TESSITURAS ENTRE AS RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS E O CURRÍCULO DA
ESCOLA PÚBLICA DO PARANÁ
Cristiane Aparecida dos Santos1
Prof. Dr. Maurício César Vitória Fagundes2
Resumo
A presente pesquisa é o resultado da implementação do projeto de intervenção pedagógica, integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – PDE/PR. Os objetivos desta investigação visam analisar como a escola se organiza para diminuir a distância que existe entre as postulações dos documentos pedagógicos e legais sobre o tema e o fazer pedagógico diário; e, verificar como a escola constrói seu currículo em relação às questões étnicorraciais. Os materiais utilizados para a análise nesse estudo foram: as propostas pedagógicas curriculares (PPC) de todas as disciplinas da matriz curricular do colégio, o projeto político pedagógico (PPP) do estabelecimento de ensino, e a fala dos participantes. Deste modo, houve a necessidade de dividir a análise em duas etapas, a primeira etapa é constituída pela analise dos documentos oficiais, onde foi verificada a presença de elementos que incluem as relações étnicorraciais nas PPC e no PPP; a segunda etapa consistiu na analise das interações discursivas dos 12 participantes das reuniões que ocorrem no decorrer da implementação do projeto. Para investigar as relações discursivas foram utilizados alguns elementos da Análise textual discursiva. As categorias de análise foram determinadas a priori, embasadas pelo referencial teórico utilizado nesta investigação, são elas: currículo real, currículo oculto, currículo oficial e racismo. Os resultados obtidos da análise de documentos demonstram que poucas disciplinas apresentam inseridas na PPC os conteúdos referentes a essa temática durante o período letivo, e, em apenas duas PPC nota-se um trabalho mais representativo nesses conteúdos. Já na segunda etapa, na fala dos entrevistados evidencia-se a presença de todas as categorias elencadas, com variações entre os participantes. Assim sendo, percebe-se que apesar da exigência das Leis, muitos professores ainda não trabalham esses conteúdos, além do relativo desinteresse que alguns diretores e pedagogos demonstram sobre essa temática. Palavras-Chave: Relações Étnicorraciais, Currículo, Lei nº 10.639/06, Lei nº 11.645/08, Escola Pública do Paraná.
1 Secretaria de Estado da Educação do Paraná – Colégio Estadual Papa João Paulo I
2 Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral – Departamento de Educação
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Abstract
The present research is the result of the implementation of the project of pedagogical intervention referring to the Educational Development Program of the State of Paraná – EDP/PR. The objectives of this investigation aim to analyze how the school organizes itself to reduce the distance that exists between the postulations about the pedagogical and legal documents that integrate the theme and the daily pedagogical performance. This research still aims to check how the educational establishment builds its curriculum in relation to ethnic and racial questions. The materials used for the analysis of this study were divided into two parts: The pedagogical proposals (PPC) of all disciplines that integrate the educational establishment’s curriculum, the political pedagogical project (PPP) of the school and the information given by the participants. Thus, it was necessary to divide the analysis into two steps. The first one is constituted by the analysis of official documents where it was detected the presence of elements that include the ethnic and racial relationships in the PPC and PPP. The second step is constituted by analysis of the discursive interactions of the 12 participants of the meetings that occurred during the implementation of the project. To investigate the discursive relations were used some elements of the textual discourse. The categories of analysis were determined a priori based upon the theoretical referential used in this in investigation. These categories were the real curriculum, the hidden curriculum and the official curriculum and racism. The results obtained by the analysis of these documents demonstrate that few disciplines inserted in the PPC present the contents concerning to this thematic during the school period, and, only in two PPC we can notice a more representative work about these contents. In the second step, when we analyze the interviewees speeches it becomes evident the presence of all categories listed with many variations among of the participants. However, it’s evident that despite the requirement of laws, many teachers still do not work with these contents. It’s also possible to realize the relative disinterest that some educators demonstrate about this thematic. Keywords: ethnic and racial relations, Curriculum, Law number 10.639/06, Law number 11.645/08, Paraná Public School.
1 Introdução
Ao considerar que o currículo é um instrumento suleador, tendo como base
uma perspectiva freireana, imprescindível para a prática pedagógica dos docentes,
pois está estritamente ligado às modificações dos conteúdos, da sociedade e da
profissionalização dos educadores. O currículo é uma das importantes referências
para o ensino, pois é um dos principais espaços que se efetivam os processos
educacionais e por meio dele que ocorrem os processos de mudanças e/ou de
manutenção.
Nesta perspectiva, o objetivo central deste estudo, integrante do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE-PR), é analisar as relações étnicorraciais
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presentes no currículo da escola pública do Paraná, bem como as tessituras
existentes entre o currículo oficial, o currículo real e o currículo oculto e as leis nº
10.639/06 e nº 11.645/08 que inserem no currículo os conteúdos referentes à
história e cultura afro-brasileira, africana e indígena. O referencial teórico utilizado
para a discussão dessa problemática teve como base os trabalhos de Giroux (1986),
Silva (1990, 1997), Saviani (2003), Sacristán (2000), Apple (2006), Goffman (2008),
Duarte e Felix (2011) e Munanga e Gomes (2006).
Desenvolvo a reflexão sobre a necessidade do cumprimento dessas leis, nº
10.639/06 e nº 11.645/08, acrescidas no Estado do Paraná pela Deliberação
Estadual 04/06, que institui Normas Complementares às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais, as quais obrigam o ensino
dos conteúdos referentes à História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena
para todas as disciplinas da matriz curricular. Embora tais conteúdos devam estar
explicitados no Projeto Político Pedagógico a análise da dinâmica escolar evidencia
um distanciamento entre a prática pedagógica e as referidas Leis, a neutralidade
quanto ao tema, ou o silêncio como estratégia.
Diante desse quadro, estudantes deixam de se beneficiar de uma educação
que lhes permita participar da construção de uma sociedade mais justa pautada na
valorização da diversidade e no reconhecimento e respeito às diferenças, sendo que
as mudanças na sociedade se refletem na escola e uma dessas alterações diz
respeito à afirmação das diferenças culturais. Neste contexto, ficam as seguintes
problematizações: como a escola se organiza para diminuir a distância que ainda
existe entre as postulações dos documentos pedagógicos e legais sobre o tema e o
fazer pedagógico diário? Como a escola constrói seu currículo em relação às
questões relacionadas ao Ensino de História e Cultura Africana, Afrobrasileira e
Indígena e também nas questões étnicorraciais? Como assegurar o cumprimento
das leis n°10639/03 e n°11645/08?
Os caminhos metodológicos percorridos para a construção dessa pesquisa
iniciam pela determinação do corpus da pesquisa, que é composto pela:
implementação do projeto construído para o Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE-PR), os questionários aplicados e a socialização do projeto
durante o Grupo de Estudos em Rede (GTR). Os dados coletados foram analisados
à luz da Análise Textual Discursiva (ATD), sendo que as categorias de análise foram
estabelecidas a priori.
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Acredito que este estudo permitirá avaliar como as leis contribuíram para as
discussões dos conteúdos sobre história e cultura afrobrasileira, africana e indígena
estão ou não inseridos no currículo da escola pública do Paraná.
2 Um breve olhar sobre o currículo da escola pública
O currículo é um instrumento de função socializadora, imprescindível à prática
pedagógica, pois está estritamente ligado às variações dos conteúdos, da sociedade
e da profissionalização dos docentes. O currículo é o aspecto principal da educação,
pois é, principalmente, através dele que acontecem ou não os processos de
mudanças.
Segundo Sacristán (2000, p.15), “o currículo é uma prática que passa por um
processo de construção, visando alguns pontos, sendo eles: a configuração, a
implantação, a consolidação e expressão das práticas pedagógicas”. Ainda, o autor
vê no currículo uma forma de se ter acesso ao conhecimento, e que por isso não se
pode esgotar seu significado em algo estático, mas por meio das condições em que
se realiza e se converte numa maneira particular de entrar em contato com a cultura.
Sacristán (2000) ressalta em seu trabalho:
as funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socializações são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais e intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas (SACRISTÁN, 2000, p.16).
Deste modo, o autor complementa que o currículo também anuncia o
equilíbrio de interesses e das forças que permeiam o sistema educativo em
determinada circunstância ou ocasião e, por meio dele, realizam-se os fins da
educação no ensino escolarizado (SACRISTÁN, 2000).
É a partir do envolvimento dos docentes e discentes num processo
democrático que ocorrem os processos de criação dos significados sociais e
culturais de determinada comunidade escolar. Entretanto, as práticas curriculares
mencionadas acima estão cheias de tensões, contradições e relações de poder.
Neste sentido, o currículo deve ser desnaturalizado e discutido devendo
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funcionar como uma “esfera pública e democrática”. Giroux (apud SILVA, 2007)
explica esse conceito:
o currículo envolve a construção de significados e valores culturais. O currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de “fatos” e conhecimentos “objetivos”. O currículo é um local onde, ativamente, se produzem e se criam significados sociais (p. 55).
Apple (2006) descreve o currículo como um mecanismo de controle social
(políticas educacionais e culturais). Aponta que o mesmo não é neutro e nem
aleatório e, que para decifrarmos o porquê de determinado conhecimento fazer parte
do plano da escola e representar os interesses de determinado grupo, é necessário
que compreendamos quais são seus interesses sociais, tendo em vista que estes
frequentemente guiaram a seleção e organização do currículo.
Segundo Saviani (2003) a seleção dos diversos elementos da cultura, a
demarcação dos contornos de um currículo é sempre uma, dentre muitas escolhas
plausíveis. De tal modo, que a elaboração e a implementação do currículo resultam
de processos conflituosos, com decisões necessariamente negociadas entre os
professores, como o seu contrário também pode ser verdadeiro, ou seja, currículos
que são instituídos de forma verticalizada sem discussões, podem ser reproduzidos
pela tradição, ou ainda ditados pelos livros textos. Nesta perspectiva, a escola
apresenta conflitos de interesses concretos que refletem no seu currículo, de
maneira geral, convertendo-o em uma prática pedagógica que se traduz em
atividade e consequentemente adquire significados múltiplos.
Os autores citados acima descrevem o viés do currículo oficial, entretanto é
possível verificar que também existem outros currículos presentes no cotidiano
escolar, entre eles o currículo real e o currículo oculto.
Segundo Silva (1990) a compreensão do currículo real é essencial para o
entendimento sobre o que acontece em sala de aula, pois existe um distanciamento
entre aquilo que é postulado como currículo e o que acontece efetivamente na sala
de aula. Em poucas palavras pode-se considerar como o conceito de currículo real é
aquele que realmente acontece em sala de aula, no qual as relações entre alunos e
professores que refletem os conflitos citados acima, ou seja, é o currículo em ação.
Conforme Sacristán (2000) o currículo real parte da:
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[...] reflexão sobre a justificativa dos conteúdos é para os professores um motivo exemplar para entender o papel que a escolaridade em geral cumpre num determinado momento e, mais especificamente, a função do nível ou especialidade escolar na qual trabalham. O que se ensina, se sugere ou se obriga a aprender, expressa valores e funções que a escola difunde num contexto social e histórico concreto (p.150).
Desse modo, conforme o autor a escola difunde um contexto histórico e social
onde o que se ensina, se sugere ou se obriga a aprender, expressa valores e funções
os quais podem ou não ser incorporados ao currículo real, como podem ser
contestados e refutados pelos alunos.
Já a concepção de currículo oculto, que se constitui por todos aqueles
aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito,
contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes, significativas
aos seus sujeitos, independentemente do juízo de valor que possamos fazer sobre
elas. O currículo oculto, segundo Giroux (1986) é definido como “valores, atitudes,
crenças que os professores passam aos alunos, nos objetivos curriculares e
relações que estabelecem na sala de aula.” Um dos pilares dessas relações é a
discriminação cultural e de classes que deverá ser discutida e combatida na prática
curricular (GIROUX, 1986, p. 103).
Silva (2007) ao explicar sobre currículo oculto aponta:
para a perspectiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e jovens se ajustem de forma mais conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. Entre outras coisas, o currículo oculto ensina, em geral, o conformismo, a obediência, o individualismo (p. 78).
Na análise do currículo oculto devem ser levadas em consideração as
práticas cotidianas das pessoas que compõem a instituição – os professores, os
diretores e os pedagogos, pois estes trazem seus valores e atributos morais,
atitudes estéticas e diferentes linguagens que refletem no ambiente escolar o mundo
externo, e que se concretizam dentro dele. Muitas vezes, essas práticas permitem a
institucionalização do preconceito e da discriminação racial.
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Segundo Torres Santomé (1995) ao analisar os conteúdos que são
desenvolvidos nas escolas e as propostas curriculares o que se percebe é a
presença das culturas hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais
minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de
poder costumam ser silenciadas, estereotipadas ou deformadas para anular suas
possibilidades de reação.
A produção do currículo é um processo social no qual convivem lado a lado
fatores lógicos, epistemológicos, políticos, intelectuais e determinantes sociais tais
como rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidade de legitimação e de
controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça e
gênero.
Estas críticas advindas do campo curricular nos provocam a pensar na
construção coletiva de uma proposta pedagógica, que suleie uma ação
fundamentada na História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena, buscando um
encaminhamento metodológico que crie condições para desenvolver um currículo
que realmente retrate a riqueza cultural desses povos e garanta o respeito a essa
diversidade.
2.1 O currículo diante das relações étnicorraciais e o racismo
A História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena que vai permear esse
currículo deve ser estudada em toda a sua abrangência seja ela de raça, religião,
crenças e costumes para que não sejam criados estigmas que comprometam ou
denigram a História desses povos.
Com relação à produção de estigmas, Goffman (2008, p.11), afirma que a
sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos
considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas
categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm
probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em
ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com outras pessoas
previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é
apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus
atributos, a sua “identidade social”. Baseando-se nessas preconcepções as pessoas
as transformam em expectativas normativas, em exigências apresentadas de modo
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rigoroso. O autor identifica que um dos fatores que interferem no convívio social é a
estigmatização das diferenças, principalmente das étnicas.
Segundo Duarte e Felix (2011) no Brasil, os estigmas associados
reiteradamente com a cor da pele são definidos circunstancialmente como símbolos
sintéticos do estigma, implicando, portanto, no racismo o qual não reconhece outras
raças, que não sejam a branca. Isso coloca uma barreira para não trabalhar no
currículo a História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena, pois se imagina que
o diferente não traz conhecimentos significativos na formação da sociedade.
O racismo é definido, por Munanga & Gomes (2006), como um
comportamento, uma ação que é o resultado da aversão, algumas vezes ódio, para
com as pessoas que tem um pertencimento racial que é possível observar, por meio
de traços como: cor da pele, tipo de cabelo, formato da boca, do nariz. Essa aversão
resulta da crença, da existência de raças ou tipos humanos superiores e inferiores,
sendo que a raça branca tenta se impor como única ou verdadeira.
Assim as relações étnicorraciais estão nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação e para o ensino de História e Cultura Africana, Afrobrasileira e
Indígena, que define o termo raça como construído nas tensas relações sociais
estabelecidas entre brancos e negros.
Com isso o movimento negro vem, ao longo dos anos, reivindicando revisão
do currículo escolar nos diversos níveis de ensino formal. Essa reivindicação tornou-
se lei e foram delineadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afrobrasileira e Africana.
Entretanto está na lei, mas não está nos costumes. Construir uma prática
pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção de nossa
sociedade é um dos grandes desafios que se tem enfrentado.
A Constituição Federal em seu artigo 3° determina que o objetivo
fundamental da República seja construir uma sociedade livre, justa, igualitária e sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
As Leis nº 10639/03 e nº 11645/08 são apenas instrumentos de orientação
para o combate à discriminação, que ressaltam a escola como um espaço de
formação de cidadãos e promoção da valorização das matrizes culturais que fizeram
do Brasil um país rico, múltiplo e pluralista. No entanto, elas não especificam como
acontecerá o seu cumprimento nas escolas. Para tal é fundamental o conhecimento
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das Diretrizes Curriculares Nacionais que apontam caminhos e conceitos. Em seu
texto fica evidente que a construção de estratégias que visam combater o racismo é
uma tarefa do conjunto de educadores, independentemente do seu pertencimento
étnico-racial. Logo é necessária a qualificação dos professores das diferentes áreas
do conhecimento, voltada para a compreensão da importância das relações étnico-
raciais, a fim de lidar com elas e poder criar estratégias pedagógicas.
Há alternativas para resolver os problemas das escolas e dos sujeitos que
nelas chegam. Não há receitas prontas, mas temos que estar disponíveis, buscar
conhecimento e construir, acreditando que as soluções estão ao nosso alcance.
Assim, com a obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afrobrasileira,
Africana e Indígena nos currículos de Educação Básica, surge à necessidade de
ampliar o currículo escolar para a diversidade cultural, racial, social e econômica
brasileira.
3 Metodologia
O assunto desta pesquisa, a implementação das discussões acerca das
relações étnicorraciais no currículo da escola pública, é estabelecido pelas Leis nº
10.639/03 e 11.645/08, as quais determinam que os conteúdos referentes à história
africana, afrobrasileira e indígena devem ser trabalhados em todas as disciplinas da
matriz curricular da educação básica.
Em virtude, de essa pesquisa ser parte integrante do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE/PR), o projeto de implementação foi dividido
em: construção do projeto de implementação, construção do caderno pedagógico e
socialização do projeto no ambiente escolar.
Desse modo, e também para responder as inquietações centrais deste estudo
utilizarei como corpus da pesquisa: o Projeto Político Pedagógico e as Propostas
Pedagógicas Curriculares das disciplinas presentes na matriz curricular do Colégio
pesquisado e a socialização junto ao grupo de professores, pedagogos e
funcionários do estabelecimento de ensino o qual o projeto foi implementado.
A primeira etapa analítica foi à análise documental, que de acordo com Gil
(2002) a pesquisa documental utiliza documentos que não receberam um tratamento
analítico prévio, dessa maneira é fundamental que a análise dos mesmos seja feitas
de acordo com os objetivos e com os encaminhamentos da pesquisa, visto que em
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alguns casos a análise deve ser feita com técnicas analíticas sofisticadas. Portanto,
analisamos o Projeto Político Pedagógico e a Proposta Pedagógica Curricular do
Estabelecimento de Ensino.
A segunda etapa desta pesquisa foi baseada na análise das interações
discursivas no Grupo de Trabalho em Rede, na socialização do projeto e nos
questionários aplicados aos seis professores, um funcionário e a três pedagogos
que participaram da implementação do projeto no Colégio estudado. A
implementação do projeto no Estabelecimento de ensino teve o seu início
juntamente com o retorno das atividades no mês de agosto de 2011, após o período
de afastamento garantido pelo PDE, sendo que o seu término foi no mês de
dezembro de 2011, com reuniões semanais. No principio da implementação foram
convidados todos os professores (67) e pedagogos (9) do Colégio, entretanto
somente seis professores participaram das discussões de forma não continua, e
somente três pedagogos participaram das discussões. No decorrer da
implementação uma funcionária administrativa teve interesse em participar, e
manteve-se até a última reunião.
Desse modo, durante a trajetória desta pesquisa foi necessário utilizar uma
metodologia de análise qualitativa que fornecesse as respostas necessárias para a
inquietação central desta investigação. Diante de várias opções, optou-se por utilizar
alguns elementos da Analise Textual Discursiva (ATD) (MORAES e GALIAZZI, 2007)
principalmente para produzir novas compreensões sobre os discursos dos
professores sobre as relações étnicorraciais e como os documentos oficiais da
escola abordam os conteúdos afrobrasileiros, africano e indígena nas diferentes
disciplinas da matriz curricular.
Os dados coletados foram analisados à luz de alguns elementos da Análise
Textual Discursiva (ATD) a qual visa à interpretação dos dados coletados para a
construção de novos sentidos e compreensões afastando-se do imediato e
exercitando uma abstração em relação às formas mais imediatas de leitura de
significados de um conjunto de textos (MORAES, 2003).
A Análise Textual Discursiva é um instrumento analítico que permite novas
possibilidades de compreensões do fato a ser pesquisado. Essa análise possibilita o
desenvolvimento da autonomia do pesquisador, o qual modifica de acordo com os
objetivos de sua pesquisa. Ao utilizar a ATD como metodologia de análise, não se
almeja afirmar ou testar hipóteses, mas sim o desenvolvimento de uma análise
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profunda e rigorosa, a qual busca a compreensão, a reconstrução e o
desenvolvimento de novos conceitos acerca dos fenômenos estudados.
Segundo Moraes e Galiazzi (2007) a ATD é:
um processo auto-organizado de construção compreensão em que novos entendimentos emergem a partir de uma sequencia recursiva de três componentes: a desconstrução dos textos do ‘corpus’, a unitarização; o estabelecimento de relações entre os elementos unitários, a categorização; o captar o emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada. Esse processo em seu todo é comparado a uma tempestade de luz (MORAES e GALIAZZI, 2007, p. 12).
Esses passos permitem ao pesquisador uma comunicação válida e
consistente, além de possibilitar novas compreensões do assunto estudado.
As categorias determinadas a priori são: currículo oficial, currículo real,
currículo oculto e o racismo. A identificação dessas será feita por meio da leitura e
análise dos dados coletados.
4 Análise e Discussão dos Resultados
Nesta pesquisa, foi dividida a análise dos documentos em duas etapas, a
primeira compreende a análise documental do Projeto Político Pedagógico e as
Propostas Pedagógicas Curriculares das 12 (doze) disciplinas do Ensino Médio e
das 8 (oito) disciplinas do Ensino Fundamental, presentes na Matriz Curricular do
Colégio pesquisado. Já a segunda etapa se constitui nas interações discursivas que
ocorreram durante a implementação do projeto de intervenção pedagógica no
Colégio junto ao grupo de seis professores, três pedagogos e uma funcionária do
estabelecimento de ensino no qual o projeto foi implementado.
Para a análise documental do Projeto Político Pedagógico e das Propostas
Pedagógicas Curriculares das disciplinas, foram considerados alguns elementos,
como: ideias, expressões e frases que permitiram identificar a inclusão dos
conteúdos referentes às relações étnicorraciais.
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4.1 As conjecturas da temática étnicorracial presentes no Projeto Político
Pedagógico
No Projeto Político Pedagógico que foi reformulado no ano de 2010, foi
possível evidenciar que o mesmo contempla a inclusão da temática étnicorracial,
conforme pode ser evidenciado no trecho do referido documento “Contemplando os
temas sociais contemporâneos, há necessidade de resgatar elementos da cultura
afrobrasileira” (PPP, p. 15). Entretanto, no referido documento justifica-se a inclusão
pela necessidade da abordagem dos temas sociais contemporâneos sem relacionar
a importância dessa temática com o contexto e a necessidade do colégio.
No trecho subsequente do PPP são citadas as leis 10.639/03 e 11.645/08
para explicar o contexto da efetivação da equipe multidisciplinar para Educação das
Relações Étnicorraciais e Ensino de História e Cultura Afrobrasileira, Africana e
Indígena no Estabelecimento de Ensino, como se evidencia abaixo:
em acordo com as orientações nacionais e estaduais para implementação de ações para efetivação da lei, no corrente ano, o Colégio Estadual Papa João Paulo I realizou eleições no mês de outubro e instituiu na unidade a primeira Equipe Multidisciplinar [...] A Equipe Multidisciplinar do colégio possui como objetivos centrais, em consonância com as instruções estaduais: 1) Combate ao racismo e suas manifestações correlacionadas a outros elementos da cultura negra e indígena, a exemplo das religiões; 2) A afirmação positiva e a construção de referenciais histórico-sociais de origem negra e indígena na constituição da nação brasileira; 3) Estimular o respeito mútuo, o sentimento de coletividade e o reforço da identidade cultural afro-brasileira (PPP, p. 15, 16).
Desse modo, concordo com Saviani (2000) quando descreve que em muitas
vezes o currículo é instituído de forma verticalizada, ou seja, imposto para os
professores. Percebe-se no texto analisado, que durante a construção do Projeto
Político Pedagógico não ocorreram discussões entre os professores para a inclusão
dos conteúdos sobre História e Cultura Africana, Afrobrasileira e Indígena, mas sim
pela imposição legal em nível Estadual e Federal. Portanto, evidencia-se que ao
simplesmente houve a inclusão da temática étnicorracial sem o diálogo necessário
entre a equipe pedagógica, professores e direção; o resgate da valorização do papel
do negro na sociedade e o racismo muitas vezes não são trabalhados em todas as
disciplinas da matriz curricular.
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Em outra conjectura, cito as relações de poder presentes neste documento
oficial, pois privilegiar alguns conhecimentos em detrimento de outros é nomear o
que deve e o que não deve ser discutido, o que é e o que não é importante na
história e cultura. Ao incluir as questões étnicorraciais no currículo assumi-se que
existem diferenças e diferentes identidades no contexto social e cultural. Pois, a lei é
pautada na reivindicação para a inclusão das formas culturais que refletem a
experiência de grupos que sofreram um processo de colonização opressor e tiveram
suas identidades culturais e sociais marginalizadas pela identidade
europeia/ocidental dominante.
4.2 A inclusão das leis 10.639/03 e 11.645/08 nas Propostas Pedagógicas
Curriculares
Para análise das Propostas Pedagógicas Curriculares (PPC) das disciplinas
da Matriz Curricular tanto do Ensino Fundamental Anos Finais e do Ensino Médio,
considero os mesmos elementos utilizados na análise do Projeto Político
Pedagógico. Ressalto que as construções das PPC foram realizadas pelos
professores atuantes nas diversas disciplinas e posteriormente passaram pela leitura
crítica dos pedagogos.
No quadro 1 evidencio os elementos que foram utilizados para analisar a
inserção dos conteúdos referentes à história afrobrasileira e africana na leitura das
Propostas Pedagógica das Disciplinas ofertadas na matriz curricular do colégio
pesquisado.
Quadro 1 – Elementos utilizados para analisar as PPC
Frases, ideias e
expressões Elementos
Conteúdos étnicorraciais
Inserção dos conteúdos de História Afrobrasileira e
Africana
Afro descendência
Desafios Educacionais
contemporâneos História e cultura Afrobrasileira e Africana
Legislação Leis nº 10645/03 e nº11645/08
Fonte: a autora
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Os elementos selecionados foram estabelecidos após a revisão de literatura e
da leitura das Propostas Pedagógicas Curriculares.
Após a análise das Propostas Pedagógicas Curriculares utilizando os
elementos do quadro 1, evidencio os elementos elencados nas PPC, conforme
observado na tabela 1
Verifico que foram identificados os quatro elementos acima citados referentes
à temática étnicorracial em uma PPC foram evidenciados a presença dos quatro
elementos e em nove PPC não houve a ocorrência de nenhum dos elementos
elencados.
Tabela 1 - Identificação dos elementos relacionados à temática étnicorracial nas
Propostas Pedagógicas Curriculares
DISCIPLINAS ELEMENTOS
Arte (Ensino Fundamental anos finais e
Médio) Sem ocorrência
Biologia (Ensino Médio) Legislação
Ciências (Ensino Fundamental anos
finais) Sem ocorrência
Educação Física (Ensino Fundamental
anos finais e Ensino Médio)
Legislação, Inserção dos conteúdos de
história afrobrasileira e africana, Afro
descendência e História e cultura
afrobrasileira e africana
Ensino Religioso (Ensino Fundamental) Sem ocorrência
Física (Ensino Médio) Sem ocorrência
Geografia (Ensino Fundamental anos
finais e Ensino Médio)
Inserção dos conteúdos de história
afrobrasileira e africana
História (Ensino Fundamental anos finais
e Ensino Médio)
Inserção dos conteúdos de história
afrobrasileira e africana e História e
cultura afrobrasileira e africana
Língua Estrangeira Moderna – Inglês
(Ensino Fundamental anos finais e
Ensino Médio)
Sem ocorrência
Língua Portuguesa (Ensino Fundamental
anos finais e Ensino Médio) Legislação
Matemática (Ensino Fundamental anos
finais e Ensino Médio)
Inserção dos conteúdos de história
afrobrasileira e africana
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Química (Ensino Médio) Sem ocorrência
Sociologia (Ensino Médio) Sem ocorrência
Fonte: a autora
De acordo com a tabela 1, evidencio que apesar da legislação Nacional e
Estadual estabelecer que os conteúdos relacionados à história e cultura
afrobrasileira e africana devem ser trabalhados em todas as disciplinas da matriz
curricular, percebo que grande parte das disciplinas não existe referência e nem
menção sobre os conteúdos étnicorraciais. Em contraponto, evidencio que em
somente uma ocorre uma discussão mais abrangente sobre a necessidade do
trabalho com os conteúdos de história e cultura afrobrasileira e africana.
Em relação ao primeiro elemento elencado Inserção dos conteúdos de
história afrobrasileira e africana, nota-se que em oito PPC (Educação Física,
Geografia, História e Matemática) do Ensino Médio e do Ensino Fundamental Anos
Finais este elemento esta presente. Para demonstrar este elemento, trago um
fragmento da Proposta Curricular de Geografia quando relata os conteúdos que
serão trabalhados durante o período letivo.
A distribuição espacial da população afro descendente no Brasil; Questões relativas ao trabalho e a renda dos povos afro descendentes; A política de imigração e a teoria do embranquecimento no mundo;
Diante do exposto, percebo que os professores de Geografia, tanto do Ensino
Fundamental Anos Finais e do Ensino Médio inseriram no currículo os conteúdos
étnicorraciais relacionados às questões de distribuição espacial, mercado de
trabalho e teoria de embranquecimento. Portanto, destaco que nesta perspectiva
não ocorreu uma construção de uma prática pedagógica que destaque o negro
como sujeito ativo na construção de nossa sociedade, mas sim pontos que remetem
a questão da pobreza e do racismo.
O elemento denominado afrodescendência, destaco que somente na PPC da
disciplina de Educação Física houve a ocorrência deste elemento. Nesta mesma
PPC houve a ocorrência de todos os elementos, como evidencio abaixo:
- Lei 10.639 Afrodescendência: contextualização social das lutas; - Histórico das origens das lutas e jogos africanos e a sua introdução no Brasil; - Capoeira;
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- Jogos africanos;
Percebo que os quatro elementos elencados podem ser vistos nos conteúdos
sobre os jogos e lutas de origem africana, deste modo, os professores desta
disciplina valorizam a cultura africana e afrobrasileira.
O terceiro elemento denominado de História e cultura afrobrasileira e africana
foi identificado em duas PPC (Educação Física e História), neste elemento relaciono
com a importância das discussões sobre a história do continente africano, bem como
as origens culturais dos africanos e dos afrobrasileiros. Nesta perspectiva, trago um
trecho da PPC de história para ilustrar esse elemento:
Faz-se necessário também inserir neste contexto o estudo da História e das culturas africana, afrobrasileira e também indígena, valorizando a contribuição dos povos africanos e indígenas para a formação da sociedade brasileira.
Destaco que nessa PPC os professores citam a necessidade de valorizar a
historia e cultura africana e afrobrasileira, indicando como que esse histórico é
essencial para destacar a importância das contribuições desses povos para a
formação da sociedade brasileira.
Com relação ao último elemento da Legislação, houve a ocorrência em cinco
PPC, conforme a tabela 1. Nestas PPC percebo que os professores descrevem na
escrita do documento somente a questão da legislação sem destacar os conteúdos
e a importância de trabalhar os conteúdos étnicorraciais. Evidencio essa categoria
com um trecho da PPC da disciplina de Língua Portuguesa:
implementação da Lei 10.639/03 e para a consolidação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, acrescida da Deliberação Estadual nº 04/06 do CEE.
Deste modo, nesta PPC verifico que somente existe a inserção da temática
étnicorracial em virtude da legislação estadual e federal.
4.3 Os discursos dos professores, pedagogos e funcionários a respeito da
temática étnicorracial e o currículo
No decorrer da implementação do projeto de intervenção pedagógica no
colégio, participaram das discussões propostas seis professores, três pedagogos e
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uma funcionária, aos quais, foram apresentados o projeto de intervenção
pedagógica e o caderno pedagógico elaborado como material resultante do
Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná – PDE/PR.
A análise dos materiais resultantes tanto dos professores, pedagogos e
funcionária do colégio, foram feitas utilizando alguns elementos da Análise Textual
Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007).
Nesta metodologia inicialmente analiso as interações discursivas dos seis
professores, uma funcionária e dos três pedagogos que participaram da
implementação do projeto no Colégio. De acordo com a ATD, inicialmente realizo a
desmontagem dos textos, também denominado de processo de unitarização, implica
examinar os materiais em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atingir
unidades constituintes, enunciados referentes aos fenômenos estudados.
Desse modo, a partir dos questionários respondidos pelos participantes deste
estudo, inicio os primeiros percursos metodológicos da ATD, que é a desconstrução
dos textos e a delimitação das unidades de significado a partir das categorias
elencadas a priori. (currículo oficial, currículo real, currículo oculto e o racismo) como
evidenciamos na tabela 2.
Tabela 2 – Unidades de significado e categorias
Unidades de significado Categorias
Preconceito étnicorracial em meu ambiente de trabalho; Preconceito velado; Situações de conflito onde os apelidos são o passo inicial de muitas confusões; Bullying; Sofreu algum tipo de discriminação Piadinhas, apelidos, "brincadeiras";
Racismo
Estudo dirigido à discussão em grupo e o reavaliar da proposta curricular. Proposta Pedagógica Curricular Projeto Político Pedagógico Plano de Trabalho Docente
Currículo
Oficial
Relações étnicorraciais presentes nos documentos oficiais e ausentes na sala de aula; Como são abordados os conteúdos sobre as crenças religiosas na disciplina de Ensino Religioso; Metodologia do professor em sala de aula.
Currículo
real
Valores e atributos morais dos professores; Atitudes e as diferentes linguagens que refletem as opiniões do meio externo da escola; Preconceito e da discriminação racial no âmbito escolar.
Currículo
oculto
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Fonte: a autora
A primeira categoria o Racismo, foi evidenciado em diversas falas dos
participantes da implementação do projeto no Estabelecimento de Ensino,
principalmente quando relataram sobre acontecimentos que já vivenciaram no
âmbito escolar. Sobre esses posicionamentos, reafirmo a definição que Munanga e
Gomes (2006) descrevem, pois em muitas falas evidencia-se a questão do
comportamento e ações que são resultados de aversões a pessoas com
pertencimento racial observável.
Ao analisar a fala de P3, posso citá-la como um exemplo desta categoria:
Um aluno do 6º ano chegou muito chateado dizendo que o colega o chamou de "feijão preto". Conversei com o garoto mostrei que era um rapaz muito bonito, que devia sentir orgulho de sua raça, cor, etc. Depois chamei o coleguinha que o agrediu, conversamos, o garoto pediu desculpas e voltaram conversando para a sala de aula (P3).
Nota-se nesta fala que o racismo está presente no âmbito escolar,
principalmente entre os alunos do colégio. Nessa fala evidencia-se a participação da
equipe pedagógica como mediadora desse fato. Mas em outras falas também ficou
constatado o preconceito étnicorracial no ambiente de trabalho, principalmente com
apelidos e brincadeiras e também o preconceito velado, como evidencio abaixo na
fala de P1:
Na outra escola onde atuo trabalhamos com os alunos, professores e funcionários temas ligados às relações etnicorraciais, mas mesmo assim, existem situações onde percebemos que ainda há racismo e preconceito por parte de alguns, às vezes até de forma velada, como dizem: “não era minha intenção”. Percebemos isto através de piadas, de comparações, de brincadeiras (P1)
Diante de todos os participantes, os três pedagogos afirmaram que existe o
racismo entre alunos, professores e funcionários no presente Estabelecimento de
Ensino e/ou outros em que atuam ou atuaram. Já os professores descrevem que
nunca presenciaram o racismo entre os colegas e pedagogos, mas ele é presente
no cotidiano escolar entre os alunos, essa mesma conclusão foi feita pela
funcionária participante.
A segunda categoria o Currículo Oficial, esteve presente na fala de todos os
participantes, os quais descreveram a necessidade da inclusão das leis nº 10.639/03
e da lei 10.645/08 na Proposta Pedagógica Curricular das disciplinas, no Plano de
Trabalho Docente além do Projeto Político Pedagógico. Entretanto, as discussões de
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todos os integrantes não ressaltam somente o âmbito legal, mas relatam sobre a
necessidade das discussões sobre os conteúdos etnicorraciais para o combate ao
racismo. A fala do professor P4 evidencia essa necessidade:
a exigência de contemplar as Leis nº 10639/03 e 11645/08 tanto na Proposta Pedagógica Curricular e no Plano de Trabalho docente, não garante a efetivação das mesmas em sala de aula. Portanto, a equipe pedagógica deve acompanhar os professores e incentivá-los nas discussões sobre as relações etnicorraciais. Acredito que a equipe pedagógica de sua escola está procurando fazer um bom trabalho, buscando a integração entre os professores e a reflexão críticas sobre o ensino e a aprendizagem (P4).
Essas ideias vão ao encontro de Saviani (2000) quando cita que em muitas
vezes o currículo é imposto aos professores. Nota-se na fala analisada, que o
docente é ciente que não basta incluir as leis nos documentos legais do colégio, mas
também é necessário discuti-los entre os colegas e buscar a reflexão crítica sobre o
processo de ensino e de aprendizagem. Portanto, evidencia-se simplesmente a
inclusão da temática étnicorracial sem o diálogo necessário entre a equipe
pedagógica, professores e direção; e, o resgate da valorização do papel do negro na
sociedade e o racismo muitas vezes não são trabalhados em todas as disciplinas da
matriz curricular.
A pedagoga P2, cita sobre a dificuldade de orientar os professores sobre a
inclusão dos conteúdos étnicorraciais:
não é uma tarefa fácil, mas buscamos, na medida do possível, orientá-los na elaboração de seus Planos de Trabalhos Docentes, de modo a contemplar as solicitações dos documentos pedagógicos e legais que embasam a organização do trabalho pedagógico no interior da escola (P2).
A terceira categoria Currículo real foi baseada nas diversas falas dos
participantes quando os mesmos relatam o trabalho em sala de aula, desde a
escolha dos conteúdos e a sua aplicação aos estudantes. Os professores
participantes descrevem que apesar de constarem nas Propostas Pedagógicas
Curriculares (de apenas três disciplinas) existe um grande distanciamento entre os
documentos oficiais e a sala de aula, pois muitas relações são difíceis de realizar,
neste caso pode-se considerar como o conceito de currículo real é aquele que
realmente acontece em sala de aula, no qual as relações entre alunos e professores
que refletem os conflitos citados acima, ou seja, é o currículo em ação.
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Nesta categoria, o professor P5 descreve principalmente sobre a formação
continuada ofertada pela SEED, sobre a temática étnicorracial:
os cursos, seminários e oficinas ofertados com foco específico na disciplina, realizados anteriormente não abordavam a temática, ou quando mencionavam não aprofundavam a possibilidade de conteúdos que poderiam estar presente na proposta curricular, dando uma característica secundária a temática, a impressão de que era um conteúdo que deveria ser trabalhado apenas pelo NEREA (atual CERDE), ou uma atividade descolada do conteúdo curricular que precisava ser realizada para apresentação na Semana da Consciência Negra (P5).
A formação continuada ou a falta da mesma contribui para que os professores
tenham dificuldade para relacionar os conteúdos disciplinares com os conteúdos
étnicorraciais. Esse ponto foi citado por cinco integrantes dessa pesquisa (um
pedagogo e três professores), sendo que um ponto consensual entre todos eles é a
necessidade de cursos de formação continuada que propiciem a professores e
pedagogos um aprofundamento maior entre os diversos conteúdos disciplinares e
étnicorraciais.
Na fala do professor P3, outro ponto relevante ao currículo real:
no cotidiano das aulas é muito difícil realizar as relações dos conteúdos disciplinares e étnicorraciais, apesar de constarem no PTD e na PPC eu consigo inserir nas minhas aulas somente umas duas vezes por ano, ou quando algum aluno pergunta (P3).
A última categoria o currículo oculto pode ser evidenciada na fala de três
participantes, entre eles um professor, um pedagogo e uma funcionária. Conforme, o
quadro 2, nota-se que esta categoria está relacionada diretamente com as relações
existentes entre os professores e os educandos, sendo que o docente durante as
suas aulas, expressa valores morais, atitudes e preconceitos. As ações involuntárias
interferem diretamente nas aulas, pois o ponto de vista exposto durante as aulas, em
muitas vezes é unilateral, sem considerar também as ações dos alunos e seus
entendimentos de mundo, as quais mesmo sem se manifestarem, constituem em
suas interpretações, frente a seus referentes, outro currículo.
O currículo oculto fica evidenciado na fala do professor (P4) que relata uma
situação que vivenciou:
já presenciei diversas situações vexatórias, nas quais alguns professores possuem posições pessoais, em relação à religião. Muitos fazem piadas e desacreditam religiões como as de origem africana e a espírita.
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Nessa perspectiva, ocorre o posicionamento pessoal do professor em relação
a religiões existentes Na análise do currículo oculto devem ser levadas em
consideração as práticas cotidianas das pessoas que compõem a instituição – os
professores, os diretores e os pedagogos, pois estes trazem seus valores e atributos
morais, atitudes estéticas e diferentes linguagens que refletem no ambiente escolar
o mundo externo, e que se concretizam dentro dele. Muitas vezes, essas práticas
permitem a institucionalização do preconceito e da discriminação racial.
De acordo com o quadro 2, nota-se que apesar das questões etnicorraciais
não constarem nas propostas pedagógicas curriculares das diversas disciplinas, em
muitos casos os participantes incluem seus valores morais diante de suas aulas ou
falas com os colegas e/ou educandos.
Observa-se que no currículo oculto, os profissionais da educação trazem seus
valores e atributos morais, atitudes e diferentes linguagens que refletem o mundo
externo ao ambiente escolar, e que se concretizam dentro dele. E muitas vezes,
essas práticas permitem a institucionalização do preconceito e da discriminação
racial no âmbito escolar. É urgente, portanto, a tomada de consciência por parte
desses profissionais sobre os valores socioculturais trazidos pelos educandos e
aproximar a teoria da prática, fazendo uma revisão e reflexão sobre o ensino-
aprendizagem, para romper as armadilhas dos preconceitos, garantindo o espaço
participativo e a conquista de direitos no combate às exclusões.
5 Considerações finais
O presente estudo teve como principal objetivo analisar como a escola se
organiza para diminuir a distância que existe entre as postulações dos documentos
pedagógicos e legais sobre o tema e o fazer pedagógico diário; e, verificar como a
escola constrói seu currículo em relação às questões étnicorraciais. Os materiais
utilizados para a análise nesse estudo foram: as propostas pedagógicas curriculares
(PPC) de todas as disciplinas da matriz curricular do colégio, o projeto político
pedagógico (PPP) do estabelecimento de ensino, e a fala dos participantes. As
categorias de análise foram elencadas a partir do referencial teórico utilizado para a
construção do projeto de intervenção pedagógica, o caderno pedagógico e do
referente artigo, as quais foram determinadas a priori, como: racismo, currículo real,
currículo oculto, currículo oficial e racismo.
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Diante das diferentes naturezas dos materiais utilizados para analise, houve a
necessidade de dividi-los em duas etapas, sendo que a primeira consistiu na análise
documental dos documentos oficiais do colégio (PPP e as PPC); já a segunda etapa
constituiu-se da análise das interações discursivas dos 12 participantes do projeto,
entre eles: oito professores, três pedagogos e uma funcionária. Essa etapa foi
analisada utilizando alguns elementos da Análise Textual Discursiva.
Na primeira etapa evidenciou-se que no PPP do Estabelecimento de Ensino
estudado, são citadas as leis referentes à inserção dos conteúdos de história e
cultura africana, afrobrasileira e indígena. Entretanto, no referido documento
justifica-se a inclusão pela necessidade da abordagem dos temas sociais
contemporâneos sem relacionar a importância dessa temática com o contexto e a
necessidade do Colégio. Nesse sentido, reafirmamos a fala de Saviani (2000)
quando descreve que em muitas vezes o currículo é imposto para os professores.
Em relação às PPC evidenciou-se que algumas disciplinas não citam os
conteúdos de história e cultura africana, afrobrasileira e indígena. Porém, a maioria
das disciplinas incluiu das relações étnicorraciais, de forma a somente contemplar a
legislação brasileira. Somente em duas evidenciou-se um efetivo trabalho que seria
desenvolvido durante o período letivo.
Na análise das falas dos participantes, houve vários relatos que enquadramos
nas categorias de análise. Conforme os autores, Silva (1990, 1997), Saviani (2003),
Sacristán (2000), Apple (2006), Goffman (2008) foi evidenciado nas diversas falas as
relações de poder que existem na educação, principalmente quando o tema é o
currículo e as relações étnicorraciais (estigmas da sociedade).
Portanto, percebe-se a relevância dos estudos sobre o currículo e a inclusão
dos conteúdos de história e cultura africana, afrobrasileira e indígena. Apesar de
existirem documentos oficiais que indicam a necessidade de contemplar esses
conteúdos no cotidiano escolar, muitos professores ainda desconhecem a
importância dessa temática, ou somente contemplam nos documentos oficiais pela
exigência legal.
REFERÊNCIAS
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