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RECURSOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIANTE DA SISTEMÁTICA ADOTADA PELO NOvO CÓDIGO DE PROCESSO CIvIL

THE APPEAL SYSTEM OF THE NEW CIVIL PROCEDURE CODE BEFORE THE ADAPTATIONS INTRODUCED BY THE STATUTE OF CHILDREN AND ADOLESCENTS

Carolina Magnani [email protected]

Professora da PUC/SP da disciplina de Direito da Criança e do Adolescente. Mestre em Direito da Relações Sociais pela PUC/SP. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Advogada em São Paulo.

SEÇÃO vI TEORIA DO PROCESSO

RECURSOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIANTE DA SISTEMÁTICA ADOTADA PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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RESUMO

O artigo pretende analisar os impactos do regime recursal do Novo Código de Processo Civil diante das adaptações introduzidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos recursos em processos oriundos da Justiça da Infância e da Juventude.

PALAVRAS-CHAVE

Criança e Adolescente. Justiça da Infância e Juventude. Recursos. Processo civil. Novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT

The article analyzes the impacts of the appeal system of the new Civil Procedure Code before the adaptations introduced by the Statute of Children and Adoles-cents in appeals arising from the Justice for Children and Youth procedures.

KEywORDS

Children and Adolescents. Justice for Children and Youth. Appeals. Civil proce-dure. New Civil Procedure Code.

SUMÁRIO

Introdução. 2. Sistema recursal do Novo Código de Processo Civil. 3. Novo Sis-tema recursal e impacto no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.1. Preparo. 3.2. Tempestividade. 3.3. Efeitos recursais. 3.4. Revisor. 3.5. Juízo de retratação. 3.6. Atendimento à prioridade absoluta. Referências.

INTRODUçÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), ao regulamentar o art. 227 da Constituição Federal1, não dispôs apenas sobre o direito material; preo-cupou-se, também, com os meios de efetivação e satisfação dos direitos e deveres por ele regulados. Com efeito, dedicou o título VI – Do acesso à Justiça – do livro especial – ao direito processual, consagrando as garantias processuais constitucio-nais, como o devido processo legal, à população infantojuvenil e aos pleitos a ela concernentes. E ainda dispôs, de forma especial, sobre as ações individuais e co-letivas afetas à infância, bem como sobre os recursos, nos aspectos em que seria

1 “É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, e a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Esta-do. Se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor à época, a Nação clamava por texto infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta Magna.” (Silva, Antônio Fernando do Amaral e. Comentários ao art. 1º, p. 11, in: CURY, Munir (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: RT,2000).

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necessário modificar o direito processual civil, para melhor atender aos princípios da teoria da Proteção Integral2 3: prioridade absoluta4 e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Ambos os princípios, mais a condição de sujeitos de direitos, outorgada à criança e ao adolescente pela doutrina da proteção integral, revelam a necessidade de dispositivos de direito adjetivo que imprimam celeridade e efetividade ao proces-so, sem perder de vista as garantias processuais do “due process of law”5.

Necessário se faz salientar que a Constituição de 1988 é um marco, tanto em âmbito nacional quanto mundial, na adoção da teoria de proteção integral, pois erige a criança e o adolescente à condição de sujeitos de direito6..

2 A Constituição Federal, no seu art. 227, adotou quanto à proteção das crianças e adolescentes a teoria preconizada pela ONU, ou seja, a Teoria da Proteção Integral a essa faixa etária. A teoria reconhece que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, subordinantes e subordinados, como qualquer pessoa. É norteada pelos princípios da prioridade absoluta da satisfação dos direitos da criança e do adolescente, e o do respeito peculiar à pessoa em desenvolvimento, que outorga direitos especiais aos indivíduos nessa fase transitória. Neste sentido vai o preceito do caput do art. 227, da Constituição Federal: “’ART. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cul-tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente veio regulamentar o artigo da Constituição, uma vez que o Có-digo de Menores de 1979, na sua maior parte, não era adequado para atender os direitos fundamentais da Infância e Juventude.”

Ademais, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 1991, Decreto Legislativo n.º 28/90, abraça a teoria da proteção Integral. Assim, os países signatários procurarão estabelecer leis, na sua ordem interna, que coadunem com os princípios estabelecidos pela convenção.

3 “A doutrina da proteção integral inspira-se na normativa internacional, materializada em tratados e con-venções, especialmente os seguintes documentos: a) Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; b) Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça da Infância e Juventu-de (Regras Mínimas Beijing); c) Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade; e d) Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad).”(Nota ao art. 1º, in CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. São Paulo: RT, 2000.)

4 Segundo Dalmo de Abreu Dallari, em comentário ao art. 4º do ECA: “A segunda situação em que a lei expressamente determina que seja garantida a prioridade absoluta à criança e ao adolescente é aquela em que se deve dar ‘precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública’. ” In: CURY, M. (org.) Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: RT, 2000).

5 No sentido: “La eficaz y oportuna protección de los intereses del niño y de la familia por medio de los organismo jurisdiccionales reclama normas procesales adecuadas. La especialidad influiría en los siguientes aspectos de la dinámica procesal: iniciativa de ofício, debido proceso, reglas especiales de interpretación, verdad real, orden público, oralidad, órganos de mediación, audiencia al niño, inme-diación, concentración, valoración de la prueba, reformalidad de las decisiones, etc.”(SOLARI, U.C. Legislación atinente a la niñez en las Américas, p.19).

6 No sentido de Emilio García Méndez: “É evidente a ruptura do Estatuto com a tradição latino-americana sobre a matéria.

“Pela primeira vez, uma construção do direito positivo, vinculado à infantoadolescência, rompe expli-citamente com a chamada doutrina da ‘situação irregular’, substituindo-a pela doutrina da ‘proteção in-tegral’, também denominada de ‘Doutrina das Nações Unidas para a proteção dos direitos da infância’.

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Assim, a Constituição de 1988, no seu artigo 227, a Lei 8.069/90, que re-gulamentou o artigo, mais a Convenção dos Direitos da Criança, que foi ratificada internamente pelo Decreto n.º 99710/90 (que tem força de Lei), constituem o tripé do direito brasileiro voltado para a regulamentação das relações jurídicas entre, de um lado, todas as crianças e todos os adolescentes que se encontram em terri-tório nacional e, de outro, o Estado, a Família e a Sociedade. A regra é a inclusão, não importando a situação jurídica ou de fato da criança e do adolescente para a incidência da lei. Todos os menores de 18 anos estão sujeitos a esta legislação, ex-cepcionalmente os menores de 21 anos7, independentemente da sua situação, em razão de que todos são sujeitos de direito, são cidadãos, ainda que estejam em pro-cesso de desenvolvimento. Aliás, este último fator outorga condição de primazia no atendimento de suas necessidades, inclusive perante o judiciário; impõe, portanto, rapidez.

O princípio da prioridade absoluta exacerba a incidência do princípio da economia processual – maior resultado com menos dispêndio de energia e tempo – na medida em que deve contribuir com a efetividade do processo. Entenda-se o processo como instrumento para atingir a satisfação do direito material. Enfim, o Estatuto, ao disciplinar as regras especiais de acesso à justiça, tem como escopo a prestação jurisdicional efetiva, como forma de facilitar o exercício dos direitos das crianças.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário do antigo do Código de Menores, pugna por respeitar as garantias processuais, e, para facilitar sua instru-mentalidade processual, adotou, em termos gerais, o sistema de recursos do Código de Processo Civil.

Neste artigo, pretende-se demonstrar os aspectos peculiares dos Recursos no Estatuto da Criança e do Adolescente, tratados no Capítulo IV – Dos Recursos – do Título VI – Do Acesso à Justiça, e de que forma tais mudanças colaboraram com a celeridade processual, a eliminação de obstáculos processuais, com escopo de aprimorar o acesso à Justiça da Infância e da Juventude conjugadas com a nova sistemática recursal do Código de Processo Civil de 2015.

As premissas consideradas para se delinear a presente análise foram:

• o acesso à Justiça da Infância e da Juventude deve ser facilitado no âmbi-to econômico, assim como o trâmite processual deve ser rápido e eficaz, mas sempre observando as garantias processuais para atingir a segurança jurídica plena;

Esta doutrina, que consta de um enorme consenso no contexto internacional...” (Das necessidades aos direitos, p. 54) .

7 Lei 8.069/90 - Art. 2º. “Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

“Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.”

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• o direito de acesso à justiça8 constitui direito fundamental, erigido à catego-ria constitucional pelo art. 5º, inciso LV. Deve o ordenamento jurídico elimi-nar todas as barreiras que impeçam a satisfação dos direitos, ou seja, deve promover meios àqueles que não possuem capacidade civil ou econômica de ter o que a lei lhes garante, com a devida celeridade;

• o duplo grau de jurisdição, no ECA, segue também essa diretriz, atendendo ao inconformismo da parte sucumbente e, por outro lado, pretendendo atin-gir a segurança jurídica com a brevidade almejada;

• o recurso é um meio de impugnação contra as decisões judiciais antes da preclusão, sem que se instaure uma nova relação processual9, operando-se por ele um mero prosseguimento da relação processual já existente, com as seguintes características: voluntário, idôneo, adequado;

• os recursos interpostos com base no ECA seguem os princípios fundamen-tais da teoria geral dos recursos: duplo grau de jurisdição, taxatividade, sin-gularidade, fungibilidade, proibição da reformatio in pejus e efeito traslativo.

Preocupou-se o ECA, ainda, com a adaptação da fase recursal ao princípio da prioridade absoluta, pois de nada adiantaria a prestação jurisdicional de primeiro grau, pautada na celeridade imposta por aquele princípio, se deixasse certos aspec-tos dos recursos na forma geral do Código de Processo Civil, o que acarretaria a morosidade de sua tramitação e solução.

O Capítulo que trata dos recursos no ECA não é extenso. O caput do art. 198 (o primeiro deles) assinala que o Estatuto, nos processos concernentes à Infância e Juventude, adota o sistema recursal do Código de Processo Civil e suas posteriores modificações. Além dos arts. 198. 199,199–A a E, há também o art. 215, localizado no Capítulo VII – Da proteção dos Interesses individuais, difusos e coletivos – do Título VI, que trata do efeito suspensivo nos recursos interpostos nas ações coletivas.

8 Alexandre de Freitas Câmara assinala que o acesso à justiça não consiste tão somente no acesso à tutela jurisdicional; em suas palavras: “Considero que a justiça é algo que pode ser definido em uma frase: dar a cada um o que é seu (suum cuique tribure). Não é fácil, é certo, saber o que a cada um pertence por natureza. Mas é possível saber o que pertence a cada um por convenção. Assim, quando se fala em acesso à justiça, deve-se pensar em obtenção daquilo que se convencionou caber a cada um. Em outros termos, fazer justiça é dar cada um aquilo que se convencionou ser seu.

“Basta isso! Basta que se viva em uma sociedade em se assegurando que cada pessoa receberá aquilo que o ordenamento jurídico lhe atribui, para que possa afirmar que ali existe pleno acesso à justiça. É preciso, porém, saber como se alcança através da remoção de todos os obstáculos que possam existir no ordenamento jurídico ao acesso amplo à ordem jurídica justa.” (CâMARA, A.F. Escritos de Direito Processual, p. 6-7).

9 Segundo Chiovenda: “A possibilidade dos recursos apresenta-se como o fenômeno de uma pluralidade de procedimentos dentro de uma só relação processual. Sendo uma a demanda, uma permanece a rela-ção complexa, na qual os recursos apenas abrem fases ou estádios diversos (...). A litispendência aberta com a demanda judicial perdura enquanto não se encerrar com a sentença definitiva” (Instituições de direito processual civil, v. III).

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A Lei 8069/90 adotou, por força do caput do art. 19810, o sistema recursal do Có-digo de Processo Civil de 1973 (Lei 5869/73) com as devidas adaptações preconizadas pelos incisos do dispositivo retromencionado e o art. 199. A Lei 12.010/2009 – pseu-dodesignada Lei da Adoção11 – agregou outras regras entre os artigos 199-A a 199 – E, como também procedeu alterações às normas de adaptação originárias do art. 198. A Lei 12.594/12 – SINASE12 também introduziu algumas modificações e “correções”.

O advento da Lei 13.105, de 16 março de 2015, que veicula o novo Código de Processo Civil, entrará entrar em vigor um ano após sua publicação (art. 1045), revogando expressamente (art. 1046) o diploma adjetivo de 1973 (Lei 5869/73).

Diante dessa perspectiva de novo sistema recursal processual civil ser apli-cado no âmbito dos procedimentos atinentes à Justiça da Infância e Juventude, por força do art. 1046, § 4°13, há que se analisar as regras de adaptação do sistema re-cursal do ECA perante a nova sistemática

2. SISTEMA RECURSAL DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Importante consignar quais os provimentos jurisdicionais enunciados nos arts. 202 e 203 do NCPC que são passíveis de recursos: as decisões interlocutórias, as sentenças e os acórdãos. Todos estes são provimentos com conteúdo decisório, portanto, decisões jurisdicionais, constituindo, cada qual, uma espécie do gênero decisão. Os despachos de mero expediente, citados pelo novo Código de Processo Civil no art. 202, § 3º, não possuem conteúdo decisório, apenas são pronunciamen-tos judiciais para ordenação e andamento do processo.

O novo sistema processual civil brasileiro, disposto na novel legislação entre os art. 994 a 1044 do Título Livro II da parte Especial, optou pelo rol exaustivo de recursos (art. 994), não podendo haver outro meio de impugnação de decisão no mesmo processo que não esteja previsto em lei como tal. A parte inconformada deve utilizar-se de uma das formas previstas em lei adequada para impugnação do tipo de decisão no caso concreto14.

Tratar-se-á apenas da taxatividade no Código de Processo Civil e das espécies recursais ditadas por ele, pois a maior parte das leis especiais não influi no regime recursal do ECA, tampouco nas modalidades previstas por elas. Atente-se ao fato de

10 art. 198.  Nos procedimentos provenientes da Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações: 

11 A Lei da Adoção adveio com a promessa de facilitar a inserção de crianças e adolescentes em família substituta, evitando-se a institucionalização. Desiderato que não se perfez.

12 Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. 13 Art. 1046, § 4o. As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras

leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.14 Nery Jr. Princípios fundamentais, op. cit., p. 48; Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo

Civil, op. cit., p. 272; Nelson Luiz Pinto, Manual dos recursos cíveis, p. 29.

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que o rol ditado pelo art. 994 do NCPC não esgota todas as formas de recursos cíveis existentes no ordenamento jurídico, mas em relação aos processos provenientes da Justiça da Infância e Juventude, ele satisfaz, é suficiente.

O ECA, como já foi dito, utiliza-se dos meios recursais previstos no NCPC, fazendo uso dos recursos enumerados no art. 994, quais sejam: 1) Apelação – arts. 1009 a 1004; 2) Agravo de Instrumento – arts. 1015 a 1020; 3) Agravo Interno –art. 1021; 4) Embargos de Declaração – arts. 1022 a 1026; 5) Recurso Ordinário – arts. 1027 a 1028; 6) Recurso Especial – arts. 1029 a 1041; 7) Recurso Extraordinário – arts 1029 a 1041; 8) Agravo em recurso especial e extraordinário; 9) Embargos de Divergências – art. 1043 a 1044.15

O novo Código de Processo Civil, no art. 1048, II, situado no Livro Comple-mentar das disposições transitórias e finais – incorpora expressamente o princípio cons-titucional da prioridade absoluta (art. 227, caput, CF) ao dispor que os procedimentos judiciais regulados pela Lei 8.069/90 (ECA) terão “prioridade em sua tramitação”16.

No entanto, caberá à jurisprudência vindoura esclarecer o alcance do dispo-sitivo, isto é, se os procedimentos judiciais são: i) todos aqueles calcados nos direitos fundamentais previsto no Estatuto; ii) aqueles de competência das Varas da Infância e Juventude (art. 148, ECA); ou iii) somente aqueles em que apresenta procedimento especial disposto no 8.069/90.

O desejável seria que os operadores do direito, principalmente os Juízes, optas-sem pela proposição mais ampla, interpretando o dispositivo conforme a Constituição.

3. NOVO SISTEMA RECURSAL E IMPACTOS NO ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE

O sistema de recursos do direito processual civil destina-se às decisões pro-feridas no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude, sejam elas em procedi-

15 Consoante Cássio Scarpinella Bueno: na obra novo código de processo civil anotado, fls, 637: “A ape-lação continua a ser recurso cabível da sentença (art. 1009, caput).

“Com relação ao gênero recursal agravo (art. 496, II, do CPC atual), importa evidenciar as seguintes alterações:

O agravo de instrumento continua a ser o recurso cabível das decisões interlocutórias. A sensível dife-rença é que seu cabimento depende de autorização legal, a partir do rol do art. 1015.

O novo CPC extinguiu o agravo retido. As interlocutórias não recorríveis imediatamente por agravo de instrumento (art. 1015) devem ser questionadas em preliminar de recurso de apelação ou nas contrar-razões àquele recurso (art. 1009, §1°).

Há, de outra parte, expressa previsão do ‘agravo interno’ como recurso voltado ao colegiamento de decisões monocráticas proferidas no âmbito dos tribunais (art. 1021).

O ‘agravo em recurso especial e extraordinário’, por sua vez, é nome dado pelo novo CPC ao agravo que, de acordo com art. 544 do CPC atual, quer viabilizar o trânsito de recurso especial e extraordiná-rio. No novo CPC, sua função é bem diferente como as anotações art. 1042 demonstram”.

16 O parágrafo único doa art. 152 do ECA, incluído pela Lei nº 12.010/2009, prevê disposição semelhante: “É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e proce-dimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes”

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mento de apuração de ato infracional (que não é jurisdição penal)17, nos processos cíveis, sejam de jurisdição coletiva ou individual, ou mesmo em procedimento de administrativos do art. 149 do ECA, em que o juiz profere decisão administrativa, concedendo portarias, alvarás e autorizações18, aplicam-se os recursos previstos no CPC, vigente à época da edição da decisão recorrenda, com as modificações dos art. 198 e seguintes do ECA19.

O caput do artigo 198, ao se referir aos procedimentos oriundos da Justiça da Infância e da Juventude, implicitamente remete sua exegese ao art. 148, pois este determina quais são os procedimentos de competência deste ramo especializado da justiça comum20, delimitando a incidência do seu regime recursal. Somente os procedimentos judiciais arrolados no art. 148 sujeitam-se à lei especial21.

Como salienta o ilustre jurista Nelson Nery Jr.:

O sistema recursal do Código de Processo Civil é aplicável às ações e procedimentos que tramitem na Justiça da Infância e Juventude.

17 Há vários doutrinadores que defendiam que em matéria de ato infracional o sistema recursal adequado seria o do CPP, entre eles pode-se citar José de Farias Tavares, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 167, e Tânia da Silva Pereira, Direito da Criança e do Adolescente, p. 413. Todavia, a Lei 12.594/12, que instituiu o Sinase, alterou o caput do art. 198 do ECA, que contempla expressamen-te que os recursos a serem manjados no processo sócioeducativo, de conhecimento e execução são aqueles do Código de Processo Civil: “Art. 198.  Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações:”. 

18 Quanto aos outros procedimentos de natureza administrativa em que há decisão do juiz da infância, tais como apuração de irregularidade em entidades de atendimento e apuração de infração administrativa, o ECA silencia sobre o cabimento de recurso.

19 Segundo Sergio Shimura: “Dispõe o art. 198 da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – que nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude fica adotado o regime recursal do Código de Processo Civil, com algumas adaptações a serem seguidas.

“O Estatuto, por um lado, optou por utilizar, como parâmetro, o sistema recursal do processo civil, es-tabelecendo, por outro lado, algumas regras próprias e específicas à proteção dos direitos da criança e adolescente.

“Também deixou sublinhado que não mais existem os recursos administrativo (cabível contra os atos expedidos com base no art. 8º e contra as penalidades às infrações previstas nos arts. 63 a 74 do Código de Menores, Lei 6.697/79), nem o de instrumento (cabível contra as decisões proferidas nos procedi-mentos de verificação da situação irregular). ” Em Aspectos polêmicos..., p. 246.

20 Neste sentido, Antônio Fernando Amaral e Silva: “A Justiça da Infância e da Juventude não é ‘Justiça Especializada’. A Carta de 1988 não a inclui no numerus clausus, mas é ramo especializado da Justiça Comum.” (Comentários ao art. 146.) O autor prossegue: “ Sendo ramo especializado da Justiça local, as leis de organização judiciária regulamentarão o sistema de acordo com as peculiaridades de cada Estado, mas, no que tange à competência, terão de se ater ao disposto no artigo supra, prevalecendo a lei hierarquicamente superior.” (Comentários ao art. 148), em Cury, Garrido & Marçura, Estatuto da criança e do adolescente comentado, p. 471 e 475.)

21 Neste sentido Nelson Nery Jr.: “O sistema recursal do Código de Processo Civil é aplicável às ações e procedimentos que tramitem na Justiça da Infância e da Juventude. As disposições recursais do Código que forem incompatíveis com as regras peculiares do Estatuto da Criança e do Adolescente não podem ser aplicadas aos procedimentos nele previstos. Resolve-se a incompatibilidade pelo princípio da espe-cialidade: prevalece o Estatuto sobre o Código.” Op. cit., p. 603.)

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As disposições recursais do Código que forem incompatíveis com as regras peculiares do Estatuto da Criança e do Adolescente não podem ser aplicadas aos procedimentos nele previstos. Resolve-se a incom-patibilidade pelo princípio da especialidade: prevalece o Estatuto so-bre o Código.22

Não obstante o Novo Código Processo Civil seja mais moderno que o Esta-tuto da Criança e do Adolescente, as adaptações previstas na lei especial, devido ao princípio da especialidade, prevalecem sobre a lei de caráter geral. A última vai ditar a sistemática a ser adotada e as normas de caráter geral.

Dessa forma, o Código de Processo Civil vai impor ao microssistema do ECA as novas formas gerais, tais como: de contar prazos processuais; de empregar o novo sistema recursal; de impor a ordem dos processos e dos processos de compe-tência originária dos Tribunais, entre outros. As adaptações preconizadas pelo ECA serão analisadas em tópicos temáticos.

3.1 Preparo

Art. 198, I, os recursos interpostos independem de preparo;

Os processos referentes à Justiça da Infância e da Juventude são isentos do preparo recursal, ou de qualquer outra verba, custas ou emolumentos processuais (art. 141, § 2º do ECA). A Justiça da Infância é essencialmente gratuita, de modo a facilitar o acesso a ela. Os recursos são isentos de custas e emolumentos judiciais, por disposição expressa no Estatuto, art. 141, § 2 º c.c. art. 198, I.

Nesse passo, o recorrente também é isento do porte de remessa e retorno para o STF e STJ, pois a gratuidade conferida pela lei tem como escopo viabilizar o acesso à justiça.

Portanto, esse requisito de admissibilidade não se aplica aos procedimentos de competência da Justiça da Infância e Juventude, tampouco às disposições do art. 1007 do NCPC.

3.2 Tempestividade

198, II - em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério Público e para a defesa será sempre de 10 (dez) dias;   

O novo Código de Processo Civil, no art. 1003, manteve o prazo de 15 dias para interposição dos recursos enumerados no art. 994, à exceção dos embargos de declaração cujo prazo continua de 5 dias.

22 CURY (org.) Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 570.

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A inovação consiste na contagem dos prazos processuais que serão compu-tados em dias úteis (art. 219, NCPC), de sorte que os prazos recursais de interposição e de contrarrazões serão de 15 dias úteis contados excluindo-se o dia do começo e incluindo o do final (art. 224, NCPC).

Dessa forma, os recursos tirados de procedimentos judiciais de competência da Justiça da Infância e Juventude devem ser interpostos consoante o prazo da lei especial, qual seja de 10 dias, à exceção dos embargos de declaração, cujo inter-regno é de 5 dias. Muito embora a regra de contagem de prazo a ser observada será a da legislação de caráter geral, porquanto o ECA, no art.198, caput, adota a sistemática recursal da legislação processual civil vigente, mas silencia quanto à forma de contagem de prazos e, por sua vez, o art. 152, caput, remete à sistemática da norma geral:

Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsi-diariamente as normas gerais previstas na legislação processual per-tinente.

Com efeito, a incidência modificadora do novo Código de Processo Civil no sistema recursal do ECA, no que se refere ao quesito tempestividade, dar-se-á na forma de contagem de prazo, que estende o período para interpor e responder os recursos em geral de 10 dias corridos para 10 dias úteis, sendo que os embargos de declaração passam de 5 dias corridos para 5 úteis.

3.3 Efeitos Recursais

Art. 199-A.  A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, embora sujeita à apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotan-do.      (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)      Art. 199-B.  A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo.      (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Art. 215. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

Os recursos provenientes da Justiça da Infância e da Juventude em regra são dotados somente do efeito devolutivo, à exceção da apelação após o advento da Lei da Adoção.

A apelação estatutária constituía exceção à regra geral do regime do proces-so civil, seja no novo CPC como no de 1973, pelo qual a apelação em regra tem duplo efeito: devolutivo e suspensivo, e somente em algumas situações será dotada só do devolutivo.

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No CPC de 2015, o art. 1012, caput, dispõe sobre a regra do efeito suspensi-vo, enquanto o parágrafo primeiro e respectivos incisos rezam sobre a exceção, i.e., enumera as hipóteses em que a apelação não terá efeito suspensivo e a eficácia da sentença será imediata, sem embargo de mencionar há e poderá haver outras situa-ções previstas na legislação extravagante.

O Estatuto (sistema ampliativo) é uma dessas leis que confere em determina-dos casos só efeito devolutivo à apelação. A Lei da Adoção ao introduzir o art. 199-B ampliou o rol do art. 1012, §1°, do NCPC, estabelecendo norma proibitiva de dotar o apelo de efeito suspensivo nos casos em que um ou ambos os pais foram desti-tuídos do poder familiar. Outro caso concerne aos apelos das sentenças de adoção nacional que, em regra, processam-se no efeito devolutivo.

Cabe destacar que, antes da revogação do inciso VI, do art. 198 pela 12.010/2009 – “Lei da Adoção” – a regra geral, no âmbito do Estatuto, era a apela-ção ser recebida só no seu efeito devolutivo, de sorte que as sentenças proferidas pe-los Juízes da Infância e da Juventude estavam dotadas de eficácia desde o momento de sua publicação ou da intimação das partes. A mera23 recorribilidade da sentença, portanto, não suspendia sua eficácia.

O ECA previa duas exceções à sua regra geral, dotando de efeito suspensivo a sentença recorrível.

A primeira, quando a sentença recorrível julgou procedente adoção interna-cional, ocasião em que o efeito suspensivo é obrigatório. Rememorando, o art. 51, § 4º, do Estatuto determina que o estrangeiro só poderá sair com o adotando do país após a adoção consumada, isto é, transitada em julgado a sentença, uma vez que só assim produz seus efeitos.

Hipótese que a lei da Adoção manteve ao acrescer o art. 199-A, além de ampliar à adoção nacional o efeito suspensivo toda vez que a eficácia imediata da sentença representar dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando. Significa dizer que o apelo tirado de sentença de adoção nacional tem eficácia imediata e são recebidos só no efeito devolutivo.

As duas hipóteses decorrem da própria recorribilidade da sentença; não ha-vendo, pois, margem de discricionariedade do cabimento ou não da suspensão da eficácia do julgado. A priori, não precisariam ser expressas, na exata medida em que

23 “Ementa RHC. ADOLESCENTE são vinculativas . ATO INFRACIONAL. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA A PESSOA. MEDIDA DE INTERNAÇÃO. APELAÇÃO. EFEITO. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 – autoriza a aplicação da medida de internação na hipótese de ato infracional come-tido mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Do mesmo modo o recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória nestas circunstâncias deve ser recebido apenas no efeito devolutivo. Inteligência dos arts. 122, I e 198, VI, da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. 2. Recurso ordinário improvido” (STJ, 6ª Turma, RESP. 0003588-7/99, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 17/05/1999, p. 240.)

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a Lei 2.010/2009, ao revogar por equívoco ou não o inciso VI do art. 19824, estendeu o regime geral do duplo efeito da apelação ao Estatuto25.

24 “Tamanha foi a preocupação do legislador em impedir que uma criança ou adolescente saísse do ter-ritório nacional na companhia de pessoa ou casal estrangeiro sem ter sua situação regularizada, que a única hipótese em que, segundo a redação original da Lei nº 8.069/1990, a autoridade judiciária estava obrigada a receber o recurso de apelação tanto em seu efeito devolutivo quanto suspensivo é precisamente quando este for interposto contra decisão que defere uma adoção internacional. Vale observar, no entanto, que o inciso em questão acabou sendo inadvertidamente revogado pela Lei nº 12.010/2009, de 03/08/2009, muito provavelmente devido a um equívoco quando da sistematização de sua redação final (que acabou aglutinando matérias contidas em substitutivos distintos), em função do contido no disposto no art. 199-A, incorporado à Lei nº 8.069/1990. O responsável pela sistemati-zação não percebeu que o art. 199-A, do ECA, diz respeito unicamente à adoção, ao passo que o art. 198, inciso VI, do mesmo Diploma Legal, se aplica a todos os processos e procedimentos nele previstos, para os quais o recebimento da apelação apenas em seu efeito devolutivo, como regra, é mais do que necessário, inclusive como forma de permitir a execução imediata da decisão respectiva, em respeito ao princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente. Ocorre que, como o sistema recursal adotado pela Lei nº 8.069/1990 tem como base o Código de Processo Civil (cf. art. 198, caput, do ECA) e este, como regra, prevê o recebimento da apelação tanto em seu efeito devolutivo quanto suspensivo (cf. art. 520, do CPC), a revogação do art. 198, inciso VI, do ECA, acaba por subverter a lógica até então vigente, causando assim um potencial prejuízo às crianças e aos adolescentes que, em última análise, são os destinatários das decisões proferidas tomando por fundamento as disposições da Lei nº 8.069/1990, pois os julgados favoráveis a seus interesses, em havendo recurso, em regra não poderão ser executados, ainda que em caráter provisório. Em que pese tal observação, partindo-se da constatação que a revogação do disposto no art. 198, inciso VI, do ECA se deu por evidente erro de siste-matização, e que os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta à criança e ao adolescente (cf. arts. 1º e 4º, caput, do ECA), assim como da intervenção precoce (cf. art. 100, par. único, inciso VI, do ECA), além de se constituírem em fundamentos indissociáveis da intervenção estatal voltada à salvaguarda dos direitos infantojuvenis relacionados na Lei nº 8.069/1990, possuem amplo respaldo no art. 227, da CF, deve persistir a possibilidade recebimento das apelações contra decisões proferidas nos processos e procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, em regra, apenas em seu efeito devolutivo, ficando a concessão de efeito suspensivo condicionada à existência de perigo de dano irre-parável ou de difícil reparação, devidamente justificado no despacho judicial respectivo”. Em fls. 295, Digiácomo, Murillo José, Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado / Murillo José Digiácomo e Ildeara Amorim Digiácomo. – Curitiba .. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2013. 6. ed.

25 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL. PORTE ILE-GAL DE ARMA E POSSE DE DROGA. SENTENÇA QUE IMPÕE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. APE-LAÇÃO. DUPLO EFEITO. LEI N.º 12.010/09. REVOGAÇÃO DO INCISO VI DO ART. 198 DO ECA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO JURíDICO. ART. 520, INCISO VII DO CPC.

CONFIRMAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PROTETIVA. IMPETRAÇÃO QUE DEVE SER COMPREEN-DIDA DENTRO DOS LIMITES RECURSAIS. ORDEM DENEGADA.

I. Até o advento da Lei n.º 12.010/2009 em nosso ordenamento jurídico, este Superior Tribunal de Justi-ça havia pacificado entendimento jurisprudencial no sentido de que, o recurso de apelação interposto da sentença que aplicasse medida socioeducativa ao menor teria, em regra, efeito apenas devolutivo, não havendo óbice ao imediato cumprimento da determinação jurisdicional.

II. Ressalva dos casos em que houvesse dano irreparável ou de difícil reparação, bem ainda as irresig-nações manejadas contra sentenças que deferissem a adoção por estrangeiros, caso em que o apelo deveria ser recebido pelo magistrado de primeiro grau também no efeito suspensivo.

III. Revogado o art. 198, inciso VI, do ECA, pela "Lei da Adoção", é de se impor a aplicação conjunta do caput daquele dispositivo, com o art. 520, inciso VII, do Código de Processo Civil, pela sistemática recursal adotada pelo primeiro.

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Parece que a menção expressa desses dois casos revela a preocupação do legislador em reduzir o poder geral de cautela do juiz de, em determinados casos, a pedido da parte, com fulcro nos princípios constitucionais da prioridade absoluta e do respeito à condição peculiar de desenvolvimento, conferir efeito suspensivo, até por analogia ao art. 215 do ECA26 (infracomentado) relacionado à ação civil pública estatutária, nos casos de dano irreparável.

A segunda exceção, do revogado inciso VI do art. 198, concernia à apelação interposta contra qualquer sentença que puder ocasionar danos irreparáveis ou de difícil reparação (direitos individuais) à parte, mas o efeito suspensivo não era pró-prio da recorribilidade, poderia a autoridade judiciária dotar o recurso mediante a verificação da situação em concreto. O recorrente, em suas razões, deveria requerer

IV. Se o adolescente foi mantido em internação provisória, nos casos de alteração do quadro fático que auto-rizava o adolescente responder a apuração solto ou ainda quando a sentença fundamentar a necessida-de da imposição de medida socioeducativa, lastreando o julgador em elementos concretos constantes nos autos, o imediato cumprimento do decisum traduz imprescindível instrumento de tutela cautelar.

V. Na hipótese, o ordenamento jurídico prevê ainda a existência de outros instrumentos processuais para a Defesa lograr êxito em alcançar o resultado que aqui se almeja - efeito suspensivo do recurso de apela-ção - como o mandado de segurança ou as medidas cautelares inominadas.

VI. Ordem denegada.(HC 188.197/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011)26 HABEAS CORPUS. WRIT INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DE DESEMBARGADOR QUE INDEFERIU

LIMINAR EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO EM PROCEDIMENTO POR ATO INFRACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. IN-TERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI N.

12.010/2009 E DO ECA.1. A decisão de relator que indefere a liminar em agravo de instrumento interposto na origem não desafia a

impetração de habeas corpus, exceto nos casos em que a evidência de ilegalidade é tamanha que não escapa à pronta percepção do julgador, o que, todavia, não ocorre na espécie.

2. Apesar de a Lei 12.010/2009 ter revogado o inciso VI do artigo 198 do ECA, que conferia apenas o efeito devolutivo ao recebimento dos recursos, continua a viger o disposto no artigo 215 do ECA, segundo o qual "o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte". Lógico inferir, portanto, que os recursos serão, em regra, recebidos apenas no efeito devolutivo, inclusive e principalmente os recursos interpostos contra sentença que acolheu a representação do Ministério Pú-blico e impôs medida socioeducativa ao adolescente infrator.

3. Condicionar a execução da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional.

4. Pela simples leitura dos dispositivos da Lei n. 12.010/2009, percebe-se que todos os seus dispositivos dizem respeito ao processo de adoção, o que permite inferir que, ao revogar o inciso VI do artigo 198 do ECA - que também tratava de recursos interpostos contra sentenças cíveis - não foi sequer cogitado pelo legislador que tal modificação se aplicaria a processos por ato infracional, que nada têm a ver com processos de adoção de crianças e adolescentes.

5. Inexistência de flagrante teratologia que autorize a superação do óbice da Súmula n. 691 do STF.6. Habeas corpus não conhecido, sem prejuízo de que a matéria seja julgada pelo Tribunal de Justiça, que

poderá conferir efeito suspensivo ao recurso, para evitar dano irreparável ao paciente.(HC 301.135/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SExTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe

01/12/2014)

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concessão do efeito suspensivo, demonstrando, na situação em concreto, perigo de dano irreparável ou de difícil reparação caso a decisão seja executada, ainda que provisoriamente.

Esse dispositivo, antes do advento da Lei da Adoção, confirmava a contrario sensu a regra estatutária de dotar os seus recursos de efeito suspensivo, a não ser mediante a verificação da situação específica.

Os artigos são aplicados às ações em defesa dos direitos individuais da in-fância e da juventude. Já nas ações ajuizadas no âmbito da tutela jurisdicional civil--coletiva, formado pela conjugação das Leis 7.347/85 e 8.078/90, somando-se no caso em tela a Lei 8.069/90, com vistas à defesa dos interesses difusos e coletivos relativos à infância e à juventude, bem como dos individuais, quando o titular da ação for o Ministério Público, incide o artigo 215 do ECA, no Capítulo VII – Da pro-teção dos interesses difusos, coletivos e individuais do Título VI – Acesso à Justiça, ou seja, o mesmo título em que está inserido o capítulo dos recursos.

Da análise sistemática do ECA depreende-se que o art. 215 aplica-se aos recursos interpostos em ações civis públicas, ainda que o interesse tutelado pelo MP seja individual, reguladas no capítulo VII, ao passo que os arts. 199-A e B referem-se às ações da jurisdição individual com base nas normas do CPC.

O artigo 215 dispõe:

O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

As diferenças entre os dispositivos – art. 199 – A e B, e art. 215 – são níti-das. Os primeiros tratam dos efeitos da apelação em três hipóteses, ao passo que o segundo não faz restrição à espécie do recurso: todos podem ser dotados de efeito suspensivo na hipótese de dano irreparável for verificada.

O art. 215, numa interpretação literal, é de incidência restritiva, pois só confere efeito suspensivo à decisão recorrida “para evitar dano irreparável à par-te”. Nesta expressão não está incluído o perigo de dano, nem o dano de difícil reparação.

A Lei 7.347/85, ao tratar dos efeitos do recurso na ação civil pública, possui a mesma redação do ECA:

Art. 14 – O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

Em suma, o ECA, no tratamento das ações coletivas, segue a regra geral da lei da ação civil pública.

A expressão todos os recursos inclui qualquer espécie de recurso, mesmo aqueles a que por natureza não é deferido o efeito suspensivo, v.g. recursos extra-ordinário e especial, que sempre são recebidos somente no efeito devolutivo. Esse dispositivo evita o desforço da parte de impetrar Mandado de Segurança ou ação cautelar para conferir efeito suspensivo ao recurso, nos casos de dano irreparável.

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A exegese do art. 215, cuja redação guarda similaridade com a do art. 1427 da lei da ação civil pública, leva a crer, segundo a doutrina, que o juiz sem provoca-ção da parte pode dotar o recurso do efeito suspensivo ao vislumbrar a hipótese de dano irreparável. Nesse sentido, discorrem os ilustres professores Rosa M. A. Nery e Nelson Nery Jr.28:

O destinatário principal e imediato da norma é o juiz, cabendo-lhe, de ofício, dizer em que efeitos recebe o recurso. Não é preciso haver pedido da parte ou interessado para que o juiz receba o recurso no efeito meramente devolutivo ou conceda efeito suspensivo ao recurso para evitar dano irreparável. O sistema da norma ora comentada funciona à semelhança do regime do poder cautelar geral do juiz no CPC, no qual tem o magistrado o poder de conceder ex officio medida cautelar incidente, mas não a cautela antecedente sem pro-vocação da parte. Como a ação já está em curso quando se interpõe recurso, no caso sob exame a cautela seria, portanto, incidente.

O jurista Antônio Herman V. Benjamin, ao comentar o art. 215, defende que o verbo “poderá” deve ser interpretado como discricionariedade do juiz, decidindo caso a caso29, ao contrário do que ocorre no CPC de 1973, no qual o juiz não tem discricionariedade alguma.

Em posição contrária, José Luiz Mônaco30 propugna que o verbo “poderá” deve ser entendido como “deverá”, donde se subentenderia que o artigo não indica uma faculdade mas um dever, desde que configurado o dano irreparável.

O Juiz, portanto, não tem poder discricionário para conceder ou não o efeito suspensivo; o que a ele se outorga é o juízo de apreciação das circunstâncias. Con-figurada a situação de dano irreparável e reconhecida pelo julgador, deve declará-la para fins de imprimir a eficácia do efeito suspensivo do recurso. A liberdade é para formar sua convicção de que a situação de fato configura a hipótese legal.

Por derradeiro, faz-se necessário mencionar a decisão que dota de efeito sus-pensivo acórdão que decidiu contrariamente ao interesse da criança, mesmo antes de se interpor o recurso. O STJ concedeu efeito suspensivo a recurso especial contra acórdão de Tribunal, que julgou improcedente a demanda em sede de apelação, para que o tratamento hospitalar conferido à criança tivesse continuidade até o jul-gamento pela Superior Corte31.

27 Lei n.º 7.34785, art. 14: “O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irrepa-rável à parte.”

28 Código de Processo Civil, p. 1.437, nota 4.29 Nogueira, P.L. Estatuto da criança e adolescente comentado, p. 708.30 Ibidem, p. 378. 31 “ Processual civil. Medida cautelar para atribuir efeito suspensivo a acórdão de segundo grau ainda não

interposto. Possibilidade. Existência dos pressupostos do ‘fumus boni juris’ e do ‘periculum in mora’. Manutenção de tratamento médico e psiquiátrico ou psicológico a menor... Há, em favor do requerente,

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De acordo com a regra, portanto, os recursos atinentes às ações civis públi-cas no ECA (art. 215) são recebidos somente no efeito devolutivo, podendo o juiz conceder o efeito suspensivo em qualquer modalidade recursal32 33.

Essa limitação à incidência do efeito suspensivo, presente no Estatuto, vem corroborar a doutrina da proteção integral, mormente o princípio da prioridade ab-soluta, porquanto garante a imediata efetividade da tutela jurisdicional.

a fumaça do bom direito (as determinações preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 7º, 98, I, e 101, V, em combinação com atestado médico indicando a necessidade do tratamento postergado) e é evidente o perigo da demora (a imediata execução do decisum a quo, determinando-se a suspensão do tratamento já realizado desde agosto 1999, com risco de dano irrepa-rável à saúde do menor.” (STJ, 1ª Turma, MC 2540/RS, Min. José Delgado, v.u., DJ 08/10/2001).

32 PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PúBLICA - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO RECEBIDO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO - ExECUÇÃO PROVISÓRIA MOVIDA PELO MPF EM FACE DA UNIÃO E OUTROS RÉUS, NA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS - POSSIBILIDADE - ART. 588 DO CPC - ART. 14 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PúBLICA (LEI N. 7.347/85).

1. Os autos tratam de agravo regimental interposto em face de decisão de minha lavra (fls. 172/174) que permitiu o seguimento da execução provisória movida pelo MPF em face da União e demais corréus, em razão de sentença proferida nos autos da ação civil pública n. 99.0001418-9, com apelação rece-bida apenas no efeito devolutivo; recebimento esse não impugnado a tempo e modo pela União.

2. As normas processuais que regulam a ação civil pública estão na Lei n. 7.347/85, aplicando-se o CPC, tão somente, de forma subsidiária. Daí porque se dizer que a regra do recebimento da apelação contra sentença proferida em seu âmbito é apenas no efeito devolutivo; podendo ou não o juiz conferir o efeito suspensivo diante do caso concreto, como especifica o art. 14 da referida Lei.

Não existe erro no acórdão recorrido, na medida em que o recurso de apelação da União foi recebido apenas no efeito devolutivo e, como se viu, é permitido ao magistrado assim proceder em sede de ação civil pública. E, ainda, por outro lado, nenhum recurso foi interposto contra este juízo de admissibili-dade da apelação, razão pela qual preclusa ficou a matéria, não podendo a recorrente, agora, por vias transversas, buscar o efeito suspensivo.

3. O Ministério Público Federal é o autor da ação civil pública e da execução provisória. Ao querer exe-cutar provisoriamente a condenação, age no exercício regular de seu direito, ou melhor, no exercício regular da tutela dos direitos difusos e coletivos.

4. É de se ver, ainda, que o não cabimento da execução provisória deve estar espelhado nas hipóteses em que impossível a antecipação dos efeitos da tutela ou o deferimento de liminares contra a Fazenda Pública, como, por exemplo, nas hipóteses do art. 2º-B da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória 2180-32/2001, que elenca decisões que tenham por objeto liberação de recurso, in-clusão em folha de pagamento, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores públicos.

5. Também o STJ, soberano na interpretação da legislação infraconstitucional, não toma por incompatí-vel a execução provisória contra a Fazenda Pública com o sistema de precatórios, desde que se trata de quantia incontroversa. Precedente da Corte Especial (EREsp 721791/RS ).

6. Não pode a União inovar em sua tese para tentar discutir, especificamente e de modo isolado, a regra do art. 100, § 1º, da CF, que, ainda por cima, traduz questão de natureza eminentemente constitucional, não passível de conhecimento em sede de recurso especial.

Agravo regimental improvido. AgRg no REsp 436.647/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em

26/08/2008, DJe 07/11/2008)33 Também neste sentido: Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 321; Shimura, “Sistema

recursal no ECA”, op. cit.,p.553 .

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3.4 Revisor

Art. 198, III - os recursos terão preferência de julgamento e dispen-sarão revisor;

O novo CPC eliminou o juiz-revisor ao deixar de dispor sobre tal figura entre os artigos 929 e 946 no capítulo destinado à ordem dos processos no tribunal.

A inovação do sistema geral se coaduna com inciso III, in fine, do art. 198 do ECA. A dispensa de revisor nos recursos estatuários foi outrora motivada pela celeridade processual.

3.5 Juízo de Retratação

Art. 198, VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior ins-tância, no caso de apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco dias;Art.198, VIII - mantida a decisão apelada ou agravada, o escrivão re-meterá os autos ou o instrumento à superior instância dentro de vinte e quatro horas, independentemente de novo pedido do recorrente; se a reformar, a remessa dos autos dependerá de pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados da intimação.

As disposições do Novo Código de Processo Civil não tiveram o condão de revogar, ainda que tacitamente os dispositivos da Lei 8069/90 que trama do juízo de retratação.

A parte do inciso que se refere à interposição do agravo de instrumento pe-rante o juízo a quo está prejudicada, em vista da reformulação dos dispositivos do agravo de instrumento no CPC. A retratação do juiz quanto à decisão interlocutória impugnada pelo agravo de instrumento deverá ser feita nos moldes do art. 1018, §1°, do NCPC.

O juízo de retratação, nos processos que versem sobre os interesses afetos à infância e à juventude, aqueles que se enquadram na competência do art. 148, caput, do ECA, e seu parágrafo único, se constitui obrigatório no recurso de ape-lação e não decorre da recorribilidade da sentença, mas da efetiva impugnação da sentença.

Portanto, o juiz deve reapreciar a sua decisão final sempre que houver inter-posição de apelação. O momento propício para tanto é após a expiração do prazo para a resposta do recorrido, tendo ele apresentado ou não suas contrarrazões em juízo. O julgador tem 05 dias para proferir despacho fundamentado mantendo ou

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reformulando a sua decisão. Em face do contraditório, a jurisprudência tem se orien-tado nesse sentido34.

O prazo de cinco dias para o juiz é impróprio, não implicando o seu desres-peito, desse modo, nenhuma sanção processual ao Juiz, mas poderá haver sanção funcional.

O juízo de retratação é único, isto é, o magistrado pode se retratar da mesma decisão uma única vez. O Estatuto não é expresso quanto a essa questão. Mas é da própria lógica do sistema recursal do duplo grau de jurisdição, no qual a decisão deve ser revista somente mais uma vez, pois caso contrário a segurança jurídica ficaria prejudicada pelos inúmeros recursos interpostos.

O juízo de retratação é obrigatório, e a sua falta implica fulminar com nuli-dade as fases subsequentes do processo. O juiz deve proceder formalmente a ele, mesmo que esteja convicto da manutenção da sentença, ou que o recurso seja fla-grantemente protelatório.

O prazo de vinte e quatro horas para a remessa dos autos para o Tribunal também é impróprio, quando o juiz mantiver sua decisão.

Se o magistrado reformar sua decisão, surgirá, para ex-recorrido, o interesse de recorrer, porque passará a ser o sucumbente a sofrer prejuízo. Entretanto, não há necessidade de se retornar ao procedimento de interposição, ou seja, apresentar nova apelação e suas razões (as do apelante e do apelado).

3.6 Atendimento à prioridade absoluta

Art. 198, III - os recursos terão preferência de julgamento e dispen-sarão revisor;

Art. 199-C.  Os recursos nos procedimentos de adoção e de desti-tuição de poder familiar, em face da relevância das questões, serão processados com prioridade absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos, ficando vedado que aguardem, em qualquer situação, oportuna distribuição, e serão colocados em mesa para julgamento sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público.     (Incluí-do pela Lei nº 12.010, de 2009)      Art. 199-D.  O relator deverá colocar o processo em mesa para julga-mento no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da sua con-clusão. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Parágrafo único.  O Ministério Público será intimado da data do

34 “CORREIÇÃO PARCIAL - Ato judicial - Reforma de sentença de ofício antes de decorrido o prazo de apelação - Infringência do artigo 198, VII, do ECA pelo Juiz - Inversão tumultuária dos atos processuais - Correição parcial cabível e deferida. ” (TJSP, Cam. Esp., Correição Parcial 23.706 –0, Rel. Des. Lair Loureiro, v.u., j 01/06/95.)

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julgamento e poderá na sessão, se entender necessário, apresentar oralmente seu parecer. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)  Art. 199-E.  O Ministério Público poderá requerer a instauração de procedimento para apuração de responsabilidades se constatar o descumprimento das providências e do prazo previstos nos artigos anteriores.      (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)       

Depreende-se, portanto, que as 13 adaptações impostas pelo ECA, compu-tando-se as disposições de cabeça de artigo, parágrafos e incisos, ao sistema pro-cessual civil visam imprimir celeridade a fase recursal. Por isso, dedica cinco (5) delas, logo acima transcritas, aos órgãos – Judiciário e Ministério Público – que em regra têm prazos impróprios, com o intuito assegurar o passo eficaz e expedito dos recursos vindos das Varas da Infância e Juventude.

A celeridade está intrinsecamente ligada à efetividade do processo, na medi-da em que um de seus postulados constitui obter o máximo resultado com o mínimo de dispêndio de energia e tempo. Ademais, o postulado se coaduna com o princípio da prioridade absoluta em relação aos processos afetos à infância e à juventude, que por sua vez devem ser céleres, caso contrário ao seu final já não se encontrará uma criança ou um adolescente

É verdadeira consagração pelo legislador do princípio da prioridade absolu-ta, que como se destacou em item supra, o novo Código de Processo Civil, no art. 1048, II, incorpora expressamente ao dispor que os procedimentos judiciais regu-lados pela Lei 8.069/90 (ECA) terão “prioridade em sua tramitação”, de igual forma reza o art. 152, ECA.

Em consonância com as regras do novel código adjetivo, verifica-se que as disposições estatutárias em referência nesse tópico, com exceção do caput do art. 199-E, permanecem em plena vigência, porquanto proíbem que os recursos fiquem aguardando distribuição, impõe a colocação imediata desses em mesa para julgamento e possibilitam ao parquet exarar parecer oral durante a sessão. Além de incumbir o Ministério Público de fiscalizar o cumprimento dos prazos impróprios e garantir a marcha do processo; podendo, inclusive, requerer a instauração de pro-cedimento para apurar responsabilidade.

O novo Código Processo Civil prevê no art. 931 prazos de 30 dias para rela-tor, a partir da conclusão, devolver o processo à secretária com relatório; cabendo, pois, ao presidente designar dia para julgamento (art. 934).

Por fim, destacamos que as adaptações preconizadas pelo ECA persistirão com o advento da vigência do sistema recursal do NCPC, pois calcam-se na priori-dade absoluta, cujo anseio é a satisfação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Da mesma forma e pelo mesmo fundamento, algumas disposições do novo diploma sobrepujarão o ECA.

RECURSOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIANTE DA SISTEMÁTICA ADOTADA PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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Submissão: 03/11/2015

Aprovação: 24/11/2015

SEÇÃO vII ESPAÇO ABERTO


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