Transcript
Page 1: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

1

Esboço de uma teor ia da execução civil 1

Fredie Didier J r . Mestre (UFBA) e Doutorando (PUC/SP) em Direito. Professor­mestre de Processo Civil da Universidade Federal da Bahia. Professor­Coordenador da Pós Graduação em Direito Processual Civil das Faculdades Jorge Amado/JusPodivm. Membro do

Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado na Bahia e em Pernambuco.

SUMÁRIO: 1 – A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos ; 2 – Direitos a uma prestação e direitos potestativos; 3 ­ Direito fundamental à tutela executiva; 4 ­ Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos; 5 – Cognição e atividade executiva; 6 ­ Mérito e coisa julgada; 7 – Espécies de execução: 7.1. ­ Execução por sub­ rogação e execução por coerção indireta; 7.2. ­ Execução de título judicial e execução de título extrajudicial; 7.3. ­ Execução provisória e execução definitiva; 8 – Princípios: 8.1. ­ Princípio de que não há execução sem título; 8.2. ­ Responsabilidade ou toda execução é real; 8.3. – Contraditório; 8.4. – Princípio da proporcionalidade; 8.5. ­ Princípio da menor onerosidade possível ao executado; 8.6. ­ Princípio da disponibilidade da execução; 8.7. ­ Princípio da tipicidade dos meios executivos; 8.8. – Princípio da utilidade; 8.9. – Autonomia; 8.10. – Responsabilidade do exeqüente; 8.11. – Maior coincidência possível; 8.12. – Dignidade da pessoa humana.

1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos

A função jurisdicional é aquela pela qual os órgãos investidos de jurisdição

aplicam o direito objetivo ao caso concreto. Trata­se da função pela qual se tutelam os direitos

subjetivos, resolvendo­se as crises jurídicas que porventura existam em derredor de tais

direitos.

A partir do tipo de proteção (tutela) que se pretenda, podem ser identificados

três tipos de tutela jurisdicional: a) de certeza, ou de conhecimento, ou declaratória: busca­se

do Poder Judiciário a certificação, com a coisa julgada, de determinada relação jurídica; b) de

efetivação ou executiva: pretende­se a efetivação de direitos subjetivos; c) de segurança ou

1 Trata­se da reprodução da prova­escrita do concurso para provimento do cargo de Professor­Assistente (Mestre) de Processo Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizada no dia 23 de abril de 2004, que recebeu a nota 10 (dez) de todos os membros da banca examinadora: Wilson Alves de Souza (UFBA), Leonardo Greco (UFRJ) e Vallisney de Souza Oliveira (UFAM). Manteve­se o texto original, sem referências bibliográficas ou notas de rodapé — o pensamento dos doutrinadores é citado ao longo do texto, normalmente sem menção à obra.

Page 2: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

2

cautelar: busca­se do Estado­juiz uma providência que assegure/garanta a efetivação da

prestação jurisdicional de certificação ou de execução, tendo em vista a circunstância

inexorável de que todo processo jurisdicional necessita de tempo – e o tempo pode fazer que

direitos sejam lesados ou perdidos.

Nesse rápido painel, pode­se vislumbrar o papel da tutela executiva: promover

a efetivação dos direitos subjetivos, garantindo com que o resultado prático, que o titular

desse direito pretende almejar, seja, efetivamente, concretizado.

2. Direitos a uma prestação e direitos potestativos

Há uma clássica divisão dos direitos, muito utilizada pelos processualistas no

estudo da tutela jurisdicional. Trata­se da distinção que se faz entre direitos a uma prestação e

direitos potestativos.

Direito a uma prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de

outrem o cumprimento de uma prestação – conduta –, que pode ser um fazer, um não­fazer,

ou um dar coisa – prestação essa que se divide em dar dinheiro e dar coisa distinta de

dinheiro. O direito a uma prestação precisa ser concretizado no mundo físico; a sua efetivação

é a realização da prestação devida. Quando o sujeito passivo não cumpre a prestação, fala­se

em inadimplemento ou lesão. Como a autotutela é, em regra, proibida, o titular desse direito,

embora tenha a pretensão, não tem como, por si, agir para efetivar o seu direito. Tem, assim,

de recorrer ao Poder Judiciário, buscando essa efetivação, que, como visto, ocorrerá com a

concretização da prestação devida. São direitos a uma prestação. Por exemplo: a) direitos

absolutos (reais e personalíssimos), que têm sujeito passivo universal e cujo conteúdo é uma

prestação negativa.; b) obrigações, que podem ter por conteúdo qualquer prestação.

Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou

extinguir situações jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que

precise ser prestada para que o direito potestativo seja efetivado. O direito potestativo efetiva­

se no mundo jurídico das normas, não no mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso,

com os direitos a uma prestação. A efetivação de tais direitos consiste na

alteração/criação/extinção de uma situação jurídica, fenômenos que só se operam

juridicamente, sem a necessidade de qualquer ato material (mundo dos fatos). Exemplifique­

se. O direito de anular um negócio jurídico é um direito potestativo; esta anulação dar­se­á

com a simples decisão judicial trânsito em julgado, não será necessária nenhuma outra

providência material, como destruir o contrato, por exemplo. Como já disse um autor, a

Page 3: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

3

efetivação, nesses casos, dá­se pelo verbo, não pelo ato concreto, material.

Os direitos a uma prestação relacionam­se aos prazos prescricionais que, como

prevê o art. 189 do CC. 2002, começam a correr da lesão/inadimplemento – não cumprimento

pelo sujeito passivo do seu dever.

Como nos direitos potestativos não há dever, prestação, conduta, a ser

cumprida pelo sujeito passivo – a doutrina denomina de “estado de sujeição” a situação

jurídica do sujeito passivo –, não se pode falar de lesão/inadimplemento; assim, a prescrição

não está relacionada a tais direitos. Na verdade, os direitos formativos submetem­se, se

houver previsão legal, a prazos decadenciais.

Pois bem.

O que essa distinção tem a ver com tutela jurisdicional executiva?

Quando se pensa em tutela executiva, pensa­se na efetivação de direitos a uma

prestação; fala­se de um conjunto de meios para efetivar a prestação devida; fala­se em

execução de fazer/não­fazer/dar, exatamente os três tipos de prestação existentes. Não é por

acaso, nem coincidência, que a tutela executiva pressupõe inadimplemento – fenômeno

exclusivo dos direitos a uma prestação. Executar é forçar o cumprimento de uma prestação.

Reputamos essa relação entre direito material e processo fundamental para a compreensão do

fenômeno executivo.

A efetivação de um direito potestativo carece de execução, no sentido do termo

aqui utilizado. A sentença que reconheça um direito potestativo já o efetiva com o simples

reconhecimento e a implementação da nova situação jurídica almejada. A sentença que acolhe

uma demanda que veicule um direito potestativo é uma sentença constitutiva, que, portanto,

exatamente por isso não gera atividade executiva posterior, em razão da absoluta

desnecessidade.

3. Direito fundamental à tutela executiva

A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas

a principal contribuição do constitucionalismo do pós Segunda Guerra Mundial.

A processualística, desde muito cedo, apercebeu­se da importância de estudar­

se o processo à luz da Constituição – veja, por exemplo, o trabalho de José Frederico Marques

ainda na década de 50 do século XX.

Mais recentemente, os processualistas avançaram no estudo do tema, agora

Page 4: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

4

para encarar os institutos processuais não só a luz da Constituição, mas, sim, pela perspectiva

de um determinado tipo de norma constitucional, que são aquelas que prescrevem os direitos

fundamentais.

Fala­se, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 deu um grande impulso a essa tendência, pois,

no rol dos direitos e garantias fundamentais, inclui uma série de dispositivos de natureza

processual, em número sem precedente na nossa história constitucional.

São tantos e tão diversos dispositivos que hoje não se pode negar a autonomia

didática da disciplina “Tutela Constitucional do Processo”.

Vários autores se têm destacado no exame do processo à luz dos direitos

fundamentais. Podemos citar aqueles cujas contribuições são as mais relevantes: NELSON

NERY JR., MARCELO GUERRA, WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, LEONARDO GRECO, JOSÉ

ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, ROGÉRIO LAURIA TUCCI, LUIZ GUILHERME MARINONI, CARLOS

ALBERTO ALVARO DEOLIVEIRA E DELOSMAR MENDONÇA JR.

Dois dos dispositivos constitucionais mencionados merecem, neste momento,

uma atenção especial: a) direito fundamental a um processo devido (due process of law); b) o direito fundamental a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer alegação de lesão ou

ameaça de leão a direito.

A cláusula do “devido processo legal” é considerada a norma­mãe, aquela que

“gera” os demais dispositivos, as demais regras constitucionais do processo. Dela derivam,

por exemplo, a garantia do contraditório, da proibição de provas ilícitas, da motivação da

sentença etc. Embora sem previsão expressa na Constituição, fala­se que o “devido processo

legal” é um processo efetivo, processo que realize o direito material vindicado.

O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a

um processo com duração razoável, donde se retira o princípio constitucional da efetividade.

Como a cláusula do devido processo legal é aberta e, além disso, o legislador

constituinte deixou claro que o rol dos direitos e garantias fundamentais não é exaustivo (art.

5º, §§ 1º e 2º, CF/88), incluindo outros previstos em tratados internacionais, a doutrina mais

moderna fala, portanto, no direito fundamental à tutela executiva.

Esse posicionamento é reforçado pela moderna compreensão do chamado

“princípio da inafastabilidade”, que, conforme célebre lição de KAZUO WATANABE, deve ser

Page 5: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

5

entendido não como uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente “bater às

portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa,

consubstanciada em uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz. Também se pode

retirar o direito fundamental à tutela executiva desse princípio constitucional, do qual seria

corolário.

Firmada a existência de um direito fundamental à tutela executiva, cumpre

verificar de que modo isso repercute na atuação judicial. Em primeiro lugar, o magistrado

deve interpretar esse direito como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a

dar­lhe o máximo de eficácia. Em segundo lugar, o magistrado poderá afastar, aplicado o

princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo

irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental.

Mais à frente, na análise da tipicidade dos meios executivos, voltaremos ao

tema.

4. Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos

A tutela jurisdicional executiva pode operar­se de duas formas: a) ou no bojo

de uma relação jurídica processual especialmente formada com esse objetivo; b) ou como fase

de um processo já instaurado – fase complementar, por certo. Fala­se de dois “módulos

processuais executivos”.

No primeiro caso, temos o processo de execução, relação jurídica processual

com predominante função executiva; no segundo caso, a execução (atividade executiva)

realiza­se no mesmo processo em que a certificação judicial ocorreu, sendo desta etapa

posterior.

É incorreto, portanto, falar que só existe execução no processo de execução.

A propósito, a autonomia do processo de execução, ao menos quando fundada

em título judicial, vem sendo há muito questionada e as últimas mudanças legislativas parece

que seguem esse caminho.

Antes de explicar o ponto, cabe uma advertência: o que se questiona é

autonomia do processo de execução, não da função executiva, essa plenamente diferençada

das outras funções jurisdicionais.

Tradicionalmente, até mesmo como forma de diminuir os poderes do

magistrado, as atividades de certificação e efetivação eram reservadas a “processos

Page 6: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

6

autônomos”, relações jurídicas processuais que teriam por objetivo, somente, o cumprimento

de uma ou de outra das funções jurisdicionais. Nesse contexto, surgiu a noção de sentença

condenatória, que seria aquela sentença que, reconhecendo a existência de um direito a uma

prestação e o respectivo dever de pagar, autorizava o credor, agora munido de um título, a, se

quiser, promover a execução do obrigado. Havia a necessidade de dois processos para a

obtenção da certificação/efetivação do direito.

O tempo foi mostrando o equívoco dessa concepção.

Havia, à época, vários procedimentos que autorizavam ou que inseriam, no

bojo do processo de conhecimento, atos executivos, fato que já compromete a pureza da

distinção e da divisão que se fazia. Citam­se os exemplos da proteção processual da posse e

do mandado de segurança.

A partir da generalização da tutela antecipada, arts. 273 e §3º do art. 461, CPC,

agora permitida no procedimento ordinário, o legislador deu um grande salto evolutivo,

permitindo, no procedimento padrão, no bojo de um processo de conhecimento, a prática de

atos executivos. O dogma da necessidade de um processo autônomo para a execução da

decisão judicial mostrava­se obsoleto e injustificável. A doutrina já pugnava, então, pela idéia

de que a divisão dos processos deveria dar­se pela predominância da função, não pela

exclusividade.

Mas outro passo havia de ser dado.

A mudança na tutela jurisdicional das obrigações de fazer e não­fazer, iniciada

pelo CDC (art. 84) e depois generalizada no art. 461 do CPC, opera profunda alteração no

sistema da tutela executiva. É que, agora, as sentenças que reconhecem a existência de tais

obrigações não precisam, para serem efetivadas, ser submetidas a um processo autônomo de

execução. Possuem essas sentenças aquilo que a doutrina mais antiga chamava de “força

executiva própria”; podem ser efetivadas no mesmo processo em que foram proferidas,

independentemente de instauração de um novo processo e da provocação do interessado: o

magistrado, no corpo da sentença, já determinará quais as providências devem ser tomadas

para garantir a efetivação da decisão.

Depois dessa alteração, pode­se dizer que a execução das sentenças, nessas

hipóteses, não ocorrerá em processo autônomo, mas, sim, como fase complementar ao

processo de conhecimento. Por causa dessa característica, a doutrina passou a designar tais

processos de “sincréticos”, “mistos” ou “multifuncionais”, pois servem a mais de um

Page 7: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

7

propósito: certificar e efetivar.

Esse mesmo regime jurídico foi estendido, recentemente, às obrigações de dar

coisa distinta de dinheiro — arts. 461­A e 621 do CPC.

Atualmente, a única sentença judicial de certificação de um direito a uma

prestação que necessita de um novo processo para ser executada é aquela que condena o réu

ao pagamento de quantia.

Essa situação, no entanto, parece que não vai demorar de ser modificada. É que

tramita no Congresso Nacional projeto de lei, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito

Processual, que acaba o processo de execução de sentença, ou seja, elimina a última hipótese

em que isso seria possível: a sentença condenatória ao pagamento de quantia. De acordo com

o projeto, essa sentença, à semelhança do que já ocorre com aquelas dos arts. 461 e 461­A,

seria executada em uma fase do mesmo processo em que prolatada, denominada de fase do

“cumprimento da sentença”.

Podemos, portanto, estabelecer o seguinte painel dos módulos processuais

executivos:

a) execução autônoma: fundada em título extrajudicial, fundada em

sentença arbitral ou sentença penal condenatória, e fundada em título judicial que

imponha pagamento de quantia;

b) execução como fase do processo: fundada em título judicial que

imponha o cumprimento de obrigação de fazer, de não­fazer ou de dar coisa que

não é dinheiro;

Esse sistema pode ser visualizado pela leitura dos artigos 287, 461, 461­A,

621, 644 e 744, todos do CPC.

5. Cognição e atividade executiva

É lição velha a de que, no cumprimento da tarefa executiva, a cognição

judicial, se existir, é mínima, “rarefeita”, em famosa adjetivação de KAZUO WATANABE.

Caberia ao magistrado tão­somente cumprir, mecanicamente, aquilo que estiver determinado

no título. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais, em determinados países, a tarefa

executiva não é dada ao Poder Judiciário, mas, sim, a um órgão da administração como o

xerife.

Sucede que a análise não é tão simples, como se pretende.

Page 8: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

8

Há cognição, sim, na tarefa executiva – quer ocorra em processo autônomo,

quer como fase de um mesmo processo.

Inicialmente, cumpre ao magistrado verificar o preenchimento das condições

da ação e dos pressupostos processuais. Além disso, o magistrado também deverá conhecer de

questões de mérito, como o pagamento e a prescrição, por provocação do interessado ou, em

certas hipóteses, até mesmo de ofício (art. 194, CC­2002).

É indiscutível, ainda, que, no bojo do processo de execução, há inúmeros

incidentes cognitivos, nos quais haverá atividade intelectual do magistrado, chamado que é a

resolver questões — e a resolução das questões pressupõe cognição. Vejamos exemplos do

incidente de nomeação de bem à penhora ou de alienação antecipada do bem penhorado,

momentos em que o magistrado deverá decidir determinadas questões (qual o bem

penhorado? justifica­se a alienação antecipada?), tarefa para a qual a atividade cognitiva é

indispensável.

Mas não é só.

Frustrada a execução para a entrega da coisa ou para o cumprimento de

prestação de fazer ou não­fazer, pode o exeqüente optar pela conversão da obrigação em

perdas e danos, que precisarão ser apuradas, investigadas, conhecidas.

Não se pode querer construir uma teoria da tutela executiva expurgando

conceitos, noções e institutos que pertencem, na verdade, à teoria geral do processo; não são

institutos exclusivos de determinado tipo de tutela jurisdicional.

Ousamos dizer que não há atividade judicial que prescinda da cognição. O que

se tem de fazer é adequar o grau de cognição à tarefa que se espera ver cumprida pelo Poder

Judiciário. Se se busca a certeza, a cognição tem de ser exauriente, exaustiva; se se busca

segurança, uma medida que atenue os riscos da demora do processo, a cognição não pode ser

tão exaustiva, sob pena de comprometer a própria utilidade da medida; se se pretende a

execução, a cognição judicial não deve abarcar, ao menos inicialmente, questões que disserem

respeito à formação do título, mas, necessariamente, envolverá as questões que dizem respeito

à efetivação da obrigação, ou seja, os pressupostos de admissibilidade e a sobrevivência da

obrigação executada.

Essa conclusão é fundamental para o desenvolvimento do item seguinte.

6. Mérito e coisa julgada

Page 9: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

9

Juízo de admissibilidade e juízo de mérito são noções que pertencem à teoria

geral do processo. Referem­se aos atos postulatórios. Todo ato postulatório submete­se a um

duplo juízo.

Em primeiro lugar, verifica­se se estão presentes os requisitos para que aquilo

que foi postulado possa ser examinado. Empós, e sendo positivo o resultado do primeiro

juízo, examina­se a postulação com o fito de verificar se pode ou não ser acolhida. No

primeiro caso, estamos diante do juízo de admissibilidade, no segundo, do juízo de mérito.

Por força de uma tendência doutrinária de desprestigiar o processo de execução

e a tutela executiva – o que é no mínimo curioso –, de modo a tirar­lhe o status de tutela

jurisdicional, parte da doutrina não identificava, na tutela executiva, esses dois juízos

mencionados. Cogitavam, até, do juízo de admissibilidade, mas não admitiam falar de mérito

no processo de execução.

Alguns doutrinadores passaram a demonstrar o equívoco desta concepção.

Partindo da premissa exposta no primeiro parágrafo — de que as noções de admissibilidade e

mérito pertencem à teoria geral do processo, mais especificamente ao estudo dos atos

postulatórios —, demonstraram esses autores a existência do mérito na execução.

Mérito é o pedido, a postulação, o objeto sobre o qual incidirá a prestação

jurisdicional. Na execução, o mérito divide­se em dois aspectos: a) pedido imediato, que é a

tomada das providências executivas; b) pedido mediato, que é o resultado que se espera a

alcançar, o bem da vida que se pretende conseguir através do processo. Eis o mérito. O que

acontece é que não haverá “julgamento” na execução, pois essa tarefa não lhe cabe, não lhe é

pertinente – embora, como se viu, há inúmeras situações em que o magistrado é chamado a

decidir/julgar questões no bojo da execução.

Todas as vezes que o magistrado decidir sobre algum aspecto da postulação,

pode­se dizer que haverá uma decisão de mérito.

O objeto do processo (em sentido amplo) envolve a relação jurídica de direito

material contida no processo. OSKAR BÜLLOW, já em 1870, dizia que a relação jurídica

processual contém a relação jurídica material.

Assim, sempre que o magistrado, na execução, resolver/examinar algum

aspecto da relação jurídica material – que não é mais incerta, mas se encontra insatisfeita –,

estará ele proferindo uma decisão de mérito.

Page 10: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

10

Concluímos: a) há mérito no processo de execução; b) o objeto do processo de

execução é, no entanto, diferente do “mérito” cautelar e do mérito do processo de

conhecimento.

Pois bem.

O que isso tem a ver com a análise da coisa julgada no processo de execução?

A coisa julgada material é fenômeno jurídico (situação jurídica) que surge a

partir da conjugação dos seguintes elementos: a) decisão judicial; b) trânsito em julgado

(coisa julgada formal); decisão de mérito; d) cognição exauriente. A presença destes quatro

elementos faz surgir, no direito processual civil brasileiro, ao menos como regra, a coisa

julgada material.

Quer porque se entende que na execução não há cognição, quer porque não se

admite a existência de mérito nesses casos, a maior parte dos doutrinadores entende não haver

possibilidade de ocorrência de coisa julgada material no processo de execução.

Tentamos demonstrar o equívoco das premissas para, agora, criticarmos essa

conclusão.

É possível que do processo de execução surja a coisa julgada material.

Vejamos:

a) obviamente, ao asseverarmos isso, não queremos dizer que a

obtenção da coisa julgada material seja o fim, o objetivo, a razão de ser da tarefa

executiva, como é da tarefa de certificação;

b) é possível que a execução se extinga em razão de fatos que

dizem respeito à própria extinção da relação jurídica material subjacente ao

processo executivo, como ocorre em todas as hipóteses do art. 794 do CPC;

c) não conseguimos distinguir a decisão do magistrado que

homologa uma transação em um processo de conhecimento (art. 269, III, CPC), e

que está apta a fazer coisa julgada material, da decisão judicial que homologar uma

transação no bojo do processo de execução (art. 794, II, CPC). Por acaso a

topografia da decisão influenciaria a resposta ao problema? Poderia o exeqüente,

uma vez homologada a transação, executar, de novo, o crédito que possuía antes

do acordo?

Page 11: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

11

d) e se a execução se tivesse extinguido por pagamento? Poderia o

exeqüente demandar de novo? E se fosse reconhecida a prescrição?

A resposta a essas perguntas é a mesma: não. Nas situações mencionadas

houve decisão de mérito fundada em cognição exauriente, apta, portanto, a, após o trânsito em

julgado, ficar imune com a coisa julgada material.

Posicionamo­nos, assim, ao lado da parcela da doutrina que entende possível o

surgimento de coisa julgada material no processo de execução, de que servem de exemplo

BARBOSAMOREIRA, DONALDO ARMELIN, ALBERTO CAMIÑA MOREIRA, dentre outros.

7. Espécies de execução

7.1. Execução por sub­rogação e execução por coerção indireta.

A execução pode ocorrer com ou sem participação do executado.

Chama­se de execução por sub­rogação aquela em que o Poder Judiciário

prescinde da colaboração do executado para a efetivação da prestação devida. O magistrado

toma as providências que deveriam ter sido tomadas pelo devedor, sub­rogando­se na sua

posição. Há substituição da conduta do devedor por outra do Estado­juiz, que gere a

efetivação do direito do executado. Alguns autores usam a designação “execução direta” ou

“execução por meio de coerção direta” para designar o fenômeno.

Para LIEBMAN, por exemplo, só se pode falar de execução direta. Esse

posicionamento do mestre italiano revelava o preconceito que se tinha em relação às formas

de coerção indireta, vista, à época, com muita má­vontade.

Vejamos o que se entende por execução indireta.

Por vezes, notadamente nos casos de obrigações infungíveis, mas não somente

neles, a sub­rogação ou se mostra impossível, em razão da infungibilidade, ou se mostra

demais onerosa/demorada, como nos casos de prestação de fazer fungível.

Nestes casos, o Estado­Juiz pode promover a execução com a “colaboração”

do executado, forçando a que ele próprio cumpra a prestação devida. Em vez de o Estado­juiz

tomar as providências que deveriam ser tomadas pelo executado, o Estado força, por meio de

coerção psicológica, a que o próprio executado cumpra a prestação. Chama­se essa execução

de “execução indireta” ou “execução por coerção indireta”.

Os meios executivos de coerção indireta atuam na vontade do executado,

Page 12: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

12

servindo com uma espécie de contra­motivo, “estímulo” ao cumprimento da prestação. Esta

coerção pode se dar por medo (temor), como é o caso da prisão civil e da multa coercitiva,

como também pelo incentivo, as chamadas sanções premiais, de que serve de exemplo a

isenção de custas e honorários para o réu que cumpra o mandado monitório.

A execução indireta não era muito bem vista antigamente: a) quer porque não

se poderia falar de execução forçada com participação do executado; b) quer porque à época

valia a máxima da intangibilidade da vontade humana, segundo a qual o devedor não poderia

ser obrigado/forçado a colaborar, pois estaria livre para não cumprir o seu dever.

Esse posicionamento está superado, a ponto de o Prof. MICHELLE TARUFFO,

em artigo publicado na Revista de Processo n. 59, ter dito que a tendência moderna é a de

prestígio aos meios coercitivos indiretos, mais eficazes e menos onerosos.

Cumpre, ainda, esclarecer um ponto. Não se pode restringir a execução indireta

às obrigações infungíveis. O raciocínio não pode se pautar neste tipo de divisão. A forma de

execução será aquela que for mais adequada para a efetivação do direito, seja fungível ou

infungível a obrigação, pois não há entre elas qualquer hierarquia.

Há, no entanto, uma tendência legislativa de conferir à tutela das obrigações de

fazer e não­fazer a técnica de execução indireta, pela qual seriam efetivadas por meio de

provimentos jurisdicionais que impusessem o cumprimento da prestação, sob pena de multa

ou outra medida coercitiva.

À tutela das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, inicialmente,

reservava­se a execução por sub­rogação, que se dava pelo desapossamento. Após a última

reforma processual, entretanto, estendeu­se a estas obrigações a possibilidade de serem

efetivadas por coerção indireta, conforme faz ver o art. 461­A do CPC. O caso concreto

revelará qual a forma mais adequada de execução.

Normalmente se atribuía às obrigações de pagar quantia a técnica da execução

por sub­rogação, que se daria pela expropriação de bem do executado e a entrega do produto

ao exeqüente. Há, no entanto, hipóteses de execução indireta para pagamento de quantia: a) a

primeira, de lege lata, que é a execução por dívida alimentar, que se pode dar sob pena de prisão civil; b) a segunda, de lege ferenda, prevista no Projeto de Reforma da Execução, já mencionado, em que se pretende que o magistrado comine uma multa fixa para o caso de

descumprimento da sentença que impuser o pagamento de quantia. A praxe forense revela,

ainda, uma manifestação de execução indireta na execução por quantia certa: muitas vezes o

Page 13: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

13

magistrado, ao fixar o valor dos honorários advocatícios devidos no processo de execução,

estabelece um valor menor, para a hipótese de pagamento pelo executado, e um valor maior,

para o caso de ele embargar. Ora, nesses casos, incentiva­se o adimplemento, valendo­se o

magistrado de técnica de coerção indireta pelo incentivo.

Por fim, uma observação.

A distinção que se pretende fazer entre “ação executiva lato sensu” e “ação mandamental” parte da distinção entre coerção direta e indireta. Ambas as demandas teriam por característica comum a circunstância de poderem gerar uma decisão que certifique a

existência do direito e já tome providências para efetivá­lo, independentemente de futuro

processo de execução. São, pois, ações sincréticas. Distinguem­se na medida em que a

primeira visa à efetivação por sub­rogação/execução direta, e a segunda por coerção

pessoa/execução indireta.

A terminologia consagrada já revela o preconceito que existia em relação à

execução indireta. “Executiva” somente poderia ser a ação que levasse à “sub­rogação”.

Embora já esteja consagrada, a terminologia merece reparos; o melhor seria: a) ação executiva lato sensu por coerção direta; b) ação executiva lato sensu por coerção indireta.

7.2. Execução de título judicial e execução de título extrajudicial

A execução pode ser classificada de acordo com o título executivo que a

autoriza/legitima. Fala­se em execução por título executivo judicial e execução por título

extrajudicial.

A distinção tem utilidade na medida em que a defesa do executado será mais

ou menos ampla, conforme se trate de execução por título extrajudicial (art. 745, CPC) ou

judicial (art. 741, CPC), respectivamente.

Conforme já foi visto, há uma tendência legislativa de acabar a execução por

título judicial em processo autônomo – continuaria apenas a execução autônoma de sentença

arbitral ou sentença penal condenatória.

Destaquemos os pontos mais importantes de cada um desses títulos executivos.

Títulos judiciais

a) Costumava­se dizer que o rol dos títulos executivos judiciais seria

exaustivo: fora das hipóteses do art. 584, CPC, não se poderia falar de título executivo.

Page 14: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

14

Essa premissa mostrou­se equivocada. Vários são os títulos executivos que

estão Fora do rol daquele artigo. Apenas para exemplificar, vejamos:

­ decisões interlocutórias que antecipam a tutela ou

resolvam parte do litígio, como aquela que gera exclusão do litisconsorte

com condenação ao pagamento das verbas de sucumbência;

­ decisões judiciais em ações dúplices, normalmente

declaratórias, mas que podem ser executadas pelo réu: oferta de alimentos,

desapropriação e consignação em pagamento, p. ex.;

­ as sentenças previstas nos arts. 588 e 811, que tornam

certa a obrigação de indenizar; são sentenças ilíquidas, como o são tantas

sentenças condenatórias, mas indiscutivelmente servem como título

executivo para a execução da obrigação de reparar o dano, embora não

sejam sentenças condenatórias;

­ o STJ, recentemente, admitiu a executividade de

sentença declaratória, acolhendo a tese do hoje ministro TEORI ZAVASCKI.

b) O rol do art. 584 do CPC prevê como título judicial a sentença arbitral que,

obviamente, foi produzida fora do Poder Judiciário. Visa­se, com isso, prestigiar a decisão

arbitral, não mais submetida à homologação do Poder Judiciário. Frisa­se, com isso, que o

árbitro não dispõe de competência para executar as suas decisões.

c) O inciso III do art. 584 foi recentemente alterado para se corrigir uma

desarmonia legislativa. Agora, deixa­se clara a possibilidade de o magistrado homologar

conciliação judicial que verse sobre questão não posta em juízo. Esta possibilidade já havia

sido alvitrada na Reforma de 94, mas a Lei de Arbitragem, desconsiderando a alteração,

revogou o dispositivo que acabara de ser aprimorado, esquecendo­se da inovação.

Correta e bem­vinda a alteração legislativa que deveria, a nosso ver, buscar

uma forma de prestigiar o disposto no art. 57 da Lei de Juizados Especiais, que permite a

formulação de requerimento, ao juízo competente, de homologação de qualquer acordo

extrajudicial. Trata­se de dispositivo cuja eficácia transcende o âmbito dos Juizados Especiais

Cíveis. O Projeto de Reforma do CPC corrige este esquecimento e propõe a inserção, no rol

do art. 584 do CPC, do mesmo enunciado normativo do art. 57 da LF 9099/95, fato que

certamente fará com que a atuação dos estudiosos e aplicadores se dirija a esta benfazeja

regra, que, utilizada corretamente no âmbito, p. ex., da Justiça do Trabalho, poderia evitar

Page 15: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

15

demandas inúteis e a utilização do artifício das “lides simuladas”. Veja, a propósito, a

doutrina de VALTON PESSOA sobre o tema.

Cumpre lembrar, ainda, que a atividade do magistrado, ao homologar

conciliação sobre questão não posta em juízo, é de jurisdição voluntária.

Título extrajudiciais

Sobre os títulos extrajudiciais, destacamos os seguintes pontos.

a) Há uma tendência inexorável e irreversível de ampliação do número de

títulos executivos extrajudiciais conferindo, ao titular de direito inadimplido, imediatamente

as vias executivas. A alteração do inciso II do art. 585 do CPC indica claramente esta opção

legislativa.

b) Os títulos executivos extrajudiciais se justificam na medida em que foram

produzidos com a participação do próprio executado. É por isso que o STJ entendeu que o

contrato de abertura de conta corrente não é título executivo, pois a sua liquidação era feita

com o extrato bancário, documento unilateralmente produzido pelo exeqüente.

Fogem à regra as certidões de dívida ativa, que aparelham a execução fiscal,

pois, embora produzidas unilateralmente, pressupõem a legitimidade da atuação do Poder

Público e o respeito ao devido processo legal administrativo.

c) Após intensa divergência, o STJ recentemente sumulou o entendimento

quanto à possibilidade de execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública

(enunciado 279 da súmula da jurisprudência predominante).

d) O inciso V do art. 585 prevê hipóteses de títulos executivos extrajudiciais

produzidos pelo juiz: decisão que fixou honorários de perito, por exemplo. Ao nosso ver, com

razão TEORI ZAVASCKI, para quem a inclusão destas decisões no rol do art. 585 não se

justificaria, pois não se justifica ampliar a cognição judicial em eventuais embargos à

execução. Tudo que o devedor poderá discutir em relação à dívida, ele poderia fazê­lo no bojo

do processo de conhecimento que gerou o título.

e) Dispõe o §1º do art. 585 que a propositura de qualquer ação envolvendo o

título executivo extrajudicial não inibe a sua execução. Apesar da simplicidade do texto, na

prática inúmeras questões surgem a partir deste enunciado.

Estas ações autônomas de discussão da dívida certificada em título executivo

extrajudicial são chamadas pela doutrina de “defesa heterotópica” do executado, porque feita

Page 16: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

16

fora do âmbito do processo de execução — embargos de executado ou “exceção de pré­

executividade”.

A propositura de tais ações — consignação em pagamento, declaratória de

inexistência da dívida, revisão contratual, etc.— traz as seguintes dúvidas: a) seria possível a

antecipação da tutela para impedir a instauração ou suspender o processo de execução já

instaurado?; b) haveria conexão entre a ação de conhecimento e a ação executiva?; c) poderia

esta ação autônoma ser recebida como embargos à execução, acaso ajuizada após o prazo de

embargos e mediante caução?; d) poderia esta ação ser convertida em embargos à execução,

mediante garantia, se fosse ajuizada anteriormente ao processo de execução?

São várias questões; nem a jurisprudência nem a doutrina chegaram a um

denominador comum. Recentemente, belíssima obra abordou o tema: “Ações prejudiciais à

execução”, ROSALINA PEREIRA, Saraiva.

Esses, pois, os principais aspectos das execuções fundadas em título judicial e

extrajudicial.

7.3. Execução provisória e execução definitiva

Divide­se a execução de acordo com a estabilidade da eficácia do título

executivo judicial: se se tratar de título judicial já definitivamente julgado, haveria execução

definitiva; se se tratar de título judicial que ainda pende de exame, a execução seria

provisória.

Toda execução de título extrajudicial é definitiva.

Execução definitiva é a execução completa, que vai até a fase final (entrega do

bem da vida), sem peias ou outras exigências para o credor­exeqüente. Execução provisória

ou execução incompleta é aquela que, embora, no atual regramento, possa ir até o final (inciso

II do art. 588), exige alguns condicionamentos extras para o exeqüente.

O art. 589 diz que a execução definitiva far­se­á nos autos principais. Nem

sempre. É possível execução definitiva da parte da sentença não apelada; como os autos

subiram com o recurso parcial, a execução haverá de ser feita por carta de sentença ou autos

complementares.

O mesmo art. 589 diz que a execução provisória dar­se­á por carta de sentença

ou autos suplementares. Nem sempre, também. A execução de tutela antecipada, conforme

maior parte da doutrina assevera, que é provisória, dá­se nos próprios autos principais. O

Page 17: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

17

mesmo ocorre com a execução da sentença cuja apelação não foi recebida, mas ainda pende

agravo de instrumento interposto contra a decisão que não admitiu a apelação.

A execução provisória foi bastante alterada pela Lei Federal 10.444/2002, e

essas alterações induvidosamente a aprimoraram.

Vejamos as principais características da execução provisória.

a) Corre por conta e risco do credor, que responderá, objetivamente, pelos

prejuízos causados ao executado, se porventura o seu título for cassado ou alterado.

b) Independe de caução. Nada impede, porém, que, no caso concreto, diante

das particularidades, possa o juiz, com base no poder geral de cautela, impor caução. O que se

quis deixar claro, com a nova redação do inciso I do art. 588 do CPC, é que não se trata de

caução exigida por lei para sua simples instauração.

c) Exige­se, no entanto, a caução para as hipóteses de levantamento de

dinheiro, alienação de domínio ou outros que possam resultar grave dano (inciso III do art.

588). Esse inciso traz a principal novidade da reforma da execução provisória: a possibilidade

de ir­se até a fase final da execução.

Esta caução pode ser dispensada nos casos de crédito alimentar, até 60 salários

mínimos, quando o exeqüente se mostrar em estado de necessidade (§2º do art. 588, CPC).

d) O regime da execução provisória aplica­se totalmente à execução da tutela

antecipada (art. 273, §3º, CPC).

e) Cumpre esclarecer a seguinte situação: iniciada uma execução definitiva,

que se suspende pelo ajuizamento dos embargos do executado, como ela volta a correr, se os

embargos forem julgados improcedentes e a apelação, eventualmente interposta contra esta

sentença, for recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, V, CPC)? A resposta é a seguinte:

volta correr como parou, ou seja, definitivamente. Caberia execução provisória da sentença

dos embargos. Eventual modificação de sentença não impede o prosseguimento definitivo da

execução embargada. Se o exeqüente afinal se mostrar sem razão, por força do art. 574 do

CPC deverá indenizar, em responsabilidade objetiva, os prejuízos sofridos pelo executado.

Cumpre lembrar que, na hipótese do art. 2­B da Lei Federal 9494/97, alterada

pela MP 2180­35/2001, não cabe execução provisória contra Fazenda Pública.

8. Pr incípios

Page 18: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

18

8.1. Princípio de que não há execução sem título

Nulla executio sine titulo, trata­se de adágio famoso. Não se pode instaurar a execução sem que se tenha um documento a que a lei confira a aptidão para gerar a atividade

executiva do Estado.

As considerações sobre o título executivo já foram feitas.

8.2. Responsabilidade ou toda execução é real

Segundo este princípio, somente o patrimônio do devedor, ou de terceiro

responsável, pode ser objeto da atividade executiva do Estado.

Houve época em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria

pessoa do executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de

pagamento da sua dívida. Episódio que bem demonstra o espírito desta época é o célebre

julgamento de PÓRCIA na obra “O Mercador de Veneza” de SHAKESPEARE.

A humanização do direito trouxe consigo este princípio.

A proliferação das técnicas de execução indireta, todavia, parece relativizar um

pouco o princípio.

Alguns autores (MARINONI, PONTES DE MIRANDA, MARCELO LIMA GUERRA)

chegam a defender a possibilidade de prisão civil como medida coercitiva para a efetivação de

direitos não­patrimoniais, sob o fundamento de que a vedação constitucional seria apenas a da

prisão civil por dívida, o que, segundo entendem, se restringe às obrigações pecuniárias.

8.3. Contraditório

A doutrina italiana, que não prestigiava o processo de execução, como já se

disse, chegou a defender a idéia de que no processo de execução não haveria contraditório.

Esse posicionamento impressionou ALFREDO BUZAID, que no seu projeto

previu um contraditório apenas eventual, e por provocação do executado, no processo de

execução.

Este posicionamento, hoje em dia está superado.

a) Quer porque a redação do texto constitucional é clara ao garantir

o contraditório em qualquer processo jurisdicional;

b) a atividade executiva é, induvidosamente, jurisdicional;

Page 19: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

19

c) a garantia do contraditório nada mais é do que a repercussão, no

processo, do regime democrático, pois é a garantia de participação na

formação/produção do direito;

d) a consagração doutrinária e jurisprudencial da exceção de pré­

executividade revela a existência inequívoca da possibilidade da discussão/defesa

interna ao processo de execução;

e) existem inúmeros dispositivos legais que instrumentalizam este

princípio no procedimento executivo. Vejam­se, p. ex., as regras sobre a nomeação

de bens à penhora e a da punição por atos atentatórios à dignidade da justiça (art.

599, II, CPC).

8.4. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, visto por muitos como a grande ferramenta

hermenêutica para a superação, com racionalidade dogmática, dos males do positivismo, e,

por outros, como o fator principal a ser levado em consideração na averiguação do chamado

devido processo legal substancial, tem bastante aplicação no âmbito do processo de execução.

Como mecanismo de solução de conflito entre direitos fundamentais, ajuda o

magistrado a solucionar a admissibilidade ou não da quebra do sigilo bancário.

Auxilia o magistrado, ainda, na tarefa de identificação de bens impenhoráveis,

como os adornos suntuosos no bem de família (LF 8009/90).

Serve, ainda, para que o magistrado aplique a regra do art. 620 — menor

onerosidade —, logo abaixo examinada.

Recentemente, foram publicados importantes trabalhos que destacam as

repercussões, no processo de execução, do princípio da proporcionalidade: MARCELO LIMA

GUERRA, opúsculo publicado pela Editora RT, e JOÃO BATISTA LOPES, ensaio publicado na

Revista Dialética de Direito Processual.

8.5. Princípio da menor onerosidade possível ao executado

De acordo com esse princípio, se a execução puder ser efetiva por mais de uma

maneira, deve­se escolher aquela que seja a menos onerosa ao devedor. Este princípio está

consagrado no art. 620 do CPC. Isso não quer dizer que a execução não possa ser gravosa ao

executado – ela sempre o será, e deverá sê­lo, pois é da sua essência. Se só houver um meio

efetivo e adequado para se promover a execução, e este meio for muito gravoso, ele terá de

Page 20: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

20

ser posto em prática. Nota­se um certo desvirtuamento na aplicação prática do dispositivo,

que tem sido aplicado como se a execução se desse da forma que melhor aproveitasse ao

executado.

A aplicação do princípio da proporcionalidade, na exegese deste dispositivo, é

absolutamente fundamental.

8.6. Princípio da disponibilidade da execução

A execução fica à disposição do credor. Não há, no processo de execução, a

simetria que existe, no particular, no processo de conhecimento. A execução é feita para

atender aos interesses do exeqüente, e esse é o norte que deve ser observado pelo magistrado,

respeitados, obviamente, os demais princípios.

Esse princípio pode ser exemplificado pelo regime da desistência na execução.

O credor pode desistir de toda execução ou de algum ato executivo

independentemente do consentimento do executado, ressalvada a hipótese de existência de

embargos de executado que versem sobre questões relacionadas à relação jurídica material

(mérito da execução), quando a concordância do executado/embargante se impõe.

8.7. Princípio da tipicidade dos meios executivos

Durante muito tempo vingou a idéia de que o magistrado só poderia proceder à

execução valendo­se de meios executivos tipicamente previstos na legislação.

A situação atual, no entanto, revela uma tendência de ampliação dos poderes

executivos do magistrado, criando­se uma espécie de poder geral de efetivação, que permitiria

ao magistrado valer­se dos meios executivos que reputar mais adequados ao caso concreto,

aplicado, sempre, o princípio da proporcionalidade.

MICHELLE TARUFFO, no estudo mencionado, já apontava que o direito

americano, diante da inefetividade dos meios executivos at law, começou a autorizar o magistrado a tomar medidas executivas adequadas ao caso concreto. Trata­se, afirma o jurista

italiano, de aplicação do princípio da adequação, segundo o qual as regras processuais devem

ser adaptadas às necessidades do direito material.

No Brasil, há previsão expressa que garante a atipicidade dos meios executivos

na efetivação das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa que não é dinheiro. Trata­se do

art. 461, § 5º, que consagra o mencionado poder geral de efetivação.

Page 21: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

21

Considerando a existência de um direito fundamental à tutela executiva, e a

circunstância de que não há porque prestigiar apenas as mencionadas obrigações, MARCELO

LIMA GUERRA, em estudo recente, pugna pela extensão do §5º do art. 461 também à

efetivação das obrigações de pagar quantia. Cita, como exemplo, a possibilidade de usufruto

judicial do imóvel mesmo sem a concordância do devedor (a despeito da letra do art. 722 do

CPC) e a possibilidade de fixação de multa diária na decisão que ordenar ao executado a

indicação de bens penhoráveis, dever processual previsto no inciso IV do art. 600 do CPC.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, consagrou­se prática de execução

indireta para pagamento de quantia não­tipificada: a inscrição do devedor/executado nos

cadastros de proteção ao crédito (Serasa, SPC etc.), como forma de coagir o devedor ao

pagamento da obrigação. Este entendimento, inclusive, encontra­se sumulado nos Enunciados

dos Coordenadores de Juizados Especiais, compilada nos encontros que promovem

anualmente.

8.8. Princípio da utilidade

A jurisdição somente pode ser acionada se houver alguma espécie de

beneficio/proveito/utilidade que se possa alcançar pelo Poder Judiciário. Não é por outro

motivo que se impõe o interesse de agir como condição de admissibilidade da demanda.

Não poderia ser diferente com a execução, que somente deve prosseguir se

puder resultar algum beneficio para o credor/exeqüente. A execução não pode ser instrumento

de capricho do credor, que deseja apenas ver o executado passar por tal constrangimento.

É por isso que existe a regra do §2º do art. 659 do CPC, que afirma

peremptoriamente que não se fará penhora quando evidente que o produto da execução será

totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.

Essa também a justificativa do art. 1º da Lei Federal 9469/97, que autoriza os

advogados dos entes federais a desistirem de execuções de valor igual ou inferior a mil reais,

pois o entendimento é de que a União gastará mais executando do que o bem que,

eventualmente, possa vir a ganhar.

8.9. Autonomia

Costumava­se elencar, no rol dos princípios da execução, a autonomia para

significar que a execução deveria ocorrer em processo autônomo. Já vimos o estádio de

obsolescência em que se encontra este princípio, ao menos visto sob esta perspectiva.

Page 22: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

22

Deve­se compreender este princípio, pensamos, como a consagração de que a

função executiva é autônoma, com peculiaridades próprias, não se trata de uma “anomalia”,

“de um corpo estranho”, no qual o “vestuário” da teoria geral do processo não poderia ser

utilizado.

8.10. Responsabilidade do exeqüente

A execução, seja provisória ou definitiva, corre sob a responsabilidade objetiva

do exeqüente, que deverá indenizar o executado se, eventualmente, ficar demonstrada a

injustiça da execução. Para a execução provisória, vale o disposto no art. 588, I, CPC; para a

definitiva, vale a regra do art. 574, do mesmo Código.

8.11. Maior coincidência possível

Trata­se de velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a

quem tenha razão o exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse se valer do

processo jurisdicional.

O processo de execução deve primar, na medida do possível, pela obtenção

deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.

Chama­se esse princípio, atualmente, de primazia da tutela específica.

As últimas reformas processuais deram muita importância a esse princípio, não

satisfatoriamente observado no antigo regramento da efetivação das obrigações de fazer, não

fazer e dar coisa, cujo descumprimento implicava, quase sempre, a conversão da obrigação

em perdas e danos.

8.12. Dignidade da pessoa humana

O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana é considerado,

atualmente, o princípio basilar de toda ordem jurídica, que deve ser construída a partir da

observância deste vetor (conferir, por todos, o trabalho de INGO SARLET).

Obviamente, não poderia o processo de execução fugir a esta exigência.

É com base neste princípio que os tribunais têm estendido à impenhorabilidade

de bem de família ao único imóvel de um solteiro – no último informativo do STJ, os

ministros chegaram a dizer que não se poderia tornar ainda mais insuportável a vida de quem

tinha “escolhido o pior dos caminhos: a solidão”.

Também é por força deste princípio, que se têm considerado como

Page 23: Teoria Geral da Execução - Texto para Resumo - Proc. Civil IV

23

irrenunciáveis as regras do beneficium competentiae, previstas nos incisos II e seguintes do art. 649 do CPC. O STJ, por exemplo, invalidou a penhora de uma televisão, oferecida pelo

executado à penhora — que foi em seguida discutida no bojo dos embargos à execução —,

sob fundamento de que era bem de família e, portanto, a sua impenhorabilidade não poderia

ser renunciada pelo executado.

Em situações como essas, invocamos, mais uma vez, a necessidade de

aplicação do princípio da proporcionalidade.

Ei­las, assim, as principais características, os principais aspectos de uma teoria

da tutela executiva.


Top Related