UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁPÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICOTRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
A APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO: A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS
FABIANO PINTO BARBOSA
Rio de Janeiro,2012.
FABIANO PINTO BARBOSA
A APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO: A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá como requisito para obtenção do grau de Especialista em Direito Público.
Rio de Janeiro,2012.
RESUMO
O presente trabalho tem como foco verificar se os princípios constitucionais estão presentes nas normas disciplinares do Exército Brasileiro, mais especificamente no Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, que trata do Processo de Apuração de Transgressão Disciplinar, aplicável aos casos em que haja ocorrência de infração disciplinar. As normas disciplinares devem estar alinhadas aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais para que o Estado Democrático de Direito não seja violado.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 5
1.1 Considerações Iniciais ............................................................................. 5
1.2 Problematização ...................................................................................... 6
1.3 Objetivos .................................................................................................. 6
1.4 Justificativas ............................................................................................ 6
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................... 6
2.1 Sistema de hierarquização das normas jurídicas .................................... 6
2.2 Normas que regem os processos administrativos disciplinares no âmbito do
Exército Brasileiro ...........................................................................
2.3 Síntese sobre regras de aplicabilidade e interpretação pertinentes às normas
que regem os processos administrativos disciplinares no âmbito do Exército
Brasileiro ...........................................................................
2.4 Análise das normas que regem os Processos Administrativos Disciplinares no
âmbito do Exército Brasileiro e os Princípios Constitucionais ..
2.4.1 Princípio do Contraditório ..................................................................................
2.4.2 Princípio da Ampla .............................................................................................
2.4.3 Princípio do Devido Processo Legal ..................................................................
2.5 Conclusão.................................................................................................
3 METODOLOGIA ......................................................................................
4 CRONOGRAMA ......................................................................................
5 REFERÊNCIAS .......................................................................................
1 INTRODUÇÃO
1.1 Considerações Iniciais
O militar é o cidadão responsável pela segurança externa e interna do país. Sem
ele não se vislumbra a soberania nacional, a consecução dos princípios constitucionais e
nem ocorre a consolidação do Estado Democrático de Direito.
Nas Forças Armadas e, por conseguinte em cada militar está depositada a
confiança de um país que se pretende manter independente, soberano e garantidor dos
direitos fundamentais dos cidadãos.
Como sabemos, o militar é um cidadão e, como tal, lhe são também assegurados
os direitos e garantias fundamentais, os quais devem ser observados na relação de
Hierarquia entre o superior e subordinado, bem como na apuração dos fatos contrários à
Disciplina e na aplicação efetiva das punições aos respectivos transgressores.
Não se pode destituir o militar de seu lado cidadão. Não é coerente à existência do
Estado de Direito diminuir ou afastar do militar a sua condição de cidadão. Não deve
prosperar o argumento de que a Hierarquia e a Disciplina, os pilares das Instituições
Militares, poderiam ser abaladas se forem estendidos aos militares as mesmas garantias
constitucionais e infraconstitucionais reservadas aos cidadãos comuns.
Não se quer dizer que não devem ser aplicadas as punições aos militares que
cometem transgressões, mas que deva ser assegurado a eles, as mesmas garantias
constitucionais e infraconstitucionais, materiais e processuais, reservadas aos cidadãos
não militares.
Assim sendo, analisar a efetividade dos Princípios Constitucionais, no que tange à
previsão e aplicação aos Processos de Apuração de Transgressão Disciplinar no âmbito
do Exército, nos dará uma amostra simplificada da realidade do nosso Estado
Democrático de Direito.
1.2 Problematização
Existe previsão e aplicação dos princípios constitucionais aos Processos de
Apuração de Transgressão Disciplinar no âmbito do Exército Brasileiro?
1.3 Objetivo Geral
O objetivo deste estudo é identificar a adequação do Processo de Apuração de
Transgressão Disciplinar no âmbito do Exército Brasileiro aos Princípios Constitucionais,
apontando nas espécies normativas aplicáveis aos militares do Exército, em especial o
Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, a ocorrência ou não desses princípios, os
quais consolidam o Estado Democrático de Direito.
1.4 Objetivos Específicos
Apontar e definir os princípios constitucionais que devem ser aplicados aos
Processos de Apuração de Transgressão Disciplinar.
Identificar e analisar as normas administrativas disciplinares aplicáveis ao Exército
Brasileiro, em especial o RDE, e apontar a existência ou não dos princípios
constitucionais.
1.5. Justificativas
O Exército Brasileiro é uma das instituições nacionais permanentes e regulares
incumbidas de defender a Pátria, os Poderes Constitucionais, a Lei e a Ordem. Ele tem a
missão zelar pela existência de nosso Estado Democrático de Direito.
Nessa perspectiva, faz-se necessário amoldar suas normas disciplinares aos princípios
constitucionais de forma que não seja ele, o próprio agente que maculará os princípios
fundamentais da República Federativa do Brasil.
Assim sendo, verificar se os princípios constitucionais são respeitados e aplicados
aos Processos de Apuração de Transgressão Disciplinar, previsto no Regulamento
Disciplinar do Exército, é de fundamental relevância e permitirá aos seus membros
reconhecerem que fazem parte de uma instituição exemplar e que sua normatização
disciplinar está ou não em conformidade com o nosso sistema constitucional.
2 EMBASAMENTO TEÓRICO
2.1 Sistema de hierarquização das normas jurídicas
Utilizando-se da teoria sobre a hierarquização das normas jurídicas ensinada por
Hans Kelsen, é oportuno esclarecer que toda a legislação existente no país é componente
de um sistema. Esse indica e delimita o campo de atuação de cada espécie normativa e
informa seu local dentro do próprio sistema.
Em síntese, temos que a norma inferior buscará seu fundamento de validade na
norma imediatamente superior e, assim, sucessivamente até que se chegue ao ápice do
sistema, onde está alocada a Constituição Federal.
Caso uma norma inferior não esteja em conformidade com os ditames da norma
que lhe fornece o fundamento de validade, ela será considerada, a depender do caso,
ilegal ou inconstitucional. Ilegal se contrariar a Lei e, Inconstitucional se contrariar os
preceitos da Constituição Federal, tendo que ser extirpada do sistema normativo.
Seguindo esse mecanismo, o legislador, ao inovar o ordenamento jurídico, deve
criar normas legais e constitucionais e o intérprete deve sempre ter em mente que
qualquer norma que pretenda analisar tem um fundamento de validade e, ainda, que a
mesma pertence a um sistema de normas e, portanto, deve ser analisada à luz da
Constituição e das Leis, as quais lhe dão fundamento de validade, não sendo possível
analisá-la isoladamente consoante a lição de Fiúza (2011, p.91).
2.2 Normas que regem os processos administrativos disciplinares no âmbito do
Exército Brasileiro
A par do sistema Kelseniano, cabe elencar as normas pertinentes e aplicáveis aos
Processos de Apuração de Transgressão Disciplinar, relembrando que as mesmas devem
ser analisadas em conjunto, para que se possa determinar os princípios constitucionais
existentes e aplicáveis a esses processos administrativos disciplinares.
A primeira delas e a mais importante, pois inaugura o sistema normativo nacional,
é a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que ocupa o ápice do
sistema1 e informa a essência dos direitos e garantias fundamentais dos militares que
1 “A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, em grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a Constituição é o nível mais alto dentro do Direito Nacional”. É o
devem ser respeitados pelas normas subordinadas.
Temos ainda: a Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980 – Estatuto dos Militares,
que regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das
Forças Armadas; o Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprova o
Regulamento Disciplinar do Exército – R4; a Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012,
que aprova as Instruções Gerais para Elaboração de Sindicância.
Por oportuno, esclarece-se que há outras normas que são aplicáveis
subsidiariamente às supracitadas, como por exemplo: a Lei de Serviço Militar; o Código
Penal Militar; o Código de Processo Penal Militar; a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de
1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal;
etc.
Ademais, a aplicação subsidiária somente ocorre quando a lei regente for omissa
sobre determinado aspecto material ou processual. Por exemplo, a própria Lei nº 9.784/99
determina, expressamente em seu art. 69, a regra de sua aplicação subsidiária2 aos
processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, informando,
ainda, que os processos específicos continuarão a ser regidos por lei própria.
2.3 Síntese sobre regras de aplicabilidade e interpretação pertinentes às normas
que regem os processos administrativos disciplinares no âmbito do Exército
Brasileiro
Nesse momento é perfeitamente cabível tecer breves comentários acerca das
regras de aplicabilidade das normas que são inerentes aos processos administrativos
disciplinares militares, bem como, sobre as regras para sua interpretação, ambos sob o
ponto de vista constitucional.
Sem excluir outras teorias, princípios e regras de validade, vigência e de
interpretação das normas legais e constitucionais, limitaremos a uma pequena síntese do
fenômeno da Recepção, de alguns princípios de interpretação constitucional, quais sejam,
o da Unidade da Constituição, o da Concordância Prática ou Harmonização, o da Máxima
Efetividade, o da Razoabilidade, e das regras de interpretação das leis, posto que têm
que ensina Hans Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado. trad. Luís Carlos Borges. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 182)2 Lei nº 9.784/99, art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
maior ligação com o objetivo deste trabalho.
Como se sabe, pelo Princípio da Recepção, continuam válidos todos os atos
normativos anteriores à nova ordem constitucional, desde que com ela sejam
materialmente compatíveis. Caso isso não ocorra, as normas serão tidas como
revogadas, não sendo necessário que a nova Constituição o faça expressamente.
Cabe lembrar que a maior parte das normas aplicáveis aos processos
administrativos disciplinares no âmbito do Exército Brasileiro, supracitadas, passaram
pela filtragem3 da Constituição de 1988 e que, por conta disso, estão vigentes e são
perfeitamente aplicáveis aos processos atuais.
Note-se, porém, que há uma discussão ainda latente sobre a constitucionalidade
do Decreto º 4.346/2002 – Regulamento Disciplinar do Exército4, visto que a decisão do
Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.340, de 8 de
novembro de 2004, não chegou a julgar o mérito. A propósito temos a ementa do julgado:
Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto no 4.346/2002 e seu Anexo I, que estabelecem o Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro e versam sobre as transgressões disciplinares.4.3462. Alegada violação ao art. 5o, LXI, da Constituição Federal.5º,LXI Constituição Federal 3. Voto vencido (Rel. Min. Março Aurélio): a expressão ("definidos em lei") contida no art. 5o, LXI, refere-se propriamente a crimes militares. 4. A Lei no 6.880/1980 que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, no seu art. 47, delegou ao Chefe do Poder Executivo a competência para regulamentar transgressões militares. Lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Improcedência da presente ação. Estatuto dos Militares Constituição Federal 5. Voto vencedor (divergência iniciada pelo Min. Gilmar Mendes): cabe ao requerente demonstrar, no mérito, cada um dos casos de violação. Incabível a análise tão-somente do vício formal alegado a partir da formulação vaga contida na ADI. 6. Ausência de exatidão na formulação da ADI quanto às disposições e normas violadoras deste regime de reserva legal estrita. 7. Dada a ausência de indicação pelo decreto e, sobretudo, pelo Anexo, penalidade específica para as transgressões (a serem graduadas, no caso concreto) não é possível cotejar eventuais vícios de constitucionalidade com relação a cada uma de suas disposições. Ainda que as infrações estivessem enunciadas na lei, estas deveriam ser devidamente atacadas na inicial. 8. Não conhecimento da ADI na forma do artigo 3º da Lei no 9.868/1999. 3º9.8689. Ação Direta de Inconstitucionalidade não-conhecida. (3340 DF, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 02/11/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 09-03-2007 PP-00025 EMENT VOL-02267-01 PP-00089) (grifos nossos)
A par desse conteúdo, percebe-se que a questão ainda não se findou. Não
3 “Teoria que determina que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, permitindo, ainda, compatibilizar o velho ordenamento jurídico e o novel texto maior, preservando a superioridade hierárquica das normas supremas do Estado”. Bulos, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 457.4 Na referida ADI arguiu-se a criação de regulamento disciplinar por decreto, em descompasso com o art. 5º, LXI da CF/88 e da Teoria da Recepção.
obstante, permanece em vigor o referido Decreto, aguardando uma novel arguição de
inconstitucionalidade, demonstrando que este trabalho pode estar a avaliar uma norma
inteiramente inconstitucional por quebra dos princípios da separação dos poderes e da
soberania popular.
Deixando à margem a questão acima e partindo do pressuposto que estamos
diante de uma norma tida como constitucional, é perfeitamente plausível, lembrar que a
filtragem constitucional é feita a partir da análise do conteúdo de cada artigo da norma a
ser recepcionada. Por conta disso, é ainda possível a avaliação do conteúdo dos artigos
do Regulamento Disciplinar do Exército à luz da Constituição Federal.
Passando a discorrer sobre os princípios de interpretação constitucional, temos o
Princípio da Unidade da Constituição, que conforme ensina Mendes (2008, p. 114) é
aquele que informa que as normas constitucionais devem ser analisadas como preceitos
integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído pela própria
Constituição, e que, por conta disso, ela só poderá ser compreendida e interpretada
corretamente se a entendermos como uma unidade. Outro enfoque desse princípio
determina que não há hierarquia entre as normas contidas na Constituição, ou seja, as
normas formalmente constitucionais têm o mesmo grau de relevância das normas
materialmente constitucionais.
Outro de grande utilização é o Princípio da Concordância Prática ou da
Harmonização, o qual recomenda que na ocorrência de um suposto conflito entre bens
constitucionalmente protegidos, deve-se evitar o sacrifício total de um em relação ao
outro, ou seja, não poderá ocorrer a negação total de qualquer um deles, exigindo que os
bens jurídicos constitucionalmente protegidos possam coexistir harmoniosamente, sem
predomínio, de uns sobre os outros.
Temos, ainda, o Princípio da Máxima Efetividade que pretende imprimir a
máxima eficácia social ou efetividade às normas constitucionais, sem que se altere o seu
conteúdo. Sendo um princípio invocado especialmente no âmbito dos direitos
fundamentais é, todavia, empregado a todas as normas constitucionais, conforme
aduzem Paulo e Alexandrino (2011, p.74)
Por fim, segundo Bulos (2011, p. 672), temos o Princípio da Razoabilidade ou
Proporcionalidade ou Proibição de Excesso, sem fazer referência às discussões
quanto à nomeclatura e sentidos dos termos, o referido princípio tem sido aplicado tanto
pela doutrina, quanto pela jurisprudência, aos casos concretos. Em síntese, esse princípio
é uma orientação carregada de valores, como por exemplo, justiça, bom senso,
moderação, prudência, equidade, que precede e condiciona a positivação jurídica,
inclusive constitucional e que serve de regra de interpretação para todo o ordenamento
jurídico.
Por intermédio desse princípio, o aplicador do direito busca a adequação,
racionalidade, logicidade e bom-senso na interpretação da Lei e da Constituição, evitando
qualquer tipo de desequilíbrio, arbítrio ou abuso de poder. Permite, ainda, que o Judiciário
invalide atos legislativos e administrativos destituídos de razoabilidade. Nesse sentido,
temos a Apelação Cível 448889/SE, TRF 5, Rel. Desembargador Federal Lázaro
Guimarães:
“... Por outro lado, o princípio da razoabilidade é considerado a maior limitação ao exercício de competências discricionárias pela Administração, e utiliza-se precipuamente na análise da legitimidade dos atos desta espécie que restringem a esfera jurídica do administrado, assim considerados os atos que (1) limitam ou condicionam o exercício de direitos, (2) estabelecem obrigações ou (3) impõem sanções. Editado um ato restritivo, pode o magistrado, pela aplicação do princípio, analisá-lo quanto à sua necessidade, adequação e proporcionalidade (princípio da proporcionalidade), a partir do chamado “critério do homem médio”, originário do Direito Civil. Assim, o juiz aprecia o ato a partir da perspectiva de um homem ponderado, de bom senso. Também, o “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens...” (grifos nossos)
Ao lado dos princípios de interpretação da Constituição, temos as regras de
aplicação das leis previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro –
Decreto-Lei nº 4.657/42, que na verdade são regras aplicadas aos casos de conflito
aparentes de normas, que em apertada síntese são: a lei hierarquicamente superior
afasta a aplicação da norma inferior se for com ela incompatível, a lei especial prevalece
sobre a lei geral e a lei posterior revoga a lei anterior5 se for com ela incompatível ou se
regular inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.
2.4 Noções básicas sobre os Princípios Constitucionais
Deixando para traz os princípios interpretativos da Constituição, passaremos a
estudar os princípios constitucionais informativos dos processos administrativos
disciplinares. Nesse mister é importante destacar a lição do professor Bulos (2011, p.496
5 Decreto-lei nº 4.657/42, art. 2º, §1º
e 497):
“Princípio Jurídico é mandamento nuclear do sistema, alicerce, pedra de toque, disposição fundamental, que esparge sua força por todos os escaninhos do ordenamento. Princípio Constitucional é enunciado jurídico que serve de vetor de interpretação e propicia a unidade e a harmonia do ordenamento.”
De acordo ainda com o autor, os princípios possuem normatividade, sendo normas
jurídicas que detém um grau de generalidade relativamente mais elevado do que as
demais normas jurídicas. Já para o professor Mendes (2008, p.39): “princípios são
fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio
(razão) de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética
fundamentante.”
Consoante às lições acima esposadas, constata-se que os princípios têm caráter
normativo e, por conta disso, devem ser necessariamente considerados e aplicados aos
casos concretos e, por conseguinte, aos Processos de Apuração de Transgressão
Disciplinar no âmbito do Exército.
2.5 Análise das normas que regem os Processos Administrativos Disciplinares no âmbito do Exército Brasileiro e os Princípios Constitucionais
Tendo sido elencadas as normas pertinentes aos processos administrativos
disciplinares militares participam de um mesmo sistema de normas e que se sujeitam,
como todas as outras, às regras de validade, vigência e interpretação, passaremos
explicar a essência de alguns princípios constitucionais confrontando-os com o
Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, apontando os respectivos princípios
constitucionais neles insculpidos, bem como aqueles que estão sendo negligenciados.
2.5.1 Princípio da Ampla Defesa
O princípio da Ampla Defesa juntamente com o princípio do Contraditório estão
previstos no art. 5º, LV, da CRFB/88, o qual dispõe que: aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
É necessário destacar que o princípio da Ampla Defesa está diretamente vinculado
ao princípio do Contraditório, no sentido de que são indissociáveis, que caminham
paralelamente no processo administrativo e judicial. A ampla defesa seria, segundo Paulo
e Alexandrino (2011, p. 185), “o direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo,
administrativo ou judicial, todos os elementos de prova licitamente obtidos para provar a
verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim entender, para evitar sua
autoincriminação”.
Segundo Rosa (2011, p. 3) “a ampla defesa prevista na Constituição Federal
impede a existência de um processo meramente formal, que tenha por objetivo apenas
dar uma aparência de legalidade”. O que se objetiva, com o referido princípio
constitucional, é que o processo disciplinar possibilite uma ampla defesa concreta,
material ao militar acusado de transgredir uma norma.
Nesse momento, seguindo a ideia deste trabalho, é pertinente inserir alguns artigos
relativos ao Regulamento Disciplinar do Exército – RDE, que trata do Processo de
Apuração de Transgressão Disciplinar e confrontá-los com o princípio da ampla defesa.
Art. 12. Todo militar, que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina, deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito.§ 1º A parte deve ser clara, precisa e concisa; qualificar os envolvidos e as testemunhas; discriminar bens e valores; precisar local, data e hora da ocorrência e caracterizar as circunstâncias que envolverem o fato, sem tecer comentários ou emitir opiniões pessoais. (grifos nossos)
Observa-se que o objetivo deste artigo, além de levar ao conhecimento da
autoridade um fato que em tese seria uma transgressão, serve para delimitar a conduta
do militar infrator e permitir sua defesa. Outro ponto de destaque nesse artigo e que
busca a concretude da ampla defesa, é a necessidade da participação do fato ser pela
forma escrita e conter a qualificação dos envolvidos e testemunhas, etc.
A necessidade da participação se limitar a descrever o fato, sem emitir juízo de
valor, busca garantir a imparcialidade do futuro julgador e permite ao militar acusado ter o
pleno conhecimento daquilo que lhe é imputado, o que, por sua vez, dá um caráter
objetivo à acusação e permite a ampla defesa.
Mas o RDE às vezes se mostra incoerente com esse princípio constitucional,
como se vê em seu anexo IV, que estabelece as instruções para padronização do
contraditório e da ampla defesa nas transgressões disciplinares, mais especificamente
no nº 5, alínea “e”, infra:
“as justificativas ou razões de defesa, de forma sucinta, objetiva e clara, sem conter comentários ou opiniões pessoais e com menção de eventuais testemunhas serão aduzidas por escrito, de próprio punho ou impresso, no verso do formulário de apuração de transgressão disciplinar na parte de
justificativas / razões de defesa, pelo militar e anexadas ao processo. se desejar, poderá anexar documentos que comprovem suas razões de defesa e aporá sua assinatura e seus dados de identificação” (grifos nossos)
Acerca das regras acima, é necessário fazer algumas observações, quais sejam, a
defesa contra alguma acusação requer, na maioria das vezes, um texto difuso, prolixo,
não com o intuito de trazer qualquer prejuízo à celeridade do processo, mas para que o
acusado possa demonstrar todas as suas realidades e percepções sobre o fato que a ele
é imputado.
Portanto, deve haver uma interpretação coerente da expressão “de forma sucinta”,
visto que aos olhos de um leigo, em especial aos dos recrutas, isso parece ser uma regra
que poderá trazer prejuízos a sua defesa se não for respeitada na escrituração de seu
Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar - FATD, ou seja, na prática, para
eles, ultrapassar os espaços limites do formulário é mais uma circunstância que ensejará
prejuízo à sua defesa.
Outra observação necessária e esclarecedora se refere à expressão “sem conter
comentários ou opiniões pessoais”. Dela surge o seguinte questionamento, o militar
acusado de transgredir não pode dar a sua visão pessoal do fato? Com todo respeito às
opiniões contrárias, percebe-se que a regra ou pretendeu reduzir o trabalho na
apreciação e apuração do fato, ou pretendeu limitar o que deveria ser amplo, que é a
defesa do acusado.
Seguindo, temos a sentença “no verso do formulário de apuração de transgressão
disciplinar na parte de justificativas / razões de defesa...” Na prática, essa orientação
limita a ampla defesa e o contraditório do indivíduo, visto que, na maioria dos casos, o
militar recebe apenas o FATD (anexo 1) e nele consta apenas a seguinte informação:
“justificativas ou razões de defesa, de forma sucinta, objetiva e clara, sem conter comentários ou opiniões pessoais e com menção de eventuais testemunhas. Se desejar, poderá anexar documentos que comprovem suas razões de defesa e aporá sua assinatura e seus dados de identificação”
Dessa forma, embora possa anexar documentos comprobatórios de suas
alegações, não fica claro para o transgressor que lhe é permitido ultrapassar os limites do
formulário, nem tampouco, anexar mais folhas a este, contendo o complemento de suas
justificativas ou razões de defesa, o que enseja uma limitação ao exercício do seu direito
de defesa.
Diante do exposto acima, percebe-se que há algumas falhas no regramento
disciplinar do Exército, quando tenta dar celeridade e dinamismo ao processo de
apuração de transgressão, aquele acaba por mitigar o princípio constitucional da ampla
defesa.
2.5.2 Princípio do Contraditório
Passando analisar o princípio do contraditório é preciso, antes de tudo, delineá-lo.
Para tanto, nos socorreremos à lição dos professores Paulo e Alexandrino (2008, p.165)
infra:
“por contraditório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao processo. É o princípio constitucional do contraditório que impõe a condução dialética do processo (par conditio), significando que, a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se, de apresentar suas contra-razões, de levar ao juiz do feito uma versão ou uma interpretação diversa daquela apontada inicialmente pelo autor. O contraditório assegura, também, a igualdade das partes no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa.”
Para Rosa (2011, p. 33) “o acusado tem o direito de apresentar a sua versão e a
contrariar os pontos que lhe sejam desfavoráveis, sob pena de cerceamento ao direito de
defesa e nulidade do ato”. Na ótica do professor Fernandes (2011, p. 329) o contraditório
deve ser entendido como a simétrica paridade entre as partes na preparação do
provimento, sendo, pois, garantia das partes.
Estando claro o que seria o princípio do contraditório e os efeitos de sua
inobservância, passamos a elencar alguns artigos previstos no RDE que fazem alusão a
esse princípio tão importante, ressaltando, antes de tudo, que esses artigos estão
intimamente ligados ao princípio da ampla defesa e dela também fazem alusão.
Art. 35, § 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.§ 2º Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar:I - ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação;II - ser ouvido;III - produzir provas;IV - obter cópias de documentos necessários à defesa;V - ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas;
VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação;VII - adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; eVIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas. (grifos nossos)
Continuando a análise do Regulamento Disciplinar do Exército - RDE, verifica-se
que o seu art. 35 nos fornece uma gama de regras, mediante as quais busca-se efetivar,
nos processos de apuração de transgressões disciplinares, o direito constitucional ao
contraditório e, também, à ampla defesa.
No que se refere ao direito de ser ouvido pela autoridade competente para a
aplicação de punição disciplinar, perdura uma indagação, qual seja, até onde é eficaz
esse tipo de contato para a defesa do militar acusado de transgredir? No plano concreto,
esse contato entre a parte julgadora e a julgada pode gerar desvirtuamentos de ordem
subjetiva, que tanto podem beneficiar o transgressor, como podem agravar sua situação.
Nesse contexto, é cabível esclarecer que a parte julgadora, no âmbito do Exército,
muitas vezes é o próprio militar que participou o fato, ou aquele que ordenou que
determinado fato fosse participado, para que o mesmo pudesse julgá-lo. Isso ocorre
porque na esfera administrativa disciplinar não há regras claras de suspeição ou
impedimento. No campo dos fatos, corresponde a dizer que um Comandante, ao se
deparar, pessoalmente, com um ato contrário à disciplina, pode determinar a um
subordinado que participe o militar infrator, para que ele mesmo possa julgar a
transgressão.
Dessa forma, a possibilidade de ser ouvido pela autoridade julgadora, não
necessariamente será benéfica à defesa do acusado. A melhor interpretação seria no
sentido de que suas alegações verbais ou escritas devam ser concretamente
consideradas pela autoridade julgadora, a qual, mediante critérios objetivos, analisaria
todas as circunstâncias de fato e, caso houver qualquer circunstância que o torne
suspeito ou impedido, deveria este se abster de julgar o referido processo disciplinar.
O inciso V, do parágrafo 2º, do referido artigo, traz em seu texto a essência do
princípio do contraditório. Ele garante ao acusado de transgredir o direito de contrapor-se
a tudo aquilo que lhe é imputado. O texto ainda informa que esse direito deve ser
proporcionado nos momentos oportunos, de forma que essa manifestação seja eficaz, de
forma a influenciar o convencimento do julgador, antes de sua decisão.
Pela simples leitura dos dispositivos acima, resta claro que o RDE está alinhado às
ideias protagonizadas pela Constituição Federal e pelos princípios do contraditório e da
ampla defesa, visto que suas normas permitem ao acusado opor-se às acusações a ele
imputadas no momento de seu interrogatório, na produção de provas e quando da
interposição de seus recursos.
No entanto, existe a seguinte exceção, que deve ser aqui exposta e que diz
respeito à prisão administrativa disciplinar de até setenta e duas horas, fulcrada nos art.
12, §2º e art. 35, §3º, ambos do RDE, infra:
“Art. 12, §2º Quando, para preservação da disciplina e do decoro da Instituição, a ocorrência exigir pronta intervenção, mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor, a autoridade militar de maior antigüidade que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar providências imediatas e enérgicas, inclusive prendê-lo "em nome da autoridade competente", dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e das providências em seu nome tomadas.Art. 35, § 3o O militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção.” (grifos nossos)
Neste tipo de prisão, que se assemelha à prisão temporária cautelar, o contraditório
é diferido ou postergado, não tendo o militar a oportunidade de contraditar de plano o que
a ele é imputado, sendo uma exceção ao referido princípio constitucional. É oportuno
esclarecer que o exercício do contraditório embora não exercido naquele momento da
pronta intervenção da autoridade, esse será posteriormente disponibilizado ao suposto
transgressor quando da instauração do Processo de Apuração de Transgressão
Disciplinar.
2.5.3 Devido Processo Legal ou Due Process of Law
Por fim temos o Princípio do Due Processo of Law ou do Justo Processo é aquele
que traduz a ideia de que, para haver qualquer cerceamento à liberdade ou aos bens de
um indivíduo, deve ser respeitado um conjunto de regras e princípios atrelados ao Estado
Democrático de Direito.
Conforme Nery Júnior (1995, p. 27) devem ser de observância estrita as seguintes
regras derivadas do princípio do devido processo legal: “direito à prévia citação para o
conhecimento do teor da acusação; direito a um juiz imparcial; direito ao contraditório;
direito à defesa técnica; direito à igualdade entre acusação e defesa; direito à arrolar
testemunhas; etc.”
Na visão de Paulo e Alexandrino (2011, p. 181), desse princípio derivam outros que
também buscam assegurar a liberdade do indivíduo frente ao Estado, quais sejam, o
princípio do juiz natural, o da publicidade dos processos, o da motivação das decisões,
etc. Nesse contexto, é importante destacar a seguinte decisão do Ministro Celso de Mello,
no HC 94.016, de 7 de abril de 2008:
“O exame da garantia constitucional do due processo of law permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua própria configuração, destacando-se dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: a) direito ao processo, art. 5º, XXXV, da CFRB/88 (Acesso ao Judiciário); b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (autodefesa e à defesa técnica;...j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); l) direito à prova...” (grifos nossos)
Como se percebe, o referido princípio tem, em sua essência, a capacidade de
emanar outros princípios, com os quais estabelece uma relação umbilical, sendo certo
que estes têm vida própria, como por exemplo, os já referidos neste trabalho, quais sejam
o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Nessa linha de raciocínio é perfeitamente possível haver uma dúplice lesão aos
direitos do militar, ou seja, é coerente entender que quando em um processo
administrativo disciplinar não são observados o contraditório ou a ampla defesa, é
também prejudicado o Devido Processo Legal. Este também seria desrespeitado quando
não há concessão de efeito suspensivo aos recursos disciplinares, quando a pessoa do
oficial julgador se confunde com a do acusador na seara da imparcialidade, quando não
há fundamentação nas decisões, quando não são ouvidas as testemunhas da defesa, etc.
Cabe lembrar que o princípio do devido processo legal está previsto
expressamente no art. 5º, LIV, CRFB/886 e é um postulado dirigido especialmente ao
Estado, informando que este deve respeitar as leis por ele mesmo criadas, servindo para
conter qualquer arbítrio das autoridades executivas, legislativas e judiciais. Dessa forma
não cabe ao administrador militar, com poder de disciplinar seus subordinados, se furtar a
observar e garantir o Devido Processo Legal.
Retomando o foco do presente trabalho, percebe-se que o RDE traz em seu texto
reflexos do princípio do devido processo legal, quando permite ao militar contraditar o que
lhe é imputado, quando lhe assegura a possibilidade de defesa técnica por intermédio de
6 “Art. 5º, LIV, CRFB/88: Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
advogado, quando lhe oferece oportunidade de interpor recursos e apresentar
testemunhas, etc. Nesse sentido importante destacar os seguintes artigos:
Art. 34, § 4º. A publicação em boletim interno é o ato administrativo que formaliza a aplicação das punições disciplinares, exceto para o caso de advertência, que é formalizada pela admoestação verbal ao transgressor.
Art. 35, § 1º. Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.
Art. 39. Nenhum transgressor será interrogado ou punido em estado de embriaguez ou sob a ação de psicotrópicos, mas ficará, desde logo, convalescendo em hospital, enfermaria ou dependência similar em sua OM, até a melhora do seu quadro clínico.
Art. 53. Cabe pedido de reconsideração de ato à autoridade que houver proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado.§ 2º O militar punido tem o prazo de cinco dias úteis, contados a partir do dia imediato ao que tomar conhecimento, oficialmente, da publicação da decisão da autoridade em boletim interno, para requerer a reconsideração de ato.
Art. 54. É facultado ao militar recorrer do indeferimento de pedido de reconsideração de ato e das decisões sobre os recursos disciplinares sucessivamente interpostos.§ 2º O recurso disciplinar de que trata este artigo poderá ser apresentado no prazo de cinco dias úteis, a contar do dia imediato ao que tomar conhecimento oficialmente da decisão recorrida.
Dessa forma, percebe-se o quão importante é o princípio do devido processo legal
aos processos disciplinares militares, posto que nele estão presentes outros princípios, os
quais convergem para a ideia de um processo justo, mediante o qual se busca efetivar o
interesse público, bem como primar pela liberdade do militar, a qual só deve ser cerceada
quando houver, após o justo processo, prova inequívoca de sua autoria.
No que se refere à matéria recursal, é importante destacar que os recursos
previstos no art. 52, I e II, do RDE, não contemplam efeito suspensivo, o que acarreta
prejuízo concreto ao princípio do contraditório e ampla defesa e, também, ao princípio ao
devido processo legal. A par disso, é preciso expor que só não é permitido o efeito
suspensivo aos recursos administrativos por conta de interpretações equivocadas e
contrárias aos ditames constitucionais.
Nesse ínterim, recorremos a uma interpretação sistemática do RDE para que seja
esclarecido que há previsibilidade e necessidade de aguardar os prazos recursais se
extinguirem para que se inicie o cumprimento da punição disciplinar nos casos de
punições disciplinares no âmbito do Exército.
Antes de tudo, é necessário lembrar que os princípios do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal têm sede constitucional e, que por conta disso, devem
ser respeitados pelas normas infraconstitucionais, em especial pelo RDE, sob pena de
serem anulados os atos administrativos que os desrespeitarem.
Não se pode esquecer que esses princípios têm caráter material, não sendo a
mera previsão formal no RDE a efetiva existência e obediência a eles. No curso dos
processos disciplinares devem ser garantidas as condições necessárias para que o
transgressor tenha ciência dos recursos que pode utilizar e dos respectivos prazos para
interpô-los. Sendo certo que eles devem ser reconhecidos pelas autoridades como
direitos fundamentais do transgressor.
Consoante o art. 5º, LV, da CRFB/88 e art. 35, §1º e §2º, VI, do RDE7, só será
imposta punição disciplinar se forem assegurados ao transgressor o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Assim, verifica-se que, é primordial
garantir ao transgressor, no exercício de sua defesa, a utilização dos recursos previstos
no art. 52, §1º, I e II, do RDE8, dentro dos prazos previstos, para que sejam
materializados, concretizados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.
De outra forma, para que esteja alinhado aos princípios constitucionais acima
referidos, o intérprete e aplicador do Regulamento Disciplinar do Exército, ou melhor, as
autoridades militares previstas no art. 10 do RDE, devem entender que só devem
considerar um transgressor culpado e passível de punição, depois de esgotados todos os
prazos previstos para os seus recursos.
7 Art. 35, § 1o Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.§ 2o Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar:VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação;VIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas.
8 Art. 52. O militar que se julgue, ou julgue subordinado seu, prejudicado, ofendido ou injustiçado por superior hierárquico tem o direito de recorrer na esfera disciplinar.Parágrafo único. São cabíveis:I - pedido de reconsideração de ato; eII - recurso disciplinar.
Para aclarar, temos que o Recurso de Reconsideração de Ato9 deverá ser
interposto em até 5 dias úteis a contar do dia imediato ao que tomar conhecimento,
oficialmente, da publicação da decisão da autoridade em boletim interno em face das
suas razões de defesa não aceitas. O Recurso Disciplinar10 também deve ser interposto
no prazo de 5 dias úteis, a contar do dia imediato ao que tomar conhecimento
oficialmente da decisão recorrida por intermédio do recurso de Reconsideração de Ato.
Assim sendo, com base nos princípios da ampla defesa, contraditório, presunção
de inocência e devido processo legal, resta claro que a autoridade deve aguardar o
transcurso dos prazos acima referidos para ordenar, mediante a publicação em boletim
interno, o início do cumprimento da punição aplicada ao seu subordinado. Esse
entendimento evitaria que a administração militar fosse auditada pelo Poder Judiciário,
por intermédio de Mandados de Segurança e Habeas Corpus, impetrados contra decisões
administrativas disciplinares que desrespeitaram os mandamentos constitucionais.
9 Art. 53, § 2o O militar punido tem o prazo de cinco dias úteis, contados a partir do dia imediato ao que tomar conhecimento, oficialmente, da publicação da decisão da autoridade em boletim interno, para requerer a reconsideração de ato.
10 Art. 54. § 2o O recurso disciplinar de que trata este artigo poderá ser apresentado no prazo de cinco dias úteis, a contar do dia imediato ao que tomar conhecimento oficialmente da decisão recorrida.
2.6 Conclusão
Os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição Federal não
servem para proteger, blindar ou servir de escudo para práticas que atentem contra a
hierarquia e disciplina, mas sim para que as liberdades individuais dos militares não
sejam violadas por atos administrativos disciplinares eivados de vícios.
A justiça é elemento essencial de qualquer instituição, visto que somente com a
observância do devido processo legal e das demais garantias constitucionais é que se
poderá alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito, sendo certo que o
respeito à lei em todos os seus aspectos é condição essencial para a construção de uma
sociedade melhor, justa, fraterna.
O Regulamento Disciplinar do Exército que traz as regras do Processo de
Apuração de Transgressão Disciplinar, apesar de algumas contradições, buscou se
adequar aos princípios de nossa Constituição Federal, demonstrando que o Exército
Brasileiro trabalha em prol da plenitude material de um Estado Democrático de Direito.
3 Metodologia
A pesquisa está baseada na exploração da bibliografia pertinente ao tema, tendo
uma abordagem qualitativa do conteúdo, bem como na análise objetiva e subjetiva da
legislação específica aplicada aos Processos de Apuração de Transgressões
Disciplinares no âmbito do Exército, em especial o Regulamento Disciplinar do Exército –
R4.
4 Cronograma
Tópicos/Meses Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro
Escolha de tema e Revisão Literária
x x
Delimitação do Tema, Problema e Hipótese
x x
Coleta de dados e Metodologia
x x
Determinação de Objetivos e
Justificativasx x
Análise e Discussão x xConclusão e Redação x x
5 Referências
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Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
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Rosa, Paulo Tadeu Rodrigues, Processo Administrativo Disciplinar Militar – Forças
Militares Estaduais e Forças Armadas – Aspectos Legais e Constitucionais. 2 tiragem. Rio
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Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2011.
6 Anexo