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microlotes

Em Carmo de Minas (MG) terrenos montanhosos e típicos da Serra da Mantiqueira destacamos talhões de café cultivados em altitudes acima de mil metros.

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seu café mais gostoso | capa

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Surgem no mercado, de tempos em tempos, em pequenas cafeterias ou entre finalistas de concursos de qualidade, ofertas de cafés es-pecialíssimos. Todo o esforço para produzir o melhor café do mundo, que inclui investir numa boa semente, bom terroir e bom ma-nejo, acaba concentrado em poucos pés de

café, que rendem sacas contadas. São elas que, ao serem garim-padas por compradores exigentes, receberão um perfil de torra minucioso e um preparo irrepreensível. Esse microlote de café que chega ao consumidor, raro e limitado, é produzido em um ou poucos talhões de uma fazenda.

Essa divisão, comum na agricultura, fa-cilita aos produtores conhecerem cada uma de suas lavouras que, dentro de uma mes-ma propriedade, crescerão em solos mais úmidos ou arenosos, estarão em altitudes e localização diferenciadas, recebendo maior ou menor intensidade de sol e vento, estarão mais próximas de cursos-d’água que outras. Juntam-se a essas peculiaridades as caracte-rísticas da variedade cultivada, a tecnologia investida na lavoura, as intempéries da safra vigente e, enfim, o resultado de todas essas combinações na bebida.

COLCHa DE rETaLHOSO produtor José Roberto Canato esmiuçou sua fazenda em uma centena de microtalhões para garantir qualidade e ras-treabilidade à produção. A Monte Verde, localizada em Carmo de Minas, na Serra da Mantiqueira, Sul de Minas Gerais, pos-sui 128 hectares de lavouras, com 626 mil pés de café, entre bourbon amarelo, mundo novo, catuaí, catucaí, icatu amarelo e acaiá. “Cada pedaço de terra da fazenda tem necessidades diferentes, em relação aos adubos, defensivos, poda e colheita. O mesmo café que tenho plantado aqui [aponta para onde estamos] revela-se um pouco mais doce ou um pouco mais cítrico que o que está logo ali, adiante”, explica o produtor. Ele dividiu as lavouras em 12 grandes talhões, cada um com subdivisões que separam os cafeeiros em poucos hectares, onde existe uniformidade em todas as condições produtivas.

Quando o café de uma dessas pequenas áreas apresenta um potencial de altíssima qualidade, passa a receber uma atenção

maior, quase artesanal, potencializando a expectativa criada. Canato busca inclusive o apoio de institutos e profissionais que realizam estudos de solo e de saúde da planta para saber exa-tamente como tratar aquele pequeno lote de terra. O conceito de microlote, portanto, está intimamente ligado à agricultura de precisão e à rastreabilidade do café em todas as etapas de produção. É assim que Canato seleciona seus cafés campeões, como o quarto lugar do último Cup of Excellence do Brasil. Para disputar o maior concurso de qualidade do País, o produ-tor enviou um bourbon amarelo, de peneira 16 acima, cereja descascado, proveniente dos talhões Beira da Mata e Cascalho, que se situam a uma altitude média de 1.100 metros. Colhi-dos separadamente, os grãos foram reunidos por possuírem características semelhantes – muita doçura, equilíbrio e acidez cítrica – e totalizaram 27 sacas. Addy Hedinsdottir, da cafe-teria Kaffitar, da Islândia, e Kentaro Maruyama, da japonesa Maruyama Coffee, que compunham o júri internacional do Cup, deram o lance pelo café de nota 89,15.

Mas os brasileiros também podem apreciar seus micro-lotes em cafeterias de São Paulo (SP), como a Suplicy Cafés

O conceito de microlote está ligado à

agricultura de precisão e à rastreabilidade

do café em todas as etapas.

Mesa de prova de café identifica as nuances características dos grãos selecionados por compradores nacionais e internacionais.

José roberto Canato, proprietário da Monte Verde, vistoria a fazenda.

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Especiais, que adquiriu 126 sacas de um café similar ao do Cup, mas de peneira 14/15, o mokinha, que é oferecido co-ado; e de Curitiba (PR), como a Lucca Cafés Especiais, que adquiriu 57 sacas de bourbon amarelo, o terceiro lugar do concurso de qualidade da Emater-MG na categoria natural, para oferecer single e blendado com um catuaí da Fazenda Serra das Três Barras, também de Carmo de Minas. O blend internacional da italiana iIllycaffè ganhou, na última safra, 27 sacas de um catuaí amarelo, cereja descascado, do talhão Morro Redondo; enquanto a suíça Nespresso aproveitou al-guns bourbon amarelo para o seu Grand Cru Dulsão do Brasil.

as outras casas de café nacionais que têm interesse pelo cardápio de microlotes da Monte Verde têm de disputá-lo ainda com clientes internacionais. Hoje a trader Car-mocoffees, do degustador Jacques carneiro, é responsável por exportar grande parte da produção da fazenda. Da quinta geração que se dedica ao grão, Jacques tinha um objetivo: comercializar melhor o café da família fora do País. “Valorizar um produto diferenciado [pagar um preço melhor] é reconhecer o tra-balho e dedicação dos produtores”, diz. Hoje, o negócio que começou com 10 sacas atingiu 20 mil sacas/ano, de 80 produtores da região, que seguem para mais de 15 países.

COM SaBOr DE CHOCOLaTECafés exclusivos, de séries limitadas, sempre chamaram a atenção. Se forem excepcionais, melhor ainda. Mercados mais maduros no consumo de café, como os países escandinavos, os Estados Unidos e o Japão, são os maiores importadores de microlotes de todo o mundo, inclusive brasileiros. Para encontrá-los, garimpam em fazendas produtoras de safra em safra ou estabelecem parcerias comerciais com traders que fazem essa primeira etapa de seleção, para finalizá-la por meio de cupping das amostras.

O português Mané Alves, degustador e mestre de torra do Co-ffee Lab Internacional – situado em Vermont, Estados Unidos –, lembra que o conceito de microlote tem dois componentes: um de qualidade e um de quantidade, que estão correlacionados. Se antes ele ficava frustrado quando não conseguia comprar novamente um café que tinha apreciado, hoje se superou: “No

Coffee Lab não compramos por costume, compramos os cafés que achamos bons”. Para identificá-los, só ao Brasil vem quatro vezes por ano e faz cupping de inúmeras amostras antes de escolher o que levar. Em 2009, optou por cafés da Bahia, que segundo ele se destacaram. “O Brasil sempre tem coisas novas.” Sua expectativa agora são com os trabalhos de pesquisa que es-tão sendo feitos no País e que prometem bons cafés com novas cultivares para as próximas safras.

O engenheiro-agrônomo e pesquisador Gérson Silva Gio-mo, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), explica que o instituto quer oferecer aos produtores um leque maior de variedade genética. “O mercado de cafés especiais hoje não está procurando cafés com gosto de café, mas de frutas, com aromas de chocolate e baunilha”, brinca, mas com razão. Segundo ele, 80% do café produzido no Brasil hoje é mundo novo ou catu-aí, e para conseguir um melhoramento, é necessária uma base genética diversificada. “Na Etiópia, que é o centro da origem e distribuição da espécie Coffea arabica, existem 10 mil genótipos selvagens, enquanto no Brasil temos cerca de cem cultivares

saca e tê-la como uma oferta deliciosa e bem limitada”.

Entre seus fornecedores, estão pro-dutores brasileiros fixos e outros sem-pre novos. O Spring Espresso Blend leva o Gourmet peneira 19, da Ipane-ma Coffees, do Sul de Minas; e ainda neste ano oferecerão um café do pro-dutor Aneilton Souza Santos, de catuaí e mundo novo da Fazenda Capão, de Piatã, Chapada Diamantina (BA).

Já a dinamarquesa The Coffee Colecti-ve tem uma relação comercial direta com a fazenda brasileira Daterra, de quem adquire o rótulo Sweet Collection para compor o blend de espresso da casa, que muda periodicamente. “O Sweet Col-lection não é um microlote, mas uma mistura de diversos microlotes que são provados separadamente para compô-lo. Nós visitamos a Daterra pelo menos uma vez por ano e eles nos deixam pro-var cada um deles”, diz Klaus Thomsen, barista campeão do mundo (2006) e um dos quatro integrantes do coletivo.

Klaus explica que a ausência de de-feitos é a característica mais valorizada por eles, seguida de doçura e de sabores frutados. “Infelizmente, descobrimos que cafés de diversas regiões não aten-dem ao nosso padrão quanto à ausência de defeitos. Até uma nota de madeira pode acabar com um café e nós somos muito exigentes nesse caso. A doçura de grãos completamente maduros e cuida-dosamente selecionados e processados é igualmente importante.”

registradas no Mapa [o Ministério da Agricultura].” Esse trabalho de prospecção de qualidade com bons resultados comerciais leva muitos anos, mas o pesquisador acredita que em menos de cinco anos alguns materiais já cheguem ao cafeicultor.

LiMPOS, DOCES E frUTaDOSA torrefadora inglesa Square Mile Coffee Roaster não tem fornecedores fixos. A carta de cafés, variável com a estação do ano, traz opções do mundo todo. Anette Moldvaer, campeã mundial de cup tasting (2007) e responsável pela seleção e torra dos cafés da Square Mile, explica a ideologia da casa: “Não importa de onde vêm, desde que sejam frescos, limpos e tenham um excelente sabor. Se tivermos dificuldade em achar um café assim em algum país, não o usaremos só para preencher um espaço na carta”. E a quantidade, também pouco importa: “Nós compramos uma combinação de pequenos e grandes lotes dependendo do uso que o café terá. Para o nosso espresso sazonal precisamos de grandes volumes, mas para single estates ou torras claras destinadas ao preparo de café filtrado, eu fico feliz em comprar lotes tão pequenos como apenas uma

No Brasil ou no exterior os compradores

estão cada vez mais exigentes na busca

pela qualidade e nuances específicas de

sabor, corpo e aroma dos grãos nacionais.

Jacques Carneiro, traderda CarmoCoffees,

prova os cafés da Monte Verde. O negócio, que

começou com 10 sacas familiares, hoje vende

20 mil ao ano.

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Depois de selecionados, os microlotes ficam disponíveis para o consumidor apreciar em cafeterias, que os torram e oferecem em diversos métodos de preparo e para levar para casa.

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outros compradores de cafés especiais, como a norte-americana Intelligentsia Coffee & Tea, com sede em Chicago, adquirem cafés brasileiros todo ano, mas optam por trabalhar com traders: “Nós escolhemos nossos cafés provando as amos-tras em cuppings”, afirma o CEO Doug Zell. Os microlotes adquiridos pela Intelligentsia são mais que pequenas porções: “São cafés de um talhão específico, de uma fazenda específica e que têm uma qualidade excepcional na xícara: 92 ou mais, na nossa avaliação”. Hoje, pode-se degustar um single origin da Fazenda Serra do Boné, de Araponga, Matas de Minas (MG).

ENCHENDO CONTÊiNErESA trader Brazilian Estate Café Corporation (Beccor), localiza-da em Oregon, nos Estados Unidos, é uma verdadeira vitrine para o café brasileiro. Seu idealizador, Bruno Souza, enxergou uma oportunidade no mercado quando percebeu, há quase uma década, a dificuldade de valorizar o café brasileiro no exterior e, principalmente, o custo para o comprador de importar poucas sacas de café.

Alinhado com o então emergente setor de cafés especiais, Bruno passou a importar contêineres de microlotes. Produtor do Cerrado Mineiro e degustador, neste ano Bruno provou 230 amostras de cafés especiais brasileiros e, sabendo o que o mercado comprador queria, selecionou 60 para encher três contêineres, todos com microlotes de 10, 20 e 60 sacas. Na carteira de clientes, mais de 25 Estados norte-americanos e

canadenses que têm acesso a um produto diferenciado.Da última safra, seu menor microlote foi uma aquisição

familiar, da Fazenda Esperança, do seu pai, localizada na cidade de Campos Altos, no Cerrado (MG). Foram duas sacas de icatu amarelo, peneira 15. “É de uma lavoura tão bonita que teve uma época na família em que só tirávamos retratos na frente dela”, se recorda. O café é miúdo, mas, segundo ele, com uma qualidade excepcional: “Frutado, cítrico, com notas de blackberry e gabiroba [uma fruta do Cerrado]”.

De uma safra para outra, investimentos em tecnologia apontam novos polos de referência, enquanto uma dedicação cada vez mais artesanal desabrocha preciosidades isoladas, como a charmosa lavoura de icatu amarelo da Esperança, que chegará aos consumidores de outras regiões do mundo não só como uma xícara de café excepcional, mas também como experiência cultural.˙

QUEM GariMPa CafÉS DE QUaLiDaDE NO BraSiLAteliê do Café www.ateliedocafe.com.brCafé do Moço cafedomoco.blogspot.comCoffee Lab (Isabela Raposeiras) www.coffeelab.com.brLucca Cafés Especiais www.luccacafesespeciais.com.brProud www.proud.com.brSanto Grão www.santograo.com.brSuplicy Cafés Especiais www.suplicycafes.com.brUnique Cafés Especiais www.uniquecafes.com.br

Na Dinamarca, o The Coffee Colective adquire cafés nacionais e, depois da torra personalizada, serve o espresso a clientes exigentes.

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