UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - DF
FACULDADE UnB PLANALTINA – FUP
CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO - LEdoC
MARIA HELENA SERAFIM RODRIGUES
ORALIDADE E LETRAMENTO EM UMA PERSPECTIVA DE INCLUSAO
SOCIAL DO POVO KALUNGA
Planaltina-DF
2017
MARIA HELENA SERAFIM RODRIGUES
ORALIDADE E LETRAMENTO EM UMA PERSPECTIVA DE INCLUSAO
SOCIAL DO POVO KALUNGA
Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em Educação
do Campo, da Universidade de Brasília, como requisito final
para obtenção do título de licenciada em Educação do Campo,
com habilitação na área de Linguagem.
Orientadoras: Profª Dra. Rosineide Magalhães de Sousa
Planaltina-DF
2017
MARIA HELENA SERAFIM RODRIGUES
ORALIDADE E LETRAMENTO EM UMA PERSPECTIVA DE INCLUSAO
SOCIAL DO POVO KALUNGA
TERMO DE APROVAÇÃO DO ALUNO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Educação do Campo,
como requisito final para a obtenção do grau de licenciado em linguagens. Educação do
Campo, ocorrido em ___/____/2017.
Aprovada pela banca examinadora:
_______________________________________________
Profa. Dra. Rosineide Magalhães de Sousa - UnB (Orientadora)
______________________________________________________________
Profa. Me. Roberta Rocha Ribeiro - UFTO (Examinadora)
______________________________________________________________
Prof. Me. Juscelino Sampaio Nascimento UFPI (Examinador)
Planaltina – DF
2017
DEDICATORIA
Dedico esse trabalho a toda minha família, minha comunidade Tinguizal, meus
amigos, professores, turma Chico Mendes e em especial ao meu marido João Alfredo,
minha filha Maria Eduarda, meu filho Mauricio Eduardo, minha filha Aparecida de Fátima.
João Alfredo Alves (Esposo), Maria Eduarda (filha), Maurício Eduardo (filho),
Aparecida de Fátima (filha), Elizangela Santana (amiga), Turma Chico Mendes
(LEdoC), Silvania Ferreira e Euclides Eduardo (amigos), Lourdes Fernandes
(amiga), Adelino machado (amigo).
AGRADECIMENTOS
Quero aqui agradecer primeiramente Deus por ter me dado o dom de caminhar ao
encontro de novos horizontes, também agradecer o curso de licenciatura em educação do campo,
por ser este o caminho percorrido, ao meu marido e filhos que não mediram esforços para garantir
que continuasse essa caminhada e principalmente agradecer aos meus pais, Anita Pereira da Silva e
Ozilton Serafim Rodrigues por ter me concebido o dom da vida e me ensinado a caminhar.
Aos meus professores que não mediram esforços para que eu pudesse seguir em frente,
para que os desafios desse caminho não parecessem mais duros do que já eram, a direção do curso
pelo o esforço que fazem para garantir nossa permanência neste caminho, em especial, a direção da
universidade pelo o espaço concedido para que pudéssemos prosseguir com a caminhada.
Agradecer os funcionários por garantir o meu bem estar nesse espaço. Agradecer aos
meus amigos, Adelino machado, Bruno Veiga, Euclides Mandu, Silvania Ferreira Nunes por me dar
as mãos quando mais precisei, aos meus colegas de turma, pelos os aprendizados coletivos, e por
fim agradecer em especial a minha orientadora Rosineide Sousa Magalhães, por acreditar em
minha capacidade de caminhar, assim como os demais professores que direto ou indiretamente
contribuíram para que eu chegasse a esse novo começo de caminhada. Em especial à banca
composta pelos professores Juscelino Sampaio e Roberta Ribeiro pela disponibilidade e
atenção em assistir a apresentação deste trabalho.
A todos vocês os meus agradecimentos e o meu imenso carinho. Buscarei aqui através
das palavras de Cora Cris Pizzimenti (2013), expressa os meus sentimentos de gratidão por meio do
seu poema ―sou feita de retalhos‖ juntamente a todos vocês pude descobrir o sentido de construir
caminhos letramentos. Fazendo uso das palavras da autora esse foi à construção do meu caminho
de letramentos, a construção de caminhos de letramentos só são validas se construída em coletivo,
não existe aprendizado solitário, nem conhecimento isolado, existes diferentes forma de ensino e
diferentes formas de aprendizado, que de retalho em retalho constrói a identidade de um sujeito.
Hoje posso dizer do que sou feita, quem me construiu, e quem eu sou e ainda quero ser.
Sou feita de retalhos.
Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.
Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior...
Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade...
Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.
E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando
parte da gente também.
E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados...
Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.
Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem
engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar
pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias.
E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de "nós".
(CRIZ PIZZIMENTI, 2013)
LISTA DE ABREVIATURAS
ACS- Agente Comunitário de Saúde
CELG-Companhia Elétrica de Goiás
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
FNDE- Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEF-Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LEDOC-Licenciatura em Educação do Campo
MEC- Ministério da Educação
PDDE- Plano de Dinheiro Direto na Escola
PDE- Plano de Desenvolvimento da Escola
PME-Plano de Melhoria da Escola
PNAE- Programa Nacional de alimento na Escola
PPP- Projeto Político Pedagógico
PRONERA-Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
SANEAGO- Companhia de Saneamento de Goiás
SEF-Secretaria de Estado de Fazenda
LISTA DE QUADROS/ESQUEMAS
1 – ESQUEMA 1 - Construção do Projeto Político Pedagógico .................................85
2 - ESQUEMA 2 - Dialógica do Projeto Político Pedagógico ....................................90
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - (A árvore nativa Tingui conhecido como timbó, árvore que inspirou o nome
da comunidade:.............................................................................................................37
Figura 2 - Detalhe do mapa da comunidade de Tinguizal com alguns recursos naturais
orientado por um dos moradores locais. Município de Monte Alegre de Goiás
(GO):.............................................................................................................................52
Figura 3 - Pequeno caminhão de carga que faz o transporte de moradores e cargas
diversas da sede do município de Monte Alegre até as comunidades Kalunga:...........53
Figura 4 - Mulheres da comunidade do Tinguizal utilizando o córrego local para
lavagem de panelas e vasilhas:........................................................................................54
Figura 5.1.2 – Benzimento de dor de cabeça:.................................................................61
Figura 6 – Benzimento contra mau olhado e quebranto:...............................................61
Figura 7 – Folia (Canto/chegada):................................................................................62
Figura 8.1.2 – Dança da sussa/susseiras:......................................................................63
Figura 09 – Rezas: .........................................................................................................63
Figura 10.1.2 - Uma história do povo Kalunga. Caderno de atividades e encarte para o
professor:.....................................................................................................................85
Figura 11 - Escola Municipal Tinguizal:.......................................................................86
Figura 12.1.2 - Escola Municipal Tinguizal interior da sala de aula e pátio:.................88
Figura 13 – Mapa das Localidades Quilombolas Kalunga:..........................................100
Figura 14 – Mapa das Comunidades por Municípios:..................................................101
RESUMO
A Pesquisa, em foco, aborda Oralidade e Letramento em uma Perspectiva de Inclusão Social
do Povo Kalunga, contextualizando a Comunidade Escolar Quilombola Tinguizal, situada
no município de Monte Alegre de Goiás. A fundamentação Teórica tem como referências
principais os autores: Araújo (2016); Baiocchi (2013); Bortoni-Ricardo (2009); Couto
2013; Dionísio (2007); Gil (2010); Marcuschi (2007); Rojo (2012, 2014); Salles 2014;
Sousa (2006) e Triviños (1987), entre outros. O presente trabalho foi organizado conforme
os procedimentos de capítulos e subtemas, entre eles: Oralidade, letramentos múltiplos,
compreensão de letramento em comunidades tradicionais, contextualizando educação
quilombola, análise de dados, considerações finais, entre outros aspectos comuns a um
trabalho de pesquisa, de forma a entender a complexidade das problemáticas relacionadas
ao tema principal. Para cada subtema é proposto referências bibliográficas de autores com
afinidade e informações sistemáticas sobre os assuntos abordados, com discussão
contextualizada. De modo geral, pretende-se neste trabalho dialogar o tema geral com as
possibilidades de rever as práticas de ensino na comunidade quilombola, propondo aos
educadores reflexão acerca do papel da escola em relação a cultural local, favorecendo
assim que a oralidade e os letramentos comuns desse grupo social sejam inseridos nas
práticas de ensino. O trabalho contribui para que Tinguizal e outras Comunidades
Quilombolas Kalunga, tenham acesso a uma pesquisa com tema voltado a significação da
aprendizagem, proporcionando a educadores, educandos e universitários, referências para
possíveis estudos futuros. O trabalho contribui também para que professores e alunos
possam trabalhar a temática em sala de aula com maior precisão pedagógica em comum
acordo e diálogo com o currículo referência de ensino proposto para a escola nas
comunidades quilombolas, em especial, Tinguizal.
Palavras – Chaves: Oralidade e Letramento, Inclusão Social Kalunga.
ABSTRACT
The research focus, covers Orality and literacy in a perspective of Social inclusion of People
Kalunga, contextualizing the Quilombola Tinguizal school community, situated in the municipality
of Monte Alegre de Goiás. The theoretical foundation has as main references the authors: Aguilar
(2016); Baiocchi (2013); Bortoni-Ricardo (2009); Couto 2013; Dionysus (2007); Gil (2010); Depends
(2007); Rojo (2012, 2014); S 2014; Sousa (2006) and Triviños (1987), among others. The present
work was organized as the procedures of chapters and sub-themes, including: Orality,
letramentos, literacy and comprehension letramento in traditional communities, quilombola, data
analysis, final considerations, among other aspects common to a research paper, in order to
understand the complexity of the problems related to the main theme. For each sub-theme
proposes references to authors with affinity and systematic information on the subjects dealt
with contextualized discussion. In General, this work aims to engage the general theme with the
possibilities of reviewing the practices of teaching on the quilombola community, offering
educators reflection about the role of the school in relation to local cultural, favoring so the
orality and the common letramentos of this social group are inserted into teaching practices. The
work contributes to that Tinguizal and Quilombo Kalunga communities, have access to a survey
theme back the meaning of learning, providing educators, students and academics, references to
possible future studies. The work also contributes to that teachers and students can work the
topic into the classroom with greater precision in mutual agreement and dialogue teaching with
the curriculum teaching reference proposed for the school in quilombolas communities, in
particular, Tinguizal.
Key Words: Orality and literacy, Social inclusion Kalunga.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO:...................................................................................................................14
CAPÍTULO I – BASE TEÓRICA: ................................................................................. 18
1.1 - Oralidade e letramentos múltiplos em quilombos .......................................................18
1.2 - Letramento, que bicho é esse? A compreensão de letramento em comunidades
tradicionais ......................................................................................................................24
1.3 - A Educação Escolar Quilombola (EEQ): entre a educação do campo e uma proposta
contextualizada .........................................................................................................27
1.3.1- A proposta de letramentos múltiplos para a Educação Escolar Quilombola .............34
CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................37
2.1 - Instrumento e procedimentos para a coleta de dados...................................................37
2.2 - Instrumento e procedimentos para geração de dados..................................................43
CAPÍTULO III - ANÁLISE DE DADOS........................................................................46
3.1 - Saberes e fazeres do povo Kalunga: uma pratica de letramento social
diferenciada.....................................................................................................................46
3.2 - Letramento 1: Ritos, Rezas e benzimentos.............................................................48
3.3 - Letramento 2: Poesia e música e dança..................................................................50
3.4 - Contextualização Escola Municipal Tinguizal e Projeto Político Pedagógico...........84
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................93
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................95
ANEXOS............................................................................................................................100
14
INTRODUÇÃO
A oralidade é um aspecto fundamental da tradição cultural do povo Kalunga.
Durante muitos séculos os registros da trajetória histórica do povo Kalunga foram feitos
por meio da oralidade, da memória individual e coletiva que narravam suas práticas
culturais, origem e identidade enquanto descendentes de pessoas escravizadas.
Cotidianamente nos deparamos com diversas práticas sociais que envolvem o uso da
língua com objetivos e contextos distintos que por meio da oralidade, leitura e escrita
atribuem sentido e significado diante dos saberes maternos e das informações que
circulam em nosso meio social.
A leitura e a escrita fazem parte das estratégias de autonomia e de igualdade
social para o povo Kalunga, tendo o ensino escolar um forte aliado nas lutas por melhores
condições de vida, mas que ao mesmo tempo vem desestruturando as práticas de
oralidade ao desconsiderá-las como fruto da cultura e tradições de nosso povo –
constituam-se em parte do letramento adquiridos pelos sujeitos Kalunga em diferentes e
diversos contextos, em detrimento dos saberes locais que estão sendo perdidos.
Atualmente, percebemos que a conscientização e o interesse por parte dos jovens
quanto à importância da preservação da cultura quilombola tem sido um desafio a ser
cumprido, tendo em vista o crescente desinteresse pelas tradições e identidade cultural da
comunidade Kalunga, desse modo se faz necessário conscientizar os jovens e moradores
das comunidades quilombolas Kalunga, para que eles tenham interesse, na preservação da
sua cultura, não somente na escola como também na comunidade e na sociedade em geral
sendo uma autoafirmação de sua cultura e de sua identidade.
De acordo com as diretrizes para a Educação Escolar Quilombola (EEQ) os
sistemas de ensino em terras quilombolas deveriam adotar uma postura didática em
conformidade com a valorização da cultura local, tendo como objetivo maior o
fortalecimento dessa cultura presente na vida dos alunos. Com isso, os professores
deveriam utilizar em suas práticas pedagógicas atividades múltiplas que englobem
temáticas voltadas ao contexto histórico sócio cultural da comunidade. Tais como seus
saberes autóctones, festividades, crenças, costumes e valores identitários que são
transmitidos via processos de oralidade.
A abordagem dos letramentos em consonância com a tradição oral estabelecidos
no âmbito sócio comunicativo do povo Kalunga, possibilita percebermos que nenhuma
ação comunicativa se dá em um processo individual, sem que haja uma dinamicidade de
15
saberes e sujeitos envolvidos, seja ele letrado ou não, todos fazem parte de um só
processo de interação social. Sendo assim, o sentido de letramentos na comunidade
Kalunga se faz muito mais amplo e profundo, vai além do que a escrita convencional
pode descrever.
A relação entre letramento, oralidade e saberes tradicionais Kalunga e saberes
acadêmicos se justifica pelo fato de tanto um quanto o outro, constitui-se em um processo
de letramento dinâmico, através de dinâmicas de socialização, em que os mesmos
abrangem, sob as mais diversas formas, todos os sujeitos e visam transmitir- lhes
conhecimento, através da vivencia, relações e experiências individuais, coletivas e
sociais, de modo a possibilitar-lhes a interação entre si e ao meio em que vive, e entre si e
a sociedade em geral. A oralidade em seu núcleo constitutivo configura-se como uma
produção coletiva que a torna raiz central e patrimônio de todos, bem como uma relação
entre ação e reflexão de modo que suas práticas sociais de letramentos, simultaneamente
são seus saberes representados e autointerpretado no seu fazer.
Assim, a socialização do conhecimento enquanto tal (dos seus códigos, normas,
regras, representações e signos) opera sobre os sujeitos individualmente e socialmente na
construção da identidade acerca de si próprio e de outros sujeitos.
A problemática desta pesquisa surge da realidade situacional quilombola acerca
da falta de uma perspectiva de ensino capaz de incluir o povo quilombola enquanto grupo
social com especificidades próprias na cultura, nas relações sociais, econômicas e
educacionais. Como já mencionado, a Pesquisa em foco trata da Oralidade e Letramento
em uma Perspectiva de Inclusão Social do Povo Kalunga. Ao tratar da Oralidade,
letramentos múltiplos, compreensão de letramento em comunidades tradicionais,
contextualizando educação quilombola, pretende-se questionar de forma crítica e
construtiva a realidade atual, mas propondo um diálogo e reflexão acerca do papel do
educador nas escolas quilombolas. Diante do exposto, o objetivo principal é investigar as
práticas de ensino na comunidade quilombola, propondo aos educadores reflexão acerca
do papel da escola em relação à cultural local, favorecendo assim que a oralidade e os
letramentos comuns desse grupo social sejam inseridos nas práticas de ensino.
É comum nas escolas atuais o discursos de contextualização do ensino, porém
esta realidade na prática ainda é muito distante, pois a maioria dos responsáveis pelo
ensino nas salas de aulas ainda seguem o currículo referencial na risca sem se preocupar
16
com as especificidades de cada educando em seu contexto de vida social, cultural e
econômico. Desse modo, a educação não atende os requisitos de uma prática dialógica do
conhecimento, ou seja, o que é ensinado nas escolas não tem significados algum ao
público atendido.
A pesquisa cujo tema geral: Oralidade e Letramento em uma Perspectiva de
Inclusão Social do Povo Kalunga terá como foco a compreensão sistemática e
contextualizada, seja pelos autores apresentados, como pelas considerações e
argumentações expostas em cada subtema, para que se tenha plena consciência crítica do
que é proposto pelo objetivo geral e pelos específicos.
Objetivos:
Geral:
Investigar e analisar: Oralidade e Letramento em uma perspectiva de inclusão
social do Povo Kalunga, da comunidade Tinguizal.
Específicos:
a) Investigar como funcionam historicamente os processos de oralidade na
comunidade Tinguizal;
b) Mapear e relacionar discursos representativos de letramentos tradicionais
Kalunga;
c) Identificar que influencias o contexto sociocultural exercem na comunidade e
na escola;
d) Investigar em que medida a formação de professores contribui para o
reconhecimento dos múltiplos letramentos da comunidade e o fortalecimento dos
mesmos.
Portanto, este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa que vem sendo
realizada com a comunidade Tinguizal situada em Território Quilombola Kalunga no
município de Monte Alegre de Goiás (GO), mais precisamente com a comunidade escolar
da Escola Municipal Tinguizal, onde são investigadas, discutidas, analisadas e
caracterizadas a relação entre a cultura local, oralidade e as possibilidades de
multiletramento que os sujeitos dessa comunidade podem protagonizar.
17
Para a realização do trabalho recorremos criteriosamente a varias teorias
consultadas considerando a qualidade dos materiais e fontes de pesquisa, bem como dos
autores consultados. Após a leitura de vários artigos e livros, alguns abaixo selecionados
foram escolhidos para compor a fundamentação Teórica deste trabalho, para que
houvesse embasamento e contextualidade do tema, procedimentos e metodologia
organizacional do ponto de vista científico na elaboração do trabalho. Depois dos
estudos de cada autor, foram realizadas observações informais e pesquisa via entrevistas
contextualizando o tema geral na Comunidade Quilombola Tinguizal – Kalunga Monte
Alegre de Goiás, buscando assim responder as problemáticas levantadas ao longo
fundamentação. Dentre os autores escolhidos: ARAUJO (2016); BAIOCCHI (2013);
BORTONI-RICARDO (2008 e 2009); COUTO 2013; DIAS (2011); DIONISIO (2007);
Gil (2010); MARCUSCHI (2007); ROJO (2009 e 2012); SALLES 2014; SOUSA (2006).
O primeiro capítulo traz a base teórica abordando temas e subtemas como:
Oralidade e letramentos múltiplos em quilombos, A compreensão de letramento em
comunidades tradicionais, A Educação Escolar Quilombola e educação do campo e uma
proposta contextualizada, A proposta de letramentos múltiplos para a Educação Escolar
Quilombola.
O segundo capítulo trata-se da Metodologia de Pesquisa, abrangendo:
Instrumento e procedimentos para a coleta e geração de dados, do qual pretende
apresentar além de embasamento teórico sobre Metodologia de Pesquisa, expõem
também os critérios, objetos de pesquisa e investigação e estudo do material coletado
para assim satisfazer os critérios de uma pesquisa cientifica de cunho acadêmico.
O terceiro e último capítulo traz a análise de dados coletados de forma crítica e
contextual, cujos temas e subtemas abordam os Saberes e fazeres do povo Kalunga: uma
pratica de letramento social diferenciadas, os letramentos ritos, rezas e benzimentos,
poesia, música e dança e a contextualização da Escola Municipal Tinguizal e do seu
Projeto Político Pedagógico em diálogo com os temas apresentados.
CAPÍTULO I – BASE TEÓRICA
18
1.1 - Oralidade e letramentos múltiplos em quilombos
Abordar os temas oralidade e letramento enquanto práticas sociais requer uma
visão ampla do que significa formar cidadãos críticos e autônomos. Para Sousa (2006, p.
26), esses são caminhos de construção de identidade social de um povo, parte do micro
para o macro:
Assumimos varias identidades para promover relações sociais. Uma
pessoa, uma mulher, por exemplo: assume o papel mãe, esposa,
profissional, de filha etc. Para cada um desses papeis assume um
comportamento e a competência comunicativa que faz com que a
pessoa saiba interagir com o outro, dependendo da situação. (SOUSA
2006, p. 26),
A construção social de um povo tende a ser de modo articulado com suas ações.
As práticas comunicativas sociais (oralidade e letramento) bem como o discurso que é
realizado pelos sujeitos que constroem uma identidade social; práticas essas que interage
com as demais relações sociais necessárias na sociedade, a econômica e a política.
Logo debater práticas de relações sociais, tende aborda vivência cotidiana e
memórias de sujeito em suas diversas atividades, exige perceber a multiplicidade de
letramentos que dialogam na construção social desse sujeito no meio em que vive e na
sociedade em geral.
Esses recursos comunicativos são necessários tanto para o discurso escrito,
quanto para a oral, são recursos que dialogam entre si como ferramentas linguísticas que
facilitam: a leitura, a escrita, a compreensão de texto escrito ou oral e o diálogo (SOUSA,
2006).
Entender essa dinamicidade de práticas sociais enquanto promotoras de
conhecimento é perceber a existência de novos fatores de influência linguística social,
que já não podem ser ignorados nos meios que fazem uso da língua. Para Sousa (2006,
p.25) ―ao analisar o discurso, revela identidades, crenças e valores das pessoas. Assim,
em um sentido global, podemos dizer que ela abrange as dimensões da fala, da cultura, da
cognição e da interação‖. Ainda segundo o autor:
Os conhecimentos da sociolinguística interacional possibilitam ao
pesquisador, que está interessado em investigar e buscar novas
experiências na interação face a face, uma base teórica multidisciplinar,
pois ela está ancorada nos conhecimentos da linguística, sociologia, e
19
antropologia as quais encabem três campos: o da linguagem, da
sociedade e da cultura (SOUSA, 2006, p. 25).
Assim debater oralidade e letramento, é compreender que nossas ferramentas
sociolinguísticas transcendem sua historicidade, pois os letramentos sociais são criações
antigas, repassadas de geração a geração, que resulta em importantes instrumentos
linguísticos de inclusão social ou intercultural, ou seja, instrumentos de conhecimento
que circula nos meios sociais. Nesse sentido, Marcushi & Dionísio (2007, p. 17) dizem
que ―até algum tempo, os manuais de ensino e mesmo os estudos da língua não dava
muita atenção aos usos linguísticos reais e se ocupava mais dos aspectos formais, tais
como as regras e as normas da língua [...]. Hoje, há uma grande sensibilidade dos usos da
língua‖.
O pensamento moderno da sociolinguística restaura essa dimensão. Assim nos
diz Araújo ―qualquer ciência que pretenda abranger o máximo da dinâmica dos processos
sociais não pode deixar de fora o caráter interdisciplinar [...], portanto constituir-se de
modo interdisciplinar implica uma construção teórica mais ampla e capaz de abranger um
leque maior das relações sociais‖ (ARAUJO, 2016, p. 41).
Os estudos sociolinguísticos podem ser o caminho mais eficaz para o
reconhecimento e a valorização da diversidade de práticas social enquanto promotora de
letramentos, como parte da reconstrução da história social de um povo. Sendo assim, a
oralidade e o letramento proposto por esse trabalho, são teorias em movimento, que
abrangem esclarecimentos em termo de princípios, conceitos, novas compreensões,
estratégia a ser adotada para implementação das novas orientações linguísticas. Para
Sousa, o papel do pesquisador e da metodologia adotada por ele é de fundamental
importância para estudos sociolinguísticos.
No papel do pesquisador, por exemplo, quando adotamos a metodologia
etnográfica, a interação face a face é à base de tudo, porque, assim,
podemos estabelecer uma relação interpessoal que tende a ser
cooperativa para o propósito que se pretende. ―Nessas relações, são
revelados aspectos sociais, culturais, e identitários que podem ser
congruentes ou entrar em conflito com a nossa identidade‖. (SOUSA.
2006, p.29)
Nessas perspectivas conseguiremos identificar e problematizar relações de
desigualdade social, imposição, ideologias e assimilação de culturas dominantes, e as
20
ameaças à identidade de um povo. No entanto, para não ocorrer de estarmos apenas
realizando um mero exercício de oratória, será necessário buscar estratégias linguísticas
diferentes das convencionais no sentido de transversalizar o conhecimento de modo
abranger práticas sociais produtoras e portadoras dessa nova visão.
Conforme essa exposição, na interação face a face, construímos
enunciados que constituem a comunicação. O contexto de interação é
marcado pela linguagem verbal e não verbal [...]. Na interação face a
face exercemos nossos papéis sociais, revelando identidades, crenças e
valores que são interpretados pelo outro (SOUSA, 2006, P. 30).
A expansão sociolinguística é fundamental para efetivação desse discurso de
transversalidade do conhecimento por meio das práticas de relações sociais, isso implica
nos estudos linguísticos internos (conceitos) e externos (atividades sociais) o
reconhecimento intercultural de identidade. Dessa forma, direcionaremos nosso olhar
para o conceito de oralidade e letramento como conceitos: ―cultural‖- oralidade é
―cultural‖, letramento é ―cultural‖, e tanto um quanto outro, são práticas sociais, podemos
então dizer que estes são conceitos culturais. É esse o discurso inovador que podemos
propor para o estudo da sociolinguística em comunidades tradicionais.
A oralidade, assim como o letramento, são estudados e analisados com
base em suas praticas sociais, considerando, desse modo, seus usos na
vida cotidiana, sendo concebida atividades interativas e
complementares social e culturalmente. (MARCUSHI.2001.P. 37)
Contudo, este trabalho assume essa perspectiva intercultural interdisciplinar
quando, ao se tratar de oralidade e letramento apoia em teorias linguísticas, sociológicas e
filosóficas voltadas para o conhecimento social, assumindo em seu discurso o
conhecimento filosófico interdisciplinar simplesmente por que:
Em termos gerais, o letramento diz respeito às práticas discursivas que
fazem uso da escrita. Uma pessoa pode ser letrada sem ter ido à escola,
pois ela tem um letramento espontâneo. Assim, é possível fazer uma
distinção entre o letramento e a alfabetização, desde que se veja esta
como um domínio formal da escrita e aquele como as práticas sociais da
escrita. Esse aspecto é fundamental, e podemos dizer que existem vários
letramentos, que vão desde um domínio muito pequeno e básico da
escrita até um domínio muito grande e formal, como no caso de pessoas
muito escolarizadas, com formação universitária, por exemplo
(MARCUSCHI, 2007, p.32).
Portanto, abordar temas sociolinguísticos, em práticas sociais comunicativas,
carece de um olhar amplo em como esses conceitos se disseminam por meio de
21
pressupostos linguísticos, conceituando-se, em sua totalidade por meio das diversidades
intercultural das práticas sociais em sua complexa dimensão social.
Ao se tratar de estudos sociolinguísticos, Borstel (2014) destaca dois linguistas
importantes para os estudos da língua, são eles Fernando Tarallo e Willian Labov, ele diz
que:
Através de seus estudos linguísticos e pesquisas sobre a variação, os
autores evidenciaram em suas pesquisas que a variação e, ou mudança
linguística ocorria não por fatores propriamente linguísticos, mas
também, por fatores não linguísticos, ou seja, a idade, classe social,
sexo/gênero feminino ou masculino, tempo e espaço geográfico,
escolaridade, etnia, religião, fatores que influenciavam sobremaneira, os
elementos linguísticos da língua (BORSTEL.2014.P.4).
A busca por resposta sobre estas variações linguística fez com que as ciências
sociais em especial a linguística desencadeassem uma serie de estudos voltados para estes
fatores de manifestações sociais da língua, denominado de sociocultural. Nesse sentido,
Bortoni-Ricardo e Freitas dizem que:
A evolução de duas premissas básica da linguística estruturalista do
século XX criou condições para a emergência do ramo da linguística
que veio a ser denominada, sociolinguística, graças o seu caráter
interdisciplinar. As duas premissas são o relativismo cultural e a
heterogeneidade inerente e ordenada na língua de qualquer comunidade
de fala. O primeiro foi herdado da tradição antropológica, o segundo a
qual nenhuma cultura ou língua de uma comunidade deveria ser
classificada como inferior ou subdesenvolvida independentemente do
nível de tecnologia que aquela comunidade já tivesse atingido
(BORTONI-RICARDO E FREITAS, 2009, p.1).
Com base nesses princípios sociolinguísticos e de acordo com conjunto de
situações que envolvem práticas discursivas sociais pode-se dizer que oralidade e
letramento são duas modalidades, (fala e escrita) que mesmos que inicialmente pareçam
ser dicotômicas2 não são contrárias uma a outra. Apesar de se apresentar enquanto
acontecimentos específicos e tenhas em suas atividades processos específicos, não diz
que são contrárias ambas incorporam noções de complexidade da língua manifestada na
cultura linguística que produz ou reproduz práticas sociais intercultural, ora oral, ora
escrita, subentendido no relativismo cultural e na heterogeneidade.
Não há razão alguma para continuar defendendo uma divisão
dicotômica entre fala e escrita nem se justifica o privilegio da escrita
sobre a oralidade. Ambas tem um papel importante a cumprir e não se
22
competem [...] Em suma oralidade e escrita não estão em competição.
Cada uma tem sua historia e seu papel na sociedade (MARCUSHI E
DIONISIO, 2007.P. 16).
No entanto, conceitos como oralidade e letramento fazem parte do pacote
variacionista, sociolinguista enquanto propulsores da língua em suas diversas formas de
expressões linguísticas multimodais. Neste sentido, Bortoni (2009) diz que: ―Num
primeiro momento, o conceito de relativismo cultural aplicou-se a comparação entre
línguas, mas quando a premissa de heterogeneidade inerente foi postulada pela
Sociolinguística variacionista, no final dos anos 1960, esse conceito passou a aplicar-se
também as múltiplas variedades e estilos de uma mesma língua‖.
A partir da década de 60, os linguistas passaram a priorizar investigações de
aspectos que dialeticamente interagem os métodos de aquisição e de aperfeiçoamento da
língua, oral e escrita na formação social, na organização, e na disseminação das práticas
sociais, pode-se dizer que nenhuma ação social se concretiza sem que haja interação,
treinamento, disseminação, e desenvolvimento de atividades sociais comunicativas, sendo
assim pode-se dizer que oralidade e letramento mediante as palavras de Kleiman (2009) é
um conjunto de práticas sociais, cujo modo específico de funcionamento tem implicações
importantes para as formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem
relações de identidade e poder.
As novas regras da sociolinguística demonstram que gêneros textuais como
oralidade e letramento não se deixam aprisionar em um só conteúdo pronto. A liberdade
que se amplia nas formas de estudo e pesquisa, evidencia a amplitude e a complexidade
de sua forma capaz de criar as condições e alcance da língua e de aproveitá-las nesse
beneficio. Sendo assim Bortoni e Freitas dizem que:
Desde segunda metade do século XX, nos estágios formativos da ciência
linguística no Brasil, os pesquisadores pioneiros apontaram para necessidades
de seus estudos assumirem um compromisso com os problemas linguísticos
brasileiros; tais como a documentação das línguas brasileiras; descrição de
línguas sobreviventes em comunidades de imigrantes; as características e o
status da norma brasileira de língua portuguesa e o ensino dessa norma nas
escolas do país. (BORTONI e FREITAS, 2009)
Contudo, a sociolinguística busca a interpretação da língua para além das
normas linguísticas, diante das necessidades de compreensão acerca das práticas sociais,
de sua natureza e cultura como uma das dimensões de sua forma e de sua construção de
conhecimento e de relações sociais. Em um sentido filosófico, pode-se dizer que a
23
sociolinguística pensa a língua por meio dela mesma. A começar por sua própria
definição e capacidade de alcance.
Sendo assim Borstel (2014) diz:
A sociolinguística constitui um estudo cientifico que prima pela a
relação língua e sociedade, mostrando que o fenômeno linguístico sofre
a influência dos aspectos sociais, culturais, identitários, econômicos,
étnicos, religiosos e políticos. (Borstel 2014.p.4)
Os estudos da língua através da oralidade e do letramento requerem uma
reflexão em torno das condições e possibilidades das práticas sociais de produção,
reprodução e justificação da língua no seu fazer mediante as formas simbólicas que a
representa – fala e escrita. De acordo com Borstel (2014):
O surgimento dos estudos sociolinguístico deve-se a uma tentativa de
combater aos estudos puramente estruturalistas da linguagem, uma vez
que estes não levava em conta as considerações sobre a relação língua e
sociedade, mas tão somente a relação interna da língua, sem observar o
contexto social, cultural, étnico, religioso, político e econômico em uma
sociedade ou em uma comunidade de fala. (BORSTEL 2014. P. 4)
A constatação sociolinguística desses conceitos que convivem na e com as
práticas sociais apontam a língua enquanto socialização cultural. Suas práticas
transcendem os limites da própria linguística. Se pensarmos a fala e a escrita como algo
comum que circula nos meios e nas práticas sociais e que vivem conjuntamente a
definição da língua nos remete a pensar que as relações sociais a torna um bem de todos,
e que a torna cultura. A cultura da língua social nesse caso se constitui linguisticamente
na medida em que se faz no coletivo. A relação entre língua, sujeito e sociedade faz com
que a cultura da língua, seja ela , falada ou escrita desempenha funções de relações
sociais.
O reconhecimento da oralidade e letramento enquanto letramento cultural como
um constitutivo social da língua permite à busca de informações por meio do seu uso.
Nesse sentido, percebe-se o esforço da sociolinguística em compreender como a língua
pode conduzir eventos de letramentos que estão intrinsecamente associados às práticas
sociais, de um grupo de pessoas, de uma comunidade, enfim da sociedade em geral.
1.2 - Letramento, que bicho é esse? A compreensão de letramento em comunidades
tradicionais
24
O que as comunidades tradicionais com ampla maioria de sua população sem
saber ler ou escrever pensariam sobre o conceito de letramento? Segundo Rojo (2009) em
seu texto ―Letramentos múltiplos, escola e inclusão social‖ procura definir letramento
como um conceito amplo e o que se trata nessa perspectiva são os usos, as práticas de
leitura e escrita presentes no cotidiano das pessoas, pois atualmente a escrita está presente
em todo momento e por todas as partes em diferentes contextos sociais.
Sousa (2006) destaca que ―a escrita e a leitura são consumidas, hoje, pelas
pessoas como meio de sobrevivência, com o objetivo de formação acadêmica,
profissional, integração e interação social, resolução de problemas cotidianos, condição
de entender o mundo e suas tecnologias‖.
Observamos o significado de letramento apenas em sua real aparência,
realmente dá se a entender que quem não sabe ler, nem escrever não se enquadra nessa
nova sociedade que está sendo construída. A exclusão do sujeito não letrado
aparentemente é visível. Nesse sentido, Sousa (2006) diz que ―O melhor modo de as
pessoas ampliarem sua compreensão das práticas de letramento, é refletindo sobre as
próprias práticas do cotidiano que são norteadas pelo letramento‖.
Dessa forma, a educação caminha para superação de metodologias que promove
o distanciamento entre escola e comunidade, neste contexto assumindo um
posicionamento de que ao se tratar das questões educativas, a comunidade e escola
assumem o ―papel de educar, educador social‖ educação por meio da escola e da
comunidade/sociedade, suas atividades educativas. Neste contexto, pautam pelas
discussões curriculares, pelo diálogo entre profissionais da escola e da comunidade,
promovendo assim uma educação coletiva, capaz de dialogar com as diversas questões e
práticas sociais, promovendo letramento social, não sendo mais, apenas responsabilidade
da escola a promover letramento, múltiplos letramento, ou multiletramento.
Os letramentos passam a ser responsabilidade de todos, país, estado, municípios,
escola, comunidade, ou seja, a sociedade em geral. Esse caminho é o que parece
possibilitar uma educação igualitária, uma educação social, com condições de garantir
valores, pluralidade de ideias/pensamentos e alteridade, garantindo a ampliação dos
espaços educativos, não é ampliação do espaço/prédio escolar, é a ampliação dos espaços
de promoção da igualdade de oportunidades, participação e exercício da autonomia.
Partindo desses pressupostos, podemos destacar a importância da presença dos
letramentos desde a organização do Projeto Político Pedagógico da escola (PPP), da
25
definição curricular de conteúdos, a produção e manuseio do material didático, a
aprendizagem e definição dos códigos, a construção do discurso, a relação língua e
linguagem, procedimentos avaliativos, a organização e direcionamento da gestão para a
participação de todos, para um todo, até a realização de pesquisa dentro e fora do
ambiente escolar.
Estes sujeitos não só estão aprendendo, como também estão ensinando, enfim
estão construindo práticas de letramentos. Estes letramentos se estabelecem
prioritariamente em ambiente local, local de vivencia do sujeito é um letramento social,
porém de dimensão local.
Todavia, essas questões relativas a melhorias das ações educativas com
convicção de melhoria da qualidade de ensino, são questões basicamente institucionais
voltadas para a formação docentes. Atualmente, as instituições de ensino prima cada vez
mais pela formação ou aperfeiçoamento do professor, porém, até que ponto a
responsabilidade da qualidade do ensino é do professor?
Para Azanha, somente a formação de professores ou o aperfeiçoamento dos
mesmos não é garantia de melhoria da qualidade de ensino, veja o que ele diz:
São as escolas que precisam ser melhorada, sem este esforço
institucional, o aperfeiçoamento isolado de docentes não garante que
eventual melhoria do professor encontre na prática as condições
propícias para uma melhoria do ensino [...]. A entidade a ser objeto de
atuação em uma política de melhoria do ensino é a escola e não as
―competências‖ profissionais de um individuo (AZANHA,1995,p.203).
Assim, a formação docente ou a sua prática não é o bastante, é a instituição de
ensino que produz o professor, pois o seu exercício se vincula a uma instituição com
práticas sociais. A qual exercerá sua função, se a mesma não sabe o que produzir ou como
produzir, a estrutura do ensino estará prejudicada, e consequentemente os letramentos
também. Neste caso o ensino é visto apenas como transmissão de conhecimento e
desenvolvimento de capacidade em um indivíduo, não enquanto prática social, assim
como o professor será visto como o único detentor do saber. Neste sentido Azanha deixa
claro que não é por falta de conhecimento, como afirma abaixo:
é claro que há, hoje, um saber acumulado sobre a situação de ensino-
aprendizagem que pode até permitir a indicação de condições propícias
á obtenção de um ensino com êxito. Mas isso não é suficiente, porque
ensinar com êxito é diferente de ter posse de um saber proporcional, é
um saber fazer, uma habilidade. Do mesmo modo escrever bem,
argumentar bem não se reduz ao domínio de noções de gramática ou de
26
lógica. Isto posto, a conclusão é que a melhoria da prática somente pode
ser feita pela critica da própria prática, no momento em que ela ocorre,
e não pela critica teórica de uma prática abstratamente descrita, ainda
que essa descrição seja feita pelos próprios praticantes
(AZANHA,1995.p. 203).
Essa perspectiva voltada para a compreensão do docente a partir de sua função
na instituição, não deve se restringir meramente a sua prática ou seu esforço individual,
deve-se levar em consideração o ambiente de ensino, o material didático, a matriz
curricular, os conteúdos, os estudos teóricos desenvolvidos neste meio, enfim todo o
contexto escolar, de forma a não centralizar a responsabilidade da qualidade do ensino ao
professor, mas na complexidade e na interação de todos os elementos envolvidos a qual
se configura a instituição de ensino.
Devemos entender a escola como espaço social, sua configuração é de caráter
formativo, com diferentes sujeitos, diferentes funções, um só objetivo, que é o de
promover letramento e dele fazer parte, tendo como referência as práticas sociais que
caracterizam esse ambiente e não meramente um ou outro elemento isolado de sua
configuração.
Esse pressuposto, mesmo que não tenhamos clareza de como ele se reflete em
comunidades tradicionais, tem gerado uma ampla discussão centrada na produção e
difusão dos letramentos nos meios sociais. Fazendo com o conceito de letramento saia de
sua zona de conforto, e passa a percorrer caminhos em práticas sociais que por muitas
gerações foram difusa na oralidade.
Em termos de distinção entre a língua escrita e a língua oral, Amaral (2005)
explica que a fala é utilizada quando se está diante do interlocutor, e por outro lado a
escrita é utilizada quando se está distante do mesmo. A autora afirma ainda haver algumas
diferenças entre a língua escrita e a língua oral, embora sem oposição rígida.
Segundo Amaral (2005), o uso da fala pode variar entre: falas elaboradas com
organizações e vocabulários mais próximo da escrita a depender da situação se utilizam a
linguagem coloquial; a escrita também pode variar entre escrita pessoal e escrita formal,
ou seja, varia de acordo com o contexto.
Em resumo, com a expressão ―fala‖, designamos as formas orais do
ponto de vista do material linguístico e de sua realização textual-
discursiva. O mesmo acontece com a expressão ―escrita‖, que será
usada para designar o material linguístico da escrita, ou seja, as formas
de textualização na escrita. Às vezes serão também usadas as
expressões ―língua falada‖ e ―língua escrita‖, mas, como não se trata de
27
duas línguas, preferimos deixar de lado essas expressões, que podem ser
usadas desde que se tenha claro que não são duas línguas, e sim dois
modos de representação da mesma língua, embora cada um dos dois
modos tenha uma história própria, [...] evitar reduzir a fala
simplesmente ao código oral e a escrita ao código gráfico, pois essas
duas tecnologias são muito mais do que dois códigos, já que têm formas
de significação que lhes são próprias (MARCUSCHI, 2007, p.32).
Salles (2014) afirma que atualmente o sujeito se encontra envolto por uma gama
de imagens que circulam principalmente nas práticas escritas, com isso modifica a
linguagem visual e provoca alterações no discurso que se produz ligado por vínculos,
desse modo à modalidade escrita e visual ganha destaque nas diferentes mídias, fato esse
que evidencia os textos multimodais, ou seja, textos que faz uso de duas ou mais
modalidades semióticas (que estuda os signos, os fenômenos culturais e os sistemas de
significados) em sua composição; Para o mesmo autor a linguagem da atualidade
contempla modalidades diferentes da língua escrita, por essa não dar mais conta da
totalidade de usos que se faz da língua.
1.3 - A Educação Escolar Quilombola (EEQ): entre a educação do campo e uma
proposta contextualizada
Uma das maiores forças de resistências sócio político e cultural do Brasil são os
quilombos, a formação desses espaços tem inicia por volta do século XVI, e até os dias
atuais esses territórios vivem em constante lutas por garantia de direitos negados desde
suas constituições. Todavia esses enquanto espaços de resistências construíram
estratégias de sobrevivências, dentre essas estratégias a construção do conhecimento, que
durante muitos séculos se constituiu oralmente. A necessidade de ampliar os
conhecimentos e na perspectiva de igualdade social, fez com que esses núcleos
populacionais buscassem cada vez mais por um ensino escolarizado enquanto
complemento dos conhecimentos historicamente construídos nos seus espaços de
vivencias.
Nesse sentido, educação escolar nesses espaços tem que garantir o um
autoconhecimento do sujeito entre si e seu povo, entre si e o mundo, sendo assim a
educação escolar tem um papel fundamental e grande importância nesses espaços.
Educação do Campo e Educação Quilombola, embora pareçam à mesma coisa
no sentido curricular, de prática pedagógica e outros, são bem diferentes, quando se trata
28
de especificidades e diversidades culturais, econômicas e sociais. De modo geral a
educação de campo tem um direcionamento de estudos e diretrizes comuns a todos os
espaços rurais, já a educação quilombola por si, é uma questão diferenciada por tratar de
situações histórias, culturais e econômicas bem acentuadas. O educador no espaço
quilombola deve reconhecer-se em um espaço do qual necessita reconstruir o currículo de
ensino e sua prática, fazendo possível um diálogo entre conhecimento sistemático,
saberes locais, cultura, historicidade e produção econômica. Há, portanto, que se pensar
em como tornar a escola parte significante da vida dos educandos, para que não ocorra
tanta evasão escolar.
Esse caminho é o que parece possibilitar uma educação igualitária, uma
educação social, com condições de garantir valores, pluralidade de ideias/pensamentos e
alteridade, garantindo a ampliação dos espaços educativos, não é ampliação do
espaço/prédio escolar, é a ampliação dos espaços de promoção da igualdade de
oportunidades, participação e exercício da autonomia.
É nesse debate de possíveis ações a serem feitas para a garantia de uma
educação de igualdade, que se abrem as perspectivas da discussão de como educar a
partir dos letramentos, em todos os níveis da educação, sabemos que letramento esta além
da escola. Porém, a escola ainda é a principal meio de promoção dos letramentos.
Procuraremos então desta a partir dessa discussão fazer um esboço de como
pode ser trabalhado letramento nos ambientes educativos formais, seja No ou Do campo,
em comunidades tradicionais (quilombola) na cidade e nas universidades. Como trabalhar
letramento, em cada nível de ensino; fundamental, médio e superior? Vejamos:
Em ensino fundamental e médio, os sujeitos estão em um processo de
construção de princípios e valores, pessoal e social, esses princípios e valores tende-se a
dialogar, pois estes estarão presentes em todos os níveis de ensino e em todas as ações
promovida ou desenvolvida pela a escola. Este é um espaço onde os sujeitos colocam em
exercícios os conhecimentos mútuos, o respeito, a dignidade, e a ética. Aprendem e
exercita cidadania e democracia É neste espaço que a diversidade social está em
evidencia, ou seja, o conjunto de diferenças e valores compartilhado pelos os sujeitos
individualmente e socialmente estarão expostos a todos, cabe a cada um compreender que
é na diversidade que se faz um cidadão, para que ao invés de um espaço que se propõe a
promover a igualdade, não seja a mesmos que cause desigualdades.
29
No ensino superior os letramentos se manifestam em todas as áreas do
conhecimento, permeados de habilidades e de conhecimentos já adquiridos mediante
ensino anteriores, este letramento vai para além das dimensões locais. Orientam-se pelas
teorias de conhecimento que parte de uma realidade ou de um fato, seja ele histórico ou
atual, sua abrangência se dá por meio da produção de conhecimento de uma área e as
condições de analise que esta área oferece. Condições estas, de ser analisada, discutida,
assumida, trabalhada e obtida. Isto é letramento transformado em ensino e como área de
pesquisa. A produção desse conhecimento por meio dos letramentos é uma produção com
mecanismos sociais reais e com participação da comunidade nas atividades e nos espaços
de ensino superior.
O ensino superior contribui significativamente para compreensão de como os
letramentos circula na sociedade, conceito como este caminha ao passo da necessidade
atual, exigindo práticas e técnicas voltadas para as questões sociais da comunidade.
Produções de conhecimentos científicos por meio das diversas áreas de conhecimentos:
artísticos, tecnológicos, filosóficos dentre outros acessivo na e para comunidade com
ações conduzidas pela pesquisa e técnicas pedagógicas. Pautadas nos princípios da
sociolinguística para se desenvolver um conjunto ações de analise que possam servir de
forma transversal interdisciplinar em todos os níveis de ensino, como é o caso dos
letramentos.
As técnicas pedagógicas podem aliar: leitura; fichamento; interações
grupais; seminários; grupos de estudos; seminários de pesquisa;
projetos de responsabilidade social; construção de casos discussões de
pesquisa; interação social; desenvolvimento de inserções comunitárias;
leitura de textos; discussões, seminários; filmes; debates plurais;
produção do conhecimento orientado; representações; discussões cases;
simulações; teatralizações; pesquisa em websites. (SILVERIA, 2007, P.
324).
O letramento é o ato de produzir e desenvolver práticas sociais através da leitura
e da escrita, compreender e decifrar os códigos, linguístico em circulação, relacionar,
tanto com pessoas letradas, quanto com pessoas não letradas, ou seja, através de todo o
contexto escolar esta produzindo letramento- a diversidade de práticas sociais que circula
neste espaço e fora dele, é a garantia de uma formação intelectual.
O educando, sobretudo precisa sentir-se tocado em diversas dimensões
e de diversas formas, assim como ter despertados os próprios sentidos á
percepção do real é que permite recuperar a possibilidade de
30
aproximação da prática educativa, numa correção de rumos, em direção
á conquista da subjetividade autônoma (SILVERIA, 2007.P.324).
Dessa forma, podemos compreender letramento, como prática social, geradora
de um produto de conhecimento, mas que exige o envolvimento dos que desempenham
essa função da produção, tanto os sujeitos envolvidos, os espaços de ensino, quanto á
comunidade. Sendo assim letramento acontece nas relações cotidianas e por meio delas.
Neste sentido afirma Silveira, (2007):
Por isso, as técnicas pedagógicas devem se orientar no sentido de uma
geral recuperação da capacidade de sentir e pensar. Isto implica uma
prática pedagógica capaz de penetrar pelos os sentidos, e , que portanto
deve espelhar a capacidade de tocar os sentidos nãos dimensões do ver
(uso do filme, da imagem, da foto na prática pedagógica) do fazer
(tornar o aluno produtor, capaz de reagir na prática pedagógica) do
sentir (vivenciar situações em que se imagina protagonista ou vitima da
historia) do falar (interação que aproxima a importância de sua opinião)
do ouvir (palavras, musica, sons, ruídos, efeitos sonoros, que
repercutem na ênfase de uma informação, de uma analise, de um
momento, de uma situação). (SILVERIA, 2007, p.323)
Para tanto, essa lógica começa a concretizar na comunidade a partir da formação
de professores no Curso de Educação do Campo e vem sendo possível devido às lutas dos
movimentos sociais em prol de uma educação de qualidade inclusiva e de identidade, do
e para o povo do campo, constitui-se o curso de Licenciatura em Educação do Campo.
Uma nova forma de educar e formar cidadãos capazes de pensar, agir, e socializar,
transformando-se em sujeitos da construção da política social, cabendo ao povo do campo
à capacidade de acumular experiências e avançar na construção de uma sociedade justa e
igualitária.
A Educação do Campo surgiu mediante as lutas dos movimentos sociais,
promovidas pelos povos do campo, pois o plano de educação vinha de fora do Brasil com
suas bases formuladas para atender ao contexto de povos de outros países, e desse modo
priorizava os interesses do capital em formar trabalhadores para atender as necessidades
do mercado de trabalho.
De acordo com Molina e Tafareu a caracterização da Educação do campo se dá
―na disputa travada em defesa da Educação do Campo, que diz respeito aos interesses da
classe trabalhadora organizada no campo, e contra os interesses do agronegócio, gerido
pelo capital nacional e internacional‖ (MOLINA & TAFAREU, 2012, p.575).
31
Com isso, para superação do modelo de política educacional capitalista surgem
os movimentos sociais do campo na disputa pela elaboração de políticas públicas
diferenciadas na forma e no conteúdo, formuladas com a participação dos sujeitos
interessados nesse processo, de modo que essas políticas públicas atendam às
necessidades dos povos do campo e sejam voltadas para garantia dos seus direitos,
inclusive o direito a educação.
Em cada período histórico, de acordo com o modo de produção e reprodução
da vida, configurou-se o poder entre classes sociais, e configuraram-se os
planos educacionais. Isto pode ser constatado, na história da humanidade, por
exemplo, no período comunal, na organização das tribos; no período
escravocrata, na dominação dos mais belicosos sobre as propriedades, os bens
e os seres humanos; no período feudal, na dominação dos senhores feudais –
com seus exércitos, feudos e servos – sobre outros senhores, propriedades e
servos; e no período capitalista, na organização do Estado moderno, com seus
poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – estruturados de acordo com a
correlação de forças existente (MOLINA; TAFAREU, 2012, p.573).
Algumas políticas públicas foram importantes para a materialização da
educação do campo em luta contra o poder hegemônico, ao passo que orientam as ações
formativas nos cursos, com perspectivas crítica para a educação que se pretende construir
voltada para o sujeito e a sociedade. Das políticas conquistadas as mais importantes
foram: ―Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Residência
Agrária, Licenciatura em Educação do Campo [...]‖ (MOLINA; TAFAREU, 2012,
p.575).
A Lei 10.639 de 2003 torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira em seu artigo 26 estabelece que:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1 O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas
de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL,
2003, p.1).
Ressalta-se que a educação pretendida pelos órgãos de educação não se adequa a
escola do campo por não atender às expectativas, necessidades e interesses dos seus
32
sujeitos do campo. Sendo assim a escola ideal seria como a proposta por Freire de uma
educação humanizadora, por meio da qual alunos e professores relacionam-se em uma
interação educativa e formativa, sendo essa a forma de currículo pretendida e ideal para
as escolas do campo aonde se pressupõe de maneira interdisciplinar o trabalho e a
pesquisa como princípio educativo, incorporado à realidade e aos conteúdos pedagógicos.
A partir das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do
Campo. Resolução CNE/CEB n° 1/2002. Procura-se analisar a identidade das Escolas do
Campo, a responsabilidade do poder público, o Projeto das Escolas do Campo, bem como
a gestão democrática das Escolas do Campo.
Segundo essas mesmas diretrizes a identidade das Escolas do Campo consiste
em vincular as especificidades dos alunos em relação a sua realidade vivenciada, seus
saberes com a ciência, suas lutas nos movimentos sociais como mecanismo de aquisição
de direitos coletivo e a tecnologia para melhorar a qualidade de vida da população
brasileira, conforme exposto na citação seguinte:
Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que
sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas
por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL, 2002).
Ainda conforme as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas
do Campo, entende-se que a responsabilidade do poder público consiste em garantir a
universalização do acesso à educação básica e profissional de nível técnico a população
do campo, tendo em vista que a educação escolar se faz crucial para o exercício da
cidadania, e para o desenvolvimento do país que possui como padrão a justiça social, a
solidariedade e o diálogo entre sua população independente desses sujeitos habitarem o
campo ou a cidade, como se pode notar na citação que se segue:
Art. 3º O Poder Público, considerando a magnitude da importância da educação
escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de um
país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o
diálogo entre todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais,
deverá garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação
Básica e à Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL, 2002).
Embasando-se no Art. 4° das Diretrizes Operacionais anteriormente citadas
ressalta-se que o projeto das escolas do campo pauta-se no trabalho de diversos setores
que lutam em prol da universalização educação escolar que possua qualidade social, para
33
tanto se contará com um espaço público que investigue e articule as experiências para o
trabalho de maneira a desenvolver a criticidade diante da sociedade de forma econômica
equivalente a forma justa e de maneira ecologicamente sustentável.
No artigo 13 das Diretrizes Operacionais em questão ressalta-se sobre a
organização e valorização das propostas pedagógicas relacionadas ao campo, de modo a
interagir e respeitar as transformações, de maneira ética com objetivo de promover
convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas e consequentemente
melhoria nas condições de vida com base no acesso ao avanço científico e tecnológico.
A Gestão democrática das Escolas do Campo de acordo com as Diretrizes
Operacionais em seu Art. 10 conforme estabelecido no artigo 14 da Lei de Diretrizes e
Bases está relacionada à garantia de gestão democrática e construção de mecanismos que
intermediam ―as relações entre a escola, a comunidade local, os movimentos sociais, os
órgãos normativos do sistema de ensino e os demais setores da sociedade‖ (BRASIL,
2002).
No Art. 11 das Diretrizes estão dispostos mecanismos de gestão democrática
com perspectivas pautadas no exercício do poder da constituição federal de 1988, visando
a ―autonomia das escolas e o fortalecimento dos conselhos que propugnam por um
projeto de desenvolvimento que torne possível à população do campo viver com
dignidade‖ (BRASIL, 2002). Bem como para uma abordagem solidária e coletiva em
relação à problemática sofrida pelos povos do campo, de modo a estimular sua
participação nas instituições de ensino no processo de elaboração, avaliação e
desenvolvimento das propostas pedagógicas.
Essa experiência exige do educador da Licenciatura e Educação do Campo,
quanto do educando dessa licenciatura uma metodologia interdisciplinar, capaz de
identificar as contradições presentes na política de gestão territorial, bem como nas
praticas dos sujeitos individual e coletivo desta construção, de forma que traga
contribuições através de novas intervenções na perspectiva da superação dos limites e
fortalecimento do povo do campo, na gestão social do território com construção coletiva.
Sendo assim, essa perspectiva voltada para a compreensão do docente a partir de
sua função na instituição, não deve se restringir meramente a sua prática ou seu esforço
individual, deve-se levar em consideração o ambiente de ensino, o material didático, a
matriz curricular, os conteúdos, os estudos teóricos desenvolvido neste meio, enfim todo
o contexto escolar, de forma a não centralizar a responsabilidade da qualidade do ensino
34
ao professor, mas na complexidade e na interação de todos os elementos envolvidos a
qual se configura a instituição de ensino.
Devemos entender a escola como espaço social, sua configuração é de caráter
formativo, com diferentes sujeitos, diferentes funções, um só objetivo, que é o de
promover letramento e dele fazer parte, tendo como referencia as práticas sociais que
caracteriza esse ambiente e não meramente um ou outro elemento isolado de sua
configuração.
1.3.2 - A proposta de letramentos múltiplos para a Educação Escolar Quilombola
Talvez temendo entrar na toca dos leões
Eu esconda a coragem nos retalhos
Coloridos da vida (Esmeralda ribeiro, fragmento do poema trocar de máscara).
Assim, como fenômeno social, o letramento está presente na vida. As
pessoas estão cercadas de informações escritas por onde quer que
passem, seja nas ruas, em casa, nos mercados, na escola, nos ônibus e
em muitos outros ambientes, e o letramento se faz necessário para a
compreensão desse universo, além de possibilitar uma atuação com
mais autonomia diante dele. É extremamente necessário que a escola
trabalhe de forma satisfatória a apropriação da língua oral e escrita, pois
é através desses saberes que os indivíduos podem se comunicar, tiver
acesso às informações que circulam numa sociedade grafocêntrica como
a atual, ser críticos, defender seus pontos de vista, produzir saberes etc.
(LEITE e BOTELHO, 2011 - p5.)
No contexto da educação quilombola, valorizar as pluralidades significa
valorizar o educando, dar a ele o sentido real de estudar. Tudo que envolve o cotidiano
Kalunga, requer atenção especial, pois se trata de múltiplas linguagens, expressões que
vão desde os variados sons da natureza, como a arte da vida humana, a saber: gestos,
falas, cantos, cantigas, rezas, benzimentos, o barulho das ferramentas, o cantarolar das
mulheres, entre outras.
Dai que excluir toda esta pluralidade, é tornar a escola um espaço vazio, é como
se o educador exigisse que cada um esquecesse-se de si, de tudo que envolve sua vida
fora da escola. Significar a educação, é antes de tudo, torna-la parte das vidas nela
existente, ou seja, útil na vida social, cultural e econômica.
E se a vida é uma colcha de retalhos, no tratar das questões de educação
quilombola, retirar de um educando um pedaço dessa colcha, pode atribuir-lhe frio, pois
foi aberto um buraco. Assim sendo, muitos educandos quilombolas abandonam as escolas
em busca de completar sua colcha de retalhos, rasgadas pelo ensino de conhecimentos
considerando um currículo não feito a sua ideia e necessidade de vida.
35
Logo, várias são as possibilidades e maneiras de realização de
determinadas práticas de letramentos e podem variar de acordo com
tempo, com o espaço, com a cultura etc. Assim, uma mesma prática de
letramento pode variar dependendo de como, onde, e de quem a está
realizando. Por exemplo, a leitura de um jornal, que para um
determinado sujeito pode servir como uma maneira de se informar sobre
os acontecimentos da sociedade, sobre política, cultura etc.; para outro,
pode ser apenas para folhear e chegar à página que anuncia as vagas de
emprego, cuja leitura é realizada ainda com muita dificuldade. Então,
são as mesmas práticas de letramento, mas que se apresentam de
maneiras e com objetivos diferentes. (LEITE e BOTELHO, 2011-p.14)
Diante desse pressuposto, percebe-se a extrema necessidade de reconstruir o
currículo de ensino não só enquanto documento, mas enquanto propostas de ensino
construída nas reais necessidades de um grupo social, ou seja, com participação daqueles
a quem se destina tais conhecimentos, considerando assim alguns pilares importantes:
―Obrigatoriedade‖ sistemática (conteúdos obrigatórios)
Contextualização (conteúdos obrigatórios mais saberes locais)
Prática significante (educando sentindo-se parte da escola)
Transformação social, cultural e econômica na comunidade. (mudanças de
atitudes positivas, ações coletivas e solidárias, reconhecimento das necessidades dos
alunos, buscando soluções, valorização dos saberes locais, entre outros)
É importante ressaltar que a proposta não é descartar conhecimentos externos, é
torna-los parte dos saberes comunitários, desse modo, dialogar uns com os outros. O que
se propõe enquanto trabalho pedagógico com letramentos múltiplos é descobrir o que de
melhor fluíra a compreensão dos saberes que envolvem o tema, para isso é necessário
diagnóstico, pesquisas e estudos, reconhecimentos da comunidade escolar e suas
especificidades.
Portanto o letramento pretende promover eventos que favoreçam a aquisição de
informações cabíveis ao registro de histórias narradas pelos moradores anciãos da
comunidade. A fim de obter o máximo de informações pertinentes ao registro e desse
modo evitar a consequente perda de identidade cultural e valorização da mesma.
36
CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA
2.1 - Instrumento e procedimentos para a coleta de dados
Quanto mais complexas se tornam as relações entre educação,
conhecimento e cotidiano escolar; cultura escolar e processos
educativos; escola e organização do trabalho docente, mais o campo da
é desafiado a compreender e apresentar alternativas para a formação dos
seus profissionais. (Nina Lino Gomes; Petronilha B. Gonçalves e silva,
2006)
37
O objetivo deste capítulo é abordar a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico.
Nele registramos as perguntas exploratórias, os objetivos: geral e especifico, descrevemos
os procedimentos utilizados para realização desta pesquisa. Contextualizando o objeto de
estudo, a comunidade Tinguizal está localizada na chapada dos Veadeiros, município de
Monte Alegre de Goiás á 70 km, sendo 35 de asfalto 35 de estrada de chão batido.
Durante muito tempo não havia estrada de acesso para as comunidades Kalunga de
Monte Alegre de Goiás, havia apenas trilhas para passar á cavalo ou a pé. Somente em
1997 foi aberta a estrada atual para passagem de carros.
Figura 1 - (A árvore nativa Tingui conhecido como timbó, segundo entrevistados é a
árvore que inspirou o nome da comunidade, seus frutos servem para fabricar sabão e a madeira
serve como lenha, (Anita Pereira).– autoria própria)
As características da pesquisa envolvem os aspectos de metodologia qualitativa
de natureza etnográfica, desse modo, este projeto de pesquisa percorre os caminhos e
trilhas da investigação qualitativa de natureza etnográfica, visto que esse trabalho é todo
de observação, registro e interpretação dos dados. Segundo Creswell (2010) a pesquisa
qualitativa consiste em preparação conceitual que permite ao pesquisador atuar em campo
e vivencie as experiências e situações problemas pesquisadas por ele. Sendo assim o
processo investigatório e interpretativo e a coleta de dados ocorrem no local onde
acontecem os fenômenos pesquisados. Para esse mesmo autor,
38
A pesquisa qualitativa e uma forma de investigação interpretativa em
que os pesquisadores fazem uma interpretação do que enxergam, ouvem
e entendem. Suas interpretações não podem ser separadas de suas
origens, história, contextos e entendimentos anteriores (CRESWELL,
2010, p. 63).
De acordo com ARAUJO (2010) a pesquisa qualitativa não é um processo
neutro, mas uma construção a partir do olhar socialmente construído do pesquisador,
sobre isso ela diz que assumir isso implica a reconhecer a impossibilidade de pesquisas
imparciais e apagadas das influencias de quem pesquisa. A forma como analisamos a
realidade esta intrinsecamente associada aos valores que possuímos e ao modo como
analisamos as relações sociais postas no trabalho do pesquisador e em nossa vivencia de
ser social e político.
A pesquisa etnográfica, utilizada por esse trabalho, segundo Gil (2010) possui
origem na antropologia, a qual descreve tradicionalmente as características de uma
determinada cultura baseando-se em informações coletadas em campo, conforme se pode
confirmar na citação seguinte:
A pesquisa etnográfica tem origem na Antropologia, sendo utilizada
tradicionalmente para a descrição dos elementos de uma cultura
especifica tais como comportamentos, crenças e valores, baseadas em
informações coletadas mediante trabalho de campo. Foi utilizada
originalmente para a descrição das sociedades sem escrita (GIL, 2010 p.
40).
Segundo Sousa (2006) o termo etnografia é formado por dois radicais oriundos
do grego antigo: ethno e graphos. O primeiro significa ‗os outros‘ e o segundo denota
‗escrita‘, ‗descrição e registro‘. Desse modo, a escolha da pesquisa etnográfica corrobora
para o objetivo desse trabalho em analisar, compreender e contribuir com o processo
educativo em termos de letramento, bem como a preservação do conhecimento cultural
da comunidade.
Os procedimentos adotados para esse trabalho estão fundamentados nas teorias
de ARAUJO (2016); Gil (2010) ;SOUSA (2006) e Triviños, (1987). Para Gil a pesquisa
etnográfica consiste em coletar informações de pessoas pesquisadas em seu local de
origem, através de procedimentos como a entrevista, observação participante e pesquisa
aprofundada.
Na observação participante o pesquisador participa da pesquisa em todas as
etapas, nesse sentido a escolha da pesquisa etnográfica contribui com essa pesquisa à
39
medida que possibilita a participação direta do pesquisador no fenômeno estudado, ou
seja, na comunidade estudada havendo a possibilidade de entrevistas, observação,
descrição e detalhamento das peculiaridades pertencentes a essa pesquisa.
Desse modo leva a crê que mesmo que o pesquisador já tenha uma previa dos
resultados da pesquisa ele não poderá levar em consideração a sua opinião, mas dos
sujeitos entrevistados e de todo contextos a qual este sujeito se faz presente. Para tanto
Triviños, 1987 salienta a importância de entender a pesquisa qualitativa de natureza
etnográfica em geral como ―estudo da cultura‖.
Sendo assim todos os processos que envolvem oralidade, leitura e escrita em
comunidades tradicionais percorrem caminhos múltiplos e não pode ser feito ignorando
as dimensões que envolvem práticas sociais de construção do conhecimento. Assim os
contextos que envolvem oralidade, leitura e escrita são diversos, e esses letramentos se
constroem em campos diversificados, seja em instituição escolar ou nos meios sociais
como: família, igreja, recreações, momentos culturais, no dia a dia, enfim em todos os
espaços de relações sociais.
O sujeito da pesquisa deve ser considerado de suma importância, desse modo,
investigar processo de letramentos na multimodalidade discursiva de comunidades
tradicionais implica que sejam levantados elementos que possam corrobora com a
investigação para que a mesma seja efetivada.
As pessoas pesquisadas residem e descendem das comunidades Tinguizal,
Riachão, Sicuri, Areia, Saco grande situadas no município de Monte Alegre de Goiás e
Vão de Almas, situado no município de Cavalcante. Pelo fato da pesquisadora ser
graduanda do curso de Educação do Campo, moradora e descendente de povos africanos,
quilombola de Monte Alegre de Goiás possui conhecimentos significativos acerca da
temática tratada nesse trabalho. Foram entrevistados 6 pessoas mais velha da comunidade
Tinguizal, com idade entre 35 e 70 anos, de ambos os sexos; 4 alunos desistente da escola
e 2 professora da comunidade. Foram aplicados questionários alunos egressos da
LEDOC, com finalidade de analisar as contribuições, expectativas, benefícios referentes
ao curso em relação às comunidades, a sociedade e mesmo em âmbito pessoal.
Para fundamenta-la foram aplicados questionários e entrevista aos alunos egresso
da LEDOC, aos educandos desistentes e ainda há alguns moradores dessa comunidade.
As observações foram feitas na Escola Municipal Tinguizal (de maneira informal) e na
40
comunidade; realizou-se roda de conversa, orientada, norteada e devidamente anotada
pelo pesquisador.
As entrevistas foram feitas com diversos grupos, também foi realizada de maneira
individualizada com a finalidade de evitar interferência nas respostas.
Os questionários foram aplicados para alguns alunos da LEDOC. A aplicação dos
questionários visa à obtenção de respostas que promovam informação sobre o
conhecimento acerca do curso de Educação do Campo com as especificidades proposta
por essa pesquisa.
Utilizou-se o sistema de amostra proposto por Creswell (2010), para se
desenvolver as atividades de pesquisa, observações e questionários, para tanto elaborou-
se previamente roteiros.
Algumas pessoas da comunidade que foram entrevistadas em sua maioria não
possuem um grau de escolaridade elevado, ou nenhuma formação, os mais velhos por não
terem oportunidade de estudar devido à falta de escola quando jovens; entrevistou-se
alguns alunos egressos da LEDOC, esses saíram da comunidade mesmo enfrentando
dificuldades foram estudar na capital do país Brasília-DF com o sonho de se formar e um
dia poder retornar a sua comunidade como professores capacitados a desempenhar sua
função de forma mais justa e igualitária, de forma que todos sejam capazes de nortear sua
própria vida, fazendo suas próprias escolhas de maneira crítica e autônoma.
Ressalta-se, portanto, que esses sujeitos pesquisados como citados anteriormente
fazem parte da história da comunidade Kalunga por ser originários de descendentes de
pessoas que foram escravizadas, e ainda por estar ligada a terra através da sua
ancestralidade, bem como pelo motivo da promoção à subsistência, de saberes
tradicionais; por cultivarem seus alimentos, por suas crenças e pela cultura local.
A princípio as observações ocorreram na comunidade Tinguizal, mais
precisamente nas casas e na Escola dessa comunidade; as famílias migraram para essa
região em busca de terras férteis para o plantio de alimentos e com o passar dos anos
muitos foram se instalando, construindo casas e permanecendo nessa região.
As observações feitas em sala de aula consistem em analisar as praticas de
letramentos escolares e a forma de repassar os mesmos aos educandos, procurou-se
encontrar nos conteúdos e nas praticas escolar, a interação das praticas de letramentos
escolar que possuam temáticas de conhecimento interacional próprios da comunidade,
41
voltadas para a valorização da cultura enquanto prática social desse povo construído
desde a época do surgimento do quilombo.
A partir dessas observações feitas objetivava-se promover uma reflexão acerca
dos conhecimentos na comunidade referente ao letramento histórico-cultural, quais as
suas características, aonde ele ocorre e sua importância para a valorização da cultura e
dos conhecimentos desse povo nesse contexto, enquanto fator crucial para evitar a perda
de identidade cultural e consequentemente para o seu fortalecimento e fortalecimento das
relações sociais dentro e fora da comunidade.
As pessoas mais idosas da comunidade conhecem muitas rezas, benzimentos,
remédios caseiros, cantos, ritos, poesias, musicas; dançam sussa e descrevem alguns
costumes de seus antepassados. Sendo assim, através da pesquisa obteve-se muitas
informações acerca das práticas sociais de letramentos que circulam na comunidade, aos
quais no decorrer desse trabalho estaremos chamando de letramentos híbridos (rezas,
benzimentos, cantigas, cânticos, prosa, poesia, entre outros), ou seja letramentos que
fazem uso da multimodalidade discursiva através do uso da linguagem verbal e não
verbal (oralidade e letramento) por meios das práticas sociais realizados na comunidade
nos espaços de convivências familiares, nos festejos religiosos, nos momentos de cura de
doenças através dos benzimentos, nas atividades lúdicas e culturais (festas, danças,
musicas, poesias entre outros) e na escola Municipal Tinguizal. Notou-se que algumas
festividades e crenças estão se perdendo pelo advento do processo de escolarização, de
novas tecnologias e até mesmo com a introdução de outras culturas na comunidade.
O objetivo dessa observação consiste em promover melhor entendimento para
fundamentar melhor essa pesquisa.
Entrevistados:
Anita Pereira da Silva, fazenda Vão de Almas, município de Cavalcante, GO;
Brasilina Do Santo Rosa, Riachão, fazenda Vão de Almas município de Cavalcante 67
anos;
Loriana Pereira de Aquino,fazenda Vão de Almas município de Cavalcante;67 anos
Joaquim Pereira da Silva, 43 anos na fazenda Parida Vão de Almas município de
Cavalcante.
José da Silva Santos, 53 anos,
42
Ozaldo Pereira da Silva, 49 anos na fazenda Parida Vão de Almas município de
Cavalcante.
Professores aos quais serão apresentados nas entrevistas por Maria e Tereza, em respeito
à decisão de não serem identificados nas entrevistas
Dentro desse mesmo processo estarão os 4 educando desistentes, que serão identificado
por educando 1, 2, 3 e 4
O processo de desenvolvimento da pesquisa ocorreu em sua primeira instância
com a observação na comunidade e em sala de aula, depois entrevistas em forma de
diálogos aos moradores da comunidade e educando desistente e posterior com a aplicação
de questionários específicos para os professores, em especial ao egresso da LEDOC.
O questionário seguiu o sistema de amostra proposto por Creswell (2010) o qual
possui como finalidade analisar as competências e faculdades dos alunos egressos da
LEDOC em desempenhar de foram efetivas a função de professor de alunos das escolas
do campo.
Procurou-se nesse estudo as vozes e experiências desse povo a partir de um
enfoque teórico-metodológico dos letramentos, que além de trabalhar com o conceito de
leitura e escrita, neste trabalho o mesmo trabalhará com memórias, narrativas e práticas
sociais de conhecimentos (letramentos diferenciados), a escolha metodológica se deu por
meio das características da pesquisa qualitativa de natureza etnográfica, da memória e da
história oral dos moradores da fazenda Tinguizal.
Procedeu-se uma análise de como os letramentos, seja eles os próprios da
comunidade ou o escolar estão se dialogando na construção do conhecimento das novas
gerações Kalunga a partir do registro de narrativas por meio de entrevista/diálogos,
utilizando um roteiro semiestruturado de questões.
A importância dos ―saberes e fazeres‖ desse povo a partir dos conhecimentos em
produzir seu próprio alimento, suas crenças, costumes, valores, criação da comunidade e
preservação da cultura, esses foram os assuntos revelados nas entrevistas enquanto pontos
principais de praticas de letramentos da comunidade Tinguizal a serem investigados e
valorizados neste trabalho (neste letramento acadêmico).
2.2 - Instrumento e procedimentos para geração de dados
43
Os instrumentos utilizados para a geração de dados foram: gravador,
questionários, observações e entrevista oral, O primeiro processo para a coleta dos dados
foi definir quais seriam os entrevistados, e como seria elaborada essa entrevista de acordo
com o entendimento de cada um. Considerando o tema de estudo multimodalidade
discursiva: oralidade e letramento em uma perspectiva de inclusão social do povo
Kalunga.
O interesse pessoal por esses grupos justificou-se porque muito pertencem ao
tempo em que não existia nenhum tipo de saneamento básico e nem escola formal na
comunidade; e ainda porque vivenciaram os vários contextos da história da região e
experimentaram mudanças no seu modo de vida. A experiência de vida no lugar os
presenteou com o conhecimento da terra e da comunidade. Quanto aos professores e
educando desistente da escola, esse grupo foi inserido a pesquisa, pois na comunidade
muitos deles conhecem a realidade local e vivenciaram junto com os seus pais as
mudanças que o local sofreu. Muitos deles não conseguem mais sobreviver apenas do que
a comunidade tem a oferecer sendo assim esse fato se deve as mudanças, como: as novas
tecnologias, miscigenação, e novos saberes, novas formas de transmissão do
conhecimento novos letramentos.
Os procedimentos de pesquisa seguiram encaminhamentos como:
Verificar na comunidade eventos históricos de letramentos em sua prática e nos
relatos de vidas dos sujeitos pesquisado mediante observação que me permitam responder
as questões levantadas no percurso desse trabalho. Sendo assim o primeiro critério
adotado foi entrevistar os moradores mais velhos da comunidade que nasceram ou que
escolheram a região para se fixar, esses povos migravam para essa região em busca de
terras extensas favoráveis ao cultivo de alimento; condições favoráveis de clima e
ecossistema. Esses povos são reconhecidos como descendentes de pessoas que foram
escravizados, benzedores, parteiras, rezadores, professores e proprietários da terra onde
vivem.
O segundo passo foi elaborar o roteiro de entrevista, esse roteiro essencial para
guiar os passos em torno do problema de pesquisa, embora reconheçam que as diferentes
experiências trazidas pelos entrevistados e expresso em seus relatos são considerados
como informações importantes a serem explorados no trabalho com oralidade e
letramentos e com a caracterização da comunidade e do curso Licenciatura em Educação
do Campo.
44
No roteiro foram incorporadas histórias de vida como procedimento essencial
em cada entrevista, elas trazem experiências passadas de cada narrador interligando com
as experiências do presente, a partir de onde eles acionam sua memória e através do
processo de ―reememorização‖. Nesse sentido, os procedimentos adotados foram os
mesmos para todos os objetos de acordo com suas especificidades:
As observações: foram feitas na comunidade e na escola, buscando compreender
os elementos semióticos que impulsionam os eventos de letramento, bem como
compreender a construção dos signos, significante e significados enquanto bases
históricas de contribuição desses elementos para os letramentos escolares
As entrevistas: foram feitas no intuito de descobrir se a comunidade se
reconhece enquanto sujeitos portadores e produtores de letramentos, e como são visto no
meio escolar.
A pesquisa na comunidade buscou identificar os letramentos historicamente
construídos na comunidade através da multimodalidade discursiva oral, e como esses
sujeitos estariam produzindo letramentos na comunidade, mesmo muitos deles não
sabendo nem ler, nem escrever, como então estariam participando de praticas de
letramentos (leitura e escritas) estes anseios estarão sendo dialogado em todo decorrer do
trabalho. Ao se tratar da comunidade dá se a entender que são práticas desenvolvidas nos
âmbitos culturais e familiares.
A pesquisa no âmbito escolar: foi uma pesquisa de identificação do espaço,
verificação do PPP se condiz com a realidade da comunidade, enquanto promotora de
letramentos, foram também observado a evasão de alunos na idade entre 14 e 18 anos,
principalmente do sexo masculino, neste sentido as observações foram feitas a fim de
identificar como os letramentos poderiam ajudar reverter esse aspecto negativo
historicamente construído na escola, e ver por meio destas observações se há
possibilidades de reverter essa situação. Quais os motivos? E como isso acontece e
porque acontece?. Estas perguntas serão respondidas na análise de dados
Foco da pesquisa na escola: contexto escolar, 2 professoras, sendo uma dos anos
iniciais do ensino fundamental e a outra dos anos finais do ensino fundamental. Quanto
aos alunos desistentes foram 4 somente este ano, sendo três homens e uma mulher, estes
fatos serão relatados nas análise de dados.
45
CAPÍTULO III - ANÁLISE DE DADOS
Vamos fazer farinha, precisamos dela para fazer o pirão,
É hora de arrancar a mandioca, descascar, lavar, e ralar
Pega a massa, põe no tapiti, leva pra gangorra, põe pra secar
Pega a peneira, sessa a massa, é hora de torrar
Põe lenha no forno, para esquentar, mas não põe muita
A farinha pode sapeca, pega a coteiba, mexe pra não embolar
É hora de mexer com o rodo, não da mais com a coiteba,
Prepara a peneira, é hora de tirar o caroço, a farinha tá quase pronta,
Está no ponto, vamos ensacar, põe o beiju no forno, esse não pode
faltar. (Autoria própria)
46
Esse capítulo apresenta a análise dos dados gerados referentes à pesquisa realizada
no Tinguizal, comunidade quilombola Kalunga situada em Monte Alegre de Goiás.
Esta pesquisa Investiga e analisa: Oralidade e Letramento em uma perspectiva de
inclusão social do Povo Kalunga, da comunidade Tinguizal, com o objetivo de identificar
os fatores lingüísticos histórico que influenciam e influenciaram a comunidade para
melhor ampliar essa pesquisa, para que futuramente possa contribuir com o material de
auxílio para os professores em suas práticas pedagógicas.
3.1 - Saberes e fazeres do povo Kalunga: uma pratica de letramento social
diferenciada
Deu-se um passo em frente e creio que continuaremos a marchar ao
encontro dos nossos povos, das nossas culturas, que devidamente
valorizadas pelas mãos dos seus intelectuais servirão de mais um
elemento válido na diversidade do mundo que contribuirá para a
harmonia dos homens e sua maior felicidade [...] Cantar com nossa voz
é indispensável para a harmonia do mundo. Cabe aos artistas
encontrar as formas adequadas ao nosso. (Agostinho Neto Lisboa,
Casa dos Estudantes do Império, 18 de novembro de 1959).
Afirmar que existe uma prática de letramento social diferenciada no seio dos
saberes e dos fazeres do povo Kalunga, torna-se uma tarefa árdua, pois isso exige uma
reflexão, valorização e busca de reconhecimento dos elementos que compõem essa
afirmação. Em primeiro lugar é necessário reconhecer que, quando se trata de
―letramentos múltiplos‖, no âmbito deste trabalho, não tratamos apenas do que se
convencionou entender e aceitar como letramento, mas avançar no sentido de considerar
muitas outras formas de comunicação praticadas pelo grupo de falantes envolvidos.
Cada estudo contribui para o conhecimento de modos como as práticas
de letramento fazem parte de um amplo processo social, focalizando
como o letramento é posicionado nas praticas sociais, nas relações
institucionais de poder que as sustentam. Cada pesquisa concentra-se na
exploração do significado que expande o conhecimento do letramento.
Isso é feito na conexão entre dados empíricos e teoria social, o que
mostra a amplitude da concepção de letramento e sua utilização em
diferentes esferas sociais. Isto é, focaliza o uso da leitura e da escrita em
diferentes contextos (SOUSA, 2006, p.34)
47
Especialmente relacionados aos saberes e fazeres de um povo com endereço e
identidade próprios, neste o caso o povo Kalunga, há que se revisitar alguns aspectos
históricos e antropológicos da trajetória deste povo. Com os pés fincados no Estado de
Goiás, especificamente em sua região nordeste, ―os Kalunga‖, como são chamados, são
povos ―africanos de nações e grupos étnicos diversos [que] foram pressionados a
esquecer da língua pátria, a religião, enfim, sua cultura de origem e identidade‖.
(BAIOCCHI, 2013, p. 37).
A constatação dessa pesquisadora, que é antropóloga, nos dá uma ideia da
dimensão dos desafios enfrentados por essa comunidade, quando o assunto tratado for à
identificação e a valorização dos ―letramentos múltiplos‖, aqui proposta. Baiocchi (2013)
mergulha nas entranhas desse povo, na década de 1980 e identifica diversos fatores que
lhes são desfavoráveis enquanto componentes históricos da formação do povo goiano. No
campo do que propomos considerar como ―letramentos‖, ela afirma, com fundamento em
Morgan, (1973):
Os Kalunga não conheciam a escrita, considerada como símbolo da
civilização e superioridade de um povo dentro do conceito linear de
evolução (...). Para o repasse de sua tradição, para a preservação de sua
memoria histórica, de sua identidade étnica e de sua cultura, a sociedade
Kalunga, em sua original visão de mundo, lança mão da tradição oral:
histórias, provérbios, advinhas, poesia e música. (MORGAN 1973, p.
43).
O trabalho desta pesquisadora torna revelador e ao mesmo tempo ilustrativo do
que buscamos discutir como ―múltiplos letramentos‖ nesta monografia. A partir desse
fundamento empreitaremos naquilo que consideramos como tal, presente nas diversas
manifestações de luta encontradas pelo povo Kalunga, como forma de resistência à
destruição de suas identidades, também múltiplas. Buscaremos interfaces históricas e
culturais, muito focados em processos de comunicação por meio de rezas, benzimentos,
poesia, música, ritos, danças e atividades sociais como a organização em associações
comunitárias.
Nessas manifestações múltiplas se fazem presentes, as diversas especificidades
expressas nos diferentes papéis sociais que lhes são atribuídos e/ou esperados,
principalmente no que se refere á sua influência na constituição de sujeitos de suas
histórias. Isso, em nosso ver, tem considerado impacto nas formações individuais e
coletivas, que perfazem suas demandas e potencialidades, bem como em sua capacidade
48
se relacionar como povo, que aos poucos, vai se tornando parte reconhecida da história,
não só de seus Vãos, mas dos municípios em que vivem.
Nesse sentido, podemos destacar aqui 6 aspectos culturais do povo Kalunga que
influencia diretamente ou indiretamente nos princípios dos múltiplos letramentos, que
vão além do ato ler e escrever.
3.2 - Letramentos 1: Ritos, Rezas e benzimentos
A arte dos ritos, das rezas e dos benzimentos, faz parte das experiências de vida
de um povo em comunidade ou de um grupo, estão incorporados no povo que a conduz e
em suas memórias históricas, essas atividades estabelece meios de como lidar com fatores
que os sujeitos não conseguem explicar, fatores místicos de construção da fé e de como
lidar com as exigências, as esperanças, o sofrimento, os sonhos, as incertezas, o
desconhecido, vivenciados pelo os sujeitos que vivem em comunidades, estas atividades
envolve crenças, sentimentos, troca de energia corporal, cumplicidade, esperanças,
acolhimento experiências históricas, saberes, vivencia e sentidos.
Com isso, estamos dizendo que as semiose no caso ritos, rezas e benzimentos
têm uma memória, sabedoria, saberes, cultura, experiências e convivência. É algo
histórico universal, que se estabelece enquanto princípios gerais, como é o caso do Pai
nosso e da salve rainha, que estão posta a sociedade enquanto oração universal ,aos quais
os Kalunga também fazem usos , porém os benzimentos são dizeres que se enraízam nas
rezas em forma de cura de males não explicáveis ou sem bases concretas. Para muitos
sujeitos de nossa sociedade a pratica de benzimentos , não faz nenhum sentido, é um ato
sem sentido, todavia para as comunidades Kalunga, esses são sentidos adquiro e
incorporado na memória deste povo.
O termo rezas foi incorporado no dia a dia dos povos afro-brasileiros através do
catolicismo, nas festas, ladainha e procissões. Este termo vem de letramento construído
na bíblia, instrumento que rege a religião católica entre outras.
―minha senhora santa Rita, é uma santa mulher ,no céu e na terra ela lá
faz o que quer. Minha senhora santa Rita, meu pai virtuoso herdou,
DEUS, desceu do céu e ela lá santa ficou, minha senhora santa Rita é
uma santa virtuosa ela reza e oferece e roga á DEUS, por nois, minha
senhora santa Rita, dentro do jardim nasceu uma rosa, nasceu santa Rita
que é uma santa formosa, jejuou quatro anos dias as dias, era treis
disciplina que ela tomava por dia, treis vela benta entrou em sua boca,
49
era uma formosura que o povo se admirou, viva santa Rita com os
poderes que ela tem, louvores e louvores para sempre e amem. (REZA
DE SANTA RITA, PROFERIDA, POR DONA BRASILINA)
Nesses rituais de devoção Kalunga, se baseia na tradição católica, pois desde a
colonização o povo negro foram obrigados, a seguir a religião católica, como sendo a
religião universal. Amorim, 2014, p, 9 em suas palavras afirma enquanto base teórica que
―já nas primeiras décadas do século XVI, inicia-se o tráfico negreiro, entretanto, a
religião católica não só era oficial como era obrigatória, sendo assim o conceito de
letramento desses elementos, se finda nos letramentos constitutivos da religião, mesmo
que estás práticas se consolidem no catolicismo, suas raízes histórica se mantém fiel às
religiões africanas. Sabe-se que o povo Kalunga constrói sua identidade com raízes fortes
em sua, religiosidade. Suas crenças, seus rituais, estão presentes em seu dia-a-dia em
todas suas atividades.
Dona Loriana narra que é devota de Santa Luzia, que esta é uma santa
poderosíssima, pois é a santa das vistas, que sem as vistas, ninguém consegue fazer nada
e como ela trabalha na roça, ela precisa enxergar bem. No trecho em destaque, a fala de
dona Loriana demonstra traços da época de escravidão, onde os negros eram torturados
de todas as formas, inclusive o de furar seus olhos, e como não tinha a quem clamar ou
pedir ajuda, eles clamavam mediante a sua fé por Deuses que pudessem socorre naquele
momento de aflição ,angustia e dor, por ser lhe negado o direito de a clamar aos seus
Deuses de matrizes africanas, como forma de negação de sua cultura impostas, pelos os
senhores da casa grande, muitas vezes aderiram-se aos Deuses de matrizes europeia,
como é o caso de Santa Luzia. E em nome dessa Santa europeia realizavam seus rituais
na forma africana, utilizava da estratégia de imposição dessa nova cultura para não perder
suas raízes, utilizavam-se do nome da Santa para praticar seus rituais sagrados.
Nesse sentido ao trazer para os rituais religiosos Kalunga, o Pai nosso e a Ave
Maria, estou afirmando que estes são letramentos históricos, que se constituiu nas
praticas de escrita e leitura da bíblia e que independente do grau de instrução, todos os
sujeitos estão evolvidos nesse processo.
Pensando nas interações dos múltiplos letramentos envolvendo esses
fenômenos, Dias (2014) diz: ―É fundamental reafirmar alguns pressupostos que auxiliam
um delineamento de uma compreensão mais fundamentada nas experiências que são
vivenciadas e caracterizam este Pais‖
50
Ao nos referimos sobre os ritos, rezas e benzimentos enquanto elementos de
constituição de letramentos múltiplos nas comunidades Kalunga estamos buscando
mostrar que estes elementos são protagonistas de letramentos, a respeito disso Dias
enfatiza.
Este protagonismo de que falamos realiza-se a partir do acionamento de
elementos que colaboram para a constituição de identidades, não como
uma categoria de essência [...], mas como uma categoria que indica
formas de ser, de estar, e de interagir, que conferem sentidos e
significados ás alteridades. As identidades articulam, no âmbito das
culturas, elementos de pertencimento e também aqueles caracterizados
por questões de semântica, de política e de ideologias em uma espécie
de congregação de dimensões que são fisiológicas, sociológicas e
psicológicas e que se apresentam indissoluvelmente misturados.
(DIAS. 2014.p. 9)
É neste contexto nos quais podemos considerar a existência dos signos ,
significantes e significados que permite misturar elementos e homogeneizar em um
mesmo campo dimensões múltiplas e complexas. Estas múltiplas dimensões são
responsáveis pela a produção e reprodução das praticas sociais, dentre elas as de leitura e
escrita.
3.3 - Letramentos 2: Poesia e música e dança
No campo da poesia, da musica e da dança, são várias as formas de expressão,
nas rodas de conversas, nos poemas musicados para as rodas de folia, nas cantigas das
moças a caminho da fonte de água, nas rodas de sussa ,entre outras. Machado (2002,
p.19), em seu livro Suspiros Poéticos do Nordeste Goiano, poetiza que ―Há um mistério,
em cada olhar, de cada paisagem...E há uma decifração: de cada poeta uma mensagem‖.
Entre esses mistérios se situam formas de comunicação que são específicas e íntimas
desta comunidade.
O livro citado nos traz muitos ―gritos‖, por meio de palavras, que ecoam para
fora de suas entranhas e buscam retratar aspectos de toda região, na qual nasce o autor, a
poesia e a própria obra. Em ―Ecos nordestinos de Goiás‖, (p. 137), esse poeta escreve
como se tivesse pressentindo algo no território Kalunga: ―Nordeste de cores Kalunga, dos
Vãos raízes do Brasil‖ (...); ―Paranã, leito de abrigo. Por séculos, intacto vaso precioso.
Refúgio de mãe África, amigo‖. A região citada no poema foi considerada por muito
51
tempo como ―corredor da miséria‖ do estado e tem menor índice de desenvolvimento
humano – IDH, em comparação com as demais regiões que compõem e território goiano.
Essa manifestação formal vai ao encontro do que o poeta e cantador de folias nas
comunidades Kalunga , perfaz em seus versos: ―veja de longe vem vindo, uma bandeira
de alegria, escolheu alegre hora pra mim lhe dar um com dia‖ verso esse que foi
registrado por Baiocchi, 2013, p.54, sendo assim todo é qualquer ato da vida humana que
vir a servir de registro, são praticas de letramentos, ao trazê-los para o mundo da escrita e
da leitura, estou afirmando que está são práticas sociais, mesmos estando centrada a uma
determinada comunidade, dialogam e interagem com as demais práticas da sociedade.
Dona Anita narra que aprendeu essa dança desde pequena, ela fala que a sussa,
(assim chamada por eles, e aqui escrita como eles falam) era dançada para chamar chuva,
em tempos de pouca chuva e que corriam o risco de perder as roças, também era dançada
na saída das folias, para pedir proteção para os foliões, nos arremates das folias e nas
colheitas das roças como forma de agradecimento pela fartura da colheita, também se
dançavam nos momentos de encontros familiares, nos terreiros de roda de conversas e
contação de histórias para as crianças, e nas festa de romarias.
O batuque da sussa na buraca (buraca caixa feita de coro de gado para
transportar alimentos e utensílios) a voz em forma de canto ecoam entre os vãos e serras
como se dissesse para a cultura eurocêntrica que as raízes da matriz africana ainda se
mantém viva e cada vez mais forte e ganhando espaços no contexto narrativos e por meio
dele lançando na sociedade o ser Kalunga, que recupera um espaço e uma autonomia que
foi tirado dos seus ancestrais no período da escravidão, quando o negro eram proibido de
manifestar suas crenças, sua religião seus rituais, seus costumes e obrigado a seguir uma
nova cultura religiosa.
Como boa parte dos quilombos no Brasil, a comunidade Tinguizal viveu
historicamente no isolamento tanto em termos de acesso como de meios de transporte.
Durante muito tempo não havia qualquer estrada de acesso para as Comunidades Kalunga
do município de Monte Alegre de Goiás, apenas trilhas para cavalo ou a pé.
Somente em 1997 foi aberta a estrada para passagem de veículos motorizados
que serve até os dias de hoje alternando maior ou menor dificuldade de acesso devido ao
relevo acidentado, falta de manutenção e estrutura de escoamento de águas nos períodos
de chuva intensa.
52
Nesta comunidade vivem aproximadamente 58 famílias, distribuídas conforme
mostra a Figura Nº2 que apresenta um mapa orientado por um de seus habitantes.
Figura 2 - Detalhe do mapa da comunidade de Tinguizal com alguns recursos naturais orientado
por um dos moradores locais. Município de Monte Alegre de Goiás (GO). Fonte: fotografia e
imagem editada pela autora em janeiro de 2017.
A estrada que leva a comunidade pesquisada é de cascalho com pedras soltas e
tortuosa e as chuvas contribuem para a erosão em grandes voçorocas, além de torná-la
escorregadia. Não raro se faz necessário que os passageiros desçam dos veículos e
ajudem a empurrá-lo seguindo parte do trajeto á pé com suas bagagens na cabeça,
conforme a Figura Nº2.
O meio de comunicação que também é suporte de letramento mais eficiente na
área ainda é via telefonia celular com antena local, mas as informações também chegam
na comunidade por meio da televisão com antena parabólica, e o rádio à pilha nos locais
aonde não chegaram ainda estes itens.
Não há saneamento básico no local, apesar do saneamento em áreas de quilombo
e/ou rural e também em Municípios com menos de 50 mil habitantes ser de
responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), órgão ligado ao Ministério
da Saúde. A comunidade não conta com esgotamento sanitário ou coleta de lixo,
53
prevalecendo a queima. Não possui posto de saúde e apenas um Agente Comunitário de
Saúde (ACS).
Figura 3 - Pequeno caminhão de carga que faz o transporte de moradores e cargas diversas da
sede do município de Monte Alegre até as comunidades Kalunga. Monte Alegre de Goiás (GO).
Fonte: Autora em 21 de fevereiro de 2013.
Em relação ao acesso à água, na percepção dos moradores, havia mais água nos
córregos do que hoje, de onde tiram boa parte da água para abastecimento (Figura Nº3).
Os moradores tinham água em abundância para suprir suas necessidades básicas e
atividades cotidianas tais como: lavar roupa, vasilhas, tomar banho e para beber.
Atualmente é frequente ver os córregos secarem durante os períodos de estiagem.
Para iluminar as casas utilizava-se lamparinas ou candeias de cera de abelha com
algodão abastecidas com querosene trazidas da cidade ou mesmo com óleo de mamona
feito no local. Estas ainda são utilizadas pelos moradores que não tem energia elétrica.
54
Figura 4 - Mulheres da comunidade do Tinguizal utilizando o córrego local para lavagem de
panelas e vasilhas. Monte Alegre de Goiás (GO). Fonte: Autora em 21 de fevereiro de 2013.
A comunidade é composta por 58 famílias, durante o período da pesquisa foi
totalizado na comunidade 178 pessoas entre crianças, jovens e adultos. Dessas 58
famílias apenas 20 tem energia em casa, 22 tem acesso a água encanada, desse total de
famílias 15 não têm nem energia e nem água em suas casas.
A água que abastece a comunidade via encanamento vem do Rio Basilo, os
demais pegam água no córrego chamado saco, Cesário e no rio alminha.
Também foi possível observar as mudanças climáticas, uma das causas da
escassez dos córregos e consequentemente, entre os meses de agosto setembro e outubro
algumas famílias perdem o seu abastecimento de água por meio dos córregos,
principalmente o córrego Saco, deixando 16 famílias a mercê de andar
aproximadamente 3k para buscar água para beber e suprir suas necessidades.
Foi possível perceber que muitas dessas mudanças foram causadas pela a falta
de chuva na região, a falta da chuva não impactou apenas no acesso a água, mas também
na produção dos alimentos. Neste sentido foi possível observar que os moradores da
comunidade tinham um calendário agrícola fechado em determinados meses, seguiam
sempre um cronograma tradicional de toda a preparação do espaço a ser usado, nos meses
de julho e agosto se dá o processo de roçar e derrubada dos paus da roça, setembro é o
mês da queima da roça e preparação da terra a ser plantada em outubro, com os diversos
alimentos: Arroz, mandioca, milho, feijão, abóbora, melancia, jiló, andu, fava entre
outras. Com as mudanças em relação a chuva, dificultou a produção. Seu ozaldo diz que ―
antes, a uns 5, 6, 7 anos atrás nos plantava 5 prato de arroz colhia 15, 20 sacos ou mais,
hoje com a falta da chuva nos planta a mesmos quantidade e tem vez de não colher nem
55
um, só ficamos com o trabalho, é por isso que muitos aqui não quer plantar, quando a
chuva vem chegar aqui, já ta quase no tempo de colher, mudou tudo, nos antes tinha
muita chuva, agora nem os rios tem água mais, até os peixes acabou, antes você ia no rio,
não vinha pra casa sem a mistura, hoje você sai ai na beira desses córregos nem piaba vê.
Mudou muito‖.
Contudo, seu Ozaldo explana sobre um problema que atinge diretamente todos
os moradores da comunidade. Durante a pesquisa foi possível observar que por causa
dessa situação muitos não querem mais plantar roças, eles dizem que é mais fácil sair
trabalhar fora nas fazendas ou em outros serviços e comprar as coisas pra comer do que
trabalhar de julho a maio, e no final não colher o suficiente para passar o ano. Até a
produção de animais como galinha e porco está prejudicada, pois pra eles criar esses
animais precisa do milho e dos demais alimentos que tiram da roça. Assim diz dona
Anita ― antes meu terreiro era cheio de galinha, agora não posso criar mais, só tem umas
duas no quintal que é pra não perder o costumo, planto a roça não da nem pra nos comer
aqui em casa‖.
Nesse sentido, pude perceber o quanto a roça é importante nessa comunidade,
via no brilho do olhar de cada um alegria em falar sobre a roça, e ao mesmo tempo a
tristeza no franzir da testa ao falarem que não mais conseguem tirar seu sustendo apenas
do que planta, na roça, outra tristeza expressada por eles eram sobre a saída dos filhos
para morar e estudar fora da comunidade, isso também refletia no fazer da roça, Seu
Ozaldo relata ― hoje ta até difícil plantar roça, os meninos logo cresce e logo vai embora
pra cidade estudar, eles nos ajudava muito, apanhava garrancho, cisco, ajudava capinar e
vigiar a roça, hoje é só eu e a mulher, já estamos ficando fraco do cabo da inchada. aqui
não tem todas as series, ai o jeito é mandar os meninos pra rua e nos fica só‖.
Quanto à questão da água dona Loriana diz: ―só pra você vê, eles encanou a
água até na escola, aqui ni nois não chegou, nois é que juntamos e compramos as
mangueiras, mas mesmo assim a água não vem quase aqui, a mangueira e fina e o cano lá
onde nos encaixa é grosso, e também a mangueira já ta toda quebrada, a água que vem
fica tudo no caminho, tô pensando aqui em casa de abrir um poço, já tô ficando velha,
não aguento mais carregar água nas costas‖ ela ainda ressalta: ―sem luz (energia) dá pra
viver, mas sem água não‖.
O povo Kalunga faz uso da oralidade para contar suas histórias, repassar o
conhecimento historicamente construído ao de sua trajetória, preservando assim sua
56
tradição através da transmissão oral de sua identidade cultural, aos mais novos. O estudo
de letramentos na comunidade Tinguizal Kalunga, revela posturas ideológicas, forte e
clara, a qual, revela não somente a condição do sujeito pesquisador, quanto também à
condição do povo Kalunga, mas também a condição do negro afro descendentes na
historia oficial brasileira. A atitude dos letramentos enquanto uma visão de Educação do
campo contraria a lógica do letramento eurocêntrico, que coloca o sujeito que não teve a
oportunidade de inserir nos seus letramentos as habilidades de escrita e leitura, são vistos
como excluído da sociedade por não deter tais habilidades, sendo apenas objeto de
pesquisa, porém dentro da visão dos letramentos da Educação do Campo, o sujeito sendo
letrado ou não, são protagonista de letramentos, saindo assim da condição de excluídos
retratada pela historia eurocêntrica e passa agir em defesa da sua própria historia, dos
seus próprios letramentos, da historia e dos letramentos do seu povo nesta sociedade
contemporânea.
Porém o recurso da oralidade esta atrelado ao outro recurso de suma importância
na construção e preservação da identidade do povo negro, já que nos registros oficiais as
praticas culturais (saberes e fazeres) do povo negro foram silenciadas, tornando-a
invisível, a memória é o único recurso deste povo para manter viva sua real historia, a
memória é que mantém a chama da oralidade acesa.
A oralidade e a memória na construção dos ―saberes e fazeres‖ do povo Kalunga
se faz presente na fala de dona Brasilina:
―Lembro que antes nois não tinha muitas coisas pra comer de manha
para poder ir para a roça, o que tinha era o leito pra comer com farinha,
beiju, e mandioca ferventada, e as vezes ia pra roça sem comer nada,
hoje é difícil ir pra roça sem comer nada, as coisas hoje estão mais fácil
,.Nois pegava água no rio em pote de barro, lavava roupa também no
rio com sabão de tingui feito aqui mesmo, pouca coisa era comprada na
cidade, o óleo era tirado do coco, ou do toicinho de porco, o açúcar era
rapadura feita por nois mesmo. Porque pra ir para cidade nois iam era á
pé ou a cavalo, então não dava pra trazer muita coisa, o jeito era se virar
pra produzir de tudo um pouco. Antes as mulheres tinha meninos aqui
mesmo, foi assim que virei parteira, aprendi fazer parto com minha
mãe, lá no sicuri só tinha ela de parteira e eu fui aprendendo para ajudar
ela fazer os partos, os remédios primeiramente era a fé em DEUS, em
Nossa Senhora do Parto e uns remédios caseiro como por exemplo se a
dor tivesse pouca ,dava cordão de são Francisco e raiz de algodão para
tirar a friagem e aumentar a dor. Hoje tudo mudou as mulheres não
ganha mais meninos aqui, agora é só na cidade, daqui uns dias não tem
mais nada aqui ate as rezas as danças estão acabando, os velhos estão
morrendo e os novo não estão importando em aprender‖.
57
Ao retratar a memória individual e coletiva do povo Kalunga, revela-se através
dos múltiplos letramentos muito das tradições, valores, praticas, saberes, que os remetem
a cultura com raízes na matriz africana. Os próprios sujeitos pesquisados ao longo de sua
narrativas, tentam preservar esses traços históricos de suas raízes e origem.
―Eu me chamo Loriana Pereira de Aquino, tenho 67 anos, nasci na
fazenda vão de almas município de Cavalcante ,tenho 08 filhos 06
moram aqui no Tinguizal e dois em Brasília, já tem mais de trinta anos
que moro aqui, morei no vão de alma ate quando fiquei viúva, depois
que fiquei sozinha vim morar no Riachão na casa de minha irmã Maria
e meu cunhado Posidônio, vim para aqui plantar roça, mas aqui já era
dos meus avós, dessa família pereira, e que ficava lá no vão de almas
cá, quando eu vim pra qui, de morador que tinha mais próximo era o
finado Patur que morava lá no bananal que também é Tinguizal, aqui só
era eu e meus filhos que quando chegava à época da chuva; nois vinha
para plantar e só voltava para o Riachão quando colhia, todo ano era
assim até que decidimos não ir mais para o Riachão, aqui era muito
esquisito, o mato era muito fechado, tinha ate índio ainda aqui, Hoje
muita coisa mudou, com a chegada da escola, vei a estrada, os carros
em alguns lugar daqui do Tinguizal já tem água encanada, só aqui onde
eu moro que ainda não tem, mas já tem energia‖.
Nesse fragmento, da historia individual de dona Loriana, que perpassa o
individualismo e se materializa no coletivo, através do processo de ―rememorização‖
dando voz a um povo histórico, de luta e resistência. Há tanto uma tentativa de preservar
sua identidade, sua historia, quanto á do seu povo, sua comunidade e seu território.
No âmbito da pesquisa foi possível detectar enquanto oralidade/ letramentos a
linguagem verbal através do uso da fala e a não verbal. Através do uso da fala os
moradores da comunidade mantém suas práticas sociais, tais como: folia de nossa
Senhora do Rosário, Os rituais do giro da folia o canto da folia, a esmola para o santo, as
curraleiras (organização do ritual) a fabricação do cruzeiro, a arrumação do altar
(organização do espaço sagrado) e a dança sussa, (forma de agradecimento),
benzimentos, (cura de doenças) canções, poesias, (expressões de sentimentos) todas
essas tipologias são repassada de gerações a gerações através da oralidade.
Segundo relatos dos entrevistados Nossa Senhora do Rosário, é a padroeira da
comunidade Tinguizal, ela se estabeleceu padroeira dessa comunidade através da Senhora
Martinha ( já falecida) que para cumprir uma promessa de sua mãe ela tinha que festejar a
santa todos os anos e soltar a folia enquanto vida ela estivesse não era para deixar a
―devoção‖. Desde então a festa de Nossa Senhora do Rosário se estabeleceu na
58
comunidade, passando a ser a devoção de um todo,. Quando digo que se estabeleceu isso
quer dizer que ela não começou no Tinguizal, de acordo com os relatos essa festa
começou no vão de almas, onde a mãe de dona Martinha morava, mas não era
considerada padroeira do vão de almas, ela era considerada promessa, pois o vão de
almas a qual praticamente todos os moradores do Tinguizal vieram de lá.
Segundo relatos dos moradores da comunidade Tinguizal, essa comunidade se
originou a partir da necessidade de um povo em produzir o seu próprio alimento, esse
relato justifica o surgimento do Tinguizal, pois esses povos migravam para essa região
em busca de terras extensas e condições favoráveis de clima e ecossistema, pois muitas
daquelas terras que eles moravam não eram férteis, sendo assim possibilitou o inicio de
um processo de produção de alimentos, ao mesmo tempo a formação de uma nova
comunidade.
A movimentação do plantio de roça promoveu o deslocamento de uma
comunidade para outra, logo se deu o inicio da formação da comunidade, pois alguns
moradores preferiram não regressar a seus locais de origem e com isso permaneceram no
Tinguizal e construíram suas casas. Segundo relatos de moradores no inicio da formação
do quilombo era comum essa movimentação em busca de melhores condições de terras
para plantio, os locais mais procurados para o plantio eram à beira dos rios e córregos,
principalmente o rio Paranã, pois com as enchentes, a terra ficava adubada para o plantio.
Com o passar do tempo descobriram que não era necessariamente plantar somente nas
encostas de rios e córregos, mais que poderia haver terras que não precisassem estar
sempre úmidas, e logo começaram a se dispersar entre aquelas serras a procura de local
somente para plantio, pois eles não construíram moradia fixa, desse modo assim que
colhia a roça retornavam para suas comunidades de origem (Riachão, Sicuri, Areia, Saco
grande e Vão de Almas situado no município de Cavalcante) e esse método se repetiu
sucessivamente durante muito tempo. Foi assim que muitos desses moradores chegaram à
comunidade Tinguizal.
Durante muito tempo à localidade onde hoje está situada a comunidade
Tinguizal era utilizada apenas para plantio de roça, poucas pessoas faziam uso daquelas
terras. Em reunião realizada com alguns moradores, ficou constatado que a comunidade
iniciou somente com dois grupos familiar: a família Pereira e a família Fernandes, logo
após foram chegando mais pessoas para compor esse grupo de moradores.
59
Dona Martinha faz parte da família pereira que veio estabelecer moradias na
comunidade Tinguizal, a qual antes era chamada de Saco, o nome inicial era devido o
córrego Saco, e também devido ter que levar os alimentos produzidos ali no saco, para
suas casas no vão de almas. Ao se estabelecer moradia no Tinguizal dona martinha
continuou a festa, e assim a Santa se tornou padroeira do lugar.
De acordo com as entrevistas a importância da folia para a festa é que através
dela, a santa anda na casa de todos levando as benções, e convidando todos a ir participar
da festa. Porém para a realização da mesma, tem que ter os foliões aptos a cantar os
cantos da folia, estes foliões aprende os cantos na prática da oralidade, os novos foliões
vão aprendendo o canto junto com os mais velhos, no próprio giro da folia, ou seja, eles
aprende no fazer, na prática, assim como todo o contexto social da comunidade.
Os rituais do giro da folia são: reunida (saída), pode ser na casa da padroeira ou
não, pois depende se mais alguém da comunidade não tenha feito nenhuma promessa pra
solta-la em sua casa, porém da casa que ela sair ela tem que chegar nela de volta, esse
momento da chegada é chamado de arremate da folia. Na saída os foliões assume o voto
de levar os mandamentos da santa em todas as casas, zelando uns dos outros e da
bandeira que a representa.
O cronograma da folia é de 7 dias de giro, normalmente sai no dia 01 de
outubro, até chegar de volta ao ponto de partida, durante esses 7 dias a folia passa por
vários momento do ritual no dia,: giro, canto, curraleira, almoço, bendito de mesa,
despedida, giro, canto, curraleira, pouso, bendito de mesa. Cada momento desses tem sua
finalidade, o giro é a ida dos foliões de casa e casa; o canto é forma de transmissão da
mensagem da santa para as pessoas; a curraleira é um momento lúdico de mas com
intenção de chamar atenção de sobre algum fato acontecido na comunidade ou fora dela,
ou chamar atenção de alguém que fez algo de errado ou de escândalo na comunidade,
esse momento é uma forma de punição coletiva; o bendito é um ritual de agradecimento
pelo o almoços é um canto especifico só para esse momento; e o pouso é o momento de
pedir alguma família para lhes dar lugar para dormir ou passar a noite como é dito na
comunidade. E assim a folia vai seguindo seu caminho ate achegada no local de arremate.
Para o arremate é preciso construir o cruzeiro, para que os foliões passem por
dentro do mesmo para poder levar a bandeira até o altar onde á santa esta a suas espera,
60
no cruzeiro é colocado petas, como alimento de gratidão, tanto da santa, quanto do dono
da festa,
A dança sussa também é uma forma de agradecimentos aos foliões e a todos que
estiveram no processo, nesses momentos, homens e mulheres se interage, sua alegria é
expressa através dos gestos, dos sons, das rimas das musicas, e postura corporal, percebe-
se que momentos como esses estão envolto a uma gama de letramentos em prol da
afirmação da identidade desse povo.
Assim como a folia, os benzimentos para a comunidade são momentos sagrados,
pois dele se obtém a cura de alguns males, como: mal olhado, azia, dor de cabeça, e
quebrante. Já as canções e poesias expressão os sentimentos não apenas do autor, mas de
todos da comunidade através de sua letra, de acordo com Seu Aleriano ―os melhores
cantores que já teve a aqui foi Boto e Jorge as músicas deles é boa não é igual essa que
esses meninos ficam ouvindo ai não‖.
Durante as entrevistas foi perceptível a preocupação dos mais velhos em relação
à nova geração não estar valorizando tais práticas, e nem querem aprender, e com isso
esse ato social dos conhecimentos orais podem cair no esquecimento, pois sabemos que
letramentos como esses são registrado na memória coletiva de um povo, fato esse que
dona Brasilina descreve bem em sua fala, ―As coisas ta ficando feia os novatos não estão
ligando nada disso‖.
Essas práticas sociais são repassadas de geração a geração, através da oralidade
por meio da linguagem verbal e não verbal, Sendo assim, através de uma linguagem
mista, onde os sujeitos fazem uso das duas ao mesmo tempo para se comunicar. De
acordo com as observações, o repasso de saberes são feitos em momentos de uso real. Por
exemplo, quando uma criança está com dor de barriga tem o benzimento para passar a
dor, porém só pode ser ensinado como este for praticado em alguém, dona Anita diz:
―esses palavreados não pode ser ensinado a Deus dará (de qualquer jeito), pois são
finíssimo esses dizeres, não é ensinado sem ser curando alguma pessoa, é ruim para quem
benze, e quem é ensinado não pode apenas memorizar, ele tem que aprender se não ele
esquece tudo de novo‖ assim como os demais eventos de letramentos da comunidade.
Apresentam-se abaixo alguns formas expressões culturais, práticas sociais e religiosas:
61
Benzimento de tirar sol da cabeça (quando toma muito sol e a cabeça dói)
Nome do pai filho espírito santo (faça o sinal da cruz na testa)
Sol e a lua, Jesus Cristo é a lua,
Jesus Cristo é o sol
O sol esquenta muito e a lua lumia
Jesus Cristo desceu do céu
Com três ramos na mão
Benzendo sol, sereno, gripe e dor de cabeça (repete três vezes).
Figura 5.1.2 – Benzimento de dor de cabeça. Fonte: autora
Benzimento contra mau olhado
Jesus Cristo que te gerou
Jesus Cristo te Criou
Jesus Cristo te benze com esse olho ruim que te olhou
Jesus Cristo te benze com esse olho ruim que te olhou
Jesus Cristo te benze com esse olho ruim que te olhou (rezar três vezes)
Figura 6 – Benzimento contra mau olhado e quebranto. Fonte: autora
Benzimento para curar azia
Santa Andria tinha três filhas, uma fiava, outra tecia e outra benzia de mau de azia
Santa Andria tinha três filhas, uma fiava, outra tecia e outra benzia de mau de azia
Santa Andria tinha três filhas, uma fiava, outra tecia e outra benzia de mau de azia
Canto de folia de Nossa Senhora do Rosário fragmento do (bendito de mesa)
62
Lumiou a vossa mesa, boas palavras vou dar (bis)
Vou pedir licença a todos, essa mesa vou louvar (bis)
Agora vamos rezar, bendito louvado seja
Bendito louvado seja, são palavras do principio (bis)
Na cabeceira da mesa, vamos rezar o bendito (bis)
Vamos rezar o bendito com sua família inteira (bis)
La no seu Deus recompensa a virgem mãe padroeira
Na cabeceira da mesa Nossa Senhora apresenta
Com alferes e foliões agradecendo o senhor.
O lá na outra cabeceira os anjos rezando nela
A virgem Nossa Senhora agradecendo o dono dela
O Deus que paga, forrada com esse véu
A virgem Nossa Senhora leva essa mesa pro céu.
Quem leva essa mesa para o céu, é os anjos José e Maria
A sua delicadeza ampara sua família.
Figura 7 - Folia (Canto/chegada). Fonte: autora
Canto da sussa
Capinho da lagoua
Já nasceu, enverdeu
Viado comeu
A formiga que dói é giguitaia
Ela sobe, ela desce de baixo da saia
63
Figura 8.1.2 – Dança da sussa/susseiras. Fonte: http://semuc-cmcma.webnode.com
Trechos de canções
O Brasil foi descoberto isso foi em mil e quinhentos
Pra descobrir esse Brasil, nego teve sofrimento
Trabalhava o dia sem poder aguentar
O direito que eles tinha era dormir marrado e trabalhar
(Trecho da musica de Boto e Jorge, autores Kalunga e de discursos de entrevistados)
Trechos de rezas
Reza de santa Rita:
Minha senhora Santa Rita, é uma santa mulher, no céu e na terra ela lá faz o que quer. Minha
senhora Santa Rita, meu pai virtuoso herdou, DEUS, desceu do céu e ela lá santa ficou, minha
senhora Santa Rita é uma santa virtuosa ela reza e oferece e roga á DEUS, por nois, minha
senhora Santa Rita, dentro do jardim nasceu uma rosa, nasceu Santa Rita que é uma santa
formosa, jejuou quatro anos dias as dias, era treis disciplina que ela tomava por dias, treis vela
benta entrou em sua boca, era uma formosura que o povo se admirou, viva Santa Rita com os
poderes que ela tem, louvores e louvores para sempre e amem.
Figura 9 – Rezas/Altar. Fonte: autora
64
Nesta pesquisa focalizo os tipos de linguagem verbal e não verbal presente na
comunidade tais como: ritos, rezas, benzimentos, musica e dança, aqui denominado de
letramentos híbridos culturais da comunidade Tinguizal. Procuro entender como esses
letramentos poderão contribuir para o letramento escolar. Ao abordar o conceito de
letramentos híbridos culturais da comunidade Tinguizal busco nos sentido dessas
práticas sociais o reconhecimento e a existências desses letramentos nos modos de fazer e
as especialidades deles para a comunidade, mas também para os saberes desenvolvidos
no âmbito escolar.
Apontar essas Práticas culturais, enquanto contribuições para os letramentos
escolares estabelecem novas maneiras de ensinar e aprender relacionadas com tais
práticas a serem incorporadas na instituição. Tais práticas estimulam o aprendizado
escolar, pois os educandos sentirão fazendo parte da construção de sentidos dos
letramentos escolares. Essa hibridização dos letramentos possibilita o educando
compreender melhor a sua identidade enquanto sujeitos de letramentos que perpassam as
práticas escolares. As práticas de letramentos relacionados às atividades sociocultural da
comunidade (rezas, danças, benzimentos, poesias, e música entre outros) são aqui
consideradas bastante relevantes, por mobilizarem as formas típicas de produzir
significados, além de envolver os educandos , a escola e a comunidade em um processo
de letramento, muito mais amplo do que o convencional da escola Municipal Tinguizal.
O olhar para essas práticas enquanto princípios educativos dos letramentos escolares
ajudam a compreender de que modos o educandos tem aprendido a construir significados
fora da sala de aula, o que esclarece as reflexões sobre como operam os letramentos
híbridos culturais e suas contribuições para o letramento escolar. No que diz respeito à
identidade as práticas de letramentos hibrido oriundas da linguagem verbal e não verbal
revelam grande potencial para discutir questões de educação para relações étnicas raciais,
e educação quilombola, por se tratar de uma comunidade quilombola, um debate que
precisa urgentemente ser levados pra dentro da escola e da comunidade.
Ritos, rezas, benzimentos, danças, poesia, musica: letramentos híbridos a ser
considerado
Essas tipologias são conhecidas na comunidade Tinguizal como cultura, pouco
se ver no contexto escolar a consideração das mesmas enquanto letramentos. Há ainda
65
uma visão distorcida de que letramento é apenas o ato de ler e escrever, ou fazer uso da
leitura e da escrita para se comunicar ou se fazer entender. Em comunidades como o
Tinguizal esse conceito perpassa essa visão, pois os significados do fazer entender estão
em suas práticas do dia a dia. Outa peculiaridade do letramento hibrido é o como se faz, a
teoria não se separa da pratica, vejamos um exemplo: A tipologia dos benzimentos, das
danças e das rezas da poesia, entre outras, são práticas que fazem uso tanto da linguagem
verbal, quanto a não verbal, as expressões fala, gestos, corporalidade, imagens, símbolos
movimentos entre outros se faz presente simultaneamente. Para realizar qualquer uma
dessas tipologias os rezadores, benzedores, os foliões, os poetas, os músicos fazem uso
dessas linguagens para expressar a interlocução entre os sujeitos e a situação. A noção de
interlocução supõe a existência de um locutor -sujeito que fala ou escreve; um
interlocutor- sujeito a qual a enunciação e dirigida; e uma situação de comunicação-
existência da situação. É somente com essa interação entre locutor e interlocutor, que a
enunciação se estabelece e se concretiza de fato. Assim essas competências da linguagem
é fundamental para os letramentos, seja eles escolares, ou não escolar. No caso da
comunidade Tinguizal e o contexto da escola, os letramentos teriam que ser
caracterizados por letramentos híbridos, pois, vejamos bem, se a escola se encontra dentre
de uma comunidade de linguagens hibridas, e os sujeitos que a compõe faz parte da
comunidade, esta escola querendo ou não, estão envolvidas em letramentos híbridos.
Tomemos como exemplo a frase ―Pra descobrir esse Brasil, negro teve
sofrimento‖. É possível imaginar diversas situações em que ela poderia ser enunciada e
os mais variados sentidos que poderia ser atribuído a ela, entre eles:
1- A história do descobrimento do Brasil
2- A escravidão
3- A memória do povo negro
4- Busca de reconhecimento na sociedade atual.
Tomemos como segundo exemplo há frase ―Andria tinha três filhas, uma fiava,
outra tecia e outra benzia de mau de azia‖. Imagine diversidade de sentidos que ela pode
ter se enunciado por um grande empresário do ramo de fabricação de roupa, enunciado
por um pastor de igreja, e enunciado pela própria comunidade ou qualquer outro tipo
desse gênero. Como seria o letramento para cada um desses gêneros?
De acordo com a pesquisa realizada percebeu que os letramentos próprio da
comunidade a qual estou chamando de letramentos híbridos é composto de vários
66
elementos ( rituais religiosos, musicas, danças, poesias, entre outras) que enriquece
constantemente é lhe dão essa identidade. Como as práticas desses elementos reúnem os
sujeitos dessa comunidade em uma ação social, onde estão envoltos ao uso da linguagem
verbal e não verbal, é uma característica a convivência de pertencimentos aos múltiplos
letramentos. Dessa forma a socialização do saber a organização do espaço, a referencia
aos mais velhos, vivencia e o sentido de comunidade desses elementos implica sua
relação com os letramentos múltiplos que a toma como uma das referencias de vida,
fornecendo lhes instrumentos linguísticos cultural.
Com as observações foi possível identificar alguns aspectos do processo e
realização dos letramentos híbridos que implica sua construção e reconstrução:
a) A mediação cultural desses elementos, em sua ação verbal e não verbal, enquanto
prática social desse grupo, possibilitando a interligação entre fala e
escrita/oralidade e letramento.
b) Identidade cultural, através desses letramentos híbridos afirma-se a identidade
quilombola Kalunga
c) Afirmação social de povos e comunidades tradicionais
d) Memória coletiva, por meio dela que se retém e socializam a historia e os
conhecimentos adquiridos mediante vivencias
e) A solidariedade reforça os laços sociais da comunidade e as ações de ajuda
mútua.
f) Sociabilidade, facilita os processos de integração desse povo na sociedade em
geral ( leitura e escrita)
g) Tradição e renovação mantêm os modos de fazer das gerações anteriores e
incorporam a prática de leitura e a escrita aos novos modos fazer.
h) Contradições e conflitos provenientes das relações sociais, econômica, política e
cultural, inserido e refletido nos processos educativos da comunidade.
i) Socialização dos saberes e práticas referentes aos letramentos múltiplo-híbridos
da comunidade, os códigos linguístico, e as estratégias de sobrevivência desse
povo que compõem e constituem os processos educativos da comunidade.
Neste sentido podemos dizer que os letramentos híbridos da comunidade
Tinguizal está inserido num fazer histórico e numa relação comunidade e sociedade que
constroem sujeitos, os que a constroem e a ela pertencem. Esses letramentos híbridos
fazem parte do modo de fazer e se fazer da vida social desse povo, e constitui sua
67
identidade cultural. Esses letramentos educam e potencializam os processos educativos
escolares com percepção da diversidade do conhecimento formativo.
Sendo assim esses letramentos híbridos está para além dos muros da escola, os
mesmos não se aprisionam a aspectos meramente cognitivos, os mesmo se inserem e se
conduz pela participação da comunidade com suas práticas. Dessa forma esses
letramentos assumem um posicionamento de promover através da escola a superação de
uma metodologia que traga uma visão de distanciamento dos letramentos próprios da
comunidade com o letramento escolar, sendo que ao se tratar da comunidade ou do
sujeito que a compõe vai além de um letramento saber ler e escrever, neste sentido o
letramento e visto como alfabetização, não enquanto letramento. O letramento em seu
real uso vai além dessas questões ―ler e escrever‖ suas atividades pedagógicas se pautam
pela sua prática, discussão e dialogo entre escola e comunidade, promovendo, enfim,
atitudes sociais educativas que abranja as mais diversas questões da sociedade.
Esse caminho é o que parece, possibilitar a educação na comunidade Tinguizal
que através dos múltiplos letramentos/ letramentos híbridos possam dar condição para
garantia de valores como a pluralidade do conhecimento, garantindo aos espaços
educativos, á promoção da igualdade, as oportunidades, participação e sociabilização do
conhecimento
Tais referencias nos possibilitam pensar que a temática dos letramentos é pensar
um direito social de um povo, é um pré -requisito para que esse povo desfrute dos demais
direitos, social, político e civil.
No entanto em uma situação de linguagem hibrida os letramentos não se dão
apenas na formar de diálogo. Isso não quer dizer que não haja um locutor, um
interlocutor, e uma situação de comunicação. A leitura de uma historia de aventura, como
a de Tarzan, quem é o locutor, você que esta lendo, quem produziu a narração e qual a
situação. Neste caso quem fez a narração é o locutor, você que esta lendo é o interlocutor,
e a situação é que tal narrativa não tem um interlocutor mas vários interlocutores, a
narrativa foi feita não intenção de atingir um interlocutor, mas na intenção de atingir um
publico imaginado especifico, ou seja para aqueles interlocutores que gosta do gênero
aventura. Neste sentido é percebível a dimensão dos letramentos híbridos, e de sua
interlocução, o que antes era composto por um, locutor, um interlocutor e uma situação
de comunicação nesse ultimo trecho podemos ver a adequação da linguagem,
68
acrescentada da intenção. Para cada locução, interlocução e situação de comunicação, há
uma intenção (adequação da linguagem).
Do ponto de vista pedagógico, consideramos fundamental analisar as bases
teóricas dos letramentos e as implicações práticas dessa proposta de letramentos híbridos
tendo como estratégia a linguagem verbal e não verbal para a incorporação desse novo
conceito de letramento tanto para os educadores escolar, quanto a inserção do mesmo no
currículo escolar de forma interdisciplinar.
O que foi possível detectar mediante as observações feitas na comunidade e na
escola é que os letramentos escolares e os letramentos híbridos da comunidade pouco se
dialogam, No entanto, trata se de uma questão extrema urgência, se queremos produzir
letramentos escolares em comunidades tradicionais, como é o caso da comunidade
Tinguizal, temos que levar em consideração os letramentos historicamente construído por
esse povo dessa comunidade especifica, de maneira que esses letramentos escolares
juntamente com os letramentos histórico dessa comunidade, dialoguem entre si e se torne
um só letramento, chamado aqui neste contexto de letramentos híbridos. Neste conceito
de letramento essa prática estaria em consonância com as estratégias de concretização de
novas formas de produzir conhecimento, que penetre as diferentes praticas sociais,
culturais, econômico e político.
Buscar estratégias nesse sentido é fundamentalmente importante, principalmente
para identificar a matriz predominante em cada proposta de letramento, em uma
perspectiva educacional, capaz de trabalhar teoria e prática para a formação de sujeitos
sociais críticos e ativos nos âmbitos individual e coletivo e as condições para que os
letramentos, tanto escolar, quanto os não escolares possam dialogar entre si, para que
determinadas experiências educativas possam neles se situarem.
O risco da fragmentação do conhecimento
Risco da fragmentação do conhecimento é uma das preocupações das
professoras da comunidade Tinguizal, o não entendimento do conceito de letramento
implicará na fragmentação das práticas educativas, escola e comunidade ficaram em
lados opostos, cada um na tentativa da valorização dos conhecimentos. De um lado a
comunidade com seus conhecimentos orais, e do outro a escola com seus conhecimentos
científicos. Essa fragmentação do conhecimento não é bom nem pra, comunidade, nem
para a escola e nem para os sujeitos que as compõe. Neste sentido é preciso favorecer a
articulação entre esses diferentes espaços educativos na garantia de um letramento que
69
possam promover fundamentos gerais que dê suporte teórico- metodológico- pratico, ás
lutas especificas ou sociais.
Nesta perspectiva, Rosa (2007, p.410) diz que ―não se pode conceber o papel
dos educadores como meros técnicos , instrutores e responsáveis unicamente pelo o
ensino das diferentes áreas curriculares e por funções de normalização e disciplinamento.
Os professores e professoras são profissionais e cidadãos, mobilizadores de processos
pessoais e grupais de natureza cultural e social‖.
Neste sentido os letramentos híbridos já tem caminhos construído no âmbito
social da comunidade, o desafio agora é avançar em sintonia com os letramentos
escolares, no compromisso histórico de estruturação dessas matrizes formadoras que
viabilize uma sociedade inclusiva e centralizada nos princípios educativos sociais. Em
conclusão e com a fala da professora Maria, nativa da comunidade e que cursou
Licenciatura em Educação do Campo e atualmente esta sendo educadora na comunidade
diz que ― tem horas que não sei se estou dentro da sala de aula ou fora dela, pois aqui é
minha comunidade, onde vivi cresci, fui estudar fora, e hoje estou aqui tentando ensinar
um pouco do que pude aprender com os letramentos da LEDOC, porém sem esquecer
minhas raízes, quando venho pra sala de aula, trago comigo, não só os meus
conhecimentos científicos, mas os meus conhecimentos da comunidade‖.
A professora Maria descreve bem como e o porquê de seu processo de
hibridização do conhecimento em sua prática educativa. A proximidade dos saberes e
fazeres de um povo, sendo este, também sujeito desse processo facilita o processo
educativo na comunidade
O aparecimento da escrita levou-nos a registrar decisões, compreender a
complexidade da palavra, e ainda, possibilitou, registrar, também, a história e a
complexidade do mundo (Sousa,2006: 31), Considerando os letramentos escolares que
são o foco desse trabalho e os letramentos híbridos da comunidade.
É licito dizer que, pelo o exercício de contar e recontar historias sustenta-se a
ciência do sujeito sobre si mesmo e dos outros com os quais interagem em comunidade.
Nesse sentido [...] pessoas mais idosas da comunidade Kalunga detém a função de nos
relatar historias marcadas por visões de mundo próprias e peculiares, transcendem a
memória individual, sendo a memória sempre coletiva e, portanto, social formada, como
se quer reiterar na esteira do grupo a que pertence ( MOREIRA,2015,p. 32) .
70
As historias contadas oralmente pelo o povo Kalunga é substituído por uma
forma de contar através da língua escrita. Ao trazer o povo Kalunga suas historia
individual e coletiva da comunidade tanto recente quanto antigas fazendo se um entrelace
na historia na época da escravidão para este cenário de construção, além de privilegiar, ao
longo desse enredo o coletivo em detrimento do individual , ou seja o que prevalece neste
documento é a historia de um povo de luta, resistência e identidade , contada por sujeitos
da comunidade Tinguizal, território quilombola Kalunga, não a de um sujeito especifico
em seu contexto histórico de produção de praticas sociais ( leitura e escrita).
Assim os fatos antigos da historia do povo Kalunga ressurgem na atualidade,
servindo de explicações para as varias situações cotidianas desse povo. A relação do
velho com o novo se destaca ao longo de toda a narrativa por meio de dona Loriana, seu
Joaquim, dona Anita, Dona Brasilina Portanto, entende-se que com a construção do PPP
visa-se os objetivos, metas e as estratégias permanentes de uma instituição de ensino em
termos de estratégias pedagógicas e funções administrativas, nesse sentido fazem parte da
gestão e do planejamento escolar, e a operacionalização do planejamento de forma
reflexiva continua de ação-reflexão-ação e dessa forma, se faz importante à participação
coletiva em sua construção, pois ele passa a ser uma bussola para as ações da escola.
Diante das observações feitas em sala de aula nas aulas de língua portuguesa,
pude perceber que a professora não tinha uma estratégia de ensino votada para os
letramentos, seja ele o escolar ou não. Ao perguntar pra ela como ela trabalhava os
letramento ela respondeu: ― eu busco o conteúdo de acordo com o que está sendo pedido
na matriz, peço os meninos pra ler, algumas vezes eu leio com eles, e depois passo umas
questões pra ver se ele compreendeu o texto‖
Percebe-se pela a fala da professora que os letramentos são visto apenas como
atividade obrigatória da matriz, ele não é visto como prática social, também não é visto
como reflexo da realidade social, nesta visão os letramentos não se caracteriza enquanto
letramento, mas sim enquanto alfabetização. Ao perguntar para professora porque que ao
invés de pegar um conteúdo do livro ela pegasse práticas da comunidade enquanto
conteúdo e desse para que os educandos pudessem fazer a compreensão dos fatos a partir
da realidade vivida por eles, ela me deu a seguinte resposta ―esses meninos não quer
saber de nada não, se eu não pegar firme com eles, eles não vão aprender nada‖. Mas
uma vez ela descartou totalmente o poder que o letramento tem em si, para fazer com que
os educandos sintam prazer em realizar as atividades proposta. É como se os
71
conhecimentos escolares estivessem separado da realidade do educando, é como se só o
conteúdo do livro tivesse o poder do conhecimento e da compreensão.
Contudo analise aqui não é somente saber se o professor trabalha ou não com a
idéia de letramento, é também tentar estabelecer uma interação entre o que está sendo
trabalhado, com a realidade a qual está sendo posta. Nem tão pouco estou desfazendo do
trabalho da professora, estou apenas tentando demonstrar uma condição a qual os
letramentos se encontra na comunidade.
Nesse sentido percebe-se que os letramentos escolares não estão excluindo os
letramentos híbridos da comunidade, ele não está sendo é condicionado em sua função
que é a de formar cidadãos capaz de se construir socialmente, produzir conhecimento,
elevar a consciência e de fazer com que o sujeito seja criadores e portadores de
letramentos.
Ao fazer a observação dos momentos extraclasse (chegada à escola, recreio,
final de aula, passeios, pesquisas, etc.), procurei focar no agir e no fazer dos educando,
quais atividades eles desenvolvia no horário do recreio, o que eles faziam ao chegar à sala
de aula e ao sair, e como eles se relacionavam entre si, quais elementos eles da sua cultura
eles traziam para esse espaço coletivo, quais eventos de letramentos estavam contido
nessa recreação dos educandos, observei também se algum professor eu uma das
professoras pesquisada participava desses momentos recreativo juntamente com os
educandos.
Ao ver os educandos chegando à escola a primeira coisas que eles faziam era
toma a benção aos funcionários da escola ( auxiliar de limpeza, merendeira, professora e
quem mais estivesse no local, inclusive eu. Chegavam cansados, suados, porém
sorridentes, começavam logo se interagir uns com os outros, nos diálogos descontraídos
eles iam tecendo as historias que se construíam no caminho, ou acontecimentos de casa,
dos acontecimentos fora da escola. Vejamos alguns fragmentos dessas falas:
_―Hum, hoje quando eu tava vindo, eu vi uma cobra.‖
_―Que cobra era?‖
_Jaracuçu, a bicha era grande‖
Nesse momentos todos se voltam para á historia que está sendo contada pelo o
colega, e começam a dialogar, como se todos estivessem presenciando a cena. Ali todos
sabiam o que era cobra (signo), todos sabiam de que cobra o colega estava falando
(significante) e todos sabiam que cobra é um animal (significado) e todos pensavam no
72
que poderia acontecer naquele espaços e tempo de encontro do menino e a cobra,
começaram a perguntar ― em que lugar da estrada ela estava‖ (percepção do espaço) ― o
que você fez quando viu ela‖ (instinto de reação). Minuciosamente percebe como os
educandos em um pequeno espaços de tempo estavam construindo letramento próprio da
comunidade (híbridos) através da oralidade, é como se eles estivessem escrevendo,
desenhando e lendo a historia, a partir de sua realidade, eles colocariam os códigos na
construção dessa narrativa com muita facilidade, ao narrar (oralidade) essa narrativa o
educando através dos seus conhecimentos próprios e dos conhecimento escolar (leitura e
escrita) poderia escrever letramento hibrido próprio da comunidade, fazendo uso da
leitura, da escrita, e da cena ocorrida.
Ao narrar essa historia o educando fazia uso da linguagem verbal e não verbal,
com a linguagem verbal ele narrava a historia, e com a não verbal ele fazia uso dos
gestos, como por exemplo fazer a representação do tamanho da cobra com as mãos.
Nos momentos de recreação o que mais me chamou a atenção foi às
brincadeiras de rodas, essas brincadeiras enquanto letramentos estão representados
através da multimodalidade discursiva dos educandos, a qual se constrói letramentos
híbridos, pois na multimodalidade discursiva nesse contexto faz- se uso da linguagem
verbal e não verbal, (fala, gestos e sons), vejamos um exemplo de uma das brincadeiras
de rodas do momento de recreação dos educandos.
―Ciranda, Cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar meia , volta e meia vamos dar
O anel que tu me deu, era vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas, era poço e se acabou,
O menina entra nessa roda diga um verso bem bonito
Diga adeus e vai se embora (―quando eu vim de lá de casa, vi uma galha de mamão, mamãe diz
que namorar é pegar e beijar a mão‖)
Podemos perceber aqui nessa brincadeira de roda a interação dos letramentos
escolares (leitura e escrita) e dos letramentos próprios da comunidade (oralidade,
memória, construção coletiva) há também conhecimento prévio da musica, sem antes ter
visto ela no espaço escolar, essa musica foi repassada de geração a geração nas
brincadeiras de roda da comunidade, porém essa não é uma construção própria da
comunidade, ela entrou no ―dicionário memória‖ das pessoas da comunidade através dos
letramentos sociais, ou seja, mesmo que em sua maioria as pessoas da comunidade não
tivesse contato com a leitura e a escrita diretamente, eles recebiam essa leitura e escrita
73
através de alguém da sociedade que era letrado, e os repassavam oralmente, e os mesmo
os repassavam a nova geração com as característica da comunidade. Como por exemplo,
quando colega responde o chamado da ciranda ―quando eu vim de lá de casa, vi uma
galha de mamão, mamãe diz que namorar é pegar e beijar a mão‖ além dela trazer os
elementos/objeto do seu conhecimento ―mamão‖ também traz os ensinamentos da mãe,
em relação ao namoro. Neste sentido podemos perceber a hibridização dos saberes,
musica ciranda cirandinha construção de uma sociedade ampla, em um contexto local se
relacionando com os sujeitos e suas práticas sociais educativas.
Para investigar a prática de ensino seria necessário observar a mesma e com isso
construir uma crítica construtiva que sugira reconhecer o que já atende as expectativas e o
que precisaria ser implantado para que pudesse dialogar conteúdo sistemático e curricular
com as práticas sociais, culturais e econômicas da comunidade.
Ao perguntar a professora quais atividades ela achavam interessante passar para
os alunos ela respondeu que era leitura, perguntei o porquê de ser a leitura?, Ela
respondeu que ―através da leitura o aluno conhece o mundo.‖ Vamos analisar essa
resposta: ― através da leitura o aluno conhece o mundo.
a) Que mundo?
b) O que está escrito nesse mundo?
c) A comunidade faz parte desse mundo?
d) Como sujeitos dessa comunidade o vê fazendo parte desse mundo?
e) Como uma comunidade que é formada por pessoas que tiveram seus
antepassados escravizados sé vê nessa leitura de mundo?
f) É preciso apenas conhecer o mundo fora do seu e espaço?
g) Só a comunidade que precisa conhecer o mundo, ou mundo também precisa
conhecer a comunidade?
Ao analisar a resposta da professora o quão grave é a situação da construção do
conhecimento nessa comunidade de pessoas com uma construção de luta e resistência
para se afirmar sujeitos de direito, olha só, estamos falando de pessoas que em sua
trajetória histórica busca o seu reconhecimento enquanto cidadãos de uma única
sociedade. Estamos falando de divisão de classes. Pois bem pegando pelos exemplos
dos livros didático principalmente os que fala desse ―mundo‖ propriamente dito, como o
negro é escrito nessa leitura? Como o negro é narrado nessa leitura? Em se tratando de
uma comunidade composto por pessoas negras, qual é o conhecimento que se está se
74
propondo para um educando que ainda está no seu processo de formação critica? Como
esse educando vai pegar esse conhecimento para si? Como desconstruir o que está
construído nessa leitura?.
Bom, depois de todos esses questionamentos, buscarei responder através da
minha própria trajetória, em busca de um letramento escolar, como ao longo do tempo
esses letramentos foram se construindo dentro de mim. Pois sou esse povo, e faço parte
desta comunidade de pesquisa.
―Meu nome é Maria Helena, menina simples e sonhadora, devido às durezas que
a sociedade me proporcionou, desde antes mesmo de eu ser gerada, eu sonho o sonho do
meu povo, e assim que nasci comecei a pagar pelo que ainda nem tinha usufruído, assim
como o meu povo estava pagando, para sociedade nos tínhamos uma divida, a de existir.
A nossa existência não era pra estar escrita na historia da sociedade, muito menos a
minha história, somos taxados de diferentes, exóticos, até cor nos temos: preta, parda,
amarela, morena, cor de burro, marrom, clara, escura, entre outras, até cor azul nós temos
(―fulano chega é azul de preto‖) para a sociedade somos povos de varias identidade:
descendente de escravos (construção da história); povo negro, povo preto, entre outras
denominações. Quando comecei a trilhar os caminhos dos letramentos escolares, não
mais queria ser eu, não me mostrava para a sociedade quem era Maria Helena, eu
mostrava para a sociedade o que ela queria ver da Maria Helena, e todos as vezes que me
aprofundava na leitura e na escrita eu não queria ser eu, queria ser tudo menos eu, nesse
caminho tropecei varias vezes e cair, não por falta de atenção, eu era empurrada pelo o
sistema. Mas como o meu sonho era me libertar de muitas opressões e talvez passar a ser
a opressora, o único caminho que eu via era o da escola, eu precisava estudar, ter as
armas da opressão, ser alguém, esse alguém eram os opressores, estes eram o espelho
para minha vida, e na escola isso me alimentava cada vez mais, eu me tornava racista
cada vez mais, eu era racista comigo mesma, eu não queria ser ―preta‖ assim como a
sociedade me caracterizava, e caracteriza. Os piores momentos desse caminho era quando
eu me tornava o exemplo da figuração do livro, era sempre assim ―olha ela é igual à
escrava do livro!‖― Olha essa neguinha aqui com a trouxa na cabeça, é igual o povo
seu!‖Outro momento era neguinha você quer trabalhar em casa? Eu te dou umas roupas
que não quero mais de presente! Eu vestia essas roupas e achava o máximo ter ganhado
esses presentes, meu serviço não tinha nenhum valor, eu estava recebendo um presente.
Voltando aos livros como era doloroso me ver representado ali daquela forma, mas
75
mesmo assim eu queria aprender esses letramentos, ainda queria ser opressora, só assim
eu não mais fazia parte daquela historia, a minha construção do conhecimento se baseava
nos termos ―negro escravo‖ não nos termos cidadãos, eu não queria ser negra, eu queria
beber leite quente para ficar branca, assim eu seria aceita pelos os meus colegas nas rodas
sociais, cada passo que eu dava, mais eu queria ser branca, vivia pensando formas de
embranquecimento.
Tentei uma vez a me matar, pulei da ponte, minha vida não fazia sentido, eu
estava num mundo que não me queria nele, eu por um bom tempo eu também não queria
estar nele. Quando tinha uns nove anos conheci uma professora que era tão boa em
ensinar e cuidava de mim como se fosse filha, pois dos dois anos até os 11 anos fui criada
sem mãe, era tudo que queria, ter mãe. Se a sociedade já é dura com uma pessoa negra,
imagina com alguém sem os seios de mãe.
Pensei até desistir da escola, não dava mais pra aguentar, mas quando essa
professora entrou na escola tudo mudou, ela me incentivava todos os dias, foi nesse
momento que o meu sonho mudou e eu nem percebi, eu já queria ser professora, ai minha
professora dizia ―pra ser professora você tem que estudar muito‖ ai coloquei na cabeça
que ia ser professora, não importava aonde eu ia , a descrição do livro sobre mim, ia me
acompanhando, porém já não me fazia tanto mau, eu queria ser professora, e pra ser
professora eu tinha que estudar muito, e se era isso que eu tinha que enfrentar, eu ia
enfrentar, não importava o que acontecia eu ia enfrentar.
O que tinha no livro já não era mais obstáculo, eu não deixava os obstáculos me
vencer, e assim fiz minha trajetória, até terminar o ensino médio e me tornar professora,
porém não uma professora diferente das outras, a minha formação era igual à de todas,
então eu ensinava como aprendi, e não como minha comunidade deveria aprender. Em
2012 entrei no curso de Licenciatura em Educação do Campo, nessa formação que pude
afirmar a minha identidade enquanto pessoa, foi nessa formação que afirmei minha
identidade de professora, foi nessa formação que adquiri os conhecimentos necessários
para ser um professor transformador, não um professor opressor, Os letramentos da
Ledoc, me mostraram que é possível ensinar diferente, que é possível a educação ser de
igualdade, que é possível fazer letramento sem ser pejorativo a qualquer sujeito.
Com base nas observações feitas na comunidade e na escola, percebe-se que o
contexto sociocultural da comunidade como: rituais religiosos, danças, benzimentos,
musicas poesia entre outros. Constroem momentos de interações sociais e espaços de
76
conhecimento e vivencias coletiva. Em relação a esse contexto farei um confronto dos
resultados obtidos mediante as observações com o PPP da Escola Tinguizal se este
contexto sociocultural da comunidade (oralidade Kalunga) esta inserido na escola, e
como eles interagem com os letramentos escolar. Sabemos que a educação atualmente na
comunidade é um instrumento de combate às violências sofridas pelos sujeitos dessa
comunidade ao longo de suas trajetórias de vida. De acordo com o PPP da escola ―O
Projeto Político Pedagógico além de ser o eixo de toda e qualquer ação a ser desenvolvida
no estabelecimento de ensino, proporciona a busca da identidade da escola, tendo por
finalidade o comprometimento na construção de uma sociedade mais humana e
democrática, vendo o homem como ser social e sujeito da educação‖.
Com base nessa frase ―construção de uma sociedade mais humana e
democrática‖ ao perguntar os professores e a comunidade se eles tem participação na
construção desse PPP, todos os professores disseram que não, que o PPP já vem pronto de
da secretaria, e a comunidade desconhece o que é PPP. Sendo assim a ―democracia‖
descrita pelo PPP é mera demagogia,
A inserção dos instrumentos a qual estou chamando de letramentos híbridos no
âmbito do saber escolar requer compreensão do seu significado e de sua práxis. No
campo dos letramentos formais é preciso estar atento ás metodologias para que as
mesmas sejam compatíveis a esses letramentos híbridos da comunidade, possibilitando
que esses letramentos possam permear por todos os conteúdos escolares de forma
interdisciplinar, ou seja, que eles estejam presente em todas as disciplina. Neste sentido o
PPP diz que ―O planejamento é um modo de ordenar a ação tendo em vista os fins
desejados, e por base nos conhecimentos, que deem suporte ao objetivo, à ação; é um ato
coletivo, não só devido a nossa constituição social, como seres humanos, mas, de que o
ato escolar de ensinar e aprender são coletivos.
Diante desse discurso ―ação é um ato coletivo‖ e com as observações feitas, foi
possível perceber que essa ação coletiva se dá apenas no contexto escolar sem
envolvimento do contexto sociocultural da comunidade. Sendo assim essa ―ação‖ não
tem bases para sustentar os letramentos da comunidade.
Assim sendo o Projeto Político Pedagógico deve ter como referência uma
elaboração coletiva, proporcionando momentos de leitura, discussões e reflexões de todos
os membros envolvidos no processo de aprendizagem da escola como: conselho escolar e
outros.
77
Nesse sentido toda a organização escolar: administrativa, pedagógica, e dos
serviços de apoio, dos professores, ou seja, todo o grupo gestor em suas práticas de
letramentos tem que estar aptos a trabalhar esses letramentos. Os mesmos devem passar
pelo aprendizado dos conteúdos específicos dos letramentos escolares, estando
relacionados á coerência das ações e atitudes tomadas nesse processo. Sem essa
coerência, o contexto sociocultural e o discurso desses letramentos, ficam desarticulados
da prática e deslegitima todo o processo educativo neste sentido. Também é preciso ter a
consciência que esse letramentos é um processo continuo.
Neste sentido concorda-se com o PPP quando o mesmo diz que ―Assim sendo o
Projeto Político Pedagógico deve ter como referência uma elaboração coletiva,
proporcionando momentos de leitura, discussões e reflexões de todos os membros
envolvidos no processo de aprendizagem da escola como: conselho escolar e outros‖. O
termo ―outros‖ aqui pode ser uma abertura a participação da comunidade.
Segundo o PPP a criação da escola se deu a partir do interesse da comunidade
que reivindicaram ao governo municipal, pedindo a construção de uma escola para
melhor atender os seus filhos que se deslocavam para estudar na escola mais próxima que
ficava a uma distância de 06 km.
Diante das entrevistas seu Joaquim diz que ―nos lutamos muito por essa escola,
antes era uma escolinha de palha, hoje já temos uma grande que o exercito construiu‖
nesta fala de seu Joaquim mostra sua satisfação através dos olhos e do sorriso ele também
relembra sua infância, e diz da importância dos estudos. Seu Joaquim também revela
suas angustias em relação á não ter á oportunidade de estudar, pois não havia escola na
comunidade, nem no Tinguizal, nem no vão de almas onde nasceu. Ele conta que a
oportunidade que teve foi muito pouca ele andava 10 km subindo serra descalço, ate na
fazenda Sicuri, onde uma senhora chamada Geuza começou a dar aula para os meninos
de todas as comunidades, mas com o tempo ele acabou desistindo, porque a dificuldade
era demais, tendo que subir serra todos os dias descalço e ainda chegar e ir pra roça
capinar, Segundo ele hoje pelo menos na areia de estudo esta bom, o grande problema é
quando os filhos já não tem mais aula ali, e precisa sair para estudar fora, pois muitos pais
não tem condição de manter seus filhos na escola, ocasionando assim um alto índice de
meninos Kalunga desistente, fazendo com que muitos dos jovens entre 13 á 20 sejam
obrigado a irem embora da comunidade em busca de melhores condições de vida e
78
estudo, pois para ele é muito triste não saber ler ou escrever, e que o pouco que aprendeu
faz com que ele se sinta bem,
Essa satisfação também é realçada por dona Loriana ela também revela, que
queria muito estudar e que sente muito por não ter tido a oportunidade de aprender a ler á
escrever, mas que se sente feliz ao ver seus filhos ,seus netos e seus bisnetos estudando e
alguns ate formados no ensino médio e cursando o ensino superior. Ela também conta que
é devota de santa Luzia e que todo ano reza e faz a festa em homenagem à santa das
vistas, diz também que os mais novos não estão querendo aprender as rezas e as folias,
poucos se interessa, mas que essa falta de interesse ocorreu depois que muitos
começaram á sair pra estudar e trabalhar fora ,ela diz que se os mais novos não aprender
daqui uns anos ,se ela morrer não terá mais festa de santa Luzia
Em relação aos‖ índices de meninos Kalunga desistente‖ o PPP diz o seguinte
―Portanto, a escola deve ser um ambiente privilegiado de aprendizagem. Nela, o
currículo, a formação dos professores, a administração do tempo, do espaço, o material
didático devem estar planejados para ajudar a constituir um espaço de aprendizagem. Ela
deve ser eficaz para o fim a que se propõe. E é pensando nisto que fazemos o possível
para transformar o ambiente escolar o mais agradável possível para que nosso educando
sinta prazer em vir e permanecer na escola‖.
Em relação á pesquisa com os educandos desistentes, buscou responder estas
questões abaixo relacionadas com fragmentos das resposta dos educando‖. Identificando-
os por educando 1, 2, 3, e 4.
a) Qual o motivo da desistência?
b) Qual sua relação com a escola?
c) Qual sua relação com o professor?
d) Você pretende voltar a estudar?
O educando 1 disse: ―eu preciso trabalhar, vou embora daqui, aqui não tem
serviço pra mim, aqui não tem nada, a escola é só prá mim estudar, os professores não
sabe conversar com agente, ele acha que é pai da gente, pra ficar gritando com a gente, só
porque faltei porque fui ajudar meu pai na roça, ele não quis me dar à prova, falou que se
eu faltasse de novo ia me reprovar, não deixou eu nem falar o porquê faltei, a escola é
dele, ele que fica com ela, eu que não volto mais pra escola‖.
Educando 2 ―lá na escola é muito ruim, aqui não dá pra ficar só estudando sem
trabalhar, pai e mãe não tem como me dar tudo que eu quero, eu quero comprar sapato, e
79
um monte de coisas que eu preciso, se eu ficar só na escola não tem jeito não. O professor
ganha o dinheiro dele, compra as coisas dele e não esta importando se eu tenho alguma
coisa ou não‖.
Educando 3 ― tenho que sair pra trabalhar, aqui não tem serviço pra gente, na
verdade não tem nada, lá na rua tem tudo, do que adianta eu estudar e não achar serviços,
olha o tanto ai que já estudou e não esta trabalhando, tem uns até que já fez faculdade,
nem esse não tem emprego eu que vou ter, o prefeito aqui emprega quem ele bem quer,
nos aqui não tem vez não, então pra que estudar? O professor não sabe dar aula e quer
que agente aprende, um dia talvez eu volto a estudar mas agora não‖.
Educando 4 ―os professores não entende o que eu falo direito, porque tenho a
boca rachada e o céu da boca também, todo mundo da sala fica rindo por causa de como
eu falo as coisas atrapalhada, falo assim não é por que eu quero não, se eu fosse boa eu
não falava assim não. Às vezes eu não quero fazer as atividades de leitura ou responder o
que o professor pergunta, ele acha que eu não quero estudar, fica falando coisa, pensa
bem, todo dia eles ri de mim porque falo as coisas atrapalhada, eu vou querer ir estudar
com esses sabido, eu não. Meu sonho é ser professora, mas assim não da pra estudar,
depois que eu operar o céu da boca, talvez eu volto,
Diante da fala da educanda algo que me chamou muita atenção no PPP, foi o
seguinte:
―Entendemos que nossa finalidade é o compromisso com a redução das
desigualdades sociais; a articulação das propostas educacionais com o desenvolvimento
econômico, social, político e cultural da sociedade; a defesa da educação básica, gratuita
de qualidade como direito fundamental do cidadão. Nessa perspectiva, a Escola
Municipal Tinguizal oferta o Ensino Fundamental 1º ao 5º ano no turno matutino.
Ofertamos atendimento educacional especializado aos alunos:
Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, relacionadas a distúrbios, limitações ou deficiências;
Dificuldades de comunicação e sinalização demandando a utilização de outras
línguas, linguagens e códigos aplicáveis;
Condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos neurológicos ou
psiquiátricos;
Superlotação/altas habilidades que, devido às necessidades e motivações
especificas, requeiram enriquecimento e ou, aprofundamento curricular, assim
como aceleração para concluir, em menor tempo a escolaridade.
80
De acordo com a fala da educanda e as entrevista, os moradores relatam que isso
não se aplica, seu Jose pai de uma menina com síndrome dawn em uma conversa
descontraída ele disse o seguinte ― quando minha filha estava viva ela gostava de vim pra
escola estudar, todo dia ela pegava o caderno colocava debaixo do braço e vinha sozinha,
porém esses anos todo ela não aprendeu, na verdade nem os professores queria perder o
tempo deles de ensinar um aluno bom, pra ensinar pra minha filha, eles não estão
preparado pra ter uma criança aqui assim não‖
Percebe-se na fala de seu José a angustia e dor, de ver que se sua filha, tivesse
tido um acompanhamento especializado igual está escrito no PPP, ela tinha aprendido ler
e escrever. Esse atendimento só consta no papel, na prática é nada.
Ao se tratar de prática pude perceber as diferentes temáticas que foram surgindo
ao longo de cada narrativa, por exemplo, história como: mudanças no modo de vida
cotidiano, dificuldades, escolas, conflitos, família, festa, trabalho, uso da terra, alegrias,
tristezas, desejos, entre outros temas. Sendo assim sabe-se que as mudanças no modo de
vida cotidiano foram provocadas pela chegada da escola e consequentemente da estrada,
energia, água encanada em parte da comunidade; das dificuldades enfrentadas está na
falta de estrutura social e política de acordo com o modo de vida da comunidade
Tinguizal, desse modo surgem os conflitos que envolvem as famílias dessa comunidade e
pessoas não nativas da mesma, pois segundo relatos verbais pessoas que entram na
comunidade possuem uma cultura diferente e de maneira direta ou indiretamente
interferem na cultura nativa.
O uso da terra está intimamente ligado ao trabalho, as alegrias e as tristezas,
pois segundo relato de alguns moradores o desejo de possuir bens de consumo, até então
não conhecidos e que por esse motivo não sentiam necessidade, mas tendo em vista a
inserção da ―cultura do outro‖, ou seja, uma cultura de tecnologias modernas, passam a
ser desejável como item essencial para o bem estar pessoal. Por outro lado há a evasão de
jovens, fato esse que provoca profunda tristeza e consequentemente perda de identidade
cultural. Neste sentido o PPP consegue fazer um dialogo com essa escrita. ―A escola tem
a responsabilidade de nortear as atitudes básicas para a transformação de uma sociedade
mais justa e democrática, onde homens trabalhem par viver com qualidade e respeito,
valorizando a cultura e a discussão entre todos e por todos‖
81
Em relação à formação de educadores o que foi possível constatar é que a
introdução da temática dos letramentos na formação de educadores, continuada ou de
graduação, poucos são os cursos que trabalham sistematicamente nesta perspectiva de
letramentos enquanto inclusão social. Neste sentido é preciso que perceba que essa
temática dos letramentos se desdobra em duas vertentes que de inicio parece não ter
nenhuma relação e que no final, percebe-se que essas duas na verdade é uma só.
Inicialmente cabe destacar que letramentos em sua natureza são patrimônios
historicamente construídos a partir do conhecimento social: articula, organiza, reflete,
interpreta, intervém e produz novas realidades, tanto do ponto de vista de estrutura física,
quanto social.
Nessa perspectiva, o acesso a esse tipo de letramento, bem como a apropriação
desse conhecimento é um direito inegável a todos. Desse mesmo modo a participação no
processo de produção reprodução e preservação desse conhecimento são também de
responsabilidade de todos. A sistematização dessas práticas sociais de realizar
conhecimento através dos letramentos em circulação social é prioritariamente função
escolar. Todavia não é somente responsabilidade da escola garantir a efetividade desse
processo, sendo ela uma instituição publica que tem como parâmetros norteadores a
política de estado, seja na educação básica ou superior.
É preciso olhar a temática dos letramentos para além da sala de aula, ou
meramente o ato de ler e escrever, mas olhar letramento enquanto ação social. E sendo
este ação social, cabe ao estado garantir políticas publicas que possibilite o ingresso e a
permanência de pessoas que querem exercer o papel de educador nos espaços de
formações deste nível. Isso significa que é preciso que haja essas políticas e que essas
políticas prevejam processos específicos para essa formação desses profissionais.
Partindo dessas premissas analisaremos uma dessas políticas de oferta de
formação de educadores em sua especificidade que é a Licenciatura Educação do Campo-
FUP-UNB, por meio do seu PPP e das falas de sujeitos que através dela, se tornaram
profissionais da educação. Segundo o PPP a proposta de implementação do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo atende á demanda formulada pelo Ministério da
Educação, por meio do Edital nº 9, de 23 abril de 2009. O mesmo diz ainda que o curso
pretende contribuir para construção coletiva de um projeto de formação de educadores
que sirva como referencia prática para políticas e pedagogias de educação do campo.
82
Neste sentido buscou-se através das entrevistas com a professora Maria da
comunidade Tinguizal verificar o que seria Educação do Campo e quais contribuição
esses curso traz para comunidade.
A Licenciatura em Educação do Campo é um curso especifico para atender as
particularidades dos moradores do campo, com direitos iguais de cidadão, visando uma
graduação para todos . Além disso, com qualificação profissional de qualidade. Em geral
a Educação do Campo nos proporciona a aplicação dos conhecimentos valorizando os
conhecimentos empíricos e acumulando o cientifico; nos fortalecem como coletivo e
melhora a educação em nossas comunidades, a Educação do Campo pode ser considerada
qualidade de vida. Além da formação de profissionais voltado para a área da educação, a
Educação do Campo preocupa com a estrutura social das pessoas e nos ajudam organizar
melhor nossa sociedade.
Neste sentido percebe-se que a Educação do Campo não pode ser entendida
apenas como uma simples formação de profissionais da educação, para Lourdes
Fernandes também egressa da Ledoc não se preocupa apenas com a formação ―penso
que, além da formação profissional o curso preocupa em trazer melhorias no âmbito
social, educacional, moradia, saúde, etc. Pois o curso nos dá ânimo de luta visando a
igualdade social. A Licenciatura em Educação do Campo é um curso diferenciado, ele nos
fortalecem, fortalece a comunidade, fortalece os coletivos da comunidade, fortalece a
escola e nos dá mais bases para organicidades para as lutas.
Percebe-se aqui que a partir da visão das entrevistadas essa política publica vem
de encontro as DCNs para a Educação Quilombola que estabelece mediante resoluções o
seguinte:
Art. 1º Ficam estabelecidas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola na Educação Básica, na forma desta Resolução.
§ 1º A Educação Escolar Quilombola na Educação Básica: I - organiza
precipuamente o ensino ministrado nas instituições educacionais fundamentando-se,
informando-se e alimentando-se: a) da memória coletiva; b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
83
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patrimônio
cultural das comunidades quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade.
II - compreende a Educação Básica em suas etapas e modalidades, a saber:
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação do Campo, Educação
Especial, Educação Profissional Técnica de Nível Médio, Educação de Jovens e Adultos,
inclusive na Educação a Distância;
III - destina-se ao atendimento das populações quilombolas rurais e urbanas em
suas mais variadas formas de produção cultural, social, política e econômica;
IV - deve ser ofertada por estabelecimentos de ensino localizados em
comunidades reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis como quilombolas, rurais
e urbanas, bem como por estabelecimentos de ensino próximos a essas comunidades e
que recebem parte significativa dos estudantes oriundos dos territórios quilombolas;
V - deve garantir aos estudantes o direito de se apropriar dos conhecimentos
tradicionais e das suas formas de produção de modo a contribuir para o seu
reconhecimento, valorização e continuidade;
VI - deve ser implementada como política pública educacional e estabelecer
interface com a política já existente para os povos do campo e indígenas, reconhecidos os
seus pontos de intersecção política, histórica, social, educacional e econômica, sem
perder a especificidade.
Art. 2º Cabe à União, aos Estados, aos Municípios e aos sistemas de ensino garantir:
I) apoio técnico-pedagógico aos estudantes, professores e gestores em atuação
nas escolas quilombolas;
II) recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários que
atendam às especificidades das comunidades quilombolas;
c) a construção de propostas de Educação Escolar Quilombola contextualizadas.
Art. 3º Entende-se por quilombos:
I - os grupos étnico-raciais definidos por auto atribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica;
II - comunidades rurais e urbanas que:
84
a) lutam historicamente pelo direito à terra e ao território o qual diz respeito não
somente à propriedade da terra, mas a todos os elementos que fazem parte de seus usos,
costumes e tradições;
b) possuem os recursos ambientais necessários à sua manutenção e às
reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória.
De acordo com o artigo 2º das Diretrizes Curriculares para a Educação no Campo
evidencia que a definição da identidade da escola dessa modalidade passa,
primordialmente, pelo perfil dos indivíduos a que está destinada. Sendo assim, a
identidade da escola do campo não pode ser restrita a uma localização geográfica, mas
sim estar vinculada à comunidade do campo, além de estar intrinsecamente relacionada
às questões da realidade social dos povos do campo.
Portando foi mediante todas essas discussões que a inserção da oralidade na
construção dos letramentos escolar, não depende apenas da formação do educador, mas
de todo contexto que envolve os processos educacionais no âmbito de suas
especificidades como é o caso das comunidades quilombolas.
É bem ali,
Entre morros e serras,
É acolá, entre serras e morros,
Escuta!
Os sons da terra, os sons do mato, das águas e do povo;
Veja o bailar das saias coloridas
Escute!
O batuque do tambor
Os sons das orações,
Viu?
Estamos em todo lugar,
E na escola devemos estar! (autora – Maria Helena)
3.4 - Contextualização Escola Municipal Tinguizal e Projeto Político Pedagógico
O projeto Político Pedagógico conhecido como PPP, deve propiciar um diálogo
entre currículo, escola, mediação e prática de ensino e as especificidades da comunidade
escolar. A escola atende as normas de um sistema de ensino que sua vez propõe o
currículo referencial de conteúdos e prévia de habilidades ou expectativas de ensino,
desse modo, o PPP da escola deve articular a construção do mesmo, de forma dinâmica,
dialógica, ética e democrática, concedendo significados a aprendizagem dessa proposta
para os educandos, para entender melhor os esquema abaixo ilustra a afirmação acima.
Quadro 1- Esquema de construção do Projeto Político Pedagógico.
85
(Autora: Maria Helena)
Segundo o Projeto Político pedagógico-PPP (2015) da Escola Municipal
Tinguizal a primeira escola da comunidade era feita de pau à pique e palha, era
denominada por ―escolinha‖ a criação da nova escola ocorreu mediante o interesse da
comunidade e reivindicar ao governo municipal a construção da mesma, de modo que
essa pudesse atender a clientela local para que esses não precisassem se deslocar para
outras localidades a fim de estudar, pois a escola mais próxima ficava uma distância de
seis quilômetros da comunidade. Conforme representado pelas fotos a seguir:
. Figura 10.1.2 - Uma história do povo Kalunga. Caderno de atividades e encarte para o professor.
Fonte: MEC; SEF. Brasília, p.120, 2001.
A Escola Municipal Tinguizal de 1ª fase do ensino fundamental de 1º ao 5º ano
(Multisseriada), trabalha com o projeto aprender no turno matutino; possui 22 alunos
Sistema de ensino/Currículo/Escola
Educador /Formação/Mediação e Prática
Educando/Saberes Locais/Participação e Reconstrução do Currículo
Projeto Político Pedagógico/Garantia de Direitos e Deveres e
Autonomia do Ensino e Significação da Aprendizagem
86
distribuídos em duas turmas; na divisão das turmas leva-se em conta a idade, a série e a
localização onde mora, pois alguns alunos advêm de outras fazendas para estudarem
nessa escola; vale frisar que a comunidade na qual essa escola se encontra inserida é
formada por povos remanescentes de quilombolas, logo essa escola está localizada no
campo.
Na Escola Municipal Tinguizal a provinha Brasil não é realizada pela quantidade
de alunos ser insuficiente.
Figura 11 - Escola Municipal Tinguizal. Fonte: Maria Helena Serafim, 21 Fev. 2013.
De acordo com o PPP (2015) da escola municipal Tinguizal seu objetivo geral
consiste em conferir ao aluno uma educação inovadora que utilize práticas pedagógicas
que propicie o ato reflexivo sobre a ação, com a finalidade de promoção da criticidade, da
ética, de forma que esses possam ser sujeitos participativos e solidários e que possam
aprender com a prática e que se desenvolvam para viver em sociedade. Encontra-se
disposto no PPP a ideia de que,
A educação é a condição básica para o desenvolvimento pessoal e
exercício da cidadania, pois o ser humano é um ser cultural em vias de
realização. À luz da razão, ele se descobre a si mesmo e ao mundo em
torno, como um repertório de possibilidade, em face das quais ele tem
de se definir. Seu comportamento é pautado, na maioria das vezes, por
respostas e desafios. Nessa permanente construção de si e do mundo, a
cultura humana se revela como um processo de auto realização do
gênero humano, em busca da humanidade plena (PPP, 2015, p.7).
O PPP da Escola Tinguizal prioriza a compreensão do mundo na atualidade nos
aspectos social econômico, político, cultural, e educacional, pois a educação se encontra
87
inserida nesse contexto e do mesmo modo as ações dessa escola. Sendo assim o papel da
escola equivale a transmissão e apropriação do conhecimento [...] pois a função principal
da escola e a transmissão e a apropriação dos conhecimentos. Pelo conhecimento o
homem adquire os instrumentos necessários para a transformação/apropriação da
natureza em seu benefício (PPP, 2015, p.6).
Segundo o PPP com o advento da tecnologia ocorreram a nível mundial grandes
avanços importantes, embora na comunidade se perceba índices de desigualdade social,
[...] quebra de valores essenciais crescente preconceito, violência, desestruturação
familiar, falta de amor e respeito, entre outros aspectos que invadem nossas casas
modificando nossa sociedade (PPP, 2015, p. 10). Discorre ainda sobre as transformações
socioeconômicas e ambientais que interferem o equilíbrio e refletem na aprendizagem. E
afirma ser a escola a instituição capaz de atender as necessidades da sociedade do século
XXI, por ser essa responsável por transformar atitudes básicas em mais justas e
democráticas, de forma a contribuir com a formação humana em termos de qualidade de
vida, de respeito, de valorização cultural.
Escola Municipal Tinguizal: Entidades mantenedora e serviços públicos que
dispõe
Secretaria Municipal de Educação e Cultura;
Prefeitura municipal;
Parceria: Secretarias de saúde, esporte, assistência social, meio ambiente,
conselho tutelar;
Sistema de água-Rede pública SANEAGO;
Rede de esgoto-fossas;
Coleta de lixo- queima;
Energia pública-CELG.
Dos recursos financeiros:
A escola Municipal Tinguizal recebe as verbas via secretaria de educação, tais
como:
FUNDEF-Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério 60% para pagamento dos professores, diretores e
coordenadores e 40% para compra de materiais pedagógicos, de consumo e permanentes,
reforma, pagamento de outros funcionários e administrativo.
88
PNAE- Programa Nacional de alimento na Escola, destina-se a compra de
merenda escolar, seu valor varia de acordo com a quantidade de alunos, a coordenadora
efetua as compras, o conselho analisa e aprova.
FNDE- Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação cobre as despesas de
custeio para melhorias física e pedagógicas. Direcionados ao ensino fundamental,
solicitado por meio de projeto.
PME-Plano de Melhoria da Escola
PDDE- Plano de Dinheiro Direto na Escola
PDE- Plano de Desenvolvimento da Escola, ferramenta gerencial auxilia a
escola a realizar seu trabalho, define o que a escola deve fazer, aonde pretende chegar,
determinando com quais recursos, com a finalidade de obtenção de uma educação de
qualidade, promovida com a participação de todos, tais como: toda equipe escolar, pais de
alunos e outros interessados, ainda a prefeitura municipal entra com a contrapartida.
Figura 12.1.2 - Escola Municipal Tinguizal interior da sala de aula e pátio. Fonte: Maria Helena
Serafim, 21 Fev. 2013.
De acordo com o PPP da Escola Municipal Tinguizal as atribuições do professor
do atendimento educacional especializado ocorrem de acordo com a resolução CNE /
CEB nº 04/ 2009.
De acordo com o currículo proposto para a Educação do Campo esse deve seguir
metodologicamente uma proposta de ensino aprendizagem, embasado na construção de
um currículo crítico e contextualizado com o ensino para as escolas do campo. Deve-se
levar em conta a localização da escola a qual, por vezes se situa em regiões marcadas pela
89
presença de camponeses, ribeirinhos, ou pequenos proprietários que lutam pela posse da
terra, assim como, povos indígenas, posseiros, territórios quilombolas, ou ainda de
assentamentos e acampamentos da reforma agrária. Para Taffarel, (2010) as concepções
de plano de trabalho formulado para as escolas do campo equivalem ao ―novo currículo,
considerado como um plano de vida escolar relacionado com o modo de vida do campo‖
(Taffarel 2010, p.197) e precisam estar vinculadas com a vida dos sujeitos do campo e
para isso se faz necessário classificar a concepção, os planos de estudo e os objetivos a
serem atingidos, sendo assim:
Para elaborar um plano de trabalho que se expresse praticamente como
―plano de vida escolar‖, deve-se partir de um exame da realidade atual,
da comunidade local e da sociedade como um todo, que evidencie as
necessidades vitais e forneça indicações do método necessário para
compreender a essência dos fenômenos sociais em suas relações
recíprocas e as formas possíveis para transformar a ordem existente.
Isto implica realizar um inventário do meio. É preciso clarificar a
concepção de educação, os objetivos do estudo e o plano de estudos
(TAFFAREL, 2010, p.197-198).
Taffarel, afirmam que o plano de vida deve articular-se como o projeto político
pedagógico ―‗plano de vida‘ é a articulação entre o PPP e o currículo escolar [...] é um
plano de vida e de ação para a escola como um todo, inclusive para a comunidade em que
ela está inserida‖ (Taffarel al., 2010, p.197), tais autores informam que nesse processo
cada sujeito se reconhece e se motiva para frequentar e se dedicar a escola.
Para Taffarel, (2010) os complexos equivalem a uma ―problemática significativa
da realidade atual‖ com isso surge a nova proposta de ensino que apresenta possibilidades
de organização do programa de ensino baseado nos complexos que representa um sistema
de organização do próprio programa que se justifica pelos objetivos proposto pela escola,
esses complexos ainda na visão dos autores são os critérios para a seleção das disciplinas
e conteúdo dos currículos que nortearão as atividades escolar de maneira dinâmica
pautado na realidade atual dos alunos.
Portanto, entende-se que com a construção do PPP visa-se os objetivos, metas e
as estratégias permanentes de uma instituição de ensino em termos de estratégias
pedagógicas e funções administrativas, nesse sentido fazem parte da gestão e do
planejamento escolar, e a operacionalização do planejamento de forma reflexiva continua
de ação-reflexão-ação e dessa forma, se faz importante a participação coletiva em sua
construção, pois ele passa a ser uma bussola para as ações da escola. Faz-se ainda
90
necessário a constante leitura do PPP para que esse seja adequado as necessidades
escolares e para que possa oferecer um ensino de qualidade. Neste contexto o Projeto em
questão deve manter uma dialógica constante considerando os letramentos diversos, a
saber;
Quadro 2 – Esquema dialógico do Projeto Político Pedagógico
(Autora: Maria Helena)
A criação da escola abre espaço para o processo de letramentos (leitura e escrita)
nas comunidades, com isso as reflexões feitas por moradores da comunidade Tinguizal
sobre essas mudanças, acontecem de maneira frequente, ressaltando as contradições, mas
também o desejo de melhorias, tendo em vista que com a introdução de novas culturas e
do processo de letramento escolar o povo Kalunga passa por um processo de adaptação
cultural, embora eles mesmo afirmam que se faz necessário que se aprenda, estude, para
mudar algumas áreas que se encontram defasadas. Afirmam a necessidade da criação de
uma nova educação, pautadas em mudanças, transformações e experiências, que relacione
a teoria com a prática de oralidade e que ambas estejam ligadas ao respeito à cultura, a
diversidade e especificidade do povo Kalunga.
Em retrospectiva as aulas na comunidade Tinguizal recorda-se que lá existe uma
pequena biblioteca com algumas obras, embora na época se dispensava pouco incentivo
quanto ao uso da mesma; as crianças quase não leem e quando o fazem não possui
nenhum tipo de acompanhamento com ficha catalográfica que possa orientar quanto a
autoria, a editora, o local, título e assunto tratado na obra. Sendo assim vigora o método
Educando – cultura-aspectos
sociais – econômicos e
outros.
Aprendizagem significativa e
libertadora
Escola – Currículo – Projeto
Político Pedagógico
91
de ensino tradicionalista por meio do qual somente o professor possui vez e voz, os
alunos ao serem conduzidos a leitura recebem pouco ou nenhum auxílio prévio, capaz de
introduzi-lo ao contexto da mesma.
Sabe-se que livro deve ser visto como um objeto cultural: para se ler, ver, tocar,
sentir, conhecer ter acesso ao livro e ao seu conceito como editora, autor, ano de
publicação, ou seja, o aluno precisa ter contato direto com o livro como objeto cultural,
vivenciar a leitura e construir novos significados a partir da leitura. Não somente o livro,
mas também outros recursos que possam auxiliar a desenvolver o hábito da leitura como
receitas culinárias, bula de medicamentos, que servirão para desenvolver o domínio da
leitura e escrita, bem como promoverá ao aluno formação para aprender a ler o mundo
através de uma dinâmica entre linguagem e realidade de forma que esse consiga dominar
os diferentes usos da escrita na sociedade e que desenvolva a capacidade de valorizar o
que pensa e o que vivencia, pois ser plenamente alfabetizado é saber ler e interpretar o
que leu.
Rojo promove uma crítica a respeito da leitura escolar ao mencionar que existe
uma estagnação da mesma no início do século passado, para ela em termos de
competências e habilidades concernentes a escrita carece de reflexão sobre os problemas
de escrita e ensino de língua portuguesa, pois se faz necessário que a linguagem promova
autonomia aos sujeitos e dê "
[...] conta das demandas da vida, da cidadania e do trabalho numa
sociedade globalizada e de alta circulação de comunicação e
informação, sem perda da ética plural e democrática, por meio do
fortalecimento das identidades e da tolerância às diferenças. Para tal,
são requeridas uma visão situada de língua em uso, linguagem e texto e
práticas didáticas plurais e multimodais, que as diferentes teorias de
texto e de gêneros favorecem e possibilitam. (ROJO, 2009, p. 90).
A partir da citação supracitada e em relação as aulas oferecidas na comunidade
Tinguizal percebe-se que existe alguns problemas a serem refletidos em termos de
fortalecimentos das identidades e da tolerância as diferenças, pois nas comunidades o
contexto se apresenta diferente da vida urbana, existe termos e conceitos que não se
aplicam a vida no campo e desse modo se não forem analisadas e pensadas de modo a
promover algumas alterações na matriz curricular, bem como na metodologia aplicada
nas aulas, de modo a respeitar as diferenças, o ensino ministrado não surtirá o efeito
esperado nem a nível local e muito menos global.
92
Concorda-se com as palavras de Rojo ao perceber que atualmente tais problemas
assolam as comunidades quilombolas, tendo em vista que muitos jovens migram para as
cidades circunvizinhas em busca de melhores condições de vida e até mesmo de estudos,
e a isso se deve ao fato da evasão escolar. Ao chegarem nas cidades os jovens
quilombolas passam por processos de exclusão social, marginalização e consequências
decorrentes do preconceito e da discriminação racial, o que levará não só aos grandes
índices de reprovação escolar, como a evasão e outras sequelas.
Entende-se que para amenizar ou mesmo corrigir a disparidade encontrada nas
sociedades atualmente, faz- se necessário a inserção de projetos de inclusão social para
pessoas que se encontram em posição de excluído de alguma maneira nos diferentes
espaços sociais, para tanto as políticas públicas contribuem com o estabelecimento de
padrões de acessibilidade, bem como o investimento em formação inicial e continuada
para os professores a fim de que esses possam atuar eficazmente no processo de inclusão
social.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os letramentos não se resumem a uma única vertente, podendo assim ser
chamados de multiletramentos como: computacional, visual, musical, poético, cientifico,
tecnológico, social, escolar, entre outros. E é justamente na diversidade cultural quem
podemos observar os diferentes letramentos, desde os mais tradicionais aos modismos de
construção e reconstrução de linguagem escrita e visual. Desse modo é de suma
importância observar não somente os tipos de textos e letramentos, mas a formatação
desses textos, a mensagem explícita, os elementos visuais ou ilustrativos do mesmo, entre
outros. Ao tratar de comunidades tradicionais, os letramentos são diversificados conforme
a cultura local e acesso das pessoas a outros grupos externos. Os letramentos multimodais
são produtos de comunicação dos grupos sociais e das relações de significados dos
mesmos, que não se emprega apenas a comunicação e linguagem escrita, mas também
por meio de imagens e oralidade como novelas, filmes, vídeos documentários e outros.
Tratando de mediação da aprendizagem, texto, oralidade e imagem favorece melhor o
ensino em sala de aula, ou seja, ambos facilitam a compreensão da mensagem expressa
ou conhecimento a adquirido. Nesse ponto, o currículo referência traz na organização da
língua portuguesa enquanto metodologia e procedimentos em sala de aula os seus
aspectos em ordem, a saber: oralidade-leitura, leitura-escrita-reescrita, leitura-escrita-
reescrita-análise do texto, entre outras. Comunicar, produzir, reproduzir, relacionar social,
cultural e economicamente, são aspectos que contribui com a construção dos elementos
multimodais na comunicação escrita, oral e visual, atualmente ambas as três formas
muito usadas em uma única comunicação. Neste contexto, é importante rever as práticas
educativas de modo a trabalhar melhor esses letramentos.
Em conclusão, percebe-se que os professores lotados nas comunidades
quilombolas devem construir novos saberes, de forma que esses sejam essenciais para a
formação cidadã e que o conhecimento ministrado elabore bases fundamentais para a
inserção do sujeito na sociedade, a fim de promover uma consciência crítica e reflexiva,
capaz de torná-lo competente e hábil no tomado de decisões positivas cabíveis a sua
atuação por direito, com liberdade de expressão através do uso da linguagem em sua vida
social.
94
A partir desses elementos deve-se levar em conta a superação de uma educação
que prioriza apenas os interesses da classe dominante, deve-se levar em conta ainda a
amaneira de produzir, o preparo da terra, o período da colheita e seus saberes sobre esse
processo, a cultura do sujeito, suas crenças, seus costumes, festejos, seus mitos, sua arte,
cantos, rezas, danças, em fim seu modo de vida geral.
Diante do exposto postula-se que o professor em suas atividades pedagógicas se
proponha a trabalhar com temas instigantes e que dialoguem com a coletividade, que
falam sobre a condição real dos sujeitos incluindo sua própria história e ancestralidade e
dessa forma seja tratada sua condição indenitária e sua cultura. O contato com as histórias
tradicionais e ancestrais abrem possibilidades ao aluno de interpretar experiências para
melhor entender o contexto em que vive, sendo assim o resultado será a aproximação do
aluno à uma proposta emancipatória.
A prática educativa seja ela quilombola ou não, deve proporcionar ao educando
o direito de refletir, tomar decisões, rever atitudes, atuar-se enquanto sujeito crítico da
realidade, transformando a mesma, de forma que o espaço de vivências tenha condições
de sustentabilidade e de valorização de sua cultura e saberes.
95
REFERÊNCIAS
AMÂNCIO, Júlia Moretto. Parcerias entre Estado e sociedade civil: significados e
desafios na gestão de políticas públicas. O caso da assistência social em São Paulo /
Júlia Moretto Amâncio. - - Campinas, SP: 2008.
AMARAL, Suely. 31/07/2005. Linguagem verbal: É aquela que utiliza palavras.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/linguagem-verbal-e-
aquela-que-utiliza-palavras.htm . Acesso em: 27 dez. 2016.
ARAUJO, Ana Cristina de. Discursos que revelam o letramento acadêmico na (re)
constituição identitária dos educandos da licenciatura em educação do campo.
Brasília, 2016. 143p.
AZANHA, José Mario Pires. Educação: temas polêmicos , São Paulo: Martins Fontes,
1995.
BAIOCCHI, Mari de Nazaré. Kalunga: povo da terra. 13ª ed. – Goiânia: Editora
Universidade Federal de Goiás – UFG, 2013.
BRASIL. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo / CNE. Resolução CNE/ CEB 1/2002. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de
abril de 2002. Seção 1. p. 32).
BRASIL. Lei 10.639 de 09 Jan. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em 06 de Mai.
2016.
BORTONI-RICARDO, S.M. e FREITAS, V.A. Sociolinguística Educacional. In.:
HORA, D. et alii (orgs.) Abralin – 40 anos em cena. João Pessoa: Editora Universitária,
2009, p. 2
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. 2008. O professor pesquisador: introdução à
pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola. 135p. (Série Estratégias de Ensino, n. 8.). 17-
240.
BORSTEL, Clarice Nadir von Borstel - Sociolinguística: teoria, método e objeto em
pesquisas in loco, ed. especial, Campo Grande 2014.
96
CALDART, Dicionário da Educação do Campo. Roseli Salete. Rio de Janeiro, São
Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
COUTO, Simone Rodrigues Barbosa. Práticas de Letramentos Múltiplos e
Interdisciplinaridade na Formação Docente: o Antes e o Depois. Planaltina –DF ,
2013.
Contribuições para Implementação da Lei 10.639/2003: Proposta de Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações
Étnico raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei
10.639/2003. MEC, 2008.PDF.
CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto.
Tradução Magda Lopes; consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição Dirceu da
Silva. - 3. ed. - Porto Alegre: Artmed, 2010. 296 p.
DIAS, Paula Maria Cabucci Ribeiro. Contribuições da Sociolinguística Educacional
para matérias de Formação Continuada de Professores de Língua Portuguesa.
Brasília – DF, 2011.
DIONISIO, A. P.. “Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita
(atividades)”. In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. (Orgs.). Fala e Escrita. 1. ed.,
1. reimp. —Belo Horizonte: Autêntica, 2007. 208p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987,
184p.
GIL, Antônio Carlos, 1946. Como elaborar Projetos de Pesquisa. 5ª ed - São Paulo:
Atlas, 2010.
KLEIMAN, A. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 2009.
LEITE, Josieli Almeida de Oliveira. Botelho, Laura Silveira. LETRAMENTOS
MÚLTIPLOS: Uma nova perspectiva sobre as práticas sociais de leitura e de
escrita, 2011.
LISBOA, Agostinho Neto, Casa dos Estudantes do Império - 1959).
97
MACHADO, Adelino Soares Santos. Suspiros Poéticos do Nordeste Goiano. Editora e
distribuidora de livros Planeta, Ltda. – Goiânia, GO, 2002.
Mapa do município Monte Alegre de Goiás. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362015000300567 .
Acesso em: 03 de Maio de 2016.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e letramento como práticas sociais. In:
MARCUSCHI, Luiz Antônio; DIONÍSIO, Ângela Paiva (Org). Fala e escrita 1. ed., 1.
reimp. — Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
MEC; SEF. Uma história do povo Kalunga. Caderno de atividades e encarte para o
professor. Brasília, p.120, 2001.
Outro olhar- Kalungas de Cavalcante. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=JQMX0CZHWSY>. Acesso em 10 Mar. 2013.
(vídeo)
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
PPP - Projeto Político pedagógico da Escola Municipal Tinguizal – Monte Alegre de
Goiás 2015.
TAFFAREL, Celi Zulke - Política educacional e educação do campo. MOLINA,
Mônica Castagna. Verbete do Dicionário da Educação do Campo. EPSJV/Expressão
Popular, 2012, p. 571-578.
PÓVOA, Liberato. Kalunga ontem e hoje Almanaque Revista Periódica Cultural do
Tocantins, nº36.: Palmas, 2002.
REVISTA Práticas de Linguagem / Universidade Federal de Juiz de Fora. - - v. 4, n. 1
(jan. 2014)-. -- Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de
Educação, 2014.
ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.128p.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Multiletramentos na escola/ Roxane Rojo, Eduardo
Moura (Orgs.). São Paulo: Parábola Editorial, 2012.264p
98
SALLES, Michely Mara Caetano Werneck da Silva. Textos multimodais e letramento:
o trabalho com os textos imagéticos em livros didáticos de língua portuguesa. Belo
Horizonte: 2014, 118 p.
SANTOS, Clarice Aparecida dos. Educação do campo e políticas públicas no Brasil
[manuscrito]: a instituição de políticas públicas pelo protagonismo dos movimentos
sociais do campo na luta pelo direito à educação. 2009, 143p. PDF.
SILVA, Maria Zenaide Valdivino da. O letramento multimodal crítico no ensino
fundamental: investigando a relação entre a abordagem do livro didático de língua
inglesa e a prática docente - Fortaleza: 2016. p.329.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Movimento negro, educação e produção do
conhecimento de interesse dos afro-brasileiros. Comunicação apresentada a ANPED.
1995.
__________, Petronilha Beatriz Gonçalves e. (Orgs.). Experiências étnico-culturais
para a formação de professores. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 152 p.
SILVERIA, Esalba Maria Carvalho. A entrevista nos processos de trabalho do
assistente social - Revista Textos & Contextos Porto Alegre v. 6 n. 2 p. 233-251. jul./dez.
2007.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros- 3ª ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2012. 128p.
SOUSA, Rosineide Magalhães de. Gênero discursivo mediacional da elaboração à
recepção: uma pesquisa na perspectiva etnográfica. Brasília: 2006.PDF.
_________. Práticas de letramento: produção textual coletiva na formação do docente do
campo. In: MOLINA, Mônica C; SÁ, Laís Mourão. Licenciaturas em Educação do
Campo. Brasília: Autêntica, 2011.
TAFFAREL,C.Z. e MOLINA,M.C. Política Educacional e Educação do Campo. . In:
Dicionário de Educação do Campo - Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.p.247-258.
99
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. “Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a
Pesquisa Qualitativa em Educação – O Positivismo, A Fenomenologia, O
Marxismo”. 5 ed. 18 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. 175p.
100
ANEXOS
Fonte: ARAÚJO, Rafael Sânzio Projeto Cartográfico – Centro de Cartografia Aplicada e
Informação Geográficas da Universidade de Brasília. Fonte: Mapa, BAIOCCHI Mari de Nazaré,
Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, Ministério da Justiça Unesco 1999).(Trabalho
campo realizado em alguns pontos do território, Governo Federal, Ministério das Cidades,
SEPPIR, FUBRA, MinC 2004).
101