TITULO: A CRESCENTE MILITARIZAÇÃO EM RESPOSTA A “QUESTÃO SOCIAL”
Ediane Maria dos Santos1
“Crescimento e expansão são necessidades imanentes do sistema de produção capitalista, e quando os limites locais são atingidos não resta outra saída a não ser reajustar violentamente a relação dominante de forças”.
(ISTVÁN MÉSZÁROS)
RESUMO: : O presente artigo contempla um estudo teórico sobre os processos de permanência e de alastramento no corpo social, no tocante a ação violenta do poder militar em combate as manifestações dos trabalhadores, que busca resposta à “Questão Social” e suas expressões, uma vez que, no estádio atual do modo de produção capitalista e sua indispensável lógica destrutiva, o que precisa ser respondida é a necessidade única de autoexpansão do capital, mesmo que, para tal propósito, os trabalhadores sejam o alvo da violenta repressão financiada pelo Estado no Brasil. Desse modo, para defender o projeto de expansão do capitalismo, a classe dominante, apresenta um alto nível de organização e aparato material e repressivo, contra a resistência da classe trabalhadora.
Palavras-chave: Capital; Questão Social; Militarização; Violência.
ABSTRACT: The present article contemplates a theoretical
study on the processes of permanence and spreading in the social body, regarding the violent action of the military power in combat the manifestations of the workers, that looks for answer to the "Social Question" and its expressions, at the present stage of the capitalist mode of production and its indispensable destructive logic, what needs to be answered is the unique need for self-expansion of capital, even if, for this purpose, workers are the target of the violent repression funded by the state in Brazil. Thus, to defend the expansionist project of capitalism, the ruling class, presents a high level of organization and a material and repressive apparatus, against the resistance of the working class.
Keywords: Capital; Social issues; Militarization; Violence.
1 INTRODUÇÃO
1 Pós-graduanda no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas- UFAL. Graduada em Serviço Social pelo Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Membro do Grupo de Pesquisa Sobre Reprodução Social do PPGSS/FSSO/UFAL. E-mail: [email protected].
Atualmente, no Brasil, presenciamos transformações políticas, econômicas e sociais,
explicitando a lógica que preside o sistema capitalista, aqui desenvolvido de forma tardia. A
vista disso, tem se verificado a chegada das ocupações militares, colocando populações e
territórios inteiros sob a administração das forças armadas ou policial, com o intuito de
controlar a população, afastando a possibilidade de manifestações que possam se tornar uma
revolta massiva contra a classe dominante que se esconde atrás do aparato repressivo.
Desta forma, sentimos a necessidade de procurar respostas para o porquê dessa
política belicosa ser dita tão necessária para a sociedade, uma vez que, é imprescindível
entender o papel que a ação repressiva precisa desempenhar e agora com o uso das forças
armadas, pois não é a primeira vez que a “Questão Social” obteve esse tipo de resposta.
Pretendemos aqui demonstrar que seu surgimento é resultado das causas que legitimam a
sociedade capitalista, onde é contínuo e crescente o processo de desumanização do indivíduo
no interior das relações sociais.
No Brasil, a ação do poder militar nas comunidades é defendida pelo
sensacionalismo midiático que, constantemente, procura acastelar essa atuação violenta,
acobertando as atrocidades realizadas contra a classe trabalhadora. Para justificar essa ação,
apelam para a divulgação do “crescimento da violência”, e afirmam que este problema está
associado à decadência vivida pela segurança pública e que, portanto, a saída seria reforçar
o investimento nesta política. No entanto, devemos nos remeter aos fundamentos ontológicos
e históricos que explicam o uso da violência, entendendo a sua função e esclarecer o
verdadeiro motivo dela existir e persistir. “[…] Na história real, como se sabe, a conquista, a
subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência, desempenham o principal papel”
(MARX, 1988, p. 251-252), sendo o meio pelo qual o capitalismo pode se desenvolver.
Com esse desígnio, o uso da violência gerou as condições que proporcionaram a
separação entre trabalhadores e a propriedade dos meios de produzir o seu trabalho. Por
consequência, os meios de produção e todas as garantias de sua existência foram afanados
e, conforme Marx (1996), a história dessa expropriação está inscrita nos anais da humanidade
com traços de sangue e fogo.
Em virtude disso, os produtores diretos passam a condição de trabalhador
assalariado, ocasionando a sua servidão, característica da transformação do modo de
exploração feudal em exploração capitalista. Para atingir seus objetivos, “[…] conquistaram o
campo para a agricultura capitalista, incorporaram a base fundiária ao capitalismo e criaram
para a indústria urbana a oferta necessária de um proletariado livre como os pássaros2”
(MARX, 1988, p. 265).
Nessa fase de desenvolvimento das forças produtivas, o principal objetivo era
satisfazer as necessidades da tendência econômica, mantendo as desigualdades sociais,
essa que é responsável por sustentar a exploração de uma classe sobre a outra, com a
violência sendo o principal instrumento na legitimação da classe dominante. Conforme
defendido por (MARX, 1996, p. 170), “A violência é a parteira de toda velha sociedade que
está prenhe de uma nova. Ela mesma é uma potência econômica.” Proporciona a coerção
necessária à extração máxima da riqueza na relação de exploração, opressão e
desumanização que proporciona a reprodução do capital e, é responsável por causar a
expressão pregressa da “Questão Social”, o pauperismo3.
Assim, a “Questão Social” está para além de ser um problema causado pela
distribuição da riqueza na sociedade capitalista, ou mesmo pela falta de investimento em
determinadas Políticas Públicas. Ela encontra seu fundamento na forma de produção da
riqueza, que ocasiona o surgimento das sociedades de classes e seus antagonismos, com a
presença da exploração do trabalho, resultando na concentração da riqueza nas mãos de
poucos, da classe que possui o poder dominante, causa da riqueza de uns e,
concomitantemente, da pobreza de outros. Essa forma de produção constituirá a razão
determinante dos impactos negativos que incidem sobre a totalidade da vida social.
Além disso, a partir dos anos de 1970, com a presença da então Crise estrutural do
capital, a resposta à “Questão Social” tem sido realizada com uso cada vez mais crescente
da repressão e violência. Uma
“[…] barbarização que se generaliza nas formações econômico-sociais tardo capitalistas. Entendendo que uma face contemporânea da barbárie se expressa exatamente no trato que, nas políticas sociais, vem sendo conferido à “questão social” (NETTO, 2013, p.11).
Enfim, o capital irá procurar aperfeiçoar os mecanismos de administração desta crise,
gerando cada vez mais contradições e impactos que vêm propagando-se para todos os níveis
da vida social. Isto posto, seguiremos demonstrando as causas que levam as transformações
ocorridas na totalidade social, repercutindo no enfrentamento da “Questão Social” com o uso
2 Esses trabalhadores livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os escravos, os servos etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês economicamente autônomo etc., estando, pelo contrário, livres, soltos e desprovidos deles (MARX,1988, p. 252). 3 De acordo com Santos e Costa (2002, p.2), “A pauperização do trabalhador, resultante da industrialização impõe o ingresso de sua família no mercado de trabalho para a ampliação da renda, em função de assegurar a reprodução social do trabalhador e sua família. Trata-se de uma nova pobreza que se torna objeto de preocupação por parte de pensadores dos mais diversos matizes, atônitos diante da incapacidade do sistema em operacionalizar os princípios norteadores da revolução burguesa”.
de instrumentos advindos das políticas de segurança, permeadas pela violência do crescente
processo de militarização em resposta àquele enfrentamento.
2 O PROLETARIADO SURGE NO CENÁRIO POLÍTICO: A “QUESTÃO SOCIAL”
Na Inglaterra, o último terço do século XV e as primeiras décadas do século XVI
foram marcados pela revolução nas condições de produção da riqueza. “Uma massa de
proletários livres como os pássaros foi lançada no mercado de trabalho pela dissolução dos
séquitos feudais […]” (MARX,1996, p. 343). Era o capitalismo que nascia e, junto com ele,
uma massa do povo que se transformava em trabalhadores de aluguel e seus meios de
trabalho em capital.
A entrada nesse novo modo de produção significou o aumento expressivo da
capacidade social de produzir riquezas, mas, por outro lado, trazia consigo impactos que
estavam explícitos na pauperização massiva da população trabalhadora. Essa população não
conseguia ser totalmente absorvida pela manufatura nascente e passou a ser condenada a
viver sob a condição de esmoleiros, assaltantes e vagabundos.
A pobreza que se generalizava não podia ser confundida com aquela vivida nas
sociedades pré-capitalistas, pois nas sociedades precedentes ela era gerada pela situação
de escassez, devido ao baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas. Mas, na
instauração do capitalismo, ela se transformou no fenômeno do pauperismo que passou a ser
expresso pelo termo “Questão Social”, quando os pauperizados passaram a questionar a sua
condição. Assim,
[...] a expressão “Questão Social” aparece pela primeira vez, no jornal legitimista francês La Quotidienne em 1831, onde acusava o governo, chamando a atenção dos parlamentares, no sentido de que era preciso entender que além dos limites do poder, isto é, fora do capo político, existia uma questão social carente de resposta, quando esses efeitos do processo de industrialização representam um perigo à paz ordem econômico-social e moral estabelecida (SANTOS E COSTA, 2002, p. 3, apud CASTEL, 1999, p.317, grifos das autoras).
A pobreza causada pela polarização crescente entre ricos e pobres, agora se trata de
um fenômeno novo,
[…] esse fenômeno originário do pauperismo constitui uma das expressões primeiras daquilo que se convencionou denominar de questão social, considerando a dimensão imanente ao conflito de classes no capitalismo manifesta na desigualdade social. Esta adquire caráter essencialmente político quando se torna uma ameaça à paz necessária à reprodução social nos moldes dos interesses das classes dominantes (SANTOS E COSTA, 2002, p.2).
Conforme defendido pelas autoras, estava assim descrito o germe da “Questão
Social”, sobretudo quando ela começa a intimidar a ordem dominante se apresentando na
ocasião em que a classe trabalhadora, através das manifestações urbanas na Europa, passa
a reivindicar melhores condições de vida, de trabalho e também a comparência do Estado.
Em consequência disso, a classe dominante busca estratégias para conter a massa
de trabalhadores. Essas estratégias, em primeiro lugar, a naturalização da “Questão Social”
e, que, portanto, deveria ser apenas alvo de ação moralizadora, mas que não precisasse
contestar a ordem econômico-social dominante. Essa ação não podia ser realizada pelo
Estado, uma vez que o liberalismo reinava na época, restando a atuação da Igreja, que
desempenhará a assistência4 aos menos favorecidos, ou seja, um reformismo. Porém, com
um único propósito: conter aquela classe em razão da mesma representar uma ameaça para
a acumulação do capital.
Com a eclosão das lutas urbanas, as Revoluções de 18485, chamadas também de
Primavera dos Povos, acontece “[…] a passagem, em nível histórico-universal, do proletariado
de classe em si a classe para si” (NETTO, 2013, p.15, grifos do autor). É, portanto, neste
momento que o proletariado passará a entender de maneira incipiente a vinculação da
‘Questão Social” com a ordem burguesa.
Todavia, será o filósofo alemão Karl Marx, em sua obra O Capital, que irá descrever
com precisão teórica as contradições e antagonismos causados pelo sistema sociometabólico
do capital, nos permitindo esclarecer o surgimento da Questão Social. Assim, em sua análise,
Marx (1996) irá demonstrar que o modo de produção capitalista e sua sociabilidade sob o
controle do capital, apenas almeja a produção de mais-valia ou geração de excedente, pois
essa é a lei absoluta desse modo de produção.
Marx demonstrou as contradições que se agigantavam neste sistema, decorrentes da
“Lei Geral da Acumulação Capitalista”, onde uma massa sempre crescente de meios de
produção, resultantes do progresso da produtividade do trabalho social, funcionando através
de um decréscimo na utilização de força humana e, que são os meios de trabalho que
emprega os trabalhadores, causando a sua exploração, expressa nas condições precárias de
realização do seu trabalho, buscando sempre atender a necessidade de valorização do capital
(MARX, 1996. p.274).
A classe trabalhadora irá sofrer as consequências negativas dos desdobramentos
deste sistema, mas será na passagem do capitalismo concorrencial ao monopolista, este
descrito por ser o começo de uma profunda transformação do capitalismo na sua organização
4 Essa assistência ou conduta filantrópica em atendimento aos depauperados ditas como protoformas do Serviço Social, conforme Netto (1996, p. 14, grifos do autor), a apreensão da particularidade da gênese histórico-social da profissão nem de longe se esgota na referência à “questão social” tomada abstratamente; está hipotecada ao concreto tratamento desta num momento muito específico do processo da sociedade burguesa constituída, aquele do trânsito à idade do monopólio, isto é, as conexões genéticas do Serviço Social profissional não se entretecem com a “questão social”, mas com as peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica.” 5 Processo revolucionário de quase um ano que atingiu os principais países Europeus.
e dinâmica econômica, que terá início a intervenção estatal. No capitalismo monopolista6, que
também foi denominado período que também foi denominado período imperialista, acontece
o aumento significativo das contradições que já estavam presentes no estádio anterior. Devido
à entrada no estádio monopolista, o capitalismo passa a ser caracterizado por determinadas
particularidades: pelo aumento nos preços das mercadorias, da taxa do lucro, da acumulação,
dos investimentos nos setores de maior concorrência e a mais problemática particularidade
de todas que é a tendência crescente em economizar trabalho vivo, ou seja, a força de
trabalho, devido ao uso de novas tecnologias que passam a intensificar a exploração do
trabalhador.
Essas particularidades proporcionaram um acúmulo significativo de capital
excedente, precisado pela tendência descendente da taxa média de lucro, mas que esse
capital quando não conseguiu ser valorizado, passou a ser alvo de estratégias com o intuito
de atingir valorização, sendo destinados à “[…] emergência da indústria bélica, que se
converte em ingrediente central da dinâmica imperialista, assim como a contínua migração de
capitais excedentes por cima dos marcos estatais e nacionais […]” (NETTO, 1996, p.18).
A intervenção estatal passa a fazer-se necessária e será responsável pelo
desenvolvimento do capitalismo monopolista, com o chamado Welfare State7, ou Estado de
bem-estar social. Este promoverá a salvaguarda da produção capitalista, servindo como “[…]
um vetor extraeconômico para assegurar seus objetivos estritamente econômicos” (NETTO,
1996, p.21).
O Estado precisava manter a conservação física da classe trabalhadora. Com a
intensificação da exploração, era preciso uma intervenção básica sobre as consequências
dessa exploração, que era a causadora das lutas dos trabalhadores explorados, mantendo a
sua preservação e controle, por meio da generalização e institucionalização de direitos
sociais. É somente no capitalismo dos monopólios que a “Questão Social” vai ser alcançada
pelas políticas sociais. Mediante estas, “[…] o Estado burguês no capitalismo monopolista
6 De acordo com Lenin (2012, p.390), ao chegar a um determinado grau de seu desenvolvimento, a concentração por si mesma, por assim dizer, conduz diretamente ao monopólio, visto que é muito fácil para umas quantas dezenas de empresas gigantescas chegarem a um acordo entre si; e, por outro lado, as dificuldades da concorrência e a tendência para o monopólio nascem precisamente das grandes proporções das empresas. Esta transformação da concorrência em monopólio constitui um dos fenômenos mais importantes – para não dizer o mais importante – da economia do capitalismo moderno. 7 Conforme Santos e Costa (2002, p.3, grifos das autoras), “O Estado Social, que tem como expressão máxima o Welfare State, se caracterizará pela afirmação dos direitos sociais aos trabalhadores, atendendo em parte suas demandas, mecanismo que oculta as contradições de classe pela atenuação dos conflitos mediante o atendimento de demandas do trabalho, ao mesmo tempo assegura o pleno desenvolvimento do capital monopolista”.
procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da
ordem monopólica […]” (NETTO, 1996, p.26, grifos do autor).
A intervenção estatal na “Questão Social” no capitalismo dos monopólios não é
resultado único dos interesses da ordem monopólica, mas também das lutas implementadas
pelas classes subalternas na busca pelo atendimento das suas necessidades. Estas são
fragmentadas em expressões da “Questão Social”, e isso é um pressuposto para seu
atendimento, sendo essa fragmentação a causa do enfraquecimento dos conflitos. Assim, a
intervenção do Estado na “Questão Social” atende as demandas do trabalho e também
contribui para a acumulação capitalista.
Esse período, que também foi denominado de idade do imperialismo, irá, através da
organização monopólica, administrar a vida social dos indivíduos em favor da expansão de
estratégias para a valorização do capital. Tais condições favorecem ao surgimento do Serviço
Social como profissão devido à necessidade em atender as demandas que nasciam com as
expressões da “Questão Social”.
Aliado ao atendimento dessas demandas por meio das políticas sociais o Estado
também desempenha a sua coerção, pois a burguesia irá a todo momento precisar defender
o seu projeto centrado no conservadorismo e reformismo, desarticulando a “Questão Social”
do campo da política, buscando uma harmonia entre capital e trabalho.
Quando se inicia os anos de 1970, o capitalismo entra em uma Crise Estrutural, que
passa a atingir todas as dimensões da vida social, econômica e cultural. Essa crise, de acordo
com Mészáros (2011), possui caráter universal. Em lugar de restrito a uma esfera particular,
seu alcance é verdadeiramente global, em lugar de limitado a um conjunto particular de
países; sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de
limitada e cíclica e seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante.
O sistema do capital começa, por sua lógica incontrolável e destrutiva, a apresentar
defeitos estruturais, onde a produção e o consumo estão destinados ao atendimento das
necessidades da sua autorreprodução destrutiva, sem pensar nos imperativos negativos para
a sobrevivência de toda a humanidade e do próprio capital. Onde acumular mais em um
processo destrutivo, intensifica a subordinação do trabalho, com maior exploração, a
destruição do emprego, a desvalorização dos salários e a crescente informalidade.
Diante dessa subordinação estrutural do trabalho ao capital, os indivíduos têm sofrido
com a retirada dos aparentemente significativos ganhos que no passado o capital pode lhes
conceder. São vítimas da constante desregulamentação do trabalho e da flexibilização das
atividades laborativas, colocando os trabalhadores sob péssimas condições de trabalho, com
um salário que lhes proporcionam apenas o mínimo necessário para a sua sobrevivência.
Quando os trabalhadores buscam se rebelar, através das formas politicamente organizadas
dos movimentos sociais, são reprimidos violentamente pela ação do braço armado do Estado,
aquele que se diz responsável em atender as demandas da classe trabalhadora.
O ESTADO PUNITIVO E REPRESSIVO E NÃO PROTETOR
Mesmo com o atendimento de fragmentadas demandas dos trabalhadores, vemos
que a ação do Estado esteve atrelada à proteção da propriedade privada comandada pelo
capital. Mas o Estado nem sempre se fez necessário. As suas determinações ontológicas irão
demostrar qual a sua função. Essa função é descrita por Laski (1973, p.59), “[…] o Estado,
em última análise, nada mais é do que um conjunto de homens que, num determinado tempo,
exerce o poder coercitivo da sociedade de um modo particular”.
Houve um período na história humana em que as sociedades não conheciam
antagonismos, onde as associações gentílicas eram a sua forma de organização e os únicos
meios coercitivos era a opinião pública. Mas, com o surgimento do excedente da produção,
apareceu a diferença entre ricos e pobres, a divisão do trabalho e como consequência as
sociedades de classes. Nestas sociedades, as condições econômicas de produção passaram
a ser predominantes.
Com o surgimento das sociedades de classes, emerge também a necessidade de
um Estado que, de acordo com Engels (2012, p.213, grifos do autor),
[…] não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realidade da ideia moral’, nem “a imagem e a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar.
Assim está descrito o que ocorre com as sociedades quando estas acordam a
necessidade de um Estado, com a presença dos antagonismos, fruto do desenvolvimento. As
classes que possuem interesses econômicos conflitantes precisam de um poder que nasce
delas mesmas, para posicionar-se por sobre essas classes, com a função de manter a
“ordem”.
Esse Estado veio para manter sob controle os antagonismos das classes, mas que
se sustentou sendo, desde o seu surgimento, o Estado da classe que se manteve dominante,
aquela que tem em seu domínio o poder fundamentado na base da produção da riqueza
material, ou seja, o poder econômico. Quando nas diversas formas se mostrou, conforme
Engels (2012), o Estado antigo foi dos senhores de escravos, o feudal foi o da nobreza e o
moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o
trabalho assalariado.
O Estado moderno, assim como foi no passado, encontra-se a serviço do capital.
Mesmo com a implementação de políticas sociais, não faz mais que manter a classe
trabalhadora sob controle, afastando a possibilidade de revoltas e contribuindo para que o
capital continue expandindo a sua dominação e acumulação.
Para que o capital siga seu curso sem perturbações, o Estado moderno será “a única
estrutura corretiva compatível com os parâmetros estruturais do capital como modo de
controle sociometabólico” (MÉSZÁROS, 2011, p.107), exercendo função indispensável para
o funcionamento do sistema do capital, mesmo que, para isso, tenha que efetuar, através do
seu aparato repressor, prisões arbitrárias, intransigência, crueldade, espancamentos,
agressões de todos os tipos, em uma guerra desleal contra a classe trabalhadora.
A CRESCENTE MILITARIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL NO BRASIL
Na atual sociedade brasileira, o Estado passa a ser um Estado penal 8, com a
crescente militarização da vida social, que legitima as políticas de higienização e
encarceramento, atingindo as minorias pobres, pois, o “[…] tardo-capitalismo oferecerá
respostas dominantemente regressivas, operando na direção de um novo barbarismo, de que
as formas contemporâneas de apartheid social são já suficientemente nítidas” (NETTO, p.28,
2013, grifos do autor).
Em uma conjuntura de crise estrutural, evidenciamos a precarização das condições
de vida da população trabalhadora, das minorias que sofrem com a desigualdade crescente,
manifesta na realidade das comunidades periféricas das grandes cidades no Brasil, onde a
população, a maioria jovens, é vítima de homicídios, sumiços, balas perdidas, racismo,
homofobia, violências doméstica e sexual.
As consequências, então sumariadas, estão longe de serem solucionadas, pois a
lógica destrutiva do capital e a classe que se encontra na condição de dominante é sempre a
que busca mecanismo de manter a ordem através da punição daqueles que não se adequam.
Exemplo disso foi a instalação das Unidades Polícia Pacificadora (UPP) e a Intervenção Militar
nas comunidades cariocas.
Além disso, a polícia ou forças armadas também é acionada nos momentos de
comoções dos trabalhadores contra as injustiças presentes na sociedade capitalista. Foi o
que aconteceu em junho de 2013. Na ocasião, o país passou por uma das maiores
manifestações que ficou conhecida como “as jornadas de junho”. Uma grande mobilização
8 Conforme Wacquant (2011), a redefinição das missões do Estado, que, em toda parte, se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e de ampliar, endurecendo a, sua intervenção penal.
que levou milhões de pessoas às ruas e praças de todo o país, levantando as mais variadas
reinvindicações.
A multidão que abarrotava as ruas, em sua maioria composta por jovens, protestava
contra o aumento das tarifas da passagem de ônibus, metrô e trem, tornando-se vítimas da
ação violenta da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Ficou demonstrado que a violência
de Estado sempre foi e será um instrumento para a manutenção da propriedade privada e os
interesses do grande capital, mesmo que para isso tenha que desrespeitar o direito de
organização e manifestação.
Passados cinco anos, devemos relembrar a selvageria presente na tática da polícia
do regime civil-militar. A grande mídia fez a sua parte. Criminalizou as manifestações e os
movimentos sociais; divulgou os fatos com a pretensão de deslegitimar o movimento; rotulou
os manifestantes como vândalos e baderneiros, mas é importante ressaltar que “A força
armada, no capitalismo, não é usada apenas na esfera internacional. Em todo país capitalista,
é empregada para esbulhar, reprimir e controlar, de outras formas, a força de trabalho interna”
(BARAN e SWEEZY, 1978, p.181).
Atualmente, com as devidas reconfigurações, o Estado burguês propõe a volta do
militarismo, com a presença de militares no processo político brasileiro. Através de discursos
moralistas escondem seus propósitos em manter o poder alicerçado no conservadorismo,
buscando sempre, em todas as suas ações, desenvolver métodos para o domínio da classe
trabalhadora, articulado a uma forte repressão, demonstrando a esta classe que não será fácil
a sua luta contra as constantes táticas que espalham criminalizações e tipificam as estratégias
de sobrevivência dos moradores das comunidades e periferias. Transformam estes locais em
semelhantes campos de concentração.
3 CONCLUSÃO
Diante da crise a qual enfrentamos, que não se limita a uma crise política no país,
mas do sistema do capital, precisamos entender que a militarização não está sendo
implementada para garantir a proteção da população brasileira, pois as instituições do
capitalismo precisam exercer suas ações inerentemente violentas e agressivas para manter
este sistema em funcionamento normal, efetuando a sua recuperação nos momentos de
crises.
E a classe dominante é aquela que almeja manter a produção destrutiva favorável
ao seu projeto de expansão do capitalismo. Essa classe encontra-se na liderança dos órgãos
de tomada de decisão e de formação de opinião, possuindo o mais alto nível de organização
e aparato material e repressivo. Em contrapartida, a classe trabalhadora mantém-se
desorganizada para uma Nova Internacional, já que, na atual crise que o capital enfrenta, é
possível e necessário um movimento internacional combativo da classe trabalhadora.
Portanto, ressaltamos a necessidade de buscarmos a superação do sistema do
capital e sua lógica destrutiva para uma nova ordem social, colocando em prática uma
revolução de tipo socialista, destruindo definitivamente o domínio do capital sobre o trabalho
e o poder militarizado do Estado punitivo e repressor, que tem atingido a classe trabalhadora,
pois esta classe precisa está organizada e buscar o acumulo de conhecimento da história
para uma emancipação humana e não política
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