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A S ORIGENS DA BASE C ITOLGICA DA H EREDITARIEDADESegunda aula(T2)

Objetivos1. Descrever como e quando foi descoberta a clula. 2. Explicar a idia central e a importncia da teoria celular. 3. Discutir as dificuldades para se identificar os gametas como clulas. 4. Descrever os passos que levaram compreenso da importncia do ncleo celular. 5. Identificar as dificuldades para a compreenso do processo de diviso celular. 6. Descrever o raciocnio dedutivo que levou concluso de que a mitose no seria o nico tipo de diviso celular. 7. Descrever as meioses masculina e feminina em Ascaris. 8. Explicar o papel da meiose e da fertilizao no ciclo de vida dos organismos. 9. Listar os principais argumentos que levaram alguns citologistas no final do sculo XIX a defender a idia que os cromossomos seriam a base fsica da herana.

Texto adaptado de: MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986.

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DESCOBERTA DA CLULA

O nascimento da Citologia pode ser fixado com considervel preciso. No dia 15 de abril de 1663, Robert Hooke (1635-1703) colocou um pedao de cortia sob seu microscpio e mostrou sua estrutura a seus colegas da Royal Society de Londres. A Royal Society havia sido fundada no ano anterior com o intuito de melhorar o conhecimento sobre a natureza. Ela reunia uns poucos homens cultos de Londres que se encontravam regularmente, em geral semanalmente, para discutir assuntos cientficos e como o conhecimento poderia ser usado para melhorar as atividades prticas. A inspirao para a formao da Royal Society veio de uma sugesto anterior de Francis Bacon. Hooke, um matemtico de excepcional habilidade, era um membro muito ativo da Royal Society. Era costume entre os membros no apenas discutir mas tambm realizar experimentos e fazer demonstraes. Havia um grande interesse no novo microscpio que Hooke havia construdo e ele deixou que os membros da sociedade olhas-

sem partes de um musgo em seu microscpio no dia 8 de abril de 1663. No dia 15 daquele ms o Sr. Hooke apresentou dois esquemas microscpicos, uma representao dos poros da cortia, cortados transversal e perpendicularmente .... Esse era o comeo de dois sculos de observaes e experimentaes que estabeleceram a Teoria Celular. As vrias observaes de Hooke foram reunidas e publicadas em 1665 com o ttulo de Micrographia, sob os auspcios da Royal Society. Essa foi a primeira viso geral de uma parte da natureza at ento desconhecida. Hooke descreveu e ilustrou muitos objetos em sua publicao: a cabea de um alfinete, muitos insetos pequenos e suas partes, penas, enguias [nematdeos] do vinagre, partes de muitas plantas, cabelo, bolores, papel, madeira petrificada, escamas de peixe, seda, areia, flocos de neve, urina, e, claro, aquele pedao de cortia. (Fig. 1) Hooke imaginou que a cortia consistia de inmeros tubos paralelos com divises transversais: Estes poros, ou clulas, no eram muito fundos, mas consistiam de um grande nmero de pequenas caixas, separadas ao longo do comprimento

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O ESTABELECIMENTO DA

TEORIA CELULAR

As clulas se tornaram verdadeiramente importantes somente quando foi proposta a hiptese de que os corpos de todos os organismos eram constitudos apenas de clulas ou de produtos de clulas. Essa hiptese foi formulada e testada no comeo do sculo XIX e est associada principalmente a trs cientistas: R. J. H. Dutrochet, Matthias Jacob Schleiden e Theodor Schwann. Mas como algum poderia provar que os corpos de todos os organismos so constitudos apenas de clulas ou de produtos de clulas? Ao tentar responder essa questo pode-se aprender algo muito importante sobre cincia. A resposta , obviamente, que no h nenhuma posFigura 1. Desenhos de cortes de cortia ao microssibilidade dessa afirmao ser comprovada. Como cpio publicados por Hooke em 1665. algum poderia estudar todos os organismos? A dos tubos por uma tipo de diafragma. Ele obser- maioria j se extinguiu h muito tempo e no seria vou estruturas semelhantes em muitos outros nem mesmo possvel estudar um indivduo de tipos de plantas. Muitos pensam que Hooke des- cada uma das espcies viventes. Qual seria sua creveu aquelas caixas como vazias e parou por resposta se algum lhe perguntasse se os corpos a. Isso no verdade, ele observou cortes de dos dinossauros eram constitudos de clulas? plantas vivas e verificou que as caixas microsc- Mas lembre-se, tudo o que se pode desejar em cincia que uma afirmao seja verdadeira picas eram preenchidas por um suco. A presena de clulas na cortia e em outras acima de qualquer suspeita. Aps as observaes iniciais de Hooke, foi plantas poderia ser uma caracterstica geral ou poderia ser restrita a uns poucos tipos de organis- verificado que as clulas eram uma caractemo. A continuao das pesquisas iria mostrar que rstica comum das plantas. Mais e mais plantas as plantas consistiam inteiramente ou quase intei- de uma quantidade crescente de espcies foramente de estruturas parecidas, semelhantes a ram estudadas e todas apresentavam estruturas caixas. Um outro membro da Royal Society, semelhantes a clulas. Foi observado que essas Nehemiah Grew (1641 - 1712), publicou uma estruturas microscpicas no tinham todas a monografia em 1682 que contm muitas pranchas forma de caixa como as clulas da cortia. belssimas mostrando a estrutura microscpica Descobriu-se que as clulas podiam ter diversas das plantas. Com o tempo, a idia de que os seres formas e tamanhos. No podemos esquecer que vivos so formados por clulas foi estendida para esses microscopistas pioneiros no estavam os animais. Hooke havia feito uma observao observando clulas como as entendemos hoje, interessante que no foi importante na sua poca eles observavam paredes celulares. ela se tornou uma descoberta importante muito Schwann e as clulas nos animais mais tarde, em funo de pesquisas posteriores. Com poucas excees, o corpo dos animais Mais de dois sculos foram necessrios para se chegar concluso que o conhecimento das no continha estrutura alguma que se parecesse clulas era essencial para a compreenso da here- com clulas, isto , com as paredes celulares ditariedade. Podemos ter certeza que, quando das plantas. Assim, foi necessrio muito trabalho Robert Hooke sentou-se frente de seu micros- e imaginao arrojada at tornar bvio que o concpio, ele no estava interessado em descobrir ceito de clula podia ser aplicado com sucesso os mistrios da herana. No havia maior razo aos animais. Isso foi conseguido principalmente para acreditar que as clulas tivessem algo a ver por Theodor Schwann (1810-1882) em sua com a hereditariedade do que, por exemplo, as monografia de 1839, publicada quando ele tinha cerdas que ele descreveu em detalhe sobre o 29 anos de idade. Algumas de suas ilustraes esto reproduzidas na figura 2. corpo de uma pulga. 15

Schwann enfatizou a grande diferena entre as clulas das plantas e o que ele acreditava serem as clulas dos animais, mas sugeriu que elas representavam fundamentalmente a mesma coisa. Por que chamar todas essas estruturas to diversas de clulas?

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Procure examinar fotomicrografias de diversos tipos de clulas de plantas e especialmente de animais, ou melhor, caso tenha oportunidade, obI serve preparaes citolgicas H desses tipos no microscpio. G Como possvel dizer que crebro, msculos, rins, pulmes, sangue, cartilagens, ossos, parede intestinal etc. Figura 2. Algumas das ilustraes apresentadas por Schwann em sua monoso feitos de um mesmo tipo grafia de 1839: A.) clulas de cebola; B.) de notocorda de um peixe; C.) de cartilagem de r; D.) de cartilagem de girino; E.) de msculo de feto de de elemento? J que essas porco; F.) de embrio de porco; G.) de gnglio de r; H.) de um vaso estruturas so obviamente to capilar da cauda de girino; I.) de embrio de porco. Note que o ncleo e os diferentes, por que afirmar nuclolos esto mostrados em quase todas as clulas. que elas so constitudas pelos mesmos tipos de elementos? Qual seria a vantagem em se afirmar que as mais importante do que a origem de clulas altaclulas animais correspondiam quelas mente diferenciadas a partir de clulas simples. estruturas com aspecto to diferente presentes Apenas seis anos antes, em 1833, Robert Brown nas plantas? (1773 - 1858), o mesmo que descreveu o posteSchwann nos fornece a resposta, Se, no riormente denominado movimento Browniano, entanto, analisarmos o desenvolvimento desses havia descrito a presena de uma aurola circular, tecidos, ento parece que todas essas diversas ou ncleo, em clulas de orqudeas e de muitos formas de tecidos so constitudas apenas por outros tipos de plantas. Antes dele, outros observaclulas e so anlogas s clulas das plantas ... dores j haviam visto e desenhado essas estruturas O objetivo do presente tratado provar essa idia em suas publicaes, mas no atriburam nenhuma por meio da observao. importncia a elas. Brown verificou que muitos tipos Isto , apesar da grande diversidade, todas as de clula continham ncleo mas no especulou sobre estruturas que Schwann propunha chamar de seu significado. clulas tinham em comum a caracterstica de se Schwann ento mudou as regras para definir desenvolverem a partir de estruturas muito mais clula. Ao invs de se basear na forma, que nas simples que podiam ser melhor comparadas com plantas correspondia estrutura da parede, ele as clulas das plantas. Mas, como se poderia escolheu como base para a definio, a presena definir clula? de um ncleo. Se um neurnio e um leuccito so clulas, eles Embora Schwann fosse um observador cuidadevem ter algo em comum para serem reunidos doso, sua principal contribuio no foi o que em uma mesma categoria. Schwann encontrou ele viu mas como ele interpretou as observaes. um critrio: a presena de ncleo, que ele achava Seus antecessores haviam enfatizado as caixas; 16

Schwann deu nfase ao que estava dentro das caixas. Para ele a clula animal era uma poro de matria viva envolta por uma membrana e contendo um ncleo, enquanto que as clulas vegetais eram ainda envoltas por uma parede. O que essa nova viso de clula tem a ver com hereditariedade? Muito pouco, tem que se admitir. Seriam necessrias outras duas informaes antes que as clulas pudessem ser consideradas importantes para a hereditariedade: a descoberta de que os gametas so clulas e o reconhecimento de que clulas s se originam de clulas pr-existentes. O reconhecimento dos gametas como clulas Schwann reconheceu os vulos como clulas, uma vez que eles apresentavam a estrutura requerida por sua definio de clula o ncleo. A natureza do espermatozide era menos clara. Seu nome, que significa animais do esperma, indicava essa incerteza. Em 1667, Antonie van Leeuwenhoek havia descoberto e comunicado Royal Society de Londres que o fluido seminal continha criaturas microscpicas que ele imaginou que entrassem no vulo causando sua fertilizao. Essa hiptese foi muito contestada e alguns cientistas imaginaram que os espermatozides fossem parasitas. Na dcima segunda edio do livro Systema Naturae (1766 - 1768), Linnaeus tentou classificar os animais encontrados no esperma por Leeuwenhoek, mas concluiu que a determinao de seu lugar correto no sistema de classificao deveria ser deixado para quando eles tivessem sido mais pesquisados. Cerca de um sculo mais tarde, em 1784, Spallanzani realizou importantes experimentos com o objetivo de determinar a funo do smen na reproduo de rs. Durante o acasalamento, os machos abraam as fmeas e, como sabemos atualmente, depositam esperma sobre os vulos medida que estes saem pela abertura cloacal. De incio, Spallanzani no sabia disso, foi ele quem descobriu. Um outro pesquisador com quem ele se correspondia havia tentado, sem muito sucesso, descobrir o papel das rs machos vestindo-as com calas. Spallanzani repetiu esse experimento e verificou que, quando o smen ficava retido nas calas, os ovos no se desenvolviam. No entanto, se os ovos fossem colocados em contato com o smen retirado das calas, em um processo de fecundao artificial, eles passavam a se desenvolver. Em um outro experi17

mento, Spallanzani filtrou o smen e verificou que, com isso, ele perdia seu poder fecundante. Ele observou o que hoje chamamos de espermatozides, mas no os considerou essenciais para a reproduo. Foi somente em 1854 que George Newport, usando rs, forneceu boas evidncias de que os espermatozides entram no vulo durante a fecundao (Nesse caso, como em muitos outros, difcil dar crdito ao cientista que descobriu um importante fenmeno biolgico. Afinal, o descobridor do espermatozide, Leeuwenhoek, havia pensado que o espermatozide era o agente da fertilizao. Outros antecessores de Newport eram da mesma opinio, mas foi Newport quem fez as primeiras observaes convincentes. Em 1841, Klliker estudou a histologia dos testculos verificando que algumas das clulas testiculares eram convertidas em espermatozides. Os espermatozides tinham uma aparncia to estranha que no eram considerados clulas. No entanto, quando se pde demonstrar que eles se originavam de clulas tpicas, sua verdadeira natureza tornou-se evidente. Os espermatozides passaram ento a ser considerados como clulas altamente modificadas. Vejamos o que se pode concluir dessa anlise: 1. Os gametas so a nica ligao fsica entre as geraes, pelo menos em muitos organismos e possivelmente em todos. 2. Portanto, os gametas devem conter toda a informao hereditria. 3. Uma vez que vulos e espermatozides so clulas, toda informao hereditria precisa estar contida nestas clulas sexuais. Portanto, a base fsica da herana so as clulas sexuais. Isto no permite concluir que todas as clulas contenham informao hereditria. Poderamos ainda pensar que os gametas so clulas especializadas onde os fatores responsveis pela herana, talvez as gmulas, entram. Ns ainda necessitamos de uma segunda informao: Qual a origem das clulas?Omnis cellula e cellula

A diviso celular foi observada em 1835, mas, nessa poca, no se concluiu que fosse um fenmeno geral. Schwann, por exemplo, acreditava que as clulas podiam surgir espontaneamente por aglutinao de substncias amorfas. Essa hiptese assumia que a origem das clulas um evento episdico no

ciclo de vida dos organismos. Se isso fosse verdade, a unidade da hereditariedade seria o organismo todo e no a clula. A hiptese de Schwann sobre a origem das clulas foi logo rejeitada, uma vez que a diviso celular estava sendo observada com freqncia em uma variedade de organismos e em diferentes pocas do desenvolvimento. Mais e mais investigadores comeavam a suspeitar que a diviso celular era o nico mecanismo para a produo de novas clulas. Essa foi uma hiptese muitssimo difcil de se provar acima de qualquer suspeita. Os microscpios e as tcnicas para se estudar as clulas, no comeo do sculo XIX, eram muito inadequados e foi preciso muita observao em diferentes tipos de organismos e de tecidos antes que Rudolph Virchow pudesse, em 1855, cunhar sua famosa frase omnis cellula e cellula (toda clula vem de clula) e que ela fosse amplamente aceita. Em uma conferncia proferida em 1858 ele apresentou a idia de que uma clula s surge de outra clula pr-existente. claro que nem todos concordaram com a idia de Virchow de que todas as clulas e todos os organismos originavam-se de clulas e de organismos pr-existentes. Muitos pesquisadores continuavam a acreditar que clulas podiam se originar de novo e apresentavam o que pareciam ser observaes acuradas para provar isso. Alguns acreditavam at mesmo que organismos completos podiam se originar de novo. Pasteur e a aceitao geral de que gerao espontnea no pode ocorrer ainda estavam no futuro. Mesmo assim, as duas hipteses apoiadas por Virchow foram testadas em um nmero crescente de pesquisas e, gradualmente, elas se estabeleceram como uma verdade acima de qualquer suspeita. No restando, portanto, dvida alguma de que a hereditariedade est baseada na continuidade celular, podemos trabalhar agora com a hiptese de que toda informao hereditria est contida no apenas nas clulas germinativas mas tambm, muito provavelmente, nas clulas a partir das quais elas se formam e em todas elas at o zigoto. Igualmente possvel a hiptese de que todas as clulas contenham a informao hereditria necessria para o desenvolvimento do indivduo e sua transmisso, via clulas sexuais, para a gerao seguinte.

O DESENVOLVIMENTO TECNOLGICO E A CITOLOGIADurante a maior parte da histria da humanidade as pessoas se basearam quase que inteiramente em seus rgos dos sentidos para obter informaes sobre o ambiente. Cada um de nossos rgos sensoriais detecta apenas uma pequena poro da ampla gama de estmulos possveis. Nossos olhos, por exemplo, s conseguem responder poro do espectro eletromagntico entre o violeta e o vermelho de modo que s conseguimos ver os comprimentos de onda entre essas duas cores. Para detectar comprimentos de onda menores, como luz ultra-violeta, raiosX e raios csmicos, ou comprimentos de onda maiores, como luz infra-vermelha e ondas de rdio, precisamos utilizar instrumentos especiais. A olho nu no conseguimos visualizar em detalhe nem mesmo objetos em movimentao rpida. As lminas de um ventilador em movimento rpido so vistas como um crculo contnuo e uma bala que sai de um rifle totalmente invisvel para ns. Tambm no conseguimos ver objetos muito pequenos. A aparente uniformidade de uma ilustrao com meios-tons resulta do fato de os pontos individuais estarem to juntos que o olho humano no consegue distinguilos. Os faris de um automvel aparecem como um nico ponto de luz at uma certa distncia; medida que o automvel se aproxima, somos capazes de resolver o ponto nico de luz em dois. O poder de resoluo do olho humano, ou seja, sua capacidade de distinguir dois pontos muito prximos, da ordem de 100 micrmetros a uma distncia normal de leitura; a maioria das pessoas com viso normal distingue dois objetos separados por um espao de um milmetro a uma distncia de 10 metros. Uma afirmao mais geral que o olho humano pode distinguir dois objetos separados por um arco de 1 minuto. Esse valor foi determinado por Robert Hooke que estava preocupado em saber qual seria a menor distncia entre duas estrelas para que elas fossem vistas como dois objetos separados. Quando elas estavam a uma distncia menor do que um arco de 1 minuto, a maioria das pessoas as via como um nico ponto de luz. Algumas pessoas podem ver melhor do que isso, mas o poder mximo de resoluo de nosso olho de 26 segundos de arco.

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Quase todas as clulas so muito pequenas para serem vistas a olho nu, de modo que a Citologia no foi possvel, nem mesmo teoricamente, antes da inveno do microscpio o que ocorreu provavelmente na ltima dcada do sculo XVI. Um tempo relativamente longo se passou entre essa inveno e 1663, quando Hooke fez a demonstrao daqueles pedaos de cortia para os membros da Royal Society. Na verdade, foram poucos os trabalhos srios e contnuos com microscpios antes do sculo XIX. Durante a maior parte de sua histria, os microscpios no passaram de brinquedos de adultos. O pequeno tamanho das clulas no o nico problema que dificulta seu estudo. A maioria dos animais e de seus tecidos opaca e, uma vez que a observao atravs do microscpio composto mais efetiva quando os objetos so iluminados com luz transmitida, o objeto a ser estudado precisa ser muito fino ou cortado em fatias bem finas de modo que a luz possa atravess-lo. Imagine tentar cortar fgado, por exemplo, em fatias com cerca de 10 micrmetros de espessura, para que fosse possvel estud-lo no microscpio. Alm da quase impossibilidade de se fazer isso, as clulas hepticas, constitudas principalmente de gua, iriam secar rapidamente, tornando-se uma massa enrugada. Esse um problema especial com as clulas animais que no possuem uma parede de suporte como as clulas das plantas. Mtodos muito especiais tiveram que ser desenvolvidos pelos microscopistas do incio do sculo XIX quando eles quiseram aprender sobre a natureza celular dos organismos e, mais tarde, sobre a estrutura interna das prprias clulas. Tornou-se uma prtica comum tentar preservar os tecidos de tal maneira que a estrutura de suas clulas permanecesse intacta e que eles pudessem ser cortados em fatias finssimas. O primeiro passo foi a fixao. Ela consistia em tratar o material com lcool, com formaldedo, ou com solues de cido pcrico, de bicromato de potssio, de cloreto de mercrio ou de tetrxido de smio. Essas substncias matam e endurecem as clulas, em geral, por coagular suas protenas. Esperava-se, claro, que isso acontecesse de tal forma que as partes das clulas continuassem a guardar uma certa semelhana com as da clula viva. O tecido fixado podia ento ser embebido em parafina para ganhar sustentao e ser fatiado com

lminas cortantes ou em um instrumento construdo para essa finalidade o micrtomo. Mesmo essas fatias finssimas podiam revelar muito pouco; as clulas e seus contedos internos eram indistinguveis. Mas aqueles microscopistas inventivos tentavam de tudo e logo descobriram que alguns corantes tingiam certas partes das clulas mas no outras. Em 1858, Gerlach descobriu que uma soluo diluda de carmim corava mais intensamente o ncleo do que o citoplasma das clulas. Essa substncia era obtida dos corpos secos da fmea de um inseto (Coccus cacti), conhecido popularmente como cochonilha-do-carmim, que vive em cactos na Amrica Central e sudoeste dos Estados Unidos. Em 1865, Bhmer descobriu que a hematoxilina, extrada do tronco de uma rvore (Haematoxylon campechianum) da Amrica Central, tambm tinha maior afinidade pelo ncleo do que pelo citoplasma. Mais tarde foi sintetizada uma grande variedade de anilinas para a indstria txtil e, entre 1875 e 1880, muitas delas mostraram-se teis para corar clulas. Uma dessas anilinas era a eosina, que mostrou ter uma grande afinidade por protenas citoplasmticas. Um procedimento de colorao citolgica corriqueiro at hoje usa hematoxilina e eosina (HE) e cora o ncleo em azul e o citoplasma em laranja. Da mesma forma, houve melhoria dos microscpios disponveis para pesquisas citolgicas, principalmente no final do sculo XIX. Muitas delas foram introduzidas por Ernst Abbe (1840-1905) e pela indstria ptica Zeiss em Jena, na Alemanha. Abbe foi, durante a maior parte de sua vida, professor de Fsica na Universidade em Jena e o principal projetista de lentes da companhia Zeiss, da qual se tornou dono. Em 1878, ele desenvolveu a objetiva de imerso em leo e, em 1886, a objetiva apocromtica. Essas melhorias nas mos de um microscopista habilidoso tornava possvel a obteno de ampliaes de at 2500 vezes. O microscpio fotnico estava chegando ao limite de seu poder de resoluo terico. Esse limite imposto pela prpria natureza da luz; isto , dois objetos s podem ser resolvidos se a distncia entre eles for, pelo menos, igual metade do comprimento da onda utilizado. Oportunidades adicionais para se estudar a estrutura fina das clulas estavam ainda para vir com a inveno do microscpio de contraste-defase e do microscpio eletrnico, no sculo XX. 19

Veremos a seguir como os microscopistas do ltimo tero do sculo XIX foram capazes de usar a tecnologia disponvel na poca e estabelecer, como uma hiptese altamente provvel, que a base fsica da hereditariedade est no ncleo da clula, ou mais especificamente nos cromossomos. No devemos ficar imaginando que esses investigadores no faziam outra coisa seno examinar clulas vivas e fixadas com o melhor equipamento ptico disponvel, descrevendo do modo mais preciso o que viam. Um problema constante era se uma dada estrutura observada em uma preparao citolgica refletia ou no algo presente na clula viva, ou se era um simples artefato resultante do drstico tratamento a que as clulas eram submetidas para poderem ser observadas no microscpio. Uma preparao citolgica realmente reflete a estrutura de uma clula viva? A resposta No muito; mas se o tratamento produz sempre o mesmo resultado possvel imaginar como eram as preparaes quando vivas. Apesar disso, nenhuma descoberta importante em Citologia no sculo XIX foi aceita de imediato. As observaes eram repetidas e as concluses originais confirmadas por uns e contestadas com veemncia por outros. Uma interpretao errada podia fazer com que muitos citologistas perdessem meses na tentativa de repetir as observaes. Aconteciam debates interminveis sobre a estrutura fina do protoplasma uma vez que, como era admitido, estava-se olhando para a base fundamental da vida. Muitos citologistas acreditavam que o protoplasma fosse granular, ou um retculo fibroso, ou alveolar (composto de gotas) ou alguma combinao disso. A Citologia como um caminho para o conhecimento, especialmente no sculo XIX, nos mostra que a cincia no progride de maneira ordenada mas por meio de testes e retestes constantes das observaes, dos experimentos e das hipteses. Longe de ser uma linha direta em direo verdade, esse caminho assemelha-se mais quele retculo que alguns viam como a estrutura bsica do protoplasma. (Devemos ressaltar que o termo protoplasma raramente utilizado nos dias de hoje. Uma vez que ele significa nada mais do que substncia viva, Hardin [1956] sugeriu que poderamos passar sem ele.)

O QUE EXISTE NAS CLULAS?Durante a ltima metade do sculo XIX, a hiptese de que os animais e plantas so compostos somente de clulas e produtos celulares estava estabelecida como uma verdade acima de qualquer suspeita nas mentes da maioria dos microscopistas competentes. Ns podemos falar, ento, da teoria celular, usando o termo teoria como um corpo completo de dados, hipteses e conceitos relativos a um importante fenmeno natural. At hoje a teoria celular o mais importante conceito relacionado com a estrutura de animais e plantas e no sculo XX ele foi sendo gradualmente aceito tambm como o mais importante conceito relativo ao funcionamento dos organismos. Essa enorme importncia da teoria celular decorre do fato de ela estabelecer que as clulas so as unidades bsicas de estrutura e funo, que elas so as menores unidades capazes de ter vida independente, isto , so capazes de usar substncias obtidas do meio para manter e produzir o estado vivo. A clula o denominador comum da vida. Existia uma outra razo importante para se estudar as clulas: a anlise dos nveis mais simples de organizao contribuem para o entendimento dos nveis mais complexos. As interaes das substncias qumicas so melhor entendidas quando se conhece sua estrutura molecular. Os movimentos do corpo humano podem ser estudados em muitos nveis. Pode-se observar e descrever os complexos movimentos de um bailarino ou de um arremessador de beisebol. A compreenso aumenta quando se obtm informaes sobre os diversos msculos e seus locais de ligao, que tornam os movimentos possveis. Outros tipos de entendimento surgem quando se estuda os msculos no nvel molecular. E, finalmente, mais informaes ainda so obtidas quando se aprende sobre a atividade da miosina, da actina e de outras molculas que participam da movimentao dos msculos. O conhecimento obtido em cada nvel de organizao contribui para um entendimento do fenmeno como um todo, enquanto cada nvel mantm seu prprio valor. Entender a arte de um bailarino ou de um esportista meramente com o

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conhecimento sobre actina e miosina seria to impossvel quanto predizer as propriedades da gua a partir do conhecimento sobre os elementos hidrognio e oxignio. No entanto, pode-se conhecer melhor os nveis mais complexos se conhecermos os mais simples. Assim, os bilogos do sculo XX j pensavam que poderiam saber mais sobre a vida se conhecessem melhor as clulas. Quando examinavam as clulas, aqueles citologistas pioneiros encontravam todo tipo de esferas, de grnulos e de fibras. Como seria possvel determinar qual dessas estruturas teria um papel na hereditariedade? Ou melhor, como seria possvel determinar a funo de qualquer estrutura presente nas clulas? Essa uma questo difcil e os citologistas daquela poca no conseguiam respond-la. Eles no podiam fazer outra coisa seno investigar as clulas de modo aleatrio. Este foi um estgio necessrio no desenvolvimento da Citologia a identificao de estruturas nas clulas e, quando possvel, descobrir alguma coisa sobre seu comportamento. Aparentemente se pesquisavam clulas de todo animal e planta disponvel procura de exemplos de estruturas celulares e, um a um, todos os reagentes disponveis nas estantes dos qumicos foram colocados sobre as clulas e suas conseqncias observadas em geral matavam as clulas. Esse perodo da Citologia foi de procura e destruio. O ncleo efmero Como mencionado anteriormente, as dificuldades em se analisar clulas vivas fizeram das preparaes fixadas e coradas o material ideal de estudo. Nesse tipo de preparao, a estrutura mais proeminente o ncleo descrito por Brown. Muitos corantes, especialmente os corantes bsicos como o carmim e a hematoxilina, coravam o ncleo profundamente; isto, juntamente com a aparente presena universal do ncleo, sugeria que ele tivesse um papel importante. Mas qual seria a origem do ncleo da clula? Levou mais de meio sculo de observaes e experimentaes por parte de numerosos pesquisadores para que essa questo fosse respondida. Em 1835, Valentin sugeriu que o ncleo seria formado pela precipitao de substncias no interior da clula. Trs anos mais tarde, Schleiden e, em seguida, Schwann tambm sugeriram que o ncleo podia se originar de novo. At por volta 21

de 1870, alguns pesquisadores famosos acreditavam que pelo menos alguns ncleos podiam ter uma origem no-nuclear. Nessa mesma poca, outros pesquisadores igualmente competentes estavam clamando que todos os ncleos surgiam de ncleos prexistentes. Diversos processos foram sugeridos em geral alguma forma de partio em dois ou fragmentao, um mecanismo que mais tarde foi denominado amitose. No havia nenhuma razo, claro, porque os ncleos teriam de surgir por apenas um tipo de mecanismo. Considerando a enorme variedade de fenmenos naturais, no seria surpresa se houvesse diversas maneiras de surgimento de ncleos. No entanto, os cientistas procuram regularidades na natureza e seria mais satisfatrio intelectualmente se houvesse um mecanismo constante para a origem do ncleo.

A DESCOBERTA

DA DIVISO

CELULAR

Em 1873, A. Schneider publicou o que agora pode ser tomado como a primeira descrio razovel das complexas alteraes nucleares, hoje chamadas de mitose, que ocorrem durante a diviso da clula. Neste ano, Otto Btschi e Hermann Fol fizeram descries semelhantes. A descrio de Schneider foi a mais completa; seu objetivo era descrever a morfologia de Mesostoma sp., um platelminto. Quase todo seu trabalho dedicado estrutura desse verme mas, sendo um observador cuidadoso, ele descreveu tudo o que viu. A fertilizao em Mesostoma sp. interna e o incio do desenvolvimento ocorre em um tero. As ilustraes do que ele viu esto mostradas na figura 3. Os primeiros desenhos mostram o ovo rodeado por clulas foliculares. Na regio bem central est o pequeno ncleo com seu pequeno nuclolo. As estruturas espirais so espermatozides. O ovo a rea clara central da ilustrao e os glbulos menores ao seu redor so as clulas foliculares, que no foram representadas nos desenhos seguintes. Pouco antes da clula se dividir o limite do ncleo se torna indistinto. Schneider, no entanto, verificou que com a adio de um pouco de cido actico ele se tornava visvel, apesar de dobrado e enrugado. Mais tarde o nuclolo desaparecia e tudo o que restava do ncleo era uma rea clara na regio central da clula.

Figura 3. Ilustraes de Schneider (1873) das alteraes nucleares durante a clivagem do ovo de Mesostoma. esquerda, desenho de um ovo (zona clara central, onde se v o ncleo com um nuclolo) rodeado por clulas foliculares. As outras figuras mostram os filamentos, hoje chamados de cromossomos, e seus movimentos durante a diviso da clula.

No entanto, o tratamento com cido actico mostrava uma massa de filamentos delicados e curvos. O segundo desenho mostra esses filamentos, os cromossomos (um termo que s seria proposto em 1888, por Waldeyer) alinhados em uma placa equatorial. A quantidade de filamentos parecia

aumentar e quando a clula se dividia eles iam para as clulas-filhas. O que algum faria com essas observaes? A resposta est longe de ser clara. Se no era possvel ver os filamentos nas clulas vivas e, se eles apareciam repentinamente quando as clulas

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F 22

Figura 4. Ilustraes de Flemming de mitoses em clulas fixadas e coradas de embrio de salamandra. A.) Duas clulas em intrfase: no existem cromossomos visveis. B.) Clula em prfase: os nuclolos j desapareceram, mas a membrana nuclear continua intacta; o citoplasma no est mostrado. C.) Clula em incio de metfase: a membrana nuclear desapareceu e os centrossomos se separaram. D.) Uma preparao de excelente qualidade, onde se v os cromossomos metafsicos duplos, isto , compostos por duas cromtides. E.) As cromtides se separam e se movem para os plos do fuso. F.) Clula em final de diviso com os cromossomos dos ncleosfilhos sendo envolvidos pela membrana nuclear. (Flemming, 1882)

Figura 5. Ilustraes de Flemming de mitose em clulas vivas de larva de salamandra. Os desenhos esto organizados em seqncia, comeando com a prfase, no canto superior esquerda, e terminando com duas clulas, na fileira inferior. Os dois ltimos desenhos mostram os cromossomos vistos do plo da clula e uma telfase em vista lateral, respectivamente. O desenho mais direita na segunda fileira mostra que os cromossomos esto duplos. (Flemming, 1882)

eram tratadas com cido actico, no seria razovel pensar que eles fossem um artefato? No entanto, o fato de os filamentos serem observados repetidamente, e de eles parecerem sofrer estranhos movimentos, sugeria que j estivessem presentes na clula viva, numa forma invisvel. Flemming teve sucesso em determinar que os eventos nucleares observados na clula em diviso em materiais fixados e corados tinham sua contrapartida na clula viva. Apesar de no ter descoberto a mitose, devemos a ele mais do que a qualquer outro o conceito de mitose que temos hoje; apenas detalhes do processo foram adicionados sua descrio. (Fig. 4 e 5) O sucesso de Flemming foi conseguido graas a alguns fatores: material que ele selecionou para seu estudo; ter sido cuidadoso em procurar nas clulas vivas as estruturas observadas nas clulas fixadas e coradas; ter sua disposio microsc23

pios muito melhores do que os existentes anteriormente. O uso de clulas vivas, alm de dar a confiana de que o observado era real e no artefato, permitiu tambm determinar a seqncia dos eventos. As fases da mitose Costuma-se dizer que um ncleo que no est sofrendo diviso encontra-se em repouso. Esse um termo infeliz pois sugere inatividade e hoje ns sabemos que a maior atividade fisiolgica do ncleo acontece durante esse perodo. Flemming no viu cromossomos nos ncleos em repouso de clulas vivas. Esses ncleos pareciam no ter nenhuma estrutura interna. Quando essas clulas eram fixadas e coradas via-se que seus ncleos continham uma rede densa com grande afinidade por certos corantes, alm de um ou dois grnulos esfricos, os nuclolos.

Mudanas no ncleo so as primeiras evidncias que a mitose est a caminho. No ncleo vivo, aparentemente desprovido de estruturas, aparecem longos e delicados fios. Quando eles podem ser vistos, o comeo da prfase. (A mitose um processo contnuo; ela dividida em fases pelos citologistas apenas com o intuito de facilitar sua descrio.) Esses fios se condensam em cromossomos que se posicionam no meio da clula na metfase, poca em que a membrana nuclear j desapareceu. Em clulas coradas podese ver que os cromossomos esto presos a um elaborada estrutura fibrosa o fuso. Clulas coradas podem mostrar tambm a presena de minsculos grnulos nas extremidades do fuso os centrolos. Elas podem mostrar tambm um outro conjunto de fibras, os raios astrais, que irradiam dos centrolos. Durante a anfase das clulas vivas, os cromossomos se separam em dois grupos que se movem atravs do fuso para plos opostos da clula. Quando os cromossomos atingem as extremidades do fuso, a telfase. Os cromossomos nas clulas vivas se tornam cada vez menos distintos e a membrana nuclear se refaz. O ncleo est de novo em repouso. O que se pode concluir desse processo? bvio que todas as estruturas celulares precisam ser reproduzidas para que as clulasfilhas sejam idnticas clula-me. Flemming foi capaz de explicar como isso acontece para os cromossomos. Se os cromossomos de uma clula vo ser divididos igualmente entre as clulasfilhas, eles precisam dobrar em nmero em algum estgio do ciclo celular. Flemming observou que, quando os cromossomos aparecem pela primeira vez no incio da prfase eles j esto duplos; assim, em algum momento entre seu desaparecimento na telfase e seu reaparecimento na prfase, cada cromossomo deve ter se duplicado. Hoje, claro, ns consideramos os cromossomos como estruturas permanentes nas clulas mesmo sendo eles visveis apenas na mitose. Ns tambm reconhecemos a individualidade dos cromossomos, isto , que eles existem em geral em pares homlogos, cada par contendo um conjunto especfico de genes. Essas concluses poderiam ter sido tiradas a partir das observaes de Flemming? Na verdade no. E as hipteses a seguir, poderiam ser refutadas? Voc poderia argumentar o seguinte: como o processo mittico assegura que cada clula-filha

receba seu lote de cromossomos isto deve indicar, sem muita dvida, que um mecanismo to elaborado e preciso para duplicao e distribuio de importncia fundamental. E o que pode ser mais importante do que assegurar que os elementos controladores da hereditariedade e da vida de cada clula cheguem at elas? Mas algum pode responder que, sendo as clulas-filhas idnticas clula-me, todos os produtos celulares so reproduzidos. Pode-se argumentar que mero acidente que o processo de reproduo e distribuio seja mais facilmente observado nos cromossomos. No existe razo, portanto, para no assumirmos que cromossomos, membranas celulares e todos aqueles grnulos e glbulos observados no citoplasma possam ter igual chance de estarem envolvidos na hereditariedade.

A

DESCOBERTA DA MEIOSE

Flemming e muitos outros citologistas seus contemporneos estavam considerando que as divises mitticas do ncleo aconteciam em toda diviso celular. A reunio de inmeras observaes em clulas de um grande nmero de espcies de plantas e animais permitia que se fizesse esta afirmao geral. Note que isso um bom exemplo de induo. Ns podemos agora usar essa afirmao geral como uma hiptese a ser testada. Isto , ns podemos partir para um raciocnio dedutivo. Por exemplo: se a hiptese de que o ncleo sempre divide por mitose for verdadeira, ento o nmero de cromossomos deve dobrar a cada gerao. Isso seria inevitvel. Como os ncleos do vulo e do espermatozide se unem na fertilizao, caso eles se formassem por mitose, o zigoto deveria ter duas vezes o nmero de cromossomos de seus genitores. Mas isso no acontece: Flemming e outros citologistas estavam cientes de que o nmero de cromossomos parecia ser o mesmo em todos os indivduos e em todas as geraes de uma espcie. Obviamente existe um problema com essa hiptese. Deveria haver algum mecanismo que reduziria o nmero de cromossomos antes ou durante a fertilizao. Seria possvel supor que, quando os ncleos do vulo e do espermatozide se fundiam na fertilizao, os cromossomos tambm se fundiriam uns com os outros, sendo que metade de cada um deles seria destruda. Uma 24

Fig. 33

Fig. 36

Fig. 42

Fig. 43

Fig. 45

Fig. 46

Figura 6. Ilustraes da meiose em fmea de Ascaris. Anteriormente s etapas mostradas nos desenhos, os cromossomos haviam se duplicado e se emparelhado, formando duas ttrades. Estas se separaram na primeira diviso meitica e duas dades foram para o primeiro corpsculo polar, enquanto que as outras duas permaneceram nos vulos. Isto mostrado no desenho 33 de Boveri. No desenho 36, as dades esto em rotao antes da sua separao na segunda diviso meitica. O segundo corpsculo polar pode ser visto na posio correspondente das duas horas. Os desenhos 42 e 43 mostram as dades se separando. No desenho 45, a segunda diviso j terminou e o segundo corpsculo polar com seus dois cromossomos aparece na superfcie do vulo; o primeiro corpsculo polar est acima dele. Os dois cromossomos no vulo esto para formar o pr-ncleo feminino. O desenho 46 mostra o primeiro corpsculo polar na posio correspondente das 3 horas, o segundo corpsculo polar na superfcie do vulo, na posio correspondente das 12 horas, o pr- ncleo.

hiptese alternativa que ocorresse reduo do est contida no ncleo das clulas germinativas, nmero de cromossomos durante a formao dos no filamento enovelado no interior do ncleo [alguns citologistas pensavam que os vulos e dos espermatozides nas gnadas. cromossomos formavam um fio contnuo ou O significado dos corpsculos polares. espirema durante a interfase], que em certos Vrios pesquisadores tinham descrito, em perodos aparece na forma de alas ou barras diversas espcies animais, a eliminao de mins- [estes eram os cromossomos nos estgios culas esferas na regio do plo animal do vulo, mitticos]. Ns podemos, alm disso, considerar por ocasio da fertilizao. Essas esferas logo que a fertilizao consiste no fato de um nmero desapareciam e, como pareciam no ter funo igual de alas [cromossomos] de cada genitor alguma, foram denominadas corpsculos polares. ser colocado lado a lado, e que o ncleo do zigoto Observou-se tambm que na partenognese for- composto desta maneira. No que diz respeito a mava-se um nico corpsculo polar, mas que nos esta questo, no tem importncia se as alas vulos fertilizados eles sempre pareciam ser dois. [cromossomos] dos dois pais se misturam mais Em algumas espcies, um corpsculo era formado cedo ou mais tarde ou se permanecem separadas. antes da fertilizao e um segundo, depois da A nica concluso essencial necessria nossa entrada do espermatozide. Em outras espcies, hiptese que a quantidade de substncia os dois corpsculos polares eram formados aps hereditria fornecida por cada um dos genitores seja igual ou aproximadamente igual entre si. a fertilizao. (Fig. 6) Em 1887, August Weismann props uma Se for assim, as clulas germinativas dos hiptese para explicar a constncia da quanti- descendentes contero os germoplasmas de amdade de material hereditrio de uma gerao bos os pais unidos, isso implica que tais clulas para outra. Com base na observao de muitos s podem conter metade do germoplasma citologistas, ele diz: pelo menos um certo paterno, como estava contido nas clulas gerresultado sugere que exista uma substncia minativas do pai, e metade do germoplasma hereditria, um material portador de materno, como estava contido nas clulas tendncias hereditrias, e que esta substncia germinativas da me. 25

Weismann acreditava que a reduo metade do material hereditrio da me, necessria sua hiptese, ocorria quando o segundo corpsculo polar era formado. Diz ele: Minha opinio sobre o significado do segundo corpsculo polar , em poucas palavras, esta: a reduo do germoplasma acontece na sua formao, uma reduo no s em quantidade, mas sobretudo na complexidade de sua constituio. Por meio da segunda diviso nuclear, evita-se o acmulo de diferentes tipos de tendncias hereditrias ou germoplasmas que, sem isso, seria necessariamente produzido em excesso pela fertilizao. Com o ncleo do segundo corpsculo polar so removidos do vulo tantos tipos diferentes de idioplasmas [um termo usado na poca para designar o material hereditrio] quantos sero posteriormente introduzidos pelo ncleo do espermatozide; assim, a segunda diviso do ncleo do vulo serve para manter constante o nmero de diferentes tipos de idioplasmas, que compem o germoplasma durante o curso das geraes. E, se a constncia mantida de gerao a gerao, Weismann supe que um processo similar precisaria ocorrer no macho. Ele diz: Se o nmero de germoplasmas ancestrais contido no ncleo do vulo destinado para a fertilizao deve ser reduzido metade, no pode haver dvida que uma reduo semelhante tambm deve ocorrer, em alguma poca e de alguma maneira, nos germoplasmas das clulas germinativas do macho. Na poca em que essas surpreendentes predies foram feitas (surpreendentes porque se mostraram essencialmente corretas) os citologistas estavam encontrando evidncias que as apoiavam. A observao mais importante estava sendo feita no verme nematide Ascaris, que tem a grande vantagem de possuir poucos cromossomos e de grande tamanho, o que os torna fceis de serem estudados. Meiose na fmea de Ascaris Na penltima dcada do sculo XIX, foram feitas importantes contribuies para o entendimento da formao dos gametas e da fertilizao. Trs citologistas merecem referncia especial: Edouard van Beneden (1846-1912), Theodor Boveri (1862-1915) e Oskar Hertwig (18491922). Eles descobriram que ocorrem duas

divises celulares diferentes durante a formao dos gametas, as quais resultam na reduo do nmero de cromossomos metade como Weismann previu que deveria acontecer. Estas duas divises so divises mitticas modificadas e foram denominadas divises meiticas os nomes so to parecidos que continuam a causar problema para os estudantes at hoje. Na descrio que se segue, utilizaremos a terminologia moderna. O ovrio de Ascaris comea a se formar no incio do desenvolvimento e o extraordinrio aumento no nmero de suas clulas conseqncia de divises mitticas. Cada ncleo tem quatro cromossomos, o nmero diplide, e pode-se notar que cada cromossomo aparece duplo j no incio da prfase. Nessa fase, eles esto formados por duas cromtides, indicando que eles se duplicaram antes do incio da diviso. Na mitose, as oito cromtides so divididas entre as duas clulasfilhas, o que resulta em quatro cromossomos em cada uma delas. medida que a fmea de Ascaris amadurece, seu ovrio passa a conter clulas aumentadas, as ovognias, ainda com o nmero diplide de cromossomos. A clula reprodutiva feminina permanece diplide at ser libertada do ovrio e penetrada pelo espermatozide. somente ento que a meiose comea e os corpsculos polares so formados. A figura 6 (de Boveri, 1887) mostra o que acontece. No comeo da meiose, cada um dos quatro longos cromossomos da ovognia encurta e toma o aspecto de uma pequena esfera. Estes quatro cromossomos ento se juntam em pares, um processo conhecido como sinapse. Quando isso ocorre, cada um dos cromossomos j est duplicado, pois a duplicao ocorreu na intrfase precedente. Assim, a clula em incio de meiose ter dois grupos com quatro cromtides cada. Cada um desses grupos denominado ttrade. As ttrades se separam em uma diviso celular altamente desigual que resulta em um pequeno corpsculo polar e uma clula grande, o futuro vulo. Cada uma dessas duas clulas contm dois cromossomos duplicados. Portanto, cada ttrade foi dividida em duas dades. Na segunda diviso meitica, observa-se uma caracterstica essencial da meiose: os cromossomos no so duplicados. Ento, cada dade se liga ao fuso e, na anfase, suas duas cromtides 26

vo para plos opostos. A clula se divide novamente de modo desigual. O resultado um minsculo corpsculo polar com dois cromossomos e um grande vulo tambm com dois cromossomos. Assim, no decorrer das duas divises que compem a meiose, o nmero diplide de quatro cromossomos da clula feminina foi reduzido ao nmero monoplide de dois cromossomos. A hiptese de Weismann provou ser verdadeira, pelo menos para as fmeas de Ascaris. Meiose no macho de Ascaris A previso de Weismann para os machos tambm mostrou-se correta. Quando os testculos foram estudados, verificou-se que, durante o incio do

desenvolvimento, as clulas aumentam em nmero por divises mitticas, isto , as clulas que se originam desse processo tem o nmero diplide de quatro cromossomos (Bauer, 1893). No entanto, no testculo maduro, as duas ltimas divises antes de as clulas se diferenciarem em espermatozides so diferentes. quando ocorrem as divises meiticas no macho. No que se refere aos cromossomos, os eventos so os mesmos que os da fmea, mas quando se considera a clula como um todo, existem diferenas entre as divises meiticas de macho e de fmea. (Fig. 7) Durante a meiose do macho, os quatro cromossomos j duplicados se juntam dois a dois, formando dois pares, ou duas ttrades. Na

Clulas que iro formar espermatozides possuem 4 cromossomos, o nmero diplide.

Em Ascaris, a fecundao que desencadeia a meiose feminina.

Os cromossomos emparelhados formam ttrades, cada uma com 4 cromtides. Os cromossomos homlogos se separam na primeira diviso da meiose.

Os cromossomos homlogos separamse na primeira diviso da meiose.

Cada clula-filha da primeira diviso contm duas dades. A formao do segundo glbulo polar deixa o vulo com um nmero No h duplicao haplide de cromossomos. cromossmica antes da segunda diviso da meiose e as duas cromtides de cada dade se separam.

Cada pr-ncleo contribui com dois cromossomos para o zigoto, restabelecendo o nmero diplide da espcie.

Cada uma das clulas originadas na meiose diferencia-se em um espermatozide.

Figura 7. Representao esquemtica da meiose masculina, esquerda, e da meiose feminina, direita em ascaris de cavalos.

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No incio da meiose os cromossomos homlogos se emparelham.

No incio da meiose, ocorre o emparelhamento dos cromossomos homlogos.

Os cromossomos emparelhados formam ttrades, cada uma com 4 cromtides.

O primeiro glbulo polar e o futuro vulo contm duas dades cada.

Os ncleos de origem paterna e materna se aproximam um do outro.

deador do desenvolvimento do ovo, foi descoberto por J. L. Prvost e J. B. Dumas em 1824. No entanto, o real papel do espermatozide no foi estabelecido nesse trabalho. Como relatado anteriormente, foi George Newport (1854) quem demonstrou que o espermatozide penetra no vulo das rs. Mas o que acontece ento? Ascaris mostrou-se um material muito bom para o estudo dos detalhes da fertilizao, novamente devido ao fato de possuir poucos e grandes cromossomos. Van Beneden e Boveri descreveram o processo em detalhe. (Fig.8) A figura 8 mostra desenhos de Boveri, publicados em 1888. A primeira ilustrao (A) de um corte de um ovo logo aps a entrada do espermatozide. O pr-ncleo paterno aparece no quadrante inferior direito. As duas massas irregulares fortemente coradas so os dois cromossomos dois o nmero haplide. A estrutura formando uma cpsula dobrada imediatamente acima do pr-ncleo paterno o acrossomo, que a parte da cabea do espermatozide composta por material do aparelho de Golgi. A massa granular escura no centro do vulo o centrossomo, que tambm se origina Fertilizao e restabelecimento do nmero do espermatozide. Existem quatro corpos diplide de cromossomos escuros, aproximadamente na posio corresponO fato bsico da fertilizao, de que o esper- dente das 12 horas; os dois superiores so os matozide e no o lquido seminal o desenca- cromossomos do segundo corpsculo polar. Os primeira diviso meitica os cromossomos de cada par se separam, indo uma dade (cromossomo duplicado) para cada plo. No entanto, ao contrrio da primeira diviso meitica da fmea, no macho so produzidas duas clulas de igual tamanho. Na segunda diviso meitica no h replicao cromossmica, as dades se dividem e cada clula-filha termina com dois cromossomos. Assim, a partir de cada clula diplide original, com quatro cromossomos, formam-se quatro clulas, cada uma com dois cromossomos, o nmero hplide. No h outras divises dessas clulas e cada uma se diferencia em um espermatozide. Uma diferena fundamental entre a mitose e a meiose que na mitose h uma duplicao de cada cromossomo para cada diviso celular; na meiose h somente uma duplicao de cada cromossomo para duas divises sucessivas. Ento, a mitose um mecanismo que mantm a constncia do nmero cromossmico nas divises celulares enquanto a meiose reduz esse nmero metade.

A

B

C

D

E

F

Figura 8. Ilustraes de Boveri da fertilizao em Ascaris Veja explicao no texto. (Boveri, 1888)

28

no entanto, meiticas e no mitticas. Durante estas duas divises, as clulas se dividiam duas vezes mas os cromossomos se replicavam somente uma vez. Essas divises celulares eram iguais, isto , produziam, cada uma delas, duas clulas de mesmo tamanho. Isso resultava em quatro clulas de igual tamanho, cada uma com dois cromossomos, o nmero haplide. As quatro clulas, ento, se diferenciavam nos espermatozides. Depois de muitos ciclos celulares de divises mitticas, algumas das clulas ovarianas aumentavam bastante em tamanho, formando os ovcitos. Como no caso dos machos, ocorriam duas divises meiticas do material nuclear com somente uma nica replicao dos cromossomos. A primeira diviso da clula era to desigual que a maior parte do material permanecia na clula que iria originar o vulo e s uma nfima quantidade era includa no primeiro corpsculo polar. Isto se repetia na segunda diviso, produzindo um minsculo segundo corpsculo polar e um grande vulo. Todavia, os ncleos do segundo corpsculo polar e do vulo eram idnticos cada um continha um nmero haplide de dois cromossomos. A meiose em Ascaris produzia, portanto, o espermatozide monoplide e o vulo monoplide. A unio deles originava o zigoto diplide o incio de um novo verme nematide. Os processos esto sumarizados na figura 7. Estava claro pelo trabalho de van Beneden, Boveri e outros que cada genitor transmite o mesmo nmero de cromossomos ao zigoto. Alm disso, os cromossomos no ncleo materno e paterno pareciam ser idnticos. Estas duas observaes podiam ajudar a explicar o que j se acreditava h algum tempo: que a contribuio hereditria de cada genitor aproximadamente a mesma. Este era um campo de pesquisa excitante e importante e logo muitos pesquisadores estavam estudando uma grande variedade de plantas e Significado da formao dos gametas e da animais. Com poucas excees, o que se fertilizao encontrou em Ascaris mostrou-se verdadeiro para Tudo estava acontecendo como previsto por todos os outros organismos. Certamente existiam Weismann. As clulas que iriam, muitas geraes pequenas variaes, mas um estudo intenso serviu mais tarde, formar os gametas, tanto no ovrio como somente para aumentar a profundidade do nosso no testculo de Ascaris, comeavam com quatro entendimento do processo global. Um conceito cromossomos, o nmero diplide. E, estas clulas de aplicao universal havia sido descoberto. As extraordinrias observaes sobre o se dividiam repetidamente, sempre por mitose. Nos machos, as duas ltimas divises das clulas comportamento dos cromossomos na mitose, formadoras de espermatozides no testculo eram, meiose e fertilizao, feitas entre 1870 e 1890, dois de baixo so os cromossomos, em nmero haplide, do pr-ncleo materno. O segundo corpsculo polar aparece nos cortes de embries mostrados em (C) e (E). Em (B), os pr-ncleos materno e paterno j se aproximaram um do outro e seus cromossomos tornaram-se indistintos. Em (C) os cromossomos alongaram-se bastante e, embora agora saibamos que existem apenas dois cromossomos em cada pr-nucleo, isto no pode ser visto na ilustrao (este um exemplo claro da grande dificuldade enfrentada pelos citologistas para chegarem concluso de que o nmero de cromossomos de qualquer espcie constante e que os cromossomos so individualmente nicos na maioria das vezes eles pareciam to emaranhados como um prato de espaguete). Pode-se distinguir dois grnulos escuros no centrossomo: os centrolos. Em (D), os cromossomos tornaram-se distintos uma vez mais [de (B) a (C) eles estavam em um estgio modificado de repouso] e v-se dois em cada pr-ncleo. O centrossomo dividiu-se em dois, cada um deles com um centrolo no centro. Este processo continua atravs de (E). Em (F), os quatro cromossomos, dois de cada prncleo, esto alinhados no fuso e, logo depois disso, pode-se ver que cada um est duplicado, isto , composto por duas cromtides. As cromtides iro se separar para formar cromossomos independentes que vo para plos opostos da clula. A forma do aparelho mittico est bem mostrada em (F). Em cada extremidade do fuso encontra-se um minsculo centrolo, cercado por uma rea granular escura o centrossomo. Em material bem preservado, pode-se observar fibras irradiando de cada centrossomo, formando um ster. Outras fibras se estendem de um centrossomo ao outro, formando o fuso. Em (F), clula em metfase da primeira diviso embrionria com os cromossomos alinhados na placa equatorial. 29

principalmente na Alemanha, forneceram um quadro geral para a transmisso de gerao a gerao das estruturas fundamentais responsveis pela herana. Pode-se argumentar, com razo, que esses estudos no forneceram qualquer evidncia crucial de que os cromossomos seriam, de fato, a base fsica da hereditariedade. Eles apenas sugeriam que os cromossomos poderiam desempenhar tal papel. Nem mesmo durante as ltimas duas dcadas do sculo XIX se chegou prximo descoberta de como seria possvel estabelecer o papel de uma estrutura celular na herana. Tanto a Citologia como o que atualmente chamamos de Gentica estavam no estgio de cincia normal Kuhniana, esperando pela chegada de um novo paradigma. Isso iria ocorrer, de uma forma dramtica, no ano de 1900. Mas antes de entrarmos no sculo XX, podemos concluir com este sumrio de E. B. Wilson sobre o que havia sido estabelecido durante o florescimento da Citologia no ltimo quarto do sculo XIX. O trabalho da Citologia neste perodo de estabelecimento de seus fundamentos construiu uma base ampla e substancial para as nossas concepes mais gerais de hereditariedade e seu substrato fsico. Foi demonstrado que a base da hereditariedade uma conseqncia da continuidade gentica das clulas pela diviso e que as clulas germinativas so o veculo da transmisso de uma gerao para outra. Acumularam-se fortes evidncias de que o ncleo da clula desempenha um papel importante na herana. Descobriu-se o significativo fato de que em todas as formas ordinrias de diviso celular o ncleo no divide em massa mas que primeiro ele se transforma em um nmero definido de cromossomos; estes corpos, originalmente formados por longos fios, dividem-se longitudinalmente para efetuar uma diviso merismtica da substncia nuclear inteira.

Provou-se que toda fertilizao do vulo, envolve a unio ou estreita associao de dois ncleos, um de origem materna e o outro de origem paterna. Est estabelecido o fato, algumas vezes chamado de lei de van Beneden em homenagem ao seu descobridor, que estes ncleos germinativos primrios do origem a grupos semelhantes de cromossomos, cada um contendo metade do nmero encontrado nas clulas do corpo. Demonstrou-se que quando novas clulas germinativas so formadas cada uma volta a receber apenas metade do nmero caracterstico de cromossomos das clulas do corpo. Acumularam-se evidncias, especialmente pelos estudos admirveis de Boveri, que os cromossomos de sucessivas geraes de clulas, que normalmente no so vistos nos ncleos em repouso, na realidade, no perdem sua individualidade, ou que de uma maneira menos bvia eles se adaptam ao princpio da continuidade gentica. Desses fatos, tirou-se uma concluso de que os ncleos das clulas do corpo so diplides ou estruturas duplas, descendentes igualitrios dos grupos de cromossomos de origem materna e paterna do ovo fertilizado. Esses resultados, continuamente confirmados pelos trabalhos dos ltimos anos [isto , cincia normal], gradualmente tomaram um lugar central na Citologia; [...] Uma nova era de descobertas agora se abre [um novo paradigma]. Assim que o fenmeno mendeliano tornou-se conhecido ficou evidente que em linhas gerais, ele forma um complemento para aqueles fenmenos que a Citologia j tinha tornado conhecido a respeito dos cromossomos. Esta citao parte da famosa Croonian Lecture to the Royal Society of London proferida por Wilson em 1914. Nessa poca as relaes entre cromossomos e herana j haviam sido testadas e se mostrado verdadeiras acima de qualquer suspeita..

EXERCCIOSPARTE A: REVENDO CONCEITOS BSICOSPreencha os espaos em branco nas frases de 1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) anfase (b) meiose (c) metfase (d) mitose (e) prfase (f) telfase 1. ( ) um tipo de diviso nuclear em que os ncleos-filhos conservam o mesmo nmero de cromossomos do ncleo original. 2. A migrao dos cromossomos para os plos ocorre na ( ).

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3. ( ) um tipo de diviso nuclear que reduz metade o nmero de cromossomos nos ncleos-filhos. 4. Cromossomos arranjados na regio equatorial da clula caracteriza a fase da diviso chamada ( ). 5. ( ) a primeira fase da diviso celular, na qual os cromossomos se tornam evidentes. 6. ( ) a fase final da diviso celular, em que os ncleos se reorganizam. Preencha os espaos em branco nas frases de 7 a 11 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) corpsculo polar (c) haplide (e) ovognia (b) diplide (d) ovcito 7. ( ) uma clula que est sofrendo meiose e dar origem a um gameta feminino. 8. Uma clula animal feminina que ir sofrer meiose chamada ( ). 9. ( ) o termo usado para designar uma clula que possui dois conjuntos de cromossomos. 10. ( ) o nome das minsculas clulas que se formam no decorrer da meiose feminina. 11. ( ) o termo que designa uma clula que possui apenas um conjunto de cromossomos. Preencha os espaos em branco nas frases de 12 a 17 usando o termo abaixo mais apropriado. (a) cromtide (b) dade (c) fertilizao (d) pr-ncleo (e) sinapse (f) ttrade

PARTE B: L IGANDO CONCEITOS

E FATOS

Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 18 a 21. a. fertilizao b. meiose c. mitose

18. Na ( ) ocorre uma replicao cromossmica para duas divises celulares. 19. Na ( ) ocorre uma replicao cromossmica para uma diviso do citoplasma. 20. Apenas clulas diplides se dividem por ( ). 21. Clulas diplides e haplides se dividem por ( ). Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 22 a 25. a. clulas diplides b. clulas haplides 22. Ovognias so sempre ( ). 23. Gametas so sempre ( ). 24. Zigotos so sempre ( ). 25. Meiose produz sempre ( ). 26. Dos cinco eventos listados a seguir, quatro ocorrem tanto na mitose quanto na meiose. Indique qual deles acontece essencialmente na meiose? a. Condensao dos cromossomos. b. Formao do fuso. c. Emparelhamento dos cromossomos. d. Migrao dos cromossomos. e. Descondensao dos cromossomos. Utilize as alternativas abaixo para completar as frase de 27 e 28. a. Antonie van Leeuwenhoek b. Nehemiah Grew c. Robert Brown d. Robert Hooke 27. ( ) considerado o descobridor da clula. 28. ( ) foi o descobridor do ncleo celular. Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 29 a 33. a. August Weismann b. Rudolph Virchow c. Theodor Schwann d. Walther Flemming

12. Dois cromossomos emparelhados no incio da meiose formam um(a) ( ). 13. O emparelhamento de cromossomos na meiose chamado ( ). 14. ( ) o nome do ncleo do espermatozide ou do vulo imediatamente antes de eles se fundirem para formar o ncleo do zigoto. 15. Um cromossomo duplicado, formado portanto por dois filamentos idnticos, chamado ( ). 16. ( ) nome que se d a cada um dos dois filamentos que formam um cromossomo duplicado. 17. A fuso de dois gametas com formao de um zigoto chamada ( ).

29. A idia de que a formao do corpsculo polar uma estratgia para a reduo do material hereditrio do vulo foi lanada em 1887 por ( ).

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30. Um dos formuladores da teoria celular foi ( ). 31. A clebre frase omnis cellula e cellula, indicando que toda clula provm da diviso de outra clula, foi cunhada em 1855 por ( ). 32. ( ) considerado o descobridor da mitose pelo fato de ter demonstrado que os eventos cromossmicos observados em clulas fixadas e coradas ocorriam nas clulas vivas. 33. A teoria celular mostrou que, apesar das diferenas visveis a olho nu, todos os seres vivos so iguais em sua constituio bsica, pois a. so capazes de se reproduzir sexuadamente. b. so formados por clulas. c. contm molculas. d. se originam de gametas. 34. Os vrus no so excees teoria celular pois a. so formados por clulas. b. formam gametas. c. so organismos vivos. d. s conseguem se reproduzir no interior de uma clula viva.

a. Espermatozide. b. vulo. c. Primeiro corpsculo polar. d. Segundo corpsculo polar. e. Ovcito primrio. f. Ovcito secundrio. 37. Qual a hiptese central da teoria celular? 38. Por que foi difcil estender o conceito de clula para os animais? 39. Que critrio Schwann utilizou para estabelecer relaes de semelhana entre as unidades microscpicas que compem o corpo dos animais e das plantas? 40. Que tipo de observao permitiu concluir que espermatozides eram clulas? 41. Por que no se deve chamar o ncleo interfsico de ncleo em repouso, como faziam os antigos citologistas? Por que era usado aquele nome? 42. O que Weismann imaginou ser necessrio para manter a constncia do nmero de cromossomos atravs das geraes? 43. Identifique as principais diferenas entre mitose e meiose. 44. Analise os tipos de argumento usados para justificar a idia de que a informao hereditria estaria contida nos gametas. 45. Que tipo de raciocnio dedutivo levou os antigos citologistas a concluir que a mitose no poderia ser o nico tipo de diviso celular? 46. Qual o significado da meiose e da fertilizao no ciclo de vida dos organismos? 47. Que importantes paradigmas direcionaram as pesquisas citolgicas nos primeiros dois teros e no ltimo tero do sculo XIX, respectivamente?

PARTE C: QUESTES PARA PENSAR E DISCUTIRO nmero diplide de cromossomos da espcie humana 46. Essa informao deve ser usada para responder as questes 35 e 36. 35. Determine o nmero de filamentos cromossmicos (cromtides) presentes em um ncleo celular humana em a. prfase mittica. d. telfase mittica. b. prfase I da meiose. e. telfase I da meiose. c. prfase II da meiose. f. telfase II da meiose.Obs. No caso das telfases, considere apenas um dos ncleos em formao.

36. Determine o nmero de filamentos cromossmicos (cromtides) presente em cada um dos tipos celulares relacionados a seguir.

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