TERESA PALETTA LOMAR
O DIÁLOGO NA PRÁTICA DOCENTE
A compreensão de professoras de uma
escola pública do Município de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: Psicologia da Educação
PUC/SP
SÃO PAULO
2007
TERESA PALETTA LOMAR
O DIÁLOGO NA PRÁTICA DOCENTE
A compreensão de professoras de uma
escola pública do Município de São Paulo
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Educação (Psicologia da
Educação) sob orientação da Profª Drª
Heloisa Szymanski.
PUC/SP
SÃO PAULO
2007
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação/tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:___________________________ Local e Data:________________
Dedico este trabalho a todos aqueles que se
dedicam à humanização do mundo, cuidando
para guardar nele as forças que geram vida e
transformar aquelas que levam a seu
aniquilamento.
Dedico especialmente à Alice, Estela, Isabel e
Maria que com muito carinho aceitaram
embrenhar-se comigo nas reflexões que
procurei aqui desenvolver.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, meu avô, Maria Clara e Diana – que fizeram o que
puderam para propiciar-me às melhores condições possíveis para a realização desta
pesquisa; ao Ric pela companhia, amor e carinho; ao Maurício Ayer pela revisão
cuidadosa desse texto, a Cris pela amizade e suporte e ao Chico pela esperança
que a sua presença alimenta; à Fernanda, Camila, Marília e Júlia por me
agüentarem nas horas de crise; à Heloisa pela orientação, incentivo e por ter me
propiciado uma das experiências mais incríveis que já vivi na área da educação; à
Nívia e a Maristela, duas grandes amigas que encontrei no mestrado; e, por fim, ao
CNPq que financiou grande parte deste trabalho, permitindo que a ele me dedicasse
integralmente.
RESUMO
A presente pesquisa buscou conhecer como o diálogo situado na prática
educativa em sala de aula é compreendido por professoras de uma escola pública
do município de São Paulo, na qual está sendo implementado um projeto de
educação em tempo integral, segundo a perspectiva dialógica de ensino.
A compreensão de diálogo aqui adotada fundamenta-se nos pensamentos de
Paulo Freire e Martin Buber. Segundo estes dois autores, a educação, estando à
serviço do processo de humanização, não pode se fazer sem diálogo, já que este
consistiria na atitude essencial humanizadora, por meio da qual o Homem ultrapassa
a condição de objeto e realiza-se plenamente como sujeito.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de base fenomenológico-existencial.
Participaram do estudo quatro professoras envolvidas no projeto em andamento na
escola, com as quais foram feitos cinco encontros coletivos para realização de
entrevistas reflexivas, segundo a proposta de Szymanski. A análise dos dados
inspirou-se na Fenomenologia Existencial de cunho hermenêutico para se desvelar
os sentidos de diálogo presentes no discurso das professoras.
Os resultados alcançados apontam para a compreensão do diálogo como
comunicação, associada à liberdade e à consideração do Outro. Apareceu, porém
como dissociado da ação educativa que estabelece limites e exerce poder,
chamando ao exercício da responsabilidade. O trabalho indica a necessidade de se
aprofundar a concepção de educação dialógica junto a professores, reafirmando seu
caráter ao mesmo tempo libertário e calcado em uma autoridade responsável e
responsabilizadora em relação aos educandos.
Palavras-chave: Diálogo; Prática docente; Fenomenologia; Paulo Freire; Martin Buber
ABSTRACT
The main objective of this research was to get to know how teachers in a
public school in the city of São Paulo, Brazil, understand dialog in educational
practices inside a classroom environment where a full-time educational project is
being implemented, following the dialogic perspective of teaching.
The understanding of dialog this research is based on comes from the works
of Paulo Freire and Martin Buber. For these two authors, education toward
humanization can´t happen without dialog because this is the most essential human
attitude by which man surpasses his condition as an object to wholy become subject.
This research is qualitative with a fenomenological-existentialist basis. Four
teachers involved in the ongoing project in the school participated in this study, and
with whom five meetings were arranged where reflexive interviews were done
following Szymanski´s proposal. The analysis of the data was inspired by existential
fenomenology hermeneutics to reveal the meanings of dialog present in the
understanding of the teachers.
The results that were reached show comprehension of dialog as
communication, associated with liberty and to consideration towards others. The
results, though, show it is unassociated to educational practice which should, instead,
establish limits and exert power in order to exercise responsibility. This research
indicates the need for reflection and deepening of the meaning of dialogical
education by teachers, reaffirming its libertarian character based on a responsible
authority that promotes responsibility in fellow students.
Key Words: Dialog; Teaching; Fenomenology; Paulo Freire; Martin Buber
O HOMEM; AS VIAGENS
Carlos Drummond de Andrade
O homem, bicho da Terra tão pequeno Chateia-se na Terra Lugar de muita miséria e pouca diversão. Faz um foguete, uma cápsula, um módulo Toca para a Lua Desce cauteloso na Lua Pisa na Lua Planta bandeirola na Lua Experimenta a Lua Civiliza a Lua Coloniza a Lua Humaniza a Lua. Lua Humanizada: tão igual à Terra. O homem chateia-se na Lua. Vamos para Marte - ordena a suas máquinas. Elas obedecem, o homem desce em Marte Pisa em Marte Experimenta Coloniza Civiliza Humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado. Vamos a outra parte? Claro - diz o engenho Sofisticado e dócil. Vamos a Vênus. O homem põe o pé em Vênus Vê o visto - é isto? Idem Idem Idem
O homem funde a cuca se não for a Júpiter Proclamar justiça junto com injustiça Repetir a fossa Repetir o inquieto Repetitório
Outros planetas restam para outras colônias. O espaço todo vira Terra-a-terra. O homem chega ao sol ou dá uma volta Só para te ver? Não-vê que ele inventa Roupa insiderável de viver no Sol. Põe o pé e: Mas que chato é o Sol, falso touro Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora Do solar a colonizar. Ao acabarem todos Só resta ao homem (Estará equipado?) A difícílima, dangerosíssima viagem De si a si mesmo: pôr o pé no chão Do seu coração Experimentar Colonizar Civilizar Humanizar O homem Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas A perene, insuspeitada alegria De con-viver.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................17
1.1. Martin Buber.............................................................................................................17
1.1.1. A filosofia do diálogo........................................................................................17
1.1.2 A educação a partir do diálogo na visão buberiana..........................................18
1.2. Paulo Freire..............................................................................................................27
1.3. Algumas Considerações...........................................................................................31
CAPÍTULO 2 – MÉTODO...............................................................................................34
2.1. A pesquisa qualitativa..............................................................................................34
2.2 O método fenomenológico-existencial......................................................................35
2.3. Objetivos da pesquisa..............................................................................................38
2.4. As professoras participantes da pesquisa................................................................38
2.5. Procedimentos de coleta de informações................................................................39
2.6. Descrição dos encontros..........................................................................................43
2.7. Procedimentos de análise........................................................................................54
CAPÍTULO 3 – O CONTEXTO DE PESQUISA..............................................................56
3.1 A comunidade............................................................................................................56
3.1.1 Primeiras impressões........................................................................................56
3.1.2 Dados estatísticos.............................................................................................58
3.2. A escola....................................................................................................................60
3.2.1 Informações técnicas e alguns indicadores......................................................60
3.2.2 Características gerais.......................................................................................62
3.2.3 O ponto de vista dos professores.....................................................................65
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS.............................................................74
4.1. Constelações............................................................................................................74
4.1.1. A compreensão do diálogo..............................................................................74
4.1.2. O diálogo na prática educativa em sala de aula..............................................77
4.1.3. Considerações sobre a escuta.........................................................................79
4.1.4. A relação educador-educando.........................................................................81
4.1.5. A reflexão e a educação..................................................................................87
4.1.6. A escola e o diálogo.........................................................................................89
4.1.7. Caracterização da prática docente..................................................................93
4.1.8. O Projeto Diálogo e Participação.....................................................................99
CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO........................................................................................101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................114
ANEXO………………………………………………………………………….....................117
12
INTRODUÇÃO
A pesquisa que apresento nesta dissertação de mestrado insere-se em um
projeto maior intitulado Diálogo e Participação: a prática dialógica na família, escola e
comunidade, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Heloisa Szymanski, que vem sendo
implementado desde meados de 2005 em uma região periférica do município de São
Paulo. Seu objetivo geral consiste em introduzir e avaliar uma proposta de educação em
tempo integral segundo uma perspectiva dialógica e participativa de ensino,
fundamentada na pedagogia de Paulo Freire.
Discute-se muito hoje a viabilidade e a necessidade de uma escola pública em
período integral. Muito se falou a respeito das iniciativas visando a sua implantação que
ocorreram na história da educação brasileira, abordando-se os aspectos positivos e
negativos acerca do modo como se configuraram e a que finalidades serviam1. Não é o
caso aqui de retomar essas críticas, mas apenas evidenciar a proposta do presente
projeto, distinguindo-a do modelo então comentado.
O que se propõe com educação em tempo integral não é a extensão da jornada
diária da atividade escolar, mas a consideração e articulação das diversas instâncias
educativas de uma comunidade para que desenvolvam um modo comum de realizar a
prática educativa.
Na proposta de Szymanski o diálogo e a participação são tomados como os eixos
condutores para a integração dos diferentes contextos educativos, da qual deverá
resultar a elaboração de uma proposta educacional comum. Dialogar e participar
constituem-se em ações fundamentais para que o produto final seja de fato uma
construção coletiva da comunidade em questão e represente os interesses e demandas
de cada instância educativa envolvida no processo. São práticas que deverão ser
adotadas não só entre educadores, mas também entre estes e seus educandos. Dessa
forma, tornam-se também práticas formadoras para aqueles aos quais a proposta se
1 Um levantamento da literatura produzida a esse respeito entre os anos de 1983 e 2001 pode ser encontrado em Maurício (2004).
13
dirige – crianças e adolescentes –, preparando-os para o exercício da cidadania e para
a construção de uma sociedade democrática.
Na intervenção em curso, os contextos educativos que estão sendo integrados
consistem em: uma escola pública municipal de ensino fundamental, uma creche, uma
ONG comunitária e as famílias das crianças e adolescentes que são atendidos por
estas instituições. A presente pesquisa, no entanto, volta-se apenas para a instituição
escolar participante, incidindo seu foco especificamente sobre os professores que nela
trabalham. Seu objetivo consiste em conhecer como o diálogo situado na prática
educativa em sala de aula é por eles compreendido.
A prática educativa pode ser concebida de diversas formas dependendo do lugar
em que se inscreve. Inserida no contexto da educação formal e exercida pelo
profissional docente na sala de aula, a prática educativa significa uma ação intencional
e estruturada dentro do sistema escolar que implica, como afirma Libâneo (1994),
“ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização e procedimentos
didáticos” (p.18). Supõe também intensas trocas intersubjetivas para a implementação
daquelas ações. Conforme apontam Tunes, Tacca e Bartholo Jr. (2005),
independentemente dos papéis que desempenham no espaço escolar, professor e
aluno “estão em processo contínuo de criação intersubjetiva de significados que, por
sua vez, podem gerar novas possibilidades de relação”. Ressalvam, contudo, que este
fato não implica “que os que ensinam e os que aprendem percebam, a cada instante, o
impacto que sofrem e causam um no outro”.
Como aponta Critelli (1981) “a educação, enquanto fenômeno que se desdobra a
partir do sendo-os-homens-uns-com-os-outros, é algo extensivo a todas as nuances da
existência” (p.62). Entretanto, apesar da educação não se restringir apenas à escola,
cabe aqui destacar a importância do processo educativo provido pelo sistema escolar
na sociedade contemporânea. O reconhecimento da existência de diversas formas de
aprendizagem, que ultrapassam o espaço da educação intencional e sistematizada, não
deve levar-nos a negar a possibilidade de sua contribuição. Como afirma Cortella
(2003), se por um lado, “a grande vantagem da educação ocasional é o aprendizado de
forma mais concreta, útil, pragmática e significativa e, portanto permanente”, por outro a
educação intencional traz como vantagens o “fato de ser metódica, programada,
14
organizada, sistematizada e veloz” (p.98). Este autor ressalta ainda o papel de destaque
que assume especificamente a escola, dentre as instituições que realizam a educação
intencional, já que o seu alcance no país “é da ordem de 54 milhões de pessoas”
(p.100).
Dessa forma, considerando-se sua relevância para o mundo de hoje, não se
pode deixar de atentar para a realidade da escola pública atual, já que é por meio dela
que esta oportunidade de aprendizagem específica é democratizada e universalizada
para todos.
Segundo Carvalho (2004) a realidade do ensino fundamental público brasileiro
tem sido apresentada pela mídia impressa e pelos documentos oficiais (MEC, IBGE,
Inep, Ipea) como “dramática”, “trágica”, “preocupante” e “alarmante”. Os documentos e
reportagens analisados durante a pesquisa indicam, em relação à qualidade do ensino,
a existência de desigualdades entre as diferentes regiões brasileiras e entre o ensino
privado e público. Sobre este último, Carvalho destaca a avaliação realizada pelo Saeb,
a qual revela que, em 2001, 90% dos alunos brasileiros, após concluírem os quatro ou
oito anos formais de escolaridade correspondentes ao ensino fundamental, não
apresentavam habilidades e competências em Língua Portuguesa e Matemática
adequadas para o prosseguimento nos níveis superiores da educação formal.
Diante da constatação dessa realidade, impõe-se para todos aqueles envolvidos
com a área da educação pensar formas de melhorá-la, identificando os fatores que
contribuem para a formação desse quadro “alarmante” e refletindo sobre as maneiras
de superá-lo. A presente pesquisa abordou essa problemática sob a perspectiva do
diálogo, considerando-o como fundamental para a prática educativa e como
pressuposto para a sua qualidade. Para a sustentação dessa premissa, este trabalho
buscou apoio em dois grandes pensadores que se debruçaram sobre esta questão.
Paulo Freire é o primeiro deles. Educador brasileiro, com publicação vasta, é
considerado hoje uma das maiores personalidades no campo da Pedagogia crítica.
Segundo Romão2, a importância de seu pensamento pode ser notada na grande
contribuição que deu ao avanço da ciência no século XX, pois, a seu ver, “mais do que
metas ou objetivos inéditos, ele propôs uma profunda transformação paradigmática na
2 Um dos fundadores e diretor do Instituto Paulo Freire e estudioso de seu pensamento.
15
maneira de pensar o mundo, dando continuidade à tradição crítico-transformador-
libertária do pensamento ocidental” (2002, p.26). Segundo ele, este fato pode ser
demonstrado pela “expressiva quantidade de investigações científicas levadas a efeito,
em várias partes do mundo, nos mais diversos campos do conhecimento, referenciadas
em seu legado teórico e prático” (Idem, ibid.). Não seria exagero se atribuíssemos a ele
um papel incisivo na introdução do debate que se fez no Brasil, a partir da década de
1970, acerca das relações entre educação e diálogo e que se desenrola até os dias
atuais.
Martin Buber é o outro autor que constituirá o referencial teórico desta pesquisa.
Nascido na Áustria, em 1878, produziu muitas obras no campo da Teologia, mais
especificamente sobre o hassidismo, corrente da mística judaica da qual fazia parte.
Apesar de ser em número menor, também possui produções seminais no campo da
Filosofia, em que desenvolve reflexões sobre a relação, o encontro e o diálogo. Como
decorrência destas últimas, apresenta ainda algumas reflexões sobre Educação.
Inspiraram este trabalho duas conferências sobre o tema, por ele proferidas nos anos
de 1925 e 1929, que se mostram ainda hoje de grande atualidade.
Apesar de terem vivido em lugares e momentos históricos diferentes, esses dois
autores partilham uma mesma utopia e desenvolvem suas reflexões buscando formas
de realizá-la. O projeto comum que os une refere-se à busca pela humanização e a
educação é concebida a partir desta finalidade.
Tanto para Freire como para Buber, a condição de “humanidade” não é dada ao
homem, mas construída por ele a partir das relações que estabelece com o mundo e
com os seus iguais na medida em que cria as condições para sua sobrevivência.
Entretanto, para eles, não é qualquer forma de relação que humaniza o homem, mas
somente aquela que emerge a partir do reconhecimento do outro como diferente, que
lhe confere identidade e, ao mesmo tempo, como igual, com o qual se partilha as
mesmas condições de estar no mundo. Tal reconhecimento é a base ontológica do
diálogo sobre o qual discorreram em suas obras e que se converte assim em condição
para a humanização e em elemento essencial do ato educativo.
Partindo desse pressuposto, considerando o diálogo como elemento essencial da
educação e condição para sua qualidade, este estudo foi realizado com o intuito de
16
oferecer subsídios para se romper com as visões utilitaristas e tecnicistas nas relações
humanas verificadas na sociedade contemporânea e, conseqüentemente, também no
campo educacional. Buscando conhecer o modo como professores vêm
compreendendo o diálogo na prática educativa, este estudo procurou revelar aspectos
presentes nesta compreensão e, assim, indicar caminhos para aqueles que defendem
uma proposta educacional dialógica.
Assim, o trabalho foi estruturado da seguinte forma. Primeiramente, procurei
expor ao leitor o modo como o diálogo é por mim compreendido e apresentar os
pensamentos de Paulo Freire e Martin Buber, que inspiram essa compreensão. No
capítulo seguinte são indicados os princípios metodológicos que fundamentam a
pesquisa, assim como os procedimentos de coleta e análise dos dados que foram
adotados para possibilitar que o fenômeno em estudo pudesse emergir. Busquei então
caracterizar o contexto onde se situa a pesquisa, descrevendo a escola e a comunidade
onde está inserida a partir de dados estatísticos, impressões e informações coletadas
nos encontros realizados pelo projeto mais amplo durante os anos de 2005 e 2006. No
Capítulo 4 apresento o modo como os dados foram analisados, numa etapa mais
descritiva, na qual ponho em destaque as unidades de significado percebidas,
agrupando-as em torno de grandes eixos temáticos. Por fim, procedo à interpretação
dos sentidos de diálogo desvelados na compreensão das participantes, discutindo-os à
luz do referencial teórico apresentado no primeiro capítulo.
17
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO
A finalidade deste capítulo é, inicialmente, expor ao leitor o sentido que se atribui
ao diálogo neste trabalho, tendo em vista que se procura defender a sua importância
para o ato educativo. Essa compreensão se inspira, em larga medida, em formulações
de Martin Buber e Paulo Freire3. Por essa razão, será necessário realizar um percurso
através do pensamento destes autores, de maneira a explicitar o modo pelo qual
conceitos que encontramos em suas obras irão auxiliar na compreensão da realidade
empírica que é o foco deste trabalho. Convém esclarecer que a leitura de Buber e Freire
foi feita em função das necessidades da pesquisa e, portanto, busca realçar apenas
elementos que pareceram ser de fundamental relevância para o tema em questão.
1.1. Martin Buber (1878-1965)
É difícil definir um pensador como Martin Buber. Tendo atuado em diversas áreas,
“não se deixa etiquetar por qualquer sistema doutrinário conhecido” (Zuben, 2003,
p.XVIII). Suas obras transitam nos campos da Teologia, Filosofia e Antropologia, sem
estabelecer limites rígidos entre eles. No entanto, uma característica que perpassa o seu
trabalho e sua vida consiste na busca por compreender o sentido do humano a partir de
experiências concretas, vividas, e não através de especulações puramente abstratas,
que o levariam à elaboração de um sistema teórico e doutrinário (Zuben, 2003). Talvez
por isso, “em virtude de sua maneira de apresentar o existir humano” (Forghieri, 1984,
p.19), Buber seja freqüentemente aproximado aos fenomenólogos existenciais.
De sua extensa obra, interessa aqui focar nas reflexões que Buber desenvolve
acerca da educação, partindo de duas conferências por ele proferidas intituladas “Da
função educadora” (1925) e “A educação para a comunidade” (1929). Como veremos, o
conceito de diálogo ocupa um lugar fundamental nessas reflexões, como aliás no 3 A partir de artigo de Aguilar Sahagún (2002) sobre o pensamento de Hans-Georg Gadamer e de conferência por ele proferida em 1972 intitulada A incapacidade para o diálogo (Gadamer, 2002), foi possível identificar ainda uma proximidade grande deste filósofo com as idéias defendidas por Buber e Freire. Devido ao porte de sua obra, porém, não houve tempo para proceder-se a um maior aprofundamento de seu pensamento.
18
pensamento de Buber de uma maneira geral. Neste sentido, torna-se impossível
entender a concepção buberiana de educação sem antes compreender alguns conceitos
que compõem a sua “filosofia do diálogo”.
1.1.1. A filosofia do diálogo
Buber desenvolve seu pensamento baseando-se no princípio de que o Homem é
um ser de relações. Ou seja, cuja existência se constitui a partir do momento em que se
depara com o mundo e com ele faz alguma coisa, com ele se relaciona de algum modo.
O conceito de relação pode ser comparado à noção de intencionalidade da
consciência de Edmund Husserl (1859-1938), a qual será retomada mais adiante. Como
explica Zuben, “assim como a intencionalidade não significa algo que esteja na
consciência, mas sim algo que está entre a consciência e o mundo ou o objeto”, também
a “relação não é uma propriedade do homem” (2003, p.XLVI), mas se instaura entre o
Homem e aquilo que se coloca à sua frente.
Buber procura caracterizar os diferentes modos pelos quais estas relações se
estabelecem. Fala-nos então de duas atitudes essenciais do Homem ao se dirigir ao
mundo, caracterizadas por meio daquilo que ele chama de palavras-princípio: Eu-Isso e
Eu-Tu. Estes conceitos foram apresentados e desenvolvidos na obra Eu e Tu (publicada
originalmente em 1923), considerada por muitos o seu principal trabalho.
O que define as duas atitudes não é o com o que se interage, mas a qualidade da
relação que se estabelece4. Na forma Eu-Isso, o Homem se relaciona com as coisas
tomando-as como objetos, manipulando-as, apropriando-se delas. É um modo de
relacionamento funcional, que tem uma finalidade e meios próprios para alcançá-la.
Assim, a construção de conhecimento, o desenvolvimento de técnicas, a descrição das
coisas e dos fenômenos naturais e humanos, tudo isso se dá a partir da atitude Eu-Isso.
Em contraposição, na atitude Eu-Tu não ocorre uma apropriação do mundo e do
Outro, o que está em jogo não é uma finalidade, um “para que”, mas o próprio encontro,
a relação em si. O que a caracteriza é a reciprocidade. O Tu atua sobre o Eu, assim
4 Assim, o Tu não deverá se referir necessariamente a um homem, mas também a outros entes. Da mesma forma, o Isso não consistirá obrigatoriamente em elementos materiais, mas poderá se estender à pessoa humana.
19
como este atua sobre o Tu. O Eu abrindo-se ao Outro torna-se receptor de um dizer que
a presença dele enuncia e a ele responde, aceitando penetrá-lo.5 Diferentemente da
atitude Eu-Isso, na qual o Outro se apresenta enquanto objeto de manipulação e
experimentação, na relação Eu-Tu o Outro é encontrado e conservado em sua
alteridade.
Cabe aqui destacar a influência do hassidismo – seita judaica com a qual Buber
manteve profunda intimidade – sobre a ontologia da relação por ele desenvolvida. O
grande ensinamento que Buber recebeu da mística hassídica foi a desverticalização
entre homem e Deus, realizada a partir da afirmação de que este pode ser encontrado
nas relações estabelecidas entre o Homem e o mundo, nas quais a alteridade esteja
preservada. É dentro deste contexto, que deve ser compreendida a relação entre Eu e
Tu. Em última instancia, ela expressa este encontro entre o Homem e o ser eterno que
se realiza a partir do mundo.
É importante notar que, ao designar estas duas atitudes, Buber não faz um juízo
de valor. Considera-as, ambas, próprias da condição humana. O Homem não pode viver
sem a atitude Eu-Isso, já que é sobre esta que se ergue o conhecimento, a
possibilidade de previsão e controle. Entretanto, julga importante alertar sobre a
possibilidade de se viver exclusivamente sob a égide desta forma de relacionar-se,
tendência que se verifica na sociedade contemporânea orientada pela Ciência e
Tecnologia, em que predominam os valores do domínio e da utilização. Pois aquilo que
faz do Homem Homem situa-se, para além da funcionalidade implicada na atitude Eu-
Isso, na possibilidade do encontro.
É partindo desta constatação que Buber desenvolve a sua filosofia do diálogo,
apresentando-a como a base sobre a qual deve se erigir a comunidade entre os
homens. A idéia de comunidade é abordada por Buber como sendo uma ligação
dinâmica entre os homens que abrange a totalidade de suas vidas. É a união de
pessoas que, na diversidade que as constitui, são capazes de manter relações
autênticas entre si. Estas relações são entendidas como totais – que não envolvem
5 Convém esclarecer que reciprocidade não quer dizer obrigatoriamente correspondência. Ou, dito de outra forma, embora haja uma reciprocidade entre o Eu e o Tu, isto não quer dizer que na relação as duas partes estejam endereçando o Tu. Embora a correspondência possa se dar, ela não é condição necessária para que a relação se instaure.
20
apenas um domínio da vida daqueles que se encontram, mas todo o seu ser – e
imediatas, nas quais as pessoas “se relacionem não pelo fato de possuírem algo em
comum (interesses, negócio, trabalho (...)), mas ao contrário que se relacionem
imediatamente sem intermediários” (Buber, 1987, p.88). A comunidade que Buber
almeja alcançar é então a união de pessoas fundamentada no acontecimento entre elas
da relação Eu-Tu. Sem excluir o relacionamento Eu-Isso, deve estruturar-se de modo
que não reprima a relação Eu-Tu, abrindo espaços para que ela possa se revelar.
Mas como entender a vivência dialógica a partir das atitudes Eu-Isso e Eu-Tu?
Nas palavras de Zuben, “Eu-Tu é a relação ontológica, esteio para a existência
dialógica, para o diálogo” (1984, p.77). O diálogo é entendido como desdobramento
imediato desta relação ontológica que se dá na dimensão do inter-humano. Embora
pareça algo de extraordinário, Buber insiste no fato de que tal relação acontece
concretamente no cotidiano dos homens, do homem comum.
A vivência dialógica pode ser encontrada no dia-a-dia sob as mais variadas
formas e intensidades. Buber nos alerta para que não nos pautemos pelas aparências
às quais comumente recorremos para identificar a presença ou não do diálogo em
determinada situação. “Não existem somente grandes esferas da vida dialógica que na
sua aparência não são diálogo, mas existe também o diálogo que não é dialogo
enquanto forma de vida, isto é, que tem a aparência de diálogo, mas não a sua
essência” (Buber, 1982b, p.53). É possível, por exemplo, que um homem solitário
experimente o diálogo, assim como é possível que ele se faça ausente numa
conversação. A distinção entre o diálogo e o não-diálogo situa-se na atitude essencial
de abertura ao encontro com o outro presente em cada situação.
Buber distingue a vivência dialógica da vivência monológica pela existência de
dois movimentos básicos do Eu em relação ao mundo: o voltar-se-para-o-outro e o
dobrar-se-em-si-mesmo, respectivamente. O voltar-se-para-o-outro caracteriza-se pela
saída de si em direção ao Outro, colocando-se em seu lugar, olhando para a sua
existência não com seus próprios referenciais, mas, ao contrário, despindo-se deles
para verdadeiramente penetrá-la com os referenciais do Outro. Já o movimento de
dobrar-se-em-si-mesmo, segundo Buber, corresponde ao “retrair-se do homem diante
da aceitação, na essência do seu ser, de uma outra pessoa na sua singularidade,
21
singularidade que não pode absolutamente ser inscrita no círculo do próprio ser e que,
contudo, toca e emociona substancialmente a nossa alma” (1982b, p.58).
O que Buber propõe é uma disponibilidade dos homens ao Tu, ao dialógico, que
ele possa se manifestar. O ser humano não se reduz à palavra-princípio Eu-Isso, à
experimentação do mundo, às objetividades. A humanidade do Homem emerge quando
ele se abre ao seu sentido, ao sentido de ser que é confiado a cada homem em sua
existência. E esta abertura só pode ser vivida na relação Eu-Tu, na presença, no
diálogo. Eis a idéia central para a qual aponta o pensamento de Buber: “E com toda
seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive
somente com o Isso não é homem” (Buber, 2003, p.39).
1.2. A educação a partir do diálogo na visão buberiana
Em conferência realizada em 1925 (Buber, 1982a), na qual foi chamado a falar
sobre “o desabrochamento das forças criadoras na criança”, Buber discorre a respeito
do que consiste a realidade da educação e da função que a ela se coloca.
Para Buber, a criança representa a manifestação do novo, a possibilidade
permanente da condição humana recomeçar. A partir deste entendimento, afirma que
ao educador coloca-se a questão de como fazer para que essa possibilidade de
inovação não se perca, não seja obscurecida pelos atos das gerações ascendentes,
mas, ao contrário, seja por eles iluminada. O talento para a criatividade é uma
capacidade da qual todos são dotados e que se manifesta de forma natural e
espontânea. O seu fundamento seria “um instinto autônomo, inderivável de outros
instintos”, por ele designado como “instinto de autor”, o qual se refere ao desejo humano
de “estar na origem de alguma coisa” (Idem, p.6).
No entanto, embora o instinto de autor se manifeste nas “forças criadoras” que
trazem a possibilidade de inovação, a educação não pode, segundo Buber, basear-se
apenas no intuito de libertá-las. Uma educação fundamentada exclusivamente nesse
instinto poderia conduzir a um isolamento dos homens, caso a criatividade se exercesse
sem o envolvimento. Se as forças criadoras se exercem individualmente, o “instinto de
autor, abandonado a si mesmo, não conduz (...) a dois modos de formação
22
indispensáveis à organização de uma verdadeira vida humana: à participação numa
causa e à responsabilidade na mutualidade” (Idem, p.8).
A participação numa causa e a responsabilidade na mutualidade dizem respeito à
condição de defrontar-se no mundo com outros, em comunidade, pela qual o Homem
percebe que não é apenas um manipulador das coisas, mas que estas também o
afetam e limitam. Como fundamento desta experiência, Buber apresenta então um outro
instinto, denominado “instinto dos vínculos”, a partir do qual se origina o desejo do
Homem de ser acolhido e reconhecido pelo Outro, assim como ele o acolhe e
reconhece.
À medida que a obra individual é imbuída de uma causa voltada para a
comunidade, a criança deixa de seguir exclusivamente o “instinto de autor” e passa a
seguir também o “instinto dos vínculos”. Para Buber é sobre estes dois fundamentos
que deve ser edificada a educação. As ações educadoras são, portanto, aquelas que
vão ao encontro das forças criadoras assim que libertadas, conduzindo-as para o
comprometimento com a comunidade. Essa condução, como afirma, se realiza a partir
do olhar interrogador que aquele que educa lança para o que aflora espontaneamente
na criança. É a partir desse olhar que a criança é convocada a ser ela própria, vendo-se
confrontada com o bem e o mal e passando a desenvolver capacidade crítica e uma
consistente escala de valores.
Buber observa, em 1925, que o conflito entre a “velha pedagogia” e a “pedagogia
moderna” situa-se na maior ênfase dada a um destes fundamentos. Enquanto a
primeira concentra seus esforços em sufocar o agir espontâneo da criança, impondo-lhe
o já estabelecido e construído, a última restringe a tarefa educativa à abertura a esta
espontaneidade, baseando-se no princípio da liberdade. Buber demonstra como a
corrente “moderna” concebe o Homem como pré-formado desde o nascimento,
precisando desenvolver aquilo que já é inato. Ele contesta essa visão, afirmando que a
constituição do Homem enquanto tal depende da assimilação do mundo que o cerca
(natureza e sociedade), o qual lhe mostra tudo o que a ele se opõe, convidando-o a
penetrá-lo.
Buber aponta ainda para um equívoco em que comumente se incorre quando são
debatidas essas duas correntes pedagógicas. Aqueles que limitam a educação à
23
libertação de forças criativas tendem a considerar a “liberdade” como o oposto de
“coação”. Entretanto, a posição antagônica à da coação seria, para Buber, não a
liberdade, mas a ligação. A partir disso, compreende-se que o que está colocado
fundamentalmente no autoritarismo, mais do que a ausência de liberdade, é a ausência
de vínculo, do reconhecimento do outro como um igual com o qual se partilha as
mesmas condições de estar no mundo.
Este apontamento é de extrema relevância para os tempos atuais, já que resgata
uma perspectiva de compreensão da distinção entre autoridade e autoritarismo pouco
aproveitada nas discussões que hoje se fazem na área educacional. A autoridade da
figura do educador, entendida à luz desta idéia buberiana, implica restrições à liberdade
tanto de educandos como do próprio educador, aceitas a partir do reconhecimento de
que estão fundamentadas na consideração e no respeito mútuos, servindo ao bem-estar
de ambos e ao objetivo comum em torno do qual se reúnem. Espera-se do educador
que ele exerça uma autoridade, e para isso é autorizado pelos educandos e pela
sociedade como um todo. Mas ele não pode qualquer coisa, o seu poder lhe é conferido
apenas com o objetivo de educar. Por isso mesmo, o educando, que vê restringida a
realização de suas vontades, também tem o poder de exigir limites do educador. O
autoritário é aquele que exerce um poder desautorizado, sem limites, que desconsidera
e desrespeita o outro e o sentido da relação que ambos constroem no processo
educacional.
Buber afirma ainda que a educação, como temos hoje, consciente e voluntária
“significa ‘seleção do mundo que age’ através do homem” (1982a, p.11). Sem negar a
possibilidade da educação se realizar de maneira não intencional, ele destaca a
importância da educação sistematizada, já que a tarefa de educar na sociedade
contemporânea é atribuída a determinadas instituições, que só podem realizá-la por
meio de uma ação planejada com objetivos determinados. Ele diz ainda que, ao invés
de tentar negar esta realidade da educação atual, devemos trabalhar para aprimorá-la,
empenhando-nos na sua humanização.
Compreende-se o cuidado que devemos ter para que a ação educativa
intencional e planejada não incorra no risco de tornar as relações entre educador e
educando plenamente objetificadas. Com seu olhar interrogador e sua ação
24
sistematizada, o educador falhará, entretanto, em sua intervenção, se nela ele
desaparecer enquanto pessoa. Recuperando as atitudes essenciais apresentadas
anteriormente, o educar, enquanto atividade que tem uma finalidade, erige-se a partir da
atitude Eu-Isso; contudo, se esvazia de sentido se a dimensão Eu-Tu for deixada de
lado e o educador desconsiderar o educando enquanto sujeito.
Para exercer sua função, o educador deverá, assim, experimentar ao mesmo
tempo atitudes de proximidade e reserva, de familiaridade e distância. Pois, por um
lado, deve partir de relações reais de ser humano a ser humano estabelecidas com
seus alunos e para isso deverá estar próximo a eles. Por outro lado, o educador deverá
também se reservar desta entrega para preservar os papéis que ambos cumprem na
relação educativa.
Dentro destes limites, a função educadora, segundo Buber, deve se basear no
envolvimento. Envolver-se significa tornar o outro inteiramente presente, o que só pode
ocorrer diante de um Tu. Significa, para o educador, poder experimentar a situação
comum pelo outro experimentada. Buber considera dialógicas as relações marcadas em
maior ou menor grau pelo envolvimento.
Embora haja uma reciprocidade na relação dialógica – já que para tornar o Outro
presente é preciso fazer-se presente também –, isso não implica necessariamente a
existência da correspondência entre as partes. No caso da relação educadora,
reciprocidade não quer dizer correspondência no envolvimento, pois a relação
professor-aluno é marcada por um envolvimento unilateral. Como afirma Buber: “(...) o
educador experimenta como o aluno é educado; o aluno, pelo contrário, não pode
experimentar como o educador o educa” (1982a, p.21).
Esta limitação que se coloca para o diálogo na relação educativa não deve, no
entanto, levar à negação de sua relevância. Para Buber, a relação educadora é
marcada por esta contradição. O educador vive o paradoxo de se relacionar com o outro
ser humano e ao mesmo tempo tornar esta relação instrumento para o exercício de sua
função. Assim, ele deve situar-se no espaço intermediário entre os dois pólos que se
criam entre a sua ação intencional e planejada e a presença que lhe é exigida no
momento de sua prática. O educador deve sempre zelar para não partir da noção
abstrata de aluno, mas do aluno real, concreto que se coloca à sua frente. Deve com
25
certa freqüência renovar a experiência de se colocar no lugar do aluno para que o
envolvimento, o diálogo, não se interrompa.
Explicitado, em linhas gerais, o modo como Buber concebe a educação, cabe
agora destacar seus apontamentos para um projeto educacional que tenha como
finalidade a promoção de práticas dialógicas – como é o caso do projeto de pesquisa e
intervenção Participação e Diálogo, no qual o presente trabalho está inserido.
Em conferência proferida em 1929 (Buber, 1987), Buber discorre sobre o que
seria a educação que visasse à construção de uma comunidade concreta entre os
homens, entendendo-se esta como a união de pessoas que, na diversidade que as
constitui, são capazes de manter relações dialógicas entre si.
A pergunta que ele se faz é sobre como a educação de pessoas – “de pessoas
em desenvolvimento” (Buber, 1987, p.87) – pode preparar o advento desta
comunidade, ou, dito de outra forma, como ela pode proporcionar uma maior
penetração do sentido de comunidade na sociedade de sua época.
Como primeiro ponto, Buber estabelece que esta educação só pode se dar
através da própria comunidade. Porque a educação não é teórica, mas concreta; ela se
faz na presença. A educação para algo exige a presença deste algo; seu objetivo, sua
finalidade devem ser revelados por meio das práticas nas quais ela se concretiza. Além
da presença, Buber considera a espontaneidade como elemento constituinte do ato
educativo. Afirma que “aquele que quer educar não educa” (Idem, p.90), pois a
educação não se faz através de propaganda consciente daquilo que se quer ensinar,
mas através do testemunho de sua existência pessoal dado pelo educador. Este
testemunho se dá de forma espontânea, sem que o educador o perceba, possa
controlá-lo ou planejá-lo. É importante ressaltar aqui que, com esta afirmação, Buber
não visa a destituir a educação de sua finalidade ou negar a relevância de se planejar o
ensino a partir de uma intencionalidade. Ele apenas destaca a existência de uma
influência que o educador exerce sobre os alunos que escapa ao controle de qualquer
sistematização.
Mas o que realmente acontece neste processo educacional? Que alteração se
dá nos alunos após serem educados que aponta para a vida comunitária? A tais
questões, Buber responde que a educação para a comunidade conduz “dos contatos
26
indiretos entre os homens às relações diretas, dos contatos movidos por interesses
para as relações cujo fim são elas mesmas” (Idem, p.93). Sendo a educação para a
comunidade capacitação para a relação direta entre os homens, ou seja, para a relação
entre Eu e Tu, ela implica uma condição fundamental, sobre a qual já se discorreu
anteriormente: o voltar-se-para-o-outro. “Este ‘voltar-se’ recíproco de pessoa a pessoa
é algo muito simples, a saber: o encontro do homem com o seu semelhante. Acontece
que isso foi esquecido e desprezado” (Idem, p.94).
A partir dos pontos que já foram até agora levantados, pode-se admitir que tal
educação, se fazendo na presença e na espontaneidade, não se confina a um local
específico, mas pode se dar em qualquer ambiente no qual a comunidade esteja
presente. Buber, no entanto, orienta a sua reflexão mais especificamente para o espaço
da escola, indicando os tipos de relações comunitárias que podem existir neste espaço
e como a educação para a comunidade pode nele se realizar.
Primeiramente ele aponta para a necessidade da existência de relações
comunitárias entre os próprios docentes e entre estes e as demais pessoas que
trabalham na escola. Em seguida, afirma a exigência de que estas se estendam
também às relações entre professor e aluno. Pois só se relacionando dentro do espírito
comunitário com o seu aluno, o professor poderá transmitir algum sentido deste a ele:
“Isto surge a partir deste fundamento, a saber, quando o professor tem o senso natural
de comunidade, de acordo com o seu ser, e o transmite a seu aluno, então ela surge,
só então ela se irradia” (p.95).
A existência de relações comunitárias não deve, entretanto, permear apenas o
ambiente interno escolar, mas sim preencher todas as suas relações com o exterior que
o envolve. Pois é tarefa da escola, segundo Buber, preparar os alunos para conhecer o
contexto que os rodeia – na forma como é constituído –, para reconhecer suas
instituições carentes de comunidade e para a possibilidade de nele inserir-se com o
espírito de comunidade que lhe falta. A escola não deve assim consistir em um “oásis”
ou em um “pequeno paraíso” alienado da realidade que a circunda; quando é assim, as
pessoas ao dela saírem “chegam a um mundo para o qual não foram preparadas, ou
então, ou são arruinadas, ou se adaptam de modo estranho, aderindo às regras da
economia moderna, tanto quanto se possa a elas conformar” (Idem, p.96-97). Sua
27
tarefa, ao contrário, é prepará-las para este mundo, para nele ingressarem ativamente
e a ele darem a sua contribuição.
Também compreendida entre as relações comunitárias que a escola estabelece
em suas vinculações com o mundo circundante, Buber considera de suma importância
a ligação que se estabelece entre a escola e o “lar”. A esse respeito, o autor reconhece
o papel que pode vir a exercer o “Conselho de Pais”, quando este tem presente o
espírito comunitário.
Buber aponta ainda que a organização do sistema educacional deve incluir a
interação entre as classes etárias e entre os sexos e horas de descanso. As duas
primeiras exigências visam a proporcionar uma maior interação entre as pessoas na
diversidade que as constitui, colaborando para que se diminuam as reservas entre elas
e abrindo espaço para o advento da relação autêntica. A terceira diz respeito à
importância de haja momentos sem qualquer outro objetivo senão o próprio ato de
conviver. Momentos em que a finalidade educacional possa ser deixada de lado e o
aluno exercite apenas a vida comunitária com tudo o que lhe é essencial.
Por último, Buber menciona as contribuições que o próprio ensino pode dar
objetivando a educação para a comunidade. Estas são situadas em dois domínios: o
primeiro corresponde à formação de conhecimento sobre a comunidade; o segundo diz
respeito ao caráter deste ensino. Mais importante que o conteúdo a ser transmitido é a
forma como ele é ensinado. Como foi dito, sendo o seu objetivo a comunidade, ou seja,
o encontro entre os homens, a educação que se faz na presença só pode se realizar à
medida que tal encontro se concretize em suas práticas.
1.2. Paulo Freire (1921-1997)
Paulo Freire é considerado hoje uma das maiores personalidades no campo da
Pedagogia, reconhecido nacional e internacionalmente. Da mesma forma que Martin
Buber, Freire desenvolveu um pensamento profundamente atrelado às suas vivências
práticas. A fenomenologia, entre outras correntes filosóficas como o existencialismo e o
marxismo, teve forte influência sobre o seu pensamento.
28
Para entender a importância que Freire atribui ao diálogo na educação, faz-se
necessário, antes de tudo, explicitar a finalidade que ele atribui ao processo educativo: a
humanização.
Sua concepção de educação constrói-se a partir da constatação de que existe
uma realidade opressora, cindida entre dominadores e dominados, na qual uns poucos
detêm o poder e os meios para mantê-lo e outros que se vêem obrigados a trabalhar
para estes e pouco usufruem do resultado de seu esforço. Esta realidade é, segundo ele,
desumanizadora, pois violenta os homens em suas características essenciais, já que
dominados e dominadores são ambos transformados em objetos. Os primeiros, porque
se convertem em instrumentos por meio dos quais os últimos mantêm o seu poder.
Estes, por sua vez, também se objetificam, pois sua violência também os desumaniza
(Freire, 1983). Objetificar o outro gera a desumanização porque, para Freire, é a partir do
reconhecimento da alteridade que o Homem se constitui.
O Homem, segundo ele, é um ser inacabado, que consciente de sua inconclusão
busca aprimorar-se para ser mais. Ser mais Homem, nesta concepção, só é possível a
partir do momento em que ele reconhece a si e ao outro como seres livres, responsáveis,
éticos e esperançosos, capazes de inventar e reinventar o real, não apenas se
adaptando, mas se inserindo ativamente e podendo nele intervir. Assim, é desta
concepção de Homem que Freire parte para elaborar a sua pedagogia.
A constatação da existência de uma realidade opressora que nega a vocação
ontológica do Homem para ser mais leva Freire a afirmar a necessidade de uma ação
libertadora, que transforme esta situação de dominação. Tal ação, contudo, sob seu
ponto de vista, só pode ser realizada por aqueles que têm sua humanidade roubada, a
partir do momento em que se conscientizam da situação de opressão em que se
encontram. Este processo de conscientização, como pretende defender, possui um
caráter eminentemente pedagógico (Freire, 1983).
No livro Pedagogia do oprimido (1983), o autor discorre sobre o que seria a
“educação problematizadora”, que serve ao objetivo acima citado, distinguindo-a da
“educação bancária”, a qual existe a serviço da dominação. Na educação bancária, a
relação educador-educando revela-se dicotomizada: o educador – sendo aquele que
educa, que sabe, que pensa, que diz a palavra, que opta e prescreve a sua opção – é,
29
enfim, o sujeito do processo; o educando – sendo aquele que é educado, pensado, que
escuta docilmente a palavra, que segue a prescrição – é mero objeto na relação
pedagógica. O termo “bancária” com o qual caracteriza este tipo de educação refere-se
ao fato de ele consistir em depositar, encher de conteúdos os educandos, tomados,
assim, como recipientes daquilo que não possuem e precisam – segundo a óptica do
educador – arquivar. Como diz Freire: “A palavra, nestas dissertações, se esvazia da
dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra ôca, em verbosidade
alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não
dizê-la” (Idem, p.65).
A educação problematizadora, por outro lado, pretende superar a contradição
educador-educando. Esta superação se dá a partir do diálogo, elemento conciliador dos
dois sujeitos envolvidos na relação pedagógica que fundamenta esta concepção de
educação. Nesta, o educando é chamado a conhecer, ao invés de arquivar
conhecimentos. E o educador é considerado um sujeito cognoscente não só quando se
prepara para dar uma aula, mas também quando se defronta dialogicamente com os
educandos. Isto quer dizer que não existe um saber pronto, acabado, que o educador
transmite ao educando, mas que este é construído na relação entre ambos. Quer dizer,
como afirma o autor, “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si
mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Freire,1983,
p.79)6.
A educação é problematizadora à medida que desafia o educando a desvelar o
contexto no qual está inserido, ajudando a compreendê-lo criticamente. O que se busca
neste tipo de educação é a inserção crítica na realidade para transformá-la. Seu objetivo
não é transformar a mentalidade dos educandos e, sim, transformar a situação que gera
opressão. O educador que pretende se sobrepor aos educandos, que quer impor a sua
forma de pensar a estes, está ele também exercendo desta forma um processo de
dominação.
6 Convém aqui ressaltar a necessidade, dentro deste referencial, de se substituir a idéia de transmissão
de conhecimentos pela idéia de construção coletiva de conhecimentos. Conforme indica Faundez (1989), filósofo chileno, também influenciado pelo pensamento freireano, o próprio significado etimológico do verbo conhecer, revela a impossibilidade desta ação realizar-se em um plano individual. Segundo ele conhecer consiste em “nascer junto, nascer com alguém” o que aponta para a natureza fundamentalmente social deste processo, implicando a “necessidade, para as duas entidades, de tomar parte nesta ação, de nascer junto, de aprender um do outro e vice-versa” (p.271).
30
A pedagogia que, ao contrário, exerce um processo de libertação é, segundo
Freire, aquela que visa à autonomia do educando. “No fundo, o essencial nas relações
entre educador e educando (...) é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua
autonomia” (2003, p.94). Este aprendizado se dá através do exercitar-se como um ser
pensante, ativo, construtor e inventor da realidade. Como afirma:
A autonomia (...) é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (2003, p. 107)
Isto quer dizer que, se a prática pedagógica tem como finalidade a humanização,
ela só poderá se concretizar se fundamentada em práticas humanizadoras. É por este
motivo que Freire defende a dialogicidade como essência deste processo7. Assim, se
na educação ensaia-se o assumir-se enquanto sujeito autônomo, responsável, livre,
ético e criador, é importante esclarecer o sentido freireano desta assunção: “A
assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a ‘outredade’ do ‘não-
eu’, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu” (1983, p.41). É por este
motivo que o diálogo, nesta concepção, se torna essencial nesta proposta educacional
e se converte no elemento conciliador da dicotomia educador-educando.
Para Freire, dialogar significa pronunciar a palavra autêntica, a palavra que está
compromissada com o mundo, que não o perde de vista. Ela não pode se dissociar de
nenhum dos dois elementos que a constituem: a ação e a reflexão. Sem o primeiro,
torna-se vazia, converte-se em discurso alienante, pois não se compromete com a
transformação do mundo. Neste caso, a própria reflexão também é necessariamente
sacrificada. Mas sem o segundo elemento (a reflexão), a palavra se converte em
ativismo, perde sua criticidade e, conseqüentemente, sua eficácia na transformação da
realidade no sentido da humanização (Freire, 1983).
Freire define o diálogo como o “encontro dos homens, mediatizados pelo mundo,
para pronunciá-lo” (Idem, p.93, grifo do autor). Ele se funda na esperança, confiança e
humildade. Só pode haver diálogo se houver o sentimento de humildade pelo qual o eu 7 Como frisa Severino (2000), “não se supera um des-valor pela imposição de outro des-valor, ou seja, a educação só liberta na medida em que ela envolve todos os sujeitos numa prática democrática, respeitando a dignidade pessoal de todos” (p. 92).
31
descobre-se inacabado e por isso abre-se à contribuição do outro. Esta abertura, por
sua vez, pressupõe confiar em que o outro tenha algo a contribuir na busca pelo ser
mais, daí a razão de se compartilhar com ele a construção e invenção do real. É preciso
ainda esperar que algo se desdobre do encontro, pois “se os sujeitos do diálogo nada
esperam do seu quefazer já não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É
burocrático e fastidioso” (Idem, p.97). Por último, é necessário que haja amor, que
significa compromisso com os homens, e a fé em seu poder de reinventar o real.
A dialogicidade que Freire defende como essência de sua proposta educacional
é o respeito essencial existente entre os sujeitos engajados na relação pedagógica,
entendida como a ação cultural para libertação dos oprimidos. Ao contrário da ação
antidialógica, que leva apenas à conquista, divisão, manipulação e invasão cultural
daqueles para os quais ela se dirige, a adoção da ação cultural dialógica tem como
conseqüências inversas a colaboração, a união para a libertação, a organização e a
síntese cultural dos que estão nela envolvidos (Idem, p.143-218). Ou seja, a educação
fundamentada no diálogo implica que todos que estão nela engajados trabalhem juntos
para libertarem-se da opressão, numa busca incessante por restituir-lhes a humanidade
roubada e assim concretizar sua vocação ontológica para ser mais.
1.3. Algumas considerações
O leitor terá notado, sem que fosse necessário apontar a cada momento, que há
múltiplas convergências entre os pensamentos de Martin Buber e Paulo Freire no que
se refere ao sentido do diálogo e seu papel na prática educativa. Não é o caso aqui de
desenvolver uma reflexão mais aprofundada sobre a extensão e os limites de tais
aproximações. No entanto, tendo em vista o propósito desta pesquisa, tentarei aqui
realizar uma síntese de alguns aspectos que serão de importância central para as
análises. Desta maneira, espero deixar claro ao leitor qual compreensão de diálogo na
prática educativa será adotada neste trabalho.
Apesar das particularidades que envolvem o pensamento de Buber e Freire,
destaca-se como um aspecto comum aos dois o fato de suas reflexões sobre o diálogo
brotarem da constatação de que uma desumanização vem se consolidando
32
historicamente. Esta tendência se verifica ainda hoje, quando se percebe o predomínio
do individualismo e das visões utilitaristas e tecnicistas nas relações humanas8, assim
como a grande parcela de direitos que são negados por nossa sociedade à maioria da
população.9
A humanização é buscada por Buber no desenvolvimento de uma ontologia da
relação, em que se explicita a possibilidade de duas atitudes essenciais do homem
frente ao mundo. Já em Freire, a busca se dá pelo desenvolvimento de uma pedagogia
baseada no processo de conscientização daqueles que têm sua humanidade roubada e
na sua luta para superar a opressão sofrida. Apesar dos enfoques diferentes, o diálogo
se revela nos dois pensamentos como a atitude essencial humanizadora, por meio da
qual o homem ultrapassa a condição de objeto e realiza-se plenamente como sujeito.
Não se pode esquecer que para Buber o conceito de diálogo revela em última
instância aquilo que fundamentalmente ocorre entre o Homem e o ser eterno. Apesar
de não ser este o enfoque da presente pesquisa, cabe ressaltar a importância da
contribuição buberiana quando aponta que tal encontro só se torna possível quando o
respeito à alteridade é resguardado nas relações estabelecidas entre o Homem e o
mundo.
É esse respeito fundamental, abordado pelos dois autores, que inspira a
compreensão do diálogo de que parte o presente trabalho. Entende-se, como é
demonstrado por Buber e Freire, o diálogo como uma comunicação que se completa
fora dos conteúdos comunicados, pois consiste acima de tudo em uma postura do
homem diante do mundo, fundada no reconhecimento do Outro como diferente e ao
mesmo tempo como um igual com o qual se partilham as mesmas condições de
existência.
8 A esse respeito Aguilar Sahagún, referindo-se a Gadamer, destaca o temor por ele levantado já no final de sua vida acerca da possibilidade da desumanização, pois a aprendizagem, assim como o diálogo e a capacidade de compreensão que aquela supõe estariam sendo ameaçados pela “especialización y todo lo que significa vivir en um mundo tecnificado (los peligros de los médios masivos para la cultura de la comunicación, el funcionamiento masivo de las universidades, la ética del rendimiento, el optimismo del progreso)” (2002, p.60).
9 Cabe apontar também, como lembra Moreira (2002a), a necessidade de se promover o diálogo na sociedade contemporânea caracterizada pelo pluralismo cultural e pelas relações de poder que dela derivam. Situando-se no campo da antropologia este autor apresenta suas reflexões sobre o diálogo, multiculturalismo e suas implicações para o currículo, a fim de impedir que uma política de afirmação das diferenças destrua a possibilidade de construção de projetos comuns.
33
Alguns aspectos, no entanto precisam ser apontados quando se pensa a
transposição deste conceito para a realidade educacional. A finalidade do ensino, que
em última instância, como aponta Freire, visa à autonomia do educando, é efetivada na
educação escolar por meio de uma ação pedagógica sistematizada. O professor
apresenta aos alunos conteúdos recortados do patrimônio cultural acumulado pelas
gerações anteriores e, assim, procura desencadear o processo de construção de
conhecimentos.
Desse modo, na realidade empírica sobre a qual se debruça o presente estudo, a
da prática educativa em sala de aula, o diálogo entendido como respeito fundamental
deverá se revelar não apenas no encontro interpessoal entre educador e educando,
mas também no processo de construção de conhecimentos, cuja condução é tarefa do
educador. No entanto, as possíveis concepções de diálogo que virão à tona nas falas
das professoras entrevistadas durante o processo da pesquisa serão todas levadas em
conta para que se possa, à luz dos pensamentos de Buber e Freire, reposicionar a
questão do diálogo em relação a suas realidades vividas.
Em todo caso, está claro que o diálogo não é de modo algum aqui entendido
como o nivelamento dos papéis dos dois protagonistas da relação educativa: professor
e aluno. A relação dialógica que se vislumbra na prática de ensino se dá num contexto
em que existem finalidades traduzidas nos objetivos projetados pelo educador e nas
expectativas dos educandos que vão encontrá-lo no espaço escolar. Mas para que o
diálogo esteja presente na diferença entre papéis que caracteriza a relação educativa, é
imprescindível que esta se fundamente no reconhecimento da igualdade de valor entre
seus protagonistas.
34
CAPÍTULO 2 – MÉTODO
A descrição do método a seguir parte do pressuposto de que há múltiplas formas
do Homem conhecer o mundo e a si próprio, de se aproximar de tudo aquilo que se
coloca a sua frente. Será portanto explicitada a via a que recorri para efetivar tal
aproximação e as razões porque a considerei a mais adequada para captar e expressar
o objeto de investigação deste trabalho.
2.1. A pesquisa qualitativa
Optei pela modalidade qualitativa de pesquisa por ser o foco da presente
investigação a busca dos sentidos do diálogo na prática educativa em sala de aula
desvelados por professores. Tenho como pressuposto a inviabilidade da apreensão do
sentido por meio de procedimentos de quantificação. Como apontam Martins e Bicudo
(2005), fenômenos que apresentam dimensões pessoais, como acontece com muitos
daqueles que são próprios do campo da Psicologia, podem ser estudados de forma
mais aprofundada numa abordagem qualitativa. Como afirmam, “os estudos assim
realizados apresentam significados mais relevantes tanto para os sujeitos envolvidos
como para o campo de pesquisa ao qual o estudo desses fenômenos pertence” (p.27).
Perguntar pelo sentido significa indagar pela iniciativa do Homem na produção
de sua ação, o que já aponta para o princípio de que este, apesar de sofrer
condicionamentos, não se reduz a eles, tendo a capacidade de ultrapassá-los,
interpretando e atribuindo direções a suas vivências. Tal concepção de Homem tem
como implicação imediata a constatação da impossibilidade de se compreender o
comportamento humano apenas a partir de explicações causais que permitiriam o
controle e previsão de ações futuras.
Assim, a opção pela modalidade qualitativa de pesquisa significa não somente
uma escolha pela utilização de determinados procedimentos de análise, mas, sim,
essencialmente, uma adesão aos pressupostos que os fundamentam. Como afirma
Moreira, as características específicas da condição humana “praticamente exigem para
35
seu estudo um conjunto metodológico (...) que leve em conta que o homem não é um
organismo passivo, mas sim que interpreta continuamente o mundo em que vive”
(Moreira, 2002b, p.44).
2.2. O método fenomenológico-existencial
Dentre as inúmeras correntes pertencentes ao paradigma qualitativo de
pesquisa, o presente trabalho se apoiou mais especificamente nas contribuições
oriundas da Fenomenologia Existencial.
A Fenomenologia é uma corrente filosófica surgida no século XX que desde o
seu início esteve muito próxima da recém-criada Psicologia (Moreira, 2002b). Ela nasce
com Edmund Husserl, o qual inaugura uma nova forma de conceber o processo de
construção do conhecimento. Embora Husserl possa ser considerado o fundador da
Fenomenologia, outros fenomenólogos importantes apareceram em sua época que a
desdobraram em algumas variantes e ramificações. A qualificação de “existencial”
refere-se a uma dessas vertentes, que se caracterizou, sobretudo, pela explicitação da
existência concreta a partir da qual se funda a experiência e toda a possibilidade do
conhecimento10.
Husserl propõe a Fenomenologia como uma tentativa de superar a crise
instalada na Filosofia, nas Ciências Humanas e nas ciências em geral derivada do
debate dicotomizado entre sujeito e objeto que se travava no final do século XIX. De um
lado, havia os naturalistas, no domínio das ciências, os quais, inspirados pelo
Positivismo, afirmavam como parâmetros verdadeiramente científicos aqueles seguidos
nas Ciências Naturais, nos quais se buscava o máximo do que chamavam de
objetividade, eliminando-se do campo de investigação tudo o que não fosse mensurável
e controlável. De outro, já no âmbito filosófico, se colocavam os idealistas, os quais
questionavam os fundamentos e as possibilidades de alcance da ciência positivista ao
afirmar a existência de um “‘sujeito puro’ que asseguraria a objetividade e a coerência
dos diferentes domínios do conhecimento objetivo” (Dartigues, 2005, p.15).
10 Para maiores esclarecimentos a respeito da trajetória da Fenomenologia Existencial a partir da Fenomenologia desenvolvida por Husserl e daqueles que representaram este movimento, ver Dartigues (2005).
36
Husserl buscou superar essa dicotomia entre objetivismo e subjetivismo
desenvolvendo a idéia da intencionalidade da consciência – formulada pela primeira
vez por Franz Brentano –, que se constitui num dos principais pilares do pensar
fenomenológico. Segundo esta idéia, afirma-se a inexistência de uma consciência pura,
anterior às coisas, aos acontecimentos, já que esta estaria originariamente voltada ao
mundo. Dessa forma, seria impossível falar tanto numa consciência quanto numa
realidade em si, já que a consciência é sempre consciência de algo e, portanto, sujeito
e objeto emergem concomitantemente ao se encontrarem. Ao encontro entre sujeito e
objeto, Husserl deu o nome de fenômeno, que significaria então aquilo que se mostra
para um determinado olhar (Idem).
A idéia de consciência intencional e o conceito de fenômeno dela derivado
traduziram-se em posturas metodológicas, as quais são incorporadas no presente
estudo. Tais pressupostos põem em destaque uma nova forma de se conceber o
processo de construção de conhecimento, o sujeito cognoscente e o objeto
cognoscível. É enfatizada a interação que se estabelece entre estes dois últimos,
tomando-a como o ponto de partida para o conhecer.
A palavra “fenomenologia” deriva de duas expressões gregas, phainomenon e
logos. Martin Heidegger, a partir dessa etimologia, atribui-lhe o significado de “deixar e
fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”
(Heidegger, 2002, p.65). Enquanto método de investigação, a postura fenomenológica
apresenta então um grande diferencial em relação ao método tradicional das ciências:
seu discurso volta-se para o esclarecimento do fenômeno em vez dos fatos.
Os fatos corresponderiam àquela realidade anterior ao sujeito, plenamente
objetiva, que o sujeito cognoscente, eliminando ao máximo as possibilidades de
distorção que sua subjetividade poderia provocar, busca conhecer. Já a compreensão
da realidade enquanto fenômeno pode ser caracterizada de uma forma radicalmente
diferente. Como esclarece Martins (1984), tal compreensão “nos leva à proposição de
que toda experiência tem o seu referente ou direção para aquilo que é ‘experienciado’
e, inversamente, todo fenômeno experienciado refere-se ou reflete um modo de
‘experienciar’ aquilo que está presente” (p.3).
37
Esta distinção entre o dirigir-se para o real tomando-o como fenômeno em vez de
fato – a qual, segundo Critelli, “consiste na determinação mais básica do pensamento
fenomenológico” (1996, p.9) – trouxe como implicação direta para o presente estudo um
destaque importante conferido ao modo como foi experienciado pelas entrevistadas o
tema da pesquisa: o diálogo na prática educativa. Este não foi buscado em sua
universalidade a partir da extração de uma essência abstrata que o constituiria, mas em
sua concretude, no modo particular como foi vivido e experimentado pelas participantes
da pesquisa.
Da mesma maneira, também se destacou o modo como eu, enquanto
pesquisadora, acessei a vivência dos participantes e o como experienciei a
compreensão do seu sentido. Isto quer dizer que os resultados a que esta pesquisa
chegou não correspondem a um suposto sentido em si atribuído pelas professoras, mas
ao modo como este sentido se desvelou para o olhar da pesquisadora. Partiu-se do
princípio de que o desvelar-se e o ocultar-se do fenômeno constituem a dinâmica de
seu aparecer e que, portanto, o seu aparecimento está sempre atrelado ao olhar que o
iluminou (Critelli, 1996).
Como o olhar fenomenológico está voltado para a compreensão do fenômeno, a
sua principal preocupação será compreender como o homem se relaciona intimamente
com o mundo, como ele o experiencia antes de qualquer tematização (Merleau-Ponty,
1971), já que é desta experiência original que nasce toda possibilidade de
conhecimento. Trata-se de “voltar à coisa mesma”, como enunciado por Husserl, o que
nas palavras de Maurice Merleau-Ponty significa:
retornar a este mundo antes do conhecimento [do qual o] conhecimento fala sempre, e com respeito ao qual toda determinação científica é abstrata, representativa e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos primeiramente o que é uma floresta, um campo, um rio. (1971, p.7)
Para proceder a este retorno, Husserl formulou então um método, a “redução
fenomenológica”, que consiste em descrever a experiência tal como ela se mostra,
pondo “entre parênteses” os julgamentos que se tenha previamente a respeito do
fenômeno investigado. Martins e Bicudo (1983) explicitam melhor o que isto quer dizer
quando afirmam que não se trata de abandonar tudo o que se conhece da realidade,
mas “que se deve ficar alerta e procurar ver o fenômeno observado a partir da sua
38
própria realidade e não a partir dos conceitos, de crenças e predicados que veiculam
sobre ele” (p.14).
Neste estudo o que foi posto em suspensão diz respeito aos preconceitos e
valores da pesquisadora e à compreensão de diálogo aqui adotada. Embora se saiba
que a suspensão completa de idéias prévias, crenças e valores seja impossível, o que
se procura destacar é a necessidade de se empreender um esforço permanente de
abertura ao fenômeno para que ele possa se mostrar sob faces inéditas, ainda não
conhecidas, que as categorias teóricas já estabelecidas não nos permitiriam enxergar.
Expostos os princípios metodológicos que sustentam este trabalho, retomo, a
seguir, os objetivos desta pesquisa e apresento as pessoas que dela participaram, os
procedimentos de coleta de informações, uma descrição dos encontros realizados com
as participantes e, por fim, os procedimentos de análise adotados.
2.3. Objetivos da pesquisa
O objetivo desta pesquisa consiste em compreender quais sentidos do diálogo
na prática educativa em sala de aula podem ser desvelados a partir das falas de
professores de uma escola pública do município de São Paulo ao longo da implantação
de uma proposta participativa e dialógica de ensino. Entende-se por sentido a direção, o rumo, que se imprime ao diálogo dentro da
trama de relações que estes professores estabelecem com o mundo e com seus iguais.
É importante reiterar que, como já foi dito, o diálogo não foi abordado segundo
definições previamente estabelecidas, mas sim a partir do modo como os professores
pesquisados o consideraram e formularam.
2.4. As professoras participantes da pesquisa
Adotou-se como critério para escolha dos participantes o interesse e a
participação voluntária demonstrados no projeto Participação e Diálogo, no qual este
trabalho se insere.
39
Assim, foram convidadas quatro professoras que estiveram presentes em
algumas das reuniões coletivas promovidas junto aos representantes das diversas
instituições envolvidas e que participaram diretamente das atividades ligadas à etapa
de “diagnóstico participativo”11, prevista no projeto mais amplo. As quatro aceitaram o
convite, porém duas delas não puderam participar de todos os encontros realizados por
motivo de licença médica ou devido a contratempos ocorridos na escola que exigiram a
sua presença em outras atividades.
É importante destacar que uma das docentes participou, além desta pesquisa,
também de um estudo de iniciação científica de outra pesquisadora, sob orientação da
Prof.ª Dr.ª Heloisa Szymanski. Neste estudo, buscou-se conhecer como a proposta
educacional dialógica e participativa está sendo incorporada na prática de ensino, a
partir do acompanhamento semanal em sala de aula.
Por fim, cabe apontar que, voltado para estas professoras, mas não só para elas
e sim a todos educadores da escola (incluindo-se funcionários e gestores), esteve
disponível, ao longo da presente pesquisa, o serviço de plantão psicoeducativo12
oferecido por uma mestranda da PUC-SP. Este plantão tem como objetivo, a partir de
atendimentos individuais, propiciar um espaço de escuta, no qual os educadores
possam refletir, questionar, significar e construir uma melhor compreensão de suas
práticas.
2.5. Procedimentos de coleta de informações
Para a coleta das informações, realizaram-se “entrevistas reflexivas”, segundo a
proposta de Szymanski (2002). A opção pela realização de entrevistas em vez da
observação em sala de aula deveu-se à consideração de que os relatos verbais
11 Esta etapa consistiu no levantamento da realidade educacional de cada instituição, a partir da realização de entrevistas com todos os segmentos que as constituem. Estas professoras participaram como entrevistadoras e observadoras das atividades que ocorreram nas instituições envolvidas (com exceção da escola onde trabalham), sendo que uma delas ficou responsável pelo processo de digitação dos registros.
12 Trata-se de um serviço de plantão psicológico com foco nas questões educativas que vem sendo há alguns anos desenvolvido por pesquisadores sob coordenação da Prof.ª Dr.ª Heloisa Szymanski: Melo (2004), Belardi Neto (2005), Sanchez (2006). Uma sistematização das bases teóricas que sustentam esta prática pode ser encontrada em Szymanski (2004).
40
permitem um acesso privilegiado às crenças, valores e significados que atravessam a
compreensão das professoras acerca do fenômeno investigado.
A modalidade reflexiva de entrevista consiste em um conjunto de procedimentos
formulado para atender às condições que permeiam o estudo de fenômenos humanos e
que são explicitadas na própria situação da entrevista. Esta, como afirma Szymanski, “é
fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as
percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações
para os protagonistas: entrevistador e entrevistado” (2002, p.12). Estão em jogo
também, como continua a autora, uma intencionalidade por parte do pesquisador e
daquele que aceita participar do estudo; uma desigualdade de poder a favor do
entrevistador, já que é ele quem define a questão a ser estudada, seleciona os
participantes e dirige a situação de entrevista; e distorções e ocultamentos presentes
inevitavelmente na fala dos entrevistados que limitam suas possibilidades de
representatividade.
Além destas condições, Szymanski aponta ainda para o caráter reflexivo que
constitui a situação de entrevista, já que esta se configura como “um momento de
organização de idéias e de construção de um discurso para um determinado
interlocutor” (2002, p.14). Muitas vezes, como lembra a autora, as configurações que
adquirem as informações trazidas pelo entrevistado podem se mostrar inéditas até para
quem as emitiu, pois é possível que elas nunca tenham sido expostas numa narrativa
ou tematizadas antes. Dessa forma, torna-se um pressuposto para o uso deste
procedimento a consideração de que o produto final dele gerado deve ser tomado como
resultante da interação específica estabelecida entre entrevistador e entrevistado.
A entrevista reflexiva, segundo esta proposta, deve ser semidirigida e realizada
em pelo menos dois encontros: no primeiro, busca-se conhecer a compreensão dos
entrevistados acerca do fenômeno investigado e, no segundo, devolve-se a estes o
entendimento do pesquisador. A formulação de um segundo encontro destinado à
devolutiva decorre justamente da consideração dos aspectos anteriormente levantados
inerentes ao espaço relacional que se institui na situação de entrevista. Acredita-se
que, com este procedimento, além da promoção de um cuidado ético com os
participantes, se estará aprimorando a fidedignidade dos dados, já que é aberta ao
41
entrevistado a possibilidade de rever sua fala, refletindo sobre ela, e de modificá-la,
complementando-a, negando-a ou reafirmando-a de acordo com sua vontade.
Optou-se no presente estudo pela realização de entrevistas coletivas,
entendendo-se que a reflexão no grupo propicia situações de confronto que permitem
que o tema em questão seja abordado de maneira mais complexa.
Ao todo foram realizados cinco encontros, com aproximadamente uma hora de
duração. O intervalo entre cada encontro foi condicionado pela disponibilidade das
participantes e da pesquisadora e do tempo necessário para a elaboração da
transcrição a ser entregue na reunião seguinte. Além da transcrição, também foram
entregues às docentes cópias das sínteses elaboradas pela pesquisadora para
orientação da devolutiva.
O primeiro encontro ocorreu no mês de setembro, no qual apresentei às
professoras os objetivos do trabalho e fiz um convite formal para que dele
participassem, assegurando-lhes o direito ao anonimato, ao esclarecimento de dúvidas
e questões e ao abandono da pesquisa no momento em que desejassem. Neste
primeiro contato foi solicitada ainda a permissão para se gravar as entrevistas,
garantindo-se às participantes a possibilidade de acesso às gravações assim como às
transcrições. Como todas concordaram em participar, a primeira entrevista iniciou-se
imediatamente13.
A modalidade reflexiva de entrevista, como proposta por Szymanski, inicia-se
sempre com uma pergunta desencadeadora que tem como objetivo “trazer à tona a
primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante pode oferecer
ao tema que é introduzido” (2002, p. 28). Esta deve ser elaborada a partir dos objetivos
da pesquisa a fim de direcionar os participantes para o ponto que se quer estudar, ao
mesmo tempo em que deve ser ampla o suficiente para que estes possam escolher por
onde começar.
No quadro abaixo são apresentados os objetivos que se colocaram para cada
encontro e as questões desencadeadoras que foram propostas às participantes.
13 O consentimento dado pelas participantes e o compromisso assumido pela pesquisadora foi registrado por meio de documento denominado Termo de Consentimento Esclarecido assinado pelas duas partes. Um modelo deste documento encontra-se anexo.
42
Encontros Objetivos e questões desencadeadoras Participantes
(nomes
fictícios)
Encontro 1
14/09/2006
Objetivos: conhecer melhor as participantes e a primeira
elaboração que fazem a respeito do diálogo na prática em sala de
aula.
Questões desencadeadoras:
1 – “Para começar eu queria pedir que vocês se apresentassem,
falassem a disciplina que lecionam, série, há quanto tempo
lecionam, e que contassem como está sendo participar desse
projeto Diálogo e Participação: qual era a expectativa que vocês
tinham e como está sendo a experiência de participação.”
2 – “Descrevam uma situação de diálogo ou que chamariam de
dialógica que vocês viveram na prática educativa em sala de
aula.”
Estela
Alice
Maria
Encontro 2
05/10/2006
Objetivo: devolutiva.
Estela
Alice
Maria
Encontro 3
26/10/2006
Objetivo: finalização da devolutiva.
Estela
Alice
Maria
Encontro 4
23/11/2006
Objetivo: levar as professoras a refletirem sobre a experiência
dialógica na prática educativa.
Questões desencadeadoras:
1 – “Você acha que o diálogo ajuda na sua prática educativa? Se
sim, dê exemplos.”
2 – “Você acha que há momentos em sua prática educativa em
que não cabe o diálogo? Se sim, dê exemplos.”
3 – “Descreva uma situação no seu dia-a-dia profissional em que
você considere que falta diálogo.”
4 – “Descreva uma situação no seu dia-a-dia profissional em que
você considere que haja bastante diálogo.”
Isabel
Estela
Maria
Encontro 5
30/11/2006
Objetivo: devolutiva.
Estela
Alice
Maria
43
2.6 Descrição dos encontros
A seguir são apresentadas sínteses de cada encontro, das entrevistas e
devolutivas realizadas, contendo o modo como transcorreram e os principais assuntos
que foram discutidos14.
1ª entrevista:
Participaram do encontro as professoras Estela, Alice e Maria. Isabel não pôde ir,
pois estava em licença médica. A entrevista teve início com o pedido às participantes
para que se apresentassem, contando a disciplina e série em que trabalham, há quanto
tempo lecionam e como estava sendo a experiência de participar do projeto Diálogo e
Participação em andamento na escola.
Estela começou se apresentando. Disse que é professora de Geografia e
História e que trabalha há cinco anos naquela escola e há 17 anos na educação.
Atualmente é professora também numa escola estadual, onde dá aulas no ensino
médio para as três séries. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF)
estudada – a qual será denominada, neste trabalho, pelo nome fictício EMEF Sabiá –,
leciona na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite, atendendo alunos na
faixa etária entre 15 e 70 anos.
Maria, por sua vez, se apresentou como professora de Matemática. Também
trabalha na EJA onde dá aula para as 8as séries. Entretanto, diferentemente de Estela,
atua também no ensino fundamental, junto aos alunos das 5as, 6as e 7as séries. Não
acumula trabalho em outras escolas e disse estar há 15 anos lecionando.
Por fim, Alice, apesar de ser a mais velha das três, contou que é a mais nova na
profissão docente, na qual atua há quatro anos. É, assim como Maria, professora de
Matemática, mas trabalha apenas na EJA. Disse que nunca pretendeu lecionar e que
somente optou pela profissão depois que perdeu o emprego de bancária após a venda
14 As entrevistas transcritas na íntegra foram retiradas do corpo do trabalho devido a um cuidado ético com as participantes.
44
do banco para o qual trabalhava. Mostra-se satisfeita com a opção que fez, mas
considera que está “engatinhando” na educação. Por este motivo, e também por
sugestão do diretor e da coordenadora pedagógica, procura participar de todos os
projetos em andamento na escola, nos quais diz estar aprendendo muito.
Com relação à experiência no projeto Diálogo e Participação, as três docentes
mostraram-se muito satisfeitas, mencionando diversas contribuições por ele trazidas: a
oportunidade de ouvir o que os outros segmentos têm para falar (diretor, funcionários e
alunos), inclusive as críticas; a oportunidade de se pôr no lugar do outro, refletir e rever
os próprios conceitos mobilizada a partir da possibilidade de escuta; a oportunidade de
dizerem e serem ouvidas no que pensam também; a troca de informação e valores; e,
finalmente, a possibilidade de melhorar a escola e o desempenho dos alunos. Como
contribuições especificamente voltadas para a prática educativa em sala de aula, foram
apontadas: a utilização junto aos alunos de técnicas aprendidas no projeto com o
objetivo de promover o diálogo e a participação; a melhoria da escuta enquanto
educadora e, conseqüentemente, da relação com os alunos.
Em seguida foi proposto às professoras que descrevessem uma situação que
chamariam de dialógica vivida na prática educativa em sala de aula e o como se
sentiram.
Estela relatou uma situação em que transitou por diversas áreas do
conhecimento dentro de uma única aula, dialogando com os alunos a respeito de
práticas transformadoras da realidade em que vivem. Contou que, numa aula seguinte,
obteve o retorno de que a discussão tinha resultado em ações que surtiram efeitos
práticos na vida dos alunos. Disse ter se sentido feliz e importante ao se perceber
mudando a realidade do país.
Tal como Estela, Alice descreveu uma situação na qual trabalhou determinados
conteúdos pensando a sua relação com o cotidiano da turma. Relatou ter se sentido
realizada ao ver os alunos interessados e motivados durante a aula e mostrando-se
apropriados daquilo que ela queria passar.
Já Maria descreveu uma situação em que parou de dar o conteúdo programado
para trabalhar conflitos que despontavam na classe e atrapalhavam o andamento da
aula. Na ocasião, iniciou uma reflexão com a turma a respeito do modo como se
45
tratavam, valendo-se do diálogo para dar a sua opinião, ouvir a opinião deles e fazer
com que eles escutassem a opinião do colega. Comentou que a atividade apresentou
bons resultados, mas que não gostou do rearranjo das classes feito para o ano
seguinte, pois a impediu de ver a continuidade de seu trabalho.
A partir das colocações que iam sendo feitas à medida que as participantes
traziam suas experiências no projeto e descreviam situações vividas em sala de aula,
alguns assuntos foram postos em destaque e geraram uma discussão mais
aprofundada. Os temas destacados foram os seguintes: a dificuldade de escuta por
parte dos docentes e os poucos espaços e momentos de reflexão que caracterizam sua
profissão, atribuídos entre outros fatores à jornada dupla de trabalho e ao número
excessivo de alunos por sala; a importância da reflexão para a melhoria da prática
educativa e para garantia de uma ação transformadora; a satisfação com os cursos de
formação que propiciam a reflexão e a partilha com outros colegas das experiências
vividas em sala de aula; os “chacoalhões” que os alunos provocam no educador; a
sensação de “estresse” que permeia o trabalho do professor; o desrespeito na relação
professor-aluno; a indisciplina e a disciplina na sala de aula; a “elevação da auto-
estima” dos estudantes como uma das tarefas da ação docente; e, por fim, a
importância do professor fazer uso de sua autoridade, definindo algumas regras e
impondo determinados limites.
Devolutiva:
O segundo encontro, no qual estavam presentes as mesmas professoras, foi
iniciado com a retomada de seu objetivo, ressaltando-se a intenção de apresentar a
elas a compreensão que tive a partir de suas falas e de abrir-lhes a possibilidade de
rever, refletir, complementar, confirmar ou negar o que haviam dito. A partir da
exposição dos pontos destacados, aprofundou-se a reflexão acerca de determinados
assuntos, novas informações foram acrescentadas e algumas ponderações foram
feitas.
Com relação à apresentação feita pelas professoras e à sua trajetória na carreira
docente, foram acrescentadas as informações de que Maria se encontra na escola
46
estudada há três anos e de que Alice teve uma passagem breve por outra instituição de
ensino, onde lecionou por apenas três meses.
Um assunto esclarecido durante a devolutiva foi o significado dos cursos de
formação. Foi feita a ponderação de que não são todos os cursos que se constituem
em espaços de reflexão e de troca de experiências, mas aqueles que se configuram
desta forma são considerados importantes para a melhoria da qualidade do ensino.
Aproveitou-se a ocasião para esclarecer, também, o sentido da expressão “terapia
coletiva” que havia sido usada para caracterizar um dos cursos que Estela e Alice
fizeram e com o qual ficaram muito satisfeitas. O termo, segundo elas, se referia à
oportunidade propiciada para se partilhar as angústias e experiências vividas por cada
um e de refletir sobre elas coletivamente.
A oportunidade de reflexão, especificamente, foi novamente destacada como
necessária para o desenvolvimento profissional. Mencionou-se a jornada dupla de
trabalho como um elemento que dificulta a realização de momentos de reflexão, e as
horas de trabalho coletivo foram valorizadas como potencializadoras na construção de
saídas aos problemas verificados na escola. Foi citado o exemplo de um desafio
importante que se coloca hoje para os professores e que as horas de trabalho coletivo
têm ajudado a enfrentar: a questão do letramento. A constatação de que muitos alunos
não estão aprendendo a ler e escrever dentro da escola é mencionada por Estela como
uma grande preocupação dos docentes no momento atual.
Aprofundamos também a compreensão do estresse que permeia o trabalho do
professor, principalmente na EJA, mencionado no encontro anterior. Refletimos sobre
as variáveis que contribuem para este estresse. Em síntese, este foi entendido como
decorrente da situação em se está diante de inúmeras dificuldades sem recursos para
lidar com elas. Dentre estas dificuldades, foram apontadas algumas características dos
alunos da EJA e aspectos mais estruturais do sistema de ensino que condicionam o
trabalho docente.
Em relação às características dos alunos da EJA, comentou-se15 que: eles estão
mais motivados pela obtenção de diploma exigido pelo mercado de trabalho do que
15 São apresentados os diversos comentários efetuados, mas estes não necessariamente refletem um consenso entre as três professoras, de modo que algumas divergências foram explicitamente colocadas.
47
pela aprendizagem; retornam à escola buscando inserir-se no mundo letrado do qual
estão excluídos; são “problemáticos” e apresentam alto índice de faltas; esforçam-se
pouco para a aprendizagem (dentre as razões para o pouco esforço foram citadas a
falta de costume, o medo de tentar e a crença por parte deles de “que é fácil, é só ir
empurrando” que irão passar); alguns apresentam dificuldade para demonstrar o
raciocínio utilizado para o alcance de resultados; e, por fim, pertencem a diferentes
faixas etárias, apresentando diferentes expectativas com relação aos métodos de
ensino.
Quanto aos aspectos mais estruturais do sistema de ensino que condicionam o
trabalho docente foram citados: o tempo curto para a abordagem de todo o conteúdo
previsto; a dificuldade da escola em responder às perguntas e necessidades que o
mundo exige; a falta de material didático apropriado para EJA e do domínio de
estratégias diferenciadas para o ensino; e, por fim, a falta de recursos destinados pelo
poder público a este público específico.
Refletimos, finalmente, sobre a distinção entre autoridade e autoritarismo e seus
fundamentos no respeito e no medo, respectivamente. Discutiu-se o significado de
respeito e foram abordados os aspectos intersubjetivos que permeiam a interação entre
professor e aluno. Falou-se sobre a amizade que muitas vezes caracteriza essa
relação, mas também sobre os conflitos que nela despontam quando a função
educadora exige a imposição de determinados limites.
Finalização da devolutiva:
Como não foi possível finalizar a devolutiva no encontro anterior agendamos uma
nova reunião para completá-la com a presença das três docentes: Maria, Alice e Estela.
Dando continuidade ao que ficou faltando no encontro anterior, expus às
professoras minha compreensão acerca: das situações de sala de aula descritas por
elas como dialógicas; dos sentimentos que permeiam a prática docente; da
consideração da “elevação da auto-estima” dos estudantes como uma das tarefas do
educador; da mútua relação de ensino e aprendizagem na interação entre professor e
48
aluno; e, por fim, das concepções que elas apresentaram para cada disciplina. Dentre
todas as questões expostas, as duas últimas geraram novas reflexões.
A compreensão de que o professor também aprende com o aluno na medida em
que este, com um “jeito diferente de estar” na aula, o desaloja (“chacoalha”) de um
lugar de comodidade foi confirmada pelas professoras, que acrescentaram que o
“chacoalhão” é maior na EJA. Refletimos, então, novamente, sobre as características
da EJA e da ação docente neste nível de ensino, abordando-se questões relativas a: o
tempo curto para o ensino do conteúdo previsto no currículo; o alto índice de faltas
apresentado pelos estudantes; a dificuldade do professor em passar a matéria de forma
contínua; a dificuldade dos alunos em acompanhar o ritmo das aulas; a insegurança
demonstrada por estes últimos; e as qualidades exigidas do docente para trabalhar sob
estas condições (sensibilidade, paciência e flexibilidade).
A segunda colocação que gerou um aprofundamento referia-se às
especificidades de cada disciplina que acarretariam dificuldades para o exercício da
docência ou que, ao contrário, a tornariam mais fácil em alguns aspectos. Diante desta
devolutiva, as docentes explicitaram de forma mais aprofundada quais seriam tais
especificidades, dando exemplos a partir de suas experiências no ensino de
Matemática e Geografia. Suas colocações indicaram que as diferenças e peculiaridades
não dizem respeito a características inerentes às disciplinas, mas sim aos fatores que
condicionam o ensino de cada uma delas em determinada época. Por exemplo: a
formação do professor; o suporte teórico existente; os conceitos e preconceitos relativos
a cada disciplina; e o domínio ou não por parte do professor de estratégias para tornar
o conteúdo mais atraente.
2ª entrevista:
O objetivo da segunda entrevista consistia em propor às participantes uma
reflexão mais aprofundada sobre a prática educativa dialógica.
49
Estavam presentes Isabel16, Estela e Maria. Alice não pôde participar, pois
minutos antes de iniciarmos o encontro foi convocada pela coordenação para
acompanhar alunos em um passeio. Devido à dificuldade para agendamento de um
novo encontro, pois o ano letivo estava próximo do fim e ainda havia a necessidade de
se fazer uma reunião final para devolutiva, optou-se pela realização da entrevista sem a
sua presença17.
Para alcançar o objetivo pretendido, planejei uma atividade estruturada a partir
de quatro questões desencadeadoras. Distribui uma folha de papel a cada participante
e pedi que a dobrassem em quatro quadrantes, nos quais seriam escritas as respostas
a cada indagação. Primeiramente, li as perguntas em voz alta e depois as entreguei na
forma escrita às participantes. Disse a elas que teriam um tempo para refletir e escrever
no papel suas respostas, que depois seriam partilhadas no grupo.
A primeira questão pedia que opinassem sobre a contribuição ou não do diálogo
para a prática educativa, oferecendo exemplos. Foi consenso entre as docentes que o
diálogo ajuda o professor a conhecer melhor o seu aluno, detectar o que ele já sabe e o
que quer saber; isso possibilita um melhor planejamento da aula, de modo a despertar
o interesse do aluno e motivá-lo para a aprendizagem. Elas exemplificaram esta opinião
com situações em que o conteúdo e o planejamento de seus cursos foram pensados a
partir do cotidiano vivido pelos alunos, dos conhecimentos que já detêm e daqueles que
não dominam, de modo a atender seus interesses e necessidades.
A segunda questão indagava às participantes se consideravam que havia
momentos em sua prática educativa nos quais não caberia o diálogo. Se a resposta
fosse positiva, eram pedidos exemplos dessas situações. Ao contrário da primeira
pergunta, não houve um rápido consenso. As opiniões inicialmente foram
diversificadas. Isabel e Maria inicialmente responderam que o diálogo caberia em todas
16 A professora Isabel, que estava em licença médica durante os três primeiros encontros, havia retornado ao trabalho e se mostrou disposta a participar das entrevistas restantes. Considerando o entrosamento que já havia sido criado no grupo entre as outras três docentes, decidi consultá-las a respeito da possibilidade de sua participação. Como não houve objeção, o convite foi feito à Isabel, que o aceitou de pronto. Isabel é professora de Artes e dá aulas para 5as, 6as e 7as do ensino regular.
17 Levou-se em conta também para a tomada desta decisão o fato de que a realização desta segunda entrevista já havia sido adiada duas vezes devido a imprevistos ocorridos nas duas semanas anteriores. O primeiro reagendamento foi proposto pela escola devido ao falecimento de uma docente. O segundo deveu-se à ausência, por razões pessoais, de duas professoras no dia marcado.
50
as circunstâncias, mas depois de ouvir a colocação de Estela, que manifestava uma
opinião contrária, reconheceram a parcela de verdade que lhe cabia.
Estela indicou a existência de momentos em que o professor tem que tomar
certas decisões solitariamente e impô-las aos alunos para conseguir trabalhar. Isabel,
que inicialmente havia apontado a impossibilidade de ministrar sua disciplina sem o
diálogo, já que esta se estrutura sobre a comunicação e expressão, concordou que
aquela situação existia e que era muito freqüente no ensino regular. Maria, entretanto,
apesar de reconhecer tais situações, ponderou que talvez o diálogo estivesse presente
mesmo quando chama a atenção dos alunos, já que antes de chegar a este ponto, ela
procura conversar e entender o sentido das atitudes por eles demonstradas. Maria
sugeriu que a fala de Estela se encaixaria melhor na terceira questão.
A terceira questão pedia que descrevessem uma situação do dia-a-dia
profissional em que faltasse diálogo. Maria aludiu aos momentos em que tem que
“impor sua autoridade”, nos quais a conversa não surte efeitos na participação dos
alunos, tornando-se necessário “ameaçá-los” de alguma maneira, seja por “nota” seja
pela “convocação dos pais”. Isabel e Estela, por sua vez, descreveram situações que
ocorrem fora da sala de aula. Isabel apontou a falta de diálogo no grupo de professores,
relatando casos em que sua opinião não é ouvida, em que é a última a saber das
decisões tomadas e em que há um certo desprezo pela sua disciplina (Artes),
considerada menos necessária. Já Estela discorreu sobre a “deficiência” na
comunicação que envolve as escolas de um modo geral e que atravessa todos os
segmentos a ela relacionados (funcionários, professores, coordenação, direção,
supervisão de ensino, secretaria de governo etc). Afirmou que, apesar da escola se
constituir como um espaço de diálogo, nela é onde menos se conversa, devido ao
tempo da urgência que a atravessa, acentuado pela jornada dupla de trabalho, o alto
índice de faltas dos professores e a carência de substitutos.
Diante das colocações das três participantes, novos comentários se seguiram.
Maria, que trabalha no mesmo período que Isabel, partilhou com ela sua queixa,
concordando que falta diálogo entre os docentes, inclusive entre os grupos de trabalho
coletivo, que não conversam entre si. Isabel, a partir dos problemas apontados por
Estela – os quais diziam respeito às dispensas de turmas, interrupções de projetos em
51
andamento e o improviso por parte dos professores que se encontram na escola –,
comentou que o resultado final era, muitas vezes, a substituição da aprendizagem por
situações em que o professor fica apenas “cuidando” das crianças e adolescentes.
Isabel disse também que compreendia as ocasiões em que era atropelada devido às
urgências para tomada de decisões, mas que sua queixa dirigia-se, principalmente, à
desconsideração e desimportância atribuídas à sua disciplina, suas idéias e sua
opinião, que independiam do imediatismo, sendo pensadas e planejadas. Comentou-se
que as sensações experimentadas nessas situações remetiam aos sentimentos de
frustração, exclusão e tristeza.
As três docentes passaram a discutir, então, sobre as diferenças que observam
entre os quatro turnos escolares quanto às relações estabelecidas entre os
profissionais. Levantaram hipóteses acerca dos fatores que contribuiriam para essas
diferenças, tais como horário, nível de perigo, clima, características do grupo de
profissionais e dos alunos. Pontuou-se que a queixa trazida por Isabel e endossada por
Maria dizia respeito apenas ao terceiro período.
Por fim, partiu-se para a quarta questão, a qual pedia que se descrevesse uma
situação no dia-a-dia profissional em que houvesse bastante diálogo. A maioria dos
exemplos relatados dizia respeito a situações envolvendo professor e aluno, apesar de
terem sido apontadas também circunstâncias envolvendo o diálogo entre professores.
Maria descreveu situações em que discute com os estudantes os problemas que
estão ocorrendo na sala, procurando solucioná-los coletivamente. Relatou ainda uma
situação em que aprendeu a ouvir de uma maneira diferente um comentário feito por
um de seus alunos que inicialmente a incomodava, a partir do momento em que
entendeu o seu significado. Já Isabel comentou sobre a sua prática cotidiana de
procurar saber o que acontece com seus alunos, conhecer a realidade em que vivem e
seus problemas. Referindo-se aos professores, disse que o momento em que percebe
que ouve e é ouvida acontece durante o intervalo, ou no Conselho de Classes, quando
estes se reúnem para falar mal de discentes.
Por fim, Estela, considerando a educação de um modo geral, afirmou que onde
identifica haver bastante diálogo, embora ainda se possa melhorar, é de fato na relação
professor-aluno. Devido à falta de tempo, ao acúmulo de cargos e às inúmeras
52
atividades que o professor tem, considera que o aluno é a pessoa que está mais
próxima do professor e que é dentro da sala de aula onde mais se conversa. A
entrevista é finalizada com um comentário de Maria concordando com Estela, no qual
afirma que os alunos que acompanha há mais tempo percebem logo quando ela não
está bem.
Devolutiva:
No último encontro, estavam presentes Maria, Estela e Alice. Isabel, por
questões médicas, não pôde comparecer. Alice foi, então, informada a respeito do que
ocorrera no encontro anterior e das questões que tinham sido colocadas para reflexão.
Durante a exposição das respostas dadas à questão sobre se haveria momentos
em que não caberia o diálogo na prática educativa, Alice reforçou a afirmação de suas
colegas, descrevendo situações em sala de aula em que se suspendia o diálogo a fim
de se pôr ordem na sala.
Retomando a idéia de que a imposição de limites era muitas vezes vista como
uma expectativa do próprio aluno, indaguei às docentes se esta imposição não
corresponderia também a uma situação de diálogo. Estela achou interessante a
questão e disse, assim como Maria, que nunca tinha pensado o diálogo para além da
fala. Concordou que aquela situação poderia sim ser considerada dialógica, já que
corresponderia a uma comunicação por meio de posturas, corpo e olhar. Alice
reconheceu também vivenciar situações de diálogo sem ser pela fala e contou uma
situação experimentada com seus alunos na qual percebeu só com o olhar o que de
fato estavam pensando, que era o oposto do que estavam dizendo. Ela questionou
então se até mesmo uma bronca não poderia ser considerada como diálogo, refletindo
sobre o que seria de fato uma atitude autoritária. Relembrou as práticas educativas na
época em que era estudante, argumentando que estas seriam autoritárias na medida
em que não abriam o menor espaço para que os alunos pudessem se expressar. Estela
falou então sobre a importância do diálogo na relação professor-aluno e criticou um
curso que estava fazendo que, na sua opinião, não se valia deste princípio.
53
Um outro assunto sobre o qual discorreram dizia respeito às diferenças entre a
Educação de Jovens e Adultos e o ensino regular, no que se refere ao diálogo
estabelecido entre professor e aluno. Estela disse vivenciar mais relações dialógicas
com os alunos de EJA, pois os considera mais comunicativos. Maria, entretanto, não
concordou, ponderando que, por outro lado, os alunos do ensino regular dão um retorno
maior de seu trabalho, sem medo de expressar que não entendem determinado
conteúdo ou de pedir uma nova explicação ao professor. Discutiu-se então sobre o
medo e a vergonha presentes na postura dos alunos de EJA e sobre os fatores que
contribuiriam para estas disposições. Apontou-se como duas razões para esta postura
o fato destes alunos não estarem acostumados com a vivência do diálogo – sobretudo
os mais velhos, que têm uma experiência com a educação tradicional na qual não
seriam ouvidos – e a disparidade entre a linguagem culta da escola e a linguagem que
usam.
Devolvi às participantes a compreensão de que a imposição de limites lhes
causava um certo incômodo e lhes propus que refletissem sobre as diferenças entre
autoridade e autoritarismo. Elas confirmaram a existência do incômodo e apontaram
como uma das variáveis que para ele contribuem o modelo de sociedade atual, que
caracterizaram como o da “geração do pode tudo”. A reflexão desencadeada por essa
questão indicou o entendimento do autoritarismo como uma atitude mais opressora,
enquanto que a autoridade comportaria a imposição de limites desde que estes
estivessem a favor de um crescimento. Foi destacada, entretanto, a necessidade de um
cuidado e de uma atenção permanente, na imposição destes limites, zelando para não
se impor ao outro suas referências próprias.
Expus ainda às participantes minha compreensão acerca do modo como o
diálogo havia sido entendido no encontro anterior. Levando em conta as respostas
apresentadas diante das questões desencadeadoras, apontei o entendimento do
diálogo como uma comunicação envolvendo fala e escuta, fundada no respeito.
Ressaltei também o entendimento de que falar e escutar implicam transformações ou
mudanças de atitude por parte daquele que dialoga. Tal compreensão foi confirmada
pelas participantes.
54
Devido à preocupação com o horário, partiu-se rapidamente para a exposição
dos itens restantes. Alguns comentários foram feitos em relação a alguns pontos. Sobre
a falta de diálogo entre os colegas foi indicado que ela envolve todos os segmentos,
não só os professores. Estela relatou haver um ótimo diálogo entre os professores no
Projeto Estratégico de Ação (PEA) do qual faz parte e a coordenação, mas Maria
afirmou que não poderia dizer o mesmo em relação ao seu grupo. As docentes
reafirmaram que a falta de diálogo entre professores era um problema pontual da
escola e que envolvia apenas o terceiro período.
2.7. Procedimentos de análise
As informações coletadas foram analisadas sob a perspectiva fenomenológica de
cunho hermenêutico, fundamentada na idéia de que a experiência humana do mundo é
desde sempre interpretada (Hermann, 2002). Este pressuposto tem como implicação
imediata para a atividade de pesquisa o entendimento de que a análise dos dados se
inicia já no momento em que o pesquisador se depara com o fenômeno de estudo.
Embora no presente trabalho seja feito uso de um gravador para o registro das
entrevistas a fim de evitar possíveis distorções nas falas dos participantes – o que já
denotaria o caráter interpretativo inerente a toda relação humana –, não se pode
considerar que este instrumento garanta a obtenção de dados puros que não tenham
sido filtrados pela compreensão do entrevistador. Estes estão inevitavelmente
atravessados pelo olhar interpretativo de quem os obtém, pois são frutos de uma
conversa dirigida na qual o entrevistador põe em destaque, aprofunda e esclarece os
aspectos que lhe parecem mais significativos e relevantes.
Como define Dartigues a “‘fenomenologia hermenêutica’ deverá (...) decifrar o
sentido do texto da existência, esse sentido que se dissimula na manifestação do dado”
(2005, p.115). Assim, neste trabalho, a inspiração hermenêutica foi adotada para se
proceder à interpretação dos sentidos do diálogo presentes de forma implícita na fala
das participantes, buscando-se compreender os rumos que lhe são dados dentro da
trama de relações que estabelecem com o mundo e com seus iguais.
55
Sobre a ação de compreender, é importante ressaltar, que nesta abordagem ela
difere de um discurso explicativo, no qual se procura apresentar relações de
causalidade para o entendimento daquilo que se mostra, algo que seria possível no
âmbito das ciências naturais. Como afirma Hermann, retomando o pensamento de Paul
Ricoeur, “a diferença de estatuto entre a coisa natural e o espírito comanda a diferença
de estatuto entre explicar e compreender” (p.18). Em vez de identificar causas, o ato
compreensivo procura apenas tornar claro aquilo que é expresso de forma implícita
pelo discurso.
Para se proceder à interpretação do sentido, alguns passos foram seguidos:
a) primeiramente busquei familiarizar-me com os dados a partir de leituras
sucessivas das entrevistas transcritas, procurando compreender o seu sentido geral;
b) em seguida, realizei uma leitura mais atenta desse material, criando
“constelações”18 que reunissem os significados percebidos, agrupando as falas que
diziam respeito a cada tema identificado;
c) foi elaborado então um texto que sintetizasse as análises realizadas na etapa
anterior, a partir do qual foi buscado o sentido do fenômeno em estudo pela
interpretação.
Esta última se deu em dois momentos. Primeiramente procedi à reflexão sobre o
sentido para, no momento seguinte, contextualizar o fenômeno compreendido à luz da
literatura consultada, com a finalidade de realizar o diálogo entre o fenômeno desvelado
na pesquisa e os outros desvelamentos realizados pelos outros autores que se
debruçaram sobre ele.
18 O termo “constelação” é usado por Szymanski como substituição ao termo “categoria” e tem a finalidade de chamar a atenção para o olhar interpretativo que permeia a sua elaboração, já que inúmeros arranjos temáticos podem ser configurados a partir dos mesmos dados, dependendo do olhar que os ilumina.
56
CAPÍTULO 3 – O CONTEXTO DE PESQUISA
As relações que se estabelecem entre professores e alunos são inevitavelmente
atravessadas pelas condições sociais e econômicas do lugar onde trabalham e vivem.
Assim, considerando que é impossível compreender plenamente as relações que
ocorrem dentro do ambiente escolar sem conhecer o contexto mais amplo no qual
estão inseridas, neste capítulo procuro caracterizar a escola e o seu entorno, a fim de
contextualizar o espaço onde trabalham os participantes desta pesquisa e onde se dá o
fenômeno investigado.
Primeiramente, apresento uma caracterização da comunidade em que se situa a
escola, partindo de minhas impressões pessoais decorrentes do contato que mantive
durante o ano de 2005 e 2006 e de dados estatísticos. Em seguida, apresento
características da escola propriamente dita, procurando expor dados técnicos
levantados junto à instituição, indicadores revelados pela avaliação nacional realizada
no ano de 2005 e, por fim, alguns dados coletados na pesquisa mais ampla.
3.1. A comunidade
3.1.1. Primeiras impressões
Estava um céu claro na primeira vez que fui à comunidade, em maio de 2005.
Deslocando-me do bairro de Perdizes, São Paulo (SP), onde se situa a universidade,
em região nobre da cidade, acompanho a mudança da paisagem ao longo do trajeto até
a escola. As ruas largas, bem pavimentadas, arborizadas, vão dando lugar a uma
paisagem um pouco mais cinza, com ruas sinuosas e estreitas, e com um expressivo
aumento de casas comerciais. É evidente também um aumento da densidade
demográfica. Além de um número maior de pessoas nas ruas, é possível observar a
diminuição do tamanho dos terrenos, nos quais pequenas construções se erguem
coladas umas às outras, em total contraste com as residências espaçosas e seus
imensos quintais do bairro onde iniciei minha “viagem”.
57
A modificação da paisagem vai se dando de uma forma gradual. Considerando a
área que compreende a subprefeitura onde fica a comunidade pesquisada, pela qual
vou passando ao longo do trajeto, observo a heterogeneidade que a caracteriza e os
contrastes existentes entre as suas diversas localidades (entre aquelas mais próximas
do centro da cidade e aquelas que situam-se nas beiradas do Município). Essas
diferenças podem ser notadas no arranjo urbanístico, nas características dos serviços
oferecidos e nas condições habitacionais e de saneamento.
Há áreas onde se reconhecem casas num padrão relativamente alto, terrenos
amplos ocupados por grandes empresas, avenidas mais largas, com canteiros centrais
arborizados. Noto em um deles a presença de moradores em situação de rua, ali
instalados de forma fixa, vivendo em tendas improvisadas de lona. Há também outras
áreas com casas menores, muitas casas comerciais de médio porte, calçadas e ruas
estreitas. Nestes trechos, o trânsito é confuso e prejudicado pela poluição visual
causada por outdoors e letreiros do comércio. Nesta região não se vêem áreas verdes
e são poucas as árvores nas calçadas.
Devido aos contrastes no relevo da região, em muitos momentos se tem uma
visão ampla de todo o território circundante. Recordo-me da primeira impressão que tive
ao me deparar com a visão panorâmica da região mais próxima da comunidade
pesquisada. A sensação que tinha era de que estava rodeada por um vasto mar de
favelas, ondulado pelos morros da região, avançando sobre a imensa área verde que
cerca a cidade neste ponto. Predominavam as cores terra e cinza, que constrastavam
com o azul do céu naquela tarde ensolarada.
Aos poucos fui adentrando nesse “mar” e começando a perceber características
muito diversas do que tinha visto até então. As ruas se tornaram ainda mais estreitas, a
ponto de ser necessário em alguns trechos parar o carro ou manobrá-lo para permitir a
passagem de ônibus ou de outros veículos. A maior parte delas é asfaltada, mas há
ainda algumas de terra ou paralelepípedo. A quantidade de lixo nas ruas e em áreas
não construídas chama a atenção. Há locais mais urbanizados, com casas de
alvenaria, serviço de esgoto, iluminação e pequenas praças com brinquedos para
crianças. Há outros em que se observa uma ocupação recente, com muitos barracos de
madeira em condições aparentemente muito precárias. O comércio é de pequeno porte
58
e é possível observar, entre os artigos à venda, muitos produtos típicos das regiões
Norte e Nordeste do país.
Ao lado de todas essas percepções que foram se consolidando a partir de novas
visitas à região, recordo-me também da sensação que tive quando ia adentrando esta
realidade nova. Sentia-me em uma outra cidade, muito diferente daquela São Paulo
que eu conhecia e com a qual estava acostumada. Já tinha estado em outros bairros
periféricos com níveis socioeconômicos parecidos. O que me marcava naquela primeira
visita não eram apenas as diferenças materiais na condição de vida daqueles
moradores. O que me fazia sentir em outra cidade era principalmente um novo modo de
convivência que me saltava aos olhos na medida em que ia ingressando lentamente por
aquelas ruas. Essas ruas estavam repletas de gente. Eram muitas pessoas
caminhando, outras reunidas em grupo conversando e outras paradas nas frentes de
suas casas apenas observando a movimentação. Havia também muitas crianças que
brincavam nas ruas menores.
O que me chamava a atenção era um outro modo de configuração das relações
comunitárias que ali são travadas, um modo novo para mim, talvez decorrente das
condições econômicas e geográficas que impõem uma maior proximidade física entre
as pessoas. Não saberia dizer se seriam relações mais dialógicas ou não em
comparação às outras regiões da cidade. Mas o que, aos meus olhos, ficou evidente –
e essa constatação foi se confirmando ao longo da minha participação no trabalho com
algumas famílias da região desenvolvido pelo grupo de pesquisa – é que ali as
dimensões do mundo público e privado ganham uma configuração radicalmente distinta
das áreas mais nobres do município, com uma clara predominância da primeira sobre a
última.
3.1.2. Dados estatísticos
A escola investigada situa-se numa área fronteiriça entre duas subprefeituras de
uma região periférica do município de São Paulo, atendendo, portanto, habitantes das
duas localidades. Assim, os dados estatísticos apresentados são concernentes às duas
regiões e foram extraídos do Mapa da vulnerabilidade social da população da cidade de
59
São Paulo (2004)19 e do Sumário de Dados (2004) publicado no site da prefeitura
municipal.
Apesar da cidade de São Paulo apresentar indicadores sociais médios
relativamente altos se comparados ao resto do país, nela é possível encontrar ainda
uma parcela significativa de sua população vivendo de forma precária ou em condições
de pobreza extrema (Cebrap, 2004). Conforme indica o mapa, este contraste se revela
muito significativo na região onde se situa a escola investigada. Considerando-se os
dois distritos que a circundam, constata-se elevada presença de pessoas morando em
setores de alta vulnerabilidade social e de outros indicadores que reforçam essa
condição. Reunindo-se as duas subprefeituras, somam-se cerca de 250 mil pessoas
vivendo em condições de alta privação socioeconômica20 e compondo famílias com
características demográficas21 que acentuam essas condições.
Conforme dados apresentados em documento oficial da Prefeitura de São Paulo
(Sumário de Dados, 2004) referentes a essa região, o rendimento médio mensal dos
chefes de família encontra-se abaixo da média do município, correspondendo a um
valor entre três e quatro salários mínimos. Considerando-se a média de anos de estudo
nesta categoria da população, assim como a Taxa de Evasão Escolar do Ensino
Fundamental da Rede Municipal, ambas também se revelam inferiores à média da
cidade. A taxa de analfabetismo apresenta um percentual de 4,63% na subprefeitura a
que pertence a escola estudada e de 5,83% na que compreende a região vizinha22.
Em relação às condições de saúde e habitação, referindo-se mais
especificamente aos dois distritos que rodeiam o equipamento escolar, nota-se que
ambos apresentam indicadores expressivos que reforçam a situação de vulnerabilidade
social anteriormente destacada. Analisando as condições de moradia, pode-se
19 Elaborado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Serviço Social do Comércio (Sesc) e Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo (SAS/PMSP) em 2004, a partir de dados coletados pelo IBGE no Censo Demográfico de 2000.
20 O grau de privação econômica, segundo os autores do mapa, foi construído a partir dos níveis de renda e escolaridade dos chefes de família, pois se entende que eles têm importante impacto nas condições de saúde, educação e nutrição dos filhos.
21 Elevado percentual de crianças e idosos, presença significativa de mulheres com baixa escolaridade ou de pessoas muito jovens na condição de chefes de família são exemplos de características que constituem um perfil demográfico que reforça a condição de vulnerabilidade.
22 Segundo o documento citado, os dados referentes aos níveis de escolaridade foram retirados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE).
60
constatar a presença simultânea de dois grandes problemas habitacionais: um
percentual expressivo de domicílios sem esgoto (entre 13 e 15%) e o maior número de
favelas em comparação com o resto do município. (Cebrap et al., 2004). Já em relação
às condições de saúde, constata-se em um dos distritos taxa elevada de internação por
pneumonia em crianças de zero a cinco anos e, nos dois distritos, por doenças
infecciosas de veiculação hídrica23. Estas taxas são consideradas significativas e
indicadoras de vulnerabilidade social, pois, geralmente, os agravos a que se referem só
resultam em internação hospitalar nas famílias de baixa renda, já que atingem com
mais freqüência os grupos expostos a riscos sócio-habitacionais (Idem).
Há ainda um último indicador, analisado pela mesma fonte mencionada, que
reforça ainda mais a condição de vulnerabilidade dos habitantes dessa região, e que se
sobressai em um dos distritos que rodeiam a escola. Ele aponta para os riscos a que a
juventude está exposta, compondo-se de dois importantes fenômenos a ela associados
nas grandes cidades: a incidência de homicídios entre pessoas de 15 a 29 anos e a
porcentagem de gravidezes precoces, considerando-se mães na faixa etária de 10 a 19
anos. O distrito em questão apresenta índices expressivos nos dois quesitos,
destacando-se em ambos em segundo lugar na comparação com as outras regiões da
cidade.
3.2. A escola
3.2.1. Informações técnicas e alguns indicadores
Trata-se de uma escola municipal de ensino fundamental (EMEF) criada em
1993. Funciona em quatro turnos e tem 1.250 alunos, divididos em 31 turmas, sendo 17
classes do Fundamental I e 14 do Fundamental II. Nela trabalham um diretor, um
assistente de direção, dois coordenadores pedagógicos, 51 professores e 14
funcionários. Aproximadamente 80% do corpo docente são efetivos. O índice de
repetência em 2002 foi de 20% ao final da 4a série e 30% ao final da 8a. As turmas de
23 Leptospirose, hepatite A e diarréias são alguns exemplos dessas doenças.
61
Fundamental II do período noturno apresentam índice de evasão expressivo. A escola
até o momento não possui grêmio estudantil24.
A Prova Brasil, que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) e foi desenvolvida e realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira no ano de 2005, revelou algumas informações
importantes relativas ao desempenho dos alunos e alguns índices (aprovação,
abandono entre outros) da escola estudada.
Pautando-se nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais e nos
currículos de todas as Unidades da Federação previstos para as 4as e 8as séries, a
Prova avaliou as habilidades e competências apresentadas pelos alunos em Língua
Portuguesa e Matemática.
Os resultados obtidos apontam que nas duas disciplinas a média obtida pelos
alunos na 4ª série encontra-se abaixo das médias municipais, estaduais e nacionais,
numa diferença que varia entre aproximadamente 6 a 20 pontos. Já na 8ª série as
diferenças mostram-se atenuadas e a média obtida pelos alunos revela-se na maioria
das vezes superior às outras médias citadas. Cabe ressaltar, porém, que, de um modo
geral, considerando ambas as disciplinas e os diversos âmbitos federativos, a média
referente ao desempenho dos estudantes na 8ª série indica que o nível de
aprendizagem da maioria dos alunos das escolas públicas brasileiras situa-se abaixo do
esperado para concluintes do ensino fundamental.
Além de medir o desempenho dos alunos, a Prova Brasil apresenta também
alguns indicadores da instituição na qual se realiza a presente pesquisa, oriundos do
Censo Escolar. Referentes ao ano de 2004 e à 8ª série do ensino fundamental, o índice
de aprovação mostra-se próximo aos do município, estado e país, enquanto o de
reprovação se mostra um pouco mais elevado. Tomando-se o índice de abandono,
porém, constata-se a inexistência deste fenômeno na escola estudada. Já referentes ao
ano de 2005, mas ainda relativos à ultima série do ensino fundamental, há indicadores
que revelam: uma média de 4 horas-aula nesse estabelecimento de ensino, um pouco
abaixo da do município e da média estadual (4,4 e 4,7 respectivamente); 100% dos
24 Dados extraídos de “Projeto de pesquisa” de Heloisa Szymanski, enviado à Fapesp em 2004.
62
docentes com curso superior; e, por fim, um grau de distorção entre idade e série
abaixo dos outros âmbitos federativos.
3.2.2. Características gerais
Por meio da participação nas atividades e reuniões realizadas durante o ano de
2005 e início de 2006 pelo projeto Diálogo e Participação junto a representantes dos
diversos segmentos e instituições nele envolvidos, foi possível conhecer alguns
aspectos que compõem o universo da escola pesquisada e dos professores que nela
trabalham.
O primeiro aspecto que chamou a atenção pela freqüência de vezes com que foi
comentado é o acúmulo de tarefas dos funcionários da instituição. Enquanto o projeto
encontrava-se ainda em fase de discussão, um dos grandes entraves colocados por
gestores e professores para sua implementação referia-se aos horários que poderiam
dispor para se dedicarem a ele, limitados pela jornada dupla de trabalho e atribuições
assumidas em outras instituições. “Tememos assumir compromisso que implique em
tarefa, ocupar o seu tempo e prejudicar o andamento do trabalho. (...) Há o cuidado de
não assumir porque o nosso problema é o tempo”, foi a fala do diretor em um dos
encontros.
Segundo os gestores, além da falta de tempo, outro temor levantado pelos
docentes em relação à participação no projeto era a possibilidade de serem
desconsiderados aqueles trabalhos que eles já desenvolvem. “Isso foi muito forte entre
os professores: não aproveitar o que a gente faz”, afirmou uma das coordenadoras
pedagógicas, indicando a sobreposição de projetos de iniciativa externa sobre os
trabalhos desenvolvidos internamente pela escola é experimentada com certa
freqüência pelos professores. Como exemplo desta sobreposição, uma docente
levantou queixa em relação aos projetos que seriam impostos de cima para baixo pelos
órgãos municipais, não levando em conta as necessidades reais da escola e obrigando-
na a cumpri-los: “[o projeto] não tem futuro, aí não sai do papel mesmo. Agora, quando
ele é construído, é muito bom”, comentou a professora.
63
Identificou-se a existência de uma apreensão e cobrança para a apresentação de
bons resultados caracterizando o modo como a atividade profissional parece ser vivida
por gestores e docentes. Esta foi explicitada pelo diretor em uma das reuniões ao
relatar as disposições afetivas que, ao seu ver, estariam sendo suscitadas pelo plano
de intervenção e que contribuiriam para o receio até então demonstrado pela equipe
escolar:
o resultado nos aflige (professores e direção) e sentimos a faca no pescoço. Vocês culpam o professor porque o aluno não aprende. Nós assumimos a culpa daquilo que nos compete. Nossa culpa é a não alfabetização. Todos nos sentimos pressionados, temos um compromisso com a alfabetização. O grupo já se sente pressionado, sente mais a faca no pescoço. É mais um elemento de pressão, mais temor do que covardia. Eles temem não dar conta. É uma ansiedade danada.
Cabe ressaltar que, ao mesmo tempo em que se constata o sentimento de culpa
vivido por estes profissionais devido ao insucesso na alfabetização, identifica-se
também que professores culpabilizam outros agentes pelo fracasso da escola. Este fato
é revelado tanto pela coordenadora pedagógica (“a gente ouve muito isso ‘ah, é culpa
da família, o pai não faz, o pai não veio’”) quanto por uma docente presente em uma
das reuniões (“nos preocupamos mais em culpar o outro do que corrigir o aluno, é um
jogo de empurra-empurra”).
Considerando a relação estabelecida entre a instituição e os estudantes, os
gestores apresentam como uma das conquistas alcançadas pelo trabalho por eles
desenvolvido a melhoria no tratamento dispensado aos alunos: “O aluno é tratado de
uma forma diferente que não era quando nós chegamos. O aluno era tratado igual
bicho, mas não é bicho”, afirmou o diretor. Cabe apontar, porém, que, apesar do
esforço mencionado, verificou-se em reunião de pais realizada no ano de 2005 uma
queixa referente a atitudes discriminatórias de um professor em relação a alguns
estudantes. A reclamação foi apresentada por uma mãe – e depois referendada por
outros pais –, que afirmou:
Minha filha não quer mais vir pra escola, não sei mais o que faço. Ela se queixa que os professores falam que ela não aprende porque é favelada e isso é falta de respeito, então ela não quer mais vir pra escola (...) não é verdade, só porque a gente mora aqui e é pobre não pode ser desrespeitada.
64
Constatado o problema, observou-se a existência de um empenho demonstrado
pela instituição para resolvê-lo, na medida em que a queixa foi acolhida pelo
coordenador da reunião – o qual afirmou que práticas como aquela não poderiam
ocorrer – e encaminhada à direção.
Além do esforço para melhorar a relação estabelecida com os estudantes, os
gestores apresentaram também o desejo de aprimorar o contato estabelecido com suas
famílias. A existência de uma dificuldade da escola “dialogar” com os pais dos alunos foi
apontada pelo diretor (“Nós não sabemos conversar. Os pais vêm falar, mas nós somos
muito imediatistas. Nós temos verdades que parecem intocáveis”) e pelas
coordenadoras pedagógicas, as quais relatam que a escola “tem o hábito de chamar os
pais” somente para dizer que “seus filhos estão indo mal”. Reconhecendo que os
estudantes são os grandes prejudicados com a falta de diálogo (“quando não se dialoga
o aluno é o grande perdedor”), o diretor conta que a instituição tem buscado se
aproximar das famílias de uma forma diferente: “a Heloisa esteve aqui, não sei se você
viu a reunião de pais. A gente tem tentado fazer alguma coisa diferente, apresentar os
trabalhos que foram realizados, a forma de avaliação e uma série de coisas”.
Uma aproximação com a comunidade também parece estar sendo buscada pela
instituição. Como uma das estratégias para esta aproximação foi mencionada pela
coordenadora pedagógica a idéia de trazer uma liderança comunitária da região para
conversar com o corpo docente: “Uma pessoa que eu penso é a dona Maria. Eu acho
interessante, é uma das lideranças da comunidade. Ela é uma pessoa que conhece a
história do bairro e a minha idéia é que ela fizesse uma conversa com todos os
professores”.
Sendo o foco deste estudo as intersecções entre o diálogo e a educação, faz-se
importante, para finalizar a caracterização do universo pesquisado, identificar alguns
aspectos referentes ao modo como os gestores da unidade de ensino têm
compreendido esta questão.
Discutindo a articulação entre o poder e o diálogo, o diretor manifestou o dilema
por ele vivido entre ser autoridade ou autoritário. Conforme relata, o conflito que
experiencia reside no fato de que o exercício da autoridade implica a possibilidade de
65
se definir certas coisas, mesmo que estas não representem um consenso no grupo que
será por elas afetado:
Ao longo da minha vida política eu tenho sido chamado de autoritário. Mas eu não considero que seja verdadeiro porque, na verdade, é você não abrir mão de coisas que você acredita. Porque eu acredito que o meu sonho tem um preço e não pagaram ainda por este preço. Então, enquanto não houver, enquanto essa XX25 não chegar, os meus sonhos não serão vendidos. Então eu penso que quando você irá exercer uma coisa pela qual você é responsável, há necessidade de você dizer em certo momento “calma lá, quem manda aqui sou eu”. Quando esse momento chega, e eu acho que eu sei quando esse momento chega, eu digo “quem manda aqui sou eu e não pode XX”. Até porque quando você se constitui uma liderança você tem que agradar muita gente e é óbvio que você não agrada muita gente, gregos e troianos. E eu nunca tive essa pretensão. Sempre digo que, eu falo isso pro grupo, “de vocês eu sei que 80% estão comigo, os outros 20% são minoria, então...”.
Observaram-se ainda algumas ponderações feitas pelos gestores com relação à
forma de se dialogar. O diretor afirmou a necessidade de se considerar a especificidade
dos atores envolvidos no processo educativo a fim de não se nivelar seus papéis: “Você
tem uma função, uma obrigação ética e eu não vou ensinar um médico a cuidar de um
aluno meu como o médico não vai me ensinar a dar aulas. Cada um na sua
especificidade”. Em outra situação a coordenadora pedagógica também destacou o
cuidado para não se uniformizar a instituição, afirmando que “em cada instância a
escuta é de um jeito”.
3.2.3. O ponto de vista dos professores
Ao longo de 2006, foram realizadas na escola, por meio do projeto Participação e
Diálogo, diversas entrevistas individuais e coletivas com representantes de todos os
seus segmentos, com a finalidade de se obter um diagnóstico de sua realidade. Esse
diagnóstico foi qualificado como participativo, pois foi planejado junto com
representantes da instituição e porque o produto obtido foi, justamente, resultante da
consulta aos segmentos que a compõem.
Assim, foram entrevistados alunos, professores, gestores, funcionários e pais,
com base num roteiro de temas sugeridos por representantes da equipe técnica, do
corpo docente e de funcionários da instituição estudada que apontaram os assuntos de
25 Usa-se “XX” quando não é possível identificar na gravação o que foi falado.
66
interesse para a investigação. Pessoas de fora da unidade de ensino participaram como
entrevistadoras e observadoras (pesquisadores e colaboradores da ONG envolvida no
projeto), a fim de evitar que os entrevistados se sentissem constrangidos em suas falas.
No caso do segmento dos professores, foram realizadas entrevistas coletivas
com os cinco grupos de trabalho coletivo existentes na escola, além de sete entrevistas
individuais com docentes indicados pela equipe técnica, de forma a contemplar
profissionais atuantes nos diferentes turnos e níveis de ensino. Ao total foram 25
professores participantes do diagnóstico, amostra que corresponde a aproximadamente
50% do quadro docente que trabalha na unidade escolar.
Com a finalidade de apresentar um panorama geral acerca do modo como os
professores da instituição estudada enxergam a realidade escolar, como vislumbram a
escola ideal e as concepções mais amplas relativas ao campo educacional presentes
em suas falas, são expostos a seguir algumas informações obtidas durante este
levantamento. Em seguida, são apresentadas também as demandas presentes no
campo profissional, cuja superação é considerada prioritária para o alcance de
melhores resultados em seu trabalho.
A escola “real”
De um modo geral, referindo-se à relação estabelecida com a escola numa
dimensão mais ampla, as falas indicam que os professores se mostram satisfeitos,
apesar de existirem dificuldades. Há menções à satisfação de haver na unidade um
grupo lutando e construindo a educação, assim como à sensação de bem-estar e
prazer permeando o trabalho, principalmente se comparado com o que realizam em
outras escolas.
A respeito da relação travada com a equipe técnica, destacam-se muitas falas
elogiosas, referindo-se à postura participativa da direção, à preocupação com a
formação contínua dos professores, procurando ouvi-los, orientá-los e fornecer recursos
para sua prática. Há menções à liberdade dada ao professor para atuar, à existência de
apoio e organização por parte da coordenação para resolução de problemas e à
postura democrática com que é discutida junto aos professores a destinação dos
67
recursos que chegam à escola. Como críticas à atuação da equipe técnica destacam-se
duas falas referentes à existência de proteção para alguns funcionários e ao modo de
distribuição de classes entre os docentes (de forma que as mais difíceis ficam com os
professores mais novos). Comentou-se não haver problemas na relação entre a direção
e a coordenação pedagógica.
Ao abordar a relação travada entre professores e funcionários, identificou-se uma
única fala, que indica uma avaliação positiva. Mencionou-se que estes últimos também
recebem formação contínua e são apoiados pela direção na continuação de seus
estudos.
Sobre a relação travada com os alunos há afirmações a respeito da habilidade
de comunicação e expressão que estes demonstram, atribuindo-a, entre outros fatores,
ao trabalho pedagógico realizado pelos docentes. Por parte dos professores mais
novos há referências à dificuldade de despertar o interesse dos alunos e ao
reconhecimento de que os docentes mais experientes possuem boas estratégias para
atrair a atenção. Apesar de referências à presença de respeito, há falas apontando a
existência do desrespeito, indisciplina (mesmo havendo disciplina rígida por parte dos
professores e direção) e agressividade, manifestada principalmente pelos alunos entre
si. Destacam-se uma fala em que se recusa como papel do professor ensinar bons
modos aos alunos e outra que relata a dificuldade e o sentimento de solidão para lidar
com os casos de agressividade. A criação de vínculo com o aluno foi descrita como
algo demorado e criticou-se a alta rotatividade de professores adjuntos como um fator
que atrapalha este processo. Foi mencionada como fonte de satisfação profissional
para os professores a percepção de relações entre o trabalho que realizam e os
sucessos conquistados por alguns alunos e a participação quase que unânime em sala
de aula.
Como dificuldades que se colocam na situação profissional, foram destacadas: a
falta de integração no trabalho dos docentes das diferentes séries e a impossibilidade
de acompanhar de modo mais próximo algumas crianças. Há falas que caracterizam os
estudantes do noturno como resistentes à adoção de novas estratégias de ensino e os
professores mais antigos como aqueles que não abandonam os alunos. Em relação a
estes professores, porém, aparece a crítica de que fazem seleção das classes em que
68
irão trabalhar. De um modo geral, criticou-se ainda o número excessivo de falta de
professores considerando as implicações negativas que dela decorrem para as
crianças.
Tomando-se as falas especificamente voltadas para as relações travadas dentro
do corpo docente, é possível dividi-las entre aquelas que mencionam conquistas e
aspectos positivos e aquelas que se referem aos desafios e demandas que os
professores buscam superar. No primeiro grupo encontram-se as falas que apontam
haver: boa comunicação entre os professores dentro de cada turno; integração de
áreas afins (embora em relação a este item também haja uma fala contrária); reunião
por séries para articular conteúdo e linha de trabalho; consciência global do processo
educativo (o que a professora de 1ª série fizer interfere no trabalho da de 8ª); parceria;
apoio do grupo de docentes para novas idéias; um grupo envolvido que deseja construir
junto; espaços de trabalho coletivos que servem para dirimir dúvidas; projeto
pedagógico e linha de trabalho bons; e, por fim, esforços para integrar o trabalho da 1ª
à 8ª série. Já aquelas que correspondem a demandas e desafios encontram-se as falas
que indicam a necessidade de: diminuir a rotatividade dos professores adjuntos;
melhorar a comunicação entre turnos (em relação a este ponto, há apenas uma fala
contrária afirmando já haver essa articulação); possibilitar que os professores das
mesmas disciplinas e séries dialoguem entre si; aprimorar os espaços para trabalho
conjunto; integrar Fundamental I e II; professores de uma mesma série planejarem
juntos no início do ano a rotina e as questões de organização de seus alunos; e,
finalmente, arranjar tempo para estas integrações. Há referências ainda à existência de
“panelas”, a professores que excluem e outros que se sentem excluídos. Entretanto, há
falas que rejeitam essa visão, afirmando que o que existe são professores bastante
envolvidos e outros, nem tanto, de modo que seria a atuação de cada um que influiria
nas relações estabelecidas dentro da equipe.
O último ponto a ser comentado refere-se às relações entre a escola e
comunidade. Há falas indicando uma boa relação com a comunidade, principalmente
por parte do diretor, o que acarreta uma boa conservação da estrutura física da escola.
Há a sugestão de que outras organizações existentes na região, como os Centros de
Juventude, colaborem com o reforço, ajudando a desenvolver outras possibilidades dos
69
discentes. Menciona-se que antigamente havia preconceito em relação ao bairro, por
parte de alunos e professores, que o achavam feio. Em relação aos passeios realizados
pela escola com os estudantes em algumas instituições locais, há a referência ao
tratamento hostil dispensado aos alunos em uma delas. Especificamente abordando a
relação da escola com a família, são feitas referências tanto à cobrança por parte dos
pais – que gera ansiedade nos docentes – quanto ao não comparecimento nas
reuniões, principalmente nos casos em que os filhos apresentam problemas de
comportamento.
A escola ideal
De um modo geral, a escola ideal na visão dos professores deveria contar com o
apoio dos órgãos superiores para investimento em prédios com espaço físico e
materiais adequados e valorização financeira da carreira docente a fim de evitar a
jornada dupla de trabalho. Dentre os espaços pedagógicos sugeridos como importantes
para a unidade escolar são destacados: laboratórios de ciências e de informática,
quadra e teatro. Considerando especificamente a escola estudada, do ponto de vista
dos recursos materiais e humanos, menciona-se a necessidade de: se criar mais
espaços de aprendizagem, por exemplo, uma sala específica para atividades artísticas
com lugar reservado para guardar o material de trabalho; laboratório de ciências ou sala
de recursos (sem mesas, com TV, fantasias e colchonetes); e de se contratar mais
funcionários (especialmente, haveria a necessidade de um guarda para controlar o
acesso pelos portões que permanecem abertos). É destacada ainda a necessidade de
se criar mais vagas para atender a demanda da região (crescida devido à construção
de novos conjuntos habitacionais e o conseqüente aumento demográfico) e de se
diminuir o número de alunos por sala (20 é sugerido como ideal).
Em relação à dimensão pedagógica, pensando a escola ideal, prioritariamente é
colocada pelos professores a necessidade de se conseguir alfabetizar todos os alunos.
Afirma-se que a escola precisaria ser boa para todos, inclusive para aqueles que têm
dificuldades. Visando especificamente a estes, afirma-se a importância de um
acompanhamento mais próximo, de “pegar mais no pé”, embora a demanda por maior
70
cobrança seja apontada como necessária para todos os alunos, em geral. Há
professores que desejam conhecer boas estratégias para realização desta cobrança,
assim como para atrair mais a atenção dos estudantes. Sugere-se como método ideal
de ensino trabalhar o conteúdo a partir de atividades concretas, que implicariam
também mais tempo para sua realização. Outra sugestão mencionada para se trabalhar
as dificuldades dos alunos foi a de cada docente adotar um estudante para nele investir
seus esforços.
Os professores manifestam ainda o anseio por um planejamento mais coletivo
dos cursos, de maneira que se definisse uma mesma orientação e rotina para os
alunos, e pela viabilização de um projeto que envolvesse não só os professores que
fazem Jornada Especial Integral (JEI), mas aqueles que fazem a Jornada Básica (JB).
Gostariam, também, que houvesse momentos de encontro entre os docentes dos
diferentes turnos para se discutir as demandas da escola.
Do ponto de vista da formação e apoio para o desenvolvimento de seu trabalho,
os professores manifestam o desejo de que houvesse mais cursos de formação
continuada e especialistas disponíveis na escola para atuar junto com pais e
professores para lidar com os alunos que apresentam dificuldades especiais.
Em relação às famílias, afirmam que o ideal seria que elas impusessem mais
limites e que houvesse mais palestras e reuniões para ajudá-las e, também, cobrar
delas maior participação na vida escolar dos filhos. Sugerem que estes encontros
fossem mais bem planejados e que neles se apresentassem dados qualitativos. O ideal
seria, então, que houvesse mais momentos de reflexão entre pais e filhos com objetivo
de formação e que a escola, a família e a comunidade formassem uma corrente para
ajudar as crianças a incorporarem o valor da educação.
Por fim, é destacada a necessidade da escola estabelecer mais parcerias,
incentivando o trabalho que as Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI) realizam
e buscando conhecer outras instituições da comunidade que atendem os seus alunos.
71
Concepções sobre educação
Os professores apontam como tarefas da escola formar cidadãos, alfabetizar e
atrair o interesse dos alunos. Acreditam que ela deve ser vista como parte da
comunidade e, muitas vezes, como o único caminho para muitos que não têm
alternativas. Afirmam a importância da parceria com a família para a realização de seus
objetivos. Em relação à contribuição dos pais para a aprendizagem, destaca-se a fala
de uma professora que diz ter mudado sua concepção de que as crianças iam mal
porque os pais não ajudavam. Reconhecem também a contribuição das EMEIs para a
aprendizagem escolar, afirmando que as crianças que passaram por este nível de
ensino têm mais facilidade quando vão para a EMEF.
De um modo geral, a educação é vista como a única forma de proporcionar à
criança um crescimento enquanto ser humano e de transformar sua situação. É
mencionada também a importância da infância, afirmando-se que é nessa fase que se
aprende coisas que serão guardadas para o resto da vida. Há referências a
divergências entre o estado e a prefeitura na gestão das escolas e a preferência dos
alunos pelas escolas municipais.
A respeito da concepção dos pais sobre educação, afirma-se que estes não
encaram a educação como prioridade e que vêem a escola como um abrigo, um lugar
seguro para deixar os filhos enquanto trabalham. Ao mesmo tempo em que há
referências à pouca participação dos pais na vida escolar dos filhos, atribuída à idéia
que perdurou por muito tempo de que a família não tinha que ir à escola, há também
menções a um acompanhamento próximo de alguns pais que manifestariam uma
postura conteudista, cobrando a presença de determinados conteúdos nos cadernos
dos filhos. Segundo os professores, uma postura mais tradicional também estaria
presente nos alunos do noturno.
Abordando o problema da educação hoje, reconhece-se que a qualidade do
ensino caiu e, para além da falta de apoio das camadas superiores, são apontadas
como algumas causas: a falta de cobrança aos alunos por parte dos educadores; a
efetivação dos professores no meio do ano; a descontinuidade nos projetos devido às
mudanças freqüentes daqueles que conduzem a educação; a falta de reforço para
72
alunos com dificuldades e/ou o modo como ele tem sido feito; e o sistema de ciclos (da
forma como tem sido implementado). Há ainda críticas à visão de escola em período
integral, mais preocupada com a quantidade de aulas do que com sua qualidade, e à
orientação para se respeitar o ritmo do aluno, contraditória ao tratamento que é dado
pela sociedade, que não respeita o ritmo dos indivíduos que a compõem.
Por fim, cabe destacar as falas referentes ao modo como os professores se
vêem enquanto classe. Elas indicam a existência de uma luta constante em defesa da
profissão, por melhorias no plano de carreira e salariais e a concepção de que as
mobilizações, apesar de desgastantes e prejudicarem alunos e os próprios professores,
são necessárias. Afirma-se que atualmente os professores encontram-se desmotivados
com os resultados obtidos na última greve.
As prioridades
Os pesquisadores procuraram extrair demandas contidas nas falas dos
professores nas entrevistas. Estas demandas foram reapresentadas na forma de
cartazes aos docentes em assembléia geral, para a qual foram convocados todos os
profissionais que compõem este segmento. Nesta assembléia, foi realizada uma
votação para se eleger, dentre os desafios expressos em cada demanda, aqueles que
seriam prioritários e nos quais os professores gostariam de concentrar mais esforços
para sua superação.
Cada docente recebeu três fichas contendo valores de 1 a 3 pontos, as quais
deveriam ser depositadas em três cartazes que expressassem as três demandas
consideradas prioritárias. A ficha de três pontos deveria ser depositada naquela
demanda que fosse considerada a mais importante dentre as três escolhidas.
De uma lista com 46 demandas, são apresentadas a seguir as cinco mais
pontuadas, avaliadas como prioridades pela classe docente da escola em que se
realiza a presente pesquisa:
• 1º lugar: Alfabetizar alunos até a quarta série do Fundamental I;
73
• 2º lugar: Clarear concepções de educação e os papéis da família e da escola na
ação educativa junto aos pais, professores e comunidade escolar;
• 3º lugar: Conscientizar e incentivar os professores a aprender e usar recursos
diferenciados na prática pedagógica;
• 4º e 5º lugares (com o mesma pontuação): Reduzir o número de alunos nas
classes; professores se mobilizarem mais para reivindicações de melhorias nas
condições de trabalho.
74
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Conforme foi apresentado no “Capítulo 2 – Método”, para se proceder às
análises do material coletado realizaram-se as seguintes etapas: primeiramente busquei
familiarizar-me com os dados e compreender o seu sentido geral; em seguida, procurei
criar agrupamentos, chamados de “constelações”, de modo a organizar os significados
percebidos; finalmente, elaborei um texto interpretativo, buscando desvelar o sentido do
fenômeno em estudo.
A seguir apresento as “constelações”, descrevendo os aspectos percebidos e
apontando falas que lhes dão sustentação.
4.1. Constelações
4.1.1. A compreensão do diálogo
A análise das falas das docentes revela o diálogo compreendido essencialmente
como comunicação, envolvendo expressão e escuta. A própria comunicação foi
entendida, sobretudo, como conversa, destacando-se como forma de expressão
principalmente a fala.
Contudo, mesmo com essa ênfase na associação do diálogo com a
comunicação, de forma implícita em suas falas está presente a compreensão de que
este abarca também a consideração da importância do Outro. Ao relatarem situações
nas quais o diálogo estaria ausente, apontaram a existência de posturas como a
indiferença à presença de alguém ou o pouco valor a ela atribuído. Tal constatação
pode ser observada nas falas de Isabel, quando se refere ao descaso com que sente
ser tratada pelos outros docentes: “foram e largaram a gente pra trás”, “o que às vezes
eu tenho pra falar, algum projeto que eu tenha pra mostrar não é importante”. Ou na
fala de Estela, quando relata uma queixa trazida pelos funcionários da unidade de
ensino: “muitos profissionais não cumprimentam eles e eles reclamam”. A vivência de
ser desvalorizado e não reconhecido pelo Outro, foi associada pelas docentes ao
75
sentimento de “mágoa”, “exclusão”, “frustração” e “tristeza”, acarretando situações em
que “estouram” – nas quais se busca romper com o silêncio imposto – ou em que se
conformam, como pode ser exemplificado nos depoimentos seguintes:
Quando isso acontece no noturno eu fico muito arretada e vou lá na pessoa certa e falo mesmo, falo até cansar. É muito frustrante você viver uma situação desta e ficar guardando, não dá pra guardar, é muito triste. (Estela)
(...) largaram a gente pra trás, não foi Maria? Então isso que me magoa muito porque não é só na falta de professor, se fosse só a falta de professor a gente até compreende. (Isabel)
É horrível, mas você chega uma certa hora que você acaba se acostumando. [Isabel: A gente já assumiu que nós somos do grupo das excluídas, dos excluídos. Porque aqui o grupo dos excluídos é um grupo muito grande.] O André fala que nós somos do grupo pobre. (Maria)
(...) tem certos momentos que você acaba estourando. Numa das reuniões de avaliação você acaba não ficando calada, você acaba falando. E teve horas lá que eu nem achei que era eu mesma, eu falei “Ah! Pode ficar quieta aí que eu não acabei de falar!”. Falei desse jeito. (Maria)
A análise das falas evidenciou ainda uma oscilação no entendimento do diálogo
nas ocasiões em que se discutia a sua articulação com a “ação”, de modo que
compreensões opostas eram reveladas pelas mesmas participantes em momentos
diversos. A “ação”, termo usado para se referir às atitudes adotadas pelo professor nos
momentos de tomada de decisão ou de imposição de limites na prática de ensino em
sala de aula, ora era entendida como componente da prática dialógica, ora como
pertencente a uma etapa que sucede ao diálogo. A confusão em torno desta idéia
revelou o confronto entre o entendimento de diálogo fundamentalmente como abertura
– como algo que se dá entre duas ou mais pessoas – e o entendimento de “ação” como
fechamento – associada a uma postura encerrada sobre si mesma e solitária. Exemplos
desta contradição podem ser verificados na justaposição de falas enunciadas por Estela
e Maria em situações diferentes nas quais ora os dois elementos são tornados
compatíveis dentro da prática dialogal, ora são separados e relegados a etapas
distintas:
1ª situação: (...) através do diálogo temos a oportunidade de ouvir a opinião do outro, de fazer com que pensemos no que foi dito, nos responsabilizemos pela fala e desenvolvemos ação em torno do que foi dito. (Estela)
76
(...) eu acho assim, até mesmo quando eu chamo a atenção do aluno, antes eu procuro saber o que está acontecendo, por que essa atitude, então, na realidade eu estou dialogando com ele. (Maria) 2ª situação: A fala, o diálogo, ela é necessária. Embora, tenha determinados momentos em que gente tem que agir, mas aí vai para a próxima questão. (Estela) Então, a gente está lá com uma sala. A sala está conversando, conversando, conversando, não tem concentração. Aí eu paro a sala tudo e falo “Ó, está acontecendo isso, vocês dois estão conversando muito, eu vou precisar separar?”. “Não, professora, a gente vai parar, já parou”. A sala toda entra em acordo. Naquela aula fica assim. Na próxima aula tudo de novo. Aí não tem mais diálogo. O que eu tinha pra dialogar eu já dialoguei. E a gente já parte logo pra fazer o mapeamento da sala. (Maria) As falas apresentadas na primeira situação remetem às únicas ocasiões em que
o “agir” e o diálogo foram espontaneamente associados pelas docentes. Cabe destacar,
porém, que reflexões nesse sentido foram apresentadas posteriormente a partir de
questionamento feito por mim em uma das devolutivas realizadas. Considerando-se
afirmações feitas em outros momentos referentes à existência de um desejo por parte
dos alunos de que o professor imponha limites e organização à classe, indaguei às
participantes se tais ações, por se tratarem de respostas às expectativas dos
estudantes, não poderiam ser consideradas dialógicas. As docentes mostraram-se
surpresas com esta possibilidade de compreensão e ficou claro que a devolutiva
suscitou novas reflexões, como se constata no questionamento feito por Alice: “mas a
bronca não é um diálogo também?”.
A partir da devolutiva, houve também um alargamento da compreensão do
diálogo, inicialmente entendido como “conversa”, sendo reconhecidas pelas docentes
outras formas de expressão e escuta que implicariam numa comunicação silenciosa,
realizadas por gestos, postura e olhar. Destacou-se a “sensibilidade” como componente
central desse diálogo silencioso, como se observa na fala de Alice ao comentar uma
experiência vivida em sala de aula, na qual percebeu pelo olhar o que seus alunos
estavam pensando, que era o oposto do que estavam dizendo: “Então é uma questão
de diálogo também, de sensibilidade...”.
Apesar de mencionada uma única vez, se faz importante destacar a dimensão da
“responsabilidade” associada ao diálogo, apontada na fala de Estela anteriormente
citada. Esta revela a compreensão de que o diálogo, não se trata apenas de fala e
77
escuta, mas implica também o compromisso por parte daquele que dialoga em
“responder” àquilo que foi dito e escutado, comportando assim a existência de um
envolvimento entre os interlocutores.
4.1.2. O diálogo na prática educativa em sala de aula
A partir dos exemplos dados pelas participantes de situações que consideram
dialógicas vividas na prática educativa em sala de aula, é possível constatar que o
diálogo, situado neste contexto, tem se desvelado para as docentes nas seguintes
atitudes (por parte do professor):
a) conversar com os estudantes a fim de conhecê-los e a realidade em que
vivem:
[Descreva uma situação no seu dia-a-dia profissional em que você considere que haja bastante diálogo]. Em sala de aula eu procuro saber o que acontece com os alunos, é o que eu já falei. Eu gosto muito principalmente de saber a questão pessoal deles porque sabendo o que acontece com eles, a realidade deles, muitas vezes a gente descobre que apanha em casa ou que trabalha tal, a gente consegue lidar com as situações em sala de aula. (Isabel)
b) escutar o que os estudantes pensam, desejam e esperam acerca de sua aula:
(...) eu acho que sim [o diálogo ajuda na prática educativa]. Saber o que o aluno deseja, quais são as suas perspectivas, o que ele espera da sua aula, o que ele acha da sua aula é importante e influencia no preparo do planejamento. (Isabel)
c) discutir com os educandos os problemas despontados na sala, dando-lhes a
oportunidade para buscar saídas coletivamente:
Eu acho que outra forma de reflexão, de diálogo, é quando a gente tem uma sala indisciplinada, tipo a 6ª C do ano passado, fundamental. Eles xingavam uns aos outros, sabe, não tinham respeito pelos outros, aí você vai refletindo com a sala. (...) E aí você começa... toda aula você toca no assunto que leva eles a se valorizarem e verem como estão tratando o colega. Então o exemplo que eu daria é quando você... eu passei um filme pra eles e houve toda uma discussão em cima. Eu fugi totalmente da Matemática. Mas eu acho que, o diálogo, foi isso que você perguntou né? O diálogo ajudou nesse ponto, ajuda nesse ponto porque você está dando a sua opinião, mas você está ouvindo a opinião deles e você está fazendo com que eles escutem a opinião do colega. (Maria)
d) despir-se dos referenciais próprios para compreender a fala do educando a
partir do significado que este lhe atribuiu:
78
O Marcos, 8ª B, outro dia entrando na sala (...) virou pra mim e falou assim: “Ah! Chegou a professora maloqueira!”. (...) Coloquei meu material na mesa, fiquei séria: “Escuta aqui Marcos” – pra sala toda ouvir – “Por que maloqueira? Eu não sou da sua turma e eu não te dei audácia para isso”. Ele ficou calado, não respondeu nada. “Então eu não admito esse tipo de brincadeira”. Mas depois as meninas lá da frente (...) elas ficaram conversando comigo e falaram: “Professora, não liga não, nós estamos achando que ele gostou da sua aula, então é um jeito dele falar”. Então eu percebi que é mesmo. Que é o jeito doido dele, que ele está sempre... aquele jeito malucão dele. Daí passou, ele não me chamou mais, (...) ficou uns dias fora aí, agora voltou. Você acredita que ele voltou a falar “Ô professora maloqueira!” [risos]. Eu peguei e falei assim “Ah! Deixa pra lá!”. Já entrei na dele porque não tem jeito. Acho que é o jeito dele demonstrar que gosta da minha aula e acha que eu pertenço à turma dele de algum jeito. Então, quer dizer, eu tentei entrar em diálogo com ele e acabei entrando na dele (...). E as meninas me ajudaram a ver o lado dele também. Houve um diálogo aí e as meninas me ajudaram bastante. Ainda bem, né? (Maria)
Permeando a relação educador-educando, porém não de forma direta, destaca-
se também o desvelamento do diálogo como mediador entre o professor, o aluno e o
conhecimento, significando a capacidade de articulação das diversas áreas do saber
assim como a habilidade para relacionar o currículo com o cotidiano dos estudantes,
tendo em vista a sua utilidade e o atendimento às necessidades de transformação
exigidas pela realidade em que vivem. Um exemplo do diálogo assim compreendido
pode ser encontrado na fala de Estela quando descreve uma situação considerada
dialógica vivida em sala de aula:
O conhecimento é muito global. E a gente acaba transitando por diversas áreas do conhecimento dentro de uma própria aula. Como professora de Geografia, pra mim é supertranqüilo trabalhar essas coisas e conversar com os alunos referente a tudo isso. (...) Por exemplo, um dia desses mesmo eu estava conversando com os alunos referente à Declaração Universal dos Direitos Humanos onde está contido lá o artigo quinto da Constituição Brasileira. E aí a gente conversou, eu dividi a sala, e eles foram falando, e a gente foi fazendo uma comparação entre o que está lá e o que a gente vivencia. E fomos colocando, eles foram colocando e tal. E eu falei pra eles, por exemplo, a questão da saúde que é direito de todos. Você vai em determinado hospital e você não é bem tratado, como fazer? (...) Aí outro dia a aluna chegou pra mim e falou assim.: “Ah, professora! Sabe o que eu fiz no hospital essa semana? A minha filha estava doente eu fui no hospital e fiquei umas quatro horas lá pra poder ser atendida. Aí eu e outras mães nos juntamos, fomos lá na diretoria como a senhora havia nos informado, conversamos e falamos pra eles o seguinte: “que se fosse pra gente ficar com o filho doente, nós ficaríamos em casa. Não viríamos para o hospital. Portanto, nós queremos e temos o direito de sermos bem atendidos”. “Aí, professora, rapidinho apareceu um monte de médico pra poder nos atender!” Então eu acho que essas coisas elas fazem diferença no dia-a-dia, na prática mesmo.
Em relação aos estudantes adultos, as participantes comentaram a reserva por
eles demonstrada para se expressarem, atribuindo esta característica à falta de
costume em serem ouvidos (“as pessoas não estão acostumadas a falar, até porque
estão acostumadas com a educação tradicional...”), e ao medo e vergonha que sentem
79
para falar, devido à distância de sua linguagem em relação à norma culta (“não estão
habituadas a serem ouvidas, têm medo de falar, falam errado...”).
Por fim, cabe ressaltar o consenso demonstrado pelas participantes em torno de
que o diálogo traz benefícios à prática educativa, contribuindo para a elaboração de um
planejamento adequado do curso em função da escuta às demandas apresentadas
pelos discentes e para que estes se tornem mais motivados para a aprendizagem,
como se pode observar nas falas de Isabel – “conversar e saber o que eles esperam da
sua aula é importante porque daí você já faz, prepara a aula já pensando realmente na
necessidade deles” – e de Maria – “Quando há diálogo os alunos participam mais da
atividade proposta”.
Além dessas contribuições, apontaram-se também como outros ganhos trazidos
pelo diálogo as oportunidades por ele geradas para que o educador aprenda com o
educando – “a gente aprende com eles também. Então é conversando que a gente
descobre essas coisas” (Isabel) – e para que reflita sobre sua prática pedagógica,
auxiliando-o a imprimir-lhe as direções que desejar – “seja na sala de aula enquanto
professor, seja na nossa vida pessoal. Em todos os momentos, o diálogo é importante e
necessário pra que a gente possa dar uma linha, uma direção na vida da gente”
(Estela).
4.1.3. Considerações sobre a escuta
Diversas foram as referências à escuta, sem que fossem associadas, porém,
explicitamente à prática dialógica. Comentou-se sobre suas características, como se
coloca na profissão docente e sobre algumas disposições afetivas por elas
desencadeadas.
A oportunidade de escuta dos outros segmentos que compõem a realidade
educacional da comunidade na qual a escola se insere foi apresentada como promotora
da reflexão e da atitude de “colocar-se no lugar do outro”. A fala de Alice exemplifica
bem essa constatação ao se referir à experiência de escuta dos pais dos alunos de
outra instituição educativa da comunidade – propiciada pelo projeto Diálogo e
Participação:
80
(...) tem hora que você tem uma vontade de responder [risos], principalmente quando teve dos pais lá, os pais meteram a boca e você só anotando e falando “ai meu deus do céu, não pode falar nada pra esse cara?” [risos]. Então assim, só que você tem que engolir em seco e parar e pensar, e vem aquela parte de reflexão, parar e pensar e falar “Não, se ponha no lugar dele também e veja o lado dele como pai ou o dela como mãe”, né, que estão ali querendo o melhor pro filho e você está lá pra eles e você realmente não está fazendo muita coisa. (Alice)
As docentes referiram-se principalmente à oportunidade de ouvir críticas. Se no
primeiro momento as críticas assustavam, gerando a vontade imediata de se defender,
num segundo momento, devido à obrigação de apenas escutar, passavam a achar
graça da situação e se punham num movimento reflexivo, revendo a si mesmas para
avaliar o que estava sendo dito. Dessa vez, os depoimentos de Estela e Maria
referentes à experiência de participação como entrevistadoras junto aos educadores
dessa outra instituição podem ser tomados como exemplo:
Estela: Fala pra ela como você se sentiu naquela entrevista que aconteceu com as educadoras da creche. (...) E aí elas falaram tudo que devia ser dito mesmo e a Maria tinha acabado de entrar no projeto. Ela ficou muito assustada e achou que deveria dar uma resposta [risos], mas que ela olhou pra mim, pra Isabel e a gente estava extremamente tranqüila, “não, aqui é só pra escutar mesmo!” Foi muito engraçado aquele dia... Maria: Foi... Mas foi bom, é difícil você escutar a pessoa te criticar e você não poder falar nada a seu favor ou a favor do colega, daqueles que a gente sabe que trabalham legal (...) Elas falavam que nós somos culpados pela situação ter chegado aonde chegou. O fato de não ter alunos reprovados, né? Foi isso? Estela: É, foi mais ou menos nessa linha. Mas o questionamento era referente à acomodação dos professores em relação ao momento em que se encontra a educação hoje em termos de qualidade. Da forma como foi colocado, é como se a gente não tivesse feito nada.(...) Maria: Isso. E daí você pára pra pensar porque de repente não é... eu não me sinto acomodada, mas é que a gente às vezes fica de mãos atadas diante das circunstâncias. De um modo geral, as docentes avaliam que o professor tem uma “escuta ruim”,
apresentando o hábito de “atravessar” a conversa dos outros e a dificuldade de ouvi-los
até o final:
O professor está conversando, aí a gente vai se intrometendo na conversa do outro, o outro vai entrando... [Alice: atravessa...] E vai atravessando, vai atravessando na conversa. (Estela).
Estela levanta, como um fator que contribuiria para a escuta ruim, a “roda viva”
que caracteriza a profissão docente, decorrente da necessidade de se acumular
diversos cargos para obtenção de um salário melhor: “Eu, por exemplo, que trabalho
em dois empregos, eu fico muito acelerada. Eu vejo que estou assim ligada o tempo
todo. E parar pra escutar pra mim é um privilégio”.
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4.1.4. A relação educador-educando
Autoridade x autoritarismo
A análise das falas indica a existência de uma oscilação na compreensão da
distinção entre autoridade e autoritarismo, relacionada ao conflito apontado em item
anterior relativo ao entendimento contraditório acerca da articulação entre diálogo e
ação. A confusão parece girar em torno do modo como é compreendida a imposição de
limites, determinação de regras e tomadas de decisão por parte dos docentes na
prática educativa em sala de aula. Há o consenso de que estas atitudes são
necessárias, porém há variações no modo como são concebidas: ora são associadas
ao uso da autoridade, ora a práticas autoritárias adotadas pelo professor. Na fala de
Maria, tal contradição fica evidente, já que usa as duas expressões para se referir à
mesma situação:
[Descreva uma situação no seu dia-a-dia profissional em que você considere que falte diálogo.] Eu coloquei: “quando tenho que impor minha autoridade. Às vezes nem conversando os alunos participam, é necessário ameaçar de alguma maneira”. É horrível isso, mas eu tenho que ameaçar mesmo. Às vezes você conversa com o aluno, você vai fazer isso, vai fazer aquilo, você passou o exercício uma, duas, três vezes, não tem o caderno, não fez no caderno, você vai ter que se impor. Não adiantou conversar com o aluno, o que eu faço, tem que chamar a mãe. Aí tem horas que até você chamar a mãe não resolve, daí você começa a ameaçar com negativo. Então, aí é a falta de diálogo você acaba tendo que optar por isso. Você se torna uma pessoa autoritária, ou vai de um jeito, ou vai de outro.
As participantes relatam a existência de uma expectativa e até mesmo cobrança
por parte dos alunos para que o professor se imponha, definindo determinadas coisas e
organizando o ambiente na sala de aula, como pode ser exemplificado nas falas a
seguir:
A gente teve várias falas de aluno aí, que falam que determinada aula não é legal, que não gostam de determinada aula porque o professor não impõe disciplina, porque isso porque aquilo. Quer dizer, eles mesmos nos cobram as coisas do professor e o professor não consegue se impor. (Alice)
(...) falando de questão de disciplina na sala de aula, eles me citaram que eu colocava ordem em determinada sala. Porque assim, eu chego chegando mesmo. A gente chega, tem toda amizade, bate-papo tudo, mas a gente coloca... e eu aprendi quando eu fiz o magistério, isso eu aprendi quando eu fiz o magistério, que o princípio pra você dar uma boa aula é você organizar a sala. Organizar as pessoas. Isso é o princípio. (...) E eles gostam disso mesmo. De você chegar, organizar. (Estela)
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Destaca-se também a consideração da importância dessas atitudes para o
crescimento do aluno e para a realização do compromisso de ensino de determinados
conteúdos assumido pelo educador no exercício de sua função, como se observa na
colocação de Estela:
E eu sei que às vezes eu tenho que tomar determinadas medidas enquanto profissional que não agradam. E aí eu sou muito clara pra eles. Eu gosto muito deles, tenho um carinho muito grande por eles, mas a minha função aqui não é de agradar. (...) a questão do desagradar também faz parte do crescimento de cada um. Até porque nós temos um compromisso, nós temos uma cobrança, nós temos que dar conta de muitas coisas, entre elas o conteúdo. Então a gente tem muitas responsabilidades. E às vezes eu sei que eu desagrado. Mas eu não me preocupo com isso. Eu tenho clareza do meu trabalho. Eu sei pra que eu estou lá, eu sei onde eu quero chegar e depois a gente acaba se dando bem.
Entretanto, em algumas falas é possível notar a existência de um certo incômodo
com a adoção dessas práticas, revelado por Isabel quando comenta sobre sua
preferência por dar aulas para adultos:
É exatamente por isso que às vezes pra mim não faz tanto sentido dar aula de 5ª a 8ª série porque a gente está sempre tendo que agir dessa maneira. Às vezes tomar decisões por eles sem comunicar muitas vezes.
Assim como a sensação de se estar sendo autoritária, como se constata quando
esta expressão é lembrada por Estela para caracterizar a postura adotada pelo
professor ao impor determinadas coisas aos alunos:
E eu sinto que às vezes eu tenho que ser muito é... como é que eu vou dizer... não seria autoritária, seria... às vezes eu tenho que utilizar a minha... eu tenho que impor determinadas coisas.
Apesar de, logo em seguida à sua lembrança, o termo ter sido rejeitado pela
professora, a situação descrita aponta para a existência de uma tendência em associá-
lo àquela postura. Cabe ressaltar que tal compreensão foi devolvida às participantes, as
quais, além de sua confirmação, apresentaram também uma reflexão acerca das
origens desse mal-estar. Apontou-se como uma das causas do incômodo com a
imposição de limites, regras e decisões a perda de parâmetros existente na sociedade
atual, decorrente de sua trajetória histórica marcada por experiências radicais de
autoritarismo, como se observa no comentário a seguir:
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(...) a gente vem de um modelo de sociedade em que é permitido fazer tudo (...) Nós somos a geração do pode tudo (...) A gente tem dificuldade de impor limites até com os nossos filhos (...) A sensação é de que se está fazendo uma coisa errada mesmo (...) A gente veio de uma geração que foi tão massacrada que a gente perdeu o parâmetro. E aí quando a gente tem que usar o limite que é importante pro nosso crescimento... (Estela) Para além das contradições apontadas, cabe destacar os aspectos que foram
associados a cada um desses conceitos. O autoritarismo foi relacionado à
“centralização de poder”, à prática de uma “pessoa ditar as regras e os outros
obedecerem” e ao “medo” como o fundamento desta relação. Na situação em sala de
aula, o autoritarismo foi exemplificado com a adoção, por parte do professor, de práticas
de humilhação e de impedimento de qualquer expressão dos alunos. As falas de Estela
e Alice a seguir exemplificam esta compreensão:
O autoritarismo tem um tempo muito curto. As pessoas obedecem até determinado momento. Chega uma hora que elas não obedecem mais. Hoje em dia não existe mais isso. Você tem que conquistar, você tem que negociar com o aluno. [Maria: Verdade.] Com a vida, né? Com o aluno, com a empregada, com o diretor, com a coordenadora, com o filho, você tem que negociar, não tem jeito. Não dá mais pra uma pessoa ditar as regras e os outros obedecerem, ninguém mais está nesse tempo. Eu não acredito nisso. Não acredito nesse poder de uma pessoa só, essa centralização de poder não vai muito longe. (Estela)
E a gente fala do antigamente, só que o antigamente também era uma coisa de cima pra baixo. Ou você... [Estela: Tinha medo. Não era respeito, era medo mesmo.] Ou você obedecia ou o professor metia reguada na cabeça ou ele fazia o estardalhaço porque ele era o soberano dentro da sala de aula. (Alice)
Tais práticas foram apontadas como freqüentes no passado. Mas como exemplo
de autoritarismo atual (e mais sutil), foi trazido por uma das participantes atitudes – por
ela tomada em alguns momentos – de “ameaça” aos estudantes (utilizando-se o
recurso das “notas” ou da “convocação aos pais”).
Já o uso da autoridade foi associado à prática de “negociar” (como se observa na
fala de Estela acima citada), caracterizando-se pelo poder partilhado entre as partes
que negociam e pela “amizade conquistada” e o “respeito” como os fundamentos da
relação aí estabelecida, conforme enfatizado na fala de Maria: “Se os meus alunos
tivessem medo de mim eu (...) me acharia uma péssima professora porque eu não
estou aqui pra ninguém ter medo de mim. É como a Estela falou, tem que conquistar a
amizade deles”. Como exemplos de momentos em que a autoridade é exercida, foram
relatadas situações em que as imposições feitas pelo professor estão a favor do
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crescimento do aluno, partindo do reconhecimento de suas condições, necessidades e
expectativas.
O (des)respeito
Inicialmente, é possível constatar o entendimento do respeito como o
reconhecimento do “espaço do outro”, traduzido na sala de aula pelo reconhecimento
do espaço tanto do aluno quanto do educador e dos diferentes papéis que lhes são
atribuídos na relação educativa, como se observa nas falas de Estela a seguir:
[Teresa: O que significa o respeito pra vocês?] O respeito humano, saber que ele tem o espaço dele, a gente tem o espaço da gente.
(...) eu vejo assim a questão do respeito... Acho que é questão de espaço mesmo porque a gente que trabalha diretamente com gente em sala de aula como o professor, nem sempre você consegue fazer alguma coisa que agrade a todos. Tem determinados momentos que a gente tem que impor mesmo.
Entretanto, faz-se importante destacar também as falas de Alice e Maria, que
revelam o respeito não apenas como intermédio da relação entre “papéis” nos quais se
revestem professor e aluno, mas também como elo de ligação entre pessoas, para além
das funções que exercem:
Teresa: O que significa o respeito pra vocês? Alice: Eu acho que é essa conquista que a Maria está falando. Deles chegarem pra você na rua e “Professor!” e vêm abraçar você na rua, entendeu? Maria: É tão bom! Alice: Isso é muito gratificante. Então você conquistou o aluno, você tem esse respeito, eles têm esse respeito com você, eles sabem que você é a professora, mas ao mesmo tempo você está ali. Como um amigo, que também deixa dar umas brincadas em sala de aula, que ele também pode ser, entendeu?
No trecho acima citado denota-se também a compreensão de que o respeito não
é algo que se possui ou simplesmente se exige, mas que deve ser “conquistado”.
Evidencia-se assim uma dimensão duplamente ativa, tanto por parte daquele que
espera o respeito, quanto por parte daquele que irá respeitar. Isto fica claro na fala de
Alice, na qual pondera a existência de alunos que não respeitam os professores, mas a
existência também de docentes que “não se dão o respeito”, que insultam e humilham
os educandos em sala de aula ou que não impõem disciplina:
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Mas sabe o que eu acho, Maria, que a gente fala “os professores não são respeitados”. Realmente assim falta respeito. Apesar que eu acho também que muitos professores não se dão o respeito dentro de uma sala de aula. [Maria: É, tem isso também.] [Teresa: Não se dão o respeito em que sentido?] A gente observa o próprio professor às vezes chega em sala de aula e xinga. Tem professor que faz isso. A gente teve várias falas de aluno aí, que falam que determinada aula não é legal, que não gosta de determinada aula porque o professor não impõe disciplina, porque isso porque aquilo.
Distinguiram-se, conforme já apontado anteriormente, situações de obediência
em sala de aula que estariam fundadas no respeito daquelas estruturadas sobre o
medo, as quais se caracterizariam pela relação vertical entre professor e aluno (“de
cima para baixo”). As docentes abordaram também a problemática em torno do
desrespeito sofrido pelo professor como uma manifestação que parte não só do aluno,
mas também dos governantes, que os desvalorizam enquanto profissionais:
Mas eu vejo assim. Na verdade a escola, os alunos, eles são um reflexo da sociedade. Se a sociedade não se respeita, na escola não é diferente. Eles vêm aqui e pura e simplesmente reproduzem o que eles vivem socialmente. E esse desrespeito não é só do aluno, ele vem desde lá de cima. Os próprios governantes que deveriam nos respeitar enquanto profissionais, não nos respeitam. (...) É, não tem valor. Não tem valor entre aspas. Então eu vejo assim que é tudo um círculo onde uma coisa vai refletindo na outra. (Estela)
A consideração da desvalorização da classe docente como uma forma de
desrespeito, indica que, para além do reconhecimento do espaço, o respeito implicaria
também o reconhecimento do valor daquele para o qual se dirige. Cabe destacar, por
fim, que o entendimento de que a manifestação do desrespeito por parte do aluno seria
um reflexo do desrespeito por eles sofrido na sociedade indica que haveria uma
tendência das pessoas a reproduzirem a forma como são tratadas.
A relação entre pessoas
Em alguns momentos, foi abordada a dualidade existente na relação educativa,
fundamentada na relação entre pessoas exercendo determinadas funções. Os relatos
de situações experimentadas com educandos em sala de aula revelam a relação de
ensino-aprendizagem sendo constantemente atravessada pela relação afetiva
estabelecida entre professor e aluno.
Algumas vezes esse cruzamento foi descrito como favorecedor do ensino e
aprendizagem. Um exemplo dessa situação pode ser identificado no relato feito por
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uma das docentes em que se percebia que a motivação de um estudante para o
aprendizado de determinada disciplina estava atrelada ao carinho que sentia pela
professora e pela preocupação em não decepcioná-la:
Por exemplo, eu tive um aluno aqui, na 8ª série, no noturno, que não era gente desse mundo. O Lucas. Em termos de Geografia eu acho que ele não aprendeu muita coisa. Mas ele desenvolveu uma afetividade tão grande comigo que ele fazia as minhas coisas por afetividade. Um negócio interessante. E era terrível o menino. E até hoje onde eu passo ele me faz parar o carro pra me cumprimentar. E eu vejo que ele tem todo aquele carinho por mim, não sei. Ele fazia as minhas coisas não por ele gostar, mas talvez por respeito, sei lá. Pra não me decepcionar... não sei. (Estela)
Em outros momentos, porém, essa dualidade foi apontada como geradora de
conflitos, na ocasião em que a função de educar exige a imposição de limites para o
relacionamento estabelecido. Foram relatadas situações em que os alunos sentem
raiva, “viram a cara” e “ficam de mal” do professor quando se sentem contrariados:
Porque eu não sei o que aconteceu ali na sala de aula, eu não me lembro exatamente o que, que eu tive que ser dura mesmo. Quando precisa eu sou dura. Sou muito bacana, dou risada, brinco com eles, falo besteira, tudo de bom, falo muita besteira com eles, mas na hora que precisar pontuar as coisas, eu pontuo muito bem. E aí ela, não sei alguma coisa que eu tinha que pontuar e pontuei, e ela ficou com raiva de mim, essa menina. Ficou com raiva. E eu conheço ela há muito tempo, lá da comunidade da creche, há muitos anos eu conheço ela. E ela ficou com raiva. Mas eu também não dei a menor importância. E aí depois ela voltou. Voltou assim do nada também, igual criança. Fica com raiva e depois volta, normal. (...) Mas tudo bem, faz parte do processo. Às vezes tem essas coisas também. (Estela) Aí ela falou pra mim que o problema dela era eu, não era... Ela me trouxe um caderno da época que ela estava com, sei lá, 14, 15 anos, que tinha as mesmas matérias. E que ela tinha entendido tudo que a professora de Matemática naquela época tinha dado porque ela tinha feito todos os exercícios. Eu falei “Ótimo, se você entendeu tudo naquela época, porque agora você só não está recordando?” [risos]. Aí pisei no calinho, né? (...) Nossa! Fechou a cara, não gostou da resposta, está me ignorando. [Estela: Ficou de mal mesmo.] Dentro da sala de aula, nem me cumprimentar, porque ela senta na frente. Cabeça baixa o tempo todo, copia a matéria na lousa, não pergunta nada. Não sei se entendeu, se não entendeu. (Alice) O destaque ao relacionamento humano que fundamenta a relação educativa
também foi abordado pelas docentes quando comentavam sobre os cursos de
formação à distância do qual participam. Sem negar que possam contribuir, relatam um
certo incômodo com as aulas realizadas sob a forma de videoconferências, quando
estas se mostram muito teóricas e nas quais há a ausência física do formador:
Eu faço um curso de ensino médio em rede no estado e o curso, 90% dele é em videoconferência. Eu não gosto. Eu gosto de humano, de gente, de conversar com gente. Mesmo pra gente poder estar trocando idéias, questionando. Embora eles abram espaço pra gente poder
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colocar algumas questões, mas é muito teórico, não tem essa coisa de humano. Eu prefiro. Prefiro gente. Como foi uma abertura aí deu pra tolerar, inclusive foi muito bom. Vamos ver como é que vai ficar daqui pra frente. (Estela) (...) não tinha uma pessoa lá? [Estela: Não, não tinha. Era uma pessoa no telão, no computador, e a gente ficava escutando.] Falta isso. Eu acho que é diferente... (...) uma pessoa ao vivo ali, não uma tela. Tela você não pode... [Estela: Sim. Eu tenho essa necessidade.] Eu acho que é complicado você conversar com um ser que você não está enxergando [risos]. (Alice)
O desalojamento
O desalojamento que os alunos provocam no docente foi realçado em algumas
falas. As docentes falam do “chacoalhão” que sentem em situações em que se
deparam com o “jeito diferente”, com “a forma diferente de estar” de seus educandos:
Sabe, é muito legal isso, muito bom, essa troca. E eles ensinam muito pra gente porque eles também têm um jeito diferente... Uma forma diferente também de estar... e a gente aprende com eles. Porque às vezes eles dão um chacoalhão na gente que a gente fala “Opa!” [risos]. Ou tem que ir mais devagar, ou tem que ir de maneira diferente. A gente acaba aprendendo. É uma troca de informações. (Alice)
O “chacoalhão”, conforme é apontado, faz o professor rever a sua prática de
modo que atenda às necessidades dos discentes e significa a oportunidade de
aprender com eles também. O desalojamento foi destacado como mais forte na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), tendo em vista as características peculiares deste
nível de ensino.
4.1.5. A reflexão e a educação
Ao longo das entrevistas, destacaram-se a relevância da reflexão para a
qualidade profissional e a queixa de sua ausência na prática docente. A educação foi
caracterizada, em uma das falas, como o âmbito próprio do pensar:
Foi falada uma coisa ontem que eu acho que vai ao encontro do que a gente havia falado, que é a questão da reflexão mesmo. E aí uma das intermediadoras lá falou o seguinte: que quando um governo autoritário assume o poder a primeira coisa que eles perseguem e desmontam é a questão cultural, principalmente o teatro, e a educação. Porque são os dois ambientes onde as pessoas de fato pensam e fazem os outros pensarem. (Estela)
Entretanto, foi apontada pelas participantes a existência de práticas educativas
irrefletidas entre os professores, como pode ser observado na avaliação de Estela,
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confirmada por Alice, ou no relato desta última acerca da conversa travada entre um
grupo de docentes e a coordenadora pedagógica:
(...) nós (...) também reproduzimos esse sistema. Porque tem muitos professores, eu vou dizer a maioria, que não têm consciência de tudo isso, não têm clareza de tudo isso. Ou, se pensa, pensa de forma muito superficial. [Alice: Eu vou falar pra você que são poucos os que se preocupam com esse lado...] (Estela) (...) a gente estava falando “não, mas os professores não dão mais prova por causa do ciclo tal, não sei o quê”... “Mas quem falou que não tem que ter prova?” (Alice)
A reflexão foi mencionada como a condição para a realização de uma prática
educativa transformadora, permitindo o rompimento com o trabalho mecânico e
reprodutor e o seu direcionamento para os objetivos que se pretendem alcançar.
Apesar do reconhecimento de sua importância, as docentes constatam a sua ausência
na profissão docente, atribuindo o fato à falta de tempo destinado ao pensar que
caracterizaria as condições de trabalho do professor e a sociedade em geral, como se
explicita nas falas a seguir:
(...) quando você tem tempo pra refletir você dá outra direção nas coisas. Você não tendo esse tempo de refletir você continua na roda viva, fazendo um trabalho mecânico, que não dá pra pensar, que não dá pra você melhorar sua qualidade enquanto gente, enquanto profissional. (Estela)
(...) como você vai ter um profissional de qualidade se esse profissional não tem tempo sequer pra refletir, pra ler. “Ah, o aluno não lê!”. Professor também não lê. O aluno não lê, professor não lê, o mundo não lê. (Estela) Quanto aos estudantes comentou-se sobre o predomínio da dimensão
pragmática no conhecimento que detêm e a dificuldade que apresentam para transpô-lo
ao nível abstrato:
Sabe piloto automático? É piloto automático. Que nem eu costumo falar pra eles. Você dá uma nota de cinco reais no ônibus, ele vai te voltar quanto? Todo mundo “é três!”. “Mas que conta você fez?”. “Não sei. Não precisa fazer conta.” [risos] Você faz conta, só que está no piloto automático. (Alice)
Cabe notar, por fim, que a reflexão desejada pelas docentes não foi associada a
momentos individuais destinados ao pensar, mas sim como decorrente de situações
coletivas, nas quais os docentes podem trocar experiências e informação a respeito de
sua prática.
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Pra gente poder pensar precisa ter tempo. E se a gente fica nessa correria louca é muito difícil a gente pensar. Então eu vejo que o professor ou qualquer outro profissional ele precisa ter um espaço onde ele possa trocar informação com outros colegas, onde ele possa trocar experiências, aprender com outro colega. Essa dinâmica, esse movimento, acho que ele é necessário e muito importante. (Estela)
Se a fala de Estela acima citada exemplifica bem essa associação da reflexão a
situações de troca entre os docentes, tal constatação ainda pode ser reforçada quando
se verifica a valorização por parte das docentes das horas de trabalho coletivo, do
projeto Diálogo e Participação e de alguns cursos de formação nos quais a reflexão é
propiciada:
(...) nós hoje somos privilegiados por termos um espaço na prefeitura ainda, por enquanto, de... por exemplo de JEI, os PEAS, que pra gente é muito valoroso. Porque a gente pára pra pensar em educação. (Estela) (...) é bom a gente passar por um curso assim que a gente vai refletindo umas coisas. (Estela) Então isso é muito importante pra gente, eu acho que a gente está tendo um momento de reflexão nesse projeto. (Alice)
4.1.6. A escola e o diálogo
A escola foi considerada, em uma das falas, como o espaço próprio do diálogo;
porém, na prática, como o lugar onde menos se conversa. A “deficiência na
comunicação”, conforme foi afirmado, diz respeito não apenas às relações internas,
exemplificada na constatação de muitos funcionários que se sentem ignorados pelos
docentes, mas também àquelas travadas com os setores aos quais está subordinada,
tais como as coordenadorias e secretarias de educação:
Então o que eu vejo é assim, na verdade a escola é um espaço de diálogo. Mas na prática a escola, eu falo escola enquanto profissionais, enquanto tudo que acontece dentro da escola, é o espaço onde menos se conversa. E isso não é só na escola Sabiá. Eu estou na educação há 17 anos, eu já rodei por muitos lugares, por muitas escolas, tanto da prefeitura quanto do estado, e infelizmente eu consigo detectar uma deficiência muito grande na questão “comunicação”. E isso não é só entre professores. É entre direção-coordenação, direção-supervisão, coordenadores de educação, secretário de Educação. Ou seja, a escola é um espaço de conversa, de diálogo, mas o diálogo ainda não acontece. (Estela)
Dentro da escola, a falta de diálogo foi apontada de diversas maneiras.
Abordaram-se situações em que ela se manifesta como decorrência de aspectos mais
estruturais que caracterizariam a escola e a profissão docente de um modo geral e
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outras em que diz respeito às relações interpessoais estabelecidas especificamente na
instituição estudada.
Pertencentes ao primeiro grupo, as variáveis mencionadas que contribuiriam
para a dificuldade de comunicação dizem respeito à falta de tempo para conversar, seja
devido ao acúmulo de cargos por parte dos docentes, seja devido à urgência e o
imediatismo que caracterizariam o tempo vivido na escola pública. Foi apontada pelas
participantes a existência freqüente na instituição de ensino de situações marcadas
pelo improviso, que exigem a tomada de decisões imediatas, nas quais a necessidade
de fazer se sobrepõe a de conversar. O alto índice de falta de professor foi um exemplo
citado como um fator que acarreta nessas situações, exigindo dos profissionais
presentes na unidade, que improvisem atividades a serem desenvolvidas junto às
classes disponíveis:
Às vezes eu vejo que o diretor, ou o auxiliar de período ou a coordenação ou quem estiver comandando a escola tem que tomar determinadas atitudes que não dá pra conversar, tem. Porque tem um problema muito sério... não que eu queira justificar, o problema da escola. Eu estou pensando na escola como um todo, não daqui, eu estou pensando na escola como um todo. Que é o problema, por exemplo, da falta de professor. Por exemplo, tem a segunda aula, você espera que o profissional esteja na casa, só que o profissional não está na casa. Aí quem estiver arrumando o horário tem que fazer um bem bolado pra conseguir a coisa funcionar, porque tem que funcionar. E nesse momento é um momento que você não tem tempo pra conversar, você tem que fazer. (Estela)
Tais arranjos sem preparo prévio são considerados prejudiciais ao planejamento
do professor e ao projeto pedagógico da escola, pois, como é afirmado por Isabel,
resultariam na substituição das situações de ensino e aprendizagem por situações em
que devem “cuidar” dos estudantes:
É horrível, é frustrante, porque você prepara uma aula e de repente, por exemplo, estou com esse projeto (...), daí hoje mesmo agora pediram pra eu juntar duas salas, pra eu adiantar a aula. E aí, como que eu vou trabalhar o meu projeto com duas salas? Não tem como! O que eu faço? Aí eu fico dando qualquer coisa, porque eu não pensei em nada, nem um coringa pra estar trabalhando com aquela sala, eu dou qualquer coisa, nada que faça parte do meu planejamento, pra poder atender duas salas de aula. Então pra mim é muito frustrante, eu estou com o meu projeto inteiramente atrasado. Peguei a 7ª A agora, a 7ª A junto com a 7ª B, e é um projeto assim que não é nem com a sala toda, eu tenho que trabalhar com pequenos grupos. E como que eu vou dar conta disso se eu estou com duas salas? Então simplesmente eu esqueço o meu projeto, eu esqueço a minha matéria, dou qualquer coisa na sala, só pra eu “cuidar” de sala de aula, eu sinto que eu estou “cuidando” da sala de aula e não dando aula.
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Além da falta de professor, também se comentou acerca de determinadas ações
administrativas que são exigidas à direção da escola pelos órgãos aos quais está
subordinada, num prazo muito curto, que impediria a consulta aos demais envolvidos,
prejudicando o diálogo interno:
Mas existem situações em que você não tem tempo pra conversar. É igual o João, o João é administrador, é o diretor, tem determinados papéis que chegam na sala dele, que ele tem que mandar, por exemplo, chega 3 horas da tarde e ele tem que entregar às 4. E acontece isso. E ele não tem tempo às vezes de sair atrás de determinados profissionais pra poder estar resolvendo sobre aquele papel. Ele tem que mandar, ele tem que decidir. Aí entra a questão que eu falei que nem sempre o diálogo é possível.
Já em relação aos contatos interpessoais que contribuiriam para a deficiência na
comunicação, foram mencionadas situações nas quais alguns docentes buscam se
mostrar e sobrepor-se aos demais (professores “estrelas”) ou que revelam uma
desconsideração, não atribuindo importância às idéias, opiniões e trabalho de alguns
professores. A desconsideração, conforme foi apontada, revela-se nas decisões
tomadas por parte do grupo de docentes (relativas à alteração de horários, dispensa de
turma e combinação de atividades), as quais seriam pensadas e planejadas sem escuta
àqueles que são por elas afetados:
Já aconteceu uma coisa muito chata, como visitar uma amiga, a gente não estava sabendo que nós íamos visitar a amiga, dispensou na última aula, fizeram vaquinha pro lanche e tudo e a gente, lógico, chamaram e a gente foi, mas não participamos do lanche, não participamos porque não chamaram. [Teresa: Da preparação.] Da preparação toda. E avisaram de antemão. E aquele dia eu tinha prova. Então é grave. A gente pensa no diálogo com o aluno, mas dentro da escola tem muitos pepinos pra se resolver. (Maria) Isso é uma coisa que acontece muito aqui nessa escola. Às vezes eu estou preparando, hoje mesmo: preparei toda essa aula pra eu dar essas duas últimas aulas, vim com gravador, peguei filmadora, tudo, pra trabalhar. Que aconteceu? De última hora falam assim: “ah, mas as salas vão ser dispensadas”. Então que que acontece? Você é a última a saber de tudo! Poxa, já tinha pego o gravador, já tinha pego a filmadora. Aí eu tive que dar um jeito de pedir pra descerem as salas que eu ia usar na última aula pra jogarem nas primeiras aulas, sabe assim? Até que nessa vez deu pra eu estar estruturando, pra eu estar ajeitando a minha situação e trabalhar do jeito que eu gostaria, mas quantas e quantas vezes, eu estou lá em cima e daqui a pouco “Vão ser dispensados”. Com tudo preparado. Ou “olha, vai ter a festa tal, assim, assim”. De repente ninguém fala como é a festa, ninguém vai contando os detalhes e você vê e você está ali no meio e ainda está sendo julgada como se não estivesse participando. Isso é muito chato, muito constrangedor pra gente e é o que não pára de acontecer. (Isabel)
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A desconsideração e o “atropelo”, revelados em situações em que haveria tempo
disponível para o diálogo, são destacados por Isabel como geradores de mágoa e mais
difíceis de compreender do que quando decorrem da necessidade de improviso.
Então isso que me magoa muito porque não é só na falta de professor, se fosse só a falta de professor a gente até compreende. Mas aqui existem “ene” situações interessantes pras pessoas que se dispensa aluno. Entendeu? Então o que às vezes eu tenho pra falar, algum projeto que eu tenha pra mostrar não é importante. Mas às vezes algum projetinho de um colega é importante pra dispensar a turma. (Isabel)
Segundo a mesma docente, que levanta a queixa sobre a falta de diálogo entre
os docentes, este só se faria presente durante o intervalo ou em Conselho de Classe,
quando estes se reúnem para falar mal dos alunos:
Mas eu percebo que o momento onde eu ouço e sou ouvida é no intervalo. Geralmente, na sala de professores. Geralmente, quando falam mal de um aluno. Então quando alguém fala mal de um aluno todo mundo pára pra conversar, vocês já repararam? Quando vai e fala: “Ai, fulano aprontou isso”. Daí junta aquele monte de professor pra falar o que que aquele fulano falou, aprontou também com ele. Então, geralmente todos concordam que aquele fulano, daquela tal sala está realmente dando problema e aí gira aquela discussão em cima daquele aluno que não está se comportando em sala de aula, que não faz nada, que isso, que aquilo. Então é o momento que a gente mais conversa. Principalmente entre os colegas. É o momento de falar mal de alguém. E Conselho de Classe, né, que a gente sempre acaba falando...
A falta de diálogo entre os docentes também foi desvelada, como se observa na
fala de Maria, como ausência de comunicação entre os diversos grupos de trabalho
coletivo, que contribuiria para a divisão interna da escola: “Às vezes o que acontece no
PEA da Estela eu não fico sabendo, o que acontece no meu PEA ela não fica sabendo.
Então o que é que acontece? A escola se divide. Por isso, porque não tem o diálogo”.
Desvelaram-se ainda diferenças entre turnos no que diz respeito às relações
estabelecidas entre os profissionais. Dentre as suposições levantadas pelas
participantes para compreender estas diferenças, destaca-se a constatação do perigo
na comunidade em que se situa a unidade de ensino, realçado no período da noite,
como um fator que contribuiria para a maior união entre as pessoas e a consideração
da existência no terceiro período de professores querendo se sobrepor aos demais
como um fator que dificultaria o diálogo:
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Como eu trabalho nos dois períodos, eu acho que o que acontece é que no noturno ninguém quer ser o primeiro da turma, ninguém quer se mostrar e isso não acontece no terceiro período. E nas salas tem sempre o CDF, né? E entre os professores também. [risos] [Isabel: Tem sempre as estrelas.] As estrelas, com os professores são as estrelas. (Maria) Eu não sei se é a questão do perigo, de estarmos num lugar muito perigoso, a gente tem que se unir... eu não sei, é diferente a química. [Teresa: No noturno o perigo é maior?] É maior. Então parece que a união do noturno é maior também. (Estela)
Comparada com as diversas situações existentes na escola carentes de diálogo
até então descritas, a relação entre educador e educando, desenrolada na sala de aula
foi desvelada em algumas falas das docentes como a circunstância onde ele mais
acontece, como pode ser observado a seguir:
(...) o diálogo com o aluno a gente tem muito melhor do que diálogo com os colegas. (Isabel) (...) eu vejo que existe muito diálogo na relação professor-aluno. A maior parte das vezes. O aluno é a pessoa que está mais próxima da gente, que a gente mais conversa. (...) eu vejo que o ambiente onde existe diálogo de fato embora tenha que ser melhorado com muitos professores, até porque a questão da escuta não é uma coisa simples, o ouvir o outro exige tempo, exige disciplina, exige uma série de elementos, mas eu ainda vejo que a coisa acontece em sala de aula. (Estela)
4.1.7. Caracterização da prática docente
A primeira coisa que se destaca como característica do modo como a atividade
profissional é vivida pelas docentes é a sensação de sobrecarga. As inúmeras queixas
por elas enunciadas referentes às dificuldades que se colocam para o exercício da
profissão, assim como as menções à sensação de estresse e à existência de
professores “doentes da alma”, “apresentando ene distúrbios”, revelam a presença de
profissionais fragilizados, apresentando necessidade de cuidado, sem recursos para
superação dos problemas com os quais se defrontam.
Ao mesmo tempo em que descrevem diversas características dos estudantes da
EJA, as quais dificultariam a prática educativa e o alcance de seus objetivos, as
docentes também identificam características do sistema de ensino, que reforçam os
problemas anteriormente detectados ou que revelam sua incapacidade de apontar
caminhos para sua superação.
A fala de Estela a seguir resume alguns dos problemas que foram colocados em
relação às características dos alunos da EJA:
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Eles [os alunos] faltam muito. E a gente sabe que a questão do aprender é muito seqüencial (...) Aí vai esquecendo mesmo, porque eles não têm essa prática de estudar fora da sala de aula. Eles não têm essa prática (...) não têm esse contato com o mundo letrado. Assim, contato com livros diretamente. Então isso prejudica muito. A questão dos problemas particulares, eles são muito problemáticos. Eles vieram pra cá porque levaram muito tapa na cara do mundo aí fora.
Além do alto índice de evasão, da dificuldade de fixar o conhecimento aprendido,
do pouco contato com o mundo letrado, dos diversos problemas particulares
apresentados pelos alunos que dificultariam a concentração no estudo, outras
características dos alunos da EJA mencionadas foram: o “medo de tentar”; o pouco
esforço demonstrado para a aprendizagem atribuído tanto à falta de costume quanto ao
“comodismo”; a dificuldade de transpor o conhecimento que detêm para um nível
abstrato; a diversidade de expectativas em relação à postura do professor decorrente
da existência de alunos em diferentes faixas etárias e o não domínio de conhecimentos
anteriores necessários ao aprendizado do conteúdo previsto. Tais características
podem ser exemplificadas nas falas a seguir:
Porque nós temos muitos jovens que por ene motivos, alguns porque saíram pra trabalhar pra ajudar a família, outros porque não passavam de ano e acabaram vindo pro EJA. E esses alunos têm outra dinâmica e os mais velhos não aceitam, aí entra a questão da disciplina, que é outro problema também, que a gente tem em sala de aula. Que os alunos mais velhos querem uma sala tradicional. Eles exigem que nós sejamos professores tradicionais, onde o professor enche a lousa e só ele fala. (...) E esses alunos de 15 e 16 anos é outro contexto. (Estela) (...) às vezes está retomando agora porque também não sabe ler, não sabe escrever e está entrando numa 5ª série e tal, então pra Matemática essa parte fica super complicado. (Alice) Não, eu não estou falando que veio pra buscar diploma. A gente não sabe qual o motivo do porque eles estão voltando. Sim, precisam aprender, porque o mercado está exigindo isso deles. É aquilo que você estava falando, eles querem estar dentro daquilo que está sendo pedido então eles têm que voltar a estudar. Têm que voltar pra escola. [Maria: Eles querem, mas não querem esquentar a cabeça.] [Estela: Mas não é que eles não querem, eles não têm costume, eu acho]. (Alice) Tem o comodismo. E eu não sei se é só na Matemática, mas eu acredito que em quase todas as matérias o pessoal do EJA seja mais acomodado nesse ponto, assim, de você ter essa coisa mastigada, eles acham que você tem que passar mesmo tudo pra eles porque eles são mais velhos tal, entendeu, e estão retomando agora. E não é bem assim, você tem que ativar a mente também, trabalhar, assim como a gente. (Alice) Eles têm medo de tentar. (...) Alguns têm medo... Outros não conseguem descrever a matemática como a gente quer que eles descrevam. Eles têm um raciocínio tão rápido, alguns, que já chegam na resposta. E aí você fala. “E aí, mas como é que você raciocinou, tatatata?”. Não sabe explicar, e não sabe fazer como eu fiz na lousa. Não sabe. (Maria)
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Já em relação às queixas levantadas pelas docentes referentes à estrutura
existente para o ensino, que reforçariam as dificuldades até então enumeradas,
destacaram-se:
a) o tempo curto destinado ao ensino do conteúdo previsto:
Mas você sabe, eu me sinto angustiada às vezes dando aula pra EJA (...) Com a EJA passa muito rápido. Passa rápido demais. Na minha área a gente não consegue dar todo o conteúdo. (Maria)
b) a ausência em determinadas áreas de suporte metodológico para auxiliar o
docente no uso de estratégias diferenciadas para o ensino:
(...) toda vez que eu vou fazer algum curso em relação à Matemática, minha área, eu sinto como se não trouxesse nada de novo porque eles falam o aluno tem que ver o concreto, tem que pegar, visualizar pra poder entender. Ótimo. Mas traz coisas novas! Não traz. (Alice)
c) a falta de recursos públicos destinados à EJA e de material didático apropriado
a este nível de ensino:
Primeira coisa não tem recurso destinado pra EJA. (...) Outra questão é o material didático, não existe mesmo, material didático. Quando vem, são os livros que ela contou que pra gente que está com um nível de leitura mais avançado é interessante o livro. (...) Só que também não nos ensinaram a trabalhar com esse material. Veio, jogou e está aí. (Estela)
d) o despreparo dos professores para darem significado ao conteúdo ensinado,
relacionando-o às diversas áreas do conhecimento (constatação esta considerada por
uma das docentes como a grande discussão do momento):
Isso eles não ensinaram para nós professores de Fundamental I e de Fundamental II, como é que você faz esse casamento entre essas áreas e faz exercícios voltados para isso. Falta uma coisa pra gente nessa parte. (Alice) (...) é uma dificuldade muito grande que a gente tem: trabalhar por áreas e fazer essas correlações. Que é isso que está aparecendo nos grandes vestibulares. Que eu acho muito legal por sinal. Que é dar sentido ao que a gente aprende. (Estela) Eu estou dando as propriedades da proporção e... “Professora, onde a gente vai usar isso?”. “Gente, vocês vão continuar os estudos, vocês vão usar, não se preocupem!” [risos]. [Estela: Quer dizer, é uma coisa que nem vocês mesmo sabem!] [Alice: É, mas você não sabe mesmo aonde você vai...] Precisa sentar e estudar [risos]. (Maria)
e) o imaginário social relativo a cada disciplina composto de concepções
prevalecentes em determinada época:
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Porque na Matemática é complicado, né, Maria? [risos] Porque a Matemática todo mundo já vem com aquela coisa assim: Matemática é um bicho de sete cabeças. Ou então eles acham que Matemática é só somar, subtrair, multiplicar e dividir. (Alice)
f) e, por fim, o despreparo da escola para responder às demandas da sociedade
atual:
E tem outra questão, que a escola não responde as perguntas e não atende as necessidades que a sociedade, que o mundo exige. (...) Então é um monte de coisa junto que faz com que o nosso aluno de uma certa forma não se desenvolva plenamente e fica esse caos aí. E acaba degringolando tudo na sala de aula e a gente às vezes não dá conta de resolver tudo sozinha. (Estela)
Como decorrência das inúmeras dificuldades apresentadas, principalmente na
EJA, destacaram-se como qualidades importantes para o professor neste nível de
ensino a “paciência”, “sensibilidade” e “ser muito flexível”. É possível perceber ainda
que mesmo o mínimo aprendizado demonstrado pelos estudantes é revelado como
fonte de gratificação para o docente, como se observa na fala abaixo:
[Teresa: E como você se sente?] Ah, realizada! [risos] Mas é muito gratificante quando a gente chega, com o EJA principalmente, que você chega na 8a série e vê aquele cara que às vezes chega aqui sem saber ler e escrever. E ele chegou na 8a série e, tudo bem, ele pode não saber muita coisa de Matemática, pode não saber muita coisa de Geografia, de História, de Ciências, mas, gente, ele está sabendo ler e escrever! Está sabendo somar, subtrair, multiplicar, dividir! Pra gente é um orgulho muito grande isso. (Alice) Além da ausência de recursos para lidar com as dificuldades que se apresentam
a sensação de sobrecarga mostrou-se relacionada também à necessidade de se
empenhar um grande esforço para realização das tarefas consideradas necessárias
para o exercício profissional e daquelas que são demandadas nas situações concretas
despontadas na realidade escolar, como é revelado nas falas a seguir: “pra gente
conseguir ler alguma coisa tem que fazer um esforço tremendo”; “o diretor me pediu,
pelo amor de Deus, pra eu ficar em duas salas. É impossível ficar em duas salas.”; “nós
estamos em muitos lugares ao mesmo tempo (...)”. Cabe destacar também, a fala de
uma das docentes na qual a sobrecarga é realçada quando, ao descrever o estresse
vivido em sala de aula, relata sentir-se pressionada pela cobrança de alguns alunos:
“você fica numa tal tensão porque eles ficam te pressionando e falando ‘Ah, Professora,
mas faz tal exercício!’”.
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Como uma outra forma de cobrança vivida pelas participantes, destacaram-se
também as referências às críticas recebidas de outros educadores da comunidade,
denotando a existência de atitudes de responsabilização do professor pelas condições
em que se encontra a educação atual, conforme já foi apontado na Constelação 4.1.3
“Considerações sobre a escuta”.
Cabe notar que, ao mesmo tempo em que sofrem a crítica de serem
acomodadas, a mesma queixa, conforme apontado anteriormente por uma das
docentes, surge em relação aos alunos da EJA. Isso indica que há uma busca coletiva
pelas causas dos problemas do campo educacional que desemboca, muitas vezes,
num jogo de culpabilizações.
É possível detectar também, em algumas falas, uma tentativa de atenuar a
responsabilidade atribuída aos professores e as expectativas que se criam em torno de
seu trabalho, explicitando-se as limitações de seu alcance e a necessidade de um
empenho coletivo para a obtenção dos resultados esperados:
(...) a gente não é acomodado, nós procuramos fazer o possível. Mas às vezes você se depara com o próprio aluno, com a própria questão da sociedade (...). Então quem sabe juntando tudo isso a gente consiga. (Alice) (...) eu não me sinto acomodada, mas é que a gente às vezes fica de mãos atadas diante das circunstâncias. Você vê, a gente foi pra rua esse ano mesmo e levou um pontapé do próprio sindicato. Então a gente vai contar com quem? Só a escola Sabiá não pode fazer muita coisa, não faz nada. O que a gente pode fazer é melhorar o nosso trabalho e ponto final. (Maria)
A participação em conselhos e cursos de formação foi considerada importante
para melhoria da qualidade profissional. Em algumas falas, esses espaços assim como
as horas de trabalho coletivo incluídas em algumas jornadas são mencionados como
fonte de satisfação na medida em que propiciam a troca de experiências e a busca de
saída em conjunto para os problemas que enfrentam. Tal constatação pode ser
observada nas falas de Alice e Estela quando comentam sobre um curso de formação
oferecido pela prefeitura ou quando abordam as discussões realizadas no PEA do qual
fazem parte:
(...) mas era assim, como se você, a sensação que eu tive, é como se você estivesse dentro de um espaço de terapia coletiva, onde a gente adquiriu muito conhecimento, trocou conhecimento...” (Estela)
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[E aí você acha então que esses momentos de reflexão dos cursos é um momento em que você pode partilhar com outros professores essa sobrecarga?] Exatamente. Esse estresse, essa coisa. Mas é mesmo, você põe pra fora... (Alice) (...) você vai tendo outras experiências, de outros professores, de como agem com o aluno em sala de aula, de como faz, como não faz (...) Nossa! Foi muito bom! (Alice)
(...) agora mesmo nós estamos conversando no PEA sobre a questão do letramento (...) Estão cobrando muito que nossos alunos de fato possam ler e escrever, possam produzir textos, possam correlacionar a leitura com o cotidiano e desenvolver a escrita. Então nós estamos nessa discussão. E aí a gente vai trocando essas experiências nessas discussões e a gente vai trazendo determinados materiais dos alunos que eles produzem em sala de aula pra que a gente analise algumas questões juntos. (Estela)
Tendo em vista o objetivo de aprofundar a compreensão da prática docente e o
modo como ela é vivenciada e vista pelas participantes, faz-se importante ressaltar as
disposições afetivas e algumas concepções a ela relacionadas que podem ser
depreendidas de suas falas.
Como parte da vida profissional do educador, observou-se a inconstância no
alcance dos objetivos a que se propõe a cada aula, acarretando na oscilação entre os
sentimentos de felicidade quando estes são alcançados e, quando não o são, o de
angústia: “uma das coisas da profissão do professor é essa: tem dias que você está
muito feliz porque conseguiu atingir o seu objetivo, e tem dias que você está muito
angustiado porque não conseguiu atingir” (Estela). A constatação de resultados
decorrentes da prática educativa, assim como do interesse dos estudantes para
aprender, foi abordada como fonte de gratificação para o docente, enquanto que à
percepção de não sair do lugar foi descrita como uma experiência difícil e frustrante:
Aliás, tem um pessoal de 7a série que era terrível. E você me falou esse ano, quando você começou “Mas Alice, eles estão fazendo aquilo que você falou que era difícil pra eles fazerem, olha que legal!”. [Maria: A visão dela é que eles não estavam conseguindo entender. A gente trocou. Eu fiquei com a série dela e ela ficou com as outras séries. Aí o que é que aconteceu: eu passando as mesmas coisas que ela passou, eu vi que eles sabem na realidade!] Não é legal isso? É muito legal, você se sente o máximo! Você fala “Pô, que legal! Você conseguiu!”. Sabe, é muito legal isso, muito bom, essa troca. (Alice) (...) os alunos de EJA, tem uns que são curiosos, eles vão atrás. Por exemplo, eu dei uma aula sobre sistema solar e eles vão pesquisar em outros livros sobre sistema solar. E eu acho muito legal isso. Acho maravilhoso. Alguns alunos têm tempo e possibilidade de fazer isso. (Estela) Você fica frustrada, realmente você fica frustrada, porque você quer continuar e eles já esqueceram uma parte e aí conforme você continua você tem que voltar e parece que você está sempre naquilo de vai e volta, vai e volta, vai e volta... (Alice)
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Patinando, sabe quando a gente se sente às vezes patinando? É difícil. A gente sempre fala que trabalhar com EJA, que professor que trabalha com EJA tem que ser um professor muito diferenciado. Você tem que ter muita paciência. Você tem que ter muita sensibilidade, você tem que ser muito flexível... (Estela) O resgate da dignidade dos educandos – entendido como a contribuição dada
pelo educador para que os estudantes vejam o mundo e a si mesmos de forma
diferente, enxergando-se como pessoas detentoras de direitos, liberdade e capacidade
de transformação – foi considerado uma das tarefas da ação docente e a percepção de
sua realização foi associada a sentimentos de satisfação por parte do professor:
Isso é muito legal, porque quando entra um assunto desse, principalmente em 7a série, que a gente começa a falar com eles sobre isso, nossa! Eles ficam muito eufóricos, porque são às vezes algumas coisas que eles não têm essa visão. Eles acham que se eles chegarem na loja e falarem pra eles “é isso aqui” eles vão pagar e pronto acabou! Eu falei não é assim. Não é vamos pagar e pronto! Vocês têm e devem estar discutindo preço, vocês têm e devem estar falando assim: “O juro está muito alto, eu não quero pagar tudo isso, eu quero pagar tal coisa. Não, eu quero que caia pra tanto, eu quero pagar tanto por mês...” Vocês têm esse poder de decisão. (Alice)
Da mesma forma, também foram relatadas como fontes de prazer e realização
profissional a percepção da existência de respeito e amizade permeando a relação
entre educadores e estudantes e da transformação da realidade por eles vivida como
resultado da prática educativa, como se observa nas falas a seguir:
Eu acho que é essa conquista que a Maria está falando. Deles chegarem pra você na rua e “Professor!” e vem abraçar você na rua, entendeu? [Maria: É tão bom!] Isso é muito gratificante. Então você conquistou o aluno, você tem esse respeito, eles têm esse respeito com você, eles sabem que você é a professora, mas ao mesmo tempo você está ali. Como um amigo, que também deixa dar umas brincadas em sala de aula, que ele também pode ser, entendeu? (Alice) [Teresa: E como você se sente nesta situação? (quando percebe que um assunto discutido em aula fez diferença no dia-a-dia dos estudantes)] Me sinto feliz! Sinto que eu estou mudando a realidade desse país. Sinto que eu sou importante, que eu também estou fazendo com que eles sintam que são importantes, que de fato são mesmo. Eu acho que nisso a gente faz a diferença. (Estela)
4.1.8. O projeto Diálogo e Participação
Tomando-se as falas referentes ao projeto Diálogo e Participação, nota-se a
satisfação das docentes com o seu andamento, revelada pelas expressões
“interessante”, “enriquecedor”, “fantástico”, “ótimo”, “bom”, “importante” usadas para
qualificar a experiência de participação nas atividades nele desenvolvidas e pelas
100
menções às diversas contribuições por ele trazidas. Dentre estas destacam-se, como já
foi apontado anteriormente: a oportunidade de ouvir o que os outros segmentos têm
para falar, especificamente, as críticas, assim como a de dizerem e serem ouvidas no
que pensam também; a oportunidade de “reflexão” e “encontro” desencadeada a partir
do momento em que se propiciaram espaços de “troca de informação e valores” entre
os diversos atores educacionais; a melhoria da escuta e, conseqüentemente, da
relação com os alunos; a possibilidade de melhorar a escola e o desempenho dos
estudantes; e, por fim, a adoção em aula de práticas exercitadas no projeto – escutar,
questionar, anotar, devolver e interferir – que propiciam ao docente aprofundar e
complexificar os conhecimentos que seu educandos detêm.
(...) eu pude melhorar em muitos momentos e utilizar alguns conhecimentos do projeto na sala de aula e melhorar também a minha escuta enquanto pessoa, enquanto educadora, minha relação com os alunos. (Estela) (...) achei muito interessante ouvir o que as pessoas têm pra falar, principalmente em relação ao próprio trabalho, tanto do diretor, como dos funcionários. (Maria) Então eu acho que é o momento desse, é um momento de reflexão, de você rever tudo isso, ver o que os pais têm a nos dizer e os pais também vão acabar vendo o que a gente tem pra falar. Porque é esse o objetivo, não é? (...) Do encontro. Uma troca, né? De valores, troca de informação. Porque hoje você está aqui, os pais estão lá, os alunos estão do outro lado ainda (...). (Alice) Então eu me lembrei nesse momento do que a gente fazia aqui no projeto, que era a questão... [de] escutar, questionar e interferir às vezes. (...) É, de anotar. Foi muito bom. (...) Devolver. Como era um tema assim amplo e o pessoal colaborou, deu pra gente ir pontuando as coisas e ali mesmo ir devolvendo e questionando. (...) Então eu acho que o fato de você estar num projeto desse melhora muito a escuta. (Estela)
Tendo em vista as contribuições mencionadas, constata-se a existência de um
impacto decorrente da implantação do projeto Diálogo e Participação nas relações
estabelecidas dentro da instituição escolar e na prática educativa em sala de aula que
tem se traduzido para as docentes, fundamentalmente, pela: mobilização da escuta do
outro (alunos, pais, direção educadores de outras instituições da comunidade); pela
mobilização da reflexão em torno de si próprio; e, por fim, como decorrência dos dois
movimentos anteriores, pela aproximação entre os diversos atores educacionais.
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CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO
A partir dessas constelações, é possível tentar compreender os sentidos de
diálogo na prática educativa que se teceram nas entrevistas. Como foi dito no “Capítulo
2 – Método”, “sentido” diz respeito à direção, à orientação, que se imprime à noção de
diálogo e permeia as falas dessas professoras, consideradas numa visão de conjunto.
O sentido se revela a partir da articulação entre os significados pontualmente atribuídos
ao diálogo e os contextos de significação em que se inserem, numa leitura interpretativa
que busca realçar elementos e relações presentes nesses discursos de maneira mais
ou menos implícita.
É importante notar que tais sentidos, buscados no decorrer de toda a pesquisa,
chegam a uma formulação neste momento do trabalho, em que se pode ler
alinearmente as diferentes partes das entrevistas e estabelecer novas relações entre
elas. Durante as conversas, as professoras, assim como a pesquisadora, tinham o foco
nas questões desencadeadoras e na interação que se estabelecia naqueles momentos.
Com o material todo em mãos, torna-se possível construir um olhar distanciado,
elaborado num outro tempo, em que se pode ir e vir sobre o tempo – agora “fixado”
(gravado) – das entrevistas. Enquanto “olhar”, trata-se de uma elaboração subjetiva;
enquanto olhar “distanciado”, é objetiva, pois permite a cada passo que os leitores
reconstituam o percurso traçado e que se crie um campo de compreensão mútuo.
Primeiramente, coloca-se a tarefa de identificar os significados que a palavra
diálogo adquiriu nas falas das docentes.
Como vimos na “Constelação 1 – A compreensão do diálogo”, um primeiro
significado claramente expresso pelas docentes foi o de “comunicação”. Configurada
sob a forma de “conversa”, a comunicação mostrou-se como o principal critério usado
para se reconhecer a presença ou não do diálogo, tanto na sala de aula, quanto nos
outros âmbitos da atividade profissional. Consistindo em um espaço de intercâmbio,
estruturado a partir de momentos de fala e escuta, seria caracterizada
fundamentalmente pela abertura entre os interlocutores.
102
Foi partindo desse significado que, na prática educativa em sala de aula, as
fronteiras do diálogo foram delimitadas pela necessidade de “ação”. Embora tenha sido
considerado enriquecedor e importante para a eficácia do ensino, as docentes
apontaram que a suspensão do diálogo se faz necessária nos momentos em que a
oportunidade de troca entre as pessoas deve dar lugar às atividades programadas pelo
educador a fim de permitir o andamento do trabalho.
A origem desta contraposição entre diálogo e ação parece situar-se, portanto, no
entendimento do primeiro como abertura entre pessoas e da última como fechamento,
como algo que põe fim a esta abertura por uma decisão solitária do educador. O
reconhecimento das contribuições do diálogo, por um lado, e o apontamento das
situações nas quais ele deve ser cessado, por outro, possibilitam assim supor que a
prática de ensino é compreendida pelas participantes como estruturada em instantes de
abertura e fechamento por parte daquele que a conduz.
Os instantes de abertura consistiriam nas situações nas quais professor e
estudante, encontrando-se na sala de aula, intercambiam expectativas, idéias, saberes
e valores. Já os instantes de fechamento corresponderiam aos momentos em que este
encontro, fundando-se em objetivos preestabelecidos e na atribuição de papéis distintos
aos dois protagonistas, demanda a determinação de limites e definição de rumos por
parte do educador.
A partir desta compreensão, o diálogo parece associar-se diretamente à idéia de
liberdade, entendida neste contexto como ausência de restrições. Fundado no instante
de abertura, dialogar, sob esta perspectiva, corresponderia à atitude de não
interferência no comportamento demonstrado pelos educandos, permitindo a sua livre
manifestação. O “agir”, por sua vez, equivaleria à restrição imposta pelo educador a
esta liberdade antes concedida aos estudantes.
Esta contraposição identificada nas falas das docentes demonstrou a existência
de um conflito subjacente. A sensação de desconforto vivida nos momentos em que “se
faz necessário agir” parece estar diretamente associada ao exercício de um poder, que,
entendido como imposição de restrições à liberdade dos educandos, é sentido como
prática de autoritarismo. Cabe aqui apontar que este conflito foi detectado não somente
nas entrevistas com as professoras, mas também na fala do diretor, quando este afirma
103
discordar da qualificação de pessoa “autoritária” que tem recebido ao longo de sua vida
política. No caso das docentes, o incômodo parece residir na conotação positiva
atribuída ao diálogo e, simultaneamente, na impossibilidade de se compreender a
“ação” como parte dele. Como também não lhes parece conveniente rejeitar a
importância dessa atitude para a prática de ensino, ela termina por ser compreendida
como um “mal necessário”. E o desconforto permanece.
Acredito que não se trata de um conflito isolado vivido apenas pelos envolvidos
nesta pesquisa, mas que as ambigüidades por eles reveladas refletem dúvidas,
irresoluções e incertezas mais amplas presentes na sociedade contemporânea. Embora
uma análise sociológica não seja o foco desta pesquisa, não se pode deixar de notar a
pouca legitimidade atribuída à idéia de “limites” no contexto político-econômico atual.
Se por um lado este fato parece originar-se de um temor ao autoritarismo, do qual se
tem experiências drásticas registradas na história, por outro parece resultar da
tendência a se dissociar liberdade e responsabilização.
É constatando a magnitude desse conflito que surge a necessidade de se buscar
sua superação. O caminho para isso parece estar indicado nas próprias ambigüidades
referentes à noção de diálogo apontadas anteriormente nas constelações. Pois em
alguns poucos momentos o diálogo não foi dissociado da ação, momentos estes em
que a ação se constituiria como uma "resposta" àquilo que havia emergido nas
conversas com os alunos.
Responder indica, conforme apontado anteriormente, a existência de um
envolvimento entre os interlocutores. Isto quer dizer que o “ouvir a opinião do outro”
deve implicar, como explicitou Estela, a “responsabilização pela fala” e o
“desenvolvimento de uma ação em torno do que foi dito”. Assim, quando as
participantes oferecem como exemplos de diálogo “conversar com os estudantes a fim
de conhecê-los e a realidade em que vivem” ou então “escutar o que estes pensam,
desejam e esperam acerca de sua aula”, também são incluídas nessas práticas
dialógicas o “lidar com as situações” identificadas em sala de aula e construir o
planejamento “já pensando na necessidade deles”.
Tomando-se as experiências vividas na atividade docente, nas quais, segundo
as participantes, o diálogo se faria presente, é possível identificar situações em que a
104
“resposta” emitida se traduz em uma ação intencional e planejada – a ação pedagógica
propriamente dita – visando a atender a finalidade do ensino. É o caso, por exemplo, do
relato que aponta para o entendimento da ação de “articular as diversas áreas do saber
e de relacionar o currículo com o cotidiano dos estudantes” como uma prática de ensino
dialógica.
Há ainda outras situações nas quais a “resposta” se traduz em uma
transformação na atitude do educador em relação ao aluno que diz respeito mais ao
relacionamento interpessoal entre eles estabelecido do que ao processo de produção
de conhecimentos. Aqui podemos tomar como exemplo a experiência relatada por
Maria, que descreve uma situação em que após o diálogo passou a compreender de
uma outra forma a fala de um de seus estudantes, deixando de se incomodar com ela.
Assim, se inicialmente o diálogo foi explicitamente identificado à conversa,
percebeu-se uma primeira expansão deste conceito ao se compreender o diálogo que
há na ação entendida como resposta, ou seja, carregada de envolvimento. É uma ação
afetada pelo Outro. Lembremos que, já na primeira constelação, havia sido apontado
que, implicitamente, há nas falas das docentes a compreensão de que o diálogo abarca
também o levar em consideração o outro. Além dessa situação de "resposta", este
entendimento se revelou, principalmente, pela negatividade, nas situações descritas
como carentes de diálogo, marcadas pela indiferença e pelo desligamento entre os
sujeitos da relação, experimentadas fora da sala de aula, em outras esferas da vida
escolar.
Trata-se, na realidade, de um dos pontos de convergência entre os pensamentos
de Freire e Buber, pois tal compreensão do diálogo revela, como o seu fundamento
ontológico, o modo de ser com os outros estruturado sobre o vínculo. Estar vinculado a
alguém implica a existência de um envolvimento. Envolver-se, como afirma Buber,
significa tornar o Outro inteiramente presente, de modo que, “sem ser privado em nada
da realidade em seu próprio estado de atividade”, se “faça ao mesmo tempo a
experiência do acontecimento comum como o experimenta a outra pessoa”. (1982a,
p.17). Significa, portanto, a existência de uma ligação fundamental entre o eu dialógico
e o Outro que, como afirma Freire, fazendo referência explícita ao pensamento
buberiano, “sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído
105
por um tu ─ um não-eu ─ esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao
ter no seu eu um tu” (1983, p.196). 26
Acredito que um aclaramento do conflito à luz deste novo sentido é realizado na
medida em que é colocada em evidência a idéia que estaria subjacente à compreensão
da ação como um mal necessário: a de que a atitude de colocar limites, enquanto um
exercício de poder, estaria auto-referida naquele que a pratica, servindo a um interesse
particular do educador. Ao tornar explícita esta compreensão, considero que a
dissolução do conflito também se torna possível na medida em que à luz deste novo
sentido também é propiciado um novo modo de se compreender a “ação”.
A questão que se coloca pode ser formulada das seguintes formas: tomando-se
como o fundamento ontológico do diálogo o modo de ser com os outros estruturado
sobre o vínculo será que não se poderia considerar a “ação” como uma das
possibilidades desta condição essencial se manifestar? Será que não é possível
enxergar na introdução de limites adotada pelo educador a existência de um
envolvimento com aqueles para os quais se dirige? Será que se trata mesmo de uma
ação encerrada em si mesma e narcísea ou de uma atitude que nasce da abertura ao
Outro e do reconhecimento de seu valor?
Para responder afirmativamente a estas questões faz-se necessário explicitar de
que modo o Outro pode estar contemplado na adoção desta atitude e sua alteridade
preservada. Freire e Buber podem auxiliar nesta tarefa na medida em que oferecem
subsídios para esclarecer o significado desta ação no contexto educacional.
A realidade a partir da qual a educação se ergue, como bem destacou Buber,
consiste no fato de que a cada instante, em cada nascimento, a sociedade recomeça.
São novas vidas ingressando num mundo velho ao qual, para se desenvolverem,
precisarão se vincular. Inseri-las no mundo já construído pelas gerações que a
26 Convém esclarecer que apesar de se estar aqui neste trabalho, defendendo-se a presença do diálogo na prática educativa e, ao mesmo tempo, considerando-o como desdobramento da atitude Eu-Tu, não se pretende desconsiderar a presença da atitude Eu-Isso como um de seus fundamentos. Conforme apontado durante a apresentação do referencial teórico aqui adotado, ambas atitudes essenciais, constituem-se nos dois fundamentos ontológicos a partir dos quais se desdobra a atividade educativa. Estruturando-se a partir de uma finalidade e fazendo uso de procedimentos didáticos que visam atender a objetivos pedagógicos explícitos a prática de ensino fundamenta-se numa atitude Eu-Isso. No entanto, o que se quer apontar é que, paradoxalmente, por se tratar de uma relação entre pessoas, ela se esvaziaria de sentido se a dimensão Eu-Tu fosse deixada de lado, e o relacionamento entre professor e aluno se tornasse plenamente objetificado.
106
precederam, permitindo a sua continuidade, é a tarefa da educação. A questão que a
ela se coloca, porém, reside em como fazer para que a novidade da qual cada
existência é portadora não se perca, mas ganhe real possibilidade de manifestação.
A partir desta compreensão, a função educadora, originando-se destas duas
preocupações, deve orientar-se, portanto, em duas direções que se entrecruzam e
interdependem: a de responder à necessidade de continuidade do mundo, assim como
à expectativa de desenvolvimento de cada ser que nele ingressa no sentido de sua
autonomia. Ao mesmo tempo que a autonomia do educando depende da apropriação
do mundo, da cultura acumulada pelas gerações que o precederam, a continuidade do
mundo depende da preparação de sujeitos autônomos que não sejam por ele
engolidos, mas que dele participem ativamente.
Cabe destacar aqui a contribuição de Freire para a consideração de que o
vínculo com o mundo, que implica responsabilidade pela sua continuidade, não significa
um empenho para mantê-lo no mesmo estado e lugar. Significa conservá-lo, no sentido
de fazê-lo durar, de impedir que acabe ou se deteriore. Não deve ser entendido,
portanto, como um esforço de manutenção do status quo, mas como um cuidado com a
sua existência, zelando para guardar as forças que geram vida e transformar aquelas
que levam ao seu aniquilamento.
É justamente porque este vínculo com o mundo se traduz também na
possibilidade de pensá-lo diferente e melhor que é colocada para a educação a questão
sobre como fazer para que a apropriação do velho não impossibilite o novo de se
manifestar. Buber nos lembra que, se na “velha pedagogia” esta preocupação não
existia, na “pedagogia moderna” a resposta que a ela se deu foi o desligamento com a
tradição e o passado. No intuito de libertar as forças criadoras do educando oprimidas
pela educação tradicional, a pedagogia moderna teria feito da liberdade o seu valor
máximo. Procurando evitar tudo aquilo que pudesse significar seu cerceamento, acabou
por liberar o educando do vínculo com o mundo e com os outros homens e da
responsabilidade que dele deriva, conduzindo-o ao isolamento e, privando-o, portanto,
de sua autonomia.
Buber nos faz enxergar o equívoco em que incorre essa concepção, ao opor a
liberdade à coação. Conforme aponta, a opressão exercida na educação tradicional não
107
residiria na ausência de liberdade, mas fundamentalmente na ausência de vínculo com
o educando. Chamando esta educação de bancária, Freire torna clara a ausência deste
fundamento. Visando apenas o seu ajustamento no mundo, os educandos, dentro desta
concepção pedagógica, seriam tomados como meros recipientes dos conteúdos, os
quais segundo a ótica do educador precisariam arquivar. Desconsiderados como seres
pensantes, ativos, capazes de reinventar o real, seus poderes criativos seriam
oprimidos justamente porque lhes seria negada a condição de sujeitos, convertendo-se
em objetos na relação pedagógica.
Se para Buber a rejeição a uma educação estruturada exclusivamente sobre a
liberdade se dá porque a considera um bem funcional e não substancial, para Freire
esta é negada porque, para ele, tal condição nem poderia ser chamada de liberdade.
De fato, o que Freire nos mostra é que, estando fundada em um vínculo, a educação
não pode dissociar nunca liberdade e responsabilidade. Diferentemente dos animais, o
Homem não se encontra subordinado à natureza, sendo por ela determinado. O
Homem foge a este determinismo exatamente por se constituir pela liberdade. Isto não
quer dizer, porém, que esteja livre de condicionamentos. Ele é condicionado por sua
genética, pela história, pelo sítio geográfico em que vive, pela língua que fala, pela
cultura que partilha etc. Não é desligando-se deste contexto que ele se torna livre, mas
assumindo-o como o ponto de partida para as suas escolhas.
É a partir destas considerações que busco aqui compreender o sentido da “ação”
no processo educacional. Como acabamos de retomar, Freire e Buber permitem
identificar o diálogo – se entendermos como o seu fundamento ontológico o modo de
ser com os outros estruturado sobre o vínculo – como princípio e fim da educação. Ao
mesmo tempo em que seu ponto de partida é o vínculo com o mundo e com o
educando, este também é seu ponto de chegada, já que é para a ligação entre os
homens, para a vida em sociedade, que ela busca formar.
Com vistas a este objetivo, cabe a ela oferecer as condições para que os
educandos se apropriem do patrimônio cultural acumulado pelas gerações precedentes
e desenvolvam sua autonomia. Na educação escolar, por meio da prática educativa em
sala de aula, tais condições são oferecidas a partir de uma ação pedagógica planejada
108
e sistematizada pelo educador, pela qual se busca ensinar conhecimentos e estimular o
exercício da criatividade, decisão e responsabilidade dos alunos.
São diversas as maneiras possíveis de se implementar esta ação pedagógica. A
exposição oral, discussão em grupo, proposição, realização e avaliação de atividades
individuais e coletivas são alguns exemplos de como a prática de ensino pode se
configurar. É para garantir que a ação pedagógica aconteça e as oportunidades de
ensino e aprendizagem sejam instauradas pela ação intencional e planejada do
educador que as docentes destacaram a necessidade de se colocar limites às vontades
expressas pelos educandos.
Acredito ser possível encontrar, tanto na ação de introduzir limites, quanto
naquelas que constituiriam os exemplos anteriormente destacados um sentido
dialógico. Este se faria presente nestas práticas na medida em que sua implementação
tem em vista as pessoas para as quais se dirigem, servindo ao seu bem-estar. Ao
viabilizar o alcance da finalidade a partir da qual se institui a relação educativa, tais
ações representam um cuidado com os estudantes, já que se constituem em respostas
às expectativas que os levam a se reunirem no espaço escolar. Reforçam esta
afirmação os relatos das participantes sobre a existência de uma expectativa e até
mesmo cobrança por parte dos alunos para que o professor se imponha, definindo
regras e organizando o ambiente na sala de aula.
Convém aqui retomar as informações destacadas na “Constelação 4.1.4. A
relação educador-educando”, sobre os aspectos afetivos que atravessam o contato
intersubjetivo entre professor e aluno. Conforme apontado pelas participantes, os
alunos sentem “raiva”, “viram a cara”, “ficam de mal”, quando se sentem contrariados. É
porque desagrada o aluno a introdução de limites à sua vontade que as professoras
têm a sensação de não estarem dialogando com ele. Afirmou-se, contudo, que essas
reações são passageiras. Acredito que assim o seja, provavelmente, porque no fundo
os estudantes sintam-se respeitados. Tomando aqui a definição de respeito dada pelas
participantes, poderíamos supor que a raiva passa porque talvez no fundo eles sintam
que as restrições impostas pelo educador fundamentam-se no reconhecimento do
espaço que ocupam na relação educativa e de seu valor.
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Se só pelo fato de garantir que a ação pedagógica aconteça já se poderia
considerar a imposição de limites dialógica, cabe destacar aqui uma outra função que
ela exerce, a qual nos permitiria identificá-la não somente como facilitadora desta ação,
mas como uma outra maneira dela se realizar. Entendo que os limites, da maneira
como foram descritos, nada mais são do que conseqüências que decorrem das
escolhas feitas pelos alunos. Reconhecê-las e apontá-las aos estudantes se converte
em ação pedagógica na medida em que significa uma convocação para que estes
exercitem a liberdade e a responsabilidade que ela implica, indispensáveis a sua
autonomia. É porque estaria a serviço do Outro, não para subjugá-lo mas para
propiciar-lhe as condições de sua autonomia, que se torna possível enxergar no
exercício de poder assumido pelo educador um sentido dialógico.
Considero importante destacar esta possibilidade de se compreender a “ação”,
tendo em vista o relato de uma das participantes em que diz sentir-se “ameaçando” os
alunos ao recorrer à nota e à convocação dos pais para compeli-los à realização da
atividade proposta. Entendo que a “nota” – representando a existência de uma
avaliação – assim como a “convocação dos pais” – significando a busca por solucionar
os problemas identificados junto aos outros responsáveis pela criança ou adolescente –
não se constituem em punições cujo fim são elas mesmas, com caráter valorativo de
erro e acerto, envolvendo perda de afeto ou prestígio social. Ao contrário, indicam que
no caso de não obediência haverá conseqüências para o aluno que podem resultar em
perdas, mas que podem ser evitadas.
Apesar de estabelecidas pelo educador, estas conseqüências não foram
artificialmente construídas por ele, mas levam em conta o contexto educativo no qual
estão inseridas e procuram responder à finalidade que a ele se coloca. Livrar os
estudantes de conseqüências para suas ações significaria, em última instância, estar
indiferente a eles, abandonando-os a seus próprios recursos27.
É dessa forma que se torna possível constatar que uma educação fundamentada
sobre a liberdade dissociada de limites pode ser tão opressora quanto o autoritarismo.
Isto porque não tem em vista o Outro nas suas reais condições. Não se pode esquecer
27 É importante notar, porém, que, do ponto de vista educacional, junto com a apresentação de limites, sejam oferecidos os meios para a sua transposição.
110
que o homem não tem as possibilidades de seu desenvolvimento inscritas no seu
patrimônio genético, mas estas se encontram no patrimônio cultural acumulado por
aqueles que o antecederam. Portanto, negar este patrimônio a uma criança é negar-lhe
a possibilidade de se desenvolver plenamente dentro de uma sociedade, é não atender
a sua expectativa, expectativa de todos os homens, para “ser-mais”.
É claro que a apropriação da cultura deve vir acompanhada do exercício crítico
e, aqui, Paulo Freire nos dá uma grande contribuição ao enfatizar como tarefa última da
ação educacional desenvolver a autonomia. Mas como se poderia ser autônomo se se
é negada a possibilidade da leitura e escrita numa sociedade que se ergue sobre essas
ferramentas? Como se pode ser autônomo se não se ensina a se vincular ao Outro, a
respeitá-lo, se não se ensina que é para a convivência que a liberdade deve estar
dirigida? Como afirma Freire, a assunção do Eu não deve nunca implicar a exclusão do
Outro, já que é a partir de seu reconhecimento que o Eu pode se constituir.
À luz de todas essas considerações o que se está propondo é uma ampliação da
forma de se compreender o diálogo na prática educativa em sala de aula. Enfatizando
sua dimensão ontológica, caracterizada pela existência de uma ligação fundamental
entre o Eu e a alteridade, é aberta a possibilidade para o reconhecermos nas mais
variadas situações. O diálogo assim compreendido não se reduziria aos momentos de
conversa que atravessariam a ação pedagógica, mas se estenderia por todas as ações
pelas quais esta é constituída que se fundamentem em um respeito pelo educando e no
reconhecimento de seu valor.
A prática educativa para ser considerada dialógica deve então fundamentar-se
no reconhecimento por parte do educador de que a “existência no presente, e a
maneira de existir de todos os seus alunos é, apesar de tudo, o fato decisivo ao qual se
subordina o seu conhecimento ‘hierárquico’” (Buber, 1982, p.15). Partindo deste
princípio, o exercício de poder assumido pelo educador se converteria em uso de sua
autoridade. É quando ele se faz ausente que a prática educativa, dissociada do vínculo
com o mundo e com o educando, transformando-o em um objeto, estruturando-se a
partir da licenciosidade e da irresponsabilidade, se converteria em autoritarismo ou em
uma prática opressora.
111
Como vimos, na educação, o diálogo é, a um só tempo, fundamento e finalidade
que, na instituição escolar, se traduz – para além do relacionamento interpessoal entre
educador e educando – em uma ação concreta, sistematizada e planejada, que tem
como finalidade o processo de construção de conhecimentos. Assim, quando a escola
falha nos seus objetivos primeiros, conforme se observa nos indicadores apresentados
pela avaliação nacional – referentes não apenas à instituição estudada, mas à maioria
das escolas públicas brasileiras –, isto significa que a nossa sociedade não está
conseguindo criar cidadãos preparados para o vínculo, uma vez que a própria escola
não está conseguindo se vincular ao aluno, oferecendo-lhe as condições para a sua
autonomia.
Acompanha-se nos últimos anos o despertar da sociedade nas suas mais
variadas esferas, ainda que orientadas por interesses antagônicos, para a preocupação
em torno dessa constatação. Este fato não é de se estranhar, pois o que está em jogo
neste momento não é a disputa de ideologias, mas a sobrevivência de uma
organização social. O rompimento do vínculo entre a sociedade e as novas gerações
tem efeitos devastadores não só para a classe trabalhadora que tem o direito a uma
educação de qualidade negado, mas também para os proprietários dos meios de
produção que não encontram mão-de-obra qualificada necessária à expansão de seus
negócios. Procura-se hoje por todos os cantos os responsáveis por esta situação.
Perguntamo-nos onde é que o vínculo está sendo quebrado e o diálogo, interrompido.
Observou-se durante a análise das entrevistas a existência de uma
responsabilização do professor por este fracasso, os quais por sua vez também passam
a buscar outros culpados (pais, alunos, Estado), constituindo-se num “jogo de empurra-
empurra”, conforme apontou uma docente em uma das reuniões realizadas pelo projeto
mais amplo.
É certo que o professor tem sua responsabilidade específica. Esta pôde se tornar
clara a partir do aprofundamento do sentido do diálogo na prática educativa a que se
procedeu ao longo dessa discussão. Conforme foi demonstrado anteriormente, estar
vinculado ao aluno implica para o educador “responder” às suas expectativas para “ser-
mais” por meio do exercício de sua autoridade, dentro dos limites que lhe são inerentes.
112
Faz-se importante destacar, porém, que, se por um lado, o aprofundamento do
sentido do diálogo permitiu resgatar a potência de ação do educador – à medida que
lhe devolveu a possibilidade de exercer sua autoridade sem culpa de ser autoritário –,
por outro também evidenciou os inúmeros fatores que restringem o seu poder e a sua
capacidade de ação.
O professor é quem se relaciona diretamente com o aluno, mas não se pode
dizer com isso que a quebra do vínculo é de sua inteira responsabilidade. Sentir o
“chacoalhão” e, conseqüentemente, o desalojamento que “a forma diferente de estar”
dos alunos provoca é condição necessária para que o diálogo se instaure28. Entretanto,
conforme apontado nas entrevistas, o desalojamento vivido pelas docentes as coloca
diante de inúmeros desafios, cuja superação demanda uma ação conjunta de diversos
agentes e recursos que elas não detêm. Embora, em última instância, a realização do
diálogo dependa da disponibilidade do educador, não se pode deixar de atentar para o
fato de que sua capacidade de dialogar é limitada se lhe são negados recursos, amparo
e condições adequadas de trabalho necessários para responder às tarefas que a ele se
colocam no exercício de sua função.
O professor tem suas condições de dialogar com o aluno limitadas, por exemplo,
quando não lhe é dado tempo e oportunidades de reflexão. É a possibilidade de alçar-
se a um patamar acima das necessidades imediatas que se colocam em cada situação
concreta que lhe propiciam vislumbrar horizontes mais longínquos, romper com o
trabalho mecânico e tornar sua ação transformadora29. Da mesma forma, sua
capacidade de “resposta” também é restrita se ele é “atropelado” em seu planejamento,
28 A respeito do “chacoalhão” é interessante notar a afirmação de Tunes, Tacca e Bartholo Jr. (2005) quando enfatizam o impacto do processo relacional estabelecido com o aluno causado no professor: “Se, no processo do ensinar e do aprender, o aluno sempre se antecipa como oferta, na situação dialógica, interferindo efetivamente com restrições nas possibilidades de ação do professor, este não passa ‘em brancas nuvens’ pela relação. Logo, não pode ser concebido como um mero elo intermediário, um negociador que, em princípio, permaneceria o mesmo pós-negociação. Nem o aluno, nem o professor são os mesmos depois do diálogo”.
29 Convém aqui apontar a conclusão a que chega Cunha (2005) em estudo realizado na mesma instituição sobre a existência de um “descaso” por parte do Estado com o “sofrimento” das professoras que dele participaram. Este sofrimento, conforme indica, está relacionado à “impossibilidade de reflexão de sua própria realidade, o que impede o surgimento de novas compreensões e conseqüentemente de novas possibilidades de ação” (p.95).
113
seja pelos constantes improvisos que marcam o tempo vivido na instituição escolar,
seja pela desconsideração da importância de seu trabalho ou da disciplina que leciona.
É a ausência dessas condições, recursos e amparo e ao mesmo tempo a
cobrança de uma “resposta” que parece ser a causa do “adoecimento” e do “estresse”
mencionados como freqüentes na classe docente durante as entrevistas. O professor
se vê diante de inúmeros desafios e ao mesmo tempo abandonado aos seus próprios
recursos para enfrentá-los. A sensação de abandono assim como de solidão
caracterizando o modo como a atividade profissional é vivida pode ser interpretada a
partir das inúmeras queixas e dificuldades levantadas simultaneamente à valorização
dos espaços coletivos de planejamento e formação demonstrada pelas professoras.
Para além de espaços destinados à realização de tarefas e ao aprimoramento
profissional, os grupos de trabalho coletivo e os cursos de formação se constituiriam em
oportunidades para que as dificuldades e as angústias a partir delas desencadeadas
possam ser partilhadas com outras docentes.
À luz dessas considerações o que se pode constatar assim é a impossibilidade
de se compreender a prática educativa em sala de aula e o diálogo que pode nela se
realizar como um sistema fechado, alheio aos acontecimentos que se desenrolam para
além de suas paredes30. Para que o professor possa responder às necessidades do
aluno para o desenvolvimento de sua autonomia é preciso que a sociedade responda
também às suas necessidades enquanto educador que são condições para o exercício
de sua autoridade. Resgatar o sentido do diálogo na sala de aula, que foi o esforço que
se procurou empreender ao longo dessa discussão, pode assim ser o ponto de partida
necessário para um resgate similar no plano da escola, do Estado e da sociedade em
geral. Ao compreender o poder e os limites do professor, vemo-nos em condições de
resguardá-lo de assumir responsabilidades (logo, poderes) que não são suas e que
são, em larga medida, causas da interrupção e/ou impossibilidade do diálogo que se
realiza na sala de aula.
30 A este respeito, Azevedo (1999), investigando como a leitura e a escrita poderiam ser desenvolvidas em um ambiente de interação que favorecesse a aprendizagem de forma dialógica, ressalta que a construção do ambiente dialógico não deve se ater apenas à relação professor-aluno, mas deve envolver o contexto institucional no qual o professor está inserido, já que também é condicionado por este.
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ANEXO
TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
I – IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA
NOME ................................................................................................................. DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº. ............................................. SEXO:.( M ) ( F ) DATA DE NASCIMENTO......../....../........... INSTITUIÇÃO: ENDEREÇO: BAIRRO: CIDADE: CEP: TELEFONE: COORD. DE EDUCAÇÃO: DISTRITO:
II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA: O diálogo na prática educativa em sala de aula: sentidos desvelados por professores de uma escola pública da periferia de São Paulo PESQUISADORES RESPONSÁVEIS: Prof.a. Dra. Heloisa Szymanski e Teresa Paletta Lomar CARGO/FUNÇÃO: Profa. do Programa de Estudos pós-graduados em Psicologia da Educação; Aluna de mestrado no mesmo programa. UNIDADE DA PUC-SP: Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação
III –EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO SUJEITO SOBRE A PESQUISA
1. Propósito do estudo: Conhecer a compreensão dos professores acerca da proposta
dialógica de ensino ao longo da implantação do projeto de intervenção “Diálogo e participação: a prática dialógica na família, escola e comunidade”.
2. Benefícios: Os resultados deste estudo podem ajudar os pesquisadores a compreender o impacto causado nos educadores a partir da implantação de um projeto de educação em tempo integral segundo uma proposta dialógica. O trabalho desenvolvido também poderá beneficiar os participantes, na medida em que os procedimentos adotados podem se configurar como um espaço de reflexão para os professores a respeito de suas práticas.
3. Procedimentos: Entrevistas coletivas com os participantes segundo a abordagem reflexiva, em que todos têm acesso aos dados de pesquisa, os quais são sempre apresentados e discutidos com os participantes.
4. Riscos e desconfortos: Não existem riscos ou desconfortos associados com este projeto, isto é, a probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo.
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5. Confidencialidade: Fica garantido aos participantes da pesquisa a confidencialidade, a privacidade e o sigilo das informações individuais obtidas. Os resultados deste estudo poderão ser publicados em artigos e/ou livros científicos ou apresentados em congressos profissionais, mas informações pessoais que possam identificar o indivíduo serão mantidas em sigilo.
IV – ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS DO
SUJEITO DA PESQUISA
Ficam garantidas aos sujeitos da pesquisa: 1. O acesso, a qualquer tempo, a informações sobre procedimentos, riscos e benefícios
relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas. 2. A salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade. 3. O direito de retirar-se da pesquisa no momento em que desejar. V – INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS RESPONSÁVEIS
PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO EM CASO DE DÚVIDAS
Profa. Dra. Heloisa Szymanski e Teresa Paletta Lomar Programa de Pós-graduação em Educação: Psicologia da Educação – PUCSP R. Monte Alegre, 984 – Perdizes – São Paulo – Fone: (11) 3670 8527 E-mail: [email protected]
VI – CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
Eu compreendo meus direitos como um participante de pesquisa e consinto em participar deste estudo. Compreendo sobre o que, como e porquê este estudo está sendo feito. Receberei uma cópia assinada deste formulário de consentimento. S.Paulo, ......de...........................de 2006. ........................................................................ ................................................... Participante da pesquisa ou seu representante legal Pesquisador