UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
UCAM
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
DISCIPLINA: IMPLANTAÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA
PÚBLICA
MARIA ANGÉLICA BENTO GUSMÃO
Rio de Janeiro
2004
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
UCAM
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
DISCIPLINA: IMPLANTAÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA
PÚBLICA
MARIA ANGÉLICA BENTO GUSMÃO
Monografia apresentada à
Universidade Cândido Mendes
como requisito parcial para
conclusão do curso de Pós-
Graduação em Administração
Escolar.
Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho
Rio de Janeiro, Fevereiro de 2004.
DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus amigos
invisíveis que me inspiraram e ao meu
esposo que, carinhosamente, apoiou-me
em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Professor
Vilson Sérgio de Carvalho pelo carinho e
atenção dispensados na orientação do
trabalho e a minha prima Diná Maria
Ribeiro de Albuquerque , pela ajuda na
realização do projeto.
EPÍGRAFE
“É preciso não esquecer nunca o preceito básico
que somente numa sociedade verdadeiramente
democrática será possível o florescimento de uma
escola democrática e popular, que satisfaça a
todas as legítimas aspirações do povo e de seus
professores e educadores.”
Paschoal Lemme
SUMÁRIO
Dedicatória..........................................................................................................
Agradecimentos..................................................................................................
Epígrafe...............................................................................................................
Resumo................................................................................................................
Introdução..........................................................................................................08
Capítulo I............................................................................................................10
Capítulo II...........................................................................................................19
Capítulo III..........................................................................................................31
Conclusão...........................................................................................................41
Referências Bibliográficas..................................................................................44
Anexo 1...............................................................................................................46
RESUMO
A Gestão Democrática possibilita demonstrar relações de mando e
submissão, fazendo surgir o sujeito coletivo, que decide, age e pode atuar na
transformação social. A Gestão Democrática é uma escolha que tem
conseqüências na atuação do diretor. Ele deixa de ser autoridade única da
escola e também não é mais o administrador burocrático, preocupado apenas
com a manutenção do prédio, preenchimento de papéis e suprimento de
recursos humanos e materiais. Na proposta participativa, o diretor passa a ser o
grande articulador das ações de todos os segmentos, o condutor do projeto da
escola, aquele que prioriza as questões pedagógicas e que mantém o ânimo de
todos na construção do trabalho educativo, logo, realizar uma Gestão
Democrática significa acreditar que todos juntos têm mais chances de encontrar
caminhos para atender às expectativas da sociedade a respeito da atuação da
escola, é possível estabelecer relações mais flexíveis e menos autoritárias entre
educadores e clientela escolar.
INTRODUÇÃO
A Gestão Democrática da Escola Pública é o ponto de partida para
uma mudança qualitativa do Ensino Público.As dificuldades da
implantação desta Gestão prepassam pela cultura autoritária do ensino,
ausência de recursos financeiros, desmotivação de professores e falta de
uma estrutura que favoreça a participação dos pais, entre outros fatores.
Qual a importância de relações horizontais, de solidariedade e
cooperação entre as pessoas, para que não se estabeleça relações
hierárquicas de mando e submissão para que exista uma verdadeira
Gestão Democrática?
O importante é promover a integração de todos os agentes
educativos possíveis, para uma educação democrática. Mais importante
do que controlar ou reprimir é criar mecanismos que tornam a escola
democrática. Por esse caminho, pais, alunos, professores e diretores
poderão deliberar em conjunto, para assim atender às reais necessidades
de seus educandos, não esquecendo que a escola é uma instituição que
pode contribuir para a Transformação Social.
Temos de organizar a estrutura escolar, onde o diretor deixe de ser
o herói e o vilão de cada escola e passe a dividir o direito e a
responsabilidade de decidir com os pais, alunos professores e
funcionários. Devemos tentar vencer as dificuldades existentes na
implantação de uma Gestão Democrática, em conseqüência de ransos
acumulados com o tempo.
É importante que se faça uma análise das atitudes comportamentais
consideradas negativas e positivas para o desenvolvimento da Gestão por
parte do Administrador. Valorizando as atitudes de relacionamento
consideradas favoráveis ao equilíbrio emocional dos envolvidos na
Gestão e a efetiva contribuição e participação de todos, a
representatividade que cabe a cada grupo envolvido na questão,
poderemos transformar a escola que temos, para que a mesma não seja
reprodutora de certa ideologia dominante sim cumpra a função no sentido
de concorrer para uma transformação social, fazendo com que todos se
apropriem de um saber historicamente acumulado e desenvolvam a
consciência crítica.
Há necessidade de reorganizarmos a autoridade no interior da
escola. Na medida em que se conseguir a participação de todos os
setores da escola - educadores, alunos, funcionários e pais, nas decisões
sobre seus objetivos e seu funcionamento, haverá melhores condições
para pressionar os escalões superiores a adotar a escola de autonomia de
recursos. Cabe ao Administrador, portanto, articular meios que permitam
a escola organizar-se democraticamente, com vista a objetivos
transformadores.
Com esse propósito, o Capítulo I, preocupou-se em revelar as
dificuldades na implantação da Gestão Democrática, o Capítulo II mostrou
a importância da participação de todos os envolvidos na Gestão Escolar,
o Capítulo III descreveu a evolução da Gestão Educacional e finalmente
concluiu-se que a Gestão Democrática, além de seu valor intrínseco, tem
agora o apoio da legislação vigente, mas por estarmos vivendo um novo
tempo na educação brasileira, com imensos desafios a serem enfrentados
com determinação, espírito crítico e clarividência,somente implementando
a Gestão Democrática, que garanta a participação de todos, teremos
condições de levar a escola brasileira a encontrar o verdadeiro caminho.
CAPÍTULO I
DIFICULDADES NA IMPLANTAÇÃO DA GESTÃO
DEMOCRÁTICA
Na estrutura formal de nossa escola pública está quase totalmente
ausente a previsão de relações humanas horizontais, de solidariedade e
cooperação entre as pessoas, observando-se, em vez disso, a ocorrência
de uma ordenação em que prevalecem relações hierárquicas de mando e
submissão. O mais alto posto dessa hierarquia é ocupado pelo diretor,
verdadeiro chefe da unidade escolar e responsável por último por tudo o
que acontece aí dentro. Essa condição lhe dá uma imensa autoridade
diante das demais pessoas que interagem no interior da escola, mas
quase nenhum poder de fato, já que a autoridade que ele exerce é
concedida pelo Estado, a quem deve prestar conta das atividades pelas
quais é responsável. Assim, independentemente de sua vontade, o diretor
acaba assumindo o papel de preposto do estado diante da instituição
escolar e de seus usuários.
Premido pelos inúmeros e graves problemas originários das
inadequadas condições em que o ensino escolar tem que se desenvolver
e instado a presta conta de tudo ao Estado, diante do qual acaba
colocando como culpado primeiro por qualquer irregularidade que aí se
verifique, o diretor escolar desenvolve tendência de concentrar em suas
mãos todas as medidas e decisões, apresentando m comportamento
autoritário que já vai se firmando no imaginário dos que convivem na
escola como característica inerente a cargo que exerce.
Esta situação tende a confirmar um maior afastamento ainda do
diretor com relação àqueles que dependem de suas ações, quando sua
escolha para o cargo, como acontece cm grande parte dos sistemas
públicos de ensino do país, se faz sem passar por processos eletivos.
Assim, quando se trata de mera nomeação política, sem estar submetia a
nenhum plano de carreira que preveja a realização de concurso público, a
escolha se dá por critério inteiramente subjetivo, ao arbítrio dos que
detêm o poder, e visa a favorecer seus interesses políticos – partidários, e
não a propiciar uma solução adequada à gestão da escola, em direção aos
interesses de seus usuários. Por outro lado, quando o diretor possui uma
estabilidade adquirida pela via exclusiva do concurso, sem submeter-se a
um processo eletivo que lhe prove a liderança e lhe conceda legitimidade
diante dos demais funcionários da escola e de seus usuários, a tendência
é o desenvolvimento de um descompromisso co relação aos interesses
dos usuários, porque continua sendo o Estado, pela via do concurso, que
advém a autoridade, e não de um compromisso assumido, num processo
democrático de disputa eleitoral, junto ao pessoal escolar e à população
usuária da escola. Trata-se, na verdade, de um processo esdrúxulo em
que, por conta do conhecimento técnico, o diretor – cuja função, como
preposto do Estado, possui caráter marcadamente político – escolhe a
unidade escolar, mas nem sta nem as que dela fazem uso podem escolher
o diretor.
Entretanto, embora necessária, não basta à eleição de dirigentes
escolares desvinculada de outras medidas que transformem radicalmente
a estrutura administrativa da escola, assim como não basta instituir
conselho de escola com a participação de professores, funcionários,
alunos e pais, mesmo com atribuições deliberativas, como acontece no
sistema público estadual paulista, se a função política de tal colegiado fica
inteiramente prejudicada pela circunstância de que a autoridade máxima e
absoluta dentro da escola é o diretor que em nada depende das
hipotéticas deliberações desse conselho .
Do modo como está instituído hoje em vários sistemas de ensino
do país, o conselho de escola fica, quase sempre, na dependência da
vontade política do diretor para funcionar adequadamente, de maneira a
servir como veículo de democratização da escola. Embora, em termos
legais, esse colegiado seja deliberativo e se coloque ao lado do diretor,
fazendo parte (supostamente) da direção, o diretor da escola, premido
pelas circunstâncias acima mencionadas, fazendo uso de sua autoridade
como responsável último pela unidade escolar e diante da insuficiente
pressão por participação da parte dos demais setores da escola, acaba
por montar ele próprio um conselho apenas formal e inoperante, que só
decide questões marginais e sem importância significativa para os
destinos da escola, ficando o diretor sozinho para tomar as decisões, já
que sabe ser ele quem arcará com as responsabilidades.
Seria necessário, em vez disso, um sistema em que a direção fosse
exercida por um conselho, em que o diretor perderia, em conseqüência, o
papel imperial que tem hoje, sendo apenas um de seus membros que, com
mandato efetivo, assumiria por certo período a presidência desse
colegiado diretivo, mas dividindo entre seus membros a direção da
unidade escolar. Isso implicaria ser o colegiado, e não seu presidente, o
responsável último pela escola.
A instalação de um conselho escola, constituído por representantes
eleitos pelos vários setores da escola, com efetiva função de direção em
regime de cooperação entre seus membros, parece ser uma medida que
avança bastante no sentido de superar a atual direção monocrática da
escola pública. Entretanto, a necessária transformação radical da
estrutura hierarquizante e autoritária da escola pública brasileira não pode
deter-se nesta medida. É preciso que a escola seja adequadamente
estruturada para atingir objetivos educativos em seu todo, quer em
relação às atividades – meio (direção, serviços de secretaria, assistência
escolar e atividades complementares, como zeladoria, vigilância,
atendimento aos alunos e pais), quer no que diz respeito à própria
atividade – fim, representada pela relação ensino-aprendizagem que se dá
predominantemente (mas não só) em sala de aula. O que se reivindica é
uma organização escolar em que o trabalho e as relações em seu interior
se dêem de modo a não contradizer a característica do próprio ato
educativo enquanto relação humano-genérica (Heller,1985) por excelência,
pois é nessa relação entre sujeitos que se dá a transmissão e apropriação
do saber historicamente produzido,característica exclusiva da espécie
humana.
Uma estrutura administrativa da escoa adequada à realização de
objetivos educacionais e acordo com os interesses das camadas
trabalhadoras deve também prever mecanismos que facilitem e estimulem
a participação de pais e membros da comunidade em geral nas decisões
aí tomadas. Hoje a instituição escolar encontra-se quase totalmente
impermeável a qualquer forma de participação da população usuária,
como se fosse essa população que mantivesse o Estado com seus
impostos e como se a escola não devesse servir precisamente a seus
usuários, procurando agir de acordo com seus interesses, manifestados a
partir de sua participação nas tomadas de decisões que aí se dão.
A participação da população nas decisões que se tomam na escola
ganha sentido diante da necessidade de que o caminho para a sociedade
verdadeiramente democrática não se restrinja ao voto periódico para
ocupantes de cargos parlamentares e executivos do Estado. Para que este
se sinta pressionado a agir em benefício dos interesses dos cidadãos, é
preciso que se proceda ao seu controle democrático. E tal controle deve
dar-se em todas as instâncias, em especial aquelas mais próximas da
população, onde se concretizam os serviços que ele tem o dever de
prestar, como escola. Como afirma Noberto Bobbio, 1989, a
democratização da sociedade precisa incluir ocupação de novos espaços,
isto é, de espaços até agora dominados por organização tipo hierárquico
ou burocrático. Para que isto seja possibilitado na escola, impõe-se a
necessidade de se instalarem mecanismos institucionais visando
participação política de grupos e pessoas envolvidos com as atividades
escolares – processos eletivos de escolha de dirigentes, colegiados com a
participação de alunos, pais e pessoal escolar associação de pais e
professores, grêmio estudantil, processos coletivos de avaliação
continuada dos serviços escolares, etc., tudo isso articulado por uma
estrutura que, em termos administrativos, propicie uma efetiva utilização
racional dos recursos disponíveis na concretização de fins educativos
e,em termos políticos, conduza uma democrática coordenação de
esforços humano coletivo, apta a reivindicar do Estado os recursos
necessários e a estar em consonância com os interesses das majoritárias
camadas trabalhadoras usuárias da escola pública fundamental.
É importante pensar na função social da escola pública, para que
possamos cumprir adequadamente um papel consciente de socialização
da cultura e ao mesmo tempo de contribuição para a democratização da
sociedade.
Há apenas algumas décadas, quando a escola pública fundamental
abrigava os filhos das camadas médias e altas da sociedade, sua função
primordial era preparar os jovens encaminhando-os para as ocupações
médias do mercado de trabalho, ou oferecer-lhes condições para
concorrer a uma vaga na universidade. Como os grupos sociais a que
servia tinham poder de pressão junto ao Estado, este provia o sistema
escolar dos recursos necessários, oferecendo condições adequadas para
o desenvolvimento das atividades escolares e pagando salários
condignos aos mestres que, inclusive gozavam de considerável prestígio
e status social em retribuição ao papel importante que exerciam na
preparação intelectual dos filhos das famílias mais privilegiadas. Em
acréscimo, os educadores escolares podiam experimentar certa realização
profissional, na medida que podiam perceber, de forma mais ou menos
imediata, a concretização dos objetivos a que se propunham com sua
ação educativa.
Essa situação configurava o que se convencionou chamar de
escola de qualidade, que tem levado equivocadas manifestações
saudosistas a respeito do resgate da boa qualidade de ensino,
supostamente perdida com a democratização do acesso à escola pública.
Não percebem os propugnadores desse resgate que o ensino que era
qualitativamente bom para determinados grupos sociais pode não ser
para os que hoje acorrem aos bancos escolares. Do ponto de vista das
famílias de mais alta renda, usuárias da escola pública de três ou quatro
décadas atrás, não há dúvida de que se tratava de um ensino de boa
qualidade, já que, como vimos, atendia satisfatoriamente a seus
interesses. Não significa, porém, que não fosse um ensino em grande
medida autoritário, calcado em métodos tradicionais e refratários de
inovações que visassem a introduzir formas dialógicas e democráticas de
apropriação do saber. Não é de se estranhar, assim, que a própria Escola
Nova tenha sido sistematicamente rechaçada naquilo que trazia de mais
essencial em termos políticos e filosóficos, que era a concepção do
educando enquanto sujeito, construtor autônomo de seu saber.
Para as camadas sociais que faziam uso do ensino público, elas
mesmas abrigando em seu seio o autoritarismo e ocupando posições
dominantes na sociedade, não era crucial que seus filhos exercitassem na
escola a autonomia e se instrumentalizassem para conquistar esses
direitos de cidadãos. Eles já tinham seus direitos garantidos pela posição
social que ocupavam. O mais importante era que as novas gerações se
apropriassem dos conteúdos transmitidos pela escola, que lhe dariam
condições de exercer com êxito seus papéis profissionais e políticos na
hierarquia social. Para essas camadas, a situação, hoje, pouco mudou
com referência ao ensino, já que elas conseguem escolas particulares,
especialmente naquelas consideradas de alto padrão, o mesmo ensino
conteudista pautado pelos mesmos métodos tradicionais e autoritários de
sempre.
Com a democratização do acesso à escola pública, esta passa a
apresentar condições cada vez piores de funcionamento, o que leva à
transferência para a rede escolar privada dos filhos dos grupos sociais de
melhor situação econômica e com maior poder de pressão sobre o
Estado. A rede pública passa, então, a atender a população totalmente
diversa daquela à qual estava habituada a servir, só que, agora, sob
precárias condições de funcionamento, já que o Estado brasileiro, porta
voz, em muito maior medida, dos interesses das elites econômicas, tem-
se mostrado inteiramente desinteressado pela apropriação do saber por
parte das camadas pobres e majoritárias da população que procuram a
escola pública fundamental.
Embora tenha mudado o alunado da escola pública, esta parece
continuar acreditando que a única finalidade defensável para um ensino
de qualidade é preparar as pessoas para ocupar postos profissionais de
maior prestígio ou para entrar na universidade. Influenciados pela
ideologia liberal burguesa, segundo a qual é possível, igualmente a todos,
subir na escala social através do esforço pessoal, via educação escolar,
concepção esta que, inclusive, levou amplas camadas da população a
procurar o ensino básico, nossos educadores escolares e muitos
intelectuais que discutem a educação parecem acreditar que a queda na
qualidade do ensino da escola pública consiste precisamente no fato de
ela, hoje, não conseguir alcançar para os atuais usuários o objetivo que
alcançava para as décadas passadas. No âmbito da escola pública, isto
tem levado os profissionais da educação, em especial os professores, ao
desânimo e à total falta de perspectiva para o seu trabalho. O mais grave é
que, na descrença em alcançar este objetivo, a prática escolar acaba, em
geral, não se orientando por objetivos nenhum.
Esta situação mostra-se particularmente grave em termos de
perspectivas para a administração educacional, já que se torna totalmente
impossível pensar em administração, entendida como a utilização racional
de recursos para a realização de fins determinados (Paro, 1968), se esses
fins inexistem ou são inteiramente desconsiderados. É preciso refletir a
respeito da necessidade de um novo objetivo para a escola pública, já que
nova é a sua população usuária. Mas isso não significa reivindicar um
ensino mais pobre para as populações pobres, no pressuposto de que
estas podem se contentar com menos ou que têm menos competência
intelectual para se apoderar de um saber mais elaborado, mas sim buscar
o provimento de um ensino adequado aos interesses dessa população,
interesses esses que são diversos, e em muitos aspectos antagônicos,
aos dos grupos que antes faziam uso da escola fundamental. Em vez
disso, notamos que a escola pública tem utilizado praticamente os
mesmos currículos, os mesmos programas, os mesmos métodos e
conteúdos, e distribuídos em períodos maiores, com a suposição de que a
população pobre é menos capaz, e tem aprendizado mais lento.
Temos que parar e refletir que a finalidade da educação pública
deve ser a aceitação de que a apropriação do saber como um valor
universal coloca-se como um direito inquestionável de toda a população.
Neste sentido, o provimento às amplas camadas que hoje buscam a
escola pública de um ensino de boa qualidade deve ser um direito não
dependendo de justificações de ordem econômica, ideológica ou de
qualquer espécie. Assim a escola pública é algo defensável e necessário
aos seus usuários, porque simplesmente vai prepará-los para o trabalho,
ou para a universidade, contribuindo para o desenvolvimento econômico
ou diminuindo a delinqüência social, etc. Embora todas essas razões
possam justificar o oferecimento de ensino público de boa qualidade, não
pode ser a falta ou o questionamento de qualquer uma delas que invalida
a razão primeira de que o acesso à cultura é direito universal do indivíduo
enquanto ser humano que pertence a determinada sociedade.
É urgente que se estabeleçam padrões mínimos de qualidade a
serem alcançados por meio do oferecimento de conteúdos relevantes e de
métodos pedagógicos consentâneos com os objetivos democráticos da
escola, ao mesmo tempo em que se desenvolvam processos coletivos de
avaliação de todo o processo escolar que permitam subsidiar e controlar a
efetiva busca desses objetivos. No que concerne à qualidade da força de
trabalho empregada na escola, é indispensável que se atente para os
determinantes sócio-econômicos, políticos e culturais que condicionam a
baixa qualificação do pessoal docente, as precárias condições em que
estes têm de desempenhar seu trabalho e a inadequação de suas práticas
pedagógicas aos interesses populares. Há que se pensar numa
transformação radical no modo como a escola organiza suas atividades,
dotando-as de uma estrutura administrativa que, sendo propícia à
realização dos fins sociais da educação, favoreça a participação em sua
gestão dos diferentes grupos e pessoas envolvidos nas atividades
escolares, deixando-se perpassar pela sociedade civil em sua função de
controle democrático do Estado. As instituições precisam ter condições
de descartar-se do passado.
Em 1996 a UNESCO empreendeu um grande esforço de repensar a
educação, no contexto da mundialização das atividades humanas, através
da Comissão Mundial para o século XXI que resultou no amplo relatório de
Jacques Delors, que propõe quatro pilares que deverão basear a
educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
e aprender a ser.
Edgard Morin (2000), com sua excepcional visão integradora da
totalidade pensou os valores na perspectiva da complexidade
contemporânea, abordando novos ângulos, muitos dos quais ignorados
pela pedagogia atual, para servirem de eixos norteadores da educação.
Morin identifica sete valores fundamentais com os quais toda a cultura e
toda a sociedade deveriam trabalhar segundo suas especificidades. Esses
valores são respectivamente as Cegueiras Paradigmáticas, o
Conhecimento Pertinente, o Ensino da Condição Humana, o Ensino das
Incertezas, a Identidade Terrena, o Ensino da Compreensão Humana e a
Ética do Gênero Humano.
Para Morin, o destino planetário do gênero humano é ignorado pela
educação. A educação precisa ao mesmo tempo trabalhar pela unidade da
espécie humana de forma integrada com a idéia de diversidade. O
princípio da unidade/diversidade deve estar presente em todas as esferas.
É necessário educar para os obstáculos à compreensão humana,
combatendo o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo, que
procuram colocar em posição subalternas questões relevantes para a vida
das pessoas e da sociedade.
Agindo assim, deixando para trás os ransos do passado,
poderemos tentar colocar em prática uma Gestão Democrática, com a
ajuda e participação de todos e acima de tudo respeitando as
individualidades de cada um. Teremos com certeza uma escola de
qualidade, atendendo aos anseios de todos.
CAPÍTULO II
PARTICIPAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR
A questão da participação, em especial a partir de 1968, está
permanente presente na discussão a respeito das formas de administrar.
É difícil definir as causas desta importante mudança. Significou nada mais
nada menos que uma revisão dos pressupostos teóricos do taylorismo e a
sua substituição, mesmo que muito lentamente, por valores
contemporâneos, como flexibilidade, tolerância com as diferenças,
relações mais igualitárias, justiça e cidadania. Nunca mais o padrão de
relacionamento autoritário, hierárquico e formalista do taylorismo
recuperou seu antigo prestígio (Gutierrez, 1997).
O mundo passo por mudanças culturais após a Segunda Guerra,
atingindo uma espécie de clímax com as manifestações de 68. O
comportamento individual, a estrutura familiar, a sexualidade e as
instituições foram fortemente questionadas. Era de se esperar que as
organizações reagissem a esse processo, procurando adequar-se ao seu
tempo. Um dos resultados palpáveis foi a introdução da idéia de
participação como alternativa administrativa e estratégica.
O filósofo alemão Habermas, ao definir participação, permite
encaminhar o debate num sentido ao mesmo tempo promissor e original.
Diz ele: “Participar significa que todos podem contribuir, com igualdade
de oportunidades, nos processos da vontade” (Habermas, 1975:159), ou
seja, participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o
consenso quanto a um plano de ação coletivo.
As diferentes experiências classificadas como fortemente
participativas, de gestão democrática, autogestionárias, economia social e
terceiro setor ou cooperativismo de trabalho apresentam uma solução de
problemas recorrentes, cuja solução não admite receitas fáceis e
padronizadas. Por outro lado, se os problemas não são novos e originais,
a organização participativa precisa se renovar para lidar com aspectos
específicos da globalização. Numa perspectiva estritamente conceitual,
transferir a autoridade e a responsabilidade pela gestão de um bem
público para o grupo diretamente envolvido no trabalho é uma prática
democrática e socialmente justa, desde que não se escondam por trás do
incentivo a ação de natureza corporativa, e tampouco a intenção por parte
do Estado de se desfazer de suas obrigações para com a população. Isto
significa dizer que, da perspectiva da participação, a questão da
propriedade deve ser vista com pragmatismo, como algo flexível que
muda com o transcorrer do tempo. Mais importante são as relações
internas, o nível de transparência, o grau de autonomia e responsabilidade
dos membros e a possibilidade de interferir efetivamente na construção
de um plano consensual de ação coletiva.
As características individuais também são importantes para uma
questão participativa bem sucedida. É comum ouvir queixas, entre os
diretores da escola, referentes à necessidade de ter que trabalhar com um
grupo heterogêneo e em cuja formação ele na pode interferir. A
incorporação bem sucedida de pessoas em qualquer organização
depende de um período de adaptação, durante o qual o novo elemento
conhece e adota padrões típicos de comportamento. A administração
tradicional, com o taylorismo, o fordismo e a tecnoburocracia, resolve
esta questão por meio de coação física e principalmente psicológica ou de
violência simbólica, para usar a expressão cunhada por Bordieu, em
função de suas intenções manipulativas e exploradora. Esta crítica, de
resto bastante conhecida, não que dizer que a adaptação individual às
experiências amplamente participativas não vai requerer esforços
pessoais e organizacionais importantes, principalmente nos seguintes
aspectos: adequação à cultura e históricas específicas do grupo;
envolvimento intenso com o trabalho; crítica e superação de uma
formação autoritária e burocrática inculcada pelo meio social em sentido
amplo (familiar, escolar, profissional, político, etc.).
Este último aspecto, a superação da formação autoritária e
burocrática de cada um, só pode ser bem sucedida porque a realidade que
nos cerca é essencialmente contraditória, ou seja, ao mesmo tempo em
que se convive com as políticas conservadoras e violentas que induzem à
infantilização das pessoas, também assistimos a experiências
progressistas, principalmente nos campos da educação, cultura e
sociabilidade espontânea, que incentivam a participação responsável
dentro de grupos com posturas críticas, o amadurecimento moral e o auto
conhecimento. As propostas de gestão não convencionais dependem do
resgate e reconversão internos deste espaço social caracterizado por
relações igualdo resgate e reconv resgate e reco pressupondo que este
tipo de organização deva necessariamente incentivar o crescimento
pessoal, intelectual e técnico de cada membro, como forma de garantir o
aumento da eficiência de um coletivo onde todos possuem grande
autonomia de ação. Ou seja, procurar trilhar o caminho inverso das
organizações burocráticas, onde a infantilização dos membros viabiliza o
controle heterogêneo, a manipulação e a alienação.
Falando das potencialidades e obstáculos da participação da
população na gestão da escola públicos implicam elucidar os
determinantes imediatos de tal participação que se encontram dentro e
fora da escola. Com relação aos determinantes internos à unidade escolar,
poderemos falar de quatro tipos de condicionantes: materiais,
institucionais, políticos, sociais e ideológicos. Ao falarmos dos
condicionantes materiais de uma gestão participativa na escola, estamos
referindo-nos às condições objetivas em que se desenvolvem as práticas
e relações no interior da unidade escolar. Embora não se deva esperar
que mesmo condições ótimas de trabalho proporcionem, por si, a
ocorrência de relações democráticas e cooperativas, da mesma forma não
se deve ignorar que a ausência dessas condições pode contribuir para o
retardamento de mudanças que favoreçam o estabelecimento de tais
relações. Que parece se dar na realidade de nossas escolas públicas é
que, na medida em que, para a consecução de seus objetivos com o
mínimo de eficácia, faltam recursos de toda ordem, o esforço despendido
para remediar tais insuficiências tem competido com o esforço que se
poderia empregar para se modificarem as relações autoritárias que vigem
dentro da instituição escolar. É preciso, todavia, tomar cuidado para não
se erigirem essas dificuldades materiais em mera desculpa para nada
fazer na escola em prol da participação. Isso parece acontecer com certa
freqüência na escola pública e se evidencia quando, ao lado das
reclamações a respeito da falta de recursos e da precariedade das
condições de trabalho, não se desenvolve nenhuma tentativa de superar
tal condição ou de pressionar o Estado no sentido dessa superação. Em
relação a esse propósito, é preciso na esquecer que as mesmas
condições adversas que podem concorrer, em termos materiais, para
dificultar a participação podem também, de outro modo, contribuir para
incrementá-la, a partir da adequada instrumentalização dessas condições.
Isto pode dar-se quer a partir das insatisfações das pessoas e grupos
envolvidos (pessoal escolar, alunos e comunidades) que, ao tomarem
consciência das dificuldades, podem desenvolver ações para superá-las,
quer por conta das novas necessidades colocadas como tais problemas,
que exigem, para sua superação, a participação de pessoas que, de outra
forma, dificilmente estariam envolvidas com elas. Este último aspecto diz
respeito mais precisamente à oportunidade que especialmente pais e
membros da comunidade têm de, ao se envolverem com a ajuda na
resolução de problemas da escola, adquirem mais conhecimento e
familiaridade com as questões escolares, de modo a também poderem
influir nas decisões que aí se tomam.
Dentre os condicionantes internos da participação da escola, os de
ordem institucional são, sem dúvida nenhuma, de importância
fundamental. Diante da atual organização formal da escola pública,
poderemos constatar o caráter hierárquico da distribuição da autoridade,
que visa a estabelecer relações verticais, de mando e submissão, em
prejuízo de relações horizontais, favoráveis ao envolvimento democrático
e participativo. Em função de tudo isso, e tendo em conta que a
participação democrática não se dá espontaneamente, sendo antes um
processo histórico de construção coletiva, coloca-se a necessidade de se
preverem mecanismos institucionais que não apenas viabilizem, mas
também incentivem práticas participativas dentro da escola pública. Isso
parece tanto mais necessário quanto mais consideramos nossa
sociedade, com tradição de autoritarismo, de poder altamente
concentrado e de exclusão da divergência nas discussões e decisões.
Com respeito à diversidade de interesses dos grupos que se
relacionam no interior da escola, há de se reconhecer, preliminarmente, a
identidade de interesses sociais estratégicos por parte dos professores,
demais funcionários, alunos e pais, já que na escola pública que atende as
camadas populares, todos são trabalhadores, no sentido mais amplo do
termo. Todavia, isto não significa que os atos e relações no interior da
instituição escolar se dêem de forma harmoniosa e sem conflitos, já que a
consciência de tais interesses mais amplos não se dá de forma freqüente,
nem imediata. Em sua prática diária, as pessoas se orientam por seus
interesses imediatos e estes são conflituosos entre os diversos grupos
atuantes na escola. Na perspectiva de uma participação dos diversos
grupos na gestão da escola, parece que não se trata de ignorar ou
minimizar a importância desses conflitos, mas de levar em conta sua
existência, bem como suas causas e suas implicações na busca da
democratização da gestão escolar, como condição necessária para a luta
por objetivos coletivos de mais longo alcance como o efetivo
oferecimento de ensino de boa qualidade para a população.
A participação democrática da escola pública sofre também efeitos
dos condicionantes ideológicos aí presentes. Por condicionantes
ideológicos imediatos da participação estamos entendendo todas as
concepções e crenças sedimentadas historicamente na personalidade de
cada pessoa e que movem as suas práticas e comportamentos no
relacionamento com os outros. Assim, se estamos interessados na
participação da comunidade na escola, é preciso levar em conta a
dimensão em que o modo de pensar e agir das pessoas que aí atuam
facilita, incentiva ou dificulta, impede a participação dos usuários. Para
isso, é importante que se considere tanto a visão da escola a respeito da
comunidade, quanto a sua postura diante da própria participação popular.
A visão negativa a respeito dos pais e alunos das escolas públicas
pertencentes às camadas populares é de extrema relevância, já que tal
concepção acaba se refletindo no tratamento dispensado aos usuários do
cotidiano da escola. No relacionamento com os pais e outros elementos
da comunidade, quer em reuniões, quer em contatos individuais, a
postura é de paternalismo ou de imposição pura e simples, ou ainda a de
quem está “aturando” as pessoas, por condescendência ou por falta de
outra opção. De um modo ou de outro, prevalece a impressão de que os
usuários, por sua condição econômica e cultural, precisam ser tutelados,
com se lhes faltasse algo para serem considerados cidadãos por inteiro.
Esse comportamento reproduz também no processo pedagógico em sala
de aula, onde a criança é encarada não como sujeito da educação, mas
como obstáculo que impede que esta se realize. Assim, não parece difícil
deduzir a implicação dessa postura para a participação da comunidade
nas decisões escolares. Uma escola perpassada pelo autoritarismo em
suas relações cotidianas muito dificilmente permitirá que a comunidade aí
se faça presente para participar autonomamente das relações
democráticas.
Diante dessa visão depreciativa da comunidade, muitos usuários se
sentem diminuídos em seu auto conceito, o que os afasta da escola para
não verem seu amor próprio constantemente ferido. Outros conseguem
perceber o preconceito com que estão sendo tratados, o que pode
contribuir também para afastá-los quando sentem que não há condições
de diálogo com a escola. Uma segunda e importante dimensão dos
condicionantes ideológicos da participação presentes no interior da
escola diz respeito à própria concepção da participação que têm as
pessoas que aí trabalham. Esse aspecto é de particular importância, pois
se trata de saber a que as pessoas estão se referindo quando se dizem a
favor ou contra a participação, merecendo que nos detenhamos nele mais
demoradamente.
A questão de natureza da participação quanto ao tipo de
envolvimento das pessoas que participam, se na execução, se na tomada
de decisões, não estão desvinculados, mas trata-se de ser bastante claro
qual objetivo se tem em mente. Se pretende-se restringir a participação da
comunidade à execução que, em sentido mais amplo, pode incluir desde a
participação direta, por meio de ajuda nas atividades escolares, até a
contribuição em dinheiro ou doações em espécie, ou se o que deseja é a
efetiva partilha do poder na escola, o que envolve a participação na
tomada de decisões. A esse respeito, o que se observa é que o discurso
da participação quer entre políticos e administradores da cúpula do
sistema de ensino, quer entre o pessoal e a direção, está muito marcado
por uma concepção de participação fortemente atrelada ao momento da
execução. Não se trata, todavia, de descartar a participação na execução
como se ele fosse um mal em si, pois ela pode constituir até mesmo uma
estratégia para se conseguir maior poder de decisão. O que temos
observado a esse respeito é que, na medida em que a pessoa passa a
contribuir quer financeiramente, quer com seu trabalho na escola, ela se
acha em melhor posição para cobrar o retorno de sua colaboração e isso
pode dar-lhe maior estímulo na defesa de seus direitos e resultar em
maior pressão por participação nas decisões. Além disso, a participação
de pais (e especialmente mães, como tem sido mais freqüente) na
realização de pequenos reparos, em serviço de limpeza, na preparação da
merenda, ou ainda na organização ou cumprimento das tarefas ligadas a
festas, excursões e outras atividades, acaba por lhes dar acesso a
informações sobre o funcionamento da escola e sobre fatos e relações
que aí se dão e que podem ser de grande importância, seja para
conscientizarem-se da necessidade de sua participação nas decisões,
seja como elemento para fundamentar suas reivindicações nesse sentido.
A questão da participação na execução envolve ainda uma
importante contradição que parece comum no discurso dos que se põem
contra a participação da população na gestão da escola pública. Trata-se
da pretensão de negar a legitimidade à participação dos usuários na
gestão do pedagógico, por conta do aludido baixo nível de escolaridade e
da ignorância dos pais a respeito das questões pedagógicas, ao mesmo
tempo em que se exige que os mesmos pais participem (em casa, no
auxílio e assessoramento a seus filhos) da execução do pedagógico,
quando o inverso nos parecia razoável. Embora não sejam formados em
Pedagogia, em Matemática ou em Geografia, parece que os pais têm sim
conhecimento suficiente para exercer certa fiscalização e contribuir, pelo
menos em parte, na tomada de decisões a respeito do funcionamento
pedagógico da escola. Aqui não parece ser fundamental um conhecimento
didático-pedagógico específico e especializado. O pai ou a mãe têm
condições de saber que uma sala de 25 alunos é mais produtiva do que
uma sala com 40, como é capaz de entender que a falta de merenda
atrapalha o desempenho dos alunos em seu dia de aula e a ausência de
professor é nociva ao desenvolvimento do currículo escolar. Por outro
lado, não se pode exigir que eles participem do que não têm condições de
dar conta e que é obrigação da escola fazê-lo: a execução do pedagógico
é atribuição de pessoas, como professores, adrede preparadas para esse
fim.
O suposto, presente na fala de muitos diretores e professores, de
que a população possui baixa escolaridade e desconhece o próprio
funcionamento formal da unidade escolar não deveria servir de argumento
para se afastar da escola a comunidade, com a alegação de que ela não
tem condições técnicas de participar de sua gestão. Tal alegação supõe a
redução da administração escolar em seu componente estritamente
técnico, quando a grande contribuição dos usuários na gestão da escola
deve ser de natureza eminentemente política. É como mecanismo de
controle democrático do Estado que se faz necessária a presença dos
usuários na gestão da escola. Para isso, o importante não é seu saber
técnico, mas a eficácia com que se defende seus direitos de cidadãos,
fiscalizando a ação da escola e colaborando com ela na pressão junto aos
órgãos superiores do Estado par que este ofereça condições objetivas
possibilitadoras da realização de m ensino de boa qualidade.
Outro componente importante presente na visão da escola pública
sobre a participação diz respeito à descrença acerca da possibilidade
dessa participação. Associada a essa descrença na participação da
população e a uma concepção de participação que inclui apenas sua
dimensão “executiva” está a ausência quase total de qualquer previsão de
rotina ou eventos que ensejem a participação da comunidade na escola.
Como a própria instituição escolar não possui mecanismos institucionais
que, por si, conduzam efetivamente a um processo de participação
coletiva em seu interior, a inexistência dessa previsão por parte da
direção ou dos educadores escolares fecha mais uma porta que poderia
levar à implementação, na escola, de um trabalho cooperativo.
A primeira impressão que a palavra autonomia nos passa é a de
uma soberania ilimitada, como uma forma de organização e gestão
independente de qualquer tipo de limite ou restrições externas. Em termos
jurídicos, porém, o conceito de autonomia não tem essa significação. “A
autonomia não significa independência nem soberania. Seu exercício,
embora pleno, restringe-se a esferas específicas previamente delimitadas
pelo ente maior, dentro das quais e para as quais são produzidas pelo
ente autônomas normas próprias e integrantes do sistema judicial global”
(Ranieri, 1994:27). Cândido Giraldez Vietez considera que “a autogestão
ou a auto-administração, em seu sentido restringido, é um método de
participação avançada em que os trabalhadores não apenas influem na
vida da organização, senão que são eles próprios os responsáveis diretos
e imediatos pela tomada de decisões da organização, ou seja, são eles
mesmos os gerentes da organização...” (Vietez, 1996:141).
A escola é um universo específico cuja realidade, assim como a
ação de seus atores, só pode ser compreendida a partir de um
conhecimento prévio. Contudo, não deixa, de guardar pontos em comum
tanto no que diz respeito à natureza conceitual da participação, como com
relação à experiência prática da gestão participativa no terceiro grau. O
primeiro aspecto a ser destacado, para evidenciar a especificidade da
escola pública, é a sua intensa relação com a comunidade, quer na prática
cotidiana da administração, quer no que se refere à enorme
heterogeneidade cultural que caracteriza a sociedade brasileira. Ou seja, a
escola pública acaba lidando com o Brasil real, o Brasil da miséria, da
pobreza em todos os seus sentidos, de uma forma muito mais direta e
urgente que a universidade ou a empresa. Isto significa dizer que quando
falamos em gestão participativa no âmbito da escola pública estamos nos
referindo a uma relação entre desiguais onde vamos encontrar uma escola
sabidamente desaparelhada do ponto de vista financeiro para enfrentar os
crescentes desafios que se apresentam e, também, uma comunidade não
muita preparada para a prática da gestão participativa da escola, assim
como do próprio exercício da cidadania em sua expressão mais prosaica.
A participação na administração da escola está, pelo menos
teoricamente, garantida por meio do funcionamento do Conselho de
Escola, cuja forma mais atual é resultado de uma longa e dura luta política
que data do início da década de 80, com o sentido de dotar a escola de
autonomia para poder elaborar e executar seu projeto educativo.
Preocupado com essas questões, Daniel Garcia Flores, em sua
dissertação de mestrado, desenvolve cuidadosa pesquisa de campo
objetivando conhecer as razões do mau funcionamento do conselho de
Escola ou, em outras palavras, por que este Conselho não atinge a
participação, transparência e democracia que, do ponto de vista formal,
poderia atingir. Em artigo onde procura sintetizar suas conclusões, Daniel
Flores afirma que: “grande porcentagem dos entrevistados declara nada
conhecer sobre as atribuições legais e sobre o funcionamento dos
Conselhos de Escola; os alunos apresentam maior índice de
desconhecimento, mas há também professores que declaram não ter
conhecimento desses aspectos. Apenas o funcionário, o supervisor e o
delegado respondem conhecer tudo a respeito do Conselho de Escola.
Nossa indagação é, portanto: será o Conselho de Escola uma entidade tão
burocratizada, que seja melhor conhecida por funcionários, supervisores
e delegados? E que espécie de atuação pode ter um Conselho cuja
maioria dos membros não sabe nada a respeito de sua abrangência,
competência, área de atuação e poder de decisão? O segundo bloco de
perguntas procurou detectar a participação de cada entrevistado nas
reuniões e decisões do Conselho de escola. As respostas obtidas
demonstram algumas críticas nesse aspecto, apesar de na maioria dos
entrevistados achar importante os assuntos tratados e considerar que
pode fazer alguma coisa pela escola através da participação do Conselho
de Escola. Há, enfim, uma boa imagem dos participantes sobre ele. A
participação, no entanto, não é a mesma entre os diferentes grupos. Os
professores pelas respostas, parecem ser mais participativos. O terceiro
bloco de questões pretendeu dar um espaço para as sugestões dos
participantes sobre a melhoria do papel e do poder do Conselho de
Escola. As sugestões foram muitas, relevando uma vontade geral de que o
Conselho seja realmente aquilo que se espera dele: uma instância de
participação dos diferentes segmentos interessados na melhoria da
escola pública, através da atuação dos seus maiores interessados: pais,
alunos, professores, funcionários e autoridades educacionais. As maiores
críticas estão no emperramento desta participação, passando pela
manipulação dos Conselhos de Diretores, extrema burocracia, chegando à
má-vontade em participar, denunciada por diferentes elementos “(in
Vieitez, 1997:122)”.
Particularmente significativa nesta última colocação é a referência à
função do diretor enquanto condutor do processo decisório pelos
Conselhos. Isto, na verdade, é um dos resultados da as pesquisa, onde
fica evidente o poder do diretor para encaminhar o Conselho no sentido
de assumir posições coerentes com a sua visão do que é melhor naquelas
circunstâncias. De qualquer forma a atuação do diretor é essencialmente
contraditória e difícil.
Toda e qualquer organização que tente implantar e desenvolver
práticas de natureza participativa vive sob a constante ameaça da
reconversão burocrática e autoritária dos seus melhores esforços. As
razões para isto são as diversas: história de vida dos membros,
supervalorização ideológicas das formas tradicionais de gestão,
demandas políticas difíceis de conciliar, etc. de tudo isso, contudo, um
ponto deve ser destacado: a participação se funda no exercício do diálogo
entre as partes. Esta comunicação ocorre, em geral, entre pessoas com
diferentes formações e habilidades, ou seja, entre agentes dotados de
distintas competências para a construção de plano coletivo e consensual
de ação. Na prática da gestão escolar, esta diferença, que entre si não é
original nem única, assume a dimensão muito maior do que a grande
maioria das propostas de gestão participativa e autogestão que pode ser
observada.
Vale a pena observar ainda que a nova Lei das Diretrizes e Base da
Educação (LDB, Lei nº 9397, de 20 de dezembro de 1996) procura,
diferentemente da legislação e prática de ensino anteriores, “flexibilizar e
descentralizar as estruturas educacionais”. Finalmente, conclui-se que o
universo da escola é particularmente complexo e específico; o diálogo só
pode ser verdadeiro e frutífero a partir de um esforço de aproximação
onde todos tentem perceber e conhecer o outro em seu próprio contexto e
a partir da sua própria história constitutiva. Ou seja, ver o outro tal qual
ele mesmo se vê, e não apenas como eu o vejo a partir da minha
especificidade. Isto significa dizer que para entender a escola pública,
este objeto de investigação absorvente e que lida com as prioridades
humanas mais urgentes possíveis, ainda mais num país que apresenta
estas carências sociais, é necessário praticar constantemente o exercício
da participação de todos os seus sentidos: internamente na prática
administrativa, na inserção política transformadora e emancipadora, no
diálogo intelectual com todas as outras áreas de conhecimento e,
provavelmente a dimensão mais difícil, de cada um consegue mesmo por
meio do auto conhecimento, procurando tornar-se uma pessoa mais
sensível, tolerante e atenta ao diferente, aos seus direitos e à contribuição
que ele seguramente tem para dar. Em resumo, buscar contribuir
comunicativamente o consenso pelo diálogo com todos os evolvidos, e
não apenas com aqueles que pensam como nós. É preciso recusar, como
escreveu Bourdieu (1983), “a pregar aos convertidos”.
CAPÍTULO III
EVOLUÇÃO DA GESTÃO EDUCACIONAL
É inegável que os seres humanos sempre tiveram tendências para a
formação de grupos. Na nossa escola não é diferente, apesar da cultura
nossa valorizar o individualismo. Assim como acontece com o líder, uma
equipe bem formada pode diferenciar-se. Para a formação de equipes há
alguns princípios básicos a serem considerados: saber dirigir, motivar,
treinar, delegar e reconhecer. Numa equipe bem formada será preciso que
todos os componentes se sintam donos dela. O desejo e a necessidade de
dirigir precisam ser calcados em m princípio: não basta dirigir a equipe,
será preciso que ela queira ser dirigida. Elogiar faz bem. O açúcar leva
mais longe que o vinagre. Motivar é algo que podemos fazer, começando
por nós mesmos. Outro cuidado que o líder diferenciado deve ter é
oferecer ao grupo um apoio construtivo em vez de crítica construtiva.
Também o treinamento é fundamental para que melhore a capacidade das
pessoas para a função a que se propõem. Confúcio já dizia – “Vejo e
esqueço. Ouço e me lembro. Faço e entendo”. Líder sabe delegar e
fornecer informações de duas maneiras: fazendo perguntas e dando
orientações.
Questionamos a mudança de paradigma de administração para
gestão, que vem ocorrendo no contexto das organizações e dos sistemas
de ensino, como parte de um esforço fundamental para a mobilização e
articulação do talento humano e sinergia coletiva, voltados para o esforço
competente de promoção da melhoria do ensino brasileiro e sua evolução.
Do mesmo modo analisamos questões relacionadas à condução e
orientação das questões educacionais e delineia perspectivas para a
orientação do trabalho e gestão competente, à luz de um paradigma
dinâmico, mobilizador do talento humano e responsável pela
transformação das instituições educacionais. Gestão é uma expressão
que ganhou corpo no contexto educacional acompanhando uma mudança
de paradigma no encaminhamento das questões desta área. Em linhas
gerais, é caracterizada pelo reconhecimento da importância da
participação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões sobre a
orientação e planejamento de seu trabalho. O conceito de gestão está
associado ao fortalecimento da democratização do processo pedagógico,
à participação responsável de todos nas decisões necessárias e na sua
efetivação mediante um compromisso coletivo com resultados
educacionais cada vez mais efetivos e significativos.
A dinâmica intensa da realidade e seus movimentos fazem com que
os fatos e fenômenos mudem o significado ao longo do tempo, as
palavras usadas para representá-los deixam de expressar toda a riqueza
da nova significação. Daí porque a mudança de designação de
administração para gestão educacional. Entendemos a questão do
desenvolvimento de qualidade de ensino demanda uma orientação mais
global e abrangente, com visão de longo prazo, do que tópica, localizada
nas estimulações de momento e próximas. Isso porque se tem observado,
ao longo da história de nossa educação, que não se tem promovido a
melhoria da qualidade e ensino por meio de ações que privilegiam ora a
melhoria de metodologia do ensino, ora o domínio do conteúdo pelos
professores e sua capacitação em sentido mais amplo, ora a melhoria das
condições físicas e materiais da escola. Qualquer ação isolada tem
demonstrado resultar em mero paliativo aos problemas enfrentados, e a
falta de articulação entre eles explicaria casos de fracasso e falta de
eficácia na efetivação de esforços e despesas para melhorar o ensino,
despendidos pelo sistema de ensino. Observamos que existem escolas
com excelentes condições físicas e materiais, em que os alunos
vivenciam uma escolaridade conservadora, outras, em que o trabalho
consciente de professores competentes perde-se no conjunto de ações
pedagógicas desarticuladas, outras ainda que, embora tenham uma
proposta pedagógica avançada e bem articulada, não conseguem traduzi-
la em ações, por falta de sinergia coletiva. Casos como esses indicam que
embora existam certos instrumentos e condições para orientar um ensino
de qualidade, estes se tornam eficazes por falta de ações articuladas e
conjuntas. Firmamos, pois, o parecer de que falta, para a promoção de
qualidade da educação, uma visão global do estabelecimento de ensino
como instituição social, capaz de promover sinergia pedagógica de que
muitas das melhores instituições estão carentes. Essa sinergia seria
conduzida pela equipe de gestão da escola, sob a liderança de seu diretor,
voltada para a dinamização e coordenação do processo co-participativo,
para atender às demandas educacionais da sociedade dinâmica e
centrada na tecnologia e conhecimentos.
A promoção de uma gestão educacional democrática e participativa
está associada a compartilhamento de responsabilidades no processo da
tomada de decisão entre os diversos níveis de segmentos de autoridade
do sistema educacional. Desse modo, as unidades de ensino poderiam,
em seu interior, praticar a busca de soluções próprias para seus
problemas e, portanto, mais adequadas às suas necessidades e
expectativas, segundo os princípios de autonomia e participação,
indicadas por Valérien (1993), com duas das três principais características
da gestão educacional. A terceira característica seria autocontrole, que
equilibraria a autonomia da participação, para que a unidade de ensino
não venha a cair no espontaneísmo e laissez-faire. Acrescentamos um
quarto princípio de responsabilidade, demonstrado pelo contínuo
processo de comprovação pública de seu trabalho e de esforços para
melhorá-lo. Em nome de uma ação democrática e autônoma, muitos
membros de unidades sociais apresentam ressentimento contra toda e
qualquer norma que possa estabelecer ordem e direcionamento ao seu
trabalho. A esse respeito cabe-nos refletir sobre o significado subjacente
ao seguinte pensamento: as normas existem para obediências dos tolos e
orientação dos sábios (Oech, 1993). A gestão educacional cultiva relações
democráticas, fortalecendo princípios comuns à orientação, norteadores
da construção da autonomia competente. A nova ótica do trabalho de
direção do estabelecimento de ensino lembra a necessidade e importância
de que as decisões a respeito do processo de ensino sejam efetivadas na
própria instituição de ensino, envolvendo quem vai realizar esta prática e
seus usuários. Essa proposição de autonomia não deve eliminar a
vinculação da unidade de ensino com o sistema educacional que o
sustenta. A autonomia é limitada, uma vez que as ações que promovem a
força do conjunto só são possíveis mediante uma coordenação geral, que
pressupõe, além da necessária flexibilidade, a normatização entendida em
seu espírito maior e não em sua letra menor.
O termo gestão tem sido utilizado, de forma equivocada, como se
fosse simples substituição ao termo administração. Comparando o que se
propunha sob a denominação de administração e o que se propõe sob a
denominação de gestão e ainda, a alteração geral de orientações e
posturas que vêm ocorrendo em todos os âmbitos e que contextualizam
as alterações no âmbito da educação e da gestão, concluímos que a
mudança é radical. Conseqüentemente, não se deve entender que o que
esteja ocorrendo seja uma mera substituição de terminologia das antigas
noções a respeito de como conduzir uma organização de ensino.
Revitalizar a visão de administração da década de 70, orientada pela ótica
da administração científica (Perel, 1977; Treckel, 1967) seria ineficaz e
corresponderia a fazer mera maquiagem modernizadora. É importante
notar que a idéia de gestão educacional desenvolve-se associada a outras
déias globalizantes e dinâmicas em educação, como, por exemplo, o
destaque à sua dimensão política e social, ação para a transformação,
globalização, participação, práxis, cidadania, etc. Pela presente
complexidade das organizações e dos processos sociais nelas
ocorrentes, caracterizada pela diversificação e pluralidade de interesses
que envolvem a dinâmica das interações no embate desses interesses,
não se pode conceber que estas organizações sejam administradas pelo
antigo enfoque conceitual de administração científica, pelo qual tanto as
organizações, como as pessoas que nela atuam, são consideradas como
componentes e uma máquina manejada e controlada de fora para dentro.
Ainda segundo esse enfoque, os problemas recorrentes seriam
sobretudo encarados como carência de “imput” ou insumos, em
desconsideração ao seu processo e dinamização de energia social para
promovê-lo.
Os sistemas educacionais e os estabelecimentos de ensino, como
unidades sociais, são organismos vivos e dinâmicos, e como tais devem
ser entendidos. Assim, ao se caracterizarem por uma rede de relações
entre os elementos que nelas interferem, direta ou indiretamente, a sua
direção demanda de um novo enfoque de organização. E é essa
necessidade que a gestão educacional tenta responder. A gestão abrange,
portanto, a dinâmica do seu trabalho, como prática social, que passa a ser
o enfoque orientador da ação diretiva executada na organização de
ensino. A expressão “gestão educacional”, comumente utilizada para
designar a ação dos dirigentes, surge, por conseguinte, em substituição a
“administração educacional”, para representar não apenas novas idéias,
mas sim um novo paradigma, que busca estabelecer na instituição uma
orientação transformadora, a partir da dinamização de rede de relações
que ocorrem, dialeticamente, no seu contexto interno e externo.
Assim,como mudança paradigmática está associada à transformação de
inúmeras dimensões educacionais, pela superação, pela dialética, de
concepções dicotômicas que enfocam ora o diretivismo, ora o não-
diretivismo; ora a heteroavaliação, ora a auto-avaliação; ora a avaliação
quantitativa, ora a qualitativa; ora a transmissão do conhecimento
construído, ora a sua construção, a partir de uma visão da realidade.
Conseqüentemente, não se trata, apenas, de simples substituição
terminológica, baseada em considerações semântica. Trata-se, sim, da
proposição de um novo conceito de organização educacional. A gestão
ressalta-se, não se propõe a depreciar a administração, mas sim a superar
suas limitações de enfoque dicotomizado, simplificado e reduzido, e a
redimensioná-la, no contexto de uma concepção de mundo e de realidade
caracterizado pela visão da sua complexidade e dinamicidade, pela qual
as diferentes dimensões e dinâmicas são utilizadas como forças na
construção da realidade e sua superação, sem precisar reinventar a roda.
Como resultado, a ótica da gestão não prescinde nem elimina a ótica da
administração educacional. Apenas a supera, dando a esta um novo
significado, mais abrangente e de caráter potencialmente transformador.
Daí porque as ações propriamente administrativas continuarem a fazer
parte do trabalho dos dirigentes de organizações de ensino, como,
controle de recursos, de tempo, etc.
O conceito de gestão educacional, diferentemente de administração
educacional, abrange uma série de concepções na abarcadas pelo de
administração. Pode-se citar, dentre outros aspectos: a democratização
do processo de determinação dos destinos dos estabelecimentos de
ensino e seu projeto político-pedagógico; a compreensão da questão
dinâmica e conflitiva das relações interpessoais da organização, o
entendimento dessa organização como uma entidade viva e dinâmica,
demandando uma atuação especial de liderança; o atendimento de que a
mudança dos processos pedagógicos envolve alterações nas relações
sociais de organização; a compreensão de que o avanço das
organizações se assenta muito mais em seus processos sociais, sinergia
e competência, do que sobre insumos ou recursos. Esse conceito
pressupõe, ainda, a consciência de que a realidade da instituição pode sr
mudada sempre e somente na medida que seus participantes tenham
consciência de que são eles que a produzem com seu trabalho a medida
que ajam de acordo com essa consciência (Kosik,1976). O significado de
práxis, embutido nesse pensamento, estabelece a importância de se
dirigir a instituição não impossitivamente, mas, sim, a partir dela mesma,
em sua relação integrada com a comunidade a que deve servir. Isso
porque “o homem, para conhecer as coisas em si, deve primeiro
transformá-las em coisas para si” (Kosik, 1976, p. 18). Essa consciência
sobre gestão, superando à de administração, resultado do movimento
social, associado à democratização das organizações, demanda a
participação ativa de todos que atuam na sociedade para a tomada de
decisão, pelo planejamento participativo, e a capacidade de resposta
urgente aos problemas da existência e da funcionalidade das
organizações.
Alguns aspectos fazem parte da mudança de paradigma de que
falamos e devem ser considerados pelos que compõem a organização, a
fim de que possam dela participar criticamente e contribuir para o seu
desenvolvimento. Esses aspectos não ocorrem, na realidade, de forma
isolada, são intimamente relacionados entre si, na construção de novas e
mais potentes realidades. Devemos superar o enfoque da administração e
construirmos o de gestão mediante alguns avanços, que marcam a
transformação da ótica limitada, anteriormente apontada. O senso comum
é marcado pela ótica limitada da dicotomização que orienta uma visão da
realidade de modo absoluto e isolado. Separamos, por exemplo, “ele” de
“nós”, em que “eles” são os agentes responsáveis pelo que de ruim
acontece e, “nós” somos colocados como vítimas de suas ações, ou
como pessoas que agem de maneira sempre justa e correta. De acordo
com essa ótica, os professores não conseguiriam ensinar eficazmente
quando os alunos não quisessem ou não estivessem preparados para
aprender, o dirigente da instituição de ensino não conseguiria promover
um avanço na qualidade do ensino quando os professores não
colaborassem, a secretária não manteria seu trabalho em dia quando o
dirigente não lhe desse orientação. Estas são, no entanto, muitas das
queixas apresentadas no dia-a-dia de organizações de ensino e sugerem
uma falta de compreensão da interação de ações e de atitudes existentes
no processo social de sua organização. É fundamental a superação dessa
ótica e o relacionamento de que cada um faz parte da organização e do
sistema educacional como um todo, e de que a construção é realizada de
modo interativo entre os vários elementos que constroem em conjunto ma
realidade social. Por isso mesmo, interferem no seu processo de
construção, quer tenham, ou não, consciência desse fato. Caso a
orientação pessoal seja pela ótica de alienação, indicada anteriormente,
essa será reforçada pela própria atuação, construindo um círculo vicioso
auto justificado.
À medida que vigora na escola o entendimento de que ela é uma
criação pronta e acabada de um sistema maior, que determina o seu
funcionamento e sobre o qual seus membros não têm nenhum poder de
influência ou muito pouco, esses membros consideram, da mesma forma,
que pouca ou nenhuma responsabilidade têm sobre a qualidade de seu
próprio trabalho. Esse entendimento está associado à fragmentação do
trabalho geral da escola em papéis, funções e tarefas e respectiva
distribuição de atribuições. Em acordo com essa ótica, os participantes
tendem a delimitar as suas responsabilidades a tarefas burocraticamente
determinadas e de caráter fechado, deixando de ver o todo e de sentir-se
responsáveis por ele, e de contribuir para a sua construção ou
reestruturação. Nesse caso, é possível identificar profissionais altamente
eficientes em seu âmbito de ação, mas totalmente ineficazes como
resultado de sua orientação circunscrita e limitada. É o caso, por exemplo,
de um professor que ensina bem o conteúdo de sua disciplina, mas que
não contribui para a formação de seus alunos; de um diretor de escola,
que cumpre a legislação e zela pelo seu cumprimento, assim como das
determinações burocráticas do sistema, mas que não interfere na
dinâmica dos processos sociais de sua escola. A esse respeito temos
“quando os membros de uma organização concentram-se apenas em sua
função, eles não se sentem responsáveis pelos resultados quando todas
as funções atuam em conjunto” (Senge, 1992, p. 29). Em conseqüência, é
da maior importância, a conscientização da necessidade de redefinição de
responsabilidades e não a redefinição de funções. Aquelas centram-se no
todo, estas, nas partes isoladas.
“Educação é um processo longo e contínuo”. Essa afirmação é um
lugar comum. É preciso, portanto, superar a tendência de agir
episodicamente, de modo centrado em eventos, em casuísmos, que
resultam na construção de rotinas vazias de possibilidades de superação
das dificuldades do cotidiano. É necessário prestar atenção a cada
evento, circunstância e ato, como parte de um conjunto de eventos,
circunstâncias e atos que devem ser orientados para resultados a curto,
médio e longo prazo. Isso porque as menores ações produzem
conseqüências que vão além do horizonte próximo e imediato. “Pense
grande e aja no pequeno” é a afirmação de Amir Klink (1993), navegador
solitário de grande sucesso que, para obter sucesso em seus
empreendimentos ousados e corajosos, valoriza cada pequeno detalhe em
seu potencial de contribuir para ou prejudicar a realização de sua meta
maior. A crescente complexidade do trabalho pedagógico levou à
instituição de funções diferençadas no sistema de ensino e na escola,
atribuídas a profissionais diversos. No entanto, nem sempre os membros
da organização educacional estiveram preparados para essas formas mais
complexas de ação e passaram a simplificá-las e a esteriotipá-las,
burocratizando-as e estabelecendo, desnecessariamente, hierarquias e
segmentações inadequadas. Assim, o que poderia ter correspondido a um
avanço na educação, promoveu um dispêndio de recursos e de energia,
sem resultados positivos e operacionais paralelos. O exagero da
burocracia e da hierarquia teve como conseqüência, no dia-a-dia das
unidades de ensino, situações como ouvir-se: “vamos fazer, porque a
diretora disse!”; de ver-se uma secretária escolar não sair da secretaria,
ouse o faz, dar atendimento a um aluno de má vontade, porque essa não é
a sua função. A superação da visão burocrática e hierarquizadora de
funções e posições, evoluindo para uma ação coordenada, passa,
necessariamente, pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento da totalidade
dos membros do estabelecimento, na compreensão da complexidade do
trabalho educacional e percepção da importância da contribuição
individual e da organização coletiva.
A complexidade do processo do ensino depende, para seu
desenvolvimento e aperfeiçoamento, de ação coletiva, de espírito de
equipe, sendo este o grande desafio da gestão educacional. A prática
individualizada e mais ainda a individualista e competitiva empregadas em
nome da defesa de áreas e territórios específicos, muitas vezes
expressada de forma camuflada e sutil, devem ser superada
gradativamente em nome de uma ação coletiva pela qual, no final, todos
saiam ganhando, aprimorando-se no exercício da democracia ativa e da
socialização como forma de desenvolvimento individual. A
descentralização dos processos de direção e tomadas de decisões em
educação, a democratização dos processos de gestão da escola,
estabelecidos na Constituição Nacional, e a conseqüente construção da
autonomia da escola demandam o desenvolvimento do espírito de equipe
e a noção de gestão compartilhada nas instituições de ensino, em todos
os níveis. A própria concepção de gestão educacional como um processo
de mobilização do talento e da energia humana necessários para a
realização dos objetivos de promover nas instituições educacionais
experiências positivas e promissoras de formação de seus jovens alunos
demanda a realização de trabalho conjunto e integrado. Por outro lado, é
importante considerar que a sinergia de um grupo em instituições
educacionais constitui-se em forte elemento cultural que, por si mesmo
educada e forma os seus alunos.
Mais importante que mudar o termo é mudar a concepção
subjacente ao rótulo utilizado. Cabe-nos ressaltar, portanto, que, com a
denominação de gestão, o que se preconiza é uma nova ótica de direção,
voltada para a transformação das instituições e de seus processos, como
meio para a melhoria das condições de funcionamento do sistema de
ensino e de suas instituições. Não se pretende, no entanto, fazer tabula
rasa e sugerir que muitos cuidados enfatizados pela prática da
administração seriam totalmente inúteis. É importante lembrar que apenas
mudar denominações, em si, nada significa. É necessário que a nova
forma de representação denote originalidade e efetiva atuação. Mas, negar
ou menosprezar tudo o que a ótica anterior demonstra, corresponderia a
negar uma dimensão básica da realidade, uma vez que uma nova ótica é
sempre desenvolvida para superar a anterior, mantendo por base os seus
princípios, para determinar o progresso e a evolução.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal estabelece o dever partilhado da família, da
sociedade e do Estado – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, lei
Federal nº 8069/90). Também inclui a comunidade em assegurar o direito à
educação, inclusive, portanto, à educação escolar, a todas as crianças e
adolescentes. O cumprimento desse dever implica uma maior
responsabilidade dos profissionais da educação em assegurar a
qualidade do ensino público, princípio constitucional, integrando a família
e a comunidade (relações sociais do entorno da escola) nesse processo.
A Gestão Democrática da escola pública é também um princípio
garantido pela legislação recente desde 1988, com a promulgação da
Constituição Federal e, significa, mais do que um direito da família e
comunidade de participarem dos processos de gestão, um novo desenho
para a organização da escola, um caminho que permite o cumprimento
daquele dever. Fica claro que esse caminho deve ser trilhado e
descoberto por cada escola. A partilha do dever da família, da
comunidade, da sociedade e do Estado (e aqui incluem-se os
profissionais da educação, investidos de sua função pública), implica uma
partilha de poder no interior da instituição escolar. Por isso, é
fundamental a definição dos papéis de cada participante nesse processo,
como já afirmamos. A partilha de dever/poder indica, então, a ampliação
do papel da família. É dever dos pais ou responsáveis, implícito na relação
família-escola, independentemente de qualquer legislação, acompanhar a
vida escolar de seus filhos. Contudo, a participação da família na vida
escolar de seus filhos, ajudando a construir o projeto político-pedagógico
e trazendo seus saberes para dentro da escola, extrapola o papel que
tradicionalmente lhe é imposto; torna-se direito, visando ao cumprimento
de um dever. Cabe à família e à comunidade definir suas atribuições como
partícipes da gestão escolar, mas, sobretudo, compete aos diretores, aos
outros técnicos e aos professores orientá-los e estimulá-los, assumindo
seu papel como profissionais comprometidos com a educação de seus
alunos, com a autoridade que esse papel lhes instrui.
A implementação da Gestão Democrática não se faz pela simples
instalação do Conselho de Escola, com assento assegurado a todos os
participantes (inclusive alunos a partir de determinada idade). Como já
vimos, a escola é um conjunto de relações sociais específicas que a
constituem, perpassadas por relações sociais mais gerais. Elas vêm
carregadas de todas as contradições da sociedade, como também, no
modo como essa sociedade se organiza. A democracia é um princípio de
difícil realização, pois ainda não penetrou no modo de viver da imensa
maioria das pessoas, inclusive daquelas que fazem a escola e, portanto, a
organização das instituições sociais. É necessário, para definir a
participação de cada um na gestão escolar, identificar quem são essas
famílias e essas comunidades, quais os saberes que trazem e o que
significam esses saberes. Percebemos, assim, que o trabalho pedagógico
realizado pelo diretor, supervisores, orientadores e, principalmente,
professores cresce e, ao mesmo tempo que extrapola a sala de aula (e os
muros da escola), define-se nela. Se esse trabalho não for prioridade e
não se qualificar, a Gestão Democrática, além de não ter razão de existir,
não se realiza, pois só tem sentido quando temos em vista a mudança da
função social que tem se atribuído à escola. Além disso, trazer os saberes
do aluno, família e comunidade para dentro da escola proporciona novos
conhecimentos quanto à gestão escolar, haja vista que, muitas vezes, a
própria comunidade já possui instâncias organizadas de proposição e/ou
deliberação que podem auxiliar a escola a definir e implementar seu
Conselho Escolar. Em contrapartida, a escola, fortalecendo-se como
instituição social democrática, também exerce uma ação pedagógica junto
à comunidade. Enfim, a Gestão Democrática significa a conquista da
autonomia por parte do aluno, da família e da comunidade. Trazer a
cultura local para o interior da escola significa transformar os saberes da
comunidade em conteúdo de trabalho para o professor. O saber da
comunidade não deve entrar na escola apenas como “folclore”, isto é,
como um saber secundário que deve ser conhecido, cultuado e,
imediatamente, superado pelo chamado “saber científico”.
Para que a Gestão Democrática se realize é necessário que todos os
profissionais que dela fazem parte, não apenas os professores assumam
uma postura investigativa em seu trabalho, criando instrumentos que
possam auxiliá-los a identificar e reconhecer esses saberes. Assim, os
saberes da comunidade devem entrar na escola cotidianamente, não
somente por meio de atividades culturais, festas, reuniões. A escola,
sendo espaço de difusão e sistematização de conhecimentos, deve
privilegiar o desenvolvimento das práticas pedagógicas como a pesquisa,
a criação e recriação de metodologias, o registro diário das ações (tanto a
dos profissionais da educação, quanto à produção dos educandos da
comunidade, por meio da realização de cursos, seminários, encontros,
oficinas pedagógicas). Toda essa produção, ao ser trazida para a sala de
aula, possibilita a apropriação de linguagens que permitam a
ressignificação das coisas, dos lugares, das pessoas, enfim de uma nova
relação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KLINK, Amir. Planejamento organizacional. Palestra proferida na PUC/PR.
Curitiba, 1993.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
OECH, Roger Von. Um “toc” na cuca. São Paulo: Cultura, 1993.
PEREL, Vicente. Administração: passado, presente e futuro – da formação da
oficina à teoria dos sistemas. Petrópolis. Vozes, 1977.
SENGE, Peter. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização da
aprendizagem. São Paulo: Best Seller, 1993.
TRECKEL, Harleigh. Novas perspectivas de administração. Rio de Janeiro:
Agir, 1967.
VALÉRIEN, Jean. Gestão da escola fundamental: subsídios para análises e
sugestões de aperfeiçoamento. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO - Mec,
1993.
LÜCK, Heloísa. A escola participativa (O trabalho do gestor escolar). Curitiba:
DP&A, 1998.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo:
Ática, 1997.
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 1986.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro, 1985.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
MORIN, Edgard. A inteligência da complexidade. Fundação Petrópolis, 2000.
GUTIERREZ, Gustavo Luis. Artigo sobre autogestão. São Paulo, 1997.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Gestão democrática da educação: atuais
tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez,2003.
VIEITEZ, Cândido Giraldez. Democracia participativa, 1997.
FLORES, Daniel Garcia. Dissertação de Mestrado “Democratização da
escola: eleições de diretores, um caminho?”, 1990.