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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Alianas Polticas em Pernambuco: A(s) Frente(s) do Recife (1955-1964)

    Taciana Mendona Santos

    Recife, 2008

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Alianas Polticas em Pernambuco: A(s) Frente(s) do Recife (1955-1964)

    Dissertao de Mestrado apresentada por Taciana Mendona Santos ao Programa de Ps-Graduao em Histria, Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos obrigatrios obteno do ttulo de Mestre em Histria. Orientador: Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro.

    Recife, 2008

  • Santos, Taciana Mendona Alianas polticas em Pernambuco: a(s) frente(s) do Recife (1955-1964) / Taciana Mendona Santos . Recife: O Autor, 2009. 118 folhas: il., tab.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Histria, 2009. Inclui: bibliografia.

    1. Histria. 2. Disputas polticas Pernambuco Recife. 3. Frente do Recife. 4. Eleies - campanhas. 5. Alianas polticas. I Ttulo.

    981.34 981

    CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

    UFPE BCFCH2009/11

  • Resumo

    Alianas Polticas em Pernambuco: A(s) Frente(s) do Recife (1955-1964)

    A Frente do Recife reconhecida no meio poltico e no meio acadmico como uma aliana interpartidria formada em 1955, por ocasio da realizao de eleies municipais no Recife, e que, ao longo das campanhas eleitorais que se seguiram, alcanou sucessivas vitrias na disputa por cargos da administrao pblica estadual e municipal. Considerada uma frente esquerdista, apresenta o PCB e o PSB como os nicos partidos que a integraram em cada uma das campanhas ocorridas entre 1955 e 1963. Contudo, partidos como o PTB, a UDN, o PTN e mesmo a ala dissidente do PSD formam o conjunto de legendas que, em momentos distintos, se apresentaram ao lado daqueles anteriormente citados. No decorrer da presente dissertao, defende-se a idia de que, ao renegociar a participao de cada partido, aquela aliana passava por um processo de reformulao, de modo que cada uma das suas composies pode ser compreendida como uma aliana poltica especfica.

    Palavras chave: Frente do Recife, poltica, disputas eleitorais.

  • Abstract

    Political alliances in Pernambuco: The Frentes do Recife (1955-1964)

    The Frente do Recife is known inside the political and scholar champs as a alliance made in 1955 by some city parties, on account of the municipal elections, and that, during the political campaigns of that year, the alliance has reached successive victories on the contest for places inside the state and municipal public administration. Seemed as a left-winged alliance, proclaims the PCB and the PSB as the only political groups inside the Frente do Recife for the campaigns during 1955 and 1963. However, groups like PTB, UDN, PTN, and even the dissident wing of the PSD make a political colligation which, at different moments, was side by side with the PCB and the PSB. Along this paper, we aim to defend the thesis that the process of renegotiation of the parties participation in the Frente do Recife has brought a process of political reformulation, guiding us to a comprehension of specific configurations for each party alliance.

    Key words: Frente do Recife, politics, electoral contention

  • Agradecimentos

    Desde de 1999, ano em que iniciei minha graduao no curso de histria, venho acumulando uma enorme dvida de agradecimentos. Esse grande dbito e o receio de cometer alguma injustia contribuem para que a escrita do presente texto se caracterize como uma tarefa bastante rdua. Para a sua construo busquei me apropriar do conceito de companheiro que me foi apresentado pelo bispo Xavier Maupeou. Em entrevista concedida ao professor Antnio Montenegro, o referido religioso afirma que companheiros so aqueles com quem dividimos experincias relevantes em nossas vidas, e, como exemplo, cita o estivador/contrabandista com quem esteve preso por uma noite e um dia. Passo ento a agradecer a todos aqueles com quem estive presa ao longo de parte do meu trajeto, como no poderia deixar de ser, nem todos sero nomeados, mas tambm aos omissos dedico minha sincera gratido.

    Entre os amigos destaco o constante incentivo de Glucia Moura, companheira inseparvel desde os primeiros momentos da graduao. J Carol Cah, Luiz Antnio de Oliveira e Aluzio Medeiros, embora colegas de graduao, so preciosos amigos conquistados aps o ingresso no curso de mestrado. Ao longo do ano de 2004, tive o imenso privilgio de dividir corredores empoeirados e insalubres (e tambm muitos chocolates) com duas pessoas que muito me ensinaram, Emanuele Maupeou e Juliana Rocha. Como estagiria do arquivo pblico contei sempre com o apoio irrestrito de Girlaine Pimentel, Cntia Sales e Emlia Vasconcelos, as quais sempre me incentivaram em todos os desafios que me dispus a enfrentar. Como colegas de grupo de pesquisa tive oportunidade de compartilhar enriquecedores momentos com Viviane Antunes, Diogo Cunha, Mrcio Vilella e Pablo Porfrio, amigos queridos e leitores generosos os dois ltimos, na condio de colegas de mestrado, diversas vezes contriburam diretamente para a elaborao da presente dissertao. Durante muito tempo, Humberto Miranda, Manuela Arruda e Lenivaldo Cavalcante figuraram como amigos dos meus amigos, contudo, a convivncia dos ltimos tempos nos aproximou, contribuindo para o florescimento de uma relao que independe da atuao de terceiros. Em Alexandro de Jesus encontrei um fiel e constante incentivador, o mesmo podendo ser dito de Helen Lopes e Douglas Moraes. De modo algum poderia deixar de dirigir um agradecimento mais que especial a Flvio S Neto, companheiro de muitas aventuras, e algum que nunca hesitou em me estender a mo fosse qual fosse a minha necessidade... meu amigo, muito obrigada.

  • Aluna do curso noturno, durante os primeiros semestres da graduao tive minha relao com a universidade restrita s vivncias em sala de aula. A partir de 2002, por meio da obteno de uma bolsa de manuteno acadmica, passei a viver o CFCH (Centro de Filosofia e Cincias Humanas) de maneira mais intensa. Como bolsista da coordenao do curso de histria tive o privilgio de trabalhar ao lado de Ftima Paixo e do professor Luciano Cerqueira. Foi nesse perodo que passei a desenvolver uma ilimitada admirao por Rogria Feitosa e pela professora Virgnia Almodo, exemplos como pessoas e como profissionais. tambm desse perodo que vem a enorme saudade de colocar caf, acar e leite para a professora Alice Aguiar (in memorian), a qual diariamente se reafirmava como filha de usineiro.

    Em 2003 teve incio uma relao difcil de descrever, de resumir, uma convivncia cotidiana atravs da qual me foram ofertadas diversas oportunidades. Nos ltimos cinco anos, a convite do professor Antonio Montenegro, passei a fazer parte do seu grupo de pesquisa, fui desafiada a ser pesquisadora, escrever artigo, organizar eventos acadmicos, ter coragem suficiente para me inscrever na seleo do mestrado. Aprendi a admirar a persistncia do meu orientador em combater meus vrios momentos de hesitao, em me incentivar a lutar contra minhas deficincias terico-metodolgicas. Levei incontveis broncas, por muitas vezes recebi aquele indesejvel olhar sobre os culos e fui acusada de estar sendo simplista. No conjunto, descobri a importncia de conviver com algum que afirma desejar que suas crianas aprendam a caminhar com as prprias pernas.

    Durante a graduao contei com o constante incentivo das professoras Vera Accioly, Patrcia Pinheiro e Ana Maria Barros, assim como do professor Carlos Miranda. Ao longo do mestrado contei com a importante ajuda das professoras Suzana Cavani, Socorro Ferraz e Tnya Brando, bem como dos professores Flvio Teixeira e Marc Hoffnagell. Alm desses, trs pessoas tiveram papel fundamental na minha formao acadmica. Na professora Regina Guimares encontrei uma leitora exigente e perspicaz, algum que enxergava nos meus textos algo que eu era incapaz de ver. Em suas aulas, durante o meu exame de qualificao, e tambm por ocasio da defesa deste trabalho, crticas e incentivos caminharam lado-a-lado. J o professor Severino Vicente - tambm integrante das minhas bancas de qualificao e de defesa sempre esteve disposto a me oferecer suas crticas, esclarecer minhas dvidas, sugerir leituras, emprestar seus livros. Uma ateno que poderia ser representada pela porta sempre aberta, com a qual muitas vezes me deparei ao passar em frente a sua sala. J o

  • professor Denis Bernardes, ofereceu importantes contribuies para a finalizao da presente dissertao.

    Agradeo tambm a Luciane, Marta, Carmem, Sandra, dona Izabel e Marielly, pessoas que muitas vezes me fizeram sorrir, facilitando a minha vida junto ao programa de ps-graduao.

    Meu agradecimento final dedicado aos companheiros mais antigos: meus pais, Thomas Fontes (in memorian) e Terezinha do Rgo Barros, que sempre se esforaram em oferecer uma boa educao aos seus filhos; meus irmos, Mnica, Byron, Nomia e Teresa, companheiros de uma vida; meu marido, Ricardo, que atravessou comigo diversos desafios; e meus filhos, Letcia e Thoms, pequenos grandes companheiros que sempre compreenderam o corre-corre em que levo meus dias.

    Dedico a todos o meu sincero agradecimento. Agradeo ainda, Capes e ao Cnpq pelo financiamento da presente pesquisa.

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    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Sumrio

    Introduo .......................................................................................................................1

    I - Construindo a Frente do Recife Trajetria poltica e historiogrfica..............10 1. O fazer contnuo das alianas - ...........................................................................14 2. Uma Histria sobre a Frente do Recife ..............................................................32 3. Roberto Aguiar Um novo olhar........................................................................41

    II Edificando uma estrutura democrtica O universo das leis.............................48 1. Confrontos pelo Governo do Estado Antecedentes da Frente do Recife ....56 2. A redemocratizao municipal ...........................................................................64 3. O Movimento Popular Autonomista (MPA).......................................................70 4. A Batalha da Prefeitura....................................................................................75

    III A conquista do poder e os desafios da transio ...............................................79 1. O incrvel causo dos gatos...................................................................................84 2. A Batalha da Acumulao................................................................................88 3. O poder (do) Judicirio........................................................................................97

    Consideraes Finais...................................................................................................101

    Referncias Bibliogrficas..........................................................................................105

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    Introduo

    Em setembro de 1946, com a sano da Carta Constituinte do Brasil, o pas assistiu regulamentao legal do que se poderia nomear de direitos polticos da populao. Tal documento estabelecia as normas que, em princpio, definiam as prticas polticas institucionais vigentes dali por diante. As normas ali existentes perduraram at o golpe civil-militar de 1964 de modo que, ao longo desse perodo, a disputa poltica transcorreu de forma democrtica, observando as normas constitucionais, j que a conquista de variados cargos dos poderes executivo e legislativo das trs esferas do governo Unio, estados e municpios passou a ocorrer atravs da consulta popular, por meio do sufrgio direto.

    Assim sendo, os polticos que se estabeleceram no poder durante o Estado Novo, bem como aqueles que lhes faziam oposio, passaram a se filiar aos recm criados partidos nacionais visando s eleies que se aproximavam. Diante do exposto, pode-se afirmar que o perodo compreendido entre a publicao da Carta Constituinte de 1946 e o golpe civil-militar de 1964 pode ser considerado como a primeira grande experincia democrtica vivenciada pela populao do Brasil1.

    Com base nas regras estabelecidas em 1946 surgiram pequenos e grandes partidos os quais, individualmente, ou atravs de alianas interpartidrias, passaram a disputar os votos do eleitorado. Enquanto grandes partidos como o PSD (Partido Social Democrata), e a UDN (Unio Democrtica Nacional) apresentavam-se individualmente ou coligados a pequenos partidos, outros, como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro), a partir de um determinado momento, passaram a compor o que ficou conhecido na historiografia como frentes oposicionistas ou frentes de esquerda.

    Uma breve incurso a livros que se dediquem a analisar as disputas eleitorais do perodo colocar o leitor diante de diversas composies interpartidrias. Sob a forma de alianas, frentes ou coligaes2, as diversas representaes partidrias se uniram com o objetivo de conquistar os mais elevados cargos eletivos. Essas composies variaram de acordo com a regio e o perodo em que ocorreram, mas a unio de diferentes

    1 Carvalho, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    2006. 2 No mbito das cincias polticas busca-se construir uma clara distino entre alianas, frentes e

    coligaes sem que, no entanto, haja um consenso quanto caracterizao especfica de cada um desses enlaces partidrios. Ao longo do texto que se segue optei por ignorar as possveis diferenciaes, valendo-me, na maior parte dos casos, da expresso aliana.

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    partidos em torno de uma mesma candidatura tornou-se um elemento comum no cenrio poltico nacional. Assim sendo, vlido afirmar que ao longo desse breve perodo democrtico o sistema pluripartidrio ento vigente teve na unio interpartidria uma constante.

    Em Pernambuco, os grupos ligados ao PSD, sob a liderana de Agamenon Magalhes, desde o Estado Novo vinham ocupando o governo do estado. Em 1955, o PCB, o PSB e o PTB formaram uma aliana poltica com o intuito de concorrer s eleies municipais que ocorreriam naquele ano. Forma-se ento a Frente do Recife, unio na qual cada um dos partidos integrantes buscou condies para superar suas prprias dificuldades. O PCB que desde a dcada de 1930 com a legenda Trabalhador, Ocupa Teu Posto, gozava de uma boa penetrao eleitoral no Recife e cidades vizinhas, mas que, com base nas normas estabelecidas na Lei Agamenon, teve seu registro eleitoral cassado (1947), conseguia assim participar ativamente de um pleito democrtico. O PSB partido poltico criado em julho de 1947 era um partido legalmente constitudo3, mas no detinha uma mquina eleitoral bem estruturada como a desenvolvida pelos comunistas ao longo de anos4. J o PTB, embora despontasse como o terceiro maior partido do pas, em Pernambuco no conseguia angariar o apoio do operariado urbano, setor que tradicionalmente formava sua base eleitoral em outros estados. Assim, com o objetivo de vencer um adversrio comum, comunistas, trabalhistas e socialistas passaram a lutar conjuntamente pelos votos dos eleitores de Pernambuco e a combater as prticas polticas institudas pelo PSD no estado.5

    3 A Esquerda Democrtica (ED) partido poltico formado a partir de uma frao da UDN, em julho de

    1947 passou a responder pelo nome de Partido Socialista Brasileiro. Esse grupo, ao lado do PCB, havia apoiado a campanha de Pelpidas Silveira ao cargo de governador de Pernambuco (1947). De acordo com Antnio Lavareda, a ED seria formada pela ala mais esquerda da UDN. Alguns intelectuais de renome como Gilberto Freyre, Mauro Mota, Osrio Borba, Jos Otvio de Freitas e Murilo Costa Rego participaram dessa agremiao poltica. Ver Pandolfi, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhes. Recife: Fundao Joaquim Nabuco Editora Massangana, 1984, p.105. e Lavareda, Antnio. A luta eleitoral com a redemocratizao: as eleies nacionais de 1945 e o pleito estadual de 1947. In Lavareda, Antnio e S, Constana (orgs.). Poder e Voto: luta poltica em Pernambuco. Recife, Fundaj/Editora Massangana, 1986. p.35. 4 Referindo-se campanha eleitoral suscitada pelo falecimento de Agamenon Magalhes (1952), Paulo

    Cavalcanti, uma das lideranas comunistas, chega a afirmar que, naquele momento, o PSB era uma legenda sem partido, enquanto o PC era um partido sem legenda. Ver Cavalcanti, Paulo. O Caso Eu Conto Como o Caso Foi: da coluna Prestes queda de Arraes. So Paulo: Alfa-mega, 1978, p.265. 5 O PSD, com o apoio dos chefes polticos do agreste e serto de Pernambuco, conquistava a maior parte

    dos votos dessas regies. Sob esses chefes polticos do interior do estado comumente recai a nomenclatura de coronis. Quanto a sua atuao e sua influncia poltica nos diversos municpios do pas ver Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o municpio e o regime representativo no Brasil (3. Ed.). Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

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    No decorrer das campanhas ocorridas entre 1955 e 1963, a Frente do Recife se apresentaria sob formas diversas, se articulando com partidos e interesses aparentemente bastante antagnicos. Ao longo de sua trajetria, exceo da derrota sofrida ao cargo de vice-prefeito nas eleies de 1963, a Frente do Recife conquistaria todos os cargos executivos que viria a disputar6. Vale aqui uma ressalva no que tange a realizao de alianas com outros partidos, ou mesmo o apoio negociado com parcelas dos mesmos. Ocorre que, a cada eleio, os partidos dominantes na Frente (PCB, PSB e PTB) negociavam o apoio de outros partidos, seja integrando as Oposies Unidas (1958), ou chegando a aliar-se com adversrios histricos como eram considerados diversos polticos do PSD.

    Pode-se dizer que a existncia de alianas com outros partidos dificulta o estabelecimento de limites entre os partidos que compunham a Frente e aqueles que a mesma teve como aliados momentneos. Isso porque, no decorrer das cinco campanhas realizadas nesse perodo, apenas o PCB e o PSB se apresentaram de forma constante. O PTB, o qual tambm seria um dos partidos que integravam o ncleo central da referida aliana, em algumas campanhas chegou a apoiar candidaturas adversrias quelas apresentadas pela Frente do Recife. J a UDN, a ala dissidente do PSD e alguns pequenos partidos como o PTN, figuram como partidos que se coligaram a Frente do Recife, por ocasio de determinadas candidaturas, sem que, no entanto, fizessem parte efetiva da mesma. Cientes de que, mesmo a manuteno da aliana existente entre o PCB, o PSB e o PTB, dependia das negociaes realizadas no perodo que antecedia cada uma das campanhas eleitorais, pode-se aceitar a existncia no de uma, mas de diversas Frentes do Recife. De modo que a Frente do Recife que em 1958 coligou-se UDN formando as Oposies Unidas seria uma nova aliana, formulada com base na Frente que em 1955 elegeu Pelpidas Silveira ao cargo de prefeito do Recife. Essa compreenso, de certo modo, rompe com a idia de continuidade, contudo, no ignora as permanncias existentes entre uma e outra formao.

    No nosso entendimento, a anlise das disputas existentes no interior de cada Frente, assim como a formao de alianas com outros partidos so fundamentais para que entendamos a atuao poltica das diversas Frentes do Recife. Sendo assim,

    6 Vale ressaltar a nossa opo em nos determos sobre os pleitos realizados em mbito estadual e

    municipal, razo pela qual no mencionamos a eleio de Jnio Quadros ao cargo de presidente da repblica como uma derrota da Frente do Recife. Quanto a essa questo Roberto Aguiar afirma que foi somente na eleio presidencial de 1960 e na de Prefeito em 1963 que a aliana entre comunistas e socialistas obteve menos de 50% dos votos, no Recife. Ver Aguiar, Roberto Oliveira de. Recife da Frente ao Golpe: Ideologias polticas em Pernambuco. Recife: Editora Universitria da UFPE, 1993.

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    optamos por centrar o foco de anlise na construo de uma estrutura poltico-partidria que se renovava a cada campanha, valendo-se para tanto das condies que lhes eram oferecidas pelo sistema eleitoral ento vigente. Nesse sentido, o entendimento sobre as Frentes do Recife parte da assertiva bsica de que, embora coligados, os partidos que as compunham no renunciaram s suas prticas e aos seus projetos prprios. De modo que as tenses existentes entre o todo e as partes se apresentavam de forma constante, visto que cada uma dessas partes se constitua como uma representao poltica independente.

    Embora seja reconhecida como uma aliana em que predominavam as idias e projetos de esquerda, observa-se na Frente do Recife a existncia, nem sempre pacfica, de foras polticas antagnicas, at dentro de um mesmo partido. As lideranas do prprio PCB nem sempre comungavam das mesmas avaliaes e perspectivas polticas, como ocorreu em 1958, por ocasio do lanamento da candidatura de Cid Sampaio ao governo do estado.

    Nos debates internos do Partido Comunista, David Capistrano da Costa, seu dirigente mximo, defendia a tese de que se devia sair imediatamente com o nome do industrial Cid Sampaio, deixando trabalhistas e socialistas para trs. O importante, dizia, era a aliana com a burguesia. Eu e Iran Pereira, em reunies que se realizavam com os comunistas, na redao da Folha do Povo, ao contrrio, reivindicvamos primeiro a consolidao da Frente Popular e de esquerdas antes de marchar-se com a candidatura Cid.7

    A opo de David Capistrano seguia as orientaes presentes na Declarao de Maro de 1958, documento no qual o PCB revia sua orientao quanto convivncia com a burguesia nacional. O citado documento defendia a efetivao de uma aproximao entre os integrantes do operariado e da burguesia na qual o combate ao imperialismo norte-americano e a defesa do desenvolvimento econmico do pas deveriam atuar como elemento de aproximao8. Desse modo, a vitria do progresso contra o atraso poderia ser vista como o primeiro passo para a revoluo. Inspirado nas decises do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista Sovitico) esse documento encontrou opositores entre os integrantes dos diversos diretrios regionais do pas, assim como entre as lideranas nacionais.

    7 Cavalcanti, Paulo. Op. Cit., p. 273.

    8 Reis Filho, Daniel Aaro. A Revoluo faltou ao encontro. So Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

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    Alm disso, o fragmento anteriormente citado revela que, de acordo com Paulo Cavalcanti, ao defender a tese de que se devia sair imediatamente com o nome do industrial Cid Sampaio, deixando trabalhistas e socialistas para trs David Capistrano da Costa estaria privilegiando o sucesso do PCB, enquanto outros integrantes do partido defendiam a consolidao da aliana com o PSB e o PTB.

    Com base nessas e em outras disputas possvel afirmar que as batalhas pelo poder ocorriam inicialmente no interior de cada partido e, posteriormente, de acordo com os ajustes firmados, era consolidada a participao de cada partido junto Frente do Recife. Formada a aliana, seus integrantes passavam a definir as estratgias de combate que viriam a ser adotadas ao longo da campanha sucessria em questo. Uma tenso recorrente no que diz respeito s disputas internas era a indicao dos candidatos aos cargos majoritrios, privilgio comumente reivindicado por mais de uma das legendas que se apresentavam conjuntamente. Objetivando analisar alguns dos elementos pertinentes s disputas polticas aqui descritas, optei por dividir o presente texto em captulos que, embora se apresentem como textos independentes, podem ser percebidos como complementares um ao outro. Ao longo do primeiro captulo, optei por descrever as negociaes que antecederam cada uma das campanhas ocorridas entre 1955 e 1963, e algumas das polticas implementadas durante os mandatos majoritrios conquistados por candidatos da Frente. Ao faz-lo, privilegiei como fonte documental os exemplares do Dirio de Pernambuco e do Jornal do Commercio, dois dos peridicos de maior circulao no estado aquela poca. Em seguida, passei a analisar a historiografia que, tomando por base as tabelas eleitorais referentes trajetria eleitoral da Frente do Recife9, construiu a tese de que o sucesso daquela aliana partidria decorreria do comprometimento existente entre o eleitorado do Recife e os partidos que se apresentavam como de esquerda. Desse modo, as trajetrias eleitoral e historiogrfica da Frente do Recife se apresentam de forma a nos oferecer dois percursos. Enquanto a trajetria eleitoral coloca as disputas vivenciadas a cada pleito, a incurso historiografia remete a uma disputa de

    9 Ao caracterizarmos as campanhas transcorridas entre 1955 e 1963 como toda a trajetria eleitoral da

    Frente do Recife nos colocamos diante de duas armadilhas. Primeiro vale lembrar que entendendo a Frente do Recife como uma composio dinmica poderamos afirmar que o que se apresenta na historiografia como seus antecedentes pode ser compreendido como um momento de atuao da prpria Frente. Segundo, embora o citado enlace poltico tenha chegado ao fim com o golpe civil-militar de 1964, o mesmo continua habitando os palanques eleitorais por ocasio das campanhas travadas em Pernambuco. Da o uso do termo eleitoral e no poltico, pois, no nosso entendimento, a trajetria poltica da Frente do Recife ainda no teve fim.

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    significados na qual os socilogos Jos Arlindo Soares e Roberto Oliveira de Aguiar ganham grande destaque. Em A Frente do Recife e o governo do Arraes, Jos Arlindo descreve a ascenso das foras de esquerda desde a eleio municipal de 1955 at a to desejada conquista do governo do estado, em 1962. Essa ltima podendo ser percebida como decorrente da penetrao dos grupos que se opunham ao PSD, junto ao eleitorado das reas mais interioranas de Pernambuco. Desse modo, os partidos de esquerda que tradicionalmente alcanavam o maior nmero de votos entre o eleitorado da capital, mas que comumente eram derrotados pelos votos oriundos do agreste e do serto, regies em que o PSD alcanava ampla maioria, passavam a, enfim, comemorar uma vitria em mbito estadual10.

    J Roberto Aguiar, ao longo de sua crtica aos defensores da existncia de um comprometimento ideolgico entre a populao do Recife e os partidos de esquerda, atribui parte do sucesso eleitoral da Frente do Recife ao desenvolvimento de relaes clientelsticas e s dificuldades vivenciadas pelo PSD no Recife e cidades vizinhas. Segundo o autor, o desenvolvimento das citadas relaes clientelsticas favoreceria polticos populistas, os quais, ao que nos parece, so percebidos como mais hbeis na disputa direta pelo apoio do eleitorado.

    Destaque-se ainda a importncia que Aguiar atribua a existncia de alianas entre os partido de esquerda e outros partidos. Nesse sentido, vale observar que enquanto Luciana Jaccoud11 atribui o sucesso da Frente do Recife sua capacidade de se aliar aos representantes dos movimentos sociais, Aguiar afirma que a aproximao com a UDN e a ala dissidente do PSD teria sido fundamental para a conquista de sucessivas vitrias. Desse modo, as vitrias de Pelpidas Silveira, e principalmente as de Cid Sampaio e de Miguel Arraes, no poderiam ser entendidas como representativas da ascenso da esquerda em Pernambuco.

    No segundo captulo, passei a estudar a formulao de leis democrticas e suas implicaes sobre as disputas polticas que se seguiram. Passagem em que se destaca a elaborao do Ato Adicional n 9, da Lei Agamenon e da Constituio Federal de 1946. Conjuntos de leis que, entre outros aspectos, contemplaram as regras a serem adotadas

    10 Observe-se que na campanha estadual de 1958 o industrial Cid Sampaio (UDN), com o apoio do PCB,

    do PSB e do PTB, havia derrotado o candidato do PSD. Contudo, para Jos Arlindo Soares, a vitria de Miguel Arraes (1962) como legtimo representante da Frente do Recife, marcaria a to desejada conquista do governo do Pernambuco. 11

    Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise poltica em Pernambuco (1955-1968). Recife: Editora Massangana, 1990.

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    no mbito das disputas eleitorais. Associadas, essas leis compem a legislao sobre a qual foi construdo o funcionamento do sistema poltico ento vigente. Foi sob o estabelecido no Ato Adicional n 9 e na Lei Agamenon que ocorreu a eleio para a Assemblia Constituinte (02/12/1945), bem como aquela em que Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente da Repblica (02/12/1945).

    J os pleitos eleitorais em que seriam escolhidos os governadores de estado, ocorreram a partir de 1947, aps a publicao da nova Carta Constituinte. Em Pernambuco, por ocasio da disputa ao cargo de governador (1947), o PCB e a ED formaram uma aliana em torno da candidatura de Pelpidas Silveira. Essa aliana pode ser compreendida como um momento de aproximao entre o PCB e os demais grupos de esquerda atuantes em Pernambuco. Aproximao que s se tornou possvel, nos moldes de uma coligao, graas ao modelo pluripartidrio institudo no novo perodo democrtico. Modelo que permitia a apresentao de uma mesma candidatura por mais de um partido, desde que legitimamente reconhecidos.

    Surge ento uma nova lei, a qual foi alvo de grande repercusso entre os meios polticos de Pernambuco. Em janeiro de 1955, o presidente Caf Filho sancionou a lei que concedia autonomia eleitoral cidade do Recife. De acordo com a citada lei, a partir daquele ano, o prefeito daquela capital passaria a ser escolhido atravs do voto direto, e no mais pela indicao do governador do estado. A aprovao da autonomia se apresenta como fruto do esforo de diferentes partidos, os quais teriam formado o Movimento Popular Autonomista (MPA), com o objetivo de conseguir a aprovao da referida lei, junto Cmara Federal. Contudo, confirmada a existncia da disputa eleitoral para o cargo de prefeito, cada um dos partidos que compunham o MPA passou a articular novas alianas em torno do pleito que se aproximava.

    Vale salientar, que at um momento avanado da pesquisa sobre a Frente do Recife, no tnhamos conhecimento da existncia do movimento anteriormente citado. Isto porque, inicialmente, privilegiamos em nossa pesquisa as atas da Cmara Municipal do Recife e os exemplares do Dirio de Pernambuco. E, apenas em um momento posterior, por ocasio de incurses aos exemplares do Jornal do Commercio, tomamos conhecimento da existncia do referido movimento. At aquele momento, as informaes que tnhamos acerca da lei de autonomia restringiam-se ao seu contedo e sua autoria direta, atribuda ao deputado Barros Carvalho, presidente do diretrio estadual do PTB. Tanto a documentao quanto a bibliografia com que trabalhvamos no apresentavam informaes sobre o Movimento Popular Autonomista, nem mesmo

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    sobre sua existncia. Desse modo, a pesquisa no Jornal do Commercio, ao nos possibilitar essa descoberta, ofereceu novos elementos de estudo. E, se at ento, acreditvamos que a sano da lei de autonomia representava uma conquista do PTB, posteriormente, a pesquisa possibilitou compreender que a referida lei nascera como fruto de esforos pluripartidrios, sendo possvel, ento, analisar as redes nas quais a autonomia fora gestada.

    A existncia de um captulo em que se privilegia a construo das leis que regiam o processo democrtico justifica-se pela necessidade de apreendermos a existncia de um conjunto legal que legitimava a unio interpartidria. Condio que tornou possvel ao PCB, mesmo na ilegalidade, participar ativamente das disputas democrticas. Do mesmo modo, ao legitimar a apresentao de uma mesma candidatura por partidos polticos independentes, a legislao em questo possibilitou o surgimento de uma relao na qual o um partido que ora se apresentava como aliado pudesse, no pleito seguinte, figurar como principal adversrio. Assim sendo, entende-se que na tentativa de compreender a mobilidade da formao e dissoluo de alianas, deve-se contemplar a legislao eleitoral vigente no perodo, bem como suas repercusses junto a cada campanha eleitoral.

    Nos captulos anteriormente descritos, a unio entre polticos de diferentes partidos apresentada em torno de candidaturas eleitorais, ou ainda, com vistas aprovao de leis ou conjuntos de leis. No terceiro captulo, optei por contemplar os acordos e desacordos realizados durante um dos mandatos conquistados por um representante da Frente do Recife (1956-1960). Escolha que, em certa medida, resultou da existncia de um conjunto documental no qual a formao de uma aliana entre vereadores eleitos por diversos partidos se apresenta como uma estratgia adotada pelos opositores de Pelpidas Silveira, com o objetivo de combater o seu modelo de gesto democrtica. No centro desse conflito forma-se uma grande disputa em torno de legitimidades. Debates em que se questiona a legitimidade de mandatos conquistados com o apoio do PCB; o direito de acumular cargos pblicos; e a condio dos vereadores enquanto nicos e legtimos representantes da populao.

    Ao longo do texto, tentamos destacar a aproximao entre o vice-prefeito do Recife, Joo Vieira de Menezes, e os vereadores que faziam oposio gesto de Pelpidas. As medidas adotadas pelo vice-prefeito, o qual havia sido eleito por um dos partidos que, naquele momento, compunham a Frente do Recife podem ser percebidas como uma demonstrao da fragilidade daquela aliana. No tocante formao de

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    alianas, pode-se afirmar que a disputa de poder entre o prefeito (PSB) e o vice-prefeito (PTB), a qual se estendeu por todo o mandato, de certo contribuiu para que, chegado o momento de compor alianas em torno de uma nova campanha municipal, o PTB no chegasse a um acordo com os demais integrantes da Frente do Recife.

    Ao final do captulo, apresentamos um tpico no qual se discute a importncia do poder judicirio junto s disputas polticas realizadas entre 1947 e 1963. Embora essa discusso se apresente ao lado dos litgios judiciais ocorridos durante o mandato de Pelpidas Silveira (1956-1960), vale lembrar que desde a eleio estadual de 1947, ocorreram diversos episdios em que as disputas eleitorais cederam lugar aos litgios jurdicos. Episdios como a tentativa de anulao da eleio de Barbosa Lima Sobrinho ao cargo de governador (1947) e a Batalha da Acumulao revelam como, ao longo do perodo democrtico em questo, as disputas por cargos eletivos no se restringiam s conquistas eleitorais. Fazia-se necessrio contar com o reconhecimento, com a

    legitimidade dos resultados verificados nas urnas. Assim sendo, a existncia de disputas cotidianas ocorridas ao longo de um determinado mandato, nos leva a afirmar que a anlise da trajetria poltica da Frente do Recife no pode se restringir aos resultados presentes nas tabelas eleitorais, to pouco s medidas implementadas ao longo de uma determinada gesto.

    Nesse sentido, destaca-se, mais uma vez, a importncia da Constituio Federal, j que, ao estabelecer os deveres e atribuies dos poderes executivo, legislativo e judicirio, aquele documento regulamentava as relaes entre os representantes de cada poder. De modo que, nos momentos de acirrada disputa entre representantes dos poderes executivo e legislativo, esses buscavam se apropriar do estabelecido em lei para ento empreenderem esforos contra seus adversrios. Cientes de que os adversrios da Frente do Recife, aproveitando-se da ilegalidade do PCB, questionavam a legitimidade da referida aliana, pode-se afirmar que os embates pelo reconhecimento dos mandatos conquistados por seus representantes devem ser compreendidos como elementos que estiveram presentes ao longo de cada uma das composies daquela frente oposicionista.

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    I - Construindo a Frente do Recife Trajetria Poltica e Historiogrfica

    No decorrer da dcada de 1950, surgiram diversos movimentos que concorreram no sentido de promover mudanas no quadro poltico e social do Nordeste e, particularmente, de Pernambuco. As associaes de bairro proliferaram-se pelos subrbios do Recife, se apresentando como uma ameaa s prticas polticas ento vigentes12. Com a fundao da SAPPP (Sociedade Agrcola dos Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco), o deputado Francisco Julio passou a reivindicar mudanas sociais no campo, sendo responsvel pela criao e manuteno de vrios ncleos das Ligas Camponesas. Com o apoio do governo federal, o economista Celso Furtado elaborou o plano de criao da CODENO (Comisso para o Desenvolvimento do Nordeste), posteriormente transformada na SUDENE (Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste)13. A coordenao desses e de outros grupos que visavam ao desenvolvimento da regio e melhoria das condies de vida da populao, via de regra, cabia a pessoas que atuavam fora da esfera de poder do diretrio estadual do PSD, partido que desde o fim do Estado Novo mantinha o controle poltico do Estado. Desse modo, possvel supor que a consolidao desses movimentos, assim como a criao da SUDENE, contribuiu para que polticos adversrios daquele partido angariassem uma maior penetrao poltica no estado, pois, se no marchavam lado-a-lado, visavam estruturao de novos quadros em oposio mquina estatal que parecia indiferente realidade de explorao, desigualdade e misria em que estava mergulhada boa parte da populao de Pernambuco.

    Mesmo com pequena margem de votos, at 1954, o PSD, a cada campanha vinha conseguindo assegurar suas vitrias nas disputas eleitorais. Com a formao de entidades civis como a SAPPP e a Federao das Associaes de Bairro do Estado de

    12 Acompanhando a documentao produzida pela Cmara Municipal do Recife possvel observar como

    a atuao de lideranas junto populao vista com maus olhos pelos vereadores da cidade. As desavenas em torno da existncia dessas Associaes obtiveram maior destaque durante o mandato de Pelpidas da Silveira (1956-1960) frente prefeitura. Ver Pontual, Virgnia. Uma cidade e dois prefeitos. Narrativas do Recife nas dcadas de 1930e 1950. Recife: Editora Universitria da UFPE, 2001, p.p.134 - 148. Quanto criao e manuteno das Associaes de Bairro e suas possveis inspiraes ver Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise poltica em Pernambuco (1955- 1968). Recife: Editora Massangana/FUNDAJ, 1990. 13

    Em A Revoluo que Nunca Houve, Joseph Page descreve parte da atuao poltica de Francisco Julio, Celso Furtado e Miguel Arraes de Alencar, assim como a influncia de cada um junto aos movimentos reivindicatrios de mudanas sociais. Ao longo de sua narrativa constri-se a idia de que cada um deles galgou seu espao junto a um determinado domnio. A populao do campo, o governo federal e a frente urbana, respectivamente. Ver Page, Joseph A. A Revoluo que Nunca Houve: O nordeste do Brasil 1955-1964. Traduo de Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: Editora Record, 1972.

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    Pernambuco foram criados espaos em que os problemas das camadas pobres eram discutidos e, posteriormente, levados ao poder pblico. A historiografia nos mostra que, em ambos os casos, os representantes do PSD viam nessas organizaes uma ameaa manuteno do seu poder. No faltam registros em que tais entidades so acusadas de subversivas e antidemocrticas sem que, no entanto, seja discutido o objeto das suas reivindicaes. Nesse sentido, os discursos polticos da poca revelam a existncia de duras crticas quanto forma com que essas entidades eram conduzidas, sem que, em contrapartida, se apresentem propostas viveis para o combate dos males sociais que afligiam a populao. Ou melhor, tais alternativas chegavam a ser colocadas, mas no de forma a satisfazer as demandas da populao; pareciam atender exclusivamente aos interesses daqueles que as defendiam, os quais, aparentemente, desejavam apenas sufocar quaisquer propostas reformistas14.

    No caso da SUDENE, o grande diferencial que sua fundao foi obra do poder pblico federal como resposta ao agravamento da misria no nordeste do pas. Embora no possa ser percebida como um movimento social reformista, essa superintendncia tambm pode ser compreendida como uma ameaa hegemonia do PSD j que passou a intermediar parte dos acordos travados entre os estados e o governo federal15. Em A Revoluo que Nunca Houve, Joseph Page trata da insatisfao de alguns governadores do nordeste quanto a essa intermediao. Em sua narrativa o autor cita casos em que tais governadores firmaram contratos com a USAID sem a aprovao da SUDENE, fato que a rigor no deveria ser possvel, j que cabia aquela superintendncia intermediar as relaes entre as partes envolvidas. Se a existncia de rgos como a SUDENE no pode ser percebida apenas como reflexo da sensibilidade do governo federal, no entanto parece revelar como o trabalho de intelectuais como Celso Furtado e Josu de Castro, os quais deram visibilidade grave situao vivenciada por uma grande parcela da populao nordestina, em alguma medida vinha surtindo efeito.

    O desejo de conquistar o poder e um modelo de democracia no qual as alianas, coligaes e frentes partidrias podiam ser feitas e desfeitas de acordo com as demandas imediatas, tornou possvel o congraamento entre alguns dos partidos que se propunham

    14 Ao longo do terceiro captulo tentaremos demonstrar como, diante da proliferao de associaes de

    bairro e do apoio que o poder executivo oferecia s mesmas, parte dos vereadores da capital passaram a defender a existncia dessas associaes sob sua prpria liderana. No nosso entendimento, alternativas como essas, em que defende-se a substituio das lderanas dos bairros por cabos eleitorais ligados a determinados vereadores, em nenhum momento visam aos reclames da populao, mas sim a neutralizar qualquer tipo de oposio imposta aos grupos que ocupavam o poder. 15

    Oliveira, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gio. Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflito de Classes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

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    a combater o PSD. Observe-se que, embora nosso interesse especfico recaia sobre uma aliana ocorrida em Pernambuco, no podemos ignorar que a composio entre partidos tornou-se prtica cotidiana na poltica nacional. No mais, vale ressaltar que a Frente do Recife no pode ser entendida como um fenmeno mpar, visto a existncia de alianas ditas reformistas em outros estados da federao.

    Assim sendo, pequenos e grandes partidos polticos, diante do risco de sucumbir fora das urnas, passaram a vislumbrar a possibilidade de unio. Surgem assim negociaes entre as lideranas de diferentes partidos, chegando efetivao de alianas, algumas rpidas e fortuitas, outras mais duradouras e elaboradas. Com as alianas, as denncias quanto ao no cumprimento de acordos passam a integrar as disputas polticas. Para a justificao da aliana era necessrio um interesse comum, uma possvel afinidade ideolgica ou programtica que, ao longo da campanha, pudesse ser apresentada aos eleitores. Isso porque, aqueles que se opunham efetivao de alianas interpartidrias no tardaram em adjetiv-las como interesseiras, tentando mostrar que os grupos ali reunidos no apresentavam afinidades ideolgicas, mas sim um desejo desenfreado de conquistar o poder.

    Em Pernambuco, embora haja na historiografia um consenso quanto existncia de alianas entre partidos e grupos de oposio em perodo anterior a 1955, as eleies ocorridas nesse ano so tidas como o marco da formao efetiva da Frente do Recife. Em meio grande repercusso suscitada pelo primeiro pleito presidencial realizado aps a morte de Getlio Vargas, o PCB, o PSB e o PTB formaram uma frente com o objetivo precpuo de demover do poder do estado aqueles que l estavam desde o Estado Novo. possvel afirmar que as negociaes entre esses partidos ou, entre alguns representantes dos mesmos, vinham se realizando numa crescente desde a cassao do registro eleitoral do PCB (1947). No entanto, alguns acontecimentos so apresentados como de grande importncia para que essa comunho de foras ocorresse naquele momento. Podemos destacar a sano da lei que concedia autonomia eleitoral para o Recife, a nova postura programtica do PCB que passou a defender a via eleitoral como estratgia para a conquista do poder do Estado e a realizao, no Recife, do Congresso de Salvao do Nordeste.

    A lei de autonomia do Recife16 foi sancionada pelo presidente Caf Filho em janeiro de 1955, aps ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. Com a assinatura da

    16 Maiores informaes sobre a lei de autonomia podem ser encontradas no segundo captulo da presente

    dissertao.

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    citada lei, a capital de Pernambuco passou a eleger seu prefeito atravs do voto direto, o que no ocorria desde o fim do sculo XIX. Diante da realizao de eleies em mbito municipal, os integrantes do PSD observaram o surgimento de uma grande ameaa sua hegemonia17. A partir daquele momento a grande concentrao de votos que lhes eram contrrios, comumente alcanada na capital, no mais seria neutralizada pelos resultados obtidos no interior do estado. Nas palavras de Dulce Pandolfi a mquina pessedista teria que se submeter a um teste eleitoral numa regio eminentemente urbana e de forte tradio oposicionista18.

    Em entrevista publicada na Folha do Povo, Lus Carlos Prestes, secretrio geral do PCB, afirmava textualmente a inteno do diretrio central daquele partido em privilegiar o sufrgio eleitoral como meio de combater o imperialismo e lutar pelo desenvolvimento nacional. Desse modo, o diretrio nacional, o qual havia oferecido sistemtica oposio a Getlio Vargas durante seu segundo mandato frente presidncia da Repblica, passou a rever seu posicionamento e buscou formar uma aliana com o PTB. De modo que, a essa poca, a costura de alianas com outras foras adeptas do nacionalismo e justia social 19 j era um fato entre as bases do PCB.

    Por outro lado, em Pernambuco, o agravamento dos problemas sociais e a constante migrao de desvalidos, oriundos do interior do estado e de outras regies do nordeste, ganharam grande destaque na imprensa. Anunciou-se, ento, a realizao, em agosto de 1955, do Congresso de Salvao do Nordeste, encontro em que representantes dos governos estaduais, assemblias legislativas, cmaras de vereadores e lderes sindicais estariam reunidos com o objetivo de debater os graves problemas da regio. Segundo Soares, embora o Congresso tenha contado com a participao de lderes das diferentes correntes polticas, os comunistas e os nacionalistas teriam mantido a hegemonia nas reunies, bem como nas resolues finais do encontro. Afirma ainda, que uma das finalidades do Congresso de Salvao do Nordeste era promover o

    17 Nas eleies para o cargo de governador de Pernambuco, realizadas entre 1945 e 1954, verificou-se a

    vitria dos candidatos filiados ao PSD, contudo, a maioria dos votos apurados na capital era concedida a seus opositores. Jos Arlindo Soares afirma que a falta de popularidade de que dispunham os candidatos desse partido devia-se, em grande parte, s polticas adotadas por seus representantes, os quais no seriam sensveis aos graves problemas vivenciados pela populao daquela capital. De nossa parte, acreditamos que faz-se necessria uma discusso que rompa com essa simplificao e nos leve a observar cada uma das polticas desenvolvidas no perodo. 18

    Pandolfi, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhes. Op.Cit., p.175. 19

    Silva, Fernando e Negro, Antonio Luigi. Trabalhadores, sindicatos e poltica, in Ferreira, Jorge e Delgado, Luclia Neves. O Brasil Republicano vol.3 O Tempo da experincia democrtica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

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    fortalecimento poltico de comunistas e nacionalistas, os quais seriam reconhecidos como os pioneiros na luta pela soluo dos problemas da regio.

    Com a formao da Frente do Recife observamos o surgimento de um elemento que manteve a capacidade de se reestruturar a cada novo combate. No o intuito dessa dissertao avaliar se a Frente do Recife ganhou ou perdeu fora ao longo de cada campanha, pois nosso maior interesse repousa sobre a sua capacidade de manuteno e reformulao. Visando analisar o desenvolvimento da Frente optamos por nos deter inicialmente ao seu percurso poltico e s diversas construes acerca do mesmo. Assim sendo, as disputas polticas e os debates historiogrficos so apresentados como partes integrantes da sua trajetria.

    O fazer contnuo das Alianas

    A formao de uma aliana entre partidos que se agrupavam em torno de idias nacionalistas parece refletir o resultado de um trabalho que vinha sendo desenvolvido h bastante tempo20, e que culminou com a formao da Frente do Recife. Podemos observar que, no perodo em questo, diversos partidos polticos, com programas bastante diferentes e at mesmo conflitantes, tm em comum a defesa do nacionalismo ou do nacional-desenvolvimentismo. Aparentemente, o grande desafio daquele momento era promover o desenvolvimento econmico e social da regio de forma conjunta. Ou, em outras palavras, empreender polticas atravs das quais o desenvolvimento econmico no tivesse por base o agravamento das condies de vida dos trabalhadores pobres do campo e da cidade. Vale lembrar que, em Pernambuco, desde o final do sculo XIX a substituio dos engenhos bangs pelas usinas tornou o acar mais competitivo no mercado, mas, em contrapartida, elevou os ndices de misria no campo21.

    20 Ao longo do segundo captulo nos dedicaremos s campanhas estaduais ocorridas entre 1945 e 1954.

    Tratando de tais campanhas buscaremos ressaltar que, embora a campanha de 1955 seja considerada como o marco inicial da Frente do Recife, desde as eleies de 1947 existiu uma tentativa de promover uma aliana entre algumas das agremiaes que ofereciam oposio aos grupos polticos que se aglutinavam em torno da legenda do PSD. 21

    Ao incorporar as terras utilizadas para o plantio de culturas de subsistncia, as usinas provocaram um agravamento nas condies de sobrevivncia dos plantadores de cana e de seus familiares. Sobre os altos ndices de misria, desnutrio e mortalidade infantil em Pernambuco ver Teixeira, Flvio Weinstein. O Movimento e a Linha: presena do teatro do estudante e do grfico amador no Recife (1946 1964). Recife: Editora Universitria da UFPE, 2007, Cap. I.

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    Com a efetivao de uma aliana entre o PCB, o PSB e o PTB (alm de alguns polticos da UDN), em torno de uma eleio em mbito municipal, observa-se a reconfigurao do cenrio poltico local. Alm da formao da Frente do Recife, as eleies de 1955 presenciaram o afastamento entre o PSD e alguns dos pequenos partidos que comumente lhe apoiavam nos pleitos estaduais. Os representantes desses partidos tinham cincia de que no apresentavam condies de derrotar o forte PSD em um pleito estadual, contudo, diante de uma eleio municipal, julgavam-se capazes de concorrer ao cargo majoritrio. Mais que isso, acreditavam que o Recife apresentava-se como uma cidade cruel para os integrantes do PSD e aqueles que os apoiavam. Esse cenrio eleitoral resultava, em parte, dos problemas decorrentes da administrao do governador Cordeiro de Farias22, e a crise interna provocada pelo lanamento da candidatura presidencial de Etelvino Lins. Entre os pequenos partidos, so lanadas as candidaturas de Alcides Teixeira (PST) e Antonio Alves Pereira (PRT PL), dois polticos experientes e que com uma base eleitoral bem definida. No contando com o apoio de alguns dos seus tradicionais aliados, o PSD lana a candidatura de Paulo Germano de Magalhes, o qual, embora se apresentasse como deputado federal, tinha por principal bandeira de campanha a carreira poltica de seu pai, o ex-governador de Pernambuco Agamenon Magalhes.

    J na Frente do Recife, aps intensas negociaes23, chega-se a um consenso quanto indicao do nome do engenheiro e professor universitrio Pelpidas Silveira. De acordo com Paulo Cavalcanti, desde a sua rpida passagem pela prefeitura, parte da populao do Recife, teria atribudo contornos mticos figura de Pelpidas.

    22 O mandato do general Osvaldo Cordeiro de Farias foi marcado por intensos debates quanto a algumas

    das polticas ento desenvolvidas. Na segunda metade do seu governo, as questes referentes proposta de mudanas no Cdigo Tributrio do estado passaram a fazer parte do cotidiano da populao. Os descontentamentos quanto a essa questo fez com que os representantes da indstria e do comrcio passassem a empreender manifestaes pblicas contra a majorao dos tributos, as quais, segundo os mesmos, iam de encontro ao desenvolvimento econmico de Pernambuco.Ver Pandolfi, Op. Cit., p.175. 23

    Acompanhando o Dirio de Pernambuco, observamos que, assim que a eleio municipal foi confirmada, passou-se a cogitar a candidatura de Pelpidas Silveira. Contudo, entre os partidos que viriam a compr a Frente, existiam outros candidatos interessados em pleitear o cargo. Entre esses aparecem as figuras do engenheiro Lauro Borba e do lder do PTB de Pernambuco, deputado Barros Carvalho. De modo que a confirmao de sua candidatura ocorreu depois de observadas as condies de cada candidato para a disputa daquele pleito. Nesse ponto, a rpida passagem de Pelpidas pela prefeitura por ocasio da passagem de Jos Domingues pela interventoria estadual e a sua surpreendente vitria, no Recife, na disputa ao cargo de governador (1947), parecem ter infludo de forma decisria na escolha do candidato. Em 29 de maro de 1955, antes da confirmao da candidatura de Pelpidas, o Dirio de Pernambuco oferece ao leitor um prognstico das futuras eleies: Admitem certos meios polticos que a batalha da prefeitura ser decidida entre o socialista Pelpidas Silveira e o pessedista dissidente Antnio Pereira [...]

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    E o imaginrio do povo passou a fantasiar seus atos, muitos fantasiosamente o vendo e juravam a ps juntos que o viram de macaco, picareta em punho, ajudando nas obras de abertura de avenidas e praas, quando no, bem cedinho, inspecionando os servios da prefeitura. Os desejos da populao confundiam-se com a realidade, dando-lhe contornos simpticos, no mundo mgico que se cria em torno das lideranas populares.24

    Se os comunistas e os socialistas no incentivavam o imaginrio popular,

    decerto, reconheciam no mesmo, o grande poder eleitoral de que dispunha aquele candidato. A afirmao de que em seu primeiro mandato como prefeito teria ocorrido uma grande empatia, entre Pelpidas e a maior parte da populao do Recife, est presente em vrios autores, bem como na documentao. Mas devemos ter em mente que, se por um lado, o reconhecimento popular de sua gesto lhe tornava um forte candidato, por outro, contribuiu para que alguns dos seus adversrios se mobilizassem para inviabilizar sua candidatura. Nesse sentido, podemos tomar como exemplos a realizao de uma campanha que tenta promover a candidatura de Gilberto Freyre em oposio de Pelpidas25, assim como uma tentativa de impugnao da candidatura da Frente do Recife. Vencidos estes obstculos, Pelpidas Silveira vence as eleies com grande margem de votos, como possvel avaliar atravs da tabela a seguir.

    Resultado das eleies para prefeito do Recife 1955 Candidato Legenda N de votos

    Pelpidas Silveira PSB - PTB 81.499 Antnio Alves Pereira PRT PL 23.322 Alcides Teixeira PST 11.028 Paulo Germano Magalhes PSP PSD - PDC 6.049 Brancos 5.348 Nulos 2.018 Total 129.264 Fonte: Atas do TRE

    O resultado da eleio para prefeito do Recife, alm de demonstrar a grande superioridade de votos alcanada pelo candidato da Frente do Recife, tambm revela a capacidade dos pequenos partidos em se firmarem como partidos polticos

    24 Cavalcanti. Op. Cit., p.252.

    25 Atravs dos exemplares do Dirio de Pernambuco, podemos observar, entre os meses de maro e abril,

    a formao de uma campanha em favor da candidatura de Gilberto Freyre, para o cargo de prefeito do Recife. Diversas associaes profissionais vm a pblico manifestar o seu apoio ao socilogo, caso ele viesse a se candidatar. Essa candidatura, provavelmente, ocorreria sob a legenda da UDN, contudo, mesmo com o forte apoio que lhe era manifesto, essa candidatura no se efetiva.

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    independentes. Outro elemento a ser observado a ausncia de um candidato sob a legenda da UDN, segundo maior partido do estado. Em suas memrias, Paulo Cavalcanti afirma que alguns integrantes da UDN teriam apoiado a candidatura de Pelpidas, embora no houvesse o apoio oficial do partido. Podemos imaginar que, no lanando candidato prprio, a UDN talvez j realizasse negociaes com vistas a futuras alianas com a Frente do Recife, fato que ocorreria nas eleies seguintes. Por outro lado, o inexpressivo resultado alcanado por Paulo Germano de Magalhes aponta para uma crise no partido que dominou Pernambuco por mais de duas dcadas. Ocorre que no decorrer do ano de 1955, em virtude da insubordinao do diretrio de Pernambuco frente candidatura de Juscelino Kubitschek, a direo nacional daquele partido tentou caar o registro de sua representao estadual, medida que s foi abandonada depois que Etelvino Lins retirou sua candidatura ao cargo de presidente da Repblica. O citado episdio ganhou grande destaque nos peridicos que circulavam pelo estado, os quais pouco mencionavam a candidatura de Paulo Germano, nesse sentido, podemos imaginar que a postura adotada por Etelvino teria concorrido para o enorme insucesso alcanado pelo PSD frente ao pleito municipal.

    A campanha da Frente foi marcada pela promessa de uma gesto democrtica, onde se destacava o apoio formao de associaes de bairros. Durante sua gesto, alm de apoiar a formao e manuteno dessas entidades, Pelpidas promoveu audincias pblicas em que o prprio prefeito e parte de seu secretariado ouviam as queixas e demandas da populao26. Esse modelo de administrao democrtica causou um grande conflito entre o prefeito e os vereadores do Recife, pois os vereadores defendiam a idia de que eles, e somente eles, seriam os legtimos representantes do

    26 As audincias pblicas ocorriam quinzenalmente, no Teatro Santa Isabel, na regio central do Recife, e

    tambm em outras localidades. Nelas os representantes dos moradores opinavam quanto aplicao dos recursos pblicos, auxiliando o governo municipal a estabelecer prioridades na sua gesto. Essa prtica de consulta popular tida como o embrio de programas como o Oramento Participativo e Prefeitura nos Bairros os quais foram adotados no Recife a partir do final da dcada de 1990, nas gestes de Jarbas Vasconcelos e de Joo Paulo frente aquela prefeitura. Cabe aqui uma ressalva quanto realizao dessas audincias. Diversos autores como Virgnia Pontual, Luciana Jaccoud e Jos Arlindo Soares se referem s audincias pblicas e ao apoio dado s associaes de bairro como exemplos do carter democrtico impresso ao governo de Pelpidas Silveira. Contudo, ao tratar das audincias, esses autores limitam seus comentrios descrio oferecida por Paulo Cavalcanti, fato que no nos permite oferecer informaes mais detalhadas sobre a realizao das mesmas. Embora no desejemos desmerecer o testemunho de Paulo Cavalcanti ficamos ansiosos por trabalhos que se detenham sobre a documentao produzida no decorrer dessas audincias, j que, ao contrrio do que ocorre com as associaes de bairro, trata-se de documentao pblica e que, teoricamente, deve estar disponvel consulta. De nossa parte, fizemos uma nica tentativa de ter acesso a essa documentao. Diante do nosso fracasso e da necessidade de cumprir outras metas esperamos que essa documentao em breve venha luz para nos oferecer maiores detalhes sobre essa temtica. Ver Cavalcanti. Op. Cit. Cap. X.

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    povo, e que, ao apoiar lideranas populares, o prefeito estaria agindo de forma antidemocrtica.

    Concomitante com os problemas vivenciados pela prefeitura existiam ainda as disputas polticas de que era alvo o governo estadual. A partir do segundo semestre de 1956, comearam a eclodir diversos movimentos de trabalhadores, nos quais, a melhoria dos salrios aparecia como principal reivindicao. Trabalhadores da indstria txtil, dos transportes e da educao ameaavam o governo com a possibilidade de decretao de sucessivas greves. Alm disso, crescia a insatisfao de industriais e comerciantes em razo da elaborao de um novo cdigo tributrio estadual, o qual, acarretaria o aumento de suas contribuies para com os cofres pblicos. Como o aumento dos impostos fatalmente refletiria uma majorao no preo dos produtos, as manifestaes contra o novo cdigo tributrio espalharam-se por outros setores.

    Diante da insatisfao manifestada em atos pblicos e na imprensa, o governo afirmava que o aumento das alquotas devia-se, em grande parte, ao crescimento das despesas com o funcionalismo pblico. Entretanto, ao que parece, essa justificativa no satisfez aos industriais e aos grandes comerciantes do estado, os quais se apresentavam como os mais prejudicados pelo novo cdigo tributrio. Cid Sampaio, presidente da Federao das Indstrias de Pernambuco destacou-se como um dos principais oponentes do novo cdigo tributrio, fato que ser lembrado por ocasio da escolha de candidatos ao governo estadual, em 195827.

    Neste perodo, o governo do estado de Pernambuco era exercido pelo General Oswaldo Cordeiro de Farias (PSD), que em face de uma srie de medidas impopulares passou a ser alvo de constantes crticas da imprensa, da classe poltica e do meio empresarial. Miguel Arraes de Alencar era um dos lderes dos protestos na Assemblia, fato que contribuiu para que recebesse o ttulo de Deputado do Ano. Os industriais de Pernambuco tambm se mostravam descontentes com a poltica econmica de Cordeiro de Farias. Em 1957, a insatisfao com a implantao do novo Cdigo Tributrio levou esses industriais a promoverem uma paralisao da cidade, um verdadeiro lock out. As atividades do comrcio formal e informal, a produo e os transportes, todos suspenderam suas atividades. Tal manifestao recebeu amplo apoio das classes

    27 Pandolfi, Dulce. Op. Cit., p.p. 179-180; Pandolfi, Dulce Chaves e Costa, Clia (orgs.). Projeto

    Memria Viva: 14 depoimentos sobre a poltica pernambucana. Vol. I. Recife/ Rio de Janeiro, Assemblia Legislativa do Estado de Pernambuco/ FGV, 2007, p.p. 197-218.

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    trabalhadoras, visto que 44 organizaes de trabalhadores manifestaram solidariedade luta liderada pela classe patronal.28

    Como represlia, o governo acusou os manifestantes de comunistas e realizou a priso de militantes e lderes sindicais. Em contrapartida, o Partido Comunista articulou uma aliana com a burguesia industrial de Pernambuco com a expectativa de que no futuro esta se tornasse mais democrtica concordando em realizar mudanas graduais na estrutura scio-econmica do estado. As disputas em torno da implantao do novo Cdigo Tributrio haviam se transformado em uma disputa poltico-eleitoral, passando a figurar como o momento de aproximao entre os partidos de esquerda e os industriais que se agrupavam em torno da legenda da UDN 29.

    No campo propriamente poltico, o PCB, o PSB e o PTB tm diante de si, em 1958, a eleio para o governo de Pernambuco. A maior concentrao de votos desses partidos concentrava-se na capital do estado, o agreste e o serto eram reas em que o PSD mantinha uma forte atuao junto aos eleitores, tendo como principais adversrios os representantes da UDN. Visando derrotar um oponente em comum, UDN, partidos de esquerda e alguns dissidentes do PSD formam as Oposies Unidas, aliana pluripartidria responsvel pela indicao de Cid Sampaio e Pelpidas Silveira como candidatos a governador e vice-governador, respectivamente30.

    Ao optar pela formao de uma aliana com a burguesia o diretrio estadual do PC estava seguindo as orientaes da direo nacional, que, na Resoluo de 1958, defendia a unio entre o operariado e os demais setores nacionalistas com vistas a combater o imperialismo norte-americano31. Nesse documento, a formao de uma Frente nica aparece como a alternativa historicamente mais vivel32. Nesse sentido, o fortalecimento da economia nacional desponta como um fator primordial para que ocorram mudanas sociais no pas. Segundo Daniel Aaro Reis, a conquista do desenvolvimento econmico do pas passava ento a ser vista como o primeiro passo para a revoluo, de modo que as divergncias ideolgicas e as disputas de poder eram postas de lado, momentaneamente, em prol de um objetivo comum33.

    28 Soares. Op. Cit.

    29 Idem.

    30 Pandolfi. Op. Cit.

    31 Por sua vez, a nova orientao poltica adotada pelo diretrio central do PCB tinha como inspirao a

    XXa reunio do PCUS, evento no qual o diretrio internacional daquele partido revisou suas orientaes diante do cenrio poltico mundial. 32

    Ao longo do documento a histria do desenvolvimento econmico, poltico e social do Brasil servem de justificativa para as determinaes presentes no texto. 33

    Reis, Daniel Aaro. A Revoluo faltou ao encontro. So Paulo: Brasiliense, 1989. p.p. 21-44.

  • 20

    As contradies entre o proletariado e a burguesia no desapareciam, mas no exigiam uma soluo imediata. O desenvolvimento capitalista corresponderia ao interesses de todo o povo. A delicada questo da hegemonia na Frente nica era deixada para o futuro34.

    No decorrer de sua narrativa o autor descreve a existncia de duras crticas quanto nova orientao do PCB. Entre as quais a questo da hegemonia colocada como o grande impedimento para a efetivao de uma aliana com a burguesia nacional, de modo que a insatisfao frente diviso do poder expunha as fraquezas dessa aliana. Segundo o autor, outro item que causou grande repercusso quanto a Resoluo de 1958 aludia defesa da conquista democrtica em substituio luta armada.

    Os comunistas consideram que existe hoje em nosso pas a possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacficos, a revoluo antiimperialista e antifeudal. Nessas condies, esse caminho o que convm classe operria e toda nao. Como representantes da classe operria e patriotas, os comunistas tanto quanto deles dependa, tudo faro para transformar aquela possibilidade em realidade. [...] O caminho pacfico significa a atuao de todas as correntes antiimperialistas dentro da legalidade democrtica e constitucional, com a utilizao de formas legais de lutas e organizao de massas. [...] O povo brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas bsicos com a acumulao, gradual mas incessante, de reformas profundas e conseqentes na estrutura econmica e nas instituies polticas, chegando-se at a realizao completa das transformaes radicais colocadas na ordem do dia pelo prprio desenvolvimento econmico e social da nao.35

    Na sua ntegra, o documento defende a importncia da construo de um governo nacionalista e democrtico, bem como o desenvolvimento econmico do pas, fatores imprescindveis para que o caminho pacfico da revoluo brasileira lograsse pleno xito. Em vrios estados da federao eclodiram alianas de cunho nacionalista. Em boa parte dos casos os setores nacionalistas do PTB, ou mesmo da UDN, aliaram-se ao PCB.

    Em Pernambuco, num primeiro momento, alm de contar com a participao da UDN e dos partidos que compunham a Frente (PCB, PSB e PTB), as Oposies Unidas

    34 Idem, p.24.

    35 Resoluo de 1958 do PCB in Diversos autores. Em defesa do povo brasileiro. Documentos do PC do

    Brasil de 1960 a 2000. So Paulo: Anita Garibaldi, 2000. p.p. 258-259.

  • 21

    contavam com o apoio da ala dissidente do prprio PSD36. Entretanto, em meados de 1957, ocorre uma reaproximao entre Etelvino Lins, lder da ala majoritria, e Jarbas Maranho, lder dos dissidentes daquele partido. Esta reaproximao ir possibilitar o lanamento da candidatura de Jarbas Maranho ao cargo de governador de Pernambuco.

    Enquanto o Partido Comunista articulava a aliana com a UDN, o PSB defendia a apresentao de um candidato mais identificado com as demandas populares. Por outro lado, setores da UDN, temerosos quanto ao apoio dos partidos de esquerda, receavam que a candidatura de Cid Sampaio assumisse um carter exacerbadamente esquerdista. Chegaram a cogitar sua substituio por um candidato de perfil mais moderado. Possibilidade que acabou no se concretizando, talvez em virtude da presso feita pelo Partido Comunista37.

    A propaganda das Oposies Unidas ocorria tanto no meio rural, quanto nas cidades. Lderes sindicais atuavam junto ao operariado, com o intuito de convencer os trabalhadores a votar em um representante das classes produtoras apoiado pela Frente do Recife. Fato que, primeira vista, aparentava uma certa contradio. Por outro lado, se observa uma significativa penetrao das foras de oposio no interior do estado, talvez como reflexo da atuao das Ligas Camponesas e do Partido Comunista junto aos trabalhadores rurais38. Ou ainda, em virtude da tentativa de estimular a criao de associaes comerciais em todas as cidades do interior, fato que vinha ocorrendo desde 1957, propiciando uma maior articulao da oposio nesses municpios39.

    A campanha foi marcada por ataques mtuos. Enquanto Cid tentava minar a mquina do PSD acusando-a de sucessivas ms administraes, seus opositores o acusavam de comunista ou de amigo destes. Cada ataque era rebatido com uma nova acusao, como podemos observar nessa declarao de Cid Sampaio ao Dirio de Pernambuco: [...] os ataques infamantes que hoje sofro, partem daqueles mesmos que

    36 O manifesto-programa das Oposies Unidas, lanado em abril de 1958, conta com a assinatura de

    Miguel Arraes de Alencar e de Barbosa Lima Sobrinho como representantes da ala dissidente do PSD. Com a reunificao, em torno da campanha de Jarbas Maranho, ambos desligam-se daquele partido. Arraes, cunhado de Cid Sampaio, apontado por Paulo Cavalcanti, Dulce Pandolfi e Jos Arlindo Soares como um dos principais articuladores da campanha de Cid. Cavalcanti afirma que seu empenho na campanha de Cid foi to grande que ele teria negligenciado sua prpria reeleio como deputado, fato ao qual se deveria sua derrota nas urnas. 37

    Vale lembrar que a formao dec alianas com a burguesia apresenta-se como uma orientao do diretrio internacional do partido comunista (PCUS). Orientao que ocasionou mudanas na postura adotada pelos diversos diretrios regionais do partido, mas tambm causaram o surgimento de uma grande disputa entre os que apoiavam e os que rejeitavam essa orientao. Ver Reis Filho, Op. Cit. 38

    Pandolfi. Op. Cit. 39

    Aguiar. Op. Cit.

  • 22

    em 1954 pixavam (sic) os muros da cidade apontando o senador Jarbas Maranho como membro de uma quadrilha de ladres40.

    Em sua campanha ao governo do estado, as oposies adotaram como smbolo um conjunto de setas que apontavam para o desenvolvimento, para a ordem e para o crescimento econmico. Passa-se ento defesa da conquista do desenvolvimento econmico e social, com base na industrializao. Assim como ocorrera na campanha de 1955, o iderio nacionalista se faz presente ao longo da campanha. Tal presena incentivada pelo vice-presidente da Repblica, Joo Goulart, o qual orienta as lideranas estaduais do PTB a marcharem junto com as foras populares41. Em contrapartida, reivindica o compromisso com um programa de cunho nacionalista que defenda a poltica social implementada por Getlio Vargas42. A afluncia de discusses quanto ao nacionalismo pode ser percebida at mesmo nas crticas dirigidas ao candidato a vice-governador. Em matria paga, publicada em 13 de julho de 1955, o Dirio de Pernambuco apresenta um texto no qual o suposto nacionalismo de Pelpidas Silveira surge como alvo principal de seus opositores.

    Na conveno do Partido Socialista, aquele famoso poltico pernambucano, aguardava a sua vs de discursar, quando algum aproximou-se e perguntou-lhe baixinho: - Qual a marca de sua caneta? - Americana. - Qual a marca do seu automvel? - Francs. - Que linho esse que o senhor est usando? - Irlands. - Qual a marca do seu relgio? - Suo. - Voc vai discursar sobre o qu? - Vou defender o NACIONALISMO. Por qu? - Por nada.43

    40 Dirio de Pernambuco, 6 de agosto de 1958. p. 3.

    41 Embora o diretrio estadual do PTB tivesse oferecido seu apoio campanha de Cid Sampaio em troca

    do apoio candidatura de Barros Carvalho, a posio daquele partido era comumente questionada como nos mostra o seguinte trecho de matria publicada no dia 24 de julho daquele ano, pelo Dirio de Pernambuco: E assim que se volta a falar, com insistncia, numa reviravolta espetacular do PTB que estaria pronto a proceder uma reviso em sua linha poltica, simplesmente trocando de posies, haveria o acordo o senhor Barros Carvalho continuaria candidato ao senado, mas em vez de apoiar o senhor Cid Sampaio, passaria a apoiar o PSD [...]. Diante dessa incerteza podemos imaginar que as orientaes advindas do diretrio nacional daquele partido e, mais especificamente, de Joo Goulart podem ter desempenhado um papel fundamental para que o PTB firmasse seu apoio junto s Oposies Unidas. 42

    Pandolfi. Op. Cit., p. 187. 43

    Dirio de Pernambuco, 13 de julho de 1958.

  • 23

    Embora as eleies para governador e vice-governador ocorressem separadamente, podemos imaginar que as crticas a Pelpidas tambm tinham como alvo o candidato majoritrio. No decorrer da campanha, com o intuito de desacreditar quaisquer propostas apresentadas pelas Oposies Unidas, os correligionrios de Jarbas Maranho utilizaram-se da presena de comunistas e anticomunistas entre aqueles que apoiavam Cid Sampaio para colocar em xeque suas propostas de governo. A Liga Eleitoral Catlica, a exemplo do que havia feito na eleio de 1955, conclama a populao a votar em Jarbas Maranho e a no votar em qualquer candidato apoiado pelo PCB. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Antnio de Almeida, manifesta-se contrrio eleio de Cid Sampaio e, atravs da imprensa, pede aos catlicos que dirijam seu apoio a Jarbas Maranho44.

    Resultado das eleies para o governo do estado de Pernambuco 1958

    Candidato Legenda Recife Interior Total Cid Sampaio UDN - Frente 79,04% 51,32% 59,68% Jarbas Maranho PSD 20,96% 48,68% 40,32% Fonte: Atas do TRE

    Realizadas as eleies e apurados os votos, constata-se a vitria de Cid Sampaio. Pela primeira vez naquele perodo democrtico, Pernambuco teria um governador que no integrava os quadros do PSD. Os nmeros presentes na tabela anterior sugerem que, com 79,04% dos votos alcanados na capital, o apoio dos partidos que formavam a Frente do Recife tenha sido fundamental para a conquista do governo de Pernambuco. J os votos obtidos no interior do estado, demonstram o equilbrio de foras existente entre a UDN e o PSD nessa regio45.

    Encerrada a eleio estadual, comeam a se agravar os desentendimentos entre os polticos da Frente do Recife e os representantes da UDN. Com a posse de Cid Sampaio e a nomeao do seu secretariado as desavenas ento existentes parecem chegar a seu pice. A maior parte das secretarias foi destinada a nomes ligados s classes produtoras, a nica exceo foi a indicao de Miguel Arraes de Alencar como

    44 Quanto a atuao dos bispos da Igreja Catlica, nas disputas polticas travadas em Pernambuco ver:

    Silva, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe. Recife: Editora da UFPE, 2007. 45

    Nessas eleies, em alguns municpios onde, tradicionalmente, os candidatos do PSD saam vitoriosos, a vitria coube ao candidato da UDN. De acordo com Dulce Pandolfi, essa mudana ocorreu graas ao apoio dos chefes polticos locais, os quais, em virtude das desavenas existentes dentro do PSD, teriam abandonado aquele partido.

  • 24

    secretrio da fazenda, cargo que j havia ocupado no governo de Barbosa Lima Sobrinho. De modo geral, em termos de composio dos quadros do governo, possvel afirmar que ocorreu a substituio da mquina estatal pessedista por uma similar udenista. Em razo dessa poltica, o afastamento entre Cid Sampaio e os integrantes da Frente do Recife ocorreu numa crescente.

    Apesar desses conflitos com a Frente, no decorrer da campanha municipal de 1959, o governador ir apoiar a candidatura de Miguel Arraes a prefeito do Recife. Tal afirmativa tem por base uma srie de matrias publicadas no Dirio de Pernambuco em que Cid Sampaio acusado de estar infringindo a lei ao apoiar publicamente a candidatura da Frente do Recife. No dia 15 de julho daquele ano, noticia-se que Severino Albuquerque Lins, candidato a vereador, entrou com uma representao junto ao TRE, solicitando que o governador fosse processado com base em dispositivos especficos da lei eleitoral. Tambm o PSD solicitou ao TRE que recomendasse ao governador a sua no participao nos comcios que vinham sendo realizados46.

    Embora Miguel Arraes tenha vindo de uma derrota na tentativa de reeleger-se deputado estadual, ao ser lanado candidato a prefeito seu nome alcana grande apoio entre as fileiras do PCB e do PSB. Tanto assim que as tentativas de Barros Carvalho em conseguir o apoio desses para o lanamento de uma candidatura encabeada por um integrante do PTB, logo se vem fracassadas. Descontente com a insistncia de comunistas e trabalhistas em lanar Arraes como candidato da Frente do Recife, o lder do PTB em Pernambuco rompe com seus antigos aliados e passa a apoiar a candidatura de Antnio Alves Pereira, concorrente que alcanara a segunda colocao no pleito municipal de 1955. Coligado ao PRT, coube ao PTB indicar o postulante ao cargo de vice-prefeito, o qual, como veremos a seguir, foi ocupado por Eldio de Barros Carvalho, irmo do presidente regional daquele partido. Enquanto a sada do PTB pode denotar o enfraquecimento da candidatura da Frente do Recife, as manifestaes de apoio por parte dos trabalhadores e da direo nacional do PCB demonstram a combatividade daquela candidatura. Em 22 de julho de 1959 publicado o Manifesto de Sindicalistas do Recife, documento no qual os trabalhadores expressam seu apoio a Arraes e ao seu vice, Artur de Lima Cavalcanti.

    46 A participao de Cid Sampaio preocupava aos partidos no apenas quanto ao resultado obtido na

    eleio majoritria, mas tambm, ou principalmente, na influncia que o apoio do governador poderia surtir nos resultados das eleies proporcionais. Preocupados com o rumo das eleies municipais diversos deputados federais, como Aderbal Jurema, Gileno di Carli e Armando Monteiro Filho, vieram ao Recife com o intuito de fortalecer as legendas de seus partidos.

  • 25

    Avante! Avante trabalhadores! Pernambuco no pode parar! Os recifenses no podem permitir que a recuperao de Pernambuco seja prejudicada!47

    Tal convocao da populao s urnas no ganhou grande repercusso na imprensa se comparada participao de Lus Carlos Prestes na campanha pela sucesso municipal. Se por um lado a vinda do Cavaleiro da Esperana ao Recife garantia a presena de um grande nmero de pessoas em seus comcios, por outro agravava o clima de denncias que cercava o cotidiano da campanha.

    Transcorridas as eleies verificou-se a vitria de Miguel Arraes, assim como a de Artur de Lima Cavalcanti, o qual teve como principal adversrio Eldio de Barros Carvalho, candidato do PTB. Observe-se que Scrates Times de Carvalho, o qual figurou como candidato do PSB ao mesmo cargo nas eleies de 1955, aparece nessa eleio como candidato do PR, um dos pequenos partidos que compunham o universo poltico de Pernambuco.

    Resultado das eleies para prefeito do Recife 1959

    Candidato Legenda N de votos Miguel Arraes de Alencar PSB PST Ala dissidente

    do PSD 82.812

    Antnio Alves Pereira PRT PTB 57.331 Ernane Seve PR 6.285 Brancos 5.277 Nulos 6.824 Total 153.252 Fonte: Atas do TRE

    47 Dirio de Pernambuco, 22 de julho de 1959, p.9.

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    Resultado das eleies para vice-prefeito do recife 1959

    Candidato Legenda N de votos Artur Lima Cavalcanti PST-PSB Ala dissidente

    do PSD 72.731

    Eldio de Barros Carvalho PTB 44.930 Scrates Times de Carvalho

    PR 10.665

    Antonio Batista de Souza PL 8.817 Brancos 14.674 Nulos 6.712 Total 158.559 Fonte: Atas do TRE

    Os nmeros presentes na tabela eleitoral demonstram que Arraes obteve uma significativa vantagem em relao ao segundo candidato mais votado. Contudo, se compararmos esses resultados com os verificados na eleio municipal de 1955 possvel perceber que naquela ocasio a diferena entre Pelpidas (o mais votado) e Antnio Alves Pereira foi maior do que a existente nas eleies de 1959. O grande nmero de votos alcanado por Pereira revela que alguns dos pequenos partidos vinham tendo xito em manter-se politicamente independentes, o que aumentava seu poder de barganha e negociao48. Contando com o apoio do PTB, o qual recusou-se a apoiar Arraes49, o PRT manteve a deciso de afastar-se do PSD, partido com o qual tradicionalmente compunha alianas.

    Aps tomar posse, Arraes passou a desenvolver uma srie de polticas voltadas populao de baixa renda. Empreendeu vrias obras que visavam dotar o Recife de melhores condies de infra-estrutura50. Embora esse tipo de obras atendesse principalmente s comunidades de baixa renda, possvel afirmar que contriburam para que Arraes conquistasse a simpatia de parte das camadas mdias. Entre as obras realizadas destacaramos a ampliao da rea servida por transportes coletivos, a abertura e o alargamento de ruas e avenidas, e tambm a urbanizao dos mocambos.

    Assim como ocorrera com Pelpidas Silveira, a atuao de Miguel Arraes frente prefeitura do Recife possibilitou o crescimento de sua projeo entre os meios

    48 Veremos que, principalmente em mbito legislativo, conquistar o apoio dessas pequenas agremiaes

    polticas se mostrava como questo fundamental para a manuteno da governabilidade. 49

    Em O caso eu conto como o caso foi, Paulo Cavalcanti afirma que o real motivo da recusa de Barros Carvalho em apoiar a candidatura de Arraes seria a sua insistncia em lanar o nome do seu irmo como candidato a prefeito. Como vimos, ao aliar-se ao PRT, o lder petebista no alcanou xito em seu intento, contudo conseguiu lanar o nome de Eldio de Barros Carvalho ao cargo de vice-prefeito do Recife. 50

    Coleo de Atas Encadernadas da Cmara Municipal do Recife.

  • 27

    polticos locais. Optando por dar continuidade ao modelo de gesto democrtica implementado pelo seu antecessor, bem como s obras e projetos que visavam o ordenamento do espao pblico daquela capital, o novo prefeito conquistou o apoio no s das camadas mais pobres da populao como de significativas parcelas da classe mdia urbana. No entanto, as obras virias e urbansticas desenvolvidas em seu governo nem de longe podem ser tomadas como a marca da sua gesto. De certo, o projeto de maior impacto daquela administrao foi a criao do MCP Movimento de Cultura Popular. Em seu estatuto, o mesmo constitudo como [...] uma sociedade civil brasileira, de finalidade educativa e cultural [...], e apresenta os seguintes objetivos:

    1. Promover e incentivar, com ajuda de particulares e dos poderes pblicos, a educao de crianas e adultos;

    2. Atender ao objetivo fundamental da educao que o de desenvolver plenamente todas as virtualidades do ser humano, atravs da educao integral de base comunitria, que assegure, tambm, de acordo com a Constituio, o ensino religioso facultativo;

    3. Proporcionar a elevao do nvel cultural preparando-o para a vida e para o trabalho;

    4. Formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os mltiplos aspectos da cultura popular.51

    Embora se apresente como um instrumento de combate ao analfabetismo de jovens e adultos e de incentivo s diversas formas de manifestaes culturais, desde a sua implantao, o MCP passou a ser alvo de duras crticas. Seus opositores afirmavam que, na prtica, se tratava de um projeto poltico (eleitoreiro) de cunho subversivo. E, para endossar suas acusaes, recorriam ao contedo da cartilha de alfabetizao utilizada nos planos de letramento do MCP. Tal cartilha, especialmente desenvolvida para o MCP, entre outras coisas, ressaltava a importncia da participao poltica da populao e o poder do trabalhador quando reunido em sindicatos. Os opositores de Arraes, diante de um discurso e de uma prtica do MCP que afirmava trabalhar para elevar o nvel de conscincia poltica das camadas populares, afirmavam que o prefeito utilizava uma roupagem aparentemente inofensiva - a de um programa de alfabetizao - para difundir idias perturbadoras entre a populao mais carente. No mais, a prpria tentativa de alfabetizar era tomada como uma manobra eleitoral, visto que o analfabetismo figurava como um impedimento frente ao direito de voto. Na viso de

    51 Estatuto do Movimento de Cultura Popular Art. 1.

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    seus opositores, mais que cidados o MCP estaria formando eleitores, os quais, depois de alfabetizados, seriam responsveis pelo fortalecimento poltico de Miguel Arraes e de seus aliados.52

    Independentemente das crticas que lhe eram impostas, o ento prefeito do Recife passou a ganhar destaque pelas suas habilidades polticas. Sua percia em negociaes, tanto com correligionrios como com adversrios polticos, comumente ressaltada entre seus bigrafos e tambm nas entrevistas de seus contemporneos. Em livros de memrias, como em entrevistas, polticos como Paulo Cavalcanti e Pelpidas Silveira destacam essa caracterstica de Arraes. Para Cavalcanti como para o prprio Pelpidas, Arraes aliaria as qualidades de administrador pblico com uma habilidade poltica mpar, a qual o seu antecessor no dispunha.

    Essa reconhecida habilidade poltica, associada projeo advinda de sua gesto frente prefeitura, serve ainda como justificativa indicao de Miguel Arraes como candidato da Frente do Recife ao governo de Pernambuco em 1962. Observando os resultados eleitorais alcanados nas campanhas anteriores se observa como Pelpidas Silveira, em termos proporcionais, alcanou maior sucesso nas urnas do Recife do que o prprio Arraes. No entanto, as campanhas eleitorais oferecem outros elementos de anlise alm dos nmeros.

    Na eleio municipal de 1959, o apoio da ala dissidente do PSD j se apresentava de forma bastante significativa. Dessa maneira, nas eleies estaduais de 1962, este apoio se construa como fundamental para que, enfim, a Frente do Recife assumisse efetivamente o governo de Pernambuco. Nesse sentido, a indicao de Miguel Arraes de Alencar, ele prprio um dissidente do PSD53, alm de levar em considerao suas qualidades polticas, visava manuteno daquele apoio. Efetivada a aliana, o fazendeiro Paulo Pessoa Guerra (PSD) foi indicado como candidato ao cargo de vice-governador. Assim sendo, com o apoio da ala dissidente do PSD, e tambm do PSP, a Frente do Recife lana as candidaturas de Miguel Arraes e Paulo Guerra. Seu principal adversrio naquele pleito foi o industrial e lder udenista Joo Cleofas, o qual

    52 Aguiar. Op. Cit. Captulo I; Sobre a insero do MCP no conjunto de movimentos educacionais

    oriundos de movimentos reivindicatrios ver Teixeira, Wagner da Silva . Histria, historiografia e educao no Brasil: uma anlise dos movimentos de educao e cultura popular dos anos 1960. In: Seminrio Nacional de Histria da Historiografia, 2007, Mariana. Anais do Seminrio Nacional de Histria da Historiografia:. Ouro Preto : Ufop, 2007. 53

    Antes de ingressar no PSB, partido no qual encerrou sua carreira poltica, Miguel Arraes foi filiado a diversas agremiaes polticas. Filiou-se ao PSD na segunda metade da dcada de 1940, tendo sido eleito deputado estadual por aquele partido. Como filiado ao PSD ocupou ainda o cargo de Secretrio de Finanas do Estado de Pernambuco, durante o governo de Barbosa Lima Sobrinho.

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    concorria quele cargo pela terceira ocasio. Por sua vez, o PSD lana o nome de Armando Monteiro, empresrio ligado aos interesses dos grandes proprietrios de terra de Pernambuco.

    Resultado das eleies para governador de Pernambuco - 1962

    Candidato Legenda Recife Interior Total Miguel Arraes de Alencar

    Frente PSP Ala dissidente do PSD

    58,09% 43,46% 47,98%

    Joo Cleofas UDN 34,20% 50,40% 45,47% Armando Monteiro Frao min. do PSD 7,70% 6,14% 6,65% Fonte: Atas do TRE

    Realizada a apurao dos votos, Arraes eleito com 47,98% do total dos votos vlidos. A pequena margem sobre o candidato udenista faz com que autores como Jos Arlindo Soares e Roberto Aguiar concordem com a importncia do apoio dos dissidentes pessedistas para que o candidato da Frente fosse vitorioso. Aps a publicao dos resultados, Joo Cleofas passou a ser conhecido nos meios polticos como Joo Trs Quedas, em uma aluso s derrotas sofridas em 1950, 1954 e 1962. A vitria tambm alcanada na disputa pelo cargo de vice-governador, fato que levou Paulo Guerra a ocupar


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