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Seminário sobre a Norma Regulamentadora 17- Fundacentro- 23/11/2010 Evolução da Legislação em Ergonomia no Brasil: a construção social da Portaria No. 3.751 Autoria: Lys Esther Rocha

As relações de trabalho no Brasil se desenvolvem dentro de um sistema complexo, com a atuação de diferentes instituições, cada uma com atribuições definidas pela legislação. A principal característica é a função do Estado de intervir para por fim ao conflito das relações capital/trabalho. O Ministério do Trabalho e Emprego é o órgão federal encarregado pela fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas.

A evolução da legislação em Ergonomia no Brasil envolve quatro contextos específicos: o primeiro, o da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943; o segundo, o da publicação da Portaria Nº 3.214 em 1978; o terceiro, com o estabelecimento da Portaria Nº. 3.751 de 1990 e o quarto, a publicação dos Anexos da Norma Regulamentadora de Ergonomia.

1. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) O movimento sindical no Brasil teve sua atuação no início deste século buscando a redução

da jornada de trabalho e dos acidentes no trabalho. Naquele período, o Estado não executava uma intervenção direta nas relações de trabalho.

Após 1930 o movimento sindical é organizado pelo Estado, possibilitando o controle do operariado em função do processo de industrialização do País. As relações de trabalho até hoje estão disciplinadas pela Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, tendo como traço característico a transformação dos sindicatos em entidades de direito público, com o objetivo de cooperar com o Estado. Entre os princípios desta legislação estão o da unicidade sindical consistindo no monopólio da representação sindical, acompanhada do imposto sindical (ou contribuição sindical) que garante o funcionamento das entidades independente da filiação dos trabalhadores.

O Estado Corporativo trazia uma prerrogativa exclusiva do Estado de conceder benefícios. Em 1943, é que surge uma legislação específica sobre medicina e segurança do trabalho contida no Capítulo V da CLT.

Na Seção XIV da CLT estão explicitados dois artigos relacionados à ergonomia, definidos como: da prevenção da fadiga. No artigo 198 é definido o peso máximo que o empregado pode remover individualmente. O artigo 199 torna obrigatória a colocação de assentos que assegurem a postura correta ao trabalhador quando da execução da tarefa exija que trabalhe sentado e o fornecimento de assentos para serem utilizados nas pausas pelos trabalhadores quando o trabalho seja executado em pé.

2. Portaria No. 3.214 de 1978 No início da década de 1970, o Brasil apresentou uma das taxas mais altas de acidente do

trabalho do mundo. Costa (1982) apresenta os seguintes dados: em 1971, para uma população ativa de 7,6 milhões de pessoas, foram registrados 1.330.523 acidentes, o que corresponde a uma taxa de ocorrência de acidentes de quase 20%.

A resposta do Governo aos índices extremamente elevados de acidente do trabalho consistiu na criação de cursos de medicina do trabalho e engenharia de segurança para ampliação dos Serviços de Medicina e Segurança das Empresas. Em termos de legislação, foi promulgada a Lei N.º 6.367 de acidentes do trabalho em 19/10/1976 determinando que os 15 primeiros dias após os acidentes fossem pagos pelo empregador e também a eliminação do pagamento de pecúlio por pequenas perdas sem repercussão sobre a atividade profissional.

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Dentro do conjunto de medidas visando à redução de acidentes de trabalho também podemos incluir a publicação da Portaria N.º 3214 em 8/6/1978 estabelecendo as Normas Regulamentadoras relativas ao Capítulo V da Segurança e Medicina do Trabalho.

Dentre estas Normas, a NR-17 trata de Ergonomia, abrangendo: o levantamento, transporte e descarga de materiais; disposições sobre as bancadas, mesas, escrivaninhas, painéis e sobre os assentos ajustáveis. Esta Norma representou uma ampliação dos artigos da CLT, descrevendo melhor aspectos do mobiliário e área de trabalho; define para os assentos o ajuste da altura de acordo com a estatura do empregado e a natureza da função exercida.

3. Portaria No. 3.751 de 23-11-1990: uma construção social No final da década de 1970, começa a surgir o sindicalismo voltado para a autonomia dos

sindicatos em relação ao Estado. Este movimento tem seu marco com as greves de 1978, realizadas nas indústrias metalúrgicas de São Bernardo do Campo, onde foi negociada diretamente em acordo coletivo a elevação dos salários. A estrutura corporativa dos sindicatos vai aos poucos sendo quebrada através das conquistas dos trabalhadores, como, por exemplo, a formação das Centrais Sindicais, que não são estruturadas por ofício e que têm caráter nacional.

Desta forma, compreende-se também a modificação de postura dos sindicatos frente às lutas por melhores condições de saúde. Ela faz parte de uma proposta mais global do movimento sindical, que tenta criar um caminho através da negociação direta, isto é, diminuindo o poder de controle do Estado e retirando o caráter assistencialista dos sindicatos.

Em relação ao Ministério do Trabalho, em 1983 é realizado o Concurso Público que representa a ampliação dos quadros de médicos do trabalho e engenheiros de segurança. No campo da Saúde Pública, a criação dos Programas de Saúde dos Trabalhadores propõe ações inter-institucionais compreendendo as atividades de assistência a saúde e vigilância dos ambientes de trabalho.

Em relação aos órgãos internacionais, a Organização Pan-americana da Saúde em 1983, propõe a ampliação do conceito clássico da Saúde Ocupacional, designando de Saúde dos Trabalhadores o enfoque que inclui os da Saúde Ocupacional, concentrados tradicionalmente na identificação e controle dos riscos profissionais dentro dos ambientes do trabalho e agregando a compreensão das relações de trabalho/saúde uma visão do tipo estrutural da ocupação como determinante social deste processo.

Este enfoque, mais amplo, traz duas conseqüências importantes quanto à melhoria das condições de trabalho: a primeira é a percepção de que os trabalhadores devem participar na resolução dos problemas e a segunda é que a avaliação do ambiente de trabalho deve abranger aspectos da organização do trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores.

O processo de elaboração da Portaria N.º 3751, é resultado de intensa dinâmica social (Diniz-Silva, 2001). A observação da relação da tenossinovite com o trabalho de digitação teve inicio no Rio Grande do Sul no Centro de Processamento de Dados de um Banco em 1982, que gerou um movimento dos trabalhadores em processamento de dados para o reconhecimento desta doença como do trabalho pelo Ministério da Assistência e Previdência Social.

Em 1986, diante dos numerosos casos de Tenossinovite Ocupacional dos Digitadores, os diretores da área de saúde do Sindicato dos Empregados em Empresa de Processamento de Dados no Estado de São Paulo fizeram contato com a Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo (DRT/SP) buscando recursos para prevenir a referida patologia. Foi constituída uma equipe composta de médicos e engenheiros da DRT/SP e representantes sindicais, que através de fiscalizações a várias empresas verificaram as precárias condições de trabalho e repercussões na saúde destes trabalhadores.

A legislação em vigor não dispunha de nenhuma norma regulamentadora para o trabalho com terminal de vídeo em que os fiscais pudessem se apoiar para obrigar mudanças nas situações das

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empresas, principalmente quanto à forma como era organizada a produção, com todos os estímulos possíveis à aceleração da cadência de trabalho.

Durante 1988 e 1989, a Associação Nacional de Profissionais de Processamento de Dados (APPD Nacional) realizou reuniões com representantes da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho de Brasília, da FUNDACENTRO e da DRT/SP para elaborar uma norma para os profissionais de processamento de dados que estabelecia limites à cadência de trabalho e proibia o pagamento de prêmios de produtividade, bem como, estabelecia critérios de conforto para os trabalhadores em relação ao mobiliário e ambiente de trabalho. Em 1989 o Ministério do Trabalho convocou toda a sociedade civil para que organizasse seminários e debates onde se pudessem colher sugestões para a melhoria de todas as Normas Regulamentadoras. Esses seminários trouxeram várias sugestões de alteração da NR-17, mas eram propostas de modificações pontuais conservando a estrutura geral da norma em vigor. Durante o segundo semestre de 1989 a DRT/SP elaborou um Manual e um Vídeo sobre o trabalho com terminais de vídeo (ROCHA et al., 1989), que representava a tradução e adaptação do texto: Les écrans de visualisation: guide méthodologique pour médecin du travail publicado pelo INRS (Instituto Nacional de Pesquisa Social da França) em 1987. Este material foi usado em Seminário Nacional realizado em dezembro de 1989 em São Paulo, com médicos e engenheiros de 10 Delegacias Regionais do Trabalho do Brasil. Neste Seminário foi discutido que não deveria ser elaborada uma Norma apenas para os profissionais de processamento de dados, pois as Lesões por Esforços Repetitivos eram observadas em outras atividades profissionais. Ao lado disso, a política da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho (SSMT) de Brasília era que fosse elaborada uma norma específica apenas para o setor de processamento de dados. Em fevereiro de 1990, a SSMT pediu à equipe de fiscalização das empresas de processamento de dados da DRT/SP que elaborasse uma nova redação da NR-17 que incluísse as sugestões coletadas, os resultados das discussões do Seminário Nacional, bem como, a proposta de regulamentação das atividades de processamento de dados da APPD Nacional. Neste sentido, foram incluídos itens genéricos para cada aspecto da norma (posto, ambiente, organização do trabalho) que pudessem ser utilizados em diversas situações de trabalho, ao lado do detalhamento de orientações no que se refere ao trabalho com entrada eletrônica de dados. Em março de 1990, a Ministra do Trabalho Dorothéa Werneck assinou a Portaria que mandava conjuntamente para publicação a nova NR-17 e a NR-5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) em evento público na sede da Fundacentro em São Paulo, mas que não foi publicada pela Imprensa Oficial. A apresentação pública do texto iniciou um processo de discussão do seu conteúdo pela sociedade com reuniões técnicas e entre empregadores e trabalhadores.

Em junho de 1990, o Ministro do Trabalho Antônio Rogério Magri assina uma Portaria com uma nova redação à NR-17. Após o seu envio para a publicação foram feitos questionamentos pelos empresários principalmente quanto à questão da inclusão de aspectos da organização do trabalho considerados como internos a empresa.

A proposta resultante desta discussão tripartite foi encaminhada à SSST e publicada em 23/11/90 com alterações, por exemplo, quanto ao levantamento de peso pois a Norma Regulamenta a Consolidação das Leis do Trabalho que permite 60kg de remoção de material sendo retirada a tabela com limites definidos de acordo com o sexo e idade.

O texto final publicado na Portaria N.º 3751 de 23/11/90 representa o resultado de uma negociação tripartite com a participação de representantes dos empregadores, dos trabalhadores e do Ministério do Trabalho. Foram especificadas recomendações para as atividades de processamento de dados e incluídos itens genéricos sobre mobiliário, ambiente de trabalho, equipamentos e organização de trabalho que podem ser utilizados em negociações específicas para outras atividades profissionais.

O enfoque da Saúde dos Trabalhadores é incorporado à NR-17, incluindo a organização do trabalho como aspecto a ser analisado na avaliação das condições de trabalho e aumentando a

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abrangência da Ergonomia conforme definição de Wisner (1987) que a caracteriza como um conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia. A ergonomia propõe um método que possa se beneficiar da participação dos trabalhadores na análise das condições de trabalho e em sua validação.

4. Publicação dos Anexos da Norma Regulamentadora -17 A publicação da Portaria em 23/11/90, a expansão da epidemia de Lesões por Esforços

Repetitivos, depois definidos pela Previdência Social como Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho e a introdução de novos métodos de gestão geraram em muitas empresas a organização de Comitês de Ergonomia que buscam adaptar as situações de trabalho aos trabalhadores.

O Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho do MTE em 2000 e 2001 realizou Treinamento sobre Ergonomia Aplicada a Fiscalização (Diniz-Silva et al, 2001a) com o objetivo de capacitar os Auditores Fiscais do Trabalho ressaltando: a necessidade da indicação precisa da Análise Ergonômica do Trabalho para uma situação específica; a inclusão das recomendações nos relatórios e a possibilidade de ser negociado um cronograma de execução das modificações através da participação dos trabalhadores.

No ano de 2001 foi também elaborado um Manual de Aplicação da Norma Regulamentadora 17 que serviu para subsidiar a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho e dos profissionais de Segurança e Saúde do Trabalhador nas empresas (Diniz-Silva et al, 2001b). Ao lado disto, foi estruturada uma Comissão Nacional de Ergonomia que buscou atuar integrada com outras instituições e iniciou um processo ações conjuntas nacionais para a indústria de calçados, supermercados (check-out); trabalho em teleatendimento; bancos e frigoríficos.

O resultado deste trabalho foi publicado em Nota Técnica sobre o trabalho em pé e sentado e nos Anexos da Norma Regulamentadora 17 (Portaria No. 8 de 30 de março de 2007 sobre o trabalho dos operadores de check-out; Portaria No. 9 de 30 de março de 2007 sobre o trabalho em teleatendimento). Os Anexos foram elaborados a partir de Comissões Tripartites e Consultas Públicas a sociedade via site do Ministério do Trabalho e Emprego resultando numa sistematização de construção de legislação com a participação da sociedade.

Bibliografia Brasil. Alteração da Norma Regulamentadora 17-Ergonomia Portaria N.º 3751 de 23 de

novembro de 1990. São Paulo, 31º ed. 1996. Brasil. Aprova as Normas Regulamentadoras. Portaria N.º 3214 de 8 de junho de 1978. 64º ed..

São Paulo. Atlas; 1984. Brasil. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei N.º 5.452 de 1 de maio de 1943. 64º ed..

São Paulo. Atlas; 1984. Costa NR. Acidentes de Trabalho. In: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

(IBASE). Saúde e trabalho no Brasil. Petrópolis. Vozes; 1982. p. 50-53. Rocha LE. Tenossinovite como doença do trabalho no Brasil: a atuação dos trabalhadores. São

Paulo; 1989. [Dissertação de Mestrado- Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo]. Wisner A . Por dentro do trabalho-Ergonomia: método & técnica. São Paulo, FTD-Oboré, 1987. Rocha, L.E.; Martins, M.C.; Diniz-Silva, C.A; Ferreira Junior, M. O trabalho com os terminais de

vídeo. São Paulo, Delegacia Regional do Trabalho, 1989. 45 p.(tradução e adaptação do manual do Institut National de Recherche et de securite: Les écrans de visualisation: guide méthodologique pour le médecin du travail. 4ª er. Paris,inrs, 1987)

Diniz-Silva. Histórico da NR-17 In: Diniz-Silva, C.; Peres, C.C; Arueira, L.S.; Rocha, L.E.; Moure, M.L.; Gawryszewski, M; Oliveira, P.A.B.O.; Leão, R.D. Apostila para Treinamento de Auditores Fiscais do Trabalho. MTE,2001a.

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Diniz-Silva, C.; Peres, C.C; Arueira, L.S.; Rocha, L.E.; Moure, M.L.; Gawryszewski, M; Oliveira, P.A.B.O.; Leão, R.D. Manual de Aplicação da NR-17. MTE,2001b.


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