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  • A Segunda Lei da Termodinmica

    Washington Braga

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    1 Introduo

    Aps a apresentao feita em captulo anterior sobre o conceito de energia, das suas diversas manifestaes (tais como a energia cintica, a potencial, a qumica etc.) e do seu princpio de conservao (a Primeira Lei da Termodinmica) aplicada s mquinas e sistemas trmicos, a continuao natural dos estudos passa para a anlise da Segunda Lei.

    Este captulo tem como objetivo a apresentao do porqu (ou talvez, dos porqus) da necessidade e da existncia de outra lei para a Termodinmica, e das suas consequncias. De uma maneira simplista, pode-se argumentar que cada uma das leis (ou princpios) da Termodinmica est associada a uma propriedade: a Lei Zero (aquela que trata do equilbrio trmico) est associada temperatura; e a Primeira Lei, energia. Assim, seria natural que a Segunda Lei se associasse a outra propriedade e esta, como sabido, entropia.

    Com este argumento, o presente captulo apresenta as caractersticas bsicas desta nova propriedade termodinmica. Mais do que formalizar a sua existncia a partir de equacionamentos tericos complexos, o foco uma apresentao informal, histrica, baseada em conceitos j vistos em outros captulos e em dados e fatos do dia a dia. Finalmente, uma breve conceituao molecular sobre a entropia ser feita, procurando-se uma explicao mais fundamental capaz de desmistific-la definitivamente. Sabe-se hoje que a entropia s pode ser entendida com base na teoria molecular da matria, como outras propriedades, tais como: a presso, a temperatura e a energia. Isso feito pela utilizao do conceito comum da probabilidade.

    2 A Segunda Lei: sua necessidade

    No captulo que tratou da Primeira Lei da Termodinmica, foi apresentada a mquina de Sadi Carnot, proposta por ele em 1824, importante marco terico da Termodinmica devido ao fato dela ter a mxima eficincia possvel. Em seu modelo, o calor flui de uma fonte quente temperatura TQ para uma fonte fria temperatura TF. A mquina responsvel pela converso de parte do calor QQ em trabalho W.

    Na mquina a vapor, a gua era vaporizada junto fonte quente e depois era condensada junto fonte fria1. O funcionamento da mquina era feito atravs da transferncia de calor da fonte quente para a fonte fria. Assim, para Carnot, uma mquina trmica - ainda que terica - deveria ser representada por algo como:

    1 Algo semelhante acontece nos motores a gasolina: a mistura ar + combustvel queimada na exploso, que ocorre dentro dos cilindros, e os produtos desta combusto so liberados para a fonte fria, que o ambiente (causando poluio, deve ser registrado).

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    Ao invs de se preocupar com as mquinas que existiam a sua poca, a genialidade de Carnot foi demonstrada quando ele imaginou uma mquina terica, livre de toda imperfeio, e que deveria ter, portanto, a mxima eficincia possvel. A mquina em questo composta por processos sem atrito (que chamamos hoje de processos reversveis) e que tem sua eficincia (trmica) indicada por , apenas como funo das temperaturas absolutas TQ e TF:

    = W/ QQ = 1 TF / TQ

    Observe a independncia da natureza da substncia de trabalho. Para aumentar a eficincia, basta aumentar a temperatura TQ ou diminuir TF2. Como a menor temperatura disponvel a do ambiente, a sada aumentar o valor da temperatura da fonte.

    Se imaginarmos uma mquina desse tipo trabalhando entre duas temperaturas, digamos 1000 K e 300 K, a eficincia desta mquina terica ser de apenas 57%. Este um ponto no qual muitos estudantes (ou no) se espantam: como a mquina de maior eficincia possvel, que idealizada sem atrito ou perdas, tem apenas 57% de rendimento? Por que algo ideal no capaz de ter uma eficincia de 100%? O estudante imagina que o problema est apenas associado aos nveis de temperatura (o que parcialmente correto), refaz seus clculos para valores mais elevados para a temperatura da fonte, digamos 10000 K e 300 K, e descobre que, de fato, conseguiu aumentar a eficincia para 97% (mas ainda no 100%). O aluno ficar feliz at descobrir que atingir os 10000 K no to simples, pois os materiais encontrados fundem (isto , derretem) em temperaturas muito inferiores3!!

    2 Voc j pode concluir que o seu automvel funciona com uma eficincia maior no inverno se comparada com o vero. Nada drasticamente diferente, mas certamente maior, de acordo? 3 A situao ainda mais grave, pois a temperatura aparente da superfcie do sol de apenas 6000K. Ou seja, no temos disponvel uma fonte de energia capaz de fornecer aquele nvel de temperaturas e nem materiais que possam ser utilizados para conter esta fonte, se ela fosse encontrada.

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    A dificuldade prtica de atingirmos 100% de eficincia, mesmo para uma mquina sem atritos, acarreta uma pergunta imediata: qual ser a eficincia de uma mquina real, construda em uma linha de montagem, realizada por meio de processos reais, com atrito e com perdas de todos os tipos? Ser muito pior?

    Por exemplo, as usinas termeltricas modernas trabalham com vapor em temperaturas em torno de 530 C e com temperaturas de condensao deste mesmo vapor em torno de 100 C, o que resulta em um rendimento da ordem de 54%. Nos reatores nucleares, restries de segurana reduzem a temperatura da fonte quente para uns 350 C e eficincia de 40%. As perdas reduzem para 32% este valor. Uma consulta aos especialistas de motores de combusto interna (dos automveis) nos traz outra resposta: as eficincias tericas giram em torno de 56%, mas os rendimentos obtidos na prtica - por questes de reduo de peso, de perdas etc., j esto no patamar de uns 30 a 35%! So, de fato, nmeros muito baixos.

    Quem impe estes limites to baixos? Certamente no a Primeira Lei, que s trata do Balano de Energia. Por que no possvel melhorar significativamente aquelas eficincias? Essas so duas das perguntas que a 2 Lei da Termodinmica vem responder.

    Uma questo subsidiria, mas igualmente importante, diz respeito ao funcionamento das mquinas refrigeradoras que retiram energia das fontes frias e a transferem para a fonte quente. Como possvel seu funcionamento? Novamente, a 2. Lei que determina isso, como ser visto. Ah, antes de algum concluir erroneamente que h duas Segundas Leis - uma para mquinas produtoras de trabalho e outra para mquinas consumidoras de trabalho, deve ficar o registro: h apenas uma nica Segunda Lei. Ser mostrado adiante que a formulao associada mquina trmica produtora de trabalho (ou eletricidade) equivalente formulao da mquina refrigeradora. So apenas dois aspectos, dois olhares sobre a mesma Segunda Lei. Porm, por ora, importante que se conclua a necessidade de uma segunda lei, em adio primeira. Ou seja, os fenmenos trmicos que acontecem tm as duas leis como restries naturais: no possvel produzir trabalho sem fontes externas (assunto da Primeira Lei)

    Para atingirmos 100% de eficincia, o ambiente externo dever estar no zero absoluto (0 K) ou a fonte quente dever estar infinitamente quente. Claro, nenhuma destas duas alternativas possvel de ser alcanada na prtica.

    Observe que uma eficincia de 30% acarreta, em ltima instncia, que de cada 100 litros de combustvel (por exemplo, gasolina), cerca

    de 70 litros so jogados no ambiente.

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    e a qualidade com que este trabalho produzido (assunto da Segunda Lei) no algo nem remotamente maravilhoso4.

    3 Segunda Lei: Perspectiva Histrica

    Para que se entenda a relevncia de uma contribuio cientfica como a Segunda Lei da Termodinmica (entre outras), importante que o contexto do conhecimento e dos problemas existentes antes da sua formulao sejam conhecidos. O que pensava, o que sabia a humanidade poca da formulao da lei. Se hoje um assunto bvio (embora no o seja, de fato), como pensavam as pessoas antes dela?

    3.1 As contribuies de Sadi Carnot Sadi Carnot, um engenheiro militar de importante famlia francesa, considerava que o fantstico poderio militar ingls naquela poca baseava-se em dois fatores: a grande disponibilidade de ao, necessrio para a construo de navios e canhes; e a de carvo, necessrio para aquecer os altos fornos usados para a produo do ao. Como o carvo estava no fundo das minas, conforme visto no captulo anterior, era preciso usar mquinas a vapor para a retirada da gua que se acumulava pelo seu processo de extrao5. O trabalho terico desenvolvido por Carnot foi motivado por uma grande dose de patriotismo e orgulho: as mquinas a vapor de origens francesas eram de qualidade inferior do que as inglesas. Ele sabia que todo o progresso que ocorrera nos ltimos 50 anos no desenvolvimento destas mquinas era devido aos trabalhos experimentais de ingleses e escoceses (tais como James Watt), nenhum francs. Carnot desconfiava que a nao que dominasse a fabricao eficiente das mquinas a vapor, j bastante populares, teria um papel relevante na nova ordem mundial.

    4 Parece brincadeira hoje, mas durante muito tempo, os engenheiros, os tcnicos e os inventores tentaram construir mquinas que produziriam trabalho sem gastar energia. A eficincia dessas mquinas seria infinita! Atualmente, esta busca intil (graas as duas Leis da Termodinmica), mas imagine 100 ou 200 anos atrs! 5 Em seu trabalho Rflexions sur la Puissance Motrice du Feu Reflexes sobre a Potncia Motriz do Fogo, Carnot indicou um aumento de 10 vezes no volume de extrao de carvo nas minas inglesas aps o emprego sistemtico das mquinas a vapor. Algo semelhante aconteceu com a minerao de cobre, de ferro etc.

    Sabemos hoje que o princpio de conservao da energia limita - de certa forma - a eficincia das mquinas trmicas, pois nenhuma delas capaz de fornecer trabalho em maior quantidade do que a capacidade do combustvel utilizado. Ou seja, eficincias maiores do que 100% no so alcanveis a partir de argumentos baseados na Primeira Lei. Essa situao, que trivial hoje, poca de Carnot, no estava ainda estabelecida.

    Feche os olhos e pense, por dois minutos: como seria a sua vida se no existissem a televiso e o forno de micro-ondas? Ou talvez, a Internet?

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    O objetivo de Carnot era, em suma, contribuir para o poderio econmico e militar do seu pas, melhorando a eficincia da mquina trmica francesa.

    Assim, o enfoque fundamental de todo o desenvolvimento terico, que culminou com o aparecimento de uma lei da Termodinmica, foi o aumento na eficincia. Entre outros aspectos, esta lei discutida aqui uma lei da eficincia. Carnot sabia, como poucos a sua poca, que o desenvolvimento feito por engenheiros no poderia trazer ganhos significantes, pois eram essencialmente baseados em experimentaes. No havia um desenvolvimento terico por trs. A consequncia disso foram as eficincias alcanadas, apenas 6% (seis por cento).

    As contribuies de Carnot foram marcantes para o futuro reconhecimento da Segunda Lei e suas consequncias. Em seus estudos sobre as mquinas trmicas, Carnot entendeu que calor precisava ser rejeitado para uma fonte fria (no era simplesmente uma questo de um projeto melhor, como pensavam os engenheiros). Isso era inevitvel. Constitui o cerne da Segunda Lei da Termodinmica!

    Outra contribuio foi dada por ele, quando olhando mais adiante ignorou as dificuldades prticas, e indagou sobre as possibilidades de fazermos a mquina funcionar ao contrrio. Ao invs de produzir trabalho, a mquina poderia receber trabalho e transportar energia da fonte fria para a fonte quente, ou seja, teramos um refrigerador. Se o motor a vapor anlogo a uma turbina movida pela gua caindo de uma altura, o refrigerador funciona como uma bomba, retornando a gua de volta ao topo da montanha.

    Como consequncia da sua brilhante deciso de ignorar os problemas do dia a dia, tais como aumento de lucros, produtividade etc. Carnot pde perceber algo que ningum antes dele tinha percebido: qualquer motor trmico, de todos os projetos possveis, libera energia ao ambiente. Simplesmente no possvel manter um equipamento funcionando sem esta eliminao de energia.

    A percepo de Sadi Carnot sobre a natureza do trabalho de um cientista e de um engenheiro foi notvel. O engenheiro, em seu esforo de reduzir o consumo de combustvel, por exemplo, busca a melhoria na qualidade de um produto minimizando as perdas, eliminando falhas e vibraes, trocando materiais e operaes desnecessrias. Por outro lado, o cientista procura entender os princpios bsicos que existem, mesmo que sejam tericos, mas sempre procurando o conhecimento. Para isso, preciso pensar nos processos em termos abstratos e eliminar as imperfeies da realidade, como o atrito.

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    Mas ele fez ainda melhor: abstraindo os problemas prticos intransponveis, ele entendeu que a sua mquina terica poderia ser reversvel, funcionando perfeitamente como um motor ou como um refrigerador. O conceito da reversibilidade tem, como sabemos, um papel central em Termodinmica e foi outro resultado da mente deste excepcional cientista.

    Porm, segundo alguns autores, a contribuio mais brilhante dele foi o teorema, que hoje leva seu nome. Esse teorema, conforme foi visto, determina que a eficincia da mquina reversvel depende apenas das temperaturas das duas fontes de energia com que ela interage. Assim que a temperatura da fonte quente (TQ) e a temperatura da fonte fria (TF) forem especificadas, a eficincia tima das mquinas est determinada, sem nenhuma possibilidade de aumento. Uma maneira diferente de enunciar o novo teorema dizer que todas as mquinas reversveis, operando entre as duas temperaturas extremas, tm a mesma eficincia. No importa mais o projeto das mquinas, os materiais, a fabricao, o combustvel utilizado6, nada pode afetar a eficincia mxima.

    Apesar de toda a relevncia dos resultados e concluses de Carnot, seu trabalho - publicado em 1824 - foi solenemente ignorado pela comunidade cientfica da poca. Talvez por conta das suas escolhas. Ele seguiu duas linhas mestras, cada uma muito brilhante, mas que combinadas se anularam. Em primeiro lugar, ele escreveu seu texto em linguagem pouco tcnica7, mais dirigida ao pblico do que aos cientistas e engenheiros8. O segundo problema foi tratar do assunto de uma forma muito generalista: em vez de expor os problemas de como extrair trabalho do calor, ele escreveu uma teoria geral sobre as mquinas trmicas, procurando responder a qualquer pergunta sobre o assunto, desde questes de projeto a questes sobre materiais a serem utilizados etc. Mas o pblico no conseguiu ler e entender a proposta e os engenheiros a rejeitaram, pois eles no poderiam se interessar sobre problemas de cincia popular (como talvez classificssemos hoje, erradamente, a sua obra). S algumas dcadas depois que sua importncia foi reconhecida.

    Em suas anlises, Carnot usou o ponto de vista comum a sua poca, ou seja, que calor era uma substncia como gua. Assim, ele considerou que uma mquina trmica era anloga a uma roda dgua. Entendendo que a gua (isto , a substncia de trabalho) se conservava ao passar atravs de uma roda dgua, realizando trabalho til, Carnot conceituou a conservao da quantidade de calricos ao longo da mquina a vapor (aqui, a substncia de trabalho era o calrico, que era transportado pela gua!). A gua cai de uma elevao maior para uma menor, realizando trabalho no caminho. Na mquina trmica, os calricos cairiam da fonte quente rumo fonte fria e no caminho haveria a realizao de trabalho.

    Desse modo, ele acreditava que a quantidade de calor seria conservada e que o trabalho seria produzido na mquina trmica, pois o fluido iria da fonte quente fonte fria. Parte do problema da aceitao dos resultados dele talvez tambm tenha sido o engano conceitual. Carnot acreditava que a teoria calrica de Joseph Black e de Antoine Lavoisier estava correta. Era impossvel para ele acreditar de forma diferente, porque era o entendimento da comunidade cientfica naquela poca.

    6 Esta foi outra importante contribuio. Afinal, as mquinas funcionam utilizando a capacidade de expanso do volume dos combustveis (para impulsion-las). Mas isto no afeta a eficincia mxima! 7 Por exemplo, a primeira frase do seu trabalho : Todo mundo sabe que calor pode produzir movimento. O texto bastante fcil de ser lido. 8 Ele seguiu os caminhos de Galileu, o primeiro dos grandes cientistas. Em vez de redigir em latim, como era comum a sua poca, Galileu escreveu em italiano.

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    Curiosamente, logo aps a publicao do seu trabalho, Carnot comeou a duvidar das suas hipteses. Entre o que restou dos seus escritos9, havia notas em que ele rejeitava a teoria do calrico baseando-se nos trabalhos de Benjamin Thompson (Conde de Rumford10), chegando at mesmo a estimar o equivalente mecnico do calor - em um experimento similar ao de Joule - cerca de 20 anos antes das contribuies de Mayer e Joule.

    Mas Carnot via contradies entre as duas teorias. Se a energia precisa ser conservada, ento o calor11 produzido pelo fogo convertido no trabalho, que realizado pela mquina. Se, por outro lado, a produo de trabalho era apenas devido queda do calrico de um reservatrio para outro, no poderia haver alterao na quantidade de calor. Era uma questo de converso de calor ou da sua conservao?

    3.2 Removendo as barreiras No foi simples a remoo das barreiras impostas pelo engano de Carnot. Foi necessrio o aparecimento de alguns grandes homens para que isso se tornasse possvel e a cincia progredisse em seu caminho. O primeiro deles foi Julius Robert Mayer, que apenas seis anos aps a morte de Carnot, publicou seu famoso (e totalmente ignorado poca) trabalho sobre a conservao de energia12 e a transformao de formas de energia em outras (o que era impossvel segundo a teoria do calrico). James P. Joule, outro dos grandes cientistas, um ano depois de Mayer - em 1840 - foi capaz de calcular, aps brilhante experimento, o equivalente mecnico do calor, um novo conceito que tornava calor e trabalho13 mutuamente conversveis e que fortaleceria a ideia que calor no era uma substncia como a gua. Calor simplesmente no se conservava.

    9 Carnot morreu de um surto de clera com 36 anos de idade. Como era comum poca, quase todas as suas roupas, livros, escritos, moblia etc. foram queimados. 10 Voc deve ter lido sobre ele no Captulo que trata da Primeira Lei da Termodinmica. 11 Energia Trmica, seria dito hoje. 12 Embora no com este mesmo nome. 13 poca, isso talvez fosse equivalente a argumentar hoje que pedra e gua tm a mesma natureza.

    Este pequeno engano talvez tenha evitado que Carnot atingisse a fama e a glria - como o descobridor das leis da Termodinmica - semelhana de outros cientistas famosos, tais como Galileu e Newton. Porm, as suas contribuies so to importantes que ele considerado um dos pais da Termodinmica.

    Pelo que indicam seus escritos, Carnot - aps formular a 2 Lei da Termodinmica - estava prestes a descobrir a primeira, cerca de 20 ou

    30 anos antes de Helmholtz!

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    Aps um encontro com Joule em um evento da Associao Britnica para o Progresso da Cincia, em 1847, Lorde Kelvin (William Thompson) saiu impressionado com os rigorosos resultados experimentais do colega, mas acreditava que todo o trabalho de Carnot (e seus relevantes resultados) seria defenestrado sem a hiptese da conservao do calor (ou que se no houvesse um fluido como o calrico).

    Isso o incomodou muito14. Aps algum tempo, sua mente privilegiada encontrou um caminho e, em 1851, ele publicou um trabalho no qual indicou sua suspeita de que talvez a natureza tivesse duas linhas de ao (que se traduziram nas duas leis que hoje conhecemos) e que assim, o trabalho de Carnot poderia sobreviver sem contradizer o trabalho de Joule. Oficialmente, esse foi o comeo da cincia da Termodinmica, ou seja, a cincia da ao mecnica do calor.

    A formulao proposta por Kelvin para os argumentos levantados anteriormente por Carnot expressa como:

    Nenhum processo cclico pode ser realizado a partir do recebimento de calor de uma nica fonte quente e com a sua converso integral em

    trabalho.

    Observe que esta uma declarao negativa: nenhum processo... Por trs dessa frase, h a informao de que ela resultado do que pode ser observado. Se a formulao estivesse errada, poderamos construir um avio (ou um automvel) que iria funcionar retirando energia do ar ambiente (no importando sua temperatura) ou de um navio, retirando energia dos oceanos, sempre com eficincia

    14 Uma possvel explicao para este incmodo: Kelvin foi um dos revisores de um trabalho de Joule sobre o aquecimento de um fio resultante da circulao de uma corrente eltrica sobre ele, o hoje famoso efeito Joule. Pelo que se sabe, os comentrios de Kelvin no foram muito elogiosos.

    Em vez de calor, o termo energia trmica deveria ser usado, pois a energia que conservada. O termo calor costuma gerar grande confuso entre estudantes, porque usamos frequentemente expresses como fulano est com calor, o que incorreto. Calor a energia trmica transferida de um corpo a outro por conta da diferena de temperaturas. Como a transferncia da energia trmica se d nas mquinas trmicas em presena de uma diferena de temperaturas, no h erro aqui.

    A semelhana entre uma mquina trmica e uma roda dgua, to inteligentemente proposta por Carnot, no poderia ser mais considerada.

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    igual a 100%. Com a energia contida em um kg de ar - temperatura ambiente - maior do que 210 000 J15, isso terminaria com os problemas das crises de energia.

    O prximo cientista a entrar nessa histria foi o alemo Rudolf Julius Emmanuel Clausius, cujas contribuies veremos na prxima seo.

    3. 3 As contribuies de Rudolf Clausius Clausius considerou que a proposta fundamental de Carnot, na qual o calor precisava ser descarregado em uma fonte fria, era uma condio necessria e inevitvel. Carnot deduziu esse conceito a partir da indestrutibilidade do calrico, mas Clausius corrigiu este engano e chamou a teoria resultante de Segunda Lei da Termodinmica: todas as mquinas trmicas precisam rejeitar certas quantidades de calor.

    Ele entendeu que a polmica entre Carnot e Joule seria resolvida se: a) houvesse duas leis da Natureza e b) se houvesse o cancelamento da teoria do Calrico. Clausius teve uma inquestionvel vantagem sobre Carnot, pois por volta de 1850 - quando publicou seu tratado sobre a teoria do calor - a teoria calrica j tinha sido refutada por cientistas como Mayer e Joule. Alm disso, o grande cientista alemo Hermann von Helmholtz j havia postulado a Lei da Conservao da Energia (que seria generalizada como a Primeira Lei da Termodinmica).

    Clausius unificou os conceitos propondo que uma mquina a vapor deveria ser entendida como um equipamento que absorve calor de uma fonte quente e converte parte deste calor em trabalho (proposta de Joule). Ao mesmo tempo, a mquina trmica transfere o restante para a fonte fria (proposta de Carnot), conservando-a, portanto. Carnot foi incapaz de perceber isso, pois a quantidade de energia liberada para a fonte fria era imensa (por conta das baixas eficincias alcanadas).

    Mas a questo importante para Clausius agora era provar seus argumentos. Claro, as leis da Natureza no podem ser provadas ou mesmo deduzidas. Elas so comprovadas. Mesmo assim, como fazer isso? Clausius sabia que a verso de Carnot / Kelvin era mais interessante para a prtica da engenharia, mas ela estava longe da realidade, pois, afinal, a maioria da populao no se interessava por mquinas trmicas e pela produo de trabalho. Ele observou o calor trocado entre dois corpos com temperaturas

    15 Isto evidentemente menor que a energia contida em um kg de gasolina (44 000 kJ) mas no tem nenhum efeito nocivo de poluio etc. equivalente energia cintica de um automvel pequeno (pesando uma tonelada) a 70 km/h. Ou seja, no nada desprezvel.

    Para completar o tanque de combustvel de um automvel nessa situao, bastaria abrir a tampa do tanque. No mais seriam necessrios os postos de gasolina etc. Infelizmente, sem chances de acontecer.

    Quem garante isto? A Primeira Lei da Termodinmica.

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    diferentes, algo relevante para as mquinas refrigeradoras. Reconheceu em um fenmeno corriqueiro que tanto a sopa quente como a xcara de caf ou de ch se esfriam enquanto o calor trocado (flui) espontaneamente entre o lquido e o ambiente.

    Espontaneamente16 aqui significa por si s, sem agentes externos (tais como a colher agitando a sopa, um sopro ou um ventilador). Para Clausius, a tendncia da energia fluir do corpo de alta temperatura para o corpo de baixa temperatura. Essa tendncia controlada por um isolante trmico conveniente, pois este afeta a taxa de troca de calor. Assim, a espontaneidade no est envolvida com o tempo, como se pensa.

    Entretanto, o processo inverso, o aquecimento adicional da sopa quente, isto , a passagem de energia trmica do corpo frio ao corpo quente no espontneo. Existe, portanto, uma falta de simetria (ou assimetria) na Natureza. Isso ser retomado adiante. Este argumento hoje conhecido como a Formulao (ou Postulado) de Clausius para a 2. Lei:

    Calor no passa de um corpo em baixa temperatura para outro em alta temperatura sem que haja outros efeitos, ou seja, no passa

    espontaneamente.

    Dito de forma mais informal:

    Para que calor possa passar de um corpo frio para um corpo quente ser preciso ceder trabalho. O refrigerador deve ser ligado rede eltrica.

    Deve ser registrado que os dois Postulados, o de Kelvin e o de Clausius, so resultados de observaes. Ningum at hoje conseguiu construir uma mquina com eficincia 100% e nem transferir energia trmica de um corpo de baixa temperatura a um de alta temperatura espontaneamente. Mas, como j foi comentado, no so duas novas leis. Elas so absolutamente equivalentes, como veremos no prximo pargrafo.

    Considere a existncia de um motor que no precise liberar energia para uma fonte fria (ou seja, o motor produz trabalho W a partir do calor Q de uma nica fonte de calor, com eficincia 100%). O trabalho produzido nessa mquina ser utilizado para acionar um refrigerador, que retira energia QF da fonte fria e o libera na fonte quente como QQ.

    16 Isto acontece tambm com um sorvete gelado (corpo em baixa temperatura) que ir espontaneamente derreter se deixado fora da geladeira recebendo energia trmica da fonte quente (o ar ambiente). Como a massa do sorvete no l muito grande, ele no consegue manter sua temperatura constante. No pode ser considerado como uma fonte (fria).

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    Utilizando a Primeira Lei da Termodinmica, pode-se escrever para a mquina trmica:

    W Q=

    A mquina refrigeradora recebe trabalho WR (negativo), retira calor QF da fonte fria e libera calor QQ fonte quente. Da Primeira Lei, tem-se:

    R F Q

    Q F R

    W Q QQ Q W

    = = +

    A equao acima indica que a quantidade de energia transferida para a fonte quente igual retirada da fonte fria, mais a que entra na forma de trabalho17. Como tais equipamentos podem sempre ser regulados, podemos ajust-los de forma que a quantidade de trabalho produzido pela primeira mquina seja igual necessria para mover o refrigerador. Com isto:

    RW W=

    Isso equivalente ao uso de uma nica fonte quente, como indicado na figura:

    17 Isto explica porque no possvel refrigerar a cozinha se deixarmos a porta da geladeira aberta: a soma da energia que retirada da fonte fria (espao da geladeira) mais a energia eltrica que consumida pelo compressor igual energia liberada na serpentina (na verdade, no condensador) que fica atrs da geladeira.

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    Pelo acoplamento das duas mquinas em um nico recipiente, isto , considerando as duas mquinas como se fossem uma nica, para todos os efeitos possveis, a transferncia de energia da fonte fria para a fonte quente se d sem o consumo de trabalho externo, ou seja, sem nenhum efeito externo. Pela Primeira Lei da Termodinmica, QF + Q = QQ. Com isso, a fonte quente libera energia Q para a mquina da esquerda e recebe de volta energia Q pela mquina refrigeradora. Na prtica, uma operao intil que pode ser descartada. Em consequncia, o que sobra apenas a transferncia de energia QF da fonte fria para a fonte quente. Claramente, esse equipamento no pode funcionar (ou existir), pois a experincia indica que o calor flui naturalmente de uma fonte quente para uma fonte fria, nunca ao contrrio.

    Nos livros de Termodinmica, prova-se que a negao do Postulado de Clausius implica na negao do Postulado de Kelvin, mas isso no ser feito aqui.

    4 Segunda Lei: Reconhecendo a Assimetria A Literatura destaca uma grande diferena entre as duas leis. A Primeira Lei sinaliza a possibilidade da (inter) converso de calor e trabalho, ou seja, a existncia de uma simetria. J a Segunda Lei mais restritiva: um corpo quente perder energia no contato com o corpo frio sem nenhum efeito extra (no resto do Universo), mas no ganhar energia (e com isto, se aquecer ainda mais) no mesmo contato e nas mesmas condies. Isso constitui uma assimetria, permitindo que determinados fenmenos e processos inversos aconteam.

    Se algum construir uma mquina trmica com 100% de eficincia, este algum poder usar a mesma mquina para transferir energia de uma

    fonte fria para outra - sem gastar trabalho (ou dinheiro). Ficar imensamente milionrio instantaneamente... vendendo geladeiras,

    aparelhos de ar condicionado etc.

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    Transformar energia cintica em energia trmica algo costumeiro na nossa vida. Porm, at hoje, ningum conseguiu pr o citado automvel em movimento atravs de um aquecimento direto, ou seja, transformar energia trmica em energia cintica no algo natural.

    Para que isso acontea, isto , para que as coisas entrem em movimento, necessrio a queima de combustvel, o uso de um motor - causando uma srie de danos ao meio ambiente. Em resumo: no possvel converter energia trmica em cintica sem outros efeitos.

    Dizemos, ento, que o processo irreversvel ou de forma mais conceitual, assimtrico. Essa assimetria observada em inmeras outras situaes. Considere, por exemplo, um recipiente com uma partio interna, dividida em dois. No espao da esquerda, coloque um corante vermelho (ou gua). No espao da direita, coloque um corante azul (ou leo). A experincia indica que ao se retirar a partio, o corante vermelho invade o espao da direita e vice-versa (esta a tendncia espontnea). H uma mistura e, ao final, uma tonalidade nica obtida. At esta data, nunca foi observada a situao na qual a separao ocorre, e cada corante retoma espontaneamente (lembre-se, sem a realizao de trabalho de bombeamento) para o seu lado. A condio mais provvel , obviamente, aquela na qual os dois corantes encontram-se misturados.

    Observe que algo foi perdido. Antes da retirada da partio havia certa organizao e, para descrev-la, podia-se dizer algo como a tinta vermelha est no espao esquerdo e a tinta azul est no espao da direita. Aps a mistura, a descrio ficou mais simples. Em suma, havia uma ordem que foi perdida com a mistura. Para que a condio inicial seja recuperada, ser preciso gastar trabalho (energia). Isso ser discutido novamente adiante, mas lembre-se de que esse conceito no restrito a tintas e que muito mais fcil encontrar as tintas misturadas do que separadas.

    Querem um exemplo? Bem, sabemos que ao frearmos um automvel, sua energia cintica transferia aos freios. Estes se aquecem e aps algum tempo, a energia trmica transferida ao meio ambiente, pois notamos que os freios se resfriam, retornando temperatura ambiente inicial. A energia trmica que foi transferida ao ambiente absorvida por ele. No notamos nenhum aumento na sua temperatura, porque a quantidade de massa do ambiente muito grande.

    Imagine, por um momento, que isso seja possvel. Teramos um maior problema com o trnsito catico de pedras (e tudo mais), que entrariam em movimento aps terem recebido energia trmica do nosso Sol!

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    Outros exemplos dessa situao so a mistura espontnea de dois gases, a secagem de roupas em um varal, gotas de tinta derramadas em copos com gua, a perda do CO2 de um refrigerante etc. Os processos inversos nunca so vistos ocorrendo naturalmente. claro que isso no uma prova. Mas, exatamente por isso, o feito de Clausius foi notvel. Ele indica que todos os processos espontneos so descritos por uma lei e que h uma propriedade indicando a direo em que os fenmenos ocorrem. Essa propriedade a entropia, que ser definida adiante.

    5 O Ciclo Proposto por Carnot Considere um recipiente de volume V contendo um fluido (lquido ou gs) qualquer. A parte superior do recipiente (digamos, um cilindro) selada pelo uso de um pisto mvel. Esse sistema a mquina trmica mais simples que podemos imaginar.

    O recipiente est inicialmente no estado termodinmico (definido pela presso e temperatura do fluido) que chamaremos de Estado 1. Nessa condio, o cilindro e o pisto esto isolados termicamente, ou seja, no podem trocar calor com o ambiente externo, no importando as temperaturas. Suponha que a temperatura nessa situao seja T1 = 0 oC.

    Considere seu prprio quarto. Aps a arrumao, voc poder encontrar as meias na primeira gaveta do seu armrio, as calas na segunda, os pijamas na terceira e assim por diante. Todas as roupas ordenadas. Entretanto, aps alguns dias, no mais ser possvel identificar a ordem, pois algumas meias sero encontradas na quinta gaveta, outras sobre a cama, algumas camisas dentro da segunda gaveta etc. Uma grande desordem. Novamente, a ordem foi perdida. Para a recuperarmos precisaremos gastar energia rearrumando o quarto. Mas no mais fcil encontrar o quarto desarrumado?

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    O Ciclo proposto por Carnot comea colocando-se um peso sobre o pisto. Em consequncia da ao da gravidade, h a compresso do fluido, resultado da diminuio do volume. A presso dentro do cilindro aumenta rapidamente. Como o conjunto est isolado termicamente do exterior, esta compresso dita adiabtica. Como o peso faz parte do ambiente exterior ao sistema, dizemos que trabalho foi realizado no sistema. A compresso acontece at que um novo estado termodinmico (novamente definido por uma presso e uma temperatura do fluido)

    seja alcanado. Este novo estado ser chamado de Estado 2. A temperatura nesse estado T2. Suponha T2 = 95 oC.

    O ciclo continua e para o prximo processo, retiramos parte do isolamento do sistema (cilindro + pisto) e o colocamos sobre um reservatrio externo de calor. Esse reservatrio essencialmente outro recipiente que contm uma massa muito grande de matria mantida a uma temperatura ligeiramente superior aos 95 oC. Digamos que T(fonte quente) = 100 oC. Chamamos isso de uma fonte trmica. Ela capaz de liberar energia (por conta de uma diferena de temperaturas) sem que a sua prpria temperatura seja afetada.

    Como h contato trmico entre os dois corpos mantidos a diferentes temperaturas, a energia trmica ir fluir da fonte quente para a mquina trmica. Considerando que a massa da fonte seja bem maior do que a massa do sistema, aps o tempo necessrio ao equilbrio, a temperatura do sistema ser eventualmente igual da fonte.

    Como o fluido dentro do cilindro pode se expandir, pois o pisto mvel, o volume interno aumenta (pois energia est sendo transferida a ele). A presso dentro do sistema vai caindo medida que o volume aumenta. Nesse processo, o pisto empurrado pela expanso do fluido e, assim, dizemos que o fluido realiza trabalho sobre o pisto. Esse trabalho pode ser utilizado para girar as rodas do carro, por exemplo. Com isso, atingimos o Estado Termodinmico que chamaremos de Estado 3. Nessa expanso, o sistema absorveu energia na forma de calor.

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    Nesse ponto, o isolamento trmico colocado de volta e o peso retirado, provocando uma posterior expanso do fluido. O Estado 4 alcanado. Suponha que a temperatura neste ponto seja T4 = 5 oC.

    Como desejado que a produo de trabalho seja contnua18, h necessidade de completar o ciclo. Para isso, coloca-se o sistema em contato com uma segunda fonte trmica, com caractersticas semelhantes s da fonte quente, mas de temperatura T(fonte fria) = 0 oC. Aps um tempo suficiente, a temperatura do sistema cai tambm para o mesmo valor.

    Se a sequncia de processos acima (formando o ciclo) for feita muito lentamente, obteremos o chamado Ciclo de Carnot. Se isso for possvel, poderemos aumentar a temperatura do estado termodinmico E2 - igualando-a com a temperatura da fonte quente (100 oC), e reduzir ou aumentar a temperatura do estado E4 - igualando-a com a temperatura da fonte fria (0 oC). Em resumo: os processos de troca do ciclo de Carnot so realizados sem diferena de temperaturas entre as fontes e o sistema. Isso s possvel se forem realizados lentamente e com trocadores de calor de rea muito grande (o que no nada prtico).

    Na idealizao de Carnot, o ciclo bsico ento composto por dois processos isotrmicos (durante os quais h troca de calor) e dois processos adiabticos (sem troca de calor). Em um diagrama indicador (presso x volume), esse ciclo representado como mostrado adiante (considerando Tq = 100 oC, P1 = 120 kPa, Tf = 0oC e P3 = 120 KPa).

    18 Afinal, no faz sentido que o automvel ande s 10 metros, no mesmo?

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    Como temos um ciclo termodinmico, a rea interna limitada pelas curvas representativas dos processos indicativa do trabalho lquido realizado19. Como possvel ver, a rea til no caso das mquinas que seguem o Ciclo de Carnot muito pequena, o que no nada interessante sob o ponto de vista do trabalho til. A eficincia do ciclo mostrado na figura anterior de 27%. Se aumentarmos a temperatura da fonte quente para 300 oC, P3 = 300 kPa, a eficincia aumenta para 52,3%, mas a rea til continua mnima, como mostra a prxima figura. Este o grande problema do Ciclo de Carnot: mxima eficincia, porm baixssimo trabalho til disponvel no eixo.

    19 Pela Primeira Lei da Termodinmica, Q U W= + . Como temos um ciclo, U 0 = . Portanto, a rea representa tambm o calor lquido trocado.

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    Assim, na prtica, utilizam-se outros ciclos, tais como: OTTO (nos motores dos automveis), DIESEL, RANKINE etc., que no tm eficincia mxima como o de Carnot, mas tm rea til maior - propiciando a realizao de uma grande quantidade de trabalho til.

    6 Entropia: uma nova Propriedade Termodinmica Ao aceitar a comprovao experimental feita por Joule - da equivalncia entre calor e trabalho - e aps corrigir os argumentos de Carnot, Clausius formulou em 1850 que: a) a energia conservada e b) o calor flui naturalmente de uma fonte quente para uma fonte fria. De uma forma breve, essa concluso constitui as duas principais leis da Termodinmica. Porm, Clausius no estava confortvel com o segundo argumento, por conta da desigualdade no tratamento (ou seja, da assimetria). O primeiro definia um argumento matemtico enquanto que o segundo, um argumento qualitativo.

    Alguns anos aps, em 1854, Clausius abandonou seu argumento para a Segunda Lei e retomou o conceito da mquina trmica reversvel - capaz de receber calor de uma fonte fria, produzir trabalho e rejeitar calor para uma fonte fria (pelo comum, o ambiente), seguindo sempre processos sem atrito, reversveis. Mas quanto de calor poderia ser convertido em trabalho ou quanto de calor teria de ser liberado para a fonte fria? Clausius sabia que a Primeira Lei indicava claramente que a parcela de energia convertida em trabalho mais a parcela de energia liberada para a fonte fria era igual parcela de energia absorvida da fonte quente, ou seja:

    Q F

    Q F

    Q W QW Q Q= +

    =

    Mas quanto deveria valer cada parcela, isto , QQ e QF?

    Faltava uma equao para relacionar QQ com QF!

    Graas a sua capacidade intelectual, Clausius observou que a razo entre a grande quantidade de calor liberado pela fonte quente (QQ) e pela temperatura da cmara de combusto (TQ) era sempre igual ao muito menor calor liberado pela mquina fonte fria (QF) dividido pela sua temperatura20 (TF). Essa igualdade, para ele, significa que havia algo por trs: no poderia ser uma simples coincidncia, afinal,

    20 Esta razo s igual se a temperatura for definida segundo a escala absoluta de temperaturas, estabelecida havia pouco tempo (1848), por Kelvin. A razo no vale se outra escala for usada, como por exemplo, a escala Celsius.

    Nem sempre ter eficincia mxima vantajoso.

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    no equilbrio trmico, a variao de temperatura era nula; em processos isotrmicos de gases perfeitos, a variao de energia interna era nula. Assim....

    Clausius finalmente definiu a variao da entropia de um sistema como sendo a frao entre o calor trocado reversivelmente pela sua temperatura (absoluta), ou seja:

    Variao de Entropia Calor Trocado Reversivelmente

    T=

    , em uma viso macrocsmica, uma medida da qualidade da energia armazenada, como ser visto adiante. Por ora, vamos apenas associ-la desordem. Se a matria e a energia estiverem distribudas de uma forma desordenada, como em um gs, ento a entropia alta. Porm, se o armazenamento for feito de forma ordenada, como em um cristal, a entropia baixa. Se voc estiver em uma biblioteca e bater palmas, o resultado poder ser desastroso: grande aumento de desordem, grande aumento de entropia. Porm, se voc estiver em um jogo de futebol, para causar o mesmo aumento de desordem e de entropia, voc dever fazer muito mais. Visto de outra forma, o mesmo bater de palmas ir causar um pequeno, desprezvel, aumento de desordem e de entropia. De qualquer forma, aps a definio formal da entropia, uma nova formulao da Segunda Lei da Termodinmica pode ser apresentada:

    A entropia do Universo aumenta no decorrer de qualquer ocorrncia espontnea.

    O Universo aqui significa o sistema termodinmico e a sua vizinhana (ou meio que o envolve). Com isso, surge a possibilidade de haver diminuio de entropia do sistema ou da vizinhana, mas no dos dois simultaneamente.

    Esse novo conceito teve consequncias diversas na cincia e questionamentos srios em religio (afinal, alguma coisa era ilimitada), mas Clausius sabia que as duas leis no eram coincidentes. A entropia tinha um comportamento assimtrico, ao contrrio da energia.

    Como a energia trmica s pode fluir do quente para o frio, em escala Universal, isso significa que as zonas quentes ficariam mais frias, e as frias, mais quentes. No final dos tempos, no mais existiriam

    O nome entropia significa transformao em grego. Foi escolhido por Clausius por ser parecido com energia, que indica o estado termodinmico do sistema. Para Clausius, a nova propriedade refere-se mudana do estado.

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    reas quentes e frias: todo o Universo ficar mesma temperatura, em equilbrio trmico. Claro, se os conceitos de Clausius puderem ser generalizados para a escala do Universo, o que questionvel.

    importante agora verificar o Postulado de Kelvin para a Segunda Lei em termos da entropia. Para isso, supe-se a existncia de uma mquina trmica - produtora de trabalho - que no precisa de uma fonte fria: a eficincia desta mquina ser 100%.

    Quando a energia sai da fonte quente, h uma diminuio da entropia dela. A transferncia desta energia ao ambiente - sob a forma de trabalho - no produz variao de entropia, pois no h troca de calor (veja a definio de entropia). Portanto, a nica variao de entropia que existe o decrscimo que ocorre na fonte. Isto claramente contraria o enunciado mostrado anteriormente. Logo, uma mquina trabalhando sem uma fonte fria no pode produzir trabalho.

    Se, entretanto, uma fonte fria estiver presente - como em uma mquina real, ento a situao plausvel. Como antes, haver decrscimo na entropia da fonte quente e - como ser preciso liberar energia para a fonte fria - haver um aumento de entropia associada a ela. Como a temperatura desta ltima fonte baixa, necessariamente baixa, mesmo uma pequena quantidade de calor poder resultar em um grande aumento de entropia, tal que cancele a diminuio anterior e d um resultado positivo, exatamente como previsto pela Segunda Lei. Veja a relao abaixo:

    Considere que QQ saia da fonte quente. Ento, a entropia cai de QQ / TQ. A energia liberada fonte fria (QF) resulta em um aumento de entropia QF / TF. Para que a variao lquida de entropia seja positiva, preciso que:

    A entropia de um sistema isolado cresce at um valor mximo caracterstico das condies existentes. Atingido este patamar, no haver mais crescimento, tampouco decrescimento de acordo com a Segunda Lei. Assim, a nica possibilidade o trmino de todos os processos termodinmicos.

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    Q F

    Q F

    Q QT T

    Na condio limite, podemos ter:

    Q F FF Q

    Q F Q

    Q Q TQ QT T T

    = =

    Assim, o trabalho realizado (W), que determinado pela Primeira Lei da Termodinmica, escreve-se:

    F FQ F Q Q Q

    Q Q

    T TW Q Q Q Q Q 1T T

    = = =

    A eficincia de uma mquina trmica, genericamente falando, pode ser definida como sendo a razo entre o trabalho obtido pelo preo de se adquirir este trabalho. No caso, este preo se traduz na quantidade QQ (que est associada queima do combustvel). Portanto:

    Q

    WQ

    =

    Assim, na condio limite, a eficincia trmica da Mquina proposta por Carnot recuperada pelo argumento de Clausius:

    F

    Q

    T1T

    =

    Deve ficar claro que o conceito envolvendo essa nova propriedade tem aplicao muito mais ampla do que para as mquinas trmicas! Considere, por exemplo, uma xcara de caf esfriando: o calor (Q) trocado com o ambiente. Como a temperatura do caf bastante superior do ambiente, o decrscimo da entropia do caf (Q / TQ) inferior ao aumento da entropia do ambiente (Q / TF). Como resultado, a entropia do Universo aumenta completamente de acordo com a nova formulao da Segunda Lei da Termodinmica.

    Clausius examinou inmeros processos e acabou concluindo que a frao Q / T constante ao longo dos processos reversveis e aumenta ao longo dos processos irreversveis. Finalmente, em 1865, Clausius apresenta a sua formulao definitiva para as duas principais leis da Termodinmica:

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    1. A energia se conserva, Universo

    E 0 =

    2. A entropia do Universo tende a um mximo, Universo

    S 0

    Apesar de toda esta extensa contribuio, fato que Clausius no conseguiu responder a uma questo fundamental: o que a entropia? Sua definio (razo entre calor reversivelmente trocado e temperatura absoluta) era conhecida, mas o que ela significava? Esta pergunta s comeou a ser respondida com as anlises e contribuies estatsticas de Maxwell, por certo. Porm, certamente foi Boltzmann - como veremos adiante, que forneceu a explicao mais clara e evidente.

    7 Entendendo o significado da Entropia21 Uma das ideias mais antigas da Fisica aquela que trata do modelo (ou ideia) atmico da matria. J na Grcia antiga (com a proposta de Demcrito), h mais de 2 mil anos, o conceito j era conhecido. Apesar da aparncia contnua, o mundo consiste de inmeras particulas de matria dentro de vazios. Essa ideia no vigorou muito, de to revolucionria que era, pois contradizia os sentidos. Era apenas uma especulao dos gregos nos desgnios da Natureza. Mas que especulao!

    No sculo XVIII, Daniel Bernoulli (1738) recuperou esse conceito e introduziu o modelo das bolas de bilhar, obtendo um modelo cujos resultados podiam ser testados.

    O modelo no era adequado para lquidos e slidos, por conta das foras internas (chamadas de intermoleculares) que mantm as molculas juntas. Porm, o modelo funcionava bem para gases. Como os tomos, nesses casos, estavam bastante afastados - pouco influenciando uns aos outros - as foras internas eram irrelevantes. Somente as colises com as paredes dos recipientes que os contm eram importantes para a definio das propriedades mecnicas, ticas e trmicas. Usando ar como exemplo, Bernoulli considerou que o gs era composto por partculas diminutas, infinitas, com movimentos rpidos e nunca colidindo umas com as outras. Por serem duras e elsticas, elas podiam ser imaginadas como bolas de bilhar em miniatura.

    De acordo com o modelo de Bernoulli, a presso - definida como a fora exercida pelo gs em cada unidade de rea da parede - causada pelo contnuo bombardeamento das bolas de bilhar contra as paredes do recipiente. Esse modelo simples, que pode ser representado em qualquer laboratrio por bolas de ping-pong, constituiu e ainda constitui um trampolim entre o mundo onde vivemos e o mundo inacessvel dos tomos. Explicao anloga forneceu uma bela descrio de outra propriedade: a temperatura. Por exemplo, a existncia do zero absoluto uma condio termodinmica na qual a energia cintica associada s flutuaes de velocidades das molculas zero.

    Nesse contexto, calor era simplesmente a soma das energias cinticas de todas as molculas. Calor era uma caracterstica macroscpica, envolvendo trilhes de molculas; enquanto que temperatura era microscpica, uma propriedade de molcula comum.

    21 Esta seo contm material que talvez seja avanado para alunos. Entretanto, como se entende hoje que a Entropia s pode ser explicada a partir da percepo atomstica da matria, a incluso desta discusso algo fundamental. O autor recomenda que os exerccios citados sejam feitos pelos alunos com acompanhamento.

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    O conceito atomstico de matria acabou gerando uma grande transformao no pensamento e no entendimento das questes da Fsica. Desde sempre, podia ser dito, o foco era a aplicao das leis do movimento (a mecnica) aos objetos visveis, observados e at manipulados. Havia uma grande dose de previsibilidade. Mas com a viso atomstica voltando cena com grande e positivo impacto, a viso era nas molculas, coisas cuja existncia era questionada - por serem muito pequenas para serem vistas e muito numerosas para serem contadas individualmente. Porm, infelizmente, esse conceito veio muito cedo. Era necessrio que a humanidade aprendesse mais sobre o comportamento dos gases reais: a teoria do calrico precisava ser derrubada; a conservao de energia, descoberta; e a equivalncia entre trabalho e calor precisava ser determinada. Assim, a teoria de Bernoulli voltou ao esquecimento, aguardando momentos mais frteis.

    O brilhante cientista James Clerk Maxwell, um sujeito que se orgulhava em manter os ps do cho dos laboratrios, uniu a eletricidade e o magnetismo formando uma rea unificada do conhecimento. Quando se enveredou para a Termodinmica, procurou descobrir como ela poderia ser entendida a partir dos tomos e molculas, percebendo as limitaes do seu mtodo de trabalho. Ele precisava perder o contato com a realidade e entrar em um mundo novo. Seguiu-se, ento, para a Estatstica (teoria das probabilidades) para tentar entender calor e entropia.

    7. 1 A contribuio da Estatstica

    A contribuio do clculo de probabilidades cincia pode ser entendida mediante o uso de algumas poucas moedas (ou dados), pacincia, lpis e papel, alm de alguns experimentos simples. O primeiro deles, muito conhecido, o cara ou coroa.

    Popularmente dito que se a moeda for jogada, a probabilidade de sair uma cara de 50%. Porm, se ela for jogada uma nica vez, esta afirmao perde sentido (pois poder sair coroa). O conceito da probabilidade s tem sentido se a moeda for jogada repetidamente. Para 100 jogadas, teremos

    Este esquecimento parcialmente explicado, pois os gases - como ar - no eram importantes, e sim, o caf quente, os banhos frios. As

    correntes convectivas de aquecimento e resfriamento do ar no eram muito importantes.

    Ele no conseguiu ir muito adiante com a Termodinmica. Entretanto, sem as suas descobertas sobre o potencial da Estatstica - como grande arma no arsenal da Fsica - talvez a entropia continuasse obscura, ainda que fosse uma grande ferramenta por causa da sua relao com os processos reais e os reversveis.

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    aproximadamente 50 caras. Apenas quando o nmero de jogadas for imensamente grande que se pode garantir os 50% de probabilidade das caras.

    Comece o experimento com apenas duas moedas, jogadas uma nica vez. O resultado pode ser uma das situaes abaixo:

    Situao 1: Moeda 1: cara Moeda 2: cara

    Situao 2: Moeda 1: coroa Moeda 2: coroa

    Situao 3: Moeda 1: cara Moeda 2: coroa

    Situao 4: Moeda 1: coroa Moeda 2: cara

    So, em princpio, quatro situaes. Entretanto, se as duas moedas forem absolutamente iguais, ser impossvel diferenciar a situao trs da situao quatro. Como as molculas so indistinguveis, considere que sejam apenas trs situaes (podem ser chamadas de estados):

    Estado 1: duas moedas mostrando a mesma face = cara;

    Estado 2: duas moedas mostrando a mesma face = coroa;

    Estado 3: uma moeda mostrando a face cara e a outra mostrando a face coroa.

    Jogue as duas moedas em um determinado nmero de vezes, por exemplo, dez. A cada jogada, anote o resultado em uma tabela. Se duas caras forem obtidas, faa uma anotao na coluna correspondente. Aps dez jogadas, some o nmero de vezes que o Estado 1 (caracterizado pelas duas caras) foi observado. Faa algo semelhante para as demais situaes.

    Deve ser observado que o Estado 3 (uma face cara e a outra face coroa) pode ser alcanado de duas maneiras: a primeira moeda tira cara e a segunda, coroa, e vice-versa. Isso no acontece com os outros Estados. Assim, podemos dizer que h mais variedade no Estado 3 do que nos demais.

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    Em um experimento realizado, o seguinte panorama foi obtido:

    Ou seja, em 40% das vezes (quatro ocorrncias em dez jogadas), o estado observado foi o Estado 1, ou seja, duas caras foram encontradas. Em 30% das vezes (trs ocorrncias em dez jogadas), o Estado 2 (duas coroas) e o Estado 3 (uma coroa e uma cara) foram observados. Nada muito interessante. Porm, aps ter jogado mais vezes22, os resultados foram:

    22 Infelizmente, a teoria no tem meios de fornecer o nmero de vezes a ser jogado para que se obtenha o resultado esperado.

    Faa um teste: jogue duas moedas e anote o nmero de caras e coroas. Registre como indicado anteriormente e depois faa um grfico das ocorrncias.

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    Assim, aps um nmero muito grande de jogadas, os resultados indicados mostram que mais provvel encontrar cara e coroa do que 2 caras ou 2 coroas. Pode ser dito que aquela condio a mais provvel. Mas claro que as outras situaes podem ser encontradas, ainda que essas sejam improvveis. Em um grfico, os resultados acima so:

    Considere agora o mesmo jogo. Pegue dessa vez quatro moedas. Os estados possveis sero:

    Estado 1: quatro moedas mostrando a mesma face = cara;

    Estado 2: trs moedas mostrando a face cara e a outra mostrando a face coroa;

    Estado 3: duas moedas mostrando a face cara e outras 2 mostrando a face coroa;

    Estado 4: uma moeda mostrando a face cara e outras 3 mostrando a face coroa;

    Estado 5: quatro moedas mostrando a mesma face = coroa.

    A experincia indica que se as moedas forem jogadas em um nmero muito grande de vezes, a condio mais encontrada ser aquela definida pelo Estado 3, no qual metade das moedas est mostrando a face caras e a outra metade est mostrando a face coroa. Lembre-se: as moedas continuam sendo absolutamente idnticas.

    Nesse ponto, deve ser observado que o nmero de possibilidades aumenta com o nmero de moedas e, ao mesmo tempo, o valor dos percentuais diminui (o que razovel pois o nmero de estados ou possibilidades aumenta).

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    Com 150 moedas, o resultado ser parecido com o grfico a seguir:

    Dessa forma, muito mais fcil encontrar 75 caras e 75 moedas do que qualquer outra combinao. Esse sempre o estado mais provvel, metade em cada situao. Em suma, a Natureza prefere a variedade23.

    23 O estudante perspicaz poder se perguntar se h, de fato, diferena entre os estados representativos de 74, 75 ou 76 caras, por exemplo. A resposta simples: no h muita diferena. A situao fica ainda mais patente quando lidarmos com nmeros imensamente grandes de partculas: h estados em que, embora conceitualmente diferentes, so praticamente indistinguveis.

    Novamente, observe que h mais variedade no Estado 3 (duas moedas mostrando cara e as demais mostrando coroa) do que nos demais Estados.

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    Antes de concluir que o conceito limitado, veja um novo exemplo. Considere apenas trs letras do alfabeto: S, L e A. Pegue trs dados comuns. Comece com um deles. Nas faces indicativas dos nmeros 1 e 6, cole uma pequena etiqueta com a letra S, por exemplo. Nas faces indicativas dos nmeros 2 e 5, cole a letra L; e nas duas outras faces, cole a letra A. Assim, ao jogar o dado, voc ir recuperar uma das trs letras. Trabalhe com os dois outros dados de forma semelhante.

    Jogue os trs dados ao mesmo tempo. Combinando as trs letras, voc dever obter uma das combinaes:

    Jogando-se os trs dados em um nmero imenso de vezes, todas as possibilidades iro aparecer. Entretanto, o conceito estatstico das molculas indica que elas so absolutamente indistinguveis. Assim, antes da anlise do experimento, os resultados devem ser agrupados devidamente.

    Por exemplo, note que no h diferena alguma se o primeiro dado indicar a letra S, o segundo a letra L e o terceiro a letra A; ou se o primeiro indicar A, o segundo indicar L e o terceiro indicar S. Os dois estados (podem ser chamados assim, no?) so indistinguveis. Portanto, tem-se apenas 10 possibilidades (ou estados) diferentes:

    Estado Um: composto pelas letras LSA 3 letras diferentes

    Estado Dois: composto pelas letras SSA 2 letras iguais

    Estado Trs: composto pelas letras LLA

    Estado Quatro: composto pelas letras SSL

    Estado Cinco: composto pelas letras LLS

  • .29.

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    Estado Seis: composto pelas letras AAL

    Estado Sete: composto pelas letras AAS

    Estado Oito: composto pelas letras LLL 3 letras iguais

    Estado Nove: composto pelas letras SSS

    Estado Dez: composto pelas letras AAA

    Com essas consideraes, os dados devem ser jogados em um grande nmero de vezes. Os resultados so mostrados na tabela adiante:

    Como pode ser visto, o estado (ou se voc preferir, a configurao) mais provvel aquele no qual cada um dos dados indica uma letra diferente (ou seja, a diversidade a maior possvel). Esse o estado mais provvel, o de maior probabilidade. Observe ainda que a porcentagem indicativa do nmero de vezes que aparecem os estados LLL, AAA e SSS so praticamente iguais (teoricamente, so idnticos), ambos sendo os mais improvveis.

    7. 2 A contribuio de Boltzmann A relevncia das contribuies de Ludwig Eduard Boltzmann pode ser explicitada pelo fato, comumente aceito, de que sem ele, a Segunda Lei da Termodinmica (ou o conceito da entropia) ficaria para sempre sem explicao. Em resumo, a viso atmica da matria que permite um adequado entendimento das propriedades termodinmicas, tais como: presso, temperatura, energia e entropia.

    Pode-se concluir, desses dois experimentos, que h estados (ou situaes) mais provveis (mais frequentes) e outros menos provveis.

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    Essa viso fundamentada em dois grandes argumentos: o nmero imensamente gigantesco destas partculas e a total identidade delas. As molculas so absolutamente indistinguveis24.

    Boltzmann, j reconhecido como o ltimo dos fsicos clssicos, fez a ligao entre as propriedades macroscpicas da matria e o comportamento das partculas individuais - os seus tomos. Havia j um estoque de fatos experimentais, mas a compreenso destas relaes s poderia ser obtida quando uma explicao em termos das partculas e de suas propriedades tivesse sido estabelecida. Faltava uma explicao mecnica. Claro, Boltzmann foi muito criticado, pois a existncia de tomos ainda no era algo aceito por todos. Quando morreu, em 1906, novos conceitos e tcnicas j estavam disponveis e terminaram por estabelecer o nome de Boltzmann como um grande fsico terico.

    Para finalizar este estudo, vale lembrar que as chances de se obter metade das moedas mostrando a face caras bem maior do que nas demais situaes (que chamamos de estados). Foi dito que a probabilidade desta situao bastante alta. Como a entropia mede, segundo Boltzmann, a probabilidade e esta denota desordem, a entropia associada desordem. O fato de a entropia aumentar continuamente ao longo dos processos espontneos, um indicativo de que a Natureza opta sempre pela maior variedade e isto significa desordem. O estado no qual as N moedas mostram a mesma face - caras, digamos - nico, de baixssima probabilidade e, portanto, de baixssima entropia.

    O mesmo tipo de anlise pode ser feito para as cartas de um jogo de baralho. O estado inicial, na qual as cartas esto ordenadas sequencialmente e por naipes, um estado nico, de baixssima probabilidade e, portanto, de baixssima entropia. Aps as cartas terem sido misturadas, sai-se de um estado ordenado para estados desordenados, de maior entropia. A volta ao estado ordenado original requer trabalho: no um evento espontneo.

    Boltzmann aplicou o seu novo conceito de entropia s diversas situaes que j tinham sido estudadas, como: na expanso livre de um gs em um recipiente anteriormente evacuado, na mistura de dois gases etc. Em todas as situaes, ele encontrou os mesmos resultados previstos por Clausius (veja as prximas figuras). Passo a passo, ele seguiu o aumento de entropia no Universo e recuperou a Segunda Lei da Termodinmica. O conceito era bom:

    24 Como as moedas, nos exemplos anteriores.

    A Segunda Lei da Termodinmica essencialmente uma lei de probabilidade.

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    SaladeLeituraASegundaLeidaTermodinmica

    Situaes de Baixas Entropias

    (ou probabilidades)

    Situaes de Altas Entropias

    (ou probabilidades)

    A relao entre entropia, ordem e organizao continua sendo boa. Porm, preciso tomar cuidado com o que chamado comumente de ordem e desordem ou de organizao e desorganizao.

    Considere, por exemplo, um saco com 5 bolas exatamente iguais, exceo das cores. A bola 1 branca, a 2 azul, a 3 verde, a quarta roxa e a quinta preta. O experimento consiste na retirada de

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    SaladeLeituraASegundaLeidaTermodinmica

    uma bola por vez. Na primeira rodada, a sequncia retirada , digamos: bolas Preta, Azul, Branca, Roxa, Verde e Cinza. Chame essa sequncia de Estado 1. Outras rodadas poderiam indicar:

    Voc percebe alguma ordem aqui? Isto , em cada um desses estados? Aparentemente, so todos desordenados, no havendo nada que distinga um dos outros. Conceitualmente, para que seja possvel indicar que determinado estado ordenado, precisa-se descobrir uma maneira pela qual a ordem pode ser referenciada, ou seja, preciso ser possvel fazer uma distino ordenada entre os estados desordenados.

    A discusso detalhada desse novo conceito pode ser feita, mas requer outros conhecimentos que no cabem neste texto. Por ora, vale registrar apenas que o Estado 2 pode ser facilmente definido como ordenado (ou selecionado), se for notado que a sequncia das bolas segue a ordem alfabtica. Veja: a primeira bola retirada foi a Azul, depois a Branca, seguida pela Cinza, pela Preta, pela Roxa e finalmente, pela Verde. Nesse sentido, o critrio que distingue o estado 2 o alfabtico. Assim, pode ser afirmado que o estado 2 ordenado. Sendo ordenado, tem uma probabilidade menor de ocorrer e, portanto, tem entropia pequena.

    Importante: a ordem precisa ser definida de forma clara, no uma questo de ponto de vista.

    8 Concluses Neste captulo, a propriedade termodinmica entropia foi apresentada tanto em sua viso histrica, fenomenolgica e, finalmente, em uma viso estatstica, com o objetivo de desmistific-la.

    A partir de uma srie de observaes inteligentes de Sadi Carnot - sobre o funcionamento das mquinas trmicas existentes - ele e outros cientistas chegaram concluso da existncia de alguns postulados. Estes foram definidos em termos absolutamente abstratos, que impunham (como ainda impem) limites realizao de processos e de ciclos (sequncia de processos a serem realizados por mquinas) - capazes de produzir trabalho ou de refrigerar ambientes.

    O primeiro desses princpios, o da Conservao de Energia, traduz-se em:

    Voc consegue descobrir outro critrio para algum outro estado?

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    UniversoE 0=

    Este princpio resultou na derrubada definitiva da teoria calrica, que tratava o calor como substncia, e tambm na equivalncia entre calor e trabalho, reconhecidos como formas de energia (como tantas outras). Se a variao total da Energia do Universo sempre igual a zero, a energia total do Universo ser sempre uma constante. A energia no pode ser criada e nem destruda: s transformaes so possveis. Um processo era proibido (a criao), mas o outro tambm era (a destruio). Detalhes desse Primeiro Princpio (ou Lei) da Termodinmica foram apresentados no captulo anterior.

    Carnot reconhecia que a existncia de eficincias mximas (inferiores a 100%), de processos (irreversveis) que s poderiam acontecer de uma determinada forma - mas no de outra, indicando assimetrias na Natureza - eram manifestaes de ordem diferente. A passagem espontnea do calor de um corpo quente para um corpo frio ou a transformao integral (isto , com eficincia 100%) do trabalho em calor so perfeitamente possveis25. Porm, os processos inversos jamais foram observados.

    Clausius definiu uma nova propriedade: a entropia, indicativa destas e de todas as outras assimetrias da Natureza. Seu princpio resumia-se (e ainda resume-se) expresso matemtica:

    UniversoS 0 Esta expresso indica que a variao total da entropia do Universo sempre maior do que zero.

    Uma verso popular desses dois princpios :

    1. No h almoo de graa;

    2. Voc no pode escolher o prato a ser consumido.

    25 Um aquecedor eltrico, por exemplo, converte o trabalho eltrico - recebido da tomada - em energia trmica, sem outra perda.

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    A entropia, como proposto matematicamente por Boltzmann, uma medida do caos, da desorganizao, ainda que esta precise de uma conceituao clara. Maior probabilidade de ocorrncia, maior desorganizao, maior caos so indicativos do crescimento da entropia. A lei da no-conservao da entropia significa que o Universo tem se tornado gradativamente (ainda que muito lentamente para a escala humana) um lugar mais catico, mais calmo, ou seja, tem sado de um estado extremamente organizado, de entropia mnima: a corda dada inicialmente est sendo gradualmente aliviada. O engenheiro e o cientista podem se unir em uma busca importante: se todos os processos reais implicam um aumento de entropia, os melhores processos reais so aqueles que reduzem a taxa de aumento.

    So quatro as leis da Termodinmica. A terceira delas, na sua sequncia numrica, a Segunda Lei, que foi a primeira a ser descoberta. A primeira

    delas, a Lei Zero, foi a ltima a ser formulada. A Primeira Lei foi a segunda a ser formulada e a Terceira Lei da Termodinmica talvez nem seja mesmo uma

    lei... Uma grande confuso!

    Porm, a Fsica e o entendimento por trs dessas leis so, felizmente, mais fceis de serem entendidos. A Primeira Lei da Termodinmica conhecida

    como a lei que diz: a Energia se conserva. A Segunda Lei da Termodinmica reconhece a existncia de uma assimetria fundamental na

    Natureza (coisas acontecem de uma nova forma, mas no de outra).


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