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8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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Po rconvencaoo s
textos
sa oimpressese m
caracteres escuros
so-
bre fundo claro.Apesar deviremde regioes obscurasda sociedade
do s
homens, as palavras fixam-sen o papel
escuras
em fundos claros,
neutros, como se quisessem esquecersua origem complexa, ambigua,
perigosa,para exibirem-se como limpas, nitidas, claras.Eassim se exige
tambem
as
ideias
qu e
elas expoem.
E
tambem quando elas
sa o
fala-
das.
Eassim
deve
ser o
orador,
o
cientista,
o
escritor academico.Lim-
po ,claro, nftido. Etambem a
escola,
a
educagao
d ocorpo, aginastica.
Certa vez, convencionou-se tambem
que a
arteverdadeiradeve-
ria ser
suja,escura, obscura, como
se e la nao
quisesseexpor
sua face
solar,
clara,
positiva.
E
assimdeveria
ser o
artista.
Sujo,
obscuro, pro-
blematico.
E
tambem
a
rua,
o
funambulo,
o
t rabalhador
d as
minas,
o
circo.
O exagero destas duasaf irmacoes leva-nosaafirmar qu e deveria-
mos buscar umaopiniao media. Nao. Para que algosignificative seja
revelado, as
coisas
devem se rmisturadas, colocadasem tensao.Bus-
ca r
sentidos
na aproximagao
problematica
de
linguagens diferentes.
Traducao.
Traduzir de uma linguagem para outra para que algo de ver-
dadeiro e inesperado
surja
ora do
texto,
ora da imagem e ai achar tre-
chos
dahistoriaque
ficaram perdidos
eobscurecidos pelahistoria ofi-
cial. Traducao tambem da
imaginagao,
do
d e s e j o
e da historia do
pesquisador, dostrechos perdidose obscurecidos pelasua historia oficial.
Como se uma pesquisa pudesse ser aomesmo
tempo
uma historia
pessoal profundamente social.
Milton
Jose de
Almeida
EDITOR
UTORES
SSOCI DOS
Z :
O
. .-TT:*
-. i
.
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8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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Ocorpo
movel,
livre,leve, agil. Muitas
vezescomico.
Ocorpo rfgido, retesado.O
corpolimpo,consertado.Ocorpo contro-
lado,construido,modelado. O. corpo atle-
tico.A
estetica
do
corpo.
O
corpo contorcido,
pesado.
O
corpo
destrufdo,destrogado,atrofiado,
espoliado.
Ainda
assim,
o corpo. Corpo impregnado
de valores. Corpo marcadopelas
condigoes
de
vida. Vivendo ritmos,desenvolvendo
agoes,assumindo
posigoes,
posturas. Dife-
rentes, variadas,
opostas,contraditorias.
Imagens docorpo. Imogens
da
educocdo
no corpo. Imagensquevaose produzindo
nofiode um
discurso
despretensioso ebelo,
em
uma
composigaosui generis de palavras
efigurasedesenhose
pinturas,
em que o
texto e o corpo se
mostram
emespetaculo.
No
flo
desse
discurso,qualtrapezista
em
buscadeequilibrio,somos
instigados,
de-
safiados a umexerdciodo
olhar, exercfcio
do s modos
de
conceber
o
corpo
eseus
modos
de
agao
e
movimento. Somoscon-
vidados
a experimentar muitas leituras do
corpo e do
texto.
E
sobre
a
ginastica
que a
autora
nos fala.
Sobre
a ginasticacomoumaformadeati-
vidade culturalmente valorizada.
E
sobre
praticas
que vao seinstituindo e se insti-
tucionalizando
nos
modos
de
sentir
e de vi-
ver o
co/po.
Na narrativa que seconstroi,
ela
nos
informa
e nos
envolve
e nos
encanta,
enquanto analisa
e
apresenta,
de
maneira
inteiramente
original,
uma rica trama de
I M A G E N S D A E D U C A C A O N O C O R P O
E S T U D O
A P A R T I R D A G I N A S T I C A F R A N C E S A
N O
S E C U L O
X IX
C A R M E N L U C I A S C A R E S
3
a
C o L E g A o E o u c A g A o C O N T E M P O R A N E A
AUTORES
ASSOCIADOS
Bibslctec
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP)
(Camara
Brasi leira do
Livro,
SR Brasi l)
Scares,
Carmen Lucia
Imagens
da
educagao
no corpo : estudo a
partir
da ginastica francesano seculo XIX /
Carmen
Lucia Scares.
- 3. ed. -
Campinas,
SP :Autores
A ssociados,
2005.
Bibliografia.
I SB N 85-85701-53-6
I.Educagaofisica
- 2.
Ginastica-Franca
-
Seculo 1 9
I.
Titulo.
97-5400
CDD-613.7
Indices para catalogo sistematico:
I.Corpo :
Educac,ao fisica
6 I 3 .7
I Edigao- marcode1998
Impresso
no
Brasil
-
dezembro
de
2005
C o p y rig h t 2005 by Edi t or a Aut or es A s s o c i a d o s
E D I T O R A
A U T O R E SASSOCIADOS L T D A .
Uina
edilora educativa a servifo da
cultura
brasileira
A v . A l b in o J . B . de Ol i ve i r a , 901 - CEP
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Diretora Editorial
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Editorial
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Assistente Editorial
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M ar q u e s
Diagramacao e Composicao
Vlad Camargo
Er ica Bombard i
R evi sao
M argare t t e de Souza Fre i t as
A l ine M arques
Capa
Cr i acao a par t i r de P aul Gaugui n
Eiaha Ohipa ( Na oa o
Trabalho), 1896,
e
ilustracao
G i nas i o
Normal M i l i l ar
e
Civil de
Amoros , 1820
Mil ton
Jose
de
Almeida
Arte-Final Reg.
5 44
Vlad
Camarga
Impressao
e Acabamento
Grafica
1
S U M A R I O
LlSTA D E F l G U R A S
P R E F A C I O
A3
a
E o ig A o
PREFACIO
A
2
a
EoigAo
PREFACIO
CAPITULO
UM
A s I M A G E N S
CAPITULO Dois
E D U C A Q A O
N O C ORPO: A
R U A ,
A F E STA , o C I R C O , A
G I N A S T I C A
C A P I T U L O
T R E S
O C ORPO
MOLDADO:
A L l M P E Z A E A
U T I L I D A D E
17
33
C A P I T U L O Q UAT RO
O C ORPO AOESTRADO: O
I N D I V I D U O
D l S C I P L I N A D O R D E
S i
M E S M O
81
B I B L I O G R A F I A
13 9
B i b l i o t e c a S e t - : . . . .
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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LlSTA DE FlGURAS
F IGURA I Polichinelos esaltimbancos ou O barraco dossaltimbancos
(Polichinelles
et saltimbanques ou la Baraque des
salt imbanques), quadrodeG iandomen icoTiepolo pintadopor
volta de
1 7 9 3 .
Fonte: Guillou, 1 9 9 5 , p.
135 .
F IGURA
2
O
drco
Cirque), quadro
de
Georges Seurat, pintado
em I 89
I .
Fonte: Strasser, 19 9I,A presentagao.
FIGURA 3 Amoros conduzindo um aaula, em
Paris,
I820.
Fonte:Zoro, 1 9 8 6 . Encarteespecial.
FIGURA 4 A fenfacao de santoAntonio (Latentation de saintAntoine) (de-
talhe),quadro de jeronimus Bosch,pintado po r volta de 1500-
1 5 1 0 .
Fonte: Franga, 1994,pp .
8 0 - 8 1 .
FIGURA 5 A
famflia
de Carlos IV ,quadrode FranciscodeGoya, pintado entre
I S O O e
1 8 0 1 .
Fonte:
Wright,
s.d.,
p. 35.
FIGURA
6
Ginasio ao ar l ivre,
po r
volta
do ano de
1840, catalogadas
po r
Jean
Zoro.
Fonte:
Zoro,
1 9 8 6 , p. 23.
FIGURA
7 Exercicio noportico, po rvolta do ano de 1 8 3 6 , catalogadas po r
JeanZoro.
Fonte:
Zoro,
1 9 8 6 ,
p . 80 .
FIGURA 8
No
Circo
Fernando:
a
amazona,
quadrode Toulouse-Lautrec,pin-
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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tado
em I
Fonte: Mundo
do s museus, 1 96 7 , p. 62.
F IGURA 9
Mademoisel le
La/ano C i rco Fernando (Mademoise l le La/aau
Cirque Fernando), quadro pintado
po r Edgar
Degas
em
1879 .
Fonte:
Huttinger,
1977,
p . 48 .
FIGURA 10
O
clown
no
circo
(Le
downau cirque),quadro
de
Pierre-Auguste
Renoir, pintado em 1 8 6 8 .
Fonte: Dulout,
1994, p. 4 1 .
FIGURA
I I O combate do
carnaval
e da
quaresma
(Le combat de
carnaval
e t
careme),
quadro de Pieter Bruegel, pintado em I 559.
Fonte: Mascheroni,
1993 ,
s/p.
FIGURA
12
O
mane/o
de
armas.
Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , p.
1 4 8 .
FIGURA 1 3 jogos infantis (Lesjeux d'enfants), quadro de Pieter Bruegel, pin-
tado
em I
560.
Fonte: Mascheroni, 1993 , s/p.
FIGURA
14 O Boneco de
palha,
quadro pintado
p or Franciscode
Goya, 1791
-
1792.
Fonte:Wright, s.d., p. 2 1 .
FIGURA
1 5 Os peq u enos
gigantes,
quadro pintado por Francisco de Goya,
1 7 9 1 - 1 7 9 2 .
Fonte:Wright,
s.d.,
p, 23.
FIGURA
16
Garotos brincandode
so/dados, quadro pintado
po r Franciscod e
Goya por volta de 1777 -1785 .
Fonte: Wright,
s.d.,
p. 22.
FIGURA 17 A danca
do s
camponeses (La
danse
d es
paysans),
quadro
de
Pieter Bruegel, pintado po r volta de 1568.
Fonte:
Os Grandes.. . ,
1 9 8 6 ,
n.
1 8 ,
p. 54.
FIGURA 18 Danca
nupcial
ao ar livre, quadro
de
Pieter Bruegel, pintado
em
1556.
Fonte: Os Grandes.. . , 1 9 8 6 , vol. 2, n. 1 8 , p. 56.
F IGURA
1 9
O
en terro da
sardinha,
quadro
de
Francisco
d e
Goya, pintado
en -
t r e o s a no s
d e I 8 l 2 e 1 8 1 9 .
Fonte: Wright,
s.d., p. 45.
FIGURA 20
J ogos ,
s.d.
Fonte:Zoro,
1 9 86 , p. 1 1 0 .
FIGURA 2 1
O tecelao (Le
tisserand),
quadro pintado
por Van
Gogh
e m 1 884 .
Fonte:Gui l lou, 1995, p. 1 2 1 .
FIGURA 22 e 23 jogo co m
bola, 1880(?)-1899.
Fonte:
Zoro,
1986 ,
pp. 47 e
203.
FIGURA 24 A damae o l icorne (La dame a la l icorne),tapegaria (detaihe) de
fins do
seculo
XV Reprodugao em
cartao. Musee
de s
Thermes.
Fonte: Musee
des Thermes, 1 9 9 1
(cartao).
FIGURA 25 Cape/a Sistina(detaihe), Michelangelo.
Fonte:
Os
Grandes...,
1986 ,
vol.
2, n. 16 , p.
12.
FIGURA
26
O descanso do s
mineiros:
o jogo (La pause des mineurs :
lejeu),
quadro pintado po r Henry
Perlee
Parker em 1 836 .
Fonte: Guillou, 1995, p. 120.
FIGURA27 O
batalhao
escolar,
1 885 .
Fonte:
Zoro, 1986 ,p.
209.
FIGURA
28
A
cruz
de
ferro, aparelhos de
ortopedia, illustration, 1868.
Fonte: Corbin, 1 9 9 1 , vol. 4, p. 604.
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FIGURA 29 e 30
Exemplos
de
aparelhos
qu e "corrigem" posturas e
"en-
direitam"o corpo no seculo XIX.
Fonte: Labbe,
1930 ,
vol. I, pp . 4 1 7 - 4 1 9 .
FIGUR A 3 I Fachada do Ginasio Normal
Militar,
criado edirigido pelo
Cel.
Amoros.
Imagens respectivamente retiradas de
JeanZoro
e de
Eduardo de Los Keys.
Fonte:
Zoro,
1 9 8 6 ,
p. 23;
Reys,
1 9 6 1 .
Anexo.
FIGURA 32 Ginastica elementar de Amoros: marchas e corridas. Desenhos
reproduzidos
apartir de
jeanZoro, Marcel Labbe.
Os
desenhos
apresentadospelos autores aqui utilizadosforam reproduzidos di-
retamente daobradoproprioAmoros - oAtlasqueacompanha
o
Manuel d 'Education Phys ique, Cymnast ique et Moral.
Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , pp. 80 e 86; Labbe, 1 9 3 0 , vol. 2, pp. 3 I,
39e45.
FIGURA 33 Aparelhos de Amoros: mastros verticals. Imagens reproduzidas
apartir de JeanZoro e Jose L. H. Vazquez.
Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , p. 74; Vazquez, 1 9 8 8 , p . 36.
FIGUR A 34 Aparelhos de Amoros: barras, paralelas e cavalo. Imagensrepro-
duzidas apartir de
Jose Luis
Hernandez Vazquez.
Fonte: Vazquez, 1 9 8 8 , pp. 37, 43, 44 e 45.
FIGUR A 35 A moros: aparelhos paraaprend er a nadar. Imagens reproduzidas
a partir
da
obra
de
jean
Zoro.
Fonte:
Zoro,
1 9 8 6 , pp .
1 3 8 - 1 3 9 .
FIGURA 36 Amoros, Exercidos
de
sa lvamento.
Fonte:
Reys, 1 9 6 1 .
Anexo.
FIGURA 37 Saltos sobre o cavalo. O cavalo em diferentes epocas. Imagens
reproduzidas a
partir
de Eduardo de Los Reys e JeanZoro.
Fonte: Reys, 1 9 6 1 .Anexo. Zoro, pp. 228 e 229.
FIGURA 38 jogos, seculo XVI. Imagens reproduzidas a partir de Celestino F
M. Pereira.
Fonte: Pereira, s.d.,
p p. 5 8 3 , 5 8 9 e
7 3 6 .
FIGUR A 39 l lustragao de capa dolivroGermina ld e
Emile
Zolaem
edigaofran-
cesa de
Garnier-Flammarion.
Fonte:
Zola, 1 9 6 8 .
Capa.
F I GURA 40
Dispositive
experimental para registrar os movimentos do
torax,
do abdomen e tambem o debito de ar expirado durante ocan-
to. Imagens reproduzidas de Georges Demeny.
Fonte: Demeny, 1 9 3 1 , p . 95 .
FIGURA
4 1
Estagaofisiologica
do
Parque
dos
Prfncip es. Imagens re produzidas
a
partir
de
Jean
Zoro.
Fonte:Zoro,
1 9 8 6 , p . 234 .
FIGURA
42
Fonoscopio Demeny. Imagens reproduzidas
apartir de
Georges
Demeny.
Fonte: Demeny, 1 9 3 1 ,
p.
275 .
F I GURA 43 e 44
Marey. Cronofo togra f ias. Imagens reproduzidas a
partir
de Michel Frizot
(org.)
e Jean
Zoro.
Fonte:
Frizot, 1 9 8 7 ,
pp. 25, 42 e 44; Zoro,
1 9 8 6 ,
p.
2 3 5 .
FIGURA 45Cronofotografo Demeny. Imagens reprod uzidas a partir de Jean
Zoro.
Fonte:Zoro,
1 9 8 6 ,
p. 236
FIGURA 46 Entrada do
metro,
Paris (Entree de
metro), Hector
Guimard,
I8 9 9 .Construction
d u
metro.Traversee
de la
Seine
du
Chatelet,
1907. Archives
Hachette.
Fonte: Clay, 1 9 7 5 ,
p. 1 2 .
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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FIGURAS
47, 48, 49, 50 e
5 1 Ginasticasueca. Imagens reproduzidas
a
partir
de
Marcel Labbe.
Fonte: Labbe,
1930,
vol.
2, pp.
1 7 3 ,
175,203, 207, 275, 276, 277, 278, 246,
247, 248, 249, 2 8 1 , 2 8 3 e 284.
FIGURA 52
Cenas
das
minas
de carvao.
Imagens
reproduzidasa
partir
de
Georges Demeny.
Fonte: Demeny, 1 9 2 4 , pp. 308-309.
FIGURA 53 Imagens reproduzidas apartirde CelestinoF. M. Pereira.
Fonte: Pereira, s.d., pp. 580 e 246.
FIGURAS
54, 55, 56, 57
Demeny apresenta umaligao
de
ginastica
e
exer-
cicios
destinados
as
mulheres
-
ginastica francesa.
Imagens reproduzidas a
partir
de Georges
Demeny eJean
Zoro.
Fonte:
Demeny,
1920,
p. 49.
Figural.Zoro,
1 986 , pp . 36 , 90,
102,
12 6 e
130.
FIGURA 58
Espartilhos.
Imagens
reproduzidas
a
partir
de
Georges Demeny
e JeanZoro.
Fonte:
Demeny, 1 9 3 1 ,
p.
229;Zoro, 1 9 8 6 ,
p. 77.
FIGURA
59
Batalhoes
escolares.
Imagens reproduzidas
a
partir
deJean
Zoro.
Fonte: Zoro, 1 9 8 6 ,
p.
208.
FIGURA 60 O uso da forga nos trabalhos. Imagensreproduzidas a partir de
Georges Demeny.
Fonte: Demeny,
19 3
I, p p. 1 80 , 1 8 1 ,
I 8 2 e
1 8 3 .
P R E F A C I O A 3
a
B D I C A O
DA M O D E R N I D A D E , DA
E D U C A C A O D O
C O R P O ,
D O S
SEUS
ECOSC O N T E M P O R A N E O S
Raymond Williams, em Cultura,alerta-nospara uma dimensao eminentemen-
tehistoricada
produgao artfstica,
qualseja,a
condigao
deprodugaodasobrasde
arte.SemremeteraWalterBenjamin-
outro
grandeexpoentedacriticaamoder-
nidade
-,
suasconsideragoes
permitem
indagar se em
algummomento
a obra de
arte teve, de fato, uma aura que aprojetassecomo legado do esclarecimento, aura
esta
que seteria
perdido
em urn dos
movimentos
da
modernidade.
Ao
recuperar
essadimensao da
produgaoartistica
ou
cultural, Williams
permitepensaro
entrecruzamento
de
duas
dimensoes
fundamentais
da
experiencia moderna:
I.
a
mudanga depadroes culturaisque sedeslocam de umaperspectiva mutualista
para
uma
que
afirma
o
individuo
como
elemento central
na
novaconfiguragaosocial
que
seinstaura;
2. a emergenciadesse
novo mundo
que e, a
despeito
do que o
diferen-
c i a , devedorde umatradigaoseletivade
longa duragao.
Assim,segundoessapers-
pectiva, amodernidade mantemvestfgiosdeumpassadoquerepresentoua semen-
teira
do
turbilhao
que
submeteria
diferentes
culturas
aoimperativoda organizagao,
docalculo,daprecisao,do
controle,
em umapalavra,da administragao.Comoten-
dencia historica, umpassadodemarcadopela
tensao
entre o velho e o novo, ocien-
tffico
e osensivel,omiticoe oobjetivo,que
conhece
a sua
plena
realizagao,nao em
um perfodo
precise,
mas em um
longo
processo
de
afirmagao
do novo
ethos
que
representaria a civilizagao, consubstanciado na
grandecidade.
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
8/86
Entre
processes passadosinfirmadospelo o/focento,e possfvelda r
destaque
aquiloque inadvertidamente,e naosem problemas, podemos denominar
"culturas
populares",
que partilhavam um a nogao de vida comunitaria, paulatinamente substi-
tuida
pela
experiencia que marcou oflaneur.Aquelas ormas de vida comunitaria que
representavammaneirasproprias deoperarcom a natureza e com asociedade,nao
coincidentes
com os
novos designios cientificistas
que se
afirmavam,
e que
marca-
riam tab
fortemente
a
educagao
docorpono Ocidente.
Em contrapartida,a
efervescencia
daurbedo
seculo
XIX produziriaumapro-
fusao deexpe riendas transformadorasd asensibilidade artfstica, sejana forma de
escolas,
teorias,tendencias ou tecnologias.E
certo
qu e esseprocesso demorariaa
chegarem
terras brasileiras.
Mas
como
marca
inalienavel
da
modernidade,
seus
ecos
reverberariam
em
diferentes lugares
e
tempos,
com
enfases
e
profundidades
na o
menos
plurals.Como
epitome desseprocesso,
um a
Europaarcaicadebatia-se con-
tra aRevolucao Industrial, contrao Palacio'deCristale asreformasde Haussmann,
levadas
a
cabo
comoapanagiodo
sangue
de 1 8 4 8 .
Pois
e na
confluencia
desses
elementos,
desses
produtos,
desses
processes
-
culturas populares,
cientificismo,
arte, tecnologia, educagaodocorpo- queCar-
men LuciaSoaresse embrenha para nos conduzir por umatramana qual o "novo"
apropria
o
"velho" para
se
afirmarcomo
"revolucionario". O
mundo
do
povoconce-
bido pelo velho Brueguel,
q ue
assiste
nao sem
resistencia
ao seu
eclipse,
narrado
porWilliams sobreoutrotempoelugar,enseja,
junto
aoutros elementos,o nasci-
mentode uma tecnologia decuidadoscom ocorposemprecedentes na historia.
Com o
acento particular
na
educagao
que
moldaria
o
homemindustrioso, industrial,
monada substantiva que invadiria
exposigoes,
cafes,galerias:arua.
Pois
aquelacultu-
ra,patrimonio identitario
sem
nome,
posto que marcadopela experiencia
comum,
alimentaria
o
ventre
de um
discurso
que
prescreveria doutrinas,
exerdcios,meto-
dos para que todos fosse m cadavez menos
cada
um. Ou seja,o mundo reencantava-
se,a s
promessas
do
esclarecimento
nao se
cumpriam,
e oturbilhao
atingia
em
cheio
asformasde pensarna
(re)conformagao
da sociedade.
Longo
processo este, inconcluso
por
certo.
Aberto, portanto,a
possibilidade
historica. ECarmenajuda-nosa vercomo a rua seconfundia com a
festa,
que era
brinquedo e guerra, dor e prazer,
pulso
emorte.M as essemovimento lentamente
e
solapadopelosdesignios
da cientificidade qu e
atingiria
as telas, os
cromos,
os
tri-
Ihos,o ago o corpo; sem esquecermos quetornariama aflorar osseus
rnais
inos-
pitos pressupostosna
experiencia
que
liga
a Parisde Hausmmann aGuernicade
Picasso.Tempo
de mutilagaoe
salvacionismo. Tempos
de
corpos
serem
educados.
Tempos dediscursose praticasserem mobilizados paraa sua educagao.
Funambulos
e
outros artistas
qu e
tomavam
as
ruas, esses trabalhadores
"apostatas" dascausasda ciencia, dotrabalho, da tecnica"cientffica",seriam usta-
menteos fornecedores do m aterial que fomentaria asexperienciasque prescreve-
riam
a
corregao,
a
perfeigao,
a
educagaocorporals.
Nao sao experiencias
simples:
a tecnicavodferava;
a matematica pontificava; a
natureza
eracaptadaem uma
dimen-
sao sem precedentes. E assequenciasde fotosque Carmen da a ver e propoeana-
lisarchocam quando comparadas
com as
magens
qu e
abrem
o seu
estudo,
essas
sim,aindaque icgao postosque
sao
"arte"- .encarnadas,
vividas,
encharcadasde
humanidade
ate
pela
partilhaque estao a representar.
Mundopulsante
das
ruas, mundo
frio
dos
laboratories Duasvidas,dois modelos
de
corpos, imbricados
na
lembran-
gade q ue a sua raiz e a vida daqueles artistasdo povo quetinham comoo seu traba-
lho
explorar
os
limites
dos
seuscorpos. Estranhos apostatas aqueles,
que unifica-
vam vidaetrabalhono sseus corpos Ajudaram acriaras
"ciencias
do movimento
humano" com o seu rabalho mambembe,
execravel,
maldito.
Curioso
liame
este da historia, que
liga
ocontextodo Rabelaisde Bakhtin as
experiencias
dos
campos
de
concentragao
nazistas.
Ocorpoquemorree
mata;
que
vive e viola; e violado e ri Curioso
tambem
estetemadocorpo:intangfvel nas suas
marcas,n ao reduzfvela nenhumpadrao, pouco
conhecido
na sua complexidade
historica. Duplocorpo Corpos Seencerram dificuldadesinauditas,o que dizer da
sua educagao?
Se a
formagao
nao e m ensuravel
pelo
quantum dos
modelos
mate-
maticos,
comoproceder historicamente para compreender a educagao do corpo
como
premissa
do
processo
de
formagao? Questoesparamuitos
projetos, muitos
investimentos, muitas reflexoes. Questoes tocadas,
abertas,
tomadascomoobjeto
porCarmen,que das entranhasdas representagoes da arte e da tecnicanos estra-
nha
com amaximaqueteriasidoo
corpo
transformado em maquina um dospon-
tos
de inflexao da modernidade. Nao
basta
mata-lo; e precise educ a-lo
Quem
sabe
reinventa-lo,
naocomorepresentagao
artistica,
m as
como
objetode
saber.
Corpo-
maquina,
saber-coisa
Percorrendo Demeny,
a
literatura, afotografia,
a
iconografia, c ortados
em
suas
perspectivas
diacronicas,
Carmen oferece-nosum
mapa
- aberto,plurivocal de
possibilidades
postas
pela marcha do esc larecimento, apartirdo projetoque ungia o
corpo
na sua
dimensao
utilitaria,
filha
da
organizagao
de um
tempo
que viu a
grande
fabrica
levar as
ultimas consequ endas
a redugao do
corpo
ao
imperative
do
calculo,
nao sem que uma ou multiplas
retoricas
se desenvolvessem para ustificar as atroci-
dades nasfabricas, nas ruas,nas minas, nos campos. Corpos reduzidos acoisas;
homens,
mulherese criangascom assuasdignidades achincalhadas. Triste legadodo
esclarecimento
europeuque se
espraiava
pelo mundo No B rasil daquele tempo,a
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
9/86
escravidao,essa
marca
tangivelda degradagaohumana, corporalmente
visfvel,
mo -
ralmentereprovavel.Aqueles eram, ainda,tempos daferula,quemarcavano
corpo
infanteos limitesda s suaspossibilidades de expressao. Ostempos eramd eregozi-
jo,
pelo menos para aqueles
que
vislumbravam republica,industrializagao,urbaniza-
gao,modernizagaon o Brasil,a imagemesemelhangade terraseuropeias.
Mas
se o
trabalho
de
Carmen pelo
que
propoe
ja ajuda
a
pensar
um
processo
de
educagao
do
corpo
paraareorganizagaoda cultura nosmoldesda urbe europeia,
asimagens
erepresentagoescom asquais
trabalha permitem ainda
um
poucomais.
Permitem que mapeemos,
tambem
em um esforgo
diacrfinico,
ainsistenciade de-
terminadas praticasem permanecer como
resqufcios
dainculturade ummundo
patogenico.E nos
tempos
de
hoje voltamos
o
nossoolharpara
ascriangasdo sisal,
das
minas decarvao,daprostituigao;
voltamos nossossentidos para
a explosao
xenofoba, para o aniquilamento do diferente, para abanalizagaoda dor do
outro.
Dor que se
manifesta ainda naquilo
queseria
inimaginavel
na
modernidade
dospri-
meiros
tempos:
anegagaodo
trabalho,
domais
rudimentar
dos trabalhos,aquele
das
maos,
do s
bragos, corporal.
Pois
mesmo
esse
trabalho,
da
apologia
de
perso-
nagens
e tradigoes tao distintas, hojese esvaicomo promessa
nao
cumprida. Para-
doxalmente, quandoalgunsvivem justamente
da
venda
dosseus
corpos: herois
ou
"barbaros"
modernos,
atletas, estrelas, criangas,
mulheres, trabalhadores
informais,
ternemcomumo investimento que se faz sobre os
seus
corpos para consignar
maispontos no
projeto
que nos extrai a humanidade. Alguns, anonimos; outros,
idolos universais.Tbdos,estilhago
de um
tempo
que
elevou
o
corpo
e a sua
educa-
gaonoadrodos sacriffcios da civilizagao pela
consolidate
do
moderno.
Pois esse
"moderno"precisase rquestionado em
suasbases
e em
seus
pressupostos. Mas
precisaser lembrado como otempo-projetoque banhou o mundo de esperanga,
de
Utopia,
deresistencia.Saudadedo seculoXIX? Seria
exagero,porcerto
Mas
entendido como auge
de um
mundo
que
acreditou
nas
possibilidadeshumanas,
voltar
a
Bruegel eBoch,passando por
Rabelais
e o grotesco, chegando aAmoroseDemeny,
e
um
exercfcio estimulante para aqueles
que
querem
e
pensam
a
historia como
possibilidade.Dai Williams poder
nos
alertar para
a
longa revolugao
que
represen-
tou aobliteragaode
formas alternativas
de
organizagao
da
sociedade. Formasalter-
nativas nas quaiso esforgoe a habilidade
corporals
eram
condigao
de vida erealiza-
gao
para
a
maiorparte
dos
homens
e
mulheres
que
faziam
do seu
dia-a-dia
razao de
trabalho
efesta,
lugar
etempode celebragao da
vida, pelo
quee lanosreservade
dor e prazer. Dor queseriade forma
sub-repticia,
transformada em norma de con-
duta, em
estilo
devida,em
sofrimento
apaziguadopelo
entretenimento.Hoje
otra-
balho
eoutro,a fruigao e
pouca, tambem
eoutroo
corpo
e a sua
educagao.
Mas do
exercfciodeCarmen podemos apreenderasmarcasde umtempode ebuligao, no
qualprojetos eram disputados,tendenciassolapadas,vitorias encetadas. Os venci-
do sficaramcomo memoria
a
martelar
na
consciencia
do
presente cinico.
Abeleza
no
horror?
Se
recuperarmos
atopicafreudiana, a
beleza
e um dos
motores
que
ajudaram
a perpetuar o
horror.
Ou, pelo menos, o modelo de beleza que fez do
corpo
o cenaculo
oracular
de um
mundo
que se
perdeu
da sua
humanidade.
E que
ehumano
justamente peloque nos
apresenta
de
inconcluso
Esse
processo, artis-
ticamente focalizadoporCarmenScaresnessas
paginas,
esta
aberto.
Algumas cau-
sasaindapodem
ser
ganhas.
E ao
historiadorcabefazer lembrar sempre aquilo
q ue
nuncafoifarsa,mas os
obices
de um
mundo
que
estranhou
a si
mesmo
e o
qual
continuamos
a
estranhar
na s
nossasindagagoessobreessas
distancias
espagotem-
poraisque
aproximam
artee
ciencia,
ficgaoe
realidade, narrativa
eexperienda.
Curitiba,primavera de 2005
Marcus
Aurelio Taborda de Ol iveira
Professor
do Departamento de Teoria
ePratica
de
Ens ino
e do Programa de Pos-Graduagao (area tematica dehistoria e historiografia da
educagao) da
Universidade
Federal do Parana
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
10/86
P R E F A C I O A
2
a
E D I C A O
A educagao e o processo
pelo
qual
as sociedades asseguram a transmis-
sao
do s
conhecimentos,
e dos
valores
fundamentals,
da s
geragoes mais
ve -
Ihas
para
as
geragoes mais
novas. Ate hoje, em
cada sociedade
e
indepen-
dentemente do seuestadiode
desenvolvimento
ou dos modelos de educagao
concebidos, este e o meio que
assegura
a cultura. Apreparagao para a vida
sup5e a
educagao
isica,
um conjunto mais
o u
menos extenso
e
complexo
d e
principles, de metodos e de tecnicas apartir dos
quais
se estruturam manei-
ras
de
fazer, verdadeiro know-how
indispensavel a
vida humana
e
social.
A educagao dos seres humanoselabora-se no sentido de favorecera
adaptagao
ao meio natural e fisico.tanto quanto humano e
social.
A aprendi-
zagem das
actividades
q ue
inserem
os
seres
humanos
no
mundo
da
vida
e um
valor da vida humana e
social.
Descuidar estaarea, de
preservagao
detudo
quanto
e
considerado
valioso e significative, e
comprometer
as hipoteses de
sobrevivencia
e de continuidaded as sociedades tal como as conhecemos. As
tecnicas, de que a
ginastica
fazparte, representam umfenomeno de cultura
qu e
necessita
de
maior atengao
para que se
compreenda,
com
clareza
e
afas-
tada
das
tensoes
ideologicas
que,
sem duvida, as
utilizaram, qual
o seu
valor
e qual o seu
sentidosocial
no
quadro
de uma sociedade em
mudanga
e que
aspirava a uma maior justiga
social.
No territorio do corpo, esse mediador
singular, os interesses cruzavam-se ontem, como hoje, entre os valores hu -
manos
maisprofundos
e as
profanagoes
mais
hipocritas.
Este
e o
espago
e o
tempodo serhumano, da suavida individual ecolectiva. Umterritorioque e
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
11/86
indispensavel salvaguardar, nas formas e nas fungoes,
certamente,
mas sem
que se
esquega,
emmomentoalgum,que
este
e o
espagoverdadeiramente
sagradoonde se
definem
e defendem os l imitesentrea l iberdade e o abuso.
Comoacontece no processo de
constituigao
de alguns factos da cultura,
a institucionalizagao
da
educagao fisicaocorre num
periodo
alargado.
E
este
um
tempolongo,
no qual se
inscrevera
a sua construgao
teorica
e a elabora-
gao minuciosa
e
sistematica
de
propostas concretas
de
operacionalizagao.
E
no seio de uma Europa que se
pensa
a si
propria
e aos
seus
limites, onde os
problemas do homeme da sociedade seimpoem e suscitam animado deba-
te, flnos argumentos e oconfronto fecundo
entre
perspectivas eruditas e
esclarecidas
e as propostas consistentes de mudanga e de
consolidagao
de
valores entendidos como fundamentals,
que as
possibi l idades
de
educar
ad -
quirem um a
importancia social
e po lf t ica, de facto, m oderna. Esteperiodo,
que sepodera compreender en tre o
tempo
dos fundadores, como
John
Locke, Henride Boisregard e,
tambem,
J ean Jacques Rousseau,entre outros,
e com clareza desde os
finals
do seculo XVII , e a sua
integragaocomo
um a
discipliha escolar,
acessfvel
amaioria da populagao, facto que severificarase -
gundo ritmoseorientagoes distintaspor
toda
aEuropae portodooOciden-
te, desdeos infcios do secu lo X IX, e o
momento
em que seestruturam os
poderes proprios
da
soc iedade democra t ica
de que o
Estado-nagao
e uma
instituigao
fundamental e o cidadao uma nogao revestida de uma responsabi-
lidade outra.
E
nos
interstfcios
de uma
sociedade
na
qual
a tecnica e a
inteligencia
se
sobrepoem, com
lentidao,
aos
va lores
do
nascimento
e de
prerrogativas
anacronicas, que a
educagao
do s
mais jovensassenta, tambem, com. particu-
lar preocupagao, na formagao do
caracter
e da vontade, atraves do corpo e
do
exercicio
fisico, isto e, de uma actividade moderada e regular devidamen-
te
orientada.
O
olhar distanciado,
que as ciencias
procuram, sugere
as
inhas
de
poder que a
palavra
de
Foucau l t reve la ,
o
alargamento
da s
redes
de
interdependencia
e de as configuragoesesbogadasentreosgrupos
socials
qu e
Eliasexplica,
os
confrontosentre
os
defeitos incrustados
no
corposocial
e os
excesses incontidos qu e essa
mesma
realidade apresenta,as necessidades e
as
expecta t ivas
que o
estudo
de
Crespo desenterra
ao
expo r
as
texturas
multiplas
e as
tensoes
da sociedade portuguesa, os l imitados
centres
e a s
infindaveis periferias onde se ogam os poderes e as politicas de que noselucida
Hobsbawm, avangam
e m
sentido diverso
d as
festas
e das
formas
de
subver-
sao
em que a comunidade de Thorndike se revigorava e em que Bakhtin atenta.
Os termos da racionalizagao entendidacomo necessaria, face aos valores do
desenvolvirnento e do
progresso, indicam
a
verticalizagao
do s
co rpos ,
a
higienizagao dos
habitos publicos
e privados,a
normalizagao
do s
comporta-
mentos.
No caudal de problemas, de propostas e de iniciativas
rasgadas
por en-
tre
quotidianos
que se
procuram distintos,
as tecnicas, os
metodos,
as
expli-
cagoes
inspiradase legitimadas noprocesso
cient i f ico,
irrompem
pelo
seculo
XIX
como
uma das
solugoes que,
no
quadro educ ative, poderiam contribuir
para
um atransformagao desejada.
Demarcar campos
de intervengao,
valori-
zar
orientagoes precisas
e
marginalizar correntes demasiadoproximas
de sa-
tisfagoes imediatas, luxuriantes
e
inibriadora s, constituiu
uma das
tarefas
a que
se langaram alguns. O empree ndimento individual inscrevia-s e nas formas de
comportamento a que seaspirava. Am oros,
como Demeny,
como tantos
outros, personificavam
o
indivfduo
que
nao sogobra,
que
enfrenta
os
obsta-
culos e
concretiza, justamente
pela
acgaopersistente
e
altruista,
as
atitudes
de
umaoutra
nobreza
em
formagao.
O
corpo, vigoroso, altivo,autonomo,
e o
primeiro sinal
de um
mundo
em estruturagao. A
imagem
de
elegancia,
de
sobriedade,
de
comedimento,
de
perfeitoauto-domfnio.
A correcgao das
indumentarias
escuras,
da s
cami-
sase doscolar inhos brancos,domovimento
adequado
e das
capacidades
que
se
desenvolvem pela vontade, pela regularidade, pela repetigao e pelo exer-
cicio,
pelo ensaio epelo erro,
a imagem de eficiencia acompanha cada cor-
rente.
Nao
pelo visivel
ou,
sequer, pelo visual.
Mas
pelo
que
transmite den-
tro do
sentido
y isado- um serhumanocomplete,emcondigoesdefazer face
a
u ma
sociedade m ais
exigente,mais
complexa
e
diffci lm as, tambem, deseja-
va-se,
menos desigual.
Aos
desdob ramentos desgarrados
de
contorcionismos
inuteis,
opoe-se
a ideia mestra da utilidade, da justeza, do servigo. Na verda-
de ,numasociedade outra,onde ocoloridodacorte,oevenemenfaristocra-
tico
e
circular,
os
minuetes
e as contra-dangas, a
esgrima
d e
efeito
e as
exibi-
goes de alta escola onde o carroussel distinguia cavalos e
cavaleiros,
nao s ao
exclufdos, que a
arte
ecomoo ar, indispensavel, mas restringem-se, progres-
sivamente, a cerimoniais de
familia,
memoriado que tende a extinguir-se. E a
arte,
ha que a
buscar.
Como
Barthes assinala, o sentido
passa,
como um d iscurso,um
texto,
po r entre os indivfduos e asimagens que os o lhares percebem. Nesta pers-
pectiva, outros
individuos,
outraspraticas,outrosdiscursos,animam os com-
portamentos
tendo
em
vista garantir, acima
detudo,que
algo,
de
importan-
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
12/86
te, de
extraordinario,
de taoessencial,se
preserve.
E
esta
eu ma
area
de
todos,
nao
de
alguns.
A
obra
deCarmen Lucia
Scares,
feita de exigenciae de
rigor,
conduz-
nos
aum universe de possfveis em
confronto,
de alternativas que sejogam
po r entre situagoes e poderes diversos. No fulcra da s
tensoes
que se
mani-
festam,
o
corpo
e o
territorio
da sforgasde uns e de
outros,
os interessese
as
necessidades
de uma
sociedade
em
mudanga,
as
fraquezas
que se
deseja-
va transformar em acgao verdadeiramente social e
util.
Em particular, a pro-
posta edificada por Amoros, primeiroautor de uma
ficha
de avaliagaodesti-
nada a que
proprios jovens procedessem
a
analise
da s suas
capacidades
e
avangosbemcomoas dos seuscolegas,
elemento decisive
do trabalho reali-
zado
e
instrumento
de
medida fundamental
na
afirmagao
do
valor
do
exerc i -
ci o ffsico. Ou aorientagao de Demeny, apurada segundo princfpios seguros
ma s
nao suficientesentre outros
interesses
que se
esbogam.
No trabalho de Carmen Lucia Soares, as imagens animam-se de senti-
do,
seguidas por um
texto
denso, salpicadode notas preciosas
feitas
de da-
do s
reunidos com extremecu idado. Por estetexto, porem , avangamos sem
cansago.
O interesse quedespertaemcada linha prende-nos do principleao
fim. Como se de uma
viagem
se
tratasse,
por um
pais
repleto de
aspectos
interessantes disposto a ser explorado com gosto por
especialistas,
iniciados
ou
sim ples curiosos.
Na
verdade,
a
viagem realizada suscita
avontadede
prosseguir,
de
con-
tinuar na sendad as propostas e das linhas
avangadas.
A par da riqueza de in-
formagao
prestada,
assente
na consultadas fontes
originals,
na integragao dos
conhecime ntos feita de compreen sao dos problemas, na utilizagao segura da
literaturada
epocacomo
umoutro
elemento propicio
ao
entendimento,
a
curiosidade desperta representaumaqualidade poucofrequente entre multi-
plesesc ri tos produzidos pelos
especialistas.
Esta e uma caracteristica da au-
toraq ue naose subordina aos modelos rigidos da escrita cientifica americana
e eleva
a um
outro
nivel otrabalhoapresentado. De facto, anaturezado tema
apela, precisamente, a essa forma: feitad e sensibi l idade e de autenticidade.
Lisboa,
23 de
Janeiro
de
2002
M.
Hasse
Professors associada agregadada
Universidade
Tecnica
de Lisboa,
FaculdadedeMotriddade Humana
P R E F A C I O
O que se vequandose olha umtexto, quandose olha uma
imagem?
O
olhar comegaa ler o
texto,
o olhar comegaa ver a imagem, o texto diz,a
imagem mostra.
O
texto principia
a
conduzir
o
olhar
em seu
trajeto
da es-
querda para a
direita,
em seu
grafismo
ordenado, em suas linhashorizontals
que comegam acompletar paginas. Um texto revela-sepouco a pouco, acu-
mulando sentidos trazidos
pelas
palavras,pela sintaxe. A formatexto e tam-
bem a
forma
de
pensar
o que o
texto diz.
Os
significados
das
palavras
sao
tambem
os
significados
de
como elas
se
mostram. Entao tambem
se ve um
texto. Umtextoe uma imagem.
A
imagem
-
umagravura,umapintura, umafotografia
-
revela-se
de uma
so
vez.
Permite
que o olhar, delimitado somente
pelas
bordas, comec e a ve-
laa partirde qualquer ponto,vagueie por ela em diferentes
d iregoes,
perma-
nega onde quiser, imagine. A forma imagem, com suas l inhas, superf icies,
perspectivas, m anchas, e tambem a forma de pensar o que a imagem mos-
tra.
Os
significados
d as
imagens
sao
tambem
os
significados
d e
como elas
se
mostram. E ai as imagens
tornam-se
signos. Entao, tambem se
le
um a ima-
gem. Uma imagem e umtexto.
Porconvengao os textos sao impressos em caracteres escuros sob fun-
do
claro.Apesar
de
virem
de regioes
obscuras
da
sociedade
dos
homens,
as
palavras fixam-se
no papel, escuras em
fundos claros,
neutros,
como
se
qui-
sessem
esquecer
su a
origem complexa, amblgua, perigosa, para exibirem-se
como limpas, nitidas,
claras.
E assim deve ser o
orador,
o cientista, o escritor
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
13/86
academico.
Limpo,
c laro,
nitido.
E
tambem
a
escola,
a educagao do
corpo,
a
ginastica.
Certa
vez,
convencionou-se
tambem
que a
arte verdadeira
deveria ser
suj'a, escura, obscura,
como se ela nao
quisesse
expor su a
face solar,
c lara,
positiva. E assimdeveria ser o artista.
Sujo,
obscuro,
problematico.
E
tambem
a rua,
o funambulo,o trabalhador das
minas,
o circo.
O
exagero destas duas afirmagoes leva-nos
aafirmar qu e
devenamos
buscar um a
opiniao
media. Nao. Para qu e algo significative
seja
revelado,as
coisas
devem se r misturadas, colocadas em tensao. Buscar sentidos na apro-
ximagao problematica
de
linguagens diferentes.
Tradugao.
Traduzir
de uma
lin-
guagem para outra para qu e algo de verdadei ro e inesperado surja ora do
texto, ora da
imagem
e ai achar t rechos da
historia
que f icaram
perdidos
e
obscurecidos
pela
historia oficial.
Tradugao
tambem
da
imaginagao,
do
dese-
jo e da
historia
do
pesquisador,
do s
trechos perdidos
e
obscurecidos pela
sua
historia
oficial.
Como
se uma pesquisa pudesse ser ao
mesmo
tempo um a
historia pessoal
profundamente
social.
As
palavras que voce vai le r e as imagens que voce vai ver
querem
se r
lidas e vistas juntas e separadas. Juntas para que o
leitor
ganhe aimaginable
qu e Ihe falta e a imagem ganhe a estabilidade de que carec e. Separada s para
que cada uma
conte
a sua historia. Juntas-separadas para que o
leitor
cons-
trua outra
historia e
imagine
novamente
este
pequeno
momento
do
seculo
XIX. Isto
quer
dizer tambem que as imagens neste livro nao querem ser meras
ilustragoes do texto,nem o
texto
explicara imagem. Que oleitor passeie po r
elas imaginando
outros significados e acrescentando explicates verdadeiras
aquelas
que o
autor
explica. Pode se
contar
a mesma historia tantas vezes
quantos escri tores quiserem
faze-lo.
Escrever e
urn
exercic io de l iberdade,
nao de
submissao.
Nenhum metodo pode
ter a pretensao de
aprisionar
a
verdade,
e
acreditar
nos
autores
e um
exercic io
politico do s
le i tores.
MiltonJose de Almeida
Professor doutor daFaculdade de Educagao
da UNI C A M P ecoordenador do
Laboratorio
de
Estudos
Au d iov isua is
-
OLHO
C A P I T U L O
U M
A s I M A G E N S
Fig. I
Giandomenico
Tiepolo, Polichinelos e saltimbancos (ou O
barraco do s saltimbancos),
por
volta
de
1793
-
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14/86
Fig.
2 Georges Seurat, O
c/rco,
18 9I
Fig.
4 Je ron imus Bosch ,A tentagao de santoAntonio (detaihe), po r
volta
de 1 5 0 0 - 1 5 1 0
Fig.
3
Amoros conduzindo
u m a
aula, 1 820
-
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Fig.
5 Francisco de Goya,
A famflia de Car los/I/ 1 8 0 0 - 1 8 0 1
Fig.
6
Ginasio ao ar livre,
1 840
Fig.
7 Exercidono
portico,
I
83 6
-
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Fig.
8 Toulouse-Lautrec,
N o
Oreo
Fernando:
a
amazona,
I 8 8 8
Fig.
9
Edgar
Degas, Mademoiselle
Lala no Oreo Fernando, I 879
Fig.
10
Pierre-Auguste Renoir,
O downno
c/rco,
1 8 6 8
Fig.
I I
Pieter Bruegel, O
combate
do
carnaval e da
quaresma,
1559
Fig. 1 2
O
mane jo
de armas
Fig. 1 3 Pieter Bruegel,
J o go s
infantis, 1560
-
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Fig.
14 Francisco de Goya, O
boneco
de pa/ha, 1 7 9 1 - 1 7 9 2
Fig.
1 5 Franciscode Goya, O s pequenos
gigantes, 1 7 9 1 - 1 7 9 2
I
Fig.
17
Pieter B ruegel,A
danca
dos camponeses , por volta d e I 568
Fig. 16 Francisco de Goya, Garotos br incando de
so/dados,
por
volta
de
1 7 7 7 - 1 7 8 5
m m
Fig. 18
Pieter Bruegel,
Danga nupcial ao ar
llvre,
1556
-
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HHHHI
Fig. 20 Jogos , s.d.
Fig. 1 9
Francisco de Goya,
O enterro da
sardinha, I
8 1 2 - 1 8 1 9
-
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Fig. 2 1
Va nGogh, O
tece/ao, 1 8 8 4
fr
Fig.
22
yo^o
com oo/a,
1880(?)-1
899
Fig.
23
yo,?ocom Z>o/a, 1 880 (? ) -1 899
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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,.
rw* -
-'~
- 1
-
"s\
I
Fig. 24
/4
c f e A 7 ? a e o
//come,
tapegaria
(detaihe), fins
do
seculo XV
Fig. 25
Michelangelo,
Cape/a
Sistina,
Roma (detaihe)
Fig.
26 Henry
Perlee Parker,
O
descanso
dos mineiros: ojogo,
1 8 3 6
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
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K
H A T A I M O N S4
,6*,.,
;
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
22/86
1 8 IM A G E N S D A
E
D U C A C A O N O C O R P O
E D U C A C A O
NoCoR po
10
Os corp os que se desviam dos padroes de um a normalidadeutilitarianao inte-
ressam.Desde
a
infancia,
ou
melhor, sobretudonela, deve
incidir
uma educagao
que privilegie a
retidao
corporal, que mantenha os corpos aprumados, retos ou como
sublinhaVigarello, que osmantenha
-em
verticalidade
2
,
O
corporeto
e o porte
rigidocomparecem
nas
ntrodugoes
dos
estudos
so-
bre a
ginastica
no
seculo XIX.
Estes
estud os, carregados
de descrigoes
detalhadas
deexerciciosfisicos
que podem
moldar
e
adestrar
ocorpo, imprimindo-lhe
este
porte, reivindicam c om insistenciaseusvinculoscom a ciencia e se ulgam
capazes
de instaurarum a
ordem
coletiva.Com
estes
indicios, a ginastica
assegura,
neste mo -
menta,o seu
lugar
na sociedade burguesa.
Sua
pratica,emdiferentes
paises
da Europa,faz
nascerum
grandemovimento,
qu e
foi
chamado, genericamente,
de
MovimentoG inastico Europeu
3
.Como
ex-
pressao da
cultura, estemovimentoconstroi-se
a
partir
das
relagoescotidianas,
dos
divertimentos
e
festaspopulares,
dos
espetaculos
de
rua,
do
circo,
d os
exercicios
militares,bem
como
dospassatemposdaaristocracia.Possuiem seuinteriorprin-
cfpiosde
ordem
e
disciplina coletiva
qu e
podem
ser
potencializados.
Para
sua aceitagao,porem,estes
principles
de disciplinaeordemnao sao sufi-
exigido o
rompimento
com seunucleoprimor-ientes.Ao(movimentoaoastj
dial,
cuja caracteristica dominante
se
localiza
no
ca'mpo
dos
(6TvertjrnentQs^j>
E,
portanto,
a
gradatiya aceitagao
dos
principles
de
ordem
e
disciplina formula-
dos pelo MovimentoGinastico Europeu e o,tambemgradativo,
afastamento
de seu
nucleo primordial que vai, pouco a pouco,
afirmar
a ginastica como parte da educa-
gao
dos
individuos.
U ma
ginastica
que
estara reformulando
seus
preceitos
a
partir
da
ciencia,da
tecnica
e dascondigoes^poTiticasde uma Europa que, no seculo XIX,
consolida-se como
centrddo
Ocidente.
Porem,
e
possivel destacarqu e
o
reconhecimento
da
ginastica
pelos
circulosinte-
lectuaise
fator
decisive
para
sua
aceitagao
por um a
burguesia
que a deseja
transformada
e, assim,
devolvida apopulagao com oconjuntodepreceitosenormas de bem viver.E
a
partir deste reconhecimento que,
de
fato,
a
ginastica
passaa ser
vista como pratica
capaz
de
potencializaranecessidade
de
utilidade
das
agoes
e dos
gestos.
Comopratica
capazde
permitir
que o
individuo ve nha
a
ntemalizar
uma
nogao
de
economia
de
tem-
po, de
gasto
de
energia
e decultivoa
saude como
principles
organizadores
do cotidiano.
E
estas
sao as metas de u m
poderque,
desde o seculo XVIII,
vem
construindo
uma
nova mentalidade cientifica, pratica
e
pragmatica, baseada
na
ciencia
e natecnica
comoformas
especificasde
saber.
2. Vigarel lo, 1 9 7 8 . p. 9.
3. Esta expressao & utilizada po r Langlade & Langlade ( 1 9 8 6 ) .
Deste
modo,
o
seculo
X IX
merece
aatengao
daqueles
qu e
desejam compreen-
der o
homem
e asociedadedo Ocidente. A Europa, que consolida uma
dupla
revolu-
gao
4
,
e o lugar da ormagao de um novohomeme de uma nova sociedade regida por
um
"espirito
capitalista" que
passa
a
dominar quase exclusivamente aquele presente .
Este
tempo/espago
regido
p or
este"espirito"
afirma e
difunde
um a
crengades-
medida
no
chamado progresso
e
ancora-se
nas
conquistas
da ciencia,
esta nova
religiao do
homem oitocentista,
que
cria
e
(re)criapraticas sociais
a
partir, e xclusiva-
mente, de
parametros
ditados pelo"metodocientifico", positiveem s i
5
.
Um aideologia c ientificista impregna avida de individuos, grupos e
classes,
trans-
formandoa sociedade em um grande organismo vivo qu e tende a evoluir do inferior
ao superior, do simples ao complexo, e onde
tudo
pode (e deve) ser medido, clas-
sificado,comparado, definido
e generalizado a
partir
da descoberta constante de
"leis".
A partir de
visoes
de
mundogeradas
nointeriord e teorias
evolucionistas,
organi-
cistase m ecanicistas, o seculo XIX realiza a granderevolugaocientifica dos labora-
tories,da
industrializagao
e do crescimento de disciplinas e de
instituigoessociais
6
.
ConformeobservaVovelle, a
"ideologia cientificista
juntocom umafilosofia
biologica
apoiam
este sistema,
q ue
associa
a
explicagao idealista
(do
progresso
da
razao) a explicagao materialistaemecanicista (os triunfosd a vida sobre amorte)"
7
.
A
ciencia
desteperiododirige um
certo
tipode esquadrinhamento da vida em
todasassuasdimensoes,
pretendendo
estabelecer umaordem
logica
nasativida-
des
e um adequado aproveitamento dotempoou , maisprecisamente, uma eco-
nomia de energias.
A ginasticaeconstitutivadestamentalidade.Destaca-se pelo seu caraterordena-
tivo, disciplinador emetodico.E possivel afirmar qu e, ao longodo seculo XIX , sur-
gem inumerastentativas de este nder sua pratica aoconjuntoda populagao urbana
cadavez maisnumerosae potencialmente "perigosa" para os objetivos do capital.
Haviaainda mais
uma
vantagem
na
aplicagao
da
ginastica:
a suposta
aquisigao
e
preser-
vagao
da
saude,compreendidaa como conquista/responsabilidade individual, podia
ocorrer como
decorrencia
de sua
pratica sistematica ,afirmavam higienistas
e
peda-
gogos,como criticos dos
"excesses
do corpo" vividos por acrobatas e funambulos.
4. Cf. Hobsbawm ( 1 9 8 2 , p. I 8) "nao seria exagerado considerarmos
esta
dupla revo-
lu$ao - afrancesa, bemmaispolitica, e aindus trial ( inglesa) - nao
tanto como
coisaque
Pertenca a historia do s dois
paises
qu e foram seus principals suportes e s imbolos, mas sim
como
a
cratera
gemea de um vulcao
regional
be m
maior."
5.
Sobre o assunto, consultar, entre outros
Bernal
( 1 9 7 5 ,
vol .1
e 3) ;
Comte
( 1 9 8 3 ) ;
Lu z
(1988);
Lowy (1987).
6. A
esse
respeito ver Durkheim
( 1 9 8 3 ,
pp . 78 - 79 ) ; Luz
( 1 9 8 8 ,
pp . 78 - 79 ) .
7. Vove l le , 1 9 9 1 , p.
144 .
EuucAcAo
NOCORPO 21
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
23/86
2 I M A G E N S
D A
ED U C A C A O N O C O R P O
Abarcando uma enorme gama de praticas corporais, otermoginastica
8
,perten-
cente ao genera feminino, de
designacao
feminina e q uehistoricamenteseconstroia
partir de atributos
culturalmente
definidoscomomasculinos-forca,agilidade, virilida-
de, energiaAemperadecarater, entreoutros - passaacompre ender diferentes prati-
cascorporais.S ao exercicios militaresde preparagao paraaguerra,sao ogos popula-
res e da
nobreza, acrobacias, saltos, corridas,equitagao,esgrima,
dangase
canto
9
.
Em suasprimeiras sistematizagoesna sociedade ocidental
europeia,
otermo
ginastica
foi
assim
compreendido. Quandoos circulos cientfficos se debrugam so-
bre o seuconteudo,d esejam entao ap risionartodas as ormas/linguagens das pra-
ticas corporais sob uma
unica
denominagao:ginastica.
O MovimentoGinastico Europeu foi, portanto, um primeiroesbogo deste
esforgo
e o lugarde
onde
parti ram as
teorias
da
hoje denominada educagao
flsicano
Ocidente.Balizou
o
pensamentomoderno
em
torno
das
praticas corporais
que se
construfram
fora
do
mundo
do
trabalho, trazendo
a
ideia
de
saude,
vigor,
energia
e
moralcoladas
a sua
aplicagao.
Estee o
movimento
que
pode
ser
pensadocomo
o
conjunto,sistematizado
pela
cienciaepela tecnica,do que
ocorreu
emdiferentes pafsesao
longo
detodoo
seculoXIX,especialmente naAlemanha, Suecia,
Inglaterrae
Franga
10
.
Assumido pelosEstadosNacionais, este movimentoapresentavaparticularida-
des
do paisdeorigem,mas, de um modo
geral, acentuavafinalidades
muitosemelhan-
t e s ,
como,por exemp io, regenerar a ragaepromovera saudeem uma sociedade
marcada pelo altofndice de
mortalidade
e de doengas, sem contudo
alterar
as condi-
goesde vida e de trabalho. Em umoutropiano, as finalidadescompletavam-se pelo
desejo de desenvolveravontade, a coragem,a forga,aenergia deviver para
servir
a
patria
nas guerras e naindustria.M as afinalidademaiorfoi,sobretudo,
moralizar
os
indivfduos e a sociedade,
ntervindo
radicalmenteem modosde ser e de viver
1
'.
Com
estas
finalidades, este
movimento
foi consolidando-se
tambem
a
partir
de
diferengas,
sendo
a
maisradical aquela
que
ocorreu
na
Inglaterra.
La, a pratica
corporal
8 . Sua
origem
etimologica vem do grego gymnikos , adjetivo que e
relative
aos exerci-
ciosd o corpo,e de g imn(o) ,elemento de composigao culta que traduz a ideia de nu, do grego
gymnos , "nu,
despido",
nao coberto, que selimitaa ser
alguem
ou alguma coisa,puro e sim-
ples, sem acess6 rios ou se m
modifica$6es...
que nao traz vestuario exterior, que so traz a
roupa
interior,a tunica; sem armadura ou
armas(MACHADO,
1977, vol. 3, p. 151) . Consultar
ainda, Arnaud e Camy (1 98 6, pp. 54 e ss).
9.
Sobre
o
assunto, consultar: Pereira
(s.d.);
Langlade
&
Langlade (198 6); Crespo
(1990).
10. Sobre o assunto, consultar Pereira (s.d.), pp. 423 e ss., especialmente.
II. Em
trabalho pu blicado
e m 1994 intitulado Educagao fisica: raizes europeias e Bras/7,
desenvolvo o tema de
modo
mais
detido
( S C A R E S ,
p.
1994).
que
se
afirmou
foi o
jogo
esportivo, constituindo
entao
um
movimento
que
acabou
por desenvolver, aprimorar e consolidar a compreensao do esp orte
moderno
12
.
No s
demais
pafseseuropeus,afirmou-sea ginastica, cujo conteudobasico
foradefinidoapartirde parimetrosformuladospelacultura grega, que a compree n-
dia ligada
a
ideia
de
saude, beleza
e
forca. Ciencia
e
arte, entao, explicitavam para
esta
cultura
as
diferengas
de aplicagao, as
possibilidades
de classificagao,
bem
como
os efeitos dos exercicios sobre os indivfduos. Explicitavam, ainda, a relagao direta
que se acreditava existirentrea ginastica e o desenvolvimento do carater, damoral
edav i r t u de
13
.
Ciencia e tecnica parecem ter sempre comparecido para
afirmar
a ginasticacomo
instrumentode aquisigao de saude , de
formagao
estetica e de treinamentodo sol-
dado. Comparec em, sobretudo, para revelar a ginasticacomoprotagonista do que
e racional,experimentadoe explicado.
E
e
somente
a
partir
da revelagao do
carater cient'rfico
da
ginastica
que a
burgue-
siado seculo XIX inicia urn
lento
processo de tentativa de diferenciar sua aplicagao
entre os militares e a
populagao
civil.
Solicitava-se da ciencia,
entao,
o
estabelecimento
de diferengas, nao de oposi-
coes,
e pensava-se,sobretudo,na preservagaoda disciplinae da ordem, taocarasa
instituigaomilitar.
Na Franga,havia uma vontade manifesta de sistematizar saberes que permitis-
sem acompreensao da ginasticaapartirde
canones
cientfficos.D esejava-se fazer
delaum
objeto
de investigagaocientfficae,
dessemodo,aparta-la
definitivamentede
seus vinculos populares. E saoestesaspectos, bastante acentuados,q ue a fazem
multifacetadae
contraditoria
em seudesenvolvimento noseculo XIX,
tornando-a,
assim,referenda
para
o
desenvolvimento destetrabalho.
12. Omovimento
esportivo expandiu-se,
tal
qual expandiu-se
omodode ser e de
viver
da
burguesia inglesa.
O
esporte conscientiza, aliena, (re)cria
e
afirma
o
homem burgues: audaz,
agil, educado, obediente e, sobretudo, cumpridor e adorador de regras sociais, morais, fisi-
cas... Este
movimento criao gostopeloaparatoburocratico do esporte moderno, este
imen-
so universo de signos, simbolos e linguagens que enca ntam
multidoes
e que
ja serviu
e ainda
serve
as mais dispares ideologias.
Fenomeno
d e massas, espetaculo de
plasticidade quase coreografica,
o
esporte,
em suas
diferentes
manifestac,6es,
cada vez mais
desenvolve-se
colado, ou como
expressao
de formas
especificasd esaber, como exempio: a
ciencia
e a tecnica.Comom arca da passagem de homens
e rnulheres pelo mundo, situa-se no
ambito
da cultura.
Para
o sensocomum, o esporte ou os
esportes
significam qualquer forma de
exercitagao
fisica e
exercem
u m
fascfnio que, monitorado pela
midia,
transforma-se quase
e m
fetiche.
A
esse respeito, consultar Pereira (s.d., pp. 347 e ss.); Grieswelle (1 97 8); Spivak (I98 8 b, p. 178),
Bracht
( 1 9 9 7 ) .
13 . Para
maiores informagoes, consultar
Jaeger ( 1 9 8 9 ) .
2 2
I M A G E N S D A
E
D U C A C A O N O
C O R P O
EDUCACAO
NO
CORPO 23
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
24/86
Cabe registrar
tambem
que oshomensde
ciencia
que na
Franga
dedicaram-se
ao
estudo
da
ginastica
declaravam-se
profundosadmiradores
da
cultura grega,ul-
gando-se, inclusive,
seuslegitimos
continuadores
jjercebiam
a ginasticacomo im-
portante
instrumento
de
recuperagaodaquela cultura
e
sociedade,
por
elesidentificada
comoportadorada
mais
absoluta harmoniaT7
A
ginastica
entao
deveria
ser
pensada
pelo
aparato
cientificodisponivele
assim
colocada em
igualdade
co m
outras praticas socials,explicada
e
sistematizada. Devia
tornar-se obrigatoriapara
a sociedadeem geral,bem
como
pratica
regular
em
todos
os
currfculos escolares.
A
base
de
saberes
que
serviu para
estruturar
umconhecimento mais
precise
sobreaginasticalocalizou-se principalmente na anatomia e fisiologia, a
partir
das quais,
meticulosamente,
foi-se
estruturando
umgrandeesboco do que se
poderia
chamar
de
"teoriageral
da
ginastica".Como
se
poderaobservar
nos
primeiros trabalhos sobre
ginastica,nao ha omenordescuido com a globalidade do corpo em agoes especifi-
cas,nasquaisexplicatestambem especificaspara cadaagioforambuscadas,nada
escapando aos mil
olhos
da
ciencia.
Autores como
G .
Demeny*,
E.
Marey",
F .
Lagrange***, renomados cientis-
tasque se
debrugavam sob re
o
estudo
e o aperfeigoamento do
gesto
no
traba-
* Georges Demeny nasceu em
Dowai,
Franca, em
12
dejunhode 1850 . Entre osanosde
1860 e 1872 , seguiu o curso de matematicas especiais e, em seguida, na Sorbone, em Paris, dedi-
cou-se
ao
estudo
da
fisiologia. B iologo, fisiolog ista
e
pedagogo fundou
o
Circulo
de
Ginastica Racio-
nal, cujaatividade incluia cursos, pa lestras epublicacoes destinadas aos professores que ensinavam
ginastica.
Juntamentecom o m edico e fisiologista E. J. Marey, fundou aEstacaoF isiologica do Parque
dos Pnncipes
e
dirigiu
o
laboratorio
de
fisiologia
de
18 80 at 1894 .
No ano de
1900, organizou
o
Congresso Internacional de Educacao Fisica. Os debates desse congresso
permitiram
reformas na
Armada e suastesese
conclusoespropagaram-se
pelo estrangeiro.Em 1902, organizou o curso de
educacao fisicadaEscola
Normal
e
Militar
de Joinville le Ponte foi nomeado professor defisiologia.
Nesta escola,tambemorganizou o
laboratorio
de pesquisa fisiologica.No ano de 1903, organizou
oprimeiro curso superiordeeducacaofisica na
Franca
-
Lycee
Janson-de-Sailly. Georges Demeny
morreu
em Paris, em 26 de
dezembro
de
1 9 1 7 (Cf. REY-GOLLIET, 1930,
pp . 6 3 - 1 2 1 ) .
**
Etiene JulesMarey (1830-1 904) , medico
e
fisiologista
francesque
generaliza
o
emprego
de aparelhos
que
servem
parao registro grafico de fenomenos fisiologicos. Juntamente com o
fisiologista Auguste
Chauveau, estuda ainda
a atividade
cardiaca,
lei de Marey, leida variacao
periodica da excitabilidade
cardiaca
e lei da
uniformidade
do
trabalho
do
coracao.Colocou
igualmente
em
destaque
a
cronofotografia ( 1 89 2 ) ; O Metodo
grafico
nasdenc ias exper imenta /s ,
1 8 7 8 ;
estudo da
locomocao
animal pela
cronofotografia,
1 8 8 7 . Co m seus estudos,afirmou o
movimento
humano
comoobjetode estudo cientffico (Petit Robert,
1993,
p. I
148).
*** Fernand Lagrange (1845 -190 9) . Medico e fisiologista, dedicou
parte
de seus estudos
para
esclarecer
questoes
relacionadas a higiene e
terapeutica
e suarelajao co m
a
utilizacao do
movimento. Criou assim
urna
teoria
do
movimento e m b asad a
em
medicoes
e
ser ies
fotogamet r icas. Procurou dem onst rar as re lacoesentre as ativ idades card iopulmonares e o
trabalho muscular ( P E R E I R A , s.d. , p. 4 0 1 ) .
Iho, elegem a ginasticacome instrumento privilegiado pa7atreinar o gesto har-
monicoeeconomico. \
Afinadoscom oEstado
constituido,
exojjtam a
moral
declasse(burguesa)afir-\
mando,
em
seus
tratados sobre a
ginastica,
o "culto"a saude,ao corpo e a
patria.
)
"Oculto",contudo,
o
raciocinio
que
cria
os
meios,
bemmais
profundos
e
maiores/
do que a
ginastica, para
aobtengaoda
saude.
Deuma
saude
que naopodeserobtida
nem
preservada
em condigoes
miseraveis
e degradantes a que
estava sujeita
amaioria da
populagao que exerciaalgumtipode "trabalho livre" na ndustria, nocomercio,nas mi-
nas.Lugaresquefazem nascerecrescero tab
propalado
progressono
mundo
ora do-
minado pela cienciae pelaecnica,
estasmusas
daburguesiaque realizam o seu triunfo.
\ ginastica,
entao,passa
a ser
apresentada com oprodutoacabado
e
compro-
vadamente cientifico.Radicaliza,
no
universe
das
praticascorporalsexistentes,
a
visaode ciencia como atividade humana
capaz
de controlar,experimentar,
compa-
rar e generalizarasagoesde indivfduos, grupose classes^
~-
Do menor gesto do
trabalhador
em "atividadeprodutiva"na nd ustria efabrica,
qu es e
afirmam
comoexpressaodo dominiodohomemsobre a natureza, ate a
mais
ousada acrobacia,
seria
a
ciencia
aprescrever, ndicare
ditar, enfim,
omodode
realizar
a tarefa... a
formajde
viyer. A ginaslica cientifica apresentava-se como
contrapontoaos
usos
do corpo comoentretenimento, comosimplesespetaculo,
pois trazia como princfpio
a
utilidade
d e
gestos
e a
economia
d e
energia. -
Desse
modo,praticas corporals
realizadas nasfeiras,
nos circos , onde palha-
gos,acrobatas, gigantes
e
anoes
despertavam
sentimentos ambiguos
de maravilha-
mento
e
medopassam
a ser
observadas
de
pertopelas autoridades.
O circo e um a atividade que exerce grande fascinio na sociedade
europeia
do
seculoXIX.
Ali o
corpo
e o
centra
do
espetaculo,
de
todas
as
"variedades"
apresen-
tadaspelamultifacetada
atuagao
de seusartistas.
Conforme
observa Catherine
Strasser
14
,na sduas
ultimas
decadasd o
seculo
XIX,
o
circo surgia como
a encarnagaodo
espetaculo
modernoe seu
sucesso
era
inegavel nasdiferentes classessociaisque, inclusive,
assistiam
ao me smo espetaculo
porem
em
dias
e
horarios
especiais. Na s
artesplasticas,tambem,
o seu
registro
e
singular: S eurat, Degas, R enoir,
Toulouse-Lautrec
trabalharam
em
seusquadrostoda
aorgia de movimentos e cores que o circo oferecia.
Mas
tudoisso
nao
impediu
o
crescente receioda famflia burguesa,
de
profissionais
que
"cuidavam"
docorpo, como,porexemplo,osmedicos,dehigienistasefilantropos
frente aesteuniverse que se apresentava demodotao
encantador
e,porque nao dizer,
14 .
Cf .
Strasser, 1 9 9 1 ,
pp. 6 e ss.
2 4 I M A G E N S D A ED U C A C A O N O
C O R P O
E P U C A C A O N O C O R P O 2 5
-
8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo
25/86
"perigoso"para a ideia de disciplina eordemburguesas,sobretudo no que se refere
aosusos
docorpo.Arazao
basica
do crescente receio e ra aconstatacao de que o
universe
gestualproprio
docircoapresentava
uma totalausenda
deutilidade.Ocorpo
ali
exibidoem
movimento
constante desp ertavao
riso,
otemore,sobretudo, a
liberdade. Havia uma inteirezaludica na gestualidadede
cada
personagem: o anao,o
palhago, o
acrobata,
a bailarina
(Figura
2).Esta
inteireza nao
cabiana
sociedade cindida,
fundadaeerigidapelopensamento
burgues.
Aatividade fisicaforado
mundo
dotra-
balho devia
ser
util
ao
trabalho.
A
atividade livre
e
ludica, encantatoria
do
acrobata
devia
ser
redesenhada
noimaginario
popular.
Em seu
lugar
e apartir
daquele univer-
so
gestual, nasceriam
as
"series
de e xerciciosffsicos",
pensados, exclusivamente,
a
partir de grupos musculares e de
fungoes
organicas, a serem aplicados com finalida-
des especificas, uteis,e naocomo
mero
entretenimento.
instalava-se,tambem, com
forga
nunca ante s vista,umdesejode
controlar
o
divertimento do povo, o tempoforado trabalho. ConformeobservaHobsbawm,
no divertimentodos
pobres, especialmente
na
primeira metade
d o
seculoXIX,
va-
mos encontrar basicamente "revistas de contos sentime ntaloides, circ os, pequenas
exibiooes com uma
atragao
principal, teatros mambembes e coisas
semelhantes"
15
.
Nos meios urbanos, sao diferentes manifestagoes ludicasde caraterpopular
realizadas
com
base
nas
atividades
de artistas
circenses
que se
impoem.Elastrazem
ainda os restos de uma concepgao demundopopular, a ambivalencia
caracteristica
da
cultura
popular da Idade Media e do Renascimento. De uma cultura nao oficiale
de umterritorioedatas
proprias:
apraga
publica,
a rua e osdiasdefesta
16
.
Equilibristas,
funamb ulos, volantins,
palhacps,
bailarinas, contorcionistas,anoes,
personagens que
chegam
e
partem,
transitorias,
nomades (Figura I).
Qual era o seu
ugar?
O seuugarera o
mundo inteiroconhecido
e,principal-
mente,
imaginado.Erasempreolugarondehouvessegenteque se
dispusesse
arir,
a
aplaudir, a se embevecer com as
peripecias
do corpo, de um
corpo
agil,
alegre,
cheio
de
vida porque
expressao de
liberdade
e,
sobretudo, resistente
as
regras
e
normas.
Estes
artistas viviam na
contramao,
fora da ideia de utilidade de agoes. O
seu
mundoera
d esinteressado.
Suas
vidas
faziam-se
mais
de
trajetos
do que de
lu-
gares a sechegare,
assim,
desterritorializavam aordemdo espago
17
.Suasapresen-
taooesaproveitavam
dias
de festas,feiras, mantendo um atradicaode representare
de apresentar-se nos lugares onde houvesse
c oncentragao
de pessoasdo povo.
15 . Hobsbawm, 1 9 8 2 , pp . 2 9 2 - 2 9 3 .
16 .
As
analises
a que
procedo
em relacao ao
tema
cultura
popular
na
Idade Media
e
Renascimento estao baseadas nas obras de Bakhtin ( 1 9 8 7 , 1 9 9 3 ) .
17 .
Ver o
excelente
trabalho de Duarte (1993).
Artistas, estrangeiros,
errantes. Situados
no
limite
da
marginalidade fascinavam
as
pessoasfincadas
em
vidas
metrificadas e
fixas.Eram
ao
mesmo
tempo
elemen-
tos
de barbarice de
civilizacao
nos lugares
poronde
passavam. "Barbaras: noma-
d e s , sem vinculos
sociais
fixos,
quase
vagabundos. Civilizados: pessoasqu eviaja-
ram,
conheceram variascidades
e ate
mesmooutrospaises,elegantes,
com
posses
evestes
admiradas
einvejadas..."
18
.
Compunham
assim
todos os atos do"teatrodo povo"
19
e cada vez mais des-
pertavam
o
medo
nas
autoridades, pois
seu modode ser e
viverdesafiava
as
nsti-
tuigoes,tao caras a sociedad e que as nventara de
modo
taoprofundo.Traziam o
corpocomoespetaculo.Invertiam
a
ordem
das
coisas.Andavam
com as
maos, lan-
gavam-seao espago, contorciam-se e encaixavam-seem potes, em
cestos,imita-
vam bichos,vozes, produziam
sons
com asmais diferentes
partes
do corpo,cus-
piam
fogo, vertiam
Kquidos
inesperados,gargalhavam, viviam em grupos. Opunham-
seassim aos novoscanonesdo corpoacabado,perfeito, fechado,
limpo
e isolado
que a ciencia
construira,
da
vida
fixa e
disciplinada
que a
nova
ordem
exigia.
Nos escritos sobre a ginastica
cientffica
no seculo XIX encontra-se, demodo
sistematico, a negagao de
elementoscenicos,funambulescos, acrobaticos. Encon-
tra-se,
sobretudo,
umaretoricaderecusaaos espetaculospropriosdo
mundo
cir-
censee das
estas
populares ondeocorpo ocupao lugar central.
Faradoxalmente, porem,e a ginastica
cientffica
que se oferececomoespetacu-
lo
"controlado" dosusosdo
corpo,
um
espetaculoprotegido
e
trazido paradentro
das
instituigoes.Assim, pod e-se indagar,
por
exemplo,
o que
eram
asclassesde
alunos de
ginastica
nos ginasios
am orosianos
em
Paris,
na
primeira metade
do
secu-
lo
XIX,
senao
um aconfirmagaodo espetaculo nstitucionalizado? Eafigurado mes-
tre,
o
coronelAmoros*, vestido
em seu magnifico
uniforme militar, dirigindopes-
18 . Duarte,
1 9 9 3 ,
p.
I1 5.
19 . Esta
expressao
e tomada^de
Crespo
( 1 9 9 0 , p .
443 ) .
*
Francisco
AmorosyOdeano
nasceu
em
Valenca, Espanha,
em
19
de
feverelro
de
1770.
Sua
vidamilitar iniciou-se
aos 9
anos
d e
idade quando ingressou
no exercito espanhol. Em
1 7 8 1 ,
com
17anos, foi nomeado 2tenentee, em I803, coronel.Foi secretarioparticulardo rei de
Espanha, Carlos IV a quern tambem
adestrava
em alguns exercicios, bem como
tutor
de seu filho,
o infante Don Francisco de Paula,entaocom a idade de 12 anos. A baseda educacao do infante
espanhol foi aginastica,a esgrim