Introdução
Seções plenárias – Sessões Plenárias Reuniões de Comitê – Comissões Parlamentares
O modelo deliberativo da democracia foi desenvolvidoinicialmente em um nível filosófico normativo1. Muitasalegações foram feitas sobre os antecedentes favoráveis e asconsequências benéficas de um grau de deliberação elevado. Nosúltimos anos, algumas dessas alegações foram submetidas atestes empíricos. Neste livro, ocupo-me da interação entre osaspectos normativos e empíricos da deliberação. Naturalmente,os dados empíricos não podem resolver problemas normativos,mas podem trazer novas luzes sobre tais questões. Eu venho domundo empírico, portanto não pretendo escrever como umfilósofo profissional. Ao invés disso, adotarei a perspectiva de umcidadão engajado no sentido da acepção no francês para c i toyen
engagé. Iniciarei meu posicionamento normativo não compremissas filosóficas definitivas. Antes, prosseguirei comreflexões pragmáticas sobre o que os resultados empíricos podemsignificar para o papel da deliberação em uma democracia viável.Permita-me esclarecer já de partida que não penso que ademocracia viável deva consistir meramente em deliberação.Portanto, o conceito de democracia del iberat iva no título destelivro não significa que esta forma de democracia consistaunicamente em deliberação: significa simplesmente que a
1 De acordo com algumas leituras, Aristóteles já havia formulado um argumento deliberativo normativo; ver, por exemplo, James Lindley Wilson, "Deliberation, Democracy, and the Rule of Reason in Aristotle's Politics," Amer ican Po l i t i ca l Sc ience Rev iew 105 (2011), 259-74.
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deliberação desempenha um papel importante. Além dadeliberação, a democracia viável deve ter espaço, em particular,para eleições competitivas, trocas estratégicas, votosagregadores e protestos nas ruas. A chave é encontrar acombinação certa de todos esses elementos, e isso dependerá docontexto. Argumento que, nessa combinação, o papel dadeliberação frequentemente não é forte o bastante e precisa serfortalecido.
Mais especificamente, a análise empírica deve permitirresponder a perguntas como as seguintes: Até que ponto e sobquais circunstâncias normas e valores privilegiados pelos teóricosda deliberação podem ser colocados em prática? Existem trocasentre os vários elementos da deliberação de tal maneira que,uma vez postas em prática, certos elementos permaneçam emtensão com os demais? Até onde é possível melhorar aviabilidade da deliberação? A deliberação é compatível comoutras metas valiosas? Quais são os custos de oportunidade dadeliberação? Maiores graus de deliberação significam redução deresultados? Que relação causal se estabelece entre a deliberaçãoe resultados da política? Quais são os modelos democráticosalternativos à deliberação? Se obtivermos boas respostas paratais questões, será mais fácil formular um juízo de como osprincípios morais privilegiados pelos teóricos da deliberaçãodeveriam ser aplicados no mundo real das políticas. Nestesentido, este livro deveria mostrar como a pesquisa empíricapode provocar reflexões sobre valores normativos. Tais reflexõessão postuladas de maneira concisa por Thomas Saretzki, queescreve: "O que podemos e devemos tentar formular é umareflexão crítica e uma concepção cooperativa dos aspectosempíricos e normativos da democracia deliberativa2". Nessemesmo caminho, Michael A. Neblo et a l . esperam que "muitosdos grandes avanços em nosso entendimento da deliberaçãoprovavelmente serão resultado do alinhamento cuidadoso entrequestionamentos normativos e empíricos de uma forma que
2 Thomas Saretzki, "From Bargaining to Arguing, from Strategic to Communicative Action? Theoretical Perspectives, Analytical Distinctions and Methodological Problems in Empirical Studies of Deliberative Processes," paper apresentado no Center for European Studies, University of Oslo, December 4, 2008, p. 38.
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permita que ambos dialoguem entre si em termos mutuamenteinterpretáveis"3. Maija Setala postula ainda que os estudos dosfilósofos da deliberação "deveriam ser empiricamenteconstrastáveis, já que fazem abstrações a partir do mundo realcomo se fossem experimentos"4. Simon Niemeyer alega que "a'chegada da era' da democracia deliberativa requer a interaçãoentre insight teórico e pesquisa empírica"5.
Se o mundo empírico não corresponde aos ideais normativos,poder-se-ia argumentar que o mundo empírico precisa sermodificado. Poder-se-ia ainda argumentar, entretanto, que osideais normativos precisam ser ajustados ao mundo como ele é.Mostrarei que sempre há tensão entre os ideais deliberativos e apráxis da deliberação. E é exatamente em torno dessa tensão seorganiza este livro. Para dar conta da interação entre as questõesnormativas e empíricas mais visíveis, cada capítulo estáorganizado em três seções. As primeiras seções abordam aliteratura da deliberação baseada na filosofia normativa. Não setrata de oferecer uma visão geral introdutória da literatura, masde apresentar as controvérsias mais importantes entre osteóricos da deliberação. Tendo sido educado inicialmente comohistoriador, permanecerei o mais próximo possível dos textos,deixando que os teóricos falem por suas próprias palavras. Nassegundas seções discuto a pesquisa empírica relevante paraessas controvérsias, incluindo nossa própria pesquisa. Nasterceiras seções, discuto as possíveis implicações normativas,relacionando os dados empíricos às controvérsias filosóficas.
(a) O modelo teórico da deliberação
Na literatura filosófica, o modelo deliberativo da democracia écomumente construído como ideal "regulatório", algo que, de
3 Michael A. Neblo, Kevin M. Esterling, Ryan P. Kennedy, David M.J. Lazer, and AnandE. Sokhey, "Who Wants to Deliberate: And Why?," Amer ican Po l i t i ca l Sc ience Rev iew 104 (2010), 566.4 Maija Setala and Kaisa Herne, "Normative Theory and Experimental Research in the Study of Deliberative Mini-Publics," paper presented at the Workshop on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.5 Simon Niemeyer, "Deliberation and the Public Sphere: Minipublics and Democratization," paper apresentado no Workshop on Unity and Diversity in Deliberative Democracy, University of Bern, October 4, 2008, p. 2.
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acordo com Jane Mansbridge, "é impossível de ser alcançado emsua plenitude, mas que permanece como ideal ao qual,mantendo-se as condições, poder-se-ia considerar uma práticadeterminada mais ou menos próxima"6. Esta perspectiva segueImmanuel Kant, que define "princípio regulatório" como umpadrão "com o qual podemos nos comparar, julgando-nos e,portanto, aprimorando-nos, mesmo que nunca possamosatingi-lo7". Jürgen Habermas escreve no contexto das"pressuposições da pragmática do discurso"8. O tipo ideal dedeliberação pode ser melhor compreendido se comparado com otipo ideal de troca estratégica. No mundo real da política,predomina comumente uma mistura dos dois tipos ideais (Obs:Lili- tipo ideal da pragmática do discurso e tipo ideal detroca estratégica). Antes de abordarmos os tipos mistos, seriaútil do ponto de vista conceitual apresentar primeiramente osdois tipos ideais. No tipo ideal da troca estratégica, os atorespolíticos têm preferências fixadas. Eles sabem o que queremquando adentram o processo político. Fazem manobras paraatingir resultados que estejam o mais próximo possível de suaspreferências. Engajam-se na realização de acordos sob a máxima"se você me der isto, eu te darei aquilo". Para fortalecer suasposições nas trocas, podem trabalhar com promessas e ameaças.(Lili – isso é PODER, e não deliberação) Idealmente, a trocaestratégica resulta em situações de equilíbrio em que as partessempre ganham e nas quais, graças à negociação mutuamentebenéfica, todos acabam numa situação melhor do que a quetinham antes. Em modelos sofisticados de troca estratégica, osatores não são necessariamente sempre egoístas. Eles podemtambém, por exemplo, se preocupar pelo bem-estar das futurasgerações como preferência pessoal. Se houver novos dadosdisponíveis, esses atores poderão também mudar suas
6 Jane Mansbridge with James Bohman, Simone Chambers, David Estlund, Andreas Follesdal, Archon Fung, Christina Lafont, Bernard Manin, and José Luis Marti, "The Place of Self-Interest and the Role of Power in Deliberative Democracy," J ourna l o fPo l i t i ca l Ph i losophy 18 (2010), 65, footnote 3.7 Immanuel Kant, C r i t ique o f Pure Reason, ed. Paul Guyer and Allen W. Wood (New York: Cambridge University Press, 1998 [1781]), p. 552.8 Jürgen Habermas, On the Pragmat i cs o f Communica t ion (Cambridge: Polity Press, 1998).
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preferências. Novas pesquisas sobre os perigos de dirigir carros,por exemplo, podem mudar a preferência dos atores para que seabandonem os carros e se utilizem, em substituição, o transportepúblico. Nesses modelos sofisticados de troca estratégica, a basecontinua sendo a orientação dos atores por suas preferênciasindividuais, independentemente de quais sejam essaspreferências.
Em contraposição, no tipo ideal da deliberação aspreferências não estão fixadas, mas abertas, e os atores estãodispostos a ceder à força do melhor argumento. O importante nodebate político é o quão convincente são os argumentos dosdiferentes atores. Os atores tentam convencer os outros atravésde bons argumentos, mas também estão abertos a seremconvencidos pelos argumentos dos demais. Portanto, ocorre umprocesso de aprendizagem no sentido de que os atoresapreendem no debate comum quais são os melhores argumentos.Não está claro no começo quais são os melhores argumentos,mas espera-se que os melhores argumentos emirjam do diálogomútuo. Neste sentido, os atores aprendem a pensar e a agir denovas maneiras. A deliberação pode produzir rupturas como passado. Mansbridge resume a essência do modelodeliberativo de maneira sucinta: "Concluímos destacando que a'deliberação' não é uma simples conversa. Na situação ideal, adeliberação democrática rejeita o poder coercitivo no processo detoma de decisões. A tarefa central é a justificação mútua.Idealmente, os participantes do processo de deliberação estãoengajados, com respeito mútuo, como cidadãos livres e iguais embusca de termos de cooperação justos."9 Esta definição seaproxima do significado inicial de del iberare no Latim, ondesignifica pesar, ponderar, considerar e refletir. Como assinalaRobert E. Goodin, a deliberação nesses moldes pode também terlugar individualmente na reflexão interna. Goodin considera quetal deliberação é particularmente frutífera antes e depois dadeliberação em grupo10. Nessa mesma direção, Thomas Flynn eJohn Parkinson argumentam, da perspectiva da psicologia social,
9 Mansbridge e t a l . , "The Place of Self-Interest," 94.10 Robert E. Goodin, Re f lect ive Democracy (Oxford University Press, 2003), p. 38.
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que a deliberação interna pode ser potencializada se confrontardeliberadores ideais imaginados11. Bernard Reber insiste de umamaneira especialmente enfática que a deliberação individualdeveria ocorrer antes da deliberação em grupo, já que docontrário existe o risco de que a argumentação não seja coerente.Em primeiro lugar, os atores devem ter claro suas normas éticaspara poderem se engajar com outros em processos dedeliberação frutíferos.12
Durante muito tempo o interesse acadêmico concentrou-sepredominantemente no modelo de troca estratégica (Lobby,Advocacy etc). Mais recentemente, entretanto, o modelodeliberativo tem atraído mais a atenção. Alain Noël afirma:
O estudo predominante da política foi o estudo dos interesses, instituições
e da força, com foco nas trocas e no poder, com alguma atenção
ocasional para as ideias, consideradas como variáveis intervenientes. Nos
últimos anos, o estudo da deliberação democrática retomou uma
compreensão mais tradicional da política como fórum no qual ideias e
argumentos são trocados, evoluem ao longo do tempo e são importantes
em si mesmas.13
Ainda há muitos cientistas políticos que insistem em que apolítica se resume a trocas estratégicas. Como formular um casono qual a deliberação não seja simplesmente um conceitofilosófico ideal, mas de fato presente no mundo real da política?Deixe-me exemplificar esta questão com o conflito da Irlanda doNorte, especificamente com o Acordo de Belfast de 1998 e suaimplementação. Ian O'Flynn oferece a seguinte interpretação:
No fundo, os nacionalistas irlandeses o endossaram porque o acordo
acolheu a promessa de unificação da Irlanda, enquanto que os unionistas
britânicos o endossaram porque acolhia a melhor oportunidade de
reconciliação dos nacionalistas com a união. A importância do acordo,
11 John Parkinson and Thomas Flynn, "Deliberation, Team Reasoning, and the Idealized Interlocutor: Why It May Be Better to Debate with Imagined Others," paper presented at the Workshop on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.12 Bernard Reber, "Les risques de l'exposition à la deliberation des autres," Arch ives de ph i losoph ie du dro i t 54 (2011), 261-81.13 Alain Noël, "Democratic Deliberation in a Multinational Federation," Cr i t i ca l Rev iew of I n te rnat iona l Soc ia l and Po l i t i ca l Ph i lo sophy 9 (2006), 432.
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contudo, é que ambos conjuntos de aspirações são sustentados porum compromisso compartilhado de princípios deautodeterminação, igualdade democrática, tolerância e respeitomútuo. São esses princípios que conferem ao acordo legitimidadeaos olhos dos cidadãos comuns e da comunidade internacional, eque sustentam a esperança pela paz e estabilidade duradoura14.
Como O'Flynn sabe que não apenas poder e interesses, mastambém a deliberação com tolerância e respeito mútuodesempenharam seu papel? Ele mergulhou no processo dedecisão, estudando documentos e conduzindo entrevistas. Outrosacadêmicos, entretanto, baseando-se em fontes semelhantes,vêm apenas interesses e poder em jogo15. Quem está com arazão? Penso que nenhum dos dois lados pode provar seusargumentos de maneira definitiva. Toda análise dependerásempre da visão de mundo de quem a conduz, e a maneiracomo cada um de nós vê o mundo depende em grandeparte de como fomos socializados. Alguns dispõem deesquemas cognitivos que os levam a ver as políticaspuramente como um jogo de poder. Para outros, os esquemascognitivos funcionam de tal forma que também vêm adeliberação em jogo. Não estou dizendo que o axioma da políticacomo um puro jogo de poder não seja plausível. Simplesmenteconsidero plausível o axioma de que a política não é unicamenteum puro jogo e poder. Enquanto escrevia este livro, li aautobiografia de Nelson Mandela. Fiquei impressionado ao verque no capítulo da conclusão ele oferece uma visão de mundosegundo a qual o coração humano está aberto para os outros:
Eu sempre soube que no fundo do coração humano existemisericórdia e generosidade. Ninguém nasce odiandooutra pessoa por causa da cor da pele, antecedentes oureligião. As pessoas devem aprender a odiar, e se podemaprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois oamor emerge no coração humano com maior
14 Ian O'Flynn, "Divided Societies and Deliberative Democracy," B r i t i sh Journa l o f Po l i t i ca l Sc ience 37 (2007), 741. Ver também Ian O'Flynn, De l ibera t i ve Democracy and D iv ided Soc ie t i es (Edinburgh University Press, 2006). 15 Ver, por exemplo, alguns artigos em Rupert Taylor (ed.), Consoc ia t iona l Theory : McGar ry and O 'Leary and the Nor thern I re land Conf l i c t (London: Routledge, 2009).
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naturalidade do que seu oposto. Mesmo nos momentosmais sombrios na prisão, quando meus camaradas e eufomos levados até nossos limites, eu ainda via umlampejo de humanidade nos guardas, talvez apenas porum segundo, mas o suficiente para me tranquilizar e memanter vivo. A bondade do homem é uma chama quepode ser ocultada, mas nunca extinguida16.
Essa visão de mundo de Mandela é precisamente o tipo de visãosobre a qual a pesquisa da deliberação foi construída. Ainda queMandela tenha sido tratado com crueldade pelos guardas brancosna prisão, ele foi capaz de ver neles, em algumas ocasiões, umlampejo de humanidade. Ele nunca desistiu completamente dachama da bondade humana. Concordo com Mandela em que essachama permanece muitas vezes oculta, sem que possa sercompletamente extinguida. A esperança nessa chama é abase de um programa de pesquisa gratificante, pelomenos para mim e para muitos dos meus colegas teóricosda deliberação.
Como Mauro Barisione me mostrou17, é na base do modelodeliberativo que as suposições devem permanecer abertas paraserem desafiadas. Portanto, a suposição da bondade humana nãopode ser tomada como uma meta-suposição não desafiável. Comisso, entretanto, a lógica da deliberação coloca em risco seuspróprios fundamentos. Barisione certamente tem razão emdestacar isto já que, de fato, um dos pressupostos básicos dadeliberação é que tudo deve estar aberto para novos desafios.Minha resposta é que as agendas de pesquisa devempartir de algum pressuposto básico sobre a naturezahumana, e o pressuposto da minha agenda é que, apesarde toda a maldade que há no mundo, ao menos algunsseres humanos têm, em algum momento, um senso debondade que os leva realmente a se preocuparem pelobem-estar dos demais. Aceito que outros pesquisadores nãocompartilhem esse pressuposto e criem suas próprias agendas de
16 Nelson Mandela, Long Walk to Freedom (New York: Little, Brown and Company,
1995), p. 622.
17 Personal communication, July 30, 2011.
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pesquisa. Afinal de contas, a boa pesquisa se beneficia dacompetição, incluindo a competição por pressupostos básicossobre a natureza humana.
Tendo estabelecido por que faz sentido trabalhar com o modelodeliberativo, passarei agora a tratá-lo com maior detalhe. Emprimeiro lugar, tratarei da questão do vocabulário. Algunsteóricos como Dennis F. Thompson18, Joshua Cohen19 e ClaudiaLandwehr e Katharina Holzinger20 utilizam o termo "deliberação"somente para fóruns nos quais é necessário tomar uma decisão,como comitês parlamentares, mas não, por exemplo, paradiscussões que ocorrem na televisão ou entre vizinhos.Mansbridge propõe "usar adjetivos para fazer uma distinçãoimportante entre a deliberação em fóruns, empoderados para atoma de decisões vinculantes, e outras formas de decisão"21. Parasituações nas quais é preciso tomar decisões vinculantes, elasugere usar a expressão "deliberação empoderada". Para oscasos em que não se busca a toma de decisões vinculantes,Mansbridge utiliza outras distinções com a ajuda de outrosadjetivos, como "deliberação consultiva" para "fórunsempoderados somente para aconselhamento de uma autoridadedecisória" ou "deliberação pública" para "fóruns abertos aopúblico, mas que não geram decisões vinculantes, comoaudiências públicas"22. Mansbridge utiliza ainda outros adjetivospara fazer outras distinções no campo da deliberação. Concordocom Thompson, Cohen, Landwehr, Holzinger e Mansbridge emque é necessário fazer distinções importantes. Prefiro, entretanto,
18 Para Thompson, deliberação significa "discussão orientada à toma de decisão".Dennis F. Thompson, "Deliberative Democratic Theory and Empirical Political Science," Annual Review of Political Science 11 (2008), 503-4.19 Para Cohen, significa "ponderar as razões relevantes para tomar uma decisão com vistas a que a decisão esteja baseada na ponderação". Joshua Cohen, "Deliberative Democracy," in Shawn W. Rosenberg (ed.), Pa r t i c i pa t ion and Democracy : Can the Peop le Govern? (New York: Palgrave Macmillan, 2007), p. 219.20 Claudia Landwehr and Katharina Holzinger, "Institutional Determinants ofDeliberative Interaction," European Po l i t i ca l Sc ience Rev iew 2 (2010),
373-400.21 Jane Mansbridge, "Everyday Talk Goes Viral," paper presented at the annual meeting of the American Political Science Association, Washington, DC, September 2-5, 2010. 22 Mansbridge, "Everyday Talk Goes Viral."
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usar o termo deliberação de forma genérica para depoiscaracterizar verbalmente os fóruns nos quais a deliberaçãoocorre. Quando escrevo, por exemplo, no capítulo 8, sobrea deliberação nos meios de comunicação, não uso aexpressão "deliberação midiática". Ao invés disso,caracterizo o meio específico no qual estou interessado,como por exemplo, deliberação em jornais de elite,deliberação em jornais de boulevard ou deliberação naInternet.
Uma vez esclarecidas essas questões terminológicas, passareia tratar mais especificamente do modelo de deliberação em suasvariadas expressões. Ainda que exista consenso entre os teóricosda deliberação sobre o princípio geral de que os argumentosdeveriam ser importantes para a discussão política, existemdesacordos bastante fortes em como esse princípio deveria serimplementado. Mansbridge assinala que esses desacordostornaram-se maiores nos últimos anos23. Hoje, o conceito dedeliberação é um conceito bastante fluido. Jensen Sass eJohn S. Dryzek vêm a deliberação como prática cultural"com significado e significância que variamsubstancialmente entre contextos e ao longo do tempo...Portanto, a forma como a deliberação é vista na Américado Norte ou na Europa Ocidental difere muito da maneiracomo aparece em Botswana, Madagascar ou Iêmen"24.Dada tal variação, Sass e Dryzek consideram adequadonão usar definições universais de deliberação, masadaptar tais definições aos respectivos contextoshistóricos e culturais25. Com essa ampla orientação depesquisa, não é de se surpreender que o desacordo a respeito dadefinição exata de deliberação seja cada vez maior. Farei umaaproximação geral breve a tais desacordos sobre definições, que
23 Jane Mansbridge, "Recent Advances in Deliberative Theory," paper presentado no Max Weber Workshop on Deliberation in Politics na New York University, October 29, 2010.24 Jensen Sass and John S. Dryzek, "Deliberative Cultures," paper presented at the Workshop on the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011, p. 4.25 Sass and Dryzek, "Deliberative Cultures," p. 11.
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serão discutidos posteriormente em maior detalhe nosrespectivos capítulos.
Um dos pontos de desacordo diz respeito a quão intensamentecidadãos comuns deveriam estar envolvidos no processodeliberativo. Por um lado está o argumento que defende que oscidadãos comuns deveriam participar tanto quanto possível dosprocessos deliberativos. Na vida diária, discutem-se assuntospolíticos na família, entre amigos e vizinhos, no trabalho e emclubes e associações. Neste sentido, os cidadãos comuns sãotambém atores políticos e deveria ser aplicado o princípio de queestão dispostos a serem convencidos pela força do melhorargumento. Portanto, no âmbito dos cidadãos, a formação deopiniões ocorre de maneira reflexiva. Essas opiniões decorrentesda reflexão são comunicadas aos líderes políticos através dediferentes canais como encontros pessoais, reuniões públicas,mídia e Internet. Por outro lado, alguns teóricos consideram que aparticipação de todos os cidadãos comuns no processodeliberativo é totalmente irrealista. De seu ponto de vista, seriamais realista esperar que todos os cidadãos tivessem aoportunidade de participar, sendo que na prática apenas umpequeno número de pessoas poderá participarregularmente das deliberações políticas, por exemplo emmíni-públicos compostos aleatoriamente.
Há ainda desacordo sobre a justificativa de argumentos para adeliberação: SE os argumentos precisam ser justificados deforma racional, lógica e elaborada ou se as narrativas dashistórias de vida podem também servir como justificativaspara a deliberação. Os argumentos apresentados de maneiraracional, lógica e elaborada podem ser avaliados com base nalógica formal. Permitir somente argumentos racionais, lógicos eelaborados origina críticas de teóricos que argumentam que taldefinição discrimina as pessoas que têm pouca habilidade emracionalização. Dado o espírito inclusivo do modelo dedeliberação, essas pessoas também deveriam poder participar doprocesso político. Se há, por exemplo, uma reunião da direção deuma escola pública numa comunidade local, o fato de que os paiscontem histórias sobre os graves problemas de consumo dedrogas que seus filhos apresentam também deveriam contar
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como justificativas deliberativas. Contar essas histórias pessoaisenvolverá muita emoção e empatia não autorizadas naaproximação puramente racional da deliberação.
Há também desacordo sobre se, na deliberação, todos osargumentos devem dizer respeito ao interesse público ou seargumentos relacionados a interesses privados ou específicos deum grupo devem ser considerados. A qualidade do ar é umexemplo de interesse público, já que todos nos beneficiamosdesse bem. Alguns teóricos argumentam que somente asquestões de interesse público pertencem ao discurso deliberativo.Outros, contudo, incluiriam interesses individuais e grupais. Porexemplo, estabelecer padrões de qualidade do ar mais estritosgeraria desemprego e provocaria sofrimento para ostrabalhadores da indústria automobilística. Falando em termosgerais, não é fácil distinguir entre interesse público e interessegrupal. Interesses grupais como o dos trabalhadores da indústriaautomobilística podem atravessar as fronteiras nacionais, porexemplo entre os Estados Unidos e o Canadá. No que diz respeitoa certos assuntos, vários países ou o mundo todo compartilhamum interesse público comum. Portanto, os conceitos de interessepúblico e interesse grupal não podem ser consideradosunicamente no interior das fronteiras dos estados nacionais.
Qualquer argumento pode ser considerado nadeliberação? Novamente, temos aqui desacordo. Alguns teóricosadotam a posição de que todos os argumentos,independentemente de parecerem ofensivos, devem serouvidos com respeito e tomados com seriedade. Uma críticaa essa posição é que se um dado argumento viola os direitoshumanos fundamentais, seu mérito não deveria ser consideradode forma alguma. Se alguém oferecer, por exemplo, umposicionamento racista, seu argumento não deveria ser discutidopor princípio porque viola um direito humano fundamental. Aindaque tal posicionamento não deva ser discutido, poder-se-ia aindaargumentar que existe obrigação de justificar por que se trata deum posicionamento racista e, portanto, sua discussão fica vetada.
Outro ponto de desacordo diz respeito a se a deliberaçãonecessariamente deve terminar em consenso. Por um lado,existe a expectativa de que pessoas razoáveis
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conseguirão entrar em acordo sob a força de diferentesargumentos, de forma que o consenso seria um resultadonatural. Esta visão está baseada no pressuposto de que por trásdas preferências individuais existe um núcleo básico deracionalidade evidente para o indivíduo quando somente ashabilidades de raciocínio são utilizadas. Portanto, o consensodeveria ser construído sobre as mesmas razões. Uma forma maisbranda de entender a argumentação para consenso é que osatores podem ter diferentes razões para chegar ao consenso. Poroutro lado, existe também a visão que defende que certos valoresprofundamente assentados podem vir a ser tão irreconciliáveisque, apesar de todas as referências à racionalidade, não serãopossíveis ou nem mesmo desejáveis. Existe também, contra aideia de consenso, o argumento pragmático que considera que aslimitações de tempo frequentemente impossibilitam que aconversa siga até que todos estejam de acordo. Em algumasocasiões é preciso recorrer à votação, colocando-se assim partedos participantes numa minoria. A chave para a deliberação éque as opiniões das minorias perdedoras sejam tratadas comrespeito e devidamente consideradas. É também importante queas decisões sejam consideradas, na maior parte, falíveis, epossam ser retomadas mais adiante quando novas informações enovos argumentos surgirem.
Para alguns teóricos, a boa deliberação pressupõetransparência e abertura aos olhos públicos, enquanto que outrosteóricos destacam que sob certas condições, a deliberação podese beneficiar de discussões nos bastidores que possam ser maissérias e menos apoteóticas. Tais teóricos apontam também que adeliberação nos bastidores pode auxiliar na deliberação posteriorsob os olhos públicos.
Os teóricos também discordam a respeito da importância dasinceridade na deliberação. Alguns não estão muito interessadosem saber por que alguém se engaja na deliberação. O queimporta, de acordo com esta visão, é se os participantes mostramrespeito pelos argumentos dos demais, independentemente de seesse respeito é oferecido de forma sincera ou não. Em contraste,outros teóricos vêm na sinceridade o elemento chave dadeliberação. A deliberação não verdadeira seria tão somente uma
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estratégia retórica inteligente. Demonstrar respeito pelosargumentos dos demais poderia simplesmente ser mais um entreoutros interesses particulares. Isso eliminaria a essência dadeliberação, que também possui um valor intrínseco importantepara a auto-atualização, e esse valor poderia ser negado pelafalta de sinceridade.
Espero que este livro traga alguma luz para essas controvérsiaspresentes na literatura teórica sobre deliberação. É certamentepossível que os dados empíricos a serem apresentados nãoresolvam as controvérsias. A maneira como alguém define umconceito dependerá de sua agenda de pesquisa e essa agenda,por outra parte, dependerá das normas de valores dopesquisador. Considerar, por exemplo, a narração de históriascomo deliberação dependerá, entre outras coisas, da noção queessa pessoa tenha sobre racionalidade. Ainda que os dadosempíricos não possam resolver tais controvérsias, podem ajudar aesclarecer as relações empíricas e causais entre os diferenteselementos da deliberação. Por exemplo, poderíamos dizer queuma justificativa lógica, racional e elaborada dos argumentos dealguém conduz a maior ou menor respeito pelos argumentos dosdemais do que os argumentos justificados por uma históriapessoal? Os dados empíricos podem também mostrar como osantecedentes e consequentes da deliberação podem variardependendo da definição de deliberação.
(b) Pesquisa empírica em deliberação
Afinal de contas, quais são os dados empíricos que usarei paratrazer à luz controvérsias normativas sobre o modelo dedemocracia deliberativa? Na literatura é possível encontrar dadosde observação e experimentais. Em nosso grupo de pesquisausamos ambos os métodos. Começamos com dados deobservações de debates parlamentares na Alemanha, Suíça,Reino Unido e Estados Unidos. Essas análises foram discutidas emum livro anterior, publicado pela Cambridge University Press in200426. Para medir o grau de deliberação em ambas as
26 Jürg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli, and Marco R. Steenbergen,De l ibera t i ve Po l i t i c s in Act ion : Ana lys ing Par l iamentary D iscourse (Cambridge University Press, 2005).
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seções plenárias e reuniões de comitês desenvolvemos umíndice que chamamos de Índice de Qualidade do
Discurso (IQD, DQI em inglês), que cobria inicialmente osseguintes aspectos da deliberação (a forma como o IQD éempregado na prática será tratada em outro lugar27):
1. participação no debate;2. grau de justificativa dos argumentos;3. conteúdo da justificativa dos argumentos;4. respeito demonstrado por outros grupos;5. respeito demonstrado pelas demandas de outros participantes;6. respeito demonstrado pelos contra-argumentos de outros participantes;7. mudanças de posição durante o debate.
Os teóricos críticos e pós-modernos preocupam-se sobre qualquertentativa de medir a qualidade da deliberação28. Elesargumentam que as medidas da deliberação nunca são objetivas,mas sempre interpretações subjetivas. Não nego que nossacodificação esteja sujeita à interpretação. Ao longo daapresentação do IQD em nosso livro explicitamos claramente que"medir a qualidade do discurso requer interpretação. É necessárioconhecer a cultura da instituição política, o contexto do debate ea natureza do assunto em discussão"29. A interpretação, paraser certeira, nunca pode obter objetividade absoluta. Nãose trata de escolher entre objetividade e subjetividade.(Roberto Gondo – sobre a minha Subjetividade) Nenhumpesquisador sério das ciências sociais declarou ter alcançado averdade objetiva. Todas as interpretações contêm elementossubjetivos, mas as interpretações não são todas iguais. Nem tudo
27 André Bächtiger, Jürg Steiner, and John Gastil, "The Discourse Quality Index Approach to Measuring Deliberation," in Lyn Carson, John Gastil, Ron Lubenski, and Janette Hartz-Karp (eds.), The Aust ra l ian C i t i zens ' Pa r l iament and the Future of De l ibera t ive Democracy (College Park: Penn State University Press, forthcoming).28 Ver, por exemplo Martin King, "A Critical Assessment of Steenbergen e t al.'s Discourse Quality Index," Roundhouse : A Journa l o f C r i t i ca l Theory and
Pract i ce 1 (2009), online: www.essl.leeds.ac.uk/roundhouse, pp. 6-7.29 Steiner e t a l . , De l ibera t i ve Po l i t i c s in Act ion , p. 60.
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funciona. O critério para uma interpretação acadêmica frutífera ése é exitosa para a obtenção de algum grau de intersubjetividade,resultando em um grau suficiente de confiabilidade entrecodificadores. É isso que obtemos em nossa pesquisa com o IQD.O IDQ sempre foi considerado um instrumento de medidaflexível que precisa ser adaptado a projetos de pesquisaespecíficos. Sou a favor desse pluralismo em métodos depesquisa, que correspondem a uma aplicação do discursodeliberativo sobre como fazer pesquisa em deliberação. Éprecisamente o lugar onde se dá a boa deliberação queninguém no mundo diz observar com absolutaobjetividade. Isso vale também para a pesquisa acadêmica emdeliberação.
Feita a tentativa de medir o grau de deliberação dos debatesparlamentares, observamos as causalidades dos antecedentes econsequentes da variação no grau de deliberação. No que dizrespeito aos antecedentes, estávamos interessadosprincipalmente nos aspectos institucionais e examinamos asseguintes dimensões:
1. instituições que favoreciam o consenso versus instituições que favoreciam a competição;
2. atores de veto forte ou fraco;3. sistemas parlamentares e sistemas presidencialistas;4. primeiras e segundas câmaras parlamentares;5. arenas públicas e arenas não-públicas.
Observamos também as questões substantivas em debate,colocando foco sobre a dimensão das questões polarizadasversus questões não polarizadas. No que diz respeito àsconsequências da variação no grau de deliberação, examinamosos aspectos formais e substantivos dos resultados da decisão. Noaspecto formal, debruçamos nosso foco sobre se as decisõesforam tomadas com unanimidade ou por voto majoritário. Noaspecto substantivo, questionamos até que ponto os resultadosda decisão correspondem ao critério de justiça social.
Deixe-me agora descrever como organizaremos as seçõesempíricas em cada capítulo. No início da maior parte das seçõesempíricas, voltarei sobre nosso estudo anterior sobre debates
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parlamentares, mas somente naquilo que os resultadosmostraram sobre controvérsias filosóficas, ajudando-me afundamentar minhas conclusões normativas. Depois continuocom uma ampla revisão da literatura empírica sobre deliberação.
Portanto, levo em consideração todos os estudos que pude reunirnos quais o grau de deliberação é realmente medido e nãomeramente assumido. Tento oferecer, na medida do possível,uma revisão completa da pesquisa na qual o grau de deliberaçãoé medido de forma suficientemente confiável e válida. Pornecessidade, alguns países estão mais cobertos do que outros, ealgumas dimensões conflitantes mais do que outras. Ao final daseção sobre dados empíricos, apresento resultados deexperimentos recentes sobre deliberação que nosso grupo depesquisa realizou na Colômbia, Bósnia-Herzegovina, Bélgica,União Europeia e Finlândia.
Por que foram escolhidos justamente esses países? Amaior parte da literatura empírica existente sobredeliberação provém de democracias estáveis tais comoAlemanha, Holanda, França e Canadá. Esses dados empíricos sãoúteis para se pensar de maneira geral sobre a democraciadeliberativa. Contudo, a deliberação se faz mais necessáriajustamente nos países profundamente divididos por conflitosmilitares internos. Naturalmente, é mais difícil obter deliberaçãonesses países. O máximo que se pode esperar, provavelmente, éque as pessoas queiram reconhecer que as posições adotadas aooutro lado da profunda divisão também são legítimas, ainda quenão concordem com elas. Quando esse reconhecimento éobtido, o outro lado é humanizado, o que poderia tornarmenos provável que alguém atirasse e matasse ao outro lado daprofunda cisão. Se olharmos para o mundo atual, os verdadeirospontos problemáticos são países profundamente divididos eenvolvidos em conflitos militares internos. Minha esperança é quea aproximação deliberativa possa oferecer algo a esses países deforma que possam a aprender a lidar pacificamente com seusconflitos. Portanto, minha esperança está mais ligada aoscidadãos comuns do que a líderes políticos, que muitas vezes sóestão interessados em manter cisões profundas para
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permanecerem no poder. Assim, o focodos nossos estudos estáno nível do cidadão.
A Colômbia corresponde exatamente ao meu interesse depesquisa, com combates militares em curso entre guerrilhas deesquerda e paramilitares de direita. Na Bósnia-Herzegovina, comcisões profundas entre servos, croatas e bósnios, a guerra civilacabou, mas suas consequências ainda são muito perceptíveis.Incluímos também a Bélgica, onde a divisão linguística entreflamengos e valões é cada dia maior, ainda que até o momentonão tenha resultado em violência política. O caso da Bélgica é umcaso limite para meu objetivo de pesquisa principal e seráinteressante ver até que ponto o grau de deliberaçãodifere na Bélgica da Colômbia e da Bósnia-Herzegovina.Incluímos a Finlândia como um caso real de contraste, compequenas divisões entre falantes de finlandês e sueco. A UniãoEuropeia, finalmente, é um caso interessante em si mesmo, commuitas guerras entre os países-membros no passado, e comrelações ainda às vezes complicadas entre alguns membros naatualidade.
Não apresentarei uma análise completamente detalhadados nossos experimentos nesses quatro países e UniãoEuropeia, limitando-me ao que é útil para este livroorientado para o aspecto normativo. Um livro emcoautoria, orientado à análise e intitulado Potential for
Deliberation Across Deep Divisions (Potencial paradeliberação aravés de cisões profundas) está sendopreparado. Os colaboradores de cada parte das pesquisasexperimentais são:
• Maria Clara Jaramillo (Colômbia);• Juan Ugarriza (Colômbia);• Simona Mameli (Bósnia-Herzegovina);• Didier Caluwaerts (Bélgica);• Marlene Gerber (Európolis);• Staffan Himmelroos (Finlândia).
Por que escolhemos o método experimental? Um método depesquisa possível teria sido usar sondagens perguntando às
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pessoas o quão deliberativas elas são quando conversam sobrepolítica na família, com amigos e vizinhos e no ambiente detrabalho. Tais sondagens introduzem o risco de que osparticipantes digam o que é socialmente desejável, ou seja, queeles são deliberativos quando falam de política mostrando, porexemplo, respeito pela opinião dos demais e vontade de acatar omelhor argumento. Tendo em vista o problema que issorepresenta para a pesquisa em questão, optamos pelo desenhoexperimental como método. Isso significa concretamente quereunimos cidadãos comuns para discutir sobre um tópicoem particular. Os participantes tiveram que preencherquestionários antes e depois dos experimentos. Asdiscussões foram gravadas e codificadas com um IQDexpandido que o leitor encontrará no Apêndice. Vejamosagora os desenhos de pesquisa utilizados nos cinco casosde teste.
Desenho de pesquisa para a Colômbia
Mar ia C lara Jarami l lo e Juan Ugarr iza foram responsáveis pelaporção da pesquisa correspondente à Colômbia. Eles planejaram,inicialmente, desenvolver a pesquisa com estudantesuniversitários, o que do ponto de vista organizacional teria sidorelativamente simples. Mas optaram por um desafio maior, ondea deliberação é particularmente mais difícil de ocorrer e,portanto, mais necessária. Encontraram esse desafio nosex-combatentes do conflito armado interno. Ocorre que,quando Jaramillo e Ugarriza iniciaram sua pesquisa, ogoverno colombiano tinha um programa de desarticulaçãoem andamento. Esse programa foi aplicado aoscombatentes de grupos de guerrilha esquerdistas(particularmente as FARC, Fuerzas ArmadasRevolucionarias de Colombia e alguns grupos de guerrilhamenores) e das forças paramilitares de extrema direita.Estariam ex-combatentes que há pouco estavam dandotiros uns nos outros dispostos a participar juntos deexperimentos sobre deliberação? Esse foi o desafio noinício da pesquisa, que exigiu muita paciência, entusiasmo
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e habilidade por parte de Jaramillo e Ugarriza parafinalmente organizar 28 experimentos com um total de342 participantes.
Para conseguir remuneração econômica, os ex-combatentestiveram que participar de um programa de reintegração daAgência do Alto Comissariado para a Reintegração. Psicólogos eassistentes sociais agiram como orientadores e osex-combatentes tiveram que participar duas vezes por mês desessões de grupo com eles. Focamos nossa pesquisa na região dagrande Bogotá, onde cerca de 3.000 ex-combatentesparticipavam do programa de reintegração. Eram, na maioria,homens com pouco grau de instrução. Inicialmente tentamosselecionar uma amostra aleatória para participação no estudo.Mas os orientadores nos advertiram sobre os problemas desegurança, já que muitos dos ex-combatentes estavamgravemente traumatizados e, portanto, eram violentos ouperturbados. Havia também um problema de motivação: naprimeira fase da pesquisa, muitos ex-combatentes convidadospara o estudo simplesmente não apareceram. Os orientadoresnos ajudaram com uma solução que oferecia aos ex-combatentesos incentivos necessários para participar dos estudos. Elespoderiam substituir as sessões quinzenais pela participação emum único estudo e ainda receberiam a remuneração econômica.O fato de os estudos terem lugar nos consultórios dosorientadores também ajudou. Os orientadores permaneceram porperto para o caso de ocorrer alguma manifestação violenta.Graças à Agência do Alto Comissionado para aReintegração, obtivemos dados aproximados sobre o totalda população de 3000 ex-combatentes na região deBogotá em termos de gênero, idade e grau de instrução.Para tais critérios, os 342 ex-combatentes queparticiparam dos estudos correspondiam, grosso modo, aototal da população de ex-combatentes da região deBogotá30. Isso era reconfortante, apesar de que não podíamos
30 Dos ex-combatentes participantes dos nossos experimentos, 15 por cento eram mulheres, em comparação com 16 por cento na população total de ex-combatentes na região de Bogotá. Cerca de 30 por cento dos participantes nos experimentos tinham entre 18 e 25 anos de idade, comparados com 37 por cento região de Bogotá. No que diz respeito à educação, é preciso diferenciar entre ex-guerrilheiros
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afirmar que os ex-combatentes participantes correspondiam auma amostra aleatória da população total de ex-combatentes.
Quão grandes eram as diferenças entre os ex-guerrilheiros eex-paramilitares que se voluntariaram para participar dosexperimentos? Como hipótese nula, assumimos que nãohavia diferenças. Essa hipótese é até certo ponto plausívelporque poderia ser que os ex-combatentes não estivessemideologicamente orientados, mas estivessemsimplesmente procurando por um trabalho remunerado enão se importariam com o lado ao qual teriam que se unir.Isso poderia ter sido fatal para os propósitos dos nossosestudos, já que estávamos interessados em estudar asdiscussões políticas através de cisões profundas. Ahipótese nula pode ser rejeitada. Os ex-guerrilheirosestavam sobrerrepresentados no grupo de idade maisjovem e tinham também mais mulheres do que osex-paramilitares. No que diz respeito ao grau de instrução e àclasse social, os ex-guerrilheiros tinham menor grau deescolarização formal e eram mais pobres do que osparamilitares31. As grandes diferenças políticas existentes entreos dois grupos foi particularmente importante para ainterpretação dos resultados. Os ex-guerrilheiros provinhamem muito maior medida de famílias de esquerda, enquantoos ex-paramilitares provinham principalmente de famíliasde direita. Dessa forma, o envolvimento dos ex-combatentescom um dos dois lados do conflito não ocorreu por acaso. Oindicador mais claro das divisões ainda profundas entre os doisgrupos veio à luz em resposta à pergunta sobre suas atitudes emrelação aos combatentes que ainda lutam na selva. Ainda que osparticipantes dos experimentos tinha abandonado seus antigoscamaradas, expressaram uma atitude mais positiva em relaçãoao seu próprio lado do que em relação ao outro. Isso não eranecessariamente esperado, já que poderíamos imaginar que os
e ex-paramilitares. Entre os ex-guerrilheiros participantes, 60 por cento tinham 11 anos de escolaridade ou menos, para 64 por cento no total de ex-guerrilheiros em toda a região de Bogotá. No caso dos ex-paramilitares, os números ficam entre 41 e 36 por cento.31 É preciso considerar, entretanto, que os ex-guerrilheiros receberam algum grau de educação informal durante o tempo em que permaneceram no campo.
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ex-combatentes abandonaram as lutas porque não concordavammais com a causa de seu lado. Ainda que alguns tenham deixadoas lutas por isso, a maioria ainda tinha mais simpatia por seupróprio lado do que pelo outro. Provavelmente saíram dasselvas porque já estavam fartos de lutar e se sentiramatraídos pelos benefícios dos programas governamentaisde reconciliação. A conclusão de todos esses dados é que osparticipantes dos estudos formaram dois grupos diferentes, nãosomente no que diz respeito às características demográficas, mastambém no sentido político.
Como desenho experimental ideal, cada experimento deveriater incluído o mesmo número de participantes com a mesmadistribuição entre ex-guerrilheiros e ex-paramilitares. Mas dadastodas as dificuldades de adesão, estávamos distantes deconseguir atingir esse ideal. Não era uma situação delaboratório onde é possível manter tudo sob controle. Paraaprender sobre os ex-combatentes, era o melhor que podíamosfazer. Nas ciências sociais, as questões realmente interessantesquase nunca podem ser estudadas em situações totalmentecontroladas, de forma que é preciso partir para desenhos menosperfeccionistas. Antes e depois dos experimentos, osparticipantes tiveram que preencher questionários sobrecaracterísticas demográficas e políticas, assim como questões decunho psicológico. Esses dados ajudarão a testar as hipótesessobre os antecedentes e consequências das variações no grau dedeliberação entre os 28 estudos e também no âmbito daparticipação individual. Institucionalmente, o desenho depesquisa incluiu variações, sendo que a metade dos grupos nãotinha que tomar nenhuma decisão no final do experimento,enquanto que a outra metade deveria decidir entre um conjuntode recomendações sobre o futuro da Colômbia para enviar para oAlto Comissariado para a Reintegração. A metade dessasdecisões deveria ser tomada por voto majoritário e a outrametade por unanimidade. As cartas foram efetivamente enviadaspara o Alto Comissariado de forma que para a metade dosestudos as discussões tiveram relevância política imediata,enquanto que para a outra metade as discussões não produziramefeitos externos imediatos.
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Para a organização prática dos estudos, logo no início Jaramilloe Ugarriza estabeleceram o seguinte tópico de discussão: "Quaissão as suas recomendações para que a Colômbia tenha um futurode paz, no qual as pessoas de esquerda, de direita, guerrilheirose paramilitares possam viver juntos em paz?" Em contraste comoutros experimentos do gênero, e em particular a "SondagemDeliberativa"32, nenhum material de briefing foi oferecido antessobre o assunto a ser discutido. Além disso, em contraste aindacom esse mesmo estudo, os moderadores não intervieram paraincentivar o comportamento deliberativo. Estávamosinteressados, de fato, em ver até que ponto os ex-combatentesestavam dispostos e capacitados para se comportar de formadeliberativa sem nenhum tipo de ajuda externa. Se, por exemplo,alguns participantes não falaram durante todo o experimento, osmoderadores não pediriam que falassem. Ou, quando as opiniõesforam expressadas sem justificativas, os moderadores nãoperguntaram por que tais opiniões foram sustentadas. Portanto, adiscussão flutuou livremente nos limites de um tópicoamplamente formulado. Não fornecer material ou informaçãosobre os experimentos antes e o fato de que os moderadores nãointerviessem nas discussões eliminou dois possíveis fatores quepoderiam confundir nossa análise causal. Depois de 45 minutos,Jaramillo e Ugarriza finalizaram a discussão.
Desenho de pesquisa para a Bósnia-Herzegovina – sábado 18/05/2013
A Bósnia-Herzegovina, com seu recente conflito armado interno,também foi um lugar difícil para a realização dos experimentos. Aresponsável por esta parte do projeto foi Simona Mamel i . Elaorganizou um experimento de teste preliminar em Sarajevo, maschegou à conclusão de que não era um bom lugar paradesenvolver sua pesquisa. O motivo foi que ela se deparou commuitas famílias etnicamente mistas, o que dificultou aformação de grupos com cisões profundas. Mameli escolheuentão dois lugares onde a guerra civil foi particularmente feroz,Srebrenica e Stolac. Em Srebrenica, como bem se sabe, um
32 Veja abaixo o desenho experimental Európolis.
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grande número de homens muçulmanos foram brutalmenteassassinados pelos sérvios. Na Bósnia-Herzegovina, osmuçulmanos preferem ser chamados de bósnios, e não queremser identificados com a religião. Eu também usarei esse termo.Stolac apresenta uma cisão profunda entre croatas ebósnios. Stolac fica próxima da mais conhecida cidade deMostar. Os dois lugares sofreram lutas sangrentas. Mamelidecidiu realizar seus experimentos em Stolac porque Mostartornou-se um destino turístico demais.
O desenho experimental utilizado naBósnia-Herzegovina foi basicamente o mesmo usado naColômbia no sentido de que não foram fornecidosmateriais informativos antes e de que os moderadores nãointervieram para incentivar o comportamentodeliberativo. Em Srebrenica, Mameli organizou seisexperimentos com 40 participantes: 22 mulheres e 18homens. Em três experimentos ela selecionou osparticipantes utilizando um método denominado"caminhada aleatória" (também conhecido como"caminhada do bêbado"). Para tanto ela caminhou pelasruas de Srebrenica e abordou pessoas de forma aleatória,convidando-as para participar dos experimentos. Teria sidomelhor extrair amostras aleatórias a partir de listas de habitantesde Srebrenica sérvios e bósnios, mas como não existem taislistas, a caminhada aleatória foi o segundo melhor método deseleção disponível. Ao adotar a caminhada aleatória para aseleção de participantes, Mameli deparou-se com duasdificuldades. Uma delas estava relacionada ao padrão de vida dapopulação bósnia. Os bósnios são maioria em Srebrenica, masmuitos só estão formalmente registrados na cidade e preferempassar a maior parte to tempo em outro lugar. Mameli encontroumuitas casas de bósnios vazias. Parece que muitos voltamsomente para as eleições ou eventos comemorativos dogenocídio, pois as memórias traumáticas fazem com que sejamuito difícil para eles morar em Srebrenica. Aparentemente osbósnios mais moderados tendem a viver permanentemente emSrebrenica. Para os experimentos, isto significou queprovavelmente a amostra estava composta mais por bósnios
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moderados. Esse viés ocorreu também na Colômbia, onde,como vimos antes, os ex-combatentes mais violentos epsicologicamente abalados tiveram que ser excluídos dosestudos. Isto não é o ideal do ponto de vista do desenhoexperimental, mas assim é a vida nas sociedades queenfrentam conflitos armados internos atuais ou recentes. Asegunda dificuldade relacionada à busca de participantes atravésda caminhada aleatória foi que algumas pessoas, tanto servioscomo bósnios, não quiseram participar ou, nos casos em queprometeram comparecer, não apareceram.
Para os outros três experimentos realizados em Srebrenicaqueríamos que os participantes tivessem sido expostos a umprograma de reconciliação e construção de paz para examinar sea participação em tais programas faria alguma diferença nocomportamento demonstrado nos experimentos. O Centro para oDiálogo de Nansen, uma ONG norueguesa, tem um programaassim. Seu principal objetivo é "contribuir com a reconciliação ecom a construção da paz através do diálogo interétnico"33. Aequipe do centro ajudou no recrutamento de pessoas quepoderiam participar em suas atividades, tornando a seleção omais aleatória possível. Algumas das pessoas recrutadas peloCentro para o Diálogo de Nansen também não compareceram.Portanto, assim como na Colômbia, os seis grupos experimentaisde Srebrenica tiveram tamanhos diferentes e nem sempre omesmo número de sérvios e bósnios. Uma vez mais, foi o melhorque pudemos fazer num lugar onde ocorreu o pior genocídio naEuropa desde a Segunda Guerra Mundial. De certa forma foi umasurpresa que Mameli conseguisse realizar os seis experimentos,já que poderíamos esperar que fosse impossível encontrar sérviose bósnios que quisessem se sentar juntos na mesma mesa.
A organização prática dos experimentos em Srebrenicafoi basicamente a mesma adotada na Colômbia. Osparticipantes tiveram que preencher questionários antes edepois dos experimentos. Com exceção de algumasadaptações locais, os questionários foram os mesmos usados naColômbia. No início de cada experimento, Mameli, assistida por
33 Consulte www.nansen-dialogue.net/content.
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um amigo da região, ofereceu o tópico de discussão, queconsistia em formular recomendações para um futuro melhor naBósnia-Herzegovina. Os participantes teriam que formular emcomum acordo um conjunto de recomendações para enviar parao Alto Representante da Bósnia e Herzegovina. Diferentementeda Colômbia, essa decisão teria que ser tomada em todos osexperimentos. Houve também microexperimentos para introduziroutra variável de controle. Contrariamente à Colômbia, onde, porrazões de segurança as discussões foram somente gravadas emáudio, os experimentos realizados em Srebrenica foram gravadosem áudio e vídeo.
Em Sto lac, os experimentos foram organizados da mesmaforma que em Srebrenica. Como já foi mencionado, a cidade estáprofundamente dividida entre croatas e bósnios. Os croatas sãomaioria, e o prefeito pertence a um partido nacionalista croata.Supõe-se que haja certa partilha de poder com o partidonacionalista bósnio, mas os resultados não são nada bons. Hábandeiras croatas por todas as partes, causando ressentimentoentre os bósnios. Como em Srebrenica, há um sentimento geralde cansaço e desilusão. O Alto Comissário visitou a cidade no anoanterior e ouviu os problemas da população, mas nada mudoudesde sua visita. Com isso os habitantes de Stolac não só estãofrustrados com sua própria administração local, mas também comos "internacionais", que pareciam tornar as coisas ainda piores.Simona Mameli, novamente assistida por um amigo familiarizadocom a situação, conseguiu também realizar os seis experimentosem Stolac com um total de 35 participantes: 20 mulheres e 15homens. Como em Srebrenica, a metade dos participantes dosexperimentos foi recrutada pelo Centro para o Diálogo de Nansene a outra metade através do percurso aleatório pelas ruas dacidade. Novamente, nem todas as pessoas que prometeramcomparecer o fizeram, de forma que o número de participantessofreu variações e croatas e bósnios não estavam sempre emigualdade numérica. Como em Srebrenica, provavelmente houveum viés em favor da moderação entre os que participaram dosexperimentos.
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Desenho de pesquisa para a Bélg ica
A Bélgica enfrenta uma divisão cada vez mais profundaentre flamengos (que falam holandês) e valões (que falamfrancês). Em contraste com a Colômbia e com aBósnia-Herzegovina, nunca houve nenhum conflito armadoentre os dois grupos linguísticos, de forma que foi mais fácilorganizar os experimentos. Um fator que ajudouparticularmente foi que DidierCaluwaerts, o organizador dosexperimentos, pôde confiar numa agênciade pesquisa com experiência em realizarpela Internet pesquisas sociais34. Com basenessas pesquisas, Caluwaerts selecionou pessoas a seremconvidadas para participar dos experimentos, usando o métodode amostragem baseado na heterogeneidade. Ele queria que emcada grupo experimental houvesse suficiente variedade comrelação a gênero, idade e grau de instrução. Além disso, elequeria que cada grupo contivesse participantes que mostrassemsentimentos positivos ou negativos sobre o outro lado da divisãolinguística. Caluwaerts realizou um total de 9 experimentos,convidando 90 pessoas para participar, das quais 83efetivamente compareceram. Em cada experimento havia aomenos 8 participantes. Como na Colômbia e naBósnia-Herzegovina, não foi fornecido nenhum materialantes, os moderadores não intervieram, e os participantestiveram que preencher questionários antes e depois dosexperimentos. Três experimentos apresentaramhomogeneidade flamenga, três apresentaram homogeneidadevalã e outros três eram heterogêneos nos dois lados.Similarmente à Colômbia e Bósnia-Herzegovina, o tópico dediscussão foi formulado da seguinte forma abrangente: "Comovocê vê as relações futuras entre os grupos linguísticos naBélgica?" Os grupos tiveram que tomar uma decisão a respeito do
34 Didier Caluwaerts, "Deliberation across Linguistic Divides: Why It May Be Better to Debate with Imagined Others," paper apresentado no Workshop sobre Fronteiras da Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
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seguinte: em três grupos por maioria simples, em três por maioriade dois terços e em outros três por unanimidade. Combinando acomposição linguística dos grupos e as regras de decisãoobtém-se uma tabela de 9 células (3 x 3) com um experimentoem cada campo. Na primeira rodada dos experimentos, desomente alguns minutos, os participantes tiveram que dizer emuma ou duas palavras-chave o que consideravam ser o problemaou fato mais importante na Bélgica. Na segunda rodada, deaproximadamente uma hora e meia, a discussão era livre. Naterceira rodada, também de uma hora e meia aproximadamente,os participantes tinham que discutir tópicos específicos sobre apolítica atual da Bélgica no que diz respeito à questão linguística.Era necessário tomar decisões depois da segunda e da terceirarodadas. Os experimentos foram realizados em um sábado naUniversity Foundation em Bruxelas, que não mantém nenhumvínculo com nenhuma organização política. Nos três gruposlinguisticamente mistos, houve tradução simultânea. Nos gruposflamencos, Caluwaerts, falante nativo da língua holandesa, foi omoderador. Nos grupos valões o moderador foi um falante dalíngua francesa e nos grupos mistos a moderação foi realizadapor falantes de francês e flamenco.
Desenho de pesquisa para o pro jeto Európol is da União
Europeia
Depois de três estados nação profundamente divididos, passoagora para o nível supranacional da União Europeia (UE).Historicamente, os estados membros da UE enfrentaram, emmuitas ocasiões, cisões profundas produzidas pela guerra. Hojeainda existem divisões profundas entre alguns estados membros,como por exemplo entre a Hungria e a Eslováquia no que dizrespeito à situação dos húngaros na Eslováquia. Para realizar osexperimentos entre cidadãos europeus comuns, nossa equipe depesquisa foi convidada a juntar-se ao projeto Európol is e acodificar as discussões com nosso IQD. Este projeto está baseadona ideia de sondagem deliberativa desenvolvida por James S.
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Fishkin e Robert C. Luskin35. Eles fizeram as seguintes perguntas:"O que aconteceria se o grau dedeliberação pudesse ser elevado, se nãopara todo o público, ao menos para umaamostra aleatória da população? O queocorreria se a sondagem pudesse se tornardeliberativa?" A resposta que oferecem é aseguinte: "A sondagem deliberativa exploraestas possibilidades ao expor amostrasaleatórias a informações balanceadas,incentivando as pessoas a ponderar entreargumentos opostos nas discussões cominterlocutores heterogêneos, obtendoassim opiniões mais consideradas.36" Aideia de sondagem deliberativa foi postaem prática muitas vezes, por exemplo noano 2000 de uma forma particularmenteelaborada na Dinamarca, antes doreferendo sobre o euro37.
O projeto Európolis faz parte do 7º Programa deEnquadramento da UE e está coordenado por PierangeloIsernia da Universidade de Siena. Em 29-31 de maio de 2009,348 pessoas aleatoriamente selecionadas dos 27 estadosmembros da UE se reuniram em Bruxelas e discutiram em 25pequenos grupos primeiro sobre a imigração de fora da UE edepois sobre as mudanças climáticas. Não era necessário tomardecisões no encerramento das discussões dos grupos pequenos.Houve também sessões plenárias com especialistas e políticos.Os participantes tiveram que preencher quatroquestionários: um em seus países de origem, outroquando chegassem a Bruxelas, um terceiro ao sair de
35 James S. Fishkin and Robert C. Luskin, "Experimenting with a Democratic Ideal: Deliberative Polling and Public Opinion," Acta Po l i t i ca 40 (2005), 284-98.
36 Fishkin and Luskin, "Experimenting with a Democratic Ideal," 287.
37 Kasper M. Hansen, De l ibera t ive Democracy and Op in ion Format ion (Odensee: University Press of Southern Denmark), p. 2004.
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Bruxelas e o quarto ao retornarem para seus países. Éimportante observar que em todos os projetosorganizados pela sondagem deliberativafoi feito um esforço especial para criar condições favoráveis paraa deliberação.
Neste sentido, o desenho da pesquisa é diferente dodesenho adotado na Colômbia, Bósnia-Herzegovina eBélgica, onde não fizemos nenhum esforço especial paracriar condições favoráveis à deliberação. No projetoEurópolis, foi tudo diferente. No dia anterior ao evento, osmoderadores foram treinados em longas sessões. Eram namaioria jovens acadêmicos com ótimas habilidades linguísticas,de diferentes países da UE. Ainda que recebessem a informaçãode que não deveriam intervir de forma substantiva nasdiscussões, os moderadores foram instruídos para tornar asdiscussões o mais deliberativas possível, por exemplo,incentivando todos a falarem, a justificarem seusargumentos e a respeitarem os argumentos dos demais.Outro fator que também contribuiria para a boadeliberação no Európolis foi a informação anteriorfornecida aos participantes em uma cartilha de 40 páginascontendo informações sobre a UE e os dois assuntos aserem discutidos. Do ponto de vista gráfico, os principaisfatores e os argumentos foram apresentados de formaprofissional. Ainda que não se tenha testado se os participantesleram o material, a maioria indicou tê-lo feito ao preencher seusquestionários. Comparando o desenho com a Colômbia,Bósnia-Herzegovina e Bélgica, devemos ficar atentos ao fato dodesenho do projeto Európolis ter sido muito diferente. Por outrolado, isso tornou as comparações diretas um problema. Contudo,a fortaleza das nossas conclusões está justamente no fato deestarem baseadas em dois desenhos de pesquisa diferentes.
Todas as discussões do Európolis foram gravadas em áudio. Anatureza multilíngue dos participantes constituiu um problemaespecial, exigindo a tradução simultânea por intérpretesprofissionais. Para tornar a tradução gerenciável, houve apenasduas ou três línguas representadas por grupo. Um dos idiomas foi
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escolhido para a gravação nas vozes originais e os outrossomente na tradução. Este método tem a desvantagem de que oscodificadores não puderam ouvir possíveis emoções nas vozesoriginais dos participantes dos quais somente a tradução foigravada. Codificar e analisar os 25 grupos em suas discussõessobre imigração e mudança climática levará um bom tempo,sendo coberto em outras publicações futuras. Neste livro, tomocomo base a análise que Marlène Gerber et a l . fez para ECPRJoint Sessions em St. Gallen, em abril de 201138. Foraminvestigados 9 dos 25 grupos e somente nas sessões sobreimigração, deixando de fora a mudança climática. Escolheramgrupos nos quais o idioma gravado, no original ou na tradução, foio alemão, o francês ou o polonês. Nos grupos de polonês,pudemos contar com o apoio de uma falante nativa de polonês.Suas transcrições foram traduzidas para o inglês de forma quepudemos verificar a confiabilidade de sua codificação. Adiscussão sobre imigração veio antes do que a discussão sobremudança climática. A primeira sessão sobre imigração empequenos grupos teve lugar na sexta-feira, 29 de maio de 2009às 16:00h, durando aproximadamente uma hora com umintervalo para café e continuando depois por mais uma horaaproximadamente. No dia seguinte, às 9 horas, houve umasessão plenária sobre imigração com especialistas com uma horae meia de duração. Depois de um intervalo houve mais umasessão de pequenos grupos, que passou rapidamente do assuntoimigração para questões políticas mais gerais, de forma que nós aomitimos da codificação.
Desenho de pesquisa para a Finlândia
Uso a Finlândia como caso controle para os três paísesfortemente divididos e a UE como caso especial em si mesmo. AFinlândia é um país homogêneo com uma pequena minoria suecaque, contudo, não causa nenhum problema interlinguísticorelevante. A Finlândia pode também ser caracterizada como uma
38 Marlène Gerber, André Báchtiger, Susumu Shikano, Simon Reber, and Samuel Rohr, "How Deliberative Are Deliberative Opinion Polls? Why It May Be Better to Debate with Imagined Others," paper apresentado no Workshop sobre Fronteiras da Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
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sociedade de consenso. Por isso serve bem como caso controlepara testar em que medida nossas conclusões sobre os paísesprofundamente cindidos são específicas de cada caso ou sãoaplicáveis também a uma sociedade de consenso homogêneo.Assim como ocorreu no projeto Európolis, nos juntamos ao projetofinlandês quando já estava em andamento. Foi lançadoinicialmente na Abo Akademi University em Turku por um grupode pesquisa liderado por Kimmo Grönland, Maija Setälä e KaisaHerne39. A codificação e a análise com uma versão modificada doIQD foram feitas por Staf fan Himmelroos 4 0 . Os participantes dosexperimentos finlandeses constituíram uma amostra aleatória daregião de Turku. Em novembro de 2006, eles discutiram em oitogrupos se deveria ser construída na Finlândia a sexta plantanuclear. Cada sessão experimental durou aproximadamente trêshoras e terminou com uma decisão por voto ou consenso. Foram90 participantes, totalizando 1.189 atos de fala relevantesrelacionados à questão nuclear. Como no Európolis, masdiferentemente dos experimentos realizados na Colômbia,Bósnia-Herzegovina e Bélgica, o projeto Finlândia contou comesforços especiais que contribuíram para condições favoráveis àdeliberação. Os participantes receberam material sobre energianuclear antes e puderam se encontrar com especialistasrepresentantes de diferentes interesses no assunto. No começodas discussões em cada grupo, foram estabelecidas regras debase para lembrar os participantes de que deveriam falar erespeitar os pontos de vista dos outros. As discussões foramlideradas por facilitadores treinados que foram instruídos paranão influenciar nos pontos de vista dos participantes, mas paraintervir caso se perdesse o foco da discussão ou as característicasde deliberação se perdessem.
39 Kimmo Grönland, Maija Setälä, and Kaisa Herne, "Deliberation and Civic Virtue: Lessons from a Citizen Deliberation Experiment," European Po l i t i ca l Sc ience Rev iew 2 (2010), 95-117.40 Staffan Himmelroos, "Democratically Speaking: Can Citizen Deliberation Be Considered Fair and Equal?," paper apresentado no Workshop sobre Fronteiras da Deliberação, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.
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(c) A prática da deliberação
Escrevi este livro para que fosse também relevante para a práticapolítica. Nos últimos anos, a deliberação tem se tornadoproeminente na prática política com esforços para engajar maisos cidadãos comuns no processo político. Esses esforços sesubscrevem a etiquetas como míni-púBlicos, jurados de cidadãos,reuniões de consenso, células de planejamento e outros. Taisesforços na prática política precisam ser acompanhadas depesquisas empíricas e normativas sistemáticas sobre deliberação.É exatamente com isso que espero que este livro possacontribuir. Qual é o apelo da deliberação cidadã para a práticapolítica? Um dos apelos importantes é garantir maior legitimidadeàs decisões políticas. Muitos cidadãos tendem a não confiarnos políticos no que diz respeito a tomar decisões para obem público. Existe um amplo grau de suspeita de que muitospolíticos sejam guiados unicamente por seus interesses decarreira ou sejam, ainda, corruptos. Essa suspeita éalimentada pela maneira como a mídia tende a cobrir osassuntos políticos. Em meio a esse cinismo, reclama-se de umdéficit democrático. A estratégia óbvia para contra-restar essedéficit é envolver mais os cidadãos comuns no processo político.Dessa forma, as decisões políticas deveriam se tornar maisaceitáveis para o público geral. É uma hipótese que merece sertestada. Outro apelo importante para permitir que cidadãoscomuns deliberem sobre questões políticas é a expectativa deque ideias novas sejam introduzidas, conduzindo a melhoresresultados na formulação de políticas. Os cidadãos não queremmais aceitar que os políticos, por terem autoridade, saibam mais.De fato, em muitos lugares a reputação dos políticos édesalentadoramente ruim. Ao mesmo tempo, muitos cidadãossão especialistas em suas áreas de atuação profissional e trazemexperiências da vida privada relevantes para muitas decisõespolíticas.
A esperança de se obter resultados políticos melhores e maislegítimos originou muitos esforços para envolver os cidadãoscomuns no processo político de formas mais plenas esistemáticas. Apresento como exemplo disso o projeto do
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Conselho Regional da Toscana41. Em 2007, a prefeiturapromulgou a Lei Regional nº 69, intitulada "Regras para aPromoção da Participação na Formulação de Políticas Locais eRegionais"42. Trechos importantes sobre o quanto essa lei eranecessária dizem o seguinte:
• A participação na formulação e realização de políticaslocais e regionais é um direito de todos. Esta lei promoveproativamente formas e instrumentos de participaçãodemocrática para que isto se traduza em direito efetivodisponibilizando recursos como dinheiro e suportemetodológico.• A lei incentiva a iniciativa autônoma de grupos sociaisorganizados como autoridades locais, escolas e empresaspara que formulem projetos que melhorem a participaçãocidadã.
Com tais formulações, os legisladores da Toscana apresentarãouma agenda deliberativa para a região. Eles enfatizam uma formade participação democrática na qual os cidadãos comunsdiscutem assuntos políticos e comunicam suas opiniões àsautoridades locais. É também num espírito deliberativo que todosos interesses deverão ser ouvidos no processo político e que oconhecimento político dos cidadãos melhore para que possamoferecer justificativas bem desenvolvida em seus argumentos. Emsuma, uma nova cultura cívica deveria emergir na Toscana deacordo com os objetivos dessa lei. Antonio Floridia e RodolfoLewanski, dois acadêmicos da deliberação envolvidos no projetocomentam:
A Toscana tornou-se um "laboratório" notável para testar empiricamente
a validade da participação deliberativa no mundo real, verificando os
efeitos e possíveis benefícios de sua institucionalização, e aplicando um
modelo específico cujo objetivo é fazer não apenas com que o governo
representativo e míni-públicos coexistam, mas que sejam realmente
41 Para uma descrição do projeto, ver Antonio Floridia e Rodolfo Lewanski, "Institutionalizating Deliberative Democracy: The Tuscany Laboratory," paper apresentado no Workshop on the Effects of Participatory Innovations, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April 12-17, 2011.42 Ver www.consiglio.regione.toscana.it/partecipazione. O site contém também uma versão da lei em inglês.
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complementares e mutuamente recursivos no cumprimento das leis. De
uma forma ou de outra, os resultados serão relevantes para aqueles que,
sejam acadêmicos, praticantes, políticos ou governantes, estejam
interessados em tais inovações para a democracia43.
Para implementar a lei, o Conselho Regional deveria apontar "umespecialista em direito público e ciência política com experiênciacomprovada nos métodos e práticas participativos". Issoaconteceu em 1 de outubro de 2008, com a indicação de RodolfoLewanski, um cientista político da Universidade de Bolonha comamplo histórico de publicações no campo da deliberação44. Elelidera a Autorita per la Partecipazione (Autoridade para aParticipação), com uma equipe que o ajuda a executar seusdeveres. Nos três anos que se passaram de 2008 a 2010, foramconcedidos fundos de 2.138.775 euros. A média de concessões foide 31.453 euros45. Comunidades locais, escolas, empresas equalquer grupo formal ou infomal de cidadãos comunspodem solicitar fundos. É dever da Autoridade para aParticipação avaliar as solicitações e decidir quem serábeneficiado. Uma vez finalizado um projeto, a Autoridade para aParticipação deverá determinar em que medida as metasestabelecidas para o projeto foram atingidas.
Como exemplo de projeto concreto, uso a comunidade local dePiombino, localizada na costa do Mar da Ligúria. O assunto era arenovação da Piazza Bovio (praça da cidade), localizada numarocha à beira do mar. Ao invés de deixar a decisão nas mãos detécnicos especialistas e das autoridades locais, os cidadãos dePiombino envolveram-se intensamente no processo de decisão.As condições eram particularmente favoráveis para a deliberação,uma vez que as preferências dos cidadãos ainda não estavamfortemente cristalizadas, não dependiam de afiliações grupaisfortes e não promoviam apelos à identidade. Discutirei, maisadiante no livro, casos nos quais as condições para a deliberação
43 Floridia e Lewanski, "Institutionalizing Deliberative Democracy," p. 2.
44 Conheço Rodolfo Lewanski pessoalmente, e portanto, conheço bem seu trabalho no Conselho Regional.
45 Floridia and Lewanski, "Institutionalizing Deliberative Democracy," tabela 1 no Anexo.
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eram menos favoráveis. A modo de introdução, parece-meapropriado começar com um caso no qual as condições eramfavoráveis à deliberação, analisando o que ocorre sob taiscircunstâncias.
O projeto Piombino transcorreu de abril a dezembro de 2008.Em abril, foram distribuídos folhetos em vários lugares como apraça do mercado, informando a população sobre o projeto. Nanoite de 9 de maio, uma assembleia informativa sobre o projetocontou com a presença de membros da equipe da Autoridadepara a Participação. Com o prefeito da cidade, os membros daequipe apresentaram as metas do projeto: em conversa com ostécnicos especialistas, os cidadãos deveriam encontrar a melhorsolução para a renovação da Piazza Bovio. Portanto, todos osparticipantes deveriam expressar livremente suas opiniões, etodas as opiniões deveriam ser respeitadas. As discussõesocorreram em pequenos grupos formados por, no máximo,dez participantes. Por um lado, os participantes foramselecionados aleatoriamente em listas oficiais da cidade. Poroutro lado, habitantes da cidade puderam se apresentarvoluntariamente para participar. Assim, foram formados cincogrupos. Cada grupo se encontrou três vezes entre maio eoutubro. Nesses encontros, técnicos especialistas da cidade(engenheiros e arquitetos) estiveram disponíveis para obterinformação caso os cidadãos desejassem. Era importante,entretanto, que esses técnicos especialistas não liderassem asdiscussões. Ao invés disso, um dos cidadãos desempenhou afunção de moderador. Depois de cada encontro, as discussõesforam resumidas em um relatório que continha os argumentosarticulados nas discussões. No início de cada discussão de grupo,pedia-se aos participantes que dissessem o que a Piazza Boviosignificava para eles. As respostas foram uniformementepositivas. Por exemplo:
• a praça serve como vínculo entre as gerações, contribuipara a identidade da cidade, estamos orgulhosos dela;• na rocha que se projeta sobre o mar, a praça abre acidade para as belezas da natureza, como uma janela para aamplidão infinita do mundo;
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• a praça é um espaço social onde os moradores da cidadese encontram e é especial para os amantes;
• a praça é um lugar tranquilo onde as pessoas podem refletir calmamente.
Apesar dessas reações geralmente positivas, as discussõesgrupais trouxeram muitas sugestões de melhora,especificamente:
• A iluminação deveria ser reduzida para que as estrelaspudessem ser melhor apreciadas à noite, especialmente daextremidade externa da praça. Esta sugestão sofreu objeções,já que a redução da iluminação poderia colocar em risco asegurança, especialmente para os mais idosos ou pessoas comdeficiências. Para dar conta desses argumentos conflitantes,seguiu-se com uma discussão sobre formas de iluminação.Sugeriu-se que se usassem mais luzes no solo e menos luzespara o alto. Sugeriu-se também que se utilizasse energia solarpara a iluminação da praça.• Para o pavimento da praça foram feitas várias sugestõesreferentes à cor e ao material a ser usado. Os participantesforam detalhistas ao ponto de sugerirem, por exemplo, que seusassem materiais que permitissem que a goma de mascar dascrianças pudesse ser removida.
• Houve uma discussão vívida sobre o número e tipo de árvores aserem plantadas. Aqui, mais uma vez, os participantes tiveramque enfrentar critérios conflitantes. Por um lado, as árvoresdeveriam ser frondosas, mas não deveriam ocultar a vista domar. As árvores escolhidas não deveriam danificar o pavimentocom suas raízes.
Ao discutir esses e muitos outros assuntos, os grupos tentaramchegar a um consenso ou ao menos a posições majoritárias. Asposições minoritárias, entretanto, também foram incluídas nosrelatórios dos grupos. Assim, uma voz solitária demandava quetodos os bancos fossem retirados da praza; apesar dessademanda não obter suporte algum, foi mencionada no relatóriodo grupo. Um elemento particularmente inovador do projeto emsua totalidade foi o envolvimento das crianças das escolas de
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Piombino. Depois de excursões escolares para a praça, ascrianças tiveram que fazer desenhos de como a praça deveriaficar. Esses desenhos, frequentemente cheios de cores e alegria,foram exibidos e também publicados no site da cidade. Destaforma, as crianças aprenderam uma boa lição sobre a prática dapolítica através de um caso muito concreto de formulação depolíticas.
O projeto terminou em dezembro de 2008, quando toda apopulação de Piombino foi convidada para ser informada sobre osresultados das discussões em grupo. Nessa ocasião, asautoridades locais prometeram levar em consideração assugestões formuladas nos grupos, o que de fato foi feito,especialmente nos aspectos para os quais havia consenso sobrecomo a praça deveria ficar. Os cidadãos foram incentivados acontinuar envolvidos também no processo de planejamento eexecução da renovação da praça. Do ponto de vista dadeliberação, é importante observar que, de acordo com osrelatórios dos grupos, as discussões foram conduzidas comseriedade e respeito, ponderando-se cuidadosamente osargumentos e com disposição dos participantes para mudarem deposição caso se confrontassem com novas informações e bonsargumentos. Às vezes, as discussões deliberativas sãoorganizadas sem nenhum vínculo com debate público em curso.Como veremos mais adiante neste livro, tais discussõesflutuantes sem ponto de chegada também são valiosas aocontribuírem com o desenvolvimento político individual dosparticipantes. Neste capítulo, entretanto, quero apresentar comPiombino um caso no qual as discussões dos cidadãos faziamparte de um processo político em curso. Desta forma, queroenfatizar que a deliberação cidadã pode muito bem ter relevânciapolítica.
Apresentei um exemplo que mostra como cidadãos comunspodem ser envolvidos em questões de política deliberativa. Umaonda de empreendimentos como este vem ocorrendo emmuitas partes do mundo nos últimos anos. É óbvio que há anecessidade de engajar mais os cidadãos e mais plenamente nodebate político. Para a comunidade acadêmica, o desafio está em
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pesquisar as condições nas quais essas experiências emdeliberação cidadã podem ter sucesso. Abordarei esse desafionos próximos capítulos. No último capítulo, voltarei para a práticada deliberação.
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STEINER, Jürg. The Foundations ofDeliberative Democracy. Empirical Researchand Normative Implications. Cambridge :Cambridge University Press, 2012.
Francine Altheman
Capítulo 1A participação dos cidadãos na deliberação
a) Controvérsias normativas na literatura
Há consenso entre os teóricos deliberativos deque cidadãos comuns devem ter a oportunidadede fazer parte da política deliberativa, mas hácontrovérsia sobre quantos cidadãos devemrealmente fazê-lo. Por um lado, há uma posiçãonormativa ideal de que todos os cidadãos devemestar envolvidos em políticas deliberativas. Emsuas vidas cotidianas, eles devem discutirassuntos políticos entre seus familiares, com osamigos e vizinhos, no local de trabalho, e nosclubes e associações. Essas discussões devemter um caráter deliberativo no sentido de osparticipantes se voltarem para a força do melhorargumento. Como consequência, a formação deopinião entre a população comum se daria deuma forma reflexiva. Essas opiniões refletidas[opinião pública] são então comunicadas aoslíderes políticos por meio de uma variedade decanais como encontros pessoais, eventospúblicos, a mídia, e a Internet. Essa posição
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participativa é defendida por Jürgen Habermas,que argumenta que todos os afetados por umadecisão política devemser incluídos nadeliberação (Inklusion aller Betroffenen).46 Desdeque decisões importantes, por exemplo sobre omeio ambiente ou assistência médica, que afetatodo mundo, a posição habermasiana é de quetodo mundo deve participar da deliberação detais questões. Habermas espera que adeliberação entre cidadãos comuns teráinfluência em eleições, legislação e poderadministrativo, desde que “o fluxocomunicacional que serpeia entre formaçãopública da vontade, decisões institucionalizadase deliberações legislativas garanteatransformação do poder produzidocomunicativamente, e da influência adquiridaatravés da publicidade, em poder aplicáveladministrativamente pelo caminho dalegislação.” Nesse caso, cidadãos devem ser umagrande força de compensação contra as duastradicionais influências políticas, “dinheiro epoder administrativo”.47
Alguns teóricos consideram como utópico quepraticamente todos os cidadãos irão sempreparticipar da política deliberativa. Portanto, comoesses teóricos argumentam, tem que se pensarsobre um modo mais real de envolver os líderespopulares na deliberação de questões políticas.Eles colocam suas esperanças nos chamados
46 Jürgen Habermas, Ach, Europa (Frankfurt a.M.:Suhurkamp, 2008), p. 148.47 Jürgen Habermas, Between Facts and Norms:Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy(Cambridge, MA: MIT Press, 1996), p. 299.
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mini-públicos, os quais eles entendem comogrupos de cidadãos escolhidos aleatoriamente.James S. Fishkin, um teórico importante, está navanguarda desse movimento com a ideia doVoto Deliberativo.48 A questão crucial é oque a deliberação em mini-públicos dessetipo significa para o sistema político emgrande escala. Fishkin espera que osparticipantes nesses mini-públicos peguem ogosto pela deliberação e, em seus contextospessoais, façam com que outros cidadãos seengajem em atividades deliberativas. Eletambém espera que a opinião dos líderes queemergem dos participantes desses mini-públicospossa refletir as opiniões dos outros cidadãos.Em todos esses casos, a deliberação emmini-públicos deve se espalhar para um grandenúmero de cidadãos.Maija Setälä também reflete sobre o papel dosmini-públicos no processo de decisão política.49
Ela adverte que “mini-públicos deliberativos sãofrequentemente considerados pelas autoridadespúblicas em uma base ad hoc,” e isso levantapara Setälä “questões sobre motivações alémdeles. As recomendações a que chegam o debatedos mini-públicos são normalmente ignoradas.”De acordo com Setälä, “o impacto dosmini-públicos poderia ser reforçado pelainstitucionalização de sua utilização e48 James S. Fishkin, When the People Speak : DeliberativeDemocracy and Public Consultation (Oxford UniversityPress, 2009).49 Maija Setälä, “Designing Issue-Focused Forms of CitizenParticipation”, artigo apresentado na Conferência daDemocracia: uma perspectiva cidadã, Âbo, Maio 25-27,2010, p. 15.
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desenvolvendo formas em que taisrecomendações fossem tratadas nasinstituições representativas.”50
Erika Cellini et al. vai um passo além queSetälä quando alerta que a organização dosmini-públicos pode ser mal utilizada paradistrair a atenção das reais decisõestomadas pelos públicos das arenas.51 Comoexemplo eles citam a decisão tomada naregião da Toscana sobre a política desaúde: enquanto o governo organizoumini-públicos para discutir sobre adistribuição dos custos da saúde, eledecidiu ao mesmo tempo sobre areorganização de todo o sistema hospitalarna região. Desse modo, os mini-públicosafastaram a atenção de onde a real tomadade decisão estava ocorrendo. Cellini et al.também demonstra que esses mini-públicos, queforam anunciados pelos organizadores comorepresentativos quando não eram, tinham umaforte representação de pessoas altamenteeducadas e politicamente ativas. O fato é quenão foi aos mini-públicos, representados porcidadãos comuns, o poder de influenciar apolítica de saúde na região. Em primeiro lugar,os cidadãos comuns não estavamdevidamente representados e, segundo, osmini-públicos não tiveram nenhuma50 Setälä, “Designing Issue-Focused Forms of CitizenParticipation”, p. 15.51 Erika Cellini, Anna Carola Freschi, and Vittorio Mete, “Chidelibera? Alla ricerca del significato politico di un‘esperienza partecipativo-deliberativo’,” Rivista Italiana diScienza Politica 40 (2010), 138: “distrazione dell’attenzionedel pubblico dalle sedi dove si negoziano gli interessi.”
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influência sobre o curso de tomada dedecisão das autoridades políticas.Um problema especial para o critério deigualdade de participação no processodeliberativo é como lidar com os cientistas eoutros especialistas. Alfred Moore alerta “que oideal de igualdade entre os cidadãos paraparticipar da deliberação de problemas que lhesafeta está em tensão com as desigualdades deconhecimento que são inerentes às sociedadescomplexas.”52 Ele considera essa tensão comoinevitável; portanto, “a questão não é se aautoridade especialista faz parte do sistemadeliberativo, mas como ela será integrada e seessa integração é objeto de padrõesdeliberativos.”53 Moore contrasta a tecnocraciacom um modelo de democracia das autoridadesespecialistas. O modelo democrático, emcontraste, coloca “a autoridade especialista aojulgamento do público de um jeito que desafiaalgumas defesas tecnocratas no papel daexpertise política, mesmo que não implique umarejeição do valor da autoridade especialista naspolíticas”.54 Como exemplo ele menciona osativistas da Aids que “desenvolveram umaexpertise e foram capazes de forçar seus pontosde vista nas discussões de estratégias detratamento e o caminho dos experimentos”.55
Como um princípio geral, Moore quer “ser capaz52 Alfred Moore, “Questioning Deference: Expert Authorityin a Deliberative System”, artigo apresentado no encontroanual da Midwest Political Science Association, Chicago,Março 31-Abril 3, 2011, p. 14.53 Moore, “Questioning Deference,” p. 14.54 Moore, “Questioning Deference,” pp. 4-5.55 Moore, “Questioning Deference,” p. 13.
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de um tipo de crítica que fundamenta aautoridade especialista na ausência de meradeferência cega”.56
John Parkinson alerta que com todo o foco nosmini-públicos, nós não devemos nos esquecer donível macro. Ele quer olhar “para o públicoracional e formador de opinião que está em eentre as sociedades democráticas todos os diasem vez de estar apenas confinada no julgamentodos cidadãos.” Parkinson preocupa-se que“tecnocratas assumiram e transformaram ademocracia deliberativa em apenas umconjunto de ferramentas para pesquisar,mesmo que manipulando, o usuário dosserviços públicos.”57 Como consequência dessatendência, Parkinson vê o perigo de ademocracia deliberativa perder “seu grandepotencial crítico”.58 Ele quer ver como adeliberação funciona não somente emmini-públicos, mas também em grandessociedades. Jane Mansbridge et al. reafirma quedeve-se também olhar para como a deliberaçãofunciona em grandes sociedades.Para entender o grande objetivo da deliberação,é necessário ir além dos estudos sobreinstituições individuais e processos paraexaminar suas interações no sistema como umtodo. Reconhecemos que a maioria dasdemocracias é uma complexa entidade com uma
56 Moore, “Questioning Deference”, p. 14.57 John Parkinson, “Conceptualising and Mapping theDeliberative Society,” artigo apresentado na PoliticalAssociation Conference, Edinburgh, 2010, pp. 14-15.58 Parkinson, “Conceptualising and Mapping theDeliberative Society,” p. 2.
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variedade de instituições, associações, e espaçosde contestação política, incluindo as redesinformais, a mídia, os grupos organizados dedefesa, escolas, fundações, instituições privadase não lucrativas, legislaturas, agênciasexecutivas e os tribunais. Assim, nós defendemoso que pode ser chamado de um sistema próximodo que é a democracia deliberativa.59
Mansbridge et al. enfatiza que no sistemadeliberativo nem todos os elementos precisamter uma natureza deliberativa: “por exemplo,retórica altamente partidária, mesmoviolando alguns ideais deliberativos como orespeito mútuo e de ajustamento, pode,contudo, ajudar a cumprir outros ideaisdeliberativos, como a inclusão”.60 Parailustrar sua abordagem, Mansbridge et al. NÃOCONCORDO.olhe atentamente para os protestos. Protestosfrequentemente aparecem para violar diversasnormas da deliberação. Primeiro, osmanifestantes usam slogans para provocar oentusiasmo e transmitir uma mensagemdramática que frequentemente minam a sutilezaepistêmica. Segundo, quando um protestoimplicitamente ou explicitamente ameaçapromover sanções ou impõe cotas, ele age comouma forma de coerção. Terceiro, protestos por59 Jane Mansbridge, James Bohman, Simone Chambers,Tom Christiano, Archon Fung, John Parkinson, DennisThompson, and Mark Warren, “A Systemic Approach toDeliberative Democracy”, artigo apresentado no Workshopon the Frontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St.Gallen, Abril 12-17, 2011.60 Mansbridge et al., “A Systemic Approach to DeliberativeDemocracy”, p. 3.
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vezes envolvem níveis de rompimento econtestação que deixam de atender as normasda deliberação de civilidade e respeito mútuo,[mas] protestos podem ser interessantes paracorrigir as desigualdades no acesso ao debatetrazendo mais vozes e interesses ao processo dedecisão.61
Pensar em deliberação em termos sistêmicos éum exercício útil, mas isso torna mais difícil deidentificar o que é deliberativo e o que não é.Tomando a ilustração de Mansbridge et al., umaação de protesto pode parecer comonão-deliberativa no âmbito micro mas comocontributiva à deliberação no âmbito sistêmico,mas não é fácil determinar se uma ação deprotesto em particular contribui para adeliberação no âmbito sistêmico. Stefan Rummens também tem um olharsistêmico e argumenta que uma boadeliberação em todos os tipos de fóruns eredes não é suficiente para a democraciadeliberativa, que deve ser fortementerespaldada pelas instituiçõesrepresentativas tradicionais. Para ele,“políticas representativas proporcionam umdebate político com uma narrativa estruturadaque faz o processo político ser particularmentevisível e acessível para uma grande audiência”.62
61Mansbridge et al., “A Systemic Approach to DeliberativeDemocracy”, p. 25.62 Stefan Rummens, “Staging Deliberation: the role ofrepresentative institutions in the deliberative democraticprocess”, artigo apresentado no Workshop on the Frontiersof Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, Abril 12-17,2011, p. 20. Prestes a ser publicado no Journal of Political
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Apesar de todas as controvérsias entre osteóricos, eles concordam que os cidadãos devemestar envolvidos em política e, tanto quantopossível, em um nível de igualdade. Como DennisF. Thompson coloca: “Igualdade de participaçãorequer que nenhuma pessoa ou grupo defavorecidos domine completamente o processode debate racional [ação comunicativa], mesmose os sujeitos do debate não estejamrigorosamente em igualdade de poder eprestígio.”63 Jane Mansbridge coloca a mesmaideia como segue: “A deliberação deve,idealmente, ser aberta a todos os afetados peladecisão. Os participantes devem ter igualoportunidade para influenciar o processo, teriguais recursos, e serem protegidos por direitosbásicos”.64 A questão é somente quantoscidadãos são atualmente capazes e dispostos aparticipar desse modo em processos políticos.Enquanto Habermas salienta o ideal de que todosos cidadãos deliberam em um nível de igualdadee sem constrangimentos [coerções], teóricoscomo Fishkin vê esse ideal como utópico e pensaem modos de aumentar a quantidade equalidade de participação dos cidadãos napolítica deliberativa. Mansbridge tambémreconhece que o ideal que ela propõe nas
Philosophy.63 Dennis F. Thompson, “Deliberative Democratic Theoryand Empirical Political Science”, Annual Review of PoliticalScience 11 (2008), 527.64 Jane Mansbridge com James Bohman, Simone Chambers,David Estlund, Andreas Follesdal, Archon Fung, ChristinaLafont, Bernard Manin e José Luis Marti, “The Place ofSelf-Interest and the Role of Power in DeliberativeDemocracy”, Journal of Political Philosophy 18 (2010), 2.
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citações acima é utópico no mundo real dapolítica: “em um governo, de qualquer lado, éimpossível dar a qualquer um a ‘palavra’ nosentido literal de haver uma voz individual que éouvida por todos os outros membros dogoverno.”65
Christian F. Rostboll dá um passo além. Emboraele argumenta “que nós facilitamos eencorajamos a participação na deliberação”, eletambém tem a visão de que cidadãos devem sercapazes de “usar seus direitos individuais parater uma atitude estratégica e retirar-se dasobrigações envolvidas na deliberação. Estasituação decorre do compromisso com adimensão de liberdade que implica o direitode desistir da deliberação (um aspectonegativo de liberdade) e da ideia de que nãocontribuiria com a liberdade deliberativa forçaras pessoas a deliberar”.66 A ênfase dos teóricos deliberativos naparticipação do cidadão no dia a dia dasdiscussões políticas contrasta com um modeloelitista de democracia como é defendido de ummodo clássico por Anthony Downs, que articulouas premissas básicas do modelo do modo comosegue: nós emprestamos da tradicional teoriaeconômica a ideia do consumo racional ... nossohomo politicus é o ‘homem médio’ do eleitorado,o ‘cidadão racional’ de nosso modelo dedemocracia ... ele se aproxima de toda situaçãocom um olho sobre os ganhos que a serem
65 Mansbridge et al., “The Place of Self-Interest”, 23.66 Christian F. Rostboll, Deliberative Freedom: DeliberativeDemocracy as Critical Theory (Albany: State University ofNew York Press, 2008), pp. 206, 162.
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obtidos, o outro olho nos custos”.67 Acaracterística notável dessa afirmação é queDowns compara os cidadãos a consumidores.Assim como os consumidores compram bens eserviços no mercado, os eleitores compram nomercado político partidos políticos e candidatos.A escolha que o eleitor faz é individual. Na baseda análise do custo-benefício, ele ou ela decideem quem votar ou não votar. O eleitor tem umautilidade individual maximizada. O modelo dedemocracia de Downs é centrada na eleição.Entre eleições, os eleitores não precisam sepreocupar com questões políticas. Cabe aoslíderes políticos fazê-los. Conforme as eleições seaproximam, é a hora do julgamento dos líderespolíticos, e os eleitores decidem se os mantémno cargo ou os tiram. Em contraste, o modelodeliberativo é centrado no debate e quer quecidadãos comuns, ou pelo menos a maioria deles,deliberem sobre questões políticas em basesregulares. Da perspectiva da teoria democrática,faz uma grande diferença tomar um modelocentrado na eleição ou um modelo centrado nodebate ao papel dos cidadãos na política.
(b) Resultados empíricosRevisão de literaturaMinha revisão de literatura revela que não é fácildeterminar em que medida os cidadãos comunsdeliberam sobre política em suas vidas diárias.Antes de tudo, pesquisas são problemáticas umavez que é socialmente desejável para oindivíduo, em muitos lugares, afirmar que ele67 Anthony Downs, An Economic Theory of Democracy (NewYork : Harper & Row, 1957), p. 7.
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discute de uma forma deliberativa sobre política.Quem quer admitir que não está aberto aosargumentos do outro ou que não liga parainteresse público? Logo cedo em minha carreira,eu percebi que muitos cidadãos exageram sobresua participação em referendos quandoquestionados em pesquisas. Eu investiguei aparticipação dos cidadãos suíços em quatroreferendos nos anos de 1963/64.68 Os cidadãosforam perguntados nas entrevistas sobre suasparticipações; depois, eu pude reunir a dataoficial dessas participações. Isso foi possívelporque os cidadãos suíços têm que colocar ascédulas de votação em uma caixa e seus cartõesde votação são identificados em outra caixa.Para os objetivos da minha pesquisa, eu tiveacesso aos cartões de votação identificados, oque me permitiu checar se as respostas dasentrevistas correspondiam aos cartõesidentificados que foram depositados. Se oscidadãos respondessem que haviam participadodo referendo mas seus cartões identificados nãofossem encontrados, seria a prova de que elesnão haviam participado. Se, ao contrário, elesrespondessem na pesquisa que eles não haviamparticipado, mas eu pudesse encontrar seuscartões identificados, isso significaria que eleshaviam participado. Em média, nos quatroreferendos, 25% responderam na pesquisa queeles haviam participado quando eles nãoparticiparam de fato, de acordo com seus cartõesidentificados. Somente 3% foram na situação
68Jürg Steiner, “Interviewergebnisse und amtliche Angabenbei Abstimmungen”, Kölner Zeitschrift für Soziologie undSozialpsychologie 17 (1965), 234-44.
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oposta, declarando na pesquisa que eles nãohaviam participado quando eles tinhamrealmente participado. Esses dados indicam umaforte tendência dos cidadãos suíços de participarde referendos, tanto que eles estão sob pressãopara dar respostas socialmente desejáveis. Euconclui desse estudo que pesquisas podemfacilmente exagerar os níveis de participaçãopolítica. Isso provavelmente é verdade nãosomente no referendo mas também em outrasformas de participação política. Para demonstrar o problema de investigaçãocom as pesquisas de massa de políticasdeliberativas com cidadãos comuns, um estudode Lawrence R. Jacobs et al. me serve bem.69 Éum estudo bem realizado que eu não desejocriticar severamente. É precisamente porque eleé bem executado que serve ao meu propósito, nopresente contexto. Para uma amostra aleatóriados cidadãos americanos foi solicitado indicarseu envolvimento nos cenários que seguem (coma porcentagem de respostas afirmativas):
1. Interações face a face informais ouconversas por telefone com pessoas quevocê conhece sobre questões públicas quesão locais, nacionais ou internacionais pelomenos algumas vezes por mês – 68%
2. Tentou persuadir alguém sobre seu pontode vista a respeito de uma questão pública– 47%
3. Tentou persuadir alguém sobre em quem
69 Lawrence R. Jacobs, Fay Lomax Cook, e Michael X. DelliCarpini, Talking Together : Public Deliberation and PoliticalParticipation in America (University of Chicago Press,2009).
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votar – 31%4. Foi a um encontro formal ou informal no
ano que passou para discutir uma questãolocal, nacional ou internacional – 25%
5. Usou e-mail ou mensagens instantâneaspara falar informalmente sobre questõesque afeta muitas pessoas pelo menosalgumas vezes por mês – 24%
6. Participou no ano que passou na Internetde salas de bate-papo, mensagens, ououtras discussões on-line de gruposorganizados especificamente para discutiruma questão local, nacional ouinternacional – 4%
Jacobs et al. conclui desses dados que“conversa é muito mais extensiva do quemuitos teóricos políticos e pesquisaspresumiram. Embora nem sempre estejaconforme os padrões idealizados pelosdefensores ou críticos da democraciadeliberativa, o debate público é um vibrante esurpreendente processo disseminado pelasopiniões formadas pelos cidadãos [opiniãopública] sobre a vida cívica”.70 Eu gostaria deadvertir que os dados somente indicam queamericanos falam sobre conversas políticas, nãotanto quanto eles na realidade falam sobrepolítica. Que os números são tão altos querevelam que a conversação política estáprofundamente enraizada no sistema de normasamericanas, se não estiveram sempre emcomportamento real. Jacobs et al. tambémreivindica que os entrevistados
70 Jacobs et al., Talking Together, p. 25.
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“consistentemente reportam que os fóruns queeles participaram se basearam em informaçõesespecializadas, razões dadas e tolerância... essasdescobertas são compatíveis com o otimismoavaliados na deliberação e seu potencialdemocrático”.71 Mais uma vez, entretanto, temque se estar ciente que essas análises sãobaseadas nas questões da pesquisa e não na realobservação da conversação política. Jacobs et al.também se apoia no auto relato para investigar oimpacto da participação em um encontro públicocom as seguintes questões: “Pessoas às vezesdão seguimento a suas participações emencontros públicos com outros tipos de atividadeno intuito de endereçar o problema que foidiscutido. Você já se engajou em qualqueratividade de caridade, cívica ou política como umresultado direto do último encontro que vocêparticipou sobre questões políticas?”72Aformulação dessa questão faz com que sejaparticularmente óbvio que os participantestenham um incentivo para responder de ummodo positivo, tendo em conta o que ésocialmente desejável. Assim, os resultados temque ser interpretados com cautela já que aparticipação em encontros públicos “estimula efacilita futuras ações políticas e cívicas”.73
A mesma cautela se aplica à pesquisa feita porDidier Caluwaerts et al. com uma amostraaleatória de eleitores belgas, em que lhes foiperguntado se eles conversaram no último mêssobre política com a família, com amigos, e com
71Jacobs et al., Talking Together, p. 77, 81.72Jacobs et al., Talking Together, p. 98.73Jacobs et al., Talking Together, p. 117.
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colegas de trabalho.74 Cerca de 69% disseramque conversam com a família sobre política, 66%com os amigos, e 55% com os colegas detrabalho. Um olhar aos estudos de Jacobs et al. eCaluwaerts et al. pelo viés da educação mostraque em ambos os países há a incidência decrescimento da conversação política com aeducação. Na Bélgica, homens conversam maissobre política do que as mulheres, enquanto quenos Estados Unidos não houve diferença degênero. Pela idade, nenhum dos países mostroudiferença.O quão relevante as pesquisas de Jacobs et al. eCaluwaerts et al. são para as controvérsiasnormativas apresentadas na primeira parte destecapítulo? Em primeiro lugar, não fica claro se osestudos se referem a uma deliberação ousomente uma conversação. Essa ambiguidade éparticularmente visível em como Jacobs et al.chama os capítulos e subcapítulos de seu livro.Na maior parte dos títulos ele se refere àconversação, e nos subtítulos à deliberação.Portanto, as respostas positivas às questões dapesquisa parecem incluir também a conversaçãosimples e não somente a deliberação. Segundo,nós devemos considerar que as respostaspositivas podem ter sido exageradas fortemente.Tudo isso significa que Fishkin pode ter razãoque não se deve esperar um alto nível dedeliberação entre os cidadãos comuns, de modo
74 D. Caluwaerts, S. Erzeel, e P. Meier, “Différences de sexeem discussions politiques et implications normatives pourLa démocratie délibérative », em K. Deschouwer, P. Delwit,M. Hooghe, e S. Walgrave (eds.), Les Voix du Peuple(Brussels : Editions du ULB, 2010), pp. 159-75.
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que tem que se buscar meios especiais paraaumentar a deliberação. Particularmente, ocomplicado é encontrar em ambos os estudos oque as pessoas com um baixo nível de educaçãofalam relativamente e raramente sobre políticasem suas vidas cotidianas, que viola ospressupostos deliberativos de igual participação.Um prenúncio de minhas conclusões na últimasessão deste capítulo, eu vou propor formas demedir o crescimento da deliberação,particularmente entre aqueles que têm menosnível educacional, e sugerir mais caminhosdeliberativos que podem ser ensinados nasescolas infantis.Michael A. Neblo et al. propõe de um jeitocriativo um método de pesquisa com umexperimento.75 Em uma amostra aleatória decidadãos norte-americanos, eles investigaramsuas “atitudes frente a uma oportunidadehipotética de deliberação”.76 Parte da experiênciaconsiste “em experimentos de campo em queuma amostra aleatória de cidadãos de 13distritos de congregação tiveram a oportunidadede participar de uma deliberação em um fórumon-line para discutir com os membros doCongresso sobre a política de imigração”.77
Baseado em ambas as partes de suainvestigação, Neblo et al. considera “que avontade em deliberar é muito maior do que as
75 Michael A. Neblo, Kevin M. Esterling, Ryan P. Kennedy,David M. J. Lazer, e Anand E. Sokhey, “Who wants toDeliberate: And Why?”, American Political Science Review104 (2010), 566-83.76 Neblo et al., “Who wants to Deliberate?”, 571.77 Neblo et al., “Who wants to Deliberate?”, 575.
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pesquisas sobre comportamento políticosugerem, e que os mais dispostos a deliberar sãoexatamente aqueles que foram desligados doprocesso por causa de política partidária e dointeresse dos grupos políticos”.78 Os gruposdesligados por uma política tradicional senãoaqueles dispostos a deliberar são “pessoasjovens, minorias raciais e pessoas de baixarenda”.79 É também digno de nota que aquelescom baixo nível de educação são dispostos adeliberar tanto quanto aqueles alto nível deeducação, ao passo que em padrões políticosaqueles com alto nível de educação tendem a terum maior nível de participação. O estudo deNeblo et al. nos dá esperança que as novastecnologias podem contribuir mais com aigualdade de participação na deliberação. Naparte normativa do capítulo, eu vou mostrarcomo a Internet pode ser útil para a deliberação.Simone Chambers empreendeu uma dasprimeiras tentativas para estudar o nível dedeliberação entre os cidadãos comuns, não compesquisas, mas com observações diretas. Noverão de 1992, um número de conferencistasforam estabelecidos no Canadá para discutirsoluções possíveis para os vários impassesconstitucionais que afetavam a nação. O pano defundo para organizar essas conferências foi oimpasse da potencial independência do Québec eum próximo referendo sobre esse assuntoespinhoso. Os participantes da conferênciarepresentavam um leque amplo de canadenses.Da observação de algumas dessas conferências,78Neblo et al., “Who wants to Deliberate?”, 582.79Neblo et al., “Who wants to Deliberate?”, 574.
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Chambers conclui que elesestavam em conformidade com o ideal dadeliberação na medida em que havia umatentativa de conscientizar sobre a garantia daigualdade dialógica, tanto que todos podiamfalar e serem ouvidos e excluir influências, comodinheiro e poder que poderiam distorcer aconversação... participantes podiam“permitir-se” serem flexíveis, abertos, ecooperativos. Que por sua vez leva a um realmovimento de posições e convergência dequestões.80
Chambers é uma teórica, e é digno de nota quemuito cedo nos debates filosóficos sobredeliberação ela sentiu a necessidade de umainvestigação empírica sobre o quanto oscidadãos comuns conversam uns com os outrossobre importantes questões políticas. Chambersreconhece que essas conferências tiveramcaracterísticas que foram particularmentefavoráveis para a deliberação.Os participantes das conferências não levaramnenhum voto ou tomaram qualquer decisãointerna, mas seus papeis no grande debateconstitucional foi deixado vago. Eles não tinhamum mandado claro. Os resultados dessasconferências não vinculou nenhum modoautoritário. O fim dessas conferências nãorepresentou nenhum tipo de fecho ou decisão.80 Simone Chambers, “Talking versus Voting: Legitimacyand Deliberative Democracy”, artigo não publicado,University of Colorado, 1999, pp. 4-6. Ver também SimoneChambers, “Constitutional Referendums and DemocraticDeliberation”, em Mathew Mendelsohn e Andrew Parkin(eds.), Referendum Democracy: Studies in CitizenParticipation (New York: Palgrave, 2001).
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Não é completamente certo dizer que nadaestava em jogo, pois não era uma conferênciaacadêmica discutindo as opções constitucionaisdos antigos atenienses mas em vez disso oscidadãos participantes que estavam conscientesdo público bem como da elite política. Porém, écorreto dizer que uma ligação ou uma decisãoautoritária não foi suportada e essesparticipantes libertados do medo doencerramento prematuro ou desvantajoso.81
Essas conferências deliberativas nãotransbordam para a atual campanha dereferendo na independência do Québec maistarde naquele ano. De sua posição normativacomo teórica, Chambers expressaum grande desapontamento... no calibre e tenordo debate. Fez falta a abertura e a flexibilidadedos participantes da conferência, isto é, avontade de rever reivindicações, para encaixá-locomo outro, agora visto como igualmentelegítimo, reivindicativo. Em vez disso, acampanha do referendo pareceu travar asposições. Além disso, líderes e porta-vozescomeçaram a falar sem agregar nada, com oobjetivo de que não fosse dada nenhumaconcessão a outros interesses, o que seria umaperda para seu lado. Em vez de argumentosrazoáveis, o medo de ser um perdedor nonegócio fez com que a oportunidade fossejogada fora. Apesar de tudo, o debate sobre oreferendo teve um efeito oposto para o que adeliberação supôs que haveria: ele moveu osparticipantes para o afastamento, a desconfiançaacentuada, desentendimento exagerado e81 Chambers, “Talking versus Voting”, pp 5-6.
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deixou os canadenses num lugar pior do quequando começaram.82
Esse prematuro estudo empírico de Chambersmostra que em condições favoráveis, cidadãossão capazes e desejam debater com o outrosobre sérios assuntos políticos em um alto nívelde deliberação. O estudo também mostra, noentanto, que é mais difícil transferir uma culturadeliberativo para o nível de elite e para asociedade em geral, quando decisõesimportantes reais têm de ser feitas. A esperançade Chambers como teórica era que os líderes nãoseriam inspirados pelo tom da deliberação dadiscussão de conferências informais. Mas elaficou desapontada pois o tom mudoudramaticamente quando a decisão sobre aindependência do Québec estava próxima.Parece ser uma coisa falar informalmente sobreum assunto político numa conferência restrita ecompletamente outra coisa ter a mesmadiscussão quando a pressão é alta porque adecisão tem que ser tomada. O estudo deChambers reforça a preocupação de Maija Setäläde que as conferências de cidadãos serãoignoradas quando decisões reais e duras tem queser tomadas. Na parte normativa do capítulo, vouapresentar um quadro com as diferentes funçõesdas conferências de cidadãos.Pamela Johnston Conover e Donald D. Searingusaram grupos focais no Reino Unido e nosEstados Unidos para investigar para qualamplitude os cidadãos comuns são capazes edesejam endereçar suas questões políticas deum modo deliberativo. Eles alegam que “os82Chambers, “Talking versus Voting”, pp 5-6.
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grupos focais permitem pesquisas parainvestigar o significado dos conceitos, tópicos eprocessos como os cidadãos comuns osentendem. Eles nos direcionam para umalinguagem que os cidadãos usam para entenderessas questões... assim, grupos focais são ummétodo útil especialmente para sondagens daexperiência da conversação cotidiana”.83 ParaConover e Searing, “deliberação implica ouviratentamente os pontos de vistas dos outros,explicar a eles o seu próprio ponto de vista etendo tempo para pensar juntos sobre umassunto em profundidade. Assim, deliberação éum exercício racional de argumentar”.84 Essadefinição, de acordo com Conover e Searing,é certamente muito mais rigorosa do que é aconversação informal cotidiana sobre assuntospúblicos praticadas pelos cidadãos britânicos eamericanos em nossa pesquisa. Nós podemoscaracterizar melhor o que esses cidadãoscomuns realmente fazem... como discussões ouconversas do dia a dia, ocasionalmentedeliberativas mas mais tipicamentedesestruturada, espontânea, e sem objetivosclaros. Esse tipo de discussão envolve umaampla variedade de formas de comunicação –argumentação, retórica, emoção, testemunho ouhistórias de vida, e fofoca – em vez de serlimitada à troca racional de razões.85
83 Pamela Johnston Conover e Donald D. Searing, “StudyingEveryday Political Talk in the Deliberative System”, Acta Politica 40 (2005), 273.84 Conover e Searing, “Studying Everyday Political Talk”, 271.85 Conover e Searing, “Studying Everyday Political Talk”, 271.
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Reconhecendo que “a conversação cotidianapolítica pode não ser rigorosamentedeliberativa”, Conover e Searing ainda insistemque “seria prematuro repudiar ao todo a funçãodialógica da conversação cotidiana política; elaajuda cidadãos a organizar suas preferências,produzir justificativas para elas, e desenvolverconfiança em sua atuação numa arena pública”.Embora Conover e Searing vejam menos indíciosde deliberação nos grupos focais britânicos eamericanos que eles pesquisaram do queChambers viu nas conferências dos cidadãoscanadenses, ambos os estudos concordam quecidadãos comuns têm potencialmente acapacidade de discursar sobre assuntos políticosde um modo deliberativo. Entretanto, a exceçãoque Chambers faz em sua investigação étambém válido para os grupos focais de Conovere Searing, isto é, que as condições para adeliberação são particularmente favoráveisdesde que os participantes não tenham quetomar nenhuma decisão sob pressão [coerção].Se nos grupos focais fossem solicitados a decidir,por exemplo, sobre a taxa de imposto em suascomunidades locais, o nível de deliberaçãopoderia ter sido bastante baixo. O estudo deConover e Searing, bem como o estudo deChambers, levanta mais uma vez a questãosobre o valor das conferências dos cidadãos paraa democracia deliberativa em grande escala.Lendo uma antiga versão do livro original, Ian O´Flynn é crítico ao afirmar “me parece que essesexercícios são bastante inúteis. Certo, osparticipantes talvez se sintam melhor depois.Mas eles não estão engajados na tomada de
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decisão e, neste caso, os números envolvidos sãoabsolutamente inexpressivos”.86 Como voumostrar na sessão normativa deste capítulo, eunão considero as flutuantes conferências decidadãos inúteis como O´Flynn pensa. Osparticipantes talvez não se sintam melhoresposteriormente, eles talvez também tenham quefazer algo pela sua auto-realização, o que não éalgo pequeno.Julien Talpin fez um estudo qualitativoetnográfico de uma experiência de vida real decidadãos envolvidos em decisões políticas.87 Omodelo foi Alegre, no Brasil, onde cidadãosestavam envolvidos com o processo deorçamento. Talpin estudou três comunidadeseuropeias onde essa experiência foi replicada,Morsang-sur-Orge, nos arredores de Paris, odécimo-primeiro distrito de Roma, e Sevilha, naEspanha. Nessas três comunidades, foram dadasaos cidadãos comuns a oportunidade de estarenvolvido no processo do orçamento e, dentro dealguns limites, distribuir dinheiro para diferentesprogramas da comunidade. Talpin foi capaz deobservar ao mesmo tempo 124 encontros, etambém fez entrevistas com os organizadores eparticipantes. Da perspectiva da participação, oresultado negativo é que muitos cidadãosdesistiram, “estavam desapontados pelo restritopoder que lhes foram dados ou a manipulaçãoorquestrada pelos funcionários eleitos”.88 O
86 Comunicação pessoal, 8 de agosto, 2011.87 Julien Talpin, School of Democracy: how ordinary citizens(sometimes) become competent in participatory budgetinginstitutions (Colchester: ECPR Press, 2011).88 Talpin, School of Democracy, p. 4, book prospectus.
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estudo de Talpin nos conscientiza de que é difícilmanter a participação de cidadãos comuns vivaspor um longo período de tempo, especialmentequando a deliberação não tem, ou teminsuficientemente, consequências. O estudotambém aborda o argumento de Rostboll de quecidadãos devem ter a liberdade de desistirem dadeliberação. Eu concordo que eles devem teressa liberdade e que isso faz parte de suaautonomia. As pesquisas empíricas relatados atéagora mostra que as pesquisas dão umpanorama muito mais positivo sobre o nível dedeliberação do que quando o comportamentoreal era observado. Para minhas conclusõesnormativas, eu vou me basear mais nasobservações diretas dos esforços deliberativos doque na deliberação como foi abordada naspesquisas.Novos resultados dos experimentosdeliberativos89 Colômbia é nosso maior desafio, porque noperíodo do experimento um conflito internoarmado estava ainda ocorrendo. Eram 342ex-combatentes que participaram de 28experimentos. Para o tópico do presente capítulo,é interessante observar o quanto os participantesuniformemente ou não uniformemente seexpressam por meio da fala. Dosex-combatentes, 115, ou 34%, não falaram nadano experimento que eles participaram. Isso é defato uma alta porcentagem que demanda umaexplicação. A explicação mais plausível é quedadas as suas experiências traumáticas, muitosex-combatentes ficavam com receio de proferir89 Sobre o projeto de pesquisa, veja a Introdução, Seção b.
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palavras erradas e preferiam se manter emsilêncio. Observando os experimentos, MariaClara Jaramillo e Juan Ugarriza, nossospesquisadores na Colômbia, tiveram a impressãoque essas participações mudas não foramcompletamente passivas, pois estavam atentos àdiscussão. Eles não incomodavam o grupomostrando sinais de falta de interesse, comobocejar, fechar os olhos e outroscomportamentos dissonantes. Quem são osex-combatentes que quiseram participar doexperimento, mas não falaram? Uma análisebinária mostra que os ex-guerrilheiros forammais relutantes em falar do que os ex-militares.90
Uma possível explicação é que, dados o contextocolombiano, os guerrilheiros são mais dispersosdo que os militares e são, portanto, cautelososde falar depois da desmobilização. Isso somado aum baixo nível de educação e à recentedesmobilização também tendem a fazer com queeles se mantenham em silêncio. Gêneros eidades não foram diferenciados entre aquelesque falaram e aqueles que não falaram. Como oresultado abaixo mostra, a participação foitambém desigual entre aqueles que falaram.
Não falaram 34%Falaram uma ou duas vezes 30%Falaram 3 a 10 vezes 28%Falaram 11 a 20 vezes 7%Falaram 21 a 30 vezes 1%Total de participações 100%
90 A análise binária neste capítulo será complementada no Capítulo 9 por múltiplas regressões.
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Esses números demonstram que no que dizrespeito à participação, o experimento com osex-combatentes estava longe do ideal do modelodeliberativo. Os constrangimentos não foramexternos no sentido de os participantes seremproibidos de falar; foram, ao contrário,constrangimentos internos que induziram umgrande número de participantes de falar muitopouco ou nada. É digno de nota que dos 1.027atos de fala, somente cinco foram interrompidospor outros participantes, que demonstraramcalma e uma atmosfera não violenta durante osexperimentos. Para a caracterização dosexperimentos é também digno de nota que amaioria das intervenções foram curtas: 87% dosatos de fala duraram um minuto e meio oumenos.Na Bósnia e Herzegovina, eu comecei comexperimentos em Srebrenica com sérvios ebósnios (?). Como mostram os resultados abaixo,comparado com a Colômbia, menos participantesfalaram somente uma ou duas vezes ou nãofalaram. Apesar de na Srebrenica ter ocorrido opior massacre da Europa desde a SegundaGuerra Mundial, menos participantes estavamtão traumatizados a ponto de não se atrever afalar. É certo que os participantes não eramex-combatentes como na Colômbia, o que podeter contribuído para o fato de em Srebrenicahaver tido menos pessoas que falaram bempouco ou nada. E ainda, em Srebrenica, também,teve uma grande desigualdade de participação.
Não falaram 18%Falaram uma ou duas vezes 7%
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Falaram 3 a 10 vezes 18%Falaram 11 a 20 vezes 23%Falaram 21 a 30 vezes 15%Falaram 31 a 40 vezes 10%Falaram 41 a 50 vezes 7%Falaram 51 vezes ou mais 2%Total de participações 100%
Em Srebrenica, não houve mais troca de ideiasdo que na Colômbia, com 6% de atos de falasendo interrompidos por outros participantes.Mas teve somente um único caso onde alguémreclamou que estava constrangido pelocomportamento dos outros participantes. Arápida troca de ideias também revela o fato deque praticamente todas as intervenções ficaramabaixo de um minuto; assim, as intervençõestenderam a ser tão curtas quanto na Colômbia.Os experimentos em Stolac, entre a Croácia e aBósnia, foram bem similar aos da Srebrenica.Novamente em contraste com a Colômbia, háuma rápida troca de ideias com menosparticipantes falando pouco ou nada, embora aparticipação tenha sido tão desigual quanto naColômbia.Na Bélgica, todos os participantes falaram, ehouve poucos que falaram somente uma ou duasvezes. Com a política de não violência causadapela linguagem dividida, não eram esperadosparticipantes traumatizados, e isso foi de fato oque pareceu acontecer. Os participantespareceram estar tranquilos para falar sobre comolidam com o árduo assunto da linguagem. Masnós também devemos notar que mesmo naBélgica teve uma grande desigualdade em
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quanto as pessoas estavam envolvidas nadiscussão. Desmembrando os resultados poridade, gênero e educação verificamos que nãohá diferença de idade e educação, mas houveuma grande diferença de gênero, com asmulheres falando muito mais do que os homens.
Não falaram 0%Falaram uma ou duas vezes 2%Falaram 3 a 10 vezes 24%Falaram 11 a 20 vezes 35%Falaram 21 a 30 vezes 28%Falaram 31 a 40 vezes 6%Falaram 41 vezes ou mais 5%Total de participações 100%
De todos os 1.664 atos de fala na Bélgica, 301,ou 18%, foram interrompidos por outrosparticipantes, muito mais do que na Colômbia ena Bósnia e Herzegovina. Isso significa que dessaperspectiva a Bélgica foi menos deliberativa doque a Colômbia uma vez que as interrupçõesimpedem que os falantes desenvolvam seusargumentos por completo? Nós devemos notar,no entanto, que somente em duas das 301interrupções de atos de fala feitas, o falantereclamou da interrupção. Pode ser queocasionalmente as interrupções sejam vistascomo o sinal de uma interatividade viva, o queindicaria uma boa qualidade da deliberação. Essadiscussão mostra que não é fácil interpretar asinterrupções de um ângulo da deliberação.Dependendo do contexto, elas talvez indiquemuma falta de civilidade, mas também um grandeinteresse no que os outros têm a dizer.
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Para a Europolis, há que considerar que osmoderadores, ao contrário do que ocorreu naColômbia, na Bósnia e Herzegovina e na Bélgica,foram treinados para encorajar a participaçãoigualitária. Se alguém não falava, ele ou ela erachamado a fazê-lo. Apesar desse encorajamentohouve ainda um grande número de participaçãodesigual, com as mulheres, pessoas com menosnível de educação, da classe operária e pessoasda Europa Central e Oriental falando o mínimo.Para as mulheres, no entanto, as análises maisdetalhadas mostraram que embora elas falassemmenos do que os homens, elas estavam muitomais participativas na discussão no sentido deque os homens interagem tanto com elas quantocom outros homens.91
Na Finlândia, como na Europolis, moderadoresencorajaram a participação igualitária, mas aqui,também, a participação foi muito desigual, comas mulheres, com menor nível de educação, osmuito jovens e os muitos velhos falando omínimo. Em resumo, os participantes desses grupoexperimentais falam em um âmbito desigual,mesmo em casos que o moderador encoraja aparticipação igualitária. Esse padrão desigualteve pouco a ver com os constrangimentosexternos como interrupções indevidas, mas tevemuito mais a ver com os constrangimentosinternos de não ser capaz ou não desejar falar.Esses constrangimentos foram particularmente
91 Marlène Gerber, “Who are the voices of Europe? Evidence from a Pan-European Deliberative Poll”, artigo apresentado no ECPR General Conference, Reykjavik, Agosto 25-27, 2011.
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fortes em mulheres e nas pessoas com menosnível de educação.
(c) Implicações normativas dos resultadosempíricosO resultado mais impressionante da sessãoempírica deste capítulo é que os cidadãosparticipam com muita desigualdade dadeliberação de assuntos políticos. Não é surpresaque chegássemos a esse resultado, mas para odebate normativo sobre deliberação é importantesaber, numa base empírica firme, embaixo dessagrande diferença de condições há uma grandedesigualdade de participação deliberativa. Daperspectiva normativa, nós temos que confrontaresse fato de frente. O que é realmente umincômodo é que há um viés sistemático nosentido de que homens de meia idade com altonível de educação tendem a falar mais queoutros. O mundo empírico está muito distante doideal normativo habermasiano de participaçãocom igualdade e não coerção [ou nãoconstrangimento]. Isso invalida o modelodeliberativo habermasiano? De modo algum. Nósdevemos lembrar-nos da Introdução que omodelo filosófico de deliberação é parecido como ideal “regulativo” no sentido de ImmanuelKant, o que significa que é definido como umameta que nós devemos lutar para atingi-la, masque nós nunca conseguiremos. Como um revisoranônimo de uma versão anterior desse livrocomentou, nós não devemos cair na armadilhade achar a teoria normativa “impraticável”; elesdefinem ideais pelos quais a realidade pode serjulgada. No meu ponto de vista, nós não
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devemos relaxar os padrões no que diz respeitoà participação igualitária na deliberação e olharpara meios de encorajar todos os cidadãos parafazer mais parte da deliberação de assuntospolíticos. A boa notícia é que de alguns dessesresultados empíricos relatados nós podemosconcluir que muitos cidadãos têm internalizadouma forte norma que seria uma coisa boa paraser envolvida em assuntos políticos. Assim, odesafio é como reforçar ainda mais essas normase, mais importante, ajudar as pessoas a colocaressas normas em prática. Eu concordo com aposição de Robert E. Goodin, relatada naIntrodução, que a prática da deliberação podetambém ter espaço individualmente. Enfatizandoo aspecto inter-pessoal, estudiosos deliberativosnão deveriam esquecer que indivíduos sozinhospodem também deliberar com seu própriocérebro. Eles podem refletir com argumentosconflitantes como resolver um problema. Elestambém podem discutir com um interlocutorimaginário. Isso acontece em particular quandoeles lêem um livro e se engajam em um diálogoimaginado com o autor. Como Wilhelm VonHumboldt argumentou um tempo atrás, a solidãonos dá a liberdade para pensamentos criativos.92
Esse ideal da reflexão pessoal individual nãodeveria ser negligenciado no modelodeliberativo. Nós não podemos constantementepensar na companhia dos outros. Nós também
92 “Einsamkeit und Freiheit” (Solitude and Freedom).Wilhelm Von Humboldt, Ueber die innere und äubereOrganisation der höheren wissenschaftlichen Anstalten inBerlin, vol. X (Berlin: Preubischen Akademie derWissenschaften, 1903 [1810]), pp. 250ff.
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precisamos de tempo conosco mesmos parapensar sobre os problemas do mundo. Essasdeliberações individuais são pré-condições parauma boa deliberação inter-pessoal, o que, porsua vez, ajuda a clarear nossos própriospensamentos.Escolas têm um importante papel nodesenvolvimento de uma cultura deliberativa, nosentido de que as crianças aprendem a pensarsobre diferentes modos de resolver umproblema.93 Cedo em minha carreira, eu passeipor um treinamento como professor e ensinei porum tempo no ensino fundamental e médio.Baseado nessa experiência, eu tive grandesesperanças de que as escolas pudessem fazeruma maior contribuição ao desenvolvimento deuma cultura deliberativa na sociedade.Começando já no jardim de infância, estudantespodem ser ensinados a ouvir um ao outro comrespeito, para justificar seus argumentos,possibilitando também o uso de históriaspessoais, e estar aberto para produzir a força dosmelhores argumentos. Uma boa técnica deensino para desenvolver esses objetivos é teralguns estudantes para resolver tarefas nãosomente individualmente mas frequentementetambém em grupos pequenos. O desafio comesse tipo de grupo de trabalho é que algunsestudantes frequentemente dominam adiscussão enquanto outros ficam inertes. Um
93 Veja Special Issues on Delierative Democracy in HigherEducation, Journal of Public Deliberation 6 (1) (2010). Vejatambém Caroline Guibet Lafaye, “Faut-il éduquer à ladeliberation? », Archives de philosophie du droit 54 (2011),161-76.
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bom professor será capaz de remediar esseproblema mostrando aos estudantes que elesserão mais bem sucedidos em resolver suastarefas se todos participarem de um modoigualitário e sem constrangimento. Os gruposentão relatam seus resultados para a classe,onde eles são também discutidos. Essa discussãoem classe deve frequentemente ser organizadade um modo espontâneo sem intervenção peloprofessor, chamada de discussões livres deestudante. Novamente, temos um desafio,porque para falar numa discussão livre deestudante não é fácil para muitos estudantes quetalvez sejam muito tímidos ou lhes faltam asferramentas retóricas necessárias. Aqui,também, um bom professor pode criar umaatmosfera onde, talvez somente por um longoperíodo, estudantes se sintam confortáveisfalando para uma grande audiência. Se astécnicas de ensino de um grupo pequenofuncionam, se o grupo relata para uma grandeaudiência e as discussões livres dos estudantessão feitas de um modo sistemático do jardim deinfância à universidade, as competênciasdeliberativas chave podem ser desenvolvidas epodem ser então utilizadas quando participaremcomo cidadãos numa deliberação de assuntospolíticos. Um dado importante é que ascompetências deliberativas são tambémensinadas para crianças que não vão até aeducação superior. Essas crianças em muitoscasos não vem de famílias que têm a cultura dadeliberação, tanto que as escolas são a maisimportante promessa de trazer mais igualdade àdeliberação. Uma atenção especial deve-se ter
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também com as garotas que não são tímidaspara falar numa discussão em classe tanto quemais tarde como cidadãs elas serão tão ativasquanto os homens numa discussão deliberativa.Eu voltarei no último capítulo para a importânciadas escolas para o desenvolvimento de umacultura deliberativa.Enquanto essas técnicas de ensino podem seraplicadas em todos os campos, da matemática àhistória da arte, um desafio especial paradesenvolver a cultura deliberativa confronta osprofessores nas aulas cívicas. Eles devemapresentar para seus estudantes ambos os ladosda política, como um jogo de estratégia e poder ecomo uma respeitosa deliberação, sendo doismodos diferentes de interpretar o que acontecena política. Estudantes podem então discutir combase em estudos de casos políticos concretos, oque torna a interpretação mais plausível. Umbom professor pode fazê-los ter consciência deque uma resposta definitiva para essa questãofundamental da vida política não é possível. Aresposta sempre dependerá de uma perspectivafilosófica. O professor pode mostrar queMaquiavel e Kant, por exemplo, deram diferentesrespostas para o papel do poder e da moral napolítica. Nesse caso, os estudantes se tornamsofisticados em como a política pode serinterpretada. Para ajudar os professores cívicos aorientar seus ensinos nessa direção, umcompêndio cívico deve estar mais intimamenteligado à pesquisa de ciência políticacontemporâneas. Estudos de caso bemrealizados devem ser incluídos nos compêndios,preferencialmente estudos de caso que são
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interpretados sobre ambas as perspectivas, a dopoder e a deliberativa. Com esse tipo decompêndio como pano de fundo, as aulas decívica se tornariam mais interessantes do quesão tradicionalmente. Os estudantesaprenderiam que ambos, a persuasão e aargumentação são importantes na política e,como resultado desse tipo de ensino, iria formarcidadãos mais sofisticados que se sentemconfortáveis em participar de um mododeliberativo em discussões políticas. Elesaprenderam na escola que pensando e falandosobre assuntos políticos eles devem agir nãocomo consumidores, mas como cidadãos.Aprender esse tipo de atribuição cedo na vida émuito importante.94
A fim de ter uma participação de cidadãos commais igualdade e não constrangimento, deve-setambém desenvolver mais a ideia dosmini-públicos, das conferências cidadãs, ou sejaqual for o nome que nós quisermos usar para asdiscussões em grupo de cidadãos comuns. Dessemodo, tem que estar consciente de que osmini-públicos podem facilmente ser manipuladospela elite política para seu próprio propósito,bem como alguns teóricos como Erika Cellini,John Parkinson e Maija Setälä advertem. NaIntrodução, eu apresentei o esforço da região daToscana para trabalhar com mini-públicos paraengajar mais os cidadãos em processos políticos.Como ilustração, eu usei a cidade de Piombinoonde um grupo pequeno de cidadãos discutirama renovação da praça da cidade. A fim de94 Esse aspecto foi apontado pra mim pela Claudia Landwehr.
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analisar o valor desse tipo de mini-público para adeliberação, nós devemos distinguir entreprojetos em que os organizadores fazem umesforço especial para criar condições favoráveispara a deliberação e projetos em que não esforçoespecial foi feito. Exemplos de projetosanteriores estão em Fishkin´s DeliberativePolling, em que os moderadores instruem osparticipantes a seguir as regras básicas dedeliberação e intervir quando essas regras nãosão seguidas.95 Exemplos de projetos feitosposteriormente foram nossos própriosexperimentos na Colômbia, Bosnia-Herzegovina eBélgica, onde os moderadores somente deram ostópicos da discussão e então absteve-se dequaisquer outras instruções e intervenções.Ambas as abordagens têm mérito. Nós devemosestar conscientes, no entanto, que essas duasabordagens servem para diferentes propósitos.As pessoas que planejam trabalhar commini-públicos devem considerar cuidadosamentequal é o propósito que eles têm em mente. Se opropósito é puramente escolar, eu recomendoque os moderadores não deem instruções,abstenham-se das intervenções e deixem adiscussão fluir do jeito que for. Nessas condiçõesexperimentais, pode-se ver, por exemplo, quaisparticipantes não falam e quais sãodesrespeitosos. Se, por outro lado, o propósito deorganizar mini-públicos é desenvolver asferramentas deliberativas dos participantes, ébenéfico se os moderadores intervierem, de umjeito similar ao que os bons professoresdiscutiram acima. Intervenções dos moderadores95 Fishkin, When the People Speak.
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também são aconselháveis se o grupo dediscussão desejam chegar a recomendaçõespolíticas bem refletidas. Outra distinção no quediz respeito aos mini-públicos é suas localizaçõesmesmo em sociedades civis ou como parte deuma política formal de processo decisório. Essadistinção atravessa a distinção de se osmoderadores intervêm ou não. Combinandoessas duas distinções resulta nos quatro camposdo quadro abaixo.
6. Nos mini-públicos na sociedadecivil, os moderadores nãointervêm nas discussões
7. Nos mini-públicos na sociedadecivil, moderadores intervêm nas
discussões8. Mini-públicos como parte do
formal processo de decisãopolítica, os moderadores não
intervêm nas discussões
9. Mini-públicos como parte doformal processo de decisão
política, os moderadores nãointervêm nas discussões
Figura 1 – Mini-públicos pela locazição e o papeldo moderador
O mini-públicos do quadro A são organizados nasociedade civil e as discussões são flutuantessem intervenção dos moderadores. Esse tipo deexperimento permite um teste de hipótesessobre os antecedentes e as consequências devariação do nível de deliberação longe dequalquer processo formal de decisão política. Osmini-públicos do quadro B são úteis para treinaros participantes nas ferramentas deliberativas,servindo como uma continuação do treinorecebido na escola. Com o quadro C nóspodemos testar hipóteses sobre a influência dosmini-públicos no resultados políticos. Aqui, asdiscussões nos mini-públicos estão integradas no
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processo formal de decisão política. Pode-seinvestigar, por exemplo, se a influência dosmini-públicos é maior no processo de decisãoquanto antes ele é integrado. Ou pode-se testarse as influências dos mini-públicos dependem sesuas recomendações políticas são trazidas apúblico ou se elas são somente comunicadas aoresponsáveis pelas tomadas de decisões.O mais interessante, de uma perspectiva prática,mas também o mais problemático, são osmini-públicos do quadro D. Graças à orientaçãodada pelos moderadores, tais mini-públicospodem atingir um alto nível de deliberaçãopermitindo uma correspondente alta influêncianos resultados políticos. Mas há também oproblema da manipulação que discuti mais cedoneste capítulo. Políticos podem selecionarparticipantes para os mini-públicos de tal modoque suas recomendações correspondem aos seusdesejos e, além disso, moderadores podemdirecionar a discussão por um caminho favorávelpara os políticos. No meu ponto de vista, isso éde fato um perigo real. Mas não precisa sernecessariamente um problema maior. Hátambém casos positivos. Um bom exemplo sãoos mini-públicos na Itália, na cidade de Piombino,descritos na Introdução, que discutiram arenovação da praça da cidade. O pequeno grupode discussão fizeram esse trabalho antes dasautoridades da cidade terem desenvolvidoqualquer plano para a renovação. A discussão foiguiada pelo profissional de apoio do Autorità perla Partecipazione in Florence, a instituiçãoestadual para acompanhar de uma perspectivade pesquisa os vários mini-públicos na região da
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Toscana. A recomendação final dos mini-públicosem Piombino foi pegarem e implementarem emuma grande extensão, embora nãouniversalmente, pelas autoridades da cidade. Nomeu ponto de vista, o exemplo de Piombino deveser visto como um bom modelo para ser seguidoem outros lugares. Para David Friedrich, taismini-públicos como parte do processo formal dedecisão não são somente necessários em nívellocal mas também em nível europeu, o que paraele “significa estabelecer tais fóruns em umabase regular em diferentes lugares comdiferentes tópicos e estabelecer mecanismos querequerem as instituições da União Europeia parajustificar suas escolhas políticas à luz deresultados de fóruns deliberativos”.96
Quando se trabalhar com mini-públicos seja qualfor a forma, é importante que os participantessejam atraídos de modo aleatório, representandotanto quando for possível a grande população.Como Yves Sintomer mostra, o uso de uma partena política tem uma longa tradição que vemdesde a Grécia Antiga para a anterior Florança eVeneza Renascentistas.97 Assim, érevolucionariamente notável aplicar o sorteio aosmini-públicos contemporâneos. Isso já é feito embase ampla para a seleção do júri. Os
96 David Friedrich, “European Governance and the DEliberative Challenge”, artigo apresentado no ECPR General Conference, Reykjavik, Agosto 25-27, 2011, p.18.97 Yves Sintomer, “Random Selection, Republican Self-Government, and Deliberative Democracy”, Constellations 17 (2010), 472-87. Sobre aleatoriedade veja também Peter Stone, The Luck of the Draw: The Role of Lotteries in Decision-Making (New York: Oxford University Press, 2011).
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mini-públicos devem ser selecionados de modosimilar. Eu concordo com Sintomer quea boa deliberação precisa incluir vários pontos devista, tanto que o alcance dos argumentos podeser ampliado e as razões melhores balanceadas.Nessa linha de pensamento, mini-públicosaleatoriamente selecionados tendem a sermelhor do que o legado participativo baseado noenvolvimento voluntário ou organizado nasociedade civil porque eles repousam em umaseção transversal do povo e maximizam adiversidade epistêmica de sua deliberação. Issoé porque eles podem trazer algo valioso para oque é, de fato, um contexto de grandecomplexidade.98
Sintomer argumenta mais que “essesmini-públicos encarnam uma opiniãocontrafactual – o que o grande público podepensar se é possível verdadeiramente deliberar...a opinião contrafactual tende a ser mais razoáveldo que o maior debate público”.99 Assim, osmini-públicos não são esperados a dar umquadro representativo da opinião pública nãopreparada, mas no que a opinião pública podeser se ela for o resultado de uma deliberaçãocuidadosa. No capítulo final, sobre a prática dadeliberação, eu terei mais a dizer em como osmini-públicos podem ser parte de um processoformal de decisão e como tendem a terdificuldades do ponto de vista prático paraimplementar as regras da aleatoriedade.
Enfatizando a importância da participação de cidadãos comunsna deliberação política, não significa, claro, que outras formas de
98 Sintomer, “Random Selection”, 482.99 Sintomer, “Random Selection”, 482.
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participação política não são importantes. Eu concordo com osteóricos como Mansbridge e Parkinson que relataram na primeiraparte do capítulo, de que no nível sistêmico nem tudo pode oudeve ser deliberativo. O envolvimento dos cidadãos em políticanão significa eles serem somente deliberativos. Às vezes, aparticipação em protestos de rua e greves é a forma apropriadano sentido de ser ouvido. E, é claro, indo às urnas para eleiçõescompetitivas restam um elemento essencial em uma democraciadeliberativa. Negociação difícil é também parte da democraciadeliberativa, como são os votos agregativos no parlamento eoutras instituições. E sobre a posição de Rostboll de que oscidadãos devem ter uma liberdade negativa para não participarda deliberação e, por extensão, não participar de políticas?Relutantemente, eu concordo com essa posição, embora qualquerforma de democracia depende de muita divulgação daparticipação dos cidadãos. Mas se, por exemplo, um poeta é tãoenvolvido em sua arte que a política é mentalmente removida, eudeveria entender que tal poeta deveria ficar longe de qualquerenvolvimento político. Eu teria o mesmo entendimento de umapessoa sobrecarregada com problemas pessoais, por exemplocom uma doença terminal ou desempregado há muito tempo.Para ter certeza, nós devemos desenvolver uma norma forte paraa participação política e em particular para a deliberação política.Mas nós devemos também ser tolerantes com pessoas que sãoincapazes ou que não desejam seguir essas normas. Taistolerâncias mostram respeito pela autonomia individual etambém um elemento chave da democracia deliberativa.
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOPGCOM – ECA
GRUPO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO PÚBLICA E POLÍTICAPROFESSORA: Heloiza Matos e NobreALUNA: Patricia Guimarães Gil_____________________________________________________________________________Data do encontro para discussão do texto: 20/02/2013Tradução livre do capítulo 2 do livro Thefoundations of Deliberative Democracy :Empirical research and normative implications,de Jürg Steiner, Cambridge, 20.Capítulo 2: Rationality and stories indeliberative justification__________________________________________________
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RAZÃO E NARRATIVAS PESSOAIS EMJUSTIFICAÇÃO DELIBERATIVA
De acordo com a teoria deliberativa, argumentosprecisam ser justificados. Esta item da teoriaapresenta dois aspectos: a forma e a substânciada justificação. Este capítulo trata da forma, opróximo capítulo trata da substância. No queconcerne à forma, a questão-chave é se apenasargumentos racionais são permitidos nadeliberação ou se narrativas pessoais (“stories”)também podem ser utilizadas. * Controvérsias normativas na literatura
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Na versão habermasiana de deliberação,argumentos precisam ser justificados de maneiraracional, lógica e elaborada. Afirmações devemser introduzidas e criticadas a parir “da trocaordenada de informações e razões entre osenvolvidos”.100 Os argumentos devem contercaracterísticas intrínsecas que sejamconvincentes aos outros. 101 “Ação comunicativase refere ao processo de argumentação no qualas pessoas participam justificando a validade desuas demandas diante de uma ampla audiênciaidealizada.”102 Jürgen Habermas, uma referêncianormativa, exclui explicitamente as narrativas eimagens como justificação deliberativa.103 Noentanto, isso não significa, conforme apontaMichael A. Neblo , que Habermas exclua asnarrativas e imagens como uma questão práticaou considere tais discursos comonecessariamente inferiores. 104 Há umacontrovérsia na literatura filosófica em tornodesse foco habermasiano na racionalidade najustificação de argumentos. Teóricos como JaneMansbridge argumenta que testemunhospessoais deveriam ser considerados comojustificativas válidas. Ela justifica sua posição da
100 Jürgen Habermas, Direito e Democracia, 1992, p. 370. (edição alemã): “den geregelten Austausch von Informationen und Gründen zwischen Parteien.”101 Jürgen Habermas, Consciência Moral e Agir Comunicativo, 1983, p. 97. (edição alemã)102 Jürgen Habermas, Entre Facticidade e Norma, 1996, p. 322 (edição em inglês)103 Jürgen Habermas, Ach, Europa, 2008, p. 157104 Michael A. Neblo, Common Voices: Between Theory andPractice of Deliberative Democracy (não publicado – manuscrito).
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seguinte maneira: “Históricas (de vida) podemestabelecer credibilidade, criar empatia, edesencadear um senso de justiça, e todos estesaspectos contribuem direta ou indiretamentepara a justificação.”105
Um leitor anônimo de uma versão anterior destelivro critica a posição de Mansbridge em dar umpapel mais limitado das histórias pessoais nomodelo deliberativo: “Histórias devem sernecessárias para elaborar um tópico e expandiras fronteiras da inclusão e do reconhecimento.Mas histórias, cumprimentos, etc, não podemprove sozinhos uma justificação.” Esta tem sidorecentemente uma questão empírica que eu voudesenvolver na segunda seção deste capítulo: ses histórias são usadas com sucesso para justificarargumentos. Na seguinte citação, John S. Dryzekse alinha mais ao lado de Mansbridge naexpectativa de que histórias podem ser efetivasao induzir uma reflexão: “Em algumas questões(e.g. Habermas), o argumento racional é central,mas a deliberação pode estar aberta para umavariedade de formas de comunicação, como aretórica, o testemunho (o contar de históricas) eo humor. A comunicação política do mundo realgeralmente mistura essas formas diferentes decomunicação, e aquelas que não envolvem aargumentação podem ser efetivas ao induzir a
105 Jane Mansbridge com James Bohman, Simone Chambers, David Estlund, Andreas Follesdal, Archon Fung, Christina Lafont, Bernard Manin, and José Luis Marti, “The Place of Self-Interests and the Role of Power in DeliberativeDemocracy”, Journal of Political Philosophy 18 (2010), 64-100.
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reflexão.”106
Patrizia Nanz concorda com Dryzek que o modelodeliberativo deveria abrir espaço para ostestemunhos pessoais. Ela afirma que históriaspessoais também servem como justificação aoescrever que o debate público também deveriapermitir a expressão da identidade e da “voz”individual. Desta forma, a pessoa não apenasindicaria um tema na agenda do debate mastambém expressaria uma opinião. Maisespecificamente, Nanz argumenta:
Ao enfatizar as concepções do discursocrítico / racional, Habermas negligencia ofato de que a comunicação pública nãoconsiste numa argumentação voltada aoconsenso, mas envolve questões deinteresse individual, reconhecimento social ecultural, poder, prestígio, etc. A participaçãoem debates públicos não é apenas umaquestão de formulação de conteúdos, mastambém de capacidade de falar com a“própria voz”; portanto, ao mesmo tempohabilitando uma identidade sociocultural apartir de modelos expressivos específicos oude características retóricas.107
Michel E. Morrell acrescenta o argumento de quehistórias pessoais são válidas mesmo quandoelas não conduzem a um argumento:
106 John S. Dryzek, “Democratization as Deliberative Capacity Building”, Comparative Political Studies 42 (2009), 1381.107 Patrizia Nanz, Europolis: Constitutional Patriotism Beyond The Nation State (Manchester University Press, 2006), p. 36
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Se narrativas ou testemunhos provocam umaabertura as pessoas para as perspectivas deoutras, ainda que elas não concordem comtais perspectivas, então as narrativas e ostestemunhos podem ter uma funçãoimportante de esclarecer que as diferentescrenças das pessoas fazem parte dadeliberação. Por exemplo, aqueles que seopõem ao casamento entre pessoas domesmo sexo podem nunca concordar queisso deveria ser legalizado, mas eles podemadquirir um entendimento melhor sobre oque está em jogo nessa questão depois deouvir as narrativas de casais do mesmo sexoe as dificuldades que eles enfrentam nasociedade.108
Morrel acrescenta ainda que histórias pessoaistêm valor em si mesmas.109 Nessa linha, ele tomauma posição contrária a Dryzek, para quemhistórias pessoais são relevantes apenas para adeliberação se elas estão conectadas a temasgerais.110
Claudia Landwehr também é simpática ànarrativa de histórias, mas alerta que “nósdevemos ter cuidado ao considerar quanto nóspodemos incluir a retórica e as narrativas semdesistir do que é essencial para a deliberação:oferecer e aceitar razões.” Ela ainda enfatiza que“narrativas podem ser altamente manipuladas, eé difícil alcançar sua verdade. Mesmo que os
108 Michael E. Morrell, Empathy and Democracy: Feeling, Thinking, and Deliberation (University Park: Pennsylvania State University Press, 2010, p. 142)109 Idem, p. 168110 Dryzek, “Democratization as Deliberative Capacity Building.”
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contadores da história não estejam mentindo,podem exagerar e jogar com a emoção daaudiência.” Portanto, “pesquisas empíricas maisaprofundadas são necessárias para se apontarquais são os efeitos da narrativa de histórias, aquem beneficia se nós permitimos que elastenham um papel considerável nos discursos.” Eela lança a hipótese de que “aqueles que melhorargumentam também são melhores narradoresde histórias”.111 De forma semelhante, Kasper M.Hansen é crítico da inclusão da narrativa dehistórias como parte da deliberação. Ele afirmaque as histórias podem “ajudar a estabelecer umentendimento intersubjetivo da situação.Narrativas podem também provocar simpatia erevelar as fontes dos valores de um participante,o que poderá servir para explicar as premissasde sua opinião.” Mas como Landwehr, Hansenprevine que emotivas histórias pessoais podemser “fortemente manipuladoras.”112
Como nós vimos anteriormente, Dryzek tambémmenciona o humor como um elemento dajustificação deliberativa. Sammy Basu usa umartigo inteiro discutindo por que o humor ajudana deliberação. He vê o humor como umavirtude.113
O humor suspende o decoroprovisoriamente, conduzindo o pensamento
111 Comunicação pessoal, março 10, 2010.112 Kasper M. Hansen, Deliberative Democracy and Opinion Formation (Odensee: University Press of Southern Denmark, 2004), p. 121113 Sammy Basu, “Dialogic Ethics and the Virtue of The Humor”, Journal of Political Philosophy 7 (1999), 385.
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à liberdade para ouvir todos os lados. Elelibera a pessoa para suspendertemporariamente suas crenças maisprofundas e contemplar as implicações semtraição... O humor se alia a ambiguidades,contradições e parábolas naquilo que, deoutra forma, seria considerado apenasliteralmente... O humor mantém aberto oprocesso de busca de razões... o humor podeser um lubrificante social. Ele quebra o gelo epreenche silêncios constrangedores. Acomédia permite que a franqueza sejamenos ameaçadora.114
De forma contrastante, Habermas quer que adeliberação esteja livre do humor quando eleescreve que “brincadeiras, representaçõesficcionais, ironia, jogos, e daí por diante,pertencem à categoria das confusões usadasintencionalmente”.115 Então estamos de volta àinsistência habermasiana na racionalidade comoa única forma aceitável de justificar argumentosno modelo deliberativo. Esta posiçãohabermasiana é criticada de forma sistemáticapor Sharon R. Krause116. Começando por DavidHume, Krause afirma que Habermas e teóricoscomo ele colocam atenção demais naracionalidade, e essa atenção adicional deveriaser dada não apenas para as histórias mas parasentimento e paixão em geral. Ele argumentaque “a deliberação, como Hume a concebe, nãoé destituída de intelecto, mas envolve mais do
114 Idem, 385-92115 Citação em Basu, “Dialogic Ethics and the Virtue of Humor”, 398.116 Sharon R. Krause, Civil Passions: Moral Sentiment and Democratic Deliberation (Princeton University Press, 2008).
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que apenas intelecto. O processo da razãoprática é holístico, no qual cognição e afeto estãoprofundamente envolvidos(embaraçados/enrolados).”117 A partir dessaposição humeana, Krause critica Habermas nãose dá conta de que todas as razões têm tambémum elemento afetivo. “Ter uma concepção dobom, portanto, é ter uma ligação afetiva com eleou desejar realiza-lo; quando somos racionais,nós estamos também desejando.”118 De acordocom Krause, Habermas inclui muito mais afetoem seu conceito de racionalidade do que elequer reconhecer. Para demonstrar que aquelapura racionalidade é impossível, Krause refere-seà neurociência cita positivamente AntonioDamasio, cuja pesquisa sugere que “a estratégiafria advogada por Kant, entre outros, tem mais aver com a forma como pacientes com danosprefrontais decidem do que como normalmente ofazem as pessoas normais.”119
Krause não necessariamente defende maispaixão na política, uma vez que ela estáconsciente de que uma paixão descontroladapode ter conseqüências devastadoras. O pontodela é que deveríamos tratar a paixão comoparte da deliberação uma vez que ela possuiuma dimensão moral. “Expressões de sentimentopodem contribuir de formas válida para adeliberação pública mesmo que elas não tomemuma forma argumentativa explícita.”120 Krause vê
117 Idem, p. 103118 Ibidem, p. 30119 ___, p. 54120 ___, p. 118
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uma grande variedade de expressões emocionaiscom o potencial de ter uma dimensão moral. “Apermissão de testemunhos informais esimbólicos como tipos de expressõesdeliberativas por enriquecer a reflexão doscidadãos sobre temas públicos e assim melhorara deliberação pública. Tais expressões tambémsão tremendamente importantes para cultivarum sentimento moral.”121 Krause, no entanto,está ciente, que ela se dirige ao problema dealargamento conceitual ao incluir tantasemoções no conceito de deliberação: “Para tercerteza, é importante distingüir formasdeliberativas e não deliberativas de expressão.Nem toda expressão é deliberativa, e nóscorremos o risco de perder o poder da clareza deanálise se definirmos a categoria tãoabertamente.”122 Para contar à Krause comodeliberativo, atos emocionais devem“representar (a) esforços para mudar ideias esentimento do público sobre (b) algum temarelacionado à lei ou à política, e (c) com umavisão de justiça.”123 Krause sintetiza sua posiçãogeral da seguinte forma:
Nossas mentes são alteradas quando nossoscorações estão engajados (relacionados)...Nós não podemos ser ‘sem-paixão’,deliberadores ‘desengajados’ que nóspensamos que devemos ser, mesmo quandosomos bem sucedidos numa deliberaçãoimparcial. Se este livro contribuir para nossoentendimento básico sobre nós mesmos,
121 ___, p. 122122 Krause, Civil Passions..., p, 119123 Idem, p. 119
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nossas paixões refletidas, e nossas práticasdeliberativas, então terá cumprido com seupropósito. O que ele sugere é que qualqueriniciativa política tomada em nome da justiçaimparcial não deveria mirar para atranscendência mas para a civilização denossas paixões na vida pública.124
Hans Joan argumenta que há uma diferençaentre uma deliberação sobre valoresfundamentais e outra sobre normas sociais.125
Enquanto um discurso puramente racional podeser apropriado no debate sobre normas sociais,emoções e histórias pessoas são cruciais quandoos valores estão envolvidos.
Isso significa que nossa comunicação sobrevalores é orientada para a comunicaçãosobre sentimentos e experiências demaneiras diferentes em relação ao discursoracional... Nós não podemos tornar plausíveise defender nossos comprometimentos devalores sem contar históricas – históriassobre experiências a partir das quais essescompromissos foram formados, sobre asexperiências de outras pessoas ou sobre asconsequências da violação de que nossosvalores podem ter sofrido no passado.Narrativas biográficas e históricas, nestesentido, não são apenas uma ilustração parapropósitos didáticos, mas necessariamenteparte do nosso autoentendimento e para anossa comunicação sobre valores.126
124 Ibidem, p. 125, 203.125 Hans Joan, “Values versus Norms: A Pragmatist Account of Moral Objectivity, “The Hedgehog Review: Critical Reflections on Contemporary Culture 3 (2001), 42-56126 Idem, p. 55
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For Susan Bickford, emoções também são umaimportante parte da modelo deliberativo quandoela escreve que “conhecer as emoções daspessoas ... é conhecer algo sobre como secomunicar com elas.”127 O ponto crucial doargumento dela é que é importante como nósfalamos sobre emoções.
[Como nós fazemos isso] é uma dasmaneiras centrais pelas quais as pessoasnegociam e disputam sentido e valor nacomunicação política... Expressõesemocionais são interpretadas, confrontadas,fazendo sentido para nós mesmos e para osoutros num contexto de diferença, conflito edesigualdade. Este contexto ainda oferecediversas molduras interpretativas – formasde conversação – sobre emoção... Estasdiversas molduras nos levam a entender aemoção de uma forma ou de outra, e essacompreensão tem abrangentes efeitos emnossa habilidade de comunicardemocraticamente.128
Estas reflexões de Bickford são de interesseparticular quando nós queremos estudarempiricamente o efeito das emoções numadiscussão política. Não é mais necessário seestender na investigação da influência dasemoções per se. Em vez disso, deve-se investigarcomo emoções são interpretadas em contextosparticulares. Como exemplo, Bickford cita que aexpressão feminina de raiva é frequentemente127 Susan Bickford, “Emotional Talk and Political Judgment”,Journal of Politics 73 (2011), 1024-37128 Bickford, Emotion Talk and Political Judgment, 1029, 1032.
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interpretada como histeria, o que não acontecequando os homens expressam raiva.
Gary Mucciaroni e Paul J. Quirk trazem aindaoutra controvérsia à literatura sobre justificação.Eles argumentam que os processos de decisãopolítica devem ser conduzidos de formainteligente e que isso não depende de quantoeste processo atende aos critérios da lógicaformal. Eles querem comparar as reivindicaçõesdos legisladores “da melhor evidência empírica eanálise relacionadas àquelas exigências deestudiosos, pesquisadores, consultores e outrosexperts que estavam disponíveis aos legisladoresno momento em que houve o debate.” Nósconsideramos que as reivindicações são maisrealistas ou pelo menos mais defensáveis quandoelas são consistentes com as evidências de umaopinião informada.” Mucciaroni e Quirk “nãoacreditam que experts estão sempre corretos ouque legisladores eleitos democraticamentedeveriam adotar os pontos de vista dos experts,dispensando aqueles de seus eleitores, mas nósconsideramos que, na maior parte das vezes, adeliberação será melhor informada e servirá auma melhor política pública se os legisladoresseguirem aqueles que são, presumivelmente, osmais entendidos sobre um determinado tema.”129
Com essa visão de boa justificação, Mucciaroni eQuirk argumentam que não é suficiente existirlógicas vinculações entre razões e opiniões;
129 Garry Mucciaroni e Paul J. Quirk, “Rethoric and Reality: Going Beyond Discourse Ethics in Assessing Legislative Deliberation”, Legisprudence: International Journal for the Study of Legislation 4 (2010), 42.
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esses vínculos devem ser sustentados tambémpor sólidas pesquisas empíricas. Com essaabordagem, eles vão além da noçãohabermasiana de racionalidade ao adicionar umaspecto substantivo. Mucciaroni e Quirk aplicamsua perspectiva sobre o Congressonorte-americano e apresentam o resultado deque “ o debate no Congresso incluía umasignificativa parcela de distorção, informaçõesequivocadas e claramente falseadas”. Eles“concluíram como particularmentedesencorajador que os legisladorespersistentemente incorriam em incoerênciasmesmo depois de terem sido corrigidos múltiplasvezes”130
Bernard Reber segue a linha de raciocínio deMucciaroni e Quirk ao enfatizar a importância dapesquisa acadêmica para a deliberação,particularmente quanto se refere a projetostecnológicos com consequências de longo prazo.De acordo com Reber, a deliberação é mais útilquando a pesquisa científica mostra as grandesincertezas sobre o que acontecerá no futurodistante. A deliberação não deveria ser limitadaa situações onde os fatos estão estabelecidos;isso é particularmente adequado para situaçõesque envolvem grandes incertezas.131 Portanto, adiscussão não deveria ser limitada a alternativaspossíveis porque algumas alternativas podem serconsideradas impossíveis por alguns e possíveispor outros. A viabilidade de alternativas deveria
130 Idem, p. 49131 Bernard Reber, “Argumenter et délibérer entre éthique et politique”, Archives de Philosophie 74 (2011), 292-3.
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ser deliberada.132
Finalmente, alguém pode considerar quequalquer justificação pode servir para razõespuramente estratégicas. Giovan FranescoLanzara nos chama a atenção para estapossibilidade quando ele escreve quejustificações particulares podem ser usadas deforma instrumental na competição por poder.133
Todas essas controvérsias na literaturanormativa sobre que tipos de justificação sãomelhores para a deliberação pedem por estudosempíricos, para os quais nós agora nos voltamos.
* Resultados empíricos
Revisão da literatura
Para racionalidade e para histórias pessoaiscomo justificações deliberativas, a revisão deliteratura trouxe um rico apanhado de estudosempíricos úteis. Deixe-me começar por nossaprévia investigação sobre os debatesparlamentares na Alemanha, Suíça, Reino Unidoe Estados Unidos.134 Naquele momento, nósainda não incluíamos histórias pessoais, mas nos132 Idem, p. 293133 Giovan Francesco Lanzara, “La deliberazione como indagine publicca”, in Luigi Pellizzoni (ed.), La deliberazionepubblica (Rome: Meltemi editore, 2005), p. 55.134 Jürg Steiner, André Bächtinger, Markus Spörndli, and Marco R. Steenbergen, Deliberative Politics in Action: Analysing Parliamentary Discourse (Cambridge University Press, 2005), pp. 98-137
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apoiávamos na justificação racionalhabermasiana. Por conseguinte, nosso Índice deQualidade do Discurso (IQD) definiu como nívelsofisticado de justificação uma certacomplexidade no sentido de que um argumentoé justificado com mais do que uma razão e quetrês razões são logicamente associadas com umresultado postulado. O resultado maisimpressionante foi a grande diferença entresessões plenárias aos olhos públicos e reuniõesde comitê a portas fechadas. Nós analisamos3.086 discursos em 52 debates. Nos debatesplenários, 76% dos discursos revelaram umajustificação sofisticada; nas reuniões de comitês,apenas 30%. Se nós reduzimos o nível decomplexidade requerida, permitindo tambémargumentos com apenas uma razão desde queesta razão esteja logicamente relacionada aoresultado postulado, 88% dos discursos emsessões plenárias e 60% nos comitês atendem aeste critério menos exigente. Assim, a diferençaainda permanece entre reuniões públicas e nãopúblicas. Em que sentido essa verificaçãocorresponde ao postulado da racionalidade deHabermas? Discussões em reuniões de comitê aportas fechadas se distanciaram do modelohabermasiano ideal. Robert E. Goodin apresentauma boa explicação porque isso ocorre:
No discurso ordinário, nós geralmentepresumimos que os outros são como nósmesmos. Nós simplesmente pontuamosnossos argumentos, esperando que os outrosconcordem em vez de reinterpretá-los. Nósfalamos principalmente em termos deconclusões, oferecendo uma discussão
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comum apenas esboçando rápidosargumentos para descrever nosso raciocínioacerca daquelas conclusões. Nós agimosassim precisamente para dispensar umarediscussão sobre a questão.135
Se nós aplicarmos essa explicação para asreuniões de comitês parlamentares a portasfechadas, alguém poderia então dizer que seusmembros estão engajados numa discussãocomum de maneira que eles possam indicar osatalhos descritos por Godin. E os debates nassessões plenárias abertas ao público? Eles têmcaracterísticas intrínsecas que os compelem aosoutros, como demanda Habermas? Alguémpoderia dizer que houve “um processo deargumentação no qual os participantes justificama validade de suas demandas diante de umaaudiência idealmente mais ampla”136, para usaras palavras de Habermas? Na nossainterpretação, nós apenas avaliamos se osargumentos contendo elos lógicos ligando razõesao resultado postulado. Nós não avaliamos, noentanto, quão boas essas razões eram. Por quenão avaliamos também o rigor lógico dosargumentos? Esta não seria uma tarefaimpossível mas envolveria grandes problemasde medição, de maneira que naquele momentonós desistimos de entrar no campo damensuração da qualidade lógica dos argumentos.Isso significa que podemos dizer apenas que nasseções plenárias a esmagadora maioria dos
135 Robert E. Goodin, Talking Politcs: Perils and Promise, “European Journal of Political Research 45 (2006), 253.136 Habermas, Consciência Moral e Agir Comunicativo, p. 97(edição alemã, 1983)
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discursos continha alguma argumentaçãoracional enquanto apenas poucos casos nãoofereciam qualquer justificação argumento.
Apesar de nosso IQD inicial não incluir históriaspessoais como formas de justificar argumentos,Bächtiger et al. Retomaram os dados einvestigaram histórias em dois debates na Suíça– um sobre a discussão de um artigo daConstituição, o outro sobre projeto de lei.137 Nadiscussão sobre o artigo, 30% do discurso emsessões plenárias continham histórias pessoais,ante 19% nas reuniões de comitês. Esses dadosindicam que o ato de contar histórias depende dotema em discussão. Temas mais familiaresestimulam mais histórias pessoais do queaqueles que possuem mais aspectos técnicos dotrabalho legal. Também é possível notar quehistórias pessoais são mais frequentes na arenapública das sessões plenárias do que atrás deportas fechadas nas reuniões de comitês. Aexplicação para isso pode ser o fato de quehistórias pessoais são particularmente úteis paraapresentar um argumento aos votantes “apartir” das janelas do prédio parlamentar(tradução nossa – argumento da vida real,próxima à realidade das pessoas e não inseridoexclusivamente no próprio ambiente burocráticoparlamentar). Outro resultado da análise daBächtiger et al é que histórias pessoais são maiscomuns no início dos processos decisórios. Esse
137 André Bächtiger, Susumu Shikano, Seraina Pedrini, and Mirjam Ryser, Measuring Deliberation: Standards, Discourse Types and Sequencialization, paper apresentado no ECPR General Conferece, Potsdam, Setembro, 2009.
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foi um fato na discussão sobre o artigoconstitucional em duas sessões plenárias: 34%das histórias pessoais foram contadas naprimeira sessão, caindo para 22% na segundasessão. O comitê teve oito reuniões, com umnúmero de histórias pessoais involuindo de 33%para 29, 20, 17, 0, 5, 7 e 8%. Para a discussão doprojeto de lei, com seu baixo número de históriaspessoais, este padrão foi menos claro.
Usando uma versão mais expandida do nossoIQD, Dionysia Tamvaki e Christopher Lordinvestigaram 32 sessões plenárias do ParlamentoEuropeu no período de 2004 a 2009.138
Comparadas com sessões plenárias em nossosparlamentos nacionais, justificações sofisticadasocorreram menos do que no ParlamentoEuropeu: 17% conta 76% nos parlamentosnacionais. Se nós reduzirmos o nível decomplexidade requerida, incluindo argumentoscom apenas uma razão desde que esta razãoesteja logicamente vinculada ao resultado finalda discussão, 58% preenchiam essa requisito noParlamento Europeu, e 88% nos parlamentosnacionais. Esses 58% do parlamento europeu sãocomparáveis com as reuniões de comitê nosparlamentos nacionais, onde esse casorepresentava 60%. Por que os debates noParlamento Europeu, no que se refere àjustificação, seriam mais similares às reuniões de
138 Dionysia Tamvaki e Christopher Lord, The Content and Quality of Representation in teh European Assembly: Towards Building and Updated Discourse Quality Index at the EU Level, paper apresentado na IPSA International Conference, Luxemburgo, Março 18-20, 2010
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comitês do que às sessões plenárias nosparlamentos nacionais? Pode-se especular que assessões plenárias do Parlamento Europeu obtêmmenos atenção pública, então seus membros“pegam atalhos” em suas justificações,semelhantemente ao que acontece nas reuniõesde comitê nos parlamentos nacionais.
Ao atentar para os debates parlamentares emquatro democracias ocidentais da UniãoEuropeia, eu me volto agora para o nível doscidadãos comuns. Quão racionais são osargumentos políticos e em que medida elescontam com histórias pessoais para suportarseus pontos de vida? Há evidências empíricas deque cidadãos comuns usam recorrentemente ashistórias pessoais para ancorar seus argumentos.Isso depende, no entanto, do tema em discussão.Eu comecei uma pesquisa em que a narração dehistórias não era tão destacada. FrancescaPolletta e John Lee estudaram a discussão onlinede cidadãos de Nova York sobre a reconstruçãodo local do World Trade Center.139 Em um fórummantido pelas autoridades ligadas àreconstrução e por organizações civis, osparticipantes eram demandados a comentarsobre alojamento, transporte, desenvolvimentoeconômico, e um memorial para as vítimas dodesastre. Havia 26 grupos participando do fórumonline. Os participantes se cadastrarampreviamente e podiam portar suas opiniõesapenas em seu próprio grupo. Polletta e Lee
139 Francesca Polletta e John Lee, Is telling Stories Good for Democacy? Rethoric in Public Deliberation after 9/11, American Sociological Review 71 (2006), 699-723
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escolheram 12 desses grupos para o estudo. Emgeral, as pessoas estavam mais impelidas aavançar em suas opiniões com a apresentaçãode razões do que com histórias pessoais. Asdemandas sustentadas em narrativas pessoaisrepresentaram apenas 11%. As mulheresapresentaram mais suas histórias do que oshomens. Não houve variações na narração dehistórias conforme o perfil de renda, raça eeducação. Polletta e Lee queriam saber: “Querespostas as narrativas pessoais provocam secomparadas às razões? As histórias de vidaadotam ou impedem a livre troca, a flexibilidadeda agenda, o acordo não coercitivo que são asmarcas da boa deliberação?”140 Os resultadosmostraram que a “comparada às falas nãonarradas, a demanda narrada demandou trêsvezes mais resposta de concordância oudiscordância, pedidos de esclarecimento oumelhor elaboração, dúvidas sobre ageneralização da demanda ou relevância,corroboração, ou alegada baixa interpretação.”141
Polletta e Lee concluíram que “a narração dehistórias é capaz de obter uma audiênciacompreensiva para posições improváveis deconquistar essa compreensão de uma outramaneira. .. Essas afirmações são especialmenteimportantes para grupos em desvantagem demaneira que suas perspectivas são maisprováveis de se manter na periferia e não nocentro do debate político.”142 De forma mais
140 Idem, p. 705141 Ibidem, p. 714142 Polletta e Lee, Is Telling Stories Good for Democracy?, p.718
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geral, Polletta e Lee argumentam que
A criação de histórias de uma realidadealternativa torna-as possíveis de seremidentificadas com histórias muito distintasdaquelas da audiência enquanto aindareconhecem aquelas experiências. Adependência das histórias de um certoinventário cultural capacita os contadores aseguir com seu enredo, relacionando pontosde vista, dentro de um modelo familiar ecanônico da contação de histórias. Aabertura das histórias à interpretaçãoencoraja os contadores e os ouvintes acolaborar no esboço das experiênciaspessoais... histórias podem ser efetivas àmedida que suas conclusões normativas sãoambíguas. A abertura das histórias àinterpretação torna possível aosdeliberadores sugerir compromissos comsuas posições sem antagonizar com osdemais participantes da deliberação.143
Estas são questões fortes para a colaboração dashistórias a favor da boa deliberação. A pesquisade Polletta e Lee tem particular importância nofato de demonstrar que a narração de históriasauxilia grupos em desvantagem social, uma vezque a desigualdade é ouvida como ingredientecentral da boa deliberação.
Jennifer Stromer-Galley relata outra discussãoonline em que ela põe atenção à narrativa dehistórias.144 A base para o estudo dela foi o
143 Idem, p. 718144 Jennifer Stromer-Galley, Measuring Deliberation´s Content: A Coding Sheme, Journal of Public Deliberation 3 (2007), 1-35
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Virtual Agora Project da Carnegie MellonUniversity em Pittsbugh, que trouxe moradorespara discutir, em pequenos grupos, problemasdas escolas públicas da cidade. Maisespecificamente, o problema em questão era oque fazer com as escolas “subutilizadas”(tradução nossa – com capacidade ociosa).145 Osparticipantes se registraram em 23 grupos dediscussão online. Nesse contexto, a narração dehistórias foi muito mais frequência do que noestudo em Nova York sobre como reconstruir olocal do World Trade Center. De fato, no estudode Pittsburgh, “anedotas pessoais eram maisusadas frequentemente... Participantes emdeliberação usavam principalmente suasexperiências pessoais como base para arazão.”146 Cerca de 33% de todos os argumentosforam sustentados por histórias pessoais.Quando participantes davam alguma razão nãopessoal, eles confiavam especialmente nainformação oferecida pelos grupos ou pela mídia.Por que as histórias pessoais eram maisfrequentes em Pittsburgh do que em Nova York?Uma razão óbvia é que experiências pessoaiscom escolas são muito mais comuns do queexperiência relacionada ao tema da reconstruçãodo local do World Trade Center. De forma crítica,Stromer-Galley identifica “uma grandequantidade de assuntos fora da pauta
145 O projeto de pesquisa incluiu também discussões face-a-face mas, como o equipamento estava funcionamento mal, as discussões não foram gravadas.146 Stromer-Galley, Measuring Deliberaritive Content, p. 15, 19
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especificada.”147 Pode-se facilmente imaginarque histórias pessoas nem sempre estavamestritamente relacionadas ao foco do assuntosobre o que fazer com escolas “subutilizadas”.Essa conversa fora do foco específico devenecessariamente ser tratada como um aspectonegativo, como Stromer-Galley avalia? Comovimos acima, Polletta e Lee têm uma visãodiferente ao considerar que a natureza ambíguadas narrativas pessoais colaboram para adeliberação à medida que reduz o risco darivalidade entre os participantes da deliberação.A partir desta perspectiva, alguém pode contaruma história engraçada sobre seus tempos deestudante que tem pouco ou nada a ver com otema da subutilização das escolas, mas ajuda atornar a atmosfera de debate leve. Estashistórias fora do tópico específico de discussãorepresentam uma perda de tempo desnecessáriae danosa ou facilitam uma deliberação nasdiscussões posteriores? Essa é uma questãointeressante a ponderar quando eu retomarminhas conclusões normativas na última seçãodeste capítulo.
Elzbieta Wesolowska aponta a função danarrativa de históricas para a boa deliberação emum estudo sobre pais poloneses de crianças emidade escolar, que discutiam questão daeducação sexual nas escolar.148 Esse é mais umtema aberto à narrativa de histórias pessoais.
147 Idem, p. 19148 Elzbieta Wesolowska, Social Processes of Antagonism and Synergy in Deliberating Groups, Swiss Political Science Review 13 (2007), 663-80.
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Esse foi um caso particular de um grupo formadoapenas por mulheres. Para essas situações,Wesolowska sintetiza suas conclusões naseguinte citação:
Experiências e emoções pessoais que asacompanhavam eram compartilhadas. Essasexperiências incluíam a descoberta dasexualidade individual quando jovens edepois, na maternidade. Mulheres contavamumas às outras sobre suas ansiedades,curiosidades, esperanças e outrossentimentos que acompanhavam suasexperiências, comunicando-asfrequentemente enquanto narravam suashistórias. As protagonistas principais nessashistórias sempre disputam entre si. Algumasdessas histórias eram muito pessoais eíntimas. Muitas vezes uma história contadapor uma pessoa era seguida por outrahistória similar contada por outra mulher.Assim, uma espécie de “corrente dehistórias” foi observada. Participantesexpressavam seus conhecimentos,sentimentos e convicções numa forma fácilde serem entendidos e memorizáveis,concluindo suas histórias comrecomendações práticas referentespropriamente à educação sexual nasescolas.149
Wesolowska conclui de sua investigação que“uma deliberação efetiva não demanda umatroca argumentativa racional... O modo narrativode comunicação, onde valores, experiências econhecimentos são transmitidos na forma denarrativa e histórias, conduzem ao
149 Idem, p. 674
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entendimento.”150
Marli Huijer oferece outro conjunto deinformações para demonstrar os efeitosbenéficos da narrativa de histórias nadeliberação.151 Ela estudou um debate político naHolanda sobre “seleção embrionária para parahereditariedade de câncer de mama”(pré-implantação de diagnóstico genético, PDG).Em 26 de maio de 2008, o secretário de saúde dopartido trabalhista anunciou que a seleçãoembrionária para a hereditariedade do câncer demama seria permitido daquele momento emdiante. O argumento ressaltou o tema daautonomia do paciente de forma que mulheresportadoras de sérias doenças hereditáriaspoderiam se poiar na opção PDG para protegerseus filhos. Esse argumento enfrentada aoposição do Partido Cristão Reformado, quealertava para uma “ladeira escorregadia”: umavez que estamos geneticamente arriscados aalgo, no final essa decisão poderia ser usadopara todos os tipos de possíveis doençashereditárias. A boa saúde não poderia (segundotal argumento) ser usada como prioridadesuperior do que a própria vida humana. Nocomeço do debate, as duas posições seconfrontavam duramente, não deixando espaçopara algum entendimento. Então as pessoascomuns com casos hereditários de câncer demama em suas famílias começaram a contar
150 Ibidem, p. 676151 Marli Juijer, Storytelling to Enrich the Democratic Debate: The Dutch Discussion on Embryo Selection for Hereditary Breast Cancer, BioSocieties 4 (2009), 223-38
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suas histórias na mídia, assumindo posições nosdois lados da questão. Huijer caracteriza essashistórias da seguinte forma:
Em vez de oferecer simples respostas, [ashistórias] enfatizavam a complexidade moralda situação. Um enredo claro estavafaltando. Além disso, o estilo delas ao falarera mais emocional e menos retórico; estavamais voltado a conquistar a compreensãodos outros do que persuadi-los... [ashistórias] eram mais ambíguas do que as dospolíticos ... As histórias tinham o poder decomplementar e abrir os argumentos usadosna discussão sobre PDG.152
A análise de Huijer identifica um efeito fortedessas histórias no debate em meio aos políticos:
Ao final, depois de ouvir às históriasambíguas de homens e mulheres queexperimentaram diretamente a angústia deviver com câncer de mama hereditário, aforma “direta” e “objetiva” em que o PartidoTrabalhista e o Partido Cristão Reformadocomeçaram sua discussão público sobre PDGsobre câncer de mama hereditário foientendida como desrespeitosa. As históriasajudaram a transformar a esfera pública,onde políticos e o público em geral atuam efalam, dentro de um espaço em que pessoaseram preparadas a ouvir umas às outras ealcançar entendimento recíproco.153
Este entendimento envolvia uma soluçãocompromissada com a qual ambos os partidos
152 Huijer, Storytelling to Enrich the Democratic Debate, p. 234153 Idem, p. 236
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poderiam viver: “toda demanda por PDG deveser avaliada separadamente. Assistidos por umaequipe multidisciplinar de especialistas, em cadacaso o paciente e o médico devem considerar aseveridade e a natureza da doença, as opções detratamento, outros critérios médicos e os fatorespsicológicos e morais.”154 Huijer conclui em suapesquisa que “mais do que qualquer argumentoracional, as histórias pessoais dos portadores dadoença demonstram a complexidade moral dasituação. Numa democracia, onde a maioria doslíderes políticos e dos cidadãos privadospreferem posições sintetizadas à ambiguidade,esta é uma grande conquista.”155
Como Nevin T. Aiken registra, a narração dehistórias pessoais tem tido também umainfluência positiva na profundamente divididaIrlanda do Norte156. Ele estudou grupos emcomunidades locais engajados em programaselaborados para incentivar o contato e o diálogocomunitário.157
Tais diálogos tendiam a tomar forma de umacuidadosos fóruns mediados por narrativasna qual um número pequeno de nacionalistase defensores da união do país se juntarampara partilhar suas experiências pessoais deconflitos no passado e ouvir às históriascontadas pela outra comunidade ... tal
154 Ibidem, p. 235155 Ibidem, p. 237156 Nevin T. Aiken, Learning to Live Together: Transitional Justice and Intergroup Reconciliation in Northern Ireland, em International Journal of Transitional Justice 4 (2010), 166-88157 Idem, p. 184
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processo pode ser essencial para areconciliação uma vez que ele permite queas pessoas tenham a chance de olhar alémde suas posições políticas e seusestereótipos para individualizar e humanizaro “Outro” ... A narração de histórias podeconduzir não apenas a uma melhor boavontade de reconciliar-se no presente mastambém a um entendimento mais empáticoe ponderado do passado.158
De maneira contrária, Aiken avalia que anarração de histórias dentro do contexto de umainvestigação legal pode até inflamar tensõesintercomunitárias. “Um dos mais proeminentesdesses casos se deu em 1998, quando o primeiroministro britânico Tony Blair decidiu estabeleceruma investigação judicial independente sobre osacontecimentos do “Domingo Sangrento”,incidente em que 14 católicos foram mortos porsoldados britânicos em 30 de janeiro de 1972 nacidade de Derry.”159
Para vários membros daquelas famílias quese apresentaram para dar seu testemunho, oadverso processo de avaliação cruzada peloaadvogados do governo durante ainvestigação provocaram uma experiênciamais antagônica do que de catarse ... Ainvestigação serviu para inflamar e nãoreduzir as tensões entre as comunidades ...Não foi uma boa maneira de construirmelhores relações entre comunidades – naverdade, foi bem conflitivo.160
158 Idem, p. 185-6159 Ibidem, p. 178160 Ibidem, p. 178
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Com sua investigação sobre narração de históriana Irlanda do Norte, Aiken apontou o importanteaspecto de que o efeito das narrativas para areconciliação entre comunidades depende, emgrande medida, do contexto em que as históriassão contadas. Parece que quanto mais informal eespontâneo é o contexto, mais probabilidade anarração de histórias tem de produzir um efeitopositivo. Esta revisão da literatura oferece umrico panorama do papel da narração de históriaspessoais, de maneira que eu terei uma sólidabase na seção anterior para dizer algo sobre ascontrovérsias normativas relacionadas àsnarrativas no modelo deliberativo apresentadona primeira seção.
Novos dados em experimentosdeliberativos161
Diferentemente de nossa pesquisa anterior sobredebates parlamentares, agora nós tambémincluímos histórias pessoais em nosso IQD. Comojá vimos neste capítulo, nem todas as históriastêm caráter deliberativo. É difícil, no entanto,distinguir das histórias de forma confiável eviável em categorias deliberativas e nãodeliberativas. Dessa forma, por enquanto nósainda não codificamos as histórias nessa base,161 Para o “desenho” das pesquisas, ver a Introdução, Seção (b)
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mas preferimos uma análise qualitativa. Eucomeço com uma análise qualitativa feita porMaria Clara Jaramillo num experimento comex-combatentes na Colômbia. Ela observou adinâmica interna de como as discussões sedesenvolveram nos experimentos. Ela estaespecialmente interessada em avaliar se asdiscussões passaram por momentostransformativos quanto se tornaram maisdeliberativas. Um bom exemplo dessatransformação baseada numa história pessoalocorreu num experimento com 17 participantestanto do grupo de ex-integrantes de guerrilhasde esquerda quanto dos ex-integrantes dasorganizações paralimitares de direita. Numprimeiro momento, os dois lados falaram um como outro, sem demonstrar reação ao queinterlocutores anteriores haviam dito. Umapré-condição necessária para qualquerdeliberação é que exista o diálogo e que osparticipantes se engagem uns com os outros.Quando os participantes falam apenas de formamonológica, não se pode falar em deliberação.Neste experimento em particular, a mudança deum status monológico para o dialógico ocorreuquando o sexto participante , Javier, queapresentou uma história pessoal sobre por queele se integrou às guerrilhas.162 Para se ter umaboa ideia do que ele disse, apresento a históriacompleta163:
Eu terminei o ensino médio em 2002. Sou de
162 Nomes nesta seção foram trocados163 Tradução do espanhol por Maria Clara Jaramillo
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Valle del Cauca164. Meu pai era um motoristade caminhão. Eu costumava gostar de ficarem torno dele. Como ele bebia muito, deuuma vida muito ruim para a minha mãe. Euentão decidi seguir o meu próprio caminho.Consegui algum dinheiro e fui para Meta.165
Em Meta eu me saí bem. Aprendi a dirigirquando tinha 13 anos de idade, com meupai. Ele me ensinou. Em Meta, eu encontreiemprego dirigindo um carro. Esta foi aprimeira vez em que entrei numa área deguerrilha. A primeira vez em que vi aspessoas da guerrilha, fiquei muito assustado.Eles me perguntaram por que eu estava tãoassustado e me disseram pra não mepreocupar. Me disseram pra me juntar àorganização. Este foi o cara que morreudepois. O nome dele era Osmar. Ele memostrou um pequeno aparelho e umcomputador e me pediu para localizar ondenós estávamos. Como eu apontei o lugarexato em que estávamos em Meta, ele medisse que eu era esperto e que eu poderiaser útil pra eles. Eu disse que tinha medo dearmas de fogo. Ele me prometeu que eupoderia crescer na vida se me juntasse aeles. Eu não sei. Eu pensei que era algo bome disse a ele que pensaria sobre o assunto.Depois disso, ele faria contato comigo a cada20 dias. Ele me mandava uma garota, umgaroto ou ele mesmo vinha. Eu iafrequentemente ao campo deles para falarcom ele. Ele falava bastante comigo sobrepolítica. Ele tinha vários livros. Um dia, nóschegamos num lugar e Osmar tinha morrido.Havia outra pessoa no comando. Eu tenteificar à distância, para me distanciar deles,
164 Valle del Cauca é uma das 30 divisões políticas da Colômbia, localizada a sudoeste de Bogotá165 Outra Departamento na Colômbia, localizado a leste de Bogotá e com grande presença de guerrilhas
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mas eles continuaram me chamando ,tentando me convencer a me juntar a eles.Eu respondi que não gostava daquilo e quetinha medo de armas de fogo. Ele meperguntou se eu não gostaria de vir a Bogotáe estudar. Eu estudei por um semestre, masentão tive que parar porque uma garota deoutra frente da FARC, que também estava dauniversidade, foi presa. Eu então me integreiao exército regular colombiano, onde eutinha que ver tantas coisas. Eles tehumilham, te maltratam. A vida no exército éterrível . É como uma vida de cachorro. Eupensei que na guerrilha eles nunca tetratariam tão mal como no exército. Elesnunca te bateriam com um pau ou techutariam. Isso não é o que a vidarealmente deveria ser.
A história de Javier de como ele se integrou àsguerrilhas não parece ter um ponto em comumcom o tópico em discussão no qual osparticipantes se inscreveram no experimento.Quando ele conta sua história, ele não avançaem argumentos de maneira a definir o conflitocolombiano ou para apontar alguma solução. Elecomeça com a história dele distante, numprocesso que pode ser interpretado como a“marcação” de sua identidade; ele nos contaquem ele é, onde nasceu, o tipo de família quetinha, a relação que tinha com a mãe e com opai. Então ele nos conduz a sua rota pessoadentro da guerrilha da FARC. Ele nos diz comoencontrou primeiro as pessoas da guerrilha,como decidiu de integrar. O próximo participantea falar foi Fernando, e ele foi o primeiro a sedirigir ao interlocutor anterior. Ele perguntou aJavier como sua história pessoal estava
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relacionada à discussão sobre o futuro daColômbia. Fernando fez essa pergunta de formarespeitosa, mostrando interesse genuíno nasrazões pelas quais Javier contou sua históriapessoal ao grupo. Javier tentou responder, masobviamente ficou surpreso com a pergunta emurmurou que “as pessoas na Colômbia sãomuito, muito inteligentes, muito importantes,merecem um grande feito e que a Colômbia éum país muito rico.” Essa resposta dificilmenteresponde à questão do porquê de sua integraçãoà FARC; ele não estava fazendo uma conexãológica entre o fato de existir pessoas inteligentese na Colômbia e merecedoras de algo e adecisão de se unir às guerrilhas. Mas de algumaforma essa troca entre Javier e Fernando quebrouo gelo. A partir desse ponto, os participantescomeçaram a falar uns com os outros,considerando argumentos que outros traziam. Atroca entre Javier e Fernando foi um momentotransformador, construindo confiança de formaque o modelo monológico pudesse ser alteradopara o dialógico.
Como vimos na revisão da literatura, nem todasas histórias pessoas possuem um caráterdeliberativo. Jaramillo também encontrouhistóricas que funcionaram como interruptorasda deliberação. Em outro grupo deex-combatentes, a deliberação começou numanível bastante elevado. Então o primeiroparticipante apresentou um argumento racional,o de que a violência deve ser superada ao seproporcionar mais oportunidades sociais eeconômicas aos pobres. Os interlocutores
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seguintes mantiveram o bom nível dadeliberação ao seguir a discussão a partir dasperspectivas dos participantes anteriores. Ummomento transformativo ocorreu quando o sextointerlocutor , que inicialmente não via nenhumaesperança para a solução do conflito violento naColômbia. Referindo-se ao exemplo de simesmo, ele pontuou que é o momento para aspessoas começarem a pensar no fato de quealgum dia elas vão morrer e, então, começar a seapegar a sua fé – e contradizendo sua posiçãoanterior, a fé deverá resolver todos osproblemas de violência. Como reagir a estadeclaração tão pessoal e também tão confusa?Os participantes seguintes foram pegos desurpresa e não seguiram o padrão interativo doinício da discussão. O sexto interlocutoraparentemente tirou a deliberação dos trilhoscom sua experiência pessoal de fé.
Nós observamos os dados da Colômbia nãoapenas de uma perspectiva qualitativa, mastambém quantitativa . Esse trabalho foi realizadopor Juan Ugarriza. Em 28 experimentos, um totalde 1.027 atos discursivos foi avaliado. Em 41%deles, nenhuma opinião foi expressa; umexemplo desse tipo de fala é o seguinte:“Quando nós falamos sobre violência, nósestamos lidando com o assunto como se nósfôssemos apenas organizações guerrilheiras ouparalimilitares. Porque também há violênciadoméstica, violência contra crianças.”166 Esta
166 “Cuando se habla de violência estamos manejando como el tema que no es sino que ... como guerilla y paramilitares, y no es así. Porque hay violencia
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declaração não implica numa opinião ou sobre oque deveria ou não ser feito. Eu excluo esse tipode fala, considerando apenas atos discursivos emque a opinião foi 100% manifesta e em que taisopiniões foram justificadas.
Nenhuma justificação36%
Justificação com uma ilustração34%
Razão apresentada, mas nenhuma conexão coma opinião 17%Razão apresentada, com conexão com a opinião
10%Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião 3%Total de falas com opinião
100%
Para tentar codificar essas categorias, segueexemplos das mesmas.167
Uma opinião sem qualquer justificação: “Meupropósito é que todos tenham uma casa, todosdas classes sociais baixas. Claro, e tambémeducação.”168 Para enfatizar sua proposta edispensar a apresentação de uma justificação, ointerlocutor exclama “claro”, uma expressãocomumente usada na Colômbia.
Justificação com uma ilustração: “Nós também
intrafamiliar, hay violencia conta los ninños.”167 Tradução de Juan Ugarriza168 “La propuesta mía es que den vivenda a todos los ciudadanos de estrato bajo. Claro! Y educación.”
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queremos mais segurança para nós. Eu fui vítimade três atentados aqui em Bogotá. Levei um tiro.Fui ferido. Porque eu era um comandante.”169 Ointerlocutor usa de forma efetiva sua históriapessoal para justificar mais medidas desegurança para ex-combatentes.
Razão apresentada, mas nenhuma conexão coma opinião: “nós precisamos de maisinvestimentos na Colômbia.170 É que nósprecisamos de pessoas ricas para geraremprego.” O interlocutor demanda que maispessoas ricas liderem a geração de emprego,mas a conexão causal entre os dois itens não foiexplicada.
Razão apresentada, com conexão com a opinião:“Se não existisse o tráfico de drogas, não haveriagrupos armados. Se a cocaína fosse legalizada, ocomércio seria legal. A única coisa que podecolocar fim a essa guerra é a o fim donarcotráfico.”171 O interlocutor argumento que alegalização das drogas poderia levar ao comérciolegal, transformando o narcotráfico e os gruposarmados em razão e assim, levando à paz.
169 “Nosotros pedimos acá también más seguridade para nosotros ... A mí me han hecho tres atentados acá em Bogotá. Me han dado balín. Me han herido, ... porque uno fue comandante.”170 “Necesitamos más inversionistas em Colombia. Es que nosotros necessitamos de los ricos para que haya empleo.”171 “Si no hubiera narcotráfico no habría de pronto grupos armados. Se legaliza la coca y entonces eso ya se vuelve ...comercial ... Lo único para acabar ... o sea, que haya paz acá, es que no haya más narcotráfico.”
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Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião: “Outra boa proposta para essepaís é construir mais estradas. Isso é o que há demais rico para os países. Mas o que acontece? Aspessoas querem ter mais desenvolvimentoeconômico, mas não há estradas. As pessoasdeveriam ter um caminho para vender gado,peixes, porcos, colheita, tudo. De onde eu vim,não há nenhum acesso por estradas. E então aspessoas são forçadas, pela lei da natureza, acultivar coca. E daí em diante, a violência cresce.A cocaína, a maconha, o ópio e outras. Pela lei danatureza, o quilo de cocaína pode sertransportada por cinco, seis dias e não pesamuito. Mas um saco de iúca ou batata tem queser abandonado depois de três horas.”172 Ointerlocutor relaciona a construção de estradascom a redução da violência e oferece mais deuma razão para essa conexão causal. Eletambém apresenta uma história pessoal, masapenas para reforçar o argumento geral e não
172 Outra propuesta muy buena de pronto para este país es por lo menos vías de comunicación, vías de penetración. Porque em estos momentos hay ...este país es el más rico de los países. Pero qué pasa? O sea, de pronto donde la gente quiere tener um desarrollo económico pero no tiene más vías ... Que la gente tenga cómo poder mandar de pronto ganadería, pescadería, marranerías, de todo, agricultura ... De done yo vengo es uma tierra de la que es em realidadmente no hay vías de penetración ..., entonces la gente por ley de naturaliza tiene que sembrar coca. Y deallí la incrementación de la violencia. La coca, na marihuana, el opio, de todo eso ... Por ley de naturaliza: porque um kilo de coca usted anda cinco o seis días y eso no le pesa nada. Mientras usted com um bulto de yuca para sacarlo, y a alas tres horas tiene que dejarlo abandonado.”
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como uma justificativa isolada. Este é umexemplo de uma justificação do mais alto nívelque nós encontramos para os ex-combatentes naColômbia. Observando o vocabulário e asestruturas da sentença originalmente noespanhol, esta é certamente uma fala maiselegante, mas se relacionada à substância, oargumento também possui alta complexidade.
Como deveríamos avaliar o nível de justificaçãoentre esses ex-combatentes colombianos?Comparados aos debates parlamentares naAlemanha, Suíça, Reino Unido e nos EstadosUnidos, o nível de justificação de opiniões foimuito baixo. Uma vez que os ex-combatentesalcançaram um nível mais alto de justificação emapenas 3% dos atos de fala avaliados, nós noslembramos anteriormente nesta seção que osdebates parlamentares nacionais, em categoriasemelhante, corresponderam a 76% das sessõesplenárias e ainda 30% para as reuniões decomitê. Nós deveríamos saber, no entanto, queex-combatentes tentavam justificar suas opiniõesde alguma forma ou outra em 64% dos casos. Naverdade, na maior parte das vezes isso não erafeito de forma sofisticada, com apenas umexemplo ou uma razão não muito clararelacionada à opinião expressa. Eu concluo que,considerando a pouca educação formal damaioria dos ex-combatentes e seu trágicopassado recente, foi realmente bom como elestentaram justificar suas opiniões e assim serinterativos. Nós não deveríamos utilizar ummodelo padrão do que constitui a boajustificação, mas sempre considerar o contexto.
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Assim, é injusto comparar o nível de justificaçãodos ex-combatentes colombianos com aqueledos parlamentares em democracias maduras.Nós deveríamos ter esperado que osex-combatentes relutariam em expressarqualquer opinião. Desta forma, não é tão ruim oresultado de que 59% dos atos de fala continhamuma opinião e que, em cerca de dois terçosdesses atos de fala, as opiniões eram justificadasde alguma forma.
Reporto agora uma análise binária sobre o nívelde justificação. 173 Ex-combatentes tinhamdiferentes níveis de educação: 7% não tinhamnenhuma educação formal, 32% haviamestudado entre 1 e 5 anos; 51% entre 6 e 11anos, e 10% estudaram formalmente durante 12ou mais anos. Nós já vimos no capítulo 1 queaqueles com baixo nível educacional geralmentenão falam durante todo o experimento. Quandoeles realmente falaram, geralmente nãoexpressaram uma opinião específica. Assim, asopiniões dos menos “educados” foram tambémmenos incluídas na discussão. Quando elesexpressaram uma opinião, no entanto, eles ajustificaram tanto quanto os que possuíam maiornível educacional. Pode-se esperar que, comnível educacional mais elevado e, portanto,melhores capacidades cognitivas, justificaçõessofisticadas prevaleceriam no debate. Mas essenão foi o caso. Talvez aqueles com menor ounenhuma educação formal se sentiram sob umapressão social particular para justificar seus173 A análise binária nesse capítulo complementada no capítulo 9 por múltiplas regressões
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argumentos. É intrigante por que aqueles comeducação universitária não usaram suascapacidades cognitivas mais frequentementepara justificar seus argumentos de uma maneirasofisticada. Uma possível explicação poderia sero fator de que participantes com um alto níveleducacional geralmente não se importam emjustificar suas opiniões de forma sofisticadaporque eles já consideram a evidência de quesuas opiniões são corretas. Mas também issopode ocorrer o fato de que aqueles com umaeducação universitária não queiram demonstrarsuas habilidades intelectuais para aqueles quemenor ou nenhuma educação formal. 174 Esse éum bom exemplo de como freqüentemente osdados empíricos em ciências sociais podem serinterpretados deforma conflitante. Outrasanálises não mostraram nenhuma diferençasignificativa motivada por idade ou gênero dosparticipantes.
Assim como na Colômbia, Simona Mameliencontrou exemplos na Bosnia-Herzegovina ondehistórias pessoais provocaram momentostransformativos para tornar uma discussão maisinterativa. Um dos exemplos vem deexperimentos em Srebrenica com sérvios ebósnios (muçulmanos). Praticamente no início dadiscussão, um homem bósnio propõe que“alguém deveria tentar aprovar uma lei deproteção e bem-estar dos animais queprotegeria, por exemplo, cachorros, gatos eoutros. Eu não posso enviar meu filho174 Essa interpretação foi pontuada por mim por Christiane Lemke
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caminhando para a escola. Eu tenho que levá-lode caro.” O problema dos cachoros perdidos (derua) preocupavam a todos, ambos sérvios ebósnios. Depois que o homem bósnio falou, eleimediatamente recebeu apoio de um homemsérvio e então de uma mulher sérvia também.Todos tinham histórics para contar sobreaborrecimentos com os cachorros abandonados.Um rápido “estica-e-puxa” ocorreu naconversação. Uma mulher sérvia contou umahistória de um cachorro em frente a umsupermercado; uma mulher bósnia pergunto useela se referia àquela com uma perna quebrada.Um homem sérvio estava preocupado que oproblema dos cachorros perdidos se tornassepior a partir da primeira nevasca. E maishistórias assim se seguiram. Baseado nessasnarrativas, é fácil concordar que abrigos eramnecessários para os cachorros de rua. Depois daprofunda divisão entre sérvios e bósnios, oscachorros de rua se tornaram um problemacomum. Isso não surgiu como uma questãopolítica abstrata, mas como uma história dohomem bósnio dizendo que ele estavapreocupado com os cachorros de rua e que nãoousava deixar seu filho caminhar até a escola.Essa era uma história com a qual todos poderiamse identificar, um momento transformador quetornou a conversação interativa de uma maneiradeliberativa.
Mais tarde, no mesmo experimento emSrebrenica, novamente histórias pessoaiscolaboraram com a interatividade e com oalcance do consenso, dessa vez para limpar o rio.
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Um homem bósnio disse ao grupo: “Eu caminholá todos os dias, um salgueiro caio no leito do rio,e as pessoas jogam tudo fora, sofá, lixo,besteiras.” Uma mulher sérvia apoiou: “vocêsabe, o problema é o lixo.” Um homem sérvioacrescentou: “as pessoas jogam lixo, jogam todotipo de objetos.” Como vimos na discussão sobrecachorros abandonados nas ruas, o tema do lixona rua não tem qualquer conotação étnica e semostrou uma preocupação tanto de sérviosquanto de bósnios. Histórias são oferecidas porambos os lados e levam à mútua compreensãodo problema.
Ainda mais tarde nesse experimento, umamulher bósnia expressou preocupação “com osporcos selvagens que vêm para a cidade.” Outravez isso estimulou a narrativa de históriaspessoais. Um homem bósnio reportou que“abaixo do Black River um porco selvagemliteralmente entrou no quintal.” Uma mulhersérvia lembrou que “em uma noite, um porcoseprendeu na cerca.” Neste ponto, uma mulhersérvia brincou que “porcos também queremaprender um pouco de cultura aqui.” Um homemsérvio continuou a brincadeira: “onde nósvivemos também é selvagem, então, para osporcos, é o mesmo que seu próprio lugar(habitat)”. Meio brincando, uma mulher sérviopropôs: “aqui está um caçador, deixe-o resolvero problema.” Todos riram de todas essabrincadeiras, demonstrando como “piadas”como tornar a atmosfera mais relaxante, umargumento usado por Sammy Basu, como nósvimos antes neste capítulo. As várias
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brincadeiras e histórias sobre porcos selvagensajudaram a poduzir uma conversa interativasuave. Assim como no caso dos cachorros de ruse do lixo no rio, o dos porcos selvagens ajudarama transcender a divisão étnica entre sérvios ebósnios.
Se, no caso do experimento de Srebrenica, nósobservarmos os dados a partir de umaperspectiva quantitativa, veremos que nenhumaopinão foi expressa em 37% dos atos de fala,contra 41% na Colômbia. Se nós avaliarmos, nocaso de Srebrenica (assim como fizemos noexperimento colombiano), apenas os atos de falaem que a opinião foi expressa, nós alcançaremosos seguintes resultados:
Nenhuma justificação79%
Justificação com uma ilustração12%
Razão apresentada, mas nenhuma conexão coma opinião 3%Razão apresentada, com conexão com a opinião
6%Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião 0%Total de falas com opinião
100%
Comparado à Colômbia, o caso de Srebrenicaapresentou um percentual muito mais alto deopiniões sem justificação, o que não seassemelha em nada a uma deliberação. Nósobservamos ainda que as histórias ajudaram a
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criar uma atmosfera amigável. Como vimos noCapítulo 1, todos os atos de fala em Srebrenicaduraram menos de um minuto e havia um rápido“estica e puxa”, não deixando nenhum espaçopara justificação. Esse padrão de conversaçãopode contribuir para uma atmosfera suave dedebate. AO permanecer em rápidas opiniões semjustificação, talvez os participantes tenhamassim evitado argumentos contenciosos. Naverdade, tal modelo não é deliberativo de acordocom os padrões usuais, mas em umtraumatizado lugar como Srebrenica, aprioridade deve ser que as pessoas marcadas poruma profunda divisão étnica comecem areconhecer umas às outras como seres humanos.Para alcançar esse resultado, narras histórias,mesmo as engraçadas, e não tentar tantoapresentar justificação para as opiniões, pode seruma modelo apropriado para se ter umaconversação. De uma perspectiva longitudinal,esta pode ser uma boa base para desenvolverdepois mais modelos deliberativos. Esse é umbom exemplo para demonstrar que se podeobservar a deliberação não apenas do nívelmicro dos atos individuais de fala, mas tambémnum nível macro. Em países marcados pelaguerra, começar uma conversação com históriase não com tanta justificação pode ser uma boaforma da perspectiva do desenvolvimento dolongo caminho de um sistema deliberativo. Nosexperimentos em Stolac com croatas e bósnios,a situação era basicamente a mesma que emSrebrenica com diversas histórias mas poucasjustificações racionais.
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Na Bélgica, Dider Caluwaerts realizou noveexperimentos com 1.664 atos de fala no total.Em 13% dos atos de fala, nenhuma opinião foiexpressa, muito menos do que na Colômbia e naBósnia-Herzegovina. Vivendo numa democraciaavançada, e, particularmente, sem qualquertrauma decorrente de uma luta armada interna,os belgas se sentiram muito à vontade paraexpressa suas opiniões. Se avaliarmos apenas osatos de fala, temos a seguinte distribuiçãosegundo o nível de justificação:
Nenhuma justificação18%
Justificação com uma ilustração27%
Razão apresentada, mas nenhuma conexão coma opinião 12%Razão apresentada, com conexão com a opinião
38%Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião 5%Total de falas com opinião
100%
Este nível de justificação é muito maior do quena Colômbia e na Bósnia-Herzegovina, mas muitomenor do que no debate entre parlamentares. NaBélgica, 43% dos atos de fala continha pelomenos uma razão conectada com a opiniãoexpressa. Como nós vimos antes nesta seção,esses casos corresponderam a 88% nas sessõesplenárias de parlamentos nacionais, a 60% nasreuniões de comitês nesses parlamentos, e a58% nas sessões plenárias do Parlamento
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Europeu. Apesar de os números serem menoresentre os cidadãos belgas comuns, é notável queeles não sejam tão inferiores aos das reuniões decomitês nos parlamentos nacionais e das sessõesplenárias do Parlamento Europeu, o que indicaque ninguém deveria subestimar a capacidadede cidadãos comuns de democracias avançadasem justificar suas opiniões de uma formacoerente e lógica. Uma vez que não é umasurpresa que parlamentares tenham um nívelmais alto de justificação do que cidadãoscomuns belgas, também não surpreende queestes tenham um nível mais elevado do que osparticipantes traumatizados na Colômbia e naBósnia-Herzegovina. A diferença pode serinterpretada como um sinal de esperança deque, com maior democratização, cidadãoscomuns aprendem a justificar seus argumentosde uma forma mais coerente, o que será “debom augúrio” para a Colômbia e para aBósnia-Herzegovina se eles progredirem numsentido democrático.
Como nós nos lembramos do desenho dapesquisa discutido na Introdução, um terço dosparticipantes do experimento na Bélgicaformavam um grupo homogêneo de flamengos,um terço compunha um grupo homogêneo devalões, e um terço era uma mistura desses doisgrupos. Nós esperávamos que o nível dedeliberação seria maior nos dois gruposhomogêneos ; no que se refere à justificação, noentanto, este não é o caso. Ao contrário,argumentos foram mais coerentementejustificados nos grupos misturados. Post hoc,
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pode-se argumentar que alguém no meio de umgrupo formado por a membros que falam amesma língua sente menor necessidade dejustificar seus argumentos do que se estivessediante de um grupo que fala outro idioma. Nocaso citado, participantes arriscavam-se menosao tomar “atalhos” em suas justificações deforma que o outro lado não se perdesse diantedos argumentos.
Uma separação binária por idade, gênero e níveleducacional mostra que participantes maisjovens, homens e mais educados geralmenteusam mais justificações racionais. Nós temosainda dados sobre os casos em que participantesusam histórias sobre suas experiências pessoais.Cerca de 20% de todos os atos de fala continhamesse tipo de histórias. Em 2% as histórias nãoestavam relacionadas a um argumento; em 11%elas eram a única justificação para o argumento;e em 7% elas ajudaram a reforçar o argumentoracional. Em grupos misturados (flamengos evalões), as histórias eram mais usadas do quenos grupos homogêneos, o que reforça o pontode que nos grupos misturados houve um esforçoespecial para se justificar a posição para o outrolado diante de uma divisão de idiomas. Asmulheres usavam essas histórias maisfrequentemente do que os homens; não houvediferenças significativas entre idade e educação.
Para os cidadãos da Europolis, o nível dejustificação foi semelhante ao belga. Enquantona Bélgica 18% dos atos de fala não continhamqualquer justificação, para os integrantes da
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Europolis este número foi de 19%. Por outro lado,na Bélgica 43% dos participantes apresentarampelo menos uma razão conectada com a opiniãoexpressa, ante 41% entre os integrantes daEuropolis.
Nenhuma justificação19%
Razão apresentada, mas nenhuma conexão
com a opinião ou com apenas uma ilustração40%
Razão apresentada, com conexão com a opinião30%
Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião 11%Total de falas com opinião
100%
Para a interpretação sobre a grande similaridadeentre belgas e os cidadãos da Europolis, pode-seconsiderar que os participantes da ComunidadeEuropeia foram encorajados pelos moderadores ajustificar seus argumentos, enquanto osmoderadores belgas não apresentaram qualquerencorajamento. Isso pode significativa que semencorajamento o nível de justificação terá umanível menor entre os cidadãos da Europolis doque entre os belgas; isso pode significar também,no entanto, que o encorajamento não tevequalquer efeito. Não há como saber qualinterpretação é mais válida, o que nos leva aoproblema de quando os moderadores intervêmna discussão.
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Para os oito experimentos finlandeses sobreenergia nuclear, foram avaliados 1.189 atos defala expressando visões da seguinte forma:
Nenhuma justificação12%
Razão apresentada, mas nenhuma conexão coma opinião 47%Razão apresentada, com conexão com a opinião
35%Mais de uma razão apresentada, com conexõescom a opinião 6%Total de falas com opinião
100%
Observando os atos de fala em que uma ou maisde uma razão esteve conectada com a opiniãoexpressa, os números são semelhantes aos daBélgica e da Europolis: 43% dos belgas e 41%para cidadãos europeus e finlandeses. Pode-seconsiderar que na Finlândia, assim como naEuropolis, participantes foram encorajados pelosmoderadores a justificar sua opinião de formaque os resultados para Europolis e Finlândiaforam praticamente os mesmos, e é notável quenão haja diferenças significativas entre os doisconjuntos de dados. Talvez se pudesse imaginarque, num país homogêneo como a Finlândia,participantes teriam recorrido a mais “atalhos”do que os cidadãos europeus, onde as pessoasteriam sentido mais necessidade de justificarsuas opiniões a estranhos de outros países.Pode-se esperar ainda diferenças na direçãooposta, no sentido de que, estando em umambiente estranho (estrangeiro),participantes da
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União Européia poderiam ter sentido maisfacilidade de justificar seus argumentos do quepessoas na Finlândia, que estavam reunidas numambiente familiar. Nenhuma dessas duashipóteses demonstra ter validade já que não hádiferenças no nível de justificação entrefinlandeses e cidadãos da área da UniãoEuropéia. A europeização teria progredido de talforma que não faz mais tanta diferença quealguém se encontre num contexto nacional oueuropeu, pelo menos não em como se justifica aprópria opinião? Análises binárias dos dadosfinlandeses não mostram diferençassignificativas por gênero ou idade, enquantoaqueles relacionados aos níveis educacionaistiveram o menor nível de justificação racional.
* Implicações normativas dos resultadosempíricos
As histórias pessoais foram um importante tópicodas duas primeiras seções deste capítulo.175 Oque os dados empíricos podem nos dizer sobre opapel das histórias pessoais no modelodeliberativo de democracia? Antes de tudo, ashistórias de vida são predominantes tanto nonível de elite quanto das massas. Membros dosparlamentares ou cidadãos ordináriosfrequentemente usam histórias para justificar
175 Ver ainda os experimentos de Baccaro et al. reportados no Capítulo 10, em que eles descobrem que moderadores de públicos menores não deveriam colocar tanta ênfase naestrutura e na racionalidade mas também permitir perder certos gracejos com histórias pessoais e emoções
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seus argumentos. Algumas vezes, isso ocorre emcombinação com a justificação racional, outrasvezes as histórias são justificações isoladas. Issome parece que quase sempre a narração dehistórias é compatível e até corrobora com osvalores postulados pelo modelo deliberativo. Issofoi mais claramente revelado nos experimentoscom ex-combatentes na Colômbia. Dadas suasmemórias traumáticas e sua relutância emparticipar desses experimentos, eles tiveram atendência de evitar o engajamento uns com osoutros de uma forma interativa. Muitas vezes, foiuma história pessoal com um toque humano queajudou a quebrar o gelo. Depois dessa história,ex-combatentes tenderam a um comportamentomais aberto ao engajamento e a reconhecer aidentidade e os problemas dos outros. A liçãoprática é que as histórias pessoais sãoespecialmente benéficas para encorajar adeliberação se a atmosfera é tensa e rígida,como entre ex-combatentes num país marcadopela guerra. Aproximações a partir dosargumentos racionais colaboram muito menosnessas situações para promover o engajamentoentre as pessoas de uma forma deliberativa einterativa. Histórias pessoais podem muitasvezes representar a única forma de “soltar” aatmosfera. Elas também ajudaram naBósnia-Herzegovina a criar um ambiente para adeliberação. Nós vimos como em Srebrenica ashistórias sobre cachorros de rua, porcosselvagens e lixo no rio ajudaram sérvios ebósnios a ver que eles têm problemas emcomum em meio à profunda divisão étnica.
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O potencial interativo da narração de históriasnão está revelado apenas em nossa pesquisa,mas também na pesquisa de outros estudiososdeliberativos. A discussão online entre cidadãosde Nova York sobre a construção do lugar doWorld Trade Center demonstrou que as históriastêm uma grande chance de provocaremrespostas. Os narradores são demandados aelaborar e esclarecer as implicações de suashistórias. Assim, as histórias encorajam o“dar-e-receber” (ou pergunta-e-resposta /debate) na discussão. O projeto polonês de paisdiscutindo sobre educação sexual também revelao potencial interativo da narração de histórias.Muitas vezes uma história contada por umapessoa é seguida por exemplos semelhantes deoutras pessoas, de forma de que uma correntede histórias se forma. Tais elos de históriascostumam levar a recomendações práticasrelacionadas propriamente ao tema emdiscussão (educação sexual, no caso polonês). Apartir da perspectiva do modelo deliberativo,outro efeito benéfico da narração de histórias éque ela ajuda aqueles em situação dedesvantagem social e ter melhor espaço de fala(melhor voz). Isso foi visível nos experimentoscolombianos em que ex-combatentes comnenhum ou pouco nível educacional formalpuderam usar suas histórias pessoais parachamar a atenção de outros participantes. Oefeito das histórias pessoais a favor dos gruposdesavantajados foi também notado na discussãoonline dos cidadãos de Nova York sobre areconstrução do lugar do World Trade Center.Outra possível vantagem segundo a perspectiva
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do modelo deliberativo é que as histórias nãotendem a polarizar posições (antagonizar osparticipantes). Essa conclusão também foiidentificada nas discussões sobre o World TradeCenter, onde se percebeu que históriasgeralmente têm um caráter ambíguo e sãoabertas à interpretação, o que retira dadiscussão uma postura mais áspera. Ao mesmotempo em que uns concordam com asconclusões das histórias contadas, muitas vezesnão fica claro se os narradores tambémconcordam uns com os outros. Esta sensaçãovaga pode de fato contribuir para uma atmosferade menos antagonismo, mas também pode,claro, ter a desvantagem de que a ambiguidadeda discussão evita uma clara e objetiva decisão.
Pode haver ainda outros problemas possíveiscom a narração de histórias. Na primeira seçãodo capítulo, nós vimos que alguns teóricostemem que as histórias possam ser usadas deforma manipuladora. Encontramos algumasbases para este receio quando retomamos odado de que os parlamentares usam maishistórias em sessões plenárias do que emreuniões de comitês. Nas sessões plenárias,membros do parlamento geralmente falam parao público presente, quando é tentador usarhistórias para manipular a opinião pública. Atrásde portas fechadas, em reuniões de comitê,diferentemente, histórias são menos efetivaspara manipulação, o que poderia explicar porque neste contexto elas são menos usadas.Outro problema com a narração de históriasocorreu quando os cidadãos de Pittsburgh
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discutiam o que fazer com as escolassubutilizadas e frequentemente se distanciavamdo tópico da discussão. É certamente umproblema quando as histórias não estãorelacionadas ao tema em discussão, porqueparticipantes podem perder o interesse e adiscussão começar a perder o foco. Pode-seconsiderar ainda, no entanto, que histórias forado tópico da discussão, particularmente na formade boas e inofensivas brincadeiras (piadas),podem tornar a atmosfera mais leve, o que, emtroca, pode ajudar a elevar o nível dadeliberação. Nesse contexto, eu quero endereçara questão controversa entre teóricos: se ashistórias, para serem válidas, devem sempreconectar um ponto de vista particular com oaspecto geral do tema. Como nós recordamos,Dryzek responde a esta questão positivamente;Morrell, responde negativamente. A partir dasexperiências com as histórias em nossosexperimentos, eu tomo uma posiçãointermediária. É legítimo que alguém conte umahistória relacionada apenas às particularidadesda sua vida pessoal. Durante o desenvolvimentoda discussão, no entanto, outros participantespodem fazer um esforço para relacionar essecaso participar com um nível mais geral deinteresse.
Quando nós considerarmos todas asconsequências positivas e negativas da narraçãode histórias, quanto isso se encaixa no modelodeliberativo quando participantes numadiscussão política tentam justificar e reforçarseus argumentos com histórias? No meu ponto
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de vista, o encaixe não é tão ruim. Se de fato asanálises empíricas sustentam que a narração dehistórias contribuem para aumentar areciprocidade, para promover maior igualdade ereduzir a animosidade, o quadro parece favorávelpara a perspectiva deliberativa. Maisexatamente, os lados negativos são que ashistórias podem ser usadas de formamanipulativa e podem fazer a discussão sedistanciar de seu foco. Quando públicos menoressão organizados, como júris de cidadãos,moderadores devem levar em conta essaspossíveis falhas. Eles devem tomar cuidado paraque a discussão mantenha-se focada e para queas histórias não sejam usadas de formamanipulativa. Nós também vimos que ashistórias são mais úteis no início da discussão eque não se aplicam a todas as questões.Moderadores de públicos menores devemconsiderar essa conclusões ao encorajar históriasmais no começo da discussão e em tópicosapropriados. Moderadores também precisamestar cientes que mulheres tendem a colocarmais ênfase na narração de histórias do quehomens e que participantes com maior níveleducacional usam mais frequentementeargumentos racionais do que aqueles com menornível.
Há geralmente grande entusiasmo na literaturadeliberativa com o papel positivo da narração dehistórias. Eu concordo com a observação deLandwehr, citada na primeira seção destecapítulo, que “nós devemos ter cuidado aoconsiderar em que medida podemos incluir a
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retórica e a narração de históricas sem desistirdo que é essencial para a deliberação: a trocade razões.” Eu poderia demonstrar que a ofertade razões ocorre em alguma medida entreex-combatentes colombianos com pouca ounenhuma escolaridade. Portanto, nós nãodeveríamos deixar o modelo deliberativoexagerar na aceitação da narração de histórias.Não apenas políticas profissionais mas tambémcidadãos tendem a ser perfeitamente capazes deoferecer argumentos com razões. Moderadoresem pequenos públicos não deveriam hesitar eminsistir que argumentos sejam apresentados numformato racional com razões, com conclusões eclaras relações entre ambos. Mais exatamente,críticos da racionalidade pura estão corretos quedizem que nós também precisamos de umelemento afetivo para encorajar a ação, ehistórias são um bom instrumento para dar maisemoção e empatia às discussões políticas. O quenós precisamos é de um bom equilíbrio entreafeto e racionalidade, e este equilíbrio dependemuito do contexto. Uma discussão sobesexualidade nas escolas demanda mais afeto doque uma discussão sobre um pacote de estímuloà economia, em que a racionalidade é maisdemandada.
A necessidade de mais racionalidade em temas de discussão,como pacote de estímulo à economia, me dirige ao último pontodeste capítulo, especificamente o argumento de Gary Mucciaronie Paul J. Quirk, de que a racionalidade é necessária não apenasnum sentido formal mas também substantivo, no sentido de queargumentos são apoiados por boas evidências, particularmenteevidências baseadas nas mais válidas pesquisas. Se, porexemplo, um estímulo econômico é necessário numa situaçãoparticular, este deve se basear em sólido conhecimento de
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economia. Como Mucciaroni e Quirk demonstram em relação aoCongresso norte-americano, tal conhecimento geralmente estáausente. Diante de assuntos de tal complexidade, nós chegamosao limite da racionalidade não apenas entre cidadãos comunsmas também entre políticos profissionais. Diante de tais limites,eu concordo com Bernard Reber, para quem as incertezas domundo contemporâneo são tão sufocantes que o princípio da
prudência é mandatório nas decisões sobre temas políticos.176 Oprincípio da prudência se encaixa bem no modelo deliberativo dedemocracia. Em política, nós frequentemente não temosrespostas claras sobre como lidar com questões complexas comoimigração e mudança climática. Nós não podemos nunca tercerteza sobe como nossas justificações para decisões políticasespecíficas serão válidas no longo prazo. Essas incertezas nosdeveriam levar a ouvir os argumentos dos outros e não nosmanter rigorosos atrás de nossas próprias preferências. Nessesentido, líderes deliberativos deveriam ser prudentes. Mas elesdeveriam também, como Reber argumenta, estar abertos apensar sobre cenários que, à primeira vista, parecem impossíveisna política do mundo real.
176 Bernard Reber, “La délibération des meillers des mondes, entre précaution et pluralisme, monographie inédite en vue de l´obtention d´une habilitation à diriger des recherches”, Université Paris IV, Sorbonne, 2010.
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Capítulo 3 – Simone Carvalho
OBS: Elster é uma autor usado por
Habermas.
Elster ressalvou que em seu trabalho
anterior, ele "geralmente assumiu que o
desejo de promover a bem público está no
topo da hierarquia e que os indivíduos
estarão motivados a apresentar-se como
motivados por esse desejo”. Ele agora
reconhece que esta hipótese não pode
sempre ser mantida, por isso "o efeito de
hipocrisia nem sempre é civilizadora".
Bem comum e auto-interesse (interesse
próprio) em justificação deliberativa
(A) Controvérsias normativas na literatura
No que diz respeito ao aspecto substantivo
(conteúdo) de justificação deliberativa, a
controvérsia principal tem a ver com a questão
de se a boa deliberação que se refere apenas ao
bem comum é apropriada ou se auto-interesse
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também tem um lugar legítimo. Como Jane
Mansbridge et al. resumem a literatura, a
"democracia deliberativa tem
tradicionalmente definido como oposição ao
auto-interesse ". Jürgen Habermas
representa essa visão tradicional de uma forma
clássica quando ele postula a necessidade de
"superar" um "ponto de vista egocêntrico."
Habermas, no entanto, não exclui
completamente a articulação de auto-interesse,
mas deve sempre ser justificado do ponto de
vista maior. Bruce Ackerman e James S.
Fishkin argumentam que o bom cidadão não
deveria perguntar "O que é bom para mim?",
mas sim "o que é bom para o país?" Os dois
teóricos vêem uma diferença fundamental entre
um consumidor em um mercado e um cidadão na
política. Como eles dizem: "Ao entrar em uma
mercado, é geralmente aceitável para o
consumidor se limitar a uma única pergunta ao
escolher entre produtos concorrentes – e esta é
"Qual o produto mais agradável que posso
encontrar?" Mas, de acordo com estes dois
60
teóricos,
“isso não é verdade para a cidadania. Quando
você e eu nos reunirmos para escolher um novo
conjunto de líderes, não estamos envolvidos em
um ato privado de consumo, mas um coletivo
ato de poder – um que vai modelar
profundamente o destino de milhões de nossos
concidadãos, e bilhões mais em todo o mundo.
Com as apostas tão altas, é moralmente
irresponsável escolher o político com o maior
sorriso ou o maior pôster”.
Ackermann e Fishkin reconhecem que "pode
haver muitas ocasiões em que o que é bom para
o país também é bom para mim
pessoalmente.Mas o bom cidadão reconhece,
como o bom consumidor não, que esta
convergência é de nenhuma forma
predeterminada, e que a tarefa de cidadania é
subir acima do interesse pessoal e levar a sério a
natureza do bem comum". Mas como podemos
saber o que é o bem comum? Aqui, Ian O'Flynn
61
apresenta uma posição com nuances Para ele, o
bem comum ou interesse público "é
fundamentalmente uma ideia moral, que
preocupa-se principalmente com a condução
adequada da vida política em geral e as formas
adequadas de fazer o coletivo ir ao encontro das
decisões particulares". A alegação básica de
O'Flynn é "que a democracia deliberativa está
bem posicionada para entregar o interesse
público ... Democracia deliberativa nos obriga a
ter uma visão mais ampla ou mais abrangente de
decisões importantes da lei ou política do que
simplesmente consultar o nosso próprio interesse
especial nestes". A posição de O'Flynn é sutil no
sentido de que, embora a deliberação seja útil
para encontrar o interesse público, seria muito
fácil dizer que o interesse público é qualquer
resultado da deliberação, "mesmo após a
deliberação, nós podemos ainda não ter um
preferência clara sobre o assunto... Isto significa,
evidentemente, que o
interesse público pode ser controverso – com a
melhor boa vontade do mundo, pessoas
62
diferentes podem chegar a conclusões diferentes
sobre o que é melhor para toda a sociedade".
Para O'Flynn, tais controvérsias sobre o conteúdo
do interesse público ajudam "a minar um pouco a
idéia do
interesse público por si mesmo”. Para ele, faz
sentido pensar sobre o interesse público, embora
nem sempre possa haver um acordo sobre o que
ele é.
O argumento de que os interesses especiais têm
um lugar na democracia deliberativa é
fortemente colocada pelo Mansbridge et al;. para
eles, auto-interesse "deve ser parte da
deliberação que culmina em uma decisão
democrática”.Eles qualificam este postulado,
entretanto, ao dizer que o auto-interesse deve
ser "adequadamente restrito". Esta é uma
qualificação importante, o que os leva para uma
posição diferenciada no que concerne
auto-interesse e deliberação. Mansbridge et al.
começam a sua análise com uma distinção
cuidadosa entre o interesse como um conceito
63
geral e
auto-interesse como uma de suas sub-categorias.
By the general term they mean “both material
and less tangible interests, including
other-regarding and ideal-regarding interests”.
Para auto-interesse, no entanto, eles excluem
"Outro-respeito e ideal-relação de interesses”.
Como pode o auto-interesse ser justificado como
compatível com a boa deliberação? Mansbridge
et al. argumentam que "a inclusão do
auto-interesse na democracia deliberativa reduz
a possibilidade de exploração e obscurecimento,
apresenta informações que facilitam soluções
razoáveis e identificação de resultados
integrados, e também motiva a deliberação
vigorosa e criativa.
A inclusão do auto-interesse no ideal regulador
da democracia deliberativa abraça a diversidade
de objetivos humanos, bem como a diversidade
de opiniões humanas”. A essência desta
justificativa é que o auto-interesse fazer parte da
boa deliberação permite que o menos poderoso
também tenha uma palavra significativa ao
64
trazer suas queixas mais facilmente para a
discussão. Mansbridge et al. ilustram a sua
posição com um exemplo em que um membro
fraco de um grupo trouxe sua auto-interesse
para o parquinho e, assim, poderia balançar a
decisão do grupo em outra direção. Mansbridge
et al. consideram este caso como compatível
com a boa deliberação. O caso garante
elaboração:
Uma noite, em 1965, 46 membros do corpo
docente da Universidade de Michigan, que
queriam protestar contra a Guerra do
Vietnã se encontraram até às quatro Horas
da manhã para decidir entre duas
propostas: um dia inteiro de moratória
anti-guerra com o corpo docente
cancelando suas aulas, o que quebraria os
contratos dos docentes universitários com
a universidade, ou uma nova idea
alternativa de uma sessão de 24h sobre a
guerra sem cancelamento de aulas. an
alternative new idea of a 24-hour session
65
on the war with no cancelled classes. Um
jovem professor assistente, eventualmente,
disse, "Eu sou a favor da alternativa, mas
não é porque eu acho que é mais ou menos
eficaz como um protesto contra a Guerra do
Vietnã. É porque eu estou com medo. Eu
tenho medo de perder meu emprego. Eu
poderia repetir alguns dos argumentos para
a mudança de que os outros têm dado, mas
essa não é a verdadeira razão.”
A maioria emergiu para a proposta alternativa, os
desapontados prometeram o seu apoio, e o
"teach-in" nasceu. Teach-ins espalharam-se
rapidamente pelas universidades
norte-americanas, pelo menos em parte porque
essa solução acomodou auto-interesses que uma
interpretação mais restritiva do argumento
deliberadamente justificada teria excluído do
debate. Neste caso, a deliberação seria
enquadrada para decidir qual estratégia seria o
protesto mais eficaz. A decisão era para ser não
66
sobre o que era melhor para "nós", o grupo
decisor, mas o que era melhor para a causa
anti-guerra. O jovem professor assistente,
entando manter a autenticidade, mas, sem
dúvida, também preocupado que o comentário
tenha lhe mostrado como insuficientemente
comprometido com a causa, ofereceu seu
auto-interesse como informações sobre si
mesmo, e não como uma justificativa. Ainda que
informação acabou por sido altamente relevante,
pois o que era melhor para a causa anti-guerra
acabou por incluir o custo da atividade
anti-guerra para o participante em
potencial.
Esta é uma bela ilustração de como a expressão
de auto-interesse do jovem professor assistente,
em última análise, resultou em um bom
resultado. No entanto, Mansbridge et al.
argumentam que nem todas as expressões de
auto-interesse são compatíveis com a boa
deliberação:
67
No ideal de democracia deliberativa, a expressão
e a busca da auto-interesse devem ser limitadas
tanto pelas restrições universais de
comportamento moral e direitos humanos e
pelas restrições particularmente deliberativas de
respeito mútuo, igualdade, reciprocidade, justiça
e justificação mútua. Assim, muitas formas de
auto-interesse são descartadas, não como
desejos, mas como justificativas. "O desejo de
ser mais rico, a qualquer preço", por exemplo, é
na maioria dos casos não compatível com o
respeito mútuo, igualdade, reciprocidade, justiça
e justificação mútua.
Mansbridge et al. usou dois exemplos extremos
de que tipo de auto-interesses devem ser
incluídas ou excluídas da boa deliberação. É fácil
entender a ansiedade do professor assistente
sobre potencialmente perder o seu emprego
deve ser incluída e porque o desejo de ser como
rico quanto possível deva ser excluída. Mas o que
dizer dos muitos casos no meio? Onde a linha
deve ser desenhada? A resposta de Mansbridge
68
et al. é que "a questão de quais tipos de
reivindicações são apropriadas em qualquer
deliberação deve ser ele mesmo objeto de
deliberação e mútua justificativa". Esta deve ser
válida não só para o que conta como
auto-interesse compatível com a boa
deliberação, mas também para o que conta como
bem comum. A conclusão final da análise de
Mansbridge et al. é que "os participantes não
precisam ser totalmente neutros ou destacados
no processo deliberativo”.
Christian F. Rostbøll concorda com Mansbridge
ao afirmar que "nós precisamos conhecer os
interesses de todos para determinar o que está
no interesse equânime de todos". Ele ressalta, no
entanto, que muitas pessoas da classe baixa têm
falsa consciência de classe e não sabem quais
são seus verdadeiros interesses. A partir da
perspectiva da teoria crítica, Rostbøll vê a tarefa
da deliberação contribuir para a auto-reflexão.
A maior força da democracia deliberativa é...
69
politizar e iniciar a reflexão sobre as crenças,
políticas e instituições que são acriticamente
aceitas pela maioria das pessoas e, portanto, não
são iscutidas... A deliberação tem a grande
vantagem de poder desafiar as formas aceitas
acriticamente de opressão e desigualdade, sem
ser paternalista ou criar padrões de interesses
verdadeiros e falsos externamente. Devido à sua
exigência de não-dominação e sua natureza
processual, a deliberação pública não pode impor
nada a ninguém, mas só pode visar a
emancipação incentivando e
provocando processos de auto-reflexão.
Rostbøll menciona como um exemplo de uma
forma acriticamente aceita de opressão e
desigualdade do sistema capitalista, com sua
ênfase nos benefícios do mercado livre. A
deliberação deve ajudar os trabalhadores a
distinguir sua falsa consciência da sua classe.
Com teóricos como Rostbøll, a teoria deliberativa
obtém uma vantagem crítica. Em conclusão,
pode-se dizer que há grande controvérsia entre
70
os teóricos sobre o papel do auto-interesse no
modelo deliberativo de democracia.
(B) Os resultados empíricos
Revisão da literatura
A revisão da literatura sobre pesquisas
empíricas, tema deste capítulo, enfrenta a
dificuldade que tanto os políticos quanto os
cidadãos comuns podem nem sempre ser
verdadeiros quando eles argumentam usando o
bem comum para justificar as suas posições. Eles
podem usar argumentos do bem-comum de
forma estratégica para defender seus próprios
interesses. Mas as palavras ainda podem
importar. Como Jon Elster argumenta, a
hipocrisia pode ter um efeito "civilizador", no
sentido de que pode não ser tão importante por
que um apelo para o bem comum é feito, o que
importa é que ele é feito, porque uma vez que
um ator apela para o bem comum, ele ou ela
pode ser responsabilizado por aquele padrão. Em
um artigo recente, Elster ressalvou que em
seu trabalho anterior, ele "geralmente
71
assumiu que o desejo de promover a bem
público está no topo da hierarquia e que os
indivíduos estarão motivados a
apresentar-se como motivados por esse
desejo”. Ele agora reconhece que esta
hipótese não pode sempre ser mantida, por
isso "o efeito de hipocrisia nem sempre é
civilizadora".
Eu começo com a nossa investigação anterior
sobre debates parlamentares em Alemanha,
Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Mais uma
vez, descobrimos diferenças interessantes entre
as sessões plenárias e as reuniões dos comitês.
Olhemos primeiro para a expressão dos
interesses do grupo. Aqui está uma ilustração de
uma sessão plenária:
Em 02 de junho de 1997, a Casa (House) debate
um projeto de lei sobre educação cujo objetivo é
reduzir o tamanho das turmas nas escolas. O
projeto de lei é apresentado por David Blunkett,
o
72
Labour Secretary of State for Education and
Employment. Durante seu discurso Labour MP
Anne Campbell sobe e Blunkett declara para ela
o seguinte: “Is my right hon. friend aware how
important the Bill is to my constituency,
especially to parents at Milton Road infant
school, which had an excellent Ofsted report
earlier this year but now has to implement
25,000 pounds of cuts imposed by the previous
Government?”
Surpreendentemente, apenas 9% de todos os
atos de fala em sessões plenárias dos quatro
países continham tais referências aos interesses
do grupo, e em reuniões da comissão apenas 5%.
Por que os membros do parlamento tão
raramente se referem a interesses de grupos, e
menos em comissões do que em sessões
plenárias? A razão parece ser que eles gostam de
usar atalhos, especialmente quando estão longe
dos olhos do público. Como já vimos no capítulo
2, Robert E. Goodin forçosamente faz com que o
argumento para a utilidade de atalhos. Além
73
disso, não sempre parece adequado se referir
constantemente aos interesses do grupo. Este
argumento é feito por Julien Talpin e Laurence
Monnoyer-Smith para experimentos dos cidadãos
sobre as alterações climáticas
na região francesa de Poitou-Charentes. Os
experimentos foram realizados tanto
face-a-face quanto on-line. Os autores
relataram "que quase nunca observaram
justificativas auto-interessadas tanto
on-line e face-a-face. Mesmo para debates
mais centrados na experiência pessoal de
atores, auto-interesse era dificilmente
oposto às razões ambientais". Talpin e
Monnoyer-Smith vêem normas sociais em um
jogo que se preocupa com "uma gramática da
vida pública, fazendo com que a expressão
pública pessoal e interesses partidários
pragmaticamente difíceis para os atores, caso
contrário, o risco de sanções simbólicas ou
depreciação de sua reputação". No entanto, eles
qualificam esta explicação, notando que estes
experimentos não foram órgãos de decisão, de
74
modo que
discussões que não teriam qualquer impacto na
vida diária dos participantes, eles não tinham
interesses pessoais a defender. Arriscando
perder publicamente em um ambiente
pro-ambiental, os participantes tinham pouco
interesse em expressar argumentos que, no final,
não iriam mudar a sua vida. Defender os
interesses de uma pessoa em público é caro, e
os atores só estão prontos para fazê-lo when the
latter are at stake.
Também deve ser considerado que a mudança
climática envolve um bem público sensível, por
isso é particularmente inadequado usar
argumentos de auto-interesse. Para outras
questões como impostos e subsídios, há menos
que uma norma social contra o uso de
auto-interesse como um argumento,
especialmente onde decisões políticas reais têm
de ser feitas. Esta discussão mostra que este é
um assunto delicado para interpretar os dados
75
sobre a expressão de auto-interesse em
discussões políticas.
Para a expressão do bem comum em nossa
investigação sobre debates parlamentares, nos
deparamos com o problema oposto, no sentido
de que existe uma norma para expressar
argumentos em termos de bem comum. Aqui,
podemos distinguir duas categorias. Por um lado,
temos que
definir o bem comum em termos utilitários, o que
significa maiores benefícios para o maior número
de people. O caso a seguir na Câmara dos
Comuns britânica ilustra esta categoria. Em 27
de fevereiro de 1998, a Câmara discutia
prioridades governamentais para as mulheres.
Harriet Harman, Labour Secretary of State for
Social Security and Minister for Women,
referiu-se da seguinte forma para o bem comum:
"Cuidar de crianças não deve ser um serviço de
má qualidade para as famílias pobres, mas um
excelente serviço para todas as famílias. Deve
ser universal". Com esta afirmação, ela postulou
76
a melhor solução para o maior número de
famílias, e ela também se referiu ao bem da
sociedade em geral. A outra categoria do bem
comum baseia-se no princípio da diferença
conforme postulado por John Rawls. Esse
princípio afirma que, em uma decisão política em
que os grupos sociais mais desfavorecidos
devem lucrar mais. No debate mencionado acima
sobre as prioridades para as mulheres, a Sra.
Harman também se refere ao princípio da
diferença quando ela diz: "A prioridade do
governo deve ser ajudar aqueles que têm a
maior dificuldade em pagar em vez de espalhar
uniformemente em toda a média". Se olharmos
para as duas categorias de bem comum
combinadas, há uma diferença marcante entre
as sessões plenárias e reuniões das comissões.
No primeiro caso, 31% dos atos de fala
referem-se ao bem comum, no último apenas
9%. Se distinguirmos entre as duas categorias
do bem comum, em sessões plenárias 17% é
articulado em termos utilitários, 14% em termos
do princípio da diferença; em reuniões de
77
comissão, 6% em termos utilitários e 3% em
termos de princípio da diferença.
Como esses resultados coincidem com a
literatura filosófica apresentada na primeira
seção do capítulo? As discussões nas reuniões do
comitê estão longe da boa deliberação como
postulada
pela literatura filosófica. Foi o que aconteceu
raramente esses membros da comissão, que se
referiram explicitamente ao bem comum e cada
um engajado em como definir o bem comum. A
imagem não melhora se incluem referências a
interesses de grupos compatíveis com a boa
deliberação como postulada por Mansbridge et
al. Como já vimos acima, apenas 5% do discurso
atua nas reuniões das comissões referentes aos
interesses do grupo. Mais importante, nós
achamos que é difícil distinguir empiricamente
entre interesses de grupos compatíveis e
não-compatíveis
com boa deliberação. Mansbridge et al. dão dois
exemplos extremos de cada lado, o que não
78
ajuda a classificar os muitos casos no meio.
Mansbridge et al. apenas dizem que, na boa
deliberação, os participantes devem
mutuamente justificar quais interesses do grupo
são adequados. Nós não conseguimos encontrar
qualquer esforço por parte de membros do
parlamento para discutir a adequação dos
interesses dos grupos para a sua deliberação.
Resumindo, os membros nas comissões
parlamentares muitas vezes tomam atalhos em
suas discussões e não se preocupam em se
referir de maneira explícita para argumentar
sobre os interesses comuns bons ou interesses
do grupo. Como Goodin escreve, eles não
querem insistir em pontos que parecem bastante
óbvios e só iriam tomar o tempo de discussões
substantivas mais detalhadas. Referências aos
interesses comuns bons ou interesses do grupo
pode muitas vezes ser considerado como
distrações desnecessárias em reuniões de
comissão pois o tempo é sempre um recurso
escasso na política. A situação é diferente em
79
sessões plenárias sob o escrutínio do olho
público. Aqui, como temos visto, cerca de um
terço dos atos de fala referem-se ao bem público,
embora nem sempre tais referências possam
significar uma forma sincera.
A questão do bem comum também foi estudada
por Dionysia Tamvaki e Christopher Lord para o
Parliamento Europeu. Eles estudaram os debates
sobre o Tratado de Lisboa, o orçamento da UE, as
alterações climáticas, o programa de trabalho
para a Comissão, política de segurança e defesa
e
responsabilidade criminal. Para os atos de fala
individuais, eles examinaram se eles se referem
a (1) interesse nacional, (2) um interesse
intergovernamental, (3) o interesse europeu, (4)
um interesse global. Uma quinta categoria era
para atos de fala, sem referência a qualquer
interesse particular. Havia pouquíssimas
referências a um interesse nacional, sendo que o
maior número ocorreu
para a discussão do Tratado de Lisboa, com 14%
80
do discurso referindo-se a um interesse nacional.
Em contraste, um interesse europeu comum foi
mencionado com muita freqüência, variando de
42% para política de segurança e defesa para
75% para o programa de trabalho da Comissão.
Referências a interesses globais dependiam
muito do assunto, que vão desde 36% para as
alterações climáticas à apenas 3% para a
responsabilidade criminal. Tamvaki e Lord
enxergam a partir destes
resultados a indicação "de uma ordem
deliberativa cosmopolita pós-nacional”. É
realmente impressionante como poucas
referências são feitas aos interesses nacionais e
como argumentos europeus e até mesmo globais
dominam os debates. Uma comparação direta
com os parlamentos nacionais não é possível,
pois Tamvaki e Lord usaram uma metodologia
diferente para este
aspecto de sua investigação daquele que
utilizamos com a nosso Discourse Quality Index
(DQI). Mas ainda parece que, nas sessões
plenárias do Parlamento Europeu, as referências
81
do Parlamento ao bem comum são mais
freqüentes do que nas sessões plenárias do
parlamento nacional Talvez isso se deva ao fato
de que, no Parlamento Europeu, que é um novo e
uma instituição ainda frágil, os parlamentares
sintam maior obrigação em destacar interesses
comuns do que nos parlamentos nacionais
estabelecidas há muito tempo, onde pode
parecer mais adequado tomar atalhos na
formulação de argumentos. Também é possível
que as pessoas no Parlamento Europeu sejam
mais orientadas ao bem-comum que as pessoas
atraídas a desempenhar um papel nos
parlamentos nacionais onde as considerações de
poder são mais importantes.
Quais são os argumentos que os cidadãos
comuns usam quando eles discutem questões
políticas? O estudo realizado por Elzbieta
Wesolowska com pais poloneses de crianças em
idade escolar que discutem a educação sexual
nas escolas é útil. A seguinte declaração de um
dos participantes é de particular interesse: "Eu
82
me importo, sobretudo, com o bem dos meus
filhos". Quando
outros participantes observam que a tarefa do
grupo é preparar recomendações comuns para
todas as escolas públicas polonesas, ele
responde: "Todos devem ter o direito de educar
os seus próprios filhos da forma como ele ou ela
considera certo e ninguém deve interferir”. Esta
é claramente uma expressão de auto-interesse. É
compatível com a boa deliberação no sentido de
Mansbridge et al.? Houve alguma objeção de
outros participantes, mas nenhuma deliberação
cuidadosa com mútuas
justificativas de se esta expressão de
auto-interesse era compatível com a boa
deliberação. Este é um bom exemplo de como é
difícil colocar a idéia de Mansbridge et al. em
termos empíricos para distinguir auto-interesse
deliberativo e não-deliberativo. Em análise, a
distinção faz sentido, mas não é muito útil para
investigações empíricas. Susan Stokes afirma
que, para as eleições no Reino Unido e nos EUA,
over time the narrow self-interests of voters play
83
less of a role.
Ela cita uma pesquisa que, na América do século
XIX, a votação tinha sido "uma transação social
em que se entregava um bilhete do partido em
troca de uma dose de uísque, um par de botas,
ou uma pequena quantidade de dinheiro". No
Reino Unido, no século XIX, os partidos políticos
enviaram brokers para os bairros e locais de
trabalho para descobrir "as necessidades dos
eleitores individuais". Tal comportamento não é
mais considerado adequado, ou é até fora da lei.
Stokes vê "uma norma generalizada de que as
decisões democráticas devem transcender
auto-interesse econômico... Voters get at least as
worked up by arguments about what’s right as by
arguments about what’s in their group’s
interest”.
Novos dados sobre experimentos deliberativos
Na Colômbia, de um total de 1.027 atos de fala,
em 31% o falante se refere aos potenciais
benefícios e custos para o seu grupo próprio. Mas
também havia 9% dos atos de fala em que o
84
falante se referia ao bem comum e 5%, para os
princípios morais como justiça social e paz. Mais
uma vez, como nos capítulos anteriores, eu
ofereço ilustrações para as categorias de dar
algum sentimento para as categorias de
codificação.
Referência para o bem comum: "Se o acesso à
educação fosse realmente livre de carga nossos
filhos ou netos poderão ver um país melhor”.
Referência aos princípios morais: "A fim de
reduzir um pouco a violência em números, é
necessário contar com políticas claras para
chegar à justiça social ou equidade”.
Como avaliar os dados? Como vimos nos debates
parlamentares na Alemanha, Suíça, Reino Unido
e os EUA, 31% dos atos de fala em sessões
plenárias e 9 % em reuniões de comissão
previstas para o bem comum. Assim, os dados
para os ex-combatentes são comparáveis com as
reuniões das comissões. Em sessões plenárioas,
85
havia muitas referências mais para o bem
comum, mas
deve-se considerar que os parlamentares estão
sob o escrutínio público, sob pressão social para
fazer referências para o bem comum, seja
sinceramente ou não. Nos experimentos, os
ex-combatentes estavam sob nenhuma pressão,
por isso, é notável que estes muitas vezes se
referiam ao bem comum como fizeram os
parlamentares nacionais em reuniões de
comissão. Nós fizemos algumas análises binárias
por gênero, idade e educação e descobrimos que
os participantes mais jovens referem-se muitas
vezes a interesses de grupos menos específicos e
que referências a princípios morais aumentam
com mais educação.
Na Bósnia-Herzegovina, nos experimentos em
Srebrenica com sérvios e Bosnjaks, 5% dos atos
de fala continham referências ao bem comum e
1% abstraia os princípios morais, que são um
pouco menos do que na Colômbia. Há de se
considerar, no entanto, como vimos no último
86
capítulo, que nos experimentos em Srebrenica os
participantes muitas vezes contaram histórias
sobre assuntos tais como cães vadios, porcos
selvagens e o rio poluído, em que o bem comum
não foi explicitamente mencionado e, portanto,
não foi codificado, mas mais ou menos
implicitamente presentes. Para Srebrenica, é
também notável que, em contraste com a
Colômbia, praticamente
nenhum participants referiu-se a custos e
benefícios para seu próprio grupo,Sérvio ou
Bosnjak. Quando eles contaram histórias, teria
sido fácil, por exemplo, para o lixo no rio, culpar
o outro lado, mas isso quase nunca aconteceu.
Assim, embora o bem comum raramente fosse
mencionado de forma explícita, a atmosfera em
Srebrenica tinham algum sentido da ligação pelo
bem comum dos participantes em conjunto, mais
do que entre ex-combatentes colombianos. A
explicação parece ser
que em Srebrenicaas pessoas certamente tinha
más recordações sobre os massacres mas não
tinham se envolvido ativamente no combate
87
militar como os ex-combatentes na Colômbia.
Nos experimentos em Stolac com croatas e
Bosnjaks, houve também alguma atmosfera do
bem comum, embora raramente tenha sido
expressa de forma explícita.
Nos experimentos na Bélgica, 7% do discurso
dentre 1664 atos de fala, referiram-se ao bem
comum e de 9%, para princípios morais
abstratos. Estes resultados correspondem ao que
encontramos para a Colômbia e
Bósnia-Herzegovina. Seria de esperar que, na
Bélgica, como uma democracia avançada, as
referências ao bem comum e princípios morais
teria sido muito maior do que em países que
passaram por guerras recentes como Colômbia e
Bósnia-Herzegovina. Também se deve notar,
entretanto, que em apenas 3% dos atos de fala
fez Flamengos e Valões se referirem a custos
e benefícios para seu próprio grupo. Olhando
mais de perto os dados belgas, obtemos o
resultado surpreendente que os participantes dos
grupos experimentais mistos linguisticamente
88
referem-se mais vezes para o bem comum do
que os participantes nos grupos linguisticamente
homogéneas. A interpretação Pode ser que em
grupos homogêneos toma-se a liberdade de
atalhos com mais frequência por supor-se que
quase todos no grupo pensam em termos do
bem comum. Análises binárias mostram que os
mais jovens e mais educados referem mais vezes
ao bem comum.
Na Colômbia, Bósnia-Herzegovina e Bélgica, os
participantes dos experimentos foram
convidados para discutir o futuro de seus países
profundamente divididos. Assim, a discussão foi
moldada de modo a que as referências ao bem
comum quase sempre significou seu próprio país.
Para Europolis a situação era diferente. Tendo a
tarefa de endereçar as questões da imigração de
fora da UE e do clima de mudança em todo o
mundo, os participantes tiveram um quadro
multi-nível para pensar
sobre o bem comum. Eles poderiam pensar em
seu próprio país, outros países da União
89
Europeia, a União Europeia em geral e a
comunidade mundial. Os dados a seguir mostram
como os atos de fala foram distribuídos entre
estas categorias:
Referência aos interesses dos próprios países de
8%
Referência aos interesses de outros países da EU
e / ou da UE como um todo 10%
Referência para os interesses da comunidade
mundial de 4%
Nenhuma destas referências 78%
Total de todos os atos de fala de 100%
No contexto de uma discussão com pessoas de
todos os países da UE, uma referência aos
interesses do próprio país um não pode ser
considerada como uma referência para o bem
comum, mas sim como um interesse especial.
Em contraponto, 14% de referências para os
interesses dos outros países da EU como um
todo, e da comunidade mundial são orientadas
para o bem comum. Se adiconarmos referências
90
belgas para o bem comum e para princípios
morais, o resultado de 16% é muito semelhante
à a 14% para Europolis. Para as experiências em
finlandesas sobre energia nuclear, apenas 8%
dos atos de fala referem-se ao bem comum. Isso
pode significar que em um país homogêneo
como a Finlândia, os atalhos mais
frequentemente não mencionam explicitamente
o bem comum, enquanto na Bélgica, como uma
sociedade dividida e também ainda bastante
heterogênea, sente mais a necessidade de se
enfatizar interesses comuns.
(C) Implicações normativas de resultados
empíricos
Empiricamente, temos visto que os participantes
de uma discussão muitas vezes tomam atalhos e,
a fim de economizar tempo, não discutem os
auto-interesses em que os seus argumentos são
baseados. Estes atalhos são permitidos em uma
discussão que quer ser deliberativa? O tempo é
um recurso escasso, por isso há boas razões para
não se referir a interesses próprios se todos
91
sabem
quais são esses interesses. Deliberação não deve
ser chata, mas espirituosa, de modo que todo
mundo fique atento. Se oradores constantemente
se referem ao seu auto-interesses, isso se torna
tedioso e chato realmente. Se os agricultores,
por exemplo, cada vez que falam sobre uma
questão da fazenda, mencionar que eles
possuem um interesse pessoal na questão,
torna-se trivial, então os atalhos são apropriados.
A ressalva, no entanto, é que os outros
participantes devem ter o direito e até a
obrigação de exigir conhecer os interesses por
trás um argumento, se esses interesses não são
auto-evidentes. Economia de tempo nunca pode
ser usada como uma desculpa para a boa
deliberação não revelar interesses se outros
atores perguntarem para eles. Em muitos casos,
é menos evidente que no exemplo da fazenda
quais interesses por trás de um argumento sejam
revelados, pelo menos, a primeira vez que a
questão for suscitada em discussão. Em minha
opinião, os atalhos no que diz respeito aos
92
interesses devem ser usados com grande cautela
e não com muita freqüência. Temos que
reconhecer que a boa deliberação é demorada,
não é a forma mais eficiente
para organizar um debate. Bons deliberadores
não devem ser pressionados pelo tempo para
que eles sejam capazes de explicitar de forma
clara os interesses por trás de seus argumentos.
No entanto, eles devem estar cientes de quando
esses interesses se tornarem claros o suficiente
para todos, no caso de repetição se torna
tedioso. Neste sentido, a boa deliberação é uma
forma de arte.
A próxima pergunta é se a expressão de
auto-interesse é compatível com a boa
deliberação. Empiricamente, os experimentos na
Colômbia, por exemplo, oferecem casos claros
em que, na minha opinião, era em um espírito
deliberativo que os ex-combatentes expressaram
seu auto-interesse na obtenção de habitação,
saúde, educação e oportunidades de emprego.
Afinal, eles
93
estavam dispostos a desistir de armas e de
participar no programa do governo de
reintegração. Desta forma, eles prestaram um
serviço ao bem comum da sociedade
colombiana. Para ter certeza, os ex-combatentes
não ofereceram a ligação entre os seus próprios
interesses e o bem comum, mas dada a sua
situação traumática não se pode esperar que
eles sejam capazes e estejam dispostos a
articular como os seus próprios interesses podem
cabern o bem comum. Não fazer esta relação
não deve excluir os interesses próprios destes
traumatizados ex-combatentes de um discurso
deliberativo. Essa exclusão seria errada, já que
os interesses de alguns dos membros mais
pobres e sofridos da sociedade não seria
considerado.
A partir dos experimentos na Polônia, temos uma
fronteira interessante caso a expressão do
interesse próprio deva ser considerada
deliberativa ou não. Como vimos acima, pais
poloneses de crianças em idade escolar
94
discutiram a educação sexual na escola, com um
pai fazendo a seguinte declaração provocativa:
"Eu me importo, antes de tudo com o bem dos
meus próprios filhos ... Todos deveriam ter o
direito de criar ou seus próprios filhos da maneira
como ele ou ela considera certo e ninguém
deveria interferir” . Esta declaração parece
egocêntrico e não deixa espaço para o diálogo, o
pai quer decidir o que é bom para seus filhos e
não está aberto a ouvir os argumentos dos
outros. A leitura cuidadosa da declaração mostra,
contudo, que o pai cuida "Primeiro de tudo" de
seus filhos, o que deixa em aberto a
possibilidade que ele ainda se preocupa com os
filhos de outros pais. Esta deve ter sido uma
ocasião para outros debatedores pedirem ao pai
para revelar o que ele quis dizer com "em
primeiro lugar." Como ninguém deu seguimento
desta forma, temos um caso que é ambivalente
se é dentro ou fora dos limites
deliberativos.Certamente não é um exemplo
brilhante de boa deliberação. Minhas implicações
normativas são de que na boa deliberação as
95
pessoas devem ser incentivadas a colocar seus
interesses sobre a mesa. Deste modo, quase
todos os interesses devem ser autorizados a
entrar no discurso deliberativo. Raras exceções
seria se alguém exprimir um auto-interesse
brutal e explicitamente afirmar que ele ou ela
não está disposto a enviá-lo para os argumentos
de outros participantes.
Tendo estabelecido a minha posição em relação ao papel da auto-
interesse no modelo deliberativo, dirijo-me agora a questão de a
quais extensões os argumentos devem ser formulados em termos
de bem comum. Os dados empíricos indicam que, quando os
argumentos para o bem comum são feitos, muitas vezes não são
muito mais do que palavras vazias em linguagem floreada. Para
ser útil em um discurso deliberativo, argumentos para o bem
comum devem ser expressos de maneiras muito específicas. É
somente sob esta condição que outros debatedores podem reagir
a tais argumentos. Se alguém simplesmente diz que a sua
proposta é boa para o país, não há base para um diálogo
contínuo. Por outro lado, se o argumento é, por exemplo, que
uma proposta ajuda a aumentar o Produto Interno Bruto (PIB),
outro debatedor pode responder que o PIB tem pouca validade
em medir a qualidade de vida e pode propor indicadores de
qualidade de vida, como o ar limpo e baixos índices de
criminalidade. Nessa base, uma discussão espirituosa sobre
várias definições do bem comum podem prosseguir. Desse modo,
o bem comum não deve ser visto apenas em termos de
96
Estado-nação, mas também deve considerar os estados vizinhos
e, por um crescente número de temas, até mesmo o mundo em
geral. Tal discussão pode revelar que em um nível fundamental
as pessoas podem diferir muito mais que tenham conhecimento.
Mas isso é saudável para a boa deliberação. Concordo com
Rostbøll que a deliberação deve ajudar a trazer para a discussão
aberta as diferenças fundamentais. No início, isso pode
facilmente levar a uma crescente polarização. No longo prazo, no
entanto, graças à boa deliberação, as pessoas podem aprender a
aceitar que eles têm noções diferentes do bem comum. Tal
perspectiva é particularmente bem-vinda nas sociedades
profundamente divididas, tais como as estudadas neste livro. Se,
na Colômbia, por exemplo, ex-guerrilheiros aceitarem que os
ex-paramilitares definam o bem comum em termos da lei e da
ordem, e ex-paramilitares aceitarem que a justiça social é de
primordial importância para os ex-guerrilheiros, muito se
ganharia. O objetivo da deliberação não é necessariamente que
todos concordem com uma definição do que é bem comum, mas
que se aprenda a viver em paz, respeitando as diferentes
maneiras de se definir o bem comum.
97
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4 Respeito na deliberaçãoProfa. Maria Jose
(A) controvérsias normativas na literaturaHá um consenso na literatura normativa que o respeito mútuo,no sentido da reciprocidade, é um elemento chave da boadeliberação. Isto vale para ambos, falantes e ouvintes. ComoJane Mansbridge colocou, "os participantes devem tratar unsaos outros com respeito mútuo e igual interesse. Devem ouviruns aos outros e oferecer razões para recíproca compreensão eaceitação. "1 Tal respeito mútuo exige, nas palavras de AmyGutmann e DennisThompson, "um esforço para apreciar aforça moral da posição com a qual possamos estar emdesacordo. "2 Há controvérsias, no entanto, sobre a definiçãoexata de respeito e se o mesmo deve ser estendido para todosos argumentos ou, se existem argumentos que são tãodesagradáveis que não merecem respeito. Jürgen Habermasdefende que todos os argumentos devem ser considerados eque o exercício do bom senso permite o corte de argumentosdesagradáveis. 3 Esta posição habermasiana é fortementearticulada por Christian F.Rostboll que compartilha comHabermas fundamentado na teoria crítica da Escola deFrankfurt. Para Rostboll, "democracia básica subjacente edeliberativa, a meu ver, é que ninguém tem acessoprivilegiado a verdade ou aos verdadeiros interesses dosoutros. A única maneira de alcançar juízos, que têm apresunção de ter direito ao seu lado, é através de processopúblico de deliberação em que todos são livres e capazes paraparticipar". 4 Italo Testa, outro teórico, define sua posição emseu artigo, "Limites de Respeito no Diálogo Público",argumentando que não vale tudo no debate político:Respeito para a legitimidade de valores, crenças epreferências não deve ser conferido, a priori, comoincondicional e não-retrátil. Se fosse assim, teríamos como
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consequência o vale tudo: não haveriam maneiras dedistinguir entre as reivindicações legítimas e ilegítimas, odiálogo seria auto derrotado em sua estrutura de validade ...sempre haverá algum ponto de vista que não vamosconsiderar tão respeitável: e isso não é algo ruim ao própriodiálogo.5Testa faz a distinção entre o respeito aos argumentos e orespeito às pessoas que fazem argumentos. Ele é da opinião deque não há argumentos únicos, bem como, pessoas que nãomerecem respeito. Por esta reivindicação, ele dá a seguinteilustração: pegando um contexto político, em que temos deouvir a opinião de um especialista sobre como eliminar osresíduos, se descobrirmos mais tarde que o perito não foiimparcial, por não ter revelado publicamente ações que umaempresa especializada em descarte de resíduos deve procederda maneira que se propõe, então, uma interpelação pessoalseria bastante razoável. 6A partir desta ilustração, Testa conclui que "não podem haverocorrências onde a autoridade moral do reclamante é relevantepara julgar o grau de credibilidade ... isso é o que acontece narecusa do caso, em que agenda oculta justifica a alegadadúvida de que essa pessoa não pode ser um argumentadorobjetivo. "7 Testa complementa, no entanto, que a falta deautoridade moral de um locutor não tem impacto sobre alegitimidade de seus argumentos, se os dois elementos nãoestão relacionados. Neste caso, não devemos dizer, "uma vezque não são dignos de respeito, então seu argumento nãoconta". 8 Testa usa o conceito de respeito em uma formacomplexa com relação aos argumentos e pessoas sendoentrelaçadas em uma maneira multifacetada.James Bohman e Henry S. Richardson, outros dois teóricos,observam também limites que devem ser respeitados nodebate político. Para ter certeza, eles esperam "que oscidadãos se engajem civilizadamente sobre a base dos motivosque cada um realmente aceita ... idealmente, pois civilidade
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deliberativa exige estar disposto a considerar quaisquerargumentos. "9 Eles reconhecem, no entanto, as "dificuldadessobre o ser civilizado para o não civilizado" 10.Eles se perguntam se a pessoa precisa "ouvir o agressivo AnnCoulter ou o satírico Al Franken ", 11 sendo o primeiro naextrema direita, o último na extrema esquerda do espectropolítico americano. Bohman e Richardson concluem que "àsvezes, de fato, a busca da justiça requer o envolvimento comoutros não civilizados. "12 Para Kasper M. Hansen,argumentos de igualdade desafiam e liberdade de expressão edevem ser proibidos de deliberação", porque caso contrário, ateoria violaria seu embasamento teórico próprio como umadeliberação sem restrições, que limitaria as opiniões expressasdurante o processo deliberativo que ... parece impossívelquestionar a igualdade ou liberdade de expressão semquestionar todo o conceito de democracia deliberativa. "13Uma discussão muito concreta sobre argumentos aceitáveis enão aceitáveis ocorreu na Noruega, depois do terrívelmassacre, em julho de 2011. De acordo com Sverre Midthjell,um observador próximo ao local, foi o tema mais quentedepois do massacre. Como um extremista anti-Islam deve retoricamente sertratado? "Devemos tomar medidas para suprimi-lo? Será queprecisa envolver os seus argumentos, ou podemossimplesmente condená-los? "14 A controvérsia diz respeito àquestão de saber se os argumentos religiosos têm um lugarlegítimo na deliberação. A visão predominante entre osteóricos é que argumentos baseados na doutrina religiosapodem ser introduzidos em um discurso deliberativo, mas queeles devem ser traduzidos para termos seculares. John Rawls,por exemplo, escreve que argumentos religiosos "podem serintroduzidos na discussão pública política, em qualquermomento, desde que apresentadas devidas e adequadas razõespolíticas "15 Stephen L. Carter desafia esta posição aopostular que "a nossa política cultural não pode ser
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verdadeiramente deliberativa, a menos que nos deixamos sertestado religiosamente por fundamentadas crenças morais. "16Jürgen Habermas inicialmente do lado de Rawls,recentemente suavizou sua posição em se preocupar que oscidadãos religiosos podem ser forçados publicamente a razõesde estado que não estão de acordo com a sua convicção.17verdade religiosa, portanto, em seus escritos posteriores. Ele émenos contrário ao povo religioso usando um religiosovocabulário para justificar seus argumentos. Assim, essapolêmica sobre a validade dos argumentos religiosos nadeliberação tem fronteiras bastante fluidas.Outra polêmica diz respeito à questão do que significaexatamente o conceito de respeito. A definição clássica é quea troca de argumentos deve ocorrer em um ambiente calmo,educado, e de maneira não confrontada. André Bächtigerobserva que esta definição é "muito respeitosa",18 e consideraquestionar, contestar, e insistir como núcleos argumentativos,mas freqüentemente esquecidos e subvalorizados, sendoelementos de um processo deliberativo desejável e eficaz.Questionar refere-se a um processo de questionamento críticoe interrogatório; contestar refere-se a um processo deargumentos e contra-argumentos; insistir refere-se a umprocesso sustentado de questionamento e disputa, induzindoum inquérito rigoroso e rígido da matéria em consideração.19Desta forma, a deliberação recebe um caráter "contraditório econflituoso"20 Bächtiger adverte, porém, que "uma perguntaou desafio não pode ficar em confronto e contraditóriodurante todo o processo, ele deve encontrar um equilíbriocuidadoso entre confronto e atuações respeitosas. "21 Se esseequilíbrio é atingido, Bächtiger vê o seguintes efeitosbenéficos:Questionando, disputando e insistindo pode-se descobrirnovos fatos e suposições tácitas, bem como desvendarinconsistências e buracos na argumentação ... veracidade podeemergir de um processo de crítica e minucioso inquérito ...
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questionar, contestar e insistir permitem que gruposdesfavorecidos possam desvendar quadros dominantes edemonstrar que existem formas diferentes de ver as coisas ...questionamento crítico e argumentação sustentada podemdesvendar novas dimensões do tema em discussão,provocando razões de outros participantes, e por em marchaum processo de reflexão, promovendo o respeito e a eventualmudança de preferência.22 Os benefícios dos debatescontraditórios para a qualidade da deliberação são tambémdestacados por Bernard Manin, para quem "a oposição depontos de vista são razões necessárias para a deliberação, enão apenas a sua diversidade. "23 Para Manin," os benefíciosda deliberação dependem criticamente do confronto deargumentos opostos. "24 Ele teme, no entanto, que na vidacotidiana tais debates não ocorram com freqüência suficiente,porque "não se pode esperar debates contraditórios surgiremespontaneamente... pois as pessoas tendem a evitar odesconforto psíquico da discordância cara a cara. "25 Por isso,de acordo com Manin," numa prática de debates de nível,confrontos sobre questões de interesse público precisam serativamente promovidas. "26 Para essa promoção, ele faz oseguinte sugestão: Organizações de cidadãos, fundações,sociedades de debate ou outros grupos voluntários devempropor estas discussões. Tais grupos voluntários devemgradualmente estabelecer sua reputação cívica e compromissocom o interesse público. O ponto-chave é que esses debatesdevem ser deixados para o privado - embora não cominiciativas de lucros ... neste princípio, os oradores deveriam,antes de ser políticos especialistas, líderes de grupos, ativistase autoridades morais.27 Em suma, o conceito de respeito é mais controverso nafilosófica literatura sobre deliberação do que pode parecer àprimeira vista. Gera contradição se o respeito deve serestendido a todos os argumentos e pessoas e até que ponto oconfronto é compatível com respeito.
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(B) Os resultados empíricosRevisão da literaturaNa minha revisão da literatura, encontrei apenas estudosempíricos dispersos sobre o aspecto deliberativo do respeito.A dificuldade de empiricamente investigar sobre as discussõespolíticas é que às vezes o respeito, a bem da verdade,significava uma estratégia para promover seus própriosinteresses. Respeito então se torna bajulação. Se um membroparlamentar num debate, chamar outro de "meu amigorespeitado", isto muitas vezes pode ser pura bajulação. Jean de La Fontaine celebremente expõe a bajulação em suafábula "Le Corbeau et le Renard" (o corvo e a raposa) .28Embora os corvos não sejam conhecidos por serem grandescantores, a raposa expressou grande respeito pelas habilidadesde do seu canto, e o corvo sentou-se no alto em uma árvore afim de mostrar suas habilidades e começou a cantar, soltandoo queijo em seu bico. Então já era tarde demais para o corvoperceber que havia caído num truque astuto da raposa, quedesejava apenas subtrair-lhe o queijo. O corvo teria sido maisesperto se percebesse que o respeito demonstrado pela raposaera nada além de bajulação estratégica. Para distinguirbajulação de verdadeiro respeito pode ser tão difícil napolítica como o foi para o corvo.Deixe-me começar com a nossa investigação anterior dosdebates parlamentares na Alemanha, Suíça, Reino Unido, e daUS.29 Distinguimos respeito das exigências dos outros, orespeito pelos contra-argumentos, e respeito aos grupos paraser ajudado. Cada ato de fala por um membro do parlamentofoi codificado para todos os três aspectos em uma escala denenhum respeito ao respeito explícito. Houve grande variaçãono nível de respeito. Um ilustração de alto respeito vem deum debate no Conselho Suíço de Estados sobre emendas àConstituição com um artigo de linguagem. Na fase decomissão, de língua alemã, René Rhinow propôs a criação da
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alteração do princípio abstrato da liberdade de linguagem,análogo a outras liberdades como a liberdade de religião. Eleretirou sua proposta, em sessão plenária, em deferência àoposição de muitos francófonos, e ao fazer isso ele se referiu àimportância das relações pacíficas entre os grupos lingüísticosa partir de uma deliberada perspectiva. O importante é queRhinow estava disposto a ouvir com relação aos argumentosdos oradores franceses que o estabelecimento do princípio daliberdade da linguagem pode levar a língua alemã às escolasdas regiões de língua francesa, o que violaria o princípio daterritorialidade para questões escolares. Não houve barganhano sentido de que Rhinow teria recebido algo em troca pararetirar sua proposta. Foi simplesmente por respeito aosargumentos de seus colegas das regiões de língua francesa queRhinow retirou sua proposta. Um exemplo extremo de desrespeito ocorreu em um debatesobre o aborto no Parlamento alemão, quando Noel Jäger,interrompido por outro membro do parlamento, gritou: "Paraisso, você merece um tapa na cara. "30 com esta observaçãorude, Jäger demonstrou uma total falta de respeito aoargumento de seu colega parlamentar. Desta forma, sinalizouque para ele o argumento não tinha mérito por isso não valia apena considerar.Para se ter uma visão global do grau de respeito nestesdebates parlamentares, construímos um índice sintético derespeito que vai desde 0 a 9, com 9, expressando o maiornível de respeito. Mais uma vez, encontrada uma diferençainteressante entre as sessões plenárias e das reuniões decomissões. Desta vez, reuniões de comissões eram maisdeliberativas do que sessões plenárias. A média no índice emrelação ao respeito foi de 3,67 para reuniões de comissões e3,36 para as sessões plenárias. Lá parece ser um troca entre osvários elementos deliberativos acontecendo. Nos capítulos 2 e3, vimos que nas reuniões das comissões, justificativas deargumentos são menos elaboradas e as referências ao bem
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comum, menos freqüentes do que em sessões plenárias; agoravemos que o respeito é maior em reuniões de comissões doque em sessões plenárias. Sentado cara-a-cara em torno deuma mesa parece gerar mais respeito do que a definiçãoformal de sessões plenárias.Em seus estudos de debates em plenário no Parlamento Europeu, Dionísia Tamvaki e Christopher Lord também analisaram o respeito, uma vez que, novamente usando o nosso Índice de Qualidade do Discurso (DQI), 31 em que 25 por cento de todos os atos de fala não mostrou respeito para asdemandas e argumentos de outros participantes, 20 por cento eram neutras, e 55 por cento revelou relação implícita ou explícita. Nas sessões plenárias do nosso parlamento nacional,os números correspondentes são 26 por cento para nenhum respeito, 60 por cento neutros e 14 por cento para o respeito implícito ou explícito. Assim, debates no nível europeu foram mais respeitosos do que em nível nacional. Tamvaki e Lord discutem que, em comparação com o nível nacional, poucos atos de fala no nível europeu foram neutros, o que indica "engajamento genuíno na discussão, caracterizando a política deliberativa no Parlamento Europeu."32 Por que essas diferenças entre o Parlamento Europeu e o nível nacional? Minha discussão no capítulo anterior em referência ao bem comum também pode se aplicar ao respeito, no sentido de queambos os elementos atinjam um nível elevado, porque o Parlamento Europeu ainda é uma instituição frágil, com menor potência, de modo que o debates tendem a ser mais civilizados do que nos parlamentos nacionais. Descobertas de Nicole Doerr que estão em seu estudo sobre o Fórum Social Europeu, também podem ser relevantes: reuniões preparatórias tiveram lugar no nível nacional e eram menos respeitosas do que reuniões posteriores no nível Europeu.33 Aexplicação que Doerr oferece pode também indicar a diferença entre o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais, ou seja, que a necessidade de tradução simultânea
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no Parlamento Europeu leva a mais cuidadosa escuta e, como consequência, a um maior nível de respeito. Sverre B. Midthjell focou para um determinado tipo de parlamento, o parlamento de alunos da Universidade de Oslo e da norueguesa Universidade de Ciência e Tecnologia em Trondheim.34 Usando nosso DQI, ele investigou quatro debates em Oslo e dois em Trondheim, todos eles tratados como assuntos universitários internos, tais como a criação de uma faculdade separada para centro de pesquisas universitário. Apenas 11 por cento expressaram desrespeito para com os argumentos de outros representantes dos estudantes, muito menor do que os números para os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu.35 Esta descoberta parece indicar que os profissionais parlamentares tendem a ser mais cínicos sobre os motivos de seus colegas e membros do que os parlamentos dos alunos; talvez se envolver por um longo período de tempo ou tempo integral a política não contribui para esse cinismo; enquanto os alunos envolvidos na política universitária ainda têm um certo otimismo sobre os motivos de seus colegas.No que diz respeito a discussões entre os cidadãos comuns,em vez de profissionais parlamentares, James S. Fishkin et al.realizou um estudo numa situação em que o respeito pareceser particularmente difícil de obter, entre católicos eprotestantes na profundamente dividida Irlanda do Norte.36No distrito de Omagh, uma amostra aleatória de paisescatólicos e protestantes estava reunida para discutir questõeslocais da escola; sendo o método de investigação odeliberativo Polling.37 Aqueles que concordaram emparticipar preencheram um questionário antes do experimento,e foram enviados documentos coletivos transmitindoinformações factuais relevantes, destacando as várias opçõespara a entrega, educando a esboçar os argumentos pró e contracada opção. A discussão teve lugar em grupos aleatórios decerca de 10 participantes, liderados por moderadores
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treinados. Participantes foram encorajados a ser respeitosospara com o outro. Após as discussões, participantesnovamente preencheram o questionário. O objetivo dapesquisa era apontar alteração de opiniões a partir dopré-experimental para o questionário pós-experimental. Oresultado foi que "os participantes adquiriram visões muitomais positivas da outra comunidade intermunicipal e derelações. "38 Por exemplo, para o item de quão confiável ooutro lado é, utilizando uma escala de 0 a 1, protestantesvariaram de 0,646 para 0,751, católicos de 0,621 para 0.709.39 Este estudo é de especial interesse, pois dá um aspectodinâmico em perguntar como respeito pode ser alterado. Seencorajados a ser respeitoso, o respeito de fato aumenta,mesmo em uma sociedade profundamente dividida quanto aIrlanda do Norte. Para Fishkin et al., estes resultados sãoainda mais impressionantes, tendo em conta a simplicidadedesta intervenção. A sondagem deliberativa implicou apenasalguns dias de algumas semanas de elevada aprendizagem ediscussões casuais no intervalo entre as primeiras entrevistas eas deliberações, e apenas um dia de deliberação organizadaem grupos de discussão heterogêneos - isto em um contextomarcado por décadas de hostilidade e tensão inter-grupos, àsvezes marcada por intensa violência. Nesse sentido, asmudanças de atitudes políticas relacionadas com relaçõesintergrupais e em atitudes em relação ao outro grupo sãoimpressionantes.40 Elzbieta Wesolowska também fezexperiências sobre assuntos escolares com pais de escolasinfantis.41 O estudo dela foi realizado na Polônia abordando aquestão da educação sexual nas escolas. No que tange aoaspecto de respeito, ela encontrou alguns casos de respeitomútuo, especialmente quando um grupo era composto apenaspor mulheres, que poderiam compartilhar experiênciascomuns de sexualidade e maternidade. O tema tambémprovocou, no entanto, um comportamento vigorosamentedesrespeitoso. O mais gritante exemplo foi de um homem
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fortemente católico, que em sua primeira afirmação,apresentou sua posição da seguinte maneira: "Eu gostaria depedir da escola ... e não apenas pedir, mas simplesmenteexigir que os professores apresentem a sexualidade humana apartir da perspectiva da Igreja Católica ... caso contrário nãoirei permitir qualquer tipo de ensinamento. "42 Wesolowskacomentou que "a sua expectativa de que outros disputantesdevem aceitar a perspectiva da igreja católica como orientaçãoexclusiva para a educação de seus filhos é contraditório com oprincípio da reciprocidade. "43 Quando este orador, no debatemais aprofundado, "ouviu os argumentos que minam alegitimidade de seu ponto de vista, ele atacou os outros compalavras ásperas e ofensivas. Aqueles a quem atacou tentaramevitar a discussão em primeiro lugar. Contudo, finalmente, adiscussão se tornou tão carregada de emoção que todos osparticipantes se envolveram em uma troca violenta depalavras. "44 Este é de fato um episódio de respeito muitobaixo terminando em uma competição de gritos. Julien Talpinfez um estudo qualitativo etnográfico da experiência, na vidareal, de participação cidadã nas decisões políticas.45 Omodelo que ele seguiu foi o de (Porto) Alegre, no Brasil, ondeos cidadãos estavam envolvidos no processo orçamentário.Talpin estudou três comunidades européias onde estaexperiência também foi replicada: Morsang-sur-Orge emParis, banlieue, o distrito XI, em Roma, e Sevilha, naEspanha. Nestas três comunidades cidadãos comuns tiveram aoportunidade para se envolver no processo do orçamentoordinário e, dentro de um limite máximo, alocar dinheiro paraos diferentes programas da comunidade. Talpin foi capaz de observar completamente 124 reuniões, etambém fez entrevistas com os organizadores e participantes.Houve baixa reciprocidade; discussões consistiramprincipalmente em monólogos sem muitas reações por outrosparticipantes. Como Talpin coloca: "a maioria das pessoasargumentam sua opinião, diagnosticam problemas e possíveis
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soluções, mas evocam de uma forma monológica.Intervenções pessoais não respondem aos anseios uns dosoutros e quase nunca acabam em uma troca construtiva deargumentos e contra- argumentos. "46 Baseado em suasobservações e entrevistas, Talpin vê a principal razão para abaixa reciprocidade na relutância do cidadão comum paraexpressar divergências: A expressão pública de desacordo éum movimento difícil. A maioria das pessoas considera suasopiniões para assuntos particulares, que não precisam serdiscutidas, justificadas e, eventualmente, modificadas depoisde uma discussão com estranhos. Parece que não há, namaioria dos espaços públicos, uma força cultural empurrandoas pessoas a respeitar as opiniões dos outros, portanto,recusando-se a contradizer ou convencê-los.47Novos dados sobre experimentos deliberativos 48 Na Colômbia, entre os ex-combatentes, que seria de se esperarmuito baixo níveis de respeito, porque até pouco tempo atrás,eles estavam atirando em outros na selva. Não iriamex-combatentes usar a ocasião desses experimentos paraexpressar o desrespeito, a animosidade, e até mesmo o ódiopara o outro lado? Os dados dos 28 ensaios dão umacomplexa imagem. Por um lado, do total de 1.027 atos de fala,somente oito continha linguagem respeitosa para com osoutros participantes. Aqui estão dois exemplos:Um ex-paramilitar, aos 31 anos, e nove anos de educação:"Você está absolutamente certo no que você diz. Muito bom."49 Um ex-guerrilheiro, de 44 anos, cinco anos de educação:"O que o companheiro diz é verdade. "50 Por outro lado, noentanto, foi utilizada linguagem vulgar também muitoraramente, em apenas nove atos de fala. Novamente doisexemplos:Um ex-paramilitar, de 27 anos, 11 anos de educação: "nãoseja estúpido! porcaria, cara! se você trabalha, porra, você nãomorre de fome! obviamente! não espere que o governo dêcasas de graça; vá trabalhar! "51 Uma mulher ex-guerrilheira,
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de 35 anos, cinco anos de educação: "Você é a próxima? Dêsua opinião.... O próximo é este senhor...Também não queroopinar. Nenhum dos dois quer dar uma opinião. Como nãoquerem opinar?"52 Como interpretar estes resultadosintrigantes quando os ex-combatentes são geralmente nemrespeitosos nem desrespeitosos? Minha interpretação é queeles são extremamente cautelosos dada a sua história recente,isto faz sentido; saindo de um conflito armado, eles estãotraumatizados e não querem correr riscos usando as palavraserradas. Como nós vimos na introdução, eles estavamrelutantes em participar das experiências, revelando suacautela. Como deliberativo vamos caracterizar ocomportamento, no que diz respeito ao elemento de respeito edesrespeito? Aqui, novamente, vemos que os padrões dedeliberação dependem do contexto; dada a sua situação comoex-combatentes, podemos considerar como umcomportamento apropriado para mostrar cautela nasinterações com o outro lado; alguém poderia argumentar quetal comportamento cauteloso pode preparar participantes parainterações mais respeitosas em um momento posterior,quando as memórias das experiências de guerra estãolentamente desaparecendo. Há, no entanto, também umacontra-hipótese plausível, com mais tempo decorrido desde aguerra, os ex-combatentes podem sentir menos hesitação aoarticular desrespeito para com aqueles que lutaram do outrolado.
Tendo visto nestes primeiros quatro capítulos os aspectos departicipação, justificação, bem comum e respeito, este é umbom momento para fazer uma análise mais profunda. Atéagora, o foco estava no nível micro dos atos de falasindividuais. Vamos tomar uma visão sistêmica de tentaravaliar o comportamento dos colombianos ex-combatentes,como parte de um sistema potencialmente deliberativo no paisem geral.53 Para tomar esta abordagem, deve-se levar em
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conta que os ex-combatentes encontraram pela primeira vezpara falar sobre assuntos políticos. A partir de umaperspectiva sistêmica, é notável a reunião de todos, emboraalguns ex-combatentes se recusaram a tomar parte nasexperiências. No geral, o tom da conversa foi civilizada comexpressões de muito pouco desrespeito, embora o respeitoexplícito também foi muito raro. A atmosfera foicaracterizada por grande cautela; ex-combatentes articularamidéias de como a Colômbia poderia se tornar um país maispacífico, é certo que muitos não falaram, mas pareciam serouvintes atentos.Argumentos raramente foram justificados com um apelo aointeresse público; na maioria das vezes eles só foramjustificados com histórias, ou não em todos, mas tais históriasajudaram a aliviar a atmosfera. Parece-me que ocomportamento dos ex-combatentes pode ser avaliado de umaforma positiva a partir de uma perspectiva sistêmica. Se maisconversas em grupo em toda a profunda divisão colombianativessem lugar deste modo, as conseqüências para o paísseriam positivas. Não se pode esperar que os ex-combatentes,reunidos pela primeira vez sobre as questões políticas, teriamum espírito de discussão com plena participação, respeitomútuo e elaborado justificativas com referências freqüentes aobem comum. Para uma primeira reunião, as discussões dosex-combatentes foram boas o suficiente e de bom augúriopara mais conversas, mais deliberativas.Na Bósnia-Herzegovina, os resultados em matéria de respeitosão semelhantes para aqueles na Colômbia. Nos experimentosem Srebrenica com sérvios e Bosnjaks, apenas um ato de falacontinha linguagem chula de desrespeito em direção a outrosparticipantes, e apenas dois atos de fala mostrou respeitoexplícito. Houve, no entanto, linguagem chula muito dirigidaàs autoridades locais em Srebrenica, ambos, os sérvioscomuns e Bosnjaks reclamaram sobre a corrupção e subornoentre todos os membros das autoridades locais. Uma queixa
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foi, por exemplo, que as bolsas só valem para as criançascujas famílias trabalham para o município.Considerando a profunda divisão étnica da cidade é notávelque um participante se queixou de que as autoridades locaisquerem separar os grupos étnicos, "para nos impedir de viverjuntos", para que eles possam manter o seu poder. Perante estaatitude negativa em relação ao local de autoridades, uma certasolidariedade surgiu entre os participantes dos experimentos.Solidariedade interna determinada com base em hostilidadecontra as autoridades também surgiu nos experimentos emStolac com croatas e Bosnjaks. Esta solidariedade impediudesrespeito entre os participantes, mas não foi tão longe aponto de estimular a linguagem explicitamente respeitosa.Uma análise interina para a Bósnia-Herzegovina com base nosquatro primeiros capítulos de uma perspectiva sistêmica,parece ainda mais positiva do que para a Colômbia. Quasetodos os participantes tomaram parte nas discussões e foramenvolvidos em um rápido dar e receber com ambos os ladosouvindo uns aos outros. Para ter certeza, referências explícitasao bem comum foram raras em argumentos, ou não foramjustificadas em todos ou só se justifica com histórias.Expressões de respeito explícito eram raros, como eramexpressões de desrespeito explícito. O que foi surpreendentefoi que, ainda mais do que na Colômbia, as histórias foramusadas para aliviar a atmosfera. Assim, participantes falaramapenas em termos gerais sobre questões de formadescomprometida, não abordando a forma como exatamenteessas questões deveriam ser resolvidas. Deste modo, evitavamo perigo apontado por Rostbøll de alcançar apenas falsoconsenso. Criando um ambiente descontraído com piadas erisos, parecia uma boa maneira de iniciar uma conversaatravés das profundas divisões étnicas em Srebrenica e Stolac.Outras reuniões de grupo seriam realmente boas de umaperspectiva sistêmica; os participantes dos experimentosforam sábios o suficiente para não abordar de forma concreta
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e detalhada, todos os problemas graves enfrentados em suascidades. Primeiro, tem de se preparar o terreno na criação deum ambiente de “vida comum”, como Habermas utiliza otermo, e isso os participantes foram capazes de fazer; elestornaram-se cientes de que, independentemente de suaorigem étnica, foram confrontados com graves problemas queafetam concretamente seu cotidiano.Na Bélgica, o discurso de 1664 apontou que 10 por centomostrou respeito e 4 por cento desrespeito para com os outros.Linguagem desrespeitosa foi mais raro do que nosparlamentos nacionais e no Parlamento Europeu ecorrespondia mais ao que encontramos entre osex-combatentes na Colômbia. Para este último, a minhainterpretação foi que, dado a seu traumático passado, elesforam cautelosos em ofender outros participantes. Talinterpretação não faz o mesmo sentido para cidadãos comunsbelgas, afinal, eles não enfrentaram os mesmos traumas queex-combatentes na Colômbia. Talvez atacar argumentos dosoutros com a linguagem é um comportamento desrespeitosotípico de parlamentares, mas não de cidadãos comuns, nemmesmo de ex-combatentes; afinal de contas, os membros doparlamento querem ser reeleitos e, portanto, têm um incentivopara colocar os outros para baixo; para os cidadãos não tem omesmo efeito. Como é sugerido por Talpin, eles são relutantespara expressar divergências. Os dados também revelam quebelgas, cidadãos comuns, são um pouco relutantes emexpressar respeito explícito, com apenas 10 por cento de atosde fala que se inserem nesta categoria; mostrando respeitopara uma posição em particular, podem indicar discordar deoutras posições, e, como Talpin argumenta, para o cidadãopúblico comum o desacordo é um movimento difícil. "54Olhando mais de perto os dados belgas, encontramos maisuma vez, que já temos uma justificativa racional e referênciaspara os princípios morais do bem comum e, que, com relaçãoa respeitar o misto de grupos lingüísticos, foram mais
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deliberativos do que com os grupos homogêneos. De fato,quando Wallons e Flemish se sentaram juntos, apenas 2 porcento dos atos de discursos foram desrespeitosos e 19 porcento respeitosos. Estes elevados níveis de respeito são aindamais notáveis considerando que, no momento dasexperiências, na Bélgica estava em tumulto com relação àsquestões da linguagem. Uma análise binária por sexo, idade eescolaridade não mostrou diferenças entre homens e mulheres,mas o maior respeito foi expresso pelos mais educados egrupos etários mais jovens. Para a Bélgica, também temosdados sobre a interatividade medida com participantesescutados mutuamente e como reagiram ao que ouviram:O orador ignora argumentos e perguntas dirigidas para ele ouela -12%;O orador não ignora argumentos e perguntas dirigida a ele ouela, mas intencionalmente ou involuntariamente distorce estesargumentos e perguntas - 13%;O orador não ignora argumentos e perguntas dirigidas a ele ouela e se envolve nestes de forma correta e sem distorções -64%;Ainda sem argumentos e perguntas dirigidas a este orador -11%.Total de atos de fala - 100%.Estes dados mostram um elevado nível de interatividade;omitindo os casos em que ainda não haviam perguntas ouargumentos dirigidos a um orador, 72 por cento das reaçõesforam deliberativas no sentido de que o orador reconheceu osargumentos e perguntas de uma maneira adequada; para osgrupos mistos a situação correspondente é equivalente a 84por cento, reforçando o ponto em que flamengos e valões sãomais deliberativos quando eles vêm juntos do que quando elesse encontram entre si. Análise binária mostra aqui, também,que não há diferenças entre mulheres e homens e que a altaescolaridade dos grupos etários mais jovens são maisdeliberativos.
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Fornecemos uma análise interina para a Bélgica com base nosprimeiros quatro capítulos a partir de uma perspectivasistêmica; para obter uma comparação válida com a Colômbiae Bósnia-Herzegovina, os grupos de especial interesse sãoaqueles já conhecidos - valões e flamengos; nesteslinguisticamente grupos mistos, de acordo com todos oscritérios, a deliberação foi maior do que nos dois paísesdevastados pela guerra. O que isso significa a partir de umaperspectiva sistêmica? Será que os participantes belgas fazemuma maior contribuição para um sistema deliberativo do queos da Colômbia e Bósnia-Herzegovina? Em minha opinião,não necessariamente. A Bélgica tem uma democracia madurasem violência política. Portanto, as expectativas dos cidadãosbelgas serem capazes e dispostos a deliberar devem sermaiores, mesmo dadas as normas democráticas mais elevadasdo que na Colômbia e Bósnia-Herzegovina, ainda é notávelcomo a forma deliberativa de grupos linguisticamente mistoseram, especialmente quando, durante o mesmo períodopolítico, líderes não foram deliberativos em tudo, sendoincapaz de montar um gabinete estável através da partilhalinguística. Assim, linguisticamente misturados, grupos comoos que nós analisamos poderiam ter um efeito positivo de umaperspectiva sistêmica.Na Europolis, em 17 por cento das falas o orador reagiu deuma forma positiva aos argumentos dirigidos a ele ou ela, em5 por cento de uma forma negativa. O número de atos de falasrespeitosas é, assim, maior que na Bélgica em geral, massobre os mesmos grupos mistos de valões e flamengos. Esta éuma notável semelhança, tanto nos grupos belgas mistoscomo nos grupos das pessoas que falam ao Europolis emdiferentes línguas e se encontraram mostrando respeitoespecial para os participantes falantes de outra língua. Emboraestes dados sejam sinais de esperança para a comunicação e orespeito entre as linhas de linguagem, deve-se tambémconsiderar que a tradução simultânea foi feita em ambas as
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situações, e este aspecto técnico pode ter ajudado ao respeitomútuo, visto que os participantes só podiam falar quando seumicrofone estava ligado, quando as interrupções rudes sãomenos prováveis, com menos de um rápido dar e receberhaviam mais impedimentos para fazer declaraçõesdesrespeitosas.Até que o microfone fosse ligado, os participantes tiveramtempo para verificar a sua raiva. O Europolis também temdados sobre a interatividade, que foi menor que na Bélgica;em 41 por cento dos discursos o orador não reagiu aosargumentos anteriores, enquanto o valor correspondente foi de12 por cento na Bélgica, como visto acima. Parece que oscidadãos da União Européia ainda não estão suficientementefamiliarizados com o outro, por isso são mais relutantes doque em nível nacional para se envolver em uma conversacontínua.Pode-se dizer que os cidadãos da UE estão cautelosamenterespeitosos com os demais. Um sinal de esperança para opotencial de deliberação na UE é que os participantes comopiniões extremas sobre imigração interagiram tanto commoderados como entre si.55. Considerando, também, o queencontramos nos primeiros quatro capítulos, o nível dedeliberação em Europolis era bastante semelhante à Bélgica.Como análise interina, eu pergunto, o que significa essasemelhança de uma perspectiva sistêmica; uma vez que ospaíses da UE têm estado em paz por um longo tempo, asnormas deliberativas devem ser mais elevadas do que naColômbia e Bósnia-Herzegovina, ou, talvez no mesmo nível,como na Bélgica, depois de todos, tanto a UE como a Bélgicatêm profundas divisões, embora não lhes causando violênciapolítica. Como na Bélgica, os cidadãos comuns na União Européia sãonotavelmente deliberativos; nos parece que em muitas vezes éo caso dos políticos da UE; portanto, eventos como Europolispodem contribuir para um sistema deliberativo no nível da
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UE.Para os experimentos finlandeses sobre a energia nuclear, 7por cento dos discursos continham declarações desrespeitosas,ligeiramente mais elevados do que na Bélgica e Europolis. Adesagregação por sexo, idade e educação mostram que omaior número de declarações desrespeitosas ocorreu entreparticipantes homens, mais velhos e com níveis mais baixosde educação.56 O projeto finlandês também tem dados sobrereciprocidade: 32 por cento dos discursos não continhamreferências aos argumentos proferidas em discursosanteriores; os mais jovens foram mais interativos do que aspessoas mais velhas, enquanto que não houve diferençassignificativas por gênero e educação. O nível finlandês deinteratividade é menor do que na Bélgica, mas superior emEuropolis. O alto nível de interatividade na Bélgica pode tersido estimulado pela urgência da questão da linguagem napolítica belga e a disposição dos participantes para encontrarsoluções. Fazendo uma análise mais profunda para aFinlândia, a partir de uma perspectiva sistêmica, podemosnotar que o nível de deliberação é um pouco menor do que emEuropolis e Bélgica. Talvez se poderia esperar que um paíshomogêneo, com um consenso cultural teria um nível superiorde deliberação. De uma sistêmica perspectiva, no entanto,mais deliberações na Finlândia podem não ser necessárias;pelo contrário, uma competição mais vigorosa seria desejável.O caso finlandês é uma boa ilustração para discutir até queponto mais deliberações serão sempre melhor. A partir desteponto de vista, os participantes dos experimentos finlandesesforam bem, mas talvez não servindo para deliberaçãoexagerada; nossas análises provisórias para todos os cincocasos têm mostrado que o contexto deve ser levado em contase quiser avaliar o nível de deliberação; não existem padrõesabsolutos contra o qual os níveis de ponderação em diferentescontextos possam ser avaliados.Finalmente, há alguns resultados relevantes no contexto atual
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de como os atores religiosos na Suíça expressam argumentossobre o aborto e a imigração. Como nos lembramosanteriormente no capítulo, há controvérsias entre os teóricosse os argumentos expressos religiosamente têm um lugar nadeliberação. André Bächtiger et al. tem investigado referendosnacionais sobre o aborto e imigração em grupos religiosos eestendendo a atores religiosos individuais que apresentaramseus argumentos em termos seculares ou religiosos; os seusresultados são de que "agentes religiosos, no contexto suíço,usam muito menos argumentos religiosos do que se poderiasupor. Comumente, quando vão a público, atores religiosos,em sua grande parte, respeitam as normas seculares dodiscurso público. "57 Este é um importante achado que vai meajudar na próxima seção para desenvolver a minha posiçãonormativa em relação ao lugar de argumentos religiosos nodiscurso deliberativo.
(C) implicações normativas de resultados empíricosA questão relevante é normativamente e deliberadamentecomo atores pensam que devem lidar com o desrespeito.Como vimos na primeira seção de argumentação, mesmo osargumentos desrespeitosos têm um lugar na deliberação edevem ser tratados, enquanto outros teóricos são da opiniãode que alguns argumentos são tão desagradáveis que nãodevem ser abordados no todo. Eu concordo com a últimaposição, tendo encontrado em estudos empíricos algunsargumentos que são tão desrespeitosos que não devem serconsiderados. Ofereço três exemplos da segunda seção destecapítulo para fazer algumas considerações gerais. Durante umdebate sobre o aborto no Bundestag alemão, Claus Jägerinterrompeu um membro do sexo feminino, dizendo que, parao argumento apresentado ela merecia um tapa na cara, o quefoi uma desagradável maneira de expressar sua discordância,sendo que o membro do sexo feminino, com razão não reagiu.Embora não significasse um tapa na cara em uma forma
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literal, ele havia violado a dignidade humana de sua colegaparlamentar. Ele deu a entender que teria sido melhor se elanão tivesse falado, negando assim o seu estatuto de igualdadee liberdade de expressão. Isto é exatamente o que Hansen temem mente quando argumenta que desafiadora igualdade eliberdade de expressão não são aceitáveis, porque prejudicamo próprio fundamento da deliberação.O segundo exemplo tem a ver com um colombianoex-combatente que argumentou que os ex-combatentes nãodevem ter alojamento gratuito com dinheiro do governo; esteé um argumento perfeitamente legítimo de que esteex-combatente tinha todo o direito de fazer; no entanto, eleusou de tal linguagem obscena que o próprio argumentoperdeu a sua credibilidade. Deixe-me repetir o que ele disse:"Não seja estúpido! porcaria, cara! se você trabalha, porra,você não morre de fome! obviamente! não espere peloGoverno para dar casas de graça. Vá trabalhar! "Talformulação não é aceitável nos parlamentos, onde há regrassobre a linguagem adequada, e com razão. Em minha opinião,tais regras, de maneira informal, também devem ser aplicadasao discurso político fora do parlamento. Para uma boadeliberação culta, é importante que a linguagem apropriadaseja usada. Argumentos podem ser colocados de formascontundentes e resistentes, mas sem linguagem ofensiva,como a utilizada pelo ex-combatente. Ele poderia ter ditosimplesmente que a habitação governamental livre édesnecessária se ex-combatentes estão dispostos para otrabalho, sem sublinhar o argumento com linguagem chula.Na minha visão, em deliberação é bom que os participantestomem a liberdade de apontar que esse tipo de linguagem nãoé aceitável. Como os parlamentos, partidos políticos, gruposde interesse, conselhos escolares locais, etc., devem trabalhardentro de suas próprias regras de linguagem adequada.O terceiro exemplo que tiro é das experiências polonesassobre educação sexual nas escolas; como nos lembramos, um
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homem ferozmente católico fez a seguinte declaração: "Eugostaria de pedir da escola ... e não só pedir, massimplesmente exigir que os professores apresentem asexualidade humana a partir da perspectiva da igrejacatólica ... caso contrário, eu não permitirei qualquer tipo deensinamento. "A meu ver, tal afirmação não deve ser aceitávelno bom discurso deliberativo, porque não abre qualquerespaço para a reciprocidade. O homem diz, com efeito, que,ou você ensina a minha maneira ou você não irá ensinar, e euestou fechado para todas as outras alternativas; essa fala nãodeve ser tolerada; outros participantes precisam dizer aohomem que ele deve adotar uma posição mais aberta se eledeseja continuar a fazer parte da discussão.Depois de estabelecer limites sobre a linguagem no discursodeliberativo, essas limitações não implicam que a linguagemdeve ser sempre muito educada, ao contrário, eu gosto de umadiscussão animada, onde os argumentos são apresentados deuma forma contundente. Os ex-combatentes na Colômbia, porexemplo, foram muitas vezes contidos na maneira deapresentar os seus argumentos; como conseqüência, adiscussão não era frequentemente muito animada; em minhaopinião, é apropriado caracterizar argumentos em termosnegativos. Por exemplo, se um argumento parece ao ouvintetão incoerente e logicamente falho, este ouvinte deve dizê-lo epedir esclarecimentos; tal reação crítica não implica uma faltade respeito, pelo contrário, ela mostra que o argumento dooutro é levado a sério e que o ouvinte deseja entenderplenamente. Com esta posição, eu apoio a idéia de Manin, deque os debates contraditórios da sociedade civil devem serorganizados de forma que as divergências não são suprimidas,mas articuladas e discutidas com energia. A boa deliberaçãodeve ser respeitosa, mas ao mesmo tempo alegre e espirituosa.Permanece a questão de argumentos religiosos no discursodeliberativo. Aqui o problema é que os argumentos puramentereligiosos citam como justificativa pessoas santas, textos ou
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símbolos que pessoas não-religiosas não estão dispostas aaceitar como justificativa. É uma falta de respeito, se pessoasnão religiosas não aceitam argumentos religiosamentebaseados, ou, pelo contrário, uma falta de respeito, se aspessoas insistem em seus argumentos religiosamentebaseados. Para esclarecer a minha posição, me deixe tomar ohipotético exemplo de um debate político sobre um projeto delei deliberar se em processo de divórcio o adultério deve serconsiderado como um elemento negativo, por exemplo, aodecidir sobre a guarda dos filhos. Um participante dadiscussão pode responder a esta questão afirmativamente coma justificativa que os Dez Mandamentos considera adultériocomo pecado. Esta declaração seria aceita como justificativaválida do ponto de vista deliberativo? Acho que não! Noentanto, ainda permitiria que este argumento religiosamentebaseado seja apresentado no discurso deliberativo; deve sertratado com respeito e não a priori, ser rejeitado. Outrosparticipantes, no entanto, devem ajudar a colocar o argumentoem termos seculares, por exemplo, em termos de equidade ejustiça social. A orientação religiosa do participante podefazer resistir a tal tradução em termos seculares, insistindo quea única base para seu julgamento são os Dez Mandamentos;nessas condições, no interesse da civilidade, outrosparticipantes não devem persistir, porque isso pode colocar oparticipante religiosamente orientado em uma posiçãodesconfortável. Mas os outros participantes têm direito a nãoentrar no mérito da discussão com relação aos DezMandamentos.É um assunto completamente diferente, se muitosparticipantes, mesmo a maioria, tomar os Dez Mandamentoscomo base para o seu julgamento. Eu não consideraria essadiscussão como deliberativa, porque se baseia em umasuposição doutrinária que não pode ser posta em causa. Naminha opinião, em boa deliberação todos os pressupostosdevem estar abertos a serem desafiados.
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A pesquisa de Bächtiger et al. mostra que muitos atoresreligiosos são dispostos e capazes de traduzir os seusargumentos religiosos em termos seculares. Isto significa que,no mundo real da política religiosamente orientada, as pessoaspodem muito bem participar como titulares no discursodeliberativo, se eles não insistem que os seus argumentos sãode caráter religioso inquestionável. Eu mantenho a mesmaopinião de qualquer doutrina que é apresentada comoinquestionável; se, por exemplo, uma pessoa apresenta umadiscussão baseada unicamente em doutrinas marxistas ou delivre mercado, isso viola o espírito deliberativo. Na verdade,qualquer deliberação e posição deve estar aberta e sendodesafiada; como Sverre Midthjell apontou para mim,logicamente este princípio também deve se aplicar ao modelodeliberativo próprio. Aceito este ponto e concordo que nós,como estudiosos deliberativos, devemos estar dispostos adeliberar sobre o valor da deliberação, caso contrário, adeliberação corre riscos de se tornar um dogmainquestionável.58
Referências1 Jane Mansbridge with James Bohman, Simone Chambers, DavidEstlund,Andreas Follesdal, Archon Fung, Christina Lafont, Bernard Manin, andJoséLuis Marti, “The Place of Self-Interest and the Role of Power inDeliberativeDemocracy,” Journal of Political Philosophy 18 (2010), 2–3.2 Amy Gutmann and Dennis F. Thompson, “Moral Conflict and PoliticalConsensus,” Ethics 101 (1990), 85. See also Rainer Forst, Das Recht aufRechtfertigung (Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2007).3 Jurgen Habermas, Between Facts and Norms: Contributions to aDiscourseTheory of Law and Democracy, trans. William Regh (Cambridge, MA:MITPress, 1996), especially pp. 104ff.4 Christian F. Rostbøll, Deliberative Freedom: Deliberative Democracy asCritical
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Theory (Albany: State University of New York Press, 2008), p. 103.5 Italo Testa, “Limits of Respect in Public Dialogue,” paper presented attheConference on Rhetorical Citizenship, University of Copenhagen, October9–10, 2008, pp. 16–17.6 Testa, “Limits of Respect in Public Dialogue,” pp. 9–10.7 Testa, “Limits of Respect in Public Dialogue,” p. 11.8 Testa, “Limits of Respect in Public Dialogue,” p. 10.9 James Bohman and Henry S. Richardson, “Liberalism, DeliberativeDemocracy, and Reasons That All Can Accept,” Journal of PoliticalPhilosophy 17 (2009), 272, 274.10 Bohman and Richardson, “Liberalism, Deliberative Democracy,” 272.11 Bohman and Richardson, “Liberalism, Deliberative Democracy,” 272.12 Bohman and Richardson, “Liberalism, Deliberative Democracy,” 271.13 Kasper M. Hansen, Deliberative Democracy and Opinion Formation(Odensee: University Press of Southern Denmark, 2004), p. 105.14 Personal communication, September 7, 2011.15 John Rawls, Political Liberalism (New York: Colombia UniversityPress,1993), p. 217.16 Stephen L. Carter, The Culture of Disbelief: How American Law andPoliticsTrivialize Religious Devotion (New York: Basic Books), p. 240.17 Jurgen Habermas, “Religion in the Public Sphere,” European Journal ofPhilosophy 14 (2006), 1–25.18 André Bächtiger, “On Perfecting the Deliberative Process: Questioning,Disputing, and Insisting as Core Deliberative Values,” paper presented attheannual meeting of the American Political Science Association,Washington, DC,September 2–5, 2010.19 Bächtiger, “On Perfecting the Deliberative Process,” p. 2.20 Bächtiger, “On Perfecting the Deliberative Process,” p. 2.21 Bächtiger, “On Perfecting the Deliberative Process,” p. 17.22 Bächtiger, “On Perfecting the Deliberative Process,” p. 3.23 Bernard Manin, “Democratic Deliberation: Why We Should PromoteDebateRather Than Discussion,” paper presented at the Program in Ethics andPublicAffairs Seminar, Princeton University, October 13, 2005.24 Manin, “Democratic Deliberation.”25 Manin, “Democratic Deliberation.”
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26 Manin, “Democratic Deliberation.”27 Manin, “Democratic Deliberation.”28 Online: www.poesie.webnet.fr/lesgrandsclassiques/jean_de_la_fontaine/lecorbeau_et_le_renard.29 Jurg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli, and Marco R. Steenbergen,Deliberative Politics in Action: Analysing Parliamentary Discourse (CambridgeUniversity Press, 2005).30 Steiner et al., Deliberative Politics in Action, pp. 1–2.31 Dionysia Tamvaki and Christopher Lord, “The Content and Quality ofRepresentation in the European Assembly: Towards Building an UpdatedDiscourse Quality Index at the EU Level,” paper presented at the IPSAInternational Conference, Luxembourg, March 18–20, 2010.32 Tamvaki and Lord, “The Content and Quality of Representation,” p.24.33 Nicole Doerr, “Activists Beyond Language Borders? MultilingualDeliberativeDemocracy Experiments at the European Social Forums,” paper presentedatthe ECPR General Conference, Potsdam, September 2009.34 Sverre B. Midthjell, “Deliberating or Quarrelling? An Enquiry intoTheoryand Research Methods for the Relationship Between Political Parties andDeliberation,” Master’s thesis, Department of Sociology and PoliticalScience,Norwegian University of Science and Technology, 2010.35 Midthjell, “Deliberating or Quarrelling?,” p. 71.36 James S. Fishkin, Robert C. Luskin, Ian O’Flynn, and David Russell,“Deliberating across Deep Divides,” paper presented at the 5th GeneralConference of the European Consortium of Political Research, Potsdam,September 2009.37 For more on Deliberative Polling, see the discussion of the researchdesigns inthe Introduction, Section (b).38 Fishkin et al., “Deliberating across Deep Divides,” p. 11.39 Fishkin et al., “Deliberating across Deep Divides,” table 6, p. 23.40 Fishkin et al., “Deliberating across Deep Divides,” p. 14.41 For more information on the entire project, see Janusz Reykowski,“Deliberation and Human Nature: An Empirical Approach,” PoliticalPsychology 27 (2006), 323–46.
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42 Elzbieta Wesolowska, “Social Processes of Antagonism and Synergy inDeliberating Groups,” Swiss Political Science Review 13 (2007), 670. ForWesolowska’s study, see also Chapter 2.43 Wesolowska, “Social Processes of Antagonism,” 670.44 Wesolowska, “Social Processes of Antagonism,” 671.45 Julien Talpin, Schools of Democracy: How Ordinary Citizens(Sometimes)Become Competent in Participatory Budgeting Institutions (Colchester:ECPRPress, 2011).46 Talpin, Schools of Democracy, p. 308.47 Talpin, Schools of Democracy, p. 311.48 For the research designs, see Introduction, Section (b).49 “Usted tiene toda la razón en lo que dice. Muy bien.”50 “Lo que dice el compañero es verdad.”51 “No seamos estúpidos, hombre no joda! Si tu trabajas, hijueputa! No esquete cagas de hambre. ¡Obvio! No se pongan a esperar que el gobierno lesregalecasas: trabajen!”52 “Sigues tú? ¡Aterriza! No opina … Sigue el señor aquí … ¡Tampocoopina! Elgrupo de ustedes … ¡Tampoco opina! Y ustedes … ¡Tampoco…! … Sí,pues.¡Como no quieren opinar!”53 For the concept of a deliberative system, see Chapter 1.54 Talpin, Schools of Democracy, p. 311.55 Marlène Gerber, “Who Are the Voices of Europe? Evidence from aPan-European Deliberative Poll,” paper presented at the ECPR GeneralConference,Reykjavik, August 25–27, 2011.56 The Finnish coders found it too difficult to distinguish betweenrespectful andneutral statements.57 André Bächtiger, Judith Könemann, Ansgar Jödicke, Roger Husistein,MelanieZurlinden, Seraina Pedrini, Mirjam Ryser, Kathrin Schwaller, andDominikHangartner, “Religious Reasons in the Public Sphere: An Empirical Studyof Religious Actors’ Argumentative Patterns in Swiss Direct DemocraticCampaigns” (unpublished paper, 2010).
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58 Personal communication, September 7, 2011.
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The Foundations of Deliberative Democracy- Empirical Research and NormativeImplications (Jürg Steiner) Os fundamentos da democracia deliberativa -Estudos empíricos e implicações normativas
(Tradução livre – Liliane Moiteiro Caetano – Abril2013 )
PÁGINA 125CAP 5 -Camadas de transparência dadeliberação (Public openness of deliberation)10. Controversias normativas na literatura
Jurgen Habermas tem insistido, ao longo desuas pesquisas, que a boa deliberação deveriaser pública e transparente. Ele ainda enfatizaesse ponto em recente publicação sobre “Apublicidade e transparência nos processosdeliberativos”. Ele justifica a lógica dapublicidade para “generalizar a legitimidade”.Este pontuar habermasiano foi partilhado, pormuito tempo, por praticamente todos os teóricosdeliberativos. E muitos deles ainda acreditam napublicidade e na transparência como elementoschave do modelo deliberativo. Claudia Landwehr,por exemplo, argumenta que: “ O forte incentivo para atores sociais queapontam que as razões gerais e engajamento naargumentação entre eles está na interaçãopública...é na força da publicidade que os atoresdão as melhores justificações possíveis para suaspremissas e decisões...Acessabilidade poderiaser garantida com portas que continuamtimidamente abertas, por exemplo se um
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encontro de comitê que não foi organizado poruma larga audiência, não é aberto para membrosinteressados do público, jornalistas oupesquisadores.”
Apesar de Landwehr aderir à logica dapublicidade, ela observa que na prática apublicidade pode ser relativa. Em suaobservação, ela coloca que se as portas nãoestiverem totalmente abertas, mas somentetimidamente abertas, a lógica da publicidadedeveria ainda estar inerente às razões quedeveriam ser “generalizáveis e transferíveis”.
Há agora, entretanto, teóricos que entendemque às vezes a deliberação é facilitada quandoela não se faz em um lugar a vista do público.
PÁGINA 126Simone Chambers foi a primeira a mencionar
este assunto sobre a questão: “Será melhor paraa deliberação pública estar atrás de portasfechadas para proteger deliberadores de efeitosruins da publicidade espetacularizada ? Ou adeliberação deveria estar aberta em fóruns paraassegurar a transparência máxima e umescrutínio cidadão?”. Os apontamentos deChambers dizem que “todas as teoriasnormativas da deliberação democrática contémalgo que poderia ser chamado de um princípio depublicidade. O princípio tem muitas formas masquase sempre envolve um objetivo sobre osefeitos importantes entre o público com asrazões e argumentos de uma política, de umaproposta, de um pedido. Ela vê “concordânciageral entre muitas teorias deliberativas sobre oque é salutar sobre (publicidade): tendo quedefender uma política de preferências junto ao
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público, a autora inclina-se para o uso da razãopública ... e este público, em geral, tende aaceitar o que foi deliberado”. Além disso,Chambers concorda com a visão predominanteentre as teorias deliberativas no sentido de que apublicidade teria muitos efeitos benéficos, elatambém se preocupa pois o espetáculo dapublicidade pode levar ao que ela chama de´plebiscitory’. Nesse sentido, ela se refere a“demagogia, desinformação, retorica inflamada,e lisonja colocados a serviço de uma agendapredeterminada” e também que ao fato de que“o falante diz o que a audiência quer ouvir”. Aquestão então é sob quais condições depublicidade haveria bons ou maus efeitos.Chambers espera “que a teoria normativa possaaprender algo com a pesquisa empírica. A teorianormativa precisa traços da ideia de publicidadee seus efeitos nos falantes. A pesquisa empíricapode ajudar a construir uma nova tipologia depublicidade que ajudará a entender as condiçõessob as quais a abertura melhora a deliberação eas condições sob as quais tal abertura poderiadesqualificar a qualidade do debate.” Comoexemplo, Chambers refere-se a nossa pesquisaempírica com o Discourse Quality Index - DQI – etermina notando que "a descoberta de que osjogadores, num sistema competitivo, são maiscomumente aceitos ao desacreditar seuoponente, mais no sentido de marcar pontos coma platéia do que chegar a um sistema deconsenso orientado” .
Robert E. Goodin é outro teórico que vêlimites para o princípio da publicidade. Para tercerteza, ele concorda “que a -situação ideal de
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fala –PÁGINA 127
poderia ser melhor. Uma melhor deliberação,vamos supor, poderia ser um jogo comparativoentre todos os jogadores cujas virtudesdeliberativas poderiam estar simultaneamente econtinuamente à vista de todos.” Para Goodin:
“o ponto é que simplesmente a política não éisso, ao menos não nas democraciasrepresentativas que predominam atualmente.Mas enquanto nós não podemos seriamenteesperar que todas as virtudes deliberativasestejam constantemente à vista de todos emcada passo do processo de decisão, em umademocracia deliberativa nós podemos esperarque as diferentes virtudes deliberativas talvezestejam a vista em diferentes passos doprocesso.”
De acordo com Goodin, isto poderia manter avirtude da publicidade. Para a boa deliberaçãopoderia não ser necessário que todas as fases doprocesso de decisão fossem completamenteabertas para o público. A parte política poderia“trabalhar suas posições atrás das portasfechadas. Seus argumentos já estãomaximamente expandidos no corpo deliberativo,do grande público, nas eleições...Uma vez quevotos tem determinação eleitoral, na distribuiçãode poder no parlamento, líderes partidáriosconvocariam apenas parte do público para fazeracordos.” Para Goodin “o ponto alto seriasimplesmente o estágio do processo dedeliberação, com diferentes virtudesdeliberativas em exposição para diferentes
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estágios, que poderiam resultar em uma boadeliberação.” Com respeito ao princípio dapublicidade, isto significa que a perspectivadeliberativa poderia tolerar que algumas partesda deliberação tivessem lugar atrás das portasfechadas, assim como outras partes seriamverdadeiramente abertas aos olhos do público”.John Dryzek também leva essa visão sequencialdo princípio de publicidade quando escreve que“o paradoxo da efetiva deliberação as vezes ébeneficiado pelos momentos de publicidade quepodem acontecer tarde ou em qualquer lugar nosistema deliberativo.”
b) Resultados empíricos Em minha revisão da literatura empírica, euencontrei poucos estudos sobre deliberação ondeo desenho da pesquisa é orientada para avisibilidade pública.
PÁGINA 128 (OBS: Lili - descreve o práticado funcionamento cotidiano interno dos“parlamentos” )Nossa experiência pessoal na Colômbia,Bosnia-Herzegovina, Bélgica, Estados Unidos eFinlândia não lança luz sobre o aspecto davisibilidade pública, porque não houve variaçãocom relação a este elemento, já que todos osexperimentos foram realizados ás portasfechadas. Para nossas investigações iniciais nosdebates parlamentares da Alemanha, Suíça,Reino Unido e Estados Unidos, entretanto, nóstemos uma situação quase-experimental nosentido de que nós poderíamos comparardebates públicos em Sessões Plenárias e
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Comissões Parlamentares atrás de portasfechadas. Em três capítulos anteriores, eumostrei que Sessões Plenárias são caracterizadaspor altos níveis de justificação lógica efrequentes referências ao bem comum, maspequeno respeito pelos argumentos de outros,enquanto em Comissões Parlamentares existemexatamente características opostas, altos níveisde respeito, mas baixos níveis de justificaçãológica e pouca frequência à referência ao bemcomum. Estas conclusões se encaixam noargumento de Goodin, quando ele afirma que narealidade não podemos esperar ter todas asvirtudes deliberativas, simultaneamente, otempo todo. Um dos pontos fracos dos resultadosacima é que as Comissões Parlamentares eSessões Plenárias variam não apenas no nível depublicidade, mas também em outros importantesaspectos. Obviamente, Comissões ParlamentaresComissões Parlamentares são muito menores,em tamanho, do que as Sessões Plenárias.Comissões Parlamentares também têm funçõesmuito diferentes no processo de decisãoparlamentar, em relação às Sessões Plenárias;provavelmente, Comissões não tomam asdecisões finais enquanto as Sessões Plenárias ofazem. Entretanto não podemos excluir apossibilidade de que ao menos parte da variaçãona virtude da deliberação não é devido adiferença na publicidade entre ComissõesParlamentares e Sessões Plenárias, mas emrelação a outras diferenças entre dois tipos deinstituições parlamentares (ComissõesParlamentares e Sessões Plenárias).
Ellen Meade e David Stasavage estiveram
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determinados a remediar danos nos lucrosoriundos de uma situação quase-experimental navida política real. Em 1993, o CongressoAmericano decidiu que as atas da reuniões doFederal Reserve (FOMC) deveria ser publicado,porém, somente cinco anos depois, para nãocriar volatilidade no mercado financeiro. Comofoi revelado depois, todas as reuniões antes de1993 tinham sido gravadas, e, contrariamente àsexpectativas dos participantes, os registrosanteriores tinham sido preservados e tiveram deser publicados. Meade e Stasavage descreveramesta quase-experimental situação PÁGINA 129
da seguinte maneira: “Como resultado, as transcrições do econtros doFOMC promoveram uma rara oportunidade paracomparar o fazer de decisões em dois ambientes:depois de 1993, quando agentes públicos sabiamque suas afirmações tornariam-se públicas, eantes de 1993, quando agentes públicosacreditavam (erroneamente, como se constatou)que suas afirmações permaneceriam privadas.” O FOMC é o comitê do Federal Reserve (FED)-Banco Federal Americano – que tem aresponsabilidade de definir termos da política dejuros. Havia 8 encontros regulares do Comitê porano e 12 membros eleitores; os 7 membros defora do governo do Federal Reserve e 5 dos 12presidentes de bancos regionais. Durante operíodo estudado por Meade e Stasavage(1989-1997) os encontros foram presididos porAlan Greenspan, presidente do Federal Reserve(FED), que começou cada encontro fazendo uma
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recomendação sobre a política de juros. Osoutros membros do Comitê, então, tinham aoportunidade de expressar opiniões contrárias.Meade e Stasavage observaram coerentementeque maior é o nível de deliberação quando umaampla gama de pontos de vista é empressada. Apartir a obsevação de fatores como a inflação e aprodutividade, durante o período do estudo, osautores encontraram fortes marcas depublicidade. Eles mencionam que:estimando que um representante, no FED, tinha10% de probabilidade verbal de discutir antes de1993, quando a mudança ocorre, ele tem apenas3% de probabilidade verbal de discordar - depoisde começar a publicação da transcrição. Esta éuma queda significativa. Quando nós conduzimosum exercício similar para votação de presidentesde bancos, nós observamos que eles poderiamter 17% de probabilidade de discordar antes de1993, e 13% de probabilidade de discordardepois de começar a publicação da transcrição. Éuma pequena mas ainda sim significanteredução na probabilidade de discordância.
Meade e Stasavage concluiram em suasinvestigações que, “enquanto eles – os agentespúblicos - poderiam ter claros benefícios paraestabelecer grande transparência no governo,advogados e designers institucionais observaramque percentualmente a possibilidade de aberturapoderia implicar em importantes custos. Esta conclusão referencia os apontamentos deChambers, no sentido de que não é toda apublicidade que tem efeitos benéficos. Robert J. McCoun dá um informativo resumido da
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literatura sobre os efeitos psicológicos depublicidade. Ele começa seu ensaioPÁGINA 130da seguinte maneira: "Em uma sociedadedemocrática, a conveniência da abertura e atransparência na tomada de decisão do governoparece quase auto-evidente". Ele, então, mostraque “algumas tentativas de alcançar atransparência podem ter consequênciasinesperadas e indesejáveis”. MacCoun dependefortemente de experiências com estudantesuniversitários, e ele está muito consciente doslimites de tais experiências para a vida real napolítica: “Estes estudos fornecem fortesinferências causais sobre os mecanismoscognitivos, mas tem validade externa fraca. Éimportante ressaltar que essas experiênciasinevitavelmente excluem a estruturaorganizacional, contexto histórico, e a maioriados elementos táticos e dramáticos quecaracterizam o 'embaralhado' da política domundo real. Assim, as ideias apresentadas aquideveriam ser consideradas como hipóteses deconclusões sobre o sistema político.” Ao estarciente da validade limitada de experiências comos alunos, para a tomada de decisões políticas,MacCoun ainda afirma que "a constatação básicaem psicologia social é que o compromissopúblico para uma posição torna as pessoas maisresistentes a moderar seus pontos de vista à luzdo argumento subseqüente.” Se estaconstatação de fato se aplica à política, teríamosde concluir que um elemento deliberativo chaveé arranhado pela publicidade, pois os atoresestariam menos dispostos a mudar as suas
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posições com base na força do melhorargumento. A conclusão sumária de MacCoun, noque diz respeito aos efeitos da publicidade, ficamisturada: “Os esforços para aumentar atransparência podem, e, provavelmente,eliminam muitas decisões ruins no final docontinuum, mas é concebível que os façam (osesforços) às custas de prejudicar decisões de altaqualidade, no outro extremo processo." Aqui,novamente, os dados empíricos mostram aproblemática de considerar a publicidade comouma inquestionável virtude no modelodeliberativo. Daniel Naurim chega à mesmaconclusão baseado em entrevistas com lobistasna Suécia e nos Estados Unidos. Contrariando asexpectativas dele, os lobistas foram maiscivilizados às portas fechadas do que à vista dopúblico.
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c) Implicações normativas dos resultadosempíricos
Embora não haja muita pesquisa empíricadisponível sobre o efeito da abertura pública dadeliberação, a pesquisa que eu poderiaapresentar ainda deixa algumas dúvidas sobre ofato de a abertura pública ser sempre boa paradeliberação, como alegam muitos teóricos, ou seexistem situações em que a deliberação temlucros com a confidencialidade. A questão, então,é se, no interesse da boa deliberação, éaconselhável manter a discussão fora da vista dopúblico. Precisamos pensar aqui em termos de
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diferentes fases de um processo de decisãopolítica, como Goodin tem sugerido. Vimos noinício do capítulo que ele apresentou idéiasinteressantes sobre as fases em que adeliberação é particularmente importante e fasesonde tem menos importância. Eu tentarei agoraelaborar as ideias de Goodin no que diz respeitoao aspecto específico da abertura ao público.Acho que é importante que a fase inicial de umprocesso de decisão ocorra longe dos olhos dopúblico. Esta é a fase onde o novo, as idéiascriativas devem ser discutidas. À medida que ainvestigação psicológica de MacCoun mostrou,um ambiente não-público torna mais provávelque os atores não se atenham às suas posiçõesantigas, e se disponham a considerar novasidéias. Os políticos estão sempre em perigo deserem considerados inescrupulosos e insossos semudarem as suas posições, por isso, diante dopúblico, eles têm uma tendência a manteremsuas posições. Atras de portas fechadas,entretanto, eles têm o luxo de tempo eprivacidade para especular sobre as novasidéias. Por isso, eu concordo com Goodin quepode ser melhor se os partidos políticoselaborarem novas posições atrás de portasfechadas. Desta forma, eles podem brincar comnovas idéias sem ser criticados imediatamentepor outras partes. Grupos informais debrainstorming podem ser úteis a este respeito.
Em um projeto de pesquisa anterior,estudei o brainstorming por meio da observaçãoparticipante no Partido Democrático Livre deBern, em Canton, na Suíça. Por dois anos, eupude observar as reuniões do partido, num total
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de 111 reuniões. Essas reuniões eram como umalmoço de trabalho do presidente do partido, dosecretário do partido,
PÁGINA 132 e os dois membros do gabinete de democratasdo poder executivo cantonal. No início destesalmoços de trabalho,eu tive o estatuto deobservador silencioso, o que foi um poucoestranho, mas depois dos quatro primeirosencontros, os líderes se acostumaram com aminha presença, e as discussões puderam tomaro seu caminho normal. Eu assegurei-lhes quenenhum detalhe destes almoços-reuniões jamaisseria revelado, e que eu só estava interessadoem estabelecer relações causais entre váriascaracterísticas das reuniões observadas.Comparando estes almoços-reuniões com asdemais reuniões formais do partido, fiqueiimpressionado com a natureza altamentedeliberativa dos almoços-reuniões Não havianenhuma agenda fixa. A conversa geralmentecomeçava com questões não-políticas, comoeventos esportivos, e nessas conversas iniciaiseu também participava, o que tornou o meupapel como observador menos estranho.Lentamente, a discussão voltava-se paraquestões políticas. Nunca nenhuma decisãoformal foi feita, uma vez que estas reuniõesinformais de almoço não tinham autoridade parafazê-lo. O objetivo era ouvir novas idéias sobrefuturas posições políticas do partido. Aocomentar novas idéias, os quatro líderes muitasvezes enfatizavam que essas idéias não tinhamsido cuidadosamente refletidas e possivelmente
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não levariam a lugar nenhum. Numa rápidainteração entre dar e receber, a discussão erageralmente animada, com os líderes ouvindoatentamente um ao outro. Em suma, o nível dedeliberação tendia a ser elevado. Ficou claro queo sigilo sobre a natureza desses almoços detrabalho a portas fechadas colaborou para suabase deliberativa.
Em recente debate público não só na Suíça,bem como em muitos outros países, asdiscussões informais do partido têm uma máreputação, sendo denominado como bastidoresda política. No meu ponto de vista, no entanto,os partidos políticos estão bem preparados seeles organizam suas posições, a longo prazo, demaneira não pública e informal, por meio dasreuniões de brainstorming. Essas reuniões, éclaro, devem envolver não apenas os principaislíderes do partido, mas também líderespartidários de nível mais baixo, e maisimportante, a base militante do partido, bemcomo seus simpatizantes. Aqui, a idéia demini-públicos, como discutido no Capítulo 1, podeser implementada. Grupos selecionadosaleatoriamente dos membros do partido esimpatizantes fariam a tarefa de introduzir novasidéias para o programa do partido.
Como os partidos políticos tendoestabelecido as suas posições políticas em umprocesso interno amplo, em época de eleição,como Goodin coloca, eles podem apresentar assuas posições "numa deliberação expandida paratodo o corpo do público, ou seja, para o públicoem geral”. Aqui, então, é dado um alto grau PÁGINA 133
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de abertura ao público. Entre outros aspectos, noentanto, o nível de ponderação é baixo emcampanhas eleitorais. Isto é particularmenteverdade para a disposição de ceder à força domelhor argumento. Quando os líderes partidáriosdebatem seus respectivos programas eleitoraisna televisão, não se deve esperar que eles sejamconvencidos pelos argumentos um do outro. Eesta é uma coisa boa. Caso contrário, acampanha eleitoral teria uma fluidez que tornariamais difícil para os eleitores fazer as suasescolhas, uma vez que eles ficariam inseguroscomo indivíduos decisores. Baseando-nos emalguns dados apresentados na Seção (b),observamos que no calor da campanha eleitorala retórica poderia apresentar baixo respeitomútuo. Parece haver uma marca limite entreabertura pública e outros elementosdeliberativos. Se a visibilidade pública é baixa,outros elementos deliberativos florescerem, equando a visibilidade pública é alta, algunselementos deliberativos sofrem. Quando a eleição acaba, um gabinete tem queser formado. Em sistemas políticosparlamentares isto normalmente significa montaruma coalizão de duas ou mais partes. Mesmoque um único partido seja forte o suficiente paraformar o gabinete sozinho, as negociaçõesintrapartidárias ainda são necessárias. Asnegociações para montar um gabinete emconjunto também são necessárias nos sistemaspolíticos presidencialistas. Como vimos na Seção(a), de acordo com Goodin, em todos estes casos"Os líderes do partido convocam uma sessão,
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provavelmente, apenas para um semi-público,para orientar as ofertas da negociação."Empiricamente, isto provavelmente é verdade, ealgumas dessas negociações podem atéacontecer às portas fechadas. Normativamente,no entanto, eu acho que as negociações paramontar um gabinete devem estar à vista dogrande público. Eleitores, afinal, devem serautorizados a ver como as posições políticas dosvários atores são colocadas juntas em umprograma de gabinete. Os eleitores devemdesconfiar de ofertas, onde, por exemplo, ogabinete é montado com nomeações de pessoasincompetentes para cargos governamentais oupara gerirem sem desperdício os subsídiosgovernamentais. Portanto, os líderes partidáriosdevem explicitar ao público quais critérios sãousados para montar o programa de governo, eeles têm que explicar por que alguns programas,incluídos nos programas eleitorais de governo,são efetivados e outros caem. A formação dogabinete deve ser mais do que negociar, mastambém deve ser a oportunidade na qual cadagrupo tenta maximizar a sua própria posição. Nomeu ponto de vista, o gabinete deve ser formadode acordo com um alto nível de deliberação. Asnegociações devem acontecer à vista do grandepúblico, os argumentos deverão ser justificadosde uma forma elaborada, e em termos do bemcomum, a política de posições de todos osparceiros de negociação deve ser consideradacom respeito, e os negociadores devem estardispostos a ceder à força do melhor
PÁGINA 134 (elaboração de um projeto de
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lei)argumento. Apenas sob estas condições haveriaesperança para um programa de governocoerente.
Quando um gabinete e seu programapolítico são estabelecidos, a fase seguinte é apreparação para facilitar o fazer da legislação.Nesta fase, a abertura pública deve ser mínima.Para preparar uma boa legislação é necessáriomuito trabalho detalhado e criativo. A burocraciado governo, muitas vezes ajudada por comitêsexternos, deve ser capaz de focar de uma formaconcentrada este trabalho, sem serconstantemente questionada por jornalistas elobistas ou por grupos de interesse. Os membrosdo gabinete em geral têm grandesresponsabilidades na elaboração de projetoslegislativos. Para esta tarefa, eles tambémdevem ser blindados do escrutínio constante dopúblico. Em minha opinião, as reuniões degabinete devem ser mantidas em sigilo.Vazamentos para a mídia podem ferir a livre ecriativa troca de idéias entre os membros dogabinete. Com o mesmo argumento, atas dasreuniões do gabinete não devem ser literais, masdevem registrar apenas decisões de gabinete.Mais tarde, no processo de decisão, os membrosdo gabinete serão altamente expostos à opiniãopública. Mas quando eles preparam um projetode lei, devem ser capazes de fazer isso entre si,e de uma forma confidencial, o que deve ajudarna coerência do que eles decidirem.
Um projeto de lei, em seguida, passa paraas Comissões Parlamentares. Às vezes, asComissões Parlamentares tomam para si a
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legislação proposta. Qualquer caminho escolhidoé controverso, se Comissões Parlamentaresdevem ser abertas ao público ou não. Na maioriados países, as Comissões Parlamentares decidemàs portas fechadas. Landwehr, no entanto, comovimos no início do capítulo, defende que asportas das Comissões Parlamentares devem ficar"encostadas, timidamente abertas", permitindo oacesso a pesquisadores e jornalistas. Do pontode vista deliberativo, trade-offs estão envolvidos.Como vimos no início do capítulo, reuniões atrásde portas fechadas ajudam as ComissõesParlamentares a alcançar um alto nível dereciprocidade em comparação com as SessõesPlenárias Públicas. Abrir as portas das ComissõesParlamentares pode retirar essa vantagem, o queseria prejudicial para a relação interativa de dare receber, ao discutir a legislação proposta. Umasolução possível pode ser dar acesso a apenasum único jornalista chamado "pool". Este métodoé muitas vezes escolhido em situações delicadasquando dar acesso a todos os jornalistas seriaperturbador. Um membro de confiança do corpojornalístico é então escolhido para fazer umrelato aos demais. Para as ComissõesParlamentares, os limites podem ser ajustadospara um "pool" no sentido de que ele ou elapoderiam relatar apenas
PÁGINA 135 os argumentos discutidos, mas não quem osdeclarou. Desta forma, o público poderiacomeçar a formar seu entendimento sobre omérito de vários argumentos. Ao mesmo tempo,os membros da Comissão poderiam ainda se
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sentir livres para uma troca de pontos de vista,sem ser expostos imediatamente a críticapública. De acordo com a configuração midiáticaatual, a proposta pode parecer ingênua, masainda vale a pena tentar.
Quando o projeto de lei atinge as SessõesPlenárias do parlamento, há um acordo entre osteóricos que os debates devem chegarplenamente até a opinião pública. Este écertamente o momento em que o públicoentende e conhece os argumentos e quemsustenta as várias posições. Do ponto de vistadeliberativo, há um trade-off diferente do quenas Comissões Parlamentares: o espetáculoincentiva os parlamentares justificar os seusargumentos de uma forma elaborada esubmete-los frequentemente justificando o bempúblico e, ao mesmo tempo, no entanto, hámenos respeito mútuo mostrado durante asSessões Plenárias.
Tendo descrito todo processo de decisãocom relação à abertura ao público, a questão éexatamente aonde cabe aos cidadãos comuns,em que fases eles têm as melhoresoportunidades, para tomar parte de maneiraativa, no processo de decisão? Quando ospartidos políticos desenvolvem sua posiçõespolíticas atrás de portas fechadas, como sugeriacima, militantes do partido e simpatizantestambém devem estar envolvidos, escolhendoaleatoriamente cidadãos para composição de ummini-público. As discussões podem ocorrerface-a-face, ou, muitas vezes, maisconvenientemente, virtualmente (online).Discutirei no Capítulo 8 um exemplo prático de
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como isso poderia ser feito, a partir da pesquisade Kies Raphaël sobre o Partido Radical da Itália.
Quando os partidos políticos apresentemsuas posições políticas nas campanhas eleitoraisé o momento para todos os cidadãos se tornaremfortemente envolvidos. Os cidadãos devemdeliberar com os outros sobre as posiçõespolíticas das diversas partes. Neste contexto,Bruce Ackerman e James S. Fishkin apresentarama idéia de um dia antes do pleito presidencialhaver o Dia da Deliberação, nos EUA:
O Dia da Deliberação começaria com um debatetelevisionado entre os candidatos presidenciais,realizado na forma tradicional. Mas, então, oscidadãos deliberariam em pequenos grupos de15, e mais tarde em assembléias plenáriasmaiores. Os pequenos grupos começariam ondeo debate televisionado parou. Cada grupo iriapassar uma hora a definição de questões que oscandidatos tivessem deixado sem resposta.Todos, então, procederiam a um conjunto de 500cidadãos para ouvir suas perguntas respondidaspelos representantes locais do partido. Após oalmoço, os participantes repetiriam oprocedimento da manhã. No final
PÁGINA 136 do dia, os cidadãos passariam muito além dodebate de cima para baixo, da manhã. Atravésde um processo deliberativo de perguntas erespostas, eles teriam alcançado umentendimento bottom-up das escolhas queconfrontam a nação.
Eu apoio a ideia do Dia da Deliberação,
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embora na prática ele possa ser organizadoapenas por algumas comunidades locais, e não anível nacional. O ponto crucial no presentecontexto é que os cidadãos não se limitam aouvir a campanha eleitoral de uma formapassiva, mas se envolveriam ativamente emdiscutir as posições políticas dos vários partidoscom outros cidadãos.
Quando se trata da elaboração de projetode lei, os cidadãos comuns podem estarenvolvidos com sorteados para compor omini-públicos. Este envolvimento pode ser feitode uma maneira formal. Assim como osespecialistas são consultados para preparar alegislação, os escolhidos aleatoriamente paracompor o mini-público dos cidadãos comunspodem ser consultados também. Concordo com aseguinte declaração de Maija Setälä, quetambém pretende fazer dos mini-públicos partedo processo de decisão formal: "O impacto dosmini-públicos poderia ser reforçado pelainstitucionalização da sua utilização e, através doaprimoramento de maneiras pelas quais as suasrecomendações são tratadas pelosrepresentantes das instituições. " Quando osdebates parlamentares começam, geralmentenas Comissões e, em seguida, em SessõesPlenárias, as opiniões dos cidadãos comunstendem a entrar em jogo apenas através delevantamento de dados. O núcleo duro dopresente livro é que as opiniões dos cidadãoscomuns não devem ser simplesmente respostasàs perguntas pontuais, sem reflexão. Os cidadãosdevem primeiro deliberar suas opiniões comoutros cidadãos, para que suas opiniões sejam
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mais reflexivas. Assim, os mini-públicosaleatoriamente escolhidos podem voltar a terimportância crucial. Durante os debatesparlamentares, mini-públicos devem serorganizados em todo o país, e nesta fase doprocesso de decisão suas discussões devem seramplamente divulgadas com a ajuda de jornais,rádio e televisão. É também importante que osmoderadores dos mini-públicos orientem asdiscussões de tal maneira que eles cheguem aposições claras no que diz respeito às questõesdebatidas no parlamento. Se mini-públicosrepresentam uma amostra aleatória de todo opovo soberano, a sua
PÁGINA 137 posição política terá uma influência significativa no resultado do debate parlamentar.
Os cidadãos comuns têm uma ainda maior dizerse decisões parlamentares são submetidos a umreferendo, como frequentemente acontece naSuíça. Outros países usam cada vez mais oreferendo. Até mesmo no Reino Unido, um casoclássico do sistema parlamentar puro, foisubmetido à reforma do sistema eleitoral em umreferendo nacional em de maio 2011. Do pontode vista da democracia deliberativa, sou a favorde um aumento do uso do referendo porquecampanhas para o referendo dão aos cidadãosboas oportunidades utilizar ferramentas dapolítica deliberada. No referendo suiço,Hanspeter Kriesi encontrou "evidências de que oseleitores suíços são menos detalhistas do quegeralmente se espera", e que "o voto baseado
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em argumento" é bastante freqüente. A maisimportante das conclusões é que "a qualidade dadeliberação dos eleitores individuais dependecrucialmente da qualidade dos argumentostrocados entre os membros das elites políticas nocurso do debate que precedeu a votação." Essaconclusão sugere a possibilidade de um ciclo defeedback positivo entre os líderes políticos e oseleitores. Se os líderes políticos discutirem emum alto nível deliberativo, isso estimulará a boadeliberação até o nível do cidadão, que podeenviar um sinal aos líderes políticos paraaumentar ainda mais a qualidade do seudiscurso, desde que tais líderes se tornem tãoconscientes quanto os cidadãos se tornaramreflexivos. Os mini-públicos aleatoriamenteescolhidos devem desempenhar um papelimportante nos tão positivos processos defeedback. Concordo com Yves Sintomer que umacombinação de referendos e mini-públicosoferece um "caminho interessante" para arenovação da democracia. Esse caminho foiescolhido na Colômbia Britânica, onde, para adiscussão de uma nova lei eleitoral, uma"Assembléia dos cidadãos", onde os membrosforam escolhidos por lote, foi acrescido umreferendo para todos os cidadãos. Feito opercuso, eu sou otimista sobre o potencial dereferendos combinados com os mini-públicos,para aumentar o nível de deliberação no país. Aressalva é, no entanto, que o referendo precisaser usado durante um longo período para ser umveículo útil que aumentará a qualidade dadeliberação. O one-shot
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referendum, como nos Países Baixos, sobre aConstituição Europeia, pode até ser prejudicial àboa deliberação.
Este capítulo sugere que a abertura pública é
certamente um importante elemento deliberativo, mas não
pode ter a mesma importância em todas as fases de um
processo de decisão política. A partir de um nível sistêmico, o
ponto crucial é que a abertura ao público em geral será boa o
suficiente se for comum aos cidadãos, e que estes tenham
pontos de acesso suficientes para que possam observar o que
está acontecendo no processo de deliberação, e que também
possam perceber sua influência. Para um sistema deliberativo,
não é necessário nem mesmo desejável que todas as fases de
um processo de decisão política sejam abertas ao público. Um
certo grau de confidencialidade, em algumas fases do
processo, é bastante compatível com os requisitos de um
sistema deliberativo.
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Capítulo 6 – A força do melhor argumento na deliberação Tradução de Lili e Devani, em maio de 2013.PÁGINA 139* Controvérsias normativas na literatura Quando Habermas postula que “o não forçar é a força domelhor argumento” ele vai ao âmago do modelo deliberativo.A essência da afirmação é que decisões políticas deveriam serbaseadas em bons argumentos177. O que constitui um bomargumento não é, a priori, dado, mas deve ser encontrado emdiscussão mútua, onde todos tem uma voz igual. Como JohnS. Dryzek coloca, "nenhum indivíduo pode possuir autoridadeindividual na base de qualquer coisa que não seja um bomargumento.”178 A controvérsia diz respeito à questão de atéque ponto as pessoas são razoáveis e podem concordar e quaissão os melhores argumentos, para que haja probabilidade deconsenso. Habermas exprime a esperança que o consenso épossível quando ele escreve que "o consenso trouxe oargumento como meio para assentar em razões idênticas, quesão capazes de convencer todas as partes, da mesmamaneira."179 Joshua A. Cohen também enfatiza que "adeliberação ideal tem como objetivo chegar a um consensoque tenha sido racionalmente motivado".180 Note que nemHabermas nem Cohen argumentam que a deliberação vaisempre levar a um consenso, pois eles apenas expressamesperança que este pode ser o caso. De forma pragmática,também aceitam que, por vezes, o consenso está baseado emdiferentes razões. Michael A. Neblo vai um passo além ao
177 Jürgen Habermas, Between Facts and Norms: Contribuições para um discurso Teorico do Direito e Democracia (Cambridge, MA: MIT Press, 1996), p. 305.178 2 John S. Dryzek, Democracia Discursiva: Política, Política e CiênciaPolítica (Cambridge University Press, 1990), p. 41.179 3 Habermas, entre fatos e normas, p. 166.180 Joshua A. Cohen, "Deliberação e Legitimidade Democrática", em AlanHamline Philip Pettit (eds.), The Good Polity: Análise Normativa doEstado (Oxford: Blackwell, 1989), p. 23.
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apontar que sob o ponto de vista pluralista, por vezes, podeaté ser melhor se os atores oferecem diferentes razões parauma política específica, porque isso pode levar a uma formamais animada de debate181. Como exemplo, ele menciona umacoalizão para eliminar subsídios agrícolas para cultivo demilho, que pode incluir aqueles que apóiam a medida,principalmente por razões de eficiência econômica e aquelesque os apoiam, principalmente fora das preocupaçõesambientais. Para Neblo não há nada de errado do ponto devista deliberativo, a formação de tal coalisão (obs Lili -Gabriel Tarde). Página 140Há teóricos deliberativos, como Robert E. Goodin, queindicam que o "desacordo razoável é um fato da vida, emsociedades complexas ... a deliberação pública pode nosajudar a ver os outros como "razoáveis" (a deliberaçãocolaboraria para a dissolução do “véu da ignorância”observado por Rawls), embora, no nosso ponto de vista,ainda esteja errado.”182 Na mesma linha, James Bohman eHenry S. Richardson duvidam que sempre haja razões quetodos possam aceitar: "Por conta de ter diferentes concepçõesdo que entendem como uma razão/motivo/fato pertinente,pessoas diferentes não serão capazes de aceitar coisasdiferentes como sendo razões".183 Eles argumentam que "aidéia de democracia deliberativa não pode resolver oproblema do pluralismo, oferecendo-se o entendimento de quepor meio de razões tudo se pode aceitar, como se algopercebido como “razoável” por várias pessoas possa ser
181 5 Michael A. Neblo, Vozes comuns: Entre a teoria ea prática dademocracia deliberativa (livro manuscrito não publicado), verespecialmente cap. 4.182 Robert E. Goodin, "falar de política: perigos e promessas", EuropeanJournal of Pesquisa Política 45 (2006), 254-5.183 James Bohman e Henry S. Richardson, "o liberalismo, DeliberativoDemocracia e razões que todos podemos aceitar”, Journal of PoliticalPhilosophy 17 (2009), 254.
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fundamento para justificação entre quem aceita e quem nãoaceita algo que é razoável."184 Bohman e Richardson ilustramsuas posições com o seguinte exemplo: "Alguns podemrecusar-se a reconhecer o fato de que a Bíblia diz que a pessoanão deve se envolver em determinado comportamento poralguma razão, enquanto outros podem acreditar que esta éuma razão paradigmática para agir."185 Luigi Pellizzoni(parte confusa do capítulo, achei difícil entender todo quepellizzoni postulou) escreve no próprio título do seu paper"o mito do melhor argumento";186 ele argumenta que: "Àsvezes os conflitos são deep-lying, princípios e descriçõesfactuais são profundamente diferentes, e a incerteza é radical.O melhor argumento não pode ser encontrado." 187 Pellizzoniainda entende que a deliberação possa levar a acordos nãoestratégicos. Para ele, "o propósito da deliberação não é sechegar a um acordo sobre as razões para a escolha, maschegar a um acordo não estratégico. "188 Ele postula" umdiálogo no qual a argumentação é cautelosa e não categórica,e que procura semelhanças e isomorfismos entre eventos epráticas."189 Se o consenso não é alcançado e um voto tem deser dado, Página 141Anne Elizabeth Stie considera crucial que a minoria vencidase sinta perdendo tratados, mas de forma justa: "Se umaquestão foi devidamente tratada em um processo justo, aprobabilidade é que aqueles que se opunham ao resultado, noentanto, vão respeitá-lo como uma restrição legítima sobre o
184 Bohman e Richardson, "o liberalismo, a democracia deliberativa", 253.185 9 Bohman e Richardson, "o liberalismo, a democracia deliberativa",254.186 10 Luigi PELLIZZONI, "O Mito do melhor argumento: Power,Deliberação e Reason”, British Journal of Sociology 52 (2001), de 59anos.187 PELLIZZONI, "O Mito do melhor argumento", 59.188 PELLIZZONI, "O Mito do melhor argumento", 81.189 Pellizzoni, “The Myth of the Best Argument,” 80–1.
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seu comportamento, apesar do fato de que a sua posição foirejeitada no momento final de decisão".190
Alguns teóricos até veem perigo se a ênfase é colocadano consenso. Assim, M. Kasper Hansen adverte que oconsenso pode não ser sempre desejável, uma vez que "elepode iludir alguns argumentos a partir da discussão, quandoalguns participantes podem estar relutantes em expressaropiniões que estão em conflito com o consenso emergente ...uma referência, a priori, sobre o consenso sendo o resultadode deliberação violaria a própria idéia de uma sociedadepluralista. "191 Do ponto de vista da teoria crítica, Christian F.Rostbøll vai um passo além ao postular que, às vezes, adeliberação tem a tarefa de romper o consenso: "Sob certascondições, devo argumentar, a deliberação deve visar não acriação de um consenso mas deve visar a quebra de umconsenso existente, pelo menos como um passo inicial". 192
Quais são essas condições a que Rostbøll se refere? Elemenciona a dominação de qualquer espécie, em especial dostrabalhadores sob o capitalismo (MUITO BOM, paraSimone e Francine, que não entendem as “respostas” daspessoas sobre questões como Ato Médico e CondiçõesLaborais na Saúde Pública-HC), as mulheres em sociedadespatriarcais e culturas minoritárias. Sob tais condições, oâmago da democracia deliberativa deve ser uma preocupaçãocom a possibilidade de criticar as ideologias, preconceitos,convenções, e assim por diante se o acordo é produto dedominação ideológica, em seguida, o objetivo de deliberaçãoé o de mostrar que o acordo é apenas aparente, ou que não é o
190Anne Elizabeth stie, tomada de decisão democrática na UE: OuTecnocraciain Disguise? (livro manuscrito não publicado), cap. 2.191 Kasper M. Hansen, Deliberative Democracy and Opinion Formation(Odensee: University Press of Southern Denmark, 2004), p. 103.192Christian F. Rostbøll, Liberdade Deliberativo: Democracia Deliberativacomo Teoria Crítica (Albany: State University of New York Press, 2008),p. 23.
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produto de ponderação livre. Para ver isto, os democratasdeliberativos não se devem esquecer as suas raízes na teoriacrítica e da importância de a crítica da ideologia. 193
Para Rostbøll, "um mal-entendido comum de democraciadeliberativa é que ela vê que qualquer acordo pode seralcançado tendo como base uma boa conversa. Masclaramente a linguagem não é apenas um meio de se chegarlivremente a acordos; ela (a linguagem, a conversa) tambémpode ser usada como meio de domínio, exclusão social epoder."194 Rostbøll não é, em princípio, contra o consenso,mas o acordo deve ser baseado na autonomia pessoal, o quesignifica "estar continuamente aberto para aprender, pararevisar as opiniões que se fazem à luz de novas evidências".195
Página142Henrik Friberg-Fernros e Johan Karlsson Schaffer especulamsobre o possível paradoxo no que diz respeito ao papel doconsenso na teoria deliberativa.196 Eles fazem a pergunta, "se adeliberação visa atingir um acordo fincado racionalmente numacordo consensual, o que acontece com a deliberação apósesse objetivo ser atingido?"197. Eles temem "chegar a umgrande resultado de consenso em um ambiente de opiniãohomogênea, onde as condições para deliberar sejam piores doque em um ambiente com maior divergência eheterogeneidade de opiniões. Se os combustíveis do debate dadivergência política forem substituidos pelo consenso,provavelmente isso causará a estagnação das atividades
193 Rostbøll, Liberdade Deliberativa, pp 25, 149.194 18 Rostbøll, Liberdade Deliberativa, pp 148-9.195 Rostbøll, Liberdade Deliberativa, p. 87.196 20 Henrik Friberg-Fernros e Johan Karlsson Schaffer, "O ConsensoParadox: Por Acordo Deliberativo Impede discurso racional”,papelapresentado no Workshop Internacional Oslo-Paris para aDemocracia, Paris, 18-20 outubro de 2010.197 Friberg-Fernros e Schaffer, "The Paradox Consenso", p. 2.
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deliberativas. "Normativamente, Friberg-Fernros e Schafferconcluem que seu argumento "pode apontar na direçãodaqueles modelos normativos de democracia deliberativa quecolocam menos ênfase na busca de um acordo consensual ejogam até a qualidade agonistica da deliberação pública,reconhecendo divergências fundamentadas como pondendoser resultados válidos."198 No mesmo sentido, StefanRummens postula "que resiste à tentação de insistir em chegara acordos reais, no mundo real, porque isso pode levar aofechamento prematuro de deliberação."199 Giovan FrancescoLanzara adverte que os participantes podem censurar a si, nãoousando expressar opiniões divergentes.200
Página 143Por conclusão, pode-se dizer que os teóricos concordam sobrea importância de argumentos, mas diferem amplamente sobreo papel do consenso no modelo deliberativo e de quanto àspreferências devem mudar o resultado da deliberação.Teóricos discordam se o objetivo da deliberação é apenas paraclarear as posições ou para unificar os entendimentos. (b) Estudos empíricosRevisão da literatura Há poucos estudos empíricos na literatura sobre a força domelhor argumento, e dos estudos existentes é difícildeterminar se as posições são alteradas pela força do melhorargumento ou por razões estratégicas. Em nossa pesquisaanterior sobre debates parlamentares na Alemanha, Suíça,
198 Friberg-Fernros e Schaffer, "The Paradox Consenso", p. 11.199 Stefan Rummens, "Staging Deliberação: O Papel do Representante deInstituições no processo democrático Deliberativo”, trabalho apresentadonoWorkshop sobre as Fronteiras da Deliberação, sessões conjuntas ECPR,St. Gallen, 12-17 abril, 2011, p. 11.200. Giovan Francesco Lanzara, "La deliberazione vir indagine publicca",em Luigi PELLIZZONI (ed.), La deliberazione publicca (Roma: MeltemiEditore, 2005), p. 70: "La pressione costruzione alla del Consenso ... puòAvvenireaddirittura attraverso l'auto-censura”.
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Reino Unido e os EUA distinguimos duas situaçõesdeliberativas da seguinte maneira: Sessões Plenárias e dasComissões Parlamentares.201 Nas Sessões Plenárias, em 2,2 %dos atos de fala, o orador explicitamente indicou umamudança de posição, nas Comissões Parlamentares havia 4,5% de tais atos de fala na mesma condição. É difícil dizer atéque ponto tal disposição de mudar de posição é causada pelaforça do melhor argumento. Também é possível que osagentes moveram-se a partir de suas posições iniciais combase na negociação estratégica, a fim de chegar a umcompromisso aceitável para todos os lados. Temos dereconhecer que, neste aspecto crucial do modelo deliberativo,a pesquisa empírica só pode ir tão longe. Por que atoresmovem-se a partir de sua posição inicial é difícil dedeterminar e pode não ser totalmente percebido até pelospróprios atores. Provavelmente há muitos casosintermediários, onde os argumentos desempenham um papel,mas onde a negociação estratégica é também importante. Nãoé surpresa que as mudanças de posições são mais freqüentesnas Comissões Parlamentares do que em Sessões Plenárias.Talvez seja mais surpreendente o fato de haver alterações emposições no ambiente formal e público das Sessões Plenárias. Estudamos também as condições em que os debatesparlamentares terminaram com um consenso. Estamosparticularmente interessados em saber se um alto nível dedeliberação ajudou a chegar a um consenso. Como vimos nasanálises acima e nos capítulos anteriores, o nível dedeliberação em debates parlametares é muito baixo, por issonão temos variação suficiente para explicar a ocorrência deconsenso. Portanto, nós observamos um parlamento que fosseorientado para e particularmente favorável à deliberação, eencontramos tais caracteristicas no Comitê de Mediação
201 . Jürg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli, and Marco R.Steenbergen, Deliberative Politics in Action: Analysing ParliamentaryDiscourse (Cambridge University Press, 2005), pp. 178–9.
159
Alemão (Vermittlungsausschuss).202 Este comitê tem a tarefade mediar às divergências entre as duas câmaras doParlamento Alemão, e tem número igual de membros deambas as câmaras. O Comitê de Mediação Alemã reúne-se aportas fechadas, e suas minutas são mantidas em segredo porcerto número de anos. O Comitê pode solicitar o testemunhode especialistas e ouvir representantes do governo. Aspropostas com as quais o Comitê trabalha têm que voltar paraas duas câmaras parlamentares para aceitação. As propostasque não têm amplo apoio na Comissão são mais susceptíveisde falhar no processo parlamentar, então há incentivoconsiderável para o Comitê aderir aos métodos deliberativos.Para a seleção de casos decididos, tivemos de nos afastar notempo e encontrar minutas que não eram mais segredo.Também queriamos encontrar um espaço temporal onde nãohouvesse nenhuma mudança na composição do governo, paramanter esta importante variável institucional sob controle.Decidimos, então, pelo ano da coalizão de social-democratas edemocratas livres, entre 1969-1982. Foram selecionados 20casos de decisão, para o qual todos os atos de fala foramcodificados com nosso Índice de Qualidade do Discurso(DQI). O nível global de deliberação era de fato bastanteelevado, o que nos permite identificar dez casos com umsubstancial nível de deliberação. Poderíamos, então, compararesses dez casos com os outros dez casos em que o nível deponderação era tão baixo que tivemos variação suficiente paracompor nossa variável explicativa. Assim, poderíamosinvestigar se o nível de deliberação em um processo dedecisão teve influência sobre a referida e se a Comissãochegou a um consenso. Foi o que constatamos no sentido deque um nível elevado de ponderação aumentousignificativamente a probabilidade de um resultado deconsenso. Nos dez casos com alta qualidade de discurso, o
202 Steiner et al., Política deliberativa em Ação, pp 138-64.
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consenso foi alcançado em nove casos, em dez casos, combaixa qualidade do discurso, houve apenas dois casos deconsenso. Esta diferença é estatisticamente muitosignificante.203 O consenso também ajudou quando asposições iniciais estavam divididas equitativamente,quando a questão em discussão não era muito polarizada, equando os atores eram relativamente jovens. Introduzindoesses três aspectos como variáveis de controle para a análisede regressão logística não houve desgaste relacionado aoefeito do nível de qualidade do discurso. A conclusão geral denossa investigação é que, em condições favoráveisinstitucionais, tais como a mediação do Comitê Alemão, onível de ponderação pode ser bastante elevado, o qual, por suavez, ajuda a tomar decisões de consenso.Página 145A pesquisa de Elzbieta Wesołowska, mencionada noscapítulos anteriores, onde pais poloneses discutiam aeducação sexual na escola, também tem descobertasinteressantes no que diz respeito ao aspecto de consenso. Oconsenso era mais fácil quando os grupos de discussão eramcompostos apenas de mulheres que compartilhavam, nostermos de Habermas, a “Lebenswelt” comum (mundo da vida)da maternidade e sexualidade.204 A pesquisa de Wesołowskatambém é relevante para a afirmação de Habermas que o"consenso provocado por argumentação deve assentar emrazões idênticas." Houve realmente alguns casos aonde os paispoloneses chegaram a um consenso nesta base habermasiana.“Mas houve outros casos nos quais as soluções foramencontradas conjuntamente”, apesar de suas justificativasestarem organizadas por meio de diferentes lógicas ...por
203 Steiner et al., Política deliberativa em Ação, pp 145, 150. Não étambém descrito que a definição de consenso permite que alguns votoscontrários.204 Elzbieta Wesołowska, "processos sociais de antagonismo e Synergyem Grupos deliberar, "Swiss Political Science Review 13 (2007), 677.
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exemplo, em um dos grupos, os pais concordaram que aescola deveria desencorajar o uso de contracepção química ejustificaram a decisão por meio de diferentes racionalidades.Alguns pais indicaram o risco, para a saúde, do uso deprodutos químicos, enquanto outros apontavam para umacontradição com os ensinamentos da Igreja Católica."205 Esteexemplo não atende a demanda habermasiana para umverdadeiro consenso, enquanto que para outros teóricos comoGoodin o exemplo é bastante compatível com a boadeliberação.206 (MAIS UMA VEZ A LEITURA DE“GABRIEL TARDE – a opinião e as massas” SE FAZOPORTUNA)Claudia Landwehr e Katharina Holzinger em um estudoalemão orientado quanto às preferências mudam comoresultado da deliberação e o nível de ambos - osparamentares e cidadãos comuns.207 Eles compararam adiscussão sobre células-tronco embrionárias no Bundestag eem uma conferência composta por cidadãos comuns.208 NoBundestag, 460 membros assinaram uma das três moçõesantes do debate, enquanto 138 membros não tinham feito isso.Daqueles que tinham assinado as moções, apenas um membromudou sua posição, mas retornando na terceira votação a suamoção inicial. Landwehr e Holzinger deram três razõespossíveis para estas mudanças: no segundo turno ele pode teracidentalmente assinalado a caixa errada, ou ele foiconvencido pelas conversas informais na segunda votação, oumudou por conta da base do debate.209 Elas não têm certeza
205 Wesołowska "processos sociais de antagonismo", 677.206 Goodin, "Conversando Política", passim.207 Claudia Landwehr e Katharina Holzinger, "DeterminantesInstitucionaisde Interação Deliberativo”, European Political ScienceReview 2 (2010), 373-400.208 Porque o projeto de pesquisa para a conferência dos cidadãos, consultea seção (b) do capítulo 9.209 Landwehr e Holzinger, Determinantes Institucionais da InteraçãoDeliberativa”, 394.
162
sobre qual dessas explicações alternativas é a mais plausível.Se qualquer um dos 138 membros que não tinham assinadouma moção antes do debate mudou as preferências durante odebate foi difícil determinar. Landwehr e Holzinger tentaraminvestigar este problema enviando questionários a essesmembros. Apenas 26 dos questionários, retornaram. ComoLandwehr e Holzinger admitem "o pequeno número derespondentes não nos permite perceber o alcance dasconclusões da pesquisa."210 Analisando as 26 respostas dapesquisa, eles encontram "apenas um único caso detransformação da preferência manifesta na amostra: umentrevistado indica que, originalmente defensor de umacompleta proibição, ele foi convencido a votar em umaresolução de compromisso."211 Landwehr e Holzingerconcluirm que "o número de MPs que o fez mudar suaspreferências parece ser extremamente pequeno.”212 A pessoatem que ter cuidado, no entanto, e não generalizar demais estaconclusão. Não apenas nas Comissões Parlamentres, mastambém em Sessões Plenárias do parlamento que,ocasionalmente, as preferências são alteradas, como mostreiacima, com nossa investigação dos debates parlamentares naAlemanha, Suíça, Reino Unido e nos EUA. Um casoparticularmente dramático aconteceu no Senado dos EUAdurante um debate sobre a bandeira confederada, quandoCarol Moseley Braun, único membro negro da câmara, fez umapelo emocional para que a patente da bandeira não fosserenovada. "Seu desafio radical estimulou um debate reflexivoe altamente respeitoso que mudou o entendimento dos
210 Landwehr e Holzinger, Determinantes Institucionais da DeliberaçãoInterativa, 395.211 Landwehr e Holzinger, Determinantes Institucionais da DeliberaçãoInterativa, 395.212Landwehr e Holzinger, Determinantes Institucionais da DeliberaçãoInterativa, 395.
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senadores, ou pelo menos a sua posição."213 Outro caso bemilustrativo neste contexto, foi um debate no parlamento suíçosobre linguística, cujo tema era uma emenda à Constituição, eonde algumas posições foram alteradas.214
Page 147Voltemos ao estudo de Landwehr e Holzinger: quandocidadãos comuns organizaram um grupo de discussão sobre ascélulas-tronco embrionárias, e que foi realizado durante trêsfins de semana. Eles também tinham um grupo de controle.Neste grupo de controle, não houve mudanças significativasao longo de três semanas, no grupo da discussão, no entanto,houve alterações significativas no sentido de que osparticipantes se tornaram mais críticos no que dizia respeito àtecnologia de células-tronco. Isto foi fortemente persuasivo,pois a natureza dialógica das reuniões levou a muitastransformações de preferências. Devemos também observar,porém, que Landwehr e Holzinger não codificaram aexistência de casos em que, durante a discussão, osparticipantes explicitamente mudaram de posição ereconheceram que isso tenha acontecido por força do melhorargumento de outros participantes. Como veremos a seguir,este é precisamente o aspecto que investigada nas nossasexperiências. Novos dados sobre experimentos deliberativos215 Na Colômbia nós distinguimos o que se referia à força do
213 “André Bächtiger ", no aperfeiçoamento do processo deliberativo:Inquérito agonístico como uma Chave da técnica Deliberativa", trabalhoapresentado na reunião anual da American Political Science Association,Washington, DC, 02-05 setembro de 2010.214 André Bächtiger, Seraina Pedrini e Mirjam Ryser, "Prozess analysePolitischer Entscheidungen: Padrões Deliberativo, Diskurstypen undSequenzialisierung”, de Joachim Behnke, Thomas Bräuninger e SusumuShikano (eds.), Jahrbuch für Handlungs-und Entscheidungstheorie, vol. VI(Wiesbaden: VS Verlag, 2010).215 Para os projetos de pesquisa, consulte Introdução, seção (b).
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melhor argumento, em quatro categorias:1. O falante indica uma mudança de posição. Dá como razãopara mudar os argumentos ouvidos durante o experimento.2. O faltante indica uma mudança de posição. Não se refereaos argumentos ouvidos durante a discussão em grupo. 3. O falante não indica uma mudança de posição. Elereconhece o valor das outras posições ouvidas durante o grupodiscussão. 4. O falante não indica uma mudança de posição. Ele nãoreconhece o valor de outras posições ouvidas durante o grupodiscussão.Page 148Com estas categorias nós não captamos as variações deposição nos questionários de pré-experimento epós-experimento. Iremos explorar ainda mais este aspecto nocapítulo 9. No contexto do presente capítulo, estamosinteressados em saber se os participantes reconhecemexplicitamente uma mudança de posição com base na força domelhor argumento ou pelo menos reconhecem o valor deoutras posições. Nenhum dos atos de fala dos ex-combatentespoderia ser codificado de acordo com as duas primeirascategorias. O fato de que ninguém reconheceu ter mudado asua posição não parece deliberativo. Já vimos nos capítulosanteriores que os ex-combatentes se comportaram de umamaneira muito cautelosa durante as discussões, o que se aplicaaqui também. Estas atitudes cautelosas eram compreensíveisnas experiências, uma vez que os participantes tinhamacabado de ser desmobilizados a partir de um sangrentoconflito armado. Devemos também lembrar que osparlamentares dificilmente mudam de posição durante umdebate. A partir desta perspectiva, a comparação dos dadosdos ex-combatentes na Colômbia não está muito longe dosdados dos parlamentares nas democracias maduras. Dos atosde fala dos ex-combatentes, cinco por cento poderia sercodificado de acordo com a terceira categoria. Aqui os
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oradores reconheceram que outras opiniões também têm seuvalor, embora eles não estavam prontos para mudar suaspróprias posições. Aqui está um exemplo narrado por umjovem ex-combatente de 25 anos: "Bem, o que você diz ébom. Mas deixe-me lhe fazer uma pergunta. E sobreempregos e todo o resto?"216. O orador reconhece que o outrotem um ponto, mas deseja mudar o tópico de empregos. Anatureza interativa das tais declarações pode ajudar a construira confiança no sentido de que o falante reconhece que o outrolado também tem certa racionalidade, e isso dá ao outro ladouma face humana, o que é particularmente importante empaíses emergentes de um conflito armado interno. Seolharmos não para os atos de fala, mas para os participantescomo as unidades de análise, a imagem mostra: 16% porcento de ex- combatentes proferiram em pelo menos um dosseus atos de fala que eles reconheceram o valor de outrasposições. Quem eram esses 16%? Aqui, novamente, o padrãono que diz respeito à educação continua. Nós já vimos emcapítulos anteriores que ex-combatentes com um baixo nívelde educação eram muitas vezes tão deliberativos comoaqueles com um alto nível de educação. Agora vemos que oreconhecimento do valor de outras opiniões é ainda um poucomaior para as pessoas com um baixo nível de educação. Parasexo e idade não há diferenças claras. Página 149
Em Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, assim como naColômbia, não houve um único discurso no qual um sérvio ouum Bosnjak expressasse uma mudança de posição. Não havianem mesmo um ato de fala, onde a pessoa explicitamentereconhecesse o valor de outras posições. Isso significa que, noque diz respeito à deliberação, que ela estava em um nívelextremamente baixo? Não necessariamente. Deve-se
216 "Bem, tudo bem que você diz, mas eu fazer uma pergunta: E o trabalhoe o resto?”
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considerar, como vimos no capítulo 3, que normalmente osSérvios e Bosnjaks participantes de experiênciascompartilhadas têm atitudes muito hostis para com asautoridades locais, que são vistos como corruptos eincompetentes.Portanto, havia certa solidariedade desenvolvida nosgrupos
experimentais, de modo que era muito fácil chegar a acordo
sobre as questões como as autoridades deveriam lidar com
eles. Essas questões não foram articuladas em nenhum detalhe
assim dificilmente havia divergências reais. Participantes
focaram em montar uma longa lista de exigências não
polêmicas. Foi proposto, por exemplo, que um abrigo do cão
deveria ser construído, mas não foi discutido, onde ele deve
estar localizado em um bairro sérvio ou Bosnjak. Ou, foi
sugerido que o spa local deve ser aberto novamente, mas nada
foi dito sobre se ele deve ser executado pelo município ou
pela iniciativa privada. Neste nível geral foi fácil concordar,
de modo que o elemento deliberativo de ser convencido pela
força do melhor argumento tinha pouca relevância. Talvez os
participantes fossem sábios o suficiente para não formular
suas sugestões em qualquer detalhe, evitando controvérsias
através da divisão étnica profunda. Deste modo, um comum
"mundo da vida" estava começando a ser estabelecido,
preparando o terreno para deliberação mais desenvolvido no
futuro, onde se podia também provisoriamente tratar de
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assuntos polêmicos. Nos experimentos em Stolac com croatas
e Bosnjaks, o clima também foi muito cauteloso com
dificilmente nenhuma divergências explícitas expressas.
Aqui, também, a hostilidade foi articulada contra as
autoridades, enquanto a discussão entre os participantes
mantiveram-se em um resumido e não controverso nível.
Portanto, como em Srebrenica, a discussão não evoluiu de tal
forma que mudanças de posição foram precisas.
Na Bélgica, dos 1.664 atos de fala proferidos por cidadãos
comuns, um número minúsculo de 22 indicou mudança de
posição; desses 22 atos de fala foi reconhecidos, em apenas 12
as mudanças ocorreram por causa de argumentos ouvidos
durante a discussão. Assim, apenas 0,7 por cento do ato do
discurso correspondem ao ideal habermasiano, onde um ator
reconhece que a força do melhor argumento mudou sua
opinião.
Page 150A situação belga parece melhor no que diz respeito aoreconhecimento do valor de outras posições; em 42% dos atosde fala foi reconhecido que outras posições tinham valor,embora tal reconhecimento não levou a uma mudança naprópria posição. Decompondo os resultados, não existediferença entre os grupos mistos de flamengos e valões e osgrupos linguisticamente homogêneos, o que contrasta com oque encontramos nos capítulos anteriores, nos quais os gruposmistos belgas tenderam a ter um nível deliberativo mais
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elevado. Mas ainda é notável que quando flamengos e valõesse encontraram o valor de outras posições foi tãofrequentemente reconhecido como quando os dois idiomasreuniram- se entre si. Teoricamente, esperávamos que emgrupos homogêneos a pressão social em reconhecer o valor deoutras posições seria maior do que em grupos mistos. Análisebinária por sexo, idade e educação não revela diferenças entrehomens e mulheres, e um maior reconhecimento do valor deoutras posições para os grupos com altamente escolaridade emais jovens. Para Europolis e Finlândia, nós não codificamosse as posições eram alteradas pela força do melhor argumento.A pré-codificação indicou que o padrão de Colômbia,Bósnia-Herzegovina e Bélgica continuou, no qual quase nãohavia casos em que os atores indicaram que os argumentosouvidos durante a discussão os fizeram mudar de posição.Como o nosso plano de codificação era muito longo, este foium bom ponto para cortar e simplificar o processo decodificação.
(c) Implicações normativas dos resultados empíricos
No que diz respeito à força do melhor argumento, osresultados empíricos mostram que o mundo real da políticaestá longe do ideal regulador da deliberação como postuladona versão habermasiana. Em todos os estudos revisados naseção anterior, tanto para os cidadãos de elite quanto para oscomuns, acontece raramente ou mesmo nunca, em que osatores reconhecem explicitamente que eles aprenderam unscom os outros e mudaram correspondentemente suasposições. Se houver consenso, este quase nunca se baseia emrazões compartilhadas por todos os atores. Atores na maioriadas vezes têm diferentes razões para aceitar uma soluçãocomum, e frequentemente permancem incertas quais são asrazões de fato. Soluções consensuais são em grande partecompromissos alcançadas pela barganha. Normativamente, a
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questão é o que faremos com esta descoberta empírica.Devemos manter o conceito habermasiano da força do melhorargumento como um ideal regulador, ou devemospreferencialmente seguir teóricos que relaxam muitosaspectos deste elemento do modelo deliberativo?
Página 151Eu assumo a posição de que grande parte da versãohabermasiana deve ser relaxada. Em minha opinião, o pontocrucial deve ser que os participantes de um debate políticoreconheçam que os outros também têm argumentos razoáveis.Em situações políticas difíceis, como nas sociedadesprofundamente divididas, já é uma grande conquista se aspessoas considerarem o outro lado não como inimigo, mascomo adversários. Se isso for alcançado, o outro lado éhumanizado. Nunca se pode concordar com o outro, maspode-se reconhecer que o outro lado tem também um ponto.Usando este padrão relaxado como suficientementedeliberativo, os dados empíricos parecem mais otimistas naminha perspectiva normativa. Mesmo na Colômbia, 16% dosex-combatentes reconheceram que outros argumentos tambémtiveram valor, apesar de nenhuma mudança de posição terocorrido. Eu considero isso como suficientementedeliberativo, especialmente em sociedades profundamentedivididas. Se os ex-combatentes são capazes de reconhecerque outros também têm posições valiosas, eles podem sermenos propensos a atirar uns nos outros, porque eles se vêemcomo seres humanos de valor, talvez ainda como adversários,mas não mais como inimigos. Mesmo em países sem umconflito armado interno, muito já foi alcançado se cada ladoreconhecer que o outro lado também tem um ponto.Infelizmente, eu vejo muita evidência factual que nos doispaíses onde passo a maior parte do meu tempo, a Suíça e osEUA, mesmo este padrão relaxado de deliberaçãofrequentemente não é alcançado. Na Suíça, muitos
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representantes dos Sociais Democratas e os Verdes, por umlado, e do Partido Popular da Suíça, por outro lado, não estãomais dispostos a admitir que o outro lado tenha argumentos devalor, em particular sobre a forma de tratar os imigrantes;217 omesmo vale para muitos democratas e republicanos nos EUA,especialmente no que diz respeito a impostos e programassociais. Assim, mesmo democracias maduras como na Suíça enos EUA estão longe do ideal habermasiano de ceder à forçado melhor argumento e até mesmo de reconhecer que o outrolado também tem argumentos razoáveis.Como vimos anteriormente no capítulo, Hansen e Rostbøllargumentam que a pressão para o consenso pode suprimirargumentos uma vez que alguns participantes podem relutarem expressar opiniões que estejam em conflito com umconsenso emergente.
Página 152David Austin-Smith e Timothy J. Feddersen também
suspeitam da regra da unanimidade quando argumentam em
um modelo teórico que o poder de veto e regras de votação
unânime criam incentivos para que alguns atores escondam
informações, o que torna as informações de todos os
participantes do discurso suspeitas. Consequentemente, o
processo deliberativo tende a desaparecer sob a regra da
unanimidade. 218 Parece-me, no entanto, que estes autores têm
uma visão unilateral em não considerar que a votação
217 Markus M.L. Crepaz e Jürg Steiner, Democracias europeias (NewYork: Longman, 2010), pp 89-93.218 David Austin-Smith e Timothy J. Feddersen, "Deliberação, Incertezade Preferência, e regras de votação," American Political Science Review100 (2006), 209-18.
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majoritária também pode suprimir argumentos e permitir que
a deliberação falhe. Quando acontece uma votação por
maioria cada lado quer ganhar, e argumentos adicionais ao
jogo podem atrapalhar a situação tornando o resultado menos
previsível. Portanto, os membros de cada lado são
incentivados a manter suas armas e apoiar os argumentos
oferecidos por seus líderes. Em suma, tanto o consenso e a
regra da maioria têm um papel a desempenhar na democracia
deliberativa. Requisitos do consenso aumentam as pressões
coordenativas, que são importantes para a transformação das
preferências. A regra da maioria tende a reduzir os custos de
transação. Em minha opinião, isso depende da situação
específica na qual é preferível ou o consenso ou a votação por
maioria. Certamente não deve haver pressão social para o
consenso como a única forma deliberativa. Se todas as
posições minoritárias estiverem devidamente consideradas e
uma decisão precisa ser tomada urgentemente, não há nada de
errado com a votação por maioria do ponto de vista
deliberativo. In a recent paper, Hélène Landemore and Scott
E. Page enrich the literature on consensus versus majority
voting from a deliberative perspective. Eles argumentam que
o consenso é mais apropriado para a resolução de problemas,
como por exemplo, sobre o que fazer com o desemprego
elevado, ao passo que a regra da maioria se encaixa melhor
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quando previsões têm de ser feitas, por exemplo, como o
desemprego irá desenvolver nos próximos 12 meses.219
219 Hélène Landemore e Scott E. Page, "Deliberação e Discordância:Resolução de problemas, previsão e dissenso positivos”, trabalhoapresentado no Conferência sobre Democracia epistêmica na prática, YaleUniversity, New Haven, CT, 20-22 de outubro de 2011.
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The Foundations ofDeliberative Democracy
Capítulo 7 - Veracidade nadeliberaçãoTradução: Victor Kraide Corte Real
(a) Controvérsias normativas naliteratura
Na versão Habermasiana da teoria deliberativa, averacidade (Wahrhaftigkeit) é um elementochave. Outros teóricos, no entanto, dão menospeso à veracidade ou, sob certas condições, atémesmo permitem algumas "falsas verdades".Num trabalho anterior, Jürgen Habermas postulaque "cada pessoa só pode afirmar aquilo queacredita". Ele mantém esse argumento numtrabalho mais recente, define que osparticipantes da deliberação devem abster-se deum comportamento enganoso (ohne Täuschung).Habermas afirma que na maioria das situaçõessociais é de praxe supor que os outros sãoverdadeiros, caso contrário, ninguém seenvolveria em qualquer conversa. Se essasuposição é violada, a deliberação se quebra.Para Habermas, sem veracidade não haveriadeliberação real. Para ele, a veracidade é umacondição necessária da deliberação no sentidoconstitutivo. Habermas baseia explicitamentesua teoria em Immanuel Kant, por isso é
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relevante explorar o que Kant quer dizer comveracidade. Como Habermas, Kant usou oconceito de Wahrhaftigkeit, que para ele tinhauma conotação muito mais profunda do que atradução em Inglês de veracidade. O conceito deWahrhaftigkeit para Kant certamente inclui nãocontar mentiras, mas é muito mais amplo em seusignificado. Ser wahrhaftig significa ser fiel asi próprio interior, para encontrar umaidentidade mais profunda. Para Kant, serwahrhaftig é encontrar a dignidade humana. Elechegou a escrever que não ser wahrhaftig é umcrime porque destrói a dignidade humana. Semdignidade humana, nós nos tornamos meras"máquinas de expressão" (Sprachmaschinen).Para Kant é um dever (Pflicht) para si mesmo epara os outros ser wahrhaftig. Se não formoswahrhaftig com os outros, não respeitamos adignidade humana, e não agimos de acordo comnossa própria dignidade.
O argumento contra a posiçãoHabermasiana em relação a veracidade é aseguinte: os motivos para o comportamentodeliberativo, não contam muito. O que realmenteconta é o próprio comportamento. Se umparticipante em uma discussão expressa um altonível de respeito para com outro participante,isso vai importar apenas se destinar a verdadeou não. Dennis F. Thompson apresenta esteargumento de uma forma contundente. Na suaopinião, o fundamental é que os deliberadoresapresentem todos os argumentos possíveis emcondições que sejam acessíveis ao públicorelevante, respondam de maneira razoável aosargumentosapresentadas pelos adversários, e
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manifestem uma tendência a mudar seus pontosde vista. Isso não requer um olhar especial paraos motivos ou para o interior dos atores. Deacordo com Thompson, "os pesquisadoresempíricos, portanto, não deveriam se preocupar,como alguns fazem, evidentemente, sobre aformulação de um teste independente desinceridade ou veracidade". Na mesma linha,Mark E. Warren argumenta que "instituiçõesdeliberativas não devem depender, ou serdefinidas, pelas as intenções deliberativas dosparticipantes". Deixe-me ilustrar este argumentocontra a posição Habermasiana com um ato dediscurso na Câmara Britânica dos Comuns. Nodebate de 05 de dezembro de 1997, o deputadoconservador Richard Ottaway se dirigiu a EstelleMorris, Sub-Secretária de Estado para Educaçãoe Emprego, da seguinte forma: "Estou satisfeitoem saber que o compromisso da Ministra para asnecessidades educacionais especiais está sendodesenvolvido através do Green Paper. Tambémestou satisfeito com o tom do seu discurso". Oargumento contra Habermas seria de que estaexpressão de respeito pode ou não pode ter sidoverdadeira, mas que isso seria irrelevante. Aúnica questão relevante é se o pronunciamentode Ottaway contribuiu para um bom resultado noque diz respeito à educação especial.
Warren ainda vai mais longe naargumentação de que, sob certas condições"falsas verdades" são justificadas. Ele ressalta,porém, que "não está, evidentemente,defendendo a insinceridade" como regra geral,mas apenas em circunstâncias muito específicas,ou seja, quando há "histórias de desconfiança,
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ignorância mútua, suspeita e desigualdade destatus". Sob essas condições, a sinceridadeabsoluta seria prejudicial para deliberação, umavez que "pode causar danos, pode interromper aconversa, e equivale a uma escolha contra adeliberação". Em tais situações, Warren indicaboas maneiras, não de uma forma esnobe, mascomo uma diplomacia deliberativa "que podeexigir insinceridade quando as questões sãomuito sensíveis, e as condições de discurso sãoinferiores ao ideal". Para Warren, "pessoasbem-educadas se auto-censuram e contampequenas falsas verdade", se absolutasinceridade e honestidade tiveremconsequências desfavoráveis. Ele acredita que àsvezes "as hipocrisias civilizatórios de boasmaneiras" podem ajudar a deliberação. Robert E.Goodin é outro proeminente teórico queargumenta "que, politicamente, algumas coisasnão devem ser ditas". Ele concorda com Warren,que às vezes "a sensibilidade é um motivo paradeixar certos temas fora da agenda...Simplesmente mencionar um tópico, podeofender profundamente determinados segmentosda comunidade".
A posição de teóricos como Thompson,Warren, e Goodin é controversa na literaturafilosófica atual. Assim, Patti Tamara Lenardescreveu uma resposta crítica para Warren, naqual ela insiste que Habermas tem a "intuição"correta quando postula como um critério para aboa deliberação a "confiança mútua nasinceridade subjetiva". Lenard postula que "épreciso acreditar que os outros não pretendemno enganar de forma alguma e que estão
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sinceramente defendendo a posição queapresentaram, e que estão realmenteempenhados nas razões com que defendem suaposição". Ela aborda situações especificamentesensíveis que Warren se preocupa e toma umacontraposição:
Em situações de vulnerabilidade intensa, tais comoo tipo Warren descreve, deliberadores precisam terconfiança precisamente na sinceridade das opiniõesexpressas por outros. Há um debate considerável naliteratura da construção de confiança sobre osmecanismos pelos quais deliberadores devem serprotegidos das insinceridades dos outros; estedebate é baseado na visão de que a resolução deconflitos ou a transformação só pode emergir sobcondições em que a sinceridade é a norma (Lenard,“Deliberating Sincerely,” p. 633).
Lenard conclui que, em situações deintensa hostilidade, o conselho de Warren "pode ser um perigo ao invés de uma estratégiaprodutiva para os envolvidos em negociações."Há muitos outros teóricos, além de Lenard, queconcordam com a posição Habermasiana de quea veracidade deve ser considerado umelemento-chave no modelo deliberativo. IanO'Flynn, por exemplo, afirma: "Sinceridade éimportante para o ethos da democracia. Nósnunca deliberamos com os outros, a menos quepensemos que são, em sua maioria, verdadeiros.Nós respeitamos as pessoas, se e porque nóspensamos que eles são verdadeiros". Na mesmalinha, James Bohman e Henry S. Richardsonchegam ao ponto que a deliberação requer "umnível de sinceridade e reconhecimento mútuo".Michael A. Neblo vai na mesma direção quando
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escreve: "é difícil perceber ter sido coagido apartir de educadas mentiras que mostram umprofundo tipo de respeito àqueles querepresentam a minoria. Assim, sem umarestrição a sinceridade, a deliberação podeperder muito tanto de seus valores epistêmicos,como de sua função de expressar respeito". ParaSimon Niemeyer, "veracidade deve ser desejada,mesmo que isso seja feio", e ele defende estaposição com o argumento "de que assim quevocê admite falsidade você abre de volta a portapara a manipulação estratégica". JaneMansbridge deseja participantes na deliberaçãopara "falar sinceramente". Para ela, "a mentira éuma forma de poder coercitivo".
Mathilde Cohen olha para a veracidade doponto de vista de como as decisões políticas sãojustificadas ao público em geral. Ela argumentaque neste momento os motivos dos tomadoresde decisão são irrelevantes. Razões devem serplausíveis e convincentes para o público emgeral. Estas razões podem não correspondernecessariamente às decisões quem foramtomadas num primeiro momento. Nestes casos,há uma falta de veracidade em como as decisõessão justificadas. Para Cohen, isso não é umproblema; como ela diz, "a lei não estáinteressada em preferências individuais". Parailustrar, ela menciona a decisão do PrefeitoFrancês sobre a proteção mais rigorosa aosanimais e pressupõe que ele ou ela foi motivadapela crença de que os animais têm uma alma. Deacordo com Cohen, o Prefeito não precisa se referir a este tema, mas poderia referir-se, porexemplo, para a saúde pública. Tal falsidade
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seria antiético em particular, mas não na vidapública.
Este capítulo aborda como os teóricos sãomuito diferentes sobre o papel de veracidade nomodelo deliberativo. Qualquer que seja o pesoque seja dado a veracidade, o foco é averacidade dos motivos. Rudy Andeweg chama aatenção sobre um outro aspecto importante daveracidade que é negligenciado na literaturateórica, ou seja, quando os fatos sãoapresentados de uma forma verdadeira. Comoexemplo, ele menciona "os líderes políticos quedeliberadamente exageraram na investigaçãosobre armas de destruição em massa no Iraque,a fim de convencer os outros de que aintervenção militar contra Saddam foi justificada.Esses líderes foram sinceros sobre suas própriasmotivações e objetivos, mas enganaram osdemais, ao apresentarem informação factual'mentirosa'". Este exemplo mostra, de fato, que averacidade pode se referir tanto aos motivoscomo aos fatos, e que os dois aspectos nãonecessariamente andam de mãos dadas. AndréBachtiger também dá ênfase ao aspecto factualde veracidade. De acordo com ele, "pode serinútil se apossar dos motivos internos dosparticipantes durante o processo de decisão". Elepretende "reverter uma abordagem baseada naintenção de veracidade, a partir da visão deveracidade como um elemento que pode surgirda crítica e do profundo processo de inquéritocombativo". No Capítulo 4, mencionei queBachtiger considera questionamento crítico,discussão e insistência como em valoresdeliberativos centrais. Nesta base, a deliberação
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deve aproximar-se da verdade factual, usandométodos "semelhantes ao exame-cruzado notribunal" e "novos meios de comunicaçãoinvestigativos". Desta forma, pode ser possível"desvendar informações relevantes quepoderiam ser retidas". Com este argumento,Bachtiger está de acordo com Gary Mucciaroni eJ. Paul Quirk, cujo trabalho discuti no Capítulo 2.Eles argumentam que o processo de decisãodeve ser racional também no sentido dos atoresverificarem a precisão das informações,consultando a melhor evidência disponível depesquisa.
Em suma, embora exista controvérsiasobre a importância da honestidade como motivode deliberadores, aceita-se como evidente que abase factual de deliberação deve ser verdadeira,embora este último aspecto seja muitas vezesnegligenciada.
(b) Resultados empíricos
Revisão de literaturaAs controvérsias normativo-filosóficas sobre averacidade revelam hipóteses que clamam portestes empíricos. A grande questão é se averacidade absoluta e incondicional ajuda ouatrapalha a deliberação. Isso aumenta o desafiopara os estudiosos empíricos medirem de formaconfiável e válida até que ponto os participantesem uma discussão política são verdadeiros.Como podemos investigar se os políticos, ouqualquer cidadão comum, querem dizer o que
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eles dizem quando discutem questões políticas?Alguns teóricos da escolha racional têmdesenvolvido modelos onde veracidade efalsidade desempenham um papel importante.Estes modelos, no entanto, permanecem em umnível teórico e não foram testadosempiricamente. Deixe-me dar dois exemplos detrabalhos que têm o conceito de deliberação notítulo e, portanto, são relevantes no contextoatual. David Austin-Smith e Timothy J. Feddersenquestionam num modelo matemático se um júrifalso ou sincero é mais provável sob a maioria ouem unanimidade. Mas eles não empreendemesforço para testar empiricamente suashipóteses, nem apresentam o que esses testespode demonstrar. Em um sentido similar, DimitriLanda e Adam Meirowitz apresentam ideias dedinâmicas teóricas sobre configuraçõesinstitucionais que fazem mentir parecer menosprovável, mas novamente sem quaisquer indíciosde como suas ideias podem ser testadasempiricamente.
Eu, por minha parte, cheguei à conclusãode que Wahrhaftigkeit no sentido Habermasianoescapa da medida empírica direta. Neblo apontao problema de medir a veracidade no contextodeliberativo: "A sinceridade é um conceitonotoriamente difícil de obter empiricamente. Otemor é que simplesmente não há maneiracientificamente útil para operacionalizar oconceito para a maioria dos fins de investigaçãodeliberativa". Deixe-me justificar porque, naminha opinião, uma aferição direta deWahrhaftigkeit é impossível ou pelo menosaltamente problemática. Como dito no início do
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capítulo, ser wahrhaftig no sentido Kantiano eHabermasiano significa ser fiel a si próprio, o quelevanta a questão de como podemos saber o quede fato nosso interior é. Como sabemos se somosfiéis a isso? Presumo que o nosso eu mais interiornão é algo fixo, só podemos descobrir cavandofundo o suficiente. Prefiro assumir que o interioré algo maleável e indescritível que, apesar detoda a nossa busca interior, podemos nuncaconhecer. Tal ponto de vista do eu interior écompatível com a teoria deliberativa, que prevêque estamos abertos a mudar nossaspreferências com base na força de melhoresargumentos. Esta abertura não existiria setivéssemos certeza do que exatamente o nossointerior é, por isso, não teria nenhuma razão paraouvir os outros, a fim de ser wahrhaftig. Nóssimplesmente fazemos o que o nosso interior nosdiz. De acordo com a teoria deliberativa,conversar com os outros nos ajuda na busca denosso interior. Assim, a boa deliberação pode serfundamental para entender melhor a nossaidentidade mais profunda, mas nunca vai ter acerteza sobre o que essa identidade é realmente.Esta é uma posição muito Kantiana; Kant afirmaque nunca podemos conhecer o nosso verdadeiroeu interior, mas devemos sempre procurar porele, e nessa busca, podemos ser ajudados pornossos amigos.
Esta natureza fugaz e mutável de nossointerior significa que nós nunca sabemos sesomos wahrhaftig em uma situação particular. Seum político ou um cidadão comum suporta umaposição específica, ele ou ela nunca pode ter acerteza se esta posição é compatível com o seu
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eu interior. Observadores externos podem estarainda mais incertos sobre a Wahrhaftigkeit daposição tomada. Tudo isso significa que pareceser impossível medir o nível de Wahrhaftigkeitcom um nível adequado de confiabilidade evalidade. Isso não significa, é claro, que nãosomos capazes de detectar mentiras numadiscussão política, especialmente quando nãoestão envolvidos motivos, mas sim fatos. É umaquestão muito mais sutil se alguém está sendosincero, por exemplo, ao se referir ao bemcomum ou mostrando respeito aos outros atores.Não sendo sincero em tais situações, é muitomais difícil de detectar do que descobrir mentirassobre assuntos factuais. O caráter ilusório dosmotivos mais internos também é ressaltado porGoodin:
A questão não é apenas a cerca de veracidade norelato do motivos próprios de cada um. O medo nãoé tanto que o agente vai mentir, mas que, semqualquer verificação da realidade nem ele nem nósteremos qualquer condição de dizer qual a verdadeque realmente importa. Nem é a preocupação deque ele vai necessariamente aproveitar os livros emseu próprio favor, atribuindo a si mesmo os motivosmais nobres. Ele pode fazer exatamente o oposto, aprática de auto-aviltamento moral e atribuindo a simesmo os motivos menos nobres do que estárealmente no trabalho. (Robert E. Goodin, “DoMotives Matter?,” Canadian Journal of Philosophy19, 1989, 411)
Embora, na minha opinião, a veracidade deum debate político não possa ser mensurada deforma sistemática, sabemos que os participantesem uma discussão são geralmente interessados
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em saber se os outros participantes sãoverdadeiros ou não. Como Goodin coloca:"Chegar a entender os motivos de uma pessoa,nos permite explicar o seu comportamentopassado, e fazê-lo de tal forma que nos permiteprever seu comportamento futuro". Claro, averacidade percebida pode não corresponder àrealidade atual de veracidade. Mas se a maioriados participantes acha que as pessoasexpressam o que é verdadeiro em suas mentes,esta percepção é uma realidade socialimportante. Talvez haja alguns participantes quesão falsos, mas se eles escondem sua falsidadede tal forma que ninguém percebe, comofalsidade não tem nenhum significado para ogrupo, embora tenha significado para adignidade interna e identidade das pessoasfalsas. Por outro lado, se a maioria dosparticipantes não confia nos outros participantes,essa percepção é também uma realidade socialimportante. Talvez eles não estejam sendoverdadeiros a si mesmos, de modo a projetar seucomportamento aos outros participantes. Setodos entendem que muita falsidade ocorre comrelação a ambos os motivos e informaçõesfactuais, isso revela uma atmosfera de grupomuito diferente do que se a percepção é uma dasveracidade mútua. Deste modo, a percepção daveracidade é uma realidade social importanteque pode ser medida empiricamente. Isso nóstentamos fazer em nossas experiências.
Novos dados sobre experimentosdeliberativos
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Na Colômbia, imediatamente após osexperimentos os participantes tiveram que tomaruma posição sobre dois itens destinados a medira percepção de veracidade:
No geral, eu sinto que as pessoas expressaram oque estava verdadeiramente em sua mente.Concordo totalmente 27%Concordo 50%Neutro ou não sabe 17%Discordo 04%Discordo totalmente 02%
Eu não posso escapar a sensação de que muitosparticipantes estavam escondendo suasverdadeiras crenças a partir da discussão.Concordo totalmente 10%Concordo 32%Neutro ou não sabe 28%Discordo 21%Discordo totalmente 09%
As respostas dependem da formulação dos itens,revelando o fenômeno bem conhecido de que aspessoas têm a tendência em responderpositivamente. Esta tendência foi,provavelmente, ainda mais forte entre osex-combatentes, porque eles foramparticularmente cauteloso em não escolher aspalavras erradas, como já vimos nos capítulosanteriores. 77 por cento concordaram que osoutros participantes foram sinceros quandofalam, o que é um cenário impressionante paraex-combatentes traumatizados, emborahouvesse pressão social para maior
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probabilidade de responder no positivo. Quando,no segundo item, a questão da veracidade foiformulado de uma forma negativa, ainda havia30 por cento que disse explicitamente quediscordava que os outros participantes estavamescondendo suas verdadeiras crenças. E, com 42por cento nem sequer foi a maioria queexpressou suspeita de que os outros não eramverdadeiras. Parece que a percepção da verdadenão estava em um nível preocupante abaixo docontexto dos participantes. Este é um bompresságio para o futuro progresso na qualidadedo discurso. Se alguém não está constantementepreocupado que os outros não estejam dizendo averdade, é mais provável que procurar soluçõescomuns no interesse de todos. Na desagregaçãodos dados Colombianos por sexo, idade eeducação, não há estatisticamente grandesdiferenças surgindo.
Na Bósnia-Herzegovina nos experimentosna Srebrenica com Sérvios e Bósnios, como emStolac com Croatas e Bósnios, os resultados sãosemelhantes aos da Colômbia, mostrando nívelrazoável de confiança dada a história recente deguerra civil. Mais uma vez, o padrão continua,sendo a confiança muito menor quando apergunta é formulada de uma forma negativa.
Na Bélgica, a percepção da verdade foimuito mais forte do que na Colômbia e naBósnia-Herzegovina. Uma esmagadora maioriade 96 por cento expressou a sensação de que osoutros participantes nos experimentos disseramque eram verdadeiros em seus pensamentos.Quando o item foi formulado de uma formanegativa, apenas 7 por cento expressaram a
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opinião de que os outros participantes estavamescondendo suas verdadeiras crenças. Aconfiança esmagadora no que os outrosparticipantes disseram, existiu não só nos gruposlinguisticamente homogêneos, mas também nosgrupos mistos de Flamengos e Valões. Isto énotável num momento em que os líderespolíticos belgas confiam tão pouco entre si, hámais de um ano são incapazes de montar umgabinete. Cidadãos de ambos os lados da divisãolinguística parecem confiar um no outro muitomais do que os políticos fazem. Assim, deve-seconsiderar que os participantes nosexperimentos teve de chegar a uma decisãosobre a questão complicada da língua,aparentemente mais uma razão para ser críticode cada um. Que os cidadãos na Bélgica confiamuns nos outros mais do que os ex-combatentesna Colômbia e sobreviventes da guerra civil naBósnia-Herzegovina não é nenhuma surpresa,pois a violência política tem uma forte tendênciapara criar desconfiança.
Para Europolis, havia tantos outros itens noquestionário que apenas o primeiro dos doisitens questionados na Colômbia e naBósnia-Herzegovina poderiam ser incluídos.Como é o costume para Polling Deliberativo, asrespostas tinham que ser dadas em uma escalade 0 (completamente desacordo) a 10(totalmente de acordo). Tal como na Bélgica, os348 cidadãos da UE, escolhidos aleatoriamente,mostraram confiança esmagadora nos outrosparticipantes. Apenas 3 por cento escolheuabaixo das últimas categorias expressando fortedesacordo que as pessoas dizem o que
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verdadeiramente está em sua mente. Por outrolado, 80 por cento selecionou as três categoriasprincipais de acordo com este item. Confiançaem outros participantes foi particularmenteelevada entre as mulheres, os participantes maisvelhos, e mais graduados. Para avaliar osresultados para Europolis deve-se considerar queos moderadores encorajaram a deliberação e queas discussões foram flutuantes sem ponto dedecisão no final. Esses dois fatores podem muitobem ter influenciado as respostas na direção demais confiança em outros participantes.Provavelmente seria uma questão diferente se osparticipantes de todos os países da UE estavam aum dia estar envolvido em um processo dedecisão da vida real e tem que tomar decisõesdifíceis, por exemplo, no apoio financeiro aospaíses membros em dificuldades. Na Finlândianenhum item sobre a percepção de veracidadefoi incluído no questionário preenchido pelosparticipantes após os experimentos.
(c) Implicações normativas deresultados empíricos
Como é que a seção anterior nos ajuda a resolveros problemas normativos levantados na primeiraparte do capítulo? Parece-me que, com relaçãoao elemento deliberativo de veracidade, osdados empíricos são apenas de valor limitadopara desenhar implicações normativas para ascontrovérsias encontrados na literatura filosófica.Como argumentei na seção anterior, é impossível
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ou, certamente, muito problemático medir averacidade dos motivos em discussões políticas.Isso não significa, porém, que devemos eliminaro elemento de veracidade, como parte normativada teoria deliberativa. Como Ian O'Flynn coloca,"só porque algo não está objetivamente visívelnão significa que essa coisa seja moralmente oupoliticamente irrelevante". Qual é a relevância deveracidade no modelo deliberativo dedemocracia? Como escrevi na introdução, comoum cidadão engajado toma uma posição no quediz respeito não só ao empírico, mas também aquestões normativas. Para esta edição especial,devo fazê-lo sem muita ajuda de dadosempíricos. É a minha posição de que averacidade tem um valor per se. Do ponto devista moral ou deontológico, a veracidade é umvalor importante, embora eu não iria tão longecomo Kant, não permitindo qualquer falsidade.Eu reconheço que há situações, por exemplo, umcomitê de segurança nacional, onde às vezespode ser justificada para não ser completamenteverdadeira ao relatar os resultados para o mundoexterior. Concordo também com Warren que asregras de boas maneiras às vezes pode exigirdizer "falsas verdade", por exemplo, não querdizer que a reunião foi chata quando na verdadeisso é o que se sentia. Concordo também comChristian F. Rostbøll que, por razões deprivacidade do modelo deliberativo não exigeque os participantes revelem todos os seusdesejos e interesses mais profundos, a fim dejustificar os argumentos. Como norma geral, noentanto, os participantes em uma discussãopolítica devem se esforçar pela veracidade
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quando usam um vocabulário deliberativo. Com oargumento de que os motivos são relevantes,recebo a ajuda de David Hume, que escreve:"Devemos olhar para dentro para encontrar aqualidade moral ... Um motivo virtuoso érequisito para tornar uma ação virtuosa".Seguindo Hume, eu gostaria de manter averacidade como um elemento reguladornormativo de deliberação. Talvez a veracidadeajude se os atores têm de expressar suaspreferências em público, como Jon Elster afirmaque "mesmo um ator estratégico pode serconstrangido a ‘mentir em público’ porexpressar preferências que todo mundo sabe queele não sustenta".
Para manter a veracidade como umelemento normativo no modelo deliberativo éparticularmente importante pensarmos em comodevemos ensinar aos nossos alunos sobre adeliberação. Sem o elemento de veracidade, éfácil ver a deliberação como uma tática astutapara interesses pessoais. Mesmo em boadeliberação, ações estratégicas nunca serãocompletamente ausentes. É somente no tipoideal inatingível de deliberação que os atorespolíticos consideram apenas o bem comum eexpressam respeito sem quaisquer segundasintenções. Discussões da vida real são semprecaracterizadas por motivos variados. Algunsatores sempre tomarão posições inverídicas emum debate político. Mas parece desejávelpostularmos como regra reguladora geral que averacidade seja um objetivo normativo. Destemodo, tem um valor de ponderação moral em simesmo e não só é útil porque pode ter
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consequências boas. Isto é o que devemosensinar aos alunos. Apesar de muita mentira,enganação e corrupção ocorrerem na arenapolítica, os alunos devem internalizar a normaque isso não é inevitável e que o objetivo deveser a política com mais veracidade e sinceridade.
Embora eu não tenha dados para o nível deveracidade das discussões políticas, procureiapresentar na seção anterior alguns dados sobrea percepção da veracidade. Na Colômbia e naBósnia-Herzegovina, os participantes nuncachamaram uns aos outros de mentirosos duranteos experimentos, mas no questionáriopreenchido após os experimentos houve algumasqueixas que os outros participantes não estavamsendo sinceros quando falaram. De acordo comKant e Habermas, para ser sincero, osparticipantes devem ter articulado essas queixasdurante o próprio debate. Mas esta é umasituação onde acompanho Warren, dizer aosoutros participantes face-a-face que eles sãomentirosos teria ameaçado quaisquer sinais dedeliberação emergente. Por isso, foi um sinal deprudência apropriado que queixas sobrefalsidade fossem expressas apenas noquestionário após os experimentos.
Na Bélgica e no projeto Europolis, a situação era diferente no sentido de
que muito poucos participantes reclamaram nos questionários que houve falsidade
durante os experimentos. Aqui, por uma questão de honestidade, talvez tenha sido
apropriado que tais denúncias tenham sido manifestadas durante a própria
experiência. Isso provavelmente não tenha colocado a deliberação em perigo, mas
pode ter tido um efeito libertador para as poucas pessoas que perceberam os outros
participantes como mentirosos. Esta comparação entre Colômbia e
Bósnia-Herzegovina, de um lado e da Bélgica e Europolis por outro lado, mostra mais
uma vez a complexidade de como lidar com veracidade em um espírito deliberativo.
193
Depende do contexto específico se a exigência de veracidade pode ser um pouco
relaxada para que o futuro da deliberação não esteja em perigo.
194
195
Capítulo 8: Deliberação nos meios de comunicação e naInternet
* Controvérsias normativas na literaturaJürgen Habermas sempre foi muito interessado nos meios decomunicação, e como um intelectual público elefrequentemente intervém na mídia. Para ele, os meios decomunicação desempenham um papel crucial no modelodeliberativo. Ele resume sua posição, mais uma vez em umartigo recente intitulado "Comunicação Política na Sociedadeda Mídia"220. Para ele," a comunicação política mediada naesfera pública pode facilitar a legitimação dos processosdeliberativos em sociedades complexas somente se oauto-referênciamento dos sistemas de mídia ganhar aindependência de seu ambiente social, e se apúblico(audiência) anônimo conceder feedback entre umdiscurso informado de elite e uma sociedade civilresponsiva"221. Habermas reconhece a grande influência dosmeios de comunicação quando ele escreve que "as dinâmicasde comunicação de massa são movidas pelo poder da mídiapara selecionar e moldar a apresentação de mensagens e pelouso estratégico do poder político e social para influenciar asagendas, bem como o desencadeamento e enquadramento dequestões públicas."222. Dada esta grande influência dos meios220
Jürgen Habermas, “Political Communication in Media Society: Does Democracy Still Enjoy an Epistemic Dimension? The Impact of Normative Theory on Empirical Research,” Communication Theory 16 (2006), 411–26.
221
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 411–12.
222
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 415.
196
de comunicação, tudo é o mais importante para Habermas queprimeiro, um sistema auto-regulador da mídia deve manter asua independência vis-à-vis seus ambientes, enquanto liga acomunicação política na esfera pública com ambos asociedade civil e o centro político; em segundo lugar, umasociedade civil inclusiva deve empoderar os cidadãos aparticipar e responder a um discurso público que, por sua vez,não deve degenerar num modo colonizador decommunicação.223
Ao ligar a cidadania ativa na sociedade civil com asautoridades políticas e fazendo isso de uma maneiraindependente e em ambas as direções, a mídia desempenhaum grande papel no modelo deliberativo Habermasiano. "Paracolocar em poucas palavras, o modelo deliberativo espera quea esfera pública política assegure a formação de umapluralidade de opiniões públicas consideradas."224 Emcontraste com a maioria dos outros aspectos do modelodeliberativo, no que diz respeito aos meios de comunicaçãonão há qualquer controvérsia entre teóricos deliberativos.Virtualmente tudo estressa a importância da independênciados meios de comunicação e seu papel na abertura de canaismútuos de comunicação entre o centro político e os cidadãos.A preocupação dos teóricos deliberativos é que a realidade damídia desvia muito do ideal articulado por Habermas. Elepróprio tem grandes preocupações a este respeito: "Em últimaanálise, estamos, no entanto, confrontados com a evidênciaprima facie de que o tipo de comunicação política que nóssabemos oriunda da nossa tão chamada sociedade midiáticavai contra os requisitos normativos basais da política
223
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 420.
224
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 416.
197
deliberativa"225. Habermas teme que os novosdesenvolvimentos nos meios de comunicação "roubariam denós a peça central da política deliberativa"226. 7 Elevigorosamente expressa esta preocupação em seu último livroAch, Europa227.* Resultados empíricosUm pioneiro em pesquisas empíricas sobre o nível dedeliberação na mídia foi Jürgen Gerhards.228 Ele investigouem que medida dois jornais alemães de alta qualidade eramdeliberativos em suas contribuições para o debate sobre oaborto. Gerhard utilizou três indicadores: o grau de respeitopara com as outras posições, o grau de justificação de cadaposição, e do grau de racionalidade definido com a expressãode valores conflitantes. Gerhards concluiu que a qualidadediscurso nos dois jornais está "longe"229 da situação ideal defala de Habermas. Dennis Pilon chega igualmente a resultadosnegativos sobre a qualidade do discurso de jornais naprovíncia canadense de Ontario.230 O tema foi uma possível
225
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 420.
226
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 423.
227
Jürgen Habermas, Ach, Europa (Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2008), p. 163.
228
Jürgen Gerhards, “Diskursive versus liberale Öffentlichkeit: Eine empirische Auseinandersetzung mit Jürgen Habermas,” Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie 49 (1997), 1–34.
229
Gerhards, “Diskursive versus liberale Öffentlichkeit,” 27.
230
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mudança do sistema de eleição de pluradidade de um únicomembro para o de representação proporcional. Para investigara questão, o governo provincial havia escolhido umaAssembléia Cidadã de 107 cidadãos comuns escolhidosaleatoriamente. As discussões nesta assembleia foramaltamente deliberativas. De acordo com Pilon, "os membrostomaram decisões com base em uma avaliação sistemática deconhecimentos especializados competir e as evidênciasexercidas sobre o funcionamento da votação em diferentessistemas.231 A assembleia " recebeu elogios de ambos os seusparticipantes e seus observadores acadêmicos. "232 Baseadoem suas discussões, a Assembléia dos Cidadãos propôs umamudança para a representação proporcional. A questão foi,então, quão bem os jornais regionais poderiam fazer a ligaçãoentre este mini-público de cidadãos selecionadosaleatoriamente e da cidadania em geral. O quanto estariam osjornais dispostos e capazes de criarem um espaço deliberativoem vista do referendo popular? Na aferição da qualidade dodiscurso do debate na mídia, Pilon usa o Índice de Qualidadedo Discurso (IDC) do nosso grupo de pesquisa. "Na tentativade operacionalizar a forma de avaliar a qualidade deliberativado tratamento da mídia do sistema votação do referendo deOntário, eu decidi seguir Steiner et al. (2004) "233 Isto
Dennis Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space: Newspapers Opinions about Voting Systems in the 2007 Ontario Provincial Referendum,” Canadian Political Science Review 3 (2009), 1–23.
231
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 2.
232
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 2.
233
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 6.
199
significa, em particular, que Pilon mensurou em que medidaos media foram caracterizados "pela inclusão ampla eigualdade em termos de participação em uma dinâmicainterativa, onde os pressupostos ou fatos que subjazem àdecisão poderiam ser postos em questão"234. Pilon resumesuas descobertas como se segue:Os resultados tendem a confirmar avaliações negativasanteriores de desempenho deliberativo da mídia em contextosde referendo ... a mídia impressa de Ontário falhou na criaçãode um espaço deliberativo eficaz onde os cidadãos pudessemganhar uma valorização crítica das escolhas que elesenfrentaram. De fato, os resultados mostram que os meios decomunicação falharam em todos os temas-chave queHabermas destaca como fundamental para um eficaz processodeliberativo, especificamente a inclusão e o equilíbrio, adisposição para lidar e responder a questões de fato, ahonestidade na apresentação de sua própria posição, e nodesejo de dialogar ... Tudo isso sugere que os jornais doOntário não eram realmente sinceros em sua alegação de queiriam criar um ambiente onde todos os lados sobre a questãodo referendo pudessem ser deliberados.235
Pilon quase se desespera com o modo como a mídia perdeu aoportunidade de fazer a ligação entre o mini-público decidadãos comuns com o público mais amplo: A evidênciareunida aqui sugere que o problema de escala – traduzindo, osbenefícios da democracia deliberativa em ambientes depequena escala, como cidadãos em assembleias, para aquelademocracia genuinamente de massa, como os referendos – sãoreais e permanentes. Se o link é para ser a mídia - e o governo
234
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 6.
235
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 3, 17.
200
e a maioria dos comentaristas haviam esperado explicitamenteque a mídia seria o link nos recentes casos da ColômbiaBritânica e de Ontário - então as evidências fornecidas aquidesafiam saber se o link proposto pode ou se vai desempenhartal trabalho. Se a democracia deliberativa deve ser mais doque apenas falar, então um novo pensamento terá de seraplicado ao problema de falhas de mídia como espaçodeliberativo.236 Nesta seção empírica, eu também voltar a Habermas. Temosvisto na primeira seção que prima facie lhe causa apreocupação de que a realidade atual dos meios decomunicação está longe de como ele vê o papel dos meios decomunicação no modelo deliberativo. Qual evidência deprima facie tem ele em mente? O caso mais importante éSilvio Berlusconi, quem ele considera "um exemplo infame."De acordo com Habermas, Berlusconi primeiro exploradas as oportunidades legais para aauto-promoção política e, em seguida, depois de tomar asrédeas do governo, usou seu império de mídia para darsuporte a legislação duvidosa em apoio à consolidação de suasfortunas particulares e ativos político. No decorrer destaaventura, Berlusconi ainda conseguiu mudar a cultura damídia de seu país, deslocando-a de uma predominância deeducação política para a ênfase na comercialização dadespolitizada entertainment.237
Habermas também menciona Rupert Murdoch como umexemplo infame de um "magnata da mídia" e fala geralmentede "patologias da comunicação política "238.236
Pilon, “Investigating Media as a Deliberative Space,” 17.
237
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 421.
238
Habermas, “Political Communication in Media Society,”
201
Com a Internet, um novo meio de comunicação surgiu.É este meio de comunicação hábil para servir como umamelhor ligação entre os cidadãos e as autoridades políticas?Habermas é crítica:A internet tem certamente reativado a base de um públicoigualitário de escritores e leitores. No entanto, a comunicaçãomediada por computador via web pode reivindicar méritosdemocráticos inequívocos apenas para um contexto especial:Ele pode minar a censura de regimes autoritários que tentamcontrolar e reprimir a opinião pública. No contexto dosregimes liberais, o aumento de milhões de salas de bate-papofragmentadas em todo o mundo tendem a levar àfragmentação de audiências de massa grandes maspoliticamente focadas em um grande número de questõespúblicas isoladas239 Enquanto Habermas baseia seu julgamento em evidênciaanedótica, há investigações já sistemáticas sobre o níveldeliberativo das linhas de discussões. No Capítulo 2, euapresentei os resultados de dois de tais estudos de discussõeson-line: um sobre os cidadãos de Nova Iorque sobre a formade reconstruir o local do World Trade Center, outro dosresidentes de Pittsburgh discutindo os problemas das escolaspúblicas da cidade. O principal achado em ambos os estudosfoi que as histórias pessoais podem ajudar na boa deliberação,mas também podem desviar a atenção do tema em discussão.
Um membro do nosso grupo de pesquisa, RaphaelKies, em uma tese de Ph.D. no Instituto UniversitárioEuropeu de Florença, comprometeu-se a investigar as"promessas e limites da deliberação em web-site", o própriotítulo de sua tese.240 O objetivo de sua pesquisa "foi avaliar se
420–1.
239
Habermas, “Political Communication in Media Society,” 423.
240
202
o crescente sucesso dos debates políticos on-line podefavorecer o surgimento de um processo democrático maisdeliberativo ou, ao contrário, se este fenômeno não temimpacto algum ou impacto negativo sobre o deliberatividadede nossas democracias."241 Kies investigou tais discussões noPartido Radical da Itália e da cidade francesa deIssy-les-Moulineaux. Fundado em 1955, o Partido Radicalitaliano (Partido Radical) é um partido anti-clerical eanti-comunista com uma ênfase maior na liberdade social,religiosa, política, econômica e sexual. O partido foi umpioneiro no uso da Internet. Já pelo meados de 1980, começoua sediar uma das primeiras comunidades virtuais na Europa, eem 2000 foi o primeiro partido em todo o mundo a organizareleições de coligação on-line, este para um terço do seuconselho executivo.Quando o partido implementou um fórum on-line chamado"comunidade radical" tornou-se rapidamente um dos fórunsmais bem sucedidos, com um grande número de pessoas quese inscreviam e participavam. Kies teve acesso ao conteúdodeste fórum e também entrevistou uma amostra departicipantes.No que diz respeito à qualidade do discurso do fórum naInternet, os resultados são misturados. Um grande número demensagens eram trocas, e elas foram lidas com frequênciapelos líderes do partido, em especial, Marco Pannella, ocarismático líder do partido. Assim, a Internet ajudou a abrirum canal de comunicação entre os membrosregulares do
Raphaël Kies, “Promises and Limits of the Web-site Deliberation,” Ph.D. dissertation, European University Institute, 2008. I served on the dissertation committee. The dissertation was published under the same title in 2010 by Palgrave Macmillan.
241
Kies, “Promises and Limits of the Web-site Deliberation,” p. 202.
203
partido e a liderança do partido.242 A participação, no entanto,foi unilateral. Os homens altamente qualificados participarammais. Entre aqueles que tinham registros, a frequência comque eles enviaram mensagens foi desigual: Enviou mensagens todos os dias 9% Enviar mensagens a cada semana 19% Enviou mensagens a cada mês 21% Mensagens enviadas, mais raramente, 51% Havia mais membros do partido que liam as mensagens, masaqui, também, a distribuição foi desigual: Ler mensagens todos os dias 39% Ler mensagens a cada semana 34% Ler mensagens a cada mês 15% Ler mensagens mais raramente 12% Apesar da participação desigual, uma grande pluralidade deopiniões foi expressa. De fato, no estudo, 59 por centoaplaudiu o fato de que a atmosfera do fórum incentivou umaalta ou muito alta propensão para expressar propostasalternativas. Apenas 21 por cento considerou esta propensãocomo baixa ou muito baixa, enquanto que 20 por cento teveuma posição intermediária. Estes resultados falam à questãolevantada na literatura normativa se é mais importante quetoda a gente fale para cima ou que todas as alternativas sejamouvidas. O fórum on-line do Partido Radical Italianocorresponde a esta última posição, no sentido de que umgrande número de mensagens veio de uma pequena minoriade pessoas registadas, mas que, no entanto, uma grandepluralidade de pontos de vista entrou no debate. Com relaçãoao respeito, os resultados são mistos: 38 por cento considerouo nível de respeito como alto ou muito alto, e 34 por cento
242
O fórum era também aberto para quem não era membro do partido, e um pequeno número deles foi registrado.
204
como baixo ou muito baixo, enquanto 28 por cento nãotomou nenhuma posição. Ao olhar para as transcrições, Kiesregistrou uma certa rudeza no debate. Issy-les-Moulineaux, onde Kies estudou outro debate on-line,é uma cidade de 63 mil habitantes, que fica perto de Paris. Acidade implementou um projeto ambicioso de colocar onlineas campanhas eleitorais dos 16 conselheiros distritais. Háquatro distritos na cidade, e cada distrito poderia eleger quatrovereadores. Sua tarefa é mais consultiva, trazendo asreclamações locais para a atenção das autoridades da cidade.Existiam 53 candidatos concorrendo para os 16 assentos. Noque diz respeito aos eleitores, menos de 3 por centoregistados. Esse baixo percentual pode ter sido devido aoprocesso de registo desconhecido e relativamente complicadoe ao fato de que muitos eleitores não tinham acesso à Internet.Esses eleitores tiveram a opção de ir para a mesa de voto, masmuito poucos o fizeram. A eleição dos conselheiros distritaistem pouca importância política. Na pesquisa, a experiênciaon-line foi avaliada de forma irregular. A resposta positiva foique "o debate pareceu-me ser bem pensado e relativamenterealista em termos de desejos expressos e possibilidades deação. "A resposta negativa foi que "Eu não acho que o blogparticularmente favorece uma reflexão séria, como alguns irãodigitar com uma grande velocidade e em duas linhas... Não énecessariamente um ambiente propício para um alto padrão dedebate democrático."243 O aspecto mais deliberativo foi queem Issy-les-Moulineaux o respeito era muito maior do que oitaliano Partido Radical. Apenas cerca de 10 por cento dasmensagens foram consideradas como desrespeitosas, nosentido de ser rude e hostil ou que envolvam ataques pessoais.No que diz respeito à igualdade de participação, no entanto,
243
Kies, “Promises and Limits of the Web-site Deliberation,” p. 191.
205
Issy-les-Moulineaux foi ainda menos deliberativa do que oPartido Radical italiano. Contando o número de mensagens,Kies descobriu que o mesmo tanto de candidatos como doseleitores. O eleitor brincou que se obtém a impressão "de quehá mais vereadores do que residentes emIssyles-Moulineaux."244 A conclusão de Kies de seus doisestudos e a pesquisa de outros estudos sobre discussões naInternet é a seguinte:
Os usuários do fórum político on-line são uma elite composta por uma maioria
de homens altamente qualificados que são relativamente jovens e fortemente interessados em
política... Os numerosos exemplos com que nos deparamos revelam que, em geral, as
opiniões expressas nos fóruns são justificadas, mesmo se não estiver em uma forma
elaborada, que os debates geralmente não levam à polarização de opiniões, e que os debates
são geralmente não completamente invadiosa por comportamentos desrespeitosos, que os
debates on-line podem contribuir para esclarecer as opiniões de seus usuários ativos e
passivos, e que alguns deles têm ganhos políticos concretos.245
244
Kies, “Promises and Limits of the Web-site Deliberation,” p. 170.
245
Kies, “Promises and Limits of the Web-site Deliberation,” pp. 202, 205.
206
207
Monica
9Condições favoráveis à deliberação
11. Controvérsias normativas na literatura
Estabelecer condições favoráveis para a
deliberação não é uma tarefa objetiva, pois,
empiricamente, a deliberação é um fenômeno
multidimensional. Tal não foi totalmente
percebido por muito tempo na literatura de
filosofia. Na situação habermasiana ideal de
fala, todos os elementos deliberativos tem
alto valor. Habermas reconhece que esta
situação ideal de fala dificilmente ocorre e é
tão rara quanto “ilhas no oceano na práxis
cotidiana”. Portanto, atos específicos de fala
no mundo real são sempre mais ou menos
distantes da situação ideal de fala. Muitos
teóricos não atentam para a possibilidade de,
para um ato de fala específico, alguns
208
elementos deliberativos podem estar mais
próximos da situação ideal de fala do que
outros. A presunção que prevalece é a de que,
para um dado ato de fala, todos os elementos
deliberativos tem mais ou menos a mesma
distância da situação ideal de fala. Se, por
exemplo, os atores justificam suas posições
de uma maneira racional, eles também
demonstram respeito às posições alheias. Se,
por outro lado, o nível de justificação é baixo,
o nível de respeito também é baixo. Dessa
maneira, a deliberação é entendida como um
fenômeno unidimensional. Todos os
elementos se agrupam juntos, em uma única
dimensão. E se um dos elementos sobre ou
desce [ou, vai para cima ou para baixo], todos
os demais elementos fazem o mesmo. Além
disso, pouco atenção é dada por muitos
teóricos para a possibilidade de, durante um
processo de decisão, o nível de deliberação
flutuar de tempos em tempos.
Robert E. Goodin foi o primeiro teórico a
investigar sistematicamente os aspectos
209
multidimensional e sequencial da deliberação.
Nós já vimos parte de seu argumento no
capítulo 5. Ali vimos que, para Goodin, não é
necessário que todas as fases de um processo
decisório estejam abertas ao público. Ele
entende que a deliberação tem que ser vista
como sequências de um processo decisório e
que nem todos os elementos deliberativos
precisam estar presentes em todas as
sequências. O que importa para Goodin é “ter
todas as virtudes deliberativas à mostra em
um ou outro ponto do processo decisório”. Ele
enfatiza o caráter multidimensional e
sequencial da deliberação quando fala das
“virtudes deliberativas se apresentando na
combinação e ordem corretas”, e reconhece
que podem haver “interações entre diferentes
virtudes deliberativas”. Usando nosso Índice
de Qualidade do Discurso [DQI, na sigla
original], Goodin reflete sobre a importância
dos diferentes elementos deliberativos nas
várias sequências de um processo decisório.
De maneira estilizada, ele distingue quatro
210
sequências de um processo decisório:
Suponhamos, primeiro, que existe a
deliberação “sala de reunião política”
[encontrei caucus, usada pelo autor, tendo
como significado de “reunião de líderes de
um partido político para escolher candidatos”,
ou “eleições primárias nos EUA política”],
onde todos os membros do parlamento de um
único partido se reúnem para formular seu
próprio programa. Em seguida, suponhamos
que haja um “debate parlamentar”, onde
membros do parlamento pertencentes a todos
os partidos apresentem publicamente
argumentos para seus posicionamentos
preferidos e contra outros posicionamentos.
Em terceiro, suponhamos que haja uma
“campanha eleitoral”, em que os candidatos
parlamentares competem por uma cadeira
baseados nas posições políticas adotadas por
seus partidos. Em quarto lugar, suponhamos
que haja uma “argumentação e negociação
pós-eleitoral”, em que os líderes dos partidos
211
negociam acordos políticos entre si baseados
no número de representantes eleitos.
Goodin está ciente de que estas quatro
sequências de um processo decisório estão
bastante simplificadas e que “acontecem
muito mais fatos dentro da democracia
representativa”, mas que os quatro estágios
são suficientes para ilustrar o posicionamento
do autor sobre o assunto. Em seguida ele
apresenta quais elementos deliberativos, em
seu entendimento, são cruciais em cada uma
das sequências. Para as “salas de reuniões
políticas”, a autenticidade é o mais
importante, no sentido de que os atores
expressem suas preferências sem
[enganos/ilusões]. Nos debates
parlamentares, atenção particular deve ser
dada à justificação racional dos argumentos
validatórios de posição e o respeito prestado
em relação aos contra-argumentos. Nas
campanhas eleitorais, é fundamental que
cada indivíduo seja libre par tomar parte do
212
discurso e que os participantes demonstrem
empatia pelo bem-estar de outros e da
comunidade como um todo. Finalmente, na
argumentação e negociação pós-eleitoral,
importa que os participantes demonstrem
respeito à contra-argumentação e foquem
num consenso racionalmente motivado. Ao
focalizar nos elementos deliberativos mais
importantes em cada sequência de um
processo decisório, Goodin não está deixando
subentendido que outros elementos
deliberativos podem ser negligenciados, mas,
sim, que são de menor importância em
sequências particulares do processo.
Na mesma linha de Goodin, Michel A. Neblo
argumenta:
pode-se julgar que, [tudo o mais
constante/todas as outras variáveis
inalteradas], é mais importante que, na
deliberação judicial, sejam enfatizados os
critérios ligados aos aspectos de expressão de
213
respeito do que, digamos, aqueles que
buscam resultados substantivos. Por outro
lado, podemos tolerar negociatas distributivas
nas legislaturas, sem que apoiem suas
deliberações aos padrões rígidos de
sinceridade, que se mostram mais
importantes em deliberações privadas. A fim
de sermos um pouco mais sistemáticos em
nossas avaliações, é necessário caracterizar
os momentos e lugares principais do sistema
deliberativo e como eles se relacionam entre
si.
Com esta abordagem inovadora, teóricos
como Goodin e Neblo levam a discussão para
além de perguntas o quão importante ou não
importante é a deliberação. A deliberação é
agora conceituada como um fenômeno
multidimensional e sequencial, permitindo
uma discussão muito mais diferenciada sobre
os vários elementos da deliberação e de seus
antecedentes. Pode-se questionar como os
elementos individuais interagem; como
214
evoluem ao longo do tempo, e como tudo isso
pode ser explicado. Esta abordagem também
é adotada por Claudia Landwehr, que
“defende um modelo sequencial de
democracia deliberativa, que se concentra na
importância central da deliberação, enquanto
reconhece as funções essenciais dos modelos
não-deliberativos de interação”. Kasper M.
Hansen vai além, alertando para o fato de que
alguns elementos deliberativos podem ser
comprometidos, caso outros sejam
melhorados. Ele entende que este é o caso,
em particular, para o elemento de igualdade
entre os participantes. Uma cultura
deliberativa que enfatize as justificações
racionais em termos de bem comum, de
acordo com Hansen, se mostra:
desvantajosa para pessoas que não estejam
acostumadas a expressar suas opiniões em
termos de buscar o bem comum. Pessoas sem
experiência em reuniões, pessoas menos
educadas ou pessoas tímidas são facilmente
215
colocadas de lado e, consequentemente,
pessoas com fortes habilidades retóricas e
demagogas ficam em posição mais vantajosa
quando justificam seus interesses... Este
desafio imposto à teoria é acentuado também
pelo fato de que tais participantes já se
encontram super-representados no sistema
político...participantes que se mostram
incapazes de se abstrair de seus papéis
sociais são excluídas da deliberação, violando,
assim, a igualdade política e a liberdade de
fala, permitindo que determinadas
experiências sejam perdidas no processo
deliberativo.
Hansen também vê problemas para outros
elementos deliberativos, se o critério da
publicidade for por demais enfatizado. Para
Hansen,
paradoxalmente, mudança de opinião e
publicidade não caminham lado a lado. Ao
contrário, elas são frequentemente
216
contraditórias, já que a publicidade pode ser
uma barreira para a mudança de opinião... Se
os participantes mudam de opinião em
público, eles podem perder a respeitabilidade,
a credibilidade, e serem vistos como
contraditórios, o que os colocaria em posição
desvantajosa em deliberações futuras. Assim
os participantes podem se decidir por se
agarrar às suas visões já expressas, mesmo
que novos conhecimentos ou melhores
argumentos surjam.
Dessa forma, haveria uma grande tensão
entre um alto nível de publicidade e a
disposição de ceder à força do melhor
argumento. Olhando também para o sistema
deliberativo como um todo, Jane Mansbridge
vê a possibilidade de elementos
não-deliberativos em alguns fóruns terem o
poder de auxiliar a deliberação em outros
fóruns. Ela argumenta que “um bom sistema
deliberativo pode, ou talvez, deva incluir
certos espaços não deliberativos”. Como
217
exemplo, ela cita “momentos furiosos” que
podem ajudar a incluir “perspectivas que
somente podem ser acessadas por meio da
raiva... a raiva distorce a cognição mas, tal
qual outras emoções, também estimula o
pensamento”.
Considerando a deliberação não apenas no
nível de atos de fala individuais ou de
discussões e grupos específicos, mas sim ao
nível do sistema político como um todo, a
discussão teórica se tornou mais complexa,
onde se torna difícil determinar quando a
deliberação é apropriada e quando não é.
Donatella dela Porta contribui para a
discussão quando reflete sobre as diferentes
maneiras de definir democracia em geral. Ela
argumenta que a deliberação pode ser apenas
um elemento dentre outros, tal como a
negociação e a agregação, e postula que é
necessário experimentar como os vários
elementos podem ser mais bem integrados.
Ela defende que não é possível maximizar
218
todos os elementos ao mesmo tempo.
Explicar a variação em tais sistemas
complexos de deliberação é um grande
desafio. Para Claudia Landwehr, abraçar este
desafio é de suam importância: “Explorar as
condições de contexto para a deliberação
democrática e bem sucedida permanece
sendo, portanto, o desafio mais importante
para a teoria deliberativa e política
deliberativa”. Num nível bastante abstrato,
Habermas argumentou que um mundo da vida
em comum ajuda a deliberação. Por mundo da
vida em comum, o autor entende que sejam
as tradições compartilhadas, texto, obras de
arte, teorias, objetos da cultura material,
instituições, sistema social e estruturas de
personalidade. Embora pareça plausível que o
compartilhamento de tal mundo da vida
facilite a deliberação, como uma hipótese
empiricamente verificável, a formulação é por
demais abstrata. Também num nível abstrato,
Mark Warren argumenta que a deliberação
219
exige que as pessoas se sintam seguras, que
confiem umas nas outras e se sintam
reconhecidas. Em suma, a literatura filosófica
não tem muito a dizer a respeito das
condições favoráveis para a deliberação. Seu
interesse sempre recaiu mais sobre as
consequências favoráveis da deliberação,
sobre as quais falaremos no próximo capítulo.
A respeito das condições favoráveis para a
deliberação, existem poucas controvérsias
entre os teóricos e, por isso, suas reflexões se
encontram num nível muito abstrato.
b) Resultados empíricos
Revisão da literatura
Embora a literatura normativa não tenha
muito a dizer a respeito das condições
favoráveis para a deliberação, já existe uma
rica literatura empírica a respeito de fatores
que contribuem para a deliberação. Existem
alguns teóricos que adotam um duplo papel,
220
ao também se lançarem a trabalhos
empíricos. Um deles é John S. Dryzek, que
resume a literatura empírica e identifica as
seguintes condições favoráveis à deliberação:
* literacia e educação;
* uma língua compartilhada;
* um sistema de votação preferencial,
permitindo a expressão de mais de uma
preferência.
*
Como condições desfavoráveis, ele menciona
8. fundamentalismo religioso
9. conformidade ideológica
10. autonomia segmental
Para a cultura política, Dryzek, juntamente
com Jensen Sass, declaram que mais
pesquisas precisam ser realizadas a respeito.
Eles analisam a pesquisa antropológica em
lugares como Botswana e Madagascar e
encontrar grandes diferenças nas respectivas
culturas que são relevantes para a
221
deliberação. Em Botswana, “os funcionários
públicos são obrigados a enfrentar o público e
envolver-se em processos abertos de
justificação" uma cultura favorável para a
deliberação. De modo contrastante, em
Madagascar a cultura requer “práticas rígidas
de educação”, o que é uma condição
desfavorável para a deliberação, pois torna
difícil envolver os líderes políticos em
discussões reais. Dryzek e Saas concluem, de
suas análises antropológicas, que culturas
diferentes podem moldar “a textura de
comunicação da vida cotidiana”.
Em nossa pesquisa anterior sobre os debates
parlamentares na Alemanha, Suíça, Reino
Unido e Estados Unidos, nós encontramos a
multidimensionalidade da deliberação, sobre a
qual já comentei em capítulos anteriores. A
implicação é que não podemos nos limitar a
explicar os antecedentes de deliberação em
geral, mas que também precisamos procurar
explicações para elementos deliberativos
222
específicos. Descobrimos que justificações
racionais de reivindicações, referências ao
bem comum e respeito às reivindicações de
outros não se agrupam firmemente e,
portanto, não estão localizadas em uma única
dimensão. Em reuniões de comissões, a
portas fechadas, as justificações aos
argumentos são menos elaboradas e as
referências ao bem comum são menos
frequentes do que em sessões plenárias; mas
o respeito é maior em reuniões de comitês do
que em sessões plenárias. Dada esta
multidimensionalidade, é impossível aumentar
todos os elementos deliberativos ao mesmo
tempo. No entanto, esta
multidimensionalidade não significa que os
elementos deliberativos individuais não
fiquem juntos de alguma forma. O nível de
justificação, referências ao bem comum e
respeito aos grupos a serem ajudados são os
três elementos para os quais temos variação e
dados suficientes para todos os atos de fala; o
coeficiente de correlação policórica média
223
entre estes três elementos é de 0.794, um
valor relativamente alto. O único valor
claramente discrepante é o de respeito para
com as demandas dos outros participantes,
onde as correlações com os outros elementos
chegam a ser negativas.
André Bächtiger er al. Abordam o aspecto
dinâmico da deliberação e analisam sobre
como seus vários elementos evoluem ao longo
do tempo. Uma boa ilustração para sua
abordagem é o debate sobre a questão da
língua em uma reunião do comitê do Conselho
Nacional Suíço, a primeira câmara do
parlamento. O comitê levou oito sessões
discutindo a questão. O desenvolvimento mais
notável foi que, de início, vários atores
contaram histórias pessoais, e que estas
narrativas diminuíram bastante nas sessões
posteriores.
É importante salientar que referências ao bem
comum e que as justificações racionais
224
também diminuíram ao longo do tempo.
Bächtiger et al foram além de simplesmente
registrar essa evolução temporal sobre as oito
sessões. Com base nas combinações entre os
elementos deliberativos individuais, os
pesquisadores identificaram cinco tipos de
discurso e como estes cinco tipos se
desenvolveram ao longo das oito semanas:
Proto-discurso: é a conversação cotidiana,
que tem por objetivo oferecer informações e
conforto social. Dentre todos os elementos
deliberativos, apenas as narrativas se
encontram num nível de presença alto.
Orientação ao bem comum e respeito estão
em nível mediano. Igualdade, justificação
racional, interatividade, construtividade e
negociação estão todos num nível baixo.
Discurso convencional: consiste de uma
lista de demandas e narrativas vagamente
associadas. Mais uma vez, a narrativa é o
único elemento deliberativo presente em nível
225
elevado. Em nível médio estão a igualdade, a
justificação racional, a orientação para o bem
comum, o respeito a construtividade e a
negociação. Em um nível baixo está a
interatividade.
Discurso competitivo: aqui, Bächtiger et al
citam Michael Walzer, para quem tal discurso
é “muitas vezes uma competição entre atletas
verbais com o objetivo de ganhar o debate. Os
meios para tal são o exercício da habilidade
retórica, a reunião de evidencias favoráveis
( e a supressão daquelas desfavoráveis) e o
descrédito dos demais debatedores. Usando a
definição de Waltzer, Bächtiger et al
caracterizam o discurso competitivo como
sendo aquele em que a negociação e a
orientação ao bem comum surgem em nível
alto (ao menos retoricamente), e em que o
respeito e a construtividade surgem em nível
baixo. Em nível intermediário estão a
igualdade, a justificação racional, a
interatividade e a narrativa.
226
Discurso cooperativo tem o objetivo de
construir um entendimento compartilhado do
problema de como é elaborado. A narrativa e
a negociação estão em um nível
intermediário. Todos os demais elementos
deliberativos estão em um nível alto:
igualdade, justificação racional, orientação
para o bem comum, respeito, interatividade e
construtividade.
Discurso racional: é a forma mais complexa
e exigente. Aqui, Bächtiger et al introduziram
a categoria “muito alta”, que é concedida à
orientação ao bem comum, respeito,
interatividade e construtividade. Igualdade e
justificação racional estão em nível alto,
enquanto narrativa e negociação estão em
nível baixo ou não existente.
Tendo distinguido estes cinco tipos de
discurso, Bächtiger et al os aplicam às oito
sessões do Conselho Nacional Suíço em que
227
são discutidas a questão da linguagem. A
primeira sessão foi caracterizada por um
discurso de cooperação. A segunda sessão,
por um discurso racional. A terceira e quarta
sessões, novamente, por um discurso de
cooperação. As últimas quatro sessões forma
marcadas por um discurso convencional. Com
essa classificação, Bächtiger et al. trazem
uma dimensão dinâmica para a análise.
A dinâmica de uma discussão também pode
ser estudada de forma qualitativa. Isso é o
que Maria Clara Jaramillo, de nosso grupo de
pesquisa, aplica em seus experimentos com
ex-combatentes na Colômbia. Seu principal
conceito teórico é o do momento da
transformação, seja em direção a mais
deliberação, seja em direção a menos
deliberação. No capítulo 2 nós vimos que a
história pessoal de um dos combatentes levou
a um momento de transformação,
aumentando o nível de deliberação. Thomas
Lynn e John Parkinson também examinam o
aspecto dinâmico da deliberação, com base
228
em um teste de uma metodologia econômica
experimental no Reino Unido. Eles estão
particularmente interessados no fato de, se,
durante a deliberação, os participantes
mudam a racionalização de “Eu” para “Nós”,
sendo que, este último, eles chama de
raciocínio em equipe. Ao longo de quatro
sessões semanais em 2009, os participantes
discutiram se as autoridades de saúde
deveriam ou não armazenar e compartilhar as
informações privadas dos pacientes. A
primeira sessão foi dedicada à informação e
aprendizagem. A segunda, aos às perguntas e
esclarecimentos. A terceira sessão foi
dedicada à discussão e ao debate. A última
sessão foi de debate e de tomada de
decisões. Testes após a primeira sessão
revelaram um aumento acentuado no
raciocínio em equipe. Conforme o ponto de
tomada de decisão se aproximava, durante a
terceira sessão, o raciocínio da equipe tendeu
a se estabilizar ou mesmo a diminuir.
Diferenças emergentes "reduziram a
229
relevância de qualquer identidade social que
tinha sido construída entre alguns indivíduos
nas fases deliberativas anteriores, elevando a
importância da identidade pessoal". Se
confirmada, esta é uma descoberta
importante para a teoria deliberativa; o
pensamento em termos de "nós", ao invés de
"eu" é mais fácil de ocorrer nas fases iniciais
de “aprendizagem” do que nas fases
avançadas de “tomada de decisão". Foi isso o
que já vimos no capítulo 1, quando discutimos
a pesquisa de Simone Chambers a respeito do
referendo sobre a independência de Quebéc.
Flynn e Parkinson têm uma reviravolta
interessante para suas descobertas. Quando o
interlocutor não era alguém no grupo
experimental em si, mas um interlocutor
imaginário idealizado, raciocínio em equipe
também aumentou durante o processo de
tomada de decisão. Para Flynn e Parkinson, a
interpretação é de que "o estereótipo
idealizado do deliberador nunca foi contestada
pela realidade [no grupo] e, assim, manteve
230
seu poder e caráter prescritivo." Como
conclusão geral, eles afirmam "que em
algumas circunstâncias, as pessoas podem ser
mais propensas à racionalização em equipe
quando confrontadas com co-deliberatores
ideais mais do que com os deliberadores
reais. "Eles deixam em aberto o que isso
significa para a construção de instituições
deliberativas”.
Em nossa própria investigação dos debates
parlamentares, nós nos concentramos em
fatores institucionais para explicar a variação
no nível de deliberação em seus vários
elementos. Um desses fatores diz respeito à
diferença entre reuniões de comissões e
sessões plenárias. Nos capítulos anteriores,
mostrei os resultados para este fator
institucional. Vimos que não se pode
simplesmente dizer que a deliberação é maior
em comitês ou superior em sessões plenárias.
A causalidade é mais complexa. O respeito
aos argumentos dos outros participantes é
231
maior nas comissões, mas justificações
racionais e referências ao bem comum são
mais elevadas em sessões plenárias. Outro
fator institucional diz respeito à questão de
saber se um debate ocorre na primeira ou na
segunda câmara do parlamento. Supõe-se
geralmente que a segunda câmaras são
órgãos mais deliberativos. Para esta análise,
omitimos no Reino Unido, pois a Câmara dos
Lordes tem pouco poder. Se olharmos para os
resultados na Alemanha, Suíça e nos EUA, o
discurso nas segundas câmaras de fato
revelam mais respeito e são mais construtivos
no sentido de que os atores se atém menos às
suas posições iniciais. Para o nível de
justificação, no entanto, não houve diferença
estatisticamente significativa. Assim, aqui,
também, é necessário diferenciar o efeito dos
elementos deliberativos individuais.
Para as diferenças entre os sistemas
parlamentares e presidenciais, que
comparamos Alemanha e Reino Unido com os
232
EUA, omitindo a Suíça, que não se enquadra
claramente em nenhuma das duas categorias.
Esperava-se que o nível de deliberação seria
maior nos sistemas presidencialistas, uma vez
que o legislador tem um papel fortemente e
independente, sendo necessária uma
coordenação entre o presidente e a
legislatura. Porém, mais uma vez, nós não
registramos um efeito uniforme na
deliberação. Os EUA, enquanto sistema
presidencial, mostra mais respeito, mas
apresenta menor índice em justificações
racionais e políticas construtivas do que a
Alemanha e no Reino Unido, que são sistemas
parlamentares. Se um sistema político tem
fortes players com poder de veto - como
grupos de interesse e um banco nacional
fortemente independente -, seria de esperar
que houvesse pressão para deliberar pois,
caso contrário, cada um desses players com
poder de veto poderia bloquear uma decisão.
Nossos resultados são, mais uma vez, mistos,
em relação a esta hipótese. O fator respeito é
233
realmente mais preponderante em contextos
parlamentares onde existem players com
forte poder de veto. Níveis de justificação e de
política construtiva, por outro lado, não
mostram diferenças estatisticamente
significativas. Por fim, estávamos interessados
em ver se os sistemas políticos de consenso
ou de competição são mais propícios para a
deliberação. Comparamos o Reino Unido e
Suíça, dois casos arquetípicos das duas
instituições. A Suíça pratica a partilha do
poder executivo e o federalismo cooperativo,
enquanto o Reino Unido tem geralmente
governos de partido único e é fortemente
centralizado. Para que pudéssemos ter uma
boa base de comparação, nós olhamos para
uma questão que foi discutida ao mesmo
tempo nos dois países. O tema escolhido foi o
salário mínimo. Aqui, os resultados vão
claramente numa direção uniforme, no
sentido de que a Suíça estava em um nível
mais elevado para todos os elementos
deliberativos do que o Reino Unido. Jessica
234
Bogas confirma a constatação de que a
deliberação é mais frequente em ambientes
institucionais consensuais. Usando nosso
Índice de Qualidade do Discurso [DQI, na sigla
original], em seu estudo, ela encontra um
nível superior de deliberação em debates
parlamentares na Holanda, como um sistema
de consenso, do que no Reino Unido.
Um último resultado de nossa investigação
dos debates parlamentares é que a
deliberação é mais difícil de alcançar quando
o assunto em discussão polariza os
participantes. Isso pode não parecer
surpreendente, mas, teoricamente, não se
poderia excluir totalmente a ideia de que uma
situação de polarização seria percebida como
tão perturbadora para o grupo, que se faria o
uso de meios deliberativos, a fim de acalmar a
situação.
Também usando nosso Índice de Qualidade do
Discurso, Laura McLauchlan et al.
235
investigaram um debate parlamentar na Nova
Zelândia, com um nível surpreendentemente
elevado de deliberação, o que lhes permitiu
chegar a algumas explicações interessantes
para este caso atípico. O debate tratava de
um projeto de lei sobre Tecnologia de
Reprodução Humana Assistida. Os autores
mostram que, em outros países - por
exemplo, no Reino Unido -, os debates
parlamentares sobre a legislação reprodutiva
são geralmente de um nível deliberativo
baixo. Os autores também afirmam que "o
Parlamento da Nova Zelândia é conhecido por
seus debates robustos e muitas vezes
violentos." Por outro lado, eles caracterizam o
debate sobre o projeto de lei reprodutiva
como deliberativo: "Esses debates foram
relativamente calmos e respeitosos ...
marcados por considerações parlamentares e
pelo respeito aos valores de outros
debatedores ... com ênfase no objetivo do
benefício público... alto grau de harmonia ...
um alto grau de empatia. " Os parlamentares
236
forma surpreendidos pelo tom deliberativo dos
debates, como foi apontado por um dos
membros: “Olhem para nós - calmos como
cordeiros”. O que havia de tão especial sobre
as condições deste debate que permitiu tão
elevada qualidade na deliberação?
McLauchlan et al. veem como uma das razões
para que o chicote dos partidos tenha sido
abandonado, o fato de a questão discutida ser
percebida de forma semelhante por membros
dos diferentes partidos: "Essa divisão no seio
dos partidos e a concordância dentre os
partidos podem oferecer uma explicação
parcial dos baixos níveis de discórdia nos
debates. Pode ser que os membros tenham
atenuado seus ataques a outros partidos por
estarem conscientes da existência de pontos
de vista semelhantes dentro de seus próprios
partidos. " Em segundo lugar, os autores
argumentam que houve "aprendizado, por
meio dos debates de outras nações sobre
assuntos semelhantes", tornando os
parlamentares na Nova Zelândia cuidadosos,
237
evitando a discussão "de questões insolúveis,
tais como as que cercam a personalidade fetal
[houve] apenas discussão limitada aos
embriões". Um membro do parlamento
declarou explicitamente: "Temos aprendido
com experiências no exterior... Eu estava na
Inglaterra e na Austrália, quando eles estavam
debatendo a legislação sobre o assunto, e o
debate foi muito acalorado" Em terceiro lugar,
houve "tentativas de aludir aos valores que se
imaginava serem compartilhados,
particularmente aqueles a respeito de cuidado
para com os seres humanos e o desejo de
diminuir o sofrimento". Foi fácil, por exemplo,
estar de acordo contra "a clonagem humana
para fins reprodutivos [ou] a implantação de
um embrião humano em um animal e
vice-versa." Tais apelos a valores comuns
"também parecem ter contribuído para a
amenidade do discurso". Dentre essas
explicações, eu considero particularmente
interessante que os países possam aprender
com deliberações falhas em outros países.
238
Olhando ainda outra variação institucional,
utilizando também o nosso DQI, na Holanda,
Jan Willem Rozier comparou debates em
sessões plenárias do Parlamento e do
gabinete (Conselho de Ministros). Tal
investigação foi possível porque, na Holanda,
as atas das reuniões do gabinete são tornadas
públicas após 20 anos. O resultado mais
surpreendente foi que, em reuniões de
gabinete, os argumentos foram menos
amplamente justificados e os níveis de
respeito foram menores, indicando uma
qualidade inferior do discurso no parlamento.
No que diz respeito à justificação, essa
constatação corresponde à nossa própria
constatação de que o nível de justificação é
menor em reuniões a portas fechadas porque
os atores são propensos a tomar atalhos mais
frequentemente quando não estão sob os
olhos do público (veja a comparação acima,
entre as sessões parlamentares plenárias e
reuniões das comissões). Os níveis de respeito
239
no gabinete holandês são mais baixos do que
no parlamento talvez devido ao fato de que o
gabinete é altamente politizado. Como Rozier
coloca, o verdadeiro jogo na Holanda não é
entre partidos da coligação e partidos da
oposição no Parlamento, mas normalmente
entre os muitos partidos da coalizão no
gabinete.
Claudia Landwehr e Katharina Holzinger
investigaram, no contexto da Alemanha, se
faz alguma diferença para o nível de
deliberação o fato de um mesmo assunto ser
discutido em uma sessão plenária do
parlamento ou em uma conferência de
cidadãos. (me referi a este estudo já no
Capítulo 6 no contexto da força do melhor
argumento.) O tema da discussão era se as
células-tronco embrionárias deveriam ter
importação autorizada para a Alemanha. Em
30 de janeiro de 2002, o Bundestag discutiu a
questão em plenário. "O debate foi
comemorado como um dos pontos altos da
240
atuação do parlamento; a qualidade e
atmosfera de argumentação foram
amplamente apreciados. O procedimento
escolhido diferiu da prática usual, em que há a
obrigação de votar de acordo com a política
do partido (o chicote). Suspensa esta prática
oficialmente, permitindo e exigindo dos
deputados votarem de acordo com suas
consciências”. Apesar destas condições
favoráveis, apenas 16% dos atos de fala tinha
um caráter dialógico. Landwehr e Holzinger
explicar esse baixo número da seguinte
forma:
Aparentemente, as lógicas subjacentes de
interação e requisitos processuais neste
cenário efetivamente impediram o diálogo. O
tempo de fala no Bundestag é atribuído de
acordo com o número de assinaturas de uma
moção, e a lista de oradores previamente
estabelecida. Isso cria uma divisão do fórum
entre falantes e ouvintes – estes últimos com
poucas chances de se tornarem eles próprios,
241
também falantes. se não por meio de
interrupção. Os falantes têm suas
contribuições preparadas com antecedência,
e os tempos de limitados de fala são
rigorosamente cumpridos.
Após o debate sobre células-tronco
embrionárias no Bundestag, o mesmo tema
foi discutido em uma conferência de cidadãos,
descrita por Landwehr e Holzinger como
segue:
Foram selecionadas, aleatoriamente, 14 mil
pessoas que vivem nas cidades de Berlim,
Bernau, e Nauen, , a partir dos registros de
telefone. Elas foram contactadas por e-mail
com informações sobre o tema e os objetivos
da conferência e pediu-se para que
respondessem se estavam interessados em
participar. Das cerca de 400 pessoas que
responderam, foram formados dois grupos de
20 pessoas, selecionadas de acordo com
critérios sócio-demográficos tais como idade,
242
sexo e ocupação. Um grupo foi o grupo de
cidadãos sujeitos da pesquisa; o outro, um
grupo-controle, para a avaliação. Entre os
cidadãos selecionados, 17 se apresentaram
para a primeira reunião de fim de semana,
dentre os quais cinco já desistiram antes do
segundo encontro... Apesar do sofisticado
processo de seleção, tanto o grupo de
cidadãos-sujeito da pesquisa como
grupo-controle, sofreram com a falta de
representatividade devido a processo de auto
seleção.
A conferência dos cidadãos se reuniu durante
três fins de semana. Landwehr e Holzinger
investigaram uma sessão realizada à tarde,
durante o segundo fim de semana. No que diz
respeito à natureza dialógica da discussão, a
conferência dos cidadãos teve um nível muito
mais elevado do que o Bundestag: dos atos de
fala dos cidadãos na conferência, 56% tinham
um caráter dialógico, muito maior do que 16
% apurados no Bundestag. Landwehr e
243
Holzinger explicam a diferença da seguinte
forma: "A qualidade dialógica [na conferência
dos cidadãos] foi possibilitada pelo tamanho
relativamente pequeno do fórum, além de ter
sido encorajada pelos moderadores. A
intenção clara de pautar a conferência sobre
normas processuais e o cenário do fórum
indicavam que cada um dos cidadãos deveria
ter a liberdade de falar sempre que quisesse".
Seria interessante ver qual seria a qualidade
dialógica na conferência dos cidadãos se esta
tivesse o mesmo tamanho do Bundestag e
não tivesse o incentivo do moderador para a
busca de um comportamento dialógico. É
somente desta maneira que o comportamento
deliberativo de parlamentares e de cidadãos
comuns poderia ser comparado de forma
controlada. Em sua investigação das
conferências dos cidadãos sobre as mudanças
climáticas na região francesa de
Poitou-Charentes, Julien Talpin e Laurence
Monnoyer-Smith também olharam para a
variação institucional na distinção entre
244
discussões face a face e discussões online.
Eles descobriram que as discussões online
foram mais interativas, no sentido de que os
participantes se referem mais frequentemente
"a outros participantes para dar suporte a um
argumento”. As discussões on-line também
foram "mais informadas" e "mais precisas" do
que discussões face a face. Talpin e
Monnoyer-Smith reconhecem que seus
achados "contradizem em parte os resultados
de uma pesquisa anterior, que ressaltou o
aspecto monológico de discussões online em
comparações com aquelas face-a-face". Em
um projeto de pesquisa posterior, Laurence
Monnoyer-Smith, agora colaborando com
Stéphanie Wojcik, chegou a uma conclusão
que conflitava com a pesquisa anterior, com
Talpin. Desta vez, o tema da discussão dizia
respeito à possível substituição de uma antiga
fábrica de tratamento de resíduos parisiense,
por uma unidade moderna de metanização.
Mais uma vez, a discussão foi em parte face a
face, em parte, online, mas agora "para quase
245
todos os critérios [deliberativos], as
discussões online foram de uma qualidade
superior às discussões off-line”. Assim, ainda
é uma questão em aberto se,
institucionalmente, é importante para o nível
de deliberação o fato de uma discussão
ocorrer online ou face a face.
Julien Talpin realizou outro estudo
interessante, relevante no contexto atual.
Como já vimos no capítulo 4, Talpin estudou o
envolvimento dos cidadãos no processo
orçamentário a nível local em
Morsang-sur-Orge na periferia de Paris, no
décimo primeiro distrito em Roma e em
Sevilha, na Espanha. Dentro de um limite
superior, os cidadãos tinham o poder de
alocar dinheiro em vários programas
comunitários. Talpin identificou quatro
características institucionais que ajudaram a
deliberação dessas discussões orçamentárias.
Primeiro, um pequeno número de
participantes torna a deliberação mais viável.
246
Como ilustração para esta hipótese, Talpin
menciona que em Roma, as duas primeiras
reuniões de um grupo tiveram mais de 30
participantes, o que "resultou em uma
confusão discursiva, as pessoas não ouviam
umas às outras, falando sobre a fala do outro,
movendo-se de um assunto para outro. Na
terceira reunião, os participantes decidiram
dividir-se em três grupos de trabalho ... A
dinâmica de discussão mudou drasticamente.
Acompanhei um dos grupos de trabalho, onde
a discussão estava calma e construtiva".
Como um segundo fator institucional que
ajudou a deliberação, Talpin menciona a
"organização espacial das reuniões ... todos
devem ser capazes de ver uns aos outros
quando falam. As pessoas precisam ver e
ouvir umas às outras adequadamente, para
que possam responder umas às outra e serem
totalmente sensíveis às colocações". Em
terceiro lugar, a alternância parece ajudar a
deliberação, que Talpin justifica da seguinte
maneira.:
247
Embora, em geral, apenas algumas pessoas
tomem a palavra, a discussão
toma uma forma diferente quando todos têm
que dar a sua opinião. E as pessoas com
poucas habilidades orais, que carecem de
confiança para falar espontaneamente,
aproveitam a oportunidade que lhes é
oferecida para se expressar. Isto também
pode aumentar o nível de argumentos
expressos, e, portanto, favorecer o
surgimento de discordância e o rompimento
de sequências monológicas.
Finalmente, de acordo com a pesquisa de
Talpin, a deliberação tende a tomar um nível
mais elevado quando minutas detalhadas são
distribuídas a cada reunião.
Em resumo, pode-se dizer que, com base na
literatura existente, as instituições são
importantes enquanto fatores causais para
explicar a variação no nível de deliberação.
248
Como Michael E. Morrell corretamente insiste,
no entanto, além de instituições, nós também
temos que considerar fatores psicológicos, a
fim de explicar a variação na deliberação.
Ele realizou uma ampla pesquisa de
experimentos psicológicos relevantes para a
deliberação. Seu ponto de partida é a
descoberta de que "os atores tendem a
atribuir os seus comportamentos bem
sucedidos às suas próprias disposições, e seus
comportamentos mal sucedidos, a fatores
situacionais". Ao mesmo tempo, tendem a ver
o comportamento dos outros exatamente no
sentido inverso, atribuindo comportamentos
de sucesso a fatores situacionais,
comportamentos mal sucedidos como
resultado de sua própria disposição. Morrell
ilustra essa constatação de experimentos
psicológicos, como segue:
Um advogado rico provavelmente vai ver o
seu próprio sucesso econômico como sendo
decorrente de suas próprias disposições,
249
como o trabalho duro e inteligência, enquanto
provavelmente vai ver o fracasso econômico
dos outros como sendo devido a suas
disposições, como a falta de esforço ou
habilidade. Em contraste, um trabalhador
pobre provavelmente vai atribuir a sua falta
de sucesso econômico a fatores situacionais,
como o fato de ter frequentado escolas ruins
ou ao fato de ter enfrentado muitos
problemas na vida, enquanto ele
provavelmente vai atribuir o sucesso dos ricos
para suas situações de vida, como ter nascido
em uma família rica ou por obra de golpes de
sorte.
Morrell conclui estes vieses de atribuição para
as chances de sucesso de deliberação:
Se os interlocutores não veem as razões
básicas para seus respectivos
comportamentos da mesma forma, se eles
tendem a julgar aqueles que são menos
parecidas com eles por padrões morais mais
250
rígidos do que eles julgam a si próprios ou
aqueles mais próximos a eles, e se eles
atribuem motivações não éticas e
estratégicas para aqueles de quem discorda,
dificilmente se pode imaginar como poderia
ser possível concedessem um ao outro igual
consideração, alcançar qualquer tipo de
entendimento mútuo, ou ser capaz de
resolver reciprocamente pretensões de
validade.
Depois de analisar estes resultados
psicológicos pessimistas para as chances de
sucesso da deliberação, Morrell apresenta
"boa evidência de que, instruindo as pessoas
a prestar atenção aos sentimentos dos outros,
diminui-se o preconceito que eles têm em
relação aos outros ... O processo empático
pode ajudar a fechar essa lacuna." Nestes
experimentos os sujeitos recebem instruções,
tais como: "Imagine um dia na vida deste
indivíduo, como se você fosse essa pessoa,
olhando para o mundo através de seus olhos,
251
e andando pelo mundo em seus sapatos ",
enquanto os sujeitos do grupo de controle não
recebem estas instruções.
Estes experimentos indicam que instruir os
sujeitos a serem empáticos conduz às
características favoráveis para a deliberação.
De acordo com a pesquisa da Morrell:
a evidência empírica apoia a hipótese de que,
instruindo as pessoas a serem sensíveis aos
pensamentos e sentimentos dos outros,
cresce a probabilidade de que eles verão o
outro como alguém multifacetado e
complexo, e, por isso, ser menos tendenciosos
em seus julgamentos atribucionais ... parece
altamente provável que precisamos que os
cidadãos se engajem no processo de empatia,
para que a deliberação funcione
corretamente. A fim de diminuir preconceitos
e a polarização, e aumentar a cooperação e
reciprocidade, os deliberadores devem
demonstrar predisposição tanto para o olhar
252
sob outra perspectiva como para a empatia, e
o sistema deliberativo deve de alguma forma
incentivar os cidadãos a agir sobre essas
predisposições.
Morrell não nega que os tipos corretos de
instituição são importantes para a
deliberação, mas ele insiste que "não importa
o quão bem estruturados sejam os
procedimentos, a ameaça de impasse e
ruptura cresce," caso o elemento de empatia
esteja ausente. Ele também não nega que o
aspecto cognitivo é importante para a
deliberação uma vez que estudos psicológicos
experimentais "apoiam o modelo de processo
multidimensional da empatia, indicando que
tanto a sensibilidade afetiva e cognitiva em
relação aos outros é o que ajuda as pessoas a
superar suas percepções tendenciosas de
motivações e comportamentos alheios". Como
podemos ter mais empatia em um sistema
político para que a deliberação possa
florescer? Morrell faz duas sugestões.
253
Primeiro, ele afirma "que devemos incluir a
empatia como parte
da educação democrática. Ao fazê-lo,
podemos almejar que os cidadãos aumentem
sua predisposição para a empatia,
especificamente para a adoção de perspectiva
do outro e preocupação empática, de modo
que eles estarão mais propensos a ter em
conta as perspectivas de seu companheiro de
deliberação". Em segundo lugar, para Morrell,"
é possível que, através de apresentações em
literatura, cinema e outras artes possamos
incentivar os cidadãos a serem
empaticamente sensíveis".
Marli Huijer descobriu, em um estudo
holandês, que a ambiguidade contribui com a
deliberação. Apresentei este estudo no
Capítulo 2, no contexto do papel da narrativa
para deliberação. Como dissemos, ela estudou
o debate político na Holanda a respeito da
seleção de embriões com indicadores
hereditários paro desenvolvimento de câncer
254
de mama (diagnóstico genético
pré-implantação, PGD). O Partido Trabalhista
argumentou que tal diagnóstico genético
deveria passar a ser permitido, com base no
princípio da autonomia do paciente, para que
as portadoras do risco para a doença
pudessem proteger seus filhos. Esse
argumento foi contestado pelo Partido Cristão
Reformado, que alertou para o fato de que
todos nós somos geneticamente propensos a
estarmos sob o risco de desenvolvermos
alguma doença. No final, esse diagnóstico
seria usado para todos os tipos de possíveis
doenças hereditárias. No início do debate, as
duas posições foram apresentadas em
contraste, não deixando espaço para
concessões. Em seguida, as pessoas comuns
com casos de câncer de mama hereditário em
suas famílias começaram a contar suas
histórias na mídia, tendo posições de ambos
os lados da questão. Huijer caracteriza estas
histórias da seguinte maneira: "Ao invés de
fornecer respostas simples, [as histórias]
255
enfatizaram a complexidade moral da
situação. Além disso, seu estilo de fala era
mais emocional e menos retórico; mais
destinado a alcançar o entendimento do que a
convencer os outros ... [as histórias] eram
mais ambíguas do que as dos políticos. A
análise de Huijer identifica um forte efeito
dessas histórias no. debate entre os políticos:
Em suma, depois de ouvir as histórias
ambíguas de mulheres e homens que
sofreram diretamente a angústia de estar com
câncer de mama hereditário, a maneira como
o Partido Trabalhista e o Partido Cristão
Reformado iniciaram a discussão pública
sobre PGD para câncer de mama hereditário
se mostrou desrespeitosa. As histórias
ajudaram a transformar a esfera pública -
onde os políticos e o público em geral atuam
e falam -, em um lugar onde as pessoas
estavam preparadas para ouvir umas às
outras e a chegar a um entendimento mútuo.
256
Esse entendimento envolveu um compromisso
com o qual ambos os partidos políticos
poderiam viver: "cada pedido de PGD deveria
ser avaliado separadamente. Assistidos por
uma equipe multidisciplinar de especialistas;
em cada caso, o paciente e o médico
deveriam levar em conta a gravidade e a
natureza da doença, as opções de tratamento,
critérios médicos adicionais e fatores
psicológicos e morais”. Huijer conclui de sua
pesquisa que "mais do que qualquer
argumento fundamentado, as histórias dos
portadores demonstraram a complexidade
moral de sua situação. Em uma democracia,
onde a maioria dos líderes políticos e cidadãos
preferem posições claras à ambiguidade, esta
é uma grande conquista".
Como vimos no início desta seção, Dryzek vê
uma linguagem comum como uma condição
favorável para a deliberação. Nicole Doerr
apresenta dados que entram em conflito com
esta hipótese. Como vimos no Capítulo 2, ela
257
investigou os Fóruns Sociais Europeus,
primeiro a nível preparatório nacional e, em
seguida, a nível europeu.
Surpreendentemente, ela encontrou um nível
superior de deliberação a nível europeu do
que a nível nacional, apesar da barreira da
língua ter sido muito maior a nível europeu.
Lembramos que a explicação é que, a nível
europeu, as contribuições tiveram de ser
traduzidos, e isso exigiu escuta atenta - fato
que, por sua vez ajudou a deliberação. Por
outro lado, a nível nacional, a maioria dos
participantes falava a mesma língua, o que
significava que havia expectativas
estereotipadas sobre o que as palavras
significavam, tirando dos participantes o
sentimento de necessidade de ouvir com
cuidado. Em um artigo mais recente, Doerr
resume sua investigação sobre o papel da
tradução, que "o discurso público era mais
inclusivo e transparente a nível europeu do
que a nível nacional".
258
No que diz respeito às características
individuais, há grande interesse em pesquisas
sobre se as mulheres ou se os homens são
mais deliberativos. Marco R. Steenbergen
conclui que "o registro empírico dos efeitos do
gênero ... é um pouco mesclado." No início da
discussão, Jane Mansbridge especulou que as
mulheres podem ser mais hábeis em
deliberação do que os homens porque a
consulta, o estilo participativo de deliberação
se adapta melhor às mulheres”. Em estudos
experimentais, Christopher F. Karpowitz e Tali
Mendelberg de fato descobriram que uma
grande presença de participantes do sexo
feminino aumenta deliberação. Lawrence R.
Jacobs et al., no entanto, não encontraram
nenhum efeito do gênero quando estudaram
uma amostra aleatória de cidadãos
americanos sobre a conversa política na vida
cotidiana. Didier Caluwaerts et al., Em uma
pesquisa eleitoral na Bélgica, também
abordou a questão de quanto as mulheres e
os homens falam, com suas famílias, amigos e
259
colegas de trabalho sobre política. Levando
em consideração fatores como educação,
classe social, filiação associativa, eficácia
política, interesse político e confiança social,
eles descobriram que os homens falam mais
sobre política com amigos e no local de
trabalho, ao passo que não houve diferença
entre homens e mulheres no que diz respeito
à conversação política nas famílias. Os
autores comentam sobre este achado com o
argumento de que as mulheres não têm
problemas em falar sobre política no ambiente
seguro de suas famílias, mas ficam hesitantes
quando a conversa política se torna pública,
em grupos de amigos ou colegas de trabalho.
Caluwaerts et ai. concluem que, com relação
ao sexo, a teoria democrática normativa
enfrenta um dilema entre dois dos seus
pressupostos básicos: publicidade e inclusão –
quanto mais pública é a conversação política,
menos as mulheres participam; quanto menos
pública a conversação política, mais elas
participam.
260
Como é o desempenho da questão gênero nos
debates parlamentares? Rita Grünenfelder e
André Bächtiger, de nossa equipe de
pesquisa, fizeram uma análise mais
aprofundada desta questão para a Alemanha
e Suíça, olhando para ambas as sessões
plenárias e das reuniões de comissões.
Olharam a questão de gênero tanto em nível
individual como no que diz respeito à
composição do grupo. Para o primeiro
aspecto, após a introdução de um grande
número de variáveis de controle, eles
concluíram que "praticamente não há
evidência para a deliberação baseada em
gênero, no sentido de que as mulheres
membros do parlamento se comportariam de
forma diferente, em
comparação com os seus colegas do sexo
masculino. Esta é uma refutação clara às
autoras feministas, que argumentam que as
mulheres são geralmente mais inclinadas a
processos deliberativos”. No que diz respeito
261
à composição de grupo, no entanto, a questão
de gênero se mostra relevante:." Quanto
maior a participação de parlamentares do
sexo feminino nas comissões e sessões
plenárias, tanto mais alto é o nível de
respeito". Grünenfelder e Bächtiger
comentaram sobre os efeitos da composição
de gênero de que "uma vez que a parcela de
políticos do sexo feminino aumente, a política
pode se tornar um pouco mais agradável e um
pouco menos contraditória". Em sua análise
de debates em plenário do Parlamento
Europeu, Dionísia Tamvaki e Christopher Lord
também olhar para o efeito de gênero, mas
apenas no nível individual e não no que diz
respeito à composição do grupo. Eles
confirmam os achados de Grünenfelder e
Bächtiger que, em nível individual, o fato
gênero não tem nenhuma influência sobre o
nível da deliberação.
A educação é outro fator que é
frequentemente mencionado como um
262
antecedente para a deliberação. Por um lado,
um argumento muitas vezes citado é de que a
boa educação, com ênfase no
desenvolvimento de habilidades cognitivas,
contribui para a boa deliberação. Por outro
lado, alguns teóricos têm alertado para o
perigo de que uma grande desigualdade na
educação terá como consequência o
altamente educado dominando a deliberação,
violando, deste modo, uma virtude
fundamental do processo. Iris Marion Young,
por exemplo, afirma: "Em condições de
desigualdade estrutural, processos normais de
deliberação, muitas vezes, na prática,
restringem o acesso a agentes com maiores
recursos, conhecimentos ou ligações [e esses
agentes], portanto, são capazes de dominar o
processo com os seus interesses e
perspectivas”. Caluwaerts et al. Demonstram,
para a Bélgica, que pessoas altamente
qualificadas falam mais sobre política com
amigos e familiares, enquanto que para falar
sobre política no local de trabalho, o nível de
263
educação é indiferente. Para os EUA, Jacobs et
al. registram uma tendência geral das pessoas
com níveis mais elevados de educação se
envolverem mais na conversação política
cotidiana.
A idade tem alguma importância para a
deliberação? Pode-se especular que a boa
deliberação pressupõe um longo processo de
aprendizagem para que, dessa forma, o nível
de deliberação evolua com a idade. Uma
hipótese conflituosa seria a de que a
experiência de vida, muitas vezes, revela a
política como um jogo de poder para o qual as
pessoas mais velhas olham de forma mais
cínica e, portanto, menos deliberativa. Jacobs
et al. não encontraram qualquer efeito
significativo relacionado à idade para a
conversação política cotidiana nos EUA, com a
ressalva de que os mais jovens utilizam as
novas tecnologias, na maioria das vezes, para
se envolver na conversação política.
264
Dirijo-me agora a sociedades profundamente
divididas em que a deliberação é mais
necessária, mas também mais difícil. Qual é o
potencial para a deliberação em tais
sociedades? Se a sociedade está
profundamente dividida por critérios tais
como a língua, a religião, raça, etnia, história
e classe social, há um grande risco de
instabilidade política e até mesmo de guerra
civil. A teoria consociacional mostrou que,
com o tipo certo de elementos institucionais e
culturais, ainda é possível alcançar algum
nível de estabilidade democrática, embora os
riscos de fracasso permaneçam elevados. As
instituições necessárias para sociedades
profundamente divididas são: a
proporcionalidade para as eleições
parlamentares, a partilha de poder de todos
os principais partidos do executivo, do
federalismo e fortes pontos de veto no
sistema. Culturalmente, a sociedade deve ter
o que Arend Lijphart chama de “espírito de
acomodação” para sua análise da Holanda, e
265
que eu denominei como “acordo amigável”
para o meu estudo da Suíça. Quando a teoria
consociacional passou de estudo de caso de
um único país para análises comparativas de
mais de 30 países, o aspecto cultural foi cada
vez mais negligenciada, porque era difícil de
medir. Assim, a teoria ficou cada vez mais
centrada em fatores institucionais, fato que se
tornou um problema. Em países como o
Iraque e Bósnia-Herzegovina, os elementos
institucionais da teoria consociacional foram
aplicados, mas a estabilidade democrática é
mais difícil de alcançar. É óbvio que uma
cultura de um “espírito de acomodação” ou
“acordo amigável” está ausente. O desafio é
obter um manejo empírico sobre este fator
cultural. Assumi esse desafio ao vincular a
teoria consociacional à teoria deliberativa e
substituindo “espírito de acomodação” e de
“acordo amigável” por deliberação. Meu
argumento é o de que as sociedades
profundamente divididas precisam de
instituições consociativas como uma condição
266
necessária, mas não suficiente. Além disso,
essas sociedades também precisam de uma
cultura de deliberação. Embora seja
relativamente fácil, através de engenharia
política, estabelecer instituições consociativas
na constituição, é muito mais difícil de
estabelecer uma cultura de deliberação.
Ian O'Flynn tem dado muita atenção para o
potencial de deliberação nas sociedades
profundamente divididas. Ele reconhece que
"grupos apanhados numa guerra civil podem
certamente ser descrito como carentes de
razoabilidade; sob tais condições, pode haver
pouco sentido em insistir que esses grupos
avancem e respondam de forma construtiva
para argumentos de princípio”. Ele então
continua com uma nota mais otimista e vê
potencial para deliberação no processo de se
chegar a um acordo de paz.
Para ter certeza, a maioria, se não todos, os
acordos de paz ganham vida como
267
negociações pragmáticas. No entanto, se tias
negociações são para fornecer uma
plataforma para a paz sustentável, elas
também devem refletir um compromisso com
os princípios básicos ... acordos de paz são
vinculativos para os cidadãos em geral e,
portanto, se forem considerados
democraticamente legítimos, devem ser
justificados em termos que todos possam
aceitar plenamente.
Em outras palavras, de acordo com O'Flynn,
poder e interesses sempre desempenham um
papel importante nas sociedades
profundamente divididas, mas eles não são
suficientes para alcançar soluções pacíficas
duradouras. Para que isso aconteça, algum
nível de deliberação é necessário, apoiado em
princípios básicos comumente aceitos. O'Flynn
argumenta que é precisamente isso que
aconteceu quando, na Irlanda do Norte, em
abril de 1998, foi celebrado o Acordo da
Sexta-feira Santa:
268
No fundo, os nacionalistas irlandeses
apoiaram-no porque ele manteve a promessa
de conquistar uma Irlanda unida, enquanto
sindicalistas britânicos o endossaram porque
estenderam ser a melhor oportunidade de
conciliar os nacionalistas ao sindicato. O
ponto importante sobre o acordo, no entanto,
foi que ambos os conjuntos de aspirações
estavam sustentados por um compromisso
compartilhado com os princípios da
autodeterminação, da igualdade democrática,
tolerância e respeito mútuo. São esses
princípios que dão ao acordo de legitimidade,
aos olhos de ambos os cidadãos e da
comunidade internacional, e que sustentam a
esperança de paz e estabilidade duradoura.
Nevin T. Aiken também olhou para a Irlanda
do Norte, e mostrou que os esforços a nível
local dos contatos intercomunitárias
resultaram positivos. Ele encontrou
269
evidências substanciais que sugerem que o
aumento dos níveis de contato
intercomunitário através da abordagem
integrada tipo "relações comunitárias" teve
um efeito causal mensurável na promoção de
relações intergrupais mais positivas na Irlanda
do Norte ... maior contato tem sido altamente
eficaz para ajudar a aumentar a tolerância
entre as comunidades, a confiança , amizade,
compreensão e afeto positivo, enquanto, ao
mesmo tempo, tem sido eficaz para reduzir
as percepções negativas da ameaças
intergrupo, ansiedade, e do preconceito.
Alain Nöel concorda com O'Flynn e Aiken que
"para sociedades divididas de forma mais
dramática ... a deliberação bem sucedida
ainda pode ser alcançado, mesmo em
contextos onde o poder e os interesses têm
muito peso."
Novos dados sobre experimentos
deliberativos
270
Tendo apresentado nos capítulos anteriores os
elementos deliberativos individuais, agora
queremos saber como esses elementos se
juntam, para que possamos abordar a
qualidade do discurso em geral, no sentido da
nossa DQI. Para a Colômbia, nós aplicamos
uma análise fatorial para a matriz de
correlação policóricas dos elementos
deliberativos individuais. Chegamos a uma
solução de um único fator, que tem a seguinte
carga:
Duração da participação 0.817
Nível de justificação racional 0,870
Referência ao próprio grupo 0.671
Referência a outros grupos 0.537
Referência para o bem comum 0,570
Referência a princípios abstratos 0,529
Força de melhor argumento 0,439
Para medir a qualidade geral do discurso, esse
fator faz sentido do ponto de vista teórico: ela
271
é alta quando os atores falam durante algum
tempo; justificam seus argumentos com
algum nível de racionalidade, não se referem
muito a custos e benefícios de seu próprio
grupo, mas fazem-no em relação a outros
grupos, o bem comum, e princípios abstratos;
e é relativamente elevada em relação à força
do melhor argumento. Como a variação na
qualidade global do discurso pode ser
explicada? A análise de regressão
multivariada mostra que duas variáveis têm
um efeito significativo: o número de atos de
fala que um indivíduo realiza e um histórico
familiar de política direitista. A primeira destas
variáveis significa que, quanto mais
frequentemente um ex-combatente intervinha
na discussão, tanto maior eram suas
pontuações DQI medidas pelo fator acima
descrito. Assim, falar mais frequentemente
não era apenas um ato repetitivo, mas
permitiu ao participante expandir e elaborar
seus atos de fala anteriores. O histórico
político familiar de direita teve um impacto
272
negativo sobre a pontuação DQI; a ênfase na
hierarquia e na ordem em tais famílias pode
explicar este achado.
Se fizermos a análise de regressão
multivariada não para o DQI aditivo, mas para
os elementos deliberativos individuais, temos
mais alguns resultados interessantes. No que
diz respeito à educação, os resultados são
mistos. Por um lado, os ex-combatentes mais
instruídos eram mais propensos a falar e a se
referir mais frequentemente aos princípios
morais abstratos. Por outro lado, aqueles com
pouca ou nenhuma educação formal eram tão
deliberativos em outros aspectos quanto os
mais instruídos. Este último achado é notável,
pois, para muitas pesquisas, uma educação
elevada contribui para uma maior deliberação.
Com relação à idade, os participantes mais
jovens eram menos propensos a falar, mas,
para outros elementos deliberativos, a idade
não tinha influência significativa. Em relação
ao gênero, homens e mulheres ficaram mais
273
ou menos no mesmo nível em relação a todos
os elementos deliberativos. Uma constatação
específica notável foi a de que os
participantes pobres referiam-se menos
frequentemente aos seus próprios interesses
do grupo, o que indica como a classe social
discrimina, de forma sutil, aqueles na base da
sociedade, no sentido de que os pobres
sejam, talvez, demasiado humildes para
cuidar de seus próprios interesses. Uma
descoberta promissora foi a de que os
ex-combatentes falaram mais, o que
demonstra que o programa de reintegração,
aparentemente, tinha algum efeito positivo
nestes, tornando-os menos tímidos para se
expressar.
No questionário após os experimentos, os
participantes foram questionados a respeito
de como eles perceberam o nível de
deliberação durante o experimento. A única
variável que mostra um efeito
estatisticamente significativo é a educação,
274
com o altamente educado recordando a
experiência de uma forma mais negativa. Este
achado é preocupante, no sentido de que ele
pode indicar que cinismo a respeito da
deliberação aumenta com o nível de
educação.
Nós também testamos a influência de fatores
institucionais nos vários elementos
deliberativos. Em metade dos 28
experimentos, os participantes foram
convidados a decidir sobre o conteúdo de uma
carta sobre o futuro da Colômbia, para ser
enviada para o Alto Comissariado para a
Reintegração. Na outra metade das
experiências, tal decisão não tinha de ser
feita. Portanto, a discussão era flutuante e
sem um ponto final. Nesta última situação, os
participantes utilizaram justificaram
racionalmente seus argumentos mais
frequentemente. Nos 14 experimentos em
que uma decisão sobre a carta tinha de ser
feita, em sete foi por unanimidade, nos outros
275
sete por maioria de votos. Quando era
necessária a unanimidade, os argumentos
foram mais racionalmente justificados do que
quando uma maioria simples era suficiente.
Como a participação nas experiências variou
bastante, um fator institucional adicional foi o
tamanho do grupo de discussão. Quando o
grupo era pequeno, os participantes falaram
mais longamente, referiu menos
frequentemente a custos e benefícios de seu
próprio grupo, e justificou os seus argumentos
em um nível superior de racionalidade;
reconhecendo, no entanto, o valor de outras
posições com menor frequência.
Em Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, nós
fizemos o controle nas experiências de
participação e não-participação na ONG
Centro de Diálogo Nansen. Como já descrito
na introdução, para metade dos
experimentos, os participantes foram
recrutados a partir desta ONG, para a outra
metade, foram recrutados aleatoriamente. A
276
hipótese era de que a participação nas
atividades da ONG levaria a um processo de
aprendizagem e, portanto, a um nível superior
de deliberação do respectivo grupo
experimental. Afinal, o objetivo da ONG era o
de contribuir para o diálogo inter-étnico. A
hipótese foi rejeitada no sentido de que não
houve diferenças significativas entre os dois
conjuntos de grupos, o que foi uma decepção
para ONGs como o Centro de Diálogo Nansen.
Simona Mameli, que conduziu os
experimentos, tem a impressão de que as
atividades do Centro levou a alguma fadiga de
diálogo. Em Stolac chegamos aos mesmos
resultados, sem efeito significativo da
participação nas atividades do Centro de
Diálogo Nansen. Assim, o programa de
reintegração na Colômbia, como mencionado
acima, parece ter sido mais bem sucedido do
que a ONG na Bósnia-Herzegovina.
Para a Bélgica, a análise fatorial revelou dois
fatores principais: o primeiro fator foi muito
277
mais importante e refere-se à forma de
deliberação, a segunda substância da
deliberação.
Fator referindo-se a forma de
deliberação
Respeito pelos contra-argumentos 0,842
Ouvir respeitosamente 0.770
Justificação racional 0,680
Força de melhor argumento 0,622
Linguagem respeitosa 0,542
Fator referindo-se a substância de
deliberação
Referência ao bem comum 0,706
Respeito para com o outro grupo
0.642
Referência ao princípio abstrato
0,604
Os cinco itens que pesam fortemente no
278
primeiro fator se referem mais à forma em
que os atores apresentaram seus argumentos
e reagiram aos argumentos dos outros
participantes. Os itens que mais pesam no
segundo fator se referem mais à substância
dos argumentos. Assim, temos duas
dimensões distintas de deliberação.
Utilizou-se o primeiro fator para a construção
de um DQI aditivo. Para explicar a variação no
DQI, o projeto de pesquisa controlou duas
variáveis: modos de decisão e composição do
grupo. Para os modos de decisão, tivemos de
considerar que, na política belga, a regra de
maioria de dois terços desempenha um papel
importante. Portanto, estávamos interessados
em investigar como essa regra influencia o
nível de deliberação. Como já visto na
Introdução, os participantes tiveram que
discutir o futuro das relações entre os grupos
de línguas e fazer recomendações sobre esta
questão. Para estas recomendações, em três
dos nove experimentos, os participantes
foram obrigados a tomar uma decisão por
279
maioria de dois terços; em outras três, por
maioria simples, e em três outras, por
unanimidade. O nível mais alto de deliberação
ocorreu quando era necessária a
unanimidade, o menor nível, com regra a da
maioria simples. Com a regra de maioria de
dois terços, o nível ficou na posição do meio.
Este resultado está em linha com os dados da
Colômbia, onde a deliberação foi maior com a
regra da unanimidade do que com a regra da
maioria. Teoricamente, esses resultados
fazem sentido: quanto mais regras de decisão
são necessárias para se chegar a um acordo,
os atores têm mais um incentivo para levar
em consideração os argumentos dos outros.
As regras de decisão também tiveram impacto
sobre a forma como os participantes
perceberam o nível de deliberação, quando
preencheram um questionário após o
experimento. Um item dizia, por exemplo,
"Sinto que estava desnecessariamente
interrompido durante a discussão”. Nos
grupos com a regra da maioria simples, 31%
280
concordaram com este item, enquanto que
nenhum participante do grupo com maioria de
dois terços de do grupo da unanimidade
concordou com tal afirmação. A percepção
concorre com o que realmente aconteceu nos
vários grupos com base em nossa DQI, no
sentido de que as interrupções eram muito
maiores nos grupos com a regra da maioria
simples.
Para a composição do grupo, já vimos, em
capítulos anteriores, que na Bélgica a
composição linguística dos grupos
experimentais tem influência na maioria dos
elementos deliberativos, com grupos
linguisticamente mistos atingindo o nível mais
alto da deliberação. Assim, não é nenhuma
surpresa que o grupo misto tenha a marca
mais alta também para o DQI aditivo. Assim, é
notável que, no questionário preenchido após
o experimento, os participantes dos grupos
linguisticamente mistos tenham percebido a
veracidade da discussão em nível tão elevada
281
como o fizeram os participantes dos grupos
linguisticamente homogêneas. Poder-se-ia
esperar que houvesse mais desconfiança no
grupo linguisticamente heterogêneo, mas este
não foi o caso, o que é um bom presságio para
a probabilidade de deliberação sincera
quando Valões e Flamengos comuns se
encontram. Olhando para as características
individuais dos participantes, no que diz
respeito à educação, foi confirmada para o
DQI como um todo o que vimos nos capítulos
anteriores a respeito dos elementos
deliberativos individuais, ou seja, que o nível
de deliberação aumenta com níveis mais
elevados de educação. Por sexo e idade não
foram encontradas diferenças significativas,
confirmando o que já vimos para os elementos
deliberativos individuais.
Comparando-se a influência do modo de
decisão com a composição do grupo, uma
análise de regressão múltipla mostrou que o
modo de decisão tinha uma maior influência,
especialmente nos grupos homogêneos
282
linguisticamente. Nos grupos divididos, o nível
de deliberação tendeu a ser geralmente
elevado, quase independentemente do modo
de decisão. Isto significa que houve outras
forças que - para além do modo de decisão-
contribuíram para um elevado nível de
deliberação nos grupos mistos. Como já foi
mencionado várias vezes nos capítulos
anteriores, o alto nível de deliberação nos
grupos mistos foi uma verdadeira surpresa,
repudiando a nossa hipótese inicial de que um
contexto linguisticamente homogênea seria
mais favorável para deliberação. Quais foram
as forças auxiliando deliberação nos grupos
mistos? Podemos ter insights sobre esta
questão quando fazemos a análise de
regressão multivariada para os elementos
deliberativos individuais também. Aqui, os
dados são particularmente reveladores para a
justificação e força do melhor argumento.
Como vimos no Capítulo 2, para a justificação
foram utilizadas as seguintes categorias de
codificação: não justificação; a justificação
283
com a ilustração; a razão dada, mas sem
conexão com a opinião; a razão dada e com
conexão com a opinião; mais do que uma
razão dada e conexões com opinião.
Comparando-se as duas últimas categorias de
maior justificação para os atos de fala nos
grupos homogêneos e heterogêneos, foi
revelado que, para cada 100 desses atos de
fala nos grupos homogêneos, havia 538
desses atos de fala nos grupos heterogêneos.
Isto significa que quando Flamengos e Valões
se encontraram, eles fizeram um grande
esforço para justificar os seus argumentos
para o outro lado. Eles não fazer utilizaram
tantos atalhos em sua argumentação como o
fizeram os participantes dos grupos
homogêneos. O encontro com as pessoas “do
outro lado” deu ao grupo heterogêneo um
incentivo para refletirem sobre as razões
pelas quais cada um apoiava políticas
específicas para o futuro do país. Para a força
do melhor argumento, nós olhamos para o
número de atos de fala que indicavam uma
284
mudança de posição, ou pelo menos, um
reconhecimento do valor de outra posição.
Para 100 desses atos de fala nos grupos
homogêneos, havia 350 desses atos de fala
nos grupos mistos. Assim, é evidente que os
participantes dos grupos mistos não só
estavam dispostos a justificar suas posições
para o outro lado, como também estavam
dispostos a ouvir o outro lado e olhar para as
suas posições com respeito e empatia.
No geral, para a Bélgica, uma história otimista
emerge; a deliberação entre os cidadãos
comuns parece ser possível através de uma
clivagem linguística profunda. Este resultado é
ainda mais notável porque, na época dos
experimentos, não houve praticamente
nenhuma deliberação entre os políticos belgas
que, por causa da questão da língua, não
puderam manter um governo por mais de um
ano. Pode ser que, ao contrário da teoria
consociacional convencional, os cidadãos
comuns estejam mais dispostos do que as
elites para superar divisões sociais profundas?
285
A ressalva é: deve-se considerar que a
deliberação nos grupos mistos pode ter sido
ajudada pelo fato de a discussão ter sido
traduzida simultaneamente. Essa tradução
pode ajudar na deliberação, como já vimos
anteriormente nesta seção, quando se
discutiu a pesquisa de Nicole Doerr no Fórum
Social Europeu. Para a Bélgica, temos
algumas evidências empíricas de que a
tradução ajuda ,a deliberação. Para os grupos
mistos, olhamos especialmente para os
participantes bilíngues, e descobrimos que
eles interromperam os outros com mais
frequência do que os participantes não
bilíngues. Este comportamento
não-deliberativo dos participantes bilíngues
parece ocorrer devido ao fato de eles não
dependerem da tradução e, assim, poderem
interromper mais espontaneamente.
Para o projeto Europolis nós investigamos ,
sob o aspecto dinâmico, se o nível de
deliberação muda ao longo do curso de uma
286
discussão, como observamos nos debates
parlamentares. Ao nível do cidadão da
Europolis, não encontramos tal aspecto
dinâmico. Durante duas sessões sobre a
imigração o nível de deliberação não mudou
muito. Esta ausência de um aspecto dinâmico
pode ser devido ao projeto da pesquisa da
Europolis, onde moderadores foram treinados
para estimular um nível elevado de
deliberação. Como eles intervinham neste
sentido, durante todo o tempo de discussão,
este fato pode ter contribuído para o nível de
deliberação ter permanecido o mesmo.
Investigamos também em que medida os
diferentes elementos deliberativos se
mantiveram unidos no nível individual. Assim,
nós usamos um item de Análise de Resposta
Bayesian. Poderíamos determinar que as
funções de resposta tivessem uma inclinação
positiva, o que indica que a qualidade
deliberativa forma uma variável importante.
Mas os elementos deliberativos não se
mantem tão fortemente unidos ao ponto de
287
falarmos em unidimensionalidade. Poucos
participantes conseguirem atender aos
padrões deliberativos em uma única sessão -
se alguns elementos deliberativos estavam
altos, outros tendiam a estar baixos. As
narrativas, em particular, têm apenas uma
fraca relação com a dimensão latente. Como
os elementos deliberativos ficaram
fracamente unidos, fizemos a regressão
múltipla para os elementos individuais.
Seguindo o padrão usual de votação
deliberativa, a Europolis não utilizou variáveis
de controle para manipular as condições para
os grupos experimentais individuais. As
condições para todos os grupos eram as
mesmas. Podemos, no entanto, ainda fazer
análises ao nível das características
individuais dos participantes. Para a
frequência e duração da participação,
encontramos níveis mais baixos para as
mulheres, para a classe trabalhadora, para os
menos educados, e para os participantes de
países novos membros da UE na Europa
288
Central e Oriental. No que diz respeito a
justificação racional ", os níveis foram
menores para a classe trabalhadora, para os
menos educados, e para os participantes de
novos Estados-Membros da UE, mas não para
as mulheres. Para referências ao bem comum,
a única diferença significativa é que os
participantes de novos Estados-Membros da
UE fizeram tais referências com menos
frequência. Declarações desrespeitosas foram
mais frequentes por parte das mulheres da
classe trabalhadora, dos menos educados, e
dos participantes de novos Estados-Membros
da UE. As expressões explícitas de respeito
foram encontradas apenas nos altamente
educados. As narrativas foram mais
frequentes entre os homens. Esta análise a
nível individual é surpreendente, na medida
em que as mulheres são mais desrespeitoso e
menos adeptas das narrativas, o que
contradiz outros dados empíricos que eu
relato no Capítulo 4.
289
Na Finlândia, o projeto de pesquisa teve dois
grupos; a decisão ao final da discussão tinha
que ser por vota da maioria ou por consenso.
Em contraste com os resultados da Colômbia
e na Bélgica, não houve efeito e o nível de
deliberação foi aproximadamente o mesmo
em ambos os grupos. No que diz respeito às
características individuais dos participantes, a
análise de regressão múltipla não revelou
influência quanto a educação e ao gênero,
mas demonstrou uma influência significante
para a idade, com o jovem sendo mais
deliberativo. Staffan Himmelroos interpreta o
efeito da idade da seguinte forma: "Será que o
aumento da confiança que vem com a idade e
experiência, ao mesmo tempo em que
incentiva a pessoa a ser ativa, diminui sua
necessidade de motivar crenças e dá-lhe
menos motivos para considerar as opiniões
em desacordo com as suas próprias?”
Resumindo
290
Dada a complexidade dos resultados
empíricos desta seção, um resumo pode ser
útil. Deixe-me distinguir as variáveis
explicativas contextuais e individuais. Para as
variáveis contextuais, eu faço uma distinção
entre instituições, cultura, e questões. No que
diz respeito às instituições, os debates
parlamentares são geralmente mais
deliberativo em segundas câmaras e sistemas
de consenso, enquanto que os resultados são
mistos para as sessões plenárias versus
reuniões de comissões, sistemas presidenciais
versus sistema parlamentar e a importância
dos pontos de veto. Um fator institucional
favorável para a deliberação é um sistema
eleitoral que permite a expressão de mais de
uma preferência. No que se refere ao
tamanho do grupo de discussão, há boas
evidências em diferentes estudos empíricos
de que um pequeno número de participantes
ajuda a deliberação. Se as discussões face a
face ou as discussões online são melhores
para deliberação, ainda é algo incerto.
291
Discussões flutuantes tendem a ser mais
deliberativas do que quando uma decisão tem
que ser tomada ao final da discussão. Neste
último caso, a regra de decisão por
unanimidade é mais passível de deliberação
que a regra da maioria. Para a organização
específica de uma discussão, a deliberação é
facilitada quando os participantes
enfrentam-se em volta de uma mesa, quando
há alternância entre todos os participantes, e
quando minutas são entregues antes da
próxima reunião.
Para a cultura, são necessárias mais
pesquisas empíricas de como os efeitos da
cultura afetam a deliberação, pois ainda são
poucos os bons estudos. Num nível geral,
afirma-se que o fundamentalismo religioso e o
conformismo ideológico são ruins para a
deliberação, mas ainda são necessárias novas
investigações para colocar essas hipóteses em
terreno mais firme. Um resultado animador é
que, em sociedades profundamente divididas,
292
a deliberação, embora difícil, não impossível.
Pelo menos em algum nível, mesmo que
baixo. Também é encorajador que existam
culturas abertas para aprender a deliberar,
tomando como base o aprendizado de
experiências fracassadas em outros lugares.
Também existem poucas pesquisas
sistemáticas sobre como a questão em
discussão influencia a deliberação. Não está
claro, por exemplo, se a deliberação é mais
fácil de ser alcançada em questões fiscais ou
em questões sociais. A única conclusão clara é
que as questões polarizadoras tornam a
deliberação mais difícil. Neste contexto, há
também a necessidade de se estudar como as
diferentes questões são enquadradas de
acordo com o contexto específico e como tal
enquadramento afeta deliberação. Como é,
por exemplo, a questão dos imigrantes
enquadrados em diferentes contextos. Como é
que tal enquadramento afeta a deliberação?
Não há praticamente nenhuma pesquisa
293
empírica a este respeito.
Para as variáveis individuais, distingo as
psicológicas e demográficas.
Psicologicamente, a empatia e a ambiguidade
parecem ter uma influência positiva sobre a
deliberação. Para as variáveis demográficas,
considero sexo, idade e educação, uma vez
que todas as três variáveis podem ser base
para a discriminação em discussões políticas,
ou seja, a discriminação contra as mulheres,
os mais jovens/mais velhos e os menos
educados. O ensino superior contribui para
deliberação, embora não de maneira
uniforme. Para o sexo não há um padrão claro
no nível individual, mas há alguma evidência
de que os grupos com um número elevado de
mulheres são mais deliberativos. Para a idade
não há um padrão claro.
(c) Implicações normativas dos
resultados empíricos
294
A pesquisa empírica mostra claramente que
as instituições têm uma influência sobre o
nível de deliberação. No entanto, como vimos
na seção anterior, a maioria das instituições
molda os vários elementos da deliberação de
maneiras diferentes. Portanto,
normativamente falando, deve-se evitar
afirmações indiferenciadas sobre quais
instituições usar para ajudar a deliberação. Na
concepção de instituições, deve-se considerar
realizar trocas entre os vários elementos
deliberativos. Por exemplo, se mais peso deve
ser dado a altos níveis de respeito ou a altos
níveis de justificação. Muitas vezes, não é
possível maximizar os dois elementos ao
mesmo tempo. Além disso, ao fazer
declarações normativas em relação às
instituições desejáveis para a deliberação, é
preciso estar ciente de que tais instituições
são apenas uma condição necessária, mas
não suficiente para a deliberação. Também
são necessárias as condições psicológicas e
culturais adequadas. Como também vimos na
295
seção anterior, a pesquisa empírica salienta
duas condições psicológicas favoráveis para a
deliberação: a sensibilidade aos pensamentos
e sentimentos dos outros e uma certa
ambiguidade na abordagem de questões a
serem discutidas. Postular esses dois fatores
psicológicos amplos impõe a questão sobre
quais medidas podem ser tomadas para
contribuir de forma positiva para estes dois
fatores. A literatura cita, por exemplo, ensinar
a empatia nas escolas e programas de artes
nas comunidades. O que tais medidas seriam,
concretamente, é muitas vezes uma questão
deixada em aberto na literatura.
Onde esta discussão nos leva? Quais são as implicações normativas? Existem recomendações
específicas de como as précondições institucionais, psicológicas e culturais, para os vários
elementos deliberativos podem ser melhoradas? Minha principal mensagem é que devemos
fugir de generalizações. Não se pode simplesmente dizer, a um nível geral, que devem ser
tomadas tais e tais medidas institucionais psicológicas e culturais para aumentar deliberação.
É preciso olhar para a situação específica. Aumentar a deliberação em Srebrenica,
investigada por Simona Mameli da nossa equipa de investigação, é diferente de aumentar a
deliberação na cidade italiana de Piombino, que discutimos na introdução. Se alguém quiser
296
dar recomendações, é preciso mergulhar no contexto histórico, cultural, social, econômico e
político para dar conselhos significativos. Não há bola de cristal dizendonos, a um nível
geral, o que precisa ser feito para aumentar os vários elementos deliberativos. Investigar,
em casos específicos, o que precisa ser feito para ampliar as chances de uma boa deliberação
é um trabalho árduo e detalhado. A pesquisa normativa e empírica trazida pela literatura
pode certamente ajudar, mas também é necessária uma boa intuição pragmática para dar
conselhos úteis em casos concretos. Além disso, não se deve esquecer de incluir as pessoas a
serem aconselhada. É justamente por causa do espírito deliberativo que os aconselhamentos
não devem simplesmente vir de fora, mas que as próprias pessoas estejam envolvidas na
discussão de medidas que aumentem a deliberação em suas comunidades. Os estudiosos em
deliberação devem absterse de apresentarse como as únicas pessoas com conhecimento
sobre deliberação. O que Jane Mansbridge et al. apontam em termos gerais, aplicase,
também aqui, ou seja, que, em um sistema deliberativo, especialistas não devem ter o
monopólio do conhecimento. Espero que o feedback positivo tenha resultados, no sentido
de que a deliberação sobre o aumento da deliberação levará a um nível superior de
deliberação, que, por sua vez, vai ajudar a deliberação sobre novos incrementos na
deliberação, e assim por diante. Mas é preciso também reconhecer que a boa democracia é
composta de outros elementos além da deliberação, e aqui, também, o que é desejável não
pode ser determinado em um nível abstrato, mas deve ser avaliado para os casos históricos
específicos. Algumas situações, por exemplo, podem exigir fortes manifestações públicas,
enquanto que em outras situações, a ênfase na deliberação pode ser mais apropriada. Alguns
dos meus exalunos são confrontados com este dilema quando o Fórum Econômico Mundial
se reúne em Davos, na Suíça. Eles devem participar das discussões em Davos ou devem
297
protestar, bloqueando os trens que vão até Davos? Nenhum estudioso da deliberação pode
dar uma resposta firme para este dilema, mas eles podem tentar envolver essas pessoas na
deliberação, que é o que às vezes faço.
298
299
CAPÍTULO 10 – JorgePereira Filho Consequências favoráveisda deliberação
(a) Controvérsias normativas naliteraturaEnquanto os teóricos dedicam pouca atenção àscondições que levam à boa deliberação, elessempre tiveram interesse em especular sobre àssuas consequências. De certa maneira, osteóricos têm a expectativa de que a deliberaçãogere consequências favoráveis. ClaudiaLandwehr sustenta esse ponto de vistageneralizando:
A teoria entende que a troca de razões por meio dainteração comunicativa forma e transformapreferências políticas, e se a interação ésuficientemente deliberativa, elas são aprimoradas.Espera-se que as preferências evoluam a partir dadeliberação sendo mais bem informadas e menosautointeressadas; além da própria perspectiva, eleslevam em conta o conhecimento, as experiências eo interesse de outros.1
Para Jürgen Habermas, “deliberação causa umapressão pela racionalidade que aprimora aqualidade das decisões”.2 Para John S. Dryzek,deliberação é “um meio de resoluções conjuntaspara problemas sociais [...] uma ampla literaturade políticas públicas aponta para a eficácia dadeliberação em gerar soluções, por partedaqueles envolvidos em problemas comuns,soluções estas que sejam aceitáveis e efetivas ao
300
mesmo tempo e que a deliberação podefuncionar quando soluções vindas de cima parabaixo sofrem resistência daqueles cujosinteresses e argumentos são ignorados”.3 GiovanFrancesco Lanzara postula que a deliberaçãoabre oportunidades para ações novas e benéficaspara a comunidade. Daniel Oliver-Lalana, umteórico legalista, sustenta a respeito do processolegislativo “que existe uma ligação entre aqualidade de uma lei e sua lógica subjacente: emgeral, da melhor argumentação legislativaresultará a melhor lei”5. Em que sentidoexatamente os teóricos acreditam que adeliberação ajude com a qualidade das políticasresultantes? Com mais frequência, eles esperamque a deliberação amplie a legitimidade dasdecisões políticas. Como Dryzek assinala, paragarantir a legitimidade,
Em uma democracia, uma base especialmentesegura envolve a aceitação reflexiva de decisõescoletivas por atores que tiveram uma oportunidadede participar em deliberações consequentes. Essepostulado é o coração da teoria deliberativa, quecomeça como uma prestação de conta delegitimidade [...]. A legitimidade deliberativa podesubstituir ou complementar outras fontes delegitimidade, tais como a consistência de umprocesso com regras constitucionais ou práticastradicionais.6 Para Habermas, a deliberação tem “o poder
de ampliar a legitimidade”.7 Para DiegoGambetta, a deliberação “pode gerar decisõesque são mais legítimas” e, sobretudo, “inclusivaspara minorias”.8 Para Luigi Pellizzoni,deliberação tem a capacidade de “aprimorar alegitimidade das decisões”.9 Na mesma direção,Jan Sieckmann argumenta que a argumentação
301
racional ajuda o sistema político a demonstrarsua legitimidade e encontrar apoio dos cidadãos.Por outro lado, um sistema político queabertamente viola os requisitos de umaargumentação racional dificilmente será capazde fazer as pessoas acreditarem em sualegitimidade e terá dificuldades para encontrar oapoio dos cidadãos, a fim de tornar o sistemafuncionar regularmente.10Outra consequência favorável da deliberaçãomuitas vezes mencionada é o desenvolvimentoda justiça social. Gambetta sustenta, porexemplo, que a deliberação "pode tornar osresultados mais justos em termos de justiçadistributiva ao proporcionar mais proteção paraas partes mais fracas. "11 Sharon Krausetambém avalia que a deliberação pode contribuirpara a justiça distributiva, mas vai mais longe naesperança de que a deliberação também ajude areparar a estigmatização não intencional degrupos sociais desfavorecidos, quando ela"propicia modalidades de trocas deliberativas ...– e solidárias – que ao longo do tempo podemdesmontar o background cultural enviesado queinvoluntariamente interrompe o exercício daagência dos grupos marginalizados e impede aliberdade ".12Muitos teóricos veem ainda uma outraconsequência da deliberação favorável, namedida em que contribui para o esclarecimentodas dimensões envolvidas em um conflito e dospontos em que há concordância ou discordância.Desse modo, a resolução do conflito torna-semaleável. Esse mesmo ponto de vista ésustentado, por exemplo, por Dryzek: "A
302
deliberação pode produzir acordos em uma únicadimensão em que as preferências estãocontroladas, excluindo assim a introdução deoutras dimensões para confundir a escolhacoletiva por parte dos estrategistas inteligentes."13 A mesma ideia é expressa por M. KasperHansen, quando ele escreve que,
no processo de deliberação, os participantes sãoobrigados a articular seus pontos de vista e ouviroutros. Tal articulação pode potencialmenteesclarecer opiniões pessoais e até criar umconjunto mais consistente e coerente deopiniões... Se a deliberação é capaz de aprimorara capacidade dos indivíduos em classificar asalternativas em padrões consistentes e excluir asalternativas que ninguém gosta, o procedimentoda decisão torna-se menos complexo.14
Anne Elizabeth vê a deliberação como "ummecanismo para esclarecer as diferenças epossíveis mal-entendidos, para lançar luz sobreos fatos e elaborar a partir de dilemas éticos emorais”15. Jon Elster acrescenta a qualificaçãoque é a "publicidade de deliberação [que] podereduzir o espectro das opções e, assim, aprobabilidade de ciclos”.16
Muitos teóricos argumentam que adeliberação têm também consequênciaspositivas para a participação dos atores. GaryMucciaroni e Paul J. Quirk dão um resumo concisopara esse ponto de vista: “Participantes podemaprender sobre assuntos diversos, adquirirhabilidades em raciocínio, receber estímulosintelectuais, tornar-se mais tolerante àsdiferenças, desenvolver consciência de lugaresdistantes, vir a identificar variados círculos dehumanidade, superar a ridigez, e assim pordiante”.17 Mucciaroni e Quirk continuam a
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sustentar que as consequências positivas dadeliberação não se restringem individualmenteaos participantes, mas também ao grupo em queeles participam: “Um processo deliberativo podeafetar ou diretamente influenciar relações ouatributos coletivos de um grupo. Pode expressarou produzir igualdade, harmonia, laços afetivos,legitimidade e uma variedade de outrascaracterísticas. " Jane Mansbridge pontua que, aprincípio, não se conhece o "valor epistêmico" dadeliberação e adiciona-o às normas de boadeliberação. Em diálogo com outras pessoas emum nível elevado de deliberação, atores devemser capazes de aumentar seu conhecimento domundo.19
Luigi Pellizzoni define os efeitos positivosda deliberação afirmando que "produz ‘melhores’cidadãos: indivíduos que são mais informados,ativos, responsáveis, abertos aos argumentosdos outros, cooperativos, justos, capazes de lidarcom os problemas, prontos para mudar suasopiniões".20
Embora a maioria dos teóricos antevejaconsequências positivas da deliberação, algunscontestam essa perspectiva. Estes últimostemem que a deliberação possa prejudicar asclasses sociais mais baixas e marginalizadas,uma vez que seus integrantes não teriam ashabilidades cognitivas necessárias paraparticipar em pé de igualdade nas discussõesracionais de questões políticas. Para os maisdesfavorecidos na sociedade, assim, seria melhorpara protestar nas ruas por seus direitos.
De uma forma gritante, essa posiçãocontrária à deliberação é sustentada por Chantal
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Mouffe, que nega que exista uma deliberação pública livre eirrestrita de todos os problemas de interessecomum [...] a tarefa primordial da políticademocrática não é eliminar paixões, nemrelegá-las à esfera privada, a fim de tornarconsenso racional possível, mas mobilizaressas paixões para a promoção deconcepções democráticas. Longe de pôr emrisco a democracia, o confronto agonístico[combativo] é, na realidade, sua própriacondição de existência.21
Alice Le Goff vê com simpatia a posição deMouffe de que o confronto agonístico énecessário para defender os interesses dosgrupos sociais desfavorecidos, mas não crê quetal confrontação necessariamente exclua adeliberação. Ao contrário, a boa deliberação podeajudar a revelar os conflitos latentes econscientizar os grupos desfavorecidos de seusverdadeiros interesses. Portanto, Goff consideraestéril a distinção em sentido absoluto entre asabordagens agonísticas e as deliberativas parapolítica; confrontos combativos podem ser a basepara um sucesso posterior da deliberação, evice-versa, a deliberação pode atualizar osconflitos latentes propiciando, então, confrontoscombativos. Goff vê uma combinação frutíferadas perspectivas da teoria crítica edeliberação.22
Outra preocupação tem a ver com apolarização. Encontramos este fator no capítuloanterior como um possível antecedente negativopara deliberação. Alguns teóricos afirmamtambém que a polarização também pode seruma negativa consequência da deliberação. Esse
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argumento é defendido com mais proeminênciapor Cass R. Sustein.23 Ele refere-se a uma “lei dapolarização do grupo”; um exemplo disso seriaum grupo de mulheres pró-feministas moderadasque, após discussão interna, tornam-se maisintensamente pró-feminista. Bernard Manindesenvolve este argumento.24 Sua premissabásica é de que as pessoas tendem a absorverinformações de modo seletivo, considerandoprincipalmente as avaliações que correspondema seus próprios pontos de vista. Quando o nívelde deliberação é elevado, isso significa quemuitos argumentos estão articulados, e "aspessoas parecem responder à grande quantidadede argumentos. Isso para ter certeza, poder depersuasão em relação aos argumentostemáticos, mas os números totais acarretam umacarga muito excessiva. "25 A consequência é queo grande número de argumentos na deliberaçãotende a reforçar os pontos de vista dosparticipantes existentes e, assim, ampliar apolarização. De acordo com Manin, essaconseqüência "deveria ser algo particularmenteproblemático para as teorias de deliberaçãoporque [...] é o próprio processo de progressãode razões que impulsionam a mudança para oextremo. "26 Hélène Landemore e Hugo Mercierassumem um olhar crítico sobre a "lei dapolarização do grupo" e enfatizam que, sim, àsvezes, discussões em grupo podem produzirmais polarização, porém às vezes isso nãoocorre.27 Assim, o desafio é entender talvariação. Para Landemore e Mercier, é precisodistinguir a deliberação propriamente definida demeras discussões. "Apenas grupos de indivíduos
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que deixam de deliberar corretamente sãosusceptíveis de assumir polarizações. Quando ascondições normais de raciocínio estão satisfeitas,é mais provável que a deliberação dialógica, dotipo encampado pelos democratas deliberativos,tenha as propriedades previstas transformadorase epistêmicas. "28 Segundo para LandemoreMercier, grupos relativamente homogêneos,como mulheres pró-feministas, também podemdeliberar validamente, mesmo se estiveremabertos a uma vasta gama de argumentos: "Nemtodos os grupos de pessoas que pensam estãocondenados a se polarizar, desde que contenhama menos alguns indivíduos dissidentes e façamesforço para considerar seus argumentosseriamente, um esforço para a razão, em vez deenfatizar perspectivas de confirmação e deixá-lascorrer livremente, produzindo apenasargumentos para o lado já a favor."29
Em um nível prático, mas não trivial,Gambetta teme que a deliberação às vezespossa ser muito morosa, especialmente se umproblema necessita ser resolvido com urgência:“se a qualidade dos resultados declina com otempo, a deliberação pode apenas desperdiçaresforços”. Ele ilustra sua consideração com umahistória pessoal: “Em um clube de ski e alpinismodo qual fazia parte, os instrutores eram sempreconsultados sobre a melhor rota, mas emsituação ruins nós tínhamos como regra (a qualhavíamos anteriormente deliberado) de adiar adecisão do diretor da escola”.30(b) Resultados empíricosRevisão bibliográfica
Há uma ampla quantidade de estudos
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empíricos que lançam luz sobre asconsequências da deliberação. Em nossa anteriorinvestigação sobre os debates parlamentares naAlemanha, na Suíça, no Reino Unido e nosEstados Unidos, nós compreendemos que não éfácil estabelecer causalidade entre o nível dedeliberação e os resultados políticos.31 Nósconsideramos a justiça social como um resultadopolítico; enquanto muitos teóricos esperam que adeliberação contribua para a justiça social, hátambém uma posição contrária, representada naprimeira seção do capítulo pelo argumento deMouffe, segundo a qual as classes sociais maisbaixas não teriam voz, de fato, na deliberação,portanto eles se prejudicariam nesse modo detomada de decisão. Há, é claro, diferentesmaneiras de se definir justiça social; nósassumimos a definição de John Rawls para nossainvestigação empírica. Para ele, justiça socialsignifica que a decisão tem de significar “o maiorbenefício para os menos favorecidos”, umadefinição que implica uma doutrina igualitaristade justiça social.32 Rawls não defende umaabsoluta igualdade, tolera algumas diferenças;essas diferenças, entretanto, não devem imporaos mais fracos da sociedade uma situaçãodesesperadora.
Para testar o efeito causal da deliberaçãoem relação à justiça social, precisaríamos deuma pesquisa formatada de maneira quepossamos ter bastante variação no nível dedeliberação e possamos manter constantesoutras variáveis-chave. A tomada de decisão naComissão de Mediação Germânica
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(Vermittlungsausschuss) parece ser apropriadapara essa finalidade. Sua tarefa é fazer amediação entre as duas câmaras parlamentares.Seja qual for a decisão da comissão, ela deveretornar às duas câmaras para a aprovação.Recomendações da comissão geralmente têmapenas uma chance de serem aceitas por ambasas câmaras, se a recomendação tiver grandeapoio na comissão. Assim, há uma pressão nãosó para votar de acordo com as linhaspartidárias, mas para ouvir de modo deliberativoo que o outro lado tem a dizer. Essa pressãopode variar de questão para questão, por issoespera-se encontrar a variação desejada no nívelde deliberação. Este é, de fato, o queencontramos em nossa investigação da ata dacomissão. A respeito das variáveis de confusão,controlamos por país, limitando esta parte doestudo para a Alemanha. Também limitamo-nosa uma única comissão. Neste particular houve avantagem de a comissão ter sua composiçãopouco alterada ao longo dos anos. Nós adotamosum controle adicional a respeito das questõessociais, a razão é que, para tais temas, adefinição de justiça social por Rawls é maisrelevante. No que diz respeito ao contextopolítico, a investigação centrou-se nos anos de1969 de 1982, quando havia a mesmacomposição do gabinete, ou seja,social-democratas e democratas livres. Outrasvariáveis contextuais foram alteradas, é claro, aolongo destes 13 anos, por exemplo, a situaçãoeconômica com as duas crises do petróleo nadécada de 1970. Mas, no geral, conseguimos tercontrolada uma situação quasi-experimental com
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bastante variação no nível de deliberação ealgumas variáveis-chave sob controle.Devido a todos esses controles, podemosanalisar os debates sobre cerca de vinte casos dedecisão na Comissão de Mediação Germânica. Apartir de um conveniente ponto de corte,distinguimos onze casos com um alto nível dedeliberação e nove casos com um baixo nível.Observando o nível de justiça social nos doisgrupos, não foi encontrada diferençaestatisticamente significativa. Somente quandoolhamos para os elementos individuais do nossoÍndice de Qualidade do Discurso (DQI),encontramos algumas diferençasestatisticamente significativas. O nível de justiçasocial foi elevado quando argumentos igualitáriosforam levados para a discussão e quando foramapresentados com um alto nível deracionalidade. Esses dados significam que, paradois aspectos da nossa DQI, houve algum efeitopositivo em relação ao nível de justiça social,mas não a outros elementos do índice. Oresultado dá alguma credibilidade, embora nãoconsistentemente, para os teóricos que veem adeliberação como sendo útil para fins sociaisjustiça no sentido de Rawls. O resultado éinteressante na medida em que mostra que acontrovérsia entre teóricos sobre a causalidadedeliberação e justiça social é exagerada. Quandose trata do verdadeiro mundo da política, pelomenos na Comissão de Mediação Germânica, adeliberação não ajuda, nem prejudicaconsideravelmente a justiça social.
Tracy Sulkin e Adam F. Simon abordam aquestão da justiça social em um experimento33
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baseado em computador de uma formaprovocadora, que intitularam “Habermas nolaboratório”. Na sua experiência, dois atoresjogam o “jogo do ultimato”. Um é o proponente,o outro o receptor. Em jogo estão 100 dólares. Oproponente começa o jogo, sugerindo como odinheiro deve ser dividido entre ambos. Se oreceptor aceitar a proposta, será a maneira comoo dinheiro vai ser dividido. Se ele negar, noentanto, ninguém receberá nada. Havia duassituações: 1-) os dois atores poderiam secomunicar uns com os outros durante 180segundos no computador; 2-) Nenhumacomunicação seria permitida. O resultado dasexperiências era que "quando os jogadores sãoautorizados a deliberar com os outros antes deuma proposta ser feita, as ofertas feitas peloproponente são significativamente maiores doque na outra condição”.34 Pode-se interpretar,então, esse resultado como uma demonstraçãode que deliberação que leva a um resultadomais igualitário, o que corresponde à noção dejustiça social de Rawls. Minha crítica seria que éexagerado Sulkin e Simon dizerem quecolocaram Habermas no laboratório, uma vezque a comunicação realizada uns com os outrosdurante 180 segundos em computador não éexatamente o que Habermas entende pordeliberação. No entanto, a experiência mostraque alguma comunicação é melhor que nenhumacomunicação com vistas a um resultado maisigualitário.Christopher Gibson e Michael Woolcockinvestigaram a causalidade entre a deliberação ea justiça social na política local da Indonésia.35
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Em seu projeto de pesquisa quasi-experimental,em metade dos municípios moderadores, fez-seuma intervenção deliberativa no sentido deincentivar os participantes a deliberar uns comos outros. A outra metade das localidades serviucomo grupo de controle, sem tal intervenção. Oresultado da estudo é que a intervençãodeliberativa ajudou grupos marginalizados aobter mais poder, para que essas localidadesincorporassem mais justiça social no sentido deRawls. Manlio Cinalli e Ian O'Flynn querem saber se adeliberação ajuda a integrar as minorias, outroaspecto importante da teoria deliberativa.36Especificamente, eles investigam a causalidadepotencial entre deliberação e integração dosmuçulmanos na Grã-Bretanha. Eles formulam oproblema da pesquisa da seguinte maneira: “ateoria deliberativa trabalha como anunciado ou arelação entre deliberação pública e integraçãopolítica seria mais complexa do que muitosteóricos deliberativos aparentemente assumem?"37 A base empírica para a investigação são doisjornais de referência, o Times e The Guardian, aolongo do ano de 2007. As unidades de análisesão as intervenções nestes dois jornais poratores institucionais, como o parlamento eagências do Executivo, por atores intermediários,como os partidos políticos e os sindicatos, poratores da sociedade civil, como organizaçõesétnicas e religiosas, e também pelos indivíduos.Para as organizações e os indivíduosmuçulmanos, todas as intervenções sãoconsideradas; para os atores não muçulmanosapenas intervenções que estão relacionados às
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relações étnicas. Desta forma, Cinalli e O'Flynnchegam a um total de 1007 intervenções. Cadauma delas é codificada de acordo ao nível dedeliberação e de integração. Para medir o nívelde deliberação, Cinalli e O'Flynn usam umaversão modificada do DQI, eles se concentram se“os atores concentram suas intervenções emuma linguagem que é manipuladora, ofensiva,neutra ou respeitosa”, eles “verificam a presençade um argumento de apoio e, maisespecificamente, se os argumentos são válidosou espúrios”; finalmente eles "conferem se oargumento contém um chamado a um interesseparticular [...] ou a um interesse geral”.38Para medir a integração, eles "verificaram se osatores muçulmanos se envolviam intensamentecom outros atores no campo – ou seja, se elesforjaram canais que, em princípio, permitiramtrabalhar conjuntamente com outros, superandoa distância, compartilhando fontes, e assim pordiante. "39Sobre deliberação, Cinalli e O'Flynn constataramque os muçulmanos usam a linguagemrespeitosa e apoiam tanto seus argumentos,como os de outro atores. "No entanto, quando setrata da necessidade de apelar para o interessegeral, os muçulmanos têm um desempenhorelativamente mais fraco. Durante cerca demetade do tempo, eles só veem as questõespolíticas a partir de seu ponto de vista particular,ignorando ou descontando-se o interesse geralnessas questões."40 Considerando que, emgeral, muçulmanos pontuam relativamentepouco em deliberação, a teoria deliberativapresumiria que eles são menos integrados na
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sociedade britânica que em outros atores. Masesta hipótese não é sustentada pelos dados.Cinalli e O'Flynn concluem que " os atoresmuçulmanos estão razoavelmente bemintegrados, apesar daquilo que, por exemplo,integrantes da imprensa britânica e da direitademagógica de um ou de outro tipo querem nosfazer crer. Eles claramente querem se envolver eclaramente estão envolvidos com uma amplagama de atores em política e domíniospúblicos."41 Cinalli e O'Flynn interpretam suadescoberta inesperada da seguinte formacriativa:
o fato de os atores mulçumanos pontuaremrelativamente pouco quando se trata de apelar aointeresse geral não parece ser um grandeimpedimento para a sua integração política nocampo ... desejo [de um ator] de buscar seu própriointeresse não precisa custar o apoio aos outros ou àposição deles no campo. Isso pode se dar porque háum grande acordo sobre bem mais respeito peladiferença no campo das relações étnicas que,talvez, se assuma. Ou pode ser porque a ênfasetradicional britânica sobre a tolerância – que remeteao menos para Locke – também permeia essecampo.42Cinalli e O'Flynn alertam, no entanto, que
"não pode ser um ponto de inflexão. Se os atoresnão conseguem o suficiente para atrair ointeresse geral em ocasiões suficientes, o nível eo ponto de deliberação pública podem retrocederassim, com tudo o que isso implica para aintegração política".43 Essa é uma importanteadvertência de que os efeitos em deliberaçãonão são lineares, mas avançam gradativamente;apenas se a deliberação cai para um nívelparticular, seus resultados são uma
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conseqüências negativa. Em suas experiências sobre a mudança
climática na região francesa de Poitou-Charentes,Julien Talpin e Laurence Monnoyer-Smithexaminaram se a deliberação dos cidadãosproporcionam resultados políticos.44 Esseprojeto é parte de um estudo maior da UniãoEuropeia,45 e a ideia era que as recomendaçõesderivadas desses experimentos fossemtransmitidas para a Comissão Temporário emMudança Climática do Parlamento Europeu. Ummembro dessa comissão sugeriu que asrecomendações resultantes das experiênciasfossem serialmente consideradas
Irei compartilhar o relatório final com todos oseuroparlamentares, com destaque, é claro, para osintegrantes da Comissão Temporária sobre MudançasClimáticas. Vamos rever as propostas com cuidado. Alémdisso, enviaremos cópias para outras regiões parceiras,para que eles possam encaminhar para vocês um resumodas leis de mudanças climáticas que vai enfatizar suascontribuições e as disposições que incorporarem suaspropostas.46
Um conselheiro regional dePoitou-Charentes manifestou promessassimilares: “Suas sugestões serão consideradasde fato, não apenas pela União Europeia, maspor nosso Conselho Regional. Eu os convido aconferir nosso website para saber como equando as sugestões são apresentadas”.47 Asexperiências envolveram jovens de 14 a 30 anose foram feitas online e pessoalmente. Talpin eMonnoyer-Smith entenderam que "o quadro geralaqui apresentado indica que a qualidadedeliberativa foi alta tanto online quantopessoalmente. Discussões foram, inclusive,orientadas para o bem comum, de modo
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informativo e responsivo".48 Assim, ascondições pareciam muito boas para essescidadãos envolvidos com a experiência nosentido de se obter um impacto de políticas paraas questões da mudança climática, uma vez queo nível de deliberação cidadão era alto e osgestores políticos forneciam garantias de quelevariam em conta as recomendações derivadas.Mas, com grande desapontamento, Talpin eMonnoyer-Smith relataram que aquelaexperiência “não teve qualquer impacto naspolíticas públicas regionais e europeus".49 Ointegrante do Parlamento Europeu citado comoansioso para considerar os resultadosreconheceu relutantemente, quandoentrevistado, que não houve qualquerrepercussão política:
Então, foi uma experiência e tanto, certo? Mas, hum, hum[constrangido] sobre impacto, eu não tenho certeza sealguém já pensou sobre o follow-up. Era uma espécie de,digamos, uma experiência especial... Sim, eu acho quetinha um ligeiro efeito, na maneira que ressaltou aimportância da ação local e da inclusão dos cidadãos.Dessa forma, sim. Mas nas escolhas políticas específicas,Hum, hum [constrangido], a luta contra a mudançaclimática é uma questão complexa.50
Essa citação diz o suficiente sobre a faltade impacto político de tal experiência. O que deuerrado? Para Talpin e Monnoyer-Smith, parteimportante dessa reposta deve-se à maneiracomo as recomendações foram transmitidas aosgestores políticos, sendo que "na prática, oscomentários foram redigidos em termos tãogerais que se tornam inúteis como propostas depolíticas públicas”. Como exemplos mencionam“uso de bicicletas, expansão do transportepúblico e reabsorção do CO2 por meio de
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reflorestamento. O que são louváveis gritos deguerra, em vez de ideias factíveis que podem sertransformadas em lei".51 A falta de impactopolítico das experiências produziu cinismo entreos participantes. Como um deles declarou ementrevista mais tarde: "Eu entendo que, se nãotem impacto, é inútil. Foi um dia interessante,mas, bem, não posso deixar de pensar e seperguntar sobre a consequência. Ou seja, eufiquei muito decepcionado, exageradamentedecepcionado. Acho que é porque eu nãoacredito mais nisso". Ou outra reação negativa:"Houve um monte de coisas que eram de fatointeressantes e belas, como eu disse à época,mas acho que, por não ter acontecido nada deresultado ... hum ... vai desmotivar as pessoasporque elas estavam realmente esperandomuito". Ainda uma outra reação negativa: “Eu?Sim, eu participaria de outra experiência, mas seeles disserem que vai ser uma União Europeiaideal, pode ter certeza que eu não vou."52 Talpine Monnoyer-Smith concluem de tais reaçõesnegativas: "Enquanto a experiência com novasformas de governo democrático é fascinante eurgente, dada a lacuna cada vez maior entre asinstituições, os políticos da União Europeia e seuseleitores, os cidadãos quase nunca se participampelo bem dela. A partir desta perspectiva, ésomente quando eles estiverem empoderados[empowered] que as inovações deliberativaspodem ter um impacto positivo em relação àcidadania".53 Abordamos mais sobre esseempoderamento na Introdução, quando eudescrevi como na cidade italiana de Piombino oscidadãos deliberaram durante vários meses
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sobre a renovação da praça da cidade e comomuitas de suas recomendações foramimplementadas pelas autoridades. A diferençaem relação à deliberação na região francesa dePoitou-Charentes é que, em Piombino, adiscussão dizia respeito a uma questão local bemdefinida e simples, enquanto que emPoitou-Charentes os cidadãos tiveram de lidarcom um uma questão maldefinida e complexaem escala da União Europeia.
Lucio Baccaro et al. querem saber se aparticipação na deliberação torna os cidadãosmais propensos a apoiar a noção segundo a qualos residentes legais de qualquer nacionalidadepodem ser autorizados a votar e a concorrer aum cargo público.54 Considerando que a teoriadeliberativa enfatiza a inclusão, uma vez quetodas as pessoas afetadas devem ser envolvidasna tomada de decisões, Baccaro e seus colegasesperavam que a deliberação favorecesseatitudes de apoio em relação aos residentes nãonativos.
A fim de testar essa hipótese, elesorganizaram experimentos com estudantes daUniversidade de Genebra. Acrescentando gruposde controle, eles tinham quatro grupos commoderadores e quatro grupos sem moderadores.Os moderadores encorajavam os participantes aserem deliberativos, ou seja, incentivando quetodos falassem, que justificassem seusargumentos em relação ao bem comum,respeitando os argumentos dos outros. Comoesperado, utilizando uma versão modificadaforma de nossa DQI, Baccaro et al. identificaramum nível superior de deliberação nos grupos com
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um moderador na comparação com os que nãopossuíam. Mas, surpreendentemente, os grupossem moderadores estavam mais dispostos a dardireitos políticos aos residentes não nativos.Embora essa conclusão rejeite a hipótese básicada literatura deliberativa, Baccaro et al.interpretaram-no de uma maneira criativa,avançando-se, assim, na discussão deliberativa.O argumento deles é que se tem de distinguirentre diferentes tipos de moderação. Seusmoderadores podem ter estruturado a discussãomuito prematuramente:
Descobrimos que o debate facilitadoparece congelar a distribuição das preferênciasiniciais, possivelmente porque incentiva um tipode deliberação rígida-preconcebida [stiff-backed]em que os participantes são estimulados desde oinício a assumir uma postura e justificá-la. Istocontrasta com o modelo mais relaxado, umadeliberação de forma livre, em que osparticipantes são menos propensos a tomar umaposição, mais propensos a usar brincadeiras, emais propensos a apresentar fatos e argumentosrelevantes em isolamento de qualquerproposição particular. Em suma, a deliberação deforma livre parece ser mais propícia para amudança de preferência que a modalidade dadeliberação facilitada.55
Esta interpretação se relaciona bem com oque eu discuti no capítulo 2 sobre racionalidade ehistórias. Muita racionalidade também, como emum seminário acadêmico, acaba de fatoenrijecendo posições, enquanto de certa maneirao acréscimo de gracejos com histórias e emoçõespode aliviar a atmosfera, aumentando a
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probabilidade de as preferências mudarem. Apesquisa de Baccaro et al. nos ajuda a pensarcom mais clareza sobre o papel dos moderadoresna deliberação. Sua descoberta não significanecessariamente que grupos sem moderadoresdebaterão questões em um nível superior dedeliberação. Se os moderadores não insistiremdemais na racionalidade, mas tambémpermitirem algum falatório, podem ser capazesde contribuir significativamente para a boadeliberação. Esta é uma lição importante para apráxis de deliberação a qual eu retomarei nocapítulo final.
Há também dados empíricos com relação àquestão levantada na primeira parte, ou seja, sea deliberação ajuda as dimensões do conflito emdiscussão. Simon Niemeyer e John S. Dryzekestudaram júris de cidadãos na Austrália epuderam, de fato, demonstrar que esses efeitosexistem.56 A deliberação tende a produzir ummetaconsenso sobre o conflito como um todo,tornando suas soluções mais factível. Em outrotrabalho, Dryzek mostra que a deliberação temum impacto positivo na qualidade do meioambiente; resumindo uma rica literatura deestudos empíricos, ele aponta que "a governançaeficiente do meio ambiente se beneficia tanto doespaço deliberativo empoderado como do espaçopúblico deliberativo a uma distância"57.Novos dados sobre experiências deliberativas58
Começo com a Colômbia. Será que osex-guerrilheiros e ex-paramilitares olham oconflito armado de maneira diferente, após asexperimentas? Será que a condução de possíveisalterações depende do nível de deliberação em
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seus grupos de discussão? Na escala ideológica,da esquerda para direita, os ex-guerrilheiros eex-paramilitares eram distantes, tanto nos seusantecedentes originais, como em seus valoresatuais. Os ex-guerrilheiros estavam muito àesquerda, e os ex-paramilitares o oposto. Assim,entre os dois grupos constata-se uma profundacisão. Nos questionários preenchidos antes eapós as experiências, os antigos combatentesforam questionados por suas atitudes em relaçãoa seus antigos inimigos, se eles contribuem parao aumento da violência ou se eles ajudam a fazera Colômbia um país mais forte. Nossaexpectativa era que a participação nasexperiências contribuiria para um melhorentendimento da posição ideológica do outrolado do conflito armado e consequentementelevaria a comportamentos menos hostis. Osdados, no entanto, mostram exatamente ocontrário. Os seguintes dados revelaram comocomportamentos em relação aos antigosinimigos mudaram antes e depois dasexperiências:
Antes da experiência Depois daexperiência
(antigos inimigos)aumentavam aviolênciaEx-guerrilheiros deacordo
55% 69%
Ex-paramilitares deacordo
75% 78%
(antigos inimigos)ajudavam a fazer aColômbia um país
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mais forteEx-guerrilheiros emdesacordo
40% 44%
Ex-paramilitares emdesacordo
66% 73%
O crescimento de atitudes negativas paraambos os lados não é muito grande, mas aindaassim significativo, especialmente seesperávamos uma redução nos comportamentosnegativos. O grande crescimento doscomportamentos negativos é expresso porex-guerrilheiros com relação ao item em queconsideram que os paramilitares contribuempara o incremento da violência. Se antes daexperiência 55% concordavam com essaafirmação, depois 69% o fazem. Então, apenasencontrar-se numa mesa não ajudou antigoscombatentes a melhorar comportamentos emrelação ao outro lado; e se houve algumamudança registrada, foi na direção oposta. Essanão é uma descoberta inesperada, apesar detudo; ela está fundamentalmente ligada aopsicólogo social Muzafer Sherif, que podedemonstrar que apenas um encontro sem umobjetivo comum pode muito bem piorar asrelações entre grupos que antes eramdesconhecidos.59 Esse desconhecimento ésempre ameaçador para algo prolongado,portanto não é também surpresa que muitosantigos combatentes tornaram-se mais hostisquando eles ouviram o que o outro lado tem adizer.
Talvez apenas os ex-combatentes quepouco ou não intervieram em toda a discussão
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tenderam a ampliar seus comportamentosnegativos em relação aos antigos inimigos,porque ficar de fora da discussão leva àfrustração, o que contribuiu para maiscomportamentos negativos para com o outrolado. Ao mesmo tempo, é possível esperar quequem mais contribuiu para o debate se sentiuenvolvido e tendencialmente diminuiria suaanimosidade. Os antigos combatentes que maisparticiparam agravaram seus comportamentosem relação aos antigos inimigos. A interpretaçãoad hoc pode ser no sentido de que, ao falarmuito, esses combatentes cada vez mais seconvenciam de que estavam certo e o inimigo,errado. Da perspectiva deliberativa, pode-sedizer que a questão não é falar muito, mas ouvir.Os que mais participaram, assim, estiveramfocados no que eles queriam e não no que ooutro lado expunha. Para a teoria deliberativa, adescoberta não é inesperada, uma vez quemeras palavras não produzem melhorias decomportamento. O argumento da teoriadeliberativa sempre foi o de que, para obtermudanças positivas de atitudes, não precisamosde qualquer conversa, mas especificamente deuma conversa orientada para a deliberação.Assim, a questão crucial da pesquisa é se o nívelde deliberação na experiência dos gruposcontribuiu para a mudança de comportamento.Para vários elementos deliberativos, nós nãopodemos responder a essa questão porque adistribuição dos dados é muito irregular. Nóslembramos, por exemplo, do Capítulo 1 em quedo total de 1,027 atos de fala apenas 5 foraminterrompidos, e do Capítulo 4 em que apenas 8
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dos atos de fala expressaram respeito e 9 atosde fala, desrespeito. Ao mesmo tempo, nóstivemos boa variação par o nível de justificaçãoracional, como vimos no Capítulo 2. Umacomparação entre 28 grupos experimentaisindica que o nível de justificação em um grupopossui positiva ou negativa influência namudança de comportamento em relação aoantigo inimigo. Quando destrinchamos os dadosdos ex-guerrilheiros e ex-paramilitares,entretanto, interessantes diferenças emergem doitem sobre fazer da Colômbia um país mais forte.No grupo com o mais elevado nível dejustificação raciona,60 antes da experiência, 22%dos ex-guerrilheiros discordavam do item que osantigos inimigos contribuíam para fortalecer aColômbia; depois da experiência essa taxa subiupara 45%, indicando uma significativa piora doscomportamentos em relação ao outro lado. Paraex-paramilitares, ocorreu o oposto: antes daexperiência de 71% do discordou do item, e 60%após a experiência, indicando uma melhoria naatitude. Para as experiências com o menor nívelde justificação racional,61 houve uma pequenamudança de comportamento em relação aoinimigo antes e depois da experiência. Então,podemos concluir que um elevado nível dejustificação de um grupo tem influência namudança de comportamento, mas em diferentesdireção para ex-guerrilheiros e ex-paramilitares.Como esses resultados podem ser interpretados?Muitos ex-guerrilheiros, ao ouvir argumentosracionais de ex-paramilitares, começam aentender que o antigo inimigo supervaloriza a leie a ordem e a hierarquia social, portanto podem
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não ser confiáveis para fazer a Colômbia um paísmais forte. Por contraste, muitosex-paramilitares, geralmente advindos de umaorigem pobre, ao ouvir argumentos racionais porparte do antigo inimigo, começam a conhecer asposições dos ex-guerrilheiros sobre mais justiçasocial, considerando que assim podem fazer aColômbia um país mais forte. Aprofundando osdados empíricos, o mundo parece mais complexoque os teóricos deliberativos projetam. NoCapítulo 2, nós vimos a grande controvérsia dosteóricos sobre consequências positivas enegativas da justificação racional. Podemos veragora que não se pode simplesmente dizer queuma elevada racionalidade melhora ou pioracomportamento em relação aos antigos inimigos.Isso depende de que atitudes falamos e quaissão os antigos inimigos em questão. Em outraspalavras, a causalidade depende do contexto.
Igualmente a participação é um outroelemento deliberativo em que não tivemosvariação suficiente para estudar mudanças decomportamento (Capítulo 1). Para os itens doquestionário sobre o crescimento da violência e oaspecto de tornar a Colômbia um país mais forte,o nível de igualdade dos grupos experimentaisnão tem um efeito significativo em mudanças deatitudes em relação ao inimigo. Há tambémefeitos sem significados em relação à mudançade comportamento para a frequência dereferências ao bem comum e aos princípiosmorais abstratos. Aqui, nós tivemos queconsiderar que cada referência foi relativamenterara, 9% de todos os atos de fala sobre o bemcomum e 5% em relação aos princípios morais
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abstratos (Capítulo 3). Assim, a distribuição dosatos de fala para esses dois elementosdeliberativos foi bastante unilateral, não houvemuita variação entre os grupos experimentais.Nós tivemos o mesmo problema para oreconhecimento do valor dos argumentosproferidos pela parte contrária, isso ocorreu emapenas 5% dos atos de fala (Capítulo 6). Essadistribuição desigual pode explicar por que paraesse elemento deliberativo não houve efeitossignificativos com relação à mudança decomportamento. Nós tivemos um resultado quenão é estatisticamente significativo, mas aindadigno de nota; ex-combatentes que usaramilustrações estavam mais propensos a ampliarseus comportamentos positivos em relação aosantigos inimigos que aqueles que não fizeramuso das ilustrações. Essa descoberta reforça oefeito positivo da narrativa (storytelling) para adeliberação, que nós já encontramos no Capítulo2.
Em suma, o nível de variação doselementos deliberativos nos 28 gruposexperimentais teve pouca influência na mudançade comportamento dos ex-guerrilheiros eos-paramilitares em relação aos antigos inimigos.Isso pode ter muito a ver como a distribuiçãodesigual dos discursos para a maioria doselementos deliberativos. Mas nós podemostambém considerar que uma simples sessãoexperimental de não mais de uma hora é muitolimitada para propiciar alguma alteração decomportamento, especialmente no caso deex-combatentes que encontram seus antigosinimigos pela primeira vez. No futuro, nós
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precisaríamos de pesquisas cujas sessõespudessem ser repetidas durante semanas, mesese anos para ver se a deliberação de fato teminfluência em uma mudança positiva decomportamento em relação aos antigos inimigos.
Para Bósnia-Herzegovnina, Simona Mameliadotou uma ampla bateria de itens para analisara mudança de atitude em relação ao outro grupoétnico. Como na Colômbia, esses itensconstavam de questionários preenchidos pelosparticipantes nos experimentos. Para os sérviosem Srebrenica, Mameli usou os seguintes itenspara comportamentos em relação aos bósnios. Acategoria de respostas foram: concordoenfaticamente; concordo; nem concordo nemdiscordo; discordo; discordo enfaticamente.
– A presença de bósnios aumenta a taxa decrimes;
– Eu ficaria muito indignado se visse umbósnio mal tratado;
– Bósnios são geralmente bons emeconomia;
– Bósnios são mais responsáveis pelaguerra e pelos crimes dos anos 1990;
– O povo bósnio é geralmente poucoconfiável porque costuma trapacear;
– É triste e me incomoda ver o povo bósniopassando por necessidades e desamparado;
– Bósnios são geralmente rudes;– Bósnios pensam que o país é deles e de
ninguém mais.Para os itens abaixo, as categorias de
resposta foram: nunca, raramente, às vezes,frequentemente.
Por favor, indique qual a frequência com
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que você tem os seguintes sentimentos emrelação à comunidade bósnia:
– gratidão;– orgulho;– preocupação;– desgosto;– raiva;– medo.
Sentimentos dos grupos Tornou-selevementemaisnegativo
Tornou-selevementemaispositivo
Tornou-sebem maispositivo
Pontuaçãono Índice deQualidadede Discurso(DQI)
Baixo 1 grupo 2 gruposMédio 3 gruposAlto 2 grupos 1 grupo
Bósnios de Srebrenica responderam aosmesmos itens em relação aos seuscomportamentos para com os sérvios. O mesmofoi feito com os bósnios e os croatas de Stolac.Essa longa bateria de itens sobrecomportamentos proporcionaram análisescomplexas. Como esperado, mudança decomportamento e a dependência dessasmudanças em relação ao nível de deliberaçãovariaram bastante item para item. Comoescreveu, Simona Mameli não concluiu aindasuas análises, o leitor terá de esperarpublicações adicionais para conhecê-lastotalmente, escritas pela própria Mameli ouentão pelo grupo de pesquisa como um todo emum livro coautoral já planejado (ver Introdução).
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Na Bélgica, os resultados foram diferentesdo que na Colômbia. Como a tabela seguintemostra (ver figura 2), após os experimentos, emoito dos nove grupos os comportamentostornaram-se mais positivos em relação ao outrogrupo de língua; em seis isso aconteceuenfaticamente, enquanto houve apenas umgrupo onde os comportamentos tornaram-semais negativos, e isso em um nível pequeno. Nãoimportou, no entanto, quão forte a pontuaçãoDQI em um grupo. Sem dúvida, o único grupocom comportamentos mais negativos tambémapresentou levemente uma baixa pontuação DQI,mas isso aconteceu com outros dois grupos quetiveram comportamentos bem mais positivos doque antes. Com apenas nove grupos, na Bélgica,nós tivemos um campo mais fraco que naColômbia, que teve 28 experimentos. Mastomando o resultado em ambos os paísesconjuntamente, o nível de deliberação nãoparece ter tido grande influência na mudança decomportamento em relação ao inimigo, ao menosse os experimentos consistiram de um eventoúnico. Permanece a questão por que aparticipação nesses experimentos degradoucomportamentos em relação ao outro lado naColômbia, mas melhorou-os na Bélgica. Aresposta óbvia é que, na Bélgica, sem umadisputa política interna violenta, as pessoas sãomais estimuladas a dar o benefício da dúvida aooutro lado, enquanto na Colômbiaex-combatentes tem atitude oposta, esperam opior do outro lado. Há, entretanto, outrainterpretação dos dados, como nos mostra JuanUgarriza, que fez parte da análise sobre a
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Colômbia. Ele especula que quando preenchemo questionário antes do experimento, osex-combatentes estavam mais cautelosos, emuitos deles evitaram caracterizar o outro ladoem termos muito negativos. A participação naexperiência e o contato com a natureza do antigoadversário fez alguns ex-combatentes ficaremmais à vontade para expressar seus verdadeirossentimentos, sem hesitar em articular a críticaem relação aos antigos inimigos. Essas sãointeressantes especulações que, de uma maneiraou outra, não podemos provar de uma maneiraou outra, mas devemos tê-las em mente.
Se as experiências na Colômbia,Bósnia-Herzegovina e Bélgica ficaram, de certamaneira, livres no sentido que não foramtomadas medidas especiais para encorajar adeliberação, no projeto Europolis um grandeesforço foi feito para criar uma atmosferadeliberativa, como descreve em detalhes aIntrodução. Medidas-chave foram que osparticipantes receberam documentaçãoextensiva antes de partir para Bruxelas e osmoderadores foram treinados para estimular odiscurso deliberativo. Também contribuiu para aboa atmosfera todas as despesas dosparticipantes terem sido pagas. À luz de todasessas medidas não é surpresa que,independentemente do grau de deliberação,ocorreram as principais mudanças decomportamentos e preferências. Os dois temasdiscutidos, recordando, foram a imigração para aUnião Europeia e as mudanças climáticas. Ainfluência maior da participação nas experiênciasfoi maior no segundo caso, das mudanças
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climáticas. Como consequência do debate dosdois dias, cresceu o conhecimento e osentusiasmos para combater a mudançaclimática. A pontuação média atribuída pelosparticipantes à avaliação da gravidade doproblema aumento de uma já elevada 7,5 para8,3 em uma escala de 1 a 10.63 A discussãotambém tornou os participantes mais “verdes”em relação à sua preferência política, mesmoquando convidados a considerar a possibilidadede compensação e dos custos dessaspreferências políticas. O apoio aos verdesaumento de 8% para 18%.63 Sobre a imigraçãopara fora da União Europeia, 12 dos 30 itensmostrados apresentaram mudançassignificativas; eles se tornaram mais favoráveisaos imigrantes. Por exemplo, o percentual depessoas que consideraram imigrantes “honestos”cresceu de 25% para 34%, enquanto a taxadaqueles que concordavam que “imigrantes têmmais a oferecer para nossa vida cultural” passoude 37% para 43%. Em uma direção similar, osque pensavam que “os imigrantes ampliam oscrimes em nossa sociedade” caíram de 48% para40%. Em contraste, quando os mulçumanosforam mencionados no item, isso não produziunenhuma mudança; 34% acreditavam que osmulçumanos tinha muito a oferecer para nossacultura antes da experiência e 33% disseram omesmo depois.64 Houve análises maisdetalhadas com os dados do Europolis. Assim,Pierangelo Isernia e Kaat Smets olharamespecificamente para os participantes sem níveluniversitário e investigaram como seuscomportamentos em relação aos imigrantes
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mudaram; eles descobriram que os participantescom uma posição política mais à esquerdatornaram-se mais positivos em relação aosimigrantes enquanto aqueles com uma inclinaçãoà direita não apresentaram mudança nessesentido.65
Europolis é apenas um dos exemplos decomo o método da sondagem deliberativa[Deliberation Polling] foi aplicado ao redor domundo. John Gastil et. al. Oferecem uma visãogeral de como, falando em termos genéricos,comportamentos mudaram na sondagemdeliberativa. A principal descoberta deles é queos participantes tornaram-se mais cosmopolitas,igualitários e mais coletivistas.66 Um importanteaspecto da sondagem deliberativa é o quãoduradouras são as mudanças de comportamento.György Lengyel et. al. levou em conta uma longaperspectiva de um ano inteiro. Depois deempreender um projeto de sondagemdeliberativa no distrito húngaro de Kaposvár emjunho de 2008, eles fizeram uma pesquisa de umano depois para verificar se as mudanças decomportamento persistiam.
Os resultados empíricos de Kaposvár da pesquisa defollow-up mostram que os efeitos duradouros dasondagem deliberativa foram limitados na mentalidadedas pessoas [...] Um ano depois, a maior parte dos efeitosantes encontrados desapareceu: o nível de conhecimentoe a maioria da opinião não era diferente do grupo decontrole. A sondagem deliberativa não foi duradoura obastante para alterar a concepção das pessoas segundonossos resultados.
Enfatizando ainda o Europolis, a fim dedeterminar se o nível de deliberação nos gruposde discussão tem influência em mudança decomportamento, em nosso grupo de pesquisa
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nós aferimos o nível de deliberação em novegrupos incluídos para análise. O questionário dapesquisa perguntava se os grupos com umelevado nível tinham um padrão distinto demudança de comportamento em relação aosgrupos com baixo nível. Entretanto, nós nãopudemos responder a essa questão, pois nãohouve variação significativa no nível dedeliberação entre os grupos experimentais. Porque não houve variação no Europolis? Para asexperiências do Europolis os moderadoresintervieram para estimular um elevado nível dedeliberação. Como os moderadores foramtreinados para dirigir as discussão de modouniforme, isso deve ter levado a uma equalizaçãodo nível de deliberação.
(c) Implicações normativas dos resultadosempíricos
Eu agora abordo uma das questões-chavedesse livro, ou seja, se a deliberação é algo bom.Baseado nos resultados empíricos das pesquisasapresentadas na seção anterior, a deliberaçãoconduz a desejáveis consequências normativas?Em resposta a essa questão, eu assumo comoum padrão normativo o citoyen engagé queanunciei na Introdução. Tenho como prioridadeas decisões políticas que são socialmente justasno sentido de redução da pobreza e oposição àsdiscriminações sociais. Esse é um princípioelementar de justiça. Todas as pessoas devemter a oportunidade de uma vida completa e nãoser constantemente prejudicada pela misériaeconômica ou pela discriminação social. Háalguma evidência empírica que a deliberação
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contribuiu para a justiça social definida nessestermos. Nós vimos na seção precedente que adeliberação na Comissão de Mediação doParlamento Germânico apoia a justiça social,embora os efeitos sejam pequenos e não tenhamenvolvidos todos os elementos de deliberação.Nós também vimos que, em uma experiênciabaseada em um computador baseado, que osresultados da decisão são mais justossocialmente quando os participantes foramautorizados a deliberar previamente; eu alertei,no entanto,que a deliberação foi definida de uma maneirarestrita, ou seja, apenas significou comunicaçãosem especificações adicionais. A experiência naIndonésia me convenceu mais, onde asintervenções deliberativas claramenteproporcionaram mais justiça social nascomunidades. Esses três estudos são restritasbases empíricas que fazem um chamado, demaneira definitiva, para o fato de que adeliberação contribui para a justiça social. Nósestamos em um terreno empírico mais firme,entretanto, para rejeitar o chamado de algunsteóricos como Mouffe para quem a deliberaçãoprejudica as classes mais baixas; não háevidência nessa direção nos três estudosabordados. De modo cauteloso, eu concluo que adeliberação não prejudica a justiça social, masparece contribuir em alguma medida para ela.
Legitimidade é outra elevada prioridade deacordo com meus padrões normativos. Assim, eunão olho em princípio para a legitimidade deresultados políticos individuais, mas de umsistema político em geral. Ou seja, cidadãos
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podem estar descontentes com os resultadospolíticos em particular, e podem considerar queesses resultados vieram de um trâmite ilegítimo.Embora olhar para a legitimidade a partir decada microperspectiva das decisões individuaispossua certa importância, muito maisfundamental é investigar a legitimidade em umnível macro de um sistema político inteiro. Senão apenas uma decisão individual é consideradailegítima, mas um sistema político por completo,a estabilidade política está em perioto e há umrisco de uma ruptura violenta. A questão agora ése o nível de deliberação ajuda ou prejudica alegitimidade, ou se não tem influência sobre ela.Não se trata de um simples problema paraestabilizar o nível de deliberação na escalamacro do sistema político inteiro. Como vimos noCapítulo 9, não é necessário nem desejável quetodos os elementos deliberativos estejamconstantemente presentes em todos os fóruns deum sistema político. Há fóruns, por exemplo, emque é mais adequado discutir as questões emportas fechadas, que viola o princípiodeliberativo da abertura ao público, mas cadadiscussão fechada dessas precisa ter muito bemseus méritos definidos a partir de umaperspectiva sistêmica. O ponto-chave do nívelsistêmcio é que todos os elementos deliberativossão apresentados em uma quantidade suficiente.Não é claro, no entanto, o que “suficiente”significa nesse contexto. As pesquisas têm seconcentrado, sobretudo, na escala micro dessadiscussão específica. A próxima grande agendada pesquisa deve ser investigar a deliberação emescala macro. Nós devemos ser capazes de
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responder se um país X ou um país Y possuicritérios melhores de democracia deliberativa.Nessas bases, nós podemos conferir se ashipóteses postuladas por muitos teóficos de quea deliberação constribuiu para a legitimidade é,de fato, válida. Enquanto essa pesquisa não éfeita de modo sério, eu devo deixar essa questãoem aberto.
Outra prioridade elevada de acordo commeus padrões normativos é que resultadospolíticos possuem elevada racionalidade nosentido de que cada resultado é consistenteintermante e se não há contradições entre váriosresultados. De acordo com essa definição, eu falode uma baixa qualidade de resultados políticosquando eles são confusos ou se não sãotransparentes em relação aos objetivos precisosque eles pretendem alcançar. Como vimosanteriormente neste capítulo, Dryzek e seuscolaboradores puderam demonstrarempiricamente que a deliberação contribuiu paraclarear que dimensões estão envolvidas em umaquestão particular e como as posições individuaisse relacionam com as várias dimensões. Obterum metaconsenso sobre a natureza de conflitoajudar a encontrar soluções que sejamconsistentes logicamente, a partir de postuladosclaros definindo os objetivos visados, assim comoa maneira de que eles serão alcançados. Assim épossível fazer pesquisas políticas sistemáticaspara avaliar se os objetivos postulados foramatingidos e se eles não foram. Desse modo, adeliberação apresenta um forte elemento dereacionalidade em como definir objetivospolíticos e como atingi-los. A racionalidade
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contribuiu para responsabilizar os tomadores dedecisão [decision-makers accountable], uma vezque os cidadãos ordinários podem ver queobjetivos políticos são perseguidos e se foramalcançados. O contrário é um pensamentoconfuso, em que não se deixa claro o que sequer, de modo que os tomadores de decisão nãoficam responsáveis quando fracassam em seusobjetivos. Parece-me que há boas razões teóricase empíricas para que a deliberação tenha umpotencial para evitar pensamentos confusos.
Alguns teóricos preocupam-se se adeliberação é exageradamente dispensiosa e,assim, impraticável. Deliberação pode, de fato,tomar muito tempo. Eu vi isso em umexperimento que fiz com vinte estudantes emmeu seminário no European Politics da Universityof North Carolina no Chapel Hill. Depois dediscutir por várias sessões o modelo dedemocracia participativa, falei a eles que nósdeveríamos tentar colocar em prática o queestávamos aprendendo. Submeti aos presentesum questionário sobre o exame final do curso, sedeveria ser um trabalho para ser feito em casaou em classe, e deixei para os estudantes adecisão. Eu os estimulei a ser mais deliberativospossíveis. Todos os estudantes deveriamparticipar, apresentando inteiramente seusargumentos e dispostos no sentido dereciprocidade quando responderem aoargumento dos outros. A regra da decisão eraque deveria ser unânime. A discussão começoucom um elevado nível de deliberação de acordocom nosso DQI. Todos os tipos de argumentoselaborados foram colocados na mesa para
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justificar por que seria melhor fazer o examemelhor em casa ou na sala. Todos os estudantesenvolveram-se na discussão, que foi bastantecivilizada sem um interromper o outro e todos osargumentos foram tratados seriamente. Depoisde uma hora, o tempo do seminário foiextrapolado e o debate estava sendo travadoduramente. Se prosseguíssemos com o mesmonível de deliberação, poderíamos facilmentecontinuar com horas e horas. Por razões práticas,eu tive de interromper a discussão e levar osestudantes a votarem.
Esse experimento mostra que adeliberação é, de fato, impraticável para sechegar a algumas decisões no mundo real? Eunão penso isso. Durante a hora do elevado nívelde deliberação, os estudantes tornaram-sefamiliares com uma ampla gama de argumentossobre como fazer o exame final, assim o votodeles teve uma boa fundamentação. O resultadodo voto foi aceito por todos sem contestações, oque reforça o argumento de que a deliberação écompatível com tomar um voto quando todos osargumentos foram suficientemente debatidos.Para questões mais complexas do que o formatode um exame final, mais tempo deve serempregado para a apresentação dosargumentos, talvez prosseguir com o debate porvárias sessões. Um consenso ainda não pode seralcançado, mas quando a discussão continua portempo o bastante, ficará bastante claro sobre oque se trata o conflito fundamentando, assim, ovoto em boas bases racionais. Concluo, assim,que a deliberação é certamente dispendiosa,mas o tempo gasto com a deliberação em um
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nível elevado é valioso para um bom resultado e,se o consenso não é absolutamente necessário ea decisão pode advir do voto, a deliberação éprática e pode ser usada no mundo real.
Outra crítica da deliberação é que ela nãotem impacto. Aqui, nós precisamos diferenciarimpacto em resultados políticos de impacto nosparticipantes individuais. Eu abordo primeiro oaspecto do impacto político, principalmente noque se refere à deliberação de cidadãos comunsem minipúblicos. A crítica feita é de que adeliberação não tem impacto no sentido deresultados políticos. Como vimos antes, umprimeiro exemplo dessa crítica é revelada nosexperimentos de Talpin e Monnoyer-Smith emmudança climática na região francesa dePoitou-Charentes. Os participantes prometeramque as recomendações teriam impacto nostomadores de decisão do Parlamento Europeu;ao fim, no entanto, não foi esse o caso. Como nósregistramos, isso produziu reações negativasentre os participantes, com muitos considerandoque, sem impactos em Bruxelas, suas discussõesforam inúteis e por isso não participariam deexperiências semelhantes. Um positivo exemplosão os experimentos na cidade italiana dePiombino, discutida na Introdução. Lá, a questãofoi a renovação da principal praça da cidade, e arecomendação do grupo de discussões decidadãos comuns teve, de fato, forte influênciano que foi posteriormente feito com a praça.
A principal diferença entre os dois casos éque em Piombino as discussões dos cidadãosforam parte integrante do processo de decisãoda cidade, enquanto no caso francês as
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discussões estiveram vagamente relacionadas aoque aconteceu no Parlamento Europeu. Sabe-se,é claro, que é mais fácil integrar minipúblicos decidadãos em um processo decisórios numaescala local que em uma escala de UniãoEuropeia. Argumentei ainda que no caso dePoitou-Charentes um grande esforço poderia tersido feito para relacionar a discussão doscidadãos com o que se passava no ParlamentoEuropeu. Representantes das discussões cidadãspoderia ser convidados a audiências com aComissão Parlamentar sobre Mudança Climáticaem Bruxelas. Minha posição normativa é quetodos os níveis de governos minipúblicos decidadãos deveria tomar parte integral da tomadade decisão [decision-making]. Assim, é vantajosose um minipúblico possui uma voz no começo doprocesso decisório, como de fato aconteceu emPiombino. Como lobistas de um grupo especialde interesse, cidadãos devem ter a chance deformatar um processo decisório desde seucomeço. Para ver mais a respeito do lugar dosminipúblicos em um processo decisório, vejaminha discussão de participação política emgeral no Capítulo 1.
Segundo, é preciso também considerar oimpacto da deliberação em relação aosparticipantes individuais. Sobre a questão se adeliberação tem algum impacto em resultadospolíticos, muitos teóricos argumentam que adeliberação tem um valor per se. Eles esperamque os participantes na deliberação tornem-semelhores cidadãos ao se informarem melhorsobre os problemas políticos, mais abertos,tolerantes e respeitosos em relação a outras
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opiniões, mais capazes para apresentar ejustificar suas próprias opiniões, mais orientadospara o bem comum, mais engajados na vidapública. Os dados empíricos apresentados noCapítulo 6 sobre a força do melhor argumentoconfirmam a expectativa de muitos teóricossobre a deliberação fazer cidadãos melhorescomo descrevem. Nós devemos notar que aqualificação dos cidadãos é necessária para aboa deliberação. Isso abre a possibilidade paraum processo de retorno benéfico e positivo se adeliberação amplia as qualidades deliberativasdos participantes, que contribuiu para ampliar onível de deliberação.
Eu venho argumentando que osminipúblicos de cidadãos devem ser parteregular da tomada de decisão e esse caminhotem um impacto político direto. Isso não significa,entretanto, que não devem existir minipúblicosfora do processo regular decisório. A pesquisareferida no Capítulo 9 mostra que a deliberação éfacilitada se a discussão flui livremente e senenhuma decisão deve ser tomada ao final.Podemos pensar nas discussões nos cafés deParis do século XVIII ou os círculos literários emKönigsberg envolvendo não apenas filósofoscomo Immanuel Kant, mas também homens denegócio, funcionários públicos e militares. Essesgrupos de discussão do século XVIIIinfluenciaram Jürgen Habermas quando eledesenvolveu suas ideias deliberativas. Do meuponto de vista, deliberar com outros sobregrandes questões do mundo é algo queestudantes deveriam aprender cedo na escola. Adeliberação não deve ser julgada apenas se tem
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implicações políticas diretamente positivas, mastambém se contribuiu para uma vida maiscompleta. Assim, é apropriado organizarminipúblicos independentes não relacionados aprocessos decisórios concretos. Gastar um fim desemana fora da rotina diária conversando comoutros sobre grandes questões do mundo podeser uma experiência recompensadora. Fazeressas conversações parte da rotina diária emcírculos familiares e de amigos é ainda melhor.Desse modo, a deliberação pode ter um grandeimpacto político na longa caminhada paracontribuir mais à formação de uma opiniãopública reflexiva. Como vimos no final docapítulo, Richard Posner critica duramenteintelectuais como eu por tentar transpor essesvalores para uma ampla população. Eleargumenta que pessoas comuns têm “poucointeresse em questões complexas e poucaaptidão para elas”.69 Para mim, essa é umavisão muito pessimista. Como eu tentei mostrarna conclusão desse capítulo sobre a práxis dadeliberação, as escolas podem desempenhar umpapel-chave na construção de uma culturadeliberativa. E uma cultura como essa se tornamais e mais necessária tanto em um mundo dequestões políticas globalizadas quanto cada vezmais complexas. O pensamento reflexivo podecertamente ser feito individualmente, mas, paragerar efeitos benéficos, precisa ser feito tambémcom outros. Se sucumbirmos ao pensamento deque os cidadãos comuns não têm desejo eaptidão para tratar de questões complexas, comoPosner faz, vamos fazer sucumbir também anoção de uma democracia vibrante. Cidadaõs
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podem ainda votar nas eleições, mas sem umacompreensão apropriada da complexidade domundo, eles são facilmente manipulados pelopoder e pela riqueza, portanto as eleições nãoguardam muito de uma democracia real, na qualos cidadãos comuns têm uma palavra a dizer.
NOTAS1 Claudia Landwehr, “Discourse and Coordination: Modes ofInteraction and Their Roles in Political Decision-Making,” Journalof Political Philosophy 18 (2010), 101.2 Jürgen Habermas, Ach, Europa (Frankfurt a.M.: Suhrkamp,2008), p. 144. “Rationalisierungsdruck, der die Qualität derEntscheidungen verbessert.”3 John S. Dryzek, “Democratization as Deliberative CapacityBuilding,” Comparative Political Studies 42 (2009), 1390.4 Giovan Francesco Lanzara, “La deliberazione come indaginepublicca,” in Luigi Pellizzoni (ed.), La deliberazione publicca(Rome: Meltemi editore, 2005), p. 51. “Opportunità d’azione cheabbiano un valore cognitivo aggiunto per la comunità.”5 Daniel Oliver-Lalana, “Towards a Theory of LegislativeArgument,” Legisprudence: International Journal for the Study ofLegislation 4 (2010), 4.6 Dryzek, “Democratization as Deliberative Capacity Building,”1390.7 Habermas, Ach, Europe, p. 147: “legitimitätserzeugende Kraft.”8 Diego Gambetta, “Claro!: An Essay on Discursive Machismo,” inJon Elster (ed.), Deliberative Democracy (Cambridge UniversityPress, 1998), p. 24.9 Luigi Pellizzoni, “Introduzione: Cosa significa deliberare?Promesse e problemi della democrazia deliberativa,” in LuigiPellizzoni (ed.), La deliberazione pubblica (Roma: Meltemi, 2005),p. 23: “di incrementare la legittimità dele decisioni.”10 Jan Sieckmann, “Legislative Argumentation and DemocraticLegitimation,” Legisprudence: International Journal for the Studyof Legislation 4 (2010), 72–3.11 Gambetta, “Claro,” p. 24.12 Sharon Krause, “Beyond Non-Domination: Agency, Inequality,and the Meaning of Freedom,” paper presented at the PoliticalTheory Colloquium, University of North Carolina, December 9,2010, p. 29.13 Dryzek, “Democratization as Deliberative Capacity Building,”1392.14 Kasper M. Hansen, Deliberative Democracy and Opinion
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Formation (Odensee: University Press of Southern Denmark,2004), pp. 100–1.15 Anne Elizabeth Stie, Democratic Decision-Making in the EU: OrTechnocracy in Disguise? (unpublished book manuscript), ch. 2.16 Jon Elster, “Deliberation, Cycles, and Misrepresentations,”paper presented at the Conference on Epistemic Democracy inPractice, Yale University, October 20–22, 2011, p. 1.17 Gary Mucciaroni and Paul J. Quirk, “Rhetoric and Reality: GoingBeyond Discourse Ethics in Assessing Legislative Deliberation,”Legisprudence: International Journal for the Study of Legislation 4(2010), 38.18 Mucciaroni and Quirk, “Rhetoric and Reality,” 38.19 Jane Mansbridge, “Recent Advances in Deliberative Theory,”paper presented at the Max Weber Workshop on Deliberation inPolitics, New York University, October 29, 2010.20 Luigi Pellizzoni, “The Myth of the Best Argument: Power,Deliberation and Reason,” British Journal of Sociology 52 (2001),66.21 Chantal Mouffe, “Deliberative Democracy or AgonisticPluralism,” Social Research 3 (1999), 752, 755–6.22 Alice Le Goff, “Démocratie délibérative, contestation etmouvements sociaux,” Archives de Philosophie 74 (2011), 255–6:(la délibération) “peut rendre les acteurs plus conscients de leurintérêts et permettre une exploration de ces derniers et desconflits qui peuvent exister entre eux.”23 Cass R. Sunstein, “The Law of Group Polarization,” Journal ofPolitical Philosophy 10 (2002), 175–95.24 Bernard Manin, “Democratic Deliberation: Why We ShouldPromote Debate Rather Than Discussion,” paper presented at theProgram in Ethics and Public Affairs Seminar, Princeton University,October 13, 2005.25 Manin, “Democratic Deliberation.”26 Manin, “Democratic Deliberation.”27 Hélène Landemore and Hugo Mercier, “Talking It Out:Deliberation with Others versus Deliberation Within,” paperpresented at the Annual Convention of the American PoliticalScience Association, Washington, DC, September 2010. 28 Landemore and Mercier, “Talking It Out.”29 Landemore and Mercier, “Talking It Out.”30 Gambetta, “Claro,” p. 21.31 Jürg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli, and Marco R.Steenbergen, Deliberative Politics in Action: AnalysingParliamentary Discourse (Cambridge University Press, 2005), ch.6.32 John Rawls, A Theory of Social Justice (Cambridge, MA: HarvardUniversity Press, 1971), p. 83.33 Tracy Sulkin and Adam F. Simon, “Habermas in the Lab: A
344
Study of Deliberation in an Experimental Setting,” PoliticalPsychology 22 (2001), 809–82.34 Sulkin and Simon, “Habermas in the Lab,” 820.35 Christopher Gibson and Michael Woolcock, “Empowerment,Deliberative Development, and Local-Level Politics in Indonesia,”Studies in Comparative International Development 43 (2008),151–80.36 Manlio Cinalli and Ian O’Flynn, “Public Deliberation, NetworksAnalysis, and the Political Integration of Muslims in Britain,” paperpresented at the Workshop on Frontiers of Deliberation, ECPRJoint Sessions, St. Gallen, April 12–17, 2011.37 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 8.38 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 9.39 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 7.40 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 18.41 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 20.42 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”pp. 19–20.43 Cinalli and O’Flynn, “Public Deliberation, Networks Analysis,”p. 20.44 Julien Talpin and Laurence Monnoyer-Smith, “Talking with theWind? Discussion on the Quality of Deliberation in the Ideal-EUProject,” paper presented at the IPSA International Conference,Luxembourg, March 18–20, 2010.45 See: www.ideal-debate.eu.46 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 23.47 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 22.48 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 21.49 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 22.50 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 24.51 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 26.52 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” pp.28–9.53 Talpin and Monnoyer-Smith, “Talking with the Wind?,” p. 29.54 Lucio Baccaro, Conor Cradden, and Marion Deville-Naggay,“Should Foreigners Vote? Outcomes of a Deliberative Experimentin the City of Rousseau,” paper presented at the Workshop on theFrontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April12–17, 2011.55 Baccaro et al., “Should Foreigners Vote?,” p. 5.56 Simon Niemeyer and John S. Dryzek, “The Ends ofDeliberation: Metaconsensus
345
and Inter-subjective Rationality as Ideal Outcomes,” SwissPoliticalScience Review 13 (2007), 497–526.57 John S. Dryzek, “The Deliberative Global Governance ofClimate Change,”paper presented at the Conference on Democratizing ClimateGovernance,Australian National University, Canberra, July 15–16, 2010, p. 7.58 For the research designs, see Introduction, Section (b).59 Muzafer Sherif, Group Conflict and Co-operation: Their SocialPsychology (London: Routledge, 1967).60 Baseado em seis grupos com elevado nível de justificaçãoracional.61 Baseado em sete grupos com baixo nível de justificaçãoracional.62 Raphaël Kies and Patrizia Nanz (eds.), European Citizens’Deliberation: APromising Path of EU-Governance? (Farnham: Ashgate,forthcoming). 63 Kies and Nanz, European Citizens’ Deliberation.64 Kies and Nanz, European Citizens’ Deliberation.65 Pierangelo Isernia and Kaat Smets, “Revealing Preferences:Does Deliberation Increase Ideological Awareness Among the LessSophisticated Public?,” paper presented at the ECPR GeneralConference, Reykjavik, August 25–27, 2011.66 John Gastil, Chiara Bacci, and Michael Dollinger, “IsDeliberation Neutral? Patterns of Attitude Change DuringDeliberative Polls,” Journal of Public Deliberation 6 (2) (2010).67 György Lengyel, Borbála Göncz, and Éva Vépy-Schlemmer,“Temporary and Lasting Effects of a Deliberative Event: TheKaposvár Experience,” paper presented at the Workshop onFrontiers of Deliberation, ECPR Joint Sessions, St. Gallen, April12–17, 2011.68 Manfred Kuehn, Kant: A Biography (Cambridge UniversityPress, 2001).
69 Richard Posner, Law, Pragmatism, and Democracy (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003), p. 107.
346
347
A PRÁXIS DA DELIBERAÇÃO – CAPÍTULO 11
Na introdução, eu comecei que este é um livro que
deve ter relevância para a práxis política. Agora eu aceitei este
desafio neste capítulo final. Tendo apresentado nos capítulos
anteriores as implicações normativas que eu tiro a partir de
pesquisas empíricas sobre a deliberação, eu agora espero ter
uma base sólida para reflexões sobre a práxis de deliberação
no mundo real de políticas. Claudia Landwehr nota que
reflexões sobre a práxis da deliberação precisa de uma base
filosófica e empírica sólida: "a medida que a democracia
deliberativa se tornar mais influente, não só na teoria, mas
também na prática da democracia, há uma expectativa de
aumento para justificar suas premissas empíricas, tornar mais
explícito as sugestões sobre institucionalização e clarificar o
seu papel no processo democrático ". Michael A.
Neblo et al. “sugere que a aproximação deliberativa
representa uma oportunidade para reformas práticas
congruentes com as aspirações das teorias da normativa
politica e envolvimento cidadão”. Há, entretanto,
contrapontos sobre a viabilidade prática da democracia
deliberativa. Um crítico particular é Richard Posner, por onde
democracia deliberativa é “puramente aspiracional e não
real...com ordinariamente pessoas tendo um pequeno interesse
348
nas questões políticas complexas demonstradas como amplas
por eles”. Este livro poderia ter demonstrado que não somente
políticos, mas também cidadãos comuns se envolvem com
questões políticas de deliberação, para algumas extensões em
países em crise como a Colômbia e Bosnis-Herzegovina. Eu
concordo com Giovan Francesco Lanzara que nós humanos
incialmente temos uma cognição natural e aptidão para
deliberação. Eu compartilho sua opinião que a aptidão
cognitiva para deliberação é muito mais contribuições
eventuais do que responsabilidades efetivas. Cidadãos comuns
tem essa aptidão, às vezes mais do que políticos profissionais.
Lanzara argumenta que esta aptidão deve ser praticada
constantemente para que não se disperse. Eu irei mostrar
nesse capítulo final, diferentes maneiras que a deliberação
pode ser praticada por toda a vida.
Nos capítulos anteriores, mostrei o que eu quero dizer
por deliberação, por exemplo, que contar histórias e alguns
aspectos de interesse próprio também deve ser parte da
definição de deliberação. Também argumentei que a
deliberação não significa necessariamente que todas as fases
de um processo de decisão deve ser aberto ao consenso
público ou que devem ser sempre atingida. Com essa
definição, eu considerei deliberação uma "coisa boa" para a
democracia. Eu poderia citar Jonh Dryzek quando ele escreve
349
que “democracia não pode existir sem deliberação ...
deliberação que é autêntica, inclusive, e consequentemente é
central para a democracia e deveria ser incorporada na
definição de democratização”. Na mesma linha, Charles
Girard postula “a democracia deve ser deliberativa”. A
questão é como que nós podemos encorajar mais deliberação
tanto na elite e nos níveis de cidadãos comuns. Para
Habermas, deliberação é certamente “um formato de demanda
da comunicação”, mas esforçar-se pela deliberação em
práticas políticas não é uma “utopia exuberante”. Andrew
Knops usa a metáfora “não abandone o barco!” quando ele
argumenta que “nós devemos e podemos manter ideais
deliberativos em prática”. Para salientar a importância e
relevância da deliberação não significa, claro, que a
democracia poderia consistir somente da deliberação. Isso
também é um elemento essencial da democracia que as
preferencias são agregadas, particularmente em eleições e
votos parlamentares. É também adequado na democracia que
algumas vezes negociações ocorrem. Finalmente, protestos de
rua, greves, manifestações, são manifestações da democracia.
Entre os diversos elementos da democracia,
deliberação é muitas vezes subdesenvolvida e nós temos visto
nos capítulos anteriores. Portanto, nós deveríamos ter medidas
especiais para mensurar o nível da deliberação. Eu considero
350
uma particularidade importante que nós tenhamos mais
deliberação entre cidadãos comuns do que ter uma democracia
baseada em domínios. Entretanto, nós temos que ter cautela
que mini-públicos não são manipulados por elites políticas e
seus próprios propósitos, discutido excessivamente no
capítulo 1.
Na introdução, eu apresentei um exemplo bem
sucedido de como cidadãos comuns podem deliberar questões
públicas. No centro italiano de Piombino, pequenos grupos de
cidadãos comuns discutiram a renovação da principal praça da
cidade e fizeram recomendações para as autoridades centrais.
Uma vez que esses cidadãos deliberaram, foi um começo do
processo decisório, onde eles tiveram grande influencia em
como a praça da cidade fosse renovada. O Projeto Piombino
fez parte de um largo projeto na Toscana para institucionalizar
democracias deliberativas, onde eu descrevi na Introdução.
Piombino foi um caso fácil de deliberação, iniciando
com questões bem definidas em uma cidade pequena.
Discussões com cidadãos também podem ser bem sucedidas
organizadas em questões complexas em grandes áreas. Um
bom exemplo é Quebec , onde em fevereiro de 2007, o
primeiro ministro Jean Charest anunciou a implantação da
“Comissão de Consulta sobre as práticas de alojamento
relativo a diferenças culturais”. O plano de fundo para esse
351
anúncio foi que Québec sempre teve problemas nos últimos
anos de controvérsias sobre imigração, religião, linguagem e
mais recentemente, sobre sua identificação dentro do Canadá.
A comissão foi co-presidida pelo sociólogo Gérald Bouchard
a o filósofo Charles Taylor. Um exemplo dessa recente
controvérsia da presença do crucifixo acima da cadeira do
orador no edifício do parlamento de Québec. A tarefa da
comissão foi de encontrar caminhos para superar tais
controvérsias. A comissão estabeleceu a meta de resolver esta
tarefa de forma deliberativa, como a seguinte passagem do seu
relatório final mostrando:
Sobre os pontos referenciados éticos que deveriam guiar
qualquer negociação, vamos mencionar a abertura para
outros, reciprocidade, respeito mútuo, habilidade de ouvir,
boa fé, habilidade de buscar compromisso e disposição para
resolver impasses. Através da dimensão deliberativa
intervenientes dialogar na dimensão reflexiva lhes permitiu
envolver em auto-crítica e consertar os caminhos quando
necessário.
Metas deliberativas dificilmente poderiam ser
expressas em um caminho claro como que a comissão fez.
Para organizar discussões no caminho deliberativo é um
assunto difícil e democrado, portanto não foi surpreendente
que a comissão tenha alocado um orçamento largo de cinco
352
milhões de dólares canadenses. Cidadãos comuns foram
envolvidos de diferentes maneiras. Quatro fóruns em
província foram realizados e foram feitos 22 fóruns de várias
regiões do Québec . Além disso, houve audiências em 16
regiões, mais de 900 resumos foram submetidos, e no site da
comissão recebeu mais de 400.000 visitas. Nesta ampla base
deliberativa, a comissão chegou a uma longa lista de
recomendações. Sobre as controvérsias sobre o cruxifixo no
edifício do parlamento, por exemplo, foi proposto que fosse
removido do plenário mas mantido em uma sala especial
dedicada para a história do parlamento de Québec. Em uma
descrição do relatório final, a comissão descreveu:
Não é possível exagerar o que a nossa consulta revelaram
engates bem conhecidos, a abertura para o fim. A grande
maioria dos resumos apresentados e os testemunhos ouvidos
confirmam este ponto. Tanto nas regiões e em Montreal,
observou-se uma riqueza de boa fé e boa vontade. Esta é a
fundação sobre a qual devemos confiar para prosseguir a
edificação de um Québec integrado que respeitar a sua
diversidade.
Com esta complexa tarefa de acomodação cultural, as
recomendações não poderiam ser tão facilmente
implementadas no Québec como as recomendações em
Piombino para a reforma da praça da cidade. A transferência
353
do crucifixo da câmara parlamentar plenária para uma sala
separada para a história do parlamento, por exemplo, foi
rejeitada no processo político, com a justificação de uma
história deste símbolo católico acima da cadeira de 350 anos
do parlatório. Outra recomendação, no entanto, foram
totalmente ou parcialmente implementadas. É confortadas
para os adeptos da democracia deliberativa que em Québec foi
feito um esforço sério para resolver controvérsias culturais
polemicas de uma forma deliberativa. Mas, neste caso,
também mostra que a deliberação tem seus limites quando se
trata de fatos concretos de poder político, por exemplo, no que
diz respeito ao crucifixo.
Um terceiro exemplo de eventos deliberativos ocorreu
na Bélgica, onde Didier Caluwaerts e seu grupo de pesquisa
foi envolvido como um dos principais organizadores e foi
responsável pela parte metodológica do evento. Dada a crise
belga sobre a incapacidade dos políticos Fleming e Wallon
formarem um gabinete estável, a ideia era deixar uma amostra
aleatória de 1.000 cidadãos comuns discutir o futuro da
Bélgica. Tendo esse número de participantes, o projeto se
chamou G1000 e iniciou em novembro de 2011, em Bruxelas.
Para anunciar o evento foram utilizadas todas as tecnologias
de redes, como: facebook, twitter e os sites na web.
Observou-se que as autoridades políticas não estavam
354
envolvidas, nem mesmo com o apoio financeiro. Deveria ser
um evento puramente popular. Os cidadãos comuns foram
incentivados a fazer uma contribuição financeira, assim as
contribuições não poderiam ser mais de 5 por cento das
receitas totais. Os participantes do evento não recebiam
qualquer remuneração. Os cidadãos comuns também podiam
se inscrever para destinar seu tempo para o evento. O Projeto
G1000 foi notado e aplaudido pela comunidade internacional,
onde segundo o jornal Social Europe Journal, René Cuperus
escreveu em 22 de junho de 2011, “uma boa ação para o
futuro da democracia”. Das mil pessoas que estavam inscritas
para o evento, 704 na verdade compareceram.
Aproximadamente 200 participaram da discussão em suas
regiões e outras 500 online. A discussão abordava diversos
tópicos: segurança social, tratamento aos cidadãos em
momentos de crise financeira e de imigração. Estes tópicos
emergiram das bases com a ajuda de um processo de seleção
online com inicialmente 5000 sugestões de ideias para serem
discutidas. Um time de observadores internacionais estiveram
presentes para ver como que o evento foi organizado.
Um quarto exemplo bem conhecido foi a conferencia
dos “cidadãos australianos” em encontro no parlamento que se
reuniu em 2009. Este fórum envolveu 150 cidadãos
escolhidos aleatoriamente, que discutiram questões
355
pessoalmente e online. A questão submetida aos participantes
era como que o sistema político Australiano poderia se
fortalecer e servir melhor os cidadãos. A recomendação foram
entregues ao primeiro-ministro e os membros do parlamento.
Os minutos da discussão eram gravados e transcritos para a
base do livro intitulado The Australian Citizens – Parliament
and the future of deliberative democracy, que foi publicado
pela Editora da Universidade de Penn State.
Em algumas partes do livro eu tenho apresentado
vários outros cidadãos, conferencias e mini-públicos. Existem
eventos desse tipo em todo o mundo. É particularmente
notável que o Partido Comunista chinês faz um grande
esforço para organizar disussions cidadãos, rotulando estes
eventos democracia deliberativa. Baogang He e Mark Warren
falaram de deliberação autoritária e apontam que os
funcionários do partido ainda decidiram se queriam ou não a
introdução de reuniões deliberativas e determinar a ordem do
dia, bem como a extensão em que as opiniões das pessoas
iriam ser levadas em conta. da deliberação de autoridade e a
postura do partido que decidiu não introduzir encontros
deliberativos na agenda, bem como estender para os cidadãos
essa possibilidades. He e Warren resumem o que está
acontecendo na China a este respeito
Espaços deliberativos se tornaram comuns e são amplamente
356
variável em nível, escala, design, e frequência. Eles exibem
uma variedade de formas, tais como debates de elite em
diferentes níveis do Congresso Popular, estava discussões
dos cidadãos através da Internet, discussões formais na
esfera pública e debates informais em domínios
não-governamentais.
He e Warren ligam esse conceito deliberativo
de raízes profundas na cultura política chinesa .... centenas
de anos de confucionismo estabilizaram os fóruns públicos e
o sentimento deliberativo. Embora elitista, a tradição
Confuciana levou seriamente os deveres para deliberação de
conflitos. Estas tradições estão vivas hoje, expressando um
alto valor intelectual em muitos líderes ou políticos através
da combinação da deliberação, evidências cientificas e ciclos
de políticas baseadas em experimentação.
Não é somente a tradição confuciana que alertava para
o retorno da deliberação. Certamente, também os interesses
dos líderes do Partido Comunista. De acordo com a análise de
He e Warren "mecanismos deliberativos podem cooptar e
manter a ordem social ... gerar informações sobre a sociedade
e a política ... proporcionar fóruns de taxas e com negócios em
uma economia de mercantilização .... funcionários com
357
acusações de corrupção no aumento da transparência
credível ... capacitar os líderes para delegar
responsabilidades ... gerando legitimidade. He e Warren
versam que os cuidados em fazer previsões deliberativo
Chinesas. "o conceito de quadros de deliberação autoritários
possui duas possíveis trajetórias de desenvolvimento político
na China: o aumento do uso de práticas deliberativas
estabiliza e fortalece o regime autoritário, ou práticas
deliberativas servindo como uma vantagem para a
democratização". Eu acho fascinante que a discussão sobre
deliberação agora se expandiu a partir de democracias
desenvolvidas para regimes autoritários como a China. Isso
abre caminhos para investigações importantes para
acompanhar estes desenvolvimentos em países como a China.
Existindo um forte interesse em deliberação em todo o
mundo, é interessante como compreender como organizar
discussões moderadas. (Um bom suplemento para essa lista
são os apontamentos do Parlamento Australiano de Cidadãos
– www.newdemocracy.com.au).
* No início de cada discussão, todos os participantes poder ter o
direito de falar. Se alguém permanece em silêncio no início de
uma discussão, ele ou ela facilmente assume o papel de um
participante mudo;
358
* Quando participantes falam pela primeira vez, são
encorajados a relatar os problemas que e questões para
discussão e os moderadores podem ajudar;* O arranjo deve ser tal que todos os participantes possam
enfrentar o outro. Desta forma, as expressões faciais e gestos
obtem seu devido impacto;* Participantes também poderiam estar inclusos nos grupos de
abstenção, em particular crianças e futuras gerações e a
desvantagem da escala global, também dos não-humanos;* Se os argumentos são feitos com ou sem justificativas claras,
moderadores deveriam fazer perguntas para clarificar. “Eu
estou curioso porque você fez esse argumento; poderia por
favor elaborar um pouco para que nós todos pudermos
entender melhor o que você está pensando”. A demanda por
mais clarificação deveria não ser o único caminho;* O moderador deveria também envolver histórias para serem
contadas. As histórias ajudam no desempenho de uma
atmosfera para o grupo de discussão. Se o contexto for muito
longo, os moderadores poderiam alinhar em tópicos. Se
histórias são usadas para suportar um argumento,
moderadores poderiam estimulá-las. “Tendo como sua
história influenciou o seu pensamento, que lições a sua
história poderia nos ensinar?”;* Se participantes suportarem um argumento pessoal ou em
grupo de interesse, moderadores poderiam acolher tais
359
justificativas. Entretanto, eles poderiam relatar esse interesse
para o público de interesse, com formulações como se segue
“Nós temos como perceber como esta medida ajudará você ou
o nosso grupo, como nos entendemos. Poderia você refletir
como essas medidas impactarão outras pessoas, talvez em
outros países e gerações futuras?”* Moderadores devem dizer no início com uma voz firme que o
racismo ou comentários sexistas não serão tolerados e que a
discussão deve ocorrer de forma civilizada e respeitosa. Se
essas regras são violadas, moderadores poderiam
imediatamente intervir. Em alguns casos, violadores devem
ser excluídos da discussão;* Mini-públicos que são parte formal do processo político deve
vir com alguma conclusão. É uma importante tarefa de
moderação para ajudar os participantes para pesquisar e
decidir o final das discussões. Todavia, moderadores devem
enfatizar que não há uma pressão por tempo e que os
participantes devem estar abertos para argumentar com os
demais. Embora possa ser desejável chegar a um consenso, a
maioria também é boa, desde que o argumento das minorias
adequadamente foram ouvidos e considerados;* A seleção dos participantes poderia ser importa por cidadãos
ordinários fora do contexto. Neste caso, quando mini-públicos
são desenhados e selecionados de uma população, cidadãos
deveriam ter o que dizer. A questão deve ser, por exemplo,
360
deve ser considerada somente por cidadãos ou todos os
residentes, incluindo os ilegais. Algumas questões atuais tem
uma dimensão global, que apresentaram uma particular
estrutura para a seleção do mini-público. Com modernas
tecnologias, discussões online podem envolver cidadãos ao
redor do mundo.
Essas regras destinadas aos moderadores precisam ser
adaptadas quando associadas às discussões de públicos
menores (mini-públicos). Para a prática política, eu vejo
melhores perspectivas para a práxis online do que para o
face-a-face no que tange esses públicos menores porque a
forma é mais fácil e barata de ser organizada. No entanto,
temos que estar cientes de que discussões online são mais
propensas a abusos. Para reduzir o risco de abusos, os
participantes devem se registrar com seus nomes completos e
conseguir acesso apenas por meio de uma senha. Também é
válido se o número de participantes for relativamente
pequeno, talvez não mais que 20 pessoas, assim a real
discussão com todos os participantes pode emergir.
Também é possível haver uma deliberação online
frutífera se houver um cuidado em relação à organização dos
eventos em que ocorrerão essa deliberação. Uma sofisticada
proposta foi feita por Mark Klein, um expert em computação
no MIT Center for Collective Intelligence. Para ele, os
361
problemas das discussões online estão relacionados a
mensagens dispersas e repetitivas. Ele apresenta uma técnica
de “mapeamento dos argumentos” com três estruturas que
começam com perguntas que devem ser respondidas, para
essas perguntas existem possíveis respostas que sustentam ou
negam os argumentos. A verdadeira inovação dessa técnica é:
perguntas, respostas e argumentos iguais são colocados lado a
lado, apenas uma vez. Os moderadores ajudam a garantir que
novas postagens sejam colocadas de forma correta; o papel
desses moderadores não é avaliar os méritos das postagens,
mas simplesmente garantir que os conteúdos sejam
estruturados de modo a maximizar sua utilidade à comunidade
acadêmica. O que é realmente fascinante neste programa é
que participantes recebem feedback sobre como podem fazer
um melhor uso de suas habilidades e perspectivas para
contribuírem para a deliberação. Klein conclui que “a chave
de contribuição desse trabalho é explorar como algoritmos
automáticos podem ajudar usuários a distribuir seus esforços
de maneira a descobrir, num contexto de uma argumentação
em larga escala, onde podem melhorar.” Tecnicamente, é
difícil entender como esse programa funciona em detalhes,
mas, como Klein demonstra em uma implicação empírica na
Univerdade de Naples, para os usuários não é tão complicado.
É um maravilhoso exemplo do caráter interdisciplinar das
362
pesquisas em deliberação.
Embora esses programas de computador produzam
deliberações online cada vez mais viáveis, a deliberação
face-a-face ainda tem seu valor. O ideal é que o face-a-face e
a deliberação online ocorram juntas. Um bom exemplo é a
uma discussão civil no aglomerado Parisian sobre a possível
substituição de uma velha instalação tratamento de resíduos
por uma moderna unidade de metanização246. Foram
realizadas nove reuniões face-a-face de cidadãos comuns e
experts. Antes e depois dessas reuniões, em um site
participativo, experts no assunto estavam disponíveis para
responder perguntas. Esse site estava aberto, também, para
pessoas que não participaram das reuniões face-a-face. Para
estimular a discussão online, o portal do site disponibilizou
reuniões públicas.
O comparecimento às reuniões é um problema nos
públicos menores, tanto no face-a-face como no online.
Vimos esse problema em capítulos anteriores, por exemplo,
no capítulo 9 em uma reunião alemã que discutiu, por três
semanas, a questão das células estaminais embrionárias.
Mesmo que 20 participantes tivessem sido escolhidos, apenas
17 compareceram para a primeira sessão e 5 outros desistiram
246 Nesse teste empírico as métricas de alocação foram incluídas apenasnuma pequena extensão.
363
nas outras duas sessões. Esses problemas de comparecimento
não podem ser evitados, o que pode diminuir o problema é
incentivar os participantes, por exemplo, com um lanche ou
com pagamento em dinheiro.
Os participantes de reuniões com públicos pequenos
provavelmente terão um de seus membros como líder ou
moderador. Seria melhor, entretanto, se houvesse um
moderador profissional que é treinado nos vários aspectos de
uma deliberação. Além disso, alguns experts em relação ao
tema da discussão, provavelmente, se juntarão a esses
pequenos grupos, por exemplo, geógrafos e biologistas
quando o assunto é a mudança do clima. Bernard Reber
sugere que, para melhorar a qualidade da deliberação, é
necessário distribuir um papel maior para os participantes
“eticistas”, essa é uma ideia que eu apoio. O foco de Reber é
em desenvolvimentos tecnológicos complexos com grandes
incertezas, por exemplo: plantas geneticamente modificadas.
Discussões desse tipo com a participação de cidadãos comuns
e cientistas especialistas já existem, mas têm pouca
contribuição dos “eticistas”. A ideia de Reber não é a de que
os eticistas devem liderar essas discussões, impondo seus
pontos de vista sobre o que é uma “vida boa”. Eticistas devem
ter um papel auxiliar, pontuando questões éticas e como esses
dilemas poderiam ser resolvidos. Porém, Reber não tem uma
364
visão única mas sim plural da ética. Ele considera, portanto,
que um consenso no final dessas discussões não é
absolutamente necessário. O ponto-chave para Reber é que as
pessoas aprendem a conviver com desacordos éticos
apreciando a posição éticas do outro, e para esse processo de
aprendizado, um profissional da ética seria de grande ajuda.
Em relação à organização das discussões em grupos
pequenos, Mauro Barisione levanta outra questão com seu
conceito de “quadro deliberativo”. Esse conceito significa “o
contexto de significados nos quais a deliberação é
construída”. Segundo Barisione, quadros deliberativos
influenciam o percurso de uma discussão, conscientemente ou
inconscientemente: “aqueles que tem poder para estruturar a
deliberação introduzem um viés em favor de um resultado
pré-estabelecido, e fazem isso acima e além do horizonte
cognitivo dos participantes, que serão incapazes de captar o
elemento da distorção comunicativa.” Barisione utiliza, como
ilustração, a Deliberative Polling Tomorrow’s Europe, que foi
realizada no European level em 2007 para mostrar como o
enquadramento deliberativo funciona. Um resultado instigante
dessa operação: depois das discussões, o apoio ao aumento da
idade de aposentadoria foi notoriamente maior que antes.
Barisione diz que essa mudança pode estar relacionada à força
do melhor argumento ocorrido durante o debate. Mas ele
365
também vê a possibilidade de que essa alteração tenha sido
causada pelo modo como esses eventos de Deliberative
Pollings são realizados. Investigando os seguintes pontos:
onde as discussões foram realizadas; como as questões para a
discussão foram formuladas; quais os especialistas foram
convidados a participar; qual o material foi submetido aos
participantes; Barisione caracterizou o quadro como:
“estabelecendo uma discussão em termos de eficiência,
produtividade, crescimento econômico e financiamento
público, a linguagem dos argumentos reforça um
enquadramento econômico do assunto em discussão.”. Esse
podia ter sido um outro quadro deliberativo qualquer, por
exemplo um quadro de justiça social e o problema da idade da
aposentadoria poderia muito bem ser direcionado de uma
forma diferente. Barisione considera isso um problema
particular se houver um “quadro monopolista” e postula uma
reflexão e reformulação acerca desse quadro: “se inspirado
por uma autêntica abordagem pluralista, deliberações públicas
se tornam, por sua natureza, um eficiente moderador do efeito
de enquadramento, por gerar um procedimento que contrasta
diferentes perspectivas, ao invés de apresentar um arranjo de
argumentos e contra argumentos enquadrados por uma única
perspectiva politica, cultural e social.”. Desse modo,
Barisione sugere que haja uma agenda de pesquisa capaz de
366
dar conta do problema dos quadros deliberativos. De acordo
com essa agenda, pesquisadores deveriam investigar a
organização dos experimentos com mini-públicos, a
identidade das organizações promotoras e patrocinadoras, o
lugar dos eventos deliberativos, a seleção dos especialistas, e
o material de background distribuído aos participantes. O
artigo de Barisione sugere que deve-se tomar cuidado ao
organizar experimentos com mini-públicos e que é essencial
que esses eventos sejam acompanhados por sérias e
sistemáticas pesquisas.
Para a prática organizacional das discussões em
mini-públicos, deve-se considerar, também, os achados
empíricos de Heather Walmsley. A autora trabalhou em uma
consulta pública deliberativa na Colúmbia Britânica sobre o
assunto dos bancos biológicos (biobankings) – coletam e
guardam dados humanos para fins de pesquisa. Nessa consulta
pública deliberativa havia 23 participantes que se reuniram
primeiramente de forma informal na sessão plenária, depois
discutiram sobre o banco biológico em três grupos, e,
finalmente, voltaram à discussão na sessão plenária. Na sua
“observação etnográfica”, Walmsley descobriu que “nos
grupos maiores a deliberação e a argumentação foram mais
difíceis de serem constituídas do que nos grupos menores”. A
discussão no grupo maior “terminou em confusão, com
367
poucos acordos”. A interpretação de Walmsley é a de que em
pequenos grupos a boa deliberação proporcionou um
ambiente de maior solidariedade, e quanto as recomendações
de cada um dos três grupos foram levadas ao grupo maior na
sessão plenária, essas recomendações se colidiram umas com
as outras. Os organizadores de eventos como este devem
tomar cuidado quando forem fazer a ligação das discussões
dos grupos pequenos ao grupo maior. Talvez teria sido melhor
que, na primeira sessão plenária, tivesse ocorrido uma
discussão substantiva para que alguma forma de solidariedade
pudesse ter sido desenvolvida em torno dos três pequenos
grupos. Desse modo, a sessão plenária final poderia ter sido
mais deliberativa.
Mesmo se todos os problemas envolvendo os
mini-públicos pudessem ser resolvidos, restaria o incômodo
problema de como os mini-públicos podem ser ligados ao
grupo maior. Em outras palavras, a questão é como a
deliberação democrática em mini grupos pode estar
relacionada a democracia deliberativa no geral. Espen D.H.
Olsen e Hans-Jorg Trenz dirigiram essa questão de uma forma
sistemática para o Europolis (ver Introdução), mas seus
argumentos têm aplicações maiores. A fim de produzir
legitimação política no nível social, o que ocorre nos mini
públicos “deve criar ressonâncias públicas no interior de
368
audiências maiores de cidadãos que ‘refletem’ sobre a
validade das proposições realizadas no experimento
democrático”. Olsen e Trenz estão preocupados com a
situação de que “as reivindicações pela autoridade científica
do experimento fazem com que seja possível conceber um
julgamento representativo do microcosmo como substituição
do julgamento como um todo. Podemos, então, perfeitamente,
imaginar a “votação deliberativa” como uma ferramenta para
emergir o julgamento público enquanto todo o corpo de
cidadãos não precisa mais se preocupar em deliberar”. Olsen e
Trenz advertem que “autoridade científica por si só não é
suficiente para generalizar a validade dos resultados de um
experimento e defendê-lo como legitimação pública”. É ideal
que os resultados das discussões nos mini públicos sejam
reportados na mídia, estimulando futuras discussões nos
cidadãos como um todo. Como Olsen e Trenz mostram no
Europolis, esse ideal é muito difícil de ser atingido porque o
eco da mídia é pequeno. Eles concluem, em nota pessimista,
“não há um processo simples entre deliberação em grupo e
deliberação pública”.
Uma conquista ambiciosa é a introdução de um “dia de
deliberação” antes de eleições nacionais, no qual todos os
temas importantes poderiam ser debatidos em vários pequenos
grupos. Eu tenho discutido essa ideia, lançada por Bruce
369
Ackerman e James S. Fishkin, no capítulo 5. Eu apoio esse e
projetos similares, e vejo um grande futuro da democracia se
mini públicos, dos quais fazem parte cidadãos comuns
escolhidos randomicamente, façam parte de decisões políticas
formas em processo. Desse modo, as vozes dos cidadãos são
verdadeiramente ouvidas quando importantes assuntos
políticos são decididos. Para ser exato, apenas um número
pequeno de cidadãos irão fazer parte desse empreendimento,
mas quanto mais randomicamente eles forem escolhidos e
quanto mais eles comparecerem, mais eles terão legitimidade
para falar por todos os cidadãos, e eles o farão não
superficialmente, mas de um modo reflexivo. Lawrence R.
Jacobs et al. concordam com essa ênfase em mini públicos
quando escrevem que “um caminho construtivo à frente é
desenvolver abordagens para incorporar a deliberação no
governo representativo... A deliberação tem um importante e
crescente papel em colocar assuntos na agenda do governo,
desenvolvendo propostas gerais para os legisladores, e criando
incentivos para os formuladores de políticas responderem ao
público geral”. Eles também alertam contra a “falsa
deliberação” que ultimamente é ignorada.
Outro plano ambicioso é envolver cidadãos comuns em
um nível global, como proposto por Robert E. Goodin e
Steven R. Ratner com os “júris dos cidadãos globais”. Como
370
posto no título do trabalho desses autores, o ganho é
“democratizar a lei internacional”. Isso deve ocorrer no nível
de jus cogent (direito cogente) que expressa “normas
internacionais fundamentais de ordem e ética”. O argumento
dessa proposta é que “deixar pessoas comuns, de diferentes
países, conversarem entre si diretamente é mais democrático
do que discussões que ocorrem através de seus representantes
eleitos ou diplomatas”. Os júris dos cidadãos globais devem
ser compostos por algo em torno de 20 pessoas de todo o
mundo, e deve haver algo em torno de 20 júris.
Na composição dos “Júris dos cidadãos globais”, a
diversidade importa mais do que a representatividade. O
ponto principal é descobrir o que é comum entre as pessoas
ao redor do mundo. Para isso, é importante conseguir várias
representações e perspectivas diferentes; não é tão
importante que elas representem todas as diferenças ao redor
do mundo. É um consenso entre posições, não um voto do
povo, que irá justificar que algo deve ser considerado como
uma "norma imperativa de direito internacional geral".
Os “júris dos cidadãos globais” serão auxiliados em
suas deliberações por meio de um documento informativo
“preparado por um painel de especialistas para que represente
371
todos as principais perspectivas dos assuntos abordados”. O
que se espera é que o design de democracia deliberativa para
esses júris irá “evocar opiniões informadas e consideráveis
das pessoas”. Essas opiniões serão, então, direcionadas ao UN
General Assembly ou ao seu Conselho de Direitos Humanos,
para que ordene às organizações internacionais como o
Conselho da Europa ou a União Africana.
A administração Obama criou uma Iniciativa de
Governo aberto na Casa Branca, o ganho dessa iniciativa é
“mais do que simplesmente informar a população americana
sobre como decisões são tomadas. Isso significa reconhecer
que o governo não tem todas as respostas e que os
funcionários do governo precisam entender o que a população
sabe... a maneira de resolver os problemas de nosso tempo é
aproximar a população americana de políticas que a afeta”.
“Agora podemos usar a tecnologia para alcançar uma nova
visão da não-hierarquia e da democracia colaborativa, onde o
estado compartilha poder e decisão com o público”.
Agora eu mudo do nível de cidadãos ordinários para o
nível dos parlamentos, que são os fóruns nos quais,
idealmente, as questões políticas gerais da população devem
ser discutidas em um verdadeiro senso de deliberação. Ainda,
como Landwehr enfatiza corretamente, “é relativamente fácil
configurar um fórum artificial de deliberação como uma
372
conferência dos cidadãos, e o desafio é muito maior em
entender como os parlamentos com sua história, tradição,
regras informais de conduta, alta carga de trabalho, se
configura como uma arena de competição política, e pode ser
mais deliberativo”. Os capítulos anteriores mostraram que
parlamentares tendem a ser menos suscetíveis a mudança nas
suas posições políticas do que cidadãos comuns. Os
parlamentares estão, geralmente, presos a declarações
públicas anteriores, e quando mudam essas declarações eles
são criticados por não terem princípios e por serem fracos.
Existem inúmeras propostas para uma forma de complementar
os parlamentos com outras instituições mais suscetíveis à
deliberação. John S. Dryzek e Simon Niemeyer sugerem o
estabelecimento de uma “Câmara de Discussão”. Eles
apresentam diferentes modos de como essa câmara pode ser
colocada em prática, mais formalmente ou informalmente.
Eles esperam que a Câmara de Discussão “possa ajudar a
tornar a tomada de decisões mais racional, respeitar a
autonomia individual representando os diversos aspectos do
indivíduo, assistir no que diz respeito à realização da
promessa de democracia deliberativa, e fazer com que a teoria
democrática possa ser mais aplicável num mundo em quem as
consequências das decisões são percebidas através das
fronteiras nacionais”. Michael E. Morrell propõe, ainda, outra
373
instituição para adicionar deliberação, uma “Comissão
Federal de Deliberação” (Federal Deliberation Comission –
FDC). Seu objetivo seria “aumentar a deliberação na esfera
pública” e para alcançar esse objetivo, essa instituição deve
ser “o mais independente possível do partido que estiver no
poder ou do governo em qualquer época”. O plano de Morrell
“seria estabelecer o FDC com “full-time deliberators” e
deliberações estruturadas, deste modo todos os “deliberators”
teriam que apresentar todos os lados de um determinado
assunto”. Um importante aspecto desse plano de Morrell é que
a mídia
difunde a deliberação para o público na televisão e na
internet, encorajando as pessoas a se empenhar em fazer
reflexões deliberativas internas. O FDC deve, também,
alimentar fóruns deliberativos face-a-face de grupos de
cidadãos que estiveram seguindo a deliberação pública. A
pública difusão das deliberações deverá gerar mais
discussão, também, entre as famílias, amigos, e certamente
afetará a discussão pública sobre os assuntos em questão.
Alex Zakaras faz uma proposta que ele diz ser
“modesta”, mas que parece ser bastante radical. Para os
Estados Unidos, ele quer substituir, tanto no nível federal
374
quanto no estadual, o Senado pelo que chama de “Assembleia
de Cidadãos”. Os membros dessa assembleia seriam
escolhidos por sorteio, e “todos os adultos seriam elegíveis
para a seleção, mas poderiam recusar se não quisessem
participar”. Essas Assembleias de Cidadãos “teriam
responsabilidades reduzidas: elas não introduziriam uma nova
legislação; ao invés disso elas revisariam a legislação
aprovada pela câmara eleitoral, e deliberariam sobre seus
méritos, e depois votariam aprovando ou vetando a decisão.
Elas não poderiam alterar a legislação; as contas vetadas
seriam enviadas novamente à casa eleitoral para redefinição
das mesmas”.
Criar novas instituições como essas Câmaras de
Discussões, o FDC, Júris de Cidadãos Globais ou a Câmara
dos Cidadãos, é válido, mas precisa de muita organização para
serem implementadas. Para uma prática mais imediata é
válida a ideia de organizar discussões entre os stakeholders
sobre um determinado assunto político. Stephen Elstub
investigou uma discussão entre stakeholders no Stanage
Forum, o propósito dessa discussão era descobrir um efetivo
plano para o Noth Lees Estate, um parque nacional nos
Estados Unidos. Os stakeholders convidados eram
recreationists (a favor de transformar parques em espaços para
recreação), ambientalistas e locais. Esses grupos particulares
375
são diferentes dos mini públicos porque os participantes não
são escolhidos randomicamente, mas representam os vários
interesses envolvidos no problema. Esses tipos de grupos não
são novos e são usados em variadas circunstâncias; seria
válido para fazer com eles fossem mais deliberativos se fosse
aplicado nesses grupos as mesmas técnicas aplicadas aos mini
públicos. Outra ideia institucional é a de Jan Sieckmann, que
propõe dar um papel mais importante às cortes por julgar que
estas tem um nível mais elevado de deliberação do que os
parlamentos. “Os parlamentos são influenciados por fatores
que demonstram pouco interesse em decisões racionais... as
cortes, nesse aspecto, parecem estar em uma posição melhor
em relação à cumprir com os requisitos da democracia, (elas
são) independentes do processo político, obrigas a serem
imparciais e designadas para cumprir com princípios
constitucionais”.
Todas as propostas institucionais discutidas até aqui, de
mini públicos às cortes, dependem, para o seu sucesso, de
uma cultura mais desenvolvida em relação à deliberação, e
vejo que as escolas – desde o jardim de infância – até as
universidades tem um papel chave nesse desenvolvimento.
Certamente, a cultura depende de muitos fatores como a vida
da família, a mídia, e as artes. De qualquer modo, as escolas
podem ser influenciadas diretamente. No capitulo 1, eu
376
descrevi como as escolas podem contribuir mais pra o
desenvolvimento de uma cultura deliberacionista. Eu
acrescento aqui um exemplo bem recente de um modo
particular e criativo de como integrar a deliberação no
currículo de uma escola. Na universidade de Jacobs, Bremen,
na Alemanha, os estudantes aprenderam sobre a deliberação
em sala de aula e depois participaram de um Dia da
Deliberação para discutir o problema do serviço público.
Eu quero finalizar esse livro dando voz a alguns de
meus alunos. Em um “seminário de honra” no outono de 2010
na Universidade da Carolina do Norte, eu pedi aos alunos que
refletissem sobre o que aprenderam ou não aprenderam sobre
a deliberação em todos os anos de estudo e como as escolas
poderiam melhorar em relação a isso. Muitos alunos
escreveram que seus anos de estudo não foram deliberativos.
William May deu um particular quadro desolador de como
nas escolas primárias não há a cultura deliberativa:
Minha experiência na escola primária seguiu o modelo da
educação Americana: em todo lugar que íamos nós
andávamos em fila, o tempo que passávamos em afazeres e
lugares era determinado pelo toque do sino, e nós todos
377
recebíamos às mesmas ordem do professor – ordens que era
esperado que seguíssemos. Desse modo o professor estava
sempre certo, a autoridade, o soberano. Os estudantes eram
instigados a encontrar as respostas que o professor queria
porque o professor tinha a resposta correta, e raramente nós
dávamos nossas próprias respostas às perguntas. Os
problemas eram resolvidos do mesmo modo – se houvesse
uma disputa entre você e outra pessoa, ou entre dois grupos,
você falava com o professor que, por sua vez, julgava e
decidia quem faria o quê.
Rachel Myrick deu um exemplo específico de que
enfatizar a competição não abre espaço para a deliberação:
Na minha época de escola, eu achava que certos debates e
discussões eram mais competitivos do que cooperativos. Isso
ocorria porque os professores começaram a dar notas para
as nossas discussões, e os estudantes, preocupados com suas
próprias notas, monopolizavam a conversa. Na minha aula de
inglês, quando tínhamos discussões sobre literatura, todas as
nossas conversas se tornavam argumentos viciosos porque os
alunos constantemente tentavam provar para o professor que
o outro estava errado. Similarmente, na minha aula de
história das Américas, nós éramos colocados em pares e
378
tínhamos que representar o ponto de vista de John Adamns
ou Thomas Jefferson em um tema determinado. Nós tínhamos
cinco minutos para debater nosso adversário, e o time
vencedor recebei uma nota melhor. Nesse sentido, todo o
nosso foco estava em ataques viciosos contra o oponente
para que pudéssemos conseguir as maiores notas.
Entretanto, os estudantes também reportaram
experiências de professores que fizeram um esforço real para
desenvolver a cultura deliberativa entre seus alunos. Connor
Crews discorre sobre essa experiência de uma aula de História
Americana:
No meu oitavo ano na aula de história americana, nós fomos
requisitados a criar uma “constituição de classe” que
presidiaria o comportamento em sala de aula e as
expectativas em relação aos trabalhos dos alunos. Para isso,
pelo teor colaborativo, era necessário uma grande acordo de
deliberação. Nós alunos desenvolvemos o processo de
criação da constituição com pouca ajuda dos professores. A
única direção que nos deram foi em relação a abordagem da
forma como os alunos deviam se comportar em sala de aula e
ser como deviam ser penalizados por uso indevido do tempo
de aula. Se bem me lembro, tivemos que chegar a um acordo
379
de “maioria absoluta” para fazer com que a constituição
passasse. Por ser um projeto que impactaria em como a
classe seria conduzida, todos os alunos tiveram um interesse
muito grande em verificar se a constituição estava do jeito
que os agradava. Assim, os argumentos foram justificados em
termos do bem comum.
Rachel Myrick, que reportou sobre sua experiência
não-deliberativa na escola, encontrou memórias de Senhora
Reid que era bem criativa para desenvolver uma cultura
deliberativa em sala de aula:
O exemplo mais efetivo que tive de uma cultura deliberativa
em sala de aula foi no meu quinto ano, guiado por minha
professora, Senhora Reid, que desenhou seu próprio
programa educacional e curricular. Um componente integral
da aula era o “seminário socrático”, no qual devíamos
discutir um tópico controverso relacionado a algo que
estudamos em sala de aula. Esse ambiente foi minha primeira
exposição ao método do seminário, que muitos alunos só vão
experimentar no colegial ou na faculdade. Estar exposto a
essa discussão deliberativa, na qual todas as ideias são
respeitadas e argumentos devem ser lógicos e consistentes,
ajuda os alunos a desenvolver argumentos sólidos e a
380
respeitar as diversas opiniões. Esse conceito parece muito
sofisticado para crianças de 10 anos de idade. No entanto, ao
invés de ir direto para o estilo de seminário, a Sra. Reid foi
gradualmente nos introduzindo a ideia. Nós lemos artigos
sobre a comunicação efetiva e descobrimos as regras
básicas. Na nossa primeira discussão, nós começamos
passando uma bola. Quem tivesse a bola em mãos podia
falar. Se você quisesse falar alguma coisa, você tinha que
levantar sua mão e esperar que a bola chegasse até você. Nós
tivemos esse seminário várias vezes na semana, e depois das
primeiras semanas, nós paramos com o método da bola e de
levantar a mão. A conversação passou a fluir naturalmente.
Keith Grose relembra que mesmo os problemas de
matemática podiam ser resolvidos de uma modo deliberativo:
Eu presenciei o poder do ensino deliberativo quando eu
entrei na Faculdade de Ciência e Matemática da Carolina do
Norte. O departamento de matemática tinha uma nova forma
de ensinar tópicas como geometria e cálculo. Ao invés de
sentar em sala de aula e aprender os teoremas e métodos
num formato de palestra, os estudantes eram divididos em
grupos e recebiam atribuições de laboratório para aprender
como esses teoremas e métodos ocorriam em primeira mão.
381
Por exemplo, quando estávamos estudando geometria, ao
invés de os professores nos dizerem sobre triângulos
relativos, nos davam a tarefa de determinar a altura da torre
de relógio do campus com apenas um pequeno triângulo e um
rolo de fita métrica. Depois cada grupo tinha um brainstorm
sobre como usar o método correto, nesse caso triângulos
relativos, para conseguir alcançar o objetivo da tarefa. No
fim, todos os grupos retornavam para a sala de aula e
apresentavam seus vários métodos, a classe decidia qual o
melhor método e trabalhava em cima dele.
Esses exemplos de como as escolas podem ter um
impacto em como as crianças são socializadas em um modo
deliberativo é um bom final para o livro. Os exemplos
mostram que as escolas são um excelente meio para ter mais
deliberação. Os professores devem treinar e supervisionar os
alunos para instigar habilidades deliberativas e encorajá-los a
usar essas habilidades fora da sala de aula também. Para mim,
essa é a maior esperança de fazer com que a democracia
deliberativa seja viável.
382