Transcript
Page 1: TCC 2ª Edicao corrigida

UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

UNIESP

FACULDADES INTEGRADAS TERESA MARTIN

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

2007-2010

DORVAL FAGUNDES FURTADO JUNIOR

OS SILÊNCIOS DA MEMÓRIA

(1969-1974)

São Paulo

2010

Page 2: TCC 2ª Edicao corrigida

2

DORVAL FAGUNDES FURTADO JUNIOR

OS SILÊNCIOS DA MEMÓRIA

(1969-1974)

Tese de Conclusão de Curso, apre-

sentada para avaliação, para obten-

ção do título de Licenciatura. Perío-

do noturno.

Professor Orientador:

DR. GUTEMBERG ALEXANDRINO

RODRIGUES

SÃO PAULO

2010

Page 3: TCC 2ª Edicao corrigida

3

DEDICATÓRIA

Entre todas as pessoas que puderam me auxiliar, dentro de suas possibilidades

pessoais, dedico de todo coração este trabalho à colaboração pessoal de minha amada

esposa ANDRÉA DOS REIS FURTADO, cujos préstimos inestimáveis não se podem calcular.

Devido ao seu incentivo e dedicação pude concluir meus estudos básicos à distância,

visto que a natureza do meu serviço profissional me impedia de assistir a um curso re-

gular presencial. A ela devo em parte não somente esse quesito, mas também meu pró-

prio ingresso no nível superior de formação. Sem o seu incentivo, sua compreensão,

escapar-se-me-iam todas as esperanças de progresso intelectual.

Page 4: TCC 2ª Edicao corrigida

4

AGRADECIMENTOS

De forma alguma deixaria de agradecer à inspiração de meu professor, Mestre

ALEXANDRE CLARO MENDES, Coordenador Geral do Curso de Licenciatura em História,

cuja presença tem me acompanhado desde o princípio das atividades deste curso. Sem-

pre suas idéias, seus argumentos e seus recursos pedagógicos foram exitosos em trans-

mitir o conhecimento e o amor à História, numa visão subjetiva que lhe é peculiar.

Ao meu Professor Orientador, Doutor GUTEMBERG ALEXANDRINO RODRIGUES,

cuja presença também tem sido uma constante desde os primeiros meses de curso, sen-

do uma fonte de incentivo devido ao seu próprio exemplo de dedicação e esforço pesso-

al, mantendo cabedal de conhecimento teórico e visão subjetiva muito além do seu tem-

po; forjando em si mesmo alguém que prima por transmitir um sentido da historiografia

que lhe é muito peculiar: introjetar em seus alunos a paixão pela História.

Ao Professor e Amigo, Mestre KARLENO MÁRCIO, dedicado, prestativo e compre-

ensivo amigo cristão, defensor de princípios raros no meio acadêmico hodierno, como

sadia confiança em Deus e respeito por ideais que estão em ameaça de extinção: os

princípios cristãos e uma boa experiência com o Divino.

Ao Licenciando DAVID PEREIRA, nobre colega, tem sido um exemplo de pontua-

lidade e participação nas atividades curriculares, no respeito à ética entre colegas de

curso: solidário e prestativo. Com alegria, de moto próprio, faço questão que seu nome

seja lembrado onde quer que este trabalho seja lido ou analisado.

Ao Pastor JOSÉ APARECIDO CORTE, Presidente da Associação Paulista (ASPA)

dos Adventistas do 7º Dia – Movimento de Reforma, pelos seus préstimos específicos,

liberando-me ocasionalmente das minhas atividades ordinárias, como secretário da enti-

dade acima referida, e das minhas obrigações específicas como Missionário para que

pudesse concluir meus objetivos intelectuais. De coração agradeço-lhe pelo altruísmo e

pela iniciativa em apostar na capacidade do semelhante, em especial do subalterno, sem

ter quaisquer obrigações estatutárias ou interinas que exigissem tal atitude.

Page 5: TCC 2ª Edicao corrigida

5

Abri de novo o zíper para enfiar mais dois li-

vros comprometedores, que não reparara an-tes. [...] Então os “homis” já não tinham a-preendido “A Capital”, de Eça de Queiroz,

por confundir com o homônimo masculino do “subversivo Marques?” [sic]

(SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários – Memó-

rias da Guerrilha Perdida. São Paulo: Global, 1980. Pág. 101)

Page 6: TCC 2ª Edicao corrigida

6

RESUMO

A presente monografia pretende trazer uma análise acerca do desenvolvimento

da memória existente nas gerações hodiernas a respeito da estrutura repressiva do Re-

gime Militar, em especial o período entre 1968 e 1974. Foi efetuado um levantamento

referente à construção da Doutrina de Segurança Nacional e seu vínculo com os acon-

tecimentos de 31 de março e 1º de abril de 1964, por ocasião da deposição do então Pre-

sidente da República, João Belchior Marques Goulart (popularmente conhecido como

Jango). Acompanhou-se o desenvolvimento da Doutrina durante os Atos Institucionais

até a deflagração dos eventos de 13 de dezembro de 1968, com a instauração do AI-5. A

partir desse momento analisa-se a historicidade dos grupos de oposição ao Regime pe-

los rumos que escolheram como forma de protesto ao endurecimento do Estado de Ex-

ceção: luta armada, as ―expropriações‖ de capital (assaltos a banco e a carros-

pagadores) e a formação dos principais grupos clandestinos de esquerda. Apurou-se a

contra reação das Forças Armadas através da legalização da tortura como método ―efi-

ciente‖ de levantamento de informações. Reconstruiu-se o processo prisional do oposi-

tor e do então considerado subversivo, desde a voz de prisão até aos acontecimentos das

câmaras de tortura. Após a tentativa de compreensão do contexto histórico do período, é

proposta uma reflexão sobre a eficiência, a ética e a legalidade do uso da tortura em

situações consideradas emergenciais para a segurança nacional. Após a análise crítica, é

avaliada a memória social resultante do período conturbado verificada na comunidade

que não conheceu o período repressivo: a geração do século XXI.

Palavras-Chave: ditadura, tortura, repressão, golpe militar, socialismo, totalita-

rismo.

Page 7: TCC 2ª Edicao corrigida

7

ABSTRACT

This monograph aims to bring about an analysis of memory development that

was built on the generations of today regarding the structure of the repressive military

regime, especially the period between 1968 and 1974. We performed a survey on the

construction of the National Security Doctrine and its link with the events of March 31

and April 1, 1964, during the deposition of the then President of the Republic, João Be l-

chior Marques Goulart (popularly known as Jango). Was accompanied by the develop-

ment of doctrine during the Institutional Acts until the outbreak of the events of De-

cember 13, 1968, with the introduction of the AI-5. Thereafter it explores the historicity

of the groups opposed to the scheme by paths they have chosen as a protest to the har-

dening of the State of Exception: armed struggle, the "expropriation" of capital (bank

robberies and car-payers) and the formation the main left-wing underground groups. It

was found that the reaction against the Armed Forces through the legalization of torture

as a method "efficient" information gathering. Rebuilt the process of prison opponent

and then considered subversive, since the arrest until the events of torture chambers.

After the attempt to understand the historical context of the period, it proposes a reflec-

tion on the efficiency, ethics and legality of the use of torture in emergency situations

considered for national security. After the review, is valued social memory resulting

from the troubled period found in the community who did not know the period of re-

pression: the generation of the XXI century.

Keywords: dictatorship, torture, repression, military coup, socialism, totalitarianism.

Page 8: TCC 2ª Edicao corrigida

8

SUMÁRIO

Conteúdo

INTRODUÇÃO ........................................................................................................10

A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL .............................. 13

JOÃO GOULART E O CONTEXTO DE 31 DE MARÇO DE 1964 .............................. 16

O GRANDE COMÍCIO NA CENTRAL DO BRASIL, RJ........................................... 19

A REVOLTA DOS MARINHEIROS ....................................................................... 21

O DISCURSO AOS SARGENTOS NO AUTOMÓVEL CLUBE, RJ ............................ 22

O GOLPE .......................................................................................................... 23

CAPÍTULO 2 — O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS

OPOSITORES DO REGIME MILITAR ....................................................................................26

OS ATOS INSTITUCIONAIS ................................................................................ 26

O DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968 E A LUTA ARMADA ..................................... 28

IMPLICAÇÕES DO AI-5...................................................................................... 28

A ORGANIZAÇÃO DA LUTA ARMADA............................................................... 31

ALN (AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL) .......................................................... 37

COLINA (COMANDO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL) ......................................... 37

MR-8 (MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO) ................................. 38

VPR (VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA) ........................................... 39

CAPÍTULO 3: A ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ DAS FORÇAS ARMADAS ...............42

A TORTURA COMO ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ ............................................... 42

TECNOLOGIA DO TERROR................................................................................. 43

A PRISÃO: ..................................................................................................... 43

A CHEGADA NO CENTRO DE INFORMAÇÕES: .................................................. 45

AS SEVÍCIAS: ................................................................................................. 48

Page 9: TCC 2ª Edicao corrigida

9

CONTRADIÇÕES E QUESTIONAMENTOS ............................................................ 50

CAPÍTULO 4 — MEMÓRIA SOCIAL DA REPRESSÃO ............................................52

REFLEXÃO........................................................................................................ 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................56

Page 10: TCC 2ª Edicao corrigida

10

INTRODUÇÃO

No período de pré-estruturação deste trabalho acadêmico fui grandemente im-

pressionado pelo impacto que a tomada de poder e a instauração do Estado de Exceção

causaram à sociedade brasileira como um todo. Através do estímulo do próprio curso de

licenciatura, emulando o aluno à busca do saber, estive em contato com literatura espe-

cífica do período, e assisti a dramatizações cinematográficas que retratavam essa fase de

nossa história nacional, de forma casual e quase que como acidental. Ao perceber me-

lhor a dimensão dos eventos desencadeados pela tomada de poder entre 1964 e 1985, fui

levado a refletir com muita intensidade a respeito de algumas questões fundamentais

levantadas sobre os efeitos da coerção em longo prazo deixados como legado à socieda-

de brasileira.

Para que tenhamos condições de compreender a estrutura e a proposta deste tra-

balho, precisamos partir da premissa que jamais teremos condições de entender satisfa-

toriamente um evento ou um agrupamento de eventos enquanto não dedicarmos algum

esforço para visualizar a cadeia de circunstâncias que possibilitou a montagem do arca-

bouço estrutural do período em questão.

CAPÍTULO 1: O CONTEXTO HISTÓRICO QUE LEVOU AOS EVENTOS DOS DIAS

31 DE MARÇO E 1º DE ABRIL DE 1964

Sem uma abordagem concernente à construção da Doutrina de Segurança Na-

cional, a compreensão a respeito do próprio tema deste trabalho, ou do período proposto

para esta análise ficaria seriamente comprometida. A Doutrina de Segurança Nacional

está imbricada, sobreposta à gênese do próprio golpe de 1964. Certamente a tomada de

poder pelos militares nada mais foi do que a revelação, a prática e execução de uma

estrutura preposta aos eventos daquele ano. Qual foi o motivo central que levou as For-

ças Armadas Brasileiras a articular uma manobra de tal envergadura? De excertos da

Escola Superior de Guerra e de seu maior teórico, o General Golbery do Couto e Silva

espera-se solver as duas questões acima levantadas.

Serão investigados alguns aspectos do governo de João Goulart, que auxiliarão a

esclarecer vários quesitos da preparação do momento histórico do golpe. As considera-

ções se iniciam com a renúncia de Janio Quadros, em agosto de 1961, fato que desenca-

deou uma reação de circunstâncias até a efetivação do ex-vice-presidente no cargo ofi-

Page 11: TCC 2ª Edicao corrigida

11

cial à frente de seu país. Em sua proposta de governo, lançada em meados de 1963,

Jango oferece um pacote de medidas chamado Plano Trienal, cujo conteúdo causou

muita polêmica, desestabilizando seu governo. Eram as chamadas Reformas de Base, as

quais, ao serem lançadas marcaram o princípio da cadeia de eventos fundamentais que

evoluíram para o golpe militar. A análise desses eventos está na proposta deste trabalho,

e serão elencados de acordo com sua ordem temporal. No encerramento do capítulo, o

golpe em si é analisado num aspecto mais descritivo, em ordem cronológica, com fins

elucidativos. São colhidas algumas opiniões de civis de certa projeção social, testemu-

nhas do evento, declarando seus sentimentos, opiniões e análises pessoais sobre o dia 1º

de abril de 1964.

CAPÍTULO 2: O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS

OPOSITORES DO REGIME MILITAR

Será feita uma abordagem crítica com respeito ao papel dos atos institucionais,

promulgados pelo Estado de Exceção. Qual o motivo que pode elucidar a existência

desses decretos? Onde está a origem desses decretos? Que papel cumpriram no alvore-

cer da epopeia militar no Brasil? De todos os atos, o quinto, conhecido como AI-5 teve

um impacto surdo sobre os opositores do Regime Militar. Quais foram suas consequên-

cias? Como foram afetados os grupos de oposição? Que tem a tortura que ver com a

promulgação desse Ato?

CAPÍTULO 3: A ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ DAS FORÇAS ARMADAS

Um dos aspectos mais marcantes do período militar foi o emprego da tortura

como meio rápido e seguro de se obter informações preciosas. Uma análise detida sobre

a jornada do opositor que era pego no exercício de sua clandestinidade se mostra assaz

importante para a construção de uma visão mais abrangente do cotidiano do suspeito de

subversão, do oficial das forças armadas no exercício de sua autoridade e da subjetivi-

dade que envolvia a ambos. Será detalhada a cadeia de eventos que compunha a prisão e

detenção do suspeito de ato subversivo e o que ocorria com sua integridade física ao

estar sob o poder e tutela do Estado. A estrutura do capítulo conta com testemunhos

pessoais de sobreviventes de episódios nos quais seus direitos humanos básicos foram

gravemente desrespeitados.

CAPÍTULO 4: MEMÓRIA SOCIAL DA REPRESSÃO

Page 12: TCC 2ª Edicao corrigida

12

A Ditadura Militar foi oficialmente desfeita em 1985. De então para cá quais fo-

ram as contribuições sociais que nos foram entregues pelo Regime? As contribuições da

Dra. Soraia Ansara (PUC-SP) foram imprescindíveis para as reflexões acima bem como

para a conclusão do capítulo em questão. O governo militar nos legou a influência de

um regime ditatorial e repressivo, marcas negativas de um período cerceador e amorda-

çante. Na visão de ANSARA, recebemos da mesma forma, um excelente legado dos

militares: o aprendizado da prática de resistência dos movimentos sociais.

Page 13: TCC 2ª Edicao corrigida

13

CAPÍTULO 1 — O CONTEXTO HISTÓRICO QUE LEVOU AOS EVENTOS DOS

DIAS 31 DE MARÇO E 1º DE ABRIL DE 1964

Neste capítulo iremos refletir sobre o contexto que levou à construção da Dou-

trina de Segurança Nacional. Analisaremos alguns aspectos da fase preparatória do

golpe de Estado, observando detalhes importantes do governo de João Goulart e os e-

ventos de 31 de março e 1º de abril de 1964.

A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL

Um dos principais motivos que preparou o contexto histórico necessário para a

ocorrência do Golpe Militar de 31 de março e 1º de abril de 1964 foi o grau de impor-

tância que a Doutrina de Segurança Nacional teve para os altos escalões das Forças

Armadas nos anos que antecederam à tomada de poder.

Nos discursos militares, já em 1930, a expressão segurança nacional era presen-

te nas falas do General Góes Monteiro. De acordo com seu raciocínio o Estado deveria

―estabelecer, em bases sólidas, a segurança nacional”. Na realidade, a conceituação

mais atualizada do que vem a ser a Segurança Nacional nos moldes militares pós-1964

começa a ser trabalhada após a 2ª Grande Guerra. Porém, na década de 30 do século XX

constata-se uma preocupação dos militares brasileiros em formar uma mentalidade que

considere os interesses da Pátria superiores a qualquer coisa.1

Margaret Crahan identificou as origens da ideologia de segurança nacional na América La-

tina já no século 19, no Brasil, e no início do século 20, na Argentina e no Chile. [...] Com

o advento da guerra fria, elementos da teoria da guerra total e do confronto inevitável das

duas superpotências incorporaram-se à ideologia da segurança nacional na América Lat ina.

A forma específica por ela assumida na região enfatizava a ‗segurança interna‘, face à ame-

aça de ‗ação indireta‘ do comunismo. Desse modo, enquanto os teóricos americanos da s e-

gurança nacional privileg iavam o conceito de guerra total e a estratégia nuclear, [...] os lat i-

no-americanos preocupados com o crescimento de movimentos sociais da classe trabalha-

dora, enfatizaram a ameaça da subversão interna e da guerra revolucionária.2

1 FERREIRA, DELGADO, Jorge Luis e Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano, vol .

4. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2ª ed ição. Rio de

Janeiro: Civ ilização Brasileira, 2007. Pg. 20.

2 ALVES, Maria H. Moreira. Es tado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,

2005, pg. 39, 40.

Page 14: TCC 2ª Edicao corrigida

14

Nas décadas anteriores ao Golpe, houve uma aproximação entre o Brasil e os Es-

tados Unidos, devido à 2ª Grande Guerra (1939-1945), onde os brasileiros lutaram sob o

comando dos norte-americanos. Ficou preparado o contexto para a formação de uma

parceria operacional que progrediu nos anos subsequentes, gerando unidade de doutrina,

treinamento de contingentes e íntima ligação ideológica.3

A Doutrina de Segurança Nacional foi formulada a partir de uma teoria de defi-

nição dos mais variados tipos de guerra: A Guerra Total é definida a partir da compre-

ensão do alto poder destrutivo das armas atômicas e da impossibilidade dos norte-

americanos e soviéticos travarem ativamente uma guerra, pela provável destruição

completa das duas nações. Em face do iminente risco, ambos os blocos medem suas

capacidades de conquistar e controlar determinados territórios e áreas. Nesse caso entra

em cena o jogo de ameaças mútuas conhecido como Guerra Fria. A Guerra Clássica

ou Tradicional é uma guerra de agressão externa deflagrada entre Estados nacionais,

baseada na resposta de uma das partes a um ataque externo. É uma guerra de ataque e

defesa, onde há um inimigo comum externo e a necessidade de união interna da popula-

ção para combater o inimigo identificado. A Guerra Revolucionária é de agressão indi-

reta, havendo a possibilidade de conflito armado no interior de um país entre parcelas

de sua própria população.4

De acordo com o Manual Básico da Escola Superior de Guerra Brasileira, a

maior preocupação na América Latina precisa ser focada no risco da Guerra Revolucio-

nária5. ―A União Soviética, de acordo com esta visão, considera a guerra revolucionária

3 Direito à Verdade e à Memória: Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília:

Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Pg. 20.

4 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,

2005. Pags. 44, 45.

5 Guerra Revolucionária: conflito, normalmente interno, estimulado ou auxiliado do exterior,

inspirado geralmente em uma ideologia, e que visa à conquista do poder pelo controle progressivo da

nação. ALVES, Maria Helena Moreira. Es tado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,

2005. Pag. 44 – cf. chamada de nota, citação do Manual Básico da ESG, sessão I, ―Guerra Contemporâ-

nea‖, p. 65-82.

Page 15: TCC 2ª Edicao corrigida

15

a maneira mais eficaz de levar a efeito seu próprio destino imperial, que depende do

controle dos países do Terceiro Mundo‖.6

Para que um Estado possa implantar um aparato de defesa de tal envergadura

como o que é exposto no Manual Básico da ESG, torna-se indispensável um progressi-

vo desenvolvimento econômico. Esse desenvolvimento é previsto na ideologia de segu-

rança nacional de acordo com a visão do General Golbery. Conforme seu ponto de vista,

a maior parte da riqueza mineral do país está na região centro-oeste e norte. Deve haver

uma política de povoamento, servindo como ―tampão‖ a essas vias extremas do país,

dificultando a penetração estrangeira pelos locais mais longínquos da nação. Deve haver

uma preocupação mais intensa com o desenvolvimento econômico dessas áreas, para

que outros grupos migrantes possam ser atraídos para elas. O objetivo principal do de-

senvolvimento econômico das áreas periféricas não é elevar o nível de vida da popula-

ção, e sim aumentar aos olhos da geopolítica internacional a capacidade de atrair capital

e interesses da iniciativa privada estrangeira em commodities.7

6 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,

2005. Pg. 46.

7 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,

2005. Pg. 58,59.

Commodity: Economia: Produto primário de grande participação no comércio internacional,

como café, algodão, minério de ferro, etc. (Novo Dicionário Aurélio, Ed. 2005, cd-rom)

Page 16: TCC 2ª Edicao corrigida

16

JOÃO GOULART E O CONTEXTO DE 31 DE MARÇO DE 1964

O período compreendido entre sete de setembro de 1961 e trinta e um de março

de 1964 foi o do exercício da presidência da República do Brasil pelo Presidente João

Belchior Marques Goulart, conhecido desde a infância pelo apelido de Jango. Nas elei-

ções de 1960 fora eleito vice-presidente ao lado de Janio Quadros. Em 25 de agosto de

1961,

Enquanto João Goulart realizava uma missão diplomática na República Popular da

China, Janio Quadros renunciou ao cargo de Presidente. [...] A renúncia de Jân io

criou uma grave situação de instabilidade polít ica. Jango estava na China e a Cons-

tituição era clara: o vice-presidente deveria assumir o governo. Porém, os min is-

tros militares se opuseram à sua posse, pois viam nele uma ameaça ao país, por

seus vínculos com polít icos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido

Socialista Brasileiro (PSB). Apesar disso, não havia unanimidade nas altas esferas

militares sobre o veto a Jango.8

Jango retornou da China e dirigiu-se a Montevidéu, capital do Uruguai, para a-

guardar o impasse entre os parlamentares do Congresso Nacional (que apoiavam a posse

do vice-presidente) e os ministros militares (que se opunham à posse). A irredutibilida-

de dos militares levou o congresso a entregar uma proposta conciliatória: a adoção do

Regime Parlamentarista, onde a maior parte da voz de comando ficaria com a figura do

Primeiro Ministro (na época, Tancredo Neves, do PSD de Minas Gerais, ministro do

governo Vargas).

A instabilidade política gerada pela renúncia de Jânio Quadros e a posse de Jan-

go perdurou nos anos seguintes devido ao lançamento do projeto do Plano Trienal, um

conjunto de medidas que deveria sanar os problemas estruturais do país. Entre as metas

pretendidas pelo plano, a área econômica foi privilegiada com base na meta de controle

da inflação e de melhoria de captação de recursos externos a serem empregados no pró-

prio país, ou seja, a remessa de lucros das multinacionais seria severamente controlada,

para que a maior parte dos proventos fosse usada aqui. O plano trienal previa a continu-

idade e o melhoramento da política desenvolvimentista9, que já vinha sendo praticada no

8 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Goulart, acessado em 20/05/2010.

9 Dá-se o nome de desenvolvimentismo a qualquer tipo de política econômica baseada na meta

de crescimento da produção industrial e da in fra-estrutura, com part icipação ativa do estado, como base

Page 17: TCC 2ª Edicao corrigida

17

país desde o governo JK (Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, de 1956 a 1961).

Dentro das metas do plano trienal, a maior captação de recursos tinha o objetivo de pro-

ver meios para implantar outro aspecto do plano: as Reformas de Base, medidas de ca-

ráter nacionalista que previam uma maior interferência do governo na economia e na

área social. Entre as metas das reformas estava previsto:

O direcionamento de 15% da renda produzida no Brasil para a educação. As es-

colas particulares deveriam ser fechadas;

Reforma educacional: visava combater o analfabetismo com a multiplicação na-

cional das pioneiras experiências do Método Paulo Freire10. O governo também

da economia e o conseqüente aumento do consumo. O desenvolvimentismo é uma polít ica de resultados,

e foi aplicado essencialmente em sistemas econômicos capitalistas, como no Brasil (governo JK) e no

governo militar, quando ocorreu o "milagre econômico brasileiro", bem como na Espanha (franquismo).

Fonte: http://www.brasilescola.com/historiab/juscelino-kubitschek.htm. Acessado em 10/06/2010.

10 O Método Paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos desenvolvida

pelo educador Paulo Freire, que criticava o sistema tradicional, o qual utilizava a cartilha como ferramen-

ta central da didática para o ensino da leitura e da escrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repet i-

ção de palavras soltas ou de frases criadas de forma forçosa, que comumente se denomina como lingu a-

gem de cartilha, por exemplo Eva viu a uva, o boi baba, a ave voa, dentre outros. Etapas do método:

1. Etapa de Investigação: busca conjunta entre professor e aluno das palavras e

temas mais significat ivos da vida do aluno, dentro de seu universo vocabular e da comunidade

onde ele vive.

2. Etapa de Tematização: momento da tomada de consciência do mundo, atra-

vés da análise dos significados sociais dos temas e palavras.

3. Etapa de Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno

a superar a visão mágica e acrítica do mundo, para uma postura conscientizada.

Freire aplicou publicamente seu método, pela primeira vez no Centro de Cultura Dona Olegari-

nha, um Círculo de Cultura do Movimento de Cultura Popular (Recife). Foi aplicado inicialmente com 5

alunos, dos quais três aprenderam a ler e escrever em 30 horas, outros 2 desistiram antes de concluir.

Baseado na experiência de Angicos (Rio Grande do Norte, Cidade da região Central Potiguar, distante

171 km de Natal), onde em 45 d ias alfabetizaram-se 300 trabalhadores, João Goulart, presidente na época,

chamou Paulo Freire para organizar uma Campanha Nacional de Alfabetização. Essa campanha tinha

como objet ivo alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20.000 círculos de cultura, e já contava com a partic i-

pação da comunidade - só no estado da Guanabara (Rio de Janeiro) se inscreveram 6.000 pessoas. Mas

com o Golpe de 64 toda essa mobilização social foi reprimida, Paulo Freire foi considerado subversivo,

Page 18: TCC 2ª Edicao corrigida

18

se propunha a realizar uma reforma universitária e proibiu o funcionamento de

escolas particulares. Foi imposto que 15% da renda produzida no Brasil seria d i-

recionada à educação.

O imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal;

Reforma agrária: terras com mais de 600 hectares seriam desapropriadas e redis-

tribuídas à população pelo governo. Neste momento, a população agrária era

maior do que a urbana.

Reforma urbana: foi estipulado que as pessoas que tivessem mais de uma casa

poderiam ficar com apenas uma; as demais seriam doadas ao Estado ou vendidas

a preço baixo.11

A proposta das Reformas de Base causou forte impacto na estrutura política do

Brasil, principalmente no Congresso, que não anuiu ao Plano Trienal. As Reformas de

Base eram uma antiga exigência do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ao aderir a

essa solicitação num momento delicado de nossa história, onde o país se tornava cada

vez mais polarizado entre a direita e a esquerda, Jango acabou desagradando os dois

lados.

O então presidente Goulart recebia críticas, tanto da direita que o chamava de

―inimigo do capitalismo‖ ou ―fomentador da luta de classes‖, quanto da esquerda que

ansiava por reformas mais profundas. Em depoimento, Aldo Arantes, ex-presidente da

UNE no período, afirma que a burguesia e as elites ―não engoliam nem as limitadas

reformas de base de Jango‖.12

Além dos obstáculos de cunho ideológico, o mandato de Jango sofreu forte re-

presália e embargo da ala militar que idealizou a Doutrina de Segurança Nacional, co-

meçando por influenciar o Congresso até a articulação do golpe de estado que derrubou

o presidente.

foi preso e depois exilado. Assim, esse projeto foi abortado. Em seu lugar surgiu o MOBRAL, uma inicia-

tiva para a alfabetização, porém, distinta dos ideais freirianos. Fonte:

http://www.brasilescola.com/metodo_paulo_freire_explicacao_htm

11 http://supermundo.abril.com.br/busca/?qu=jo%E3o%20goulart%20reformas%20de%20base ,

acessado em 20/05/2010.

12 Pedro Henrique Torres, em www.historiagora.com/dmdocuments/Jango_Historia_Agora.pdf

Page 19: TCC 2ª Edicao corrigida

19

É nesse contexto que acontecem três episódios que desencadearam o golpe, no re-

lato posterior dos conspiradores: o comício na Central do Brasil, no Rio, a rebeli-

ão dos marinheiros e a reunião dos sargentos no Automóvel Clube – os dois últi-

mos vistos como claro estímulo à vio lação da hierarquia, base da vida nos quartéis.

Para Gláucio Soares (PhD em sociologia, atual colunista do jornal O Globo), fo-

ram fatos que levaram os que estavam compromet idos com o golpe à ação e est i-

mularam os indecisos ou neutros a apoiar os golpistas, mesmo sem part icipar.13

O GRANDE COMÍCIO NA CENTRAL DO BRASIL, RJ

Concentração realizada no Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1964, em frente

à estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o Comício das Reformas,

também conhecido por Comício da Central, reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo

membros de entidades sindicais e outras organizações de trabalhadores, servidores p ú-

blicos civis e militares, estudantes etc. Tinha por meta demonstrar a decisão do governo

federal de implantar as reformas de base e defender as liberdades democráticas e sind i-

cais. Às 15 horas do dia 13 de março, uma sexta-feira, começaram a chegar à Central do

Brasil militantes sindicais, estudantes e delegações de mulheres. Quinze oradores prece-

deram o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador

do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a

"abandonar a política de conciliação" e instalar "uma Assembléia Constituinte com vis-

tas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos,

oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares".

Goulart iniciou seu discurso às 20 horas, tendo falado por mais de uma hora. Ini-

cialmente atacou os chamados "democratas", cuja "democracia do anti-povo, da anti-

reforma e do anti-sindicato" seria a "a democracia dos monopólios nacionais e interna-

cionais". Mais adiante, mencionou a necessidade da revisão da Constituição de 1946,

"porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada" e da ampliação da demo-

cracia, "colocando fim aos privilégios de uma minoria". Referindo-se ao decreto da Su-

perintendência da Reforma Agrária (Supra), que havia assinado no palácio das Laranje i-

ras14, frisou que o texto ainda não era a reforma agrária, pois "reforma agrária feita com

13

http://historia.abril.com.br/polit ica/golpe-1964-anos-conspiracao-434185.shtml. Artigo escrito

por Carla Aranha, jornalista paulista (parêntesis acrescentados com informações sobre Gláucio Soares)

14 DECRETO Nº 53.700, DE 13 DE MARÇO DE 1964.

Page 20: TCC 2ª Edicao corrigida

20

pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrá-

ria", mas sim "negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário".

Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de encam-

pação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacio-

nal. Informou também que iria enviar ao Congresso mensagem tratando da reforma elei-

toral, baseada no princípio de que "todo alistável deve ser também elegível", e da re-

forma universitária "reclamada pelos estudantes". Denunciou por fim a existência de

"forças poderosas (...) que ainda permaneciam insensíveis à realidade nacional" e que

poderiam vir a ser responsáveis pelo derramamento de sangue, "ao pretenderem levantar

obstáculos à (...) emancipação". No dia seguinte, Jango assinou o decreto tabelando o

preço de aluguéis e imóveis em todo o território nacional e desapropriando imóveis de-

socupados por utilidade social.

As repercussões do comício foram imediatas e sentidas em todo o país. Manifes-

tações antigovernamentais ocorreram em São Paulo e Belo Horizonte, enquanto a União

Democrática Nacional (UDN) e parte do Partido Social Democrático (PSD) e outros

partidos reclamavam o impedimento de Goulart. Carlos Lacerda, governador da Guana-

Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodo-

viários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimen-

tos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexp loradas ou explo-

radas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o artigo 87, item I,

da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962 e no

Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, com as alterações incorporadas ao seu texto,

DECRETA:

Art. 1º Ficam declaradas de interêsse social par efeito de desapropriação, nos têrmos e para os

fins previstos no art. 147 da Constituição Federal e na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, as áreas

rurais compreendidas em um raio de 10 (dez) quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias federais, e as

terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, dren a-

gem e açudagem. Fonte: http://homemculto.wordpress.com/2010/04/15/mst-jango-joao-goulart-reforma-

agraria-e-o-infame-decreto-da-supra-decreto-n%C2%BA-53-700-de-13-de-marco-de-1964/.

Page 21: TCC 2ª Edicao corrigida

21

bara, considerou o comício "um ataque à Constituição e à honra do povo" e o discurso

do presidente "subversivo e provocativo". 15

A REVOLTA DOS MARINHEIROS

Nome com que ficou conhecido o episódio originado pela resistência dos mar i-

nheiros, reunidos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro no dia 25 de

março de 1964, à ordem de prisão emitida pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota. Os

marinheiros realizavam uma reunião comemorativa do segundo aniversár io da Associa-

ção dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade considerada ilegal.

Dois mil marinheiros e fuzileiros navais liderados por José Anselmo dos Santos,

o "cabo" Anselmo, compareceram à sede do sindicato naquele dia, a despeito da proib i-

ção do ministro. O ato contou com a presença de representantes dos sindicalistas e líde-

res estudantis, e além do deputado Leonel Brizola e do marinheiro João Cândido, líder

da Revolta dos Marinheiros de 1910. Na abertura da solenidade, o cabo Anselmo afir-

mou a disposição da associação de lutar a favor das "reformas de base, que libertarão

da miséria os explorados do campo e da cidade, dos navios e dos quartéis" . O ministro

Sílvio Mota emitiu ordem de prisão contra os principais organizadores do evento e e n-

viou um destacamento de fuzileiros navais ao local da reunião. Apoiados pelo seu co-

mandante, o contra-almirante Cândido Aragão, os fuzileiros, em lugar de prender os

marinheiros, aderiram aos revoltosos, permanecendo na sede do Sindicato dos Metalúr-

gicos.

A adesão dos fuzileiros evidenciou a polarização existente no interior das forças

armadas em torno do apoio ao presidente Goulart. A posição de Aragão, aliada à ordem

emitida em seguida por Goulart proibindo as tropas de invadir o Sindicato dos Metalúr-

gicos, provocou o pedido de demissão de Sílvio Mota, imediatamente substituído pelo

almirante Paulo Mário Rodrigues. No dia 26 de março, o ministro do Trabalho Amauri

Silva conseguiu um acordo com os marinheiros, que abandonaram o prédio do sindicato

e foram em seguida presos e conduzidos a um quartel, em São Cristóvão. Horas depois,

15

http://historia.abril.com.br/politica/golpe-militar-primeiro-abril-433594.shtml. Acessado em

20/05/2010 - paráfrase do artigo ―Antecedentes do Golpe‖, pelo jornalista Sérg io Gwercman.

Page 22: TCC 2ª Edicao corrigida

22

contudo, foram anistiados por Goulart. Essa anistia foi muito criticada pela alta oficiali-

dade, agravando ainda mais a crise na área militar. 16

O DISCURSO AOS SARGENTOS NO AUTOMÓVEL CLUBE, RJ

Às vésperas do golpe, no dia 30 de março de 1964, o presidente comparece ao

grupo rebelado de suboficiais e sargentos reunido no Automóvel Clube do Rio de Jane i-

ro. Durante o governo de Goulart (1961-1964), soldados, marinheiros e sargentos inicia-

ram uma luta para conseguir representação parlamentar, que lhes era proibida pela

Constituição de 1946. Líder do Comando Nacional dos Sargentos, Antônio Garcia Filho

foi escolhido pela categoria para concorrer a um mandato de deputado federal pela

Guanabara, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro, em outubro de 1962. Único

sargento eleito e empossado participou da luta de seus colegas de farda para garantirem

os mandatos dos demais sargentos eleitos e que tinham sido cassados pelos tribunais

regionais eleitorais. Em setembro de 1963, quando o Supremo Tribunal Federal votou

contra a elegibilidade dos sargentos, foi deflagrada a Revolta dos Sargentos de Brasília,

que atingiu a Marinha e a Aeronáutica, mas que acabou sem maiores proporções pela

não-adesão de efetivos do Exército.

Sem dúvida, o problema específico que fez grassar a insurreição entre os milita-

res de baixa patente foi a restrição política imposta pelos altos escalões do exército aos

suboficiais – a restrição ao direito de elegibilidade. A presença do presidente num even-

to como esse referendava a postura dos revoltosos. Sem economizar no tom do discurso,

Jango foi direto e falou sobre a possibilidade de um golpe. ―Não admitirei o golpe dos

reacionários. O golpe que nós desejamos é o golpe das reformas de base, tão necessárias

ao nosso país. Não queremos o Congresso fechado. Queremos apenas que os congres-

sistas sejam sensíveis às mínimas reivindicações populares‖, disse. 17

Na sequencia de sua palestra, o presidente disse que

16

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/A_revolta_dos_

marinheiros. Artigo escrito por Sérgio Lamarão (Doutor em História do Brasil pela Universidade Federal

Fluminense).

17 Discurso de João Goulart Durante Reunião de Sargentos no Automóvel Clube em 30 de Ma r-

ço de 1964 (em sua íntegra online em: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/42.pdf).

Page 23: TCC 2ª Edicao corrigida

23

―o momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e

de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que gru-

pos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos inte-

resses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas. Para compreender

o esquema de atuação desses grupos que tentam impedir o progresso do país e bar-

rar a ampliação das conquistas populares, basta observar que são comandados pe-

los eternos inimigos da democracia, pelos defensores dos golpes de estado e dos

regimes de emergência ou de exceção”.18

O GOLPE

Na manhã de 31 de março de 1964, o país acordou sem imaginar que estavam às

vésperas do início do golpe militar que empossaria os militares no governo pelo período

de 21 anos de comando ilegal e ilegítimo.

O presidente João Goulart atendeu ao telefone. Era manhã de 31 de março e ele es-

tava no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Do outro lado da linha, falava o

senador Arthur Virgílio. ―Presidente, o Almino (Affonso, líder do PTB, o partido

do presidente) está dizendo que há movimentação de tropas.‖ Goulart consultou

seu chefe do Gabinete Militar, general Assis Brasil. ―O Mourão deslocou as tropas

em exercício militar‖, respondeu o general. O presidente então voltou ao telefone.

―Isso é coisa da oposição que quer tumultuar‖, disse. Satisfeitos com a resposta,

Virgílio e Affonso tomaram um uísque para comemorar. Ao longo do dia, as not í-

cias só fariam colocar água na bebida dos dois políticos. Começava a ficar claro

que Mourão (o general Olympio Mourão Filho) não estava liderando simples jogos

militares. Suas tropas marchavam para o Rio de Janeiro com o objetivo de derru-

bar o governo. Nas bancas da cidade – que apesar de não ser mais a capital, conti-

nuava sendo o termômetro das ações políticas do país e sede de seu comando mil i-

tar –, o jornal Correio da Manhã dava destaque em sua primeira página para um

editorial intitulado ―Basta!‖ – nenhum brasileiro precisava de mais informações

para saber que o destinatário da mensagem era o presidente. Entre os autores do

texto, os jornalistas Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux. O poder de João

Goulart estava por um fio. Pouco antes do meio-dia, Goulart recebeu, por telefone,

o pedido de demissão do ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro. Era mais um que

aderia aos golpistas. Jango deixou o Rio de Janeiro e voou para Brasília. ―Isso aqui

está uma ratoeira‖, afirmou para um assessor. Estava mesmo. Logo após o pres i-

dente Goulart deixar a cidade, o I Exército, que agrupava todas as tropas do Rio de

Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, aderiu ao levante. A essa altura, as tropas

rebeladas provavelmente já eram mais numerosas e estavam em melhor situação

de combate do que as legalistas. Para isso, elas nem sequer precisaram part icipar

de uma troca de tiros. Mourão e Luiz Carlos Guedes, os dois militares que inicia-

ram o golpe, já não comandavam mais o movimento. Escondido num apartamento

em Copacabana, o novo líder, marechal Castello Branco, ―confiscou‖ a linha do

vizinho e fez do telefone sua arma de combate. Ganhava praticamente uma nova

adesão para cada chamada. Perto das 18 horas, deixou a clandestinidade e come-

çou a circular livremente pelo Rio de Janeiro. A cidade estava dominada. Às 20

horas, ele e o general Arthur da Costa e Silva encontraram-se no quartel-general

para discutir a divisão do butim de guerra, ou seja, quem comandaria o país dali

para frente. Castello ficaria com a p residência. Costa e Silva, um até então desco-

nhecido, seria o comandante do Exército. Cargo que, dali para frente, seria cada

vez mais relevante. Na capital federal, Jango não encontrou nada que o fizesse a-

18

Idem.

Page 24: TCC 2ª Edicao corrigida

24

creditar que poderia continuar no cargo. Com o clima de fim de governo, embar-

cou para o Rio Grande do Sul perto das 23 horas. A v iagem serviu para o Congres-

so Nacional considerá-lo deposto, mesmo que isso significasse passar por cima da

Constituição, que declarava vago o cargo apenas quando o presidente deixasse o

país. Ranieri Mazzilli, presidente do Congresso e sucessor legal de Jango, foi ime-

diatamente empossado no Palácio do Planalto. A cerimônia começou enquanto

Darcy Ribeiro ainda estava em seu gabinete e no momento em que o avião que le-

vou Goulart pousava em Porto Alegre. Era inconstitucional, portanto. Mas isso não

representou problema algum. Os tanques que guardavam o palácio presidencial pe-

la manhã haviam deixado o local, atravessado o centro do Rio e estacionado à

frente do Palácio Guanabara, dispostos a proteger o governador Carlos Lacerda, i-

nimigo político de Jango e conspirador de primeira hora. Lacerda, ao comentar o

desfecho do golpe, declarou entre lágrimas na televisão: ―Obrigado, meu Deus,

muito obrigado‖. O Brasil estava sob nova direção.19

Trinta e um de março entrou para a História como o dia de oportunidades para os

militares, pois se tornou realidade aquilo que já vinha sendo preparado e arquitetado,

conforme reflexões já feitas anteriormente neste trabalho. O dia 1º de abril abre novos

horizontes para a nação. Mas que tipo de horizontes? Horizontes truculentos, tanto para

as liberdades individuais, quanto para instituições importantes, como a UNE (União

Nacional dos Estudantes), o próprio PCB (Partido Comunista Brasileiro) e outras.

Alguns deixaram seu testemunho pessoal a respeito dos acontecimentos impo r-

tantes do dia 1º de abril, quando o ―golpe‖ foi efetivado.

Fernando Gabeira, hoje deputado federal:

A minha primeira reação foi de resistência. Saí imediatamente do Jornal do Brasil,

onde trabalhava, e fui para a Cinelândia, no Rio, onde se organizava um protesto

contra o golpe. Eu tinha claro que aquilo era um golpe da direita e que a ditadura

duraria anos se não lutássemos contra ela. Na Cinelândia, houve um choque com

tropas militares, que atiraram em nós, e resolvi voltar para a zona sul, onde mora-

va. Aí me deparei com a Marcha da Vitória, uma passeata das pessoas que defen-

diam a ditadura. Comecei a me preocupar com um amigo que morava na mesma

república que eu e havia ido até os fuzileiros navais para pegar as armas promet i-

das pelo almirante Cândido Aragão, contrário ao golpe. Não tinha arma nenhuma.

Por sorte, esse amigo nunca foi preso.20

Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo:

19

http://historia.abril.com.br/politica/golpe-militar-primeiro-abril-433594.shtml. Art igo escrito

por Sérgio Gwercman, Redator-chefe da revista Superinteressante, está na Editora Abril desde 2003. É

formado em jo rnalismo pela PUC-SP e tem passagens pelas redações da TV Bandeirantes e do Portal

Terra. Lançou a revista Ocas no Brasil.

20 Idem.

Page 25: TCC 2ª Edicao corrigida

25

Em 1964, eu lecionava em Petrópolis (RJ). Estava lá no 1º de abril. Acompanhei

as notícias pelo rádio e, no fim da manhã, t ive a impressão de que a situação era

gravíssima e poderia haver uma guerra civ il. Peguei então um jipe e parti para ao

encontro das tropas de Minas. Coloquei a batina para me deixarem passar e che-

guei até um local perto de Juiz de Fora. Ali, os soldados disseram-me que, como

bons mineiros, não pretendiam dar sequer um t iro. Na época, eu e todos da Igreja

pensávamos que Jango trazia a desordem ao país e não queríamos isso. Por isso,

ficamos ao lado da nova ordem que se instaurava no país. Não que quiséss emos

uma d itadura, mas também não queríamos que a desordem continuasse.21

José Dirceu, ministro da Casa Civil:

O que mais me chamou a atenção naquele dia foi ver os estudantes do Mackenzie,

em São Pau lo, em passeata pelo centro da cidade. Eu trabalha num escritório na

Praça da República e era estudante secundarista. Vi de cima do edifício onde tra-

balhavam aqueles representantes da classe alta paulista, filhos de ricos, comemo-

rando a derrubada de um regime constitucional. Naquela época, estava a ponto de

ser eleito presidente da UNE, que se tornou rapidamente o maior símbolo de resis-

tência à ditadura. Na noite de 1º de abril de 1964, quase não dormi. A expectativa

e um terrível mal-estar me incomodaram madrugada afora, não conseguia rela-

xar.22

Christiane Torloni, atriz global:

Eu tinha só sete anos, mas me lembro de tudo que ocorreu no 1º de abril daquele

ano. Meus pais eram artistas, gente politizada, interessada nos rumos do país, en-

tão, política era um tema que se ouvia na minha casa. No dia do golpe, um clima

tétrico, de medo, sofrimento e terror tomou conta do nosso país e das casas das

pessoas que sabiam do que se tratava aquilo. Fo i como se o mundo tivesse acab a-

do. Mesmo criança, senti bem isso. No Rio, os tanques invadiram as ruas, ouviam-

se tiros. Logo depois, os meus pais começaram a se preocupar com os amigos,

gente que podia ser presa a qualquer momento. Foi um dos dias mais impactantes

de toda a minha vida. Em seguida, instaurou-se a censura e assuntos antes corri-

queiros, como se comentar o jornal do dia, v iraram co isa de subvers ivo.23

21

Ibidem.

22 Ibidem.

23 Ibidem.

Page 26: TCC 2ª Edicao corrigida

26

CAPÍTULO 2 — O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS

PARA OS OPOSITORES DO REGIME MILITAR

Neste capítulo refletiremos sobre o contexto histórico que levou à criação dos

Atos Institucionais. Analisaremos as implicações dos Atos Institucionais Nº 1 e 5, e as

conseqüências diretas do Ato Institucional Nº 5 sobre os opositores do regime.

OS ATOS INSTITUCIONAIS

Foram decretos promulgados imediatamente e durante os anos após o Golpe Mi-

litar de 1964 no Brasil. Serviram como mecanismos de legitimação e legalização das

ações políticas dos militares, estabelecendo para eles próprios diversos poderes extra-

constitucionais. Os Atos Institucionais foram mecanismos projetados para criar um

simulacro de legalidade para o regime de exceção dos militares. Sem este mecanismo,

a Constituição de 1946 tornaria inexecutável o regime militar, daí a necessidade de

substituí- la por decretos mandados cumprir.

Todavia, a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento efetivamente pre-

vê que o Estado conquistará certo grau de legitimidade graças a um constante d e-

senvolvimento capitalista e a seu desempenho como defensor da nação contra a

ameaça dos ―inimigos internos‖ e da ―guerra psicológica‖. 24

No dia 9 de abril de 1964 o Ato Institucional N° 1 é assinado, somente oito dias

depois do golpe. O preâmbulo indica a tentativa de constitucionalizar e justificar o mo-

vimento revolucionário:

Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo (...). Para

demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos

manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte rela-

tiva aos poderes do Presidente da República (...). Para reduzir ainda mais os plenos

poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente,

manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes constan-

tes do presente Ato Institucional.25

24

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-

dusc, 2005. Pg. 31.

25 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-

dusc, 2005. Pg. 65.

Page 27: TCC 2ª Edicao corrigida

27

Refletindo sobre a instauração do Estado de Exceção no Brasil, percebemos a

necessidade por parte das Forças Armadas Brasileiras de legitimar o governo em exer-

cício, para que houvesse respaldo ao seu discurso quando pregava a restituição da de-

mocracia no país.

Por meio do AI-1, o regime militar pôde cassar e suspender os direitos políticos

de muitos cidadãos contrários à implantação da ditadura que estava se iniciando. O me-

canismo do AI-1 era simples: eliminava a oposição que porventura poderia a vir enfren-

tar o regime, dando ao Presidente poderes para escolher os congressistas que ficariam na

casa, e estes o elegeriam. Dessa forma, ganhava o regime uma suposta legitimidade de-

mocrática frente à opinião pública internacional, já que existiria uma democracia, onde

o presidente seria eleito por um colégio eleitoral, composto de representantes escolhidos

pelo povo.

O artigo 3º dava ao Presidente da República o poder de introduzir emendas consti-

tucionais, limitando a 30 dias (posteriormente a 40) o prazo para debate no Con-

gresso. (...) O art igo 4º criava a figura legislat iva do decurso de prazo, pelo qual

projetos considerados ―urgentes‖ pelo Executivo seriam automat icamente aprova-

dos se o Congresso não decidisse em contrário em prazo de 30 d ias. (...) O artigo

5º outorgava ao Executivo competência exclusiva em leg islação financeira ou o r-

çamentária. O Artigo 6º transferia do Congresso ao Executivo o poder de decretar

Estado de Sítio, reservando ao primeiro apenas o direito de rejeitar ou aprovar a i-

niciativa em período determinado. (...) O Artigo 7º suspendia por seis meses as ga-

rantias constitucionais e legais de vitaliciedade e estabilidade. Desse modo, o Es-

tado (...) podia demit ir, dispensar, pôr em disponibilidade, aposentar, transferir pa-

ra a reserva ou reformar burocratas civis ou pessoal militar. Este artigo facilitou os

expurgos na burocracia de Estado e manteve sob controle os setores militares que

discordavam da nova política ou estavam ligados ao período anterior. Todos os

funcionários públicos de nível municipal, estadual ou federal eram abrangidos por

este artigo.26

26

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-

dusc, 2005. Pg. 66.

Page 28: TCC 2ª Edicao corrigida

28

O DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968 E A LUTA ARMADA

O ano de 1968, o quarto após a instauração do regime de exceção, foi o mais in-

tenso em manifestações populares de protesto contra as Forças Armadas. Do assassinato

do estudante Edson Luis na manifestação do restaurante ―O Calabouço‖ 27, no Rio, até à

prisão em massa dos estudantes do Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes)

em Ibiúna, foram oito meses de manifestações e lutas praticamente ininterruptas. 28

Embora não houvesse conexão direta ou contigüidade entre ambas, as manife s-

tações estudantis e os grupos guerrilheiros têm a mesma fonte originadora: o golpe de

Estado de 1964. Formaram desta maneira, estratégias distintas de resistência democráti-

ca: o movimento estudantil foi muito feliz na sua forma de protesto, levando às ruas

multidões que de outra forma não seriam mobilizadas.

IMPLICAÇÕES DO AI-5

Na apresentação dos 12 artigos, podemos concluir sem esforço que esse Ato Ins-

titucional promoveu a castração dos direitos básicos de cidadania garantidos pela const i-

tuição de 1946, como o habeas corpus, a plena liberdade de voto, o direito pleno de ir e

vir, o direito de greve e livre associação sindical, entre outros29. A promulgação desse

27

Foi inaugurado em 1951 na antiga sede da UNE, na Praia do Flamengo, mas foi transferido no

ano seguinte para a Avenida Infante Dom Henrique, próximo ao Aeroporto Santos Dumont. Circu lava

uma história de que o novo local havia abrigado uma prisão de escravos, daí o apelido de Calabouço.

Apesar de pertencer ao Ministério da Educação, o restaurante era admin istrado pela União Metropolitana

dos Estudantes (UME). No complexo também funcionava um teatro e uma policlínica. ―Em 1968, o

Calabouço foi o palco do primeiro homicídio de um estudante pela ditadura militar de [1964]. No dia 28

de março, durante a repressão a uma passeata, a Polícia Militar invadiu o restaurante e o comandante da

tropa, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís com um t iro a queima roupa no

peito‖. GONÇALVES, Vanessa. O Cadáver Que Faltava. Artigo publicado no jornal online ―O Reba-

te‖. Macaé, ano 1, N° 25, 14-21 de ju lho de 2006. Fonte:

http://www.jornalorebate.com/colunistas2/van2.htm. Acessado em 27/05/2010.

28 MORAES, João Quartim de, A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada

no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Tempo Social; Rev. Socio logia USP, S.

Paulo 1(2): 135-158, 2º sem. 1989.

29 http://www.vestibular1.com.br/rev isao/constituicoes_1824_1988.doc. acessado em

10/04/2010.

Page 29: TCC 2ª Edicao corrigida

29

Ato dava poderes totalitários ao Estado para, por exemplo, efetuar a cassação sumária

de mandatos políticos, a supressão dos direitos políticos do cidadão considerado suspei-

to ou culpado de crime contra a ―Segurança Nacional‖, entre outras medidas draconia-

nas. Como se tudo isso não bastasse, ainda estava previsto no artigo 5º a vigilância da

liberdade, a proibição de freqüentar determinados lugares e determinação arbitrária de

domicílio. Essas medidas poderiam ser tomadas livremente pelo Ministério da Justiça,

sem nenhuma necessidade de apreciação pelo Poder Judiciário.

Apesar da implantação em 1964 de um governo de força, somente a partir do AI-5

é que a tortura se tornou uma polít ica oficial de Estado. A vitória da chamada ―li-

nha dura‖, o golpe dentro do golpe instituíram o terrorismo de Estado que utilizou

sistematicamente o silenciamento e o extermínio de qualquer oposição ao regime.

O AI-5 inaugurou também o governo Médici (1969-1974), período em que mais se

torturou em nosso país.30

Chegamos a um consenso, após analisar o período em questão, que os Atos Insti-

tucionais, principalmente o quinto, deram ao governo de exceção as ferramentas para a

implantação de uma política altamente controladora, dotando-o de certa onipresença,

cerceando e sufocando o cotidiano do cidadão brasileiro com o miasma do terror. O

suspense em relação a um levante interno originado pela esquerda deixou os escalões

militares de sobreaviso, e estavam dispostos a ir até o fim para sufocar tal ameaça antes

mesmo que tivesse tempo para se estruturar.

Isto por um acaso significa que o AI-5 perdeu relevância dentro da historiografia

nacional? Não, mas indica que o momento deva ser considerado um marco por ca-

racterizar-se não pelo início, mas pela institucionalização e sistematização da tor-

tura como recurso adotado pelo Estado para garantir a segurança. Este setor, que se

tornou hegemônico, valorizava a repressão, o nacionalismo, a hegemonia militar e,

por incrível que pareça, possuía uma perspectiva social mais aguçada que outros

segmentos envolvidos no março de 1964. Foi um grupo que procurou levar às ú l-

30 Cecília M ª B. Coimbra, Representante do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ nas reuniões com o

Comitê Contra a Tortura na ONU, em maio de 2001. Fonte: http://www.torturanuncamais-

rj.o rg.br/artigos.asp?Codartigo=45&ecg=1, acessado em 06/04/2010.

Page 30: TCC 2ª Edicao corrigida

30

timas conseqüências o combate à ameaça comunista que muitos deles tinham co-

mo extremamente crível.31

O dia 13 de dezembro de 1968 foi um marco para todas as classes sociais do

Brasil. Para muitos significou simplesmente um dia comum, sem qualquer subjetividade

em especial; para outros significou a abertura de uma nova época: a do silenciamento,

da delação, da fuga, da negação da própria identidade, da clandestinidade, enfim.

Alguém deixou sua impressão pessoal sobre aquele dia.

Alfredo Sirkis, ganhador do Prêmio Jabuti, o mais importante prêmio literário do

Brasil, devido ao livro “Os Carbonários”, no qual apresenta sua saga como estudante

revoltado contra a repressão, em seguida como ―subversivo‖ de esquerda, quando esteve

clandestino, até sua fuga para fora do país. Sirkis relata o que se passou entre o seu gru-

po de amigos naquele dia:

―Foi no dia 13 de dezembro de 1968 a fo rmatura-liv re dos alunos de 4º ginasial e

3º colegial, promovida pelo grêmio como no ano anterior, foi realizada no Colégio

São Vicente de Paulo, sob a asa protetora dos padres progressistas.

(...) A grande estrela da noite era o Franklin, agora presidente do DCE, que acaba-

va de sair da prisão, por habeas corpus do STF, depois de ter dançado, meses an-

tes, no malfadado congresso da UNE, em Ibiúna.

Compridão, a barba por fazer, as pernas longuíssimas cruzadas debaixo da mesa,

fez um discurso eletrizante. A situação política era braba, sim senhores.

— Podem arrancar uma flor, muitas flores, mas não deterão a primavera.

(...) Eu ouvia atento, quando um companheiro da segurança me veio cochichar ao

ouvido:

— Negão... Pessoal escutando rádio diz que tá tendo golpe...

Mandei-oele saber de detalhes. Voltou dez minutos mais tarde. Dera no rádio a de-

cretação do Ato Institucional n° 5.

(...) Uma coisa era certa. Costa e Silva ia abrir as pernas para a linha dura que gal-

gava o poder. Havia versões de que este xeque ao rei, no Planalto, coincidiria com

uma noite indonésia, um massacre de lideranças estudantis, jornalistas e oposicio-

nistas de variada espécie. Sabíamos de fonte segura, que no segundo semestre de

1968, um grupo do PARASAR32

planejara seqüestrar o Vladimir e outras lideran-

ças estudantis e jogar no mar, de helicóptero‖.33

31

Entrevista especial via e-mail com o h istoriador Ricardo Mendes, em 15/12/2008. Fonte:

http://www.adital.com.br/Site/noticia.asp?lang=PT&cod=36529. Acessado em 06/04/2010.

32 O EAS - Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, mais conhecido como PARA-SAR ('PA-

RA' de paraquedistas, 'SAR' do inglês Search and Rescue, Busca e Resgate), é um esquadrão paraquedista

de Busca e Resgate e Operações Especiais da Força Aérea Brasileira , sediado na cidade do Rio de Janei-

ro. SAR é uma doutrina utilizada mundialmente pelas Forças Armadas e diversas unidades especiais. O

Brasil possui sete equipes SAR, que integram as unidades helitransportadas da FAB, nas cidades do Rio

de Janeiro (RJ), Manaus (AM), Recife (PE), Pirassununga (SP), Santa Maria (RS), Campo Grande (MS)

Page 31: TCC 2ª Edicao corrigida

31

A ORGANIZAÇÃO DA LUTA ARMADA

Desde o princípio (1964) o regime contou com oposição. Na verdade a oposição

sempre foi presente em qualquer tipo de regime. O próprio presidente João Goulart

também tinha séria oposição em seu governo, os generais ―linha dura‖ que estavam a

levedar o fermento golpista, desestabilizando seu governo.

Começaram, então, a surgir, mesmo que de forma incipiente, alguns grupos de

resistência à ditadura, os primeiros a partir dos militares de esquerda, notadamente dos

grupos de sargentos e cabos, que esboçaram formas de lutas com base nas armas. O

movimento brizolista começou também a se organizar a partir do Sul e, começando a

atuar contra a ditadura, tentava mostrar o caminho das armas como uma opção34.

A primeira iniciativa de grande porte da luta armada contra o regime partiu do

ex-governador gaúcho Leonel Brizola. Após o golpe militar, em 1º de abril de 1964, ele

se exilou no Uruguai. Estabeleceu uma conexão estreita com o líder cubano Fidel Castro

e criou o Movimento Nacionalista Revolucionário. Mandou guerrilheiros para treinar

em Cuba e iniciou um plano de tomada do poder. Em março de 1965, uma coluna orga-

nizada pelo ex-coronel Jefferson Cardim partiu da cidade gaúcha de Três Passos rumo

ao Mato Grosso. Depois de três dias, chegaram a Cascavel, no Paraná, onde foram dis-

persos a tiros pelo Exército. Em 1967, Brizola apoiou mais duas iniciativas. Na prime i-

ra, na serra do Caparaó, em Minas Gerais, todos os 22 guerrilheiros se renderam sem

lutar, em abril. Já no Bico do Papagaio, no atual Tocantins, os 20 militantes debandaram

em agosto, quando o organizador do movimento, o jornalista Flávio Tavares, foi preso.

Brizola desistiu de tomar o poder. O vácuo deixado por ele foi preenchido por organiza-

ções que haviam nascido do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Enquanto o ―Part i-

e Belém (PA), todas doutrinadas pelo PARA-SAR. O esquadrão não possui aviões ou helicópteros, o

grupo é levado por outros esquadrões aos locais onde precisa agir. A principal distinção dos membros da

unidade é o gorro laranja.

33 SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários: Memórias da Guerrilha Perdida. 12ª edição. São Paulo:

Global, pag. 99, 100 (trechos).

34 SEIXAS & POLITI; Ivan e Maurice. In ―A Luta Pela Anistia‖. Centro de Difusão e Apoio à

Pesquisa do Estado de São Paulo.

Page 32: TCC 2ª Edicao corrigida

32

dão‖, clandestino desde 1947, defendia o combate pacífico à ditadura, a maioria das

dissidências queria pegar em armas para iniciar uma revolução. ―Todas elas queriam o

socialismo‖, diz Flávio Tavares, que voltou para a luta armada em 1969. Inspirados nas

revoluções chinesa e cubana (e na canseira que as tropas americanas estavam leva ndo

nos campos do Vietnã), os grupos armados queriam montar guerrilhas rurais, sustenta-

das pelo dinheiro adquirido em ―expropriações‖ nas cidades. 35

A possibilidade de resistência armada vinha sendo debatida pelo menos desde

1967. Somente a partir do AI-5 e suas medidas de extrema violência desencadearam o

que antes estava apenas em projeto temerário. Em 1969 houve a eclosão da guerrilha

urbana e ocorreram os preparativos para a guerrilha rural do Araguaia que nos próximos

cinco anos haveria de trazer grandes movimentações das Forças Armadas.

A massa estudantil que se posicionara contra o poder usurpador após os eventos

de 1964 fora profundamente impressionada pela guerrilha cubana contra Fulgêncio Ba-

tista e pela investida do Che nas plagas bolivianas36. Além do mais, o caráter excessi-

vamente truculento da ditadura pós-AI-5 levou os simpatizantes da luta armada a uma

decisão definitiva pela forte impressão de que somente esse tipo de resistência poderia

desintegrar o governo ilegítimo.37

Nas grandes cidades, a guerra não era visível – não havia batalhões nas ruas.

Mas o conflito vinha à tona com freqüência. Assaltos e atentados atribuídos a ―terroris-

tas‖ apareciam em manchetes de jornal, assim como fotos de militantes procurados pela

polícia. Qualquer cidadão de classe média podia ser vizinho de aparelhos – o nome dado

35

http://historia.abril.com.br/guerra/civ is -ditadura-militar-revolucao-brasil-435432.shtml. Rev is-

ta Aventuras na História – Editora Abril. Artigo escrito por Tiago Cordeiro, sob o título “Civis e a Dita-

dura Militar: Revolução no Brasil”.

36 ―Che‖: codinome do revolucionário Ernesto Guevara, que ao lado de Fidel e Raul Castro, con-

seguiram derrubar o governo militar ditatorial de Fulgêncio Batista em Cuba, no ano de 1958, na famosa

guerrilha de Sierra Maestra. DUMAS, Véronique, doutora em História e Arte Contemporânea, em Repor-

tagem sobre Cuba, intitu lada “Cuba, Ilha da Rebeldia”, edição de junho de 2008 da Revista História

Viva. Link: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/cuba_-_ilha_da_rebeldia_imprimir.html.

acessado em 1/06/2010.

37 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-

dusc, 2005. Pags. 172, 173

Page 33: TCC 2ª Edicao corrigida

33

a residências que serviam de abrigo para os guerrilheiros. Cedo ou tarde, esses locais

acabavam cercados pelas autoridades e invadidos com diferentes graus de violência. As

barreiras policiais, os tiroteios nas ruas e as perseguições de automóveis eram comuns.

Por mais que a ditadura se empenhasse em esconder o que estava acontecendo, o cheiro

de pólvora estava no ar.38

A partir do Ato Institucional N° 5 o estilo de vida dos opositores do regime pre-

cisou de adequações urgentes. ―O povo brasileiro sofreu um dos mais duros períodos de

repressão, tortura e perseguição política de toda a história do Brasil. Foram os chamados

‗anos de chumbo‘, nos quais os militares passaram a impor a Doutrina de Segurança

Nacional com toda a força e sem nenhuma ambivalência. (...) No Brasil, a res istência foi

organizada por dois caminhos: alguns tomaram as armas para combater um brutal regi-

me de repressão. Outros organizaram, pouco a pouco, dentro das fábricas, no campo,

nas igrejas, nas escolas, nas universidades, um imenso movimento popular enraizado

nas bases, o qual, finalmente, em 1978 desaguou nas famosas greves dos metalúrgicos

de São Bernardo do Campo, liderados por um jovem sindicalista conhecido pelo apelido

de Lula‖.39

O fechamento progressivo dos espaços de exercício democrático, a censura à

imprensa e aos meios de comunicação, aos artistas e às produções em toda a sua exten-

são, determinaram o colapso democrático e geraram uma força contrária: a férrea resis-

tência aos ditadores. Para combater os militares, restavam poucas alternativas para os

opositores: uma delas foi a clandestinidade política. A clandestinidade não é uma alter-

nativa de luta. Ela foi, no primeiro momento, uma alternativa de defesa da própria vida

e das organizações às quais pertenciam os militantes. Imediatamente após, tornou-se

uma possibilidade de luta e de resistência política; era uma determinação das organiza-

ções e partidos revolucionários. Quem quisesse continuar a pertencer a estes segmentos

de luta e às suas orientações deveria, majoritariamente, se tornar clandestino.

38

Idem.

39 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-

dusc, 2005. Pags. 11, 12.

Page 34: TCC 2ª Edicao corrigida

34

O jornalista Alfredo Sirkis, líder secundarista em 1968, aderiu à guerrilha urbana

em pleno governo Médici, após a promulgação do AI-5, vivendo bem de perto o drama

de ter de ―ir se esconder do DOPS‖.

— Como disse o companheiro: podem podar muitas flores, não podem podar a

primavera! Abri de novo o zíper para enfiar mais dois livros comprometedores,

que não reparara antes. Por via das duvidas, também o ―Guerra e Paz‖, do Tolstoi,

podia parecer um manual de Guerra Psicológica Adversa e Paz falaciosa do comu-

nismo ateu. Então os homis já não tinham apreendido ―A Capital‖ de Eça de Quei-

roz, por confundir com o homônimo masculino do ―subversivo Marques‖? Gozei a

situação e fiquei zanzando nervosamente pelo quarto. ―A policia pode chegar a

qualquer momento. Não convém facilitar‖. Olhando o meu quarto velho de guerra,

a cama onde cresci noite após noite, os mil e um objetos que ia deixar para trás. A

nevoa de fluidos familiares, neurótico-aconchegantes. O útero no 10º andar da ba-

rulhenta artéria do Flamengo. Sumira aquela sensação fulgurante, maravilhosa do

sair-de-casa que antegozara, tantas vezes, nas ultimas semanas. A emoção de ir se

esconder do DOPS em nome de uma causa mais elevada. Trocar o conforto p e-

queno-burguês do lar pela misteriosa clandestinidade da luta junto ao povo. Fazer

a minha opção de classe sob a escalada da repressão. Mas o antegozo, pleno de

predisposições heróicas, se escondera alhures na minha cuca e sentia apenas o can-

saço do dia, tenso e abafado. E uma preguiça sem mais tamanho diante da mão de

obra que era esconder a papelada numa casa, depois rumar para outra, de uma fa-

mília desconhecida que devia me abrigar.40

Já para Frei Betto, a questão da clandestinidade assumia uma forma de liberd a-

de, ou de simulacro da mesma, fazendo com que os conhecimentos teóricos da filosofia

religiosa que seguia assumissem um ar diferente, mais inusitado:

Viver na clandestinidade é como tornar-se invisível para os outros. As pessoas nos

vêem, mas não conhecem, e os que conhecem não podem nos encontrar senão por

acaso. Como toda situação de completo despojamento, faz-nos sentir mais livres.

Trocar de nome dá sensação de vida nova — só então compreendi por que os insti-

tutos religiosos adotavam esse costume ao receber seus noviços. O meu era " Vítor"

e exigia-me estar sempre atento para não pensar que chamavam outra pessoa.41

Os militantes se dividiam em dois grandes grupos, um para a ação e outro para o

apoio. Na equipe da ação ficavam os mais combativos, que pegavam em armas, sabiam

atirar, montar explosivos, planejavam assaltos e ações violentas, como assassinatos

premeditados. Largavam seus empregos e imóveis e viviam na clandestinidade, em apa-

40

SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários: memórias da guerrilha perdida. 12ª edição. São Paulo:

Global. Pág. 100, 101.

41 BETTO, Frei. Batismo de S angue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. Rio

de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. Pg. 50.

Page 35: TCC 2ª Edicao corrigida

35

relhos – moradias de fachada. Já as pessoas do apoio mantinham sua vida ―normal‖.

Durante o horário do expediente, trabalhavam para pagar suas contas. Nas ―horas va-

gas‖, fabricavam documentos falsos, preparavam material de propaganda, convenciam

pessoas a participar da luta, roubavam carros que seriam utilizados nas ações, abriga-

vam guerrilheiros em suas casas, conseguiam médicos para atender os feridos, escondi-

am armas, munição e dinheiro. Mas o risco e o perigo eram reais para todos. 42

Tornar-se clandestino e permanecer clandestino, durante cinco anos, dez anos ou

mais, fo i mais do que uma alternativa de sobrevivência, envolveu uma escolha,

uma escolha que não era livre, porque era uma escolha dentro de uma situação de

catástrofe política. Não é necessário ser clandestino político, na vigência de um re-

gime democrático. Esta alternativa, a da clandestinidade, ocorre dentro de um co-

lapso democrático. Logo, não é uma escolha feita em condições favoráveis de luta

política. É feita exatamente em condições desfavoráveis, e por isso não é uma livre

escolha e nem uma escolha liv re. É uma escolha, no sentido político, determinada

pela situação de excepcionalidade do país, e de perseguição declarada pelo poder

militar‖.43

A partir de 1969 houve uma combinação de forças, multiplicando o poder re-

pressivo. A exploração econômica, a repressão física, o controle político e a rígida ce n-

sura, de mãos dadas, conseguiram implantar efetivamente uma atmosfera sufocante, de

constante presença sobre a população — a cultura do medo,44 agindo em vários setores

sociais. O silêncio imposto se tornou parte do cotidiano das massas com a rigorosa cen-

sura de todos os veículos de informação e o fechamento de alguns destes. Os estabele-

cimentos superiores de ensino eram rigorosamente controlados, bem como o teatro, o

cinema a TV, os programas de rádio, os periódicos e jornais, e as próprias editoras eram

investigadas minuciosamente pelo crivo estatal. Todo material produzido precisava estar

de acordo com o padrão militar para ser liberado às massas. Essa pressão governamental

fez proliferar um sentimento de desânimo e de conformismo. Na parte menos favorecida

da população, que sofria mais diretamente a exploração das grandes empresas multina-

42

MEIGUINS, Alessandro. Trecho de artigo publicado no acervo digital da Revista Aventuras

na História (N°, ano e mês não informados). Link: http://historia.abril.com.br/polit ica/esquerda -terror-

434191.shtml.

43 ARANTES, Maria Auxiliadora "Pacto revelado: abordagem psicanalítica de fragmentos da v i-

da militante clandestina", dissertação de Mestrado, PUC, 1992, p. 32.

44 (ALVES, M. H. Moreira, 2005, p. 204)

Page 36: TCC 2ª Edicao corrigida

36

cionais protegidas pelo golpe militar, houve uma perda generalizada da esperança, e um

retraimento, um recolhimento à vida particular. Essa era uma maneira de se esquivar da

vingança do ―Grande Irmão‖ militar. 45

Após um exame mais atento, podemos perceber que a estrutura global daqueles

anos era muito diferente da atual. Um em cada três homens vivia, então, num país socia-

lista. Quanto à União Soviética, não só estava de pé, como vinha de humilhar os norte-

americanos ao colocar o primeiro homem no espaço. Se a terra era azul, como dissera

Yuri Gagarin46, o futuro parecia vermelho. A Revolução estava na ordem do dia.

Anos antes, um punhado de jovens guerrilheiros barbudos entrara em Havana, e,

algum tempo depois, proclamara a primeira república socialista da América Latina. A

lenda do Che Guevara, morto nas selvas bolivianas, corria solta pelo Terceiro Mundo.

No Vietnam, um pequeno país de homens pequenos derrotava o mais sofisticado e po-

deroso exército do mundo. Um vento de contestação soprava pela Europa. Na África, o

colonialismo chegava ao fim. Eram tempos de mudança. 47

Quando a atmosfera revolucionária explorada por Franklin Martins no prefácio

acima citado grassou naquele período histórico, é óbvio que instigou os opositores do

regime a lançarem mão da luta armada. O conflito durou oito anos, de 1966 a 1974.

Apenas 1416 civis pegaram em armas, mas sua ousadia fez a ditadura tremer. No auge

dos embates, entre 1968 e 1971, eles assaltaram 154 bancos e carros-fortes. Durante

toda a luta, roubaram 3,8 milhões de dólares – valor que fez da guerrilha brasileira a

mais rica do mundo na época. Também realizaram cerca de 40 atentados a bomba, se-

qüestraram oito aviões comerciais e quatro diplomatas (nunca antes, nem depois, um

45

(ALVES, M. H. Moreira, 2005, p. 205)

46 Yuri Alekseievitch Gagarin (em russo: , Klushino, 9 de março

de 1934 — Kirjatch, 27 de março de 1968) foi um cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar

pelo espaço, em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok I, uma nave que pesava 4725 quilos.

47 PAZ, Carlos Eugênio. Viagem À Luta Armada: Memórias Romanceadas. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1996. Pg. 13 Prefácio de Franklin Martins (Começou a trabalhar como jornalista

aos quinze anos, como estagiário do jornal ―Última Hora‖. Quando jovem, fo i líder estudantil e depois

guerrilheiro, militante do grupo comunista MR-8, em que era conhecido pelo codinome de Valdir. Foi

considerado pela Revista Época um dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI108920-17445,00.html. Site acessado em 1/06/2010.)

Page 37: TCC 2ª Edicao corrigida

37

embaixador seria seqüestrado no Brasil). Um foco de guerrilha fez o Exército levar para

a região do Araguaia, no atual Tocantins, 3200 homens em uma única operação. Foi o

maior movimento de tropas em território nacional desde a Guerra de Canudos, no fim

do século 19.48 Dentre as organizações clandestinas que optaram pela luta de guerrilha

urbana e rural, as quatro principais foram:

ALN (AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL): A ALN foi uma organização revolucio-

nária comunista que surgiu no final de 1967, depois da saída de Carlos Marighela49 do

Partido Comunista do Brasil. Ela defendia a ação armada e a guerrilha como instrume n-

tos de ação política. Para sua estruturação, iniciou ações como assaltos a bancos e carros

pagadores. A ALN participou do sequestro do embaixador norte americano Charles

Burke Elbrick 50, em setembro de 1969, que foi trocado por 15 presos políticos. Também

participou do seqüestro do embaixador alemão Ehrefried Von Hollebem, trocado por 40

presos políticos.

COLINA (COMANDO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL): A Colina, de inspiração sovi-

ética, foi criada em 1967. Desde 1968 executou ações armadas para levantar recursos

para guerrilha no campo. Foi desmantelada pela repressão. 51

48

Acervo Dig ital da Revista Aventuras na História – Editora Abril. Art igo escrito por Tiago

Cordeiro. Fonte: http://historia.abril.com.br/guerra/civis -ditadura-militar-revolucao-brasil-435432.shtml.

49 Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911 — São Paulo, 4 de novembro de 1969)

foi um político brasileiro, um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar a partir

de 1964. FONTE: Revista História Viva, edição 25 – novembro de 2005. Link para consulta:

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.html.

50 Charles Burke Elbrick (Louisville, Kentucky, 25 de março de 1908 — Washington, 1983)

foi embaixador dos Estados Unidos da América no Brasil na época do regime militar iniciado em 1964.

Em 4 de Setembro de 1969, durante o período conhecido como Anos de Chumbo da ditadura militar bra-

sileira, ele fo i seqüestrado por duas organizações conhecidas como Ação Libertadora Nacional (ALN) e a

Dissidência Comunista Universitária da Guanabara, que posteriormente trocou a alcunha para MR-8, em

homenagem a um grupo homônimo cuja errad icação pela repressão militar fora anunciada como um

grande triunfo na imprensa, poucos meses antes. Episódio narrado no livro O Que É Isso, Companheiro?,

de Fernando Gabeira. FONTE: Revista História Viva, edição 25 – novembro de 2005. Link para consulta:

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.html.

51 O Comando de Libertação Nacional (COLINA), também denominado "Comandos", foi

uma organização brasileira de extrema esquerda que tinha como objetivo a instalação de um regime dit a-

Page 38: TCC 2ª Edicao corrigida

38

MR-8 (MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO): Conhecido inicialmente

como "DI da Guanabara" (DI-GB), ou Dissidência da Guanabara do PCB, o grupo atua-

va desde 1966 no meio universitário. O nome MR8 foi adotado a partir do sequestro do

embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em setembro de 1969, realizado em

conjunto com outro grupo revolucionário, a Ação Libertadora Nacional (ALN). As ope-

rações armadas do MR8, com roubos, assaltos a bancos e supermercados, prosseguiram

no Rio, bem como a repressão por parte do governo. Em 1971, o grupo passou a contar

com a militância de Carlos Lamarca52, já que a Vanguarda Popular Revolucionária (V-

PR), de Lamarca, tinha sido desmantelada pelo governo militar. Pouco tempo depois,

Carlos Lamarca foi morto, na Bahia, ao tentar se refugiar dos militares com uma co m-

torial de inspiração soviética no Brasil. Orig inado em 1967, em Minas Gerais, a part ir da fusão de outra

organização chamada POLOP, com alguns militares esquerdistas, abraçou as idéias defendidas pela O-

LAS, executando, desde 1968, ações armadas para levantamento de recursos para guerrilha no campo. A

partir de 1969, quando teve vários de seus militantes presos, deu origem à VAR-Palmares com o apoio de

ex-membros da VPR.

FONTE: Revista História Viva, edição 25 – novembro de 2005. Link para consulta:

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.html.

52 Carlos Lamarca (Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1937 — Pintada – BA, 17 de setembro de

1971) foi um militar brasilleiro, que desertou do exército durante a ditadura militar e se tornou um guerri-

lheiro comunista. Ingressou, em 1955, na Escola Preparatória de Cadetes , em Porto Alegre, no Rio Gran-

de do Sul. Dois anos mais tarde foi transferido para a Academia Militar das Agulhas Negras , em Resende,

no Rio de Janeiro. Concluído o curso, foi declarado aspirante-a-oficial, classificado em 46º lugar numa

turma de 57 cadetes (1960), e passou a servir no 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, na cidade de

Osasco, em São Paulo. Integrou o Batalhão Suez, nas Forças de Paz da ONU na região de Gaza, Palesti-

na, de onde retornou dezoito meses mais tarde. Estava servindo à 6ª Companhia de Polícia do Exército,

em Porto Alegre, quando ocorreu o golpe militar de 1964. De volta a Quitaúna em 1965, foi promovido

ao posto de capitão em 1967. In iciou contatos com facções de esquerda que defendiam a luta armada para

derrubar a ditadura de direita e implantar um reg ime totalitário de esquerda. Em 24 de janeiro de 1969,

traiu o exército e a pátria para unir-se à organização clandestinaVanguarda Popular Revolucionária (V-

PR). Lamarca deixou Quitaúna com a carga de 63 fuzis FAL, algumas metralhadoras leves e muita mun i-

ção. Esse furto de armamento foi organizado e executado por ele e pelo sargento Darcy Rodrigues, tam-

bém integrante do quadro de Quitaúna, e que supostamente teria aliciado Lamarca a ingressar na VPR.

Participaram também da ação o cabo Mariani e soldado Roberto Zanirato, morto sob tortura na OBAN

(DOI-CODI/SP).

Page 39: TCC 2ª Edicao corrigida

39

panheira do partido, Iara Iavelberg53. A maioria dos militantes se retirou para o Chile

em 1972, sendo o grupo reestruturado posteriormente com outras orientações. A prefe-

rência por ações armadas deu lugar à atuação política, e o MR8 foi abrigado no MDB,

tendo Orestes Quércia como principal liderança. O grupo passa a editar o periódico

"Hora do Povo".

VPR (VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA) - foi uma das organizações de

esquerda que mais se destacou na luta contra a ditadura, no período entre 1968-1971.

Foi uma organização formada por dissidentes da POLOP (Política Operária) e antigos

militares brizolistas do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Seu agrupa-

mento inicial começou em 1966, com o ex-sargento do exército Onofre Pinto54 por trás

53

Iara Iavelberg — (São Paulo, 7 de maio de 1944 — Salvador, 20 de agosto de 1971) fo i uma

militante da luta armada no Brasil durante a ditadura militar. Durante a militância, tornou-se companheira

de Carlos Lamarca, com quem se refugiou na Bahia, em 1971. As causas e até a data de sua morte perma-

necem envoltas em mistério. A data oficial é contestada por relatório do Ministério da Aeronáutica, se-

gundo o qual ela teria se suicidado em 6 de agosto, acuada pela polícia em uma residência em Salvador.

Alguns militantes, presos no DOI-Codi de Salvador, dizem ter ouvido seus gritos quando era torturada, o

que contradiz a versão do Ministério da Marinha, segundo a qual ela teria sido morta durante "ação de

segurança". Iara, antes de aderir à luta armada, era psicóloga e professora universitária. O Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo prestou uma homenagem à antiga aluna e deu seu nome ao

centro acadêmico, passando a ser chamado: Centro Acadêmico Iara Iavelberg . Fonte:

http://historia.abril.com.br/guerra/ lamarca -capitao-guerrilheiro-434532.shtml.

54 Onofre Pinto foi, ao lado de Carlos Marighella o grande articulador da luta armada em São

Paulo. Natural de Jacupiranga, SP, nasceu em 1937, e veio a falecer em 1974. Onofre seguiu carreira

militar, e no início dos anos sessenta servia em Quitaúna, Osasco. Sempre se destacou por seu espírito de

liderança, e pouco antes do Golpe de 64 era o presidente da Associação dos Sargentos de São Paulo. Em

1963 ajudou a criar uma vila militar para sargentos em Osasco, vila que recebeu o nome de Jardim Alv o-

rada, e de acordo com relatos, foi inaugurada pelo presidente João Goulart. Em 1967 o MNR se desfaz,

mas seus remanescentes prosseguem convictos no caminho da resistência armada. Em 1968 o grupo já

tem certa experiência em ações armadas, e ao longo do ano irá se articular com a Dissidênc ia da Polop.

Onofre não perdeu suas bases em Osasco, mesmo com sua expulsão do exército, e graças a sua capacid a-

de de convencimento e clareza de idéias, será recrutado para seu grupo um jovem cap itão do exército

brasileiro, Carlos Lamarca. Até o final de 1968 será recrutado um punhado de estudantes secundaristas,

que também se impressionaram com a clareza de idéias e o espírito prático de Onofre Pinto e seus co m-

panheiros de luta. Estava formada a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), a mais atuante organiza-

ção de guerrilha urbana que já se formou no Brasil, obra da engenharia política de Onofre Pinto. Fonte:

http://blogdocappacete.blogspot.com/2009/08/onofre-pinto-presente.html. Acessado em 01/06/2010.

Page 40: TCC 2ª Edicao corrigida

40

de sua articulação. Foi Onofre quem comandou a execução do capitão norte-americano

Charles Rodney Chandler55, em 12 de outubro de 1968. O ano de 1969 começa. E no já

no inicio do ano a VPR conta com um belo reforço. É o capitão do exército Carlos La-

marca. A VPR era de ideologia Marxista, e seus militantes eram muito disciplinados

(talvez por haver muitos militares no grupo). Os assaltos a bancos, e as expropriações

feitas pela VPR no começo de 1969, fazem com que a organização fique já bem conhe-

cida da repressão, que por sua vez está com as prisões cheias depois da decretação do

AI-5. E aspirando a um alcance maior, a VPR numa fusão com o COLINA (Comando

de Libertação Nacional), e formam a VAR-PALMARES (Vanguarda Armada Revolu-

cionária - Palmares). Essa fusão foi feita num congresso realizado em julho de 1969.

Criada a VAR-PALMARES, os militantes foram cuidar de fazer a revolução, e foi o

que aconteceu. Já no dia 18 de julho, alguns dias após a formação da VAR-

PALMARES, esta conseguia realizar o maior ação de expropriação já feita por um gru-

po armado. Eles roubaram 2,5 milhões de dólares, na casa da amante do ex-governador

de São Paulo Adhemar de Barros. Em setembro de 1969, houve o ―rachão‖, congresso

que trouxe de volta a VPR. No comando da nova organização ficaram: Carlos Lamarca,

Ladislau Dowbor e Maria do Carmo Brito. Tendo como base os trabalhos teóricos de

Ladislau Dowbor (alcunhado ―Jamil‖), a VPR passa para uma nova fase, bem estrutura-

da, com dezenas de militantes e centenas de simpatizantes. Ela também conta com um

belo grupo, com quadros experientes, tanto em teoria marxista, como em experiência

militar. A VPR defendia a idéia de um foco guerrilheiro e inicia os seus trabalhos no

Vale do Ribeira. E assim começa 1970. A VPR já havia iniciado o treinamento de seus

militantes para atuarem na guerrilha rural. A área de Registro (SP) já estava em pleno

funcionamento e a sua localização e existência era alvo do mais absoluto sigilo. Em

maio de 1971, Lamarca se desliga da VPR e vai para o MR8 (Movimento Revolucioná-

rio 8 de Outubro), e o resto da VPR é presa e morta no Rio de Janeiro. Herbert Daniel

consegue fugir e vai pra Minas Gerais, Innes Ettinene Romeu é presa e barbaramente

55

Charles Rodney Chandler (Hurricane, Claiborne Parish, Louisiana, EUA, 23 de ju lho de

1938) fo i um oficial do Exército dos Estados Unidos da América. Participou da guerra do Vietnã, após o

que foi designado para estudar sociologia no Brasil, no Curso de Sociologia e Política, em São Paulo/SP.

Em 12 de outubro de 1968 fo i assassinado ao sair de casa na Rua Petrópolis em São Paulo, SP. Fonte:

*Folha da Tarde, sexta-feira, 28 de novembro de 1969 (arquivo digitalizado e disponível em

http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_28nov1969.htm)

Page 41: TCC 2ª Edicao corrigida

41

torturada, Alex Polari é preso e também sofre torturas nas mãos dos militares. Alfredo

Sirkis, sentindo que o perigo era iminente, foge pra Argentina e Gerson Theodoro é me-

tralhado. E para completar o extermínio da VPR, a repressão consegue um forte aliado

conhecido como "Cabo Anselmo". Ele se infiltrou na organização e foi responsável pela

morte de vários militantes. Carlos Lamarca é morto em setembro de 1971 no sertão da

Bahia, e dias antes Yara Iavelberg é morta em Salvador. Em julho de 1974, Onofre Pin-

to e mais cinco militantes, entre eles os irmãos Daniel e Joel José de Carvalho, "desapa-

receram" quando retornavam clandestinamente ao Brasil pela fronteira com a Argentina.

Eles foram os últimos integrantes da VPR a serem mortos pela repressão 56.

56

Jornal digital ―O Rebate‖, Macaé, ano I, Nº 27 - 28 de julho a 4 de agosto de 2006. Fonte:

http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=5&ved=0CC0QFjAE&url=http%3A%2F%

2Fwww.jornalorebate.com%2Fcolun istas2%2Fcir3.htm&ei=y6IFTLbYMYH6lwfAqYTXBg&usg=AFQj

CNG5GtUTvje8ygJeEOXd5u3wN0c3tw&sig2=gN66-5PDZ-JFVgoKP-dYGw. Acessado em

01/06/2010.

Page 42: TCC 2ª Edicao corrigida

42

CAPÍTULO 3: A ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ DAS FORÇAS ARMADAS

Neste capítulo abordaremos a especificidade da tortura na estrutura repressiva do

Estado de Exceção. Analisaremos os limites de sua funcionalidade e eficiência para o

levantamento de informações consideradas fundamentais para o desmantelamento de

estruturas subversivas às Forças Armadas, bem como uma análise superficial de seus

efeitos físicos e psicológicos sobre o supliciado. Disponibilizaremos alguma descrição

dos métodos de tortura empregados durante o período do regime militar em análise.

A cunha tem um uso específico no ferramental de trabalho do homem do campo,

como a enxada e o machado. Na parte de trás dessas duas ferramentas fica um orifício

chamado ―olho‖, por onde deve passar o cabo de madeira. Para que não fique frouxo, o

que se mostraria um grande perigo no uso cotidiano, a cunha é introduzida em uma ra-

chadura preparada para esta finalidade na ponta do cabo da ferramenta. Com golpes de

outra ferramenta, a cunha é ali introduzida à força, e tem a função de fixar o cabo, de

modo que não deixe escapar a enxada ou o machado por ocasião dos choques e vibra-

ções decorrentes do seu uso.

Há um segundo uso da cunha, e especificamente é essa aplicação que usaremos

como comparação neste parágrafo. É uma peça de ferro ou de madeira, ―em forma de

diedro sólido, bastante agudo, que se introduz em uma brecha para fender pedras, ma-

deira, ou outro material rígido e duro‖.57 Essa é a chamada ―cunha de penetração‖, fer-

ramenta indispensável para partir estruturas sólidas.

A TORTURA COMO “CUNHA DE PENETRAÇÃO”

A tortura é ferramenta antiga na história da humanidade. Dela se apoderaram ci-

vilizações clássicas que nos legaram importantes códigos de justiça e de Direito, como

Roma, por exemplo.

Conforme os registros históricos, os gregos foram os primeiros a utilizar sistemat i-

camente a tortura na instrução criminal, ou seja, no ―con junto de atos praticados

com o fim de ofertar elementos ao juiz para julgar" (CAPEZ, 2008, p. 451). Na

época definida como ―um tormento que se aplicava ao corpo, com o fim de averi-

57

Novo Dicionário Aurélio, edição d igital em CD-ROM, versão 2005, verbete ―cunha‖.

Page 43: TCC 2ª Edicao corrigida

43

guar a verdade‖ ou simplesmente um ―meio seguro de obter evidência‖, a tortu ra,

inicialmente reservada aos escravos e estrangeiros, era utilizada sempre que não se

conseguia encontrar provas da autoria do crime ou simples mente se quisesse obter

uma rápida resolução do caso (BIAZEVIC, 2004, p. 04). Os romanos, como abso l-

veram grande parte dos costumes gregos, passaram a utilizar a tortura nas mesmas

circunstâncias do povo que os precedeu. Entretanto, com o avanço do Direito na

sociedade romana, existiu a necessidade de se regular a prática dos métodos de to r-

tura, o que culminou com o surgimento dos códigos Teodosiano e Justiniano. Nas-

ciam assim as primeiras leg islações escritas do mundo com prev isão legal acerca

da licitude da tortura e do seu uso como forma de obtenção de prova.58

TECNOLOGIA DO TERROR

Ser preso pela ditadura era conhecido pelo jargão ―queda‖. Alguém podia ―cair‖,

ser preso no exercício da sua clandestinidade, ou fazendo parte da cobertura de apoio de

uma organização clandestina de luta armada.

No período de 1969 a 1974 organizações internacionais de vários setores da so-

ciedade, tais como as religiosas e de direitos humanos conseguiram levantar e mapear

provas da existência de centros secretos de suplícios e tormentos no Brasil, nos quais

em muitos casos havia desaparecimento de presos. Durante todo o período mencionado

essas organizações recebiam denúncias de maus tratos. Portanto a questão da tortura não

era um assunto fechado e circunscrito ao nosso país59.

A PRISÃO: A primeira fase da trajetória rumo aos porões de tortura era o ato pri-

sional. Podia ocorrer a céu aberto, em praça pública, em pista de rolamento, ou mesmo

na individualidade de um ―aparelho‖ clandestino (residência de fachada que ocultava

grupo armado clandestino). Geralmente a prisão tinha um caráter de seqüestro: o preso

era encapuzado, colocado na viatura, em geral um fusca ou uma Veraneio C-10, da

Chevrolet. Um exemplo típico de ―queda‖ foi a prisão do jornalista Antônio Carlos Fon,

em 29 de setembro de 1969. Foi preso às 6h30min. Na época era funcionário do Jornal

da Tarde, de São Paulo. Cobria área policial e na noite anterior ficara até altas horas

conversando com dois policiais, identificados como o Escrivão Waldemar de Paula e o

delegado Luiz Orsatti, ambos integrantes do DOPS. Após o dialogo, chegou em seu

apartamento, que ficava na esquina da S. João com a Duque de Caxias às 4h30min. Dei-

58

Rev ista Âmbito Jurídico. A tortura no mundo: A eficácia dos direitos humanos posta em

xeque. Fonte web: http://www.ambito-jurid ico.com.br/pdfsGerados/artigos /7275.pdf

59 (ALVES, Mª Helena Moreira, 2005, p. 203)

Page 44: TCC 2ª Edicao corrigida

44

tou-se no quarto de seu irmão Aton Fon Filho, que se encontrava viajando. Após duas

horas de sono profundo foi acordado com um cano de pistola encostado no rosto, e viu o

quarto coalhado de homens armados de fuzis e metralhadoras. A referida arma de fogo

era empunhada pelo então delegado Raul Nogueira, vulgo Raul Careca, que era um dos

principais componentes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas – organização pa-

ra-militar de extrema direita). Mandaram vestir-se e se dirigir à sala de estar — onde

seus pais e irmãs já estavam detidos — onde seria acareado com um homem chamado

David, cujo nome real era Francisco Gomes da Silva. As equimoses daquele homem

eram visíveis e um curativo na testa testemunhava o longo processo brutal de sevícias a

que fora submetido. O capitão Mauricio Lopes Lima queria que David o identificasse,

mas deu muita ênfase ao afirmar que não o conhecia, e dizia a verdade.60

Para Carlos Sarno61, filho de imigrantes italianos, o momento da ―queda‖ foi um

pesadelo, pois foi rendido junto com sua companheira Jurema em 1970. Militante da

VAR-Palmares, (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), foi por ordem do alto

comando da organização transferido da Bahia para o Rio de Janeiro, por motivos de

segurança, já que a organização estava sendo trucidada pelos poderes do Governo. Após

contatar a estrutura da organização no Rio, foram novamente deslocados, agora para

São Paulo, (o grande centro do Movimento Político no país). Lá chegando, os dois se

separaram cada um indo para um aparelho diferente passar a noite. Carlos recorda os

momentos de angústia e tensão queimando documentos à espera do companheiro da

organização, que não chegava. Temendo ser preso (já que nessa época dezenas de mili-

tantes da Var-Palmares haviam caído nas mãos da repressão, dando início a um proces-

so de desestruturação da organização), ao amanhecer Sarno decidiu sair da casa da famí-

lia de operários, onde passara a noite. Sem notícias de sua companheira, com a ―queda‖

do seu contato em S. Paulo e sem querer voltar para o Rio de Janeiro sozinho, Carlos

60

FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:

Global, 1979, pags. 9,10

61 Carlos Sarno, foi militante da Var-Palmares, junto com a companheira Jurema. Em 1966, ain-

da quando era estudante secundarista, criou a peça Aventuras e Desventuras de Um Estudante, sendo

censurada pela direção da escola. Passou um ano na Alemanha, e retornou decidido a lutar por uma nova

sociedade. Iniciou sua luta política no PC do B, e em s eguida partiu para a clandestinidade, na VAR-

Palmares. Hoje é sócio da agência publicitária Engenhonovo. Fonte:

http://www.diariosdaditadura.com.br/tcc_mat_ver.asp?cod_col=31. Acesso em 02/06/2010.

Page 45: TCC 2ª Edicao corrigida

45

decidiu procurar Jurema, sem saber que ela fizera exatamente a mesma coisa: saíra à sua

procura. Novamente juntos, decidiram voltar para o Rio de Janeiro com o objetivo de

obter, junto à organização, novos contatos em São Paulo. Feito isso, retornaram à cap i-

tal paulista, dando continuidade ao trabalho da Var-Palmares: Carlos nas bases da Capi-

tal, e Jurema em Osasco.62

Era o dia 13 de setembro de 1970. Sozinha em casa, Jurema foi surpreendida

com a chegada de dez policiais da Oban (Operação Bandeirantes). ―Vamos, diga! Quem

mora aqui com você?‖, ―Vai chegar mais alguém?‖, perguntavam os policiais, aos gr i-

tos. Sem perder o controle e bastante preocupada com seu companheiro que, a qualquer

momento, poderia chegar, Jurema perguntou a um dos policiais: ―Posso ir ao banhe i-

ro?‖. Autorizada, na passagem conseguiu acender a luz externa da casa, código estabe-

lecido entre ela e Sarno para indicar a presença de policiais. Por volta das 19h, Sarno

retornou para casa, depois de mais um dia de trabalho. Ao se aproximar, viu que a luz

(que até então sempre ficara apagada) estava acesa. Era o sinal de que algo estranho

acontecia. Preocupado com Jurema e para se certificar da real situação, aproximou-se

um pouco mais, sendo cercado pelos policiais, que haviam se posicionado em toda a

área. ―Não se mexa ou vou atirar‖, gritava um dos policiais, tenso e nervoso, com a ar-

ma na mão. Em seguida, Carlos foi levado até à casa.

Logo depois, Carlos e Jurema acabaram algemados e jogados numa caminhonete

fechada, onde, por um breve momento, tiveram a chance de trocar algumas palavras e

acertar dados importantes para dar coerência à história que iriam manter durante os in-

terrogatórios no maior centro de tortura de São Paulo, a Oban.63

A CHEGADA NO CENTRO DE INFORMAÇÕES: A chegada no Centro de Informa-

ções, que podia ser o DOI-CODI64 ou o CENIMAR65, ou mesmo uma delegacia mais

62

Carlos Sarno, em entrevista à Repórter Carla Menezes, publicada no site

http://www.diariosdaditadura.com.br. Acessado em 10/04/2010.

63 http://www.d iariosdaditadura.com.br/tcc_mat_ver.asp?cod_col=32 acessado em 10/04/2010.

64 O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna

(DOI-CODI) foi o órgão de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado

com o golpe militar de 31 de março de 1964, os chamados "Anos de Chumbo". Destinado a combater o

chamado "inimigo interno", como a de outros órgãos de repressão brasileiros no período, a sua filosofia

de atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formulada no contexto da Guerra Fria nos

Page 46: TCC 2ª Edicao corrigida

46

próxima era sempre um momento de muita tensão. Freis Ivo e Fernando66, no mês de

novembro de 1969 desembarcaram no Rio de Janeiro, cada um com um objetivo distin-

to. Frei Ivo iria passar o fim de semana com sua família, enquanto Frei Fernando, que

era editor da livraria Duas Cidades (SP) pretendia encontrar outro editor, de nome Sin-

val, da Editora Vozes (RJ), para debaterem questões profissionais. Após o almoço, to-

maram o ônibus para ir à casa de Sinval, no Catete. Desceram defronte ao antigo palácio

presidencial, cercado pelas grades de lanças de ferro. Às duas da tarde, o mormaço caía

bancos do National War College, instituição norte-americana, e aprofundada, no Brasil, pela Escola Supe-

rior de Guerra (ESG). Em São Paulo - Estabelecido em praticamente todos os estados da federação, em

São Paulo as suas instalações eram localizadas na rua Tutóia, onde atualmente funciona o 36° d istrito

policial. O DOI-CODI surgiu a partir da Operação Bandeirante (OBAN), criada em 1969 com o objetivo

de coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda. Cada esta-

do tinha o seu DOI, subordinado ao CODI, que era o órgão central. Os DOI, sob um único comando de

um coronel do Exército, reuniam militares das três Armas e integrantes voluntários das polícias militares

estaduais, polícias civ is e federal. Na década de 80, os DOI foram renomeados Setor de Operações (SOP).

Os DOI-CODI ficaram conhecidos por serem centros de torturas daqueles que se opunham ao regime

ditatorial v igente. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/

65 CENIMAR: O Centro de Informações da Marinha, ou CENIMAR, fo i criado pelo Decreto

nº 42.688, de 21 de novembro de 1957, com a finalidade de obter informações de interesse da Marinha do

Brasil, conforme as diretrizes do Estado-Maior da Armada. Durante a Ditadura Militar, notadamente a

partir de 1968, o órgão passou a ser empregado na repressão à luta armada deflagrada no Brasil por orga-

nizações de extrema esquerda que se dispunham a derrubar o regime. Passou a subordinar-se ao Ministro

da Marinha e foi considerado como o mais eficiente órgão de informação militar, dentre outros similares

como o DOI-CODI, do Exército e CISA, da FAB, que atuavam com os mesmos propósitos. Nesse perío-

do extrapolou da competência orig inária no campo da informação para desenvolver ações repressivas,

investigações e prisões com torturas de presos, que tornaram a sede do Rio de Janeiro, localizada na Ilha

das Flores, um dos mais conhecidos porões do regime. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/CENIMAR

66 Os frades Ivo e Fernando fizeram parte de um grupo de dominicanos que, no início de 1968

aderiram à ALN (Ação Libertadora Nacional) de Carlos Marighela. No início daquele ano houve várias

reuniões lideradas pelo Frei Osvaldo Augusto de Resende Jr., congregando frades para a tomada de pos i-

ção política. A primeira tarefa que os dominicanos receberam de Marighela foi fazer um levantamento de

áreas ao longo da Rodovia Belém-Brasília, para implantação de uma guerrilha rural. A área de Conceição

do Araguaia, onde a ordem dominicana possuía um convento, foi assinalada no mapa como área priorit á-

ria, pois teria importante apoio logístico. O levantamento sócio-econômico da reg ião fo i feito com base

no "Guia Quatro Rodas", da Editora Abril. Fonte: http://www.webartigos.com/art icles/11110/1/Grupo-

Abril-Jornalistas-Metidos-Com-a-Gangue-de-Marighela/pagina1.html.

Page 47: TCC 2ª Edicao corrigida

47

como chumbo. Os dois religiosos caminhavam pela Rua Silveira Martins quando os

seguraram por trás, empurrando-os para o interior de uma perua que, de motor ligado,

aguardava. Os três policiais traziam à mão suas armas. Ao indagarem o motivo da pr i-

são, ouviram como resposta que uma senhora havia sido assaltada no mesmo ônibus que

haviam tomado, e os havia apontado como autores da ação. Ao entrarem no CENIMAR,

foram separados em salas diferentes. A tensão aumenta. Em seguida, o Delegado Sérgio

Paranhos Fleury67 apontou o dedo para o prisioneiro acuado entre os policiais, dizendo:

―Vocês são base fixa de Marighela!‖ Fernando negou, dizendo que nada tinha a ver com

lideranças políticas. E a tensão só aumentava para o interrogado.68

Maria Amélia Telles, o esposo Cesar Augusto Telles e o colega Carlos Nicolau

Danielli69 foram presos no dia 28 de dezembro de 1972, às 18h30min, na Vila Mariana,

em São Paulo. "Fomos presos e jogados num carro. Ao som de sirenes, chegamos ao

DOI-CODI, onde nosso anfitrião nos aguardava. Quando chegamos, ali mesmo no pá-

tio, os agentes tiraram César e Danielli do carro e começaram a espancá- los. Eu, ao ver

aquela cena, saí do carro e fui ao encontro daquele homem que, do alto da escada que

dava no pátio aonde havíamos chegado, berrava: ‗Levem esses comunistas. Dêem a eles

o que merecem‘‖. Esse foi o primeiro contato de Maria Amélia com Ustra 70, que seria o

67

Sérgio Fernando Paranhos Fleury (Niterói, 19 de maio de 1933 — Ilhabela, 1 de maio de

1979) atuou como delegado do DOPS de São Paulo, durante a Ditadura militar no Brasil .Ficou notoria-

mente conhecido por sua enorme crueldade ao perseguir os opositores do regime. Vários depoimentos,

testemunhas e relatos de presos políticos, apontam que ele usava sistematicamente a tortura durante os

interrogatórios que comandava na época do regime militar brasileiro. A maioria dos militantes que eram

capturados pelo Delegado Fleury não resistiam a essas torturas e acabavam morrendo, como no caso de

Joaquim Câmara Ferreira e de Eduardo Collen Leite, que foi torturado por cerca de quatro meses. Fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Paranhos_Fleury.

68 BETTO, Frei. Batismo de S angue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. Rio

de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. Pg.125.

69 Maria Amélia e César Augusto controlavam a gráfica clandestina do PC do B. Danielli e ra o

dirigente do partido clandestino. Foram presos ao tentarem cobrir um ponto na vila Mariana, no ato da

cobertura.

70 Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra - Com o nome de guerra "major Tib iriçá", Ustra re-

estruturou e comandou, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, a unidade paulista do DOI-Codi, onde,

conforme levantamentos de entidades de direitos humanos, foram torturados 502 presos políticos, 40 dos

Page 48: TCC 2ª Edicao corrigida

48

responsável pelas dezenas de sessões de tortura que ela e o marido sofreriam durante o

período em que ficaram presos nas instalações do DOI-CODI. "Vendo César e Danielli

sendo espancados e quase desfalecidos, decidi fazer alguma coisa e me dirigi àquele

homem que, ensandecido e aos gritos, incitava os agentes a espancar selvagemente meu

marido e o companheiro Danielli", recorda Maria Amélia. "O senhor não vai fazer nada

contra isso? Vai deixar que esses homens indefesos continuem sendo espancados dessa

maneira?", perguntou ao homem que, mais tarde, ela saberia tratar-se do "major Tibiri-

çá", o chefe do DOI-CODI paulista.71

AS SEVÍCIAS: A primeira tentativa de arrancar informações do detido era na

pressão psicológica, com perguntas intimidadoras, e mesmo com ameaças. Falhando a

primeira abordagem, a situação mudava completamente.

Na opinião de Antonio Carlos Fon o criminoso político ―é sempre o mais difícil

de interrogar. O subversivo não aceita a autoridade que você representa. Então, você

tem de demonstrar para ele que o Estado possui meios de coagi- lo eficazmente‖ 72. E

entre os ―meios‖ mencionados, a essência estaria na carga de dor, cansaço e fadiga in-

fligida, que levasse o subversivo à ruptura da própria força de vontade, colaborando

submissa e voluntariamente com o interrogador.

Retornando à experiência da família Telles, a própria Maria Amélia conta que

após ter dirigido a palavra ao Coronel Ustra, o ―Major Tibiriçá‖, este lhe respondeu com

uma agressão, um tapa no rosto, gritando simultaneamente: "Você está na Oban (Opera-

ção Bandeirantes) 73. (...) Sempre aos berros, o "Major Tibiriçá" mandou seus agentes

quais morreram. Dentre os mortos em conseqüência das torturas sofridas no DOI-Codi, as entidades de

direitos humanos relacionaram o então dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), Carlos Nic o-

lau Danielli. Fonte: http://www.rev istabrasileiros.com.br/edicoes/1/textos/452/.

71 Fonte: http://www.rev istabrasileiros.com.br/edicoes/1/textos/452/. Acessado em 02/06/2010.

72 FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:

Global, 1979. Pg. 71.

73 A Operação Bandeirante (OBAN) foi um centro de informações, investigações e de torturas

montado pelo Exército do Brasil em 1969, que a coordenava e integrava as ações dos órgãos de combate

às organizações armadas de esquerda. (...)Sua sede foi instalada no número 1030 da rua Tomás Carvalhal,

nos fundos do 36° distrito policial, na capital paulista. Este local é considerado a mais célebre casa de

Page 49: TCC 2ª Edicao corrigida

49

levarem "a subversiva para dentro". "Para dentro" era sinônimo de sala de torturas. Ali,

os três companheiros foram seviciados de inúmeras formas no período que permanece-

ram na Oban. Maria Amélia conta que, a exemplo do marido e de Danielli, foi levada a

uma sala, onde teve início a série de torturas, que incluiu situações de humilhação e atos

obscenos.74

Após sua prisão, Antonio Carlos Fon também ficou detido na Oban, e ele mesmo

relata os acontecimentos:

O carro estacionou no pátio dos fundos do 34º Distrito Policial e eu fui levado aos

empurrões para a porta do pequeno prédio de três pavimentos onde funciona até

hoje a ―Operação Bandeirantes‖ [1979]. Eu ainda tinha alguma esperança de que

aquela situação se esclarecesse rapidamente, mas ela se desvaneceu logo: ―Esse é

daqueles que não sabem de nada‖, exp licou o Delegado Raul ―Careca‖ ao entre-

gar-me a dois homens que esperavam na porta. (...) Fu i levado para a câmara de

torturas, no 2º andar, e durante três horas submetido a pau-de-arara75

, espancamen-

tos e choques elétricos. De tudo isto, lembro-me de que nada era mais terrível que

os choques elétricos na cabeça com um fio preso ao lóbulo da orelha e outro per-

correndo os lábios, o pescoço ou o nariz. Esses choques provocam uma contração

tão forte dos músculos da face que a língua é mordida e estraçalhada pelos dentes.

Fiquei vários dias sem poder comer até que um enfermeiro do exército obteve au-

torização para levar-me um pouco de gelo, que anestesiava momentaneamente a

língua, permit indo que eu me alimentasse.76

Frei Fernando, acuado entre os agentes do Dops que o levaram junto co m Frei

Ivo ao 5º andar do Arsenal da Marinha, o CENIMAR do Rio de Janeiro, é interrogado

pelo Delegado Fleury. ―Tire a roupa‖, berrou o delegado paulista. Congelado pelo clima

torturas e de assassinatos da ditadura militar no Brasil. Fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Bandeirante. Acessado em 02/06/2010.

74 Joel dos Santos Guimarães, repórter, em art igo escrito na Revista Brasileiros, 1ª edição, ju-

lho de 2007, disponível em http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/1/textos/452/. Acessado em

02/06/2010.

75 Pau-de-arara: consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os punhos amarrados e a

dobra do joelho, sendo o ―conjunto‖ colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a

cerca de 20 ou 30 cm. do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus ―complementos‖

normais são eletro choques, a palmatória e o afo gamento. Fonte:

http://www.dhnet.org.br/dados/projetos/dh/br/tnmais/instrumentos.html .

76 FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:

Global, 1979. Pg 11.

Page 50: TCC 2ª Edicao corrigida

50

de terror, Frei Fernando fica imóvel. A mão do delegado atinge seu rosto com força. É

despido, ficando somente de cuecas, sendo pendurado imediatamente no pau-de-arara.

―Como é que Marighela entra em contato com vocês?‖, indaga o delegado. Não há res-

posta de retorno. Fios desencapados, ligados a eletrodos com pequenas garras são co-

nectados ao corpo do prisioneiro, e a corrente elétrica da ―pimentinha‖ é ligada, sendo

inoculada nos músculos. O corpo de Frei Fernando se contorce em espasmos e dor, co-

mo se mil agulhas em brasa fossem fincadas ao mesmo tempo no seu corpo. A mesma

pergunta é insistentemente repetida, até que o processo muda. A resistência do domini-

cano parece ser inquebrável. Um dos fios desencapados é lentamente introduzido na

uretra, enquanto um barbante é amarrado no seu pênis, ajustando mais o fio dentro das

suas entranhas, com a finalidade de multiplicar o suplício do indefeso ser ali dependura-

do.77

Os relatos acima descritos têm por objetivo demonstrar alguma coisa dos indes-

critíveis sofrimentos suportados pelos opositores do regime. Embora sejam testemunhos

fortes e produzam certa revolta e comoção, pouco espaço temos neste trabalho para a-

bordar todos os aspectos físicos e psicológicos abrangidos por assunto tão amplo como

a tortura naquele período.

CONTRADIÇÕES E QUESTIONAMENTOS — Entretanto, surge uma questão, uma

indagação necessária pertinente ao assunto em pauta: ―seria a tortura um método efic i-

ente de revelação de verdade(s), de obtenção de informações confiáveis e precisas?

Qual a eficiência da tortura no mecanismo de segurança de uma sociedade, de um pa-

ís?‖ Na verdade a tortura busca introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a

mente. E, mais do que isso: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a guerra e n-

tre o corpo e a mente. O projeto da tortura implica numa negação total da pessoa e n-

quanto ser encarnado. O discurso que ela busca através da intimidação e da violência, é

a palavra aviltada de um sujeito que, nas mãos do torturador, se transforma em objeto.78

Tendo estado consciente, capaz de resistir à indução ideológica dos agressores, ele vai

77

BETTO, Frei. Batismo de Sangue. Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. 9ª e-

dição, 1987, RJ: Bertrand Brasil. Pág.125, 126.

78 GINZBURG, Jaime. Escritas da Tortura. Diálogos interamericanos, número 003. Univers i-

dade de Aarhus, pg. 140. Link na web: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/162/16200306.pdf. Acessa-

do em 03/06/2010.

Page 51: TCC 2ª Edicao corrigida

51

aos poucos se transformando em razão da degradação corporal e da intolerabilidade da

dor. Em certo ponto, o ponto extremo em que seus valores foram atingidos e sua relação

consigo mesmo foi inteiramente desorientada, o sujeito não se reconhece mais como a si

mesmo, mas como a outro. E este outro, ao contrastar o vazio de sentido do próprio cor-

po e a imagem composta do inimigo à sua frente, vê neste a possibilidade de resgate de

uma organização de sua constituição como sujeito. Por isso passa a dirigir-se a si

mesmo com um pensamento equivalente ao do torturador. Essa inversão, caracterizada

como ―queda em um buraco sinistro‖, seria o resultado esperado pelo torturador. 79 O

objetivo específico do crime de tortura é usar a violência extremada para reduzir, anular

e quebrar a resistência do indivíduo, com a intenção de obter informações ou a própria

confissão forjada, à força física, provocando dor e sofrimento, mediante ameaças, men-

tiras e promessas, quaisquer que sejam os meios empregados, cujo fim último é viciar a

vontade e a liberdade do indivíduo.

Além de moralmente inaceitável, a tortura é um método pouco eficiente, pois faz

com que as vítimas criem falsas memórias. De acordo com um art igo publicado na

revista "Trens in Cognitive Science", as técnicas coercitivas de interrogação po-

dem levar a vários danos, até mesmo à perda de tecido cerebral. Em abril deste ano

(2009), o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgou memorandos con-

tendo detalhes sobre o uso das chamadas técnicas de interrogação aperfe içoadas‖

para extrair informações, apesar das fortes objeções éticas. Segundo a pesquisa, os

métodos causariam ansiedade e estresse prolongados no prisioneiro, reduzindo sua

habilidade de lembrar fatos e dar informações detalhadas sobre eles. Isso poderia

fazer com que o interrogado criasse falsas memórias - e até mesmo acreditasse ne-

las - para se livrar da tortura. Gorete de Jesus, pesquisadora do Departamento de

Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), aponta que pesquisas como essa

são importantes para alertar a sociedade sobre as graves consequências psíquicas

da tortura. ―A tortura é um processo de desintegração do indivíduo, de exposição

da sua fragilidade‖, conta. A socióloga ressalta que a tortura continua sendo prati-

cada ao redor do mundo. (...) Não podemos esquecer que a tortura procura por cul-

pados - e nunca pela verdade.80

79

VIÑAR & VIÑAR, Marcelo e Maren. Exílio e Tortura. São Pau lo:Escuta, 1992. Pg 73.

80 Agência Estado, seção ―Saúde‖ do Portal R7 Notícias, publicado em 24/09/2009. Link:

http://noticias.r7.com/saude/noticias/tortura-faz-vit ima-criar-memorias-e-acreditar-nelas-diz-pesquisa-

20090924.html. acessado em 03/06/2010.

Page 52: TCC 2ª Edicao corrigida

52

CAPÍTULO 4 — MEMÓRIA SOCIAL DA REPRESSÃO

Neste capítulo, o último, vamos buscar uma reflexão sobre a memória da ditadu-

ra num Brasil pós-militar. Por conseguinte, iremos refletir sobre a memória social de um

país que não conheceu o regime de exceção: a geração do século XXI.

REFLEXÃO

Depois de 44 anos do Golpe Militar no Brasil, a memória da ditadura ainda care-

ce de uma ampla discussão política. Devemos pensar como vem sendo preservada esta

memória? Que uso político está sendo feito dela? A política de preservação da memória

e do patrimônio deve ser entendida em sua concepção mais ampla, como o resultado de

uma prática social e cultural de diversos e múltiplos agentes.

Portanto, nos interessa pensar de que forma podemos construir a memória e seus

suportes como o patrimônio. A noção de patrimônio, tal qual a compreendemos na co n-

temporaneidade, engloba uma discussão mais ampla, sobre o que ―deve‖ e ―pode‖ ser

memorável. A superação deste trauma exige a existência de uma superfície adequada de

inscrição dos sujeitos envolvidos. Essa é a função dos monumentos, das comemorações

etc. Não é isso o que vem ocorrendo. As marcas da ditadura ainda se fazem presentes na

cidade. É nesse contexto que devemos questionar a atual política oficial de preservação

da memória da ditadura no Brasil, através dos monumentos, comemorações, coleções,

arquivos, museus, Leis e Decretos. Esta política de preservação, tal como vem sendo

estabelecida hoje pelos veículos oficiais, revela uma precária inscrição dos sujeitos en-

volvidos. Assim como há grande dificuldade no arquivamento dos documentos desse

período.

Os arquivos do período da ditadura dependem muito mais de ações individuais do

que de uma política governamental séria de preservação e arquivamentos. Isto fica

claro quando verificamos as diferenças entre o Arquivo Edgard Leuenrothh (na

UNICAMP)81

, por exemplo, e os Arquivos do DOPS custodiados no Arquivo do

81

Arquivo Edgard Leuenrothh (na UNICAMP) : Em 1974, em reconhecimento à sua admirá-

vel trajetória como militante anarquista e como jornalista da imprensa operária, foi inaugurado na UN I-

CAMP, mais precisamente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o ―Arquivo Edgard Leuenroth‖.

Sua meta: preservar e divulgar diversas coleções de imagens e textos entre outros, relacionados à memó-

ria operária no Brasil da primeira república. O acervo é composto por 280.000 documentos, 28.000 livros,

Page 53: TCC 2ª Edicao corrigida

53

Estado do Rio de Janeiro (APERJ)82

. Da mesma forma, não há um movimento sé-

rio, por parte da ação estatal, em âmbito federal, de criação de um monumento em

memória dos mortos e desaparecidos políticos .83

A memória é um item importantíssimo em nível de sociedade. Ela funciona, nes-

se caso, como estratégia de resistência e luta política84, ou seja, como um campo de dis-

puta entre versões antagônicas sobre um período político ditatorial que marcou a vida

dos sujeitos e a história da sociedade brasileira. Quando nos reportamos aos tempos

hodiernos, surgem-nos à mente algumas indagações específicas: Qual seria o significa-

do da repressão e das lutas de resistência para as novas gerações? Qual o impacto desses

acontecimentos para a vida dessas gerações?

171 bolet ins, 3.811 números de periódicos, 3.878 jornais, 854 v ídeos, 289 filmes, 1.419 registros de áu-

dio, 2.200 cartazes, 13.330 gravações em fita, seiscentas, 21 anotações e 45.000 fotografias. Fonte:

WWW.ifch.unicamp.br/ael/.

82 Arquivo do Estado do Rio de Janeiro (APERJ): O Arquivo Público do Estado do Rio de

Janeiro (APERJ) é um órgão público brasileiro vinculado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. É

responsável pela guarda e preservação da documentação produzida pelo Executivo Estadual do Rio d e

Janeiro (Governo do Estado, Secretarias e autarquias estaduais). Fica atualmente localizado na praia de

Botafogo, em Botafogo, cidade do Rio de Janeiro. Sua sede, um edifício de mais de cem anos, está em

péssimas condições: teto desabando, salas sem climatização, fungos em arquivos etc. Não possui sede

própria. O APERJ reúne importante acervo de documentos do século XVIII até os dias atuais, com cerca

de 4.000 m (se dispostos em linha reta) de documentos textuais, além de mapas, plantas, fotografias,

filmes, fitas de áudio e vídeo e microfilmes. Dispõe também de uma bib lioteca ampla especializada nas

áreas de arquivologia, história e legislação. Fonte: http://www.aperj.rj.gov.br/ (site oficial do órgão). A

comparação das autoras entre ambos os arquivos certamente tem a finalidade de demonstrar o contraste

na valorização e cuidado dispensado para ambos, já que o acervo da Unicamp não trata do período do

golpe militar, mas sim da Primeira República.

83 Joana D‘Arc Fernandes Ferraz*; Carolina Dellamore Batista Scarpelli**, em artigo publicado

para o XIII Encontro de História Apuh-Rio. Ditadura Militar no Brasil: Desafios da Memória e do

Patrimônio.

*Professora Doutora do Programa de Pós -Graduação em Memória Social da Universidade Fede-

ral do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista PRODOC/CAPES.

** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do

Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista CAPES.

84 ANSARA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curit iba: Juruá, 2009. Pg. 327.

Page 54: TCC 2ª Edicao corrigida

54

A ditadura militar brasileira, com todo o seu aparato repressivo, deixou muitos

legados para as gerações que a sucederam, tanto negativos — que permanecem na soci-

edade brasileira, como resquícios de um governo autoritário e repressivo, e que repre-

sentou um retrocesso para o avanço da democracia — quanto positivos — que se mani-

festam nas práticas de resistência dos movimentos sociais. Soraia Ansara, Mestre

(2000) e Doutora (2005) em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, no seu livro Memória Política, Repressão e Ditadura no Brasil, realizou

ampla pesquisa em alguns setores da sociedade politicamente ativa do nosso país, entre

eles os estudantes e os movimentos sindicais e comunitários. De acordo com alguns

dados dessas pesquisas, ela afirma que

As lideranças comunitárias e sindicais reconhecem que esse passado repressivo a-

inda permanece nas formas autoritárias que se manifestam na nossa sociedade de

maneira camuflada, nos meios políticos e nos próprios movimentos em que part i-

cipam, por meio das atitudes de certos lideres. E apontam que ainda temos muito

que caminhar para chegar a uma consciência política democrática com maior auto-

nomia, em que o povo brasileiro, efetivamente, possa definir os rumos do país. (...)

a ausência de uma consciência política democrática é resultado da própria vivência

numa falsa democracia ou numa ―democracia entre aspas‖, como os entrevistados

se referem. (...) Apesar de vivermos numa democracia, existe hoje, segundo nossos

sujeitos, um medo de falar, de participar, de se envolver em ações coletivas, que é

proveniente do medo da repressão. O fato de se punir aqueles que se opunham, que

escreviam ou falavam criticando o regime militar, faz com que, ainda hoje, muitas

pessoas tenham receio de fazer suas críticas, de expressar suas opiniões, de part i-

cipar, de inclusive lutar pelos seus direitos.85

85

ANSARA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curit iba: Juruá, 2009. Pg. 235-

237.

Page 55: TCC 2ª Edicao corrigida

55

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Necessitamos de uma séria reflexão a respeito das opiniões sociais dos nossos

dias em relação ao período militar. As reflexões dos autores citados sugerem que a he-

rança histórica que recebemos são muito mais presentes e palpáveis do que parecem

principalmente em nível de comportamento e atitude.

Embora não pareça ser um período tão longo em comparação com outros perío-

dos e fases da História, a ditadura militar se mostrou muito intensa, influenciou muito o

país e ainda continua a influenciar indiretamente, através de sua política conciliatória de

distensão para um ―Estado Democrático‖, cuja transição até hoje não logrou alcançar

um franco reconhecimento das atrocidades cometidas contra os opositores. A omissão e

o comportamento de ―auto-anistia‖ prepararam o terreno para a continuidade da impu-

nidade, da corrupção, do autoritarismo. O simulacro de democracia está aí exposto, on-

de percebemos o direcionamento do aparato repressivo deslocado da repressão política

para as classes pobres da sociedade brasileira. Será que teremos condições de construir

uma identidade política de visão abrangente no nosso país? Terá fim o período de reclu-

são e silêncio das Forças Armadas em relação aos eventos ocorridos entre 1964 e 1985?

São perguntas que devem nos instigar a uma análise mais séria a respeito da sociedade

em que vivemos.

Page 56: TCC 2ª Edicao corrigida

56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Acervo digital da Revista História Viva, editora Duetto. Disponível em:

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/

Acervo Digital do Periódico ―Aventuras na História‖, editora Abril Cultural,

disponível em: http://historia.abril.com.br/

Acervo digital do periódico ―Revista Âmbito Jurídico‖, disponível em:

http://www.ambito-juridico.com.br/

Acervo digital do periódico ―Revista Brasileiros‖, disponível em:

http://www.diariosdaditadura.com.br/

Acervo digital do periódico ―Revista Época‖, editora Globo. Disponível em:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/

Acervo digital dos exemplares do jornal ―A Folha de São Paulo‖. Disponível

em: http://almanaque.folha.uol.com.br/

Acervo digitalizado da Unicamp, disponível em: www.ifch.unicamp.br/

Agência Estado, seção ―Saúde‖ do Portal R7 Notícias, publicado em 24/09/2009.

Link: http://noticias.r7.com/saude/noticias/tortura- faz-vitima-criar-memorias-e-

acreditar-nelas-diz-pesquisa-20090924.html. acessado em 03/06/2010.

ALVES, Maria H. Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru,

SP: Edusc, 2005,

ANSARA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curitiba: Juruá,

2009.

ARANTES, Maria Auxiliadora "Pacto revelado: abordagem psicanalítica de

fragmentos da vida militante clandestina", dissertação de Mestrado, PUC, 1992.

Artigos e publicações on- line no jornal ―O Rebate‖. Fonte:

http://www.jornalorebate.com/

BETTO, Frei. Batismo de Sangue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Ma-

righella. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.

Page 57: TCC 2ª Edicao corrigida

57

Discurso de João Goulart Durante Reunião de Sargentos no Automóvel Clube

em 30 de Março de 1964 (em sua íntegra online em:

http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/42.pdf).

Entrevista especial via e-mail com o historiador Ricardo Mendes, em

15/12/2008. Fonte: http://www.adital.com.br/Site/noticia.asp?lang=PT&cod=36529.

FERREIRA, DELGADO, Jorge Luis e Lucília de Almeida Neves. O Brasil Re-

publicano, vol. 4. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em

fins do século XX. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

ANSARA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curitiba: Juruá,

2009.

DUMAS, Véronique. Cuba, Ilha da Rebeldia. São Paulo: Ática, 2008.

FON, Antônio Carlos. Tortura - A História da Repressão Política no Brasil.

São Paulo: Global, 1979.

GINZBURG, Jaime. Escritas da Tortura. Diálogos interamericanos, número

003. Universidade de Aarhus. Link na web:

http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/162/16200306.pdf. Acessado em 03/06/2010.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/A

_revolta_dos_marinheiros. Artigo escrito por Sérgio Lamarão (Doutor em História do

Brasil pela Universidade Federal Fluminense).

Arquivo digitalizado do Grupo Tortura Nunca Mais, disponível em

http://www.torturanuncamais-rj.org.br/

Vestibular 1 — a melhor ajuda ao vestibulando na internet. Link para pesquisa:

http://www.vestibular1.com.br/revisao/constituicoes_1824_1988.doc.

Joana D‘Arc Fernandes Ferraz; Carolina Dellamore Batista Scarpelli, em artigo

publicado para o XIII Encontro de História Apuh-Rio. Ditadura Militar no Brasil:

Desafios da Memória e do Patrimônio. Disponível na web em:

http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212961440_ARQUIV

O_TrabalhoCompletoanpuhrj2008.pdf

Page 58: TCC 2ª Edicao corrigida

58

MEIGUINS, Alessandro. Trecho de artigo publicado no acervo digital da Revis-

ta Aventuras na História (N°, ano e mês não informados). Link:

http://historia.abril.com.br/politica/esquerda-terror-434191.shtml.

MORAES, João Quartim de, A mobilização democrática e o desencadeamento

da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Tempo

Social; Rev. Sociologia USP, S. Paulo 1(2): 135-158, 2º sem. 1989.

Novo Dicionário Aurélio, edição digital em CD-ROM, versão 2005.

Pedro Henrique Torres, em:

www.historiagora.com/dmdocuments/Jango_Historia_Agora.pdf

Pesquisa sobre o decreto das reformas de base (reforma agrária) disponível em:

http://homemculto.wordpress.com/2010/04/15/mst-jango-joao-goulart-reforma-agraria-

e-o-infame-decreto-da-supra-decreto-n%C2%BA-53-700-de-13-de-marco-de-1964/

SEIXAS & POLITI; Ivan e Maurice. In ―A Luta Pela Anistia‖. Centro de Di-

fusão e Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Site de suporte Brasil Escola: http://www.brasilescola.com/ acessado nos últi-

mos três meses.

Testemunhos pessoais do período da ditadura militar, disponíveis em:

http://www.diariosdaditadura.com.br/

VIÑAR & VIÑAR, Marcelo e Maren. Exílio e Tortura. São Paulo:Escuta,

1992.

Wikipédia – Enciclopédia compartilhada Virtual: http://pt.wikipedia.org/wiki/ ,

acessada nos últimos três meses.


Top Related