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Ano 1 Número 2
ISSN 2526-0340 2017
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Segurança no Oriente Médio: um teste para a política
externa brasileira
Tanguy Baghdadi1
(UERJ)
Resumo
O trabalho tem por objetivo apresentar as particularidades do relacionamento entre
o Brasil e os países do Oriente Médio pelo viés da segurança internacional. O artigo
argumenta que a política externa brasileira interpreta uma eventual atuação destacada em
temas da região como um indício de maturidade do país em temas de segurança. Tal
atuação teria potencial para comprovar a capacidade da diplomacia brasileira de assumir
maiores responsabilidades e maior protagonismo nesta seara.
Abstract
The presente work aims at presenting the particularities of the relationship
between Brazil and the Middle East countries through the international security issues.
This paper argues that the brazilian foreign policy perceives a distiguished performance
towards the region as a sign of maturity in matters of international security. Such a
performance has the potential to prove the ability of the brazilian diplomacy to assume
greater responsibilities and prominence in the security field.
1. Introdução
1 Professor de Relações Internacionais da UERJ, Curso Clio, Universidade Veiga de Almeida e Ibmec. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]; Currículum Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8241172T7
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Os estudos sobre a política externa brasileira podem seguir diversos caminhos,
sendo dois deles os mais tradicionais. A abordagem holística visa a descrever as políticas
de inserção brasileira no mundo, como resultado da condição interna do país e em resposta
ao contexto político internacional. As vantagens desta abordagem são a visão global
acerca da posição do Brasil no mundo e suas tendências de aproximação/afastamento de
diversos atores internacionais, como países, continentes, blocos econômicos e organismos
internacionais, que nos permitem uma descrição sobre a agenda do Brasil diante do
mundo. Esta abordagem nos apresenta os movimentos da política externa brasileira em
movimentos históricos, com grandes linhas de tendências e paradigmas, que podem ser
compreendidos de forma estrutural, por acompanharem os principais fatos do Brasil e do
mundo.
A segunda abordagem é mais particular, e descreve as políticas brasileiras para
cenários mais específicos e bem determinados. Esta abordagem funciona como uma
descrição pormenorizada das ações práticas do país em contextos determinados e trata de
uma infinidade de temas, como as relações bilaterais, os votos brasileiros em organismos
internacionais, as viagens diplomáticas e outras ações que poderiam ser descritas como
partes da rotina internacional mas que, vistas em perspectiva, nos contam os detalhes que
formam o quadro geral.
Estas abordagens são complementares e dialogam constantemente. Ao passo que
a primeira é capaz de nos apresentar a estratégia brasileira (ex.: promoção do
desenvolvimento; inserção internacional; credibilidade), a segunda nos apresenta a tática
empregada a cada passo dado. A abordagem particular, portanto, nos conduz para uma
compreensão acerca dos passos dados pela política externa do país em direção a um
objetivo holístico mais amplo, normalmente intangível.
O objetivo deste trabalho se concentra na segunda abordagem, como tentativa de
explicar um objetivo amplo do país: a obtenção de relevância e influência no plano da
segurança internacional, que é buscada desde – pelo menos – o início do século XX.
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Nosso olhar se centra nas relações empreendidas pelo Brasil junto ao Oriente Médio ao
longo dos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e do primeiro mandato de
Dilma Rousseff (2011-2014), com o argumento de que a tática implementada pelo
Itamaraty visa à obtenção de resultados estratégicos, amplos, que teriam, aos olhos do
Itamaraty, força para mudar a inserção brasileira no mundo.
Para tal, abordaremos o histórico de relações entre o Brasil e o Oriente Médio –
região de baixa prioridade para a política externa brasileira – e os objetivos táticos de suas
diferentes fases. Argumentamos, por fim, que a aproximação mais recente do país
responde ao objetivo estratégico de ampliar a capacidade de influência brasileira nos
temas de segurança internacional.
2. O Brasil e a segurança internacional
O objetivo brasileiro de ser reconhecido como um país influente em meio aos
temas internacionais não é recente. Desde, ao menos, o início do século XX, o país
argumenta, repetidas vezes, o merecimento de uma participação protagônica nos
principais assuntos tratados internacionalmente, pela percepção de que seus objetivos de
longo prazo seriam defendidos caso a voz brasileira fosse ouvida nos principais foros
internacionais. Não há ilusões, por parte do Brasil, de que seja possível obter excedentes
de poder capazes de alterar o cenário internacional em favor do país, mas a participação
em meio àqueles que decidem os rumos da política internacional é visto como
merecimento do segundo maior país das américas, dotado de potência latente e inegável.
Por ser um dos países mais extensos territorialmente, líder regional, potente
economicamente e capaz diplomaticamente, o país pleiteia o direito de defender os seus
interesses em meio aos principais foros decisórios internacionais. Decerto, tais foros
tratam, primordialmente, de temas relacionados à segurança internacional, pela própria
natureza do sistema de Estados westfaliano. Tal prevalência dos temas de segurança
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internacional é reforçada com as duas Guerras Mundiais ocorridas na primeira metade do
século XX. Se tais conflitos reforçam a temática da segurança como elemento inescapável
e central das relações internacionais contemporâneas, passam a se confundir os principais
foros decisórios internacionais e as instâncias que lidam com a segurança internacional.
Exemplos nítidos são o Conselho da Liga das Nações e o Conselho de Segurança da ONU,
responsáveis pela tomada de decisões e preocupados, primordialmente, com a segurança
internacional.
Neste cenário, participar ativamente da política internacional significa participar
ativamente de foros especializados em lidar com temas de segurança. O reflexo sobre o
Brasil é inevitável: o país passa a ter como objetivo, desde o princípio do século XX, a
inserção nos principais foros de segurança dos organismos multilaterais. Os argumentos
em torno da vocação brasileira para o protagonismo internacional são materializados em
pleitos por vagas permanentes nos conselhos da Liga e da ONU.
Tais argumentos foram desvelados quando da criação da Liga das Nações, em
1919, quando o Brasil apresenta como credenciais o seu status de membro fundador da
organização, de modo a se apresentar como detentor natural a uma vaga no Conselho da
Liga. Se, durante o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922), o país se contentava com
uma vaga rotativa no Conselho da Liga, o governo de Artur Bernardes (1922-1926)
mudou a postura nacional a partir do momento em que a presença no Conselho se viu
ameaçada:
“Foi o governo Artur Bernardes que fez da campanha ao assento permanente do
conselho o seu objetivo diplomático fundamental, conscientemente perseguido desde
1923, para o qual se voltaram os maiores esforços da chancelaria” (GARCIA, 2000, p.
74).
O fracasso da argumentação brasileira não levou ao abandono do objetivo. A
negativa do congresso norte-americano em aderir à Liga das Nações abriu oportunidade
para que o Brasil se lançasse como sucessor natural da vaga originalmente destinada aos
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Estados Unidos. A proposta apresentada por Afrânio de Melo Franco, então embaixador
brasileiro junto à Liga, consistia na criação de uma vaga interina, em que o Brasil
substituiria os Estados Unidos enquanto estes não solucionassem as contradições que
impediam o país de assumir seu posto. Este argumento somou-se à ideia dos “serviços
prestados” a este organismo internacional pelo Brasil, que contabilizava ativa
participação nos mais diversos temas tratados, mesmo que não houvesse qualquer relação
com o contexto regional brasileiro ou com seus objetivos mais imediatos. A insistência
brasileira durou até 1926, quando a frustração dos objetivos brasileiros foi sacramentada
pelo resultado dos Acordos de Locarno, que previam o ingresso da Alemanha como
membro permanente, e o Brasil finalmente desistiu da vaga e se retirou da Liga das
Nações (GARCIA, 2000).
A criação da ONU, em 1945, atualizou os objetivos brasileiros, que passavam pela
obtenção de uma vaga permanente no Conselho de Segurança. O pleito nacional trazia
como herança da Segunda Guerra Mundial o bom relacionamento com o presidente norte-
americano Franklin Roosevelt, que chegou a declarar apoio às pretensões brasileiras. O
falecimento de Roosevelt e a resistência de russos e britânicos em oferecer ao Brasil uma
vaga permanente no Conselho de Segurança adiou novamente o objetivo nacional de
ganhar proeminência e voz destacada no mais importante foro multilateral.
Desde então, o Brasil retomou algumas vezes o discurso de uma reforma do
Conselho de Segurança – tido como pertencente a uma estrutura de poder anacrônica,
oriunda da primeira metade do século XX, incapaz de conduzir as Nações Unidas para
debater eficazes no plano da segurança internacional. A invasão norte-americana ao
Iraque, em 2003, ocorrida sem a autorização do Conselho de Segurança, abriu espaço
para que o secretário-geral da ONU apresentasse um plano de renovação de toda a
organização, tendo o conselho como órgão de maior destaque em meio aos objetivos de
reforma. A partir de então, o Brasil reforçou sua candidatura a uma vaga de membro
permanente na organização, propagando a necessidade de uma democratização dos foros
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multilaterais. A candidatura brasileira se justificava pelas credenciais regionais do Brasil,
capaz de manter seu entorno regional sem conflitos de grande monta.
Comum a todas as investidas brasileiras por assentos permanentes no foros
decisórios é a confiança da diplomacia brasileira na vocação para assumir
responsabilidades no plano internacional. Os exemplos supracitados não esgotam as
tentativas brasileiras de demonstrar sua capacidade de lidar com os principais dilemas
internacionais, ainda que não tenha a pretensão de fazê-lo da mesma forma que fazem as
grandes potências. Todos os permanente do Conselho de Segurança são potências
militares e nucleares, com amplas capacidades de ação no plano internacional. Tal hard
power não é almejado pelo Brasil, que possui baixos investimentos em capacitação
militar. Os argumentos mais fortes para a obtenção de um espaço destacado no cenário
internacional passam, aliás, pela sua diferença diante dos atuais membros permanentes: a
aplicação dos valores da política externa brasileira no plano internacional. O
protagonismo almejado pelo Brasil se pauta na constante busca pela solução pacífica de
controvérsias, diálogo, não-intervenção, defesa da soberania e prevalência dos direitos
humanos e do direito internacional. A liderança exercida pelo Brasil não seria exercida
com base no temor de eventuais intervenções militares, mas com novos paradigmas de
garantia da estabilidade internacional.
O argumento brasileiro ganha força quando se leva em consideração o entorno
regional no qual o país está inserido. A América do Sul apresenta altos índices de
violência civil e urbana e graves problemas relacionados a crimes transnacionais, mas
com baixa incidência de conflitos interestatais. Regionalmente, o último conflito
importante no qual se envolveu o Brasil foi a Guerra do Paraguai (1864-70). Não podemos
afirmar a inexistência de tensões posteriores, como no caso da das rusgas com a Argentina
em torno da construção das hidrelétricas, nos anos 1970, mas todos os casos foram
contornados de forma negociada e sem uso da violência.
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Similarmente, a costa brasileira não é objeto de tensões graves. A Guerra da
Lagosta (1961-63) recebe este nome pelo deslocamento de forças navais francesas para
uma região próxima às águas territoriais brasileiras, mas não foi disparado um tiro sequer.
A ampliação do mar territorial brasileiro, de 12 para 200 milhas, no início dos anos 1970,
levou a tensões pontuais e localizadas com os Estados Unidos, em episódio no qual forças
brasileiras dispararam tiros de alerta pela proximidade de embarcações norte-americanas.
As tensões, no entanto, se dissiparam sem traumas duradouros.
A manutenção desta estabilidade não é casual. Como maior país da América
Latina, o país se esforçou para construir uma estrutura internacional que evitasse a eclosão
de conflitos na região. A partir da Proclamação da República, o país passou a ter como
estratégia de solução de contendas regionais o recurso às arbitragens, que ajudaram a
consolidar as fronteiras com a Argentina (arbitramento do presidente dos Estados Unidos,
1895) e com a França, no caso da Guiana Francesa (arbitramento suíço, 1900). O recurso
a soluções referenciadas pelo direito internacional garantia alternativas seguras e
pacíficas de encerrar contenciosos.
Mesmo sem ser parte dos conflitos ocorridos na região, se dispôs a ser parte da
solução, como nos casos da Guerra do Chaco (1932-1935), entre Bolívia e Paraguai, em
que Brasil e Argentina mediam o conflito; conflito na região de Letícia, entre Colômbia
e Peru (1933), em que o Brasil coopera com a Liga das Nações e oferece bons ofícios; e
nas hostilidades entre Peru e Equador (1941-1942), em que o Brasil agiu em conjunto
com Argentina, Chile, e Estados Unidos para promover a assinatura de um Protocolo de
Paz, no Rio de Janeiro. O compromisso com a estabilidade regional, expresso no discurso
brasileiro, reforça a ideia de uma liderança positiva exercida pelo país.
Muito embora o discurso diplomático afirme a busca pela estabilidade regional
como um fim, um olhar mais pragmático pode enriquecer o debate. A estabilidade
regional pode ser compreendida, alternativamente, como uma arquitetura geopolítica, que
garantia uma posição privilegiada em meio a um continente estável e pacífico. Segundo
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Geraldo Cavagnari Filho, pode-se compreender a política regional brasileira ao longo do
século XX como estratégias justificadas pelo discurso da diplomacia brasileira, que se diz
pacifista e sem preocupações com o poder” (CAVAGNARI FILHO, 2000), mas pensadas
a partir de uma lógica geopolítica:
Os esquemas elaborados por geopolíticos brasileiros os induziram a atribuir ao
Brasil intenções hegemônicas. (...) Para eles, o Brasil executava uma política
de poder, tendo em vista: manter o status quo territorial, não permitindo
nenhuma revisão das fronteira – ou pela via militar, ou daquelas juridicamente
legitimadas –; integrar os países vizinhos em sua esfera de influência no Prata;
manter os países vizinhos virtualmente separados; aumentar sua capacidade
militar; exercer efetivamente a hegemonia regional. (CAVAGNARI FILHO,
2000, p. 122)
Ainda que possa haver intenções subjacentes à busca pela estabilidade regional,
as ações brasileiras comprovam que o comprometimento com a estabilidade regional se
reflete em ações práticas. Até mesmo as exceções são marcantes. Um exemplo é a
participação de tropas brasileiras na Força Interamericana de Paz, idealizada pelos
Estados Unidos, na República Dominicana, em 1965. Tal é a estranheza causada pela
participação em ações militares desta natureza, com a retomada do alinhamento
ideológico aos Estados Unidos, que Amado Cervo caracteriza tal período como “passo
fora da cadência” (CERVO E BUENO, 2002).
Nos anos 1980, em um contexto no qual eventuais instabilidades políticas e
militares eram vistas como antagônicas à recuperação econômica, tão desejada pela
América Latina, o país assumiu novo papel de liderança, e obteve resultados importantes
– mesmo que simbolicamente. Em 1986, foram criados o Grupo do Rio, que estimulou o
diálogo entre os países da América Latina para garantir a estabilidade regional, sobretudo
para evitar intervenções norte-americanas; no mesmo ano, a Zona de Paz e Cooperação
do Atlântico Sul (ZOPACAS) criou espaço institucional para a intensificação do diálogo
entre países sul-americanos e africanos, para garantir a estabilidade regional. Ambas as
iniciativas deste ano simbolizam a intenção brasileira de reduzir as instabilidades na
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região, o que ajuda a consolidar a percepção da América Latina como região
desmilitarizada e desnuclearizada (RUCKS, 2014).
Mais recentemente, as criações da UNASUL (2008) e da CELAC (2011)
apresentaram objetivos coerentes com as iniciativas descritas até aqui. Ambas tem como
objetivos a promoção do diálogo entre os países da América do Sul e América Latina e
Caribe, respectivamente, com vistas à manutenção da estabilidade regional. Cumpre
ressaltar que o Brasil tem se envolvido – via UNASUL – em iniciativas dedicadas à
estabilização das relações entre países (como no caso do rompimento de relações entre
Colômbia e Venezuela, 2010) e na promoção de negociações para pacificar a política
interna dos países. Exemplo recente foi a criação da Comissão de Chanceleres da
UNASUL, para a estabilização da Venezuela, em momento de agravamento da crise
política e econômica, em maio de 2015.
No plano extra-regional, no entanto, o Brasil possui exígua experiência em temas
relacionados à segurança. Uma vez que o país se encaixa em uma região com baixa
intensidade de conflitos, a participação brasileira no cenário da segurança internacional
se dá, tradicionalmente, pelo engajamento em Missões de Paz. A participação nestas
missões, sob a responsabilidade da ONU seria capaz de demonstrar a disposição em
participar de forma ativa em temas de importância inegável para a estabilidade
internacional, mas sem recorrer à violações da soberania ou uso intensivo da força. Chama
a atenção o fato de o Brasil ser crítico do uso do capítulo VII da Carta das Nações Unidasi,
o que reforça a noção de que, para o país, as operações de paz devem ser um exercício de
solução pacífica de controvérsiasii. Exemplos eloquentes desta disposição brasileira são a
participação na United Nations Emergency Force (UNEF), que esteve engajada na
solução para as tensões decorrentes da nacionalização do Canal de Suez por mais de uma
década, entre 1956 e 1967 (BATISTA, 2004) e na MINUSTAH (iniciada em 2004), na
qual atua como uma das principais lideranças.
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3. Quero ser grande
A despeito da baixa intensidade da participação brasileira no plano da segurança
internacional, demonstrada na seção anterior, o país demonstra, há mais de um século, a
intenção de participar de forma ativa dos principais foros decisórios internacionais. Como
argumentamos, a exígua participação brasileira em temas de segurança internacional
representaria uma vantagem, por provar que o país é capaz de implementar os princípios
e valores de sua política externa em favor da estabilidade mundial. A inclusão do Brasil
nos principais foros decisórios – foros que versam sobre temas de segurança – seria um
investimento internacional em alternativas não-conflitivas para a solução de
controvérsias.
É neste, que é o principal argumento em favor do Brasil, que reside o dilema da
posição brasileira. Por um lado, o país busca insular seu entorno regional de ameaças a
segurança, com iniciativas de concertação política, solução pacífica de controvérsias e
difusão de valores de cooperação e diálogo, tanto na América Latina quanto no Atlântico
Sul. Por outro lado, deseja obter espaço em foros decisórios internacionais, que lidam
prioritariamente com temas relacionados à garantia da segurança internacionaliii. Muito
embora não se possa questionar a pertinência do pleito brasileiro, que tem por objetivo
levar para o plano internacional uma experiência regional bem-sucedida em evitar
conflitos de grandes proporções, a diminuta experiência brasileira na solução de conflitos
internacionais joga contra o argumento brasileiro. Ao passo que o Brasil alardeia seu êxito
na construção de um entorno regional estável, é possível argumentar que a América
Latina é estruturalmente estável. Caso este argumento seja aceito, a proeminência
diplomática brasileira evanesce e resta apenas a percepção de que o Brasil é um país
inexperiente e incapaz de lidar com instabilidades de grande monta. Neste sentido, a
eventual admissão do país como membro permanente do Conselho de Segurança
significaria o ingresso de um estado pouco experimentado, com pouco a contribuir em
momentos de tensão e insignificante em termos de poderio militar.
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O discurso da diplomacia brasileira gira em torno da maturidade diplomática do
país, que confere ao Brasil a capacidade de arcar com responsabilidades no plano da
segurança internacional. A assunção da liderança à frente da MINUSTAH representa uma
das tentativas de mostrar que seus valores são aplicáveis ao cenário internacional e que a
estabilização regional é resultado destes.
A aplicação dos valores da diplomacia brasileira para outras regiões seria uma
forma de mostrar que a pacificação do entorno regional é um mérito do Brasil, e não um
elemento que desabona o país em seu objetivo de ampliar sua atuação internacional. A
América Latina é apresentada como um caso de sucesso no plano da segurança
internacional, e não o celeiro de uma potência média despreparada para uma atuação
ampla no plano da segurança internacional.
Com o passar do tempo, a reforma do Conselho de Segurança perdeu força, mas
o objetivo brasileiro de ganhar relevância internacional a partir de uma atuação sólida no
campo da segurança internacional se manteve. A crise financeira de 2008 trouxe à tona a
necessidade de novas lideranças mundiais, e os grandes estados emergentes surgiam
como partes das soluções internacionais – e não mais dos problemas. A consolidação dos
BRICS como ator central para a recuperação econômica mundial, o reforço das relações
sul-sul e o bom momento econômico vivido pelo Brasil alçavam o país a uma posição de
possível liderança periférica.
Neste contexto, no entanto, voltava a pesar a exígua atuação do país nos temas de
segurança internacional, diferentemente de China, Rússia e Índia, outras potências
emergentes, que possuem larga experiência na seara da segurança internacional. O
protagonismo do Brasil dependia de sua capacidade de provar sua capacidade de auxiliar
na pacificação de contextos regionais importantes internacionalmente.
Na próxima seção, abordaremos as relações entre o Brasil e o Oriente Médio e
argumentaremos que o país se engajou na solução de tensões nesta região como forma de
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comprovar sua capacidade de assumir responsabilidades ampliadas no plano da segurança
internacional.
4. O Brasil e o Oriente Médio
Nizar Messari (2005) constata que o “o mundo árabe representa uma das áreas
de baixa prioridade para a política externa brasileira”. Está claro que o foco do nosso
estudo não está nas relações entre o Brasil e o mundo árabe, mas nas relações com o
Oriente Médio. Ainda assim, a lógica se aplica. A inclusão de Turquia, Irã e Israel – países
não-árabes do Oriente Médio – não altera a análise promovida por Messari, uma vez que
a região não é, historicamente, prioritária para a política externa brasileira. Chama a
atenção o fato de Luiz Inácio Lula da Silva ter sido o primeiro presidente brasileiro a
visitar a regiãoiv, em seu primeiro ano de mandato, o que denota a diminuta relevância
desta região para a diplomacia brasileira.
O histórico do relacionamento entre o Brasil e o Oriente Médio pode ser traçado
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o que não significa que o país tenha passado a
demonstrar interesse pela região em si. Nota-se que os diferentes momentos de
aproximação à região respondem a impulsos sistêmicos, e não se traduzem em uma
disposição brasileira em se envolver com as principais temáticas da região, tampouco em
manter a proximidade em momentos de instabilidades na região. A inabilidade brasileira
de lidar com os países devia-se ao fato de a região ser distante, pouco promissora para os
objetivos nacionais brasileiros e turbulenta politicamente. Os custos da aproximação
superavam os benefícios oriundos dela.
Isso não significa, no entanto, que não tenhamos tido momentos de interação.
Nota-se, no entanto, que as iniciativas de contato não se converteram em relacionamentos
duradouros nem imunes às instabilidades médio-orientais. Outros temas da política
externa, mais imediatos, urgentes ou compreensíveis pelo governo e a sociedade
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brasileira, obtiveram prevalência nas atenções dedicadas pelo Brasil à região. Em suma,
o país demonstrava pouco interesse pelo Oriente Médio em si, e as iniciativas de
aproximação se sustentavam em interesses diversos – mas não pela compreensão da
dinâmica política médio-oriental, suas necessidades ou seus dilemas.
Um olhar sobre os diferentes objetivos estratégicos definidos pela diplomacia
brasileira desde 1945 nos permite interpretar os movimentos de aproximação ao Oriente
Médio como manobras táticas, relacionadas a outras agendas, tidas como centrais para o
Brasil.
A política externa brasileira do imediato pós-Guerra é caracterizada pelo
“alinhamento automático”, uma vez que o governo de Eurico Gaspar Dutra priorizou as
relações com os Estados Unidos acima de qualquer outra parceria. A política externa do
período, conduzida por Raul Fernandes, determinou como agenda primordial da inserção
brasileira a manutenção das relações especiais entre os dois países, como suposto legado
do relacionamento entabulado pelos presidentes Getúlio Vargas (1930-45) e Franklin
Roosevelt (1933-45) desde os momentos que antecederam a eclosão da Segunda Guerra
Mundial.
A prioridade conferida pelo Brasil aos Estados Unidos moldou as relações do
Brasil com alguns países e regiões, como percebe-se na ocasião do rompimento de
relações diplomáticas com a União Soviética (1947)v e pelo reconhecimento da República
da China (Taiwan) como representante legítimo da vaga chinesa na ONU e,
consequentemente, no Conselho de Segurança.
As relações com o Oriente Médio foram igualmente influenciadas pela prioridade
conferida às relações com os Estados Unidos.
O então ex-chanceler Oswaldo Aranha teve papel fundamental no processo de
criação do Estado de Israel. Como presidente da II Assembleia Geral, em 1947, Aranha
ajudou na aprovação do projeto defendido pelos Estados Unidos para a estabilização da
região, com um projeto de dois estados. Tal projeto dava autonomia completa ao estado
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de Israel, e se contrapunha ao projeto defendido pelos árabes, que defendiam um estado
único, no formato de uma federação. Neste modelo, os árabes garantiriam a maioria
populacional, e a população judia teria um território autônomo, mas com limites
numéricos para a chegada de migrantes. Ainda que o presidente da Assembleia Geral
tenha demonstrado imparcialidade, a condução das votações favorecia a proposta
defendida pelos Estados Unidos: “Há documentos que sugerem haver o Presidente da
Assembléia Geral, Oswaldo Aranha, efetuado manobras dilatórias para permitir aos
Estados Unidos angariar o número de votos necessários à aprovação do plano” (ROSA,
2000, pág. 436). Tais manobras não foram um acaso, mas uma orientação do chanceler
Raul Fernandes: “Em telegrama a Aranha, Fernandes orientava a delegação a votar
‘acompanhando, em caso de uma decisão concreta da Assembléia sobre o assunto, o voto
dos Estados Unidos da América’ (Fernandes a Aranha, AHI, telegrama 122, 12/09/47)”
(VIGEVANI E KLEINAS, 1999, pag 8). O projeto que previa a criação de dois Estados
foi aprovado, ainda que o Estado palestino não tenha se tornado realidade.
Norma Breda argumenta que as relações do Brasil com a região, particularmente
no tocante ao conflito Israel-Palestina, passaram a ser marcadas por uma linha de maior
autonomia a partir da criação do Estado de Israel (BREDA, 2014). A abstenção brasileira
na Assembleia Geral quando do ingresso de Israel como membro da ONU, em 1949, se
justificou pela reticência israelense diante do pedido de esclarecimentos acerca da
administração de Jerusalém e da condição dos refugiados árabes (idem). É inegável que
tal gesto representa uma atualização da postura brasileira que, muito embora mantivesse
uma postura de alinhamento aos Estados Unidos, já imprimia maior liberdade no trato
com os temas médio-orientais. Tal postura brasileira era sustentável por não serem as
relações com Israel ou com o restante do Oriente Médio cruciais para a política externa
brasileira: “A posição brasileira, sem dúvida cautelosa, aponta para o fato de que suas
relações com Israel (...) não interferiam significativamente nas principais relações
externa do país” (VIGEVANI e KLEINAS, 1999, Pag 35), tendo o Brasil aberto uma
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legação diplomática neste país em 1952 (CASARÕES e VIGEVANI, 2014). Ainda assim,
as relações com os Estados Unidos não deveriam ser ameaçadas por qualquer ação
brasileira diante do Oriente Médio, visto como uma região de importância diminuta para
o Brasil.
Ao longo dos anos 1950 e 1960, a postura brasileira diante da temática Israel-
Palestina é de “total equidistância”, segundo o Ministério das Relações Exteriores
(ROSA, 2000), o que não impede o país de, em nome do prestígio internacional, se propor
a encontrar soluções para a região. É notável a participação brasileira, em conjunto com
a Argentina, na formulação da Resolução 242 (CSNU/1967), base para os debates
posteriores acerca da questão palestina, sobretudo pela sua ênfase na retirada de tropas
israelenses dos territórios ocupadosvi.
Outra participação importante do Brasil no cenário médio-oriental se deu na
operação de paz da ONU na região de Suez. Entre 1957 e 1967, o país contribuiu com
tropas para a estabilização do Egito, com participação na United Nations Emergency
Force (UNEF), considerada a primeira grande operação de paz da ONUvii. O país chegou
a ter dois comandantes à frente da operação de pazviii e enviou 3.305 soldados no total
(BREDA, 2014), nesta que visava a contornar as instabilidades decorrentes da
nacionalização do Canal de Suez pelo Egito, então presidido por Gamal Abdel Nasser, e
da consequente operação militar iniciada por França, Reino Unido e Israel.
Nesta ocasião, o Brasil dá continuidade ao seu engajamento em operações de paz,
iniciado nos anos 1930, na cooperação com a Liga das Nações em prol da estabilização
da contenda na região de Letícia. Nota-se que tal participação ainda não representa uma
visão lúcida acerca da complexidade médio-oriental, mas a intenção de se mostrar
disposto a cooperar com temas cruciais para a estabilidade internacional: “(...) esta
participação não revelava ainda uma visão própria dos conflitos do Oriente Médio, que
continuavam a ser percebidos basicamente como reflexo do jogo de poder entre as
Grandes Potências” (ROSA, 2000). A participação brasileira denotava o ativismo
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nacional em torno do multilateralismo, visto como capaz de dotar o país de prestígio
internacional (UZIEL, 2010).
As iniciativas diretas, por sua vez, são pontuais – mas não sem relevância – como
na assinatura de parcerias de cunho tecnológico com Israel, em 1962, com destaque para
a cooperação em agricultura, e no fomento a parcerias comerciais e econômicas com
países árabes, como Arábia Saudita, Iraque, Kuait e Emirados Árabes (idem).
A crescente importância do petróleo nos anos 1970 abre espaço para uma mudança
na postura brasileira. A necessidade de garantir acesso ao petróleo, para manter as taxas
de crescimento econômico observadas desde o fim dos anos 1960, levou o Brasil a iniciar
diálogo com os países árabes, sobretudo após o Choque do Petróleo (1973). Como reação
à derrota na Guerra do Yom Kippur, as nações árabes levaram a OPEP e diminuir a
produção de petróleo, acarretando em aumento dos preços. De modo a diminuir o impacto
no crescimento econômico brasileiro, o país iniciou o diálogo com os países árabes, com
o objetivo de obter vantagens na compra de petróleo, a partir de um tema que se destaca
em meio à agenda dos países árabes: a criação de um estado palestino. O tema ganhara
destaque ainda maior desde a Guerra dos Seis Dias (1967), e abria a oportunidade para
que o país ganhasse a simpatia dos países da região. As principais ações do Brasil giraram
em torno do reconhecimento da legitimidade do pleito palestino. Tal postura foi
consagrada com o reconhecimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP),
em 1975, em um momento em que países como Israel e Estados Unidos a consideravam
uma entidade terrorista. Seguindo o mesmo caminho, o país apoiou a Resolução
3379/1975 da Assembleia Geral, que reconhecia o sionismo como forma de racismo. Tais
atitudes geraram um afastamento do país diante de Israel, e propiciaram ao país uma
aproximação diante dos países árabes. Entre meados dos anos 1970 e o fim dos anos 1980,
o país conseguiu acesso facilitado ao petróleo dos países árabes, e ainda encontrou
mercado para a venda de produtos, como alimentos, automóveis e armamentos, sobretudo
para o Iraque.
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Não há dúvidas de que a aproximação promovida pelo Brasil junto aos árabes foi
facilitada pelo posicionamento assumido pelo Brasil diante de um tema tipicamente
médio-oriental – a criação de um estado palestino. Mas é importante notar que as
motivações para tal aggiornamento se referem às condições econômicas do Brasil e à
percepção de que tal aproximação significaria um impulso para o desenvolvimento
nacional. A queda na importância econômica da região para o Brasil explica o
afastamento percebido nos anos 1990. Apesar de o Oriente Médio apresentar grandes
oportunidades para a participação do Brasil em temas relacionados à estabilidade da
região, a diminuta importância econômica da região selou o afastamento brasileiro.
Alguns fatores contribuíram para que o Brasil não insistisse na manutenção do
relacionamento bilateral. O Iraque, principal parceiro do Brasil na região, passava por
uma intervenção norte-americana, o que prejudicou o comércio bilateral e os
investimentos. Símbolo da deterioração das relações econômicas foi a falência, em 1993,
da Engesa, produtora de armamentos brasileiros, que não resistiu ao embargo econômico,
que a impediu de vender armamentos para o país de Saddam Hussein. Em meio a tais
instabilidades, a tomada de mais de 400 brasileiros feitos reféns pelo governo iraquiano,
em 1991, gerou tensões no Brasil. A missão diplomática liderada por Paulo Tarso Flecha
de Lima obteve êxito na libertação dos reféns – funcionários de empresas brasileiras que
atuavam no Iraque – mas mostrou que os custos de lidar com uma região tão instável era
alto. O Brasil não parecia disposto a arcar com os custos de atuação em uma região
envolvida em conflitos que o país não compreendia com precisão – e não parecia disposta
a fazê-lo.
No mesmo contexto, a reativação do processo de paz entre israelenses e palestinos
se deu sem que o país demonstrasse interesse em participar, ao mesmo tempo em que a
política externa brasileira investia seus esforços na aproximação junto aos Estados Unidos
e Europa, além de exercer liderança diante do processo de integração regional, com a
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criação do Mercosul. Regiões menos importantes do prisma econômico, como Oriente
Médio e África, perderam a importância que haviam reunido nos anos 1980.
A visão geral do relacionamento brasileiro com a Oriente Médio entre os anos
1950 e 1990 apresenta um quadro no qual o país se aproxima desta região de forma
pontual e motivado por elementos econômicos e comerciais. A participação do país na
UNEF possui uma característica diferente: o envio de tropas não soa como um interesse
de cunho econômico. Tampouco a política externa brasileira demonstrava um interesse
aprofundado na dinâmica regional. O objetivo nacional com tal participação se mostrava
como uma demonstração nacional de que era capaz de participar de temas centrais para a
segurança internacional. O envio de tropas para operações de paz surge como uma opção
para apresentar um engajamento do país com temas de segurança internacional, mas sem
a necessidade de se envolver com temas de alta intensidade, em que os custos são altos,
em termos humanos, políticos e financeiros.
A política brasileira para o Oriente Médio passou por uma nova mudança a partir
da ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência. O Brasil abandona a abordagem
a partir da qual a aproximação ao Oriente Médio dependia de motivação econômica e
passa a enxergar na região uma possibilidade de afirmar seu objetivo de atuar em temas
globais. A política externa dos governos de Lula foi marcada pela projeção da imagem
brasileira para além da esfera de atuação tradicional do país. O Brasil se mostrava mais
disposto a correr riscos e assumir responsabilidades, ciente de que os benefícios seriam
proporcionais ao esforço. No período que vai de 2003 a 2010, o país obteve destaque
junto a diversos grupos de países, o que reforçou o prestígio do país no plano
internacional. Iniciativas como as já mencionadas Unasul e Celac somam-se a outras,
como IBAS, BRICS, Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), Cúpula África-
América do Sul (ASA), além do fortalecimento das posições brasileiras em foros
comerciais e financeiros, como o G20.
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No entanto, o prestígio e o destaque da posição brasileira dependiam de sua
capacidade de lidar com temas relacionados à segurança internacional e as relações com
o Oriente Médio, que ganhavam força com a diversificação de parcerias, se mostravam
como um opção viável para demonstrações de engajamento em conflitos internacionais.
O posicionamento do país nas tensões entre Israel e Palestina foi uma demonstração de
que a falta de disposição brasileira em participar das negociações na região havia sido
superada. O país afirmou seu engajamento com a solução pacífica deste impasse histórico
e obteve destaque ao participar da Conferência de Anápolis, em 2007:
Sobre a Conferencia de Annapolis, Amorim observa que, apesar de um grande
numero de paises ter participado da conferencia, em torno de 50, o Brasil, a
India e a Africa do Sul eram os unicos convidados que nao faziam parte da
regiao nem do mundo islâmico, nao tinham uma relaçao mais direta com o
conflito israelo-palestino, nao eram potencias coloniais, tampouco tinham
grandes interesses materiais a proteger, como o petroleo. Assim, o convite para
participar da conferencia era “o reconhecimento de uma tese, que temos
defendido há muito tempo, de que paises em desenvolvimento [...] de fora da
regiao [...] podem trazer uma contribuiçao nova a questões que sao sempre
tratadas dentro de uma otica antiga – e sem resultados”. (AMORIM, 2011, p.
145-146, 190). (BREDA, 2014, pag 205)
Ainda no tocante ao conflito entre Israel e Palestina, o governo Lula afirmou, em
seus últimos momentos, em dezembro de 2010, o reconhecimento do estado palestino nas
fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967), momento no qual Israel ocupou a
Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Há cuidado com a manutenção da sobriedade deste
reconhecimento, uma vez que vem juntamente com a reafirmação da necessidade de
garantia da segurança de Israel, o que denota a disposição do país em não se deixar levar
por parcialidades irresponsáveis.
Em outro tabuleiro tenso do cenário médio-oriental, o Brasil se engajou na busca
por uma solução para o contencioso relacionado ao programa nuclear do Irã. A falta de
transparência do programa nuclear iraniano era uma das maiores preocupações da região
desde a revelação, em 2002, de que o país persa enriquecia urânio sem comunicar à
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Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A crescente rivalidade com Israel,
com retóricas agressivas por parte dos líderes Mahmoud Ahmadinejad e Benjamin
Netahyahu, fazia deste um dos temas que gerava as maiores ansiedades em todo o mundo.
O governo Lula valeu-se de suas boas relações com os líderes do Irã e da Turquia e
articulou a assinatura da Declaração de Teerã, que previa a transferência de urânio não-
enriquecido para a Rússia, por intermédio da Turquia, para que o enriquecimento fosse
feito fora do território iraniano. O arranjo fracassou devido às desconfianças norte-
americanas de que o acordo não prevenia trapaças por parte do Irã, que poderia manter
seu processo de enriquecimento de urânio, uma vez que não havia garantias de que
haveria inspeções às suas instalações nucleares. Apesar de ingênua, a tentativa brasileira
denota certa ousadia em lidar com um tema que foge à atuação mais corriqueira do país,
lidando com um assunto crucial para a segurança médio-oriental.
É notável que a aproximação brasileira ao Oriente Médio durante este período seja
marcada pela tentativa de participar de forma ativa na política médio-oriental, buscando
superar suas limitações históricas. Ainda que a aproximação comercial e econômica tenha
sido digna de nota – o comércio entre o Brasil e o Oriente Médio cresceu de US$ 4,4 bi
para US$ 15,2 bi entre 2003 e 2010 – não é possível afirmar que o engajamento do país
na região seja motivado pela economia. O Oriente Médio podia ser interpretado como
uma prova de fogo para a atuação nacional em temas de segurança internacional. É
inegável que a imagem brasileira foi mais difundida que nunca, mundialmente, pelo seu
posicionamento diante de temas internacionais. As fronteiras da atuação diplomática
brasileira se expandiram, tendo o país lidado com os mais variados temas com algum
destaque, como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a busca pela conclusão da
Rodada Doha da OMC, o encaminhamento de negociações para a solução da crise
financeira de 2008, e a difusão de tecnologia para a produção de etanol e para o combate
à fome a à miséria. Atuar no Oriente Médio seria uma das provas de que o país precisa
ser ouvido e possui contribuições a oferecer. Mas também é notável a falta de experiência
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do país em lidar com os temas da região: antes que qualquer resultado fosse auferido, o
país recuou novamente, diante de um novo cenário internacional, um novo governo e
dificuldades renovadas.
O governo de Dilma Rousseff tinha como premissa a manutenção das principais
linhas de atuação do governo anterior, mas padeceu de fatores que esmaeceram a atuação
do Brasil no mundo. As instabilidades política e econômica que marcaram o governo da
petista, a desvalorização das commodities e o relativo desinteresse da mandatária
brasileira em temas de política externa diminuíram o ímpeto nacional, o que se refletiu
em uma atuação mais tímida junto ao Oriente Médio. As iniciativas brasileiras que
tocaram a região foram pontuais, como na reação ao bombardeio da Líbia, depois do que
a presidente afirmou a Responsabilidade ao Proteger (“Responsibility while Protecting”),
que defendia a necessidade de cautela e planejamento em intervenções estrangeiras –
mesmo em casos de sofrimento humano.
Mesmo no tocante à Síria, tema central para a segurança no Oriente Médio, a
posição brasileira foi discreta, e partiu da afirmação de que não há solução militar para o
conflito, ainda que haja ampla mobilização de forças militares de diversos países neste
país. Este recuo no ímpeto da atuação nacional soa como uma volta às oscilações do
relacionamento entre o Brasil e o Oriente Médio. Ainda que o país tenha, nos anos 2000,
se esforçado para construir laços sólidos e engajamento sincero com os temas da região
– sobretudo de segurança – o Oriente Médio segue como uma região de baixa prioridade
para a diplomacia pátria. É simbólico que a atuação em meio aos temas desta região tenha
perdido espaço juntamente com o recuo da projeção brasileira no mundo.
A posse de Michel Temer ainda nos deixa questionamentos quanto ao futuro do
relacionamento com o Oriente Médio. A origem libanesa do mandatário pode sugerir uma
aproximação aos países árabes, ao passo que o ministro das relações exteriores, José
Serra, parece inclinado a reforçar o relacionamento com Israel, como transpareceu na
brasileira à UNESCO, diante de resolução que criticava a postura de Israel. Não é possível
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afirmar, no entanto, que o Oriente Médio figure entre as prioridades do governo do
peemedebista em seus primeiros meses de mandato.
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Dissertação (mestrado em história) IFCH, UERJ, Rio de Janeiro
FONTOURA, Paulo Roberto Tarrisse da. O Brasil e as Operações de Manutenção
da Paz das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2005
i O capítulo VII intitula-se “Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de agressão”, e permite que o Conselho de Segurança autorize ações que violem a soberania de Estados, em caso de necessidade. ii O título do capítulo VI da Carta é “Solução Pacífica de Controvérsias”.
iii As duas principais organizações internacionais criadas no século XX, centram sua atuação nos temas relacionados à contenção de ameaças à segurança. A Liga das Nações (1919-1946) estabelece, nas primeiras frases de sua carta: “The high contracting parties, in order to promote international co-operation and to achieve international peace and security (…) agree to this Covenant of the League of Nations”. Similarmente, a Carta de São Francisco, criadora da ONU, estabelece, em seu artigo 1º: “The purposes of the United Nations are: (1) To maintain international Peace and security (…)” iv Dom Pedro II esteve em países do Oriente Médio, como Egito (1871) e Líbano, Síria e Palestina (1876), mas fez as visitas a título pessoal, sem promover a representação oficial do Império (BATISTA, 2004) v Muito embora o rompimento de relações não tenha tido a aprovação dos Estados Unidos, pode-se considerar que tal atitude demonstrava o compartilhamento do anti-comunismo com o governo de Harry Truman. Outra explicação, que soma-se à primeira, é a eliminação de relações com o país ícone do comunismo internacional, no contexto em que a caça ao comunismo se intensificava internamente. vi Há divergências entre a versão em inglês, que recomenda a retirada de tropas israelenses de territórios ocupados, e a versao em francês, que insta a forças israelenses a se retirarem dos territórios ocupados. (ROSA, 2000) vii Missões anteriores, na Palestina (UNTSO) e na Caxemira (UNMOGIP) tinham funções de observação. (FONTOURA, 2005) viii Major-General Carlos Paiva Chaves (entre janeiro e agosto de 1964) e Major-General Syzeno Sarmento (entre janeiro de 1965 e janeiro de 1966). (FONTOURA, 2005)