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KARIN CHAGAS TAVARES DE MORAES

SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA E OS CUIDADOS NA

ASSISTÊNCIA NUTRICIONAL ESPORTIVA

Artigo apresentado como requisito parcial àobtenção do grau em Nutrição. Curso de Nutrição.Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde.Universidade Tuiuti do Paraná.Orientadora: Pro'F. Ana Aparecida Nogueira Meyer

CURITIBA2003

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SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA E OS CUIDADOS NA ASSISTÊNCIA

NUTRICIONAL DESPORTIVA

Aluna: KARIN CHAGAS TAVARES DE MORAES

Orientadora: MSc ANA APARECIDA NOGUEIRA MEYER

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RESUMO

A suplementação nutricional vem se tornando cada vez mais comum nomeio esportivo. A alta segmentação do mercado disponibilizou uma gama enorme desuplementos nutricionais e a propaganda incentivou seu uso de forma crescente eindiscriminada. Dentre os suplementos mais consumidos encontra-se a creatina, querecentemente tem sido estudada, para avaliar seu real potencial como auxiliarergogênico para o desempenho físico esportivo. As pesquisas relacionam o uso dacreatina com aumento do desempenho em exercícios intermitentes de altaintensidade. As pesquisas realizadas até o presente momento não esclarecem osefeitos no organismo em longo prazo, porém não indicam risco significativo à saúdequando a creatina for administrada na dosagem correta e com acompanhamentomédico ou de nutricionista.

Palavras chaves: Suplementação, desempenho físico, creatina, interações,dosagem.

ABSTRACT

Nowadays, the nutritional supplementation is becoming more common inthe sports environment. Many types of supplements have appeared on the marketand advertising has increased the consumption Df supplements in an indiscriminateformo One of the most consumed supplements is Creatine, which has been studied todetermine if this supplement is in fact an ergogenic aid to increase physicalperformance. The research related that Creatine could enhance the performanceduring a high, intense, and repetitive exercise. This supplement might improve thephysical capacity to perform sprints in repetitive intervals, decreasing the fatigueunder training, and accelerating the muscle hypertrophy that might be positive insome sports activities which need high muscular power. Although, the long termeffects are not fully described, the research doesn't show significant risks to health ata short term; if the athlete takes the carrect amount of Creatine under a doctor's arnutritionist's supervisiono

Key words: Supplementation, physical performance, creatine, interactions and dose.

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INTRODUÇÃO

A suplementação nutricional vem se tornando cada vez mais comum no

meio esportivo. Isto acontece porque os atletas ou simples praticantes de atividade

física acreditam que o consumo de suplementos dietéticos especificos promove

aumento do desempenho, durante os exercícios fisicos proporcionando, assim,

melhor estado de saúde geral e boa forma fisica.

A creatina é considerada uma substância natural e um dos principais

suplementos nutricionais há mais de 150 anos. Entretanto, apenas recentemente,

vem sendo estudada de forma mais intensa. Os estudos buscam avaliar seu

potencial de auxilio ergogênico, para o exercício físico e o desempenho esportivo. O

crescente interesse dos pesquisadores é devido à larga utilização da creatina, que

substituiu, em parte, o uso de esteróides anabolizantes androgênicos pelos

esportistas (WILLlAMS et ai, 2000).

O objetivo deste trabalho é demonstrar o papel da suplementação de

creatina, a partir das necessidades de ingestão protéica dos praticantes de

atividades físicas, analisando os efeitos adversos à saúde, causados pela

administração incorreta desta substância, além de sugerir cuidados na assistência

nutricional desportiva.

SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS

As primeiras relações entre consumo de nutrientes específicos e alterações

de rendimento fisico datam da metade do Século V a.C., quando o lutador greco-

romano Milo da cidade de Creton, relatou ter consumido, em um único dia, 9kg de

carne, 9kg de pão e 8,5L de vinho, atribuindo a essa composição nutricional, o

sucesso por ele obtido nas lutas de Delphi, Corinto e Nemea. Desde então, muitos

esportistas passaram a acreditar que força e resistência muscular podem ser

adquiridas a partir do consumo de grandes quantidades de alimentos e suplementos

protéicos (LANCHA, 1999).

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Nos últimos cem anos, os conhecimentos de fisiologia e nutrição humana

foram bastante ampliados, o mesmo ocorrendo com as aplicações das alterações

dietéticas e a suplementação através de nutrientes específicos. A modulação da

composição dietética e/ou a suplementação com nutrientes especlficos com o intuito

de melhorar o desempenho físico humano é uma definição funcional dos auxílios

ergogênicos nutricionais (WOLlNSKI, 1996).

Suplementos dietéticos, de acordo com a Dietary Suplement Health and

Education Act - DSHEA (EUA, 1994) "são produtos entendidos como suplementares

à dieta para melhorar a saúde" e incluem vitaminas, minerais, aminoácidos, ervas e

outras substâncias botânicas. O suplemento dietético não pode ser considerado

como um alimento convencional ou como um único item de uma dada refeição. É um

produto a ser utilizado por pessoas fisicamente ativas com o propósito de aumentar

o desempenho físico, melhorar a saúde elou reduzir as conseqüências negativas do

exercicio físico, tais como fadiga muscular crônica, cansaço físico ou supressão da

função imune (BERTULOCCI, 2002).

Atualmente, é difícil encontrar praticantes de atividade fisica que nunca

tenham consumido algum tipo de suplemento, seja este em pó, líquido, xarope,

comprimido ou cápsula. "Os parâmetros utilizados pelas indústrias para induzir e

seduzir o consumidor são: alcançar um menor tempo, aumentar a força, melhorar a

velocidade, saltar mais longe e outros" (HISCBRUCH et ai, 2000).

Há hoje, em todo o mundo, vários tipos de suplementos esportivos expostos

para venda ao consumidor. Registraram-se cerca de 624 suplementos energéticos

destinados a fisiculturistas, cuja propaganda apresentava em torno de 800 tipos de

mecanismos diferentes, segundo os quais a performance pOderia ser aumentada.

Entretanto, a maioria das alegações apresentadas não é fundamentada por dados

de pesquisas cientificas. A diversidade de produtos é, certamente, um fator que

dificulta o entendimento da questão da suplementação, uma vez que o consumidor

leigo, pode ficar extremamente confuso diante de diferentes tipos de produtos para

as mais diversas finalidades. Uma forma de diminuir esta confusão é entender qual o

tipo de produto é considerado um suplemento esportivo. Geralmente, esses produtos

são agrupados em diversas categorias tais como: repositores eletrolíticos, alimentos

protéicos, alimentos compensadores, dentre outros. Esse agrupamento, contudo,

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não define o que se entende por suplemento esportivo, ou seja. quais são as suasparticularidades (BACURAU, 2000).

O tipo de suplemento utilizado por atletas varia constantemente. O consumode vitaminas, aminoácidos, extratos e outras substâncias alimentícias representam,talvez, o aspecto mais em moda na nutrição esportiva. Os atletas usuários acreditamque esses suplementos lhes trarão vantagens competitivas. Entretanto, é necessário

cuidado na administração de suplementos, uma vez que seu uso indiscriminado, porfalta de conhecimento, pOde levar a excessos e resultados prejudiciais à saúde e ao

desempenho, incluindo o ganho indesejado de peso (HISCBRUCH et ai, 2000).

Uma relação parcial, apresentada na Tabela 1, mostra algumas substâncias

consumidas como suplementos energéticos e a forma como são comercializados.

TABELA 1- ERGOGÊNICOS E SUAS FORMAS DE COMERCIALIZAÇÃO

ERGOGÊNICOS FORMA DE COMERCIALIZAÇÃO

Creatina Vendida como um aminoácido para ser utilizado ematividades de alta intensidade e curta duração.

Aminoácidos de CadeiaRamificada (AACR)

SãO vendidos como minimizadores de fadiga muscularpara atividades prolongadas, além de apresentar efeitosanabólicos e catab61icos em atividades de força.

Glulamina Um aminoácido vendido como polivalenfe, que poderiaminimizar a imunossupressão sofrida por alguns atletas.

Camifina Um aminoácido vendido como queimador de gordura.

FONTE: BACURAU, 2000.

Muitos suplementos contêm proteínas e vários aminoácidos combinadospara ganho de massa muscular. As vantagens para o uso dos suplementos protéicosem relação aos alimentos integrais são:

a) Ingestão protéica adequada se a dieta é inadequada;

b) Substituir as fontes protéicas ricas em gordura;

c) Fonte protéica com convenientes preparações;

d) Estocagem e armazenagem longa e estável;

e) Fonte adicional de energia;

f) Permite a adição de outros nutrientes para aumentar o valor alimentar.

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CREATINA

Em 1832, o cientista francês Michel Eugene Chevreul extraiu da carne umcomposto nitrogenado que se tornou o mais consumido por atletas até os dias de

hoje, ao qual deu o nome de creatina. A creatina pode ser classificada como uma

fonte potencial de energia sendo-lhe atribuídos o aumento da potência e massa

muscular, efeitos estes, desejados para determinados tipos de esportes, tais comofutebol, voleibol e fisiculturismo (GARCIA JR, 2000).

A creatina (ácido acético metilguanidina) é um composto nitrogenadoderivado do aminoacido glicina e pode ser encontrado em alimentos de origem

animal principalmente nas carnes vermelhas (Tabela 2) ou ainda, ser sintetizado noorganismo pelos rins, fígado e pâncreas, a partir dos aminoácidos: glicina, arginina emetionina (Figura 1).

TABELA 2 - CREATINA EM ALIMENTOS SELECIONADOS

ALIMENTOS QUANTIDADE DE CREATINA (g/Kg)

Camarão

Bacalhau

Atum

Salmão

Arenque

Carne de vaca

Carne de porco

Leite

Vestígios

4

4,5

6,5 -10

4,5

5

0,1

FONTE: WILLlAMS, 2000

A ingestão de creatina através da dieta responde por cerca de metade da

necessidade corporal diária. A parte complementar é obtida a partir da síntese

endógena de creatina, a qual ocorre especialmente quando a disponibilidade deste

composto é insuficiente para atender às necessidades diárias. Nestas condições, ocomplemento de creatina é sintetizado a partir dos aminoácidos glicina, arginina emetionina (Figura 1). A molécula de glicina é totalmente incorporada na creatina,

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enquanto a arginina, por sua vez, fornece apenas seu grupo amidino e a metionina

fornece seu grupo meti! (NELSON e COX, 2000; TIRAPEGUI et ai, 2002).

S-Adenosll-Metlonlna

'MiMFIGURA 1 - Slntese de creatina a partir da arginina (TIRAPEGUI et ai, 2002).

A creatina ingerida é absorvida intacta através do lúmen intestinal, entrando

na corrente sangüínea, com absorção aparentemente total. Há evidências de que a

captação de creatina pelos tecidos também pode ser mediada pelo hormônio

insulina (WILLlAMS, 2000). Após esta absorção, a creatina é liberada do plasma

para vários tecidos do corpo, dentre os quais: coração, musculatura lisa, cérebro,

retina e testículos. Entretanto, a grande maioria do estoque corporal de creatina está

localizada na musculatura esquelética. Estima-se que um homem de 70Kg possui

aproximadamente 120g de creatina, sendo 95% deste total encontrado nos

músculos esqueléticos, onde 60% desta é fosforilada, através de uma reação

mediada pela enzima creatinaquinase (CPK) formando a fosfocreatina ou creatina-

fosfato (Per) um composto altamente energético; os outros 40% encontra-se sob a

forma de creatina livre (Cr) (TIRAPEGUI et ai, 2002).

Há um equilíbrio dinâmico (tumover) entre as concentrações de creatina livre

e creatina fosfato, através de um processo conhecido como "phosphororycreatine

shutle" (Figura 2). Este processo demonstra a difusão da creatina por três locais:

área de utilização, área de transição e área de fosforilação da creatina. No local de

utilização, ou seja, na miosina, a molécula de Per, "quebrada" através da ação da

enzima CPK, libera energia (ions fosfato: Pi) para a ressíntese de ATP a partir de

ADP. A creatina livre (Cr), resultante desta "quebra" é levada por difusão até a

membrana da mitocôndria, onde será novamente fosforilada, utilizando a energia

proveniente da quebra de ATP em ADP para, em seguida, retornar por difusão ao

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seu local de utilização, onde sera novamente utilizada para a ressíntese de ATP

(TIRAPEGUI et aI., 2002).

Célula Muscular

Mitocôndrja

(.~;~"-+ADP~~'i"">. ··)l·~r

FIGURA 2 - *Phosphoryfcreatine shutlle" (TIRAPEGUI et ai, 2002)

Em um homem de 70Kg, com uma ingestão média corresponde a 19ldia, o

turnover diário de creatina é de, aproximadamente, 2g. A concentração plasmática

apresenta-se entre 40 e 100llmo11L,enquanto a muscular é em média 125mmollKg

de músculo seco limitando-se em 150-160mmol de músculo seco, ou seja,dificilmente as reservas de creatina superam esses valores. A suplementação seria

eficaz quando os estoques de creatina muscular fossem inferiores a 120mmol/kg de

músculo seco. (DE REZENDE e TIRAPEGUI, 2000; TIRAPEGUI et ai, 2002).

ASPECTOS GERAIS DO METABOLISMO MUSCULAR

A principal tarefa da musculatura é a contração e conseqüentemente o

desenvolvimento de força. Para contrair e relaxar, o músculo necessita da energia,

proveniente dos substratos orgânicos. O músculo transforma energia química em

energia mecânica. A energia química é armazenada no músculo sob a forma de

derivados orgânicos de fósforo, isto é: ATP e PCr, trifosfato de adenosina e

fosfocreatina ou creatina-fosfato respectivamente (GHORAYEB, 1999).

A molécula de ATP fornece energia para a contração muscular por meio da

quebra das ligações de alta energia presente em seus fosfatos. Entretanto, sua

concentração muscular é pequena, suficiente para poucos segundos de contração.

Há, contudo, três eficientes sistemas para a ressíntese constante das moléculas de

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ATP durante o exercícío físico. A predominância de um sistema é determinada pela

intensidade e duração do exercício (GARCIA JR, 2000).

Exercício de Alta IntensidadeAlIa Velocidade de Hidrólise A TP

o primeiro sistema, denominado de fosfocreatina, atua imediatamente após

a utilização do ATP armazenado, adicionando energia suficiente para apenas algunspoucos segundos. É acionado sempre no início de qualquer atividade física, sendoessencial em exercícios de alta intensidade e curta duração. A fosfocreatina (PCr)

esta no músculo servindo como reservatório de fosfatos (Pi) de alta energia. Assim,conforme a reserva de ATP vai sendo hidrolisada, a enzima creatinaquinase (CPK)vai transferindo fosfatos para os ADP e ressintetizando o ATP necessário para até

30s de atividade fisica, impedindo a diminuição do nível basal de ATP e preservando

o mecanismo de contração muscular. O ATP proveniente desta via é hidrolisado na

mitocôndria liberando fosfatos que reconstroem a molécula de PCr através da CPK

mitocondrial (GARCIA JR, 2000), conforme esquema a seguir:

ATPATPase

1 ADP + Pi

§]~Mitocôndria I ---to- I ADP+Pi 1--.CPK-

+------ ~ +-----------------~'-----------'Exercício

Rim I........---! sangue! +-- IL__ C_r_l_iv_r_e_-,

o segundo sistema, a glicólise anaeróbia, é decorrente da quebra da glicose

até a formação de ácido lático, com ressintese de ATP independente de oxigênio. É

um sistema com capacidade elevada de ressíntese de ATP em curtos períodos, por

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isso é utilizado durante exercícios intensos com duração máxima de poucos minutos,

ja que a diminuição do pH, provocada pelo acido lático, inibe algumas enzimas desta

via, impedindo a continuidade do processo (GARCIA JR, 2000).

O terceiro sistema, a fosforilação oxidativa, ressíntetiza ATP através do

transporte de elétrons, utilizando o oxigênio como aceptor final destes. Considerado

o mais eficiente dos três sistemas em quantidade de ATP ressintetizado, atende as

demandas energéticas em exerclcios de intensidade moderada, quando sob oferta

suficiente de oxigênio, além de poder gerar energia a partir de três diferentes

substratos energéticos: glicose, acidos graxos e aminoacidos (GARCIA JR, 2000).

A capacidade muscular de ressintese de ATP em condições anaeróbias e

aeróbias é resultante de especializações existentes na musculatura esquelética. No

organismo, um mesmo músculo possui tipos deferentes de fibras musculares mais

adaptadas a gerar energia em cada uma das condições. Os músculos possuem três

tipos de fibras (Tabela 3): tipo 1, de contração lenta - oxidativa, 2A de contração

rápida - oXidativa,e 2B de contração rápida - glicoliticas (GHORAYEB, 1999).

TABELA 3 - CARACTERíSTICAS DAS FIBRAS DA MUSCULATURA HUMANA

TIPO 1 TIPO 2A TIPO 28CARACTERíSTICA LENTA - RÁPIDA- RÁPIDA-

OXIDATIVA OXIDATIVA GLlCOLiTICA

Velocidade de contração Lenta Rápida Rapida

Capacidade anaeróbia Baixa Moderada Alta

Capacidade oxidativa Alta Moderada Baixa

Estoque de triacilgliceróis Alto Moderado Baixo

Estoque de glicogênio Moderado Moderado Alto

Qtde de mitocôndrias Grande Moderada Pequena

Enzimas oxidativas Alta Moderada Baixa

Enzimas glicofíticas Baixa Moderada Alta

BACURAU, 2000

Todas os tipos de fibras musculares presentes na musculatura são capazes

de hipertrofiar, porém, existe uma diferença quanto a esse tipo de resposta, quando

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lO

se considera cada tipo de fibra muscular existente. As fibras do tipo 2A respondem

mais prontamente ao treinamento com sobrecargas, enquanto as fibras do tip01 o

fazem em menor grau. O crescimento muscular implica obrigatoriamente no acúmulo

de protelnas contráteis e estruturais na musculatura, o qual pode ocorrer através do

aumento na sintese protéica ou da diminuição na degradação das proteínas. O

metabolismo protéico no músculo é bastante ativo, tendo-se, a cada 7-15 dias, mais

da metade das proteínas contráteis renovadas; o que não implica a necessidade de

consumo de grandes doses de proteínas a cada uma a duas semanas. Embora as

proteínas sejam renovadas, a grande maioria dos aminoácidos dessas proteínas é

reutilizada no processo de fabricação de novas proteínas. O aumento através da

sintese parece ser a forma adotada por fibras do tipo 2A, enquanto a degradação é

a mais adotada por fibras do tipo 1 (BACURAU, 2000).

ADMINISTRAÇÃO DE CREATINA

Nos EUA, a Ingestão Diária Recomendada (IDR) de proteina é de 0,8g/kg

corpóreo/dia para pessoas saudáveis, sendo possível utilizar a medição do consumo

e excreção do nitrogênio (balanço nitrogenado), bem como a massa muscular

(aproximada pela massa corporal sem gorduras e pela força) para avaliar o estado

protéico (WOLlNSK, 1996). As demandas diárias de proteinas entre atletas variam

entre 0,94 e 1,5g/Kg. Alguns peritos recomendam uma ingestão ainda mais alta para

atletas de resistência (1,2 a 2g/Kg/dia) e para atletas submetidos a um treinamento

de força (1,3 a 1,8 g/Kgdia). Em geral, a maioria dos atletas consegue atender essas

necessidades protéicas sem fazer grandes mudanças em seus hábitos dietéticos.

Alguns pesquisadores sugeriram uma ingestão superior a 2 - 2,5g/Kg/dia. Contudo,

ainda não se obteve confirmação adicional dessa informação (FOSS, 2000).

A melhor maneira de otimizar a performance do atleta associa treinamento

especifico e alimentação adequada, podendo-se valer de forma equilibrada de uma

correta suplementação energética. Entretanto, esta suplementação não deve ser

feita por simples praticantes de atividade fisica, os quais não executam um trabalho

tão intenso como os atletas competitivos e de elite. A administração deste tipo de

suplementos deve ser realizada sob devida orientação e em situaçôes específicas

como, por exemplo, quando o trabalho despendido pelo esportista é muito intenso,

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contribuindoassim para uma alimentação balanceada, ou quando o aporte calórico ede nutrientes não atinge as necessidades do atleta, evitando, desta forma, sérias

limitações no rendimento, além de alteraÇÕesna composição corporal e no apetite,

fadiga constante e até possíveis lesões musculares. Os suplementos de creatina são

comercializados sob diversas formas: pós, tabletes, géis, liquidos, gomas de mascar

e barras de cereais. Alguns produtos misturam o monohidrato de creatina com

outras substâncias, como carboidratos, proteínas, vitaminas, minerais, aminoácidose até mesmo, extratos de ervas e produtos fitoquímicos (HISCHBRUCH et ai, 2000).

A administração da suplementação com creatina deve considerar alguns

fatores e ser realizada em duas fases (BACURAU, 2000; GERMANO, 2000; DE

REZENDE e TIRAPEGUI, 2000; WILlIAMS, 2000):

• Fase 1 - fase de carregamento: o procedimento é o de sobrecarga, para

promover um aumento no conteúdo de creatina intramuscular. Nesse procedimento,

são consumidas 20g/dia em 4 doses de 5g cada, por 5 a 7 dias, dissolvidos em

250mI de liquido, ao longo do dia. Após o periodo de sobrecarga, inicia-se a fase 2;

• Fase 2 - fase de manutenção: o procedimento é o de manutenção das

concentrações intramusculares de fosfocreatina. Por 6 semanas, as concentrações

intramusculares de PCr obtidas podem ser mantidas, através do consumo de 5g/dia

em 2 doses de 2,5g cada.

As proteínas responsáveis pelo transporte de creatina para o interior da

célula muscular perdem sua sensibilidade quando expostas, por longos periodos, a

grandes doses de creatina. Isso significa que após o período de manutenção é

importante parar com a suplementação, permitindo aos transportadores aumento desua sensibilidade. A administração da creatina misturada a líquidos, dividida emdoses é recomendada para a sua melhor dissolução, ° que evita efeitos colateraiscomo gastroenterite e diarréia (GERMANO, 2000). Sugere-se uma mistura de suco

de laranja (125ml) e água (125ml), à qual se deve adicionar a creatina em pó. Outra

opção é utilizar 92,5g de glicose diluida em 500ml de água para se ter a solução de

CHO, administrar 250ml antes e 250ml após o exerclcio (BACURAU, 2000;

WILlIAMS, 2000).

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ASPECTOS POSITIVOS DA SUPLEMENTAÇÃO COM CREATINA

Os suplementos de creatina podem, teoricamente, ajudar a evitar a fadiga

por promoverem o aumento da ressíntese e disponibilidade de fosfocreatina, que:

• Reduz a acidez muscular, atuando como principal tampão metabólico no

músculo. Islo ocorre graças ao consumo de lons hidrogênio (H+) no processo de

ressintese de ATP a partir de ADP. Uma concentração elevada de tampão pode

permitir ao músculo acumular mais ácido lático antes que este atinja um limite de pH

muscular, aumentando, assim, a duração de exercícios de alta intensidade;

• Pode habilitar os atletas a alcançarem uma carga de trabalho mais elevada,

reduzindo a fadiga advinda do treinamento 9, possivelmente, acelerando a

hipertrofia muscular. Um aumento na massa muscular pode ser vantajoso em

esportes que exijam elevada potência absoluta para resistir à inércia de outros

corpos e a vencer objetos externos (WILLlAMS et ai, 2000).

De forma geral estes efeitos benéficos podem ser observados em esportes

tais como (BACURAU, 2000; WILLlAMS, 2000):

a) Testes de velocidade em nadadores;

b) Produção máxima de força em c;cloergómetro;

c) Tiros de 700m de corrida;

d) Velocidade final em tiros de 60m de corrida;

e) Tempo de exaustão em testes de alta intensidade em bicicleta;

f) Capacidade e composição corporal em levantadores de peso;

g) Performance de saltos.

ASPECTOS NEGATIVOS DA SUPLEMENTAÇÃO COM CREATINA

Em pesquisas realizadas até o presente momento, os efeitos benéficos são

evidenciados sem, contudo, esclarecer os efeitos da utilização de suplementos no

organismo em longo prazo. Desta forma, é aconselhável que antes da administração

seja promovida uma cuidadosa anamnese, que possibilite determinar a necessidadeda utilização de suplementação de creatina Observou-se que individuos com

histórico familiar de problemas hepáticos e renais podem apresentar reações

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adversas por ingestão protéica excessiva de proteinas (TIRAPEGUI et ai, 2002;

BERTOLUCCI, 2002). Além disso, a administração de creatina é contra-indicada em:

• Individuos que apresentem alergia ao composto; aos portadores de insuficiência

renal; em pessoas desidratadas; uso concomitante com antiinflamatór;os, diuréticos

e alimentos que contenham nitratos (GERMANO, 2002);

• Portadores de gota cujo quadro patológico pode ser agravado pelo consumo

excessivo de proteínas, uma vez que essa prática pode aumentar a deposição de

ácido úrico nas articulações (BACURAU, 2000);

• Indivíduos com ingestão excessiva de proteínas fazendo parte de uma dieta

energeticamente desbalanceada (ingestão protéica diária superior a 30% do valor

calórico total da dieta: VCT), por poder provocar alterações nas concentrações dos

aminoácidos plasmáticos, por meio de mecanismos de transaminação hepática,

reduzindo assim, a disponibilidade de alguns aminoácidos essenciais para a síntese

protéica do músculo esquelético, o que poderia comprometer o trabalho de

hipertrofia muscular (BACURAU, 2000; WILLlAMS, 2000);

• Indivíduos propensos a sofrerem de cãibras, devido â queda da concentração

intracelular de magnésio, por aumento de fosfocreatina (BACURAU, 2000);

• Indivíduos com má avaliação do aumento relativo da força muscular, o que

poderia levá-los a exceder-se na atividade fisica, causando mialgia e lesões em

tendões e tecido muscular (GERMANO, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

o uso da creatina difundiu-se entre atletas e adeptos de atividades físicas,

juntamente com a crença de que seu desempenho físico aumenta à medida que

passam a consumir este suplemento. Para tanto contribuem: a segmentação do

mercado de suplementos nutricionais, a enorme variedade e disponibilidade destes

produtos com fórmulas pré-definidas e dosagens recomendadas expostas nas

próprias embalagens, e o agressivo marl<etingdas industrias deste tipo de produtos.

Diante deste quadro, percebe-se a importância das pesquisas recentemente

iniciadas, que buscam demonstrar os benefícios e malefícios, que a administração

de creatina pode promover no organismo humano, orientando seus usuários, há

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tempos, carentes de informações seguras sobre esta prática tão comum. A evolução

das ciências médicas e nutricionais no último século, com a criação de métodos

cada vez mais precisos de aferição das necessidades energéticas possibilitaram oestabelecimento de recomendações diárias para as mais diversas modalidades deesportes e grau de atividade física desenvolvida, permitindo a confecção de planosdietéticos individualizados e adequados a cada indivíduo e situação.

Segundo as pesquisas. os efeitos positivosda creatina são mais bempercebidos por atletas que desempenham atividades fisicas de alta intensidade e

curta duração, tais como os fisiculturistas, OS corredores de curta distância, oupraticantes de esportes, como o futebol e o voleibol, nos quais ocorrem momentosde maior desgaste energético do atleta. Embora alguns pesquisadores afirmem serantiético recomendar a suplementação de creatina pelo fato de seus efeitos emlongo prazo não serem ainda completamente conhecidos, os pretensos usuãriosdesta suplementação devem estar atentos aos possíveis riscos, além de se colocar

sob a orientação de profissionais devidamente capacitados e habilitados para que

possam usufruirseus beneficios sem, contudo, causar danos à sua saúde.

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