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Page 1: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

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Conselho para o jovem aprendiz de Filosofia

Ao jovem aprendiz de Filosofia

Rogo que se não apresse a adoptar soluções, que não leia obra de uma so

escola ou tendência, que procure compreender as argumentações de todas e que

queira tomar como primário escopo a singela façanha de compreender os problemas,

d compreende-los bem, de os compreender a fundo. Ora o fundamental da filosofia é

de facto a critica.

Devera pois a iniciação filosófica assumir um carácter essencialmente crítico e

consistir num debate dos problemas básicos que não sejam dominados pelo intuito

dogmático cerrar as portas às discussões ulteriores; seja a filosofia para o aprendiz de

filosofia não uma ilha de conclusões adoptadas, sim uma actividade de elucidação dos

problemas; é essa actividade o que realmente importa, e não o citar e propagandear

conclusões. Pode ser muito útil para a vida pratica o simples conhecimento do

enunciado de uns tantos teoremas de matemática, porém não tem nisso sombra de

valor cultural; só possui de facto valor cultural o perfeito entendimento dos raciocínios

que nos dão as provas dos enunciados. Por isso mesmo, ao lermos um filósofo de

genuíno mérito, de dois erros opostos nos cumprirá guardar-nos: o primeiro, o de nos

mantermos aí eternamente passivos e de tudo aceitarmos como se fossem dogmas,

de que depois tentaremos convencer o próximo; o segundo, o de criticarmos

demasiado cedo, antes de chegarmos à compreensão do texto. Para se evitar o

escolho do segundo, a atitude inicial deverá ser receptiva e de todo humilde. Se achar

uma ideia no texto de Mestre que lhe pareça de fácil reputação, conclua que ele

próprio é que a não percebe, e que o pensar do autor devera ser mais fino, mais

meandroso, mais facetado do que ao primeiro relance se lhe afigurou: e que se lhe

impor uma atenção maior e o melhor processo, nessa 1ª fase, é de refazermos por

iniciativa nossa, com exemplos familiares da nossa própria experiencia, a doutrina

exposta pelo autor que estudamos, até que a tenhamos como coisa nossa, porque

feita de matéria verdadeiramente nossa, e reconstruída pelo nosso espírito.

Viver implica resolver problemas. Mas os problemas, embora sejam uma

especificidade da racionalidade humana. É portanto a reflexão que permite ao

pensamento humano se voltar sobre si mesmo, sobre as suas operações, sobre as

acções, para as interpretar.

Sempre que pensamos, pensamos através de uma linguagem que tem a língua

como suporte.

Saber viver é como nos diz Sócrates um acto ético; visto que a experiencia da

relação do homem com os outros configura sempre modelos de comportamento que

pautam as relações sociais.

Teremos por isso de concordar antes de mais, que a filosofia é o lugar por

excelência, onde se pensa e problematiza a experiencia, qualquer que seja.

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Conceito de Filosofia

A palavra filosofia (do grego philosophia) foi usada pela primeira vez por volta do séc.

VI a. C. por Pitágoras, quando Léon, um tirano de Fliunte lhe perguntara um dia: quem

és tu? – sou um filosofo.

Literalmente filosofia significa amor à sabedoria. Todos conseguem distinguir o

tolo de um sábio. O que significa amor à sabedoria? Para Sócrates, para este a

Filosofia enquanto amor à sabedoria, não é posse mas o desejo, a procura

permanente da sabedoria. Platão acrescentou ao conceito socrático o sentido

paradoxal de «ciência da ignorância», «saber do não saber». Querendo com isto com

isto sublinhar que o filosofo é o que tem consciência de que vive numa situação

intermédia entre a ignorância absoluta da sabedoria e sua posse plena. Assim sendo,

o filósofo é, para Platão, aquele que sente a ignorância como uma incomodidade

insuportável e por isso, tenta superá-la.

Se nos ativermos à definição de Platão, filosofar será no sentido mais concreto,

assumir as consequências da luta entre a ignorância e o saber, que se constitui numa

atitude radical de olhar crítico sobre a experiência quotidiana, o conhecimento vulgar e

o cientifico. Sendo o homem, como diz Blaise Pascal, uma mente pensante, tende a

reflectir acerca de tudo que faz ou pensa.

Conceito de Filosofia de Direito e do Estado

A Filosofia do Direito e do Estado é a disciplina da ciência jurídica, que nos

permite reflectir sobre o fundamento e validade ontológica dos conceitos de direito e

Estado; uma disciplina que assume uma inegável importância (dela) na medida em

que permite ao homem, enquanto animal racional, de pensar e problematizar a sua

experiencia jurídica. (o que é que seria do direito sem a filosofia do direito? «lá onde

não há reflexão teórica, a ciência não passa de uma colecção para arquivos»).

Mas porquê muita gente tem uma ideia deturpada de filosofia e do seu ensino?

Duas são as razões principais. A primeira, subjectiva, tem a ver com o facto dos

homens serem naturalmente preguiçosos, sobretudo quando se trata de pensar e

raciocinar adequadamente. Preferem viver na caverna da ignorância do que buscar

em tudo, a verdade, mesmo quando não poucas vezes são detentoras de um

considerável canudo. E mesmo afirmando com Stephen Jay Gould, que «nada é mais

mortífero do que uma falsa ciência», na verdade a maioria das pessoas preferem a

opinião mais difusa (doxa), do que o pensamento reflexivo, o verdadeiro

conhecimento, a ciência (epísteme). Isto porque por norma os homens gostam de

pensar por procuração. Único meio que permite ao homem dar verdadeiramente

sentido à vida.

Uma outra razão, objectiva, tem a ver com a dificuldade de definir o que é a

filosofia, em que tropeça todo aquele que se interessa pelo estudo dela. Ora,

metodologicamente é consueto, começar o estudo de uma ciência definindo o que ela

é, para daí se delimitar o seu objecto, e campo de estudo. Acontece, porem, no nosso

caso, que a primeira dificuldade em que embate todo aquele que se propõe fazer

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filosofia, está em saber precisamente o que ela é. Quer dizer ao tentar definir a

filosofia, embatemos logo numa grande dificuldade. Não há uma definição única de

filosofia.

Se perguntarmos a dez juristas o que é o Direito, teremos em princípio a mesma

definição; o mesmo acontece com os físicos e outros. Se perguntássemos a dez

filósofos o que é a filosofia, certamente que teríamos dez respostas completamente

diferentes, pelo facto que para definir a filosofia, é antes de mais filosofar. A primeira

constatação a fazer é que não existe filosofia, mas sim, filosofias que correspondem a

diferentes modos de verem as coisas; diferentes modos de pensar e problematizar a

experiência. Portanto definir a filosofia é por si mesmo uma tarefa eminentemente

filosófica.

Embora haja em relação a Filosofia do direito e do Estado tanto preconceito,

que muitos defendem a sua exclusão do currículo de Direito, (SUA IMPORTANCIA)

com Immanuel Kant, gostaríamos, todavia, de lembrar que a ciência só tem realmente

valor próprio, como órgão de sabedoria; «indispensável para a ciência, de modo que

podemos certamente afirmar que a sabedoria sem ciência é uma sombra da perfeição

que nunca podemos obter». Uma ciência sem sabedoria é uma actividade perigosa,

que torna os homens obscuros, fúteis e inumanos. Pelo que uma das mais importantes

tarefas da filosofia é impedir que os homens façam alguma ciência sem sabedoria.

Cientistas sem sabedoria são ciclopes, gigantes com um só olho, porque

vêem e ajuízam as coisas somente do ponto de vista limitado do seu campo de

especialização. Uma atitude que só pode ser vencida pelo estudo da filosofia, já que

só a filosofia pode filosofar, ou seja, aprender a ver e ajuizar as coisas no seu

encadeamento e na sua universalidade. A filosofia como que põe um segundo olho no

ciclope, que faz com que ele veja o seu objecto também do ponto de vista de outros

homens. É nisto que se funda dimensão humana das ciências…; é preciso atribuir a

cada, um olho de uma espécie particular: atribuir ao jurista a crítica do seu

conhecimento jurídico e moral.

A Filosofia do Direito é a «reflexão filosófica sobre o direito, ou a

consideração do direito, sob o ponto de vista filosófico, que abrange todas as formas

de indagação sobre o valor das normas que governam a vida social no sentido do

justo; ela é o estudo metódico dos pressupostos ou condições da experiencia jurídica,

considerada em sua unidade sistemática». Ela é portanto, a proposta de investigação

que valoriza a abstracção conceitual, servindo de reflexão, sobre as construções

jurídicas, sobre os discursos jurídicos, sobre as praticas jurídicas, sobre os factos e as

normas jurídicas. Com o repúdio dela, «a lei passaria a ser para o jurista, a autoridade

única, o dogma; não “enxergando um palmo além dos códigos. E o código seria

vontade histórica do Estado ou de maiorias parlamentares, e não da sociedade… ».

Direito «conjunto de normas que servem para regular as regras de convivência

humana em sociedade, com o intuito de prevenir e dirimir os conflitos» e o Estado

«comunidade humana politicamente organizada, detendo e exercendo o poder

politico»

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Atendendo que onde há direito há Estado e onde há Estado há direito, todo o

direito ou lei emana de uma sociedade, enquanto autoridade soberana, visto que toda

a sociedade implica necessariamente a existência de um direito ou lei como

justificação da sua autoridade.

(procuraremos também perceber o sentido da pergunta que o homem de

todas as épocas, de todas as sociedades e de todas as culturas, sempre se colocou e

que Platão põe em “A REPUBLICA”) na boca de Sócrates: «o que é mais conveniente

para a comunidade civil, é estar sob um regime de leis, ou de homens?»

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2 - OBJECTIVOS E FINS DA FILOSOFIA JURIDICO-POLÍTICA

A Filosofia é uma ocupação de seres livres, que usam autonomamente a razão

na procura da verdade, constituindo-se numa atitude radical de olhar crítico sobre a

experiência quotidiana, sobre o conhecimento vulgar e o científico, visto que filosofar

é, como afirma Platão, assumir as consequências da luta entre a ignorância e o saber.

A Filosofia é na realidade, um sistema científico formado de verdades e raciocínios

conseguidos pela reflexão e crítica, ao contrário da ideologia, que não passa de um

agregado de ideias e crenças inconscientemente aceites e vividas.

Ao contrário da filosofia que pressupõe a liberdade do ser pensante, a ideologia

é um conjunto de crenças semeadas por um grupo anónimo, que não respeita a

liberdade individual e cuja finalidade é prática e interesseira, geralmente contrária às

ideias da pessoa a quem é dirigida e que consiste em persuadir e controlar o

comportamento de outrem. A ideologia usa e abusa de pressão, por isso tende a

formar uma massa e não gente; não se orienta pela procura da verdade como a

ciência.

Dizia Heráclito que a sabedoria é a meta da alma humana, que não se aprende

nos livros, menos ainda com o professor. Sábio é aquele que é sereno, aquele que

estuda e compreende as leis ocultas da natureza e submete sua vida a elas por meio

do emprego da razão e do bom senso (é não ter medo de errar, ser prudente) (filosofia

é saber pensar e não saber de pensamentos - Kant).

Filosofar significa perguntar, questionar, interrogar e interpelar a natureza, os

entes, o homem, sobre a possibilidade do conhecimento do ser, das relações do

homem com a natureza e os entes, i e, dos fins e valores que o homem se propõe.

O valor da filosofia reside portanto, mais nas perguntas que são eternas - e

questões que suscita do que nas respostas que dá. Como já dizia Platão, a pergunta é

mais importante que a resposta porque lança a dúvida sobre as ideias estabelecidas,

abre novos horizontes, novas perspectivas, colocando em questão o estabelecido por

respostas dadas no passado.

Algumas das perguntas eternas que a filosofia coloca:

a) O que é o mundo que rodeia o homem?

b) Quem é o homem no mundo e até aonde pode ir o seu conhecimento?

c) Que fins se propõe, i e, como deve comportar-se na sua relação com os entes

e com os outros?

d) Que significação deve o homem dar à sua existência, considerando a realidade

global, i e, qual é a significação das suas relações com o absoluto, com o

transcendente?

A Filosofia do Direito e do Estado é um ramo da ciência jurídica, que procura

compreender o sentido das relações que deve o homem enquanto indivíduo, manter

com o Direito e com o Estado.

O valor ou actualidade da Filosofia do Direito consiste (1º lugar) em despertar

as dúvidas sobre as verdades jurídicas, geralmente ideológicas, e como tal, históricas;

incentivar reformas jurídicas, criando a consciência de a lei ser sempre uma obra

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inacabada, em conflito permanente com o Direito. Em segundo lugar, a Filosofia do

Direito e do Estado serve ao jurista de inspiração nas horas difíceis para a sociedade e

ao juiz quando literalmente a lei obriga-o a praticar injustiças, dá também a ilusão de

ter alcançado o absoluto jurídico e de ter conseguido saber o que é o Direito,

independentemente do que, historicamente, quer o legislador.

Sendo verdade que o homem enquanto indivíduo, nasce livre e detentor de

direitos naturais inalienáveis e imprescindíveis já que alienar ou prescindir da sua

liberdade significa perder a sua natureza? própria da disciplina, a qual esta ajuda a

responder é: embora por natureza seja livre e social (livre porque social e social

porque livre), deve o indivíduo como parte, diluir-se no Estado enquanto todo,

alienando a sua liberdade inalienável, com o risco de negar a própria natureza? Ou

deve ao contrário, afirmar a sua liberdade natural inalienável e sem limites, minando

desta forma o todo, sem o qual o homem nunca existiria, nem poderia exprimir a sua

animalidade racional (deve ele afirmar a sua racionalidade ou liberdade).

Filosofar acerca do Direito e do Estado significa fazer interrogações ou

interpelações em face da realidade jurídica. Os problemas postos e as perguntas

colocadas podem ser considerados segundo as quatro perspectivas seguintes: o que

são o Direito e o Estado? (Ontologia); que podemos saber acerca do Direito e do

Estado? (Gnoseologia); quais os fins e valores do Direito e do Estado? (Axiologia);

qual a significação última que o homem deve atribuir ao Direito e ao Estado, dentro

duma concepção global do mundo e da vida humana, i e, a vida terá para o homem

algum sentido?

Enquanto a Ontologia jurídica preocupa-se predominantemente com os seres, com

as realidades, com os factos, que são o Direito e o Estado; a Gnoseologia preocupa-

se directamente com os conceitos, com as formas e espécies de ciência possíveis,

tendo por objecto o Direito e o Estado; a Axiologia trata do fenómeno do valor,

estranho à natureza e só peculiar da vida do espírito e por fim a Metafísica é

considerada o verdadeiro fim último de todo o pensar filosófico, tanto sobre o ser em

geral, sobre a natureza como sobre o homem. Filosofar é sempre tentar fazer

metafísica, a qual consiste na procura duma visão global do mundo e da existência do

homem, nas suas relações com o ser e o absoluto.

Acontece que a liberdade nos é sempre dada como liberdade de alguém, assim

também alguém que se nos apresenta como livre é necessariamente considerado

pessoa.

Ao conceito de Direito está subjacente a ideia de ordem, essencialmente

dinâmica e não estática (o cosmos grego, em oposição ao caos). Mas não

esqueçamos que o conceito de Direito está sempre correlacionado à ideia de Justiça,

a qual é uma ordem ideal, perfeita; uma proporção que é igualdade. Como defendem

Platão e Aristóteles, é justa toda a ordem que consiste na igual atribuição a cada um

daquilo que especificamente lhe cabe fazer ou ter, qualquer que seja o critério para

que tal atribuição seja feita.

Enquanto o conceito de jurídico, tomado isoladamente, corresponde de ma

maneira mais rigorosa só a ideia de dever - ser, i e, a duma normatividade em

absoluto nas relações entre sujeitos, em vista dos fins, antes de alcançada qualquer

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organização dos meios; o conceito de político, também tomado isoladamente,

corresponderá à ideia do equilíbrio integrador e totalizante dos meios para esses

mesmos fins. I e, ao passo que o jurídico enquanto pura normatividade, apenas

postula uma obrigatoriedade que pode não ser desde logo coacção exterior; o politico,

por natureza dos seus fins mais complexos, postulará sempre uma obrigatoriedade

mais forte e heterónoma, origem da ideia de autoridade e da consequente distinção

entre governantes e governados. (UBI SOCIETAS IBI JUS, UBI JUS IBI SOCIETAS).

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2 - EXPERIÊNCIA JURIDICA E ONTOLOGIA DO DIREITO

A experiência jurídica consiste na forma particular de considerar a realidade

jurídica, esta é o conjunto dos dados fornecidos pela análise fenomenológica da

experiencia de direito. A experiencia jurídica tem por objecto pôr à prova uma

determinada regra de acção ou de conduta humana. Ela revela uma realidade cuja

estrutura é antinómica, normativa e social. esta estrutura antinómica comporta dois

momentos: o momento autónomo, que é o da liberdade de querer e agir própria dos

sujeitos jurídicos, e o heterónimo, que é o da autoridade ou do poder, superior aos

sujeitos a quem cabe decidir os conflitos de interesses e definir as regras de acção.

A estrutura normativa, quer dizer que os conflitos implicam actos jurídicos

através dos quais se regulam, disciplinam e decidem os conflitos de interesse e

definem as regras de acção.

Enquanto a estrutura social significa que o direito é uma experiencia que se dá

apenas na vida social do homem: ele é uma realidade cultural, porque é uma criação

humana que se objectiva em normas.

2.a) Determinações ou categorias ônticas do direito enquanto ser

Além de ser ma realidade com estrutura antinómica, normativa e social, o

direito define-se também pela sua temporalidade e historicidade, i e, o direito é uma

realidade humana marcada pela presença do passado e pela intenção futurante. Mas

pela sua característica social, o direito revela também uma bilateralidade, pois envolve

relações entre pessoas, implicando direitos e deveres de uns perante outros.

O direito implica também a Heteronomia, uma vez que a regulamentação ou

ordenação da conduta é imposta do exterior aos sujeitos, por um outro sujeito dotado

de poder e de autoridade de estabelecer e impor critérios de conduta. Tem também a

ver com a territorialidade, já que toda a ordem normativa vigora apenas dentro de um

determinado território, assim como tem a ver com a positividade, que é o atributo

essencial das normas criadas ou reconhecidas; o que significa que o direito é posto a

vigorar (positum), pelo legislador, a comunidade que adopta um certo costume, ou

ainda o juiz que profere uma sentença.

Por fim, ele tem a ver com o sentido ou conteúdo axiológico, visto que no plano

da ontologia jurídica a norma não pode ser concebida como um simples dever-ser

lógico, já que toda norma implica um juízo de valor, havendo sempre na norma um

essencial conteúdo axiológico. Isto quer dizer que do ser da norma fazem parte como

elementos essenciais: um conteúdo valorativo (momento axiológico) e, por outro,

uma conduta que a norma pretende ordenar ou disciplinar (momento empírico-

fáctico). Daí conclui-se que o direito é uma realidade tridimensional, i e, uma TRI

UNIDADE, que é simultaneamente: facto (agir humano), norma (que pretende ordenar

o facto em função do valor) e valor (a que se refere este facto e pelo qual se afere).

Àquela equivale-se também à teoria tripartida das fontes de direito, assim sendo, facto

é o mesmo que costume ou conduta; lei é igualmente norma e jurisprudência é

sinónimo de valor. (princípio ou valor da justiça).

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2.b) Determinações ou categorias ônticas do direito positivo

Como nasce e como se afirma a positividade do direito, como o direito se torna

positivo? (é abordar as varias dimensões do direito positivo, em combinações com as

fontes). Não devemos confundir isto com o abordado em a). Enquanto aí se trata de

uma análise fenomenológica de um conceito a prior, de elementos como dever-ser,

valor, norma, liberdade, aqui trata-se da analise empírica de uma realidade a posterior,

que é o direito positivo. Falar deste significa abordar os traços individualizadores do

tipo de ordem normativa.

A temporalidade e Historicidade: toda a realidade sensível ou não sensível nos

é sempre dada no tempo; só o homem mtem historia, porque só ele é portador de

espírito, sabe de si e faz cultura;

A imperatividade – normatividade, quer dizer que todos os preceitos jurídicos

se deixam reduzir a um imperativo ou ordem dada a alguém, sendo a destinação

dessa ordem, o mesmo que norma ou normatividade. Validade ou eficácia e vigência

significam que um sistema jurídico só pode considerar-se valido e eficaz, quando faz

presa nos factos, na conduta ou na vida dos homens. A eficácia é m modo de ser do

direito vigente, i e, aquele que tendo sido posto, tem a força por si, e pode ser

respeitado, pode ter efectiva aplicação.

A vigência é o momento existencial de qualquer direito positivo, sistema ou lei

singular. Diz-se que uma norma é invalida ou ineficaz quando por ninguém é

obedecida, note-se, porém, que a validade e eficácia jamais poderam ser absolutas,

porquanto se opõem à liberdade humana, no sentido de que se o direito positivo fosse

tão valido e tão eficaz negar-se-ia a liberdade do individuo, essência do próprio

conceito de direito.

A obrigatoriedade moral, entende-se uma obrigatoriedade em consciência, i e,

o homem que obedece às normas do direito, desde que o faça conscientemente, tem

de o fazer, no sentimento de quem presta homenagem a certas ideias de valor,

mesmo que isto lhe custe.

E por fim a coercibilidade ou compulsividade: costuma dizer-se que o direito é

uma norma coercivamente imposta pelo Estado. O direito só se torna coercivo na

medida em que o não acatamento dos preceitos por parte de alguns homens arraste

consigo ou a ofensa dos direitos de outrem, ou a ruína da ordem social estabelecida.

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3 – GNOSEOLOGIA DO DIREITO

“Os Diferentes Tipos de Conhecimento do Jurídico e do Politico”

Considerando os diferentes tipos de conhecimento (empírico, cientifico, filosófico,

religioso, etc), convém reter como ponto assente que rigorosamente falando, o

conhecimento a prior não é conhecimento, é apenas condição do conhecimento; O

verdadeiro conhecimento só nos é dado a alcançar no juízo sintético, quando

afirmamos a existência de u a relação, suposta legitima, de conveniência ou não

conveniência, entre certos pensamentos, conceitos ou não conceitos, dos quais, um

pelo menos, pressupõe necessariamente, em qualquer grau, a experiencia. O

conhecimento do direito pertence ao domínio de objectos de experiencia, e poode

fazer-se em quatro momentos: como conheciemnto espontâneo e vulgar do jurídico,

como conhejcimento propriamenjte dito do direito, como conhecimento cientifico do

direito e, por ultio , como conheciemnto filosófico do direito.

O conhecimento espontâneo é um conheciemnto intuitivo e vulgar do jurídico, que

tanto pode tekr por objecto coisas materiais, sensíveis, como coisas não materiais,

não sensíveis. Quando o conhecimento espontâneo e vulgar do jurídico tem por

objecto coisas materiais e sensíveis, trata-se de símbolos ( o edifício chamado tribunal

é uma coisa jurídica; o homem chamado juiz é também manifestamente um homem

jurídico, etc.). no caso de ter por objecto coisa não material e não-ensivel, trata-se de

qualidades intrínsecas (ex.:uma casa chamada parlamento e um individuo chamado

chamado ministro são seres politios).

E porque chamamos jurídicas ou politicas a tisa coisas? Porque na apreensão eu

delas fazemos, essas deixam-se imediatamente subsumir debaixo dos conceitos a

prior que temos de jurídico e de politico; (igreja e padre no conceito de religioso). O

conhecimento espontâneo e vulgar é portanto um pré – conecimento ou

pressentimento acerca do jurídico das coisas. Já que todos os homens sabem o

querem dizer, o que significam, para que há tribunais, juízes, códigos, prisões,

parlamentos, etc., a primeira forma que reveste a nossa experiencia de tais coisas,

são proposições que formulam juízos de realidade ou de existência. Com este tipo de

juízo dizemos por ex. que isto é ou não é jurídico ou politico. Quanto à estrutura de tais

juízos, importa distinguir aqueles que se referem às coisas da natureza daqueles que

se referem às coisas da cultura.

Os juízos que se referem às coisas da cltura remetem-nos para valores; sugerem e

apontam para valores éticos, estéticos ou religiosos. A estes tipos de juízo reserva-se

o nome de juízos referenmciais ou de sntido. (muitas coisas são ortadoras de sentidos,

referencias e significações valiosas).

O conhecimento propriamente dto do direito ou conhecimento jurídico do jurídico,

conduz-nos a juízos de valor e dizem-se juízos de valor aqueles em que se exprime

uma relação de dever-ser e não de ser, entre um determinado valor ou critério de valor

e um comportamento ou atitude da vontade humana.

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Os juízos de valr são aqueles em que se expime uma relação de concordância, de

aprovação ou desaprovação, entre um acto humano praticado ou a praticar, e esse

mesmo valor ou critério de valor.

Acontece que estes juízos de valor traduzem-se sempre em imperativos-

normativos ( de tipo eu devo querer ou devo fazer isto, devo praticar o bem e evitar o

mal), ou em valorações ( tal acto é bom, tal outro é mau: a esmola que dei foi uma boa

coisa, mas desprezar os pobres é má acção).

Portanto, todos os nossos juízos de valores, ou são imperativos-normativos, ou

são valorações, mas as valorações pressupõem os imperativos-normativos. Se não

houvesse valores não haveiria naturalmente valorações.(tal acto será licito ou ilícito,).

Acontece porém, que o mndo das chamadas coisas uridicas e politicas é todo ele, um

mundo de pensamentos estruturados em forma de juízo de valor e de valoraçoes, quer

dizer que o mundo do direito é um mundo todo entreecido de axiologia.

Qualquer proposição kde significação juridicadeixa-se reduzir na sua expressão

mais simples e ultima à linguagem: alguém em determinadas condições deve

proceder, ou não proceder, desta ou daquela maneira; alguém dev deixar que outrem

faça aquilo; tal acto será licito ou ilícito, legitimo ou ilegítimo, legal ou ilegal, justo ou

injusto.

Conhecer o direito é portanto, conhecer esses valores, esses conteúdos materiais,

imperativos e valoraraçoes, comandos e pensamentos objectivados nas normas, num

certo ponto de tempo e do espaço, hic et unc, apreendendo-os naquela forma de

juízos de valor: é o verdadeiro conhecimento jurídico o jurídico. É conhecer com

dimensão histórica um direito que é ou que foi, o nosso ou dos outros, o donosso

tempo ou do passado, mas real e existente. Note-se que só há ciência do direito

positivo porque nunca será possível uma ciência do direito ideal, i e, do direito natural.

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4 – AXILOGIA DO DIREITO E DO ESTADO

O direito pertence ao mndo do dever-ser; atendendo que a ideia de dever-ser,

além da norma, pressupõe também e necessariamente a de valor. Vsto que o mndo

das chamadas coisas jurídicas e politicas é todo ele, um mundo de pensamentos

estruturados em forma de juízos de valor e de valoração. (do valioso do direito e do

Estado).

Já diziam os medievais que todo o ente é bom. Ora bom é um valor. Mas os

valores de que agora vamos tratar não são os valores tornados objectos culturais,

apenas temos em vista os valores enquanto objectos ideais, de que os objectos

clturais são meramente reflexos. É portanto no campo da experiencia interior da nossa

consciência que nos aparece o fenómeno valor. Quer isto dizer que a ideia de valor

msurge na síntese da consciência intelectual ou do eu transcendental, sem a

participação da sensibilidade.

Há já na nssa consciência pré – intelectual, um numero ilimitado de vivencias

valiosas que nos falam, nos empolgam o sentimento e a vontade, sem que a

inteligência tenha ainda proferido um juízo de apreciação, aprovação ou

desaprovação. O conteúdo ou sentido axiológico coloca-ns perante o problema do

fundamento do direito e do Estado, i e, seu problema axiológico.

No direito estão em jogo a liberdade, a moralidade, o comportamento, todos os

valores de intensa significação humana. O que esta em jogo no direito é o

comportamento humano, porque o cerne do problema jurídico é o problema do valor.

Ora nós bem sabemos que onde há cultura há valor e onde há valor abre-se

uma dimensão incontornável de perspectivas axiológicas. Para o cientista e nas

ciências humanas ou sociais, há a consciência e adopção de valor, ou nestas, o valor

é estudado, comentado, criticado, valorado e valorizado.

A primeira interrogação que nos surge é aquela de saber se o direito constitui

um valor em si, ou será que necessita de fundar-se em algo superior e diverso de si?

Qual é a razão de ser e de valer do direito, já que como realidade cultural, este so é

plena e ricamente valido, menquanto incorpora e realiza valores? Enquanto realidade

humana o direito inscreve-se no domínio da cultura e das criações culturais, pelo que

apresenta uma dimensão axiológica, i e, apresenta uma referencia constitutiva e

fundante a valores, princípios ou ideais.

Admitindo a existencia a existência de realidades e princípios supra empíricos

que são afonte de validade e de realidade do direito positivo, que deve procurar

reflectir ou exprimir nas suas normas aquele valor, o roblema da filosofia do direito é

também o problema da justiça, já que só à luz desta e do pensamento sobre ela que o

direito e o pensamento sobre este adquirem pleno sentido, porquanto a justiça éu

valor, principio, ou idealde que o direito enquanto ser depende e pelo qual e ao serviço

do qual existe. Entretanto, note-se que não há coincidência entre os princípios supra

empíricos (fonte da validade e realidade do direito) e o direito ositivo, porquanto o valor

é de per si intemporal, inespacial, suprahistorico, sendo sua validade alheia a

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circunstancias e contigencias históricas. Deste modo, o valor vale em si,

independentemnte de ser cnhecido ou ou ser projectado no agir social, na criação

legislativa, ou na prática judicial. A teoria da justiça é portanto o irrecsavel

complemento e fundamento da ontologia do direito. A prolematica filosófica da justiça

é, simultaneamente ontológica, gnoseologica e metafísica e defronta-se com três

interrogações fundamentais: que é justiça? como é possível conhecê-la? Porque a

justiça e qual o seu fundamnto?

O direito positivo é por sua natureza variável e contigenmte, condicionado

espacio-temporalmente pela situação histórica em que surge e é aplicado.

Para consideração das três questões, duas perspectivas são possíveis, pois

apresenta dois diversos sentidos ou duas fases complementares, podendo ser

considerada de um ponto de vista subjectivo, como virtude individual, como atributo de

um homem justo, ou de um ponto de vista objectivo, como valor, principio, ou ideal.

Enquanto a primeira perspectiva é aquela adoptada pela ética, a segunda –

que agora nos interessa é própria da filosofia do direito ou da axologia. Tomando

como ponto de partida a fórmula do principio de justiça, que consiste em «dar a cada

um o que é seu», este é individualmente referido e não abstractamente considerado,

pois que é a cada um que ele se refere e não a todos de igual modo ou por igual

medida. A frmula tradicional do principio da justiça, assinala o que nela há de

essencial e radicalmene concreto, em oposição à generalidade e abstracçãoproprias

da lei positiva ou até do direito natural.

Sobre a problemática suscitada sobre o ultimo elemento da formula do principio

da ustiça, ou seja, o de determinar o que significa o seu de cada um a que ele se

refere, entende-se que, se a justiça é o valor, o principio ou ideal que dá sentido

axiológico ao direito, se é ela a sua razão de ser e de valer, é o direito que deve ser

aferido pela justiça, que deve ser julgado em funçºao da sua conformidade com ela, i

e, será direito enquanto for justo ou se conformar com a justiça, não podendo esta em

consequência, consistir na conformidade com o dreito ou com a lei. Deste modo, se o

seu de cada um não deve identificar-se com a conformidade com a lei, não pode,

igualmente, restringir-se aos bens exteriores ou materiais e à sua repartição, vindo

antes a consistir na liberdade de cada um ser ele próprio e poder cumprir-se enquanto

pessoa. Assim, a justiça é, acima de tudo e antes de mais, liberdade, que implica

respeito pela personalidade livre de cada um.

Vindo a consistir na liberdade e na personalidade, então deve cncluir-se que a

justiça não depende nem pode procurar-se ou fazer –se residir na generalidade da lei,

antes se encontrando na diversidade do concreto, do singular e do individual.

I. ANTIGUIDADE GREGA

Page 14: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

14

I. A. OS PRIMEIROS TEMPOS

A.3. PLATÃO

O cerne da sua filosofia é a ética e seu objectivo principal é provar, contra os

sofistas, a possibilidade de um saber afirmado. Seguindo os passos de Sócrates, ele

opõe-se aos sofistas que negam o conhecimento da verdade, da coisa em si e

relativizam toda a realidade, admitindo como verdadeiro, apenas as impressões

sensoriais que podem variar de uma pessoa para outra. Que negam à ciência e

qualquer possibilidade de ensiná-la.

Tanto o homem comum, como o sofista falam de virtudes, mas não sabem o

que são; porque um e o outro não pensam. Pensar quer dizer, pensar justamente, de

acordo com a verdade, i e, de acordo com o que forma a ciência; pensar é dialogar,

dirigir a si próprio as perguntas e as respostas. E se os sofistas não pensam, como

eles podem formar «bons homens de Estado», que não sejam educados apenas na

arte de iludir e fugir da verdade.

O sofista apenas ensina o discurso persuasivo, independentemente da sua

veracidade ou falsidade, mas não ensina a pensar. Contra a teoria do conhecimento

dos sofistas que só acreditam nos sentidos, Platão afirma que a percepção não é

sensação; mas é qualquer coisa em que a multiplicidade das sensações propriamente

ditas se encontra unificada e organizada no sujeito. Não são os sentidos que

percebem mas a alma, por meio dos órgãos de sentido; como também não são os

sentidos a apanhar a significação das palavras que ouvimos.

Fazer ciência é procurar a verdade, a essência das coisas, i e (isto é), procurar

a explicação daquilo que faz com que as coisas sejam realmente aquilo que são. Ora,

como não se pode atingir a verdade se não se atingir o ser, porque a ciência não se

encontra onde a verdade esta ausente, decorre daí que não é nas impressões que

reside a ciência, mas no raciocínio das impressões. O verdadeiro conhecimento é

portanto, para Platão, aquele que tem por base a razão: o ser vulgar, móvel, instável e

passageiro não é ser e um ser que ao mesmo tempo é e não é, não pode ser objecto

de ciência (epísteme), mas ao máximo da opinião (doxa). Ora o ser que a ciência tem

em vista é o ser estável e imutável, a essência.

A.3.a. Filosofia e Politica Platónicas

Política e filosofia andam a par. A vida filosófica de Platão foi determinada pela

condenação e morte de Sócrates; este, o único verdadeiro filósofo que o mundo

Page 15: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

15

alguma vez conheceu e o mais sábio dos homens, foi condenado à morte pelos seus

concidadãos. Mas na realidade a condenação de Sócrates era inevitável: tinha de

morrer justamente porque era filósofo e tinha de morrer, porque não havia lugar para

ele na cidade.

Para Platão uma política autêntica deve esforçar-se por modelar o meio

humano à imagem da verdade, à estrutura do Ser e não deve dissociar-se da filosofia,

enquanto teoria geral do Ser e reflexão total sobre a essência do real. Por isso o

problema filosófico e o problema político formam apenas um único problema. Toda a

obra de Platão está subentendida por preocupações políticas: o problema do diálogo,

do ensino filosófico, critério e meio de formação de uma elite, são no fundo problemas

políticos. O problema politico, porém, i e, o problema da constituição e do governo da

cidade, não é diferente do problema das elites e do seu “ethos”, da virtude política.

A cidade é perversa, má, e ignara. É ignara porque má. Que deve então fazer o

filosofo e como deve viver? Fugir? Para onde? Retirar-se da cidade (…), onde a

mentira, a vaidade, o brilho da falsa aparência dominam e oprimem a justiça, a

verdade e o bem? É a mesma coisa em todo o lado. A cidade humana é má e injusta

por essência, e todas as formas sob as quais se nos apresente, são apenas uma e

mesma realidade, a realidade do poder despótico. (cidade terrestre/reino do espírito -

reino do Cosmos).

Como não se pode nem viver na cidade, nem dela se abstrair, é preciso

reformá-la, porque a cidade que condena Sócrates, é má e doente. Ela condena-o

porque, sendo injusta, não pode suportar um justo no seu seio e sendo ignara, não

pode suportar dentro dos seus muros um homem que possui o saber e lhe mostra a

sua ignorância e a sua iniquidade. Quem pode reformar a cidade ignara e injusta - é o

filósofo, mas o saber não é suficiente; é preciso também o poder. A solução a este

dilema é apenas uma: «O filósofo não tem lugar na cidade a não ser como chefe». E

para que uma vida humana digna de ser vivida, seja possível, é preciso que os

filósofos se tornem os reis, reis filósofos. A selecção e formação da elite, a escolha e a

preparação dos futuros dirigentes não pode realizar-se ao acaso, sem plano, sem

método e sem princípios.

A ideia de que o filósofo deve ser Chefe ou rei da Cidade forma a base da

“República”. (para Platão, Sócrates é o único politico digno desse qualificativo).

Como não se pode agir sobre homens já feitos, já pervertidos pela Cidade, pela

educação recebida, é preciso reformar a Cidade, embora muito difícil seja realizar

esse desígnio. A reforma da Cidade é uma reforma política e moral, porque a moral

não se separa da política, supõe e implica previamente, uma reforma da educação.

Antes de reformar a cidade, é preciso por começar a formar os seus futuros

dirigentes e para faze-lo, é preciso demonstrar que a formação filosófica vale mais que

qualquer outra. Incumbe ao filosofo o dever e o direito de instruir a juventude, formar e

educar as elites. (os sofistas formavam oportunistas e imorais, ao passo que a

formação tradicional formava pessoas rudes, incultos mas bastantes honestas). O

sofista é o homem que ensina a técnica do sucesso, do gozo, da afirmação de si; que

nega as noções de verdade e de bem objectivos. Forma o orador público, capaz de

arrastar a multidão com argumentos baseados não no saber mas na verosimilhança e

Page 16: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

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na paixão, o orador público é o homem de ilusão oposta à realidade; segundo Platão,

o sofista é a falsificação do verdadeiro filósofo, como o tirano é a falsificação do

verdadeiro homem do Estado; tirania e sofística são solidárias, como a filosofia e o

reino da justiça.

Como diz Cálicles para quem, o justo segundo a lei, segundo a convenção e o

justo e o bom segundo a natureza opõem-se de maneira mais radical. Segundo a

natureza o que é justo e bom é ser forte, vitorioso na luta pela vida, que é a lei de

qualquer existência; é cometer injustiça, invés de a sofrer; é ser senhor, é dominar.

A doutrina que Trasímaco propõe consiste, em admitir que o Estado não é mais

que uma opressão organizada, em proveito do opressor e mantida pela violência

deste. A lei, a justiça e a moral não passam neste caso, de expressões convencionais

das relações reais de dominação e de servidão no interior da cidade.

Para trasímaco o elemento mais forte em cada Cidade, é o governo e este

estabelece as leis para a sua própria vantagem; estabelece-as, ele declara justo, para

os governos, o seu próprio interesse e pune aquele que o transgride como violador da

lei. Em todas as cidades, o justo é aquilo que é vantajoso para o governo constituído.

A justiça é justa em si, independentemente da vontade ou querer humanos; não o é

pela vontade deliberada do indivíduo.

Para Cálicles é o injusto quem obtém a felicidade e as honras, enquanto o

justo, o homem que o é verdadeiramente, está exposto a todas as desgraças, é

tratado como criminoso acabado e finalmente, condenado ao suplício.

A tirania, embora se aposse, por fraude e violência, dos bens de outrem, em

vez de dignificar o Estado e o próprio tirano, provoca-lhes ainda mais infelicidade e

maior desgraça.

A.3.b A teoria das ideias

O que mais interessa a Platão é saber qual é o melhor modo de vida para o ser

humano, i e, como deveria o Estado ser governado. A teoria das ideias constitui o

essencial do pensamento platónico. Platão afirma que a verdade é independente do

Page 17: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

17

homem. Segundo este, no processo de conhecimento, é preciso sair da caverna,

despojar-nos de todos os preconceitos e atingir a essência das coisas. Para Platão,

Bem é igual a verdade e esta é sinónimo de justiça, que é a conformidade da natureza

da natureza e acção humana individuais e colectivas, com a ordem natural. O Estado

equivale ao indivíduo no sentido mais lato, pelo que a melhor forma de proceder, é

entender a questão da justiça no Estado e aplicar as conclusões ao indivíduo.

A.3.b.1 O mito ou alegoria da caverna

Para explicar o seu pensamento político, Platão (Cf. A República) recorre à

alegoria ou mito da Caverna, que «serve para compreender que, na vida, existem

certos objectos que são falsos, como o dinheiro, o poder, o êxito, que são apenas

sombras de uma realidade muito mas verdadeira, situada fora do alcance dos nossos

olhos». «homens presos numa caverna, desde infância, acorrentados nos pés ao

pescoço; sentados de costas voltadas para a entrada e obrigados a olhar apenas para

a parede de fundo da caverna. Entre os prisioneiros e a entrada da caverna, há uma

fogueira que nunca apaga. Porque acorrentados ao pescoço, só conseguem ouvir

vozes de pessoas e ver apenas, projectadas na parede da caverna, pela luz da

fogueira, as sombras das coisas que passam no exterior.

Como nunca viram outra coisa, tomam as sombras dos objectos por única e

verdadeira realidade. Até eu um dia, um dos prisioneiros consegue libertar-se das

correntes e sobe o caminho escarpado até ao exterior. Deslumbrado pela intensidade

da luz do sol, que lhe cega a vista, o prisioneiro evadido da caverna tem que

permanecer de olhos fechados, durante um certo tempo, ate se habituar à luz

encandescente do sol. Voltando a abrir os olhos, consegue ver nitidamente as coisas

em volta, passando a distinguir os objectos reais das sombras, que não passam de

cópias imperfeitas.

Percebe que há uma grande diferença entre eles; decide então regressar à

caverna para libertar os outros, seguros, porém, que não há outro mundo para além da

caverna, nem outra realidade senão as sombras que se habituaram a contemplar na

caverna, os prisioneiros decidem matá-lo, considerando-o como embusteiro».

A.3.b.2 Interpretação do mito da caverna

Como então aplicar a alegoria da caverna no campo jurídico? O mito da

caverna ilustra a leitura platónica da condição humana (aparências/mundo das ideias);

Page 18: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

18

o filósofo simboliza o prisioneiro que se libertou, e porque ama a verdade, busca o

verdadeiro conhecimento: viaja para fora da caverna e tem acesso ao mundo

verdadeiro, mundo das ideias. O sol é o verdadeiro ser ou conhecimento (epísteme,

ciência), as sombras ou aparências são o não – ser (doxa, opinião); no meio entre o

conhecimento e a aparência está a opinião, aquilo que pensamos acerca dos objectos

sensíveis. O conhecimento difere da opinião na medida em que vê as coisas como

efectivamente são e a opinião imagina-as de uma forma descolorida e confusa, i e,

intermédia, entre o ser e o não-ser.

A síntese filosófica de Platão é considerada como o idealismo mais puro,

baseado na sua teoria das ideais, que tem como objectivo, preparar contra o

subjectivismo e relativismo dos sofistas, uma teoria filosófica básica, da qual resulte a

possibilidade de um conhecimento objectivo da verdade. Seguindo Sócrates, Platão

admite a indiscutível validade do princípio intelectivo representado pela razão humana,

para além do simplesmente sensível. A certeza do conhecimento depende para

Platão, dos respectivos objectivos, razão pela qual os objectos mutáveis do mundo

sensível não conduzem a um saber permanente e verdadeiro. Reivindicando, assim, a

existência de ideias como objectos de conhecimento de tipo especial, imutáveis e

eternas; não podem ser apreendidas pela percepção, mas compreensíveis pela razão.

O mito da caverna pode ser interpretado segundo duas perspectivas:

O mito da caverna é, do ponto de vista epistemológico, uma alegoria a respeito

das duas principais formas ou esferas de conhecimento, que Platão distingue. Ele crê

na realidade ontológica e não meramente formal e abstracta das ideias, como

essência das coisas. Assim, ele distingue o mundo sensível, próprio dos fenómenos

(das coisas que aparecem), mundo material, da aparência, da ilusão do movimento no

qual vivemos. O mundo sensível ou material é aquele acessível aos sentidos, mundo

da multiplicidade, pura sombra do mundo verdadeiro. Diferente do mundo inteligível ou

supra – sensível, que é o mundo das formas, acima do mundo ilusório da matéria

sensível; mundo das ideias universais e das essências imutáveis que o homem atinge

apenas pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.

Em Atenas dos finais do séc. V a. c., ninguém sabia o que era bom, justo, tudo

parecia sujeito a opiniões diferentes, Platão aparece com a teoria das ideias e põe um

pouco de ordem nessa confusão ético-politica, fixando três níveis de conhecimento: a

ciência (epísteme), que representa a compreensão perfeita dos conceitos imutáveis,

as ideias. A opinião (doxa), que permite ter ideias sobre o devir do mundo sensível e a

ignorância (senso comum), que é própria de quem vive o quotidiano sem perguntar a

si mesmo o porque das coisas. Sendo que o mundo da doxa e do senso comum

pertence ao mundo sensível.

A ideia é entendida como intuição intelectual da coisa, distinta da intuição

sensível. As ideias, unas, imutáveis e gerais, como conceitos universais ou essenciais,

são para Platão, hierarquizadas, no topo das quais se encontra a ideia de bem, a mais

perfeita e mais geral de todas as outras. Segundo ele, as coisas materiais só existem

enquanto participam do bem.

Pela teoria da reminiscência ou amnésia, ele explica que os sentidos

constituem apenas uma ocasião para despertar nas almas as lembranças

Page 19: Sumários Desenvolvidos de Filosofia do Direito

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adormecidas. Ele supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito, quando

contemplavam o mundo das ideias. Mas tudo se esquecem quando se degradam e se

tornam prisioneiros do corpo, túmulo da alma.

O mito da Caverna assume, do ponto de vista político, maior importância, que

se explica pelo facto de que o filosofo, aquele que se libertou das correntes, ao

contemplar a verdadeira realidade do mundo exterior e ter passado da caverna da

ignorância, do senso comum, da opinião vulgar, ao mundo real, mundo da ciência,

deve retornar ao meio dos homens e orientá-los.

Quem deve administrar o estado e como influencia os homens que não vêem?

Porque presos às correntes das opiniões, do senso comum e vivem fechados na

caverna da ignorância?

Como defensor incorrigível da sofocracia, respondeu: cabe ao sábio

administrar e influenciar o Estado, deve ensinar e governar a sociedade, porque a

transformação dos homens e da sociedade é uma necessidade da acção política.

Da mesma maneira que o cego não pode conduzir os videntes, porque incapaz

de distinguir a ilusão da realidade, o que parece do que é, o bem do mal; os não

filósofos, os retóricos e sofistas, não podem governar o Estado.

Como pode um homem que vive no mundo sensível, alcançar o mundo supra –

sensível? É preciso um exercício especial, (mundo das ideias) onde as coisas existem

por si, como ideias. Admitir a existência de ideias por si, eternas, unas, imóveis e

imutáveis, pressupõe aceitar a existência da Ciência, da Verdade, da Justiça, do Bem,

do Estado, do Direito, etc, sendo conceitos universais, não resultam de maneira

nenhuma do capricho e arbítrio humanos.

A Republica e as Leis, as duas maiores obras jurídico-politicas de Platão,

pretendem descobrir o momento verdadeiramente real e ôntico do direito e do Estado,

não nas formas contigentes e históricas do mundo sensível (DP- direito positivo), mas

na essência que a elas preside (direito natural).

A linha condutora de toda a acção pessoal e social é a ideia de Bem, que está

acima de todas as outras ideias. Outra característica do pensamento platónico sobre o

direito e o Estado, traduz-se em voltar a ligar a Lei à essência de uma verdade

universalmente válida. Direito e Estado são uma expressão das condições necessárias

para o indivíduo humano atingir a perfeição moral e realizar o seu verdadeiro destino

que é o Bem.

Platão vê, assim, o Estado, como um homem em ponto grande, um indivíduo

reproduzido numa escala maior; distingue tanto no indivíduo, como no Estado, o justo

por natureza ou lei natural, que é conforme à natureza social e racional do homem e o

justo por lei ou direito positivo, uma criação do homem que só tem validade enquanto

participa da lei natural. Assim como no indivíduo, eticamente falando, a virtude máxima

reside na justiça, entendida como princípio de equilíbrio ou relação harmónica entre as

restantes virtudes; no Estado, a justiça deve residir na lei de equilíbrio entre as

diferentes classes de indivíduos que o constituem: os filósofos ou sábios

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representando a razão; os guerreiros ou guardiões a verdade e os comerciantes,

agricultores e artesãos, representando a sensibilidade nutritiva.

A justiça coincide em Platão, com o conceito de Ordem e pode conseguir-se

apenas quando «cada um faz o seu dever sem interferir no dos outros» : a justiça é a

devida proporção em que cada um dos elementos (filósofos, etc.) deve contribuir para

o bem comum e a harmonia do todo, fazendo cada qual apenas aquilo que lhe

pertence fazer. Em cada indivíduo há três almas diferentes: a racional, a passional e a

apetitiva. Para que haja justiça, é necessário que a coragem (classe dos soldados)

esteja sempre ao serviço da racionalidade (filósofos ou magistrados) e nunca ao

serviço dos apetites (comerciantes, etc.).

O Estado de Platão, dá – nos o tipo racional mais perfeito de Estado totalitário,

de modelo aristocrático, dórico e espartano: o indivíduo só existe e vive para o Estado:

não há direitos da pessoa humana. Para as classes dos filósofos e guerreiros a família

será suprimida; a propriedade, as mulheres e os filhos serão comuns.

Contrariamente à Republica, nas Leis, Platão reconhece que o Estado tal qual

existe, é «o melhor dos Estados possíveis», onde procuram combinar entre si duma

forma harmoniosa, os princípios da autoridade e da liberdade e defende que o poder

deixe de pertencer a uma aristocracia de nascimento e passe para as mãos de

funcionários saídos do povo e por ele eleitos. Ele reconhece que «num mundo de

imperfeição, de perversão e de cidades más, se conseguir disciplinar-se e não cair na

anarquia que é mãe da guerra civil e da tirania, a democracia é de longe o menos mau

de todos os sistemas políticos». Sendo «a liberdade o bem supremo da cidade

democrática, não deve confundir-se o verdadeiro homem de Estado (filosofo) e o

demagogo (sofista); o que esclarece e o que bajula o povo».


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