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REDE COOPERATIVA DE PESQUISASTRATAMENTO DE ESGOTOS SANITRIOS POR PROCESSO ANAERBIO E DISPOSIO CONTROLADA NO SOLO

INSTITUIES PARTICIPANTES PUC-PR, UFMG, UFPb, UFRGS, UFRN, UNICAMP, USP

AUTORESAdrianus C. Van Haandel UFPb Bruno Coraucci Filho UNICAMP Carlos Augusto de Lemos Chernicharo UFMG Ccero Onofre de Andrade Neto UFRN David da Motta Marques UFRGS Edson Abdul Nour UNICAMP Eugenio Foresti USP Fabiana De Nadai Andreoli PUC-PR Hnio Normando de Souza Melo UFRN Jos Roberto Campos USP Jos Almir Rodrigues Pereira UFPA Josmar Davilson Pagliuso USP Lourdinha Florncio UFPE Luis Fernando Cybis UFRGS Luiz Olinto Monteggia UFRGS Manoel Lucas Filho UFRN Marcelo Zaiat USP Marcos Von Sperling UFMG Mario Takayuki Kato UFPE Miguel Mansur Aisse PUC-PR Paula Frassinetti Feitosa Cavalcanti UFPb Pedro Alm Sobrinho USP Roberto Feij de Figueiredo UNICAMP Ronaldo Stefanutti UNICAMP

ApresentaoEsta publicao um dos produtos resultantes da Rede de Pesquisas formada no mbito do Edital 01 do Programa de Pesquisas em Saneamento Bsico (PROSAB) em torno do tema Tratamento de Esgotos Sanitrios por Processo Anaerbio e Disposio Controlada no Solo, e que foi coordenada pelo Prof. Jos Roberto Campos, da Escola de Engenharia de So Carlos-USP. Gerido pela FINEP, o PROSAB tem por prioridade o desenvolvimento e o aperfeioamento de tecnologias voltadas para a ampliao da cobertura dos servios de saneamento e, conseqentemente, para a melhoria das condies de vida da populao brasileira. Para tanto, o programa financia redes cooperativas de pesquisas nas reas de guas de abastecimento, guas residurias e resduos slidos que tenham por base a reviso do padro tecnolgico atual, estabelecendo normas e padres adequados s particularidades regionais e locais de um pas com escassez de recursos e de dimenso continental como o Brasil, e que observem, sempre, a necessidade de preservar ou recuperar o meio ambiente. A implementao do PROSAB por meio de redes de pesquisas cooperativas se deve a mltiplos fatores, dentre os quais destaca-se a abordagem integrada das aes dentro de um determinado tema, o que otimiza a aplicao dos recursos e evita a duplicidade e a pulverizao de iniciativas. As redes incentivam a integrao entre os pesquisadores das diferentes instituies, possibilitam a disseminao da informao entre seus integrantes e promovem a capacitao permanente de instituies emergentes, alm de permitir a padronizao de metodologias de anlise e estimular o desenvolvimento de parcerias. Um grupo interinstitucional, responsvel pela coordenao do PROSAB, orienta as aes de fomento, definindo, periodicamente, os temas prioritrios para a formao das redes cooperativas de pesquisas e que so tornados pblicos por meio de editais. Esse grupo coordenador auxilia a FINEP e o CNPq na tomada de decises, emitindo parecer sobre as propostas apresentadas, indicando consultores ad hoc, acompanhando permanentemente o programa e corrigindo desvios quando necessrio. J foram lanados, at o momento, dois editais do PROSAB envolvendo 17 e 27 grupos de pesquisa, respectivamente, contando com recursos financeiros da FINEP, CNPq, CAIXA e CAPES, e o apoio da ABES e da SEPURB. A divulgao das realizaes do programa feita por meio da home page do PROSAB (http://www.sanepar.pr.gov.br/prosab), da publicao de artigos na revista BIO da ABES, da apresentao do programa em diversos eventos da rea, do portflio dos projetos e da publicao de livros e manuais para distribuio s prefeituras e aos rgos de servios de saneamento. Os resultados finais dos projetos desenvolvidos no mbito de cada edital tambm so publicados sob a forma de coletnea de artigos.

GRUPO COORDENADOR DO PROSABProf. Jurandyr Povinelli EESC [email protected] Prof. Ccero O. de Andrade Neto UFRN [email protected] Deza Lara Pinto CNPq [email protected] Wilson Auerswald CNPq [email protected] Marcos Helano Montenegro CAESB [email protected] Anna Virgnia Machado ABES [email protected] Sandra Bondarowsky CAIXA [email protected] Dalmo Albuquerque Lima MCT [email protected] Elisabete Pinto Guedes FINEP [email protected] Clia Maria Poppe de Figueiredo [email protected]

RECOPE REDE COOPERATIVA DE PESQUISA O RECOPE, subprograma do PRODENGE, apoiado com recursos do contrato de financiamento FINEP-BID 880-OC/BR, contempla o desenvolvimento de redes de pesquisas em reas prioritrias da engenharia, envolvendo a interao entre instituies de pesquisa e empresas. O PROSAB inclui-se no RECOPE.

Jos Roberto Campos(coordenador)

TRATAMENTO DE ESGOTOS SANITRIOS POR PROCESSO ANAERBIO E DISPOSIO CONTROLADA NO SOLO

Rio de Janeiro RJ 1999

Copyright 1999 ABES RJ

1a Edio tiragem: 1.500 exemplares Projeto grfico, reviso, editorao eletrnica e fotolitos: RiMa Artes e Textos Av. Dr. Carlos Botelho, 1816, salas 30/31 CEP 13560-250 So Carlos-SP Fone/Fax: (016) 272-5269 Coordenador e revisor tcnico: Jos Roberto Campos

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Tratamento de esgotos sanitrios por processo anaerbio e disposio controlada no solo / Jos Roberto Campos (coordenador). -- Rio de Janeiro : ABES, 1999. 464 p. : il. Projeto PROSAB.

1. Tratamento anaerbio. 2. Tratamento de esgotos. 3. Reatores anaerbios. 4. Disposio no solo. 5. Tratamento de esgoto no solo. I. Campos, Jos Roberto.

Jos Roberto Campos(coordenador)

Coordenadores de Projeto PUC-PR: Miguel Mansur Aisse UFMG: Carlos Augusto L. Chernicharo UFPb: Adrianus Van Haandel UFRGS: Luiz Olinto Monteggia UFRN: Hnio Normando de Souza Melo UNICAMP: Bruno Coraucci Filho USP: Jos Roberto Campos Consultores Pedro Alm Sobrinho USP Mario Takayuki Kato UFPE

Nossa homenagem:

Jurandyr Povinelli Pela sua capacidade de concretizar planos, liderana e respeito ao ser humano e ao trabalho. Clia Maria Poppe de Figueiredo e Elisabete Pinto Guedes Com carinho, pela amizade, simpatia e sensibilidade; com respeito, pela competncia, eficincia e colaborao.

Os autores

Captulo 1

IntroduoCcero Onofre de Andrade Neto e Jos Roberto Campos

1.1 GeneralidadesA disposio de esgotos brutos no solo ou em corpos receptores naturais, como lagoas, rios, oceanos, uma alternativa que foi e ainda empregada de forma muito intensa. Dependendo da carga orgnica lanada, os esgotos provocam a total degradao do ambiente (solo, gua e ar) ou, em outros casos, o meio demonstra ter condies de receber e de decompor os contaminantes at alcanar um nvel que no cause problemas ou alteraes acentuadas que prejudiquem o ecossistema local e circunvizinho. Esse fato demonstra que a natureza tem condies de promover o tratamento dos esgotos, desde que no ocorra sobrecarga e que haja boas condies ambientais que permitam a evoluo, reproduo e crescimento de organismos que decompem a matria orgnica. Em outras palavras, o tratamento biolgico de esgotos um fenmeno que pode ocorrer naturalmente no solo ou na gua, desde que predominem condies apropriadas. Uma estao de tratamento de esgotos , em essncia, um sistema que explora esses mesmos organismos que proliferam no solo e na gua. Em estaes de tratamento procura-se, no entanto, otimizar os processos e minimizar custos, para que se consiga a maior eficincia possvel, respeitando-se as restries que se impem pela proteo do corpo receptor e pelas limitaes de recursos disponveis. Em estaes de tratamento procura-se, geralmente, reduzir o tempo de deteno hidrulica (tempo mdio que o esgoto fica retido no sistema) e aumentar a eficincia

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das reaes bioqumicas, de maneira que se atinja determinado nvel de reduo de carga orgnica, em tempo e espao muito inferiores em relao ao que se espera que ocorra no ambiente natural. Assim sendo, mesmo a disposio no solo pode constituir-se em uma excelente forma de tratamento, desde que se respeite a capacidade natural do meio e dos microrganismos decompositores presentes. A evoluo da tecnologia de tratamento de esgotos em ambiente confinado e controlado iniciou-se com a constatao de que lagoas poderiam ser utilizadas para esse fim e tambm com as proposies, em 1893 e 1914, de sistemas que hoje so conhecidos como tanques spticos e lodos ativados aerbios, respectivamente. Durante muito tempo, no passado, acreditava-se que guas residurias poderiam ser tratadas com elevada eficincia apenas quando se empregavam processos aerbios (oxignio presente na forma molecular O2) e que o processo anaerbio (ausncia de oxignio) s se aplicava digesto de lodos, com elevada concentrao de slidos orgnicos. Assim sendo, o processo anaerbio s era utilizado na digesto de lodos concentrados de estaes de tratamento, em certos tipos de lagoas e em digestores rurais. Em certos casos, at se efetuava o aproveitamento de biogs, que pode apresentar elevada concentrao de metano (CH4), que um gs combustvel. A evoluo acelerada dos conhecimentos e do emprego de reatores anaerbios no convencionais para o tratamento de despejos lquidos contendo quantidades relativamente pequenas de matria orgnica devida, em grande parte, contribuio inicial oriunda do trabalho dos pesquisadores James C. Young e Perry L. McCarty, na dcada de 1960. Vale lembrar que os esgotos sanitrios so considerados como guas residurias com baixa concentrao. Os novos reatores foram concebidos fundamentalmente com base no melhor conhecimento do processo anaerbio e, principalmente, na verificao da viabilidade de se dispor de diferentes maneiras para conseguir tempo de reteno celular (tempo mdio que os microrganismos ficam retidos no sistema) sensivelmente superior ao tempo de deteno hidrulica nas unidades de tratamento anaerbio. O aumento do tempo de reteno celular, em relao ao tempo de deteno hidrulica nos reatores anaerbios no convencionais, tem sido conseguido por meio da construo de unidades cuja concepo e operao apiam-se nos conceitos que so descritos sucintamente a seguir: a) Reteno de microrganismos nos interstcios existentes em leito de pedra ou de outro material suporte adequado que constitui parte de um reator (unidade na qual ocorre converso de algum material por processo biolgico ou qumico) anaerbio com fluxo ascendente ou descendente. Nesse caso, so includos os

Cap. 1

Introduo

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filtros anaerbios, nos quais tem sido constatado que, apesar de ocorrer a aderncia de filme biolgico ao meio suporte, a parcela significativa de microrganismos encontra-se nos interstcios do leito. b) Produo de uma regio no reator com elevada concentrao de microrganismos ativos que obrigatoriamente atravessada (e misturada) pelo fluxo ascendente dos despejos a serem tratados. Esse princpio explorado nos reatores anaerbios de fluxo ascendente e manta de lodo (Upflow Anaerobic Sludge Blanket UASB) e nos reatores anaerbios compartimentados. c) Imobilizao de microrganismos mediante sua aderncia a superfcies fixas ou superfcie de material particulado mvel. Os reatores de leito expandido ou fluidificado fundamentam-se essencialmente nesse princpio, tendo-se em vista que a grande parcela de microrganismos ativos encontra-se aderida s partculas que constituem o seu leito. Atualmente j se tem uma idia generalizada de que ambos os processos biolgicos, aerbio e anaerbio, podem ser aplicados para o tratamento de esgotos sanitrios, cada qual apresentando uma srie de aspectos positivos e, naturalmente, outra srie de aspectos negativos. Assim sendo, em cada caso, devem-se ponderar ambas as possibilidades para que se chegue realmente soluo mais apropriada para uma determinada cidade. Alm do crescimento do nmero de alternativas para tratamento, tambm a tecnologia de projeto, construo e operao do sistema evoluiu de forma aprecivel nos anos mais recentes. Durante os ltimos 20 anos, verificou-se uma verdadeira revoluo nos conceitos concernentes com o tratamento de guas residurias. Nesse perodo, alm de ampliar e valorizar a aplicabilidade do processo anaerbio, tambm foi aumentado significativamente o nmero de alternativas para concepo fsica das unidades para converses biolgicas. Os pesquisadores e os profissionais da rea aprenderam a trabalhar em equipe e deixaram de apenas supervisionar as partes puramente civil e eletromecnica das estaes de tratamento. A conscincia atual coloca em destaque a importncia da multidisciplinariedade do assunto e envolve elementos de biologia, microbiologia, bioqumica, engenharias, arquitetura, economia, poltica, sociologia e educao ambiental. As unidades j no so vistas como simples tanques, em concreto, em chapa metlica etc. Hoje essas unidades so estudadas como reatores em que ocorrem transformaes complexas, com a participao de organismos vivos.

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H que se tentar a otimizao da construo, da operao e da manuteno do reator (custos) fundamentada na otimizao do processo biolgico. No que se refere a custos para implantao de sistemas de tratamento, as cifras relacionadas com as necessidades do Brasil so impressionantes, pois, atualmente, apenas cerca de 40% da populao urbana servida com redes coletoras, sendo que a situao da populao rural ainda grave. Outro fato, tambm decepcionante, reside na constatao de que apenas cerca de 10% dos esgotos so submetidos a algum tipo de tratamento. Estima-se, de maneira aproximada, que atualmente, no Brasil, seria necessrio investir mais de 40 bilhes de reais em saneamento bsico (gua, esgotos e lixo), para que sejam atingidas condies adequadas e desejveis. Finalizando essa introduo sobre o tema, pode-se sintetizar que h muitas alternativas para tratamento de esgotos, desde uma simples, porm controlada, disposio no solo at sofisticadas estaes completamente automatizadas. Dentro desse contexto, conclui-se que, para cada cidade, em funo de suas caractersticas prprias, deve-se sempre escolher aquela soluo que corresponda a uma eficincia e a custos compatveis com as circunstncias que prevalecem no local.

1.2 Caractersticas de Esgotos SanitriosA primeira medida para iniciar o levantamento de dados para elaborao de um projeto de sistema de tratamento de esgotos relaciona-se com a determinao da qualidade e da quantidade dos esgotos que sero encaminhados estao depuradora. Deve-se determinar a variao da vazo e da qualidade dessas guas, para que seja possvel um dimensionamento mais prximo da realidade e no baseado apenas em dados obtidos em bibliografia. Devem-se efetuar medies de vazo e coletar amostras representativas para que se tenha uma caracterizao quantitativa real. Alm do mais, por meio de extrapolaes fundamentadas no crescimento populacional e industrial previsto para pelo menos 10 a 20 anos, obrigatria a definio do alcance de projeto associado a estimativas, as mais seguras possveis. De maneira geral, as vazes de esgotos variam durante o dia, de acordo com os usos e costumes de uma dada comunidade, porm uma idia geral dessa variao pode ser observada na Figura 1.1, em que se mostra um hidrograma tpico bastante comum. Naturalmente, a vazo mdia tambm varia nos diferentes dias da semana e nas diferentes estaes do ano. Na figura, os valores de Qmn e Qmx em relao a Qmd so apenas ilustrativas, pois podem variar caso a caso.

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Introduo

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Vazo

1,5 Qmd

Vazo mxima (Qmx)

0 Qmd

Vazo mdia

0,5 Qmd Vazo mnima (Qmn)

0

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24h

Figura 1.1 Variao diria tpica de vazo de esgotos sanitrios.

Alm das guas usadas em atividades domsticas, tambm tm acesso rede coletora aquelas guas provenientes de usos industriais, guas de infiltrao etc. No Brasil, usa-se o sistema denominado separador absoluto, que no permite a introduo de guas pluviais, porm, em ocasies de chuvas, sempre ocorre a penetrao desse tipo de gua por meio de tampes de poo-de-visita, de lanamentos clandestinos etc., atingindo vazes considerveis. Esse fato exige que, junto chegada dos esgotos, em estaes de tratamento, sempre seja previsto um extravasor para impedir que a vazo que tem acesso instalao supere aquela correspondente vazo de projeto. Evidentemente, a atitude correta seria prever o tratamento dessa vazo excedente. De maneira geral, as vazes de esgotos que tm acesso a uma estao de tratamento variam aproximadamente de acordo com certos padres que podem ser explicados, aproximadamente, pelas equaes que fornecem dados em litros por segundo (l/s).l

Vazo mnima: 4 PtQ = & 32 3 T + / , 1 ) + 4 ,1'01 + 2 8 7 5 2 6 & 32 3 T + / , 1 ) + 4 ,1'0e' + 2 8 7 5 2 6

l

Vazo mdia 4 PpG =

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l

Vazo no dia de maior consumo: & 32 3 T . + / ,1 ) + 4 GLD Vazo na hora de maior consumo: 4=,1'0e'

+ 2 8 752 6

l

4 KRUD = em que:

& 32 3 T . . + / , 1 ) + 4 ,1'0; + 2 8 7 5 2 6

C: relao entre a vazo de esgotos que tem acesso ao sistema coletor e a vazo de gua distribuda populao. Varia entre 0,70 a 1,30, mais comumente, C = 0,80 POP: populao a ser atendida (habitantes) Q: consumo mdio dirio de gua per capita. l populao permanente: 100 a 350 l/pessoa dia, geralmente l populao flutuante: 50 a 200 l/pessoa dia QIND: contribuio industrial (l/s) INF: infiltrao na rede (0,20 a 10 l/s km, geralmente) L: comprimento da rede (km) K1: coeficiente do dia de maior consumo, varia entre 1,20 e 1,50 (comumente: 1,25) K2: coeficiente da hora de maior consumo, varia entre 1,50 e 1,30 (comumente: 1,50) Essas frmulas so comumente utilizadas para estimativas de vazo para projeto, porm importante que todos os parmetros inclusos nas mesmas sejam medidos ou determinados in loco para que no se incorra em erros grosseiros. Alm de estudos cuidadosos para avaliao de vazes atuais e futuras, dentro do horizonte de projeto, deve-se fazer uma perfeita caracterizao dos esgotos por meio de coleta e exame de amostras representativas. De maneira geral, os esgotos sanitrios possuem mais de 98% de sua composio constituda por gua, porm h contaminantes, entre os quais destacam-se: slidos suspensos, compostos orgnicos (protenas: 40% a 60%; carboidratos: 25% a 50%; e leos e graxas: 10%), nutrientes (nitrognio e fsforo), metais, slidos dissolvidos inorgnicos, slidos inertes, slidos grosseiros, compostos no biodegradveis, organismos patognicos e, ocasionalmente, contaminantes txicos decorrentes de atividades industriais ou acidentais.

Cap. 1

Introduo

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Dada a dificuldade em caracterizar todos os patognicos presentes, adota-se como recurso a determinao da densidade de microrganismos coliformes, NMP (nmero mais provvel de coliformes/100 ml de amostra), que indiretamente constitui um indicador da presena provvel de organismos patognicos nesse meio. Organismos coliformes so bactrias que tm seu hbitat favorvel no trato intestinal de animais de sangue quente. De maneira geral, devem ser coletadas amostras e determinados pelo menos os seguintes parmetros: pH, temperatura, DBO (Demanda Bioqumica de Oxignio), DQO (Demanda Qumica de Oxignio), nitrognio (nas formas de nitrognio orgnico, amoniacal, nitritos e nitratos), fsforo, alcalinidade, materiais solveis em hexano, slidos sedimentveis, resduos (em suas diferentes formas: suspensos, dissolvidos, fixos e volteis), coliformes totais e coliformes fecais. Recentemente, tambm a avaliao do nmero de nematides comeou a receber maior ateno. Quando h lanamentos de guas residurias de indstrias, deve-se fazer levantamento perfeito das cargas correspondentes e da natureza e tipo de efluente com essa origem, pois pode ocorrer a presena de substncias refratrias ao tratamento ou de substncias inibidoras ou txicas. Em cada caso, deve-se definir alguns parmetros adicionais para comporem o elenco de anlises e determinaes com amostras dos esgotos que tero acesso ao tratamento, entre os quais podem-se citar: metais pesados, pesticidas etc. Entre os parmetros citados muito importante destacar algumas consideraes sobre a DBO. Em esgotos sanitrios, a DBO geralmente varia na faixa de 150 a 600 mg/l, em mdia. Isso significa, de forma grosseira, que cada litro de esgoto lanado em um corpo aqutico pode provocar consumo de 150 a 600 mg/l de oxignio disponvel nesse meio, por intermdio das reaes bioqumicas (respirao de microrganismos, principalmente). Esse ensaio padronizado para a temperatura de 20C e 5 dias de durao. Isso significa que, na realidade, o consumo de oxignio pode ser maior ou menor do que aquele determinado em laboratrio, pois, no meio natural, h outras variveis no ponderadas no ensaio. Para ter uma idia grosseira da contribuio de cada pessoa na degradao da gua de um corpo dgua natural interessante notar que as atividades normais de um ser humano leva produo de cerca de 50 a 60 g de DBO20C,5d por dia, ou seja, cada pessoa, por meio de seus esgotos, provoca consumo de oxignio no corpo receptor da ordem de 50 a 60g. Em termos grosseiros, se for considerado que um corpo receptor sadio tem geralmente teor de oxignio dissolvido de aproximadamente 7 mg/l, cada pessoa provoca

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a reduo desse teor para zero mg/l, correspondente a um volume de 8 m 3/dia, aproximadamente (54 g de DBO20C,5d/pessoa dia). Extrapolando-se para uma cidade de 100.000 habitantes, por exemplo, chega-se a um volume da ordem de 800.000 m3/dia. No que se refere contaminao do corpo receptor por microrganismos potencialmente patognicos, um nmero bastante representativo refere-se ao NMP de coliformes por 100 ml, caracterstico dos esgotos sanitrios. A faixa de valores mais comuns encontra-se entre 106 e 108 NMP/100 ml. Isso significa que, em cada litro de esgoto bruto lanado em um rio, tem-se de 107 a 10 organismos coliformes, que indiretamente podem estar relacionados com a presena de patognicos.9

1.3 Definio do Nmero de Estaes e do Nvel de TratamentoTanto o estabelecimento do nmero de estaes como a definio de eficincia necessria para o tratamento so decises que no podem ser tomadas sem avaliao muito cuidadosa de diversos fatores locais, como classe, tipo e natureza do corpo receptor, reas disponveis para implantao do sistema, recursos disponveis, condies da rede coletora existente etc. A seguir, ser apresentado um apanhado geral sobre os principais fatores que interferem nessas condies bsicas. Como j foi mostrado anteriormente, ao se lanarem os esgotos em um rio, por exemplo, poder ocorrer reduo acentuada do oxignio presente nesse corpo receptor. Na Figura 1.2 apresenta-se um exemplo de curva de variao do oxignio em um rio que recebeu uma descarga concentrada de esgotos. Note que, nesse caso, ao longo do curso do rio, a concentrao de oxignio foi reduzida de 8,0 g/l at prximo a 2,0 mg/l e, depois, lentamente esse teor elevou-se at alcanar valor prximo quele que havia previamente. Nesse caso, nas guas desse rio continuou a prevalecer atividade aerbia em nvel adequado para a sobrevivncia de um nmero significativo de peixes, pois a concentrao de oxignio manteve-se superior a 2,0 mg/l. Como todo rio tem uma capacidade de autodepurao compatvel com a sua vazo, turbulncia das guas, temperatura etc., houve a reaerao dessas guas (introduo do oxignio por meio da superfcie e tambm por atividade de algas) e a recuperao natural desse corpo receptor, depois de uma extenso que pode variar de algumas dezenas a centenas de quilmetros.

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Introduo

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Esgotos 8,0

Oxignio dissolvido (mg/l)

6,0

4,0

2,0

0

Distncia (km)

Figura 1.2

Efeito do lanamento de esgotos em um rio.

Em outros casos, a descarga de esgotos pode provocar situao catastrfica para a vida aqutica que depende de meio aerbio. O rio pode no ter condies de manter condies aerbias em toda a sua extenso, pois mesmo ocorrendo a aerao natural, pode haver trecho onde a concentrao de oxignio se reduz a zero. Nesse trecho, ento, ocorre a anaerobiose e a morte de praticamente todos os peixes. Esses comentrios demonstram claramente que, para cada caso, deve-se determinar a mxima carga que se pode lanar em um rio para que no se provoquem alteraes srias nesse ecossistema. Logicamente, o ideal seria que a eficincia da estao fosse sempre de 100%, porm, medida que se aumenta a eficincia de uma estao, a partir de 80%, os custos de implantao e de operao crescem de maneira muito acentuada. Lanar, por exemplo, os esgotos de uma cidade de 10.000 habitantes no rio Amazonas algo completamente diferente de lan-los em um pequeno crrego com 0,50 m de largura. No primeiro caso, os efeitos na vida aqutica so quase desprezveis, porm, no segundo, so catastrficos. Baseando-se nesses conceitos, a legislao em vigor estabelece padres de qualidade associados s caractersticas que devem ser respeitadas no corpo receptor, e padres de emisso relativos s caractersticas que devem ser respeitadas nos efluentes industriais ou esgotos sanitrios tratados, para ser possvel seu lanamento em um corpo receptor. Sugere-se que todo administrador municipal tenha em mos toda Legislao Federal sobre esse tema e, tambm, a Legislao Estadual, mais especfica e objetiva, sobre a regio.

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Assim sendo, quando se quiser determinar o nvel de tratamento necessrio, devese conhecer paralelamente as caractersticas do corpo receptor e a classe qual pertence, de acordo com deliberao do rgo Estadual de Controle de Poluio e do Conama Conselho Nacional do Meio Ambiente. Conhecendo-se sua classe, pode-se saber exatamente as caractersticas que devem ser respeitadas nesse rio, mesmo aps o lanamento de esgotos tratados. Com base na capacidade de autodepurao do rio e em respeito aos padres de qualidade a serem mantidos no mesmo, em funo da sua classe, pode-se definir as caractersticas que devero ter os esgotos tratados. A fim de obedecer aos padres de qualidade do corpo receptor, tambm deve-se respeitar aos padres de emisso relativos s guas residurias tratadas. Com base no exposto, fica claro que a eficincia do tratamento s pode ser definida depois de consultar a legislao e ter dados precisos sobre o corpo receptor em questo. Como diretriz bsica e preliminar mnima, deve-se sempre procurar alcanar eficincia na remoo de DBO superior a 80% ou deve-se procurar ter efluentes tratados com DBO inferior a 60 mg/l. Naturalmente, alm de considerar esse parmetro, tambm devem ser respeitados limites associados a outros, como slidos suspensos, NMP de coliformes etc., constantes dos padres de emisso. Geralmente, na prtica, para respeitar os padres de qualidade, as condies so mais restritivas. Em relao ao nmero de estaes de tratamento de esgotos a ser implantado em uma cidade, naturalmente, outra srie de fatores deve ser levada em considerao para que se chegue a uma concluso que oferea os melhores resultados em termos tcnicos, econmicos e ambientais. Dois fatores que, em muitos casos, obrigam a direcionar essa escolha se referem disponibilidade de espao e configurao do sistema de coleta e de transporte de esgotos j existentes na cidade. Por exemplo, pode ocorrer o caso, simplificadamente mostrado na Figura 1.3, em que a cidade j possui implantados coletores, interceptores e emissrios que conduzem todo o volume de esgotos produzidos na rea urbana at um nico ponto, no qual h a opo por uma nica estao de tratamento nesse referido local. At recentemente, os projetistas geralmente optavam pela soluo mostrada na Figura 1.3, sem qualquer estudo preliminar aprofundado, porm, atualmente, tem-se a certeza de que para determinar a melhor alternativa, no que concerne ao nmero de estaes a serem implantadas, deve-se fazer um estudo econmico e ambiental cuidadoso relativo anlise de costumes de obras, operao e manuteno. Nota-se que, quando se procura concentrar todo o volume de esgotos de uma cidade em um ponto nico,

Cap. 1

Introduo

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preciso aumentar o dimetro das canalizaes medida que aumenta a rea servida. Alm disso, geralmente, tem-se de construir sistemas de bombeamento para, eventualmente, lanar os esgotos de uma ou mais sub-bacias at canalizaes que posteriormente conduzem os esgotos ao local de tratamento.

Crrego ou rio Interceptor, emissrio

Estao de tratamento (ETE)

Figura 1.3 Localizao de estao de tratamento de esgoto em cidades que dispem de redes que concentram os esgotos em um nico local.

Evidentemente, esses componentes tm custos de construo e de operao considerveis, que no devem ser ignorados no momento de fazer opes tcnicas e econmicas. Na Figura 1.4 mostrado esquema para a mesma situao em que se prev a construo de 3 estaes. Nota-se, nesse caso, que os dimetros finais dos interceptores e emissrios so menores, redundando em menor custo para transporte dos esgotos. Por outro lado, geralmente o custo por metro cbico tratado pode diminuir, dentro de certos limites, medida que aumenta a capacidade de uma estao de tratamento de esgotos. Adicionalmente, caso haja diversas estaes espalhadas, evidentemente tem-se de dispor de maior nmero de funcionrios e, naturalmente, os servios de controle ficam mais complexos. Isso demonstra que a escolha do nmero de estaes no algo to fcil como aparenta e constitui uma deciso importante, principalmente no que se refere otimizao de custos.

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Tratamento de Esgotos Sanitrios por Processo Anaerbio e Disposio Controlada no Solo

Crrego ou rio Interceptor, emissrio ETE 1

ETE 2

ETE 3

Figura 1.4 Localizao de estaes de tratamento de esgoto em cidades que dispem de rede projetada, prevendo-se a construo de diversas estaes.

Para encerrar essa abordagem, muito importante citar o fato de que, independentemente do nmero de estaes adotado, o projetista sempre deve pensar na possibilidade de modular as estaes de tratamento para facilitar a ampliao da mesma e otimizar sua operao e manuteno. Assim, por exemplo, se para uma cidade que pretende tratar esgotos de 300.000 habitantes foram previstas duas estaes, uma para atender a 180.000 habitantes e outra para 120.000 habitantes, pode-se perfeitamente imaginar um mdulo para tratar esgotos de 30.000 habitantes, de forma que seriam construdas duas estaes, uma constituda de 4 mdulos e outra, de 6 mdulos. Evidentemente, ao escolher a capacidade do mdulo, tambm deve-se ter justificativa tcnica e econmica. Nota-se que, ao modular uma estao, reduz-se drasticamente a necessidade de constru-la de uma s vez, eliminando a necessidade de grandes emprstimos e diluindo a responsabilidade de sua evoluo, por exemplo, em uma, duas ou trs gestes administrativas. Naturalmente, primeira gesto caber a elaborao do projeto, desapropriao da rea e implantao de um certo nmero inicial de mdulos. s gestes seguintes a obrigao se restringir continuidade de implantao de novos mdulos.

Cap. 1

Introduo

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1.4 Etapas de Estudos para Concepo de Sistemas de Tratamento de EsgotosNos itens seguintes so destacados alguns fatores que influenciam de maneira acentuada a concepo de sistemas de tratamento de esgotos. A esses fatores se somam muitos outros, que tornam as tomadas de deciso ainda mais complexas. Nota-se que, ao implantar uma estao de tratamento, esse sistema provocar certo impacto ambiental na rea circunvizinha, que pode ser negativo ou quase desprezvel. Portanto, alm de pensar na parte puramente tcnica, tambm preciso ponderar os aspectos ambientais e esttico (arquitetura, urbanismo e paisagismo), para que essa obra no venha a ser algo que agrida os sentimentos dos moradores da regio e daqueles que venham visitar a estao de tratamento. Por outro lado, essa obra pode tambm provocar alteraes no ambiente vizinho em conseqncia da exalao de maus odores e pelo trfego de veculos que fatalmente tero de afastar resduos slidos do local. A esses fatores devem ser somados outros, entre os quais aqueles relacionados com possibilidades de contaminao do lenol de gua subterrnea, arraste de materiais pelas guas pluviais at corpos dgua etc. Dois parmetros fundamentais que tambm no devem ser esquecidos referemse produo de lodo e ao consumo de energia. No Brasil, e em quase todos os pases do mundo, o problema de afastamento, tratamento e de disposio de resduos slidos torna-se cada vez mais grave; em algumas situaes atinge nvel dramtico. medida que se implantam estaes de tratamento de guas residurias, evidentemente se produz mais resduo slido, que retirado dessas guas ou que produzido por meio da sntese das bactrias que promovem o tratamento biolgico. A produo de lodos em uma estao de tratamento algo importante que redunda na necessidade de ser considerado como um dos importantes fatores que podem levar a problemas e a custos significativos. Quanto ao consumo de energia, no h necessidade de acrescentar muito, pois evidente que, quanto menor a demanda de energia eltrica, menor ser o custo de operao. Apesar de ser evidente, em muitos casos nota-se total desprezo por essa ponderao. Diante do exposto, fica evidente a enorme responsabilidade do administrador municipal ao decidir pela implantao do tratamento de esgotos em sua cidade, pois,

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direta ou indiretamente, os erros advindos de uma opo inadequada certamente sero atribudos gesto durante a qual foram iniciados os estudos, sendo esquecida, muitas vezes, a inteno nobre de salvaguardar o ambiente que deu impulso s medidas tomadas. Assim sendo, recomendvel, sempre que possvel, e em cidades que no disponham de dados e planos baseados em estudos tcnicos, econmicos e ambientais sobre o sistema de esgotos, que sejam seguidos alguns passos fundamentais na evoluo do planejamento para implantao de estaes de tratamento de esgotos. Desse modo, recomenda-se que pelo menos sejam observadas algumas etapas, conforme enumeradas a seguir: a) Diagnstico do sistema existente. Nesta fase deve-se levantar todos os dados concernentes com o sistema existente, como cadastros, vazes, custos, receita, problemas executivos e operacionais, divisores de sub-bacias, populao atual e seu crescimento etc. Em sntese, deve-se coletar e analisar todos os dados possveis para que se conhea perfeitamente como o sistema existente est construdo, suas possibilidades de expanso, suas condies operacionais etc. Adicionalmente, devem-se conhecer vazes, locais de lanamento, classe e caractersticas do(s) receptor(es), distribuio da populao servida etc. b) Estudo de alternativas e escolha de melhor soluo. Esta fase muito importante, e seu sucesso fundamentalmente apoiado na experincia e no conhecimento do projetista e de seus consultores. Vale destacar que recentemente est ocorrendo uma evoluo acentuada no nmero de alternativas tecnicamente viveis para tratamento de esgotos. Cabe queles aos quais recai a deciso a responsabilidade e a obrigao de ponderarem sobre todas as alternativas viveis, envolvendo tecnologias desde a mais simples at a mais complexa e desde a mais antiga at a mais recente. Naturalmente, em funo das condies de cada cidade, muitas alternativas podem ser eliminadas aps uma simples avaliao inicial de fatores bsicos, como: rea disponvel, nvel scio-econmico predominante, disponibilidade de energia a custo razovel etc. Porm, aps essa pr-seleo, sempre h algumas alternativas tecnicamente viveis que devero ser objeto de estudos para determinao daquela que oferece as melhores condies econmicas. Os estudos tcnico e econmico devero ser realizados com base em informaes que surgiro por meio da anlise dos seguintes tpicos, fases ou consideraes. l Conhecimento da classe e avaliao da capacidade de autodepurao do corpo receptor. l Definio da eficincia necessria para tratamento.

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Espao disponvel para a implantao da(s) estao(es). l Sondagem e estudos geofsicos na(s) rea(s) para implantao da(s) estao(es). l Definio do nmero de estaes. l Definio do mdulo que constitui a(s) estao(es). l Utilizao de tecnologias disponveis e apropriadas. l Definio de critrios de projeto. l Layout de anteprojetos. l Anlise sobre o balano de slidos para avaliar problemas, solues e custos para transporte, tratamento e destino final de lodos. l Anlise sobre o balano energtico para avaliar consumo de energia e seus custos. l Anlise sobre as condies tcnicas gerais de cada alternativa. l Anlise de custos (construo, operao e manuteno) de cada alternativa (devem ser comparados os valores presentes considerando-se a construo e a operao e manuteno nos prximos 20 anos). l Anlise do impacto ambiental de cada alternativa. l Escolha de melhor soluo. c) Projeto executivo. A concluso de todos os trabalhos desenvolvidos para a implantao do sistema de tratamento apresentada detalhadamente no projeto executivo e tambm so fornecidos os projetos especficos em nvel suficiente para a execuo da obra. Do projeto executivo constam, pelo menos: memorial justificativo, escolha tcnico-econmica da melhor soluo, memorial de clculo, manual de operao, lista bsica de materiais de construo, especificaes para construo, projeto estrutural, projeto de instalaes eltricas, projeto arquitetnico, projeto de instrumentao e automatizao e estudo de paisagismo. Deve tambm ser incorporado estudo sobre o impacto da estao no ambiente.l

1.5 Funo de uma Estao de Tratamento de EsgotosComo se descreveu anteriormente, a eficincia e a capacidade nominal de uma estao de tratamento de esgotos so definidas a partir de uma srie complexa de fatores especficos a cada caso estudado. O tratamento pode abranger diferentes nveis, denominados tecnicamente de tratamento primrio, secundrio ou tercirio. A Figura 1.5 mostra esquematicamente a composio de uma estao de tratamento completa convencional, at a desinfeco final.

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Nvel de tratamento Tercirio Secundrio Primrio

Desinfeco

Remoo de nutrientes, de materiais no biodegradveis e do lodo

Remoo de lodo biolgico

Degradao de compostos carbonceos

Remoo de materiais grosseiros, flutuantes e sedimentveis

Esgotos

Lodo biolgico

Recirculao Areia e slidos grosseiros gradeados

Lodo

Lodo secundrio

Adensamento, digesto, condicionamento, desidratao, secagem etc.

Lodo primrio

Disposio adequada

Figura 1.5 Conceito de sistema convencional de tratamento de esgotos.

O tratamento primrio envolve a remoo de slidos grosseiros, por meio de grades, geralmente, e a sedimentao (caixa retentora de areia e decantadores) ou flotao de materiais constitudos principalmente de partculas em suspenso. Essa fase produz quantidade de slidos que devem ser dispostos adequadamente. De maneira geral, os slidos retirados em caixas retentoras de areia so enterrados e aqueles retirados em decantadores devem ser adensados e digeridos adequadamente, para posterior secagem e disposio em locais apropriados. As formas de tratamento desse lodo variam de maneira bastante ampla. O tratamento secundrio, por sua vez, destina-se degradao biolgica de compostos carbonceos. Quando feita essa degradao, naturalmente ocorre a decomposio de carboidratos, leos e graxas e de protenas a compostos mais simples, como: CO2, H2O, NH3, H2S etc., dependendo do tipo de processo predominante. As bactrias que efetuam o tratamento, por outro lado, se reproduzem e tm a sua massa total aumentada em funo da quantidade de matria degradada. Caso se empregue o processo aerbio, para cada quilograma de DBO removido ocorre a formao de cerca de 0,4 a 0,7 kg e a formao de 0,02 a 0,20 kg de bactrias, aproximadamente. A pequena formao de biomassa do processo anaerbio em relao ao aerbio uma das grandes vantagens atribudas ao uso das bactrias que proliferam em ambiente

Cap. 1

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anaerbio pelo tratamento de efluentes, pois o custo e as dificuldades para tratamento, transporte e disposio final dos lodos biolgicos so bastante reduzidos, no caso. Geralmente, o volume de lodo no processo anaerbio, em termos prticos, menor que 30% do volume produzido pelo processo aerbio, para um mesmo afluente lquido. Aps a fase em que feita a degradao biolgica, os slidos produzidos devem ser removidos em unidades especficas para esse fim (lagoas de sedimentao, decantadores, flotadores etc.) e, posteriormente, so submetidos a adensamento, digesto, secagem e disposio adequada. No caso do uso de processo anaerbio, o fluxograma para tratamento e destino do lodo sensivelmente simplificado. Dependendo do tipo do processo adotado, tambm pode-se recircular uma parcela da massa de bactrias ativas de volta ao reator biolgico, conforme mostrado na Figura 1.5. Essa alternativa permite o aumento na produtividade do sistema e maior estabilidade no seu desempenho. De maneira geral, a maioria das estaes construdas alcanam apenas o nvel de tratamento secundrio aqui descrito, porm, em muitas situaes, obrigatrio que esse tratamento alcance o nvel denominado tercirio. O efluente do tratamento secundrio ainda possui nitrognio e fsforo em quantidade, concentrao e formas que podem provocar problemas no corpo receptor, dependendo de suas condies especficas, dando origem ao fenmeno denominado eutrofizao, que sentido pela intensa proliferao de algas. O tratamento tercirio tem por objetivo, no caso de esgotos sanitrios, a reduo das concentraes de nitrognio e de fsforo e , geralmente, fundamentado em processos biolgicos realizados em fases subseqentes denominadas nitrificao e desnitrificao. A remoo de fsforo pode tambm ser efetuada por meio de tratamento qumico, com sulfato de alumnio, por exemplo. Na nitrificao, o nitrognio levado forma de nitrato e, posteriormente, na desnitrificao, levado produo de N2, principalmente o que volatizado para o ar. O tratamento tercirio tambm produz lodo, que deve ser adensado, digerido, secado e disposto convenientemente. Em essncia, as operaes e processos descritos destinam-se remoo de slidos em suspenso e de carga orgnica, restando agora, para completar o tratamento, que se cuide da remoo de organismos patognicos. Sistemas de tratamento que envolvem disposio no solo ou lagoas de estabilizao, em muitos casos, j tm a capacidade de efetuar reduo considervel no nmero de patognicos, dispensando, assim, um sistema especfico para desinfeco.

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Nos outros casos, ainda se faz necessrio a previso de instalaes para desinfeco, que geralmente efetuada por meio do uso de cloro, oznio e, mais recentemente, radiao ultravioleta.

1.6 Alternativas para TratamentoGeneralidadesNo faz parte do escopo deste livro o enfoque completo sobre alternativas para tratamento de esgotos, assim ser apenas apresentada uma rpida abordagem sobre o tema. Antes de serem citadas as principais alternativas para tratamento de esgotos sanitrios, interessante que sejam destacadas algumas observaes sobre o tratamento primrio e sobre alguns parmetros utilizados para dimensionamento. Como j foi mencionado anteriormente, o tratamento primrio visa remoo de slidos grosseiros, leos e graxas, e de slidos em suspenso, com eficincia tal que permita o bom funcionamento das partes seguintes que compem uma estao de tratamento. Dependendo do tipo de tratamento adotado, os componentes do tratamento primrio podem variar, conforme as alternativas destacadas a seguir, sendo, porm, a caixa retentora de areia uma unidade que raramente pode ser dispensada.l

l

l

Alternativa 1: Grade Caixa retentora de areia Medidor de vazo Decantador primrio Alternativa 2: Grade Caixa retentora de areia Medidor de vazo Peneira esttica ou mecnica Alternativa 3: Grade Caixa retentora de areia Medidor da vazo

Em certos casos em que se opta pelo tratamento por disposio no solo, pode-se utilizar como tratamento preliminar apenas o gradeamento, seguido de medidor de vazo, naturalmente. A dispensa de decantador primrio e de peneira esttica geralmente admitida em sistemas de lagoas de estabilizao e sistemas denominados de oxidao total ou aerao prolongada. Mais recentemente, tambm tem-se eliminado o decantador

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quando se usam reatores anaerbios de manta de lodo, porm, nesse caso, obrigatrio o uso de gradeamento fino dos esgotos. Ainda como esclarecimento inicial, sero apresentados, a seguir, a simbologia e alguns parmetros fundamentais utilizados por projetistas para estudos e para o dimensionamento de unidades de tratamento de esgotos.l

Tempo de deteno hidrulica (qh). o tempo mdio (geralmente expresso em dias) em que os despejos lquidos permanecem em uma unidade ou sistema.

K =ouK =l

9ROXPH GR UHDWRU P

9D]mR PpGLD GLiULD P GLD

3 8

$ OXU W DRX FRP SUP H W G L Q R HXP DXQ G G P LDH 9 HRFL D HP pG DG O G P G D O GG L R tTXL R L

Taxa volumtrica de carregamento orgnico (TCO). a quantidade de DQO, DBO ou de outro parmetro, expressa em kg, que aplicada por dia por unidade de volume de uma unidade.7&2 = NJ '42 P GLD

ou7&2 = NJ '%2 P GLD

ou

7&2 = NJ '42 KD GLDl

Taxa de aplicao superficial (TAS). a quantidade de efluente lquido que aplicada por unidade de rea de uma unidade, durante um dia. 7$6 = 9D RG ]m RVHJ RW P G D V RV L UDG H DXQ G G P LDH L L P P G D= P G D

l

Tempo de reteno celular (idade do lodo). o tempo mdio que os organismos que efetuam o tratamento permanecem em uma unidade (dia).

Aps esses esclarecimentos bsicos, considerados essenciais para o entendimento dos critrios fundamentais para projeto, destaca-se o fato de que h muitas alternativas para tratamento de esgotos, entre as quais, destacam-se:

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Tabela 1.1 Alguns tipos de reatores ou sistemas usados para tratamento de esgotos.

9vvomy Ghthshpyhvh Tvrhqryhthvhhyvh Ghthhrhqhyhthqrrqvrhom Gqhvhqprpvhv Gqhvhqhrhomythqh Whyhqrvqhom Gqhvhqrrhqvihryhqh ihpu Qosqhrhq9rrTuhs Avyivyytvphryiv Srhhryivqryrvsyvqvsvphq Avyhhryiv Srhhhryivihryhqh 9rphqvtr 9rphqvtrsvyhhryiv Srhhhryivqrhhqryq Srhhhryivphvrhqp puvphh Srhhhryivqryrvsyvqvsvphq rhqvq 8ivho}rqrprhhryivhryivr ivyytvpstvptvp

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6ryivrhhryiv 6ryivrhhryiv 6ryivrhhryiv 6ryivrhhryiv 6ryiv 6ryiv 6ryiv 6ryiv 6ryiv 6ryiv 6ryiv 6hryiv 6hryiv 6hryiv 6hryiv 6hryiv 6hryiv

6hryiv 6hryivrhryiv 6hryivstvptvp 6ryivstvptvp

Esses vrios tipos de tratamento, e outros, podem tambm, em muitos casos, ser associados em uma estao de tratamento, compondo sistemas mediante a combinao de reatores anaerbios, de reatores aerbios e de reatores anaerbios com reatores aerbios, assim como tambm podem ser combinados reatores biolgicos com reatores fsico-qumicos. Neste livro, sero focalizados apenas os processos anaerbios e a disposio controlada no solo. Estaes projetadas recentemente tm demonstrado que o uso de processo anaerbio seguido por processo aerbio pode trazer melhores resultados em termos de eficincia e custos menores do que aquelas concebidas em processos aerbios apenas, empregando-se aerao mecnica. Por outro lado, a disposio controlada no solo pode apresentar-se como interessante alternativa, quando se dispe de rea adequada para esse fim.

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Consideraes sobre Alternativas Tecnolgicas para Tratamento de EsgotosCom base nas informaes disponveis, pode-se estimar, seguramente, que apenas os esgotos de 10% da populao brasileira urbana, ou menos, passam por estaes de tratamento (1999). Os baixos nveis de atendimento populao brasileira com servios de saneamento bsico, sobretudo coleta e tratamento de esgotos sanitrios, se devem principalmente a problemas de ordem poltica e econmica. No h exatamente empecilho tecnolgico. No tocante ao tratamento de esgotos, sempre houve a opo preferencial de atuao nos grandes centros urbanos com tecnologia geralmente importada, que em muitos casos no se teria necessidade de utilizar adotando-se tecnologia adaptada s condies brasileiras. A maior parte da pequena parcela dos esgotos que recebe tratamento, no Brasil, passa por estaes de tratamento de grandes cidades, nas quais se optou pela centralizao, mediante a reunio dos esgotos em grandes volumes, pela adoo de tecnologias sofisticadas, que demanda operao complexa e altos custos de execuo e gerao, e pela descarga dos efluentes nos cursos dgua. H que se perceber a necessidade da aplicao de tecnologia adequada realidade do Brasil, e que possibilite o enfrentamento da questo, atendendo a situaes presentes tanto em grandes cidades como em pequenos assentamentos humanos. Tambm h que se perceber as vantagens de adotar solues funcionalmente simples com alta relao benefcio/custo. Diante das condies ambientais, culturais e econmicas do Brasil, solues funcionalmente simples so as que utilizam os processos mais naturais e os reatores menos mecanizados e mais fceis de serem construdos e operados. Para viabilizar a universalizao do atendimento, o caminho mais indicado certamente o do gradualismo, priorizando a abrangncia e adotando a evoluo da eficcia a partir de um patamar aceitvel de segurana sanitria. O Brasil detm tecnologia bastante desenvolvida no campo da Engenharia Sanitria e Ambiental e os tcnicos, engenheiros e cientistas brasileiros tm conhecimento, competncia e criatividade suficientes para adequar e desenvolver solues para os problemas de saneamento bsico de seu pas. Infelizmente, esse potencial ainda no foi suficientemente compreendido e difundido e no houve oportunidade de aplic-lo em maior escala. No h um sistema de tratamento de esgotos que possa ser indicado como o melhor para quaisquer condies, mas obtm-se a mais alta relao custos/benefcios (respeitando-se o aspecto ambiental) quando se escolhe criteriosamente um sistema que se adapta s condies locais e aos objetivos em cada caso.

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No Brasil, so conhecidas vrias tcnicas de tratamento de esgotos, desde sofisticados sistemas at os processos mais simples. Conta-se com razovel experincia e, nos ltimos anos, grande nmero de opes tecnolgicas para tratamento de esgotos tem sido implementado na busca de sistemas mais adequados nossa realidade, compatveis com a descentralizao, para propiciar a resoluo dos problemas de forma gradual e eficaz. A experincia brasileira recente, nesse domnio, contribuiu com o desenvolvimento de tecnologias como: reatores anaerbios de fluxo ascendente por meio do lodo; decanto-digestores seguidos de filtros anaerbios; lagoas de estabilizao inovadoras; formas de disposio controlada no solo; entre outras. Geralmente, quando se importava a concepo de um projeto, at recentemente, prevalecia a adoo por processos aerbios que envolvem grandes custos de execuo e de operao, decorrentes de elevado consumo de energia eltrica. Por outro lado, em clima quente os processos anaerbios so eficientes na remoo de matria orgnica e de slidos suspensos e apresentam grandes vantagens: ocupam pequenas reas; produzem pouco lodo estabilizado, no consomem energia; no necessitam de equipamentos eletromecnicos; e requerem construo e operao simples. Contudo, no removem satisfatoriamente microrganismos patognicos nem nutrientes eutrofizantes. Mas os processos aerbios compactos, custa de mecanizao e energia eltrica, geralmente tambm no so eficientes na remoo de patognicos e eutrofizantes e o que podem propiciar a mais, na remoo de matria orgnica, no representa diferenas significativas na proteo do meio ambiente e da sade pblica. Os reatores anaerbios, conforme atualmente, geralmente podem remover, na prtica, at 80% (em geral, valor prximo a 70%) da matria orgnica e, ademais, reatores aerbios mecanizados produzem quantidades de lodo muito maiores que reatores anaerbios, o que constitui uma dificuldade adicional. As lagoas de estabilizao e a disposio no solo so os processos mais naturais de depurao dos esgotos. Quando se pretendem sistemas para tratamento de esgotos sanitrios eficientes na remoo de microrganismos patognicos e de nutrientes eutrofizantes, lagoas de estabilizao e disposio controlada no solo so as opes mais adequadas realidade brasileira, quando se dispe rea adequada para tal. O Brasil oferece condies extremamente favorveis para aplicao das lagoas de estabilizao e da disposio controlada de esgotos e efluentes tratados no solo tanto pela disponibilidade de rea como pelo clima, entre outros fatores convenientes, inclusive socioculturais e econmicos. Infelizmente, nem sempre vivel aplicar lagoas de estabilizao ou disposio no solo como soluo para tratamento dos esgotos, porque exigem grandes reas e

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terreno adequado (tipo de solo e relevo). Contudo, mesmo que seja necessrio o transporte dos esgotos at um local adequado, essas opes devem ser sempre avaliadas como alternativa. Reatores anaerbios, em certos casos, so suficientes para resolver os problemas causados por esgotos, dependendo da classe do corpo receptor. Quando no, so recomendveis para anteceder unidades mais eficientes. Reduzem a carga orgnica e viabilizam a utilizao de lagoas de estabilizao e da disposio controlada no solo, em reas menores. Pelo mesmo motivo, remoo da carga orgnica com produo de lodo relativamente baixa prestam-se, tambm, para anteceder unidades de tratamento mais sofisticadas, reduzindo o custo total. Se h necessidade de alto grau de tratamento e invivel o uso de lagoas de estabilizao ou disposio no solo, mesmo precedido de sistemas anaerbios, ento so aplicados sistemas mais complexos, inclusive tcnicas de desinfeco. A anlise da relao custo/benefcio deve ser vista do ngulo das rentabilidades social e ambiental, considerando, inclusive, o retorno social do capital investido. Recursos financeiros aplicados em equipamentos eletromecnicos tm destino final muito diferente dos que so aplicados em sistemas que incrementam a produo de alimentos ou fortalecem a economia local de forma socializada distribuda. Em avaliao puramente financeira, o custo de implantao de sistemas compostos por reatores anaerbios, lagoas ou disposio no solo situa-se na faixa de R$ 25,00 a R$ 50,00 por pessoa, enquanto reatores aerbios mecanizados geralmente necessitam de R$ 60,00 a R$ 150,00 por pessoa atendida, tendo-se como referncia o ms de abril de 1999. Os reatores anaerbios disponveis tecnologicamente no Brasil, para aplicao desde a pequenos aglomerados humanos at a grandes cidades, so: o decanto-digestor, o filtro anaerbio, o reator de manta de lodo, o reator de leito expandido ou fluidificado e a lagoa anaerbia. Os decanto-digestores so popularmente conhecidos como tanques spticos. Podem ser de cmara nica, de cmaras em srie ou de cmaras sobrepostas. O primeiro modelo utilizado para atender a residncias e pequenos edifcios, mas os outros dois prestam-se tambm para tratar volumes maiores de esgoto, sobretudo quando se constroem vrias unidades conjugadas. O decanto-digestor no apresenta alta eficincia, mas produz efluente de qualidade razovel, que pode, no entanto, ser mais facilmente encaminhado a um ps-tratamento complementar. Alm das vantagens do processo anaerbio, tem operao muito simples e o custo extremamente baixo.

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Pode anteceder variados tipos de unidades de tratamento de esgotos e muito vantajoso quando associado s que removem matria orgnica dissolvida. H aplicaes de grandes tanques spticos de cmaras em srie antecedendo sistemas de pequenas lagoas de estabilizao, substituindo as lagoas anaerbias, para evitar maus odores. Contudo, para ps-tratamento dos efluentes de tanques spticos, o mais utilizado, no Brasil, o filtro anaerbio. Os filtros anaerbios consistem basicamente em tanque contendo leito de pedras ou outro material de enchimento. Na superfcie de cada pea do material de enchimento ocorre a fixao e o desenvolvimento de microrganismos na forma de biofilme e tambm agrupam-se microrganismos, na forma de flocos ou grnulos, nos interstcios do material de suporte do biofilme. Sendo o fluxo dos esgotos por meio desses interstcios, em fluxo ascendente ou descendente, permite que os microrganismos retidos no reator processem a bioconverso da matria orgnica nos esgotos. Podem ser utilizados como a principal unidade de tratamento, mas so mais adequados para pr-tratamento, porque pode ocorrer obstruo dos interstcios do material de enchimento quando o esgoto contm muitos slidos suspensos. Portanto, so mais utilizados para remoo da parcela dissolvido da matria orgnica, precedidos de reatores que removem slidos suspensos. Evidentemente, o filtro anaerbio no se presta apenas para ps-tratamento de tanque sptico. Sistemas que associam decanto-digestor e filtro anaerbio, embora tenham sido mais aplicados para pequenas vazes, prestam-se, tambm, para tratar vazes mdias, principalmente quando construdos em mdulos. O reator de fluxo ascendente atravs da manta de lodo , basicamente, um tanque no qual os esgotos so introduzidos na parte inferior (fundo) e saem na parte superior, estabelecendo um fluxo ascendente, por meio de um leito constitudo por grnulos ou flocos que contm elevada quantidade de microrganismos atuais. Com o funcionamento do reator, h tendncia de separao de fases (slidos, lquidos e gases) nos esgotos introduzidos. Devido s condies hidrulicas impostas, os slidos suspensos so, em grande parte, retidos no reator. Os microrganismos agrupam-se em flocos ou grnulos sedimentveis e, assim, forma-se uma camada espessa de lodo, por meio da qual a matria orgnica solvel sofre, tambm, a ao dos microrganismos, presentes em alta concentrao. No final da dcada de 1970, foi desenvolvida, na Holanda, uma verso moderna do reator de manta de lodo, com distribuio do esgoto em vrios pontos do fundo do reator e com separador de fases (decantador e defletor de gases) na parte superior, que ficou conhecida como UASB. Os modelos mais utilizados atualmente so variaes do UASB.

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No Brasil, o reator de manta de lodo utilizado para tratamento de esgotos desde o incio da dcada de 1980, principalmente no Paran, onde tem evoludo em forma e funo, mediante a experincia de mais de 200 unidades construdas. Atualmente, o Brasil o pas no qual esse tipo de reator mais tem sido aplicado e evoludo tecnologicamente, tornando-se cada vez mais popular. Encontram-se praticamente em todos os estados. No Estado de So Paulo, tem-se muitas unidades em operao, sendo uma delas a ETE Piracicamirim, Piracicaba, que atende populao de 92.000 habitantes (3 reatores com volume total de cerca de 7.500 m3). Em Curitiba, PR, foram construdos 16 reatores de 2.000 m3, conjugados em grupos de 4, compondo um nico sistema para o tratamento anaerbio dos esgotos de 600 mil pessoas (sistema Atuba Sul). Em Braslia, DF, surgem novos modelos simplificados, resultantes de uma nova escola voltada para a simplificao tecnolgica e para a adequao realidade brasileira. Em Belm, PA, encontram-se reatores de grande porte. No Rio Grande do Norte, uma empresa produz e comercializa, para vrios estados, um modelo com caixa de areia interna, construdo em resina de polister estruturada com fibra de vidro. Em Minas Gerais, Pernambuco e Paraba, aplicaes em escala real e pesquisas tambm tm contribudo para o uso dos reatores de manta de lodo no Brasil. Os reatores de manta de lodo permitem grande liberdade de projeto em formas de modelos variados e ainda podem ser bastante aperfeioados em detalhes construdos. Suas principais desvantagens, em comparao com os tanques spticos e lagoa anaerbia, so: a grande interferncia das flutuaes de vazes sobre o sistema; a dependncia da boa operao do pr-tratamento; maior sensibilidade e esgotos txicos; e operao mais complexa. Em compensao, o tempo de deteno bem menor que o das lagoas anaerbias e o mau odor pode ser mais facilmente controlado; apresenta eficincia maior que o tanque sptico, com tempo de deteno menor. Em relao ao filtro anaerbio, apresenta a vantagem de no ter recheio e de no ter problemas de colmatao. Evidentemente, o reator de manta de lodo pode ser associado a outras unidades de tratamento, como lagoa de estabilizao, disposio controlada no solo e outros reatores compactos, anaerbios ou aerbios. A associao de reatores anaerbios de manta de lodo com reatores aerbios, como lodos ativados e reatores aerbios submersos, tem-se mostrado eficaz. Tambm pode ser seguido de sistemas de desinfeco. Vrios outros modelos, variantes e associaes, de reatores anaerbios tambm j tm aplicao prtica no Brasil. Por exemplo, unidades compactas que associam decanto-digestor com filtros anaerbios de fluxo ascendente e descendente e novos modelos de reatores de manta de lodo, como o reator compartimentado e o reator seqencial ou reator anaerbio com chicanas, entre outros. Ademais, esto sendo pesquisadas e desenvolvidas em escala piloto outras inovaes neste domnio.

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Tratamento de Esgotos Sanitrios por Processo Anaerbio e Disposio Controlada no Solo

Lagoas de estabilizao esto perfeitamente aceitas e estabelecidas no Brasil. certamente o meio mais utilizado. Tem-se evoludo nos procedimentos de projeto e j se percebem grandes diferenas entre os vrios modelos, as vantagens da associao em srie e das lagoas rasas e clarificadas para alcanar alta remoo de patognicos e tambm remover nutrientes eutrofizantes, se convenientemente projetadas. A disposio controlada no solo ainda no alcanou seu merecido lugar de destaque h certa inrcia para sua aceitao no Brasil. Mas j eleita como prioritria pela comunidade cientfica e tem merecido muitas pesquisas e aplicaes prticas, acumulando experincia suficiente para um salto de escala. A disposio no solo a forma mais antiga de depurao controlada dos esgotos, mas com a acelerao do processo de urbanizao, vrios fatores, incentivados pela seduo de tecnologias sofisticadas, levaram ao desenvolvimento de processos de tratamento mais compactos e disposio dos esgotos nos corpos dgua, aparentemente abundantes. A disposio de esgotos no solo essencialmente uma atividade de reciclagem, inclusive para a gua, que viabiliza um melhor aproveitamento do potencial hdrico e dos nutrientes presentes nos esgotos, utilizando racionalmente a natureza como receptora de resduos e geradora de riquezas, sobretudo quando se explora o sistema solo-vegetais. Sempre que possvel, a disposio controlada de esgotos ou efluentes tratados no solo uma excelente providncia; seja como destino final ou antes que atinjam um corpo dgua. No mnimo porque, dispostos no solo, os esgotos sofrem depurao natural e, qualquer que seja o grau de tratamento alcanado, so menos malficos s guas do corpo receptor. A disposio no solo presta-se como destino final ou tratamento complementar dos efluentes dos mais diversos sistemas de tratamento. Por si s constitui tambm uma opo muito eficiente de tratamento (ou reciclagem) e adequada como destino final. Contudo, mesmo sendo incontestvel a excelncia do processo como alternativa, no se trata de uma panacia para o problema do tratamento de esgotos. H restries ao seu uso; principalmente quanto disponibilidade de rea e solo adequado (tipo e relevo). O risco sanitrio, visto como restrio, na verdade muito menor do que geralmente se imagina e pode ser perfeitamente controlado. A depurao dos esgotos no solo ocorre, principalmente, devido atividade biolgica, a sua infiltrao e percolao ou por seu escoamento sobre a superfcie coberta por vegetao.

Cap. 1

Introduo

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As tcnicas utilizadas nos processos de infiltrao-percolao so a irrigao de culturas e a infiltrao rpida. A irrigao o mtodo que requer a maior rea superficial, mas o sistema natural mais eficiente e de maior aproveitamento produtivo. A infiltrao rpida presta-se para solos arenosos de alta taxa de infiltrao, geralmente sem cobertura vegetal. O escoamento superfcie empregado em solos menos permeveis, cobertos de vegetao. O esgoto distribudo por meio de canais, tubos perfurados ou aspersores, na faixa superior de um plano inclinado, sobre o qual escoa at ser coletado por valas dispostas ao longo da parte inferior. Nos processos de infiltrao-percolao, o solo e os microrganismos que nele vivem, como um filtro vivo, atuam na reteno e transformao dos slidos orgnicos, e a vegetao, quando existente, retira do solo os nutrientes transformados, evitando a concentrao excessiva (cumulativa) ao longo do tempo. A gua que no incorporada ao solo e s plantas perde-se pela evapotranspirao e parte infiltra-se e percola em direo aos lenis subterrneos. No escoamento sobre superfcie, a vegetao que cobre o solo, alm de retirar parte dos nutrientes, atua associada camada superficial do solo, tambm como um filtro vivo, e ocorrem fenmenos semelhantes de reteno e transformao da matria orgnica dos esgotos, porm em escoamento horizontal. A gua que excede ao pouco que se incorpora ou evapora coletada a jusante, para adequao no destino, ou continua em rolamento superficial, mais purificada. A reteno fsica (filtrao), nos processos de infiltrao-percolao, a sedimentao e filtrao superficial, no escoamento, e a ao dos microrganismos, presentes nos solos no estreis e nas plantas, so, tambm, os principais fatores de remoo de microrganismos patognicos. A ao dos microrganismos na remoo de patognicos tanto direta (competio vital) como indireta, devido s transformaes bioqumicas do substrato. Outro fator que determina a eficincia na remoo de patognicos, no sistema solo-planta, o tempo durante o qual eles permanecem submetidos ao biolgica e s condies adversas de sobrevivncia (temperatura, luz e radiaes, pH etc.). Em verdade, na prtica da disposio de esgotos no solo, ocorrem vrios processos ativos na depurao dos esgotos, quase sempre de forma conjugada ou conjunta, concomitante. Afora as bacias de infiltrao sem cobertura vegetal, todas as outras tcnicas no deixam de ser formas de irrigao com esgoto, com ou sem excedente de gua a ser drenada aps eficiente ao de transformao do sistema solo-planta, no qual sempre ocorrem tambm certa infiltrao, evaporao e formao de biomassa vegetal. So, via de regra, processos de tratamento e reuso ao mesmo tempo.

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Tratamento de Esgotos Sanitrios por Processo Anaerbio e Disposio Controlada no Solo

A retomada dos mtodos de disposio de esgotos no solo faz-se atualmente em larga escala e com grande sucesso em todo o mundo. Muitos so os exemplos de velhos casos, ainda em pleno uso, e de novos sistemas que so implantados com grande intensidade. Como se pode notar, so muitas as opes de sistemas simples e adequados s condies brasileiras. No entanto, a adequao realidade depende de condicionantes fsicos, ambientais, epidemiolgicos, socioculturais e econmicos, que so muito variados. Em decorrncia das vrias opes e dos inmeros condicionantes, so muitas as variveis determinantes a serem consideradas na escolha de alternativas tecnolgicas para tratamento dos esgotos sanitrios. Devem ser analisadas, avaliadas e comparadas, no mnimo: a eficincia na remoo de slidos, matria orgnica, microrganismos patognicos e nutrientes eutrofizantes; a capacidade de observar as variaes qualitativas e quantitativas do afluente; a capacidade do sistema de se restabelecer de perturbaes funcionais e a estabilidade do efluente; os riscos de maus odores e de proliferao de insetos; a facilidade de modulao e expanso; a complexidade construtiva; as facilidades e dificuldades para manuteno e operao; o potencial produtivo e os benefcios econmicos diretos e indiretos, inclusive o destino final do dinheiro investido e seu retorno social; e os custos diretos na implantao, manuteno e operao. Em cada caso real, umas ou outras dessas variveis se revelaro como mais importantes e determinantes da opo a ser escolhida, sem se perder a viso do conjunto de fatores intervenientes. Nas condies ambientais, climticas e econmicas do Brasil, no se pode desprezar as vantagens e convenincias da aplicao de reatores anaerbios para tratamento dos esgotos, seja para atingir um primeiro patamar sanitrio de forma massificada, seja para reduzir os custos de sistemas mais eficientes; como tambm no se deve prescindir da utilizao da enorme extenso de solo, para disposio dos esgotos com retorno econmico e social do capital investido.

Referncias BibliogrficasANDRADE NETO, C.O. (1997). Leituras Simples para Tratamento de Esgotos Sanitrios Experincia Brasileira. ABES. Rio de Janeiro, R5, 301p. CAMPOS, J.R. (1994). Alternativas para Tratamento de Esgotos Pr-tratamento de guas para Abastecimento. Assemae, Consrcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari, Americana, SP, 112p.

Captulo 2

Fundamentos do Tratamento AnaerbioEugenio Foresti, Lourdinha Florncio, Adrianus Van Haandel, Marcelo Zaiat e Paula Frassinetti Feitosa Cavalcanti

2.1 IntroduoHistoricamente, o homem aprendeu a utilizar os microrganismos anaerbios a seu favor, como na produo de queijo, vinho e cerveja, muito antes de saber de sua existncia. Atualmente, aps conhecimento razovel da atividade dos microrganismos, os produtos das indstrias de derivados do leite e de bebidas alcolicas constituem o setor mais importante da bioindstria de alimentos (Zehnder & Svensson, 1986). Para o tratamento de esgotos, a aplicao da biotecnologia anaerbia pode ser considerada como relativamente recente, pois vem sendo utilizada de forma sistemtica h pouco mais de cem anos. A primeira contribuio significativa ao tratamento anaerbio dos esgotos sanitrios foi a cmara vedada ao ar, desenvolvida em 1882, na Frana, denominada Fossa Automtica Mouras, na qual o material em suspenso presente nos esgotos era liquefeito. Embora essa unidade hoje seja reconhecida como pouco eficaz, ela foi recebida com grande entusiasmo pelos tcnicos na poca. A partir de ento, muitas outras cmaras foram desenvolvidas, resultando no desenvolvimento de vrias concepes, como: o tanque sptico, em 1895, na Inglaterra, o tanque Talbot, em 1894, nos Estados Unidos, e o tanque Imhoff (bicompartimentado), em 1905, na Alemanha (McCarty, 1982). Embora levassem vantagem sobre os tanques spticos, os tanques Imhoff apresentavam alguns problemas, pois alm de serem altos, tinham o tanque de digesto intimamente conectado cmara de sedimentao. Para superar esse problema, foram feitas tentativas de promover a digesto em tanque separado, o que resultou, em 1927, na Alemanha, na instalao do primeiro sistema de aquecimento de lodo em digestor separado, o qual apresentava eficincia superior aos tanques Imhoff. A partir da, a opo para digesto separada do lodo cresceu rapidamente em popularidade,29

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especialmente nas grandes cidades. O aquecimento dos tanques de digesto era feito utilizando-se o prprio metano produzido no processo (McCarty, 1982). Numerosos estudos realizados nas dcadas de 1920 e 1930, como o da influncia da temperatura sobre a velocidade de digesto, da importncia da inoculao e do controle do pH em sistemas anaerbios, levaram a um melhor entendimento do processo. Assim, ao final dos anos 30, j se tinha um conhecimento acumulado razovel do processo para permitir a sua aplicao prtica no tratamento de lodos de esgotos em digestores aquecidos. Posteriormente, s durante a dcada de 1950 que ocorreu significativo desenvolvimento do processo, quando foi reconhecida a necessidade de manuteno de uma populao grande de bactrias metanognicas nos digestores. Naquela poca, foi introduzida a mistura mecanizada nos digestores, como tambm foi desenvolvido o processo de contato anaerbio, o qual utilizou uma concepo similar a do processo de lodos ativados, ou seja, foi adicionado um tanque de sedimentao aps o digestor para coletar e reciclar a biomassa anaerbia, tornando dessa forma independente o tempo de deteno hidrulico do tempo de deteno da biomassa no reator (McCarty, 1982). Foi a partir do final da dcada de 1960, por meio do trabalho pioneiro de Young & McCarty (1969) sobre tratamento de matria orgnica solvel utilizando filtros anaerbios ascendentes, que o processo anaerbio ampliou sua perspectiva de aplicao, abrindo assim a possibilidade do tratamento direto de guas residurias, ao contrrio dos anteriores, os quais basicamente eram utilizados para material mais particulado e concentrado. Na dcada de 1970 vrias configuraes de reatores anaerbios de alta taxa foram desenvolvidas, especialmente para o tratamento de guas residurias industriais, como leito fluidizado e o reator anaerbio de fluxo ascendente (upflow anaerobic sludge bed UASB). Os principais fundamentos que levaram ao desenvolvimento dessas configuraes esto apresentados no Captulo 3. Para os esgotos sanitrios, a aplicao de reatores anaerbios como principal unidade de tratamento teve incio na dcada de 1980, principalmente na Holanda, Brasil, Colmbia, ndia e Mxico. interessante notar que a maior parte dos pases interessados nessa aplicao dos processos anaerbios, com exceo da Holanda, sejam pases em desenvolvimento nos quais as condies climticas so favorveis operao de reatores temperatura ambiente. Alm disso, tem-se observado tambm o desenvolvimento de novas tecnologias de tratamento de baixo custo de esgotos sanitrios, somando-se s existentes, como as lagoas de estabilizao. De qualquer forma, o desenvolvimento da tecnologia anaerbia s foi possvel e melhor utilizado com o concomitante desenvolvimento e conhecimento dos aspectos microbiolgicos, bioqumicos, termodinmicos e cinticos dos processos anaerbios, os quais so descritos neste captulo.

Cap. 2

Fundamentos do Tratamento Anaerbio

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2.2 Aspectos Gerais da Digesto AnaerbiaA digesto anaerbia um processo biolgico no qual um consrcio de diferentes tipos de microrganismos, na ausncia de oxignio molecular, promove a transformao de compostos orgnicos complexos (carboidratos, protenas e lipdios) em produtos mais simples como metano e gs carbnico. Os microrganismos envolvidos na digesto anaerbia so muito especializados e cada grupo atua em reaes especficas. Nos reatores anaerbios, a formao de metano altamente desejvel, uma vez que a matria orgnica, geralmente medida como demanda qumica de oxignio (DQO), efetivamente removida da fase lquida, pois o metano apresenta baixa solubilidade na gua. Assim, a converso dos compostos orgnicos em metano eficaz na remoo do material orgnico, apesar de no promover a sua oxidao completa, a exemplo de sistemas bioqumicos aerbios. Nos sistemas de tratamento anaerbio procura-se acelerar o processo da digesto, criando-se condies favorveis. Essas condies se referem tanto ao prprio projeto do sistema de tratamento como s condies operacionais nele existentes. Em relao ao projeto de sistemas de tratamento tm-se duas prerrogativas bsicas: (a) o sistema de tratamento deve manter grande massa de bactrias ativas que atue no processo da digesto anaerbia e (b) necessrio que haja contato intenso entre o material orgnico presente no afluente e a massa bacteriana no sistema. Quanto s condies operacionais, os fatores que mais influem so a temperatura, o pH, a presena de elementos nutrientes e a ausncia de materiais txicos no afluente. O desenvolvimento de reatores fundamentados no processo anaerbio, ocorrido nas ltimas dcadas, vem provocando mudanas profundas na concepo dos sistemas de tratamento de guas residurias. A maior aceitao de sistemas de tratamento anaerbio se deve a dois fatores principais: as vantagens consideradas inerentes ao processo da digesto anaerbia em comparao com o tratamento aerbio e a melhoria do desempenho dos sistemas anaerbios modernos, tendo-se um aumento muito grande no somente da velocidade de remoo do material orgnico, mas tambm da porcentagem de material orgnico digerido. O melhor desempenho dos sistemas anaerbios, por sua vez, o resultado da melhor compreenso do processo da digesto anaerbia, que permitiu o desenvolvimento de sistemas modernos, muito mais eficientes que os sistemas clssicos. A tendncia de uso do reator anaerbio como principal unidade de tratamento biolgico de esgoto deve-se, principalmente, constatao de que frao considervel do material orgnico (em geral prxima de 70%) pode ser removida, nessa unidade, sem o dispndio de energia ou adio de substncias qumicas auxiliares. Unidades de ps-tratamento podem ser usadas para a remoo de parcela da frao remanescente de material orgnico, de forma a permitir a produo de efluente final com qualidade

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compatvel com as necessidades que se impem pelos padres legais de emisso de efluentes e a preservao do meio ambiente. Dentre as vantagens amplamente reconhecidas dessa concepo de sistemas de tratamento podem ser citadas: a) Baixo consumo de energia. b) Menor produo de lodo de excesso e, portanto, economia considervel no manejo e destino final desse tipo de resduo dos sistemas de tratamento. c) Possibilidade de recuperao e utilizao do gs metano como combustvel. d) Possibilidade de funcionar bem mesmo aps longos perodos de interrupo (importante para efluentes sazonais). Os principais aspectos negativos esto relacionados com: a) Longo perodo de partida do sistema se no h disponibilidade de inculo adequado. b) Sensibilidade do processo a mudanas das condies ambientais (pH, temperatura, sobrecargas orgnicas e hidrulicas). c) Possvel emisso de odores ofensivos. Neste captulo so discutidos alguns aspectos importantes da digesto anaerbia, incluindo o metabolismo bacteriano, os processos de converso, os aspectos termodinmicos, a cintica do processo e os fatores ambientais.

2.3 Metabolismo BacterianoEm sistemas de tratamento biolgico, o material orgnico presente na gua residuria convertido pela ao bioqumica de microrganismos, principalmente bactrias hetertrofas. A utilizao do material orgnico pelas bactrias, tambm chamada de metabolismo bacteriano, se d por dois mecanismos distintos, chamados de anabolismo e catabolismo. No anabolismo, as bactrias hetertrofas usam o material orgnico como fonte material para a sntese de material celular, o que resulta no aumento da massa bacteriana. No catabolismo, o material orgnico usado como fonte de energia por meio de sua converso em produtos estveis, liberando energia, parte da qual usada pelas bactrias no processo de anabolismo. A natureza dos produtos catablicos depende da natureza das bactrias hetertrofas, que por sua vez depende do ambiente que prevalece no sistema de tratamento. Distinguem-se, basicamente, dois ambientes diferentes: o aerbio, no qual h presena de oxignio que pode funcionar como oxidante de material orgnico, e o anaerbio, no qual tal oxidante no existe. No ambiente aerbio, o material orgnico mineralizado pelo oxidante para produtos inorgnicos, principalmente dixido de carbono e gua. No ambiente anaerbio se desenvolvem processos alternativos chamados de fermentaes que se caracterizam

Cap. 2

Fundamentos do Tratamento Anaerbio

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pelo fato de o material orgnico sofrer transformaes sem contudo ser mineralizado (oxidado). A digesto anaerbia o processo fermentativo que tem entre seus produtos finais o metano e o dixido de carbono. Como grande parte dos produtos da digesto anaerbia constituda por gases, estes se desprendem da gua residuria, formando uma fase gasosa, o biogs. Dessa forma, h remoo do material orgnico na fase lquida por meio da sua transferncia para a fase gasosa, embora o material orgnico no seja mineralizado como no caso do catabolismo oxidativo.

2.4 Processos de Converso em Sistemas AnaerbiosA digesto anaerbia um processo bioqumico complexo, composto por vrias reaes seqenciais, cada uma com sua populao bacteriana especfica. A Figura 2.1 mostra uma representao esquemtica dos vrios processos que ocorrem na digesto anaerbia, sugerida por vrios autores (Kaspar & Wuhrmann, 1978; Gujer & Zehnder, 1983; Zinder & Koch, 1984; entre outros). Para digesto anaerbia de material orgnico complexo, como protenas, carboidratos e lipdios (a maior parte da composio do material orgnico em guas residurias formada por esses grupos), podem-se distinguir quatro etapas diferentes no processo global da converso.

HidrliseNeste processo, o material orgnico particulado convertido em compostos dissolvidos de menor peso molecular. O processo requer a interferncia das chamadas exo-enzimas que so excretadas pelas bactrias fermentativas. As protenas so degradadas por meio de (poli)peptdios para formar aminocidos. Os carboidratos se transformam em acares solveis (mono e dissacardeos) e os lipdios so convertidos em cidos graxos de longa cadeia de carbono (C15 a C17) e glicerina. Em muitos casos, na prtica, a velocidade de hidrlise pode ser a etapa limitativa para todo o processo da digesto anaerbia, isto , a velocidade da converso do material orgnico complexo para biogs limitada pela velocidade da hidrlise.

AcidogneseOs compostos dissolvidos, gerados no processo de hidrlise ou liquefao, so absorvidos nas clulas das bactrias fermentativas e, aps a acidognese, excretadas como substncias orgnicas simples como cidos graxos volteis de cadeia curta (AGV), lcoois, cido ltico e compostos minerais como CO2, H2, NH3, H2S etc. A fermentao acidognica realizada por um grupo diversificado de bactrias, das quais a maioria anaerbia obrigatria. Entretanto, algumas espcies so facultativas e podem

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metabolizar material orgnico por via oxidativa. Isso importante nos sistemas de tratamento anaerbio de esgoto, porque o oxignio dissolvido, eventualmente presente, poderia se tornar uma substncia txica para as bactrias metanognicas se no fosse removido pelas bactrias acidognicas facultativas.MATERIAL ORGNICO EM SUSPENSO PROTENAS, CARBOIDRATOS, LIPDIOS 5 39 34 Hidrlise

21

40

AMINOCIDOS, ACARES 66 46 5 OUTROS 1 4 15

CIDOS GRAXOS

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Acidognese

PIRUVATO

PROPIONATO 9 6

CIDOS GRAXOS 23 Acetognese 11

11 35 ACETATO

HIDROGNIO Metanognese 30 Hidrogenotrfica METANO 100% DQO

70 Acetotrfica

Figura 2.1 A seqncia de processos na digesto anaerbia de macro molculas complexas (os nmeros referem-se a percentagens, expressas como DQO).

AcetogneseA acetognese a converso dos produtos da acidognese em compostos que formam os substratos para produo de metano: acetato, hidrognio e dixido de carbono. Conforme indicado na Figura 2.1, aproximadamente 70% da DQO digerida convertida em cido actico, enquanto o restante da DQO concentrado no hidrognio formado. Pela estequiometria, dependendo do estado de oxidao do material orgnico a ser digerido, a formao de cido actico pode ser acompanhada pelo surgimento de dixido de carbono ou hidrognio. Entretanto, o dixido de carbono tambm gerado na prpria metanognese. Na presena de dixido de carbono e hidrognio, um terceiro

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processo da acetognese pode se desenvolver: a homoacetognese, ou seja, a reduo de dixido de carbono para cido actico pelo hidrognio. Entretanto, por razes termodinmicas que sero apresentadas no item a seguir, nos reatores anaerbios essa rota metablica pouco provvel de acontecer, pois as bactrias acetognicas so superadas pelas bactrias metanognicas utilizadoras de hidrognio (Zinder, 1992).

MetanogneseO metano produzido pelas bactrias acetotrficas, a partir da reduo de cido actico, ou pelas bactrias hidrogenotrficas, a partir da reduo de dixido de carbono. Tem-se as seguintes reaes catablicas:l

Metanognese acetotrfica ou acetoclstica: CH3COO + H+ CH4 + CO Metanognese hidrogenotrfica: 4H2 + HCO3 + H+ CH4 + 2H2O

l

As bactrias que produzem metano a partir de hidrognio crescem mais rapidamente que aquelas que usam cido actico, de modo que as metanognicas acetotrficas geralmente limitam a velocidade de transformao de material orgnico complexo. Alm dos processos fermentativos que levam produo de biogs, podem se desenvolver outros processos no reator anaerbio. Neste no se encontra oxignio dissolvido, mas pode haver presena de oxidantes alternativos, que permitem o desenvolvimento de bactrias que usam o catabolismo oxidativo. Estes oxidantes so o nitrato e o sulfato. O nitrato pode ser usado como oxidante, sendo reduzido para nitrognio molecular em processo denominado desnitrificao, e o sulfato pode ser reduzido para sulfeto. O ltimo processo mais importante na prtica, pois o teor de nitrato normalmente encontrado nos esgotos sanitrios baixo, mas o sulfato pode estar presente em concentraes elevadas, quer por sua presena natural na gua, quer devido a processos industriais que usam formas de sulfato (por exemplo, cido sulfrico em destilarias de lcool). A reduo biolgica de sulfato em digestores anaerbios em geral considerada como um processo indesejvel por duas razes: o sulfato oxida material orgnico que deixa de ser transformado em metano e no processo forma-se o gs sulfdrico, que corrosivo e confere odor muito desagradvel tanto fase lquida como ao biogs, alm de poder ser txico para o processo de metanognese. Em condies especiais, a reduo de sulfato em digestores anaerbios pode ser um processo vantajoso. No caso de tratamento anaerbio de guas residurias ou para lodos com metais pesados que so txicos para as bactrias metanognicas , a presena de sulfeto pode contribuir para a estabilidade operacional do reator. A maioria

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dos sulfetos de metais pesados tem solubilidade muito baixa, de maneira que a presena de sulfeto reduz o teor dos metais pesados e, conseqentemente, a toxicidade exercida por estes sobre a atividade bioqumica das bactrias no sistema de tratamento. Por outro lado, a reduo de sulfeto pode ser tambm o primeiro passo no processo de remoo desse on de guas residurias, visando ao reuso do efluente em processos industriais. Nesse caso, necessrio que a produo de sulfeto seja seguida por processo que transforme esse produto em compostos estveis, por exemplo, a sua oxidao para enxofre elementar, processo cuja viabilidade tcnica tem sido demonstrada (Janssen, 1996). O enxofre pode ser separado do efluente por meio de processos fsicoqumicos.

2.5 Aspectos TermodinmicosNas guas residurias h uma grande variedade de compostos orgnicos que pode ser degradada nos reatores anaerbios por uma populao bacteriana muito diversificada. A converso desses compostos em metano pode, potencialmente, seguir um nmero enorme de caminhos catablicos. Entretanto, esses caminhos s so de fato possveis caso seja produzida energia livre em cada um dos processos de converso, ou seja, energia aproveitvel para o microrganismo atuante na reao. Em outras palavras, para cada reao da cadeia de converses do material orgnico primrio ao produto final (metano), necessrio que o processo catablico gere energia aproveitvel para a bactria responsvel pela reao em particular, suficiente para que esta possa realizar seu anabolismo. Se o processo catablico no gerar energia, o processo anablico no ocorre e o metabolismo se torna invivel. Para saber se a reao catablica libera energia livre usam-se conceitos de termodinmica. Quando ocorre a liberao de energia, o processo denominado exergnico e a energia livre padro ( Go) menor que zero. Quando as reaes consomem energia so denominadas endergnicas e a energia livre apresenta valores positivos. Os valores da energia livre de muitos compostos orgnicos e inorgnicos j foram determinados e podem ser encontrados no artigo de Thauer et al. (1977). A energia livre de uma reao normalmente se encontra tabelada sob condies-padro, ou seja, temperatura de 25oC, pH = 7 e presso de 1 atm (101 kPa). Em solues aquosas, a condio-padro de todos os reagentes e produtos de uma reao uma concentrao (atividade) de 1 mol/kg, enquanto a condio-padro da gua o lquido puro. A energia livre nas condies reais do sistema de tratamento pode ser calculada pela equao de Nernst, que se expressa da seguinte maneira: DG = DGo + RT ln [(C)c(D)d...]/[(A)a(B)b...] em que: DG: energia livre sob condies atuais no reator DGo: energia livre sob condies-padro (2.1)

Cap. 2

Fundamentos do Tratamento Anaerbio

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R: constante universal dos gases = 8,3 10-3 kJ mol-1 T-1 T: temperatura em oK (A)a, (B)b : concentraes fisiolgicas dos substratos com os coeficientes respectivos (C)c, (D)d: concentraes fisiolgicas dos produtos formados com os coeficientes respectivos Em geral, as consideraes sobre a termodinmica do processo se restringem anlise da variao da energia livre padro. Algumas das reaes importantes nos processos anaerbios e a respectiva energia livre padro ( Go) so apresentadas na Tabela 2.1. Para um bom desempenho dos reatores anaerbios imprescindvel que os compostos orgnicos sejam convertidos em precursores imediatos de metano, ou seja, acetato e hidrognio. No havendo essa converso, tampouco haver metanognese, ocorrendo o acmulo dos produtos da fase de hidrlise e fermentao no reator.Tabela 2.1 Valores da energia livre padro de algumas reaes catablicas da digesto anaerbia.

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