UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
TECNOLOGIA EM FOTOGRAFIA
SAMARA VANZ
A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO
CAXIAS DO SUL
2016
SAMARA VANZ
A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Tecnólogo em Fotografia do curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul. Orientadora: Prof.ª. Me. Myra Adam de Oliveira Gonçalves
CAXIAS DO SUL
2016
SAMARA VANZ
A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO
Trabalho de conclusão de curso apresentado
como requisito parcial para obtenção do grau
de Tecnólogo em Fotografia do curso de
Tecnologia em Fotografia da Universidade de
Caxias do Sul.
Orientadora: Prof.ª. Me. Myra Adam de
Oliveira Gonçalves
Aprovado em:
Banca Examinadora:
_________________________________________________________
Prof.ª. Me. Myra Adam de Oliveira Gonçalves
Universidade de Caxias do Sul - UCS
_________________________________________________________
Prof. Me. Edson Luiz Corrêa
Universidade de Caxias do Sul - UCS
_________________________________________________________
Prof.ª. Dra. Ivana Almeida da Silva
Universidade de Caxias do Sul – UCS
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais por sempre estarem ao meu lado e me apoiarem em
minhas decisões, por eles oferecerem todo o suporte e preocupação ao logo de todos
esses anos. Gostaria de agradecer especialmente à minha irmã Samanta e ao meu
namorado Iago, que me aturaram, me auxiliaram e me deram toda a força, incentivo e
apoio. Por quando eu já estava desistindo, eles me convenceram que eu conseguiria.
Agradeço à três pessoas bem especiais que me ajudaram com as fotografias:
meus dois modelos, Carol e João que tiveram a paciência em fazer e refazer as
fotografias e a Mayara que me emprestou um item valioso para a finalização deste
projeto.
A todos os meus professores que me ensinaram e me ajudaram a crescer
academicamente.
Este projeto não se realizaria sem a ajuda de bom coração de vocês.
“A arte é o único domínio em que a onipotência
das ideias se manteve até nossos dias. Só na
arte ainda acontece que um homem,
atormentado por desejos, realize algo que se
assemelhe a uma satisfação; e, graças a ilusão
artística, este jogo produz os mesmo efeitos
afetivos, como se fosse algo real. É com razão
que se fala da magia da arte e que o artista é
comparado a um mágico”.
(Sigmund Freud)
RESUMO
O presente trabalho estuda o desenvolvimento de um conto com a fotografia como
forma de narrativa para a contação de uma história mitobiográfica. O objetivo é
descobrir se as imagens fotográficas são capazes de dar uma sequência narrativa a
história, permitindo que as pessoas conheçam uma forma diferente de leitura, que não
utiliza apenas as palavras. Para o desenvolvimento do conto, foi escolhido a canção
Joquim de Vitor Ramil para definir o personagem principal, construindo, juntamente
com a pesquisa bibliográfica do personagem real Joaquim Fonseca, o foco deste
estudo.
Palavras-chaves: Fotografia. Narrativa visual. Arte sequencial. Joaquim Fonseca.
Mitobiografia.
ABSTRACT
The presente job studies the development of a tale with the photography as narrative
form to the storytelling of a myth biography. The objective is discover if the photography
images are able to give a narrative sequence to the story, by allowing the people to
know a diferente kind of reading, which don’t use just the words. To the tale
development, it was chosen the song “Joquim”, written by Vitor Ramil to define the
main character, building along with the bibliographic research of the real character
Joaquim Fonseca, the focus of this study.
Keywords: Photography. Visual storytelling. Sequential Art. Joaquim Fonseca. Myth
biography.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estrutura narrativa...................................................................................... 12
Figura 2 - Fragmentos................................................................................................ 22
Figura 3 - Fragmentos 2............................................................................................. 23
Figura 4 - Novela gráfica, Debout les Morts............................................................... 24
Figura 5 - Sequência 1 da novela gráfica, Debout les Morts..................................... 25
Figura 6 - Sequência 2 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 25
Figura 7 - Sequência 3 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 26
Figura 8 - Sequência 4 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 26
Figura 9 - Sequência 5 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 27
Figura 10 - Sequência das páginas 206 e 207............................................................ 28
Figura 11 - Sequência das páginas 208 e 209............................................................ 29
Figura 12 - Sequência das páginas 210 e 211............................................................ 29
Figura 13 - Sequência das páginas 212 e 213............................................................ 30
Figura 14 - Sequência das páginas 214 e 215............................................................ 30
Figura 15 - Sequência das páginas 216 e 217........................................................... 31
Figura 16 - Sequência das páginas 218 e 219........................................................... 31
Figura 17 - Sequência das páginas 220 e 221........................................................... 32
Figura 18 - Estrutura da revenda autorizada pela Ford.............................................. 33
Figura 19 - Ford modelo T, “espichado”...................................................................... 34
Figura 20 - Automóveis da linha São Lourenço-Pelotas............................................ 34
Figura 21 - Joaquim Fonseca recebido em São Lourenço......................................... 35
Figura 22 - Interior da oficina recém instalada........................................................... 36
Figura 23 - Joaquim abastecendo a lancha................................................................ 36
Figura 24 - Joaquim, Elda e amigas, Praia em São Lourenço................................... 37
Figura 25 - O porão da casa de Joaquim................................................................... 38
Figura 26 - F.1............................................................................................................ 38
Figura 27 - F.2 ........................................................................................................... 39
Figura 28 - Joaquim e Elda com a nomeada Cidade de Pelotas............................... 40
Figura 29 - Oficina Fonseca....................................................................................... 41
Figura 30 - Louco com o dom da imaginação............................................................ 52
Figura 31 – Delimitação da personalidade dos irmãos............................................... 53
Figura 32 - Primeira sequência de imagens............................................................... 56
Figura 33 - Storyboard parte 1.................................................................................... 56
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09
2 NARRATIVA .....................................................................................................….. 11
2.1 NARRATIVA VISUAL ......…........................…..................................................... 17
2.1.1 Texto-Imagem ......…........................…........................…...............…...…....... 20
3 JOAQUIM DA COSTA FONSECA FILHO (1909 -1968) …................................... 33
3.1 JOQUIM ..........................…........................….........................….....................… 41
3.1.1 Mitobiografia .......…........................….......................…........……................... 43
4 METODOLOGIA ...........................……………….……...………….…...…............... 48
4.1 ESCOLHA DO PERSONAGEM ...…………………..……………..…........……..... 51
4.2 PROCEDIMENTOS DO CONTO .................................................……..........…... 52
4.3 PROCEDIMENTO DO STORYBOARD ...................................................….…... 55
4.4 ROTEIRO ............................................................................................................ 57
4.5 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA ............................................................................. 61
4.5.1 Pós produção fotográfica .............................................................................. 61
4.6 DIAGRAMAÇÃO ....................................................................……................…... 62
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 65
APÊNDICE A – CONTO NA ÍNTEGRA DO SUBCAPÍTULO 4.2..............................71
APÊNDICE B – STORYBOARD DO CONTO NO SUBCAPÍTULO 4.3..................... 82
APÊNDICE C – LICENÇA DE USO DAS IMAGENS................................................. 87
APÊNDICE D – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I.................................. 90
ANEXO A – CANÇÃO JOQUIM .................................................................................113
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura utilizar a fotografia em conjunto com a escrita
com a finalidade de transformar a imagem em narração dentro do contexto de um
conto. Ao contrário de apenas ilustrar partes específicas do texto, a imagem cria
sequência à produção escrita, em um conceito mais próximo ao da fotografia do que
do desenho.
Este projeto apresenta uma nova dinâmica de leitura, juntando imagens
fotográficas com a escrita, para que o leitor tenha uma compreensão diferente da
história e uma nova experiência de leitura.
Para isto, foi trabalhada a história de Joaquim da Costa Fonseca Filho,
morador da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, que é um dos pioneiros da aviação
civil brasileira – ele tinha o sonho de voar.
Como inspiração para a criação do trabalho autoral, duas fontes de conteúdo
foram utilizadas como base:
a) a música “Joquim”, composta e interpretada pelo músico Vitor Ramil, que
conta de maneira romantizada a história de vida de Joaquim da Costa Fonseca Filho;
b) a mitobiografia1 da música de Vitor Ramil como apoio para a interpretação
do contexto.
A ideia de criar as imagens para o trabalho vem através da noção da arte
sequencial, que por sua vez conta uma história através de imagens interligadas.
Em minha vida sempre estiveram presentes os filmes, livros e a paixão pela
fotografia. Os livros ilustrados sempre foram meus favoritos, aqueles com capas
coloridas, com muitas figuras, com uma diagramação diferente, mostrando os
personagens e a visão do ilustrador sobre o que o autor propôs.
Durante as aulas de graduação, uma professora de fotografia indicou um livro,
A invenção de Hugo Cabret, do autor americano Brian Selznick, que tem uma proposta
de leitura singular: ele possui o diferencial de intercalar imagens narrativas para dar
continuidade ao texto. O autor utiliza outro meio, que não o escrito, para contar a
história, tornando a obra dinâmica sem perder a coerência narrativa. Era muito
1 “Uma categoria que parte da ideia de mito, na Poética, de Aristóteles (1993), fortalecendo o entendimento do significado dessa categoria como imitação de uma vida”, de Sérgio Luiz Peres de PERES, Uma história de invenções: memória e biografia em Joaquim Fonseca, da Revista memória em rede, Pelotas, v.1, n.1, dez. 2009/mar. 2010.
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diferente dos que já conhecia, e foi então que deu o “estopim” para a ideia de um livro
que contém texto e imagens fotográficas, estabelecendo uma sequência, onde uma
imagem depende da outra para que você consiga ler a história. Na época da indicação
do livro citado, não foi possível a produção fotográfica, por isso foi guardada a
inspiração para mais adiante, utilizando a ideia da narrativa a partir da leitura
realizada.
Na metade de dois mil e quatorze, conheci a música famosa do Vitor Ramil,
Joquim, a qual foi inspiração no qual possibilitou de pensar em mil formas para usar
essa história com base para as características de um personagem a ser fotografado.
Mais adiante, com a leitura do livro, O orfanato da Senhora Peregrine para crianças
peculiares, do autor Ransom Riggs, foi vislumbrado a possibilidade de juntar fotografia
com texto.
O trabalho foi organizado de maneira com que seja possível o aprofundamento
do assunto. O capítulo 2, chamado de Narrativa, nos traz uma breve descrição do
termo e seus principais elementos para a estrutura, consta dentro de tal capítulo um
rápido conceito de roteiro e storyboard, que ajudou no desenvolvimento do projeto.
Ainda neste capítulo, estudou-se a parte visual e o poder da imagem e da interpretação
do leitor.
No terceiro capítulo, é abordada a história tanto real de Joaquim da Costa
Fonseca quanto a canção Joquim de Vitor Ramil, além de identificar o conceito
mitobiográfico sobre ambas as obras.
Por fim, no último capítulo, foram conceituadas as metodologias utilizadas
e os procedimentos que irão auxiliar toda a finalização do trabalho prático, que é o
conto completo, composto por texto e imagens.
A execução deste projeto tem como objetivo geral responder se as imagens
fotográficas são capazes de complementar uma sequência narrativa textual.
O projeto tem o conceito de levar novas experiências para os leitores, de poder
expressar uma versão diferente sobre a vida de Joaquim Fonseca, pois, em bases dos
estudos realizados, a obra estimulará o imaginário de quem lê.
.
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2 NARRATIVA
A narração é uma sequência de ocorridos onde os personagens se
movimentam em um determinado espaço e tempo; ela é uma forma de expressão
utilizada para contar algum fato ou acontecimento. Narrar é contar uma história, tanto
real como imaginária. Para Adam; Revaz (1997, p.18) “a narrativa é, em primeiro lugar,
representação de ações”. Os autores ainda declaram que essa representação além
de imitar as ações, produz um efeito de reação no interlocutor.
Barthes (1987), ao citar questões sobre narrativa diz que:
[...] ela está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba da boa e da má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está sempre presente, como a vida (BARTHES, 1987, p.103-104).
Desta forma, o texto narrativo é baseado na ação que envolve o personagem,
tempo, espaço e conflito. Contém cinco principais elementos que são: narrador,
enredo, personagem, espaço e tempo.
Para melhor compreensão desenvolve-se a seguir cada item citado:
a) Narrador: é a entidade que expressa os fatos, contudo, o narrador é
diferente do autor; enquanto que o narrador é fictício, o autor está transmitindo de fora
da criação literária.
Genette (apud MAINGUENEAU, 1996) classifica quatro tipos de narrador:
I. Narrador extradiegético: o narrador não faz parte da narrativa;
II. Narrador intradiegético: narra suas experiências como protagonista
principal;
III. Narrador heterodiegético: narra a história de outras pessoas;
IV. Narrador homodiegético: relata fatos que ele vivenciou como
personagem, mas não é o protagonista principal. Relata suas próprias experiências
para contar a história.
b) Enredo: também pode ser chamado de trama, no qual é desenvolvido os
acontecimentos; é uma sequência de ações na qual a história progride.
A estrutura ideal para Adam; Revaz (1997) inicia com uma situação sólida,
onde há um desequilíbrio diante de um conflito de ações, que gera um movimento de
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ação contrária a ação inicial, resultando novamente em um equilíbrio que caracteriza
a situação final.
O esquema abaixo representa as fases da narrativa descritas anteriormente:
Figura 1 - Estrutura narrativa
Fonte: ADAM; REVAZ, 1996
c) Personagens: são os envolvidos na narrativa, vivenciam os fatos
narrados e sua função é simular pessoas, comportamentos, sentimentos, etc.
Comparato (1999, p.111) define personagem como: “vem a ser algo assim
como personalidade e aplica-se às pessoas com um caráter definido que aparecem
na narração”.
Reales; Confortin (2009) ressaltam que um personagem é um signo e, para
fins de análise, é necessário prestar atenção nas características, o modo como se
relaciona com os outros personagens, sua forma de discursar e a sua função dentro
da narrativa. Sendo assim, cada personagem tem sua serventia e podemos dividi-los
em: protagonista (herói ou o anti-herói), antagonista, secundário e figurantes.
O personagem que se classifica como protagonista pode ser qualquer coisa,
pessoa, um grupo de pessoas, ações ou expressões, ele irá ser o principal dentro da
história, Comparato (1999) informa que não se pode confundir o protagonista com os
demais, pois ele será o centro das ações, portanto será o mais definido e elaborado.
O herói tem a função de ser a figura central, para Reis; Lopes (1988, pg. 210)
a figura do herói junto com as demais categorias narrativas (ação, espaço, tempo)
“contribuem para revelar a sua centralidade indiscutível”.
O herói tem uma variável de características, que ao longo do tempo tem
mudado, porém Reales; Confortin (2009) salientam que a característica que
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permaneceu a este protagonista é a sua condição de humano, com defeitos e dádivas,
todavia sempre se destacando do homem comum.
Na Antiguidade grega, o herói vivia entre os deuses e os homens e possuía
inúmeras características. O desenvolvimento do herói mítico acontecia em rituais
durante provas nas quais testavam suas virtudes, no momento que o herói conseguia
finalizar seu trajeto era recompensado com a imortalidade.
No Renascimento, a figura do herói era o homem que se destacava do seu
grupo e se evidenciava pelas suas fortes características de bravura, liderança,
conseguindo lutar nas batalhas tanto contra os deuses, quanto os mortais.
O herói romântico, no período do Romantismo, era um ser solitário e
atormentado, Reales; Confortin (2009, p.24) definem este herói como uma
“representação ideal da nova sociedade burguesa, em processo de industrialização,
e, por outro, o drama do indivíduo voltado ao sofrimento e à perseguição”. O final desta
narrativa por muitas vezes é fatídico.
Com uma forte influência nas características do século XIX, foram
desenvolvidos os heróis realista e naturalistas, com base em pensamentos
positivistas2 e no cientificismo3. Eles buscam provações, tendem muitas vezes superar
conflitos, entretanto seu final pode ser cruel.
Por outro lado, o protagonista pode ser o anti-herói, isto quer dizer que o
personagem principal também poderá ser essa figura que tem características que são
consideradas adversas à do herói.
d) Espaço: não é somente o lugar que ocorre a ação, mas também os
ambientes sociais, psicológicos, morais e culturais. Essa é uma das categorias mais
importantes dentro da narrativa.
e) Tempo: seria a vivência dos personagens, o tempo em que se
desencadeiam as ações.
Metodologicamente existe dois conceitos de tempo; o tempo da história que,
a mesma se é narrada discursivamente, são os acontecimentos em ordem
cronológica. Temos como exemplo o romance, as autobiografias e narrativas
2 Positivismo, é uma corrente filosófica que estabelece o conhecimento científico sendo a única forma de conhecimento verdadeiro. Informações do site <http://www.infoescola.com/sociologia/positivismo/> Acesso em 17 jun. 2016. 3 Cientificismo é voltada para a racionalidade, coerência lógica que a melhor maneira de investigar algo é pelo modo científico. Informações do site <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642015000100001> Acesso em 17 jun. 2016.
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biográficas que poderá ser definido e localizado a temporalidade dos fatos da história.
Este tempo também é psicológico, assim como classifica Reales; Confortin (2009,
p.45): a “forma de experiência narrativa do tempo se dá nas vivências subjetiva dos
personagens por meio de estratégias específicas do discurso vinculadas à capacidade
de recriação da memória”.
O segundo tempo é o discurso, que tem por finalidade a estrutura linguística
do processo narrativo, o qual necessita elaborar pelo tempo da história as estratégias
e perspectiva narrativa, para assim criar peculiaridade de cada peça literária
(REALES; CONFORTIN, 2009).
As estruturas narrativas citadas acima, são base para formar o corpo da
história, dando ordem, limite e sentindo, além de determinar se está correto ou não.
Esta estrutura, para Adam; Revaz (1997) é muito importante, pois colabora para o
funcionamento do texto, como uma estratégia de comunicação. Eles afirmam ainda
que tem a função de produzir efeito no leitor.
Porém, para dar essência à história precisamos identificar o tema, assunto e
a mensagem. A professora Cândida Vilares Gancho (2012) define esses três
conceitos:
Tema é a ideia em torno da qual se desenvolve a história. Pode-se identifica-lo, pois corresponde a um substantivo (ou expressão substantiva) abstrato (a). Assunto é a concretização do tema, isto é, como o tema aparece desenvolvido no enredo. Pode-se identifica-lo nos fatos da história e corresponde geralmente a um substantivo (ou expressão substantiva) concreto (a). Mensagem é um pensamento ou conclusão que se pode depreender da história lida ou ouvida. Configura-se como uma frase (GANCHO, 2012, p.30).
Segundo Leite (2007, p.6): “o narrador pode descrever o que viu, o que viveu,
o que sonhou, o que desejou. Por isso, narração e ficção praticamente nascem juntos”.
As narrativas não valem somente para histórias, o ser humano vive com elas
durante anos, e com diversos meios de transmissão como televisão, filmes, histórias
em quadrinhos, novelas, em volta dos mitos, das lendas e podem ser contadas por
qualquer pessoa.
Barthes (1976) nos ajuda a compreender os tipos de linguagem destas
narrativas:
A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, orla ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas as
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substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantoneima, na pintura […], no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos no fait drivers, na conversação (BARTHES, 1976, p.19).
Esta mesma linguagem que Barthes fala pode ser qualquer uma que narre
algo, destaca-se aqui a literatura que, entre seus termos, existe a ficção.
Segundo Todorov (apud COMPARATO 1983, p.75) “a literatura não é uma
linguagem que possa ou deva ser falsa [...] é uma linguagem que não se deixa
submeter à prova da verdade [...] isto é o que lhe define o próprio estatuto da ficção”.
A forma de escrita que foi utilizada para o trabalho, é o roteiro, no qual se
destaca em trabalhar com o audiovisual.
Roteiro é o esboço, uma pré-escrita do trabalho final, outro exemplo deste
meio é o storyboard que é uma ferramenta utilizada para dinamizar a criatividade,
além de possibilitar que visualize o projeto final.
Storyboard é muito parecido com as histórias em quadrinhos, porém os
quadrinhos é um produto final, enquanto o storyboard tem a finalidade de ilustrar a
ideia do criador do trabalho, para assim facilitar o entendimento do material a ser
executado, ele seria mais como o rascunho de quem está criando.
Esta ferramenta torna possível mostrar detalhes a serem explorados, como
enquadramento, expressões faciais, facilitando o fluxo descritivo de cada cena a ser
trabalhada.
Voltando ao conceito do roteiro, pode-se dizer que se assemelha com o
storyboard, uma vez que ambos têm a mesma finalidade. Conforme Comparato
(1999), “o roteiro é o princípio de um processo visual, e não o final de um processo
literário”.
De acordo com Carrière (apud COMPARATO, 1999, p.20):
Escrever um roteiro é muito mais do que escrever. Em todo caso, é escrever de outra maneira: com olhares e silêncio, com movimentos e imobilidades, com conjuntos incrivelmente complexos de imagens e de sons que podem possuir mil relações entre si, que podem ser nítidos ou ambíguo, violentos para uns e suave para outros, que podem impressionar a inteligência ou alcançar o inconsciente, que se entrelaçam, que se misturam entre si, que por vezes até se repudiam, que fazem surgir as coisas invisíveis (CARRIÈRE apud COMPARATO, 1999, p.20).
Assim como as narrativas, o roteiro também tem seus principais elementos.
Para Comparato (1999) nessa ação são etapas do processo para conseguir finalizar
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o roteiro. Elas são: ideia, conflito, personagens, ação dramática, tempo dramático e
unidade dramática.
A ideia é gerada de um processo mental, está juntamente ligada a criatividade
e como Comparato (1999) descreve ela gera no autor a “necessidade de relatar”.
Após ter a ideia é necessário que haja um conflito essencial, para facilitar o
resumo, é utilizado a ferramenta storyline, que seu significado é “linha da história”, é
um resumo breve, que deverá conter no máximo cinco linhas.
Os personagens serão desenvolvidos dentro da sinopse e argumento, nesta
para a história irá conter mais detalhes. Segundo Comparato (1999) ela é necessária
pois delimita o caráter dos personagens principais. Define-se o lugar onde pertencerá
essa história e quando, na próxima etapa que é a ação dramática, assim será
realizada a estrutura do roteiro, ela formará a sequência das cenas.
Comparato (1999, p.26) explica que “a noção de tempo dramático é muito
complexa [...] Este tempo juntamente com a ação dramática, dar-nos-á o sentido da
função dramática. Esta terminologia ação, tempo, função [...]. Introduzimos a noção
de tempo dramático: quanto, quanto tempo terá cada cena.”.
Na unidade dramática o diretor irá trabalhar com as cenas. O mesmo autor
explica que existe inúmeros formatos de roteiro. Este trabalho será guiado pelos
comics, são escritos em quadrinhos separados. No próximo capítulo aborda-se este
assunto com mais profundidade.
Além disso um roteiro deve conter três aspectos fundamentais, assim como
Comparato (1999) descreve: Logos, Pathos e Ethos.
Logos é essa palavra, o discurso, a forma que daremos. É a organização verbal de um roteiro, sua estrutura geral. Pathos é o drama, o drama humano. Portanto, é a vida, a ação, o conflito do dia-a-dia gerando acontecimentos. Mesmo na comédia temos o pathos do humor. Ethos é a ética, a moral. É o significado da estória, suas implicações morais, políticas, etc. É o conteúdo do trabalho, o que se quer dizer com ele (COMPARATO, 1999, p.21).
Dentre as linguagens apresentadas acima, este trabalho se aprofundará da
narrativa feita através de imagens, a narrativa visual.
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2.1 NARRATIVA VISUAL
Muito antes da escrita, o homem pré-histórico se expressava usando a pintura,
desenhando nas cavernas com sangue de animais, saliva, fragmentos de rocha,
argila, entre outros. Esta arte primitiva foi nomeada como Arte Rupestre.
Os motivos pelos quais eles pintavam ainda é desconhecido, mas uma das
hipóteses seria para manipular o futuro. Para eles, a pintura era um ritual mágico,
desenhavam como seria a caçada e não como realmente ocorreu. Porém, esses
documentos colaboram para que saibamos como era a vida há muito tempo atrás.
Mesmo com o passar dos anos, o homem continua documentando os fatos
que ocorrem em seu cotidiano, sendo na pintura, na fotografia, na escrita. Atenho-me
aqui em como o homem pode documentar uma imagem sendo ela real ou inventada.
Com os avanços tecnológicos ou com muita criatividade, o fotógrafo pode
manipular suas fotografias e fazer o que seu imaginário deseja. Kossoy (1999) acredita
que a realidade fotográfica tem diferentes interpretações, isso se deve a cada
interpretação do leitor.
Ele ainda cita sobre a produção imagética:
Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro fisioquímico direito do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construção, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao se referente [...], porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma recriação do mundo físico ou imaginado (KOSSOY,1999, p. 42).
Com isso, identifica-se que qualquer fotografia é um documento, pois ela
sempre será uma representação, mesmo sendo um resultado de um fato fictício.
Fica inteiramente sob a responsabilidade do fotógrafo usar manipulações,
dependendo de sua cultura, e de sua visão sobre o mundo. Müller (2011) descreve
que a função do fotógrafo é extensa, vai tanto do momento do registro de uma cena,
quanto de sua imaginação, dedução e fantasia perante o mundo.
O mesmo acontece com a leitura da fotografia pela parte das pessoas. O olhar
sobre ela irá mudar variando as etnias; também dependerá do conhecimento prévio
que elas têm das fotografias, assim como cita Nobre (2003).
Kossoy (1999) explica:
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A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência… A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes “leituras” que cada receptor dela faz num dado momento; tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações (KOSSOY, 1999, p.38).
O mesmo autor classifica que por mais que a fotografia seja vista como um
“documento fiel”, não pode ser identificada como tal, pois ela passa por filtros, como
Kossoy (1999) diz, o olhar de cada pessoa que produz a imagem, sua cultura, sua
imagem do mundo, o imaginário de cada um, as opiniões sobre cada assunto e
desejos. Por isso, as leituras de imagem irão proporcionar diferentes tipos de leituras,
cada um interpretará e lerá de forma singular.
Kossoy (1999), com o qual compartilho a mesma opinião, descreve que a
fotografia sempre será uma representação a partir do real, ela não é um simples
registro, e dependerá de cada fotógrafo e de sua interpretação pessoal e sua etnia.
Müller (2011) tem a mesma convicção, e para ela a imagem vai ser gerada da visão
da realidade que o autor compreende.
A mesma autora cita que a fotografia:
Representa uma cultura e uma ideologia e é resultado da visão de mundo do fotógrafo. Ela tanto possibilita que as pessoas reflitam sobre a realidade e o cotidiano e se perguntem sobre ele, como propõe novos olhares e questionamentos àquilo que lhes é familiar. Pode propagar modelos de vivência, manipular ideias e comportamentos, além de ocultar e criar realidade (MÜLLER, 2011, p.29).
Através das imagens, o fotógrafo consegue se expressar e fazer com que o
leitor seja persuadido. Para Santaella (2001) isso independe da imagem ser irreal, pois
é importante de tal forma quanto as imagens reais.
É de suma importância que o leitor consiga interpretar a imagem, pois cada
imagem tem signos e elementos estruturais que resultará a compreensão do que a
imagem quer passar.
Jardí (2014) explica:
A linguagem visual pertence a uma cultura mais primitivas do que a linguagem escrita e é uma das primeiras que as crianças aprendem. Apesar da importância que tem em nossa vida e da naturalidade com a qual lidamos com ela, a linguagem visual é pouco estudada, sobretudo em comparação à linguagem verbal (JARDÍ, 2014, p.3).
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Com o alfabetismo visual, consegue-se compreender o significado das
imagens, pois cada uma tem uma mensagem visual com diversos signos,
possibilitando uma expressão com valor maior.
Em seu seminário, Kikuchi (2004, p.1) conclui que “é necessário formar
leitores de imagens que saibam ver com inteligência, interpretar de maneira autônoma
e criativa [...]”.
Para Estefani; Villas-Boas (2015, p.1) “a imagem como elemento estrutural da
narrativa, tende a instigar incisivamente o raciocínio e a imaginação do leitor: cabe a
ele enunciadamente interpretar”.
Santaella (2001) diz que cada pessoa consegue fazer uma leitura de imagem
devido as modalidades e as submodalidades da linguagem. Entende-se com isso que
dentro de uma imagem se manifesta vários códigos criando maneiras de representar.
É possível denominar como sendo texto não-verbal, pois nada mais são do que
códigos cheios de signos que criam seus próprios discurso (FERRARA, 1997).
É claramente necessário que cada ser humano saiba como ler imagens, pois
é tão importante quanto a leitura textual.
Cademartori (200-) denomina a linguagem visual sendo de suma importância
e com uma rica gama de ‘potencialidade’. A mesma autora ainda declara:
Pesquisas comprovam que não olhamos as imagens de modo global. Fixamos nelas olhares sucessivos. Projetar vários olhares sobre uma imagem é atividade de busca e exploração mais ou menos consciente. Nem sempre sabemos o que estamos buscando, mas focamos as partes providas de número maior de informação (CADEMARTORI, 200-, p. 4).
Em relação aos livros de imagens, Cademartori (200-, p.4) relata que diante
dos trechos aos quais não há imagens, deverá ser completado pelo leitor. Para a
autora, o “sentido de uma imagem depende das identificações e relações que o
destinatário for capaz de estabelecer”. Com isso cada leitor utilizará de sua
imaginação para dar andamento e sentido ao texto.
A imagem não pode ser delimitada somente como uma ilustração, ela contém
signos que permitem a identificação de inúmeras informações dentro dela. Para Nobre
(2003, p.70), “a fotografia permite ao imaginário transpor códigos lineares, penetrar a
polissemia da narrativa visual”. Aumont (1993, p.81) reforça essa afirmação
declarando que “a imagem tem por função garantir, reforçar, reafirmar, e explicar
nossa relação com o mundo visual: ela desempenha o papel de descoberta do visual”.
20
Leite (2007) declara que ao observar as imagens, analisando-as, o leitor se
relaciona com elas, e percebe que talvez sem aquela imagem não conseguiria
diferenciar o que está ocorrendo ao seu redor. Além disso as imagens têm cunho
totalmente cultural, traz consigo informações contidas pela mensagem que o fotógrafo
quer passar. Assim como explica Nobre (2003) que ao ler as imagens:
O interpretante está construindo mais um entendimento a respeito de si mesmo e do outro, de suas formas de agir, viver, relacionar-se de suas práticas, olhando para a fotografia como uma das portas de penetração em um cotidiano social que não é o dele ou como uma estrada por onde ele pode voltar para refazer e reconhecer o seu percurso social (NOBRE, 2003, p.77).
Assim sendo, as imagens possuem um conjunto de códigos que o leitor irá
interpretar, decifrando-os.
Segundo Leite (apud BONI 2014, p.85):
A memória funciona através de imagens fixas, como retratos, ou seja, ela não filma, fotografa. Os indivíduos guardam fotografia mentais dos acontecimentos e não movimentos contínuos, e mesmo quando não muito curtos, os gestos não aparecem em sua duração, mas fixos em uma fração se segundos (LEITE apud BONI, 2014, p.85).
Leite (2007, p.132) classifica que “imagens semelhantes ou associadas
estabelecem um vínculo, que a mensagem mediada pelas palavras ou pelo código
escrito estabelece mais demoradamente”, com isso entende-se que a memória
associa as imagens, daquelas que estamos vivenciando para as que já estão
armazenadas na mente.
2.1.1 Texto-Imagem
Existe um longo dilema entre a leitura imagética com a leitura escrita, pois
para alguns, as imagens são meramente ilustrativas. Pode-se definir aqui, que
imagens são tão importantes como a palavra. Em prol disso, é conceituado o termo
da imagem sequencial, que para Estefani; Villas-Boas (2016, p.1) tem “referência aos
quadros com ilustrações que podem estar distribuídos na unidade da página ou da
página dupla, sem quantidade estipulada”.
Este é o fundamento da arte sequencial, que o termo foi inventado por Will
Eisner (1917-2005) cartunista, desenhista, roteirista, arte-finalista, editor, empresário
e publicitário, e que se refere a uma característica artística, que usa imagens em
21
sequência para contar uma história. É um conceito muito utilizado nas histórias em
quadrinhos, e pode ser usada em filmes, animações e livros.
EISNER (1999) afirma:
As imagens sem palavras, embora aparentemente representem uma forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certa sofisticação por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum e um histórico de observação são necessários para interpretar os sentimentos mais profundos do autor (EISNER, 1999, p.24) .
Eisner (1999) ainda declara que com o uso somente da escrita, damos ao
leitor o poder da imaginação da história contada, quando é usado um artifício como as
histórias em quadrinhos, com texto e imagens, o leitor terá vários módulos de
interpretações, como o “som, diálogo e textos de ligação”.
É importante compreender que nas histórias em quadrinhos usa-se mais
imagens que as palavras. Para Eisner (2005, p.5) “a maior dependência para
descrição e narração está em imagens entendidas universalmente, moldadas com
intenção de imitar ou exagerar a realidade”.
Cirne (2000) define que os quadrinhos são:
Uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens rabiscada, desenhadas e pintadas. O lugar significante do corte - que chamaremos de corte gráfico - será sempre o lugar de um corte espaço-temporal, a ser preenchido pelo imaginário do leitor (CIRNE, 2000, p.23).
Para explicar melhor esse corte que as narrativas sofrem, McCloud (1995)
introduz o pensamento dos fragmentos.
22
Figura 2 - Fragmentos
Fonte: MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books,1995.
McCloud (1995) destaca que o fato dos sentidos incompletos dentro dos
quadrinhos, proporciona ao leitor que complete os trechos que não há imagens.
23
Figura 3 - Fragmentos 2
Fonte: MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books,1995.
Referentes as explicações de McCloud (1995) foi possível entender, que o
leitor será estimulado a fazer as conexões das imagens sequenciais para então
compreender o contexto da história. O leitor tem participação poderosa nos
quadrinhos. Cada um lê e interpreta do seu estilo. Fazendo assim o público usar sua
própria imaginação. Pois o mesmo, colabora consciente e voluntário, e a conclusão é
o agente de mudança, tempo e movimento. A conclusão permite conectar os
movimentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e unificada.
24
Para Estefani; Villas-Boas (2016, p.1) “contar histórias a partir de imagens é
um exercício de sugestão que estimula o leitor a apreender a expressão do espaço e
a sensação de tempo decorrido a partir de elementos gráficos, recursos estilísticos e
técnica nascida dos estudos da percepção e associação”.
Frans Masereel, nascido em Blankernberge, na Bélgica, em 1889, foi pintor e
artista gráfico; seus trabalhos são compostos de xilogravuras, as quais vários artistas
são influenciados por elas, como Lynd Ward. E suas novelas gráficas, que na época
não utilizavam tal termo, são sequências de imagens que formam toda uma história.
Como podemos ver na novela gráfica que se chama Debout Les Morts, composta de
xilogravuras:
Figura 4 - Novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
25
Figura 5 – Sequência 1 da novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
Figura 6 – Sequência 2 da novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
26
Figura 7 - Sequência 3 da novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
Figura 8 - Sequência 4 da novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
27
Figura 9 - Sequência 5 da novela gráfica, Debout les Morts.
Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.
Masereel não utiliza a escrita para contar a história, porém, é possível
compreender através das xilogravuras o que está ocorrendo em cada quadro. Para
compreender cada quadro, Linden (apud ESTEFANI; VILLAS-BOAS, 2016) acreditam
que é preciso retratar os momentos onde a ação é alta.
Eisner (1999) reforça nossos estudos declarando que:
É possível contar uma história através de imagens, sem ajuda de palavras. Em Hoagy the yogi, part 2 (Hoagy, o iogue, parte 2) é uma tentativa de explorar a imagem a serviço da expressão e da narrativa. A ausência de qualquer diálogo para reforçar a ação serve para demonstrar a viabilidade de imagens extraídas da experiência comum (EISNER, 1999, p. 16).
Para a interpretação de tal mensagem, quem deverá fazer isso é o próprio
leitor. Pereira de Araújo (2009) descreve a importância da leitura das imagens:
[...] a construção de práticas de leitura de imagem, isoladas ou em sequência narrativa, assim como a construção de práticas de leitura de textos escritos, ampliam significativamente nossa capacidade de escrita e imaginação, fazendo com que a qualidade da leitura, que se expande a cada passar de olhos, se desenvolva de forma exponencial (PEREIRA DE ARAÚJO, 2009, p. 57).
28
Para Kikuchi (2004), a importância ao ler as imagens é de grande valia, pois
quando conseguimos interpretar, conseguimos refletir direito, temos novas ideias,
possibilitando uma visão diferente do mundo.
Um dos livros que mostra tal feito é o livro A invenção de Hugo Cabret, criado
pelo americano Brian Selznick, que conta a história com o auxílio das imagens.
Figura 10- Sequência das páginas 206 e 207
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
29
Figura 11- Sequência das páginas 208 e 209
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
Figura 12- Sequência das páginas 210 e 211
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
30
Figura 13- Sequência das páginas 212 e 213
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
Figura 14- Sequência das páginas 214 e 215
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
31
Figura 15- Sequência das páginas 216 e 217
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
Figura 16- Sequência das páginas 218 e 219
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
32
Figura 17- Sequência das páginas 220 e 221
Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.
Estas imagens acima não estão somente para ilustrar, mas como uma
ferramenta na narrativa da história. As imagens se intercalam com o texto sem a
necessidade de serem explicadas previamente. Por isso, dentro deste estilo narrativo
as imagens são de extrema relevância para que o leitor continue a compreender o
livro.
Autores usam este artificio para deixar a leitura mais breve e divertida,
facilitando também a memorização da história.
O escritor e cineasta americano Ranson Riggs, utiliza fotografias para
intercalar seu livro, porém a diferença entre o livro dele e o de Selznick está que estas
fotografias são usadas para inspirar na narrativa da história, facilitando o leitor na
descrição dos personagens. Selznick utiliza uma sequência de imagens em seu livro.
Manguel (2001, p.28) declara que, as pessoas se inspiram nas diversidades
de material que consomem e que diante disso, “nenhuma narrativa suscita por uma
imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam
segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria narrativa”. Assim é
possível compreender que as imagens podem ser utilizadas de diferentes formas.
33
3 JOAQUIM DA COSTA FONSECA FILHO (1909 -1968)
Sem a devida valorização e reconhecimento, Joaquim da Costa Fonseca Filho
foi esquecido por grande parte das pessoas, e toda sua história não pode ser
documentada. Existem muitos motivos pelos quais sua memória caiu no
esquecimento, pode-se supor, que entre elas, seja o fato de ele ser filho de imigrante
e não ter escolaridade, como documenta Peres (2009, p.86): “não pertencia ao círculo
fechado e supostamente nobiliárquico da cidade de Pelotas”. A legislação não
reconhecia o avião, não o deixando-o voar, além disso, seu invento se destacou no
momento que iniciou a II Guerra Mundial.
Porém, sua história ainda é lembrada pelos seus filhos e netos, e assim
repassada.
Joaquim era filho de um português, que veio ao Brasil por volta de 1900 e
casou-se com Norberta, que era brasileira. Deste relacionamento nasceram Mário,
Antônio e Joaquim. Entre seus irmãos, somente Joaquim não trabalhou na agricultura.
Em Pelotas o pai de Joaquim era dono de um armazém, mas depois se transformou
no primeiro revendedor autorizado da empresa Ford, na cidade de São Lourenço, Rio
Grande do Sul.
Figura 18- Estrutura da revenda autorizada pela Ford
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
34
Ele nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 04 de agosto de 1909. A
formação acadêmica foi até a quinta série do primário, mas isso não o impediu de
aprender mecânica e construção aeronáutica. Quando tinha dezoito anos, Joaquim
aumentou o chassi do Ford modelo T. e com isso beneficiou as pessoas, que até
então, usavam carroças para transportes coletivos. Este invento foi um dos mais
excepcionais entre sua criação até então. Foi um fundamento para começar a linha
de transportes coletivos entre duas cidades: a que ele morava, São Lourenço, e sua
cidade natal, Pelotas.
Figura 19- Ford modelo T, “espichado”
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Com isso os lucros aumentaram significativamente.
Figura 20- Automóveis da linha São Lourenço-Pelotas
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
35
Joaquim era um desportista, praticava corridas de automóveis, e entre 1925
e 1930 em Porto Alegre ganhou uma corrida e voltou orgulhoso para São Lourenço.
Assim como relata Joaquim Neto, seu filho, na entrevista da dissertação de Peres
(2009):
Esta fotografia é de uma corrida de automóveis entre Pelotas e Porto Alegre, que ele venceu. Aqui está o pai, que na época corria com co-piloto, o Sr. Olvídio Bork. Isso foi depois da corrida, quando ele voltou de Porto Alegre teve essa recepção, essa festa porque ele ganhou a corrida (PERES 2009, p. 47).
Figura 21- Joaquim Fonseca recebido em São Lourenço
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Em 1925, Joaquim retornou para sua cidade natal, Pelotas, vendeu a linha de
automóveis do falecido pai e montou sua oficina mecânica em 1930.
36
Figura 22- Interior da oficina recém instalada
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
E em 1930, mais um invento foi criado, a Magestoza (figura 18 e 19), uma
lancha com motor na frente, a qual Joaquim afirmava que teria um desempenho com
mais eficiência.
Figura 23- Joaquim abastecendo a lancha
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
37
Figura 24- Joaquim, Elda e amigas, Praia em São Lourenço
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Foi a partir de 1930, ainda segundo Peres, que Joaquim prestou serviços
militares, na Escola de Aviação Militar do Rio de Janeiro, onde aprendeu engenharia,
com o intuito de voltar para Pelotas e criar sua própria oficina mecânica de aviões. E
assim o fez.
Casou-se pela primeira vez com Elda, em 1935, e tiveram três filhos: Gilberto,
Adalberto e Joaquim. Ele a conheceu em uma viagem em 1935. Somente depois, por
volta de 1950, que conheceu Heloíza Sinott, que na época tinha dezesseis anos.
Desta paixão, nasceram mais dois filhos: Marco Antônio e Eloisa Elena.
Joaquim começou os esboços de seu mais novo invento, um avião. E durante
três anos, no porão de sua casa, trabalhando após o serviço na oficina mecânica e
aos finais de semana (figura 25), fez o tão sonhado F. 1. (figura 26).
38
Figura 25- O porão da casa de Joaquim
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Figura 26- F.1
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Peres (2009) relata, conforme o jornal Folha do Povo, sobre o avião:
Seu primeiro vôo, por Waldemar Keller, piloto brevetado pela Varig Aero Esporte, durou vinte minutos a uma altura de trezentos metros, sobre o Aeroporto Municipal, a 100Km/h, com autonomia de 2h, e consumiu 20L/h. Em 1939, assistir ao sobrevôo de um avião produzido em Pelotas deveria mesmo ser motivo de espanto e de algum tipo de orgulho, como relatou a referida reportagem (PERES, 2009, p. 55).
39
O avião tinha motor de automóvel, e no trem de pouso, pneus de motocicleta.
Ele era feito de madeira e algodão envernizado. Depois de trinta horas de voo,
Joaquim chegou à conclusão que o avião era pesado demais e o desmanchou.
Na Europa já estavam fabricando aviões com motores de automóvel, porém
no Brasil somente ficou conhecido com a iniciativa de Joaquim Fonseca.
Em 1942, Joaquim já fazia parte da diretoria do Aeroclube de Pelotas como
diretor técnico. Foi então que ficou pronto o F.2. (figura 27).
Figura 27- F.2
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Porém, ele ainda precisava da licença de voo, para poder utilizar o novo
avião.
Segundo Peres (2009):
Em 1942, o então desconhecido construtor quis mostrar seu novo aparelho em Porto Alegre. Joaquim e o presidente do Aeroclube de Pelotas chegaram à capital do estado exibindo o invento – a bordo do F.2. O avião foi testado pela primeira vez com o objetivo de seguir até o Rio de Janeiro, onde deveria ser exibido para a Aeronáutica. A aeronave era destinada a treinamento e turismo, de construção mista de aço e madeira, com dois lugares e com duplo comando, media 10,5m de envergadura e 6,68m de comprimento, pesando 320 quilos, com autonomia de voo de cinco horas e velocidade de 135 quilômetros por hora, atingindo teto de 3.800m. Além dessas diferenças em relação ao primeiro protótipo, tinha motor aéreo, do tipo Franklin – o grande motor americano da época, feito para aviões -, e rodas de avião. Nada parecia mais promissor. Jornais de circulação nacional passaram a noticiar as vantagens do novo aparelho. Dizia-se que Salgado Filho (1888-1950), ministro da Aeronáutica e também rio-grandense, poderia aproveitar Joaquim no novo ministério (PERES, 2009, p. 57).
40
Depois dos testes feitos, Joaquim e sua mulher Elda, voltaram para Pelotas
voando na nomeada Cidade de Pelotas (figura 23).
Figura 28- Joaquim e Elda com a nomeada Cidade de Pelotas
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Joaquim motivou-se pela repercussão e sucesso que o F.2 fez. Seus projetos
estavam voltados para uma fábrica de aeronaves na qual ele faria um novo protótipo,
a sequência do F.2, o F.3. Porém, a homologação foi negada pelo Ministério da
Aeronáutica, que alegou que os materiais usados eram de baixa qualidade, e também
havia sido negado a licença e o financiamento para a instalação da Sociedade
Industrial de Aviões Pelotense.
Em entrevista ao Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre em 1941, Joaquim
declara:
Tenho lá em Pelotas um grupo de amigos que trabalham diariamente na minha oficina. São uns abnegados que visam a grandeza da aviação brasileira. Temos trabalhado, por assim dizer, à força de carvão de pedra. Esses aviões que estão saindo de nossas mãos, indicam que nós podemos construir. É, porém, preciso que terminemos com essa mentalidade de que o que é nacional não é bom...na maioria das vezes as iniciativas morrem porque
41
tais empreendimentos tem de nascer pequenos, e não temos paciência. Preferimos plantar arroz e batatas e trocar por aquilo que podemos construir aqui (PERES, 2009, p. 59).
Com esta entrevista, é possível afirmar que o interesse no dado momento era
a agricultura, visto que era a principal forma de movimento econômico do local.
Ainda na entrevista, Peres (2009), relata que entre o período 1930 e 1940 a
indústria aeronáutica brasileira não evoluiu, usando motores estrangeiros e
financiamentos para aeroportos com dinheiros francês e inglês.
Isso não o desmotivou: Joaquim ampliou sua oficina mecânica (Oficina
Fonseca) (figura 24) que concentrava automóveis e também aviões.
Figura 29- Oficina Fonseca
Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.
Joaquim veio a faleceu em 12 de julho de 1968. O sonho de construir aviões
inteiramente brasileiros foi feito depois de um ano da morte de sua morte, com o
governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976).
3.1 JOQUIM
O cantor e compositor Bob Dylan criou uma canção chamada “Joey” (1976)
na qual ele defende o ponto de vista de um bandido nova-iorquino chamado Joey
Gallo (1929- 1972).
42
Dez anos depois, em 1986, a melodia desta canção foi adaptada pelo
compositor e cantor Vitor Ramil. Em sua obra Ramil criou uma mítica em torno da vida
de Joaquim da Costa Fonseca Filho (1909 -1968). A canção criada tem a atmosfera
de mito, pois engloba não somente a vida de Joaquim Fonseca como de outros
personagens que viveram as situações expostas na música. Para isso, Vitor Ramil
utiliza uma maneira poética e cria uma estratégia discursiva.
O Joquim, personagem criado na canção, tem espírito político-revolucionário,
porém, Joaquim era um inventor interessado na construção de aviões e a criação de
sua fábrica. Um exemplo que mostra a diferença que existe entre eles é que o
personagem passa um tempo na cadeia, porém Joaquim não. Esta inspiração de
Ramil ao definir alguns fatos da vida de Joquim, vem das experiências do escritor
Graciliano Ramos, assim como Peres (2009) relata em sua dissertação:
Durante o Estado Novo, Graciliano, já um escritor reconhecido, filiado ao Partido comunista Brasileiro, escreve ao presidente fazendo duras críticas ao governo. Graciliano é preso, e dessa experiência nasce o romance Memórias do Cárcere, cuja temática está presente também em outros versos da canção (PERES, 2009, p.30).
Para tornar Joaquim um herói, Vitor Ramil coloca em sua canção um
tiroteio no qual o personagem é atingido e morre. No entanto no Cartório de Registro
Civil da cidade de Pelotas, a informação é que Joaquim da Costa Fonseca Filho teve
uma morte natural.
Alterando a realidade, Vitor Ramil faz da vida de Joaquim uma ficção,
transformando-o em uma pessoa que tentou realizar seu sonho, porém foi
interrompido devido a uma brutalidade: assim, nasce o personagem Joquim.
Quem ouve a canção está vivenciando algo ilusório, pois para Peres (2009),
a canção é criada para reunir diversos mitos, dando força no contexto e criando uma
memória diferente do que foi a de Joaquim Fonseca, resultando assim em uma
memória inventada de acesso público.
O mesmo autor declara:
A canção agrega a ele uma identidade postiça de herói, o herói da trajetória interceptada pela fúria irracional, o herói do trabalho interrompido, figura presente na história da humanidade desde a mitologia clássica – em Ícaro no frustrado sobrevôo sobre o mar da Grécia – até a pós-modernidade – em Guevara, capturado e morto antes que revolucionasse a América. A criação desse mito atravessado por elementos culturais tem início a partir da ação da canção sobre o ouvinte. Acredito que a divulgação e a execução da canção a tenham levado, ao ser (re)cantada e (re)contada milhares de
43
vezes, a constituírem a memória coletiva de muitas gerações que, assim, imaginaram uma outra história acerca de Joaquim Fonseca, reinventando a história que pretendo contar (PERES, 2009, p.32).
Peres (2009) declara que há elementos na canção que a transformam em
mitobiográfica. Ele explica que esses mesmos elementos elaboram uma memória
coletiva, mesmo que sejam lembranças do que não foi vivido.
Peres (2009) destaca que:
Falsa lembrança, falso histórico, mas revelação de uma camada social que seleciona o que quer lembrar e o que quer esquecer, que interpreta e explica o passado segundo imagens dadas nessa canção do mito (PERES, 2009, p.32).
A canção de Vitor Ramil esconde todos os feitos de Joaquim Fonseca, não
mostra que ele foi um dos pioneiros da aviação brasileira e nem os projetos que ele
desenvolveu. A canção segundo Peres (2009), não valoriza os reais feitos de Joaquim
Fonseca, mas sim destaca uma falsa aura de herói, como ele classifica de “realidade
imaginada”. (Ver ANEXO 1)
Para a melhor compreensão sobre a dinâmica que acontece na canção
Joaquim, será conceituado o termo que Peres (2009) classifica como mitobiografia.
3.1.1 Mitobiografia
O mito tem vários significados e interpretações, porém sua principal função é
ligar o homem ao mundo simbólico. Assim como explica Garcez (2008): “sem esta
vivência espiritual a sociedade sofreria de graves distúrbios emocionais”.
O significado encontrado no dicionário sobre a palavra “mi.to sm (gr mythos)
é: 1 Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da 2 Antiguidade
pagã. 3 Interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. 4 Tradição que,
sob forma alegórica, deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico. 5 Exposição
simbólica de um fato. 6 Coisa inacreditável. 7 Enigma. 8 Utopia. 9 Pessoa ou coisa
incompreensível”.<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=
portugues-portugues&palavra=mito>.
Porém, as definições de mitologia são amplas, envolvendo todas as formas
míticas ou que enfeite a realidade.
44
Broch (apud FISCHER, 1966, p.111) define o mito como:
O naïveté4 do começo, é a linguagem das primeiras palavras, dos símbolos originais, que cada época precisa redescobrir por si mesma. É o irracional, a visão direta do mundo; é a imagem súbita que se vê pela primeira vez e jamais se esquece; é o mundo todo tornando-se uma imagem indivisível (BROCH apud FISCHER, 1966, p.111)
Müller (apud CASSIRER, 2000, p.17) afirma que “mitologia no mais elevado
sentido da palavra, significa o poder que a língua exerce sobre o pensamento, e isto
em todas as esferas possíveis da atividade espiritual”. Para o mesmo autor, o “mundo
mítico é essencialmente um mundo de ilusão”.
Barthes (apud RANDAZZO, 1997, p. 57) descreve que mito é “uma forma de
discurso”, “uma modalidade de significações”.
Barthes (2001) ainda declara que mito não é uma fala comum. Ela é uma
narrativa carregada de significados, porém quando se tenta explicar, ela deixa de ser
mito tornando-se uma fábula ou lenda.
Os mitos que se formaram na antiga Grécia e em Roma, não se denominam
apenas como simples histórias, nelas consistem tentativas de saber os significados
do começo do universo, além de vários arquétipos5.
Conforme Randazzo (1997):
Os mitos da antiga Grécia não são apenas historinhas interessantes; eles representam padrões arquetípicos de experiência humana que existem desde o começo dos tempos e atravessam todas as culturas. A aparente simplicidade disfarça sua profundidade. Na sua mitologia e nos seus panteões de Deuses, os gregos projetam os seus próprios sonhos e temores, ao fazerem isto, ofereciam-nos um vislumbre da alma humana (RANDAZZO, 1997, p. 63).
No momento que a ciência evoluiu, as pessoas cada vez mais se afastaram
das mitologias, estas mesmas que ajudavam o homem a compreender o mundo e a
dar alguma explicação para os fenômenos da natureza. Agora, já possuem o
entendimento dos mesmos, com a ajuda da ciência.
Com isso, ficou cada vez mais complicado para as pessoas modernas
saberem o devido significado e importância das mitologias.
4 Naïveté palavra francesa que contém seu significado como ingenuidade. (FISCHER, 1966) 5 Arquétipos: para Jung são como um conjunto de imagens psíquicas presentes no inconsciente
coletivo que seria a parte mais profunda do inconsciente humano. O mesmo autor declara que o inconsciente coletivo é herdado. Eles guiam e moldam nosso comportamento. (FISCHER, 1966)
45
Como citado acima, a mitologia ajudava as pessoas, assim como descreve
Randazzo (1997) com elas é possível entender o universo, o interior do ser humano,
as pessoas seguem as histórias mitológicas como se fossem um tipo de guia para
suas vidas. Adquirindo sentido a vida, com isso ficam mais centrados e entrelaçados
com o mundo.
O mesmo autor declara que as mitologias também ajudam a formar a
identidade, a forma com que pensam e veem o mundo e a conduta de cada um. Assim
ele descreve:
As mitologias não só ajudam os seres humanos dando-lhes um sentido de identidade, elas também ajudam as pessoas a entenderem o que é importante e como deveriam portar-se na vida. Mostrando padrões de comportamento humano arquetípicos ou universais, as mitologias são verdadeiras cartilhas para a vida inteira (RANDAZZO, 1997, p. 83).
Eliade (2002, p.8) apoia este pensamento sobre o comportamento declarando
que: “mito é vivo no sentido de que fornece os modelos para a conduta humana,
conferindo, por isso mesmo, significação e valor à existência”.
Randazzo (1996) ressalta que as mitologias possibilitam as pessoas a terem
ética, definem também as diversas culturas, pois passam valores e crenças, com
essas definições o ser humano consegue engajar em sua cultura, fazendo assim as
pessoas se conscientizarem de suas atitudes, dar um sentido em suas vidas.
Ford (In: YEFFETH (org), 2003) enfatiza o real significado e de onde surge:
“Os humanos são criaturas mitificadoras e, pode-se dizer, “construtoras de mundos”. Criamos narrativas épicas para demonstrar autoconhecimento e tentar dar sentido à vida. Nessa acepção, mito não é “conto de fadas” nem história inventada -antes, é a mais profunda expressão dos nossos medos, das nossas aspirações e da nossa compreensão simbólica da vida e do mundo que nos cerca”. (FORD In: YEFFETH (org), 2003. p. 139)
Sabendo agora o significado, é de suma importância compreender de onde
veem os mitos. Entre todas as teorias e suas justificativas sobre a origem dos mitos;
a mais utilizada é a de que eles se originam na mente humana.
Campbell (apud RANDAZZO, 1997) afirma que a mitologia tem origem dos
nossos sonhos: “os mitos e os sonhos vêm do mesmo lugar … os mitos são os sonhos
do mundo a canção do universo”. Já Jung (apud RANDAZZO, 1997) frisa que mitos
são projeções de nosso inconsciente, fazendo assim, revelar nossa verdadeira alma.
Relativo a isso, Randazzo (1997) declara que a mitologia vem do inconsciente
e é possível ver a verdadeira alma humana, a espontaneidade que fica invisível aos
46
olhos da sociedade. O ser humano fica com os “pés no chão”, na psique inconsciente
é liberado a mente para os desejos e pesadelos. Randazzo (1997) cita Campbel,
quando o mesmo denomina que, o autor se entrega ao fazer sua obra, pois a
inspiração vem do inconsciente e este mesmo processo possibilita conectar o elo
inconsciente.
Hollis (1997) diz:
O mito nos leva até o fundo das reservas psíquicas da humanidade. Sejam quais forem nossas raízes culturais e religiosas, ou nossa psicologia pessoal, a familiaridade com os mitos proporciona um elo vital de ligação com o significado, cuja ausência está, frequentemente, por trás das neuroses individuais e coletivas do nosso tempo (HOLLIS,1997 p.4).
Kerenyi (apud RANDAZZO, 1997, p.81) afirma que “a experiência mitológica
é em resumo uma experiência espiritual, alguma coisa que experimentamos na
interioridade mais profunda da nossa alma, um encontro com o divino”.
Concluindo então, que os mitos executados pelas pessoas, necessitam do
uso do inconsciente, produzindo uma exclusiva interpretação do mundo. Ford (In:
YEFFETH (org), 2003, p. 139) destaca que “o autor de um mito geralmente não cria
uma narrativa do nada: sempre se inspira em símbolos ou narrativas do meio
circundante e transforma o seu significado de modo novo e criativo”.
Afirmando o papel do autor, Campbell (apud RANDAZZO,1997, p.84)
descreve que “o papel do artista é a mitologização do ambiente e do mundo”.
Com isso, é possível compreender que o mito é criado pelo nosso interior,
pela nossa alma. Identifica-se que a mitobiografia é uma forma de expressão de nosso
inconsciente sobre a vida de determinada pessoa.
Peres (2009, p.12) descreve que a mitobiografia tem vários gêneros, partindo
assim do mito, “imitação de uma ação” ele denomina então que a mitobiografia “pode
ser entendida como a imitação de uma vida, como encenação adaptada ou inspirada
no vivido”. No presente trabalho, seria sobre a vida de Joaquim Fonseca.
Para a historiadora Passerini (1993, p.39), o termo mitobiografia foi inventado
por Ernst Bernhard (1896-1965), um pediatra alemão que foi impedido de prosseguir
com o seu trabalho como psicanalista. A palavra mitobiografia, em sua origem, queria
dizer “mitologema”, que é a base do destino de um indivíduo.
Cardoso de Jesus (2000) descreve:
47
Na construção da identidade pessoal, o indivíduo utiliza os referentes comunitários como matéria-prima que transformará artisticamente, criando uma obra verdadeiramente sua, com uma marca estilística única. Se concebermos o trabalho identitário como a escrita de uma estória de vida, a prevalência do individual sobre o colectivo entender-se-á como uma relação dialéctica entre mito e biografia – mitobiografia –, sendo a estória de vida a reinterpretação pessoal de mitos colectivos. O sujeito re-cria uma mitologia pessoal, uma galeria de heróis (CARDOSO DE JESUS, 2000, p.2).
Para Peres (2009, p.16), a mitobiografia está introduzida junto com a biografia,
“pois tudo o que se diz ou se escreve a respeito de um indivíduo e que dá origem a
um mito acaba sendo material biográfico”, porém, são diferentes uma da outra, visto
que o gênero biográfico está na memória social.
Segundo Markendorf (2006), as biografias consistem de uma aura mítica na
qual tudo depende do biografo, ele acredita que diante disso nasce um novo conceito
de biografia, a mitobiografia, sendo a vida encenando um mito.
Passerini (1993, p.30) declara que dentro das estórias biográficas, poderá
ocorrer de conter a mitobiografia, assim fazendo a junção de expressões novas e
antigas. “Não se trata de usar mitos do passado para ler o presente, mas de usar o
presente para reinterpretar os mitos”. Diante disso é possível perceber que ela pode
se estruturar com o passar do tempo.
48
4 METODOLOGIA
Ao começar o projeto foram realizadas pesquisas com as quais será possível
dar andamento aos conceitos e pensamentos sobre o assunto em questão. Além disso
a pesquisa tem como objetivo fornecer soluções aos problemas que são propostos. A
pesquisa é uma ferramenta que é utilizado para delimitar o processo de busca.
Zamboni (2012) nos diz que a pesquisa sempre necessitará de métodos, pois
ela está ligada a lógica de pensamentos; porém quando denomina-se pesquisa
enquanto o processo, ela não fica delimitada em uma sequência lógica, ela mudará
dependendo da vontade de executar tal atividade. O mesmo autor ainda exemplifica
que independe de qual área for a pesquisa, ela sempre seguira o mesmo conceito.
Esta pesquisa, será desenvolvida em várias fases, assim como declara Gil
(2002, p.17) que “a pesquisa desenvolve-se ao longo de um processo que envolve
inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a satisfatória
apresentação dos resultados”.
Portanto, foi iniciado uma pesquisa bibliográfica com a qual foi possível criar
a base inicial do projeto.
Esta pesquisa proporcionou a organização das ideias sobre o tema,
possibilitando soluções para os questionamentos. Com estudos e leituras de autores
sobre o assunto abordado, “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em
material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, para
que seja possível explicar e interpretar melhor as ideias e assim criar vínculos com
próprios conceitos e com os conceitos dos autores. Gil (2002, p.44).
A necessidade da pesquisa bibliográfica é ampla, de acordo com Stumpf (In:
DUARTE; BARROS (org), 2005):
Ela é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de suas próprias ideias e opiniões (STUMPF In: DUARTE; BARROS (org), 2005, p. 51).
Partindo desta mesma importância, Gil (2002) descreve que as vantagens
bibliográficas têm uma ampla gama de fenômenos, sendo adequada quando a
pesquisa exige dados perdidos ou de difícil acesso.
49
Assim, as pesquisas bibliográficas facilitam e desencadeiam o processo de
pesquisa. No entanto, deve-se ter cuidado com os conteúdos que são fornecidos, pois
outros autores podem interpretar de forma erroneamente fazendo seu trabalho ser
guiado com fundamentos inexistentes. Gil (2002, p.45) confirma dizendo que “muitas
vezes, as fontes secundárias apresentam dados coletados ou processados de forma
equivocada. Assim, um trabalho fundamentado nessas fontes tenderá a reproduzir ou
mesmo a ampliar esses erros”. E, para evitar essa possibilidade ele afirma que é
necessário estudar e examinar com veemência as informações obtidas.
Para complementar a pesquisa bibliográfica que é realizada em livros, artigos,
teses e catálogos, há a Internet, que pode ser tanto benéfica para o projeto como
também pode afetar o processo de informações coletadas, mais facilmente do que as
pesquisas bibliográficas.
Gil (2002) explica que a Internet é um meio de informação muito amplo, e não
pode ser esquecido, ele ainda alega, como uma problemática, que há uma quantidade
demasiado de informações.
Para reforçar, Yamaoka (In: DUARTE, BARROS (org), 2005) descreve que, a
característica que sobressalta a internet é devido a sua sobrecarga de informações.
Isto acontece porque qualquer pessoa com acesso a este meio pode escrever e
publicar informações sobre todo o tipo de assunto. Por isso, para não prejudicar o
resultado, deve-se pesquisar em sites confiáveis.
Além de todas as pesquisas, que servem como a procura por soluções, e
constituem a base teórica, existe um ponto crucial, que é a afirmação de nossa
imaginação: a parte prática do projeto, onde as ideias são projetadas, testando-as e
criando algo novo a partir dos conceitos vistos. Para isso usa-se a capacidade de criar,
usando a arte.
Sobre a origem da arte, Fischer (1996) informa:
A estimulante descoberta de que os objetos naturais poderiam ser transformados em instrumentos capazes de agir sobre o mundo exterior e alterá-lo levou a mente do homem primitivo, sempre tateando experimentalmente e despertando aos poucos para o pensamento, a outra ideia: a ideia de que o impossível também poderia ser conseguido com instrumentos mágicos, isto é, a ideia de que a natureza poderia ser magicamente transformada sem o esforço do trabalho. Deslumbrado pela imensa importância da semelhança e da imitação, ele deduziu que, desde que todas as coisas semelhantes eram idênticas, o poder sobre a natureza que lhe podia ser proporcionado peço “tornar semelhante” poderia ser ilimitado. O poder recentemente adquirido de individualizar e dominar objetos, de desenvolver uma atividade social e de dar conta de acontecimentos por
50
meio de signos, imagens e palavras, conduziu-o a esperar que o poder mágico da linguagem fosse infinito. Fascinado pela força deliberação, da vontade, do propósito capaz de antecipar coisas, de fazer com que coisas existentes como ideias na mente viessem a ter existência material, ele foi levado a acreditar numa força avassaladora sem limites, que existiria nos atos de manifestação da vontade. A mágica de fazer instrumentos levou-o inevitavelmente à tentativa de estender a magia ao infinito (FISCHER 1966, p. 42).
O mesmo autor denomina que não se deve classificar somente o poder da
magia para explicar a origem da arte. Esta magia, para o autor, se transformou em
ciência, religião e arte. Assim, confirma a separação da arte e da ciência, onde
Zamboni (2012) afirma que ambas têm características de experimento, busca e
pesquisa, porém a ciência busca as explicações em leis universais e a arte é
extremamente particular.
Comparando estas duas áreas no quesito pesquisa, Rey (1996) alega que são
muito diferentes entre si: a arte propende-se ao mundo dos valores e a ciência dos
seus feitos.
A arte é necessária, e para Fischer (1966) a arte capacita o ser humano a
conhecer e mudar o mundo, ele ainda declara que a arte manifesta as ideias, do autor,
da sociedade e com isso mostra a necessidade coletiva.
Deste muitos anos atrás, o homem tem a necessidade de procurar
significados e soluções; o homem tanto é um ser fazedor quanto um formador, assim
como Ostrower (1987) cita: “tudo ao nosso redor é estímulo para nossa criatividade”.
Comparato (1983, p.37) contribui declarando que “o homem é um ser que
indaga. É um curioso, um perguntador jamais satisfeito com as respostas”.
Ostrower (1987) diz que os processos de criação são intuitivos, porém no
momento que são expressos ganham formas e viram conscientes. Assim tudo ao
nosso redor ajuda a formular nossa criação, nossa imaginação. Quando o ser humano
estuda e pesquisa mais, consegue gerar conceitos conscientes sobre o trabalho, e
ampliando a rede de associações.
Comparato (1983, p. 75) descreve que “arte não é cópia nem imitação, mas
sim uma invenção que expressa de modo sensível, estético, o universo particular de
cada artista”.
A pesquisa em arte é denominada para o auxílio de um produto final, assim
como enfatiza Zamboni (2012), reafirmando que qualquer pesquisa, independente da
51
área, necessita de um método a ser utilizado para dar andamento ao processo e
chegar ao resultado final do qual era o seu objetivo.
Cattani (2002 In: BRITES; TESSLER (org), 2002, p. 37) declara que “o próprio
artista poderá falar de seu processo, analisar suas intenções, descrever os materiais
e técnicas que empregou, sem, todavia, expor a totalidade da sua própria obra”.
Por isso opta-se, em nosso processo metodológico, pela criação de um tipo
de “diário de campo”, pois ele é um instrumento de comentários e auxilia como registro
das atividades. Caracterizado também pela criação de um roteiro e de um storyboard
encadeados com outras estratégias criativas que foram importantes para o trabalho.
4.1 ESCOLHA DO PERSONAGEM
Apresentaremos os procedimentos, pois como declarado anteriormente, o
instrumento de registro foi algo parecido com um diário de campo.
Ao escutar a música do Vitor Ramil, Joquim, logo me inspirei. No refrão (Ver
ANEXO A):
“Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das ideias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo? ”
Este trecho apresenta o personagem Joquim, absorto nas ideias loucas, me
impressiona o poder que ecoa sobre mim ao querer saber o motivo de sua morte,
quem são estes canalhas? Foi então que comecei a procurar sobre sua vida, com
base na dissertação feita por Peres (2009) me possibilitou saber sobre a vida de
Joaquim Fonseca.
Com a pesquisa bibliográfica consegui identificar características com as quais
eu fundamento meu próprio trabalho final. Ao estudar sobre a vida de Joaquim,
consegui fazer uma linha tênue entre o Joquim da canção e o da vida real, incluindo
características no meu próprio personagem, retiradas do Joquim, o personagem, e do
Joaquim, o ser humano.
Já sabia o que seria meu projeto final, por isso me inspirei em todas as
referências que já adquiri ao longo dos anos de leituras e experiências com filmes.
52
4.2 PROCEDIMENTOS DO CONTO
Já delimitado todos os elementos principais dentro de uma narrativa, como
estudado no capítulo 2, consegui dar andamento na parte do conto. Ficou delimitado
do seguinte modo:
a) A escolha do narrador foi o intradiegético, pois é o personagem que está
contando a sua própria história. Essa definição de narração foi utilizada por escolhas
do meu gosto. Creio que defino melhor usando a primeira pessoa.
b) O seguinte passo foi o enredo, já definido no momento que ouvi a
canção, depois estudado com a história de Joaquim. A partir disso consegui estruturar
de maneira própria uma sequência de ações que ocorre durante a trama.
c) Todos os personagens envolvidos são criados cada um tendo sua
própria personalidade. Tive inspiração para definir o grupo familiar a partir da canção
de Ramil (Ver ANEXO A)
“Joquim era o mais novo
Antes dele havia seis irmãos
Cresceu o filho bizarro”
Perante a isso, fiz um desenho utilizando como inspiração a canção.
Figura 30 - Louco com o dom da imaginação
Fonte: Autoria Própria
53
O núcleo do personagem ficou delimitado da seguinte maneira:
Figura 31 – Delimitação da personalidade dos irmãos
Fonte: Autoria Própria
Os outros personagens ficam caracterizados pelo decorrer do conto. O mais
complexo e árduo foi o personagem principal, Joquim.
Caracterizo ele com alguns elementos que a canção propõe, porém, seu
espírito é definitivamente outro: ele busca por um propósito no qual é chegar o mais
perto do que ele já sentiu por sua irmã Carmen. Delimito ele com a doença da
esquizofrenia, tão sutilmente abordada no conto, pois é a visão que o personagem
tem, e não uma narrativa visando todas as perspectivas de fora para dentro da vida
do personagem.
Utilizo personagem, assim como Carmen (retiradas da imaginação de Joquim)
para que o leitor compreenda que Carmen também é fruto da imaginação, porém, não
quero mostrar tão descaradamente isso para o leitor.
54
Também usei a mesma denominação que Ramil usa para definir a localidade
em que o enredo é estruturado. Satolep de trás para frente se refere à Pelotas, a qual
o real Joaquim viveu. Utilizo o mesmo nome para reforçar a ideia de fantasia.
A primeira escrita que desenvolvo é um pequeno prefácio, porém, ele está
destinado ao meu personagem, dou crédito a ele para delimitar seu pensamento sobre
um sentimento que apreciou no decorrer da jornada.
No momento no qual escrevi o prefácio, utilizei a fonte Times New Roman,
tamanho 12 em itálico, depois na escrita do conto ‘corrido’, utilizei Alegreya, tamanho
14 em itálico.
PREFÁCIO
“Olhar para você, com suas cores tão bem pensadas por mim e saber que cada pedacinho seu foi com tanto esforço e suor que caía a toda hora, além de muitas noites sem dormir.
Agora você está ali, de pé, e quando não está com seus ‘pés’ na terra, está como eu, nos céus, cortando-o, perfurando as nuvens e viajando com os pássaros.
Isto seria apenas mais um sonho se eu não tivesse colocado minhas mãos e o meu coração em você”
Porém na finalização do conto transformei para Baskerville Old Face, tamanho
12. Não somente o prefácio, mas todo o conto foi escrito com a mesma fonte. Esta
escolha foi de total responsabilidade minha, e por passar um ar intimidade, pois parece
que foi escrito a mão.
No momento que escrevia o conto coloquei capítulos em todas as partes para
conseguir me situar melhor, pois ao criar o conto, compus as partes visuais sem a
utilização da palavra contada, já estava em minha mente todas as cenas que iria
fotografar. Utilizei nestas partes do texto a formatação em itálico para distingui- las de
forma especial.
Então ficou desta forma:
Me doí dizer que não estava nem preocupado e muito menos triste por sua partida. Depois
de semanas procurando por ele, recebemos a notícia de um amigo da família. Soube da notícia
quando estava descendo os degraus da escada e chegando até a mesa.
(Carta em cima da mesa, plano médio, pegando a carta com a mão, a vista sendo do
joquim. Escrita:
Caros Fonseca,
É com pesar em meu coração que envio está simples carta para lhes informar que avistei
vosso filho Bartolomeu. Infelizmente cheguei atrasado e não consegui impedir que ele partisse.
Ele estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da bilheteria onde seria o destino
de Bartolomeu, infelizmente ela não pode fornecer.
55
Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e peço que se precisarem
de minha ajuda não hesitem.
Aguardando, Cícero
Colocar a carta na mesa)
Assim, com as definições dos capítulos e as orientações das cenas a serem
fotografadas, consegui utilizar a ferramenta do roteiro para me situar em minhas
fotografias.
Senti muita dificuldade ao criar o conto, pois este foi meu primeiro contato em
escrever algo complexo. Esta não foi somente a única dificuldade: foi complicado
definir os inventos que o Joaquim Fonseca fez que eu poderia utilizar dentro do conto,
em definir uma estratégia com motivos e conflitos para que o enredo funcionasse.
Fiquei durante muitos meses ocupada com a formulação do conto e fazer com
que dê algum significado.
Produzir algo no qual você somente ouviu falar, se interessa, mas nunca
estudou sobre o assunto é muito complicado, e foi neste instante que me deparei com
mais uma dificuldade, que foi demonstrar a doença que meu personagem iria ter. Com
isso procurei, li e assisti obras voltadas para a esquizofrenia, para conseguir
desenvolve-lo de forma mais real, capaz de sincronizar com o que eu queria passar
para o leitor.
4.3 PROCEDIMENTO DO STORYBOARD
Utilizei o storyboard para a melhor visualização das minhas imagens, para
definir posições da câmera e o que eu gostaria de mostrar em cada imagem
sequencial.
A minha primeira arte sequencial foi incluída após a parte do prefácio, também
foi uma das primeiras imagens que desenvolvi. Por isso, coloquei em escrito os
detalhes das sequências e logo depois me permiti instigar sobre o invento do
personagem.
56
Figura 32- Primeira sequência de imagens
Fonte: Autoria Própria
Logo depois produzi mais storyboards das partes imagéticas do conto (Ver
APENDICÊ B).
Figura 33- Storyboard parte 1
Fonte: Autoria Própria
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4.4 ROTEIRO
Logo após o desenvolvimento do storyboard, fiz um pequeno roteiro das
partes imagéticas do conto, já com o desenvolvido da história na íntegra, para
contribuir na hora da produção fotográfica.
Assim, defini o que cada cena necessitava, colocando em um breve roteiro o
figurino, cenário, personagens que iriam estar na cena. Também reproduzi este
roteiro, de cada frame que necessitaria para dar sequência visual e por fim, a
observação se caso eu gostaria de colocar algo mais detalhado que seria utilizado.
Utilizei a fonte Courier New, tamanho 12, pois esta forma é uma característica
de roteiros. Então ficou da seguinte maneira:
ROTEIRO
PARTE 1 -CAPÍTULO 1
Figurino: chapéu,
Cenário: ar livre, folhas de papel dobradas, árvore
Personagens: joquim pequeno (joão)
Frames: (primeira cena: close-up do rosto de joquim)(segunda
cena: se afastando do corpo de joquim)(terceira cena: ele olha
para o lado)(quarta cena: sentado com as pernas
encolhidas)(quinta cena: estica o braço para pegar o
chapéu)(sexta cena: coloca o chapéu na cabeça)(sétima: rosto
para baixo triste)
OBS: (Deitado na grama de barriga para cima, olhando o céu, o
sol iluminando o meu rosto ao meu lado várias folhas dobradas e
o chapéu ao lado)
PARTE 2 -CAPÍTULO 1
Figurino: cores claras
Cenário: quarto, livro
Personagens: joquim pequeno (joão) e carmen (carol)
Frames: (primeira cena: rosto sorrindo da Carmen, (close-up, luz
da manhã))(segunda cena: franzindo o rosto (parecendo que está
braba) (terceira cena: rindo novamente)(quarta cena: jogando o
rosto dentro de um livro aberto)(quinta cena: tira o livro do
rosto) (sexta cena: imagem com o livro aberto, as mão
perto(plongée))
OBS: (cenário: quarto, deitados)
PARTE 3 -CAPÍTULO 2
Figurino: camiseta manga curta, calção, chapéu
Cenário: deque
Personagens: joquim pequeno (joão)
58
Frames: (primeira cena: joquim de costas para a câmera no deque,
câmera fixa no começo do deque)(segunda cena: joquim se afastando
(3X) (quinta cena: ele senta)(sexta cena: câmera no rosto de
joquim(olhos abertos))(sétima cena: ele fecha os olhos)(oitava
cena: abre os olhos e esta dia)
OBS: (noite)(último frame dia)
PARTE 4 -CAPÍTULO 2
Figurino: camiseta preta, calção, chapéu
Cenário: deque
Personagens: joquim pequeno (joão)
Frames: (primeira cena: joquim sentado no deque, olhos fechados,
sorrindo)(segunda cena: pés na água balançando
(plongée)(terceira cena: olhos abertos, com a cara
triste)(quarta cena: olha para trás)
OBS:
PARTE 5 -CAPÍTULO 3
Figurino: cabelo molhado, camiseta azul, calça, chapéu
Cenário: casa, mesa, luz matinal
Personagens: joquim pequeno (joão)
Frames: (primeira cena: carta em cima da mesa, plano médio)
(segunda cena: pegando a carta com a mão)(terceira cena: plongée
da carta sendo lida)(quarta cena: carta em cima da mesa, joquim
sentado desfocado)(contra-plogéé)
OBS:
Caros Fonseca,
É com pesar em meu coração que envio está simples carta para
lhes informar que avistei vosso filho Bartolomeu. Infelizmente
cheguei atrasado e não consegui impedir que ele partisse. Ele
estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da
bilheteria onde seria o destino de Bartolomeu, infelizmente ela
não pode fornecer.
Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e
peço que se precisarem de minha ajuda não hesitem.
Aguardando, Cícero
PARTE 6 -CAPÍTULO 4
Figurino: camiseta preta, chapéu
Cenário: deque
Personagens: joquim pequeno (joão)
Frames: (primeira cena: joquim com os pés na água com a cabeça
baixa) (segunda cena: cabeça levantada olheiras profundas)
(terceira cena: close-up dos pés mexendo na agua) (quarta cena:
close-up dos dedos na agua) (quinta cena: close-up dedos na
grama) (sexta cena: close-up dedos na areia) (sétima cena: close-
up dedos no ar
OBS: (imagem meia transparente)
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PARTE 7 -CAPÍTULO 4
Figurino: camiseta branca
Cenário: dentro da agua
Personagens: joquim pequeno (joão
Frames: (primeira cena: cabeça dentro a água) (segunda cena:
mexe a cabeça para um lado) (terceira cena: mexe a cabeça para
o outro agonizado) (quarta cena: sobe à cabeça da agua com a
boca aberta) (quinta cena: rosto se aproxima da câmera boca
aberta em um grito silencioso)
OBS:
PARTE 8 -CAPÍTULO 7
Figurino: camiseta de manhã curta, chapéu
Cenário: ar livre, bicicleta
Personagens: joquim jovem (iago)
Frames: (primeira cena: contra-plongée do joquim na bicicleta e
o céu aparecendo)(segunda cena: close-up o rosto de
joquim)(terceira cena: o céu com os pássaros,) (quarta cena:
close dos lábios, sorriso de canto dos lábios)(quinta cena: close
da mão da bicicleta)(sexta: close do cabelo e chapéu)(sétima
cena: joquim andando de bicicleta sorrindo(câmera
frontal))(oitava cena: costas de joquim na bicicleta)(nona cena:
chapéu o ar)(décima cena: câmera no chão, close do chapéu no
chão e o joquim ofuscado(na lenta) atrás).
OBS:
PARTE 9 -CAPÍTULO 8
Figurino: camiseta branca,
Cenário: mesa, relógio, papéis
Personagens: joquim jovem (iago)
Frames: (primeira cena: câmera frontal estagnada, joquim sentado
na mesa com os papeis ao seu redor, luz acima de sua cabeça,
joquim de chapéu.uma luz no joquim e outra no relógio de parede)
(cenas: das horas passando e joquim se mexendo e modificando os
papeis de lugar)
OBS:
PARTE 10 -CAPÍTULO 8
Figurino:
Cenário:
Personagens:
Frames: (parte inicial dele olhando para o avião)
OBS:
PARTE 11 -CAPÍTULO 9
Figurino:
Cenário: remédios, caixa de madeira, duas cadeiras. casa
Personagens: joquim jovem (iago)
60
Frames: (primeira cena: joquim sentado no chão) (segunda cena:
abre caixa com remédios) (terceira cena: olhando os remédios na
palma da mão) (quarta cena: com os olhos fechados e a mão na
boca) (quinta cena: sentado com os olhos fechados, a luz apagar)
(sexta cena: a luz volta a acender) (sétima cena: joquim deitado
em uma maca de hospital (deitar ele em cadeiras altas e desfocar
o fundo))
OBS: na segunda cena alguns remédios caem no chão
PARTE 12 – CAPÍTULO 9
Figurino: chapéu, camiseta preta
Cenário: papéis, mesa, arma,
Personagens: joquim jovem (iago)
Frames: (primeira cena: joquim de pé, rosto para baixo - chapéu
o escondendo) (segunda cena: rasgada a carta) (terceira cena:
jogando em direção da câmera) (quarta cena: colocando as mãos na
cabeça) (quinta cena: se encurvando)
OBS: Cena aparecendo a mesa joquim e atrás a porta fechada, em
cima da mesa tem a arma usada em sua morte (noite)
PARTE 13 -CAPÍTULO 9
Figurino: chapéu, camiseta preta/ capa grande tipo capote
Cenário: rua, em baixo de um poste-chácara
Personagens: joquim jovem (iago), homem misterioso
Frames: (primeira cena: câmera frontal no joquim, mostrando
atrás, uma sombra preta na escuridão) (segunda cena: Joquim
caminha até a luz) (terceira cena: para, Joquim com os olhos
fechados) (quarta cena: câmera muda para o lado. Joquim na luz
de costas e a sombra na escuridão) (quinta cena: Joquim se vira)
(sexta cena: homem com o capote aparece na luz) (sétima cena:
saca a arma do capote) (oitava cena: aponta a arma para joquim)
(nona cena: bala indo em camera lenta até joquim) (décima cena:
tela preta)
OBS:(camera na frente do joquim, mostrando atras, uma sombra
preta na escuridão. Joquim caminha até a luz e para. Joquim fecha
os olhos. Camera muda para o lado. Joquim na luz de costas e a
sombra na escuridão. Joquim se vira, (dois quadros) sombra
aparece na luz, saca a arma do capote, aponta e atira. Bala indo
em camera lenta até joquim. Não deixando ela atingir e fica preta
a cena).
Criei meu roteiro de uma forma com que me lembrasse do que seria
necessário para os dias da produção fotográfica. E esta se mostrou uma ferramenta
de muita ajuda, pois facilitou para relembrar o que eu queria expressar com cada
imagem.
61
4.5 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
Ao realizar as produções fotográficas, deparei-me com o auxílio que o roteiro
me proporcionou, pois me possibilitou guiar as cenas, juntamente beneficiando os
modelos.
Cada sequência fotográfica foi realizada no mesmo dia, para a facilitação dos
modelos ao saberem o contexto das cenas, e a minha ao definir melhores os ângulos.
A imagem da primeira sequência encontrada no conto foi pega da internet e
modificada. Seria muito complicado ter uma fotografia autoral de um avião antigo. Por
isso necessitei de outros meios para obtê-la.
Vários locais foram utilizados para fotografas as cenas, como: Jardim
Botânico, Sesi, minha casa, casa de um dos modelos, casa de uma amiga que
emprestou a banheira, chácara dos meus pais e uma rua deserta.
Para realizar as imagens, utilizei minha câmera fotográfica Nikon 5100, com
a lente 35mm f/ 1,8.
A maioria das fotografias foram realizadas ao ar livre; não utilizei nenhuma
iluminação especial, além da iluminação natural. Na última sequência fotográfica, os
postes de luz me ajudaram a conseguir mais iluminação. Esta cena já havia sido
pensada justamente para que a iluminação fosse mais escura.
Nas imagens feitas dentro de ambientes, foi utilizado o fresnel para ter uma
iluminação adequada.
Além de realizar as imagens previstas no roteiro, modifiquei alguns ângulos e
fiz algumas imagens que não estavam previstas no storyboard inicial.
4.5.1 PÓS PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
Depois das fotografias prontas, selecionei aquelas que funcionam na
sequência que eu desejava. Todas as fotografias selecionadas foram ajustadas no
programa do Adobe Photoshop. Em algumas foram feitas apenas mudanças de cores,
como as da infância do personagem, em outras me atrevi a fazer montagens com
outras fotografias produzidas.
Inicialmente fiz as imagens da infância do personagem em preto e branco,
porém, após conversas e orientações com a Prof. Me. Myra, foi definido que seria
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melhor as imagens serem descoloridas, dando assim, um aspecto de tristeza que eu
gostaria de passar naquelas fotografias.
Como citado anteriormente, somente uma cena ao ar livre foi realizada de
noite. A cena da parte 3, onde o Joquim criança está no deque e vai se afastando da
câmera, foi realizada de manhã, depois modificada no programa Adobe Photoshop
para ficar mais escura, tirando as sombras. Isto foi necessário, devido ao fato do local
(Sesi) fechar a noite e por motivos que não possibilitavam o modelo posar naquele
horário.
Nas últimas cenas de sequência, foi utilizado uma arma imagética para
contribuir com a narrativa visual.
4.6 DIAGRAMAÇÃO
Com o desejo de criar um conto, composto de texto e imagem, para o projeto
final, achei mais viável apresentar meu trabalho em formato de um livro. Desta forma,
escolhi o tamanho A4, paisagem, pois defini que todas a minhas fotografias fossem
compostas deste formato desejado, para facilitar no momento da sangria.
Utilizei o programa Adobe InDesing para montar as imagens junto com o texto
escrito.
Depois de organizado a montagem do conto, procurei lugares para a
impressão. Como eu estava visando um livro, foquei em gráficas onde o material fosse
composto visando uma finalização parecida com o esperado.
Escolhi o papel couche 210g para ser utilizado para a impressão. Desde o
começo imaginei o livro com a capa dura, e por motivos técnicos, elaborei uma
sobrecapa para compor a parte externa, deixando-a com o nome do livro.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do trabalho estudado, utilizou-se a fotografia em conjunto com a escrita
para auxiliar a narração dentro de um conto. Foi estudado que a imagem pode
trabalhar sozinha, isto significa que ela tem autonomia para mostrar o que o fotógrafo
quer transmitir.
A linguagem, tanto escrita como imagética permite a compreensão do que
está sendo mostrado para o leitor.
A partir do que foi mostrado no capítulo 2, onde abordou-se os conceitos da
narrativa com seus elementos principais aos quais dão o corpo da narração,
entendeu-se que a mesma pode ser elaborada de diferentes formas e com diversos
objetivos. Entre todas as linguagens, o trabalho estudou a narração fotográfica, e as
diversas ferramenta para que podem ser utilizadas para facilitar a narração. A partir
disso, escolheu-se o roteiro e o storyboard.
Foi possível perceber também, que cada imagem tem signos e seus vários
códigos que são expostos para o leitor, que com suas experiências de vida e sua
carga de cultura, consiga interpretar o que está sendo exposto para ele. Para trabalhar
em conjunto texto-imagem, estudou-se a arte sequencial, que é utilizada nas histórias
em quadrinhos, o qual é um exemplo que usufrui da escrita e da imagem para dar
andamento a narração. Foi utilizado vários exemplos, sendo que um deles é uma
narração de xilogravuras, feita por Frans Maserell, para reafirmar que as imagens têm
total possibilidade de contar uma história. Ao longo deste capítulo, reafirmou-se o
poder que o leitor tem ao interpretar as imagens e a responsabilidade que o fotógrafo
tem ao guiar o olhar do seu leitor.
Sendo assim, baseando-se no fato que a escolha é do fotógrafo ao manipular
e ao escolher se prefere relatar algo fictício ou real.
O trabalho abordou no terceiro capítulo sobre a vida de Joaquim da Costa
Fonseca e a relação ao Joquim de Ramil, com este estudo, possibilitou o
entendimento do conceito da mitobiografia, aos quais se intercalam ao relatar a vida
de um indivíduo, transformando-o em um mito.
O presente trabalho possibilitou colocar em prática a minha escrita e minha
fotografia, desenvolvi meu próprio Joquim, juntando o conhecimento que tive da
canção e a pesquisa bibliográfica da vida real de Joaquim Fonseca. Porém minha
cultura, meus desejos, meu modo de pensar, me possibilitaram mostrar o Joquim da
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forma como foi imaginado e planejado. Um personagem tirado da imaginação, com
todas referências que obtidas ao longo dos anos.
Deparei-me com uma incrível dificuldade na parte escrita do conto, pois não
tenho nenhuma formação ou experiência nesta parte. Por isso, a constituição dos
personagens e o desenvolvimento da história demandavam um grande tempo deste
projeto. Porém, ao produzir fotograficamente o conto, me deparei com a ajuda do
roteiro e dos storyboards que havia feito.
Este estudo propôs responder se as imagens fotográficas são capazes de dar
uma sequência narrativa a história, e creio que a pesquisa realizada pode responder
a questão de forma positiva, pois os objetivos foram alcançados e estudados ao longo
do trabalho. Deseja-se que outras pessoas se interessem por esta narrativa e que
possibilite uma publicação para que, este tipo de conto fique cada vez mais
reconhecido e que cada vez mais as pessoas identifiquem que as imagens não estão
ali apenas para ilustrar contos, mas estão também para contar as histórias.
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APÊNDICE A – CONTO NA ÍNTEGRA DO SUBCAPÍTULO 4.2
PREFÁCIO
“Olhar para você, com suas cores tão bem pensadas por mim e
saber que cada pedacinho seu foi com tanto esforço e suor que caía a
toda hora, além de muitas noites sem dormir.
Agora você está ali, de pé, e quando não está com seus ‘pés’ na
terra, está como eu, nos céus, cortando-o, perfurando as nuvens e
viajando com os pássaros.
Isto seria apenas mais um sonho se eu não tivesse colocado
minhas mãos e o meu coração em você”.
CAPÍTUL 1 - CARTA À CARMEN
Choro por ti... Todas aquelas flores... Sendo que aquelas pessoas mal sabiam quem
você era realmente. Desço meus olhos até o objeto que estou segurando, o qual peguei de suas
tão pequenas e tão geladas mãos. Tento não me lembrar de seus olhos moribundos, do sangue
que se misturava com a cor do seu vestido, aquele mesmo que mamãe comprou para você no
Natal passado.
Mamãe não fala nada, não chora, parece que não aconteceu nada. E se era difícil ver
nosso pai, imagina agora. É difícil sem você nessa casa, minha irmã!
(Deitado na grama de barriga para cima, olhando o céu, o sol iluminando o meu rosto
ao meu lado várias folhas dobradas e o chapéu ao lado) (close-up ) (cena se afastando do
corpo de joquim pequeno) (na terceira cena: ele olha para o lado) (quarta cena: vai se
levantando)(quinta cena: coloca o chapéu na cabeça )(sexta: rosto para baixo triste)
Gostaria de você por perto, pois agora estou com alguns planos, parece que irão dar
certo, tenho esse pressentimento. Sempre paro em frente ao lago, onde vi seu corpo sem vida.
As coisas em casa não mudaram muito, a mãe continua reclamando que nada eu tenho
dos meus irmãos, aquele mesmo blábláblá de que devo tentar ser igual ao Timótio, o exemplo
da família. Mas você sabe que ele só segue as ordens de nosso pai e da nossa mãe. Sim, nosso
pai continua sem mostrar sequer os dentes para nós.
“Homem muito trabalhador”, diz a mãe para as nossas queixas em relação à ausência
dele. Porém, me lembro o dia que você contou o porquê dele agir de tal maneira, e nada tem
em relação ao quanto ele trabalha, e sim a visão dele perante a sociedade e mais alguns goles
de álcool.
Carmen, você de longe é minha irmã favorita, com você eu podia contar minhas ideias
e confiar meus segredos. E pensando bem, foi o único tipo de amor que recebi por parte da
minha família. Agora a única coisa que me restou de você foi este chapéu e a saudade.
Quando comento ao seu respeito, por algumas vezes todos me apontam seus olhares
como se eu estivesse louco, por outras, simplesmente me ignoram.
No começo, ao pedir à Bartolomeu como ele se sentia, ele me deu aquele olhar e disse
que contaria tudo para nossa mãe. Talvez ele não esteja aceitando, assim como eu. Mas acredite,
não mais do que eu!
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Por mais que o lugar seja perfeito, as coisas não se encaixam. Parece que você
modificou tudo ao partir, esse sentimento que não consigo descrever, que somente dói. Aquele
adeus que não te dei me corrói. Agora vejo você, sutilmente sorrindo para mim.
(rosto sorrindo da Carmen, (close-up, luz da manhã))(franzindo o rosto (parecendo
que esta braba) (rindo novamente)(jogando o rosto dentro de um livro aberto)(tira o
livro do rosto) (cena como se ele estivesse com a cabeça para baixo, olhando o livro as mãos
perto) (foco nas mãos) (cenário: quarto, deitados).
São essas lembranças que me permitem continuar, embora quando abro os olhos, tenho
a sensação de que tudo no mundo vira cinzas com sua ausência.
Mamãe pediu para que eu seguisse a minha vida, que todos estavam fazendo tal coisa.
Ficar comentando seu nome e pensando em você, somente faria com que os problemas já
enfrentados retornem.
Foi então que minhas lembranças junto de ti começaram a se apagar.
CAPÍTULO 2
Aquela noite em Satolep estava muito quente, e mesmo vestindo apenas um calção, o
meu corpo suava. Coberta sobre o corpo? Nem pensar!
Tanto com os olhos abertos ou fechados era igual, o quarto estava em um breu. Minha
mente fazia um esforço enorme para que meu corpo conseguisse relaxar na cama, até o momento
em que escutei aquele barulho. Era assustador, horrível, um guinchar de ferro em dueto com
gritos femininos; um guinchar sobrenatural com aquela voz que eu conhecia… com certeza
conhecia! Aquilo fez com que meu corpo todo estremesse e suasse. Voltar a tentar dormir seria
um convite para pesadelos. Comecei a me sentir mal, algo naquele barulho me deixou assim.
Meu suor era frio e o que me cobria naquela noite era o medo.
A noite e o barulho perduravam, tentei olhar para a cama da frente, procurando algum
sinal se Bartolomeu estava acordado, porém enxergar seu rosto era uma tarefa irreal no meio
daquele breu.
Saí da cama, vesti uma camiseta e desci até a sala, o ambiente estava bem mais claro,
então abri a porta e fiquei parado sobre a soleira. O barulho se tornou mais estridente. Olhei em
direção ao galpão, alguma coisa estava diferente por lá, pisquei meus olhos diversas vezes para
ter certeza, mas a imagem continuava. Respirei fundo, até que o medo diminuísse e então
prossegui em direção ao galpão. A porta estava entreaberta. Resolvi não entrar, em vez disso
dei a volta, parando em frente ao deque do lago. Neste momento o barulho havia silenciado,
tudo estava calmo... bom, quase tudo. Meus pensamentos continuavam inquietos.
(cena noite: Joquim de costas para a câmera no deque, câmera fixa no começo do
deque, joquim se afastando, ele senta. Câmera no rosto de joquim(olhos abertos) ele
fecha os olhos e quando abre esta de dia seus pés balançando na água)
― Hey Joquim, Terra falando. Faz meia hora que estou tentando fazer com que você
dê atenção ao que eu estou falando, parece que vive no mundo da Lua.
Apenas no momento que Cecília chegou perto de mim e falou alto no meu ouvido que
percebi a sua presença.
― Me perdoe Cecília, não havia escutado você. - minha voz soa calma, e eu tento não
encarar seu rosto.
― Tanto faz, na próxima faço Bartolomeu correr atrás de você. Vamos, já fez Antonio
esperar demais.
Dou um longo suspiro enquanto acompanho com o olhar os pés de Cecília. Finjo
sempre não notar a repugnância na voz dela quando se dirige a mim. Gostaria apenas de me
sentir aceito pelos meus irmãos. Mas sempre sou o problema.
73
Chegando em casa, tudo que minha mãe repara é que ainda estou com a mesma roupa,
e me manda vestir algo mais adequado para sair.
É mais um dia muito quente de verão e o Antonio, como um irmão exemplar irá nos
levar para comprar tecidos para as nossas roupas de ir a escola.
Não estou com nenhuma vontade de ir a lugar algum. E durante a viajem até o centro
de Satolep, reproduzo na minha mente os acontecimentos da noite anterior.
Chegando até a loja, prefiro permanecer do lado de fora da loja, esperando Antonio e
Cecília. A rua já estava quente demais, não gostaria de descobrir a temperatura lá dentro.
Foi então que senti um longo arrependimento ao notar quem estava vindo em minha
direção. Droga, preferia ter morrido de calor lá dentro.
― Olha quem está ai, se não é o “minha irmã está morta”. - gargalhou Artur, fazendo
pouco da minha voz. Imediatamente desviei o olhar de seu rosto, me concentrando apenas no
chão.
Ele tinha os mesmos dez anos que eu, e essa era a única semelhança entre nós. Seu
tamanho era o dobro do meu, seu temperamento: agressivo e doentio. Adorava lançar objetos,
com pouco menos de sorte ano passado Artur teria me cegado com sua tesoura na sala de aula.
Havia um garoto ao seu lado, porém não me atrevi à encará-lo. Ele simplesmente
gargalhava com tudo o que Artur dizia. E durante o espetáculo de Artur, permaneci cabisbaixo
e tentando não o ouvir, até que consegui afastar minha mente do lugar onde estava, e em alguns
instantes, eu não estava mais lá.
(joquim no deque (olhos fechados, sorrindo), pés na água balançando, joquim
sorrindo, borbulhas nos pés. Joquim com olhos abertos, joquim com a cara triste, olha
tras)
‒ Céus, o que há de errado com você? Onde você estava esse tempo todo? - a voz seca
de Antonio chegou aos meus ouvidos e então voltei de transe.
‒ Eu estava aqui o tempo todo. - Respondi, confuso.
‒ Que droga Joquim, fez a gente perder a janta e ainda deixou a mãe furiosa conosco,
tudo por sua culpa! - Cecília gritava enquanto me socava.
‒ Mas... – tentei me justificar de algo que nem eu mesmo consegui entender. Olhei ao
meu redor e o céu estrelado estava sob nossas cabeças.
‒ Vamos para casa Joquim, preciso contar para nossa mãe que te achamos.
CAPÍTULO 3
No momento em que chegamos em casa, mamãe quis saber tudo, onde estávamos e
por que
eu havia desaparecido. Tantas perguntas que nem eu mesmo conseguiria responder.
Até me perguntou sobre o café da manhã, ela queria saber se eu estava tomando o que ela
preparava para mim. Definitivamente estranhei essa parte, tentei procurar com os olhos onde
estava Bartolomeu, ou Cecília, até mesmo Antonio para ver se conseguia entender algo do que
ela me questionava. Porém, novamente sem entender nada, estávamos só nos dois.
No meu quarto à noite fiquei sentado na cama, pensando sobre o porquê de não me
recordar de nada que ocorreu. Ouço de madrugada o cambalear dos passos de Antonio que
provavelmente estava em algum prostíbulo.
Saí do meu quarto e fui ao da frente onde estava Lucila. Ela estava mais pálida e
mórbida que da última vez que a encontrei.
74
Não gosto de ver a imagem dela, de como a sua doença a está matando lentamente,
não gosto do sentimento triste que ela me passa. Por mais que seja a minha irmã, fico com dó
de estar com ela.
Seus olhos correm o quarto todo até chegar em mim.
- Boa noite Lucila. - digo chegando perto da cama onde ela se encontrava. - A noite
não está nada agradável hoje.
Seus olhos de tristeza profunda me olharam com decepção.
- Me desculpe, deveria ter vindo antes. – ela fecha os olhos e simplesmente me deixa
lá, no seu quarto sem vidro, sem espelho, sem nenhum brinquedo ou objeto pessoal.
Sai do quarto tentando não fazer barulho. Desci as escadas e encontrei Bartolomeu
sentado na cadeira olhando para fora da janela.
Percebi de imediato que ele estava infeliz, algo o estava perturbando. Não consegui
pedir sobre o que era, se eu poderia fazer algo ou se ele simplesmente queria falar. Achei
apropriada tentar descobrir sobre o meu café da manhã, com certeza ele tinha a resposta, e com
certeza não seria dificil conseguir.
A luz discreta da noite iluminava seu rosto, enquanto ele começou a falar das pequenas
pílulas que mamãe diluía em nossas comidas, e que descobriu há algum tempo enquanto
observava pela janela da cozinha. Mas nunca teve coragem de perguntar, pois ela descobriria
que ele a observou em segredo, e poderia o comprometer.
Perguntei o porquê de ninguém comentar sobre Carmem, por que todos pareciam
querer esquecê-la. - Estou aos poucos esquecendo como ela era Bartolomeu. -ele finalmente
tirou os olhos da janela e virou seu rosto para mim.
- Gostaria de poder te contar sobre tudo meu irmão. Mas sinto que já é tarde e temos
fazeres amanhã.
Tentei relutar, questionar, mas seu rosto estava voltado para a janela com o mesmo
semblante que o encontrei. Minha sessão de perguntas havia acabado.
Mal sabia que seria a ultima vez que veria ele. Eu seria a ultima pessoa da família a
falar com ele. Mesmo não nos dando muito bem, ele era meu irmão, colega de quarto. Porém
sempre tão distante, talvez pela idade, por ser mais velho que eu, ou pelos pensamentos
diferentes.
Como eu tinha Carmen, nunca tentei me aproximar, mas naqueles últimos meses ele
tinha conversado comigo, agindo de um modo totalmente educado, diferente de como ele era.
Na manhã do dia seguinte acordei ouvindo os gritos de minha mãe chamando Bartolomeu. Ele
havia sumido.
A única coisa que não compreendi foi o porquê dela ter chorado tanto com o
Bartolomeu e quando foi a morte de Carmen ela não esboçou nenhuma tristeza.
Me doí dizer que não estava nem preocupado e muito menos triste por sua partida.
Depois de semanas procurando por ele, recebemos a notícia de um amigo da família. Soube da
notícia quando estava descendo os degraus da escada e chegando até a mesa.
(carta em cima da mesa, plano médio, pegando a carta com a mão, a vista sendo do
joquim. Escrita:
Caros Fonseca,
É com pesar em meu coração que envio esta simples carta para lhes informar que
avistei vosso filho Bartolomeu. Infelizmente cheguei atrasado e não consegui impedir que ele
partisse. Ele estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da bilheteria onde seria
o destino de Bartolomeu, infelizmente ela não pode fornecer.
Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e peço que se
precisarem de minha ajuda não hesitem.
Aguardando, Cícero
coloca a carta na mesa)
75
CAPÍTULO 4
Durante a primeira semana de aula, nenhuma surpresa. Ofensas, brigas, deboches eram
vistos como uma apresentação do que seria o ano no colégio. Evitava sempre ir ao colégio,
porém meus motivos estavam repetitivos e menos convincentes.
Em uma tarde da quinta semana de aula, papai me pediu para levar algumas papeladas
para a sua oficina. Ela não ficava muito longe de casa, e nem muito longe do local no qual
encontrei Carmen naquele dia fatídico. Já havia ido até a oficina, mas nunca havia passado pela
porta, e mesmo em dias claros, o local sempre estava escuro, protegendo o que estava lá dentro
dos olhares de quem passava. Tínhamos em casa uma regra de nunca ir até a oficina, apenas em
caso de urgência a pedido do pai ou da mãe.
Naquele dia, parei diante da porta, e esperei ver um sinal de alguém que pudesse vir
até a entrada e receber os papéis. Porém ninguem veio, então dei uns passos adentro do local.
A cada passo, maior era minha curiosidade. Havia peças para todos os lados, e uma diferente
da outra, o que me instigava a pensar para o que elas serviam. Fui levado pela curiosidade até
debaixo de um veículo suspenso com gotas de óleo pingando sobre papelão. Estava
praticamente em uma hipnose, quando um homem chamou minha atenção dizendo que não
poderia estar tão perto do elevador. Virei e olhei para o homem que estava ao meu lado, com
seu macacão manchado e sujo com graxa. Entreguei os papeis que estavam em minha mão.
- Você não deveria estar na aula agora rapazinho? - perguntou sorrindo. Então foi até
a mesa que deveria ser do meu pai e depositou os documentos com cuidado sobre ela.
- Deveria. - respondi baixinho com a cabeça voltada para o carro.
- Você gosta? – ele perguntou novamente, olhando para o mesmo lado que eu.
Não falei nada, apenas fiquei olhando para ele. Aquele homem nunca tinha me visto
até então, e estava interessado em saber se eu gostava de algo que até eu então nunca tinha visto
tão de perto. Como poderia ser?
Então ele desistiu da minha resposta, me pediu para segui-lo e começou a abrir uma
caixa de ferramentas, e conforme ia tirando uma por uma, ia dizendo seu nome e para o que
servia. Depois ele me ensinou algumas coisas que sabia, e respondeu algumas perguntas sobre
aquelas peças que chamaram minha atenção. E a cada resposta, aperfeiçõava um modelo criado
na minha imaginação. Depois de passar algumas horas conversando com ele, voltei para casa.
Era quase noite, quando um empregado da oficina bateu em nossa porta. Eu, Cecília,
Antonio e Timótio estávamos na cozinha fazendo nossa refeição.
- Desculpa Sr e Sra Fonseca pelo horário, mas eu recebi o recado de vocês há alguns
minutos. - Conseguia escutar o funcionário falando baixinho com sua voz rouca.
- Claro Cardoso, minha esposa e eu ficamos preocupados com a demora de Joquim, e
gostaríamos de confirmar a versão dele Ele disse que falou com um senhor que foi muito afável
com ele. Pensamos que fosse você.
Ocorreu uma pausa na conversa depois que meu pai falou. Com um pigarro Cardoso
falou, ainda com sua voz rouca, porém percebi que havia preocupação nela.
- Ahh, Joquim não conversou comigo senhor Fonseca, nem com o outro homem que
estava trabalhando hoje. Vi Joquim entrar na oficina, porém, quando fui falar, ele atravessou a
oficina e foi até sua mesa, colocou as folhas que carregava dentro da gaveta. Tentei novamente
falar com ele, ele não respondeu, apenas ficou parado observando o carro que estava
desmontado. Então segui com meu trabalho. - SILÊNCIO.
-Muito obrigada Cardoso.
Nenhuma explicação, nenhum sentido naquelas palavras. Por que Cardoso mentiria?
É claro que eu passei a tarde falando com o homem que trabalhava lá, certo?!
Minha mente estava inquieta, na cama à noite somente conseguia pensar em Carmen,
e olhar para a cama vazia de Bartolomeu. Até a luz do sol iluminar o meu quarto parecia uma
76
eternidade, e quando me levantei ouvi algum tipo de sussurro vindo da janela que parecia me
chamar para olhar para o lago.
- Olhe que belo o lago Joquim, poderíamos estar mergulhando e entrelaçando nossos
corpos na água. - e eu apenas fiquei observando o que aquela voz me pedia.
Logo consegui desafixar aquela imagem do lago e descer até a cozinha. Mamãe falava
sem parar, papai apenas me observava enquanto tomava sua grande xícara de café.
O que aconteceu em seguida foi tudo muito rápido, muito confuso. Me fizeram
perguntas, doutor Jasper questionou se eu estava tomando ainda os remédios receitados
anteriormente. Eu estava incapaz de falar, de compreender, apenas fiquei observando minha
mãe enquanto ela respondia por mim. Ele me explicou que se eu não tomasse esses remédios,
passaria novamente pelo tratamento de choque. Depois da sessão, voltamos para casa.
Eu não ia mais a escola, não tinha mais vontade de brincar, passava os meus dias no
deque, observando o lago, sentindo.
(imagem meia transparente, joquim com os pés na agua, balançando, usando o
chapéu, olheiras profundas, imagem dos pés mexendo na agua, dos dedos na agua,
dedos na grama, dedos na areia, dedos no ar)
Não conseguia mais me sentir livre, não conseguia mais sorrir. E por ingenuidade,
continuei o tratamento com remédios por mais um ano. E dentro desse ano, tudo que tinha
passado anteriormente retornou a minha memória.
(cabeça dentro a água, mexe para um lado, para o outro, agonizado, sobe a cabeça
da agua, com a boca aberta em um grito silencioso)
Aquelas imagens não saiam de minha cabeça. Eu necessitava parar.
CAPÍTULO 5
Aos treze anos comecei a trabalhar na oficina do meu pai, e o homem que me ajudou
na primeira vez já não estava mais lá. O trabalho me permitiu ficar longe de casa e da escola,
meus pais achavam que eu tinha melhorado por causa dos remédios, mal eles sabiam que eu
havia deixado o tratamento. Não podia deixar que eles descobrissem, por isso, tinha que tomar
muito cuidado ao descartar os remédios e cuidar com minhas palavras. Sem os remédios, eu
consegui voltar a me interessar pelas coisas, e a oficina era o melhor local para estar.
Com o passar dos dias, ia me acostumando com a rotina, com os funcionários e com
os veículos. Depois de duas semanas, comecei a ouvir novamente aquela voz que noutro dia me
convidava para o lago, que era a mesma daquela que gritava à noite, e que eu conhecia de algum
outro lugar, porém ainda não conseguia me recordar de onde.
Em uma sexta-feira, encontrei um jeito de ficar na oficina até mais tarde, esperando o
silenciar das máquinas e dos homens, para tentar ouvir apenas a voz, tentar me comunicar e
entender o que ela queria de mim. Às onze horas da noite, eu estava na oficina sozinho,
atordoado e angustiado, esperando que ela viesse e conversasse comigo. Mas ela não veio.
Comecei a me odiar, achar que ela tinha ficado triste comigo, porque não fui ao lago
como ela tinha me dito. E eu precisava escutar aquela voz novamente, me lembrar de quem era.
Caminhei de um lado para o outro da oficina, resmungando sozinho, tentando dispersar meus
pensamentos e ser surpreendido pela voz. Mas nada aconteceu.
Minhas mãos começaram a ficar inquietas, minha mente começou a girar. Se eu fosse
passar a noite ali, deveria encontrar um entretenimento. Fui até a mesa do meu pai, e acendi um
pequeno lampião. Na gaveta encontrei papel e um pedaço de lápis. Deixei minha mente limpa
e minhas mãos livres, e, como quem não se preocupasse com mais nada, deixei minha
imaginação me guiar e desenhei tudo que vinha até a mente. Após muitas folhas desperdiçadas,
77
encontrei a forma de um automóvel, e repeti diversas vezes a figura, cada vez alterando um
pouco seu formato original.
O sol agora entrava pelos vidros e seus raios sentavam nos objetos que haviam dentro
da oficina. Meu coração estava acelerado de tantas ideias que passavam pela minha cabeça.
Aproveitando que naquele sábado não haveria expediente, decidi colocar minhas ideias na
prática. Arrastei algumas carcaças de automovéis para os fundos da oficina, onde de uma
maneira bizarra uni dois veículos em um só, com capacidade maior e duas rodas a mais. Em
um dia, havia cansado mais do que na semana inteira, e depois de duas noites resolvi voltar para
casa, para dar alguma satisfação.
Quando voltei domingo de manhã, minha mãe estava com as perguntas já engatilhadas,
então começou o repertório que eu já sabia que ela faria. Depois de afirmar, jurar e confirmar,
que eu estava na oficina e que tinha passado o final de semana inteiro nele, ela ainda não me
achou convincente, só acreditaria mesmo no dia seguinte, quando meu pai falaria sobre o meu
invento nos fundos da oficina, e também da bagunça que eu havia feito sobre sua mesa.
Eu estava exausto, depois do banho subi ao meu quarto e fiquei pensando de onde
todas aquelas ideias estavam brotando. Logo poderia aumentar o chassi de mais automóveis e
ganhar mais dinheiro.
No meio daquele reboliço de ideias, minha mente desconcentrou e comecei a pensar
naquela voz. Por que ela não veio conversar comigo? Ela havia me deixado só. Fiquei
observando o teto de meu quarto no escuro, quando o barulho novamente apareceu. Dessa vez
o quarto estava iluminado dando para ver a cama de Bartolomeu vazia. Várias coisas passavam
em minha cabeça, e uma delas seria que a voz iria aparecer. Porém não apareceu.
Demorou anos para que ela conversasse comigo novamente.
CAPÍTULO 6
Foi quando completei os meus vinte e cinco anos que Lucila faleceu, ela já não estava
mais comendo e seu estado só havia piorado. Minha mãe e Cecília choravam dolorasamente.
Bartolomeu nunca mais apareceu e meu pai exclamava para quem quisesse ouvir que ele já não
era mais o seu filho, que alguém que foge de suas responsabilidades e da família não carregaria
seu sobrenome.
Timotio ficou todo o enterro com o mesmo semblante que nosso pai, Antonio já
tentava se conter o máximo que conseguia, mas eu podia notar que estava derrotado. Mais uma
morte, penso comigo, mesmo que Bartolomeu não tenha morrido, era certo que ele não voltaria.
Entre os sete filhos de meus pais, ainda restavam quatro. E o filho mais louco era eu.
Mamãe não abria mais as janelas, tudo era escuro e os únicos raios de sol eram os que
passavam nas frestas das madeiras. Eu não conseguia aguentar aquele odor de morte. Com o
tempo, minha mãe havia adoecido, seu cristal interior já não estava aguentando mais nada. Meu
pai sumia, dizendo que tinha muito trabalho na oficina.
A boa notícia é que nos últimos anos meu invento deu certo, papai conseguiu muitos
clientes interessados em alongarem seus veículos, e com seu bom trabalho foi reconhecido pela
montadora. As únicas palavras que ouvi do meu pai a esse respeito, foi para que nunca mais
bagunçasse sua mesa. Eu era uma criança, e ele ficou com os méritos. Mas agora já estava
pronto para criar mais e ser reconhecido.
Enquanto morava com eles, ficava pouco em casa, quando não estava na oficina, estava
no deque, desfrutando da paz que somente o rio poderia provir. Com a mudança para a fase
adulta, meu comportamento de evitar conversas passou a chamar a atenção das pessoas, e por
algum motivo elas me evitavam também. Talvez fosse fruto de minha mente.
78
Somente quando fiquei mais velho que entendi melhor o meu problema. Continuei sem
tomar minhas medicações, e agora com minha mãe adoecida, ninguém mais prestava atenção
em mim. Cada vez mais me esquecia do rosto da Carmen, do seu cheiro, da risada quando
estava feliz e dos seus lindos olhos.
Até que em um momento já tinha esquecido completamente dela.
CAPÍTULO 7
Em uma manhã de 1930, enquanto lia o jornal a voz me rondou novamente. Aquela
voz amigável e familiar, que por tanto tempo aguardei, agora me fazia companhia enquanto lia
um anúncio de curso de aviação. Uma oportunidade que tambem a tanto tempo aguardei. Já era
hora de deixar aquela casa para trás, esquecer toda angústia que a partida de meus irmãos
causaram.
Depois de todos aqueles anos, ela finalmente volta e me direciona à uma nova vida.
Naquele momento, estava mais apto a reconhecer quem me falava. A voz não era exatamente a
mesma, porém a entonação e a firmeza de como chamava meu nome, me fez entender que
Carmen, mesmo depois de sua morte, ficou ao meu lado. Ela me cuidou, e me deu forças para
partir.
Naquele dia, anunciei que iria embora, que meu lugar não era mais ali. Minha mãe
ficou desolada, sem compreender o motivo. Embora estivesse seguindo meu sonho, para ela eu
seria mais um de seus filhos correndo para os braços da morte. Para meu pai, eu havia virado
um homem. Prometi a eles que retornaria a Satolep e mandaria cartas informando minha
situação. Dias depois, estava de malas prontas para a cidade grande, tudo estava bem, eu
aprenderia mais sobre e mecânica e Carmen estaria comigo.
Quanto mais conhecia sobre aviões, mais conhecia de mim mesmo. Nunca havia me
identificado tanto com alguma coisa, tinha certeza que aquilo seria minha vida, e minha mente
trabalhava dia e noite com ambição de novas ideias.
Apesar dos problemas de relacionamento, tinha uma relação boa com meu colega de
quarto, até mesmo sua bicicleta ele já havia oferecido. E certo dia fui até o parque da cidade
com sua bicicleta, estava um dia convidativo para um passeio fora do campus. Fui tomado por
um sentimento de felicidade, pela liberdade que eu tinha, tudo estava bem, exceto pelo fato de
Carmen não falar mais comigo. Foi então que eu senti...
(rosto do joquim jovem com o chapéu olhando para o céu)(foto da visão do joquim, o
céu com os pássaros,) (joquim sorri de canto dos lábios)(close da mão da bicicleta)(cena média
ele na bicicleta)(joquim andando de bicicleta sorrindo(câmera frontal)(chapéu o ar)( câmera
no chão,close do chapéu e o joquim ofuscado(pela lenta) la tras).
E com isso percebi que este sentimento era único e verdadeiro, e era o mesmo que
sentia por Carmen. Pude me lembrar dela, de seu sorriso que até então estava esquecido. Pensei
na sucessão de acontecimentos tristes que ocorreram em Satolep. Logo, em questão de instantes,
aquele sentimento que havia experimentado momentos antes estava escapando, e nada mais
naquele passeio pode amenizar a tristeza que estava sentindo. Voltei para o dormitório
desolado, e não sairia tão cedo de lá.
Conforme prometido, sempre mantive comunicação por cartas com minha família. E
em uma segunda feira, depois de um longo tempo sem receber cartas de Satolep, encontrei uma
carta assinada pelo meu pai. Foi a primeira carta assinada pelo meu pai, o que me já me
presumia algo sobre minha mãe. E meu pai confirmou nas primeiras linhas, mamãe havia
falecido. Que diabos! A esta altura mamãe já havia sido enterrada, e eu quem prometi não
abandoná-la não estava lá.
79
Não havia nada que eu pudesse fazer naquele momento em Satolep, então lidei com o
luto em silêncio até terminar o ano de estudos e só então retornei para casa.
CAPÍTULO 8
Voltando para Satolep, resolvi encontrar uma nova casa para viver. O convívio com
meu pai estava ainda mais complicado após o falecimento da mãe, ele blindava seus
sentimentos, e seu comportamento mudava da noite para o dia. Senti que uma vez que saí de lá,
aquela casa não era mais minha casa.
Voltei a trabalhar na oficina do meu pai, onde cumpria com minhas funções e contava
os minutos para chegar em casa e planejar meu novo projeto. Chegando em casa, caminhava de
um lado até o outro entre os comôdos vazios antes de escurecer, enquanto pensava em novas
ideias. No silêncio da noite era quando colocava no papel tudo que eu havia pensado. Do porão
de casa fiz o meu templo, era lá que as invenções eram trabalhadas para serem criações.
Em um certo dia, voltei do trabalho correndo e me enfurnei no porão, onde fixei toda
minha concentração em minha mais nova e brilhante ideia.
(camera frontal, joquim sentado na mesa com os papeis ao seu redor, luz acima de
sua
cabeça, joquim de chapéu.uma luz no joquim e outra no relógio de parede. Camera
estagnada frontalmente frames das horas passando e joquim se mechendo e modificando os
papeis de lugar)
Passei a noite desenhando, e após terminar o trabalho a noite já tinha se ido, e era hora
de voltar a oficina. Passei anos dando asas à minha imaginação, e desta vez estaria dando asas
ao meu projeto. A emoção de estar prestes a criar meu próprio avião era maior do que o sono e
o cansaço, e passei dias e noites trabalhando, e durante intervalos no dia, comprava material,
que consistia praticamente de madeira, algum aço, peças e um pouco de algodão envernizado.
Todo o esforço valeria a pena, aquele avião me permitiria subir mais alto, chegar mais
perto de Carmen. E ao decorrer do tempo, minha ânsia de vê-lo pronto aumentava, e eu também
aumentava meus esforços, chegando muitas vezes a exaustâo. E como quem não vê o tempo
passar, em um piscar de olhos já haviam se passado 3 anos, e meu projeto estava pronto.
(parte inicial dele olhando para o avião)
Sonho e realidade se difundiram naquele domingo, quando dei a primeira partida com
êxito no motor Ford. Passei o último ano fazendo diversos ajustes para ter certeza de que
funcionaria perfeitamente. Só faltava um último teste, e sem nenhum receio me pus atrás do
manche, e após alguns saltos desajeitados, o pássaro de madeira estava aprendendo a voar. Não
contive a emoção e durante o delírio passei a soltar gritos cada vez mais altos, naquele momento
eu descobria o meu motivo de viver, de todos aqueles anos desastrosos da minha vida, e agora
tinha algo para me orgulhar.
Enquanto margeava a praia do laranjal, percebia uma pequena aglomeração de
curiosos, com um olhar que jamais havia recebido: o de admiração. Aquele era meu grande
momento, no dia seguinte o jornal local destacava meu bem sucedido voô sobre Satolep. Mas
uma notícia trágica impediu do meu invento em ser a notícia mais importante do dia. Reino
Unido e França haviam declarado guerra à Alemanha, dando ínicio à Segunda Guerra Mundial.
CAPÍTULO 9
Apesar de ter tido trinta horas de voô bem sucedidas, percebi que o F1 era pesado
demais, e por tanto deveria ser aprimorado. Então voltei as minhas atenções a um novo modelo
80
no qual trabalharia nos próximos meses, e que se intitularia F2, com um peso menor e uma
capacidade de voô muito maior, podendo realizar viagens mais longas, inclusive até a capital,
onde receberia a homologação do ministro.
Com a crise financeira que a guerra estava causando, e pelo fato de todas as
fornecedoras de peças estarem trabalhando em prol de suprir a guerra, necessitei utilizar grande
parte das peças do F1. Mas valeria a pena, o segundo modelo agora tinha um protótipo e um
construtor mais experiente. Conseguindo sanar mais alguns defeitos apresentados pelo F1, não
haveriam impercílios na homologação.
Mais noites em claro, olheiras ainda maiores. Novamente estava fornecendo o melhor
de mim para um projeto, me doando com todas as forças para conseguir o que eu queria. Mandei
as cartas requisitando a homologação ainda durante a construção do F2, e juntamente à ela pedi
aos homens poderosos do governo a construção de um aeroporto e do clube de aeronáutica. Mas
a resposta dessa carta nunca viria.
A construção do F2 foi mais rápida do que imaginei, a esta altura já tinha muito mais
conhecimento e prática com ferramentas do aquele garoto que aumentava chassis no fundo da
oficina do pai. O segundo modelo com incríveis dez metros e meio de envergadura, quase sete
de comprimento, pesava agora pouco mais de trezentos quilos, era capaz de voar a mais de 130
quilômetros por hora à mais de três mil e oitocentos metros de altitude. Era o sonho de qualquer
fantasiador que gostasse de voar, ou como Carmen diria, cair em mãos de Deus. Finalmente
havia realizado meu sonho, agora necessitava que as autoridades o reconhecessem.
Alguns dias após terminar a constução, dei início à minha jornada com o F2. Primeiro
apresentaria o F2 ao aeroclube da capital, depois a cidade grande, onde realizaria os devidos
testes para a aprovação. Ao chegar na cidade grande pilotando o F2, conversei com o ministro,
que aparentava simpático e interessado no que eu tinha a dizer. Só restava esperar.
A angustia de esperar começou a me perturbar, e uma nova voz, desta vez mais rouca,
preenchia o vazio dos meus pensamentos, me denegrindo constantemente e por muitas vezes
me deixando embaraçado em não conseguir responder aos engravatados. Estava em um
verdadeiro inferno em minha mente, relutando para calar essa maldita voz, tentando encontrar
um lugar seguro para me esconder, mas ela sempre estava lá. “Havia ido longe demais com esse
sonho. Fui levado pela conversa de um homem com boa lábia, e fui tolo o suficiente para
acreditar!”. Certo dia, tentei calar essa voz.
(joquim sentado no chão, abre caixa com remédios, os coloca na boca, alguns caem
no chão, a luz começa a apagar e a acender, maca de hospital ( deitar ele em cadeiras altas e
desfocar o fundo)
Quando acordei dois dias depois, me contaram que um dos engravatados havia ido até
meu dormitório e teria me encontrado inconsciente. Não falei o real motivo dos remédios,
apenas menti para poder sair do hospital e encontrar novamente com o F.2. Os testes já haviam
acabado e eu pude voltar com ele à Satolep.
CAPÍTULO 10
Agora em Satolep, estava aguardando pela carta de resposta sobre a homologação, e o
fato de estar novamente esperando alguma coisa abriu uma brecha para que novas vozes
atormentem minha cabeça, aonde quer que eu fosse, ouvia gritos de incontáveis vozes. Durante
as caminhadas diárias até o correio da cidade para conferir se a carta havia chegado, ouvia das
vozes que era inútil todo aquele trabalho, que o avião era inútil, eu seria inútil.
Três semanas depois, a carta havia chegado, finalmente. Segurei o envelope com
minhas mãos trêmulas e caminhei para casa, na companhia dos sussurros, ouvindo as diversas
81
possibilidades frustrantes que viriam a acontecer, como a queda do avião. Seria como matar
Carmen denovo.
Ao entrar em casa, fechei rapidamente a porta, e antes de me sentar à mesa rasguei as
bordas do envelope, e ao sacar a carta me desestruturado e desabei no não. Aquilo já era
suficiente, mas segui lento o restante da carta. Simplesmente gostaria de não ter o feito.
Esclarecia que minha homologação havia sido negada. Então as vozes retornaram, desta vez
gargalhando com um prazer sádico. Meu rosto estava cheio de lágrimas, meu coração estava
acelerado demais, e eu não conseguia me acalmar.
(joquim de pé, rosto para baixo - chapéu o escondendo-, rasgada a carta, jogando
em direção da câmera, colocando as maos na cabeça, se encurvando. Cena
aparecendo a mesa, joquim e atrás a porta fechada, em cima da mesa tem a arma usada em
sua morte(noite))
Ficar em casa era insuportável, então abri a porta de casa e fugi das vozes, buscando
paz. Quando percebi, era noite e eu estava em uma estrada sob uma luz escandecente. Eu não
estava sozinho, havia um vulto atrás de mim. Estava fraco, reduzi o ritmo tentando controlar
minha respiração ofegante. As batidas do meu coração aumentavam, a dor no peito se tornou
insuportável.
(camera na frente do joquim, mostrando atras, uma sombra preta na escuridão.
Joquim
caminha ate a luz e para. Joquim fecha os olhos. Camera muda pro lado. Joquim na
luz de costas e a sombra na escuridão. Joquim se vira, (dois quadros) sombra aparece na luz,
saca a arma do capote, aponta e atira. Bala indo em camera lenta ate joquim. (4 quatro) não
deixando ela atingir e fica preta a cena).
82
APÊNDICE B – STORYBOARD DO CONTO NO SUBCAPÍTULO 4.3
83
84
85
86
87
APÊNDICE C – LICENÇA DE USO DAS IMAGENS
88
89
90
APÊNDICE D – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I
91
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
SAMARA VANZ
A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA LIVROS
CAXIAS DO SUL JULHO DE 2015
92
SAMARA VANZ
A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA LIVROS
Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito para aprovação
na disciplina de Monografia I. Orientadora:
Myra Gonçalves.
CAXIAS DO SUL JULHO DE 2015
93
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 04
1. TEMA ..................................................................................................... 11
2.JUSTIFICATIVA .................................................................................... 06
3. QUESTÃO NORTEADORA ................................................................... 07
4. OBJETIVOS ............................................................................................ 08
4.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................. 08
5. METODOLOGIA ..................................................................................... 09
6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................ 100
7. IMAGEM .............................................................................................. 103
8. JOAQUIM (1909 – 1968)....................................................................... 105
8.1 JOQUIM ............................................................................................. 107
9. STORYBOARD .................................................................................. 1099
10. CRONOGRAMA ................................................................................... 20
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 21
ANEXOS ..................................................................................................... 22
94
INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura utilizar a fotografia em conjunto com a escrita com a
finalidade de transformar a imagem em narração dentro do contexto de um livro. Ao
contrário de apenas ilustrar partes específicas do texto, a imagem cria sequência à
produção escrita, em um conceito mais próximo ao da fotografia do que do desenho.
Para isto, será trabalhada a história de Joaquim da Costa Fonseca Filho, morador
da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, que por sua vez foi um dos pioneiros da
aviação civil brasileira – ele tinha o sonho de voar.
Como inspiração para a criação do meu próprio trabalho autoral, duas fontes
de conteúdo foram utilizadas como base:
a) a música “Joquim”, composta e interpretada pelo músico Vitor Ramil, que conta de
maneira romantizada a história de vida de Joaquim da Costa Fonseca Filho;
b) a mitobiografia1 da música de Vitor Ramil como apoio para a interpretação do
contexto.
A ideia de criar as imagens para o trabalho, vem através da noção da arte
sequêncial, que por sua vez conta uma história através de imagens interligadas.
Tenho como inspiração a obra do autor americano Brian Selznick, o livro “A
Invenção de Hugo Cabret, que possui o diferencial de intercalar imagens narrativas
para dar continuidade ao texto. O autor utiliza outro meio, que não o escrito, para
contar a história, tornando a obra dinâmica sem perder a coerência narrativa.
¹Uma categoria que parte da ideia de mito, na Poética, de Aristóteles (1993), fortalecendo o entendimento
do significado dessa categoria como imitação de uma vida”, de Sérgio Luiz Peres de PERES, Uma história
de invenções: memória e biografia em Joaquim Fonseca, da Revista memória em rede, Pelotas, v.1, n.1,
dez. 2009/mar. 2010
95
1. TEMA
A fotografia como forma de narrativa.
1.1 Delimitação do tema
A fotografia como forma de narrativa para a contação de uma história
mitobiográfica na produção de um livro.
96
2. JUSTIFICATIVA
Este projeto existe com a finalidade de apresentar uma nova leitura, juntando
imagens fotográficas com a escrita, para que o leitor tenha uma compreensão melhor
da história e uma experiência diferente.
Na minha vida sempre esteve presente os filmes, livros e a paixão pela
fotografia. Os livros ilustrados sempre foram meus favoritos, aqueles com capas
coloridas, com muitas figuras, com uma diagramação diferente, mostrando os
personagens e a visão do ilustrador sobre o que o autor propôs.
Por indicação de uma professora de fotografia, li um livro excelente, A
invenção de Hugo Cabret, do autor Brian Selznick, que tem uma proposta de leitura
singular, diferente dos que eu já tinha lido, foi o que deu o “estopim” para a ideia de
um livro que contém texto e imagens fotográficas, com as quais estabelece uma
sequência. Uma imagem depende da outra para que você consiga ler a história. Na
época da indicação do livro citado, não foi possível a produção fotográfica, por isso
guardei a inspiração para mais adiante, utilizando a ideia da narrativa a partir da leitura
realizada.
Na metade de dois mil e quatorze, meu namorado me mostrou uma música
famosa do Vitor Ramil, Joquim, a qual logo gostei, achei interessante. Fiquei
imaginando mil formas de usar essa história para uma nova característica de um
personagem para fotografar. Mais adiante, com a leitura do livro, O orfanato da
Senhora Peregrine para crianças peculiares, do autor Ransom Riggs, vislumbrei a
possibilidade de juntar fotografia com texto.
O projeto tem o conceito de levar novas experiências para os leitores, de
poder expressar uma versão diferente sobre a vida de Joaquim Fonseca, pois em
bases dos estudos realizados poderá ser uma obra que estimulará o imaginário dos
leitores.
97
3. QUESTÃO NORTEADORA
As imagens fotográficas são capazes de dar uma sequência narrativa a uma
história?
As imagens fotográficas são capazes de complementar uma sequência
narrativa textual? Como imagens fotográficas podem criar uma sequência narrativa
capaz de complementar uma história?
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4. OBJETIVOS
Possibilitar que outras pessoas conheçam uma forma diferente de leitura
Estimular o imaginário das pessoas, através do livro, fazendo com que elas
viagem e desfrutem da história.
Proporcionar facilidade na memorização do conteúdo do livro.
99
5. METODOLOGIA
Ao começar o projeto realizamos pesquisas com as quais podemos dar
andamento aos nossos conceitos e pensamentos sobre o assunto em questão.
Portanto, iniciei uma pesquisa bibliográfica com a qual foi possível criar a base inicial
do projeto; Esta pesquisa proporcionou a organização de minhas ideias sobre o tema,
possibilitando soluções para os questionamentos. Com estudos e leituras de autores
sobre o assunto abordado, consegui explicar e interpretar melhor minhas ideias e
assim criar vínculos com meus conceitos e com os conceitos dos autores.
A necessidade da pesquisa bibliográfica é ampla, e para Stumf (in: DUARTE,
BARROS (2005)) ela é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa
que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre
o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a
literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento
dos autores, acrescido de suas próprias ideias e opiniões.
Assim, as pesquisas bibliográficas facilitam e desencadeiam o processo de
pesquisa; para complementar a pesquisa realizada em livros, artigos, teses e
catálogos, há a Internet, que pode ser tanto benéfica para o projeto como também
pode afetar o processo de informações coletadas.
Yamaska (in: DUARTE, BARROS (2005)) descreve que, “a internet
materializa alguma das marcantes características da nossa era, como a sobrecarga
de informações”. Isto acontece porque qualquer pessoa com acesso a este meio pode
escrever e publicar informações sobre todo o tipo de assunto. Por isso, para não
prejudicar o resultado, devemos pesquisar em sites confiáveis.
Além de todas as pesquisas, que são a base teórica, temos um ponto crucial,
que é a afirmação de nossa imaginação: a parte prática do projeto, onde projetamos
nossas ideias, testando-as e criando algo novo a partir dos conceitos vistos. Para isso
usamos nossa capacidade de criar.
Deste muitos anos atrás, o homem tem a necessidade de procurar
significados e soluções; o homem tanto é um ser fazedor quanto um formador, assim
como Ostrower (1987) cita: “Tudo ao nosso redor é estímulo para nossa criatividade”.
100
Ostrower (1987) diz que os processos de criação são intuitivos, porém no
momento que são expressos ganham formas e viram conscientes. Assim tudo ao
nosso redor nos ajuda a formular nossa criação, imaginação. Quando estudamos e
procuramos mais, formamos conceitos conscientes ao nosso trabalho e ampliamos
nossa rede de associações.
101
6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A imagem narrativa é um gênero textual que se comunica com imagens em
sequência onde o leitor lê a partir da imagem e constrói o significado relacionando
com o seu conhecimento prévio.
Este estilo textual permite com que o leitor tenha uma melhor interpretação
com o que o autor descreve.
Para uma melhor compressão desde gênero textual, analisaremos de forma
separada cada uma de suas constituintes: a imagem e a narrativa.
Para Santaella e Nöth (apud: LIMA, FERNANDES (2008)) a imagem, no geral,
se divide em dois principais segmentos: o primeiro é o domínio das imagens como
representação visual (desenho, pintura, gravuras, fotografias, imagens
cinematográficas, televisivas, holo e infográficas). O segundo é ligado ao domínio
imaterial das imagens na nossa mente (visões, fantasias, imaginações, esquemas,
representações mentais). O primeiro segmento é a representação física das imagens,
e o segundo, a representação mental. Estes dois segmentos da imagem não podem
ser separados.
Segundo Calvino (1990, p. 71): “a evocação de imagens visuais nítidas,
incisivas, memoráveis, […] uma linguagem que seja a mais precisa possível como
léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação”.
Percebemos, diante dos autores citados acima, que a imagem faz de si uma
expressão única impregnada de significados, e não somente um complemento a
narrativa.
Para BARTHES (1972):
“[a narrativa] pode ser sustentada pela linguagem articulada, orla ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas as substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantoneima, na pintura […], no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos no fait drivers, na conversação”. (Barthes, 1972, p. 78)
Assim, Barthes (1972) nos ajuda a compreender que a linguagem pode ser
verbal ou não.
102
Um exemplo que se utiliza desta premissa é a arte sequencial. Este termo foi
inventado por Einsner (1999), nascido em 1917, que era cartunista, desenhista,
roteirista, arte-finalista, editor, empresário e publicitário, e que se refere a uma
característica artística, que usa imagens em sequência para contar uma história. É um
conceito muito utilizado nas histórias em quadrinhos, e pode ser usada em filmes,
animações e livros.
Einsner (1999) afirma: “as imagens sem palavras, embora aparentemente
representem uma forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certa
sofisticação por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum e um histórico
de observação são necessários para interpretar os sentimentos mais profundos do
autor”.
Um artifício para “seduzir” o leitor nas histórias, tanto em quadrinhos como em
filmes e livros é transformar o personagem principal em herói, criando assim um mito.
Barthes (1978) nos descreve que: “mito não é uma fala comum. Ela é uma
narrativa carregada de significados, porém quando tentamos explica –lá ela deixa de
ser mito tornando- se uma fábula ou lenda”.
O mito tem vários significados e interpretações, porém sua principal função é
ligar o homem ao mundo simbólico. Assim como explica Garcez (2008): “Uma das
principais funções do mito é ligar o homem ao mundo simbólico, transcedental, sem
esta vivência espiritual a sociedade sofreria de graves distúrbios emocionais”.
Esta ligação do homem ao seu mundo simbólico pode ser concedida através
de lendas e mitos, em um método mais abrangente por meio da Mitbiografia.
Assim como descreve Cardoso (2000):
Mitobriografia- O termo criado pelo psicanalista alemão Ernst Bermhard (1896- 1965), a palavra queria dizer “mitologema”, que é a base do destino de um indivíduo. Com relação a isso a mitobiografia está relacionada a história de uma vida que reflete mitos e lendas de povos antigos. A palavra mitobiografia é procedente de uma “ relação dialética entre mito e biografia” (CARDOSO DE JESUS,2000,p2)
Segundo MARKENDORF (2006), as biografias consistem de uma aura mítica
na qual tudo depende do biografo, ele acredita que diante disso nasce um novo
conceito de biografia, a mitobiografia, sendo a vida encenando um mito.
103
7. IMAGEM
Muito antes da escrita, o homem pré-histórico se expressava usando a
pintura, desenhando nas cavernas com sangue de animais, saliva, fragmentos de
rocha, argila, entre outros. Esta arte primitiva foi nomeada como Arte Rupestre.
Os motivos pelos quais eles pintavam ainda é desconhecido, porém uma das
hipóteses seria para manipular o futuro. Para eles, a pintura era um ritual mágico,
desenhavam como seria a caçada e não como realmente ocorreu. Porém, esses
documentos colaboram para que saibamos como era a vida há muito tempo atrás.
Mesmo com o passar dos anos, o homem continua documentando os fatos
que ocorrem em seu cotidiano, sendo na pintura, na fotografia, na escrita. Atenho-me
aqui em como o homem pode documentar uma imagem sendo ela real ou inventada.
Com os avanços tecnológicos ou com muita criatividade, conseguimos
manipular as fotografias e fazer o que nosso imaginário deseja. Kossoy (1999)
acredita que a realidade fotográfica tem diferentes interpretações, isso de deve a cada
interpretação do leitor.
Ele ainda cita sobre a produção imagética:
“Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro fisioquímico direito do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construção, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao se referente (...) porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma recriação do mundo físico ou imaginado.” (KOSSOY,1999, p. 42)
Com isso, identificamos que qualquer fotografia é um documento, pois ela
sempre será uma representação do real, mesmo sendo um resultado de um fato fictício.
Fica inteiramente sob a responsabilidade do fotógrafo usar manipulações,
dependendo de sua cultura, e de sua visão sobre o mundo. Müller (2011) descreve que
a função do fotógrafo é extensa, vai tanto do momento do registro de uma cena, quanto
de sua imaginação, dedução e fantasia perante o mundo.
Um dos livros que tenho me inspirado na produção do trabalho é A invenção
de Hugo Cabret, criado pelo Brian Selznick, que conta o texto com o auxílio das
imagens, estas não estão somente para ilustrar, mas como uma ferramenta na
104
narrativa da história. As imagens são de extrema relevância para que o leitor continue
a compreender o livro.
Autores usam este artificio para deixar a leitura mais breve e divertida,
facilitando também a memorização da história.
Segundo LEITE (2005, p.35) a memória funciona através de imagens fixas,
como retratos, ou seja, ela não filma, fotografa. Os indivíduos guardam fotografia
mentais dos acontecimentos e não movimentos contínuos, e mesmo quando não
muito curtos, os gestos não aparecem em sua duração, mas fixos em uma fração se
segundos.
O escritor e cineasta americano Ranson Riggs, utiliza fotografias para
intercalar seu livro, porém a diferença entre o livro dele e o de Selznick está que estas
fotografias são usadas para inspirar na narrativa da história, facilitando o leitor na
descrição dos personagens. Selznick utiliza uma sequência de imagens em seu livro.
Assim compreendemos que as imagens podem ser utilizadas de diferentes
formas.
105
8. JOAQUIM (1909-1968)
Sem a devida valorização e reconhecimento, Joaquim da Costa Fonseca Filho
foi esquecido por grande parte das pessoas, e toda sua história não pode ser
documentada. Existem muitos motivos pelos quais sua memória caiu no
esquecimento, uma seria por ele ser filho de imigrante e não ter escolaridade, como
documenta Peres (2001): “não pertencia ao círculo fechado e supostamente
nobiliárquico da cidade de Pelota”. Além disso, seu invento se destacou no momento
que iniciou a II Guerra Mundial.
Porém, sua história ainda é lembrada pelos seus filhos e netos, e assim
repassada. Com isso conseguimos o essencial para entendermos a vida dele.
Joaquim era filho de português com uma brasileira e sua formação acadêmica
foi até a quinta série do primário, mas isso não o impediu de aprender mecânica e
construção aeronáutica.
Ele nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, no ano de 1909. Dezessete anos
depois ajudou seu pai na mecânica de automóveis, pois a família começou uma linha
de transporte coletivo. Foi então que Joaquim Fonseca teve a sua primeira invenção,
aumentou o chassi do Ford modelo T, tornando-o maior e mais lucrativo.
Joaquim era um desportista, praticava corridas de automóveis e velejava
muito, e com esta paixão mais um novo invento foi criado, uma lancha.
Em tempos de guerra teve que se alistar, na Escola de Aviação Militar no Rio
de Janeiro, onde aprendeu engenharia, com o intuito de voltar para Pelotas e criar sua
própria oficina mecânica. E assim o fez.
Sua primeira esposa foi a Elda com quem teve três filhos. Ele a conheceu em
uma viagem em 1935. Somente depois por volta de 1950 que conheceu Heloíza
Sinott, que na época tinha dezesseis anos. Desta paixão nasceram mais dois filhos.
Joaquim começou os esboços de seu mais novo invento, um avião. E durante
três anos, no porão de sua casa, fez o tão sonhado F. 1.
O avião tinha motor de automóvel, e no trem de pouso, pneus de motocicleta.
Ele era feito de madeira e algodão envernizado. Com o F.1, Joaquim percorreu os
céus sobre o Aeroporto Municipal.
106
Depois de trinta horas de voo, Joaquim chegou a conclusão que o avião era
pesado demais e o desmanchou.
Na Europa já estavam fabricando aviões com motores de automóvel, porém
no Brasil somente ficou conhecido com a iniciativa de Joaquim Fonseca.
Segundo o estudo feito por PERES (2001):
“Quando ficou pronto o segundo aparelho, o F.2, Joaquim já integrava a diretoria do Aeroclube de Pelotas como diretor técnico. Em 1942, o então desconhecido construtor quis mostrar seu novo aparelho em Porto Alegre. Joaquim e o presidente do Aeroclube de Pelotas chegaram à capital do estado exibindo o invento – a bordo do F.2. O avião foi testado pela primeira vez com o objetivo de seguir até o Rio de Janeiro, onde deveria ser exibido para a Aeronáutica. A aeronava era destinada a treinamento e turismo, de construção mista de aço e madeira, com dois lugares e com duplo comando, media 10,5m de envergadura e 6,68m de comprimento, pesando 320 quilos, com autonomia de voo de cinco horas e velocidade de 135 quilômetros por hora, atingindo teto de 3.800m. Além dessas diferenças em relação ao primeiro protótipo, tinha motor aéreo, do tipo Franklin – o grande motor americano da época, feito para aviões -, e rodas de avião. Nada parecia mais promissor. Jornais de circulação nacional passaram a noticiar as vantagens do novo aparelho. Dizia-se que Salgado Filho ( 1888-1950), ministro da Aeronáutica e também rio-grandense, poderia aproveitar Joaquim no novo ministério.” (PERES, 2001).
E em 1943 o F. 2 foi ao Rio de Janeiro para ser testado e aprovado na
Aeronáutica, e recebeu o nome de Cidade de Pelotas.
Figura 1: Cidade de Pelotas
Fonte: PERES (2001)
107
Joaquim motivou-se pela repercussão e sucesso que o F.2 fez, e decidiu fazer
um novo protótipo, a sequência do F.2 o F.3.
Porém, a homologação foi negada pelo Ministério, que alegou que os
materiais usados eram de baixa qualidade, e também havia sido negado a licença e
o financiamento para a instalação da Sociedade Industrial de Aviões Pelotense. Isso
não o desmotivou, Joaquim ampliou sua oficina mecânica que concentrava
automóveis e também aviões.
O sonho de construir aviões inteiramente brasileiros foi feito depois de um ano
da morte de Joaquim, com o governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976).
8.1 Joquim
O cantor e compositor Bob Dylan criou uma canção chamada “Joey” (1976)
na qual ele defende o ponto de vista de um bandido nova-iorquino chamado Joey
Gallo (1929- 1972).
Por sua vez, a canção foi adaptada pelo compositor e cantor Vitor Ramil em
1986, modificando e mistificando a vida de Joaquim Fonseca (1909 -1968). A canção
cria a atmosfera de mito, pois engloba não somente a vida de Joaquim Fonseca como
de outros personagens que viveram tais situações na música. Para isso, Vitor Ramil
utiliza uma maneira poética cria uma estratégia discursiva.
O Joquim tem espírito político- revolucionário, porém Joaquim era somente
um inventor interessado na construção de aviões e a criação de sua fábrica. O mesmo
também nunca foi preso. Esta inspiração da vida vem do escritor Graciliano Ramos,
assim como Peres (2001) relata em sua dissertação:
“Durante o Estado Novo, Graciliano, já um escritor reconhecido, filiado ao Partido
comunista Brasileiro, escreve ao presidente fazendo duras críticas ao governo.
Graciliano é preso, e dessa experiência nasce o romance Memórias do Cárcere, cuja temática está presente também em outros versos da canção”. (PERES, 2001,
p.30)
Para tornar Joaquim um herói, Vitor Ramil coloca em sua canção que ele leva
tiros, porém, no Cartório de Registro Civil, a informação é que que Joaquim Fonseca
teve uma morte natural. Alterando a realidade, Vitor Ramil faz da vida de Joaquim
108
uma ficção, transformando-o em uma pessoa que tentou realizar seu sonho, porém
foi interrompido devido a uma brutalidade: assim, nasce o personagem Joquim.
Quem ouve a canção está vivenciando algo ilusório, pois para Peres (2001) a
canção é mitificada e reúne diversos mitos, dando força no contexto e criando uma
memória diferente do que foi a de Joaquim Fonseca, resultando assim em uma
memória inventada de acesso público.
A canção não valoriza os reais feitos de Joaquim Fonseca, mas sim destaca
uma falsa aura de herói. (ANEXO 1)
109
9. STORYBOARD
Na busca para me auxiliar na produção fotográfica, pesquisei diferentes
formas para a dinamização do trabalho e para que minha criatividade se desenvolva,
além de me possibilitar visualizar o projeto final. A ferramenta escolhida foi o
storyboard; muito usado nas histórias em quadrinhos, ele tem a finalidade de ilustrar
a ideia do criador do trabalho, para assim facilitar o entendimento do material a ser
executado.
Diniz (2008) explica: “os storyboard surgiu para substituir roteiros de desenho
animados uma vez que era impossível dar uma ideia exata de algo”.
Esta ferramenta torna possível mostrar detalhes a serem explorados no livro,
como enquadramentos e expressões faciais, facilitando o fluxo descritivo de cada
cena a ser trabalhada.
110
10. CRONOGRAMA
1º/
201
5
Agos
to Setemb
ro Outub
ro Novemb
ro Dezemb
ro
Justificativa/Conceito/Obj
etivo
X
Introdução/ Tema X
Questão Norteadora X
Metodologia/ Referências X X X X
Início da redação do texto X
Produção plástica X X X
111
REFERÊNCIAS
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São
Paulo: Cia. Das Letras, 1990.
CARDOSO DE JESUS, Paulo Renato. Drama, Mythos e Poisis: para uma
etmografia psico-social da vocação religiosa. In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE
SOCIOLOGIA: Sociedade Portuguesa.: Passados Recentes, Futuros Pr[oximos, 4.,
Coimbra, 2000. Anais eletrônicos….Coimbra: Universidade de Coimbra, 2000.
Disponível em : http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR 462w082777a32_1.pdf.
Acesso em: 23 jun. 2015.
DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org). Métodos e técnicas de pesquisa em
comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.
EISNER, Will. Narrativas gráficas. São Paulo: Devir, 1999.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. 3. Ed. São Paulo: M. Fontes, 1999.
FREITAS, Ana. As primeiras artistas: Pinturas Rupestres foram feitas por mulheres.
Revista Galileu. Disponível em:
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI34448417770,00AS+PRIMEI
RAS+ARTISTAS+PINTURAS+RUPESTRES+FORAM+FEITAS+PO
R+MULHERES.html Acesso em 30 jun. 2015.
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê,
1999.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Norma técnica para o Trabalho Científico: Elaboração
e Formatação. Explicitação das Normas da ABNT. 14. ED. Porto Alegre: s.n., 2007.
112
GARCEZ, N.R.L. O mito, o herói, o artista. O mito na Imagem do Artista. Revista
Ohun, ano 4, n.4,p.84-99, dez 2008.
LIMA, Cleverson de; FERNANDES, Mônica Luiza Socio. Um estudo da imagem na
narrativa de Neil Gaiman. NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n. 6, jan/jul 2012.
MARKENDORF, Marcio. Mitobiografia e lógica de gênero. In: SEMINÁRIO FAZENDO
GÊNERO: Gênero, memória e narrativas, 7., Florianópolis, 2006. Anais
eletrônicos...Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível em: <http://
http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/M/Marcio_Markendorf_41_B.pdf>.
Acesso em: 23 maio 2015.
MÜLLER, Tânia Mara Pedroso. As aparências enganam? Fotografia e pesquisa.
Rio de Janeiro: FAPERJ, 2011.
OLIVEIRA, Ieda de (org). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e
juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 6. Ed. Petrópolis: Vozes,
1987.
RIGGS, Ransom. O Orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares.
SELZNICK, Brian. A imaginação de Hugo Cabret. São Paulo: SM, 2007.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 4. Ed.
Revista. São Paulo: Autores Associados, 2012.
113
ANEXO
JOQUIM ²
Por Vitor Ramil
Satolep
Noite
No meio de uma guerra civil
O luar na janela
Não deixava a baronesa dormir
A voz da voz de Caruso
Ecoava no teatro vazio
Aqui nessa hora é que ele nasceu
Segundo o que contaram pra mim
Joquim era o mais novo
Antes dele havia seis irmãos
Cresceu o filho bizarro
Com o bizarro dom da invenção
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Quando o cara aprontava mais uma
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
Muito cedo
Ele foi expulso de alguns colégios
E jurou: "Nessa lama eu não me afundo mais"
Reformou uma pequena oficina
Com a grana que ganhara
Vendendo velhas invenções
Levou pra lá seus livros, seus projetos
Sua cama e muitas roupas de lã
114
Sempre com frio, fazia de tudo
Pra matar esse inimigo invisível
A vida ia veloz nessa casa
No fim do fundo da América do Sul
O gênio e suas máquinas incríveis
Que nem mesmo Julio Verne sonhou
Os olhos do jovem profeta
Vendo coisas que só ontem fui ver
Uma eterna inquietude e virtuosa revolta
Conduziam o libertário
Dezembro de 1937
Uma noite antes de sair
Chamou a mulher e os filhos e disse:
"Se eu sumir procurem logo por mim"
E não sei bem onde foi
Só sei que teria gritado
A uma pequena multidão
"Ao porco tirano e sua lei hedionda
Nosso cuspe e o nosso desprezo!"
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No meio da madrugada, sozinho
Ele foi preso por homens estranhos
Embarcaram num navio escuro
E de manhã foram pra capital
Uns dias mais tarde, cansado e com frio
Joquim queria saber onde estava
E num ar de cigarros
De uns lábios de cobra, ele ouviu:
"Estás onde vais morrer"
115
Jogado numa cela obscura
Entre o começo do inferno e o fim do céu
Foi assim que depois de muitas histórias
A mulher enfim o encontrou
E ele ainda ficou ali por mais dois anos
Sempre um homem livre apesar da escravidão
As grades, o frio, mas novos projetos
Entre eles um avião
O mundo ardia na guerra
Quando Joquim louco saiu da prisão
Os guardas queimaram
Os projetos e os livros
E ele apenas riu, e se foi
Em Satolep alternou o trabalho
Com longas horas sob o sol
Num quarto de vidro no terraço da casa
Lendo Artaud, Rimbaud, Breton
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No início dos anos 50
Ele sobrevoava o Laranjal
Num avião construido apenas das lembranças
Do que escrevera na prisão
E decidido a fazer outros, outros e outros
Joquim foi ao Rio de Janeiro
Aos orgãos certos,
Os competentes de coisa nenhuma
Tirar uma licença
O sujeito lá
Responsável por essas coisas, lhe disse:
"Está tudo certo, tudo muito bem
O avião é surpreendente, eu já vi
Mas a licença não depende só de mim"
E a coisa assim ficou por vários meses
116
O grande tolo lambendo o mofo das gravatas
Na luz esquecida das salas de espera
O louco e seu chapéu
Um dia
Alguém lhe mandou um bilhete decisivo
E, claro, não assinou embaixo
"Desiste", estava escrito
"Muitos outros já tentaram
E deram com os burros n'água
É muito dinheiro, muita pressão
Nem Deus conseguiria"
E o louco cansado o gênio humilhado
Voou de volta pra casa
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No final de longa crise depressiva
Ele raspou completamente a cabeça
E voltou à velha forma
Com a força triplicada
Por tudo o que passou
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Que o cara não se entregava
Deflagrou uma furiosa campanha
De denúncias e protestos
Contra os poderosos
Jogou livros e panfletos do avião
Foi implacável em discursos notáveis
Uma noite incendiaram sua casa
117
E lhe deram quatro tiros
Do meio da rua ele viu as balas
Chegando lentamente
Os assassinos fugiram num carro
Que como eles nunca se encontrou
Joquim cambaleou ferido alguns instantes
E acabou caído no meio-fio
Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:
"Me dê apenas mais um tiro por favor
Olha pra mim, não há nada mais triste
Que um homem morrendo de frio”
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
118
ANEXO A – CANÇÃO JOQUIM
JOQUIM
Por Vitor Ramil
Satolep
Noite
No meio de uma guerra civil
O luar na janela
Não deixava a baronesa dormir
A voz da voz de Caruso
Ecoava no teatro vazio
Aqui nessa hora é que ele nasceu
Segundo o que contaram pra mim
Joquim era o mais novo
Antes dele havia seis irmãos
Cresceu o filho bizarro
Com o bizarro dom da invenção
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Quando o cara aprontava mais uma
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
Muito cedo
Ele foi expulso de alguns colégios
E jurou: "Nessa lama eu não me afundo mais"
Reformou uma pequena oficina
Com a grana que ganhara
Vendendo velhas invenções
Levou pra lá seus livros, seus projetos
119
Sua cama e muitas roupas de lã
Sempre com frio, fazia de tudo
Pra matar esse inimigo invisível
A vida ia veloz nessa casa
No fim do fundo da América do Sul
O gênio e suas máquinas incríveis
Que nem mesmo Julio Verne sonhou
Os olhos do jovem profeta
Vendo coisas que só ontem fui ver
Uma eterna inquietude e virtuosa revolta
Conduziam o libertário
Dezembro de 1937
Uma noite antes de sair
Chamou a mulher e os filhos e disse:
"Se eu sumir procurem logo por mim"
E não sei bem onde foi
Só sei que teria gritado
A uma pequena multidão
"Ao porco tirano e sua lei hedionda
Nosso cuspe e o nosso desprezo!"
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No meio da madrugada, sozinho
Ele foi preso por homens estranhos
Embarcaram num navio escuro
E de manhã foram pra capital
Uns dias mais tarde, cansado e com frio
Joquim queria saber onde estava
E num ar de cigarros
De uns lábios de cobra, ele ouviu:
"Estás onde vais morrer"
120
Jogado numa cela obscura
Entre o começo do inferno e o fim do céu
Foi assim que depois de muitas histórias
A mulher enfim o encontrou
E ele ainda ficou ali por mais dois anos
Sempre um homem livre apesar da escravidão
As grades, o frio, mas novos projetos
Entre eles um avião
O mundo ardia na guerra
Quando Joquim louco saiu da prisão
Os guardas queimaram
Os projetos e os livros
E ele apenas riu, e se foi
Em Satolep alternou o trabalho
Com longas horas sob o sol
Num quarto de vidro no terraço da casa
Lendo Artaud, Rimbaud, Breton
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No início dos anos 50
Ele sobrevoava o Laranjal
Num avião construido apenas das lembranças
Do que escrevera na prisão
E decidido a fazer outros, outros e outros
Joquim foi ao Rio de Janeiro
Aos orgãos certos,
Os competentes de coisa nenhuma
Tirar uma licença
O sujeito lá
Responsável por essas coisas, lhe disse:
"Está tudo certo, tudo muito bem
O avião é surpreendente, eu já vi
Mas a licença não depende só de mim"
E a coisa assim ficou por vários meses
121
O grande tolo lambendo o mofo das gravatas
Na luz esquecida das salas de espera
O louco e seu chapéu
Um dia
Alguém lhe mandou um bilhete decisivo
E, claro, não assinou embaixo
"Desiste", estava escrito
"Muitos outros já tentaram
E deram com os burros n'água
É muito dinheiro, muita pressão
Nem Deus conseguiria"
E o louco cansado o gênio humilhado
Voou de volta pra casa
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No final de longa crise depressiva
Ele raspou completamente a cabeça
E voltou à velha forma
Com a força triplicada
Por tudo o que passou
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Que o cara não se entregava
Deflagrou uma furiosa campanha
De denúncias e protestos
Contra os poderosos
Jogou livros e panfletos do avião
Foi implacável em discursos notáveis
Uma noite incendiaram sua casa
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E lhe deram quatro tiros
Do meio da rua ele viu as balas
Chegando lentamente
Os assassinos fugiram num carro
Que como eles nunca se encontrou
Joquim cambaleou ferido alguns instantes
E acabou caído no meio-fio
Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:
"Me dê apenas mais um tiro por favor
Olha pra mim, não há nada mais triste
Que um homem morrendo de frio”
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?