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    STEPHEN HAWKINGBURACOS NEGROS E UNIVERSOS BEBÉSe Outros Ensaios

    TRADUÇÃOISABEL ARAÚJO

    ASAITERATURA

    TÍTULO ORIGINALBLACK HOLES AND BABY UNIVERSES and Other Essays (c) 1993, Stephen HawkingDIRECÇÃO GRÁFICA DA COLECÇÃO JOÃO MACHADO1.ª edição: Novembro de 1994Depósito Legal 76295/94 \SBN: 972-41-1508-9

    Reservados todos os direitosEDIÇÕES ASASEDER. Mártires da Liberdade, 77PORTUGALDELEGAÇÃO DE LISBOAAv. Dr. Augusto de Castro, Lote 110 1900 LISBOA • PORTUGAL TÍTULO ORIGINALBLACK HOLES AND BABY UNIVERSES and Other Essays (c) 1993, Stephen HawkingDIRECÇÃO GRÁFICA DA COLECÇÃO JOÃO MACHADO1.ª edição: Novembro de 1994Depósito Legal nº 76293/94 ISBN: 972-41-1508-9Reservados todos os direitosEDIÇÕES ASASEDER. Mártires da Liberdade, 77Apartado 4263 / 4004 PORTO CODEXPORTUGALDELEGAÇÃO DE LISBOAAv. Dr. Augusto de Castro, Lote 110 1900 LISBOA • PORTUGAL

    ÍNDICEPrefácio.................................................................... 71. Infância................................................................... 112. Oxford e Cambridge....................................................... 233. A Minha Experiência com a Doença dos Neurónios Motores. 314. Atitudes do Público para com a Ciência................................. 375. Uma Breve História de Breve História.................................... 416. A Minha Posição.............................................. 477. O Fim A Vista para a Física Teórica?.................................... 53

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    8. O Sonho de Einstein......................................................... 719. A Origem do Universo................................................... 8510. A Mecânica Quântica dos Buracos Negros............................. 9911. Buracos Negros e Universos Bebés......................................... 11112. Estará tudo determinado?............................................... 121

    13. O Futuro do Universo...................................................... 13314. Discos para uma Ilha Deserta: Uma Entrevista....................... 14715. A Condição sem Fronteira e a Seta do Tempo........................ 165índice onomástico e temático................................................. 177

    PREFÁCIO

    Este volume compreende uma série de artigos que escrevi no período de 1976 a 1992,com uma diversidade de temas que vai dos esboços autobiográficos, passando pelafilosofia da ciência, a tentativas de explicação do entusiasmo que sinto pela ciência e

    pelo Universo. O volume inclui ainda a transcrição da minha entrevista no programaradiofónico Desert hland Discs. Este programa é uma instituição peculiarmentebritânica, em que é pedido ao convidado para se imaginar náufrago numa ilha desertae para escolher oito discos que o ajudem a passar o tempo até chegar socorro.Felizmente, não precisei de esperar muito tempo até regressar à civilização.Como estes artigos foram escritos ao longo de um intervalo de dezasseis anos,reflectem o estado dos meus conhecimentos em cada época, com a esperança de quetenham aumentado com o passar do tempo. Por isso, indico a data e a ocasião em queforam concebidos. Como pretendi dar a cada um deles um carácter independente,existe inevitavelmente uma certa dose de repetição. Tentei reduzi-la, embora algumatenha persistido.-Alguns dos artigos deste livro foram concebidos para palestras. A minha voz era tãoarrastada que me via obrigado a leccionar as aulas teóricas e os seminários servindo-me de outra pessoa, normalmente um dos meus estudantes de investigação, que meconseguia compreender ou que lia um texto por mim escrito. No entanto, em 1985, fuisubmetido a uma operação que me retirou completamente o poder da fala. Durantealgum tempo, fiquei privado de meios de comunicação. Finalmente, fui equipado comum sistema computadorizado e comum sintetizador de fala excepcionalmente bom.Para minha surpresa, descobri que podia ser um orador de sucesso, dirigindo-me avastas audiências. Tenho a certeza de que há ainda muito a aprender, mas espero tervindo a melhorar. Ninguém melhor que o próprio leitor poderá avaliar a minhaevolução ao ler estas páginas.Não concordo com a perspectiva de que o Universo é um mistério: algo sobre o qual sepode intuir, mas nunca analisar ou compreender totalmente. Sinto que esta visão nãofaz justiça à revolução científica que começou há quase quatrocentos anos com Galileue que foi continuada por Newton. Eles mostraram que, pelo menos algumas áreas doUniverso não se comportam de maneira arbitrária, sendo governadas por leismatemáticas definidas. Desde então, temos estendido o trabalho de Galileu e deNewton a quase todas as áreas do Universo. Dispomos agora de leis matemáticas quegovernam todas as nossas experiências normais. É uma medida do nosso sucesso o

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    facto de, actualmente, sermos obrigados a gastar biliões de dólares para construirmáquinas gigantes, onde aceleramos partículas até energias tão elevadas que nãosabemos ainda o que acontecerá quando colidirem. Estas partículas de energia muitoelevada não surgem em situações normais na Terra, por isso poderia pareceracadémico e desnecessário o dispêndio de vastas somas no seu estudo. Contudo, estas

    partículas teriam existido no Universo primordial, pelo que devemos descobrir o queacontece para estes valores de energia se queremos compreender como começamos -nós e o Universo.Há ainda muitos aspectos do Universo que desconhecemos e que nãocompreendemos. Porém, o progresso notável que alcançámos, particularmente nosúltimos cem anos, deveria encorajar-nos a acreditar que um entendimento completopoderá não estar além das nossas capacidades. É possível que não estejamoseternamente condenados a avançar tropegamente no escuro. Podemos ficar de possede uma teoria completa do Universo. Nesse caso, seríamos, na verdade, Senhores doUniverso.Os artigos científicos deste volume foram escritos na crença de que o Universo é

    regido por uma ordem que, por enquanto, só percebemos parcialmente, mas quepoderemos compreender totalmente num futuro não muito distante. Esta esperançapode ser apenas uma miragem; pode não existir uma teoria definitiva, e mesmo queexista, é possível que não a cheguemos a descobrir. Mas é certamente preferível lutarpor uma compreensão completa do que desesperar da mente humana.Stephen Hawking 31 de Março de 1993

    CAPÍTULO 1

    INFÂNCIA*

    Nasci a 8 de Janeiro de 1942, exactamente trezentos anos depois da morte de Galileu.No entanto, estimo em cerca de duzentos os bebés que também nasceram nesse dia.Não sei se algum deles se veio depois a interessar por astronomia. Nasci em Oxford,embora os meus pais vivessem em Londres. Isso aconteceu porque Oxford era umbom sítio para nascer durante a Segunda Guerra Mundial: os alemães concordaramem não bombardear Oxford e Cambridge, se os britânicos não bombardeassemHeidelberga e Gotinga. É uma pena que este acordo civilizado não tenha sidoestendido a outras cidades.O meu pai era natural do Yorkshire. O avô dele, meu bisavô, fora um agricultorabastado. Comprara demasiadas propriedades, mas falira durante a depressãoagrícola do início deste século. Isso deixou os pais do meu pai em má situaçãoeconómica, mas eles conseguiram que o filho fosse para Oxford, onde estudoumedicina. Ele escolheu uma carreira de investigação em medicina tropical. Em 1935,deslocou-se à África oriental. Quando a guerra começou, fez uma viagem por terraatravés de África para embarcar num navio de regresso a Inglaterra, onde se ofereceucomo voluntário para o serviço militar. Disseram-lhe, porém, que o seu contributocomo médico investigador era mais valioso.

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    * Este ensaio e o que se lhe segue baseiam-se numa palestra que proferi na Sociedadede Neuropatia Motora de Zurique, em Setembro de 1987, e foi combinada commaterial escrito em Agosto de 1991.11A minha mãe nasceu em Glasgow, na Escócia, segunda de sete filhos de um médico de

    clínica geral. A sua família mudou-se para Devon quando ela tinha doze anos. Tal comoa família do meu pai, não gozavam de uma boa situação financeira. Apesar disso,conseguiram que a minha mãe fosse estudar para Oxford. Depois da universidade, elateve vários empregos, incluindo o de fiscal dos impostos, que lhe desagradou muito.Desistiu do emprego e tornou-se secretária. Foi assim que conheceu o meu pai nosprimeiros anos da guerra.Vivíamos em Highgate, a norte de Londres. A minha irmã mais velha, Mary, nasceudezoito meses depois de mim. Disseram-me que não acolhi muito bem a sua chegada.Ao longo da nossa infância, houve uma certa tensão entre nós, alimentada pelapequena diferença de idades. Na vida adulta, contudo, esta tensão desapareceu,quando seguimos caminhos diferentes. Ela tornou-se médica, o que agradou a meu

    pai. A minha irmã mais nova, Philippa, nasceu quando eu tinha quase cinco anos, e jáconseguia entender o que se estava a passar. Recordo-me de esperar ansiosamente asua chegada, para que fôssemos três nos nossos jogos. Era uma criança muitoconcentrada e sensível. Respeitei sempre os seus juízos e as suas opiniões. O meuirmão mais novo, Edward, nasceu muito mais tarde, quando eu tinha catorze anos, porisso praticamente não fez parte da minha infância. Ele era muito diferente de nós três,por ser com-pletamente não-académico e não-intelectual. Provavelmente, isso foi bompara nós. Era uma criança bastante difícil, mas não se conseguia deixar de gostar dele.A minha recordação mais antiga é a de estar de pé na creche de Byron House emHighgate, a chorar desalmadamente. À minha volta, as crianças brincavam com o queparecia uma série de brinquedos maravilhosos. Queria juntar-me a elas, mas tinhaapenas dois anos e meio e era a primeira vez que me deixavam com gente que nãoconhecia. Penso que os meus pais ficaram bastante surpreendidos com a minhareacção, porque eu era o primeiro filho e eles andavam a ler livros sobre odesenvolvimento infantil, onde se dizia que as crianças deviam começar a estabelecerrelacionamentos sociais aos dois anos. Porém, naquela manhã12terrível, decidiram levar-me novamente para casa e só voltei a Byron House passadooutro ano e meio.Nessa época, durante a guerra e no pós-guerra imediato, Highgate era uma área ondevivia um certo número de pessoas do meio científico ou académico. Noutro país,seriam chamados intelectuais, mas os ingleses nunca admitiram a existência deintelectuais no seu meio. Todos os pais enviavam os seus filhos para a escola de ByronHouse, uma instituição muito progressista naquela época. Recordo-me de me queixaraos meus pais de que não me ensinavam nada na escola. Eles não acreditavam no queera então a forma convencional de ensino. Em vez disso, era suposto queaprendêssemos a ler sem nos apercebermos de que estávamos a ser ensinados. Porfim, aprendi de facto a ler, mas só com a idade, relativamente tardia, de oito anos. Aminha irmã Philippa aprendeu a ler segundo métodos mais convencionais e jáconseguia ler aos quatro anos. Mas ela era, com essa idade, muito mais inteligente do

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    que eu.Vivíamos numa alta e estreita casa vitoriana, que os meus pais tinham comprado porpreço muito baixo durante a guerra, quando toda a gente pensava que Londres iria serreduzida a escombros pelos bombardeamentos. De facto, um foguete V2 caiu a poucadistância da nossa casa. Quando isso aconteceu, eu tinha saído com a minha mãe e

    com a minha irmã, mas o meu pai estava em casa. Felizmente não ficou ferido e a casanão sofreu muitos estragos. Mas, durante anos, houve um grande buraco feito pelabomba, onde eu costumava brincar com o meu amigo Howard, que vivia do outro ladoda rua, a três portas de distância. Howard foi uma revelação para mim, porque os paisdele não eram intelectuais como os de todas as outras crianças minhas conhecidas. Elenão frequentava a Byron House, mas sim a escola pública, e sabia tudo sobre futebol eboxe, desportos pelos quais os meus pais nem mesmo em sonhos se teriaminteressado.Outra das minhas recordações mais antigas foi a de ter recebido o meu primeirocomboio de brinquedo. Durante a guerra, não havia fabrico de brinquedos, pelo menospara o mercado interno. Mas eu tinha um interesse apaixonado por modelos de

    comboio. O meu pai tentou13construir-me um comboio de madeira, que não me satisfez, pois queria um queandasse sozinho. Por isso, o meu pai arranjou um comboio velho que funcionava comum mecanismo de relógio, reparou-o com um ferro de soldar e ofereceu-mo no Natal,perto do meu terceiro aniversário. O comboio não funcionava muito bem. Porém, omeu pai teve que deslocar-se à América logo após o fim da guerra. Quando regressou,a bordo do Queen Mary, trouxe à minha mãe algumas meias de nylon, que nãoexistiam na Grã-Bretanha naquela época. A minha irmã Mary recebeu uma boneca quefechava os olhos quando a deitávamos. E eu recebi um comboio americano, que incluíaum limpa-trilhos e uma linha-férrea de tamanho oito. Ainda recordo o entusiasmo quesenti ao abrir a caixa.Os comboios de mecanismo de relógio eram muito bons, mas o que eu realmentequeria era um comboio eléctrico. Costumava passar horas a olhar para o modelo deum caminho de ferro em Crouch End, perto de Highgate. Sonhava com os comboioseléctricos. Por fim, num dia em que os meus pais tinham saído, aproveitei aoportunidade para levantar do banco do posto de correios a modesta soma dedinheiro que havia recebido de várias pessoas, em ocasiões especiais como, porexemplo, no meu baptizado. Usei o dinheiro para comprar um comboio eléctrico, mas,para minha frustração, não funcionava muito bem. Hoje em dia, conhecemos os nossosdireitos enquanto consumidores. Devia ter devolvido o comboio e exigido que a lojaou o fabricante o substituísse, mas, naquela época, pensava-se que comprar o quequer que fosse era um privilégio, e azar o nosso se tinha defeito. Por isso, paguei oconserto do motor eléctrico do comboio, mas este nunca trabalhou perfeitamente.Mais tarde, na minha adolescência, construí modelos de aviões e barcos. Nunca fuimuito habilidoso com as mãos, mas contava com a ajuda do meu amigo e colega, JohnMcClenahan, que era muito mais hábil que eu, e cujo pai tinha uma oficina em casa. Omeu objectivo de sempre foi construir modelos que funcionassem e que eu pudessecontrolar. Não me importava com a aparência que tivessem. Penso que foi o mesmoímpeto que me levou a inventar uma série de jogos muito complicados com outro

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    amigo de escola, Roger Ferneyhough. Havia um jogo industrial, que14incluía fábricas em que eram produzidas unidades de diferentes cores, estradas ecaminhos de ferro para o transporte e uma bolsa de acções. Havia um jogo bélico, quese jogava num tabuleiro com quatro mil casas, e até um jogo feudal, em que cada

    jogador personificava uma dinastia inteira, com uma árvore genealógica. Penso queestes jogos, tal como os comboios, os barcos e os aviões, surgiram de uma necessidadede saber como funcionavam as coisas, e de as controlar. Depois de começar o meudoutoramento, esta necessidade foi satisfeita pela minha investigação em cosmologia.Se compreendermos como funciona o Universo, estaremos, de certo modo, a controlá-lo.Em 1950, o local de emprego do meu pai mudou de Hampstead, perto de Highgate,para o recém-construído Instituto Nacional de Investigação Médica em Mill Hill, naperiferia norte de Londres. Em vez de fazer deslocações diárias a partir de Highgate,parecia mais sensato sair de Londres e viajar dos subúrbios para a cidade. Portanto, osmeus pais compraram uma casa na cidade da catedral de St. Albans, a cerca de

    dezasseis quilómetros a norte de Londres. Era uma grande casa vitoriana, com algumaelegância e estilo. Os meus pais não estavam em boa situação financeira quando acompraram, e tiveram de efectuar grandes obras na casa antes de fazermos amudança. Daí em diante, o meu pai, como homem do Yorkshire que era, recusou-se agastar mais dinheiro em obras. Em vez disso, fazia o melhor que podia para a manter,pintando-a regularmente, mas a casa era muito grande e ele não sabia muito sobreconservação de edifícios. No entanto, a casa era de construção sólida e, por isso,sobreviveu à negligência. Os meus pais venderam-na em 1985, quando o meu paiestava muito doente (faleceu em 1986). Vi-a recentemente. Não me pareceu quetivesse beneficiado de mais obras, mas está praticamente com o mesmo aspecto.A casa fora projectada para uma família com criadagem e na copa havia um quadroindicador que mostrava em que quarto fora tocada a campainha. É claro que nãotínhamos criados, mas o meu primeiro quarto era um pequeno aposento em forma deL, que devia ter pertencido a uma criada. Pedi para ficar com ele por sugestão daminha prima Sarah, que15era um pouco mais velha que eu, e por quem sentia uma grande admiração. Ela diziaque nos podíamos divertir imenso naquele quarto. Um dos atractivos do aposento erapodermos saltar da janela para o telhado do abrigo das bicicletas e daí para o solo.Sarah era filha da irmã mais velha da minha mãe, Janet, que se formara em medicina eera casada com um psicanalista. Viviam numa casa muito parecida com a nossa emHarpenden, uma aldeia a cerca de oito quilómetros para norte. A sua proximidade foiuma das razões da nossa mudança para St. Albans. Foi muito bom para mim estarperto de Sarah, e ia frequentemente de autocarro até Harpenden. St. Albans ficavajunto das ruínas da antiga cidade romana de Verulamium, que constituíra a colóniaromana mais importante na Grã-Bretanha, depois de Londres. Na Idade Média,possuíra o mosteiro mais rico da Grã-Bretanha. Fora construída em torno do relicáriode Santo Albano, um centurião romano que parece ter sido a primeira pessoa na Grã-Bretanha a ser executada por professar o cristianismo. Tudo o que restava da Abadiaera uma igreja muito grande e bastante feia, e o velho edifício do portão da Abadia,

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    pertencente então à escola de St. Albans, que eu frequentaria depois.St. Albans era um sítio algo enfadonho e conservador, comparado com Highgate ouHarpenden. Os meus pais não fizeram muitos amigos por lá. Em parte por culpa deles,pois eram por natureza pessoas bastante solitárias, em especial o meu pai. Mas istoera também o reflexo de um tipo diferente de população; certamente nenhum dos pais

    dos meus colegas de escola em St. Albans podia ser descrito como intelectual.Em Highgate, a nossa família parecia razoavelmente normal, mas, em St. Albans, pensoque éramos definitivamente vistos como excêntricos. Isto era fomentado pelocomportamento do meu pai, que não se importava com as aparências se isso lhepermitisse poupar dinheiro. A sua família fora muito pobre na sua infância, o que lhedeixara uma marca duradoura. Não admitia gastar dinheiro com o seu próprioconforto, mesmo quando, anos passados, já tinha meios para o fazer. Recusava-se ainstalar aquecimento central, apesar de sofrer imenso com o16frio. Combatia-o, vestindo várias camisolas e um roupão por cima. No entanto, eramuito generoso para as outras pessoas.

    Nos anos 50, achou que não podia comprar um novo automóvel e comprou um táxilondrino de antes da guerra, e ele e eu construímos uma cabana Nissen para servir degaragem. Os vizinhos ficaram indignados, mas não nos podiam impedir. Como muitosrapazes, sentia uma necessidade de ser igual aos outros, e ficava embaraçado com osmeus pais. Mas isso não os preocupava.Quando viemos para St. Albans, ingressei na Escola Secundária Feminina, que, apesardo nome, aceitava rapazes até aos dez anos. Contudo, depois de eu lá ter passado umperíodo, o meu pai partiu para uma das suas visitas anuais a África, desta vez por umintervalo mais extenso de cerca de quatro meses. A minha mãe não estava comvontade de ficar sozinha aquele tempo todo, por isso levou-nos, a mim e às minhasduas irmãs, numa visita à sua amiga Beryl, que era casada com o poeta Robert Graves.Eles viviam numa aldeia chamada Deya, na ilha espanhola de Maiorca. Tinhampassado apenas cinco anos após o fim da guerra, e o ditador de Espanha, FranciscoFranco, que fora um aliado de Hitler e Mussolini, continuava no poder. (Na realidade,deteve o poder por mais duas décadas.) Ainda assim, a minha mãe, que pertencera àLiga dos Jovens Comunistas antes da guerra, lá foi, acompanhada pelos seus trêsjovens filhos, de barco e comboio até Maiorca. Alugámos uma casa em Deya epassámos uns dias maravilhosos. Eu partilhava um preceptor com o filho de Robert,William. Este preceptor era um protegido de Robert, e estava mais interessado emescrever uma peça para o festival de Edimburgo do que no nosso ensino. Deste modo,punha-nos a ler um capítulo da Bíblia todos os dias e mandava-nos escrever um textosobre o que líamos. A ideia era ensinar-nos a beleza da língua inglesa. Tínhamos lidotodo o Génesis e parte do Êxodo quando nos viemos embora. Um dos principaisensinamentos destas leituras foi não começar uma frase com "E". Fiz o reparo de que amaioria das frases da Bíblia começavam por "E", mas disseram-me que a línguainglesa mudara desde o tempo do rei James. Nesse caso, contrapus, por que motivolíamos a Bíblia? Mas17foi em vão. Naquela época, Robert Graves interessava-se imenso pelo simbolismo epelo misticismo presentes na Bíblia.

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    Quando regressámos de Maiorca, mandaram-me para outra escola durante um ano, eefectuei então o exame que as crianças faziam quando chegavam aos onze anos.Tratava-se de um teste à inteligência, realizado por todas as crianças que queriamseguir o ensino público. O teste foi agora abolido principalmente porque muitascrianças, oriundas da classe média, reprovavam e eram enviadas para escolas "não

    académicas". Mas eu costumava obter melhores resultados em testes e exames do quenos trabalhos de aula, por isso passei no exame e consegui uma vaga na escolagratuita de St. Albans.Quando tinha treze anos, o meu pai quis que me candidatasse à escola deWestminster, uma das principais escolas "públicas" - isto é, privadas. Nessa época,havia uma divisão abrupta na instrução, segundo as classes sociais. O meu pai sentiaque a sua falta de posição e de conhecimentos o levara a ser ultrapassado por pessoasmenos capazes, mas mais bem relacionadas socialmente. Como os meus pais não eramricos, vi-me obrigado a concorrer a uma bolsa de estudo. No entanto, adoeci na alturados exames de candidatura à bolsa e não os pude realizar. Por isso, continuei na escolade St. Albans. Recebi uma instrução pelo menos tão boa como a que teria recebido em

    Westminster. Nunca me pareceu que a minha falta de relacionamentos sociais tenhaconstituído um impedimento.O sistema educativo inglês era muito hierárquico naquele tempo. As escolas estavamnão só divididas em "académicas" e "não académicas", mas as primeiras ainda sedividiam nos ramos A, B e C. Este sistema era bom para os alunos que estavam noramo A, mas não tão bom para os do ramo B, e era mau para os do ramo C, queficavam desmotivados. Fui colocado no ramo A, com base nos resultados do teste.Porém, concluído o primeiro ano, todos os alunos cuja classificação não osposicionasse entre os vinte primeiros da sua turma, eram despromovidos para o ramoB. Estes sofriam um golpe tremendo na sua autoconfiança e alguns nunca arecuperavam. Nos meus dois períodos em St. Albans,18fiquei no vigésimo quarto e no vigésimo terceiro lugar, mas no meu terceiro períodofiquei em décimo oitavo. Passei por pouco.Nunca consegui obter classificações que me situassem na primeira metade da turma.(Era uma turma excelente.) O meu trabalho nas aulas era muito deficiente e a minhacaligrafia fazia desesperar os professores. Mas os meus colegas alcunhavam-me de"Einstein", por, presumivelmente, terem detectado sinais de que eu devia ser melhordo que aparentava. Quando fiz doze anos, um dos meus amigos apostou um saco derebuçados com outro em como eu nunca seria alguém na vida. Não sei se a aposta veioa ser paga e, nesse caso, como foi decidida a vitória.Tinha seis ou sete amigos próximos, e ainda me mantenho em contacto com a maioriadeles. Costumávamos ter longas discussões e disputas sobre todo o tipo de assuntos,de modelos de rádio-controlo à religião, e da parapsicologia à física. Um dos temas dasnossas conversas era a origem do Universo, e se teria sido necessário um Deus para ocriar e para o pôr a funcionar. Ouvira dizer que a luz de galáxias distantes estavadesviada para a extremidade vermelha do espectro, e isso indicava supostamente queo Universo se estava a expandir. (Um desvio para o azul significaria que se estava acontrair.) Mas eu tinha a certeza de que havia outra razão para o desvio para overmelho. Talvez a luz ficasse cansada, e mais vermelha, à medida que se aproximava

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    de nós. Um Universo essencialmente imutável e eterno parecia muito mais natural. Sóapós dois anos de investigação para o doutoramento é que percebi que estavaenganado.Quando cheguei aos últimos dois anos da escola secundária, queria especializar-meem matemática e física. Havia um professor de matemática inspirador, o Sr. Tahta, e a

    escola tinha uma nova sala de matemática, acabada de construir, que o grupo dealunos interessados em matemática adoptara como sala de aula. Mas o meu paiopunha-se fortemente ao meu desejo. Ele pensava que não haveria quaisquerempregos para os matemáticos, excepto como professores. Na realidade, ele teriagostado que eu seguisse medicina, mas não sentia qualquer interesse por biologia, queme parecia demasiado descritiva e não suficientemente19fundamental. A biologia gozava também de um estatuto bastante baixo na escola. Osrapazes mais inteligentes estudavam matemática e física, os menos inteligentesseguiam biologia. O meu pai sabia que eu não queria estudar biologia, mas obrigou-mea escolher química e algumas disciplinas de matemática. Ele pensava que isso

    manteria abertas as minhas opções em ciência. Tornei-me professor de Matemática,mas não recebi qualquer instrução formal de matemática desde que saí da escola deSt. Albans, com a idade de dezassete anos. Tive que aprender a matemática que sei àmedida que ia precisando dela. Costumava orientar os licenciandos em Cambridge e,na preparação das matérias do curso, só andava adiantado uma semana em relação aeles.O meu pai estava empenhado na investigação de doenças tropicais e costumava levar-me ao seu laboratório em Mill Hill. Eu gostava dessas visitas e, em especial, de olharatravés dos microscópios. Também me costumava levar ao viveiro dos insectos, ondemantinha mosquitos infectados com doenças tropicais. Isto preocupava-me, por meparecer que havia sempre alguns mosquitos em liberdade. O meu pai era umtrabalhador esforçado e dedicado à sua pesquisa. Sentia um pouco de despeito porconsiderar que havia pessoas que não eram tão competentes como ele, mas que,graças aos conhecimentos e às relações certas, o tinham ultrapassado na carreira.Costumava avisar-me para ter cuidado com essas pessoas. Mas eu penso que a física éum pouco diferente da medicina. Não importa que escola se frequentou, ou com quemnos relacionamos. Importa apenas o que se faz.Sempre me interessei pela forma como as coisas funcionavam e costumava desmontá-las para ver como trabalhavam, mas já não era tão bom a montá-las de novo. Asminhas aptidões práticas nunca corresponderam às minhas divagações teóricas. Omeu pai encorajou o meu interesse na ciência, e até me deu explicações dematemática, até eu o ultrapassar em nível de conhecimentos. Com esta preparação e aprofissão do meu pai, era natural para mim dedicar-me à investigação científica. Aprincípio, não conseguia diferenciar entre os vários géneros de ciência. Porém, a partirdos treze ou catorze anos, soube que queria fazer20investigação em física porque era a ciência mais fundamental. Isto, apesar de a físicaser a disciplina mais aborrecida na escola, por ser tão fácil e óbvia. A química eramuito mais divertida, porque se estavam sempre a dar fenómenos inesperados, comoexplosões. Mas a física e a astronomia ofereciam a esperança de compreendermos de

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    onde viemos e porque estamos aqui. Eu queria sondar as profundezas distantes doUniverso. Talvez o tenha conseguido numa pequena medida, mas há ainda muito quequero conhecer.21

    CAPÍTULO 2OXFORD E CAMBRIDGE

    O meu pai fazia muito gosto em que eu fosse para Oxford ou para Cambridge. Elefrequentara o University College de Oxford e, por isso, pensava que eu me deviacandidatar a essa faculdade, porque teria maiores hipóteses de ser admitido. Nessaaltura, o University College não tinha nenhum Membro Colegial da área daMatemática, o que era outra razão pela qual o meu pai queria que eu estudassequímica: podia tentar obter uma bolsa de estudo em ciências naturais em vez dematemática.

    O resto da família foi para a índia durante um ano, mas eu tive de ficar em Inglaterrapara fazer os exames de nível A1 e a admissão à Universidade.O meu orientador de estudos pensava que eu era muito novo para entrar em Oxford,mas, em Março de 1959, fiz o exame de candidatura à bolsa de estudo, juntamentecom dois rapazes que frequentavam o ano a seguir ao meu. Fiquei convencido de quea prova não me correra bem e estava muito deprimido quando, durante o exameprático, os professores universitários vieram conversar com outros candidatos, masnão comigo. Então, alguns dias depois de regressar de Oxford, recebi um telegramaanunciando que eu ganhara a bolsa.Tinha dezassete anos e muitos dos outros estudantes do meu ano tinham feito oserviço militar e eram bastante mais velhos do que eu. Senti-me deveras solitário nomeu primeiro ano e em parte do segundo.

    1 O nível A equivale ao nosso 11.º ano de escolaridade. (N. da T.)23Só no meu terceiro ano me senti realmente feliz em Oxford. A atitude prevalecente emOxford nessa época era a de antitrabalho. Um estudante devia ou ser brilhante semesforço ou aceitar as suas limitações e conseguir um doutoramento de quartacategoria. Trabalhar duramente para conseguir melhores notas era considerado osinal dos medíocres, o pior epíteto do vocabulário de Oxford.Naquela época, o curso de física de Oxford estava organizado de tal forma que setornava fácil evitar o trabalho. Fiz um exame quando entrei e só passados três anosem Oxford voltava a haver exames finais. Calculei certa vez que, nos três anos que láestive, estudei cerca de mil horas, ou seja, uma média de uma hora diária. Não meorgulho desta falta de estudo; limito-me a descrever qual era a minha atitude nessaépoca, a qual era partilhada por muitos dos meus colegas: um enfado total e osentimento de que nada valia o esforço feito. Um resultado da minha doença foi mudartudo isso: quando se é confrontado com a possibilidade de uma morte prematura,apercebemo-nos de que vale a pena viver e que há muitas coisas que queremos fazer.Devido à minha falta de estudo, pensava que poderia ser bem sucedido no exame final,

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    realizando problemas de física teórica e evitando quaisquer perguntas que exigissemo conhecimento de factos. Porém, não consegui dormir na véspera do exame porqueestava demasiado nervoso e o exame correu-me mal. Obtive uma classificação queestava na fronteira entre o "Excelente" e o "Bom", e tive de me submeter a umaentrevista pelos examinadores para definir que nota me seria atribuída. Na entrevista,

    fizeram-me perguntas acerca dos meus planos para o futuro. Respondi-lhes quequeria trabalhar em investigação. Se me dessem um "Excelente" iria para Cambridge.Se só conseguisse um "Bom" continuaria em Oxford. Deram-me um "Excelente".Senti que havia duas áreas possíveis na física teórica que eram fundamentais e nasquais poderia fazer investigação. Uma delas era a cosmologia, o estudo do muitogrande. A outra era a das partículas elementares, o estudo do muito pequeno. Noentanto, parecia-me que as partículas elementares eram menos atraentes porque,embora os cientistas24estivessem sempre a descobrir novas partículas, não havia uma teoria adequada nessaépoca. Tudo o que se podia fazer era organizar as partículas em famílias, como na

    botânica. Em cosmologia, por outro lado, havia uma teoria bem definida, a teoria darelatividade geral de Einstein.Não havia ninguém a trabalhar em cosmologia em Oxford, mas em Cambridge estavaFred Hoyle, o astrónomo britânico mais distinto da época. Candidatei-me a umdoutoramento sob a orientação de Hoyle. A minha candidatura a um cargo deinvestigador em Cambridge foi aceite, desde que obtivesse um "Excelente", mas, parameu desapontamento, o meu orientador não foi Hoyle mas um homem chamadoDennis Sciama, de quem nunca ouvira falar. Porém, ao fim e ao cabo, esta soluçãoacabou por se revelar como a melhor: Hoyle passava muito tempo fora e,provavelmente, não teria tido muitas oportunidades para falar com ele. Por outrolado, Sciama estava ali, e foi sempre estimulante, mesmo quando eu, com frequência,discordava das suas ideias.Como não fizera grandes estudos de matemática na escola secundária ou em Oxford, arelatividade geral pareceu-me muito difícil de início e não fiz grandes progressos.Entretanto, durante o meu último ano em Oxford, reparei que estava a ficar muitodesajeitado de movimentos. Pouco depois de entrar em Cambridge, diagnosticaram-me Esclerose Amiotrófica Lateral, ou doença dos neurónios motores, como éconhecida na Grã-Bretanha. (Nos Estados Unidos é também conhecida por doença deLou Gehrig.) Os médicos desconheciam a cura e não podiam garantir que não piorasse.De início, a doença pareceu progredir de modo bastante rápido. Não parecia valer apena continuar a trabalhar na minha investigação, porque não esperava viver osuficiente para acabar o meu doutoramento. Contudo, à medida que o tempo passava,a progressão da doença abrandou. Comecei também a compreender a relatividadegeral e a progredir no meu trabalho. Mas o que realmente fez a diferença foi ter ficadonoivo de uma rapariga chamada Jane Wilde que conhecera na altura em que mediagnosticaram a doença. O noivado deu-me uma razão para viver.25Se nos íamos casar, eu tinha de arranjar um emprego, e, para isso, precisava de acabaro meu doutoramento. Comecei portanto a trabalhar pela primeira vez na minha vida.Para minha surpresa, descobri que gostava disso. Talvez não seja justo chamar-lhe

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    trabalho. Houve alguém que disse: cientistas e prostitutas são pagos para fazerem oque gostam.Candidatei-me a um lugar de investigador no Gonville and Caius College (Caiuspronuncia-se como a palavra inglesa keys). Eu esperava que Jane dactilografasse aminha tese de candidatura, mas, quando me veio visitar a Cambridge trazia o braço

    em gesso, por tê-lo partido. Devo confessar que fui menos simpático do que deveriater sido. Contudo, era o seu braço esquerdo, por isso conseguiu escrever a minha tesede candidatura enquanto eu lha ditava, e arranjei uma pessoa para ma dactilografar.Na minha tese, indiquei os nomes de duas pessoas que poderiam dar referências sobreo meu trabalho. O meu orientador sugeriu que eu pedisse a Hermann Bondi para seruma delas. Bondi era então um professor de matemática no King's College de Londres,e especialista em relatividade geral. Estivera com ele algumas vezes, e ele fizera umacomunicação sobre um artigo que eu escrevera para ser publicado no periódicoProceddings of the Royal Society. Pedi-lhe para dar referências depois de uma palestraque deu em Cambridge e ele olhou para mim de forma vaga e disse que sim, que daria.Obviamente, não se lembrou de mim, pois quando a faculdade lhe escreveu a pedir

    uma referência, ele respondeu que não me conhecia. Nos tempos que correm, sãotantas as candidaturas a cargos de investigação que, se um júri de um dos candidatosdissesse que não o conhecia, seria o fim da carreira deste. Mas aqueles tempos erammais calmos. A Faculdade escreveu-me a relatar a resposta embaraçosa de Bondi e omeu orientador falou com Bondi e refrescou-lhe a memória. Bondi escreveu-me entãouma referência que era, provavelmente, muito melhor do que aquilo que eumereceria. Consegui o lugar de investigador e sou membro de Caius College desdeentão.A obtenção deste cargo significava que Jane e eu nos podíamos casar, o que fizemosem Julho de 1965. Passámos uma lua-de-mel de26uma semana em Suffolk, que foi tudo o que podemos custear. Fomos depois a umcurso de Verão sobre relatividade geral na Universidade de Cornell, a norte do estadode Nova Iorque. Foi um erro. Ficámos num dormitório cheio de casais com criancinhasbarulhentas, o que trouxe muita tensão ao nosso casamento. Noutros aspectos,contudo, o curso de Verão foi-me muito útil, porque conheci muitos dos maioresespecialistas no domínio.Até 1970, a minha investigação foi dedicada à cosmologia, o estudo do Universo emmacro-escala. O meu trabalho mais importante neste período versou assingularidades. A observação de galáxias distantes indica que elas se estão a afastar denós: o Universo está em expansão. Isto implica que as galáxias devem ter estado maispróximas umas das outras no passado. Põe-se então a questão: existiu um momentono passado em que todas as galáxias estavam empilhadas umas sobre as outras, e adensidade do Universo era infinita? Ou existiu uma fase de contracção prévia, em queas galáxias procuravam evitar a colisão mútua? Talvez passassem perto umas dasoutras e começassem então a distanciar-se. A resposta a esta questão requeria novastécnicas matemáticas. Estas foram desenvolvidas entre 1965 e 1970, sobretudo porRoger Penrose e por mim. Penrose encontrava-se então no Birkbeck College deLondres; agora está em Oxford. Utilizámos estas técnicas para mostrar que deve terexistido um estado de densidade infinita no passado, se a teoria da relatividade geral

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    CAPÍTULO 3

    A MINHA EXPERIÊNCIA COM A DOENÇA DOS NEURÓNIOS MOTORES*

    Perguntam-me muitas vezes: como se sente por ter a doença dos neurónios motores?A resposta é: não muito bem. Tento levar uma vida tão normal quanto possível e nãopensar no meu estado, nem lamentar as coisas que me impede de fazer, que não sãoassim tantas.Foi um grande choque para mim descobrir que sofria da doença dos neuróniosmotores. Em criança, a minha coordenação de movimentos físicos nunca fora perfeita.Não era bom em jogos com bola e talvez, por esta razão, nunca me interessei muitopor desporto nem por outras actividades físicas. Mas as coisas pareceram mudarquando ingressei em Oxford. Tornei-me timoneiro e remador. Não era o campeão doClube de Remo, mas atingi um nível que me fez participar em competiçõesinterfaculdades.

    No meu terceiro ano em Oxford, contudo, reparei que estava a ficar cada vez maisdesajeitado de movimentos e caí uma ou duas vezes sem razão aparente. Mas sóquando já estava em Cambridge, no ano seguinte, é que a minha mãe reparou nosproblemas e me levou ao médico da família. Este enviou-me a um especialista, e poucodepois do meu vigésimo primeiro aniversário, fui internado num hospital para fazerexames. Lá permaneci duas semanas, durante as quais realizei uma ampla variedadede exames. Os médicos recolheram uma amostra de músculo do meu* Palestra proferida numa conferência da Associação Britânica da Doença dosNeurónios Motores, em Birmingham, em Outubro de 1987.31braço, ligaram-me a eléctrodos e injectaram-me um fluido opaco às radiações nacoluna vertebral, observando a raios X o movimento ascendente e descendente dofluido, à medida que iam inclinando a cama em que eu estava deitado. Depois de tudoisto, não me disseram o que tinha, excepto que não se tratava de esclerose múltipla eque eu era um caso "atípico". Concluí que eles estavam à espera que a coisa piorasse, eque não havia nada que pudessem fazer, excepto receitarem-me vitaminas. Era óbvioque não esperavam que estas produzissem grande efeito. Não quis conhecer maispormenores, pois sabia que estavam longe de ser animadores.A percepção de que sofria de uma doença incurável, que provavelmente me matariadentro de alguns anos, foi um choque. Como é que uma coisa dessas me acontecia amim? Por que é que esta doença iria acabar comigo? Contudo, enquanto estivera nohospital, tinha visto um rapaz que, vim a sabê-lo, morrera com leucemia na camadefronte da minha. Não era um espectáculo bonito de se ver. Era evidente que haviaoutras pessoas cujas doenças eram bem piores que a minha. Pelo menos, o meu estadonão me fazia sentir doente. Sempre que me sentia com tendência para ter pena demim mesmo, lembrava-me daquele rapaz.Não saber o que me ia acontecer ou qual a rapidez com que a doença se agravaria,deixava-me sem saber o que fazer. Os médicos tinham-me dito para voltar aCambridge e prosseguir a minha investigação sobre relatividade geral e cosmologia,que tinha apenas começado. Mas eu não fazia grandes progressos por me faltar

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    preparação matemática - e, de qualquer forma, podia não viver o bastante para acabaro doutoramento. Sentia-me como um personagem trágico. Costumava ouvir Wagner,mas as histórias, publicadas em revistas, sobre a minha tendência para beber emexcesso são exageradas. O problema está em que, logo que um artigo afirma umacoisa, os demais artigos que aparecem copiam-no, porque dá uma boa história. E uma

    história que surge impressa tantas vezes deve ser verdadeira.Os meus sonhos estavam nessa altura muito perturbados. Antes de a doença me tersido diagnosticada, sentia que a vida era um grande aborrecimento. Parecia não existirnada por que valesse a pena lutar.32Mas, pouco depois de sair do hospital, sonhei que estava prestes a ser executado. Desúbito, percebi que existiam muitas coisas que poderia fazer, se a minha execuçãofosse suspensa. Outro sonho que tive por diversas vezes era o de que sacrificava aminha vida para salvar as de outros. Se, de qualquer forma tinha de morrer, podia pelomenos fazer algum bem.Não morri. De facto, embora existisse uma nuvem pairando sobre o meu futuro,

    descobri, para minha surpresa, que agora apreciava mais a vida. Comecei a fazerprogressos na minha investigação, fiquei noivo e casei, e consegui um lugar deinvestigador em Caius College, Cambridge.O cargo de investigador em Caius resolveu o meu urgente problema de arranjar umemprego. Tive sorte em escolher o trabalho em física teórica, porque é uma daspoucas áreas em que o meu estado não constitui um obstáculo sério. E fui afortunadopor a minha reputação científica ter aumentado à medida que a minha incapacidadefísica se agravava. Isto significava que as pessoas estavam dispostas a oferecerem-meuma sequência de cargos em que eu tinha apenas de fazer investigação e nãoprecisava de dar aulas.Também tivemos sorte com a habitação. Quando nos casámos, Jane era aindalicencianda do Westfield College de Londres, por isso vivia em Londres durante asemana. Isto significava que precisávamos de encontrar um lugar para morar onde meconseguisse desembaraçar sozinho, e que fosse central, porque eu não podiapercorrer grandes distâncias a pé. Pedi ajuda à Faculdade, mas o tesoureirorespondeu-me que não era política da Faculdade ajudar os seus membros a encontraralojamento. Assim, inscrevemo-nos para o aluguer de um apartamento num bloconovo, que estava a ser construído junto ao mercado. (Anos depois, descobri que essesapartamentos são, na realidade, propriedade da Faculdade, mas ninguém mo disse.)No entanto, quando regressámos a Cambridge depois do Verão na América,descobrimos que os apartamentos ainda não estavam prontos. Fazendo uma grandeconcessão, o Tesoureiro ofereceu-nos um quarto numa hospedaria de estudanteslicenciados. Disse-nos que normalmente cobrava doze xelins e seis dinheiros33por noite neste quarto. No entanto, como éramos duas pessoas, cobraria vinte e cincoxelins.Ficámos apenas três dias na hospedaria. Descobrimos então uma pequena casa, acerca de noventa metros do meu departamento na universidade. Pertencia a outraFaculdade, que a alugara a um dos seus membros. Ele mudara-se recentemente parauma casa nos subúrbios, e subalugou-nos a casa pelos três meses seguintes. Durante

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    este período, descobrimos outra casa desocupada na mesma rua. Um vizinho localizoua proprietária no Dorset e disse-lhe que era um escândalo ter a casa desabitadaquando havia um jovem casal à procura de habitação. A proprietária concordou emarrendá-la. Depois de lá termos vivido alguns anos, quisemos comprá-la e fazer obrase pedimos um empréstimo à minha Faculdade. Depois de fazer uma avaliação da casa,

    a Faculdade decidiu que não era um bom investimento; por isso, acabámos por pedirum empréstimo a uma empresa imobiliária e os meus pais deram-nos o dinheiro parafazer as obras.Vivemos nessa casa quatro anos, até se tornar demasiado difícil para mim subir asescadas. Nesta altura, a Faculdade tinha mais consideração por mim, e o Tesoureiroera outra pessoa. Ofereceram-nos um apartamento no rés-do-chão de uma casa quelhes pertencia. Era muito bom para mim, porque tinha salas grandes e janelas amplas.Era suficientemente central, visto que eu me podia deslocar ao departamento dauniversidade ou à Faculdade na minha cadeira de rodas eléctrica. Era também muitoagradável para os nossos três filhos, porque estava rodeada por um jardim que eratratado pelos jardineiros da Faculdade.

    Até 1974, conseguia-me alimentar, deitar e levantar da cama pelos meus própriosmeios. Jane conseguiu tratar de mim e educar dois filhos sem ajuda externa. A partirdaí, contudo, as coisas tornaram-se mais difíceis, pelo que iniciámos o costume depedir a um dos estudantes de investigação para vir viver connosco. Em troca doalojamento grátis e de atenção suplementar da minha parte, ajudavam-me a deitar e alevantar da cama. Em 1980, mudámos para o sistema de enfermeiras públicas eprivadas que vinham durante uma hora ou duas, todas as manhãs e noites.34Isto durou até ter contraído pneumonia em 1985. Fui submetido a uma operação detraqueotomia e, a partir de então, precisei de cuidados de enfermagem vinte e quatrohoras por dia, o que só foi possível graças às doações de diversas instituições.Antes da operação, a minha fala tornara-se cada vez mais arrastada, e só algumas daspessoas que me estavam mais próximas me conseguiam entender, mas, pelo menos,era uma forma de comunicação. Escrevia artigos científicos ditando-os a umasecretária e dava seminários através de um intérprete que repetia as minhas palavrascom mais clareza. No entanto, a traqueotomia roubou-me completamente acapacidade da fala. Durante algum tempo, a única maneira de conseguir comunicar erasoletrar as palavras letra a letra, erguendo as sobrancelhas quando alguém apontavapara a letra certa num cartão em que estava escrito o abecedário. É deveras difícilmanter uma conversa desta forma, e mais ainda escrever um artigo científico.Contudo, um especialista californiano em computadores, chamado Walt Woltosz,soube da minha luta e enviou--me um programa de computador por ele concebido,chamado Equalizador. Este programa permite-me seleccionar palavras de uma sériede menus no ecrã, pressionando um interruptor que seguro na mão. O programa podetambém ser controlado através de um movimento da cabeça ou ocular. Depois deconstruir o que quero dizer, posso enviá-lo para o sintetizador de fala.No começo, utilizei o programa Equalizador apenas no meu computador de trabalho.Mais tarde, David Mason, da Cambridge Adaptive Communications, adaptou umpequeno computador e um sintetizador de fala à minha cadeira de rodas. Este sistemapermite comunicar muito melhor do que antes. Consigo proferir até quinze palavras

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    37esta solução não seria bem sucedida. Só conseguiria abrandar a taxa de mudança.Se aceitarmos que não podemos impedir que a ciência e a tecnologia mudem o nossomundo, podemos, pelo menos, tentar garantir que as mudanças se façam nasdirecções certas. Numa sociedade democrática, isto significa que o público precisa de

    ter uma compreensão básica'da ciência, para poder tomar decisões informadas e nãoas deixar nas mãos dos especialistas. De momento, o público tem uma atitude bastanteambivalente para com a ciência. Habituou-se a esperar o progresso regular do padrãode vida, trazido pelos novos desenvolvimentos da ciência e tecnologia, mas tambémdesconfia da ciência, porque não a entende. A sua desconfiança é evidente nopersonagem da banda desenhada do cientista louco, que trabalha no seu laboratóriopara criar um Frankens-tein. Também aparece como um importante elementosubjacente de apoio aos partidos ecologistas. Mas o público tem também grandeinteresse na ciência, particularmente na astronomia, como demonstram as grandesaudiências de séries televisivas como Cosmos, e na ficção científica.O que pode ser feito para aproveitar este interesse e dar ao público a preparação

    científica de que necessita para tomar decisões informadas sobre assuntos como achuva ácida, o efeito de estufa, as armas nucleares ou a engenharia genética?Evidentemente, a base deve assentar no que se ensina na escola. Mas, na escola, aciência é frequentemente apresentada de forma seca e desinteressante. As criançasdecoram coisas para passar nos exames, e não se apercebem da sua relevância nomundo que as rodeia. Além do mais, é frequente a ciência ser ensinada por meio deequações. Embora as equações constituam um modo conciso e exacto de descrição deideias matemáticas, assustam muitas pessoas. Quando, recentemente, escrevi um livrode divulgação, avisaram-me que cada equação que incluísse reduziria as vendas dolivro para metade. Incluí uma equação, a famosa equação de Einstein, E=mc2. Talveztivesse vendido o dobro dos exemplares sem ela.Os cientistas e os engenheiros têm tendência para expressar as suas ideias sob aforma de equações, porque precisam de conhecer os valores38exactos de grandezas. Mas, para todos os demais, uma visão qualitativa dos conceitoscientíficos é suficiente, e ela pode ser transmitida por palavras e diagramas, sem orecurso a equações.A ciência que as pessoas aprendem na escola pode fornecer a estrutura básica. Mas ataxa de progresso científico é agora tão rápida, que estão sempre a surgir novosdesenvolvimentos, ocorridos desde o tempo em que se estava na escola secundária ouna universidade. Na escola, nunca aprendi nada sobre biologia molecular outransístores, mas a engenharia genética e os computadores são dois dosdesenvolvimentos que mais probabilidades têm de mudar a maneira como viveremosno futuro. Os livros de divulgação popular e os artigos sobre ciência publicados nasrevistas podem levar a cabo novos desenvolvimentos, mas até o livro de divulgaçãopopular mais bem sucedido só é lido por uma pequena proporção da população. Só atelevisão pode chegar a uma audiência verdadeiramente maciça. Existem algunsexcelentes programas televisivos sobre ciência, mas alguns deles apresentam asmaravilhas científicas simplesmente como magia, sem as explicar ou mostrar como seajustam à estrutura das ideias científicas. Os produtores de programas televisivos

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    sobre ciência devem saber que têm a responsabilidade de instruir o público, e nãoapenas de o entreter.Quais são as questões relacionadas com a ciência sobre as quais o público terá detomar decisões num futuro próximo? De longe a mais urgente é a das armas nucleares.Outros problemas globais, tais como a distribuição de comida ou o efeito de estufa,

    têm uma acção relativamente lenta, mas uma guerra nuclear significaria o fim de todaa vida humana na Terra, no intervalo de poucos dias. O abrandamento das tensõesOriente-Ocidente, gerado pelo fim da Guerra Fria, significou que o perigo da guerranuclear foi esquecido pela consciência pública. Mas o perigo ainda existe, desde queexistam armas suficientes para matar, por diversas vezes, toda a população mundial.Nos antigos Estados soviéticos e na América, as armas nucleares ainda estão a postospara atacar as cidades mais importantes do hemisfério norte. Bastaria um erro docomputador, ou um motim por parte de alguns dos operadores das armas,39para desencadear uma guerra global. Mais preocupante ainda é o facto de algumaspotências relativamente secundárias estarem a adquirir armas nucleares. As

    principais potências têm-se comportado de forma razoavelmente responsável, masnão se pode confiar da mesma maneira em pequenas potências como a Líbia ou oIraque, o Paquistão ou mesmo o Azerbaijão. O perigo não está tanto nas armasnucleares que essas potências poderão possuir em breve, que seriam bastanterudimentares, embora ainda possam matar milhões de pessoas. Não, o perigo está emque uma guerra nuclear entre duas potências secundárias possa implicar oenvolvimento das potências principais com os seus enormes arsenais.É muito importante que o público se aperceba do perigo e pressione todos osgovernos para que realizem grandes reduções de armamento. Provavelmente, não éprática a eliminação completa das armas nucleares, mas podemos diminuir o perigoatravés da redução do número de armas.Se conseguirmos evitar uma guerra nuclear, existem ainda outros perigos que nospodem destruir na totalidade. Há uma anedota idiota, segundo a qual a razão por quenão fomos contactados por uma civilização alienígena é que as civilizações têmtendência para a autodestruição quando atingem o nosso estágio. Mas eu tenho fésuficiente no bom senso do público para acreditar que é possível provar que aquelaideia está errada.40CAPÍTULO 5UMA BREVE HISTÓRIA DE BREVE HISTÓRIA*

    Ainda estou impressionado pela recepção conseguida pelo meu livro Breve Históriado Tempo. Esteve na lista dos livros mais vendidos do The New York Times durantetrinta e sete semanas e na lista do The Sun-day Times de Londres durante vinte e oitosemanas. (Foi publicado primeiro nos Estados Unidos e só depois na Grã-Bretanha.) Eestá a ser traduzido em vinte idiomas (vinte e um se se distinguir o americano doinglês). Tudo isto excede em muito a minha ideia inicial, datada de 1982, de escreverum livro de divulgação popular sobre o Universo. Em parte, a minha intenção eraganhar dinheiro para pagar as propinas escolares da minha filha. (Na realidade,quando o livro foi publicado, ela frequentava já o último ano da escola.) Mas a razão

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    principal era o meu desejo de explicar quão longe fôramos no entendimento doUniverso: como podíamos estar perto de descobrir uma teoria completa, quedescreveria o Universo e tudo o que nele existe.Já que ia dispender tempo e esforço a escrever um livro, queria que ele chegasse aomaior número possível de pessoas. Os meus livros técnicos anteriores haviam sido

    publicados pela Cambridge University Press.* Este ensaio foi originariamente publicado em Dezembro de 1988 como um artigo nojornal The Independent. Breve História do Tempo permaneceu na lista dos livros maisvendidos do The New York Times durante cinquenta e três semanas; e, na Grã-Bretanha, em Fevereiro de 1993, estava na lista do The Sunday Times de Londres há205 semanas. (Na semana 184, entrou no Guiness Book of Records por ter alcançadoum máximo de permanência nesta lista.) O número de edições traduzidas ascendeagora a trinta e três.41O editor tinha feito um bom trabalho, mas parecia-me que não estava realmente

    vocacionado para o tipo de mercado vasto que eu queria que o livro atingisse.Contactei então um agente literário, Al Zuckerman, que era cunhado de um colegameu. Entreguei-lhe um esboço do primeiro capítulo e expliquei-lhe que o meu desejoera escrever o género de livro que se venderia nos escaparates das livrarias deaeroporto. Ele respondeu-me que o livro não tinha essas hipóteses: podia vender-sebem a académicos e a estudantes, mas não conseguiria penetrar no território deJeffrey Archer.Entreguei um primeiro esboço do livro a Zuckerman em 1984. Ele enviou-o a diversoseditores e recomendou-me que aceitasse uma oferta da Norton, uma firma editorialamericana de alguma importância. Mas, em vez disso, decidi aceitar uma oferta daBantam Books, editora mais vocacionada para o mercado popular. Apesar da Bantamnão ser especialista na publicação de obras científicas, os livros do seu catálogo estãolargamente disponíveis nas livrarias dos aeroportos. O facto de ter aceite o meu livrofoi provavelmente devido ao interesse demonstrado por um dos seus editores, PeterGuzzardi. Este levou o seu ofício muito a sério e fez--me reescrever o livro de modo atorná-lo compreensível para os não-cientistas como ele. De cada vez que lhe mandavaum capítulo reescrito, ele enviava-me uma extensa lista de objecções e questões paraeu clarificar. Às vezes, pensava que este processo nunca teria fim. Mas ele tinha razão:em resultado deste trabalho, ficámos com um livro muito melhor.Pouco depois de ter aceite a oferta da Bantam, contraí uma pneumonia. Tive de mesubmeter a uma operação de traqueotomia que me roubou a voz. Durante algumtempo, só conseguia comunicar com o movimento de sobrancelhas quando alguémapontava para as letras escritas num cartão. Teria sido praticamente impossívelacabar o livro se não fosse o programa de computador que me ofereceram. Era umpouco lento, mas eu pensava devagar, por isso adequava-se-me perfeitamente. Graçasa ele, reescrevi quase por completo o primeiro rascunho, em resposta às insistênciasde Guzzardi. Fui ajudado nesta revisão por um dos meus alunos, Brian Whitt.42Fiquei muito impressionado com a série televisiva de Jacob Bronowski, The Ascent ofMan. (Um título tão sexista não devia ser permitido nos dias de hoje.) Tratava-se de

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    uma apologia das realizações da espécie humana, traduzida pela evolução dosselvagens primitivos de há apenas quinze mil anos até ao nosso estado presente. Eraminha intenção transmitir um sentimento semelhante pelo nosso progresso rumo auma compreensão completa das leis que governam o Universo. Tinha a certeza de quequase todos os leitores se interessavam pelo modo de funcionamento do Universo,

    mas a maioria das pessoas não conseguia entender as equações matemáticas - eupróprio não dou muita importância às equações. Em parte, isto acontece, por me serdifícil passá-las a escrito, principalmente porque não tenho intuição para as equações.Em vez disso, penso em termos pictóricos, e o meu objectivo neste livro era descreveras imagens mentais em palavras, com a ajuda de analogias familiares e uns poucosdiagramas. Desta maneira, esperava que muitas pessoas pudessem partilhar oentusiasmo e o sentimento de realização pelo progresso notável alcançado pela físicanos últimos vinte e cinco anos.Ainda assim, mesmo se evitarmos a matemática, algumas das ideias são poucofamiliares e difíceis de explicar. Isto colocava-me um problema: deveria tentar explicá-las e arriscar-me a confundir as pessoas, ou deveria contornar as dificuldades? Alguns

    conceitos nada familiares, como, por exemplo, o facto de que observadoresdeslocando-se a velocidades diferentes medem intervalos de tempo diferentes entre omesmo par de acontecimentos, não eram essenciais para a imagem que eu queriatraçar. Portanto, senti que podia apenas referi-los, mas sem os aprofundar. Porém,algumas ideias difíceis eram fundamentais para aquilo que queria apresentar. Haviadois conceitos em particular que senti dever incluir. Um deles era a "soma dehistórias", que afirma que não existe apenas uma história para o Universo. Em vezdisso, existe um conjunto de todas as histórias possíveis para o Universo, e todas estashistórias são igualmente reais (seja qual for o significado disto). A outra ideia, que énecessária ao significado matemático da soma de histórias é o "tempo imaginário". Aposteriori, sinto que me deveria ter esforçado43mais a explicar estes dois conceitos muito difíceis, particularmente o do tempoimaginário, que parece ser o aspecto do livro que mais atrapalha os leitores. Contudo,não é de facto necessário compreender exactamente o que é o tempo imaginário, masapenas que é diferente do que designamos por tempo "real".Quando a data de publicação do livro se aproximava, um cientista que receberaantecipadamente um exemplar para fazer uma crítica para a revista Nature, ficouhorrorizado ao descobrir que o livro estava cheio de erros, com fotografias ediagramas fora do lugar e com as legendas erradas. Telefonou à Bantam, que ficouigualmente horrorizada e decidiu, no mesmo dia, retirar do mercado e destruir toda aedição. Passadas três semanas de trabalho intenso na correcção e verificação de todoo livro, este ficou pronto a tempo de estar nas livrarias na data de publicação,aprazada para Abril. Nessa altura, a revista Time publicara uma biografia minha.Ainda assim, os editores ficaram surpreendidos com a procura do livro. Este encontra-se na décima sétima edição na América e na décima edição na Grã-Bretanha.2Que levou tantas pessoas a comprá-lo? É-me difícil ser objectivo, por isso vouacreditar no que as outras pessoas dizem. Considero que a maioria das críticas,embora favoráveis, são muito pouco esclarecedoras. Tendem a seguir a fórmula:Stephen Hawking tem a doença de Lou Gehrig (nas críticas americanas) ou doença dos

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    neurónios motores (nas críticas britânicas). Está confinado a uma cadeira de rodas,não consegue falar e apenas pode movimentar x dedos (em que x parece variar de uma três, dependendo da inexactidão do artigo que o crítico leu sobre mim). No entanto,escreveu este livro sobre a questão suprema: de onde viemos e para onde vamos? Aresposta proposta por Hawking é a de que o Universo não é criado nem destruído. É,

    simplesmente. De modo a formular esta ideia, Hawking apresenta o conceito de tempoimaginário,2 Em Abril de 1993, encontrava-se na quadragésima edição de capa dura e décimanona edição de capa mole nos Estados Unidos, e na trigésima nona edição de capadura na Grã-Bretanha. (N. da T.)44que (eu, o crítico) considero um pouco difícil de seguir. Mesmo assim, se Hawkingtiver razão e descobrirmos efectivamente uma teoria unificada completa,conheceremos realmente a mente de Deus. (Na fase das provas, estive para cortar aúltima frase do livro, que dizia que conheceríamos a mente de Deus. Se o tivesse feito,talvez as vendas decrescessem para metade.)

    Bastante mais discernente (em minha opinião) era um artigo do jornal londrino TheIndependent, que dizia que até um livro científico sério como Breve História doTempo se podia tornar numa obra de culto. A minha esposa ficou horrorizada, mas eusenti-me deveras lisonjeado por ver o meu livro comparado a Zen and the Art ofMotorcycle Maintenance. Espero, tal como Zen, que dê às pessoas o sentimento de quenão precisam de ficar apartadas das grandes questões intelectuais e filosóficas.Sem dúvida, o interesse humano do relato de como me tornei físico teórico, apesar daminha deficiência física, também deu uma ajuda. Mas os que compraram o livro pelaperspectiva do interesse humano podem ter ficado desapontados, porque contémapenas algumas referências ao meu estado: o livro não foi concebido como umahistória minha mas do Universo. Isto não impediu as acusações feitas à Bantam deestar a explorar desavergonhadamente a minha doença e de que eu cooperara, aopermitir que a minha fotografia aparecesse na capa. De facto, segundo o contrato, eunão tinha qualquer controlo sobre a capa. No entanto, consegui persuadir a Bantam ausar, na edição britânica, uma imagem melhor do que a oferecida pela foto infeliz edesactualizada, utilizada na edição americana. Porém, a Bantam não mudará a capaamericana, porque diz que o público americano a identifica com o livro.Houve quem dissesse que as pessoas compravam o livro porque tinham lido ascríticas acerca dele ou porque estava na lista dos mais vendidos. No entanto, não oliam, limitando-se a exibi-lo na estante ou sobre a mesa da sala, para aparentarem queo tinham lido, sem que tivessem esboçado qualquer esforço para compreenderem oseu conteúdo. É claro que isto pode acontecer, mas não sei se acontece em maior grau45do que com outros livros importantes, incluindo a Bíblia e as obras de Shakespeare.Por outro lado, sei que um mínimo de pessoas deve ter lido o meu livro, pois recebodiariamente pilhas de cartas sobre ele, muitas delas colocando questões ou fazendocomentários pormenorizados que revelam a leitura do livro, ainda que os leitores onão tenham entendido por completo. Na rua, sou abordado por estranhos que mefalam de quanto gostaram do livro. Claro que sou mais facilmente identificado e torno-me mais notado que muitos autores. Contudo, a frequência com que recebo

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    felicitações do público (para grande embaraço do meu filho de nove anos) pareceindicar que pelo menos uma fracção das pessoas que compraram o livro o leram defacto.As pessoas querem saber o que vou fazer a seguir. Sinto que dificilmente podereiescrever uma sequela de Breve História do Tempo. O que lhe deverei chamar? Uma

    História Mais Longa do Tempo? Para Além do Fim do Tempo? Filho do Tempo? O meuagente sugeriu-me que autorizasse a realização de um filme sobre a minha vida. Mastanto eu como a minha família teríamos perdido todo o auto-respeito se nosdeixássemos retratar por actores. Em menor medida, o mesmo sucederia seautorizasse e ajudasse alguém a escrever sobre a minha vida. Claro que não possoimpedir ninguém de escrever sobre a minha vida, desde que não seja difamatório, mastentaria dissuadi-lo dizendo que estava a considerar a escrita da minha autobiografia.Talvez o faça. Mas não tenho pressa. Antes disso, tenho ainda muito que fazer emciência.46

    CAPITULO 6A MINHA POSIÇÃO*

    O tema deste artigo não é a minha crença ou descrença em Deus. Discutirei antes aminha abordagem à forma de compreender o Universo: qual é o estatuto e significadode uma teoria da grande unificação, de uma "teoria de tudo". Existe aqui umverdadeiro problema. As pessoas que devem estudar e discutir tais questões, osfilósofos, não têm, na sua grande maioria, preparação matemática suficiente paraacompanharem os desenvolvimentos recentes da física teórica. Existe umasubespécie, a dos filósofos da ciência, que devia estar mais bem equipada. Mas muitosdeles são físicos falhados que têm muita dificuldade em inventar novas teorias e, emvez disso, preferem escrever sobre a filosofia da ciência. Ainda continuam a discutir asteorias científicas dos primeiros anos deste século, como a relatividade e a mecânicaquântica. Não estão em contacto com as fronteiras actuais da física.Talvez esteja a ser um pouco duro com os filósofos, mas eles não têm sido muitoamáveis comigo. A minha abordagem tem sido descrita como ingénua e simplista.Têm-me chamado nominalista, instrumenta-lista, positivista, realista e muitos outrosnomes terminados em "ista". A técnica que aplicam parece ser a da refutação peladenegração: se conseguirem colar um rótulo à minha abordagem, não precisam deexplicar

    * Originariamente uma palestra proferida para uma audiência no Caius College, emMaio de 1992.47o que está errado nela. Os erros fatais de todos os "ismos" são decerto doconhecimento geral.As pessoas que realizam efectivamente os avanços em física teórica não pensam nascategorias que os filósofos e historiadores da ciência inventam subsequentementepara elas. Tenho a certeza de que Einstein, Heisenberg e Dirac não se preocupavam

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    em saber se eram realistas ou instrumentalistas. Estavam apenas preocupados com ofacto de as teorias existentes não se ajustarem umas às outras. Em física teórica, abusca da autoconsistência lógica foi sempre mais importante para a realização deavanços do que os resultados experimentais. Teorias houve que, apesar de belas eelegantes, foram rejeitadas porque não concordavam com a observação; mas não

    conheço nenhuma teoria fundamental que tenha progredido baseada unicamente naexperiência. A teoria surge sempre primeiro, aventada pelo desejo de obter ummodelo matemático consistente e elegante. De seguida, a teoria faz previsões quepodem ser testadas pela observação. A concordância das observações com asprevisões não basta para demonstrar a teoria. Contudo, esta sobrevive para realizarmais previsões, que, por seu turno, devem ser confrontadas com a observação. Se asobservações não concordarem com as previsões, abandona-se a teoria, ou melhor, éisso que é suposto acontecer. Na prática, as pessoas sentem muita relutância emdesistir de uma teoria em que investiram muito tempo e esforço. Começamhabitualmente por questionar a exactidão das observações. Se isso não resulta, tentammodificar a teoria de maneira arbitrária. Por fim, a teoria transforma-se num edifício

    feio e sombrio. É então que alguém sugere uma nova teoria, em que todas asobservações deslocadas são explicadas de maneira natural e elegante. Exemplo dissofoi a experiência de Michelson-Morley, realizada em 1887, que mostrou que avelocidade da luz era sempre a mesma, independentemente da forma como a fonte ouo observador se moviam. O resultado foi considerado ridículo. Decerto um observadorque se deslocasse no sentido oposto ao da luz devia medir uma maior velocidade paraesta do que outro observador que se movesse no mesmo sentido da luz, mas aexperiência mostrou que ambos os observadores48deveriam medir exactamente a mesma velocidade. Nos dezoito anos seguintes,cientistas como Hendrik Lorentz e George Fitzgerald tentaram acomodar estaobservação com as ideias aceites para o espaço e o tempo. Introduziram postuladosarbitrários, por exemplo, ao proporem a hipótese de que há um encurtamento dosobjectos quando estes se movem a velocidades elevadas. Toda a estrutura da físicaficou feia e desajeitada. Em 1905, Einstein sugeriu uma perspectiva muito maisatraente, na qual o tempo não era tido como totalmente separado nem eraindependente. Em vez disso, aparecia combinado com o espaço, num objectoquadridimensional chamado espaço-tempo. Einstein foi conduzido a esta ideia nãotanto pelos resultados experimentais, como pelo desejo de conseguir ajustar duaspartes da teoria num todo consistente. As duas partes eram as leis que governavam oscampos eléctricos e magnéticos e as leis que governavam o movimento dos corpos.Não penso que, em 1905, Einstein ou outra pessoa qualquer soubesse quão simples eelegante era a nova teoria da relatividade. Ela revolucionou completamente as nossasnoções de espaço e tempo. Este exemplo ilustra bem a dificuldade de se ser umrealista na filosofia da ciência, pois aquilo que consideramos realidade é condicionadopela teoria que subscrevemos. Tenho a certeza que Lorentz e Fitzgerald seconsideravam a si mesmos como realistas, interpretando a experiência sobre avelocidade da luz em função das ideias newtonianas de espaço absoluto e de tempoabsoluto. Estas noções de espaço e de tempo pareciam corresponder à realidade e aosenso comum. Porém, os que hoje estão familiarizados com a teoria da relatividade -

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    ainda uma preocupante minoria - têm uma perspectiva bastante diferente. Devíamosestar a explicar às pessoas o entendimento moderno de conceitos tão básicos como osde espaço e tempo.Se o que consideramos como real depende da nossa teoria, como podemos basear anossa filosofia nessa realidade? Eu diria que sou um realista, no sentido em que penso

    existir um Universo à espera de ser investigado e compreendido. Considero umaperda de tempo assumir a posição solipsista de que tudo é uma criação das nossasimaginações.49Ninguém baseia os seus actos nessa permissa. No entanto, sem uma teoria, nãopodemos distinguir o que é real no contexto do Universo. Adopto portanto aperspectiva, que foi descrita como simplista ou ingénua, de que uma teoria física éapenas um modelo matemático que usamos para descrever os resultados deobservações. Uma teoria é boa se produz um modelo elegante, se descreve uma amplaclasse de observações e se prevê os resultados de novas observações. Para além disso,não faz sentido perguntar se a teoria corresponde à realidade, porque não sabemos o

    que a realidade é, separada de uma teoria. Esta visão das teorias científicas podeclassificar-me como um instrumentalista ou um positivista - como referianteriormente, já me etiquetaram das duas formas. A pessoa que me chamoupositivista, acrescentou que era do conhecimento geral que o positivismo estavaultrapassado. Eis outro exemplo de refutação por denegração. O positivismo podeestar efectivamente ultrapassado, por ter sido a coqueluche intelectual de outrora,mas a atitude positivista que delineei parece ser a única possível para quem procuranovas leis e novas formas de descrever o Universo. Não serve de nada apelar para umarealidade, porque não dispomos de um conceito de realidade que seja independentede um modelo.Em minha opinião, a crença não expressa numa realidade independente de ummodelo é a razão subjacente às dificuldades que os filósofos da ciência sentem quandoconfrontados com a mecânica quântica e o princípio da incerteza. Há uma famosaexperiência conceptual conhecida por "gato de Schrödinger". Introduzimos um gatonuma caixa que é selada. Apontada ao gato está uma arma, que disparará se ocorrer odecaimento de um núcleo radioactivo. A probabilidade deste acontecimento é decinquenta por cento. (Actualmente ninguém se atreveria a propor semelhanteexperiência, mesmo que puramente conceptual, mas no tempo de Schrödinger aindanão se falava em direitos dos animais.)Se abrirmos a caixa, verificaremos se o gato está morto ou vivo. Mas antes da caixa seraberta, o estado quântico do gato será uma mistura do estado do gato morto com umestado em que o gato está vivo. Alguns filósofos da ciência consideram que é difícilaceitar isto. O gato não pode50estar meio morto e meio não-morto, afirmam eles, tal como não se pode estar meiográvida. A dificuldade por eles sentida resulta de estarem a usar um conceito clássicode realidade, no qual um objecto tem uma história única e definida. O que o distingueda mecânica quântica é que esta propõe uma visão diferente da realidade. Nesta visão,um objecto não tem apenas uma história mas todas as histórias possíveis. Na maioriados casos, a probabilidade de ter uma história em particular anulará a probabilidade

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    de ter uma história ligeiramente diferente; porém, em certos casos, as probabilidadesde histórias próximas umas das outras reforçam-se mutuamente. É uma destashistórias reforçadas que observamos como história do objecto.No caso do gato de Schrödinger, são duas as histórias que surgem reforçadas. Numadelas, o gato é morto, enquanto o outro permanece vivo. Na teoria quântica, as duas

    possibilidades podem coexistir. Porém, alguns filósofos ficam enredados naassumpção implícita de que o gato apenas pode ter uma história.A natureza do tempo é outro exemplo de uma área na qual as nossas teorias físicasdeterminam o nosso conceito de realidade. O costume era considerar óbvio que otempo fluía para sempre, independentemente do que acontecesse; mas a teoria darelatividade combinava tempo e espaço, e dizia que ambos podiam ser deformados, oudistorcidos, pela matéria e energia do Universo. Por isso, a nossa percepção danatureza do tempo deixou de ser independente do Universo para passar a sermoldada por este. Tornou-se então concebível que o tempo não possa estarsimplesmente definido antes de um certo ponto; à medida que se recua no tempo,podemos deparar com uma barreira inultrapassável, uma singularidade, para além da

    qual não podemos ir. Se fosse esse o caso, não faria sentido querer saber quem ou oque causou ou criou o "big bang". Falar de causa ou de criação assume implicitamenteque houve um tempo anterior à singularidade do "big bang". Sabemos, há vinte e cincoanos, que a teoria da relatividade geral de Einstein prevê que o tempo deve ter tidoum princípio numa singularidade, há quinze biliões de anos atrás. Porém, os filósofosainda não discutem esta ideia. Continuam preocupados51com os fundamentos da mecânica quântica, que foram estabelecidos há sessenta ecinco anos. Não se apercebem que, entretanto, a fronteira da física já avançou.Pior ainda é o conceito matemático de tempo imaginário, em que Jim Hartle e eusugerimos que o Universo pode não ter qualquer princípio ou fim. Fui selvaticamenteatacado por um filósofo da ciência por me referir ao tempo imaginário. Ele perguntou:"Como pode um artifício matemático como o tempo imaginário ter algo a ver com oUniverso real?" Penso que este filósofo confundiu os termos matemáticos técnicos"números reais" e "números imaginários" com a forma como os termos "real" e"imaginário" são utilizados na linguagem quotidiana. O que acaba por ilustrar a minhaposição: como podemos saber o que é a realidade, independente da teoria ou domodelo com que a interpretamos?Utilizei exemplos da relatividade e da mecânica quântica para mostrar os problemasque enfrentamos, quando tentamos encontrar um sentido para o Universo. Nãoimporta realmente que não percebamos a relatividade ou a mecânica quântica, ou atéque estas teorias estejam incorrectas. Espero ter demonstrado que uma abordagemdo género positivista, em que uma teoria é vista como um modelo, é a única maneirade compreender o Universo, pelo menos para um físico teórico. Espero quedescubramos um modelo consistente que descreva o Universo no seu todo. Se oconseguirmos, será um verdadeiro triunfo para a espécie humana.52

    CAPÍTULO 7

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    O FIM À VISTA PARA A FÍSICA TEÓRICA?*

    Nestas páginas pretendo discutir a possibilidade de o objectivo da física teórica poderser alcançado num futuro não muito distante, talvez no fim do século. Pretendo comisto dizer que poderemos ter uma teoria completa, consistente e unificada das

    interacções físicas, que descreveria todas as observações possíveis. Claro que épreciso ser muito cuidadoso quando se fazem estas previsões. Já por duas vezespensámos estar na antecâmara da síntese final. No princípio deste século, pensava-seque tudo poderia ser entendido em função da mecânica da matéria contínua. Bastavamedir um certo número de coeficientes de elasticidade, viscosidade, condutibilidade,etc. A descoberta da estrutura atómica e a mecânica quântica puseram fim a tudo isto.De novo no final dos anos 20, Max Born disse a um grupo de cientistas em visita aGotinga que "a física, tal como a conhecemos, estará acabada em seis meses". Istoocorreu pouco depois da descoberta de Paul Dirac - um antigo ocupante desta cátedraLucasiana - da equação que governa o comportamento do electrão. Esperava-se queuma equação similar governasse o protão, a outra partícula elementar conhecida

    naquele tempo. No entanto, as descobertas do neutrão e das forças nucleares tambémcontrariaram essa expectativa. De facto, sabemos agora que nem o protão nem oneutrão

    * Em 29 de Abril de 1980, Stephen Hawking recebeu a cátedra de Professor Luca-siano de Matemática em Cambridge. Este ensaio, a sua palestra inaugural, foi lido porum dos seus alunos.53são elementares, pois são constituídos por partículas mais pequenas. Mesmo assim,fizemos muitos progressos nos últimos anos e, como explicarei mais à frente, hámotivos para um optimismo cauteloso quanto a podermos estar agora perto dedescobrir uma teoria completa, ainda durante a vida de alguns dos leitores.Mesmo que consigamos obter uma teoria unificada completa, só seremos capazes defazer previsões detalhadas nas situações mais simples. Por exemplo, já conhecemos asleis físicas que governam tudo o que experimentamos na vida quotidiana. Comosalientou Dirac, a sua equação foi a base de "muita física e de toda a química". Noentanto, só conseguimos resolver a equação para o sistema mais simples, o átomo dehidrogénio formado por um protão e um electrão. Para átomos mais complicados, commais electrões, e para moléculas com mais do que um núcleo, temos que recorrer aaproximações e a palpites intuitivos de validade duvidosa. Para sistemasmacroscópicos formados por cerca de 10 elevado a 23 partículas, temos que utilizarmétodos estatísticos e desistir de qualquer pretensão a resolver as equações comexactidão. Embora, em princípio, conheçamos as equações que governam a biologia noseu todo, não somos capazes de reduzir o estudo do comportamento humano a umramo da matemática aplicada.Qual o significado de uma teoria física unificada e completa? As nossas tentativas demodelar a realidade física consistem normalmente de duas partes:1. Um conjunto de leis locais a que obedecem as várias grandezas físicas. Sãonormalmente formuladas em função de equações diferenciais.2. Conjuntos de condições de fronteira que nos descrevem o estado de algumas

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    regiões do Universo num determinado instante e os efeitos propagadossubsequentemente para o seu interior a partir de outras regiões do Universo.Muitas pessoas argumentariam que o papel da ciência se confina à primeira parte, eque a física teórica teria atingido o seu objectivo quando obtivéssemos um conjuntocompleto de leis físicas locais. Essas pessoas

    54considerariam a questão das condições iniciais do Universo como pertencente aodomínio da metafísica ou da religião. De certa forma, esta atitude é semelhante àdaqueles que, em séculos passados, se opuseram à investigação científica dizendo quetodos os fenómenos naturais eram obra de Deus e não deviam ser questionados.Penso que as condições iniciais do Universo são tão adequadas como matéria deestudo e de teorização científica quanto as leis físicas locais. Não teremos uma teoriacompleta se nos limitarmos a afirmar que "as coisas são o que são por aquilo queforam."A questão da singularidade das condições iniciais está estreitamente relacionada coma da arbitrariedade das leis físicas locais: não se considera que uma teoria está

    completa se contiver um certo número de parâmetros ajustáveis, tais como massas ouconstantes de acoplamento, aos quais se possam atribuir todos os valores desejados.De facto, nem as condições iniciais nem os valores dos parâmetros na teoria sãoarbitrários, mas sim escolhidos ou seleccionados de forma muito cuidadosa. Porexemplo, se a diferença entre as massas do protão e do neutrão não fosse cerca dodobro da massa do electrão, não teríamos obtido os perto de duzentos nuclídiosestáveis, que formam os elementos e constituem a base da química e da biologia. Domesmo modo, se a massa gravita-cional do protão fosse significativamente diferente,não teriam surgido as estrelas, nas quais os nuclídios se foram acumulando e, se aexpansão inicial do Universo tivesse sido ligeiramente menor ou ligeiramente maior, oUniverso teria colapsado antes do desenvolvimento das estrelas ou a sua expansãoseria tão rápida que as estrelas nunca se teriam formado por condensaçãogravitacional.Na realidade, há quem tenha chegado ao ponto de elevar estas restrições às condiçõesiniciais e parâmetros ao estatuto de princípio, o princípio antrópico, que pode serparafraseado da seguinte forma: "O Universo é assim porque nós existimos." Segundouma versão deste princípio, existe um grande número de universos separados,diferentes, com valores distintos dos parâmetros físicos e diferentes condiçõesiniciais. Muitos destes universos não proporcionarão as condições certas55para o desenvolvimento de estruturas complexas, necessárias à vida inteligente. Sónum pequeno número deles, com condições e parâmetros semelhantes aos do nossoUniverso, seria possível que a vida inteligente se desenvolvesse e fizesse a pergunta:"Por que é o Universo como o vemos?" A resposta, claro, é que se fosse diferente, nãoestaríamos aqui a fazer a pergunta.O princípio antrópico oferece efectivamente uma explicação para muitas das relaçõesnuméricas notáveis, observadas entre os valores de diferentes parâmetros físicos. Noentanto, essa explicação não é com-pletamente satisfatória; não se consegue deixar desentir que existe uma explicação mais profunda. Além do mais, a explicação não seaplica a todas as regiões do Universo. Por exemplo, o nosso sistema solar é certamente

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    um pré-requisito para a nossa existência, tal como uma geração anterior de estrelaspróximas, onde foram criados os elementos pesados por síntese nuclear. Toda a nossagaláxia pode ter sido um requisito. Mas não parece haver qualquer necessidade deexistência de outras galáxias, e muito menos do quase milhão de milhões que vimos,distribuídas de maneira praticamente uniforme pelo Universo observável. Esta

    homogeneidade do Universo em macro-escala torna muito difícil admitir que aestrutura do Universo é determinada por algo tão periférico quanto umas poucasestruturas moleculares complicadas, habitantes de um pequeno planeta em órbita emtorno de uma estrela média, nos subúrbios distantes de uma galáxia espiralada muitovulgar.Se não apelarmos ao princípio antrópico, precisaremos de uma teoria unificada queexplique as condições iniciais do Universo e os valores dos vários parâmetros físicos.No entanto, é muito difícil formular sinteticamente uma "teoria de tudo" completa(embora isso não pareça demover algumas pessoas deste propósito; recebosemanalmente pelo correio duas ou três teorias unificadas.) Em vez disso, o quefazemos é procurar teorias parciais, que descreverão situações em que certas

    interacções podem ser ignoradas ou consideradas de uma forma aproximada simples.Começamos por dividir o conteúdo material do Universo em duas partes: "matéria",partículas como os quarks, electrões, muões, etc;56e "interacções", tal como a gravidade, o electromagnetismo, etc. As partículas dematéria são descritas por campos de spin semi-inteiro e obedecem ao princípio deexclusão de Pauli, que impede que duas partículas semelhantes existam no mesmoestado. Es


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