacuteamos assim concluir que de acordo com o entendimento da doutrina citada e da
jurisprudecircncia do Supremo Tribunal de Justiccedila a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido teria consagraccedilatildeo na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo
61ordm do Coacutedigo de Processo Penal podendo o arguido ser legitimamente compelido a tal
Efectivamente o arguido tem o dever de se sujeitar a diligecircncias de prova devendo no
entanto entender-se que este dever natildeo abrange todo e qualquer tipo de prova (artigo
125ordm do CPP) mas apenas as diligecircncias de prova que estejam ldquoespecificadas na leirdquo
sendo que a desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital natildeo se
mostra como tal normativamente especificada Se todos os casos de recusa de submissatildeo
a diligecircncias de prova devessem merecer a censura tiacutepica do crime de desobediecircncia o
legislador tecirc-lo-ia previsto expressamente naquele segmento normativo (al d) do nordm 3 do
artigo 61ordm) bastando para tanto acrescentar agrave sua respectiva previsatildeo a expressatildeo ldquosob
cominaccedilatildeo de incorrer no crime de desobediecircncia em caso de recusa ou natildeo
cumprimentordquo481 Deve ainda ter-se em conta que na esteira do defendido por Germano
Marques da Silva natildeo obstante o dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova o arguido natildeo
tem a obrigaccedilatildeo de fornecer provas que o incriminem482
O Coacutedigo de Processo Penal actualmente em vigor desde 1987 (e com as alteraccedilotildees
entretanto introduzidas) consagrou expressamente o direito ao silecircncio do arguido mas
natildeo consagrou expressamente a possibilidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da sua impressatildeo digital Pelo contraacuterio a Lei do Cibercrime de 15 de Setembro
de 2009 veio estabelecer no nordm 5 do seu artigo 14ordm que o suspeito e o arguido natildeo podem
479 Figueiredo Dias 2004 438-439 480 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 481 Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro de 2014 disponiacutevel em
httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 482 Marques da Silva 2013 76
139
ser compelidos pelas autoridades judiciaacuterias a permitir o acesso ao conteuacutedo do seu
dispositivo electroacutenico
Assim estamos com Helena Moniz quando defende no seu voto de vencida ao Acoacuterdatildeo
do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 que ldquoa submissatildeo do arguido a diligecircncias
de prova nos termos da al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP apenas se impotildee quando
estejam ldquoespecificadas na leirdquo sem o que natildeo pode aquela restriccedilatildeo agraves garantias do
arguido ser-lhe imposta quando o arguido eacute utilizado como meio de prova contra si
proacuteprio [hellip]rdquo483
Como deixaacutemos claro no ponto anterior tambeacutem Vania Costa Ramos parece seguir este
entendimento com o qual concordamos inteiramente Segundo a Autora se sobre o
arguido impende unicamente um dever geneacuterico (vg dever de sujeiccedilatildeo a diligecircncias de
prova ndash al d) do nordm 3 do artigo 61ordm do CPP) natildeo seraacute possiacutevel obrigar o arguido a
colaborar484 Para que se possa aqui falar de uma obrigaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo por parte do
arguido eacute necessaacuterio que se esteja perante um dever especiacutefico de submissatildeo ao controlo
das autoridades485 como eacute o caso a tiacutetulo de exemplo dos exames de alcoolemia e
substacircncias psicotroacutepicas (artigos 152ordm e 153ordm do Coacutedigo da Estrada) e exames de ADN
para fins de investigaccedilatildeo criminal (nordm 1 do artigo 8ordm da Lei nordm 52008 de 12 de Fevereiro
e artigo 172ordm do CPP) Igualmente Vieira de Andrade vem defender a ideia de que uma
qualquer restriccedilatildeo ao princiacutepio da natildeo-autoincriminaccedilatildeo em funccedilatildeo da exigecircncia de lei
formal deve ldquo[hellip] apresentar uma densidade suficiente isto eacute um certo grau de
determinaccedilatildeo do seu conteuacutedo pelo menos no essencial natildeo sendo legiacutetimo que se deixe
agrave Administraccedilatildeo espaccedilos significativos de regulaccedilatildeo ou de decisatildeo [hellip]rdquo486
483 Voto de Vencida de Helena Moniz ao Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de
Outubro de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] Em
sentido contraacuterio o Supremo Tribunal de Justiccedila no referido acoacuterdatildeo veio defender o entendimento de que
uma leitura e interpretaccedilatildeo restritiva da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo de Processo Penal no
sentido de que as deligecircncias de prova necessitariam de estar ldquoespecificadas na leirdquo constituiria um golpe
profundo na investigaccedilatildeo criminal posto que salvaguardaria o arguido das diligecircncias de prova meios de
prova ou de obtenccedilatildeo de prova Cf Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila nordm 142014 de 21 de Outubro
de 2014 disponiacutevel em httpsdreptapplicationfile58512485 [consultado em 15022017] 484 Ramos 2007 90 485 Neste sentido vai tambeacutem Catarina Andrade ao afimar em sede de desencriptaccedilatildeo de dispositivos
electroacutenicos que natildeo se pode defender a ideia de que o arguido eacute obrigado a cooperar com as autoridades
ao abrigo de um dever geneacuterico de colaboraccedilatildeo ldquoPese embora a importacircncia da descoberta da verdade
material natildeo pode o legislador permitir que a mesma opere como derrogaccedilatildeo absoluta dos princiacutepios
constitucionalmente consagrados e desenvolvidos em sede processual penal Como tal [hellip] natildeo podemos
considerar que a questatildeo controvertida se encontra resolvida atraveacutes da aplicaccedilatildeo de um dever geral de
colaboraccedilatildeo do arguido porquanto o mesmo natildeo eacute aceite pelo ordenamento juriacutedico portuguecircsrdquo Cf
Andrade 2014 29 486 Vieira de Andrade 2016 290-291
140
Assim a sujeiccedilatildeo do arguido a colocar o dedo no sensor do smartphone para permitir o
acesso ao dispositivo contra a sua vontade enquanto limitaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur
se ipsum accusare soacute deveraacute ser possiacutevel apoacutes a consagraccedilatildeo legal desse dever especiacutefico
Considerando-se que aquela limitaccedilatildeo natildeo estaacute legalmente prevista natildeo podemos
entender que possa ser ordenada pelas autoridades judiciaacuterias De facto ainda que natildeo
exista legislaccedilatildeo que preveja uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o seu smartphone
atraveacutes da leitura da impressatildeo digital suprir esta omissatildeo legislativa atraveacutes da subversatildeo
do regime processual penal consagrado natildeo pode configurar-se como admissiacutevel O
simples facto de determinada mateacuteria natildeo se achar prevista e regulada na lei natildeo indicia
de per si a existecircncia de uma lacuna legal que careccedila de ser integrada nos termos do
disposto no artigo 10ordm do Coacutedigo Civil Na expressatildeo impressiva de Oliveira Ascensatildeo
ldquolacuna natildeo eacute tudo o que natildeo estaacute na leirdquo487
E mesmo que o julgador interprete a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm
como uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua
impressatildeo digital resta saber se esta ordem respeita os restantes limites aos limites dos
direitos fundamentais consagrados nos nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Lei Fundamental
Analisado que estaacute o primeiro requisito da exigecircncia de lei formal passaremos agrave
verificaccedilatildeo do segundo requisito ndash necessidade de salvaguarda de outro direito ou
interesse constitucionalmente protegido
Agrave semelhanccedila do que ficou dito no ponto anterior tambeacutem no caso concreto de uma
ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital dirigida
ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias natildeo existem duacutevidas quanto ao interesse das
uacuteltimas a persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material Interesse esse que
como jaacute enfatizaacutemos anteriormente eacute claramente protegido dentro da unidade da
Constituiccedilatildeo impedindo assim um sacrifiacutecio arbitraacuterio gratuito e desmotivado do
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Passando agrave averiguaccedilatildeo do terceiro limite aos limites dos direitos fundamentais cumpre
salientar que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphones agora atraveacutes da leitura da
impressatildeo digital do arguido natildeo pode dispensar o escrutiacutenio do princiacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou para alguns princiacutepio da proibiccedilatildeo do excesso
Por esse motivo analisaremos de seguida se nos casos norte-americanos tendo agora
487 Ascensatildeo 1997 918
141
por base a legislaccedilatildeo nacional os corolaacuterios da adequaccedilatildeo necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito estatildeo ou natildeo preenchidos
O subprinciacutepio da adequaccedilatildeo como vimos anteriormente exige que a ordem restritiva
em causa seja apta a realizar o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar
Ora a ordem restritiva nos casos norte-americanos apresentados eacute precisamente a ordem
dada ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de desencriptar o seu
smarpthone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital Jaacute o fim visado com essa restriccedilatildeo
prende-se com a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material
Sabendo de antematildeo que este corolaacuterio natildeo eacute devidamente cumprido sempre que a
ordem restritiva se revele inapta para atingir esse fim ou seja sempre que os efeitos dessa
medida se revelarem indiferentes ou contraacuterios agrave realizaccedilatildeo do fim em vista cumpre
perceber quais satildeo os potenciais efeitos que aquelas ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido podem causar
A ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes de que meacutetodo for eacute sempre
emitida com o propoacutesito de aceder ao conteuacutedo do dispositivo Assim as autoridades
judiciaacuterias numa tentativa de proceder agrave apreensatildeo de provas incriminatoacuterias que possam
estar armazenadas no smartphone solicitam a colaboraccedilatildeo do arguido
Ora a priori as autoridades judiciaacuterias natildeo tecircm na maioria das vezes (ou ateacute mesmo na
totalidade) conhecimentos bastantes para garantir que no smartphone estaratildeo
armazenadas provas de determinado delito Por esse motivo depois de conseguirem
aceder ao dispositivo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido estas entidades
podem encontrar provas suficientes para relacionar o arguido ao crime em questatildeo ou
pelo contraacuterio podem encontrar apenas informaccedilotildees ficheiros e dados pessoais do
arguido que em nada o relacionem com o delito E neste uacuteltimo caso se o smartphone
natildeo contiver qualquer informaccedilatildeo pertinente para a investigaccedilatildeo do crime parece-nos
oacutebvio que o fim visado ndash a persecuccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material ndash fica
claramente comprometido No entanto ficou esclarecido anteriormente que este
subprinciacutepio da adequaccedilatildeo exige que a medida restritiva seja considerada apta a realizar
o fim visado com a restriccedilatildeo ou contribua para o alcanccedilar mas atraveacutes de um juiacutezo de
prognose Ou seja soacute poderemos falar aqui numa inconstitucionalidade desta ordem de
desencriptaccedilatildeo se tendo em conta os conhecimentos empiacutericos e cientiacuteficos disponiacuteveis
142
no momento da aprovaccedilatildeo da medida esta se revele inapta a contribuir para a persecuccedilatildeo
da justiccedila e descoberta da verdade material
Assim podemos concluir que os efeitos desta medida restritiva ao princiacutepio nemo tenetur
ndash desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido ndash
revelam-se desta forma aptos agrave realizaccedilatildeo da justiccedila e descoberta da verdade desde que
agrave data da aprovaccedilatildeo da medida e de acordo com os conhecimentos das autoridades
judiciaacuterias haja a possibilidade (ainda que reduzida) de o dispositivo conter provas
autoincriminatoacuterias
Desta feita outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo se natildeo a de que todas as ordens de
desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I (no caso Baust Diamond e Paytsar ndash no caso
do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave finalidade
da medida) respeitaram o subprinciacutepio da adequaccedilatildeo uma vez que agrave data da sua
aprovaccedilatildeo e de acordo com os conhecimentos empiacutericos disponiacuteveis na altura havia em
todos os casos a possibilidade de os dispositivos electroacutenicos armazenarem provas
incriminatoacuterias (relativas agrave ofensa agrave integridade fiacutesica ao furto e ao roubo de identidade
respectivamente)
De facto casos em que uma medida retritiva de um direito fundamental eacute declarada
inconstitucional devido agrave sua inadequaccedilatildeo satildeo raros Normalmente os meios restritivos
adoptados atingem o seu objectivo ateacute certo grau Isto eacute suficiente para superar o teste da
adequaccedilatildeo488
Completamente diferente eacute o que se passa com o segundo subprinciacutepio da
proporcionalidade em sentido amplo ou seja a necessidade Este subprinciacutepio exige que
se recorra para atingir determinado fim ao meio necessaacuterio exigiacutevel ou indispensaacutevel
no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir
o fim em vista Para tal eacute necessaacuterio que se faccedila a comparaccedilatildeo entre os prejuiacutezos
provocados pela desencriptaccedilatildeo compelida e os prejuiacutezos que seriam provocados pela
utilizaccedilatildeo de um meio alternativo
Como foi oportunamente referido o smartphone tem actualmente capacidade para
armazenar uma vasta quantidade de informaccedilatildeo nomeadamente agenda de contactos
informaccedilatildeo de calendaacuterio mensagens escritas registo de chamadas feitas e recebidas e-
488 Alexy 2014 820
143
mail fotografias gravaccedilotildees aacuteudio e viacutedeo mensagens de multimeacutedia mensagens
instantacircneas histoacuterico de navegaccedilatildeo na internet documentos electroacutenicos dados
relacionados com as redes sociais dados relacionados com aplicaccedilotildees informaccedilatildeo sobre
localizaccedilotildees geograacuteficas entre outras Por esse motivo compreende-se que o acesso a
este dispositivo acarreta simultaneamente o acesso a informaccedilatildeo protegida pelo direito
agrave reserva sobre a intimidade da vida privada
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
as autoridades judiciaacuterias passam a ter domiacutenio sobre vaacuterios ficheiros electroacutenicos de
caraacutecter pessoal e iacutentimo Assim estamos aqui claramente perante natildeo soacute uma grave
violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo como tambeacutem uma grave violaccedilatildeo do
direito do arguido agrave reserva da intimidade da vida privada489 um direito fundamental
consagrado no texto constitucional no nordm 1 do artigo 26ordm Posto isto queda-nos perceber
se estes prejuiacutezos causados pela desencriptaccedilatildeo satildeo superiores aos prejuiacutezos que poderiam
ser provocados por um meio de obtenccedilatildeo de prova alternativo
Acreditamos independentemente do crime perpretado (vg crime de ofensa agrave integridade
fiacutesica furto roubo de identidade) que outros meios de prova e meios de obtenccedilatildeo de
prova poderiam ser menos lesivos do que a desencriptaccedilatildeo
Mesmo que as autoridades judiciaacuterias tivessem a convicccedilatildeo plena de que no smartphone
estariam armazenadas provas que relacionavam o arguido com o crime em questatildeo outros
meios alternativos como os exames as periacutecias as revistas e buscas ou as apreensotildees
seriam menos lesivos tanto em relaccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur quanto ao direito agrave
reserva sobre a intimidade da vida privada do que a desencriptaccedilatildeo compelida do
dispositivo Tendo em consideraccedilatildeo o caso de David Baust apresentado no Capiacutetulo I da
presente investigaccedilatildeo vaacuterios podiam ser os meios de prova utilizados para provar a ofensa
agrave integridade fiacutesica da viacutetima de uma forma menos lesiva para os direitos fundamentais
do arguido do que a ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone (independentemente do
meacutetodo utilizado) Nomeadamente uma periacutecia meacutedico-legal um exame realizado ao
local do crime ou uma busca No caso de Matthew Diamond o arguido suspeito de furto
foi ordenado a desencriptar o seu smartphone atraveacutes da leitura da sua impressatildeo digital
489 Como deixaacutemos claro anteriormente a desnecessidade da agressatildeo afere-se em relaccedilatildeo aos prejuiacutezos
provocados pela medida restritiva avaliados em funccedilatildeo de criteacuterios materiais espaciais temporais ou
pessoais e tendo em conta natildeo apenas o direito fundamental directamente atingido como qualquer outra
afectaccedilatildeo desvantajosa da liberdade dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
relevantes do mesmo titular ou de outros afectados
144
no entanto acreditamos que a recolha de imagens de viacutedeo-vigilacircncia que comprovariam
o seu envolvimento na venda das peccedilas furtadas uma busca agrave sua residecircncia e a
comparaccedilatildeo das pegadas encontradas no local com os seus sapatos seriam medidas muito
menos lesivas do seu privileacutegio contra a autoincriminaccedilatildeo e do seu direito agrave reserva da
intimidade da vida privada Quanto ao caso Paytsar acreditamos que tambeacutem aqui uma
busca agrave sua residecircncia seria um meio de obtenccedilatildeo de prova menos lesivo e ateacute mais eficaz
para a investigaccedilatildeo do crime de roubo de identidade do que a ordem de desencriptaccedilatildeo
Por fim no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 apesar de natildeo termos conhecimento
sobre os motivos que levaram agrave elaboraccedilatildeo do mandado acreditamos que a ordem de
desencriptaccedilatildeo eacute desnecessaacuteria e extremamente lesiva das garantias de defesa dos
proprietaacuterios dos smartphones em comparaccedilatildeo com a mera busca ao local e revista dos
sujeitos aiacute presentes
Nestes quatro casos em anaacutelise mesmo que se venha a alegar uma diferente intensidade
na prossecuccedilatildeo do fim optando por estes meios menos lesivos acreditamos que a
persecuccedilatildeo da justiccedila e a descoberta da verdade material natildeo ficariam de modo algum
prejudicadas ateacute porque os meios apresentados conduziriam ao mesmo fim a que a
desencriptaccedilatildeo do smartphone possivelmente levaria e segundo nossa opiniatildeo com uma
maior eficaacutecia
Deste modo defendemos a ideia de que o subprinciacutepio da necessidade natildeo se encontra
devidamente preenchido nos casos apresentados relativos a ordens de desencriptaccedilatildeo de
smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido
Por fim no que concerne ao corolaacuterio da proporcionalidade em sentido estrito que visa
apurar o equiliacutebrio na relaccedilatildeo entre a importacircncia do fim visado ndash realizaccedilatildeo da justiccedila e
busca pela verdade material ndash e a gravidade do sacrifiacutecio imposto ndash violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur (e simultaneamente do direito agrave reserva sobre a vida privada) - cumpre
comparar os prejuiacutezos impostos aos direitos fundamentais contrapostos aos benefiacutecios
produzidos na obtenccedilatildeo do fim visado com a restriccedilatildeo
Este subprinciacutepio da proporcionalidade em sentido estrito corresponde como vimos agrave
maacutexima designada como ldquoLei da Ponderaccedilatildeordquo criada por Alexy Esta maacutexima defende
145
que ldquoquanto maior for o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior
deve ser a importacircncia da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidenterdquo490
Sandra Oliveira e Silva vem defender que a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo
dos conflitos entre o nemo tenetur e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal se redunda numa
verdadeira aporia metodoloacutegica Isto porque segundo a Autora ldquoos criteacuterios
legitimadores da restriccedilatildeo do nemo tenetur no interesse da eficaacutecia da perseguiccedilatildeo
criminal (a saber a gravidade do crime investigado a indispensabilidade da prova a
fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obterhellip) satildeo precisamente os que tornam mais
intensa a necessidade de tutela do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (eacute mais grave a pena
esperada maior o efeito incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar etc)[hellip]rdquo pelo que nunca
se poderaacute afirmar ldquo[hellip] que a um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do direito sacrificado (a
prerrogativa contra a autoincriminaccedilatildeo) corresponde uma maior medida de realizaccedilatildeo do
interesse contraacuterio (os da investigaccedilatildeo criminal)rdquo491 Ou seja se o interesse do Estado em
obter provas autoincriminatoacuterias cresce numa relaccedilatildeo de proporcionalidade directa agrave
pretensatildeo individual do arguido em negar-lhas nunca seraacute possiacutevel atingir um ponto
oacuteptimo de equiliacutebrio que se espera da ponderaccedilatildeo como criteacuterio de delimitaccedilatildeo do acircmbito
concreto de operatividade de direitos fundamentais492 Pelo que ainda do ponto de vista
da citada Autora o criteacuterio da ponderaccedilatildeo torna-se neste caso concreto um criteacuterio fraacutegil
e subjectivo
Contudo a nossa posiccedilatildeo vai respeitosamente em sentido contraacuterio da tese defendida
por Sandra Oliveira e Silva De facto segundo nossa opiniatildeo para justificar uma
afectaccedilatildeo elevada do princiacutepio nemo tenetur eacute necessaacuterio que a realizaccedilatildeo do princiacutepio
contraacuterio neste caso a realizaccedilatildeo da justiccedila se revele de maior importacircncia
Contrariamente ao defendido por Sandra Oliveira e Silva natildeo cremos que o aumento do
interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias (dada a gravidade do crime
investigado a indispensabilidade da prova a fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera
obter entre outros motivos) faccedila forccedilosamente aumentar a necessidade de protecccedilatildeo do
arguido contra a autoincriminaccedilatildeo (uma vez que a pena esperada eacute mais grave o efeito
incriminatoacuterio da diligecircncia a realizar eacute maior etc) Para defendermos este entendimento
490 Alexy 2014 821 491 Oliveira Silva 2015 622 492 Oliveira Silva 2015 622
146
apoiamo-nos num exemplo praacutetico do nosso ordenamento juriacutedico a sujeiccedilatildeo do arguido
ao teste de alcoolemia atraveacutes de colheita de ar expirado
Neste caso em concreto o interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias eacute
bastante elevado uma vez que a gravidade do crime (conduccedilatildeo sob o efeito de aacutelcool) eacute
consideraacutevel a prova (colheita de ar expirado) eacute indispensaacutevel para a acusaccedilatildeo e a
informaccedilatildeo recolhida atraveacutes da anaacutelise do ar expirado eacute fidedigna Ainda assim este
aumento do interesse do Estado em obter provas autoincriminatoacuterias natildeo culmina na
necessidade de uma maior protecccedilatildeo do arguido contra a autoincriminaccedilatildeo muito pelo
contraacuterio dada a gravidade do crime e do risco criado para a comunidade a restriccedilatildeo do
nemo tenetur considera-se justificada atraveacutes de um criteacuterio de ponderaccedilatildeo
Este caso acaba por demonstrar que depois de valoradas todas as circunstacircncias do caso
atraveacutes do meacutetodo de ponderaccedilatildeo de bens soacute uma maior medida de realizaccedilatildeo da justiccedila
e de busca pela verdade material (atendendo agrave gravidade do crime investigado agrave
indispensabilidade da prova agrave fidedignidade da informaccedilatildeo que se espera obter entre
outros motivos) justifica um grau mais elevado de afectaccedilatildeo do privileacutegio contra a
autoincriminaccedilatildeo
Por conseguinte a aplicaccedilatildeo da lei da ponderaccedilatildeo agrave resoluccedilatildeo dos conflitos entre o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare e o interesse da perseguiccedilatildeo criminal no
sentido de estabelecer o valor prevalecente eacute fundamental E afim de percebemos se as
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentadas anteriormente respeitam esta lei da ponderaccedilatildeo (quanto maior for
o grau de natildeo realizaccedilatildeo ou de afectaccedilatildeo de um princiacutepio maior deve ser a importacircncia
da realizaccedilatildeo do princiacutepio colidente) cumpre esclarecer vaacuterias questotildees493
Com a desencriptaccedilatildeo do smartphone seja atraveacutes do meacutetodo da revelaccedilatildeo da palavra-
passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido as autoridades judiciaacuterias passam a
ter acesso e controlo sobre todo o conteacuteudo aiacute armazenado Assim como jaacute tivemos
oportunidade de mencionar para aleacutem de estar aqui em causa uma violaccedilatildeo ao princiacutepio
493 ldquoEl principio de proporcionalidad es un concepto abstracto que alude a la relacioacuten entre el fin a
alcanzar ndash prevencioacutenrepresioacuten del delito ndash y el medio empleado para ello ndash diligencia restrictiva de un
derecho fundamental Para ello se ponderan diversos elementos como la gravedad del hecho delictivo la
intensidad de la sospecha o el tipo de indicios las perspectivas de eacutexito de la medida el esfuerzo en su
realizacioacuten en relacioacuten con el resultado a obtener el perjuicio que se causa en relacioacuten con la utilidad del
resultado Tales elementos son criteacuterios orientativos para valorar la contraposicioacuten entre el intereacutes
individual que puede verse afectado por la medida y el intereacutes puacuteblico que subyace en la investigacioacuten
procesal penal valoracioacuten que habraacute de concretarse en cada casordquo Cf Winter 2010 174
147
contra a autoincriminaccedilatildeo poderatildeo levantar-se ainda questotildees relativas agrave privacidade
natildeo soacute do arguido como tambeacutem de terceiros que possam estar envolvidos nos ficheiros
gravados electronicamente no dispositivo (quer atraveacutes de comunicaccedilotildees encetadas entre
o arguido e o terceiro quer atraveacutes de fotografias tiradas ao terceiro etc)
Atendendo a esta ingerecircncia do puacuteblico no universo privado violentando direitos
constitucionalmente atribuiacutedos e protegidos a desencriptaccedilatildeo de smartphones
(independentemente do meacutetodo utilizado) deveraacute ser realizada a tiacutetulo excepcional e
obedecendo a criteacuterios mais exigentes494 Nomeadamente acreditamos que em virtude
desta intervenccedilatildeo sobre direitos fundamentais do arguido e de terceiros a ordem de
desencriptaccedilatildeo compelida de smartphones dirigida ao arguido soacute se justificaraacute em
primeiro plano mediante preacutevia autorizaccedilatildeo judicial e apenas se o crime sob
investigaccedilatildeo for de consideraacutevel gravidade Sendo que esta gravidade deve ser avaliada
no caso concreto (gravidade concreta do facto)495 Neste sentido defendemos a ideia de
que a legitimidade da desencriptaccedilatildeo de smartphones depende (aleacutem da verificaccedilatildeo de
todos os limites aos limites) da consagraccedilatildeo legal de um cataacutelogo de crimes mais graves
a que a medida deveraacute obedecer agrave semelhanccedila do que acontece em sede de escutas
telefoacutenicas496
Ademais deve ter-se ainda em conta em sede de anaacutelise da proporcionalidade em sentido
estrito que qualquer ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone dirigida ao arguido culmina
na obtenccedilatildeo de ficheiros electroacutenicos criados mesmo antes da suspeita do crime pelo que
novamente surgem questotildees relativas natildeo soacute agrave autoincriminaccedilatildeo do arguido (no sentido
de que se poderatildeo encontrar provas de outros crimes ainda natildeo conhecidos pelas
autoridades judiciaacuterias) como tambeacutem agrave reserva da intimidade da vida privada do arguido
e de possiacuteveis terceiros que devem ser levadas em conta quando em confronto com o
interesse na persecuccedilatildeo da justiccedila
Eacute ainda de ressalvar que tanto no caso Paytsar Bkhchadzhyan como no caso do mandado
de 9 de Maio de 2016 as autoridades judiciaacuterias parecem ter emitido ordens de
desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da leitura das impressotildees digitais dos supostos
proprietaacuterios com a intenccedilatildeo de realizarem autecircnticas ldquofishing expeditionsrdquo
indiscriminadas em busca de qualquer tipo de prova autoincriminatoacuteria revelante sobre
494 Santos 2009 108 495 Rogall 2010 125 496 Susano 2009 24 Jesus 2015 291 Rodrigues 2009b 215-216
148
qualquer crime Esta questatildeo eacute claramente outro ponto a ter em atenccedilatildeo aquando da
anaacutelise da proporcionalidade da medida sendo que o recurso a estas ldquofishing expeditionsrdquo
estaacute completamente interdito agraves autoridades judiciaacuterias
Um outro ponto a chamar agrave colaccedilatildeo no acircmbito da anaacutelise da proporcionalidade (stricto
sensu) destas ordens de desencriptaccedilatildeo prende-se com o facto de a impressatildeo digital jaacute
natildeo poder ser vista como o tradicional meio de identificaccedilatildeo de sujeitos
A impressatildeo digital tem sido considerada ao longo do tempo como um meio de
identificaccedilatildeo tal como uma fotografia No entanto agrave medida que a tecnologia avanccedila a
impressatildeo digital (assim como outros identificadores biomeacutetricos) deixa de ter esse
propoacutesito singular passando a ser usada para guardar informaccedilatildeo possivelmente mais
privada do que a proacutepria identidade do indiviacuteduo497 Como bem salienta Alex Abdo natildeo
estamos aqui perante a recolha de uma impressatildeo digital para identificar um sujeito mas
sim perante uma impressatildeo digital que eacute usada para proteger uma quantidade consideraacutevel
de informaccedilatildeo privada498 Assim a impressatildeo digital deve ser vista como algo privado e
digno de protecccedilatildeo (tal como a palavra-passe) contrariamente a uma fotografia que
facilmente pode ser obtida pelo puacuteblico
Eacute da nossa opiniatildeo que no caso de encriptaccedilatildeo de smartphones por impressatildeo digital este
dado biomeacutetrico funciona como uma substituiccedilatildeo da tradicional palavra-passe
alfanumeacuterica ou por outras palavras como uma palavra-passe secundaacuteria Prova disso eacute
o facto de a impressatildeo digital ficar registada no dispositivo apenas pela sua representaccedilatildeo
matemaacutetica ou seja por um longo nuacutemero composto por 50 a 100 diacutegitos designado de
biometric hash
Por fim cabe ainda clarificar que a erroacutenea interpretaccedilatildeo da impressatildeo digital como um
mero meio de identificaccedilatildeo conduz-nos ao problema da instrumentalizaccedilatildeo do corpo do
arguido499 que compelido a colocar o dedo no sensor do seu dispositivo para permitir o
acesso agraves entidades judiciaacuterias estaraacute a usaacute-lo como meio de prova contra si proacuteprio500
incorrendo desta forma numa clara violaccedilatildeo do princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
497 Goldman 2015 230 498 ldquoThis is not law enforcement requesting a fingerprint to identifying someone this is a fingerprint that is
being used to open up a treasure trove of informationrdquo Cf Spring 2016 2 Disponiacutevel em
httpsthreatpostcomexperts-outraged-by-warrant-demanding-fingerprints-to-unlock-
smartphones121348 [consultado em 21022017] 499 Girotto 2009 455 500 Dias 2005 209
149
Depois de sopesadas todas as questotildees assinaladas cumpre deixar claro que todas as
ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas anteriormente (no caso Baust Diamond e Paystar
- no caso do mandado de 9 de Maio de 2016 natildeo temos informaccedilotildees suficientes quanto agrave
finalidade da medida) satildeo adequadas a atingir o fim na medida em que segundo um juiacutezo
de prognose o acesso aos smartphones permitiria (possivelmente) aceder a provas
incriminatoacuterias natildeo satildeo necessaacuterias pressupondo que a entidade puacuteblica dispunha de
medidas alternativas menos restritivas com idecircntico grau (ou ateacute mesmo superior) de
eficaacutecia na obtenccedilatildeo do mesmo fim finalmente face aos dados dos casos apresentados
no Capiacutetulo I as ordens de desencriptaccedilatildeo mostram-se como manifestamente
desproporcionadas por vaacuterios motivos a) em alguns casos foram usadas como autecircnticas
ldquofishing expeditionsrdquo indiscriminadas b) a gravidade de alguns crimes a
dispensabilidade da prova e a fidedignidade da mesma (natildeo raras vezes as provas
utilizadas satildeo fotografias ou gravaccedilotildees de viacutedeo que facilmente satildeo adulteradas) natildeo
justificavam uma lesatildeo tatildeo extensa do princiacutepio nemo tenetur c) dada a ingerecircncia do
puacuteblico na esfera privada do arguido natildeo soacute estariam prejudicadas as suas garantias de
defesa como tambeacutem o respeito pela sua reserva da intimidade da vida privada e de
terceiros Pelo que em resultado as ordens de desencriptaccedilatildeo apresentadas no Capiacutetulo I
ndash independentemente do meacutetodo utilizado - seriam consideradas inconstitucionais
Em jeito de conclusatildeo da anaacutelise do princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo
podemos entatildeo afirmar que as referidas ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes
da leitura da impressatildeo digital do arguido (valendo o que foi dito para a desencriptaccedilatildeo
de smartphones atraveacutes da palavra-passe) introduzem na ordem juriacutedica um benefiacutecio
marginal consideraacutevel para o fim visado mas produzem simultaneamente um acreacutescimo
significativo de sacrifiacutecios nas garantias de defesa do arguido e na garantia da reserva da
intimidade da sua vida privada e de terceiros resultando na desproporcionalidade da
relaccedilatildeo entre benefiacutecios e sacrifiacutecios e consequentemente na inconstitucionalidade da
medida adoptada pelas entidades judiciaacuterias
Quanto ao requisito da garantia do conteuacutedo essencial do direito restringido queda-nos
referir que pela nossa parte a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone atraveacutes da leitura
da impressatildeo digital arguido respeita este quarto e uacuteltimo requisito material das restriccedilotildees
a direitos fundamentais Sendo que o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare eacute aniquilado apenas nas situaccedilotildees em que algueacutem eacute ldquocoagido a emitir
declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias a declarar a sua culpabilidade a admitir a sua
150
participaccedilatildeo numa infracccedilatildeo [hellip]rdquo501 e atendendo ao facto de que a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido somente implica a
colocaccedilatildeo do dedo do arguido no sensor do dispositivo podemos afirmar que neste caso
em concreto o nuacutecleo essencial do nemo tenetur natildeo eacute atingido nem tatildeo pouco aniquilado
Ainda assim importa natildeo esquecer que este requisito funciona apenas como um ldquoplusrdquo
em relaccedilatildeo aos restantes limites atraacutes enunciados ou seja funciona como barreira uacuteltima
e efectiva de garantia dos direitos fundamentais caso os restantes requisitos tenham sido
previamente preenchidos (o que natildeo se verifica)
Por fim resta perceber se a norma constante da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal mesmo que interpretada contrariamente ao nosso entendimento como
uma obrigaccedilatildeo de o arguido desencriptar o dispositivo atraveacutes da leitura da sua impressatildeo
digital respeita os requisitos formais impostos pelo artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblica Portuguesa Ora esta norma ao estipular que recaem em especial sobre o
arguido os deveres de ldquosujeitar-se a diligecircncias de prova [hellip] especificadas na lei e
ordenadas e efectuadas por entidade competenterdquo cumpre os requisitos da generalidade
abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade Isto porque eacute aplicaacutevel a um nuacutemero indeterminado de
pessoas regula um nuacutemero indeterminado de casos e natildeo se aplica a situaccedilotildees ou actos
passados mas sim a desencriptaccedilotildees futuras
Por tudo o que foi dito ateacute entatildeo relativamente agrave verificaccedilatildeo dos limites aos limites nas
ordens de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido apresentados no Capiacutetulo I acreditamos que podemos concluir pela sua
ilegitimidade caso fossem aprovadas em territoacuterio nacional Desde logo pela ausecircncia de
lei preacutevia e expressa uma vez que como vimos inexiste qualquer disposiccedilatildeo legal que
obrigue especificamente o arguido a desencriptar o seu dispositivo Depois porque agrave luz
dos subprinciacutepios da adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a
legitimidade daquela ordem sempre se revelaria desproporcionada uma vez que como
afirmaacutemos estes corolaacuterios natildeo seriam devidamente respeitados
6 Conclusotildees intermeacutedias
Percorremos um longo caminho para chegar agrave conclusatildeo de que tanto as ordens de
desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe quanto as ordens
de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido satildeo
501 Anastaacutecio 2010 217
151
nos casos concretos apresentados ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se
ipsum accusare Na verdade somos levados a crer que contrariamente ao defendido na
jurisprudecircncia e doutrina norte-americanas natildeo se justifica a necessidade de um
tratamento diacutespar entre os dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e impressatildeo
digital Da nossa parte acreditamos ser incoerente a distinccedilatildeo entre um e outro meacutetodo
isto porque permitir por um lado a coacccedilatildeo de um arguido a fornecer a sua ldquopalavra-
passerdquo na forma de uma impressatildeo digital mas por outro proteger o arguido de ser
compelido a revelar a sua palavra-passe alfanumeacuterica acaba por criar uma distinccedilatildeo
arbitraacuteria que ignora completamente o propoacutesito do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare502
Prova desta indistinccedilatildeo entre a desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe e a
desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital eacute o jaacute mencionado artigo 14ordm da
Lei do Cibercrime que parece tratar a desencriptaccedilatildeo como um todo503 O referido artigo
ao consagrar que ldquose no decurso do processo se tornar necessaacuterio agrave produccedilatildeo de prova
tendo em vista a descoberta da verdade obter dados informaacuteticos especiacuteficos e
determinados armazenados num determinado sistema informaacutetico a autoridade
judiciaacuteria competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que
os comunique ao processo ou permita o acesso aos mesmos sob pena de puniccedilatildeo por
desobediecircnciardquo natildeo faz distinccedilatildeo entre os meacutetodos de acesso nomeadamente de acesso
ao smartphone
A ratio do artigo 14ordm da Lei do Cibercrime designadamente do seu nordm 5 eacute a de proibir
toda e qualquer concessatildeo de acesso ao dispositivo electroacutenico (vg smartphone) por parte
do suspeito ou arguido sem nunca fazer menccedilatildeo ao meacutetodo utilizado no acesso Assim
retiramos da leitura deste preceito que o legislador quis simplesmente proteger a
concessatildeo de acesso aos dados armazenados no sistema informaacutetico seja atraveacutes da
desencriptaccedilatildeo por palavra-passe seja atraveacutes da desencriptaccedilatildeo por leitura da impressatildeo
digital tratando estes dois meacutetodos como iguais
Desta forma se a revelaccedilatildeo da palavra-passe estaacute protegida pelo nemo tenetur por se
entender que o arguido tem o direito ao silecircncio sempre que lhe sejam dirigidas perguntas
cuja resposta possa culminar na sua incriminaccedilatildeo tambeacutem a desencriptaccedilatildeo do
smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo digital deveraacute seguir o mesmo entendimento
502 Larkin 2012 270 503 Fakhoury 2012 86
152
uma vez que o resultado seraacute o mesmo num e noutro meacutetodo facultar o acesso ao
dispositivo encriptado onde potencialmente estaratildeo armazenadas provas incriminatoacuterias
Ainda no acircmbito da indistinccedilatildeo entre os meacutetodos de desencriptaccedilatildeo cumpre esclarecer
que tal como foi mencionado em sede de desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da
revelaccedilatildeo da palavra-passe tambeacutem a impressatildeo digital pode ser considerada como
incriminatoacuteria uma vez que o acto de fornecer acesso a um smartphone encriptado agraves
entidades judiciaacuterias indica conhecimento e posse sobre todos os ficheiros e documentos
que aiacute estejam armazenados504 Neste sentido reiteramos a ideia de que determinadas
condutas e gestos podem ser consideradas incriminatoacuterias desde que estas por sua vez
revelem factos pensamentos crenccedilas eou conhecimento de factos
Apenas quem tenha registado a sua impressatildeo digital no smartphone pode ter acesso a
ele Por esse motivo se a impressatildeo digital do arguido permitir o acesso ao smartphone
fica implicitamente provado que o arguido seraacute responsaacutevel pelos conteuacutedos encriptados
que estejam armazenados no dispositivo porquanto ele teraacute acesso e controlo sobre os
mesmos505 Neste sentido na doutrina norte-americana Susan Brenner vem tambeacutem
reiterar a ideia de que o arguido ao pressionar o botatildeo do seu smartphone com o seu dedo
desencriptando-o estaacute a autenticar todos os dados que aiacute estaratildeo armazenados506
A impressatildeo digital acaba por funcionar aqui como uma linguagem corporal com
intenccedilatildeo comunicativa507 ou se preferirmos como um acto que importa uma declaraccedilatildeo
autoincriminatoacuteria taacutecita508
Em suma segundo o nosso entendimento apesar de nos casos em anaacutelise termos
concluiacutedo pela ilegitimidade das ordens de desencriptaccedilatildeo quer atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe quer atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do arguido natildeo rejeitamos a
504 Goldman 2015 224 505 ldquoA fingerprint does more than provide access It could be use to authenticate identity but it is clearly a
means to identify its ownerrdquo Cf SaintGermain 2014a 29 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2367479 [consultado em 20022017] ldquo[hellip]
biometric authentication may communicate an implicit factual assertion that the accused owns the smartphone or laptop and the data thereinrdquo Cf Sales 2014 228 ldquoDecryption would also require him to
admit to possessing the files controlling the files being able to access the files and being able to decrypt
the devicerdquo Cf Jarone 2015 787 Neste sentido cf Keenan 2016 4 Colarusso 2011 135 506 A Autora vai mais longe e afirma que ldquoby showing you opened the phone you showed that you have
control over it Itrsquos the same as if you went home and pulled out paper documents ndash you produced itrdquo Cf
HamiltonWinton 2016 1 Disponiacutevel em httpwwwlatimescomlocalcaliforniala-me-iphones-
fingerprints-20160430-storyhtml [consultado em 21022017] 507 Oliveira Silva 2015 269 508 Garrett 2007 21
153
possibilidade de poder haver casos de colaboraccedilatildeo do arguido Concluiacutemos pela
existecircncia de uma tipicidade dos casos de colaboraccedilatildeo do arguido mas admitimos que
uma lei formal possa impor novos casos de colaboraccedilatildeo (independentemente do meacutetodo
de desencriptaccedilatildeo) contando que se respeitem os nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo
da Repuacuteblica Portuguesa509 Assim como reiteraacutemos anteriormente o ponto eacute que haja
uma lei formal que exija a colaboraccedilatildeo que se salvaguarde um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido que esta seja necessaacuteria adequada e proporcional em
sentido estrito que natildeo afecte o nuacutecleo essencial do direito fundamental restringido510 e
que seja uma restriccedilatildeo de caraacutecter geral abstracto e natildeo retroactivo
Chegados a este ponto e depois de esclarecida a questatildeo da violaccedilatildeo do privileacutegio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo nos casos de desencriptaccedilatildeo de smartphones apresentados no Capiacutetulo
I resta-nos apenas indagar sobre a possibilidade de as entidades judiciaacuterias ainda assim
compelirem o arguido a desencriptar o seu dispositivo ganhando acesso a todos os dados
aiacute armazenados Neste caso que tratamento se deveraacute dar a estas provas recolhidas em
violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
509 Pinto 2013 111 510 Cumpre esclarecer que no caso de aprovaccedilatildeo de uma ordem de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da revelaccedilatildeo da
palavra-passe dirigida arguido dificilmente se ultrapassaraacute este uacuteltimo requisito material da garantia do
nuacutecleo essencial do nemo tenetur mesmo depois da verificaccedilatildeo dos restantes requisitos
154
155
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO
Como corolaacuterio loacutegico dos direitos de acccedilatildeo e de defesa as partes tecircm o direito de
introduzir provas no processo com as quais pretendam demonstrar a veracidade das suas
alegaccedilotildees511 Nas palavras de Germano Marques da Silva o direito agrave prova eacute ldquoa faculdade
que tecircm os sujeitos processuais de participar activamente na produccedilatildeo da prova quer
requerendo a sua admissatildeo no processo quer participando na sua produccedilatildeordquo512
No entanto tal como todos os outros direitos este tambeacutem natildeo seraacute um direito absoluto
ou seja haacute limites para a admissatildeo e produccedilatildeo de prova Neste sentido Elizabeth Queijo
atesta que ldquose natildeo houvesse limitaccedilotildees ao direito agrave prova todo e qualquer material
probatoacuterio mesmo que produzido agrave custa de violaccedilotildees a direitos poderia ser introduzido
no processo e valorado o que conduziria agrave adopccedilatildeo de um modelo de processo autoritaacuterio
e distante da eacuteticardquo513
Assim sendo o nosso Coacutedigo de Processo Penal consagra no seu artigo 125ordm o princiacutepio
da legalidade da prova ndash ldquosatildeo admissiacuteveis as provas que natildeo forem proibidas por leirdquo Ao
proibir a utilizaccedilatildeo de certos meios probatoacuterios quis o legislador delimitar
(negativamente) o elenco das provas admitidas em processo penal A foacutermula adoptada
no artigo 125ordm tem aqui o sentido de que natildeo satildeo apenas admitidos os meios probatoacuterios
tipificados mas tambeacutem todos os meios de prova que natildeo forem proibidos mesmo sendo
atiacutepicos514 Daqui resulta que para a aquisiccedilatildeo de informaccedilatildeo probatoacuteria necessaacuteria pode
o julgador socorrer-se dos meios tipificados as chamadas provas tiacutepicas (testemunhos
documentos periacutecias etc) Mais eacute-lhe reconhecida em princiacutepio a liberdade de escolher
indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas de conhecimento seja qual for a
natureza da factualidade a provar515
511 Ristori 2007 163 512 Marques da Silva 2011 116 513 Queijo 2012 374 514 Oliveira Silva 2011 560 Neste sentido escreve tambeacutem Germano Marques da Silva ldquoproibindo a
utilizaccedilatildeo de certos meios de prova a norma consagra tambeacutem [hellip] a liberdade da prova no sentido de
serem admissiacuteveis para a prova de quaisquer factos todos os meios de prova admitidos em direito ou seja
que natildeo sejam proibidos mesmo sendo atiacutepicosrdquo Cf Marques da Silva 2011 136-137 515 Oliveira Silva 2011 561
156
Natildeo obstante esta liberdade a realizaccedilatildeo da justiccedila e a busca pela verdade material agrave
semelhanccedila do direito agrave prova e apesar de serem valores constitucionais516 natildeo satildeo
valores absolutos que possam ser perseguidos por qualquer forma517 Esta verdade natildeo eacute
uma verdade absoluta ou ontoloacutegica mas uma verdade judicial que deve ser procurada e
obtida atraveacutes dos meios legalmente admissiacuteveis518
1 As proibiccedilotildees de prova
Um dos meios de que a lei se serve para protegendo os cidadatildeos impedir as praacuteticas
abusivas na produccedilatildeo de prova eacute atraveacutes do estabelecimento de proibiccedilotildees de prova A
este propoacutesito escreve Costa Andrade ldquoComo Goumlssel acentua as proibiccedilotildees de prova
satildeo laquobarreiras colocadas agrave determinaccedilatildeo dos factos que constituem objecto do processoraquo
Mais do que a modalidade do seu enunciado o que define a proibiccedilatildeo de prova eacute a
prescriccedilatildeo de um limite agrave descoberta da verdade Normalmente formulada como
proibiccedilatildeo a proibiccedilatildeo de prova pode igualmente ser ditada atraveacutes de uma imposiccedilatildeo e
mesmo de uma permissatildeo Eacute que como Goumlssel pertinentemente assinala laquotoda a regra
relativa agrave investigaccedilatildeo dos factos proiacutebe ao mesmo tempo as vias natildeo permitidas de
averiguaccedilatildeoraquordquo519
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de
valoraccedilatildeo de prova
Por doutrina das proibiccedilotildees de prova compreende-se aqui a doutrina das proibiccedilotildees de
investigaccedilatildeo de determinados factos relevantes para o objecto do processo bem como das
proibiccedilotildees de levar determinados factos ao objecto da sentenccedila e finalmente das
consequecircncias processuais da violaccedilatildeo daquelas proibiccedilotildees520
Neste sentido a doutrina portuguesa521 na esteira do defendido pela doutrina maioritaacuteria
alematilde vem distinguir no acircmbito das proibiccedilotildees de prova entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo
de prova (Beweiserhebungsverbote) e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova
(Beweisverwertungsverbote) As primeiras regulam e limitam o modo de obtenccedilatildeo das
516 MirandaMedeiros 2010 737 517 Marques da Silva 2006 39 Neste sentido vai tambeacutem Claus Roxin ldquo[hellip] A averiguaccedilatildeo da verdade
natildeo eacute um valor absoluto no processo penal pelo contraacuterio o proacuteprio processo penal estaacute impregnado de
hierarquias eacuteticas e juriacutedicas [hellip]rdquo Cf Roxin 2000 191 518 Andrade 2010 47 519 Costa Andrade 1992 83 520 Goumlssel 1992 397-398 521 ldquoA doutrina processual penal das proibiccedilotildees de prova abrange (1) as proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e
(2) as proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo de prova [hellip]rdquo Cf Sousa Mendes 2004 134
157
provas522 ao passo que as segundas impedem que determinados factos sejam objecto de
sentenccedila523 Cumpre deixar claro nesta sede que eacute na determinaccedilatildeo da proibiccedilatildeo da
valoraccedilatildeo de prova que se colocam os grandes dilemas que surgem no confronto com a
realidade Saber se agrave proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova deve corresponder sempre por vezes
ou nunca uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo da prova eacute no fundo a questatildeo que desde sempre
eacute tratada com maior acuidade e dissonacircncias tanto na doutrina como na jurisprudecircncia524
Aleacutem desta diferenciaccedilatildeo dentro das proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova distinguem-se
tradicionalmente trecircs categorias a) os temas de prova proibidos525 (haacute temas de prova
proibidos e que por conseguinte natildeo devem ser investigados ndash eacute o caso dos factos
abrangidos pelo segredo de Estado526) b) os meios de prova proibidos527 (haacute tambeacutem
proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova atraveacutes de determinados meios de prova eacute o caso da
proibiccedilatildeo de produccedilatildeo de prova atraveacutes dos suportes teacutecnicos e respectivas transcriccedilotildees
quando tiverem sido gravadas conversaccedilotildees em que intervenham o Presidente da
Repuacuteblica o Presidente da Assembleia da Repuacuteblica ou o Primeiro-Ministro ndash al b) do
nordm 2 do artigo 11ordm do CPP528) c) os meacutetodos de prova proibidos529 (os meacutetodos de prova
satildeo os procedimentos usados pelas autoridades judiciaacuterias pelas poliacutecias criminais pelos
advogados e ateacute pelos particulares para a aquisiccedilatildeo de meios de prova e sua utilizaccedilatildeo no
processo530)531
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova
O regime das proibiccedilotildees de prova no acircmbito do processo penal encontra-se
essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125ordm e 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa
consagradas no artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa mormente a
522 Ambos 2008 329 523 Goumlssel 1992 399 524 Neves 2011 317 525 ldquoAs proibiccedilotildees de temas de prova impedem a obtenccedilatildeo de provas sobre determinados factos (temas)
por exemplo antecedentes criminais jaacute eliminados do Registo Central Federal [hellip]rdquo Cf Ambos 2008
329 526 Sousa Mendes 2017 178 527 ldquoAs proibiccedilotildees de meios de prova impedem a utilizaccedilatildeo de determinados meios de prova como por
exemplo uma declaraccedilatildeo prestada por uma testemunha que tenha abdicado do seu direito a testemunhar
[hellip]rdquo Cf Ambos 2008 329 528 Sousa Mendes 2017 179 529 ldquoAs proibiccedilotildees de metoacutedos de prova impedem um determinado modo de obtenccedilatildeo de prova por
exemplo um meacutetodo de interrogatoacuterio proibido de acordo com o sect136ordfrdquo Cf Ambos 2008 329 530 Sousa Mendes 2017 179 531 Rosa 2010 221-222
158
injunccedilatildeo imposta pelo seu nordm 8 bem como com as disposiccedilotildees especiacuteficas que
disciplinam a obtenccedilatildeo do meio de prova de que se pretende fazer uso
O nordm 8 do artigo 32ordm da Constituiccedilatildeo que consagra o princiacutepio das proibiccedilotildees de prova
e encontra tambeacutem consagraccedilatildeo nos textos do direito internacional532 estabelece a
nulidade533 de ldquotodas as provas obtidas mediante tortura coacccedilatildeo ofensa da integridade
fiacutesica ou moral da pessoa abusiva intromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesrdquo A tortura a coacccedilatildeo ou a ofensa da
integridade fiacutesica ou moral da pessoa em geral satildeo meacutetodos absolutamente proibidos de
obtenccedilatildeo de provas Jaacute a intromissatildeo na vida privada no domiciacutelio na correspondecircncia
ou nas telecomunicaccedilotildees satildeo meacutetodos relativamente proibidos como podemos
comprovar pelo afastamento da proibiccedilatildeo quer pelo acordo do titular dos direitos em
causa quer pelas restriccedilotildees agrave inviolabilidade desses direitos constantes nos nos 2 3 e 4
do artigo 34ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa534
Desta forma na disciplina da mateacuteria das proibiccedilotildees de prova o legislador constituinte
natildeo se limitou com efeito a propor os valores e a definir as balizas a que deveria obedecer
a configuraccedilatildeo do processo penal em definitivo acometida ao legislador ordinaacuterio Em
vez de delinear apenas o horizonte poliacutetico-criminal e axioloacutegico das normas ordinaacuterias
o legislador constitucional optou por defenir desde logo os princiacutepios materiais reitores
do processo chamando a si a conformaccedilatildeo normativa directa dos aspectos mais decisivos
532 Cf artigos 5ordm e 12ordm da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem artigos 3ordm e 8ordm da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem e artigo 7ordm do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos 533 ldquoO que haacute de novo no nordm 8 natildeo eacute a proibiccedilatildeo do uso de meios proibidos na obtenccedilatildeo dos elementos de
prova mas essencialmente a utilizaccedilatildeo das provas obtidas por tais meios Essas provas eacute que satildeo nulas
[hellip]rdquo Cf MirandaMedeiros 2010 737 534 Sousa Mendes 2017 180 Neste sentido cf Ristori 2007 168-169 Simas SantosLeal-Henriques
2008 663 ldquoA interdiccedilatildeo eacute absoluta no caso do direito agrave integridade pessoal e relativa nos restantes casos
devendo ter-se por abusiva a intromissatildeo quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenccedilatildeo
judicial (nos 2 e 4 do artigo 34ordm) quando desnecessaacuteria ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos
proacuteprios direitosrdquo Cf Gomes CanotilhoMoreira 2014 524 ldquo[hellip] eacute possiacutevel autonomizar no espectro de
anaacutelise duas espeacutecies diferenciadas de provas proibidas consoante a natureza dos direitos fundamentais em
causa Na primeira parte da norma estabelece-se sem mais a nulidade de todas as provas obtidas agrave custa de laquotortura coacccedilatildeo ofensa da integridade fiacutesica ou moral da pessoaraquo (1ordf parte do nordm 8 do artigo 32ordm da
CRP) Na segunda parte alude-se agraves provas obtidas com laquointromissatildeo da vida privada no domiciacutelio na
correspondecircncia ou nas telecomunicaccedilotildeesraquo que se contra-distinguem das primeiras pela circunstacircncia de
em relaccedilatildeo a elas a interdiccedilatildeo soacute existir se a intromissatildeo se revelar laquoabusivaraquo (2ordf parte do nordm 8 do artigo
32ordm da CRP) ndash uma asserccedilatildeo que eacute aliaacutes corroborada pelo teor dos artigos 26ordm e 34ordm da CRPrdquo Cf Oliveira
Silva 2011 584 A legislaccedilatildeo alematilde faz igualmente a distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees absolutas e relativas
sendo que ldquoEnquanto as absolutas tecircm uma validade geral as relativas limitam a obtenccedilatildeo de prova no
sentido em que apenas determinadas pessoas estatildeo habilitadas a ordenar ou realizar uma produccedilatildeo
probatoacuteria estabelecendo assim uma proibiccedilatildeo para qualquer outro sujeitordquo Cf Ambos 2008 329
159
da tramitaccedilatildeo em que avulta com particular destaque a disciplina dos meacutetodos proibidos
de prova535
Sob a epiacutegrafe de ldquomeacutetodos proibidos de provardquo o artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo
Penal ao concretizar a nulidade dos meacutetodos de produccedilatildeo de prova a que se refere o nordm
8 do artigo 32ordm da CRP repete a citada distinccedilatildeo entre as proibiccedilotildees absolutas e as
proibiccedilotildees relativas de obtenccedilatildeo de provas No caso dos nos 1 e 2 do artigo 126ordm vigora
uma proibiccedilatildeo absoluta de obtenccedilatildeo de provas atraveacutes dos meios ali indicados ainda que
sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em causa No caso do nordm
3 do artigo 126ordm a proibiccedilatildeo eacute afastada pelo acordo do titular dos direitos em causa ou
em alternativa eacute removida mediante as ordens ou autorizaccedilotildees emanadas de certas
autoridades nos termos da lei536 Ainda em sede de caracterizaccedilatildeo geral dos meacutetodos
proibidos de prova conviraacute ressalvar que nada parece impor a conclusatildeo de que no artigo
126ordm se contenha uma enumeraccedilatildeo taxativa537 Para aleacutem das teacutecnicas proibidas elencadas
no artigo 126ordm e das demais proibiccedilotildees de prova dispersas pelo ordenamento processual
outras poderatildeo ser reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudecircncia nos domiacutenios em que
o meacutetodo de aquisiccedilatildeo probatoacuteria concretamente utilizado importe uma intromissatildeo
injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou outras pessoas538
Posto isto a especificidade do sistema processual penal portuguecircs reside na estipulaccedilatildeo
de uma norma constitucional bem como de uma correspectiva regra legal que a densifica
ambas com vocaccedilatildeo geneacuterica que especificam exactamente quais os direitos
fundamentais cuja violaccedilatildeo inquina a prova em processo penal e gera a sua nulidade539
Na tutela conferida a estes direitos fundamentais enquanto limitaccedilotildees agrave prova radicam
antes de mais a posiccedilatildeo e o estatuto do arguido como sujeito processual O eacutetimo comum
de muitos dos meacutetodos de prova proscritos pelo legislador reconduz-se agrave ideia de que ldquoa
utilizaccedilatildeo do arguido como meio de prova deveraacute ser sempre limitada pelo integral
respeito pela sua decisatildeo de vontade soacute no exerciacutecio de uma plena liberdade de vontade
pode o arguido decidir-se se e como deseja tomar posiccedilatildeo perante a mateacuteria que constitui
objecto do processordquo540 Desde logo se considerarmos a vertente negativa desta liberdade
535 Oliveira Silva 2011 576-577 536 Sousa Mendes 2017 180 537 Costa Andrade 1992 216 538 Oliveira Silva 2011 589 539 Moratildeo 2006 588 540 Oliveira Silva 2011 578
160
de vontade enquanto autecircntico direito de defesa (Abwehrrecht) contra o Estado541
vedando todas as tentativas de obtenccedilatildeo por meios enganosos ou no nosso caso por
coacccedilatildeo de declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias podemos afirmar que eacute precisamente nesta
dimensatildeo associada ao princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare que a liberdade de
vontade do arguido assume a mais directa relevacircncia em mateacuteria de proibiccedilotildees de
prova542
13 A invalidade do acto processual
Cumpre ainda deixar claro como ensina Costa Andrade que o legislador portuguecircs
associou as proibiccedilotildees de prova agrave figura e ao regime das nulidades isso diante da locuccedilatildeo
ldquoSatildeo nulas todas as provas [hellip]rdquo no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP543 No entanto o regime
da nulidade das provas proibidas eacute substancialmente mais rigoroso do que o das nulidades
dependentes de arguiccedilatildeo (artigo 120ordm do CPP) ou mesmo do que o das nulidades
insanaacuteveis (artigo 119ordm do CPP) O legislador portuguecircs ciente desta disparidade
prescreveu no nordm 3 do artigo 118ordm do Coacutedigo de Processo Penal a autonomia teacutecnica
das proibiccedilotildees de prova544 estabelecendo de forma expressa que ldquoas disposiccedilotildees do
presente tiacutetulo natildeo prejudicam as normas deste Coacutedigo relativas a proibiccedilotildees de provardquo545
Ou seja que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais natildeo se aplicam agraves
proibiccedilotildees de prova
Bem vistas as coisas o legislador criou pelo menos um regime sui generis a saber as
nulidades do artigo 126ordm do Coacutedigo de Processo Penal Na verdade a nulidade
mencionada no nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e no artigo 126ordm do CPP natildeo eacute uma nulidade
em sentido teacutecnico-processual mas uma nulidade dotada de uma autonomia teacutecnica
completa em face do regime das nulidades processuais546
O caraacutecter sui generis do regime da nulidade de prova cominada nos nos 1 e 3 do artigo
126ordm Coacutedigo de Processo Penal haacute-de consistir no seu conhecimento oficioso podendo
ser declarada mesmo depois do tracircnsito em julgado da decisatildeo final admitindo-se assim
a revisatildeo de sentenccedila547 Por fim cumpre ressalvar que o nordm 4 do artigo 126ordm do CPP
541 Oliveira Silva 2011 579 542 Costa Andrade 1992 121 543 Costa Andrade 1992 313 544 Costa Andrade 2009 133 545 Correia 1999b 156 546 Sousa Mendes 2017 187 547 Questotildees Avulsas 2000 100-101
161
apenas admite a utilizaccedilatildeo de provas proibidas para proceder criminalmente contra quem
as obteve Contudo natildeo se pode ignorar a possibilidade de utilizar a prova com a
finalidade de demonstrar que eacute proibida548
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova
Por fim perante uma prova proibida coloca-se a questatildeo de saber se a proibiccedilatildeo vale soacute
para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se tambeacutem afecta outros
meios de prova obtidos indirectamente atraveacutes da prova proibida549 ndash eacute a problemaacutetica do
efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova De facto eacute na consideraccedilatildeo da extensatildeo da
proibiccedilatildeo da valoraccedilatildeo da prova obtida com proibiccedilatildeo de produccedilatildeo que se colocam muitas
das problemaacuteticas que ainda hoje ocupam a doutrina e a jurisprudecircncia550
O problema do efeito-agrave-distacircncia suscita-se nos casos em que a obtenccedilatildeo de uma
determinada prova torna possiacutevel a descoberta de novos meios de prova contra o arguido
ou contra terceiro Nestes casos cabe questionar se a proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo que
eventualmente inquine a prova primaacuteria ou directa se comunica e em que medida agraves
provas secundaacuterias ou indirectas impondo a sua exclusatildeo em cadeia Como facilmente
se representaraacute o problema ganha particular relevo praacutetico-juriacutedico nas hipoacuteteses
frequentes em que o recurso a meacutetodos proibidos de prova (vg a coacccedilatildeo) levam o
arguido a comprometedoras declaraccedilotildees autoincriminatoacuterias551
Como defende Paulo de Sousa Mendes a doutrina jurisprudencial dos ldquofrutos da aacutervore
envenenadardquo (fruit of the poisonous tree doctrine) ou da ldquomaacuteculardquo (taint doctrine) e a sua
equivalente germacircnica tambeacutem designada de teoria da maacutecula (Makel-Theorie)
enquanto metaacutefora da nodoacutea de ilegalidade reconhece que as provas que atentam contra
os direitos de liberdade arrostam com um efeito-agrave-distacircncia que consiste em tornarem
inaproveitaacuteveis as provas secundaacuterias a elas causalmente vinculadas552
548 Rosa 2010 235 549 MirandaMedeiros 2010 737 550 Neves 2011 317 551 Costa Andrade 1992 169 552 Sousa Mendes 2014 219 A geacutenese da jurisprudecircncia da lsquomaacutecularsquo foi o caso Silverthorne Lumber Co
v United States decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica em 1920 Estava em
causa o facto de agentes federais terem apreendido ilegalmente documentos nas instalaccedilotildees da sociedade
comercial Silverthorne que um tribunal de comarca (district court) mandou devolver tendo o procurador
(prosecutor) promovido perante um grande juacuteri (grand jury) a notificaccedilatildeo dos arguidos (defendants) para
produzirem os mesmos documentos sob pena de multas (subpoenas) Em via de recurso o Supremo
Tribunal dos Estados Unidos da Ameacuterica decidiu que as referidas intimaccedilotildees eram invaacutelidas declarando
pela pena do famoso Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes Jr enquanto relator que ldquo[a] essecircncia de
uma norma de proibiccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de provas de certa maneira natildeo se limita a determinar que as provas
162
O efeito-agrave-distacircncia eacute a uacutenica forma de impedir que os investigadores policiais os
procuradores e os juiacutezes menos escrupulosos se aventurem agrave violaccedilatildeo das proibiccedilotildees de
produccedilatildeo de prova na mira de prosseguirem sequecircncias investigatoacuterias agraves quais natildeo
chegariam atraveacutes dos meios postos agrave sua disposiccedilatildeo pelo Estado de Direito553
Na jurisprudecircncia portuguesa o efeito-agrave-distacircncia foi reconhecido pela primeira vez
pelo Tribunal Judicial de Oeiras (Sentenccedila do 3ordm Juiacutezo de 5 de Marccedilo de 1993 Proc nordm
77791 2ordf Secccedilatildeo) ldquoa nulidade do primeiro dos meios de prova eacute extensiva ao segundo
impossibilitando da mesma forma o julgador de extrair deste uacuteltimo qualquer juiacutezo
valorativordquo
Contudo a vigecircncia da doutrina do efeito-agrave-distacircncia estaacute longe de ser absoluta e
irrestrita A histoacuteria da emergecircncia e afirmaccedilatildeo do princiacutepio tambeacutem eacute a histoacuteria do
enunciado e das tentativas de fundamentaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma gama alargada de
excepccedilotildees554
Entre elas avulta em primeiro lugar a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent
source exception)555 derivada dos precedentes Silverthorne Lumber Co v United
States556 de 1920 Wong Sun v United States557 de 1963 e Segura v United States558 de
1984 que admite a possibilidade de valoraccedilatildeo das provas mediatas nos casos em que ao
lado do chamado caminho proibido existe um outro caminho autoacutenomo independente
de onde as mesmas provas podem tambeacutem ser retiradas559 Ou seja aceita as provas que
foram ou poderiam ter sido obtidas por via autoacutenoma e liacutecita560
assim adquiridas natildeo poderatildeo ser utilizadas em tribunal mas tambeacutem que natildeo poderatildeo ser usadas de
maneira nenhuma Eacute claro que isto natildeo significa que os factos assim obtidos se tornem sagrados e
inacessiacuteveis Se a informaccedilatildeo acerca dos mesmos for obtida atraveacutes de uma fonte independente entatildeo esses
factos podem ser provados tal como quaisquer outros mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios
iliacutecitos natildeo pode ser por si usado da maneira pretendidardquo A expressatildeo ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo surgiu
pela pena do igualmente famoso Juiz Conselheiro Felix Frankfurter no caso Nardone v United States de
1939 Cf Sousa Mendes 2017 192 553 Sousa Mendes 2014 220 554 Costa Andrade 1992 171 555 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 765-768 556 Silverthorne Lumber Co v United States 1920 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus251385casehtml [consultado em 09032017] 557 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 558 Segura v United States 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus468796
[consultado em 09032017] 559 Moratildeo 2006 613 560 MirandaMedeiros 2010 737
163
A segunda excepccedilatildeo do efeito-agrave-distacircncia eacute designada por excepccedilatildeo da ldquodescoberta
inevitaacutevelrdquo (inevitable discovery exception)561 foi fundada nas importantes decisotildees
Brewer v Williams562 de 1977 e Nix v Williams563 de 1984 e determina a aceitaccedilatildeo das
provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais tarde atraveacutes de outro
tipo de investigaccedilatildeo564 Trata-se segundo Paulo de Sousa Mendes de uma ldquovariante da
lsquofonte independentersquo mas difere desta excepccedilatildeo na medida em que natildeo se exige aqui que
a poliacutecia tenha de facto obtido provas tambeacutem atraveacutes de uma fonta autoacutenoma e legal
mas apenas que tivesse podido hipoteticamente fazecirc-lo [hellip]rdquo565
Por fim a terceira e uacuteltima excepccedilatildeo a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo
(purged taint exception)566 baseada nas decisotildees Wong Sun v United States567 de 1963
e United States v Ceccolini568 de 1978 vem estabelecer a possibilidade de utilizaccedilatildeo no
processo de toda a prova secundaacuteria a que os oacutergatildeos de investigaccedilatildeo criminal natildeo teriam
chegado de uma perspectiva de relaccedilatildeo causal sem a violaccedilatildeo da proibiccedilatildeo de prova
mas relativamente agrave qual se pode dizer que jaacute nenhum nexo causal efectivo subsiste entre
tal prova mediata e a violaccedilatildeo inicial569 Ou seja poderiam ser valoradas todas as provas
secundaacuterias se a conexatildeo se tiver tornado tatildeo atenuada a ponto de dissipar a maacutecula570
Seria o caso do arguido que eacute levado a confessar determinados factos de modo
autoincriminatoacuterio571 por forccedila de uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova mas que
mais tarde apoacutes ter sido convenientemente informado de que tais provas natildeo podem ser
utilizadas opta por confessar os mesmos factos espontaneamente572
561 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 775-780 562 Brewer v Williams 1977 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus430387
[consultado em 09032017] 563 Nix v Williams 1984 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus467431casehtml
[consultado em 09032017] 564 MirandaMedeiros 2010 738 565 Sousa Mendes 2017 193 566 KamisarLaFaveIsraelKingKerrPrimus 2015 774 567 Wong Sun v United States 1963 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus371471casehtml [consultado em 09032017] 568 United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
[consultado em 09032017] 569 Moratildeo 2006 615 570 Sousa Mendes 2014 221 571 Elementos de estudo 2012 639-640 Moratildeo 2012 717 572 Moratildeo 2006 615 Cf Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html [consultado em
09032017] Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html [consultada em 09032017]
164
Chegados a este ponto e analisada que estaacute a consagraccedilatildeo e o regime das proibiccedilotildees de
prova em processo penal resta-nos apenas indagar da aplicabilidade deste regime ao
nosso caso concreto violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare atraveacutes da
ordem de desencriptaccedilatildeo compelida dirigida ao arguido no sentido de permitir o acesso
ao seu smartphone quer atraveacutes do fornecimento da sua palavra-passe quer atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo
O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare constitui como jaacute tivemos oportunidade de
analisar um direito do arguido perante o ius puniendi do Estado Desta forma toda e
qualquer restriccedilatildeo deste direito que natildeo obedeccedila aos limites aos limites dos direitos
fundamentais (nos 2 e 3 do artigo 18ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa)
instrumentalizando o arguido contra a sua vontade ou atraveacutes do seu corpo a ser objecto
da sua proacutepria incriminaccedilatildeo viola este princiacutepio
No caso concreto da ordem de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido por parte
das autoridades judiciaacuterias podemos afirmar que estaremos aqui perante um meacutetodo
proibido de prova dado que o arguido eacute utilizado como meio de prova com perturbaccedilatildeo
da sua vontade e liberdade atraveacutes da coacccedilatildeo
Mais especificamente no que concerne ao primeiro meacutetodo de desencriptaccedilatildeo ndash o
fornecimento da palavra-passe ndash importa reter as palavras de Figueiredo Dias quando
atesta que ldquotecircm de considerar-se proibidos e inadmissiacuteveis em processo penal todos os
meios de interrogatoacuterio e de obter declaraccedilotildees que importem [hellip] qualquer perturbaccedilatildeo
da liberdade de vontade e de decisatildeo [do arguido]rdquo573 nomeadamente atraveacutes de coacccedilatildeo
Desta forma dada a coacccedilatildeo empregue por parte das autoridades judiciaacuterias na ordem
de desencriptaccedilatildeo do smartphone dirigida ao arguido no sentido de este revelar a palavra-
passe do seu dispositivo outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que este seraacute um
meacutetodo de obtenccedilatildeo de prova proibido
573 Figueiredo Dias 2004 454 Tambeacutem na doutrina alematilde Claus Roxin informa que o Tribunal Federal
alematildeo tem considerado o direito de guardar silecircncio entre os princiacutepios fundamentais do processo penal
de tal modo que tambeacutem a sua violaccedilatildeo pela poliacutecia deve conduzir a uma proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo Cf Roxin
2000 195-196 Neste sentido vai tambeacutem Goumlssel ao afirmar que a legislaccedilatildeo alematilde proiacutebe no sect136a do
StPO a valoraccedilatildeo dos interrogatoacuterios produzidos agrave custa do sacrifiacutecio da liberdade de formaccedilatildeo de vontade
do arguido Cf Goumlssel 1992 415 423
165
Por outro lado e apesar de a desencriptaccedilatildeo do smartphone atraveacutes da leitura da impressatildeo
digital do arguido natildeo se enquadrar como vimos anteriormente na categoria de ldquomeios
de interrogatoacuterio ou de obter declaraccedilotildeesrdquo acreditamos que quaisquer restriccedilotildees a
direitos liberdades e garantias fundamentais (vg direito de natildeo-autoincriminaccedilatildeo) que
natildeo atendam estritamente ao texto constitucional seratildeo intoleraacuteveis e inadmissiacuteveis sendo
as provas obtidas por esses meios proibidas Ou seja toda e qualquer restriccedilatildeo que natildeo
obedeccedila aos limites aos limites dos direitos fundamentais reprimindo a liberdade ou a
vontade de decisatildeo do arguido por qualquer meio constitui uma violaccedilatildeo do princiacutepio
nemo tenetur e como efeito prova proibida Defendemos a ideia de que a vinculatividade
do artigo 126ordm transcende claramente o domiacutenio do interrogatoacuterio e das declaraccedilotildees do
arguido projetando-se como limite agrave admissibilidade de quaisquer outras diligecircncias
probatoacuterias Tambeacutem em sede de proibiccedilotildees de prova parece natildeo haver distinccedilatildeo entre os
dois meacutetodos de desencriptaccedilatildeo palavra-passe e biometria
Assim todas as provas autoincriminatoacuterias obtidas agrave custa de coacccedilatildeo e em violaccedilatildeo dos
limites aos limites das restriccedilotildees aos direitos fundamentais satildeo provas proibidas574 Natildeo
eacute outra leitura que se infere da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa e do Coacutedigo de
Processo Penal A sua interdiccedilatildeo eacute absoluta configurando-se em provas de valoraccedilatildeo
proibida nos termos do nordm 8 do artigo 32ordm da CRP e do nordm 1 do artigo 126ordm do CPP575
cominaccedilatildeo que traduz a existecircncia de uma nulidade particularmente grave e insanaacutevel576
Manuel da Costa Andrade entende que neste campo de danosidade social seraacute muito
difiacutecil valorar a prova proibida577 Estando perante um caso de proibiccedilatildeo de prova
desencadeada pela violaccedilatildeo insuportaacutevel de direitos de defesa do arguido como eacute o caso
do direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente
proibida como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira
De facto dado que a desencriptaccedilatildeo do smartphone permitiraacute agraves autoridades acederem a
provas incriminatoacuterias a doutrina do efeito-agrave-distacircncia pode aqui prevenir uma tatildeo frontal
como indesejaacutevel violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare Costa Andrade
reitera ainda que ldquocomo assinala Beulke laquoa valoraccedilatildeo de meios de prova tornados
574 Costa Andrade 1992 126-127 575 O nordm 8 do artigo 32ordm da CRP consagra que ldquoSatildeo nulas todas as provas obtidas mediante [hellip] coacccedilatildeo
[hellip]rdquo O nordm 1 do artigo 126ordm do CPP estipula que ldquoSatildeo nulas natildeo podendo ser utilizadas as provas obtidas
mediante [hellip] coacccedilatildeo [hellip]rdquo 576 Silva DiasRamos 2009 36-37 577 Costa Andrade 1992 282
166
possiacuteveis a partir de declaraccedilotildees obtidas agrave custa de coaccedilatildeo [hellip] equivaleria a compelir o
arguido a colaborar na sua proacutepria condenaccedilatildeoraquordquo578
Assim segundo a teoria dos ldquofrutos da aacutervore envenenadardquo tambeacutem as provas
secundaacuterias recolhidas a partir da desencriptaccedilatildeo do smartphone em que houve violaccedilatildeo
do nemo tenetur satildeo proibidas No entanto como reiteraacutemos anteriormente esta doutrina
tem excepccedilotildees Para o nosso caso concreto ndash desencriptaccedilatildeo de smartphones ndash interessa-
nos apenas a excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) e a
excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception)
A excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo (independent source exception) poderia ser aplicada
no nosso caso concreto nas situaccedilotildees em que a poliacutecia conseguisse aceder agraves provas
armazenadas no smartphone de forma liacutecita nomeadamente atraveacutes da utilizaccedilatildeo de nova
tecnologia que permitisse a desecriptaccedilatildeo ou ateacute mesmo atraveacutes da descoberta da palavra-
passe Assim mesmo depois de acederem agraves provas contidas no smartphone que fora
ilicitamente acedido atraveacutes da coacccedilatildeo do arguido ndash quer pela revelaccedilatildeo da palavra-
passe quer pela leitura da sua impressatildeo digital - as autoridades judiciaacuterias poderiam
utilizar os ficheiros ndash agora licitamente - recolhidos
Agrave semelhanccedila da excepccedilatildeo da ldquofonte independenterdquo tambeacutem a excepccedilatildeo da ldquonoacutedoa (ou
maacutecula) dissipadardquo (purged taint exception) pode ser aplicada no nosso caso de
desencriptaccedilatildeo de smartphones Se o arguido permitisse o acesso ao seu smartphone
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da sua impressatildeo digital por forccedila de
uma anterior violaccedilatildeo de proibiccedilatildeo de prova e posteriormente optasse por confessar a
palavra-passe as autoridades judiciaacuterias poderiam utilizar esta palavra-passe para aceder
licitamente aos ficheiros autoincriminatoacuterios armazenados no dispositivo e utilizaacute-los
como prova no processo penal
Deste modo podemos concluir que a ordem de desencriptaccedilatildeo de smartphone seja
atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura da impressatildeo digital do arguido
culmina numa situaccedilatildeo de obtenccedilatildeo de prova agrave custa da coacccedilatildeo do arguido (nordm 8 do
artigo 32ordm da CRP e nordm 1 do artigo 126ordm do CPP) E segundo a doutrina do efeito-agrave-
distacircncia natildeo soacute natildeo se poderaacute valorar a prova inicialmente proibida (provas primaacuterias)
como tambeacutem as provas que se desencadearam com base naquela primeira (provas
secundaacuterias) No entanto as provas incriminatoacuterias armazenadas no smartphone podem
578 Costa Andrade 1992 315
167
ainda assim ser utilizadas e valoradas no processo caso a excepccedilatildeo da ldquofonte
independenterdquo ou da ldquonoacutedoamaacutecula dissipadardquo se verifiquem
168
169
CONCLUSOtildeES GERAIS
Conforme se depreende do exposto ao longo desta nossa investigaccedilatildeo a ordem de
desencriptaccedilatildeo dirigida ao arguido pelas autoridades judiciaacuterias no sentido de este
permitir o acesso ao seu smartphone atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da leitura
da sua impressatildeo digital suscita uma seacuterie de questotildees
As discussotildees na doutrina norte-americana em volta desta problemaacutetica influenciaratildeo o
mundo e desencadearatildeo novas discussotildees nomeadamente em territoacuterio nacional
considerando que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare foi nos casos apresentados
claramente restringido ateacute ao ponto de restar apenas o direito ao silecircncio
Depois de nos munirmos dos conhecimentos necessaacuterios quanto ao acesso e apreensatildeo
dos dados armazenados no smartphone segundo a Lei do Cibercrime agrave encriptaccedilatildeo destes
dispositivos e agrave articulaccedilatildeo entre a colaboraccedilatildeo do arguido nos casos de desencriptaccedilatildeo
compelida e o princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo estamos jaacute em posiccedilatildeo de criticar a
fundamentaccedilatildeo e a decisatildeo dos casos norte-americanos apresentados no primeiro capiacutetulo
e de discutir o seu enquadramento no direito processual penal portuguecircs
Ficou expresso anteriormente que o princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare tendo por
fundamento as garantias processuais reconhecidas ao arguido no texto constitucional
poderaacute ser alvo de limitaccedilotildees De facto pela circunstacircncia de natildeo se revestir de natureza
absoluta este princiacutepio poderaacute ser derrogado nomeadamente nos casos em que o arguido
eacute obrigado a identificar-se ou a sujeitar-se a determinados exames ou periacutecias
Por esse motivo natildeo consideramos defensaacutevel que se infira uma total inflexibilidade do
princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo que inviabilize por completo a adopccedilatildeo de normas
que permitam a emissatildeo de ordens de desencriptaccedilatildeo e que em complemento incriminem
a conduta omissiva do arguido
Contudo revisitando uma vez mais o que por noacutes jaacute foi afirmado quanto agrave natureza da
revelaccedilatildeo por parte do arguido de uma palavra-passe entendemos que a mesma pode ser
reconduzida ao instituto das declaraccedilotildees do arguido Assim se a natureza da revelaccedilatildeo de
uma palavra-passe pode ser entendida do mesmo modo que uma declaraccedilatildeo proferida
pelo arguido a ponderaccedilatildeo do direito ao silecircncio natildeo pode deixar de ser efectuada Sendo
o direito ao silecircncio como vimos um expoente maacuteximo do princiacutepio nemo tenetur natildeo
podemos deixar de considerar que o mesmo seria objecto de uma evidente derrogaccedilatildeo
170
acaso os investigadores criminais compelissem o arguido a revelar a palavra-passe que
permite o acesso ao seu dispositivo electroacutenico Segundo um criteacuterio de ponderaccedilatildeo e
atendendo igualmente aos limites aos limites das restriccedilotildees de direitos fundamentais
(vg direito agrave natildeo-autoincriminaccedilatildeo) esta ordem seria ilegiacutetima por falta de previsatildeo
legal expressa por ser desproporcional e por violar o nuacutecleo essencial do princiacutepio nemo
tenetur Efectivamente no panorama legal portuguecircs natildeo haacute uma previsatildeo legal no
sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio nemo tenetur ao contraacuterio do que se
passa na lei inglesa e belga
No que agrave leitura da impressatildeo digital diz respeito podemos agora concluir que tendo
como base os casos apresentados no primeiro capiacutetulo da presente investigaccedilatildeo tambeacutem
a ordem dada ao arguido no sentido de este desencriptar o seu smartphone atraveacutes da
leitura da sua impressatildeo digital eacute uma ordem ilegiacutetima e violadora do princiacutepio contra a
autoincriminaccedilatildeo Cremos nesta conclusatildeo por dois motivos principais a) o dever de
sujeiccedilatildeo a diligecircncias de prova consagrado na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 61ordm do Coacutedigo
de Processo Penal dada a sua generalidade natildeo pode ser entendido como previsatildeo legal
expressa no sentido de estabelecer uma excepccedilatildeo ao princiacutepio contra a autoincriminaccedilatildeo
resultando na falta de preenchimento do primeiro requisito das restriccedilotildees de direitos
fundamentais (exigecircncia de lei formal) b) e atendendo agraves circunstacircncias dos casos
concretos todas estas ordens de desencriptaccedilatildeo atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido revelaram-se desproporcionais
Isto posto outra natildeo poderaacute ser a conclusatildeo senatildeo a de que nestes casos apresentados as
ordens de desencriptaccedilatildeo dos smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe ou da
leitura da impressatildeo digital dirigidas aos arguidossuspeitos satildeo segundo o ordenamento
juriacutedico portuguecircs ilegiacutetimas por violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare
Se ainda assim forem recolhidas provas autoincriminatoacuterias do smartphone em violaccedilatildeo
deste princiacutepio a consequecircncia eacute oacutebvia proibiccedilatildeo de valoraccedilatildeo dessas provas
O que se deve discutir aqui natildeo eacute a possibilidade de o Estado restringir o direito do arguido
agrave sua natildeo-autoincriminaccedilatildeo mas sim a que extensatildeo essa restriccedilatildeo pode ocorrer sem que
se torne a ordem inconstitucional Daiacute se infere que apesar da conclusatildeo a que chegamos
quanto aos casos norte-americanos no ordenamento juriacutedico nacional uma vez que o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare natildeo tem caraacutecter absoluto por intermeacutedio de
legislaccedilatildeo especiacutefica com o objectivo de salvaguardar um outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido sendo proporcional em sentido amplo e natildeo violadora do
171
nuacutecleo essencial do direito poderaacute um arguido ser compelido a desencriptar o seu
smartphone independentemente do meacutetodo (palavra-passe ou impressatildeo digital) no
acircmbito de uma investigaccedilatildeo criminal Natildeo podemos defender aqui peremptoriamente uma
zona de offshore digital num Estado de Direito579
579 Expressatildeo usada por Pedro Verdelho na Conferecircncia sobre Prova Digital em Processo Penal realizada
a 24 de Maio de 2017 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
172
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United States v Ceccolini 1978 Disponiacutevel em
httpssupremejustiacomcasesfederalus435268
Acoacuterdatildeo do Tribunal Constitucional nordm 1982004 de 24 de Marccedilo de 2004 disponiacutevel
em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20040198html
Decisatildeo Sumaacuteria do Tribunal Constitucional nordm 132008 de 11 de Janeiro de 2008
disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcdecsumarias20080013html
198
199
ANEXOS
Anexo I ndash Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust
200
201
202
203
204
205
Anexo II ndash Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond
STATE OF MINNESOTA
IN COURT OF APPEALS
A15-2075
State of Minnesota
Respondent
vs
Matthew Vaughn Diamond Appellant
Filed January 17 2017
Affirmed
Smith Tracy M Judge
Carver County District Court
File No 10-CR-14-1286
Lori Swanson Attorney General St Paul Minnesota and
Mark Metz Carver County Attorney Eric E Doolittle Assistant County Attorney Chaska Minnesota (for respondent)
Cathryn Middlebrook Chief Appellate Public Defender Steven P Russett Assistant Public Defender St
Paul Minnesota (for appellant)
Considered and decided by Johnson Presiding Judge Reyes Judge and Smith
Tracy M Judge
S Y L L A B U S
A district court order compelling a criminal defendant to provide a fingerprint to unlock the defendantrsquos
cellphone does not violate the Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
O P I N I O N
SMITH TRACY M Judge
Appellant Matthew Vaughn Diamond appeals his convictions of second-degree burglary misdemeanor
theft and fourth-degree criminal damage to property following a jury trial On appeal Diamond argues his
convictions must be reversed because (1) police seized his property in violation of the Fourth Amendment
(2) the district court violated his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone and (3) the statersquos
circumstantial evidence was insufficient We affirm
206
FACTS
On October 30 2014 MH left her Chaska home between 1030 and 1045 am to run errands MH
returned home around noon and noticed that the attached garagersquos sideentry door appeared to have been
kicked in from the outside MH called the police after discovering that a safe a laptop and several items
of jewelry were missing from her home While waiting for police to arrive MH found an envelope in her
driveway that had the name of SW written on it Police took photographs and measurements of the
shoeprints left on the garagersquos side-entry door
Detective Nelson of the Chaska Police Department used state databases to determine SWrsquos car model and
license plate number and that SW had pawned several pieces of jewelry at a Shakopee pawn shop on
October 30 MH later verified that the pawned jewelry was stolen from her home On November 4 police
located SWrsquos car which
Diamond was driving at the time Diamond was arrested on an outstanding warrant unrelated to this case
He was booked at the Scott County jail where staff collected and stored his property including his shoes
and cellphone
The following day Detective Nelson went to the jail and viewed the property that was taken from Diamond
Detective Nelson observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left on the
garagersquos side-entry door Detective Nelson informed the jail staff that she was going to seek a warrant to
seize Diamondrsquos property and gave instructions not to release the property to anyone Later that day SW
attempted to collect Diamondrsquos property but was told that it could not be released
On November 6 Detective Nelson obtained and executed a warrant to search for and seize Diamondrsquos
shoes and cellphone On November 12 Detective Nelson obtained an additional warrant to search the
contents of Diamondrsquos cellphone Detective Nelson was unable to unlock the cellphone She returned the
warrant on November 21
In December the state filed a motion to compel Diamond to provide his fingerprint on the cellphone to
unlock the phone The motion was deferred to the contested omnibus hearing Following that hearing the
district court issued an order filed February 11 2015 concluding that the warrant to search Diamondrsquos
cellphone was supported by probable cause and that compelling Diamond to provide his fingerprint to
unlock the cellphone does not violate his Fifth Amendment privilege against compelled self-incrimination
The district court granted the statersquos motion to compel and ordered Diamond to provide a fingerprint or
thumbprint to unlock his cellphone Diamond refused to comply On
April 3 the district court found Diamond in civil contempt and informed him that compliance with the order
would remedy the civil contempt Diamond provided his fingerprint and police immediately searched his
cellphone
At a second omnibus hearing Diamond challenged the refusal to release his cellphone and shoes to SW
arguing that it constituted a warrantless seizure not justified by any exception to the warrant requirement
The district courtrsquos April 3 order concluded that the seizure was justified by exigent circumstances and was
tailored to protect against the destruction of evidence while a warrant was sought and obtained Diamond
thereafter brought a pro se motion to suppress all evidence derived from his cellphone and shoes which the
district court denied relying on the previous orders from February 11 and April 3
At Diamondrsquos jury trial SW testified that (1) she believed she was working the day of the burglary (2)
the envelope found in MHrsquos driveway belonged to SW and it was in her car the last time she saw it (3)
SW sometimes let Diamond use her car when she was working and (4) on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry In addition the state also introduced evidence that (1) Diamondrsquos wallet and
identification card were found in SWrsquos car (2) Diamond and SW exchanged phone calls and text
messages throughout the day of the burglary (3) Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers near MHrsquos
residence on the day of the burglary (4) the tread pattern on Diamondrsquos shoes was similar to the shoeprints
on the garagersquos side-entry door and (5) while in jail Diamond told SW ldquothe only thing that [the state is]
going to be able to charge me with is receiving stolen propertyrdquo and that his attorney said the case would
be dismissed if SW did not testify or recanted her statement
207
The jury found Diamond guilty of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property The district court sentenced Diamond to 51 months in prison for the second-degree
burglary and to 90 days in jail for the fourth-degree criminal damage to property
Diamond appeals
ISSUES
I Did the district court err by not suppressing evidence obtained following the temporary seizure of Diamondrsquos property
II Did the district court err by ordering Diamond to provide his fingerprint so police could search his cellphone
III Does the record contain sufficient evidence to support the juryrsquos conclusion that Diamond
committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal damage to property
ANALYSIS
I The temporary seizure of Diamondrsquos property did not violate the Fourth Amendment
Diamond argues that the district court erred in denying his suppression motion because Detective Nelsonrsquos
directions to jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant constituted an
unreasonable seizure in violation of the Fourth Amendment The district court concluded that the exigency
exception to the warrant requirement applied Diamond argues that the exigency exception is inapplicable
because Detective Nelson ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail before providing instructions
to jail staff
In evaluating a pretrial order on a motion to suppress we review factual findings for clear error and legal
conclusions de novo State v Milton 821 NW2d 789 798 (Minn 2012) When reviewing the applicability
of the exigency exception we look at the totality of the circumstances State v Horst 880 NW2d 24 33
(Minn 2016) The state has the burden of showing that exigent circumstances justified the seizure Id
The Fourth Amendment protects the right of the people to be free from ldquounreasonable searches and seizuresrdquo
of their ldquopersons houses papers and effectsrdquo by the government US Const amend IV see Mapp v
Ohio 367 US 643 655-56 81 S Ct 1684 1691-92 (1961) (incorporating the Fourth Amendment and the
consequences for violating it into the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment) A ldquoseizurerdquo of
property within the meaning of the Fourth Amendment occurs when a government official meaningfully
interferes with a personrsquos possessory interest in the property United States v Jacobsen 466 US 109 113
104 S Ct 1652 1656 (1984) ldquoIn general warrantless searches and seizures are unreasonable in the absence
of a legally recognized exception to the warrant requirementrdquo Horst 880 NW2d at 33
A temporary seizure may be permissible under the Fourth Amendment ldquowhen needed to preserve evidence
until police are able to obtain a warrantrdquo State v Holland 865 NW2d 666 670 n3 (Minn 2015) The
United States Supreme Court has approved the temporary seizure of an individual to prevent him from
destroying drugs before police could obtain and execute a warrant Illinois v McArthur 531 US 326 331-
32 121 S Ct 946 950 (2001) The Minnesota Supreme Court has observed that ldquowhen lawenforcement
officers lsquohave probable cause to believe that a container holds contraband or evidence of a crime but have
not secured a warrantrsquo the officers may seize the property lsquopending issuance of a warrant to examine its
contents if the exigencies of the circumstances demand itrsquordquo Horst 880 NW2d at 33-34 (quoting United
States v Place 462 US 696 701 103 S Ct 2637 2641 (1983))
Here Detective Nelson instructed jail staff not to release Diamondrsquos property while she sought a warrant
Detective Nelsonrsquos instructions to jail staff were meant to ensure that Diamondrsquos shoes and cellphone
208
which Detective Nelson considered potential evidence were not lost or destroyed The following day
Detective Nelson obtained and executed a warrant to seize Diamondrsquos shoes and cellphone
In Horst the Minnesota Supreme Court deemed a similar warrantless seizure lasting only one day to be
justified Id at 34-35 There police had seized the defendantrsquos cellphone when she was interviewed at the
police station prior to her arrest and police obtained a warrant the following day Id The supreme court
concluded that the seizure was justified by exigent circumstances because as the United States Supreme
Court had recently observed ldquothe owner of a cellphone can quickly and easily destroy the data contained
on such a devicerdquo Id at 35 (citing Riley v California 134 S Ct 2473 2486 (2014)) Thus the temporary
seizure of Diamondrsquos cellphone at the jail was justified by exigent circumstances The need to protect
physical evidence from loss or destruction similarly justified the temporary seizure of Diamondrsquos shoes
See McArthur 531 US at
331-32 121 S Ct at 950
Diamond argues that the exigent-circumstances exception does not apply because Detective Nelson
ldquosearchedrdquo Diamondrsquos property at the jail prior to the seizure As an initial matter we observe that Diamond
did not argue to the district court that the evidence should be suppressed because Detective Nelsonrsquos act of
viewing his property at the jail constituted a ldquosearchrdquo rendering the exigency exception for the seizure
inapplicable An appellate court generally will not consider matters not argued to and considered by the
district court Roby v State 547 NW2d 354 357 (Minn 1996) This rule applies to constitutional
questions See In re Welfare of CLL 310 NW2d 555 557 (Minn 1981) (declining to address a
constitutional issue raised for the first time on appeal from a termination of parental rights)
But even if Diamondrsquos district court argument could be read expansively so as to encompass this argument
we still find it unpersuasive Diamond does not provide any support for his conclusory assertion that
Detective Nelsonrsquos act of viewing his property at the jail prior to obtaining a search warrant constituted a
ldquosearchrdquo under the Fourth Amendment See State v Johnson 831 NW2d 917 922 (Minn App 2013) (ldquoA
lsquosearchrsquo within the meaning of the Fourth Amendment occurs upon an officialrsquos invasion of a personrsquos
reasonable expectation of privacyrdquo (citing Jacobsen 466 US at 114 104 S Ct at 1656)) review denied
(Minn Sept 17 2013) Nor does he argue that such action was unreasonable
As articulated in McArthur we must determine whether ldquopolice made reasonable efforts to reconcile their
law enforcement needs with the demands of personal privacyrdquo 531 US at 332 121 S Ct at 950 In
McArthur the United States Supreme Court determined that the proper balance between law-enforcement
needs and personal privacy permitted police to seize the defendant while they sought a warrant to search
his trailer Id at 332 121 S Ct at 950-51 Here Detective Nelson properly balanced law-enforcement
needs with Diamondrsquos personal privacy Diamond concedes that his property was lawfully seized and
inventoried when he was booked into jail on November 4 The following day Detective Nelson viewed
Diamondrsquos property and observed similarities between the tread of Diamondrsquos shoes and the shoeprints left
on MHrsquos garagersquos side-entry door Recognizing the possibility that these items could be lost or destroyed
Detective Nelson instructed jail staff to maintain custody of the property and immediately sought a warrant
On November 6 Detective Nelson executed the warrant seizing the cellphone and shoes Before
attempting to access the cellphonersquos contents which plainly constitutes a search within the meaning of the
Fourth Amendment Detective Nelson obtained the November 12 search warrant See Riley 134 S Ct at
2495
We conclude that the temporary seizure of Diamondrsquos property was justified by exigent circumstances and
that the district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion
II Diamondrsquos Fifth Amendment privilege was not violated when the district court ordered him to
provide his fingerprint so police could search his cellphone
Diamond argues that the district courtrsquos order to provide his fingerprint to unlock his cellphone violated his
Fifth Amendment privilege against compelled selfincrimination580 This is an issue of first impression for
580 Diamond also argues that the search of his cellphone violated the Fourth Amendment because he
asserts the police did not have a valid warrant at the time his cellphone was searched in April 2015
209
Minnesota appellate courts Whether the district court violated Diamondrsquos Fifth Amendment privilege
against self-incrimination is a question of law which this court reviews de novo State v Kaquatosh 600
NW2d 153 156 (Minn App 1999) review denied (Minn Dec 14 1999)
The Fifth Amendment provides that no person ldquoshall be compelled in any criminal case to be a witness
against himselfrdquo US Const amend V see Malloy v Hogan 378 US 1 8 84 S Ct 1489 1493-94
(1964) (incorporating Fifth Amendment protections into the Due Process Clause of the Fourteenth
Amendment) ldquoThe essence of this basic constitutional principle is the requirement that the [s]tate which
proposes to convict and punish an individual produce the evidence against him by the independent labor of
its officers not by the simple cruel expedient of forcing it from his own lipsrdquo Estelle v
Smith 451 US 454 462 101 S Ct 1866 1872 (1981) (quotation and emphasis omitted) The Supreme
Court has explained that ldquothe privilege protects a person only against being incriminated by his own
compelled testimonial communicationsrdquo Fisher v United States 425 US 391 409 96 S Ct 1569 1580
(1976) Here the record establishes that Diamond was compelled to produce his fingerprint to unlock the
cellphone The record also reflects that police obtained incriminating evidence once the cellphone was
unlocked Therefore the question before this court is whether the act of providing a fingerprint to unlock
a cellphone is a ldquotestimonial communicationrdquo
In examining its application of Fifth Amendment principles the Supreme Court has established
that ldquoin order to be testimonial [a criminal defendantrsquos] communication must itself explicitly or implicitly
relate a factual assertion or disclose information Only then is a person compelled to be a lsquowitnessrsquo against
himselfrdquo Doe v United States 487 US
201 210 108 S Ct 2341 2347-48 (1988) The Supreme Court has further noted that
[t]his understanding is perhaps most clearly revealed in those cases in
which the Court has held that certain acts though incriminating are not within the privilege Thus a suspect may be compelled to furnish
a blood sample to provide a handwriting exemplar or a voice exemplar to stand in a lineup and to wear particular clothing
Id at 210 108 S Ct at 2347 (citing United States v Dionisio 410 US 1 7 93 S Ct 764 768 (1973)
(voice exemplar) Gilbert v California 388 US 263 266-67 87 S Ct 1951
1953 (1967) (handwriting exemplar) United States v Wade 388 US 218 221-22 87 S Ct 1926 1929
(1967) (lineup) Schmerber v California 384 US 757 765 86 S Ct 1826
Diamond maintains that ldquono search warrant existedrdquo in April because Detective Nelson had previously
returned the November 12 search warrant on November 21 after unsuccessfully attempting to access the
contents of the cellphone However Diamond did not make this argument at the contested omnibus
hearing where he challenged the probable cause supporting the November 12 warrant and opposed the
statersquos motion for an order compelling him to provide his fingerprint Instead Diamond waited until two
days before trial to present this argument to the district court asserting it for the first time during oral
argument on his pro se motion to suppress evidence Because Diamond did not raise this argument at the
omnibus hearing the argument was not timely raised and is not reviewable on appeal See State v Brunes
373 NW2d 381 386 (Minn App 1985) review denied (Minn Oct 11 1985)
210
1832-33 (1966) (blood sample) Holt v United States 218 US 245 252-53 31 S Ct 2 6 (1910)
(clothing)) In addition the Supreme Court has recognized that ldquoboth federal and state courts have usually
held that [the Fifth Amendment] offers no protection against compulsion to submit to fingerprintingrdquo
Schmerber 384 US at 764 86 S Ct at 1832 see Doe 487 US at 219 108 S Ct at 2352 (Stevens J
dissenting) (ldquoFingerprints blood samples voice exemplars handwriting specimens or other items of
physical evidence may be extracted from a defendant against his willrdquo) State v Breeden 374 NW2d 560
562 (Minn App 1985) (ldquoThe gathering of real evidence such as blood samples fingerprints or photographs
does not violate a defendantrsquos [F]ifth [A]mendment rightsrdquo)
Diamond relies on In re Grand Jury Subpoena Duces Tecum 670 F3d 1335 (11th Cir 2012) to
support his argument that supplying his fingerprint was testimonial In In re Grand Jury the court reasoned
that requiring the defendant to decrypt and produce the contents of a computerrsquos hard drive when it was
unknown whether any documents were even on the encrypted drive ldquowould be tantamount to testimony by
[the defendant] of his knowledge of the existence and location of potentially incriminating files of his
possession control and access to the encrypted portions of the drives and of his capability to decrypt the
filesrdquo Id at 1346 The court concluded that such a requirement is analogous to requiring production of a
combination and that such a production involves implied factual statements that could potentially
incriminate Id
By being ordered to produce his fingerprint however Diamond was not required to disclose any
knowledge he might have or to speak his guilt See Doe 487 US at 211 108 S Ct at 2348 The district
courtrsquos order is therefore distinguishable from requiring a defendant to decrypt a hard drive or produce a
combination See eg In re Grand Jury
670 F3d at 1346 United States v Kirschner 823 F Supp 2d 665 669 (ED Mich 2010) (holding that
requiring a defendant to provide computer password violates the Fifth
Amendment) Those requirements involve a level of knowledge and mental capacity that is not present in
ordering Diamond to place his fingerprint on his cellphone Instead the task that Diamond was compelled
to performmdashto provide his fingerprintmdashis no more testimonial than furnishing a blood sample providing
handwriting or voice exemplars standing in a lineup or wearing particular clothing See Doe 487 US at
210 108 S Ct at 2347-48
Diamond argues however that the district courtrsquos order effectively required him to communicate
ldquothat he had exclusive use of the phone containing incriminating informationrdquo This does not overcome the
fact that such a requirement is not testimonial In addition Diamond provides no support for the assertion
211
that only his fingerprint would unlock the cellphone or that his provision of a fingerprint would
communicate his exclusive use of the cellphone
Diamond also argues that he ldquowas required to identify for the police which of his fingerprints
would open the phonerdquo and that this requirement compelled a testimonial communication This argument
however mischaracterizes the district courtrsquos order The district courtrsquos February 11 order compelled
Diamond to ldquoprovide a fingerprint or thumbprint as deemed necessary by the Chaska Police Department to
unlock his seized cell phonerdquo At the April 3 contempt hearing the district court referred to Diamond
providing his ldquothumbprintrdquo The prosecutor noted that they were ldquonot sure if itrsquos an index finger or a
thumbrdquo The district court answered ldquoTake whatever samples you needrdquo Diamond then asked the
detectives which finger they wanted and they answered ldquoThe one that unlocks
itrdquo
It is clear that the district court permitted the state to take samples of all of Diamondrsquos fingerprints and
thumbprints The district court did not ask Diamond whether his prints would unlock the cellphone or
which print would unlock it nor did the district court compel Diamond to disclose that information There
is no indication that Diamond would have been asked to do more had none of his fingerprints unlocked the
cellphone Diamond himself asked which finger the detectives wanted when he was ready to comply with
the order and the detectives answered his question Diamond did not object then nor did he bring an
additional motion to suppress the evidence based on the exchange that he
initiated
In sum because the order compelling Diamond to produce his fingerprint to unlock the cellphone
did not require a testimonial communication we hold that the order did not violate Diamondrsquos Fifth
Amendment privilege against compelled self-incrimination581
III The record contains sufficient evidence to support Diamondrsquos convictions
Diamond argues that his convictions must be reversed because the statersquos circumstantial evidence does not
exclude the rational hypothesis that Diamond merely committed the crime of transferring stolen property
When evaluating the sufficiency of circumstantial evidence the reviewing court uses a two-step analysis
State v Silvernail 831 NW2d 594 598 (Minn 2013) ldquoThe first step is to identify the circumstances
provedrdquo Id ldquoIn identifying the circumstances proved we defer to the juryrsquos acceptance of the proof of
these circumstances and rejection of evidence in the record that conflicted with the circumstances proved
by the [s]taterdquo Id at 598-99 (quotation omitted) The reviewing court ldquoconstrue[s] conflicting evidence
in the light most favorable to the verdict and assume[s] that the jury believed the [s]tatersquos witnesses and
disbelieved the defense witnessesrdquo Id at 599 (quotation omitted) ldquoThe second step is to determine
581 We express no opinion regarding whether in a given case a defendant may be
compelled to produce a cellphone password consistent with the Fifth Amendment
212
whether the circumstances proved are consistent with guilt and inconsistent with any rational hypothesis
except that of guiltrdquo Id (quotation omitted)
Here Diamond was convicted of second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree criminal
damage to property A person is guilty of second-degree burglary if the person enters a dwelling without
consent and with the intent to commit a crime Minn Stat sect 609582 subd 2(a) (2014) A person is guilty
of theft if the person ldquointentionally and without claim of right takes movable property of another without
the otherrsquos consent and with intent to deprive the owner permanently of possession of the propertyrdquo Minn
Stat sect 60952 subd 2(a)(1) (2014) A person is guilty of fourth-degree criminal damage to property if the
person intentionally causes damage to anotherrsquos physical property without the other personrsquos consent
Minn Stat sect 609595 subd 3 (2014)
The circumstances proved support the juryrsquos conclusion that Diamond committed these crimes On October
30 2014 MH returned home after running errands and discovered that someone had kicked in her garagersquos
side-entry door and had stolen jewelry and a number of other items Police recovered an envelope in MHrsquos
driveway that had SWrsquos name written on it SW testified that this envelope was in her car the last time
she saw it SW also testified that she believed she was working on the day of the burglary and that she
sometimes let Diamond use her car when she was working Diamondrsquos cellphone pinged off cell towers
near MHrsquos residence on the day of the burglary SW also testified that on the day of the burglary
Diamond gave her MHrsquos stolen jewelry and the two of them traveled to the Shakopee pawn shop where
she sold the jewelry Finally Detective Nelson testified regarding consistencies between the tread of
Diamondrsquos shoes and the shoeprints on MHrsquos garagersquos side-entry door
Diamond argues that certain circumstances do not exclude the possibility that he did not commit the crimes
at issue This argument is unconvincing Diamond considers the individual circumstances proved in
isolation But the evidence as a whole firmly supports the juryrsquos conclusion that Diamond kicked down
MHrsquos garagersquos side-entry door entered her dwelling without consent and with the intent to commit a
crime and stole MHrsquos property Together the circumstances proved are inconsistent with any other
rational hypothesis Therefore we conclude that the record contained sufficient evidence to support the
juryrsquos conclusion that Diamond committed the offenses of second-degree burglary misdemeanor theft and
fourth-degree criminal damage to property
D E C I S I O N
The district court did not err in denying Diamondrsquos suppression motion because the temporary seizure of
his property was justified by exigent circumstances and therefore did not violate the Fourth Amendment
The district court did not violate Diamondrsquos Fifth Amendment privilege against self-incrimination by
ordering him to provide his fingerprint so police could search his cellphone because such an order does not
require a testimonial communication Finally the record contains sufficient evidence to support the juryrsquos
conclusion that Diamond committed second-degree burglary misdemeanor theft and fourth-degree
criminal damage to property
Affirmed
213
Anexo III ndash Caso Paytsar Bkhchadzhyan
NO LA081589
SUPERIOR COURT OF CALIFORNIA COUNTY OF LOS ANGELES
PAGE NO 1
THE PEOPLE OF THE STATE OF CALIFORNIA vs CURRENT DATE 050316 DEFENDANT 01
PAYTSAR BKHCHADZHYAN
LAW ENFORCEMENT AGENCY EFFECTING ARREST CHP - WEST VALLEY
STATION
BAIL APPEARANCE AMOUNT DATE RECEIPT OR SURETY COMPANY REGISTER
DATE OF BAIL POSTED BOND NO NUMBER 090915 $5000000 082515
AS50K60527 ALLEGHENY CASUALTY
CASE FILED ON 081815 COMPLAINT FILED DECLARED OR SWORN TO CHARGING DEFENDANT WITH
HAVING COMMITTED ON OR ABOUT 112714 IN THE COUNTY OF LOS ANGELES THE
FOLLOWING OFFENSE(S) OF
COUNT 01 5305(A) pc FEL
COUNT 02 487 (A) pc FEL
COUNT 03 529(A) (3) pc FEL
COUNT 04 484E(D) pc FEL
COUNT 05 484E(D) pc FEL
COUNT 06 484E(D) pc FEL
COUNT 07 4841(C)
pc FEL NEXT
SCHEDULED EVENT ARREST WARRANT TO ISSUE
081815 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 BY
ORDER OF JUDGE JOSEPH A BRANDOLINO ISSUED (081815)
ON 082115 AT 800 AM
NEXT SCHEDULED EVENT
082115 830 AM ARRAIGNMENT DIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
ON 082115 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR ARRAIGNMENT
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY A BOYADZHYAN PRIVATE
COUNSEL COURT ORDERS AND FINDINGS
214
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT
COURT DATE THE MATTER IS CONTINUED TO SEPTEMBER 9 2015 IN
DEPARTMENT 100 FOR EARLY DISPOSITION HEARING
A PENAL CODE SECTION 1275 HOLD IS PLACED ON THE
DEFENDANT BAIL SET AT $50000
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
090915 830 AM DISPOSITIONDIST VAN NUYS COURTHOUSE DEPT
100
082115 ARREST WARRANT IN THE AMOUNT OF $25000000 RECALLED
(082415)
CUSTODY STATUS REMANDED TO CUSTODY
ON 082415 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR FURTHER PROCEEDINGS
PARTIES JOHN REID (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS NOT PRESENT IN COURT BUT REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THE MATTER TS PLACED ON CALENDAR ON BEHALF OF THE
DEFENDANT THE DISTRICT ATTORNEY STIPULATES TO LIFT THE
1275PC HOLD ON THE
DEFENDANT
NEXT SCHEDULED EVENT
DISPOSITION
ON 090915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 100
CASE CALLED FOR DISPOSITION
PARTIES LELAND B HARRIS (JUDGE) U-CHIN JANG (CLERK)
HILDA GUTIERREZ (REP) LOU ANN CLEMENS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT READING OF COMPLAINT AND STATEMENT OF
CONSTITUTIONAL AND STATUTORY RIGHTS
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 01 530 5(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 02 487(A) PC
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 05
484E(D)
pc
215
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 03 (3)
PC DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO COUNT 04
484E(D) pc
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
DEFENDANT DENIES ANY AND ALL ALLEGATIONS AND
PRIOR CONVICTIONS PRELIMINARY HEARING SETTING
IS SET FOR 9-29-15 AT 830 AM IN DEPARTMENT 112 AS
ZERO OF 10
THE HELD TO ANSWER DEPARTMENT IS NW F
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
092915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112 DAY 00 OF 10
090915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 092915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MICHAEL J MORSE (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY HEARING
SETTING TO DATE AND TIME INDICATED BELOW COURT
ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
102815 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT 112
DAY 00 OF 10
092915 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 06
484E(D)
pc
DEFENDANT PLEADS NOT GUILTY TO
COUNT 07
4841(C) pc
216
ON 102815 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES MARTIN L HERSCOVITZ (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
ATTY LANCE ROSENBERG APPEARING
THIS MATTER IS CONTINUED FOR PRELIMINARY
HEARING SETTING TO DATE AND TIME INDICATED
BELOW COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
WAIVES STATUTORY TIME
NEXT SCHEDULED EVENT
120915 830 AM PRELIM SETTINGRESETTING DIST VAN NUYS
COURTHOUSE DEPT
112
DAY OO OF 30
102815 BAIL TO STAND AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 120915 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PRELIM SETTINGRESETTING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) MELANY AVANESSIANS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN
PRIVATE COUNSEL
DEFENDANT ADVISED OF AND PERSONALLY AND EXPLICITLY WAIVES THE FOLLOWING
RIGHTS bull WRITTEN ADVISEMENT OF RIGHTS AND WAIVERS FILED INCORPORATED BY
REFERENCE HEREIN
JURY TRIAL OR COURT TRIAL AND PRELIMINARY HEARING
CONFRONTATION AND CROSS-EXAMINATION OF WITNESSES
SUBPOENA OF WITNESSES INTO COURT TO TESTIFY IN YOUR
DEFENSE AGAINST SELF-INCRIMINATION
DEFENDANT ADVISED OF THE FOLLOWING
THE NATURE OF THE CHARGES AGAINST HIM THE ELEMENTS OF THE OFFENSE IN THE
COMPLAINT AND POSSIBLE DEFENSES TO SUCH CHARGES
THE POSSIBLE CONSEQUENCES OF A PLEA OF GUILTY OR NOLO
CONTENDERE INCLUDING THE MAXIMUM PENALTY AND
ADMINISTRATIVE SANCTIONS AND THE POSSIBLE LEGAL EFFECTS
217
AND MAXIMUM PENALTIES INCIDENT TO SUBSEQUENT
CONVICTIONS FOR THE
SAME OR SIMILAR OFFENSES
THE EFFECTS OF PROBATION
IF YOU ARE NOT A CITIZEN YOU ARE HEREBY ADVISED THAT A CONVICTION OF
THE OFFENSE FOR WHICH YOU HAVE BEEN CHARGED WILL HAVE THE
CONSEQUENCES OF DEPORTATION EXCLUSION FROM ADMISSION TO THE
UNITED STATES OR DENIAL OF NATURALIZATION PURSUANT TO THE LAWS OF
THE UNITED STATES
THE COURT FINDS THAT EACH SUCH WAIVER IS KNOWINGLY UNDERSTANDINGLY AND
EXPLICITLY MADE COUNSEL JOINS IN THE WAIVERS
THE DEFENDANT PERSONALLY WITHDRAWS PLEA OF NOT GUILTY TO COUNT 01 AND
PLEADS NOLO CONTENDERE WITH THE APPROVAL OF THE COURT TO A VIOLATION OF
SECTION
530 5(A) pc IN COUNT 01 THE COURT FINDS THE DEFENDANT GUILTY
COUNT (01) DISPOSITION CONVICTED COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT DATE
COURT FINDS THAT THERE IS A FACTUAL BASIS FOR DEFENDANTS PLEA
AND COURT ACCEPTS PLEA
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 1-25-16
NEXT SCHEDULED EVENT
012516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
120915 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
ON 012516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) JESSICA M BALADY (DA)
DEFENDANT PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY GEORGE MGDESYAN PRIVATE
COUNSEL
ATTY CHRISTINA SARKISS APPEARING
SENTENCING CONTINUED IN DEPT 112 TO 2-25-16
COURT ORDERS AND FINDINGS
-THE COURT ORDERS THE DEFENDANT TO APPEAR ON THE NEXT COURT
DATE NEXT SCHEDULED EVENT
022516 830 AM PROBATION AND SENTENCE HEARING DIST VAN NUYS COURTHOUSE
DEPT 112
012516 BAIL TO STAND AS501lt60527
CUSTODY STATUS BAIL TO STAND
218
ON 022516 AT 830 AM IN VAN NUYS COURTHOUSE DEPT 112
CASE CALLED FOR PROBATION AND SENTENCE HEARING
PARTIES KAREN J NUDELL (JUDGE) LYNNE GARCIA (CLERK)
TROYETTE SCOTT (REP) STACEY SOLOMONS (DA)
DEFENDANT IS PRESENT IN COURT AND REPRESENTED BY ANNA OSIPOV PRIVATE
COUNSEL DEFENDANT WAIVES ARRAIGNMENT FOR JUDGMENT AND STATES THERE
IS NO LEGAL CAUSE WHY SENTENCE SHOULD NOT BE PRONOUNCED THE COURT
ORDERED THE FOLLOWING JUDGMENT
AS TO COUNT (01)
COURT ORDERS PROBATION DENIED
SERVE 2 YEARS IN COUNTY JAIL PURSUANT TO pc 1170(H) (1) AND (H) (2)
COURT SELECTS THE MID TERM OF 2 YEARS AS TO COUNT 01
DEFENDANT GIVEN TOTAL CREDIT FOR 10 DAYS IN CUSTODY 5 DAYS ACTUAL
CUSTODY AND 5 DAYS GOOD TIMEWORK TIME
FORTHWITH
PLUS $4000 COURT OPERATIONS ASSESSMENT (PURSUANT TO 1465 8(A) (1) P c )
$3000 CRIMINAL CONVICTION ASSESSMENT (PURSUANT TO 70373
GC)
$1000 CRIME PREVENTION FINE (PURSUANT TO 12025 PC)
COMMIT
MENT
ISSUED
TOTAL
DUE
$8000 IN
ADDITIO
N -THE DEFENDANT IS TO PAY A RESTITUTION FINE PURSUANT TO SECTION
120246) PENAL CODE IN THE AMOUNT OF $300
COURT ORDERS AND FINDINGS
-PURSUANT TO PC SECTION 296 THE DEFENDANT IS ORDERED TO PROVIDE
BUCCAL SWAB SAMPLES A RIGHT THUMB PRINT A FULL PALM PRINT
IMPRESSION OF EACH HAND ANY BLOOD SPECIMENS OR OTHER
BIOLOGICAL SAMPLES AS REQUIRED BY THIS SECTION FOR LAW
ENFORCEMENT IDENTIFICATION
HARVEY WAIVER TAKEN
COUNT (01) DISPOSITION
CONVICTED REMAINING COUNTS
DISMISSED COUNT (02) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
219
COUNT (03) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (04) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (05) DISMISSED DUE TO PLEA
NEGOTIATION
COUNT (06) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
COUNT (07) DISMISSED DUE TO PLEA NEGOTIATION
DMV ABSTRACT NOT
REQUIRED NEXT
SCHEDULED EVENT
PROCEEDINGS TERMINATED
022516 EXONERATED AS50K60527
CUSTODY STATUS BAIL EXONERATED
ON 022916 AT 900 AM
COUNTY JAIL ABSTRACT PACKET COMPLETED AND FORWARDED TO COUNTY
JAIL VIA SHERIFFS TRANSPORT ABSTRACT COMPLETED BY A BERGIN
030416 ARREST DISPOSITION REPORT SENT VIA FILE TRANSFER TO
DEPARTMENT OF
J USTICE
220
221
Anexo IV ndash Mandado Caso Paytsar Bkhchadzhyan
222
223
224
225
Anexo V ndash Memorandum do Caso de 9 de Maio de 2016
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 15
CAPIacuteTULO I ndash O PROBLEMA DA DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES NO
ORDENAMENTO JURIacuteDICO NORTE-AMERICANO 19
1 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na jurisprudecircncia norte-americana
19
11 Caso Commonwealth of Virginia v David Charles Baust 20
12 Caso State of Minnesota v Matthew Vaughn Diamond 22
13 Caso Paytsar Bkhchadzhyan 24
14 Mandado de 9 de Maio de 2016 25
15 Conclusotildees intermeacutedias 27
2 O problema da desencriptaccedilatildeo de smartphones na Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos
da Ameacuterica 28
21 A Quinta Emenda agrave Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos da Ameacuterica e a
necessidade de desencriptaccedilatildeo de smartphones com o auxiacutelio do arguido 28
211 Requisitos da Quinta Emenda 28
2111 Coacccedilatildeo (compulsion) 30
2112 Incriminaccedilatildeo (incrimination) 30
2113 Declaraccedilatildeocomunicaccedilatildeo (testimonycommunication) 31
212 Limites da Quinta Emenda 36
2121 Conclusatildeo inevitaacutevel (foregone conclusion) 37
2122 Imunidade (immunity) 39
3 Conclusotildees intermeacutedias 40
CAPIacuteTULO II ndash O ACESSO E A APREENSAtildeO DE DADOS ARMAZENADOS EM
SMARTPHONES NO PROCESSO PENAL PORTUGUEcircS 43
1 Os smartphones e a prova digital 43
2 A Lei do Cibercrime 46
3 A relaccedilatildeo entre a Lei do Cibercrime e o Coacutedigo de Processo Penal 56
4 Conclusotildees intermeacutedias 56
CAPIacuteTULO III ndash A ENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES 59
1 A sociedade na era digital e a crescente necessidade de encriptar 59
2 Encriptaccedilatildeo de smartphones 61
21 Noccedilatildeo 61
22 Funcionalidades 62
23 Meacutetodos de encriptaccedilatildeo de smartphones 64
231 Palavra-passe 65
236
232 Biometria 68
3 Conclusotildees intermeacutedias 76
CAPIacuteTULO IV ndash A DESENCRIPTACcedilAtildeO DE SMARTPHONES PARA OBTENCcedilAtildeO
DE PROVA E A SUA ARTICULACcedilAtildeO COM O PRINCIacutePIO DA NAtildeO-
AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 79
1 Colocaccedilatildeo do problema 79
2 O princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 81
21 Consagraccedilatildeo 83
22 Fundamentos juriacutedicos 87
23 Limitaccedilotildees 89
3 A sujeiccedilatildeo a periacutecias exames e diligecircncias de prova e a sua articulaccedilatildeo com o
princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare 91
4 Criteacuterios para a determinaccedilatildeo de violaccedilatildeo do princiacutepio nemo tenetur se ipsum
accusare 96
41 Criteacuterio da dependecircncia e independecircncia da vontade do arguido 96
42 Criteacuterio da conduta activa e toleracircncia passiva 103
43 Criteacuterio da ponderaccedilatildeo de bens 107
431 A distinccedilatildeo entre normas-regras e normas-princiacutepios 107
432 A ponderaccedilatildeo enquanto criteacuterio de resoluccedilatildeo de conflitos entre direitos
fundamentais 109
433 Os limites aos limites dos direitos fundamentais 111
4331 Exigecircncia de lei formal 113
4332 Necessidade de salvaguarda de outro direito ou interesse
constitucionalmente protegido 115
4333 Princiacutepio da proporcionalidade em sentido amplo 116
4334 Garantia do conteuacutedo essencial 120
4335 Requisitos formais generalidade abstracccedilatildeo e natildeo retroactividade 122
434 Criacuteticas ao criteacuterio de ponderaccedilatildeo de bens 124
5 Aplicabilidade do princiacutepio nemo tenetur se ipsum accusare na desencriptaccedilatildeo de
smartphones para obtenccedilatildeo de prova em processo penal 129
51 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da revelaccedilatildeo da palavra-passe 130
52 Desencriptaccedilatildeo de smartphones atraveacutes da leitura da impressatildeo digital do
arguido 137
6 Conclusotildees intermeacutedias 150
CAPIacuteTULO V ndash A RECOLHA DE PROVAS EM VIOLACcedilAtildeO DO PRINCIacutePIO DE
NAtildeO-AUTOINCRIMINACcedilAtildeO 155
1 As proibiccedilotildees de prova 156
237
11 A distinccedilatildeo entre proibiccedilotildees de produccedilatildeo de prova e proibiccedilotildees de valoraccedilatildeo
de prova 156
12 O regime legal das proibiccedilotildees de prova 157
13 A invalidade do acto processual 160
14 O efeito-agrave-distacircncia das proibiccedilotildees de prova 161
2 Consequecircncias da recolha de prova em violaccedilatildeo do princiacutepio de natildeo-
autoincriminaccedilatildeo 164
CONCLUSOtildeES GERAIS 169
BIBLIOGRAFIA 173
ANEXOS 199