Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea Manuel Jacinto Sarmento ([email protected])
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Introdução
“Dado o estatuto marginal das crianças no mundo inteiro, nos planos social, económico e legal [ a Sociologia da Infância] é representada hoje dominantemente como uma história de resiliência e sobrevivência contra todas as dificuldades”
(Sheper-Hughes e Sargent, 1998)
1 No original, a Antropologia da Infância
Foto M. Sarmento
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Indicadores do “campo”
i) A delimitação conceptual da infância como categoria social e as crianças como atores sociais concretos;
ii) a produção de teorias, quadros conceptuais e frames interpretativos distintos: e.g., “geração”; “reprodução interpretativa”, “ofício de criança”, “participação infantil”;
iii) a definição de procedimentos analíticos e de metodologias investigativas privilegiadas, reorientadas pela natureza do objecto-sujeito de conhecimento, as crianças e a infância: etnografia com crianças, metodologias participativas, métodos visuais
iv) a constituição de dispositivos institucionais de encontro e intercâmbio entre pesquisadores (Research Comittee da ISA e Comité de Recherche da AISLF);
v) reuniões científicas, revistas, livros e publicações especializadas (Childhood, Children and Society);
vi) criação de programas de estudos avançados.
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Perspetivas teóricas
Perspetiva estruturalista (e.g. Qvortrup; Sgritta; Ambert)
Corrente interpretativa (e.g. James, Prout; Corsaro, Sirota,
Montadon)
Orientação crítica
(e.g. Morrow, Alanen, Mayall; Wyness)
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Perspetivas teóricas – perspetiva estruturalista
Objeto: “condições estruturais” em que a infância se situa e em que ocorrem as possibilidades de ação das crianças.
Ênfase: a infância como categoria geracional, numa perspetiva macroestrutural (indicadores demográficos, económicos e sociais)
Orientação metodológica: estudos extensivos, métodos estatísticos, e estudos documentais
Temas privilegiados: imagens históricas da infância, políticas públicas, a demografia e a economia, direitos e cidadania
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Perspetivas teóricas - corrente interpretativa
Objeto: as práticas sociais das crianças – Ação ou “agency”;
Ênfase: A “reprodução interpretativa” (Corsaro, 1997) : capacidade que as crianças têm, nas interacções de pares, de interpretação e transformação da herança cultural transmitida pelos adultos
Orientação metodológica: estudos etnográficos com crianças, estudos de caso e outros estudos qualitativos
Temas privilegiados: imaginário social, a ação social (agency) das crianças, as interações intra e intergeracionais, as “culturas da infância”, as crianças no interior das instituições, no espaço urbano, junto aos media e as TIC (tecnologias de informação e comunicação), o jogo, o lazer e a cultura lúdica “infantil”
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Perspetivas teóricas - orientação crítica
Objeto: a infância é, simultaneamente, uma construção histórica, um grupo social oprimido e uma “condição social” (grupo que vive condições especiais de exclusão)
Ênfase: a “emancipação” da infância como componente da emancipação social mais ampla
Orientação metodológica: vinculação do trabalho investigativo e analítico a formas de intervenção; estudos de “investigação-acção” ou de “investigação participativa”.
Temas privilegiados: dominação política, social e cultural da infância, além da patriarcal e de género, os maus-tratos, as políticas públicas, os movimentos sociais
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Eixos teóricos de desenvolvimento da Sociologia da Infância
A Sociologia da Infância é hoje convidada a estudar as práticas sociais das crianças, as relações inter e intrageracionais, as políticas públicas e as instituições, no quadro das complexas articulações da infância com a cultura e a natureza
Foto M. Sarmento
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Eixos teóricos de desenvolvimento da Sociologia da Infância
O modo como a ação social das crianças opera efeitos estruturantes na constituição da categoria geracional infância, nas dimensões: política (prescrições e interdições, relações de poder e dominação, definição e
promoção de jure e de facto de direitos e obrigações sociais, dispositivos de regulação, espaços participativos, etc.);
simbólica (imagens, representações sociais e “sentimentos” da infância);
moral (regras de conduta, atitudes projetadas, valores, sanções morais, etc.);
A definição, nos planos sincrónico e diacrónico, da alteridade infantil face às identidades sociais constituídas e os efeitos de mútua constituição identitária das relações intergeracionais;
A relação entre os processos de constituição da individualização das crianças e as identidades sociais de género, classe social, etnia e cultura;
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Eixos teóricos de desenvolvimento da Sociologia da infância
Efeitos mutuamente implicados do desenvolvimento biopsicológico das crianças e a sua inscrição em quadros societários de desenvolvimento cultural;
As articulações entre a produção simbólica das crianças (jogos, brincadeiras, rituais, protocolos de comunicação, narrativas, jogos simbólicos, etc.) e as culturas sociais, nas suas escalas local, nacional e global, considerando especialmente a cultura escolar, a cultura erudita para crianças (literatura infantil, música para crianças), a indústria cultural de produtos infantis de massa (jogos, vídeos, mangás, etc.);
As relações de isomorfismo entre culturas de pares das crianças e as variações inerentes à pertença das crianças a culturas societais e comunitárias distintas: As culturas infantis numa perspetiva transcultural
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Infância e sociedade contemporânea
O paradoxo maior da infância contemporânea reside na simultaneidade de:
Proclamação dos direitos e severa restrição nas condições sociais do seu usufruto
Afirmação da cidadania da infância e intensificação do controlo simbólico
Institucionalização crescente e crise institucional
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Infância e sociedade contemporânea
A 2ª modernidade conjuga a globalização e o individualismo institucionalizado (Beck, 1999; Beck e Beck-Gernsheim, 2003);
A regulação social consiste no peculiar jogo de agregação e construção de regras pelos indivíduos e pelos laços sociais que estabelecem, considerando as profundas diferenças de poder que entre eles se estabelecem;
A radicalização do princípio da individualização (incremento paroxístico do individualismo institucional), atribuindo aos indivíduos a obrigação compulsiva da auto-regulação, exprime-se , quanto às crianças, na promoção da autonomia, com o declínio da autoridade (paterna, institucional, etc.). A "norma" da infância, expressa em termos do indivíduo-criança sujeito de direitos da 2ª modernidade, enuncia-se como auto-normativização.
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Infância e sociedade contemporânea
A imagem da criança da
sociedade moderna, como
símbolo do futuro e da
esperança do mundo, dá
lugar à imagem de um ser
humano pleno e denso, que
não exprime apenas o
sentido da inocência e do
devir, mas é a síntese da
complexidade social
contemporânea
Portinari Meninos no balanço
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Conclusão
A Sociologia da Infância não pode ser indiferente às consequências éticas e políticas do seu labor teórico. Na verdade, é na contínua vigilância sobre essas consequências que uma orientação crítica se pode comprometer com um conhecimento orientado para a emancipação social.
É aqui que a renovação potenciada pela Sociologia da Infância pode encontrar as condições para fecundar a reflexividade social sobre a infância com um conhecimento que não seja excludente, mas antes enunciador de renovadas possibilidades de vida para verdadeiramente todas as crianças
Sociologia da Infância e Sociedade Contemporânea
Epílogo
que eu sinta os pulmões com duas velas pandas
e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos
em nome do sofrimento e da felicidade
em nome dos animais e dos utensílios criadores
em nome de todas as vidas sacrificadas
em nome dos sonhos
em nome das colheitas em nome das raízes
em nome dos países em nome das crianças
em nome da paz
que a vida vale a pena que ela é a nossa medida
que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias
que o reino da bondade dos olhos dos poetas
vai começar na terra sobre o horror e a miséria
que o nosso coração se deve engrandecer
por ser tamanho de todas as esperanças
e tão claro como os olhos das crianças
e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele
António Ramos Rosa
Foto M. Sarmento
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