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SABERES DOCENTES EM CONSTRUÇÃO: AS PERCEPÇÕES DOS

PROFESSORES SOBRE O TRABALHO COM A PEDAGOGIA DE

PROJETOS

Juliana Naves Fenelon

2004

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Juliana Naves Fenelon

SABERES DOCENTES EM CONSTRUÇÃO: AS PERCEPÇÕES

DOS PROFESSORES SOBRE O TRABALHO COM A PEDAGOGIA

DE PROJETOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração:

Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar.

Orientadora: Ana Maria Casasanta Peixoto.

Belo Horizonte

2004

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Fenelon, Juliana Naves F332s Saberes docentes em construção: as percepções dos professores sobre o

trabalho com a pedagogia de projetos / Juliana Naves Fenelon. – Belo Horizonte, 2004.

132f. Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Casasanta Peixoto. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Bibliografia. 1. Professores-Formação. 2. Formação profissional. 3. Professores-

Formação-Corpo docente. 4. Inovações educacionais. I. Peixoto, Ana Maria Casa. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós- Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 371.13 Bibliotecária : Maria Auxiliadora de Castilho Oliveira – CRB 6/641

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Dissertação defendida e aprovada, em 27 de agosto de 2004, pela

Banca Examinadora constituída pelas professoras:

_______________________________________________________________

Profa. Doutora Ana Maria Casasanta Peixoto – Orientadora

Profa. Doutora Magda Becker Soares (UFMG)

_______________________________________________________________

Profa. Anna Maria Salgueiro Caldeira (PUC Minas)

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Ofereço este estudo aos meus amigos e colegas de profissão

Ao Beto e meus familiares, pelo apoio, compreensão e incentivo constante na

formação continuada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força diária.

À minha orientadora Ana Maria Casasanta Peixoto, que me incentivou a

participação nesta jornada de conhecimentos, compartilhando idéias e reflexões.

À professora Anna Maria Salgueiro Caldeira pelas contribuições prestadas.

À Valéria, cuja dedicação é intensa a todos os alunos do mestrado.

Aos professores e colegas do Mestrado, interlocutores preciosos, em especial as

amigas Mônica e Stela.

A Capes, pela concessão da bolsa que viabilizou o desenvolvimento dessa

pesquisa.

À escola, aos professores e diretores pela recepção afetuosa e pela participação

da pesquisa, o que tornou possível a realização deste trabalho.

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SUMÁRIO

RESUMO 07

ABSTRACT 08

1 – INTRODUÇÃO 09

2 – PEDAGOGIA DE PROJETOS: Um Breve Histórico 16

2.1 – A Pedagogia de Projetos Hoje 24

3 – REFERENCIAL TEÓRICO 29

4 – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS: O Caminho Trilhado na Pesquisa 41

4.1 – Abordagem metodológica e procedimentos adotados na pesquisa 41

4.2 - Situando o campo da pesquisa e sua relação com o objeto

pesquisado 45

4.3 – Organização do espaço físico e funcionamento da Escola 49

4.4 – Organização do trabalho pedagógico na Escola Chave do Saber 51

5 – OS ATORES DA PESQUISA 57

5.1 – A direção da escola Municipal Chave do Saber 57

5.2 – Uma visão geral do corpo docente e um foco nas professoras

entrevistadas 58

6 – PENSAR E VIVER DE OUTRA MANEIRA: A Percepção das Professoras

sobre a Pedagogia de Projetos na Escola Chave do Saber 64

6.1. - “A pedagogia de projetos tira a gente do lugar de dono do saber” 64

6.2. - Chave do Saber: um espaço de formação docente 78

6.3. - “Que professor eu quero ser?” 114

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 125

8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 130

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar os saberes construídos pelos

docentes em seu trabalho com a Pedagogia de Projetos, a partir das percepções

das professoras da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Para tal

procurou-se compreender o processo de formação desenvolvido pelas

professoras, ao assumirem uma prática organizada por projetos, num contexto de

busca de práticas pedagógicas inovadoras.

O tema foi investigado a partir de dados coletados através de entrevistas

semi-estruturadas e da análise de documentos relativos à organização da escola

e à implantação do ensino por projetos. As entrevistas foram realizadas com três

professoras da escola, selecionadas a partir de critérios que levaram em conta a

trajetória escolar e profissional do corpo docente da escola. Também foram

entrevistadas a diretora, a vice-diretora e a supervisora pedagógica da escola. Os

dados foram analisados à luz dos estudos de Tardif, Zeichner e Sacristán, no que

se refere à construção dos saberes docentes e sua importância no

desenvolvimento profissional do professor.

As análises mostraram que os saberes mobilizados pelas professoras em

seu trabalho com projetos são de natureza diversificada, destacando-se, nesse

quadro, os saberes práticos. A adoção pelas professoras de um projeto

pedagógico considerado inovador, distanciado de um modelo de ensino

desenvolvido na lógica transmissiva, suscitou-lhes incessante busca de novos

conhecimentos e teve grande importância na definição do perfil profissional de

cada uma delas.

Palavras – chave: saber docente; pedagogia de projetos; desenvolvimento

profissional.

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ABSTRACT

The purpose of this study was to analyze the knowledge built by the

teachers in their work with ‘Pedagogia dos Projetos’, through the investigation of

the perceptions of the teachers who work in the public school of ‘Belo Horizonte’.

The study required a comprehension of the formation process developed by the

teachers, when they assume a practice organized by projects, as a result of a

pursuit for new pedagogical practices.

The theme was investigated through data collected in semi structured

interviews with the teachers and by the analyze of the documents related to the

school organization and to the implementation of teaching by projects at school.

The interviews were done with three teachers, chosen by a criterion that took into

account the school and professional trajectory of the whole staff of the teachers in

the school.

Director, vice director and the pedagogic supervisor were also interviewed.

The analyze was based on Tardif, Zeichner and Sacristán’s studies, concerning,

mainly, to the building of the teaching knowledge and its importance to the

professional development of the teacher.

The analyses showed that the knowledges assumed by the teachers in their

work with Pedagogy of Projects have many sources, distinguishing, among them,

the practical knowledge. The adoption, by the teachers, of a pedagogic project

considered innovative, which is far from a teaching model based on the

transmitting logical, caused them to pursue new knowledges, beyond having had

great importance in the definition of the professional profile of each teacher.

Key words: teaching knowledge; Pedagogy of Projects, professional

development.

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“Toda formação encerra um projecto de acção. E de trans-forrmação”. Nóvoa, 1995

1 – INTRODUÇÃO

A primeira vez que ouvi falar em Pedagogia de Projetos foi no curso de

magistério, realizado numa instituição considerada referência no que diz respeito

à adoção de práticas inovadoras. Lembro-me das aulas de didática, momentos

em que a professora relatava as experiências da escola no trabalho com projetos.

A partir daí, iniciei as primeiras leituras referentes a esse tema, na tentativa de

entender melhor tal proposta pedagógica. Eis o embrião deste trabalho: analisar o

processo de construção dos saberes de professores desenvolvidos em seu

trabalho com a pedagogia de projetos.

Desde a década de 90, a Pedagogia de Projetos vem ganhando lugar de

destaque nas escolas, enfatizando o ensino centrado nos interesses dos alunos e

tomando o professor como mediador. Escolas que adotam uma perspectiva

construtivista, preocupadas em formar sujeitos críticos em relação à construção

do conhecimento e em oferecer um ensino em sintonia com o mundo atual, têm

repensado suas práticas de ensino segundo uma proposta pedagógica, fazendo

disso, muitas vezes, um marketing educacional.

Posto isso, nos últimos oito anos, como professora de Educação Infantil,

venho exercendo a minha prática profissional em escolas que se denominam

construtivistas, tendo os eixos curriculares organizados por projetos de trabalho.

Toda via, o contato com outros professores e coordenadores, no ambiente de

trabalho, os estágios, os grupos de estudo, a participação em congressos e

seminários proporcionaram-me a oportunidade de aprofundar os conhecimentos

sobre a Pedagogia de Projetos e de refletir sobre minha prática docente. E dessas

experiências, surgiram questões, todas elas relacionadas aos saberes docentes.

Nesta perspectiva, me indagava: os professores conhecem a trajetória histórica

do trabalho por projetos? Eles têm clareza da razão desse termo ter sido

retomado? Qual é a visão dos professores em relação aos projetos? De onde

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partem os conhecimentos que têm adquirido? Eles questionam as teorias que

sustentam a constituição de seus saberes?

Ora, a idéia de pedagogia de projetos não é nova. Dewey, no final do

século XIX, já defendia um ensino em que o aluno fosse ativo e tivesse sintonia

com a realidade. Muito tempo já se passou e nós, educadores, continuamos a

investigar os processos de transmissão do conhecimento, a pensar a relação

ensino aprendizagem, a refletir sobre o sentido das práticas escolares,

principalmente no mundo contemporâneo, onde circula grande volume de

informação e conhecimento, onde a noção de tempo é redimensionada ante as

novas tecnologias e os meios de comunicação. É nesse contexto que a

pedagogia de projetos foi ressurgindo como prática nas escolas.

A propósito, o que venho percebendo nos encontros de que participo é que

muitos professores se apropriam dessa prática apenas por modismo, e não como

uma escolha embasada e em determinado contexto. Dessa forma, os professores

acabam banalizando seus discursos e retomando uma prática tecnicista,

executando projetos pré-determinados nos quais o como fazer e seguir as etapas

de aprendizagem passam a ser o ponto mais importante no trabalho. Julgam ser

essa a proposta do trabalho com projetos. A esse respeito, Nóvoa (1992 p.17), ao

discutir a formação de professores, assinala que eles, muitas vezes, demonstram

rígidos às mudanças e paradoxalmente são permeáveis aos modismos. Nas

palavras do autor, “A gestão pessoal deste equilíbrio entre a rigidez e a

plasticidade define modos distintos de encarar a profissão docente”. Para esse

autor, existe falta de um suporte teórico sólido que alimente as práticas

inovadoras e, por isso, talvez a rigidez e a plasticidade sejam sustentadas por

essa fragilidade de constituição teórica. Dessa forma, cabe perguntar: os

professores trabalham com projetos porque estão influenciados pelo modismo, ou

acreditam nessa proposta? Desenvolvem projetos por imposição ou escolha?

Refletem sobre as suas ações? Quais saberes eles mobilizam quando trabalham

com Pedagogia de Projetos?

Tais questões, reflexo do movimento de renovação pedagógica em curso,

em vários países, deram origem à minha investigação. Esse movimento questiona

tanto a noção do professor como mero transmissor de conteúdos produzidos em

outras instâncias, quanto a compreensão do ato de ensinar como essencialmente

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técnico – instrumental. Nele se buscam novos paradigmas e focos para a

compreensão da prática pedagógica do professor, levando em conta os diferentes

aspectos de sua vida individual e profissional.

Ainda de acordo com Nóvoa (1992), essa nova abordagem surge em

oposição contrária à dimensão técnica, que, por muito tempo, comandou as ações

pedagógicas. O chamado paradigma processo-produto enfatizava o processo de

ensino e preocupava-se com as maneiras mais adequadas de o professor

executar bem tal processo. Essa separação do eu pessoal do eu profissional,

associada a outros fatores, segundo Nóvoa conduziu o professor a uma crise de

identidade. Nessa perspectiva, a nova visão pode ser vista como uma resposta a

essa crise, inserindo-se no movimento de profissionalização do ensino, visando a

garantir a legitimidade da profissão.

Nunes (2001), por sua vez, analisa como e quando esse movimento surgiu

no contexto da realidade brasileira. Situa a década de 90 como um marco dos

novos paradigmas para compreender a prática pedagógica e os saberes dos

docentes, destacando a importância de se pensar a formação numa abordagem

que vá além da academia. Para tal, deve-se levar também em consideração o

desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente.

Nesse sentido, destacam-se, entre outros, os trabalhos que dão voz ao professor

como os de Paiva1 (2003), Figueiredo2 (2003), Monteiro3 (2001), Caldeira4 (2001),

Bueno, Catani e Souza5 (1998) e Pimenta6 (1996).

1 Paiva (2003) em a Formação do professor crítico reflexivo analisa as concepções do profissional como prático reflexivo e destaca que a prática reflexiva ganha sentido no momento em que as diretrizes para a formação inicial do professor, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, valorizam a prática docente no processo de formação. 2 Figueiredo (2003), em Os acertos ficam com a gente e os erros também, realiza um estudo sobre o saber docente de professoras alfabetizadoras, apontando a existência de um saber construído a partir de uma reflexão da prática cotidiana da professora. 3 Monteiro (2001), no seu trabalho Entre saberes e práticas, destaca a existência de uma epistemologia da prática docente, discutindo a relação dos professores com os saberes que ensinam. 4 Caldeira (2001), aborda os princípios orientadores da formação docente inicial e continuada, sublinhando que tais princípios deveriam perpassar a formação docente possibilitando ao professor, condições para a construção de saberes e habilidades necessários à sua prática profissional. 5 Bueno, et. Ali (1998), no livro A vida e o ofício dos professores, apresenta os resultados de pesquisa e de práticas de formação utilizando a autobiografia como instrumento para a formação continuada de professores. 6 Pimenta (1996), apresenta um dos efeitos de um programa de curso na prática docente dos alunos egressos da licenciatura da Faculdade de Educação de São Paulo e aponta novos

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Quanto ao termo saber, objeto de minha investigação, suscita discussões.

Saviani (1996), por exemplo, ao analisar os saberes presentes na formação do

professor, faz uma distinção entre a origem e sua natureza. Nesse sentido,

segundo o autor, os saberes presentes na formação do professor são elaborados

pelas formas sofia e episteme. A primeira, Sofia, significa sabedoria adquirida

numa longa experiência de vida, a episteme, significa ciência, um tipo de saber

que tem sua origem em processos mais sistemáticos de construção de

conhecimentos. Saviani reconhece nos saberes dos professores as duas formas:

tanto sofia, quanto a forma episteme, ainda que com ênfases variadas.

Já Fiorentini, Souza & Melo, o termo conhecimento é entendido como algo

que:

[...] aproximar-se-ia mais com a produção científica sistematizada e acumulada historicamente com regras mais rigorosas de validação tradicionalmente aceitas pela academia; o saber, por outro, representaria um modo de conhecer/saber mais dinâmico, menos sistematizado ou rigoroso e mais articulado a outras formas de saber e fazer relativos à prática não possuindo normas rígidas formais de validação. (FIORENTINI, et. al, 1998, p. 312)

Para Tardif, a noção de saber adquire:

[...] um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber – fazer e saber – ser. (TARDIF, 2000; p.212)

Nesta dissertação, emprego a palavra saber no seu sentido mais amplo,

expressando os conhecimentos e também as habilidades e atitudes que os

professores mobilizam em sua prática docente. Nesta perspectiva, investigar os

saberes docentes é antes de mais nada, considerar a complexidade e

especificidade da atividade docente e enxergar o professor como sujeito portador

de vários saberes e de um saber fazer.

caminhos para se pensar a formação inicial e contínua dos professores tendo como suporte a questão dos saberes docentes e o desenvolvimento dos processos reflexivos sobre a prática.

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Em vista disso, centrei minhas reflexões na constituição dos saberes

docentes em relação à pedagogia de projetos. Fundamentei-me nas colocações

dos fatos destacados anteriormente considerando, ainda, a opção de muitas

escolas organizarem seus conteúdos por projetos, principalmente as de Educação

Infantil.

Essas considerações nortearam minha pesquisa. Assim, o objetivo geral de

meu trabalho é entender como os professores constituem seus saberes em

relação ao trabalho com projetos. E os objetivos específicos são:

• a detectar e analisar as percepções dos professores em relação ao trabalho

com projetos;

• analisar os motivos que levaram os professores a trabalharem com pedagogia

de projetos;

• analisar as formas utilizadas pelos professores na construção do trabalho com

projetos;

• identificar e analisar os fatores que contribuíram para a construção dos

saberes dos professores em relação ao trabalho com projetos;

• analisar a influência da escola como aspecto facilitador e/ou dificultador na

construção dos saberes docentes.

Quanto ao ponto de vista teórico, fundamentei-me nas contribuições de

Tardif, Zeichner e Sacristán a respeito dos saberes docentes e sua importância no

desenvolvimento profissional do professor.

Com referência a Tardif (2002), ressalta o valor dos saberes produzidos

pelo professores no exercício de sua profissão, destacando o saber experiencial,

isto é, o saber fazer. Ele esclarece que:

[...] esses saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. (TARDIF, 2002, p. 49)

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Já Zeichner (1993) destaca que os professores constroem teorias sobre

suas práticas. Essas teorias resultam de um processo reflexivo e, quando

realizadas em processos sociais mais amplos, podem contribuir para a melhoria

do ensino. Dessa forma, Zeichner vê no professor um prático reflexivo,

enfatizando a importância de que a reflexão se volte tanto para o próprio

professor como para fora, ou seja, para a situação social em que a prática se

desenvolve. O autor alerta para os riscos de uma ação fora do contexto. Segundo

ele “as reflexões dos professores visam, em parte, à eliminação das condições

sociais que distorcem a autocompreensão dos professores e minam a realização

do seu trabalho”.(ZEICHNER, 1993; p. 25).

A reflexão também é apontada por Sacristán (1999) como um processo

que orienta as ações. De acordo com o autor, existem níveis de reflexão, e esta é

vista como um processo que pode atingir um grau de elaboração cada vez maior.

Neste processo, o autor enfatiza o caráter contextualizado da ação

docente, e destaca na prática do professor, a manifestação de um processo

dinâmico de interação entre sua cultura subjetiva e a cultura externa. Ao

reconhecer a influência da reflexão na prática docente, Sacristán atribui

importância e responsabilidade ao professor na solução da crise por que passa o

sistema educacional, em nossos dias. Para o autor:

Ação genuinamente humana, aquela que merece esse nome, é sempre reflexiva, ou seja, possui efeitos duradouros na pessoa que a realiza, e não somente no meio que se desenvolve. Somos feitos por aquilo que fazemos, pelo modo como agimos, então, um efeito desse reflexo da ação (reflexão é o processo ou o resultado de refletir e de reflexionar) é a geração da consciência sobre a ação, que é manifestada na forma de representações, de lembranças ou de esquemas cognitivos e crenças que podem ser comunicadas, nutrindo a memória do material para pensar sobre as ações passadas e presentes e para orientar outras futuras. (SACRISTÁN, 1999; p. 99).

Para minha dissertação, considerei esses aportes teóricos os mais

adequados por se tratar de um estudo sobre os saberes docentes em construção,

que levaria em conta as percepções dos professores sobre a Pedagogia de

Projetos. Onde o saber fazer e o princípio ação/reflexão/ação são mobilizados

pelos professores no exercício do seu trabalho docente.

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Realizei o estudo numa escola pública da Rede Municipal de Educação

Infantil na região Oeste de Belo Horizonte. Optei por uma abordagem qualitativa e

a coleta dos dados se deu por meios de entrevistas individuais e de análise

documental, conforme o apresento no capítulo 3, sobre os aportes metodológicos.

A seleção das três professoras entrevistadas ocorreu a partir da análise de

fichas individuais, aplicadas a todas as professoras da escola, de acordo com os

critérios explicitados no capítulo 4, item 4.2. Todos os membros que compõem a

direção da escola também foram entrevistados: diretora, vice-diretora e

supervisora. Também entrevistei a ex-diretora com o objetivo de reconstruir, com

mais profundidade, a história da escola.

Afinal, organizei a pesquisa em cinco capítulos, assim constituída:

O capítulo 2 apresenta uma retrospectiva histórica do trabalho com projetos

desde o seu surgimento, na virada do século XIX para o século XX, destacando

as principais características dessa proposta de trabalho e contextualizando como

ela foi re-significada ao longo do tempo até os dias atuais.

O capítulo 3 focaliza as referências teóricas que sustentam a pesquisa. A

análise é feita à luz dos estudos de Tardif, Zeichner e Sacristán, autores esses

que vêm tratando de questões sobre o valor da prática docente e seus processos

reflexivos, apresentando uma nova perspectiva de análise do trabalho docente e

da formação do professor.

Já o capítulo 4 foi dividido em quatro momentos: no primeiro, descrevo a

metodologia da pesquisa, enfocando os atores e a metodologia utilizada; no

segundo, apresento a contextualização do campo de análise destacando sua

relação com o objeto pesquisado; no terceiro, retrato a escola, destacando seu

espaço físico e funcionamento. Por fim, no quarto momento, descrevo a

organização do trabalho pedagógico na escola.

No capítulo 5, caracterizo quem são os atores da pesquisa: diretora, vice-

diretora, supervisora e professores. Em relação ao corpo docente da escola,

tracei o perfil geral do grupo e focalizo cada professora selecionada.

O capítulo 6, organizei em três eixos de análise. O primeiro A pedagogia de

projetos tira a gente do lugar de dono do saber, busquei compreender a

percepção e a construção dos saberes dos professores em relação ao trabalho

com projetos. O segundo eixo, Chave do Saber: um espaço de formação docente

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contempla a influência da escola na constituição dos saberes docentes. No

terceiro, Que professor eu quero ser?, analiso como o trabalho com projetos

estimula a construção e a re-significação de saberes, configurando um novo perfil

profissional.

Nas considerações finais, apresento uma reflexão sobre os dados obtidos

na pesquisa e aponto algumas pistas para novos estudos e investigações sobre a

importância dos saberes docentes e sua valorização no processo de formação do

professor.

2 – PEDAGOGIA DE PROJETOS: Um Breve Histórico

A Pedagogia de Projetos tem raízes no escolanovismo, particularmente em

Dewey7 e Kilpatrick8 , dois de seus expoentes. Esse movimento surgiu no final do

século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, estendendo depois a outros países.

Teve um período de efervescência na primeira década do século XX, foi

interrompido durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Após a guerra,

ganhou novo fôlego, atingindo vários países que buscavam uma nova ordem

social e a reorganização de seus sistemas de ensino.

A Escola Nova é uma proposta pedagógica, que se propõe, em oposição à

chamada Pedagogia Tradicional, a renovar os processos escolares. Seu ponto

alto consiste em fazer da criança o centro da ação educativa. Dessa forma, a

preocupação passa a ser o aprender em vez de ensinar; a aprendizagem deve

apreender a complexidade da vida real; o conhecimento deve ser construído

mediante observações e experiências contínuas. O professor deixa de ser o dono

7 Dewey nasceu em Burlington, Vermont (EUA), em 1859. Estudou em universidades locais e depois na universidade de Vermont. Aperfeiçou-se na John Hopkins University de Baltimore, lecionou em Michigan e publicou estudos psicológicos e filosóficos. Foi diretor da universidade de Chicago em 1894 e também dirigiu uma escola-laboratório anexa à universidade. A partir de 1897, publicou vários títulos sobre o seu pensamento filosófico, pedagógico e político que foram difundidos em vários países. Mostrou-se também uma tentativa para enfrentar o período pós-guerra. 8 Kilpatrick nasceu em 1871, foi discípulo de Dewey e seu colaborador durante muitos anos na Teachers College na Universidade de Columbia. Foi também um dos principais dirigentes do movimento da educação progressiva nos Estados Unidos.

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do saber e passa a dar voz aos alunos para exprimirem opiniões e escolhas. O

eixo da ação educativa se desloca do professor para o aluno, fato denominado

paidocentrismo (criança como centro de todas as atividades escolares). Conforme

salienta Dewey:

Agora a mudança que se dá na nossa educação é o deslocamento do centro da gravidade. É uma mudança, uma revolução, que não é distinta daquela introduzida por Copérnico ao deslocar o centro astronômico da Terra para o Sol. Nesse caso, a criança se torna o Sol em torno do qual giram os instrumentos da educação; ela é o centro que os organiza. (DEWEY, 1980; p. 23)

A preocupação em garantir aos alunos um ensino ativo, capaz de atender

às crianças em suas necessidades biopsicossociais, gerou ênfase nos métodos,

entre os quais merecem destaque: o plano de Dalton; o sistema Winnetka; o

sistema de unidades didáticas de Morrisson; o centro de interesses de Decroly; o

sistema de Montessori e o método de projetos de Dewey e Kilpatrick.

Com relação ao método de projeto resulta da importância atribuída por

John Dewey à escola no processo de democratização da sociedade. Para esse

autor, sociedade democrática é expressão do avanço das ciências que deram

origem à indústria. Nesse processo, a escola tem o papel de criar, no homem,

hábito, atitudes e formas de pensar adequadas à nova ordem, marcada pelos

ideais de solidariedade e cooperação.

Para que a escola exerça essa função, é necessário que ela se reorganize,

tornando a educação um processo tão natural quanto o processo de

desenvolvimento e maturação característico do ser humano. Essa visão reflete

uma concepção de ser humano. Que, assim, se resume: o homem é um

complexo biopsicossocial. As faculdades humanas só existem em função do meio

social no qual elas são aplicadas e exercidas. Nessa perspectiva, todo

comportamento humano resulta de um impulso com vistas à satisfação de uma

necessidade que provém do homem enquanto ser social. Esse processo de

satisfação de necessidades coloca em funcionamento as potencialidades do ser

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humano num movimento contínuo em busca de aperfeiçoamento que se identifica

com o próprio ato de viver. Nesse sentido, pode-se afirmar que educação é vida.

Desse modo, no método de projetos, o conhecimento a ser construído deve

ser útil e, de preferência, se dar em torno de algo que ao mesmo tempo seja do

interesse dos alunos e da comunidade local. Assim sendo, a Escola Nova

proporcionaria ao aluno uma educação adaptada para a sociedade industrial,

como ilustra esta expressão marcante da Escola Nova: educação para uma

sociedade em mudança.

Vale lembrar que, do ponto de vista epistemológico, Dewey é um

representante do pragmatismo. Para ele, o conhecimento só é válido e legitimado

quando é útil e persegue um objetivo a ser atingido. Assim, fica marcada uma

relação intrínseca entre a ação e o pensamento.

É importante marcar ainda que, para Dewey, o pensar vem da necessidade

de solucionar um problema, superar uma dificuldade, e o pensamento é o ponto

de partida e guia de todo o mecanismo da reflexão. E, para ele, o hábito de refletir

se desenvolve a partir da criança, de suas experiências de vida, de suas

necessidades e desejos e o professor tem um papel fundamental nesse processo,

devendo atuar como guia, orientando - se pelas vivências, pelo desejo e

interesses dos alunos.

De acordo com esse ponto de vista, quanto mais o professor conhecer

seus alunos, melhor poderá desenvolver atividades que formem hábitos de

reflexão. Segundo Dewey, “temos de aprender como pensar bem, especialmente

como adquirir o hábito geral de refletir”. (DEWEY, 1979; p.43). Mas ele adverte

que o pensamento reflexivo vem acompanhado de dúvidas e busca de soluções.

Todavia as incertezas constituem fatores fundamentais do processo de

construção do conhecimento. Não se trata da dúvida em si, mas de obstáculos

que surgem através das ações. E conclui que: “A natureza do problema a

resolver, determina o objetivo do pensamento e este objetivo orienta o processo

do ato de pensar”. (DEWEY, 1979; p. 24).

Essa visão ilustra a lógica pragmática de Dewey, segundo o qual

pensamento e ação se relacionam. Dewey aponta algumas tendências imbricadas

no processo reflexivo, como a curiosidade, a sugestão e a ordem.

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19

A curiosidade é fator chave na relação do organismo com o meio. Cada

órgão do sentido está disponível para interagir com o meio e receber estímulos.

Esse processo de interação constitui a base sobre a qual se estrutura a

experiência. Para Dewey:

[...] a curiosidade assume um caráter definitivamente intelectual quando, e somente quando, um alvo distante controla uma seqüência de investigações e observações, ligando-as umas às outras como meios para um fim. (DEWEY, 1979, p. 47).

Quanto à sugestão, é o processo pelo qual uma experiência atual remete o

indivíduo a experiências anteriores, independentemente de sua vontade,

sugerindo a existência de elementos comuns entre ambas. Acrescenta Dewey

que:

[...] não nos podemos obrigar a ter idéias ou não tê – las, assim como diretamente não nos podemos obrigar a ter sensações das coisas...As idéias, nesse sentido primitivo e espontâneo são sugestões. (DEWEY, 1979, p. 47).

Converter sugestões em reflexão é passar para outra dimensão, a da

propriedade da ordem. Para Dewey:

[..] o pensamento reflexivo ocorre apenas quando o fluxo de pensamentos se torna uma sucessão ordenada, que contém as idéias precedentes e se dirige por uma questão ou problema. (DEWEY, 1979, p. 47)

O desenvolvimento do pensamento reflexivo demandaria a coordenação

dessas três tendências. Na perspectiva educacional, é necessário que os

docentes elaborem atividades que despertem a curiosidade, estabeleçam

condições para aproveitar as sugestões oriundas das experiências e trabalhem

com questões que favoreçam uma ordem nas idéias ou sugestões.

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20

Esboçadas as linhas gerais do método de Dewey, passo a apresentar o

método de projetos elaborado por Kilpatrick, expressão, no campo pedagógico, do

pensamento de Dewey. Kilpatrick pretende que seu método ofereça ao professor

um instrumento que lhe possibilite conduzir o processo de aprendizagem de forma

adequada, preparando a criança para a vida. Sirvo-me desta passagem de

Lourenço Filho para esclarecer essa questão:

Preparar para a vida será pôr a criança condições de projetar, de procurar meios de realização para seus próprios empreendimentos. E de realizá-los verificando pela própria experiência o valor das concepções que esteja utilizando, assim, ela os reafirmará, emendará ou substituirá, segundo os resultados e a conciliação desses resultados com os seus programas de vida. A conseqüência natural é a de fazer-se o ensino mediante amplas unidades de trabalho, como um fim em vista, ou, afinal, segundo projetos como tais percebidos são compreendidos pelos educandos. (LOURENÇO FILHO, s/d. pág. 202).

Como se vê, o modo geral de kilpatrick pressupõe a resolução de um

problema significativo para a criança no qual ela se envolve totalmente em

cooperação com seus pares. Para isso, o grupo elabora um projeto, de caráter

global, a ser desenvolvido pelos alunos com a orientação do professor,

compartilhando as tarefas. A aprendizagem assume o caráter de experiência; a

aula se converte num laboratório, despertando, nas crianças, espírito

experimental e o saber adquirido nos livros se transforma em experiência real. Em

síntese: a criança deve aprender fazendo. Para Dewey, o método de Projeto não

propõe uma fórmula a ser seguida e sim aponta etapas necessárias em cada ato

de pensamento. Mas essas etapas não são formais ou preestabelecidas.

Ademais, nos projetos, podem surgir temas dos mais elementares aos mais

complexos. Mas todos eles devem ser desenvolvidos concretamente. Para

Kilpatrick, citado por Lourenço Filho (s/d), os projetos podem ser de quatro tipos:

projetos que têm como finalidade, incorporar alguma idéia ou habilidade sob a

forma de expressão; projetos cujo fim seja experimentar alguma coisa nova, como

ouvir uma música, uma história; projetos cujo objetivo seja colocar em ordem

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intelectual uma situação problema; projetos cujo objetivo seja adquirir um novo

grau de habilidade ou conhecimento.

A adoção da Pedagogia de Projetos implica que o trabalho escolar seja

atraente e, mediante situações-problemas, a criança sinta curiosidade de buscar

soluções para fatos reais. Ora o interesse intelectual se manifesta com mais

intensidade quando a criança faz algo de verdade do que quando tem que

imaginar alguma situação. Nesse sentido, uma das finalidades mais importantes

da escola é elaborar um projeto para proporcionar que o saber e a experiência do

aluno se aflorem.

Por conseguinte, ao professor, cabe o cuidado da seleção do tema de

estudo, pois nem todos os projetos são interessantes para todas as crianças.

Assim, o professor deve julgar se o tema merece consumir uma atividade e

avaliar os recursos disponíveis para desenvolver o projeto. Segundo Fernando

Saínz (1961), o projeto tem mais êxito quando surge no grupo e mais

possibilidade de fracasso se definido previamente pelo professor.

Outro ponto fundamental no uso desse método é a importância do trabalho

coletivo no processo de aprendizagem individual. O trabalho em grupo possibilita

à criança não só manifestar habilidades que ficaram ocultas no trabalho individual

como também desenvolver o hábito de colaboração, investigação e

responsabilidade.

Afinal o que se pretende com esse método é criar, na escola, momentos

em que a criança possa construir conhecimentos, vivenciar experiências,

selecionando as mais adequadas a cada situação, num processo de

desenvolvimento contínuo com vistas a construção da autonomia.

J. Stevenson um dos seguidores do método de projetos proposto por

Dewey, assinala os seguintes objetivos desse método: a formação do raciocínio e

não da memória; a informação é buscada tendo em vista realizações vivas que

proporcionam, ao educando, experiências e estimulem-no a tirar conclusões; a

aprendizagem deve ser feita num ambiente natural, o problema deve surgir e ser

resolvido com a mesma naturalidade que resolvemos os problemas do cotidiano;

o problema vem sempre antes dos princípios para que desperte o exercício do

pensamento para um ato funcional.

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Como já assinalei anteriormente, o ideário escolanovista se firmou como

um movimento em oposição a uma pedagogia que, de acordo com seus

seguidores, não levava em conta a criança e suas necessidades biopsicossociais.

Nesse período, marcado pelo confronto entre duas visões de mundo e de

educação, os métodos ocupavam um lugar de grande importância como

manifestações concretas de uma nova maneira de pensar e de fazer a educação.

Vista por esse ângulo, a Escola Nova chega a ser sinônimo de métodos ativos. E

à medida que esse ideário se consolida, reconhece-se que a nova pedagogia

ultrapassa os métodos e traduz, sobretudo, uma nova postura perante a

educação, cujo destaque é a ênfase à criança, centro de todo o processo

(paidocentrismo).

Nesse quadro, embora as idéias de Dewey continuem presentes no

panorama educacional, o Método de Projeto, já não é objeto de tanta atenção. No

Brasil, por exemplo, as dificuldades enfrentadas pelos docentes com relação à

infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do ato pedagógico determinam um

refluxo no movimento renovador ocasionando a retomada dos métodos

tradicionais. Estes passam a conviver com um discurso que enfatiza a importância

do aluno no processo de aprendizagem.

Em âmbito internacional, o desprestígio desta pedagogia se explica por

razões históricas. A segunda metade do século XX é marcada, no plano mundial,

pelo confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética - a chamada Guerra

Fria. Os dois países em sua luta pelas conquistas da hegemonia mundial se

lançam numa corrida armamentista, em que a ciência e a tecnologia ocupam

posição estratégica. Os avanços manifestados pelos soviéticos, colocando em

órbita a primeira nave espacial - o Sputnik - alarmaram o governo norte

americano. E, nessa disputa, atribui à escola seu fracasso. Em conseqüência

disso considerar a educação à serviço do desenvolvimento tecnológico, a Escola

Nova é fortemente atingida, sendo alvo de severas críticas

Essas críticas recaem na ineficiência do método de projetos no sentido de

preparar os recursos humanos exigidos pelos avanços da ciência e da produção

industrial. A importância atribuída a industria como expressão do progresso

científico e tecnológico determina o surgimento da Pedagogia Tecnicista, que

busca introduzir, na escola a lógica que preside o trabalho fabril.

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A partir da metade dos anos sessenta, alguns pressupostos da Escola

Nova são retomados, entre eles, o trabalho por projetos, denominado, então, por

Bruner de trabalho por temas. Na proposta de Bruner destaca-se a preocupação

com a aquisição de conceitos. Segundo o autor, o trabalho por temas organizaria

os conteúdos através de conceitos – chave comuns a todas as disciplinas para

facilitar a aprendizagem dos alunos. Nessa perspectiva, sua proposta de currículo

assume caráter interdisciplinar, à medida que os conceitos – chave comuns se

encontrem presentes em todas as disciplinas. A noção de conceitos – chave de

Bruner parte do princípio de que o ensino deveria possibilitar o desenvolvimento

de conceitos presentes nas estruturas das disciplinas. Nessa visão, o trabalho

com projetos seria uma alternativa para isso.

Outra idéia desenvolvida por Bruner foi a do currículo em espiral. O

currículo assim desenvolvido leva os alunos a apropriarem-se dos conceitos num

processo de complexidade crescente, ou seja, inicialmente eles encontram as

idéias – chave de uma maneira mais primitiva. Essas idéias vão se tornando mais

complexas no decorrer da escolarização.

Optando-se por esse método, o docente deve se preocupar, sobretudo com

conceitos e estratégias, uma vez que as estruturas poderão ser ensinadas em

qualquer idade. Na medida que o professor facilitar a aprendizagem, os alunos

poderão desenvolver um nível mais avançado de compreensão.

Assim sendo, segundo o autor, o ensino por meio de temas permite ir além

das disciplinas, facilitando a aprendizagem dos alunos.

Nos anos 90, do século passado, com a explosão do construtivismo9 e a

retomada das idéias de Piaget, a preocupação se estende à relação ensino-

aprendizagem e os projetos voltam a ser tema de grande interesse nas escolas. A

educação se vê influenciada pelas novas tecnologias e preocupada com a

denominada revolução cognitiva. A partir dessa década não parou a discussão

em torno dessa maneira de ensinar e organizar os conteúdos.

9 Trata-se de uma concepção ou teoria pedagógica que privilegia a noção de construção de conhecimento efetuada mediante interações entre SUJEITO aquele que conhece, e OBJETO sua fonte de conhecimento buscando superar as concepções que focalizam apenas o empirismo, condições ligadas apenas à percepções ou à estimulação ambiental ou a pré-formação de estruturas, condições ligadas a aspectos inatos ou advindos da maturação”. (BREGUNCI, p. 15).

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2.1 – A Pedagogia de Projetos Hoje

Para situar a pedagogia na atualidade, tomarei como referência os estudos

de Hernández10 em relação à Pedagogia de Projetos e sua influência sobre os

professores brasileiros. Fundamentarei também nesse autor para tratar, em

especial, a Pedagogia de Projetos.

Isso posto, consideradas inovações noutro momento histórico, a adoção

dos projetos de trabalho proposta por Hernández traduz alguns aspectos em

comum com as idéias escolanovistas. Assim há momentos em que Hernández

(1998) concorda com princípios do Método de Projetos proposto por Dewey e

Kilpatrick. Em seu trabalho, o autor considera a contribuição de Dewey e Kilpatrick

na concepção do ensino por projetos, conforme mostra esta passagem:

Os projetos podem ser considerados como uma prática educativa que teve reconhecimento em diferentes períodos deste século, desde que kilpatrick, em 1919, levou a sala de aula algumas das contribuições de Dewey, De maneira especial, aquela em que afirma que “o pensamento tem sua origem numa situação problemática que se deve resolver mediante uma série de atos voluntários.’’ Essa idéia de solucionar um problema pode servir de fio condutor entre as diferentes concepções sobre os projetos.’(HERNÁNDEZ, 1998a; p. 66, 67).

Entretanto no seu entendimento, os projetos de trabalho assumem hoje

outro significado, uma vez que [...] ‘’a realidade e os problemas para os quais

tentamos encontrar respostas, na atualidade, e aos quais se vinculam os projetos

de trabalho, não coincidem com os desafios que eram enfrentados por Dewey e

Kilpatrick”. (HERNÁNDEZ, 1998b; p. 28).

Como exemplo de que as palavras não são usadas num mesmo sentido,

Hernández utiliza o pensamento de Coll (1996): “se, ao utilizar o mesmo termo, se

dissesse o mesmo, não se precisaria reconhecer que é necessário esclarecer

10 Professor titular da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, Espanha. Foi convidado a estar no Brasil no final do ano de 1997 pelo programa de pós graduação da UFMG para compartilhar, com outros educadores, possíveis mudanças na escola, entre elas, o trabalho com projetos.

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alguns dos significados do construtivismo”. (COLL, 1996, apud HERNÁNDEZ,

1998a; p. 62).

Os projetos de trabalho, na perspectiva de Hernández, não buscam fazer

uma síntese das idéias já consideradas inovadoras. Traduzem a preocupação em

considerar que o processo de construção do conhecimento nunca se parte do

vazio. Portanto é necessário pensar de onde partiu, quais experiências

influenciaram, a fim de reinterpretá-las segundo outro ponto de vista, outro

contexto, incorporando novos olhares. Olhares de uma realidade social escolar

que atualmente se apresenta em constante processo de mudança.

O autor afirma que várias propostas inovadoras, entre elas o Método de

Projeto de Kilpatrick (1919) tiveram êxito, contudo:

[...] não se arraigaram até o ponto de substituir a organização do currículo por disciplinas, porque não incidiram na mudança das concepções predominantes do sistema escolar e de sua função social. (HERNÁNDEZ, 1998a, p. 38).

Para Hernández (1998c), Pedagogia de Projetos:

[...] é a denominação de uma prática educacional que está sendo associada a algumas propostas de reforma no Brasil. Tais reformas pretendem favorecer mudanças nas concepções e no modo de atuar dos professores, na gestão das instituições de ensino e nas próprias funções da escola. Os projetos aparecem como um veículo para melhorar o ensino e como distintivo de uma escola que opta pela atualização de seus conteúdos e pela adequação ás necessidades dos alunos e dos setores da sociedade aos quais cada instituição se vincula. (HERNÁNDEZ, 1998c; p. 53)

Nessa proposta, como anteriormente mencionado, ganha sentido o

trabalho com projetos. Com efeito, já se encontram incorporados no pensamento

e na prática pedagógica, a partir da escola nova, os seguintes projetos:

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- Os saberes disciplinares não se situam apenas em um campo de

estudo fechado e compartimentado, sem relação com os outros

conhecimentos.

- As mudanças na representação do mundo (tecnologias de

informação, comunicação e globalização) exigem uma nova

reorganização no mundo do trabalho.

- A função da escola é responder às demandas que os alunos vivem e

relacionam-se com sua vida diária, uma vez que o futuro é incerto.

Os projetos de trabalho organizam o ato educativo, partindo de situações-

problema, supondo um processo criativo envolvendo professores e alunos,

permitindo ricas interações na relação ensino e aprendizagem. Hernández aponta

algumas características importantes que servem de marco para orientar o

percurso de desenvolvimento dos Projetos, deixando claro que se trata de um

itinerário a ser construído em cada contexto sem cair na formulação de etapas

que deverão ser seguidas.

Ademais, trabalhar com projetos exige uma mudança de postura por parte

do professor não só em relação a conversão de aprendiz, mas também diante das

maneiras de abordar o objeto de estudo. Assim, o professor deve levar em

consideração que a aprendizagem é um processo de busca, no qual é

questionada, uma única versão da realidade. A chamada pós-modernidade possui

muitas leituras, versões e é constante o questionamento da verdade absoluta. A

partir dessa idéia, emerge a visão de que as representações da realidade não são

neutras. Assim sendo, é interessante que o objeto de estudo seja investigado

dessa maneira. Portanto, os projetos não devem ser considerados como fórmulas

prontas, que podem ser aplicadas de maneira repetida. Isso seria uma visão

reducionista e simplificadora. O professor deve ter consciência de que cada etapa

do trabalho é singular e nela estão diferentes tipos de informação.

Quanto ao tema a ser pesquisado, pode ser mais rico quando sugerido

pelo aluno. E é papel do professor favorecer a análise e a interpretação crítica dos

fatos, contrastando pontos de vista.

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Os temas podem surgir de situações variadas como: uma visita a um

museu, a uma exposição. Também questões oriundas da imprensa ou televisão,

um debate em sala ou algo relevante sugerido pelo professor podem sugerir

temas de estudo. A problematização do tema é um dos pontos mais importantes.

Ela propicia o processo de indagação, levando em conta não só o que os alunos

sabem, mas também a adversidade de seus pontos de vista.

Há de se considerar também que cada aluno apresenta uma forma

diferente de aprender e um dos mitos na educação é que os alunos aprendem o

que os professores ensinam. Contrariando essa idéia, nos projetos, o que tem de

aflorar são as potencialidades individuais, já que cada um estabelece relações

com aspectos diferentes da realidade. Daí procede também à aprendizagem

coletiva.

Também o professor deve considerar a diversidade de conhecimentos e

habilidades dos alunos, proporcionar situações em que um aprende com o outro,

criando atitudes de cooperação e participação. Nesse caso, as conversas e os

debates podem ser transformados em conteúdos do Projeto, tornando os alunos

responsáveis pela própria aprendizagem.

Os projetos também permitem aprender o não previsto pelos especialistas,

tendo a intenção de ir além dos conteúdos do currículo oficial. Por conseguinte, o

professor deve levar em consideração as possibilidades dos educandos, que são

complexas e muitas vezes desconsideradas por educadores que acabam

reduzindo o potencial dos alunos apresentando tarefas simples e repetitivas.

Além disso, o professor deve ter em mente que a aprendizagem é um

processo que envolve o ser humano como um todo, devendo, pois, estar

vinculada ao fazer, às atividades manuais e à intuição. Entretanto, nas escolas,

muitas vezes o que impera é somente a aprendizagem conceitual. Já um dos

objetivos dos projetos é recuperar e despertar muitas habilidades que vários

educadores menosprezam.

Na opinião de Hernández (1998a), os projetos assim entendidos sinalizam

uma nova maneira de apresentar os conhecimentos escolares, baseados na

interpretação da realidade e nas relações que vão sendo construídas entre o

cotidiano dos alunos, professores, conhecimentos disciplinares e outros saberes

não–disciplinares que passam a ser elaborados.

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Os pontos destacados no pensamento do autor permitem-me concluir que

a pedagogia de projetos traduz uma maneira particular de conceber a escola e a

educação. Dessa forma, os projetos supõem um meio de repensar as estratégias

de ensino, redimensionar o tempo, repensar a relação professor/aluno, rever o

discurso sobre o conhecimento escolar. Em síntese: a escola deve rever o que

deve ser ensinado e como ensinar.

Hernández (1998b), detecta quatro concepções na postura dos docentes

em relação à pedagogia de projetos. Alerta o autor “que não se trata de estágios

ou níveis, mais sim de momentos diferentes profissionais, fruto da própria

biografia e das relações que se mantêm em cada instituição” (p. 29).

Na primeira concepção, os projetos são considerados uma metodologia

vinculada a várias experiências educativas anteriores, como os centros de

interesses e as unidades didáticas. Essa concepção destaca a construção do

conhecimento partindo de uma série de passos e etapas, encontrando momentos

que podem ser considerados inovadores. Entretanto tal construção quase não

muda as concepções dos docentes sobre as possibilidades de aprendizagem,

modo de organização dos conhecimentos e função da escola. Essa concepção

metodológica é a mais comum no campo da educação. A escola e o corpo

docente trazem e dominam essa marca, e se autodenominam construtivistas,

podendo ser vistos como renovadores e atualizados.

A segunda concepção, denominada atitudinal, está presente nos docentes

que, ao trabalharem com projetos valorizam a realidade dos alunos como fonte de

aprendizagem. Para esses professores, os conteúdos do currículo oficial são

limitados e não levam em conta as possibilidades reais, os interesses e o modo

de pensamento dos alunos. Rompem com a lógica da seqüência dos conteúdos,

que é limitadora e unidirecional; com as determinações de matérias por idades

que julgam a não-consciência do tempo e do espaço.

A terceira concepção é chamada de transdisciplinar. Os professores que

nela se encontram possuem uma posição diante do conhecimento que redefine o

sentido das disciplinas, as formas de lidar com os saberes, a maneira de

apresentar e organizar os conteúdos. Os projetos de trabalho são para esses

docentes perspectivas de questionamento que favorecem a aprendizagem dos

alunos e possam servir de alicerce para as diferentes facetas da realidade além

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da escola. Tal concepção valoriza não só o que os alunos aprendem como

também os procedimentos que lhes permitem continuar aprendendo sustentando

o caminho do pensamento complexo.

A última concepção é a reconceitualizadora. Os professores que nela se

situam acreditam que os projetos de trabalho podem ser considerados uma

estratégia de reinventar a escola, restabelecendo o sentido do que atualmente é

pertinente à educação. Compreendem que, na cultura do mundo contemporâneo,

é de suma importância o indivíduo entender, analisar, interpretar, criticar, acessar

as informações, desde as formas mais simples até as mais elaboradas. Esse

caminho, que vai da informação ao conhecimento, pode ser feito por diversos

meios e seguir múltiplas estratégias e uma das mais importantes seria o

reconhecimento do próprio processo de aprendizagem do indivíduo em relação a

sua história.

Todavia o que tenho percebido é que existe uma preocupação por parte

dos docentes, com as formas de organizar os conteúdos, com o processo de

ensino e aprendizagem com os meios de lidar com os alunos respeitando suas

diferenças e interesses dos alunos. Por outro lado, muitos educadores ainda

continuam impregnados numa concepção tradicional, não entendendo o sentido

atribuído aos projetos de trabalho tal como assinala Hernández.

Em síntese, procurei neste capítulo recuperar a trajetória histórica do

trabalho com projetos, identificando suas raízes e apontando o significado que

essa proposta assume hoje, nos estudos de Hernández.

3 - REFERENCIAL TEÓRICO

Como já anunciei anteriormente, fundamentei esta dissertação nos estudos

de Tardif, Zeichner e Sacristán, autores esses que valorizam o conhecimento do

professor, reconhecendo a existência de um saber ensinar, que é adquirido fora

da academia. Refiro-me aos saberes práticos, construídos pelo professor ao

longo de sua vida e no decorrer de sua carreira profissional. Surge, assim, o

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paradigma do pensamento do professor, que postula a existência de uma teoria

subjetiva, recuperando a idéia de docente como portador de saberes. Tais

saberes, construídos antes mesmo da vida profissional, constituem a novidade

dessa abordagem, a marca personalizada do pensamento e das ações do

professor.

Tardif, em trabalho publicado em co-autoria com Lessard & Lahaye (1991)

aborda a problemática do saber docente identificando e caracterizando os

diferentes saberes inerentes à prática docente. Segundo o autor, o saber docente

é plural, uma vez que provém de fontes variadas. Considerando a origem, dos

saberes, Tardif classifica-os em: profissionais, disciplinares, curriculares e

experenciais.

Os saberes profissionais (ciências da educação e pedagogia) referem-se

aos conhecimentos contemplados pelas instituições de formação de professores.

Esses saberes advêm das teorias das ciências da educação e são elaborados

para ser incorporados e mobilizados pelos professores no dia-a-dia da sua prática

pedagógica, qualificando-os para o exercício da profissão. Esse conhecimento

especializado é adquirido por meio de uma formação específica, de natureza

universitária ou semelhante. Sua legitimidade é certificada por um diploma,

necessária ao ingresso no magistério.

Já os saberes disciplinares são aqueles situados em diferentes campos de

conhecimento (Matemática, Literatura, História, Geografia, etc...). São

organizados pela tradição cultural e por grupos sociais que os produzem e

elegem-nos como categoria de saberes socialmente valorizados. As

universidades e a comunidade científica têm importante papel na sua definição.

Com referência aos saberes curriculares, são contemplados nos programas

de ensino e nos manuais curriculares. Incluem os objetivos, conteúdos e métodos

a serem considerados no ensino das disciplinas. São definidos pelos órgãos de

administração do sistema e pelas escolas.

Quanto aos saberes da experiência, são fundados na prática cotidiana do

professor. Conceituados a partir da noção de habitus11, proposta por Bourdieu,

11 Habitus, conceito elaborado por Bourdieu, [,,,] sistema de disposições duráveis e transponíveis que integrando todas as experiências passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepções de apropriações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente

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eles expressam o conjunto de habilidades e práticas que o professor incorpora ao

longo de sua trajetória profissional. Trata-se, pois de um conhecimento

personalizado, trazendo as marcas da história de vida de cada professor, de suas

experiências individuais, de sua cultura e da influência do ambiente de trabalho.

Esse saber de experiência feito o saber tácito é considerado fundamental por

Tardif, pois é ele que orienta e dá sentido à prática do professor. Segundo esse

autor, esse saberes:

[...] não se encontram sistematizados no quadro de doutrinas ou de teorias. Eles são saberes práticos (e não da prática: eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente). Eles formam um conjunto de representações a partir das quais o (a) s professores(a) s interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, poder-se-ia dizer, a cultura docente em ação. (TARDIF et ali, 1991; p. 228).

Em trabalho realizado em parceria com Raymond, Tardif (2000)12 introduz

uma nova dimensão à abordagem dos saberes docentes. Considerando o

significado das experiências pessoais e os saberes advindos da formação pré-

profissional, o autor acrescenta à sua análise, a dimensão temporal, inscrita na

história de vida e na trajetória profissional do professor. Essa categoria, segundo

ele, “é particularmente importante para compreender a genealogia dos saberes

docentes”. (TARDIF, 2000; p.216) Nesse sentido, ela se refere às representações

do que é ser professor, incorporadas pelos docentes ao longo de sua

escolarização. Os professores são trabalhadores que foram imersos em seu lugar

de trabalho durante aproximadamente 16 anos. Esse fato deixa-lhes marcas:

crenças, certezas e representações acerca da prática docente, que lhes servem

de referência quando ingressam na profissão. A propósito, Huberman (1995), em

seu estudo sobre os ciclos de vida profissional do professor, realça a importância

dessa dimensão na trajetória profissional do docente. De acordo com ele a fase

inicial da carreira é marcada por descobertas quando, então, o professor

diferenciadas, graças as transferências analógicas de esquemas [...] BOURDIEU, apud Ortiz, 1983. p. 65. 12 As pesquisas desenvolvidas por esses autores foram realizada com professores do Quebec. Esses estudos foram dedicados aos saberes que os professores põem em jogo na prática profissional.

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experimenta uma situação de responsabilidade e se sente parte integrante de um

determinado corpo profissional. Essa fase é para muitos docentes um estágio de

sobrevivência, caracterizada pelo confronto com a realidade.

Com a superação dos problemas da fase inicial, o professor adquire

experiência e competência para administrar o ato pedagógico, o que lhe

proporciona segurança e permite-lhe estabilizar-se profissionalmente. Isso pode

gerar sentimento de emancipação, independência e prestígio, além de

proporcionar-lhe experiências que o levam a buscar novos desafios.

Ao ampliar o repertório de análise, incluindo a dimensão temporal, Tardif

(2002) reconhece a:

[...] importância da história de vida dos professores, em particular a de sua socialização escolar, tanto no que diz respeito à escolha da carreira e ao estilo de ensino quanto no que se refere à relação afetiva e personalizada no trabalho. Eles mostram que o saber-ensinar, na medida em que exige conhecimentos de vida, saberes personalizados, competências que dependem da personalidade dos atores, de seu saber-fazer pessoal, tem suas origens na história de vida familiar e escolar dos professores de profissão. Mostram também que a relação com a escola já se encontra firmemente estruturada no professor iniciante e que as etapas ulteriores de sua socialização profissional não se dão em um terreno neutro. Indicam, finalmente, que o tempo de aprendizagem do trabalho não se limita à duração da vida profissional, mas cobre também a existência pessoal dos professores, os quais, de um certo modo, aprenderam seu ofício antes de iniciá-lo. (TARDIF, 2002; p. 223-224)

Em seus trabalhos, o autor insiste na necessidade de se considerarem as

relações entre saber, contexto de trabalho e seus condicionantes, mas enfatiza

que “o saber é sempre o saber de alguém que trabalha com alguma coisa no

intuito de realizar um objetivo qualquer”. (Tardif, 2002; p. 11). Portanto, o saber

dos professores lhes pertence e está ligado a sua história profissional, experiência

de vida, relações no trabalho com os alunos e com outros atores que fazem parte

do contexto escolar. Isso significa que os professores são produtores de saberes,

sujeitos de conhecimentos e assumem sua prática a partir dos significados por

eles construídos. Tardif assim define os professores:

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São atores competentes, sujeitos ativos, isso significa que a prática deles não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. (TARDIF, 2000, p. 119)

Nessa perspectiva de valorização do saber tácito, também Zeichner13

rejeita a visão do professor como mero transmissor de conhecimentos produzidos

noutras instâncias e por outros atores sociais. Sua análise, centrada no docente

como um prático reflexivo, considera os valores sociais e éticos presentes na

prática educativa. Vê na escola e no professor, elementos importantes no

processo de renovação da escola e da sociedade. Isso o situa ao lado de autores

como Gómez, Sacristán, entre outros14, que:

[...] se manifestam abertamente defensores de trabalhar e desenvolver na escola e na aula uma proposta ética concreta de justiça, igualdade e emancipação social nos processos de ensino e nos programas de formação de professores. (SACRISTAN, 2000, p. 373)

Segundo Zeichner, o trabalho na escola é muito complexo, impondo

desafios para os quais não existem soluções pré-fabricadas. A resposta a esses

desafios exige dos professores uma resposta ativa, resultando num saber que lhe

é próprio. Esse saber, à medida que busca resposta a questões que emergem da

realidade, contém uma dimensão teórica que contribui para a base do ensino, o

que torna o professor um prático reflexivo. Nesse sentido, o conhecimento não é

exclusividade dos centros universitários, e é um erro desconsiderar a produção do

professor e da escola. Por essa razão, o autor manifesta seu estranhamento em

relação à ausência do professor na literatura educacional e à falta de

13 Zeichner trabalha há vários anos com formação de professores na Universidade de Wisconsin- Madison(EUA), buscando desenvolver nos docentes capacidade reflexiva em relação ao ensino e às condições sociais que o influenciam. Zeichner relata que tem experimentado várias estratégias para atingir tais objetivos e uma delas tem sido os estudos etnográficos. Nesse sentido o autor contribui com um olhar diferente para a formação dos professores, ao colocar em destaque a contextualização social e problematizações políticas e ideológicas do ensino, muitas vezes esquecidas da reflexão sobre a Educação. 14 Entre outros autores que possuem uma perspectiva crítica da reflexão na prática voltada para a recontrução social incluem-se, segundo as citações de Perez Gomez e Sacristan, os seguintes autores: Michael Aplle, Henry Giroux e John Smith.

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reconhecimento de seu saber prático na maioria dos trabalhos sobre sua

formação.15

Ressalta, ainda, Zeichner que o emprego da reflexão como categoria para

análise da profissão docente tem raízes no pensamento pedagógico norte-

americano, e vem sendo utilizado na abordagem de questões educacionais,

assumindo diferentes significados:

Em primeiro há uma tradição acadêmica que acentua a reflexão sobre as disciplinas para o desenvolvimento da compreensão do aluno. [...] Em segundo lugar vem uma tradição de eficiência social, que acentua a aplicação de determinadas estratégias de ensino. [...] Uma terceira tradição, a desenvolvimentista, dá prioridade ao ensino sensibilizado para os interesses, pensamentos e padrões de desenvolvimento e crescimento do aluno; isto é, o professor reflete sobre seus alunos. [...] Finalmente, há uma tradição de reconstrução social, que acentua a reflexão sobre o contexto social e político da escolaridade e a avaliação das ações na sala de aula quanto às suas contribuições para uma maior igualdade e para uma sociedade mais justa e decente (ZEICHNER, 1993; p. 24).

Em seus trabalhos, esse conceito assume outro significado, pois se

fundamenta nos estudos de Shön sobre o professor reflexivo e de Dewey sobre

as relações entre pensamento e ação.

Com relação a Shön16, em sua análise sobre o trabalho de cunho

profissional, ele chama a atenção para a dimensão reflexiva nele presente,

criando os conceitos de reflexão na ação e sobre a ação. É essa dimensão que

permite ao profissional de qualquer área resolver as questões que escapam à

lógica da racionalidade técnica. Tendo em vista os estudos de Shön, Zeichner

considera que, assim como ocorre em outras profissões socialmente mais

valorizadas, o trabalho do professor não é mecânico. Exige um processo de

reflexão que ocorre antes, durante e depois da ação, quando os docentes se

debruçam sobre sua prática. A passagem a seguir esclarece essa questão:

15 Zeichner (1993) assinala em seus estudos que, na literatura científica sobre o ensino é notável a ausência dos professores, que apresentem as suas questões e problemas, as formas que usam para interpretar e melhoras a qualidade de seu trabalho e o modo como percebem e compreendem sua profissão.

16 Shön (1983) propõe a formação de profissionais reflexivos no livro The reflective practitioner tendo com foco as áreas de Arquiteturas, Desenho e Engenharia. No seu texto “Formar profissionais reflexivos” (Nóvoa, 1992, p. 77 – 91), esses conceitos suas teorias são aplicadas à formação docente.

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Uma das maneiras de pensar no ensino reflexivo é tornar mais consciente algum deste saber tácito, que é freqüente não exprimirmos. Trabalhando estes entendimentos tácitos, nós, enquanto professores, podemos criticá-los, examiná-los e melhorá-los. E também podemos transmiti-los aos professores mais inexperientes, de modo a que estes possam começar a dominar os aspectos mais sutis e complicados do ensino. (ZEICHNER, 1993; p. 21)

Zeichner teve também como referência às reflexões do filósofo norte-

americano John Dewey (1933) sobre a natureza da ação humana. Ele estabelece

uma distinção entre a ação humana rotineira e a ação reflexiva. Enquanto a ação

rotineira é guiada por impulsos ou razões ligadas à tradição, à autoridade, à

emoção, a ação reflexiva é consciente e pertinente. Por isso, ela depende de

algumas condições vinculadas à postura dos indivíduos. A primeira delas é a

abertura intelectual. É entendida como: a consideração das alternativas, ou seja,

conseguir ter mais de um ponto de vista e reconhecer possíveis erros

incorporados em suas crenças. Os professores, intelectualmente flexíveis,

avaliam constantemente os fundamentos que sustentam suas idéias, procurando

descobrir evidências contraditórias às suas certezas.

A segunda refere-se à atitude de responsabilidade e supõe uma

consideração cuidadosa das conseqüências dos professores responsáveis que se

perguntam por que agem de determinada forma. Para Zeichner, o exercício

responsável da ação docente tem importantes conseqüências sobre os aluno, a

saber: pessoais (efeitos da atitude do professor sobre os alunos); acadêmicas

(efeitos da prática no desenvolvimento intelectual dos alunos) e sociais e políticas

(efeitos sobre as oportunidades na vida dos alunos). A atitude de

responsabilidade deve levar consigo também a reflexão sobre os resultados

inesperados da atividade docente, já que ela produz resultados previsíveis e

imprevisíveis.

A terceira atitude diz respeito à sinceridade. Trata-se de um exercício de

autoconhecimento em que os professores se colocam algumas questões como:

orientamos nossas práticas docentes de maneira consciente? Até que ponto

nossas decisões dependem de outras pessoas? Aceitamos as inovações só

porque estão na moda ou porque nos dizem algo que realmente convém

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conscientemente fazer? Enfim, os professores reflexivos dirigem suas ações,

prevendo-as e tomando consciência delas e de si mesmos.

A expressão ensino reflexivo traduz, portanto, a percepção do professor

como um profissional que se esforça para pensar e agir de modo mais consciente,

a partir do conhecimento tácito. Dessa maneira, até os professores principiantes

podem compreender a complexidade e a sutileza da docência e, com esse

conhecimento acumulado durante um período de tempo, pode-se dizer que eles

constroem saberes à medida que refletem sua prática cotidiana. Os professores

que não refletem sobre sua prática docente aceitam, na maioria das vezes, de

maneira acrítica, a realidade cotidiana das escolas e buscam soluções para os

problemas em posturas defendidas por outros e não por si mesmos. Com efeito, à

medida que os professores perdem seu ponto de vista, fecham um universo de

possibilidades, perdem seus objetivos e se convertem em meros agentes

executores de tarefas pensadas por terceiros.

Um dos aspectos relevantes no pensamento de Zeichner é sua

preocupação com a contextualização da prática. Tal preocupação é compartilhada

por outros autores, como Paiva:

A prática reflexiva competente pressupõe uma situação institucional que conduz a uma orientação reflexiva e uma definição de papel que valorize a reflexão e a ação coletivas orientadas a alterar não só as interações na sala de aula e na escola, mas também entre a escola e a comunidade imediata e entre a escola e as estruturas sociais mais amplas. (PAIVA, 2003; p. 57)

Outro aspecto de igual importância para Zeichner diz respeito à

consideração da prática como um processo social. A ênfase aí se deve ao fato de

que, para ele, para se desenvolver um bom ensino é necessário que se levem em

conta as representações das disciplinas, o pensamento e o nível de compreensão

dos alunos, as estratégias de ensino e o contexto sóciopolítico da escola. A

desconsideração desse aspecto resulta em empobrecimento profissional. Eis a

explicação do autor:

Limita muito as possibilidades de crescimento do professor. Uma das conseqüências deste isolamento dos professores e da pouca atenção

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dada ao contexto social do ensino no desenvolvimento dos professores, é que estes acabam por ver os seus problemas como só seus, sem terem qualquer relação com os dos outros professores ou com a estrutura das escolas e os sistemas educativos. Assim, assistimos ao aparecimento de termos como esgotamento ou stress dos professores, que desviam a atenção dos professores para uma análise crítica das escolas enquanto instituições para a preocupação com seus fracassos individuais. (ZEICHNER, 1993; p. 23)

Em síntese, quando utiliza a expressão ensino reflexivo, Zeichner refere-

se, sobretudo, ao esforço do docente no sentido de desenvolver sua capacidade

de pensar sobre o ensino e sobre as condições sociais que o influenciam. Para

ele, o profissional competente age refletindo sobre suas ações e, no diálogo com

elas, cria uma nova realidade.

As idéias de Zeichner se desenvolveram intimamente ligadas à sua prática

em programas de formação de professores e vêm encontrando grande

receptividade nos meios educacionais, em virtude da crise enfrentada pela

profissão docente e dos problemas com a formação do professor. Entretanto, o

próprio autor manifesta sua preocupação com a utilização indiscriminada dos

termos de sua teoria na área educacional; conforme ilustra este trecho:

Chegou-se mesmo ao ponto de incorporar no discurso da prática reflexiva tudo aquilo que se acredita dentro da comunidade educacional acerca do ensino , aprendizagem, escolaridade e ordem social. Assim, só por si, o termo reflexão perdeu virtualmente qualquer significado. (ZEICHNER, 1993, p. 15)

Também Sacristán17, em seus estudos sobre o papel da escola na

renovação social, manifesta preocupação com a atitude reflexiva, ao destacar o

papel da reflexão no processo de profissionalização docente. Segundo ele, o

futuro da escola pública depende de sua capacidade para enfrentar os desafios

de modernização ética e social, impostos pela pós - modernidade. A resposta a

esses desafios estaria num novo perfil docente, marcado pelo profissionalismo,

capaz de imprimir outro sentido às práticas de escolarização. Nessa perspectiva,

sua obra tem como foco a profissionalização do professor. Aí a reflexão é objeto

17 Sacristán é catedrático de Didática e Organização Escolar na Universidade de Valencia. Foi professor na Universidade Complutense de Madrid e na Universidade de Salamanca e visitante em outras universidades espanholas e estrangeiras.

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de destaque. Para o autor, ela é um elemento chave na constituição do novo perfil

profissional, marcado pelo compromisso com a construção de uma escola e uma

sociedade mais humana e justa. Dessa forma, tal como Tardiff e Zeichner, ele vê,

na ação e na prática do professor, o ponto de partida para a construção do novo

perfil de professor que, longe de ser um missionário ou um técnico, seria um

profissional capaz de responder por suas ações em sala de aula.

A obra de Sacristán é abrangente e complexa. Por isso destaco, aqui,

apenas alguns aspectos diretamente relacionados com o objeto desta pesquisa.

São eles: as razões da ênfase na reflexão; a importância do saber tácito e suas

relações com o saber científico, no processo de formação do professor.

Sacristán vê na reflexão um ato inerente ao ser humano. Desse modo, o

professor é um ser reflexivo antes mesmo de exercer uma prática docente. Assim

sendo, ele é produto de uma prática e de uma reflexão, assim definida pelo autor:

O processo ou o resultado de refletir de reflexionar é a geração da consciência sobre a ação, que é manifestada na forma de representações, de lembranças ou de esquemas cognitivos e crenças que podem ser comunicadas, nutrindo a memória do material para pensar sobre as ações passadas e presentes e para orientar outras futuras. (SACRISTÁN, 1999; p. 100)

Segundo ele, o professor possui um saber originado do conhecimento

prático, que recebe inúmeras designações como: conhecimento pré – articulado,

popular, constructos pessoais, saber cotidiano, implícito, filosofia intuitiva,

arquitetura da realidade, crenças compartilhadas, saber fazer, conhecimento

tácito, senso comum18. Sua estrutura é individual, variando de acordo com cada

sujeito, mas trata-se de um saber contextualizado e possui caráter social, pois

tem origem nas interações sociais. Nesse sentido, o saber do senso comum é

visto por Sacristán como “o conteúdo das crenças populares e de significados

compartilhados que unem membros de uma sociedade”. (SACRISTÁN, 1999; p.

101). É um tipo de saber estreitamente ligado à ação que constitui o repertório

18 Para Sacristán “o senso comum é formado por componentes de valores desiguais. Nele estão reunidos o conjunto de princípios fundamentais compartilhados sobre a natureza do mundo, sustentados universal e tacitamente. É composto por máximas na forma de provérbios, alegorias, fábulas; máximas, culturais e crenças sobre este mundo físico e social explicitamente sustentadas, que podem variar entre as culturas, É formado pela maneira compartilhada de pensar sobre o

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básico mobilizado pelo professor, em sua prática. É por isso, denominado por

Argyris e Schön (1974) - teorias da ação.

Esse conhecimento é visto por Sacristán como origem e fim do

conhecimento elaborado, desenvolvido pela ciência. Nessa perspectiva, mesmo

nas formas mais elaboradas de conhecimento estão presentes elementos do

senso comum, o que permite falar de uma relação de continuidade entre esses

conhecimentos. Além disso, pela sua natureza, o saber tácito é um componente

essencial do conhecimento, pois ajuda a compreender os significados que os

sujeitos e os grupos sociais atribuem às suas ações, explicando, muitas vezes, o

que a racionalidade científica não consegue elucidar. Esse fato é comum no

campo da educação, onde os problemas são, na sua maioria, resolvidos a partir

do conhecimento prático.

Nesse sentido, embora cada indivíduo seja portador de uma lógica própria,

segundo Sacristán, um conhecimento não anula o outro, havendo a possibilidade

de diálogo entre ambos, o que inclui trocas e transformações. Esse processo de

interação em que o conhecimento do senso comum vai adquirindo a dimensão de

conhecimento científico, denominado por Sacristán de etnocência, define o

conhecimento produzido pelos professores. Eles em sua prática cotidiana, através

de suas reflexões, constroem uma teoria da educação. “A etnocência é o

resultado inevitável das sociedades modernas nas quais a estrutura da

comunicação cientifica tem importância fundamental para provocar processos

reflexivos que reorientam as ações”. (SACRISTÁN, 1999; p. 123)

Na perspectiva desse autor, pensamento e ação refletem um no outro, mas

o mundo das representações mentais é mais livre e nem sempre precisamos agir

para pensar. Pensamos o mundo em que estamos, pensamos em algo que já foi

realizado. Eis o primeiro nível da reflexibilidade segundo Sacristán. O sujeito pode

observar sua prática para entendê-la, avaliá-la, rejeitá-la, poli-la, fazer uma

reflexão consciente a partir de suas crenças. Esse primeiro nível seria uma

reflexão de um nível mais raso, podendo o sujeito ir alcançando níveis mais

avançados, de acordo com o grau de elaboração do senso comum.

mundo, os processos mediantes os quais são elaborados julgamentos que se mantêm de forma tácita”. (SACRISTÁN, 1999, p. 113)

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O segundo nível da reflexão, que contribui para uma racionalidade mais

elaborada, situa-se na interação entre o conhecimento científico e o pessoal,

sendo este último ligado à ação. Nesse nível, a ciência é incorporada devido à

sua penetração nos processos reflexivos. O sujeito tem a possibilidade de fazer

uma ruptura com o conhecimento pessoal, transformando o pensamento em

instrumento de reflexão, podendo, assim, diagnosticar e avaliar-se. Daí volta para

si, toma consciência de suas ações e projeta-as mais criticamente.

A reflexibilidade de terceiro nível apresenta as características do processo

reflexivo do primeiro e do segundo níveis, mas vai além deles.

A reflexibilidade modifica as relações do sujeito e o objeto sobre o qual refletimos, ou seja, a ação da reflexão recria o objeto. Entender o que ocorre nos processos de configuração do pensamento sobre a educação, implica entrar na análise de como incide, então, na prática. (SACRISTÁN, 1999, p. 131)

O significado do terceiro nível está na consciência de que a teoria, além de

possibilitar a reflexão sobre a realidade da educação, deve apontar os efeitos que

ela própria produz nessa realidade. Fazemos parte dessa realidade e precisamos

nos colocar como sujeitos construtores dessas teorias e refletir sobre os efeitos

que ela produz.

Afinal, a partir de discussões sobre o professor reflexivo, destaca a prática

como instância de reflexão. A prática pedagógica é o espaço no qual o docente

constrói saberes mediante várias situações que enfrenta. A reflexão crítica poderá

levar o professor a ter mais consciência das peculiaridades da educação. Nesse

enfoque crítico, que amplia o significado da reflexão na prática do professor,

Zeichner, afirma:

Entender o ensino e querer fazer dele uma atividade reflexiva não é uma orientação diferente se não for colocada a serviço de novos compromissos e projetos de trabalho nos docentes. (ZEICHNER, apud SACRISTÁN, 1999, p. 101)

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Assim, ao enumerar os requisitos que devem ser observados ao preparar o

professor para a prática reflexiva, Sacristán aborda aspectos importantes que

devem ser considerados nos programas de formação docente. Ei-los:

Em primeiro lugar, a aquisição por parte do docente de uma bagagem cultural de clara orientação política e social. Assim, as disciplinas humanas (língua, história, política, cultural e etc.) são consideradas o eixo central dos conteúdos de uma parte importante de seu currículo de formação.

Em segundo lugar, o desenvolvimento de capacidades de reflexão crítica sobre a prática, para desmascarar as influências ocultas da ideologia dominante na prática cotidiana da aula, do currículo, na organização da vida na escola e na aula, nos sistemas de avaliação etc.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento das atitudes que requer o compromisso político do professor/a como intelectual transformador na aula, na escola, e no contexto social. Atitudes de busca, e experimentação e de crítica, de interesse e trabalho solidário, de generosidade, de iniciativa e colaboração. (SACRISTÁN, 1998, p. 374)

Enfim, acredito que as reflexões de Tardiff, Zeichner e Sacristán,

particularmente no que se referem à temática dos saberes profissionais do

professor e sua formação crítica reflexiva, aqui apresentadas, deram sustentação

a minha investigação. Em minha opinião, ofereceram elementos para analisar o

processo de construção dos saberes desenvolvidos pelas professoras em seu

trabalho com a Pedagogia de Projetos e para entender a importância desse

processo na construção de seu perfil docente e no seu desenvolvimento

profissional.

4 – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS: O Caminho Trilhado na Pesquisa

4.1 – Abordagem metodológica e procedimentos adotados na pesquisa

Neste estudo acerca da Pedagogia de Projetos procurei detectar que

saberes servem de base para os professores organizarem suas práticas, a partir

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dos projetos de trabalho. Qual a natureza desses saberes? Onde eles são

adquiridos? Como os docentes aprendem a trabalhar com projetos? Qual a

influência da formação profissional na constituição desses saberes?

Interessou-me, pois, verificar qual a percepção das professoras da Escola

Chave do Saber19 acerca do trabalho com projetos, e, então, como tal percepção

configura saberes. E como os saberes são adquiridos e mobilizados ao

organizarem uma prática por projetos de trabalho? Tais questionamentos levaram

em consideração a voz das professoras, buscando compreender como elas se

apropriam da Pedagogia de Projetos. Considerando a subjetividade dos atores,

cuidei, na análise dos dados, de interpretar essas vozes à luz dos referenciais

teóricos, objetivando dar sentido aos significados que emergiram dos relatos.

Contudo não poderia ignorar que a correlação entre os dados empíricos e a

teoria imprime à pesquisa um caráter qualitativo. Em minha opinião, essa

abordagem apreende melhor a multiplicidade de sentidos presentes em um

ambiente escolar e na narrativa dos professores. Através dessa abordagem, cria-

se uma relação entre o pesquisador e o pesquisado, trabalhando com um

universo de significados de uma realidade que não pode ser quantificada,

objetivando retratar a perspectiva dos sujeitos pesquisados. De acordo com

Minayo:

A pesquisa qualitativa responde a questões particulares. Ela se preocupa nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificada. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos á operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1999, p. 22).

Apesar da opção pela abordagem qualitativa, em um primeiro momento

foram utilizados dados quantitativos para obter um panorama do corpo docente da

escola em estudo e subsidiar a escolha dos atores da pesquisa. A opção pelo não

enquadramento do estudo na fase inicial em uma das abordagens qualitativas

tradicionalmente aceitas tem como base as idéias defendidas por Bourdieu.

19 Os nomes dados às professoras, diretoras bem como da escola são fictícios.

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Segundo ele a fidelidade a velhos princípios metodológicos e a padronização não

são garantias de uma boa pesquisa. De acordo com o autor;

[...] por mais úteis que possam ser para esclarecer tal ou qual efeito que o pesquisador pode exercer “sem o saber”, lhes falta quase sempre o essencial, sem dúvida porque permanecem dominados pela fidelidade a velhos princípios metodológicos que são freqüentemente decorrentes, como ideal da padronização dos procedimentos, da vontade de imitar os sinais exteriores mais reconhecidos do rigor das disciplinas científicas; não me parece, em todo caso que eles levem em consideração tudo aquilo que sempre fizeram, e sempre souberam os pesquisadores que respeitavam seu objeto e os mais atentos às sutilezas quase infinitas das estratégias que os agentes sociais desenvolvem na conduta comum de sua existência. (BOURDIEU, 1997, p. 693)

Mas seria a abordagem qualitativa que me garantiria buscar as

características apontadas por Bogdan: interação e diálogo entre pesquisador e

pesquisado, interação entre a ação e o contexto da pesquisa e interesse pela

forma como os atores pesquisados constroem e dão sentido às suas ações. O

processo da pesquisa foi muito rico, a presença constante em campo e o olhar

atento e cuidadoso a todos os atores e detalhes envolvidos com o objeto

investigado, possibilitou uma visão ampla do contexto em análise. Nesse sentido,

Bogdan afirma que:

[...] a abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo. (BOGDAN, 1994, p. 49)

Dito isso, realizei a pesquisa em uma Escola Pública Municipal de

Educação Infantil da região oeste de Belo Horizonte. Ao delimitar o campo de

investigação em apenas uma escola, levei em consideração os seguintes

determinantes:

• não haveria outras variáveis a serem controladas, além da investigação

sobre as percepções dos professores sobre o trabalho com Pedagogia de

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Projetos. O trabalho com mais de uma de escola iria interferir na pesquisa,

introduzindo outras variáveis, tais como: ambiente organizacional, clientela,

corpo docente e contexto sóciocultural;

• trata-se de uma escola indicada pela Secretaria Municipal de Educação,

como referência no que diz respeito à organização da prática pedagógica

por projetos de trabalho.

Para a coleta dos dados utilizei fontes documentais e orais. Analisei os

seguintes documentos: Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil,

documentos publicados pela Rede Municipal como: Subsídios para o Projeto

Político Pedagógico, Carta de Princípios, Referenciais Curriculares da Escola

Plural20. Localizei para análise, na escola, materiais e documentos que dizem

respeito ao objeto de estudo, tais como: Projeto Político Pedagógico da Escola,

Regimento interno, agenda, atas de reunião coletiva, fitas de vídeo de reunião de

pais, seminários organizados pela escola, revistas, artigos, notícias publicadas

sobre o trabalho pedagógico e caderno de memória dos principais

acontecimentos da escola.

Paralelamente à análise das fontes documentais, levantei os dados de

contextualização de todos os professores da escola, através de um questionário

individual, contendo informações pessoais, escolares e profissionais. Minha

intenção era caracterizar o corpo docente da escola. Tais dados serviram para

escolher o trio das professoras que seriam entrevistadas. Além das professoras,

foram entrevistadas a atual diretora e a ex-diretora da escola. Os critérios de

seleção dos atores entrevistados e sua caracterização encontram-se no Capítulo

5. Optei por entrevistas semi-estruturadas, cujos critérios seguem em anexo.

De posse dos dados, passei a fase de investigação propriamente dito. Os

dados foram analisados à luz dos referenciais teóricos da pesquisa e organizados

em três eixos de análises: o primeiro - A pedagogia de projetos tira a gente do

lugar de dono do saber – visava a detectar entender qual era a percepção das

professoras sobre o trabalho com projetos; o segundo – Chave do Saber: um

espaço de formação docente – analisei a influência da escola na construção dos

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saberes que servem de base para o trabalho com projetos; por fim, no terceiro –

Que professor eu quero ser – analisei o que muda no perfil profissional do

professor quando ele assume uma prática organizada a partir dos projetos de

trabalho.

4.2 - Situando o campo da pesquisa e sua relação com o objeto pesquisado

Ao reconstruir a história da escola, levei em consideração o espaço físico,

o perfil dos alunos e dos professores e a organização do trabalho pedagógico, a

partir da perspectiva dos atores da pesquisa.

Assim sendo, a Escola Municipal Chave do Saber está situada na região

oeste de Belo Horizonte. Foi criada em 1988, no bojo do movimento pela

educação infantil. A Constituição Federal de 1988 definia a inclusão de creches e

pré-escolas no capítulo da educação, deixando claro, o caráter eminentemente

educacional dessas instituições. Além disso, o Estado afirmara o dever de garantir

atendimento a criança em creches e pré-escolas até 6 anos.

Nesse contexto, a escola surgiu de uma parceria do Ministério da

Educação (MEC), Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro (IRHJP) e

Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).O MEC participou com uma prestação de

serviço, via consultoria pedagógica; o IRHJP cedeu o espaço físico e a PBH

entrou com o pagamento dos professores e a merenda escolar.

Devo acrescentar que a concretização do projeto da escola se deu

mediante muita luta da comunidade junto a PBH. Antes da escola existir, as

crianças até seis anos ficavam numa creche situada na mesma região. A creche

sustentada pela comunidade e recebendo ajuda financeira do Estado, atendia a

aproximadamente trezentas crianças. Seu trabalho não era sistematizado em

termos pedagógicos, as crianças ficavam muito soltas e a ênfase recaia no cuidar

das crianças e na recreação. Contudo, após certo tempo de funcionamento, o

Estado interrompeu a contribuição para a creche, o que inviabilizou o atendimento

que era feito às crianças maiores. O desejo da comunidade era que a PBH ou o

20 Escola Plural – proposta desenvolvida pela Secretaria de Educação de Belo Horizonte, implantado em 1995 na rede de escolas públicas municipais.

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Estado atendessem às crianças de 4, 5 e 6 anos, ficando as crianças até 3 sob

sua responsabilidade.

Passados dois anos, a PBH aprovou o projeto da escola. Muitas crianças,

porém, tinham se dispersado. Assim, foi feito um trabalho de divulgação da escola

na comunidade pela diretora e líder comunitária. Esse trabalho de mobilização se

deu por meio de reuniões que contavam com a presença de pais, presidente de

associações dos bairros próximos e diretoras de escolas da região que também

estavam apoiando a criação da escola.

Afinal, a PBH elegeu a diretora da nova sede. A eleita atuaria, via direção

de outra Escola Municipal, cujo trabalho era muito reconhecido na rede. Mediante

o convite da Secretaria Municipal de Educação, ela afirmou o compromisso de

administrar o Jardim Municipal Chave do Saber, desde que tivesse autonomia

para contratação de professores. Para ela, a educação infantil seria uma

experiência nova e uma grande responsabilidade perante a Prefeitura e à

comunidade.

No pensamento dessa diretora, a autonomia para a escolha dos

professores representava uma tentativa de construir, na escola, um corpo docente

mais qualificado, que tivesse um objetivo em comum e empenhasse na formação

continuada mediante estudos traçados pelo próprio grupo. Pensava em

professores que partilhassem a insatisfação pelas práticas tradicionais que

vinham sendo realizadas nas escolas.

Enfim, a escola começou a funcionar em quatro salas cedidas pelo IRHJP

em dois turnos: manhã e tarde, atendendo a crianças de 4 a 6 anos. O espaço

físico era limitado e a escola usava a cantina de uma creche para fazer e servir a

merenda, uma vez que não contava com cozinha própria.

Rapidamente, a demanda por matrículas na escola foi aumentando e o

número de salas foi ficando pequeno. Em pouco tempo, a diretora dobrou o

número de turmas, sem aumentar o número de salas. Acreditando que não

poderia deixar de atender às crianças, ousou experimentar um esquema de

rodízio das turmas. Assim, enquanto quatro turmas estavam em sala, as outras

quatro estavam em atividades no pátio, pois havia um espaço grande e

arborizado, próximo ao prédio onde funcionava a escola.

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A postura da diretora em aumentar o número de matriculas forçou a PBH

acelerar a mudança do espaço físico da escola para o lugar onde ela hoje se

encontra. Assim, em dois anos, o Jardim Municipal Chave do Saber foi transferido

para os fundos de uma casa, próxima ao local do prédio onde vinha funcionando.

A PBH, apesar de não considerar o local apropriado, aprovou a mudança após

constatar que ainda apresentava melhores condições do que o prédio anterior.

Essa casa possui uma área externa grande, é muito arborizada, parte é de

terra e parte foi cimentada pela PBH. A comunidade se envolveu junto com a PBH

para a concretização de muitas melhorias na escola, como pintura das salas e

limpeza da área externa. No pátio, ao ar livre, existia uma jardineira21

abandonada, que conduzia os professores do antigo projeto PABAEE22. Essa

velha jardineira se tornou o símbolo da escola e foi transformada pelas crianças

num palco de muitas aventuras e fantasias.

Em termos de proposta de ensino, ressalto que a proposta inovadora que

levou à transformação da escola e à manutenção de uma prática pedagógica

avançada para a época, foi idealizada por essa primeira diretora designada, que

permaneceu no cargo até 1992, sendo seus últimos dois mandatos, eleição direta.

Ao longo de sua existência, o Jardim Municipal Chave do Saber passou por várias

modificações em sua gestão, mas sempre manteve como proposta pedagógica

uma prática inovadora.

Mas, em 1995, a Prefeitura de Belo Horizonte implantou o Projeto Escola

Plural nas cento e setenta escolas da Rede Municipal. A proposta da Escola

Plural traz implícita uma concepção de currículo que promove a inclusão e

garante, aos alunos, o acesso à escola e a permanência nela com qualidade.

Leva em consideração as necessidades e as experiências próprias de cada

indivíduo e de cada fase de desenvolvimento humano.

A organização escolar é baseada na lógica dos ciclos de idade de

formação, rompendo com o ensino seriado e a rigidez na distribuição dos

períodos letivos. Um dos princípios que orientam essa proposta é a

correspondência entre o tempo da escola e o processo de desenvolvimento do

aluno. Fundamentada, pois, nessa lógica de organização por ciclos de idades à

21 Jardineira era um veículo de transporte coletivo que corresponderia, hoje, ao microônibus.

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educação básica foi estruturada em quatro ciclos: infância, pré – adolescência,

adolescência, e a juventude.

Por conseguinte, parte do primeiro ciclo de formação, se apresenta

organizada em três ciclos menores: o primeiro ciclo da educação infantil abarca

crianças de até 3 anos de idade; o segundo ciclo atende às crianças de 3, 4 e 5

anos; o terceiro, as de 6, 7 e 8 anos.

O processo de ensino aprendizagem é um dos pontos centrais da proposta.

Parte de uma perspectiva global e plural. Entender o processo de aprendizagem

de maneira global é levar em consideração não só o aspecto intelectual, que

sempre foi valorizado em nossa cultura, mas também o conhecimento enquanto

ação, o trabalho manual, a teoria e a prática, o saber e o fazer, acreditando que o

saber e a prática não são processos dissociados. Nessa perspectiva, a rotina

escolar é modificada e aspectos como os processos corporais, manuais,

socializadores passam a ser valorizados. Também o conteúdo escolar passa a

ser visto sob novo ângulo: a dos temas transversais. Rompem-se com a lógica

das disciplinas, eixo de toda uma organização histórica do processo ensino /

aprendizagem. Isso não significa desprezar as disciplinas e os conhecimentos

científicos, mas sim aglutina-los aos temas atuais e resignificar a relação entre

conhecimento e realidade. Em conclusão, a proposta educativa da escola plural é

arrojada e polêmica. Pude perceber, nos comentários dos professores da Escola

Chave do Saber, evidente em suas falas, uma sintonia com essa proposta. Por

exemplo:

Escola plural, escola plural nós já somos há muito tempo. (Informação Oral) 23

A Escola Plural foi um achado de várias escolas de vanguarda, aquela que já tinham uma visão mais completa da educação e a Chave do Saber já tinha esta visão. (Informação Oral)

Eu acho que a escola Plural veio para sistematizar algumas práticas mais avançadas de trabalho que já existiam em algumas escolas, não só na Chave do Saber. (Informação Oral)

22 PABAEE - Programa de Assistência Brasileiro-Americano, que representou um marco na formação de professores.

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No bojo das novas propostas, surgem os projetos de trabalho levando em

consideração que, no novo cenário, não há mais espaço para atividades

descontextualizadas. Essa proposta ganha importância no projeto da Escola

Plural, pois propicia aos alunos ricas experiências de aprendizagem e situações

de participação levando-os a produzir algo que tenha significado para eles.

4.3 – Organização do espaço físico e funcionamento da escola

O espaço físico da escola em estudo, como já mencionei, é muito grande, o

pátio é de terra, arborizado e transformado pelas crianças em palco de

encenação. Na área externa da Chave do Saber há uma horta, que é cuidada

pelas crianças, aí também fica o tanque de areia, um galpão coberto, banheiros e

lavatórios. O símbolo marcante do Jardim do Municipal Chave do Saber é a velha

jardineira, que fica na parte externa do pátio.

As salas de aula não são grandes, mas atendem às exigências legais

relativas ao número de alunos por sala. No primeiro ano de funcionamento da

escola, neste novo espaço, eram quatro turmas por turno e no ano seguinte, esse

número foi ampliado para oito turmas, sem alterar sua estrutura física. Além das

salas de aula, a escola conta com uma brinquedoteca e uma biblioteca com

acervo significativo. Além de muito organizada, ela é utilizada com freqüência por

todas as turmas. Nela também se encontra todo o material de memória da escola

e livros de estudo dos professores.

No ano em que realizei a pesquisa, a escola tinha trezentos alunos nos

dois turnos diurnos (150 no turno da manhã e 150 no turno da tarde). Desses,

onze crianças era portadoras de necessidades especiais. São oito salas

funcionando em cada turno, variando o número de alunos - de 15 a 18 anos. O

horário de funcionamento do turno da manhã é de 7:00 às 11:30 e do turno da

tarde de 13:00 às 17:30.

Os alunos do Jardim Chave do Saber fazem parte do segundo ciclo da

educação infantil. As salas de aula são organizadas por idade: crianças com 2

23 Trechos extraídos das professoras Jane, Antônia e Cláudia respectivamente (nomes fictícios).Todos os dados apresentados nesta pesquisa, obtidos por informação oral, foram

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anos e 8 meses até 4 anos são chamados de mais novos; os de 4 a 5 anos são

chamados de intermediários e os de 5 a 6 anos são os mais velhos. No último

grupo, só permanecem na escola as crianças que completam 6 anos até 30/04.

Em sua grande maioria, o alunado do Jardim Chave do Saber é

proveniente do próprio bairro e de bairros vizinhos, já que a escola está situada

próxima a uma avenida de grande movimento, que oferece acesso a vários locais.

Quanto às condições econômicas da clientela da escola, é composta

maioritariamente de alunos provenientes das camadas médias da população.

Essa informação obtive dos professores e diretores, que se apóiam em

indicadores como profissão dos pais, retorno de materiais solicitados, estrutura

familiar, acesso a bens de consumo.

Outro dado importante dessa escola é o clube das mães. Mediante esse

clube a escola desenvolveu essa proposta de intercâmbio com a família. O

objetivo dessa proposta é organizar encontros com a participação das mães para

socializarem práticas ou outros conhecimentos tais como: artesanato, cuidados

pessoais, confecção de materiais para a escola. A sede também conta com um

grupo de estudo de pais durante todo o ano letivo. O grupo se reúne

mensalmente para discutir assuntos de interesse deles. Geralmente, as temáticas

contempladas dizem respeito ao desenvolvimento da criança.

Em termos administrativos, a escola conta com um colegiado que se reúne

quinzenalmente. Essa reunião conta com a participação dos representantes

envolvidos no processo escolar (pais, professores, funcionários) e tem por

objetivo buscar um melhor funcionamento da escola. Esse colegiado é constituído

por: um representante da direção, a coordenadora pedagógica, dois funcionários

da escola, quatro professoras, seis pais. Todos os representantes têm um

suplente e são eleitos, em assembléia escolar, com mandato de dois anos.

transcritos na íntegra.

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4.4 - Organização do trabalho pedagógico na Escola Chave do Saber

À época da pesquisa, a escola apresentava a organização do trabalho

pedagógico em trios24. Essa organização já existia há um ano e meio, e, segundo

a diretora, tinha como objetivo melhorar a qualidade do ensino, garantindo a

presença de dois professores em cada turma durante um determinado período de

tempo. Porém não era o que ocorria nas salas de aula, devido ao tempo de

estudo que as professoras faziam diariamente.25

O trio é motivo de controvérsias entre o corpo docente da escola: alguns

acham que o trabalho pedagógico fica comprometido porque não se sabe o que o

colega fizera, quais foram às intervenções feitas. Além disso, pensam que os

alunos ficam sem referência, lembrando que se trata de crianças de 3 a 6 anos e

muitas tiveram acesso à escola pela primeira vez. Outros professores já

defendem a organização em trios, acreditando que as crianças têm a

oportunidade de vivenciar experiências com professores dotados de posturas e

habilidades diferentes. Eis a opinião destas professoras:

Prefiro trabalhar em horários mais inteiros, a fragmentação para mim é muito estressante. Quando o tempo da professora com a turma é maior permite um envolvimento maior com as tarefas e projetos. (Informação oral)

O trio oportuniza a complementação do trabalho profissional. As habilidades de cada profissional são diferentes e se complementam. O trabalho ficou mais dinâmico, oferecendo riqueza de conhecimentos. (Informação oral) 26

Essa organização foi pauta de avaliação nas reuniões coletivas e o grupo

resolveu mantê-la até o final de 2003, pontuando ser complicado uma mudança

no meio do ano letivo.

Esclarecendo um pouco mais o trabalho na perspectiva do trio, as aulas

especializadas: artes, música, e educação física são atividades contempladas

pelos próprios professores dos trios e geralmente são realizadas em forma de

24 Termo utilizado pela Escola Plural para explicar a proporção de professores/as por turma. Dessa maneira o trabalho pedagógico de duas turmas passa a ser responsabilidade dos três sores (3/2) 25 De acordo com a legislação da prefeitura, devem ser cumpridas 20 horas semanais ministrando aulas em sala de aula e 4 horas semanais de estudo individual.

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oficinas organizadas semanalmente. Anteriormente a essa organização, existia

um professor denominado de eventual, responsável por tais atividades.

Quanto à coordenação do trabalho pedagógico da Chave do Saber, é feita

pela diretora, vice-diretora e supervisora. Cada trio tem um coordenador eleito

pelas próprias professoras. Ele se encontra semanalmente com a direção e/ou

supervisão para discutir o trabalho pedagógico desenvolvido no trio. Entretanto,

segundo a diretora e os professores, esses encontros não ocorreram na escola no

ano de 2003 por vários motivos: nova direção, dificuldade em relação às

demandas da prefeitura, terceirização do serviço da cantina e limpeza, avaliação

de desempenho, constantes reuniões na Regional e compras de materiais.

Anteriormente à organização do currículo por projetos de trabalho, o

trabalho pedagógico da escola recebia a denominação de tema gerador,

integrador e atividades significativas. Segundo a ex-diretora da escola, os

trabalhos por temas eram mais significativos para as crianças. No início, eram

temas geradores e integradores, guiados pela lógica das datas comemorativas e

as atividades significativas não implicavam um estudo mais longo e tinham um

sentido próprio. O tema gerador e o tema integrador são parecidos, mas com uma

diferença: o tema gerador tem como proposta gerar uma atividade a partir de

outras, e o tema integrador é a tentativa de integrar uma atividade com outra.

Segundo a definição encontrada no Projeto Político Pedagógico (PPP):

[...] os temas geradores podem surgir de diversas fontes, há temas cíclicos, relacionados aos eventos e festividades anuais e temas variados derivados de assuntos noticiários, de interesse geral e imediato, fatos da família ou do bairro, que as crianças contam em sala de aula, perguntas que as crianças fazem a respeito dos fenômenos sociais ou naturais.

No PPP também constam as diretrizes para o planejamento e

desenvolvimento do tema gerador. São elas:

1) Permitir a manifestação da curiosidade infantil, conciliando os interesses individuais das crianças com o tema explorado. Oferecer

26 Relatos de Antônia e Jane respectivamente

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diversidade de atividades que possam atender aos diferentes níveis de interesses das crianças.

2) Quebrar preconceitos, evitando a imposição de modelos abstratos.

3) Imprimir aos temas uma visão flexível e ampla, e ao mesmo tempo contextualizada.

4) Garantir a criticidade e a criatividade no tratamento dos temas. Desfazer a cristalização de dogmas e de valores acríticos ou mesmo a visão romântica como são tratados certos temas como “pátria”, “criança”.

5) Favorecer o acesso das crianças aos conhecimentos científicos em jogo nos diferentes temas. A exploração do tema deve superar a experiência direta e o senso comum. O tema deve ser tratado de maneira a suscitar a curiosidade da criança para que ela possa levantar hipóteses e ser incentivada à descobertas com o fornecimento de novas informações.

6) Variar a duração dos temas de acordo com a amplitude e com o interesse da turma.

7) Articular as diferentes áreas do conhecimento em função e no interior do tema.

Feitas essas considerações, apresento a proposta pedagógica da escola

obtida em sua agenda.

Adotamos o trabalho com projetos pedagógico de investigação: propõem a seleção e organização de atividades de investigação e construção de conhecimentos a partir de um problema ou curiosidade apresentada pelo grupo; empreendimento: construção individual e ou coletiva de que estão despertando o interesse nas crianças.

Acrescento que, quando a discussão sobre projetos foi avançando no

campo educacional, a escola também investiu em estudos em torno dessa

temática. No ano de 1994, o Jardim contava com a assessoria de três

profissionais do MEC para dar auxilio na construção do PPP e no trabalho com

projetos. A escola pôde contar com essa consultoria durante dois anos para a

organização do PPP. Para isso, dividiram os grupos de estudos por áreas de

conhecimentos e a escolha das áreas se deu de acordo com a afinidade que os

professores tinham com os temas. Este relato da supervisora Nilva informa o

processo dessa organização:

A organização do PPP foi feita assim, os questionamentos eram colocados nos dias de estudo, o esboço daquilo que ia ser dado pro professor Ele colocava ali a atuação dele, como ele via , o que ele

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achava que deveria fazer parte do PPP e depois no encontro geral dos dois turnos aí se fechava cada item do projeto, então todos os professores tiveram muito empenho.

Depois de colocados os eixos, e cada professor dentro do assunto que ele tinha mais vontade de participar, foram formados comissões e essas comissões formavam pastas de textos, com tudo aquilo que tinha de mais novo e profundo , professor levava para a casa , lia e fazia as anotações daquilo que considerava mais importante para depois ser discutido no grupão.

Em relação ao trabalho com projetos, as consultoras iniciaram o estudo27 a

partir de observações de projetos desenvolvidos em sala pelas professoras. Nas

reuniões pedagógicas, as consultoras apresentavam essas observações em

formato de relatório para serem discutidas no grupo. A organização dos projetos

realizados em sala de aula era relatada no coletivo com a intenção de se fazer

uma reflexão das intervenções do professor.

Havia, paralelamente às discussões, um suporte teórico sobre pedagogia

de projetos para todo o grupo. A proposta era aprofundar o estudo com o intuito

de distinguir um trabalho com projetos de um trabalho com temas. Além da

literatura específica sobre o tema, também contava o grupo, como nos dias

atuais, com os textos em revistas e vídeo da Rede Municipal. O trabalho

desenvolvido pelas consultoras resultou em um artigo.

Assim, em 1998, a escola Chave do Saber, edita pela primeira vez, uma

revista pedagógica em comemoração aos dez anos de funcionamento com o título

Tempo Dez. Nessa revista foi publicada a história da escola e os projetos de

trabalho, contendo relatos de projetos desenvolvidos e escritos pelo corpo

docente. Os projetos apresentados abrangem as diversas áreas do

conhecimento: construção do número, artes, literatura, situações de escrita e

brincadeiras. A revista também apresenta textos relativos ao processo de

formação dos professores como avaliação e inclusão.

Desde o início do trabalho com projetos na Chave do Saber, além dos

projetos desenvolvidos nas turmas, havia, também, projetos institucionais. Até

hoje os projetos coletivos continuam sendo propostos, mas de modo mais

contextualizado e buscando atender também às demandas das crianças. Os

27 Posteriormente as consultoras publicaram um artigo Projetos de Trabalho na Pré-escola

(1995), elaborado a partir dos projetos desenvolvidos na escola Chave do Saber.

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temas de estudo são escolhidos pela direção e pelos professores. Em 2003, os

projetos coletivos foram: meio ambiente e noite do pijaminha.

Algumas professoras da escola, junto com a direção, vêm construindo,

desde 1999, um caderno de registro do trabalho pedagógico. Chamou-me a

atenção na capa desse caderno, as seguintes citações:

O que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana. (VYGOTSKY)

Mediados pelo registro deixamos nossa marca no mundo. Há muitos tipos de registros, em linguagens verbais e não verbais; todas, quando socializadas, historificam uma existência social. (MADALENA FREIRE)

Nesse caderno de memória, encontram-se fotografias de vários momentos

do dia - a - dia das crianças e solenidades de algumas datas comemorativas. Há

fotos de toda ordem: crianças brincando, ouvindo histórias, em roda com autores

de livros, construindo brinquedos com sucatas, teatro dos pais, das professoras e

das crianças, oficinas de movimento com o corpo, feira de cultura, produção de

textos, desenhos e construções com temas dos projetos estudados, clube de

mães, pais pintando as paredes da escola, homenagem à família, construção de

toalha para piquenique, manifestação das crianças em defesa da escola. Abaixo

de cada foto há um comentário do referido momento, embasado teoricamente.

Mas não é somente por meio de fotos que a Chave do Saber preserva sua

memória. Ela está registrada também em fitas de vídeo que trazem situações de

rodas de projeto. São filmadas várias situações diferentes que fazem parte do

trabalho com projetos, desde os momentos iniciais da problematização com o

grupo até os registros finais. Os diversos momentos acontecem em turmas com

idades diferentes.

Em vista do objetivo deste trabalho, falta, ainda, salientar que, no ano de

2003 o PPP foi atualizado pelos profissionais da instituição. E, no capítulo

referente à organização do trabalho pedagógico, aparece o termo pedagogia de

projetos.

Acerca dessa pedagogia, acredito que essa escola é uma das poucas da

rede que a utiliza como forma da organização do trabalho, chegando a ser

referência para outras escolas. Por isso o Jardim Municipal Chave do Saber

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constantemente recebe visitas de professores de outras regionais, pesquisadores

e estagiárias de várias universidades.

No período em que foi realizada esta pesquisa, a escola contava com o

apoio do Centro de Educação Infantil (CEI), que tem como proposta formar o

Grupo de Acompanhamento nas escolas (GA). O objetivo do GA é acompanhar,

mais de perto, as escolas, dando-lhes auxílio no trabalho pedagógico, a partir das

demandas surgidas no grupo. Assim, no final do primeiro semestre de 2003,

muitos tópicos foram apontados para serem implementados, como: organização

da brinquedoteca, amarração do Projeto Político Pedagógico, noite do pijaminha,

sexualidade, projeto meio ambiente, publicação da Revista Tempo 15 e

organização do tempo (trio). Como não era possível atender a todas as

necessidades de uma só vez, o grupo apontou como emergente o tema

sexualidade. Até o momento da pesquisa, a visita do GA na escola se deu

quinzenalmente, no horário de estudo das professoras. O grupo de

acompanhamento é uma experiência nova da SMED. Com efeito, mais uma vez,

se tenta uma aproximação da secretaria com a escola ao invés de fazer a

formação por representatividade, como ocorre no Centro de Aperfeiçoamento

(CAPE).

Aliás, no ano de 2002, a escola solicitou auxílio do CAPE, para solucionar

conflitos interpessoais. O trabalho teve a duração de seis meses e foi realizado na

própria instituição. Naquela época muitas pessoas comentavam informalmente

sobre os resultados positivos obtidos pelo investimento que fizeram. A professora

Antônia assim se manifestou a esse respeito:

A gente estava com dificuldades no relacionamento interpessoal, porque tem momentos que o grupo está bem disperso, por ter posturas diferentes em relação a política, a campanha salarial, então essas coisas levaram a uma quebra de relacionamento no grupo. Mas o trabalho do CAPE foi muito bom e nós estamos colhendo os frutos agora, porque as pessoas estão mais cooperativas e aprendendo a conhecer o outro.

Penso que os aspectos substanciais que fundamentaram a pedagogia da

Chave do Saber, aqui apresentados, foram suficientes para se ter uma idéia do

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funcionamento da escola. Passo, portanto, a descrever, no próximo capítulo, os

atores da pesquisa.

5 – OS ATORES DA PESQUISA

5.1 – A direção da Escola Municipal Chave do Saber

Conforme assinalei anteriormente, a administração da escola Chave do

Saber é integrada por uma diretora, uma vice-diretora e uma supervisora. A

diretora e a vice-diretora estão presentes nos dois turnos, a supervisora, só no

turno da tarde. Todas elas respondem pelo trabalho pedagógico da escola,

supervisionando, atendendo às famílias, coordenando as reuniões coletivas,

como forma de garantir a qualidade da proposta pedagógica e a organização da

instituição.

Cláudia, a diretora, é mais envolvida com a parte pedagógica e está mais

próxima das professoras. Conseqüentemente, acompanha mais de perto o

processo de formação delas.

A vice-diretora Sandra também participa das decisões pedagógicas, mas é

responsável também pela parte financeira da escola. Assim, é ela que cuida de

todos os aspectos relativos ao planejamento financeiro.

Quanto à supervisora Nilva, além de exercer a função de supervisão do

trabalho pedagógico, é responsável por atender à demanda das crianças e de

pais, quando necessário. Desse modo é ela que faz entrega de bilhetes,

circulação interna, além de atender aos pais interessados em conhecer a escola.

Também, auxilia as crianças que estão em fase de adaptação à escola e

atendimento a telefonemas.

A diretora Cláudia nasceu em 1962. Pela primeira vez que assumiu o cargo

de diretora, antes era professora na escola. Tem o curso de magistério e é

formada em Geografia pela PUC-MINAS. Lecionou no Estado durante dois anos e

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depois ingressou na Prefeitura de Belo Horizonte como professora de Geografia

no ensino médio e na educação infantil. Trabalhou também no SESI como

professora da educação infantil durante dois anos, graças a uma parceria entre

SESI e Prefeitura. Ao surgir à oportunidade de ir para a Escola Chave do Saber,

onde esta há dez anos, abandonou a rede pública Estadual. Trabalhou também

na Regional, exercendo funções administrativas e pedagógicas.

No que diz respeito a Sandra, nasceu em 1962. É vice-diretora da escola e

está exercendo essa função pela primeira vez. Tem o curso de magistério e fez

concurso para professora de Ensino fundamental do Estado. Fez até o quarto

período do curso de Psicologia na UFMG. Posteriormente, fez concurso para

professora da PBH, e formou-se em Pedagogia. Trabalha na área da Educação

há 22 anos: trabalhou no ensino fundamental 17anos, já foi coordenadora em

outra escola, trabalhou com educação de jovens e adultos, com crianças com

dificuldade no processo de alfabetização, e também no Instituto São Rafael. Era

professora da Escola Chave do Saber a quatro anos quando passou a exercer a

função de vice-diretora.

Por fim, Nilva nasceu em 1940, é supervisora na Chave do Saber. É

formada no magistério de nível médio e é Pedagoga pelo Instituto de Educação

do Estado de Minas Gerais, possuindo as habilitações do antigo currículo do

curso de Pedagogia; Administração, Supervisão e Inspeção. Há trinta anos é

professora do Estado e há vinte e dois anos da PBH. Exerceu a função de

supervisora em escolas da PBH. A época desta pesquisa estava na função de

supervisora da escola Chave do Saber há quinze anos, durante os quais sempre

esteve em sala de aula substituindo professor, principalmente depois que a

prefeitura extinguiu o cargo de eventual (professora que substituía quem faltava).

5.2 – Uma visão geral do corpo docente e um foco nas professoras entrevistadas

As dezenove professoras que ministravam aulas na escola na ocasião do

trabalho de campo constituíram meu objetivo de pesquisa. Em um primeiro

momento, apliquei um questionário, que foi entregue, individualmente, a todo o

corpo docente da escola, contemplando questões relativas a: identificação, vida

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escolar, experiência docente no trabalho com pedagogia de projetos, razões que

levaram a trabalhar com projetos, tempo como professora na educação infantil,

tempo de trabalho na Escola Chave do Saber e disponibilidade para participar da

pesquisa. Expliquei os objetivos da pesquisa, fiz esclarecimento para o

preenchimento dos dados e reforcei o meu compromisso de apresentar o trabalho

depois de realizado.

O objetivo desse questionário era obter informações mais detalhadas para

a escolha do trio. As 19 professoras são assim distribuídas: 12 em cada turno; 5

estão em regime de dobra na escola; duas, das três professoras que participaram

mais diretamente da pesquisa, dobram na escola. Tanto no turno da manhã como

no turno da tarde há quatro trios, ou seja, doze professoras. Um trio respondeu ao

questionário, mas não se dispôs a participar da pesquisa porque já eram atores

de uma pesquisa de doutorado da UFMG, cujo tema é ligado ao campo das

ciências naturais na educação infantil. Contudo, todas as fichas foram

preenchidas. Organizei os dados em tabelas conforme podem ser vistas a seguir:

TABELA 1 – Faixa etária das professoras responsáveis pela educação infantil da

Escola Chave do Saber

Faixa Etária Freqüência %

Até 30 anos De 31 a 40 anos De 41 a 50 anos Mais de 50 anos

2 7 8 2

10,5 36,8 42,1 10,5

TOTAL 19 100,0

Os dados da tabela 1 mostram que 52,6% das professoras encontram-se

na faixa etária entre 41 a 50 anos, e 36,8% têm entre 30 a 40 anos. Esses dados

evidenciam um corpo docente considerável em termos de faixa média de idade e

de tempo de experiência profissional.

TABELA 2 – Experiência de magistério na educação infantil e na Escola Chave do

Saber das professoras pesquisadas.

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Experiência na Educação Infantil

Experiência na Escola Tempo de

Experiência Freqüência % Freqüência % Até um ano

de 1 a 5 anos de 6 a 10 anos

De 11 a 15 anos mais de 15 anos

1 1 3 5 9

5,3 5,3

15,8 26,3 47,4

2 3 4 5 5

10,6 15,8 21,2 26,2 26,2

TOTAL 19 100,0 15 100,0

Os dados constantes nessa tabela evidenciam que o corpo docente da

escola tem experiência no exercício da docência da educação infantil: 89,5% tem

mais de seis anos de experiência nesse nível de ensino e 53,3% atua nessa

escola há mais de anos. O menor índice percentual encontra-se nas extremidades

do intervalo de freqüência: 5,3% tem menos de um ano de experiência em

educação infantil e 47,4% leciona para esse nível de ensino há mais de quinze

anos. No que diz respeito à atuação na própria escola, 10,6% das professoras

estão na escola há menos de um ano e 54,4% está na escola há mais de onze

anos.

TABELA 3 – Nível de formação das professoras responsáveis pela educação

infantil da escola em estudo.

Cursos de nível médio e graduação Freqüência %

Normal de nível médio e Pedagogia 12 63,2 Normal de nível médio e Letras 2 10,5

Normal de nível médio e História 1 5,3 Normal de nível médio e Psicologia 3 15,8

Normal de nível médio e Serviços Sociais 1 5,3 TOTAL 19 100,0

Conforme registra a tabela, os dados evidenciam que 100% das

professoras têm como formação inicial, o Curso Normal de Nível Médio. Dessas,

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63,2% são graduadas em Pedagogia e 36,9% são graduadas nos cursos de

Psicologia, Letras, História e Serviço social.

TABELA 4 – Número de professoras com cursos de pós-graduação da Escola

Chave do Saber, até 2003

Número de professores com Pós-Graduação Freqüência %

Nenhum 8 42,1 até 1 6 31,6 até 2 3 15,8 mais de 2 2 10,5 TOTAL 19 100,0

Os dados da tabela evidenciam que 57,9% das professoras têm pós-

graduação.

TABELA 5 – Cursos de Pós-Graduação concluídos declarados pelas professoras

da Escola Chave do Saber.

Cursos declarados Freqüência %

Psicopedagogia 6 30

Educação Infantil 4 20

Educação artística 2 10

Dança no contexto escolar 1 5

Educação especial 1 5

Ensino religioso 1 5

Psicomotricidade 1 5

Alfabetização 1 5

Metodologia do ensino superior 1 5

Gestão ambiental 1 5

Literatura 1 5

TOTAL 20 100

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Os cursos de Pós-Graduação mais declarados foram o de Psicopedagogia

e Educação Infantil.

TABELA 6 – Relação das professoras da Chave do Saber com cursos

relacionados com o ensino por projetos de trabalho

Cursos Declarados Freqüência %

nenhum um curso 2 cursos 3 cursos 4 cursos

3 2 5 3 6

15,8 10,5 26,3 15,8 31,6

TOTAL 19 100,0

De acordo com a tabela 84,2% das professoras preocupam-se em

continuar os estudos realizando cursos de aperfeiçoamento e atualização no tema

ensino por projetos; 15,8%, das professoras não declaram a realização de

nenhum curso a respeito do tema pedagogia de projetos. As professoras que

declararam ter feito cursos relacionados com essa temática, relataram que a

maioria deles foi promovido pela própria escola e pelas instâncias da Rede

Municipal, como: oficinas do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da

Educação (CAPE), congressos da Prefeitura, cursos oferecidos pelo Centro de

Educação Infantil (CEI). Declaram, participação em grupo de estudos a respeito

desse tema.

Dos oito trios de professoras, escolhi um para participação mais direta na

pesquisa. Realizei o trabalho no turno da tarde, o que reduziu o número de trios.

Para a escolha das professoras, três trios se dispuseram a participar da pesquisa,

pois como já mencionei um trio não se dispôs a participar e este era do turno da

tarde. Para a escolha do trio, considerei o tempo de experiência no trabalho com

projetos e o tempo de experiência na escola em questão. A seguir, apresento uma

descrição mais detalhada de cada professora do trio selecionado para este

estudo.

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Começando com Antônia, nasceu em 1950, cursou o magistério no interior

do Estado de Minas Gerais e é formada em Pedagogia por uma universidade do

interior de São Paulo. Inicialmente não era sua opção ser professora, mas como

naquela época não havia muita escolha e ela não tinha condição para sair da

cidade, acabou concluindo o Curso Normal. Começou a carreira fazendo algumas

substituições e ficou no Interior como professora do Estado durante quatorze

anos. Sua formação continuada se deu por minicursos realizados em um

município maior, próximo à sua cidade. Depois disso, ela resolveu vir para a

Capital. Com o desejo de tentar outra profissão, começou a trabalhar em uma

empresa privada de construção civil no setor de contas a pagar, onde ficou três

anos. Fez concurso para a PBH e foi readmitida no Estado, onde trabalhou no

interior por um ano. Voltou novamente para a Capital e continuou a trabalhar no

Estado e na Prefeitura. É aposentada pelo Estado e há dezenove anos é

professora da Rede Municipal. É professora na Escola Chave do Saber há treze

anos e dobra turno há seis anos. Trabalhou também em uma escola particular

durante dois anos. Trabalha com projetos há quinze anos e acredita que antes já

tinha a postura que pressupõe o trabalho com projetos.

Jane, outra entrevistada, nasceu em 1952, é formada em Letras pela FAFI

– BH desde 1996. Antes só possuía o curso de Magistério. Há vinte e três anos

leciona na Prefeitura e há quinze anos é professora no Jardim Municipal Chave

do Saber, onde dobra turno há nove anos. Leciona na área de Educação Infantil

há quinze anos. Antes disso foi ensino fundamental de uma Escola Municipal

durante oito anos. Jane relatou que aprendera a trabalhar com pedagogia de

projetos na escola Chave do Saber, já que a escola sempre ofereceu muitos

cursos e a equipe estudava muito. Na verdade trabalha com pedagogia de

projetos há quinze anos, pois antigamente essa proposta tinha denominação

diferente. Chamava-se tema integrador.

Mais jovem que as anteriores, Mônica nasceu no ano de 1965. Fez o Curso

de Magistério, é formada em Pedagogia pela PUC-MG e tem pós-graduação em

Psicopedagogia. Há dezoito anos é professora da Rede Municipal, estando na

Escola Chave do Saber a oito anos. Também tem experiência como professora

do primeiro e do segundo ciclos do Ensino Fundamental da Rede Municipal de

Belo Horizonte. Trabalha na Chave do Saber como professora da Educação

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Infantil e, em outra escola da PBH, como professora de primeira série. Relatou-

me que começou a trabalhar com pedagogia de projetos no início da década de

noventa.

6 – PENSAR E VIVER DE OUTRA MANEIRA: A PERCEPÇÃO DAS PROFESSORAS SOBRE A PEDAGOGIA DE PROJETOS NA ESCOLA CHAVE DO SABER

6.1 - “A pedagogia de projetos tira a gente do lugar de dono do saber”

Intitulo este tópico com esta frase, retirada do depoimento da professora

Antônia por ser ela polissêmica e reveladora das formas de apropriação da

Pedagogia de Projetos, pelas professoras da Escola Municipal Chave do Saber.

Segundo a professora Antônia a Pedagogia de Projetos tira a gente do lugar de

dono saber. Entre os vários sentidos contidos nessa frase, um deles é o da

consciência da incompletude do conhecimento. Tal consciência faz com que o

professor abandone o papel de dono do conhecimento e torne-se, ele também,

um aprendiz, aberto à construção de novos saberes.

Ao tornar-se um aprendiz, o professor assume a indagação como

estratégia para a elaboração do conhecimento. Isso reflete em sua relação com

os alunos que passam a ter, como modelo, um professor pesquisador. Fazendo

minhas as palavras da professora Jane, “E o bom da Pedagogia de Projetos é

que a criança e o professor se tornam investigadores”. Eis, sem dúvida, um dos

pontos centrais da Pedagogia de Projetos. Nesse sentido, Hernández (1998),

lembra que a investigação é um constante movimento em busca de um saber

interpretativo de uma realidade instável. E a investigação deve se tornar pública,

ou seja, ser compartilhada com outros membros da escola e da comunidade.

Contudo, os saberes, além de se constituírem mediante a investigação

constroem-se pela interação, envolvendo colegas e famílias. Conforme argumenta

a Sandra:

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O professor, ele não sabe tudo e a medida que as coisas vão vindo os meninos trazem algumas referências bibliográficas e você lê, você lê junto com eles e você aprende com a família também. Engraçado que é o aluno é a família e a gente o próprio professor também.

Também a diretora Nilva e a professora Antônia manifestaram sua opinião

sobre este aspecto. Acreditaram que o envolvimento das famílias no

desenvolvimento de um projeto poderá influenciar na construção dos saberes das

professoras, conforme mostram os comentários delas a seguir:

O que mexe com o conhecimento do professor, é justamente o interesse da família é que mexe é ai que o professor sente a necessidade de procurar mais. Buscar mais para enriquecer o trabalho.

Essa dimensão que a Pedagogia de Projeto dá, fica às vezes muito esquecida dentro da escola, o professor só trabalha dentro das quatro paredes da escola, não vai além dos muros da escola . Tá entendendo. Quando o professor consegue envolver a família no projeto, ele lucra muito mais, porque a gente passa, a saber, mais. O aluno leva pra casa, fala sobre aquilo, os pais vão atrás, corre. Eles também vão adquirir conhecimento, eles também vão descobrir. A coisa é muito mais prazerosa, eles vão inclusive trazer conhecimento pra gente, para o professor, quantas coisas as crianças trazem de casa que a gente professor não sabia. E ai eu pergunto: será que a gente tinha que saber?

Examinando a pergunta da professora Antônia, “será que a gente tinha que

saber” percebo uma postura reflexiva que se constrói a partir da mudança na

relação da professora com os alunos e com o seu saber de professora. O

movimento de mudança na postura da professora, sobretudo em relação ao

saber, aproxima - a do aluno à medida que, ao longo do processo de

aprendizagem, ela vai assumindo, como já foi mencionado, o papel de aprendiz.

Chamou-me ainda a atenção a expressão tira a gente do lugar, que traduz

também uma nova forma de articular e trabalhar os conteúdos, superando a visão

de currículo como um conjunto de disciplinas isoladas, fragmentadas e

organizadas segundo uma hierarquia que não reflete o processo inerente ao

conhecimento humano. Segundo Hernández: “Todo projeto é um processo

criativo para alunos e professores, o qual permite ricas relações entre ensino e

aprendizagem e, sobretudo, pressupõe uma concepção de aprendizagens

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globalizadoras, que certamente não passa por superposição de atividades”.

(HERNÁNDEZ, 1999d; p. 29).

Ainda de forma indireta, pude perceber mudança de postura quando a

diretora Nilva, ao apontar as diversas áreas que o trabalho com projetos

possibilita desenvolver nos alunos, comenta que sua prática não é mais a mesma,

a de quando trabalhava na forma tradicional. Isso revela a mudança na sua

postura, implica um processo que envolve reflexão e consciência dos novos

significados que foram configurando sua prática. Ela explica com bastante clareza

essa diferença:

Quando você trabalha os projetos você tem uma visão de um todo, você não vê a pessoa em partes, fragmentada você vê o aluno mais completo dentro do projeto você desenvolve não só o intelectual, mas o social, o motor. Na forma tradicional que era a que eu trabalhei, eu percebo essa falha de não saber como atingir essas outras áreas porque a gente tinha uma preocupação com conteúdo em si. Isso diferencia a pedagogia de projeto.

Esse potencial, captado pela supervisora, é destacado por Hernández

(1998a; p.86) ao afirmar que não se pode esquecer de que a atividade manual, a

intuição, ou seja, a aprendizagem vinculada ao fazer, também é uma forma de

construir conhecimento e esse aspecto deve ser destacado no trabalho por

projetos.

Com respeito, o trabalho com projetos está muito distante do ensino

tradicional. Impõe às professoras uma série de desafios, nem sempre fáceis de

serem superados. A propósito, Antônia assim manifestou: “então por isso eu acho

difícil a gente daquele meio tradicional, quando você ia lá no livro e pegava a

coisa prontinha”.

Para a professora Jane, entretanto, os desafios são positivos. Pois, na sua

perspectiva a vivência deles no dia-a-dia é que dão sentido à vida. Eis a

conclusão dela a respeito: ” graças à Deus que a gente tem esses desafios,

porque quando a gente não tem desafios é porque a coisa está morrendo e eu

não quero que morra”. E num dado momento da entrevista, ela acrescentou:

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Todos os dias, cada dia que você entra, que você sai de casa você está enfrentado os desafios, é desafio no trabalho, com os colegas, com as crianças, são elas que questionam o tempo todo, são elas que fazem a gente questionar, pra que eu estou fazendo isso? Qual o sentido daquilo que eu faço? O maior desafio é com a gente mesmo, principalmente hoje na vida tumultuada, na vida turbulenta que a gente leva, que não é fácil. Então, o tempo todo a gente tem desafios.

A percepção da professora Jane revela que sua maneira de lidar com os

problemas da prática muda, mediante a adoção de uma atitude reflexiva:

Acho que na pedagogia de projetos os desafios são pontos positivos, tudo o que você busca, tudo o que você perdeu também, que você não acreditou, foi um ponto positivo. Porque você não tem que só dizer assim, eu ganhei. O negativo também é positivo, desde que você saiba aproveitar dele, desde que você pense e cresça com ele.

A inversão do negativo em positivo, feita pela professora, revela um

movimento dialético28 na construção de sua prática. De acordo com Vasconcelos,

a consciência da realidade é um dos mais apurados recursos da existência

humana e também lugar das ilusões e dos erros. É:

[...] marcada por uma forma de pensar ligada ao movimento, à totalidade, que percebe os opostos se exigindo mutuamente. Procura assumir a contradição como fazendo parte da realidade e trabalhar a partir dela, visando à superação por incorporação: (KONDER, 1981: 26 apud Vasconcelos)... superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial que existe nesta realidade negada e a elevação dela a um nível superior. (VASCONCELOS, 2001; p. 137)

A postura dialética revela uma atitude reflexiva por parte do professor que

lhe permite alcançar níveis mais altos de racionalidade na sua prática. Neste

sentido, Sacristán defende a seguinte idéia:

28 Vasconcelos (2001, p. 136-137) cita três posturas que o professor pode apresentar ante as contradições da realidade dicotômica; a primeira é marcada pelo pensamento positivista, dualista, trabalha por extremos e exclusão; a segunda postura é denominada média; caracterizada pela tentativa de um consenso entre as contradições; a última postura é a dialética; marcada por uma forma de pensar em que os opostos de atraem mutuamente.

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Pensar e agir refletem um no outro. Quando essa distância é alcançada, o pensamento pode incidir sobre a ação, e a reflexão pode ser um mecanismo de aperfeiçoamento tanto dos esquemas e representações mentais como do saber fazer. Existe uma posição cada vez mais sólida em torno do princípio de que o ensino será modificado e aperfeiçoado na medida em que os professores compreendam melhor o mundo das ações, fazendo aflorar e aperfeiçoando seus esquemas, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoam como professores, e isto não será alcançado sem entender como os professores dão sentido à prática. (SACRISTÁN, 1999, p. 105)

Além da postura dialética, a abordagem pedagógica fundamentada na

Pedagogia de Projetos possibilita às professoras desenvolverem outras

habilidades, humanas e individuais, construídas a partir dos desafios enfrentados,

como relata a professora Antônia:

A Pedagogia de Projetos ela proporciona o diálogo, a discussão, a troca, a problematização, o raciocínio, que são próprios do ser humano. Você problematiza, você corre atrás da resposta, seduz, encontra a resposta, pode ficar sem resposta e continuar procurando, tudo isso a Pedagogia de Projeto vai favorecer. Agora, como lidar com isso, eu acho que é uma questão muito pessoal você tem que acreditar, você tem que gostar e estudar isso pra poder levar em frente.

Por outro lado, a organização do currículo por projetos exige dos docentes

não só um saber relacionado ao domínio dos conteúdos das disciplinas, mas

também de outro saber, relacionado à compreensão do que é ensinar mediante

projetos. Essa concepção pressupõe uma lógica de ensino diferente da lógica

linear dos conteúdos, sugerida pelos livros didáticos tradicionais. Esta

preocupação pode ser percebida na fala da vice-diretora Sandra:

“Eu acho que a primeira coisa que o professor deve achar quando trabalha com pedagogia de projetos é que ele não sabe nada. A primeira competência que ele deve ter é esquecer tudo que você já tinha anteriormente porque se você vier naquele modelo tradicional você não dá conta de desenvolver um projeto, porque tem um ritmo e uma dinâmica diferente da aula tradicional, você chega na sala você ta com aquilo planejado e quando você começa o planejamento daquele dia ai vai por água a baixo, ai você tem que esta reformulando, ser muito criativo e você tem que dar conta de esta pegando aquilo ali de onde você menos espera daquele ganchinho para dar conta. Alguns

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professores têm dificuldade de estar deixando pra trás alguns tipos de conhecimento pra ta buscando outros novos”.

Conforme se vê nesse relato, ao enfatizar as competências necessárias ao

professor para desempenhar, com êxito, o importante papel de mediador do

conhecimento, é necessário que o professor tenha criatividade e sensibilidade

para captar os momentos oportunos, ou seja, os ganchinhos, como diz a vice-

diretora. Essa competência, que não se limita ao domínio do conteúdo a ser

ensinado e das técnicas de transmissão, faz com que Gómez veja no trabalho do

professor um traço de arte. Segundo o autor:

O que não podemos é considerar a atividade profissional (prática) do professor, como uma atividade exclusiva e prioritariamente técnica. É mais correto encará-la como uma atividade reflexiva e artística, na qual cabem algumas aplicações concretas de caráter técnico. Geralmente, os problemas que se apresentam bem definidos e com metas consensuais são os menos relevantes da prática educativa. (GÓMEZ, 1997; p. 100)

A preocupação com a criatividade está presente também noutros

depoimentos. Assim, segundo a professora Antônia professor tem que se virar, ou

seja, o docente deve buscar caminhos no seu ofício de ensinar. E se isso para ela

envolve riscos e dá trabalho, pois obriga o professor a sair da rotina e do já

pronto, possui também um lado gratificante, conforme a referida professora

assimila:

A pedagogia de Projeto ela proporciona essa vivência, porque criança é curiosidade pura, ela busca, ela é igual São Tomé, si você não provar que é não adianta que você não ganha ela. Então a Pedagogia de Projeto leva você a investigar, a buscar a procurar e a encontrar e é essa postura que encanta a Pedagogia de projetos. As estratégias pra isso dependem da criatividade de cada professor ele tem que se virar.

Diante do exposto pode-se concluir que o ofício do professor é feito de

diversos saberes29 - saberes não só oriundos das disciplinas, da tradição

29 Além de Tardif, Gauthier et al. (1998) apud Nunes (2001) também mencionaram, mas as diversas categorias de saberes implicados no ofício do professor. A primeira categoria, ofício sem saberes, refere-se à ausência de sistematização de um saber característico do docente, que

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pedagógica, da experiência, mas também de intuição e criatividade. Neste

contexto, Tardif afirma:

Para ensinar o professor deve ser capaz de assimilar uma tradição pedagógica que se manifesta através de hábitos, rotinas e truques do ofício; deve possuir uma competência cultural oriunda da cultura comum e dos saberes cotidianos que partilha com seus alunos; deve ser capaz de argumentar e de defender um ponto de vista; deve ser capaz de se expressar com uma certa autenticidade, diante dos alunos; deve ser capaz de gerir uma sala de aula de maneira estratégica a fim de atingir os objetivos de aprendizagem, conservando sempre a possibilidade de negociar seu papel; deve ser capaz de identificar comportamentos e de modificá-los até um certo ponto. O “saber – ensinar” refere-se, portanto, a uma pluralidade de saberes. (TARDIF, 2002; p.178)

Nessa medida, reporto-me, mais uma vez, à diretora Sandra. Ela enfatiza,

em suas falas, o saber que o professor constrói com a prática, a partir da sua

capacidade de criar e recriar diante de uma dada situação. Ela se refere à

palavra competência, relacionando-a a um saber oriundo de sua prática como

professora. Para Tardif (2002), esses saberes são experienciais ou tácitos e têm

origem na prática cotidiana e são por ela validados. Eis o exemplo dado pela

diretora a respeito:

Eu estou lembrando aqui quando a gente foi trabalhar sobre morcegos a gente tinha uma árvore lá na escola que era um pé de manga, uma mangueira grande e tal e de repente debaixo desse pé de manga começou a aparecer umas jabuticabas ai um menino chegou e outras crianças e perguntaram porque que o pé de manga tem umas jabuticabas em baixo? Ai a gente brincou será que mangueira dá jabuticaba? Então os meninos riram até, e a gente foi tentar descobrir porque debaixo da mangueira tinha jabuticaba. Ai a gente descobriu que tinha um morcego e ele buscava a jabuticaba, comia e deixava a semente lá debaixo da mangueira, os meninos ficaram então muito interessados em saber sobre o morcego e era época de Festa Junina ai foi necessário rever o planejamento já pronto para dar conta de

envolve intuição e experiência. A segunda categoria diz respeito aos saberes sem ofício, caracterizados pela formalização do ensino, restringindo à complexidade e à reflexão existente na prática cotidiana. A terceira, seria um ofício feito de saberes envolvendo todos os saberes mobilizados pelo professor, ou seja: o saber disciplinar, que se refere ao conteúdo das disciplinas, o curricular; que diz respeito aos programas de ensino, a das ciências da educação; relativo ao saber profissional específico, tradição pedagógica; referente ao saber da docência, transformado pelo saber da experiência, experiência; saberes elaborados ao longo de um tempo, e reinterpretado pôr um saber fazer, ação pedagógica; este saber está ligado à experiência e é tornado público.

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trabalhar a festa junina, que era uma coisa já planejada e trabalhar com os meninos a curiosidade sobre o morcego que acabou virando um projeto de estudo. Mas tem gente que não dá conta disso, olha gente agora não é hora disso, como que eu vou fazer isso, eu já tenho meu planejamento que está aqui e agora vem esse negocio do morcego, então pra gente é muito complicado até você aprender. Isso é uma competência que você tem que adquirir é no dia a dia, na prática.

A importância do saber experiencial, construído na prática, é também

sublinhado pela professora Jane, que o considera mais importante que o

conhecimento adquirido no processo de formação inicial. Em suas palavras:

A pedagogia de projetos é isso, é você buscar o interesse da criança. Porque não adianta eu chegar aqui e trazer pronto, porque se elas não tiverem interesse nada vai pra frente. E o bom da pedagogia de projetos é que a criança e o professor se tornam investigadores, a criança vai investigando, e você também. Eu to aprendendo muito mais a trabalhar com a pedagogia de projeto aqui na escola do que quando eu estudava, sentada atrás da cadeira que eu fiz faculdade.

Zeichner, (1987); Clandinin & Connely (1986) apud, Gómez (1997) também

destacam a importância dos saberes experienciais no ofício do professor:

A vida quotidiana de qualquer profissional prático depende do conhecimento tácito que mobiliza e elabora durante a sua própria ação. Sob a pressão de múltiplas e simultâneas solicitações da vida escolar, o professor ativa os seus recursos intelectuais, no mais amplo sentido da palavra (conceitos, teorias, crenças, dados, procedimentos, técnicas), para elaborar um diagnóstico rápido da situação, desenhar estratégias de intervenção e prever o curso futuro dos acontecimentos. Ainda que possam ser explicitados e conscientizados mediante um exercício de meta - análise, a maioria dos recursos intelectuais que se ativam na ação são de caráter tácito e implícito. (GÓMEZ, 1997; p.102)

Retornando à análise de Sacristán, é neste saber tácito, adquirido no dia-a-

dia em sala de aula, que o professor se apóia em seu trabalho e é também ele

que lhe possibilita alçar novos vôos:

As ações passadas orientam as futuras, as futuras, a prática dirige o futuro – sendo feitas a partir da sabedoria acumulada e a partir dos erros dos acertos consolidados. Então é inerente à ação do agente que educa um efeito de acumulação que facilita e economiza as ações humanas ao longo da experiência vital, por não precisar partir do zero em cada experiência concreta. Empreendemos novas ações apoiadas no saber fazer acumulado (conhecimento do como), com uma bagagem

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cognitiva acerca do fazer (conhecimento sobre) e com uma determinada orientação que dá certa estabilidade (componente dinâmico, motivos estabilizados, valores, etc.) Não precisamos descobrir, esboçar e decidir cada ação ex-novo, mas só na medida em que se requeira que seja totalmente nova ou exija adaptações dos esquemas e das representações prévias a circunstâncias novas do contexto e dos sujeitos aos quais se dirige. Não se trata de um acúmulo de “vestígios” independentes como sedimentações justapostas de acréscimos, uma sobre as outras, porque, como dissemos anteriormente, os esquemas são organizados, subordinados, incluídos uns nos outros, modificando-se entre si, criando uma estrutura que organiza as ações posteriores – é uma acomodação ordenada. Usando a terminologia Piagetiana, podemos afirmar que assimilamos o novo aos esquemas prévios, e isto obriga – nos a acomodá-los e a flexibilizá–los, tornando-os mais adaptáveis, moldáveis e valiosos. (SACRISTÁN, 1999; p. 71)

Na versão da professora Antônia, é a prática que vai tornar o professor

capaz de tomar decisões de grande importância no desenvolvimento de um

projeto.

A criança por natureza ela é curiosa, ela tem o caráter de investigar que é uma coisa assim, que não é tão comum no adulto. Então, esse momento, por exemplo, da Educação Infantil eu acho que é o melhor momento para se trabalhar com Pedagogia de Projetos porque a curiosidade da criança, a sede dela da busca parece que é insaciável, não acaba nunca e você tem que ter também aquela competência de perceber a hora de encerrar o projeto para ele não espichar demais ou para encerrar muito antes da hora. Isto o professor vai perceber com a prática e com o interesse das crianças.

Observo, nessa explicação da professora, que novamente o termo

competência aparece relacionado ao saber fazer, ou seja, o professor tem que

saber a hora de encerrar ou espichar o projeto. Mas isso, ele só perceberá na

prática que é construída no seu ofício de ensinar por projetos de trabalho. Para

Tardif:

No exercício cotidiano de sua função os limites aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições acabadas, e que exigem uma cota de improvisação e de habilidade pessoal, bem como capacidade de enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis. Ora a experiência dessas limitações e dessas situações é formadora: somente ela permite ao docente desenvolver os habitus (isto é, disposições adquiridas na e pela prática real), que lhe permitirão justamente enfrentar as limitações e os imponderáveis da profissão. Esses habitus podem se fixar num estilo de ensinar, em macetes da profissão, ou mesmo em traços da personalidade profissional:

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expressam, então um saber - ser e um saber - fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano. (TARDIF, 1991; p. 228)

Esses saberes intrínsecos à docência com que Tardif faz referência são

enfatizados nos discursos das professoras Antônia e Jane respectivamente.

Porque a minha prática, o meu conhecimento, não foi construído com muita leitura, nem com a faculdade, ele foi construído com a batata quente na mão , foi com a necessidade.

Às vezes você encontra a resposta de uma dúvida numa leitura, numa pesquisa, discutindo com alguém, mas você cria muito essa estratégia também.

O uso da expressão com a batata quente na mão, utilizada pela professora,

expressa a dimensão de um saber prático, que é caracterizado pela vivência, no

dia-a-dia, em um fazer de erros e acertos. Para essas professoras esses saberes

da experiência, muitas vezes, se sobrepõem aos saberes ditos elaborados e

validados cientificamente. Esses, como mostra Tardif possuem características

próprias e são das mais importância no exercício da docência. Segundo ele,

[...] os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formado de todos os demais, porém retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido. (TARDIF, 1991, p. 232)

Apesar da ênfase nos saberes experienciais, a dimensão complexa e plural

dos saberes docentes está presente no depoimento da diretora Cláudia, percebi

isso quando ela realça a necessidade de se recorrer a outras fontes de

conhecimento para realizar uma boa prática em sala de aula.

Eu lembro quando há 7 anos atrás tinha um certo projeto de artes aqui na escola sobre a vida de Guignard como a gente estudava! Nós estudamos tudo da vida dele. Eu já tinha acabado a faculdade e tinha uma colega que falava assim: na escola da Cláudia é assim você fica Phd no tema pra depois você trabalhar. Então o que acontece com o professor, se ele estuda muito o conteúdo curricular, o conteúdo da pedagogia de projetos e já tem a prática você consegue desenvolver o projeto tranqüilo, você tem segurança em fazer interferência com a criança.

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Oportuno, nesse ponto, parece-me a frase a Pedagogia de Projetos tira a

gente do lugar. Ela traduz uma postura ativa diante da elaboração da sua prática,

provocada pelo uso dessa pedagogia. Isso remete à idéia de autonomia. Segundo

a diretora Cláudia:

Para trabalhar com pedagogia de projetos o professor tem que ter autonomia é o que a gente tem que ter.

Ao mencionar a palavra autonomia, ela vê, no professor, o sujeito de sua

prática. E ao se incluir no processo é o que a gente tem que ter, ela rompe com a

divisão do trabalho, presente em várias escolas, propondo a aceitar o

comportamento autônomo do professor que, de acordo com Contreras (2002),

muitas vezes, resulta de sua própria condição de professor:

Ninguém pode assumir pelo professor o juízo e a decisão diante das situações que requerem uma atuação em sala de aula. O docente se vê obrigado a assumir, por si só, um compromisso pessoal com os casos concretos, a atuar em função de suas próprias interpretações, convicções e capacidades. Esse fato indica tanto a necessidade e a inevitabilidade do juízo moral autônomo, como a impossibilidade, em muitas ocasiões, de um tempo para meditar ou para consultar e compartilhar responsabilidades (CONTRERAS, 2002; p. 196-197)

Além de respeitar as decisões tomadas pelo professor, essa diretora, ao

incentivar a atitude autônoma, propõe, tal como Contreras, que seja de qualidade

a relação social existente entre ela e a professora. De acordo com esse autor:

[...] autonomia não é exatamente uma condição que se possui como requisito prévio à ação. Entendida como qualidade na forma pela qual nos conduzimos, entendida circunstancialmente, a autonomia profissional é uma construção que fala tanto da forma pela qual se atua profissionalmente como dos modos desejáveis de relação social. É que autonomia não é uma definição das características dos indivíduos, mas a maneira com que estes se constituem pela forma de se relacionarem. (CONTRERAS, 2002; p. 197)

O assumir a própria prática traduz-se num compromisso pessoal com as

opções pedagógicas, permitindo às professoras construírem e reinterpretar seus

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saberes. Nessa perspectiva, longe de ser apenas um transmissor de

conhecimentos produzidos noutras instâncias, o professor é, como mostra Tardif

(2000b), um sujeito que produz conhecimentos:

Um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta. (TARDIF, 2000b; p. 115)

Apesar de nos depoimentos as professoras ressaltarem a existência e o

valor do saber experiencial, elas não rejeitam o saber elaborado, pelo contrário,

valorizam-no. É o que mostram estes relatos das professoras Antônia e Jane,

respectivamente:

A teoria acrescenta muito para entender o trabalho com projetos. Eu sempre procuro auxílio em textos, livros, revistas da área de educação ou mesmo com as colegas e com a coordenação.

Olha, pra ser sincera, deixa eu te falar, já teve projeto que fechou aqui que eu falava assim: ‘meu Deus eu não vou dar conta.’ Porque os meninos ficam ansiosos e a gente percebe essa ansiedade deles durante o projeto e eu falava: ‘Gente, eu não vou dar conta, o que eu vou fazer? A gente vai buscar suporte na coordenação e nos livros e revistas que falam e dão exemplos de projetos.

Também a diretora Cláudia e a supervisora Nilva respectivamente atribuem

o avanço no desenvolvimento dos projetos aos estudos realizados pelo grupo de

professores, junto à coordenação e especialistas:

Atualmente nós avançamos muito, eu sei que isso teve um avanço grande, desde a época em que a gente começou a trabalhar com projetos até hoje. Antes ficávamos muito em cima de temas, a turma tal vai estudar tal tema, aquela coisa já definida, e nós fomos avançando com muito estudo e troca de experiências.

Antigamente tinha um grupo de especialistas do MEC e da UFMG que dava uma assessoria para o Jardim Municipal Chave do Saber e foi muito bom, o grupo avançou bastante. A gente lia textos, depois discutíamos no grupo, elas também entravam nas salas de aula para acompanhar o trabalho das professoras, faziam relatórios e depois discutia com cada professor individualmente e no grupo.

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Quando as professoras comentam sobre a prática, elas quase sempre se

referem à importância das contribuições teóricas em relação à constituição dos

saberes que são utilizados no trabalho com projetos, podendo-se perceber,

inclusive, uma tentativa de criar um eixo entre teoria e prática. A prática

pedagógica, muitas vezes, aparece como instância de problematização, ou seja,

um lugar de busca e exploração de saberes teóricos. É o que afirma a professora

Jane: então eu vou atrás dessas revistas e livros que me ajudam esquematizar o

projeto.

Já a professora Antônia considera a busca do saber teórico nos livros,

palestras, estudos, um processo reflexivo. Em seu entendimento, à proporção que

ela age e reavalia suas ações, está refletindo sobre sua prática, questionando

seus saberes tácitos. E, assim, ela explica este processo:

Eu vou muito a palestras. Eu gosto muito de escutar gente que pesquisa e que eu acredito ter um saber construído mais que o meu. Eu gosto de ouvir, então eu escuto, eu levo aquilo comigo e eu começo a refletir, eu faço o confronto daquilo que eu escutei com o que eu estou praticando. Faço demais esse exercício, o que eu li, o que ouvi, eu estou sempre refletindo, eu tenho um processo de reflexão muito grande.

A postura dessa professora, ao meu ver, reflete a crença e a busca por um

saber distanciado do senso comum. Parece-me evidente a tentativa dela de se

aproximar do saber elaborado, a partir da sua própria prática. Sacristán (1999)

denomina esse movimento entre o senso comum e o conhecimento elaborado

etnocência. De acordo com Ferreira, o vocábulo grego éthnos, que significa raça,

nação, povo, deu origem a uma série de palavras, entre elas etnografia -

disciplina, que tem por fim o estudo e descrição dos povos, sua língua, raça,

religião, etc, e manifestação material de sua atividade. Por analogia, a palavra

etnocência, adotada por Sacristán, pode ser entendida como o estudo da prática

docente, em suas manifestações em sala de aula.

A professora Antônia também reconhece a existência da relação entre a

teoria e a prática, conforme esclarece estes trechos de seu depoimento:

O professor que trabalha com Pedagogia de Projeto tem que ser é um observador e um observador reflexivo, porque não adianta ele observar

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e não ter a flexibilidade tem que observar e ter a flexibilidade pra poder ir encaixando as coisas nos seus devidos lugares.

Eu acho que às vezes eu deixo de fazer muita coisa porque eu penso demais. Eu tenho muita reflexão, eu acho até que perco tempo, porque enquanto os outros vão fazendo, eu estou com o meu pé atrás refletindo.

Essa visão da professora Antônia a respeito da reflexão traduz uma

postura, por parte do professor, que reflete um processo de formação. Isso se

evidencia quando ela se refere ao procedimento de escolha de estratégias. A

dimensão reflexiva é reincidente no seu depoimento:

No desenvolvimento do projeto eu vou observando o interesse do grupo, é o olhar que o professor tem que ter. Eu vou olhar o grupo e vou ver o que está interessando o grupo e ali eu vou refletindo e criando as minhas estratégias para atender aquele interesse. Então si naquele momento eu acho, eu vejo que é interessante estar construindo um livro, porque o grupo ta falando que construir um livro em forma de um empreendimento, então eu vou criar estratégias para construir um livro, si o interesse do grupo é para que a gente vá fazer mais pesquisa vamos correr atrás da pesquisa. Então nós vamos agora é para a biblioteca? Onde nós vamos pesquisar? Essas estratégias eu fico muito em cima da observação, as estratégias eu elaboro de acordo com aquilo que eu observei e percebi que é interessante para o grupo.

A professora Antonia, ao utilizar o termo estratégias cujo significado, de

acordo com Ferreira, é a “arte de aplicar os meios disponíveis ou explorar

condições favoráveis com vistas a objetivos específicos” revela que sua ação é,

também, ligada à experiência. Ela faz uma ligação entre a observação e a

elaboração de estratégias, demonstrando, ao fazer isso ligação, uma postura

reflexiva. As estratégias são articuladas a partir de uma observação, de um olhar

atento e cuidadoso sobre determinada situação.

Por fim, a reflexão na ação integra a prática dos professores

comprometidos com o seu trabalho. Trata-se de um processo complexo, como

evidencia Sacristán:

Executar ações, querer fazê-las e pensar sobre elas são três componentes básicos entrelaçados da atividade do sujeito. A interação entre eles forma o triângulo de relações recíprocas para entender o comportamento humano, em geral com todas as suas contradições e coerências, e as ações da educação e do ensino, em particular. É um triângulo, não uma linha na qual se possa situar com clareza que

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componente antecede a outro para explicar o início de uma ação. (SACRISTÁN, 1999; p. 48)

Gómez, por seu termo, vê na reflexão na ação um elemento-chave para o

desenvolvimento profissional do professor:

Um processo de extraordinária riqueza na formação do profissional prático. Pode considerar-se o primeiro espaço de confrontação empírica com a realidade problemática, a partir de um conjunto de esquemas teóricos e de convicções implícitas do profissional. Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de interações da prática, a reflexão na ação é o melhor instrumento de aprendizagem. No contato com a situação prática, não só se adquirem e constróem novas teorias, esquemas e conceitos, como se aprende o próprio processo dialético da aprendizagem. (GÓMEZ, 1997; p. 104)

Em última análise, procurei mostrar neste capítulo que os atores

entrevistados valorizam o trabalho com a Pedagogia de Projetos. E têm

consciência de que a forma com que dela se apropriaram constitui uma fonte de

saberes que hoje os distância da prática tradicional. Tal reconhecimento resulta

de uma prática fundamentada na troca e na reflexão constante sobre o que fazer,

como fazer e, sobretudo, por que fazer.

6.2 – Chave do Saber: um espaço de formação docente

O Jardim Municipal Chave do Saber foi uma escola diferente, marcada pelo

desejo de um grupo de profissionais de desenvolver uma prática pedagógica

transformadora. Confirma isso o depoimento da diretora Cláudia:

Aqui não era a filosofia da rede, era um sonho, era muito bonito você ver um grupo de professoras que não ganhava nada a mais por isso, que a rede toda fazia diferente e essa escola queria fazer de outra forma e assim não tinha espaço pra estudo, esse grupo aqui buscava esse espaço até no final de semana, quando eu cheguei eu assustei, eles estudavam nas férias.

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Para essa diretora, a escola plural assinou uma prática e uma discussão

que a educação infantil já vinha desenvolvendo há mais tempo. O Jardim

Municipal Chave do Saber apresentava práticas inovadoras antes mesmo da

escola plural ser implantada, o que veio confirmar para o grupo de profissionais, a

certeza em relação ao projeto educativo que vinha sendo desenvolvido. Em suas

palavras:

A Chave do Saber, eu não acho que foi referência para a escola plural, mas com certeza ela foi uma escola que tinha muito para contribuir, nossa escola participou das redes de trocas, da mesma forma que a gente estava buscando pessoas para nos ensinar, a gente ia ensinar também, tinha essa coisa do ir e também de estar sempre trazendo, não achar que a gente era poderoso, não, a gente mudou muita coisa, teve muita adequação aqui, e com a implementação da escola plural a gente sentiu firmeza que estava no caminho certo.

Vale lembrar, aqui, que a diretora Cláudia relata sua experiência no Jardim

como mãe de aluna, como professora e, à época da pesquisa, como diretora. No

relato que se segue, ela chama a atenção para o caráter diferenciado da escola:

A Chave do Saber tem muito de diferente, eu falo isso como mãe, como professora e agora como diretora. A gente tem um olhar sobre a criança que é muito legal, ter a criança como norte, e isso é importante, acho que isso é que faz o Jardim Municipal Chave do Saber ser diferente. Às vezes em reunião a gente questiona: fazer isso vai dar muito trabalho, mas as coisas que dão muito trabalho valem a pena. O coletivo aqui banca isso, a noite do pijaminha, se você pensar é uma loucura, super trabalhoso, olha o trabalho que dá, nossa na noite do pijaminha eu levanto 7 horas da manhã e não durmo, porque você tem que organizar tudo, você tem que dormir aqui na escola, é muita responsabilidade, é tanta coisa que envolve que você não dorme, mas vale a pena. Isso que é bonito, que é muito legal, você vê as pessoas felizes, vê a criançada alegre.

Como se vê, a diretora faz referência ao projeto noite do pijaminha para

ilustrar a disposição e o envolvimento que o corpo docente e as diretoras têm com

o trabalho pedagógico. Outros exemplos dessa natureza são as estratégias

utilizadas pela escola para arrecadar verba para atender a alguma necessidade

da escola. Exemplifico isso, neste comentário:

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O ovo da páscoa, como vamos fazer? Vamos dar um ovo bom, um ovo de qualidade, já que a criança vai ganhar então vamos dar uma coisa de primeira, é escola púbica mas ela não é de graça, essa escola é paga. Vamos comprar o melhor chocolate e pensar como viabilizar o ovo. Vamos encomendar de uma pessoa? Como é que nós vamos pagar essa pessoa? Vamos fazer um festival de sorvete, aqui todo mundo está pronto para querer fazer e acontecer, sempre está articulando um jeito de fazer e todo mundo topa. Tem formas muito mais fáceis das pessoas estarem fazendo as coisas, mais cômodas e a escola sempre busca estar fazendo o melhor, não mede esforço para as coisas acontecerem.

Nessa direção, a professora Mara acredita que a satisfação das crianças

com o Jardim Chave do Saber é fruto do trabalho pedagógico nele desenvolvido.

A proposta pedagógica da escola, organizada a partir dos projetos de trabalho, é

um dos aspectos, segundo Mara, que desperta prazer nas crianças.

A proposta aqui do Jardim é muito interessante, inclusive a gente sente que as crianças têm um carinho muito especial com essa escola. Eu acho que é justamente pela maneira que a gente trabalha com os conteúdos, o próprio trabalho com a Pedagogia de Projetos deixa a criança mais incentivada, mais interessada e com prazer de vir para a escola. Você pode conversar com qualquer criança aqui que eles são apaixonados pela escola, acho que os professores aqui eles investem muito mesmo.

E a diretora Cláudia defende a idéia de que uma escola que trabalha com projetos

tem uma gestão mais democrática e participativa. Segundo ela:

[...] a própria forma que a gente administra a escola, eu nem gosto deste termo administrar, a forma que a gente coordena a escola é democrática, tem que ser democrática, uma escola que trabalha com Pedagogia de Projetos não dá para determinar você faz isso, você delega enquanto organização, mas determinar não tem como, então todo mundo tem autonomia e tem que abrir mão do seu pensar em função de um coletivo, isso na escola eu acredito que o grupo ainda banca isso bem.

Esse entendimento da diretora Cláudia sobre a forma democrática de

coordenar a escola, não dá para determinar você faz isso, ainda mais sendo uma

instituição que trabalha com pedagogia de projetos - põe em relevo um aspecto

defendido por Carbonell, ou seja:

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A principal força impulsora da mudança são os professores e professoras que trabalham de forma coordenada e cooperativa nas escolas e que se comprometem a fortalecer a democracia escolar. Um compromisso que, seguindo um movimento de baixo para cima, orienta-se para a obtenção de uma educação integral que articula as experiências dos alunos e os problemas sociais reais com a cultura escolar, superando a visão estreita, tecnicista e academicista do rendimento escolar. Nesse sentido, é importante que as administrações sejam mais sensíveis ao reconhecimento e apoio das experiências de base e criem um clima mais favorável para a liberdade de ação docente e a renovação pedagógica. (CARBONELL, 2002; p. 30)

Nesse mesmo sentido, Freire (1997), em sua obra A pedagogia da

autonomia saberes necessários à prática educativa, defende a idéia de que se a

opção política pedagógica é democrática ou progressista, devemos ser coerentes

com nossa escolha e contemplar outras qualidades que deverão fazer parte da

formação do professor, como:

[...] amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa ao fatalismo, identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógica – progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica. (FREIRE, 1997; p. 136)

Com efeito, o compromisso, o envolvimento e a disposição do coletivo da

escola para buscar sempre uma prática inovadora, torna a escola Chave do Saber

uma referência para outras instituições. De acordo com a diretora Nilva:

O trabalho que a gente fez aqui na escola sempre chamou atenção, apesar de não ter sido a primeira escola criada para criança pequena, mas a gente sempre fez um trabalho que se viu, e o nosso trabalho foi divulgado nas regionais, os profissionais da Chave do Saber são sempre chamados a divulgar o trabalho em outros lugares, então acho que isso teve sim um pouco de influência na mudança do trabalho das outras escolas.

Interpretando os tempos verbais usados por essa diretora, percebo que ela

usa o verbo no passado - o trabalho que a gente fez aqui na escola sempre

chamou atenção... - expressa o mesmo sentimento do usado no presente - os

profissionais da Chave do Saber são sempre chamados a divulgar o trabalho. -

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Concluo que ela quis demonstrar que as propostas inovadoras da escola se

perpetuam e contribuem para mudanças em outras instituições.

Pude perceber, ainda, que as diretoras e o corpo docente entrevistado

acreditam que grande parte do que a escola Chave do Saber é se deve à

qualidade de seus profissionais, à sua disposição e vontade de crescer sempre.

De acordo com a diretora Nilva:

Esse privilégio a escola teve e tem, as professoras são pessoas formadas, especializadas em educação infantil, nós temos somente uma ou duas professoras que não são especializadas e, junto com o que a prefeitura oferece, nós temos a sorte de ter profissionais que buscam crescimento a todo o momento, eles vão até onde estão a formação em serviço, buscam, fazem sacrifício. Quando a gente começou aqui a gente tinha um grupo de estudo fora do nosso tempo de serviço a gente vinha à noite, sábado a gente ia para um sítio pra todo o grupo poder se reunir e estudar. Era um compromisso que o grupo tinha e que tem até hoje, apesar de ter muitos profissionais que entraram depois. A gente ainda faz isto, por exemplo, agora nós vamos ter alguns dias para compensar porque a gente tá em campanha salarial nós vamos pagar alguns dias de paralisações com estudo, como o aluno vai ter aula na sexta-feira que é o dia de estudo que é o dia inteiro, aula normal, nós vamos estudar no sábado e não é qualquer escola que topa um sacrifício deste e os profissionais daqui sempre toparam e sempre fizeram pelo nome da escola.

Analisando a percepção dessa diretora Nilva sobre a formação das

professoras entendo que ela valoriza o curso de especialização e considera um

privilégio a escola contar com professoras especialistas. Vangloria-se, também,

por haver na escola professoras que buscam permanentemente a formação

continuada participando de grupos de estudos que se realizam na própria escola,

de cursos oferecidos pela Rede Municipal, entre outros. Para a diretora Nilva, as

professoras também aceitam o sacrifício de estudar até nos finais de semana em

prol do nome da escola. Essa valorização positiva do Jardim vem da relação de

identificação que muitos profissionais estabelecem com a escola. Já para a

diretora Cláudia, a Chave do Saber é:

Uma referência para a Rede é uma instituição muito indicada para estagiários e pesquisadores e não é qualquer professor que consegue entrar e permanecer na escola.

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A visão de ambas diretoras é compartilhada pelos professores da escola. E

o sentimento por elas verbalizado mostra como é importante para seus

profissionais ministrarem aulas não numa escola qualquer, mas em uma escola

que conseguiu construir um nome, ser referência na cidade. Daí a necessidade de

se pensar no nome da escola.

Opinião semelhante tem a vice-diretora Sandra, que compartilha o

sentimento da diretora Cláudia. Também acredita que não é qualquer profissional

que se identifica com a organização do trabalho da Escola Chave do Saber. Para

ela, o professor tem que ter um ritmo de trabalho mais acelerado e já ter algumas

práticas internalizadas, porque o trabalho pedagógico aí realizado possui uma

estrutura própria. Eis os comentários de Sandra a respeito:

Quem entra aqui para poder dar conta se não tiver esse ritmo alucinante que o povo tem aqui não dá conta, porque eu até dei muito conta porque tenho esse ritmo, mas uma pessoa com ritmo de escola tradicional não dá conta.

E, mais adiante, ela prossegue:

[...] a escola já tem uma estrutura e quem vem tem que incorporar o que está aqui entendeu? É diferente de entrar em uma escola que está começando. Algumas coisas já são formais da escola, elas já são internalizadas, o trabalho com projeto você trabalha normalmente você não pára pra falar vou fazer um projeto, então a pessoa que entra ela já entra naquele ritmo ali.. à medida que você entra e a escola já tem aquilo ali você incorpora aquilo no seu dia-a-dia, no seu trabalho, a pessoa que entra aqui já entra sabendo o que vai acontecer, já conhece a proposta, todo mundo da rede já conhece. A pessoa que chega, fica um pouco apavorada, porque todo mundo já tem um ritmo, ninguém para e diz, olha fulano a gente faz assim, assim e assim. Então isso é um pouco complicado, a pessoa que chega e não dá conta ela é um pouco excluída também. Ela vai ter ajuda, mas o grupo é tão coeso assim entendeu, que se você não dá conta mesmo recebendo ajuda você fica um pouco à margem, não que ninguém vá te ajudar, mas como todo mundo já tem aquele ritmo e já caminha sozinho se você não der conta de correr atrás do grupo não fica e acaba até indo embora.

Nesse depoimento, Sandra apresenta um exemplo do trabalho com

projetos e deixa claro que é uma prática natural na escola. É nesse sentido que a

vice-diretora acredita que as professoras já possuem muitas práticas

internalizadas do dia-a-dia e quem chega, muitas vezes, não consegue entrar em

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sintonia com o trabalho do grupo e construir uma prática coesa. O ritmo de

trabalho acelerado, colocado por Sandra, é destacado pela professora Jane ao

mencionar o dinamismo da escola:

Essa escola aqui é uma escola muito dinâmica, e esta sempre buscando, criando, e nunca esta 100%. Eu acho que isso é legal também pra gente. Um trabalho que a gente gosta, a gente sempre busca e nunca está satisfeito. Isso significa que a gente esta querendo sempre alguma coisa nova, que cresça pra gente, que cresça pra criança.

Esse movimento dinâmico, que é uma constante na Chave do Saber,

influencia a aquisição dos saberes das professoras. Pois, como mostra Jane, a

escola nunca está 100% e, com isso, o grupo está sempre em busca de novas

possibilidades.

A vice - diretora Sandra também aposta no corpo docente da escola e

considera que o envolvimento das professoras e das diretoras com a Chave do

Saber é resultado da boa vontade e da sede do saber delas:

O corpo docente daqui é a gente aposta assim dez e mil, porque tudo que você propõe eles dão conta, porque eles gostam do que eles fazem então eu acho que a primeira coisa é isso, porque tem muita gente que está no magistério independente de ser infantil ou mesmo professor de faculdade porque não tem opção de estar fazendo outra coisa. Aqui todo mundo faz porque gosta e investe. Aqui na escola a gente fala assim vamos estudar sobre sexualidade, que é o nosso tema atualmente, a gente precisa vir aqui três noites ninguém fala assim estou cansada, todo mundo vem, todo mundo topa, então, tem essa coisa legal sabe, que é da boa vontade, da sede do saber que eles tem, que nós temos tenho que me incluir.

Essa consideração remete-me a Tardif quando diz que a relação do

professor com a escola e com o ambiente de trabalho permite uma série de

experiências relevantes para o professor. De acordo com ele,

[...] a trajetória vivida na carreira parece também levar a uma certa superposição entre os conhecimentos do professor e a cultura profissional da equipe de trabalho e do estabelecimento. O professor tende, com freqüência, a aderir aos valores do grupo; ele partilha com outros membros sua vivência profissional e troca com eles conhecimentos sobre diversos assuntos. Em suma, torna-se um

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membro familiarizado com a cultura de sua profissão. (TARDIF, 2000a; p. 233)

Como a diretora Sandra, também a professora Jane refere em seu

depoimento, à sede de saber demonstrada pelas professoras, e o esforço que a

escola faz para sempre articular profissionais de fora para enriquecer as

discussões do grupo. Ela deixa claro que essa iniciativa é assumida pela direção

da escola Chave do Saber e não por outras instâncias da Rede Municipal. Trata-

se, pois, de esforço e um desejo assumido pelas diretoras e partilhado com o

grupo. Exemplo disso apresenta a professora Jane:

Esse ano já a gente está investindo no estudo da sexualidade, o grupo está precisando é a demanda do grupo. Então, quando a escola, a escola que eu falo é direção, daqui, vê que tem uma demanda muito grande, a escola procura, a escola vai atrás de órgãos e de pessoas que possam nos ajudar a investir mais naquilo que agente quer e estamos com mais ansiedade. Ajudar em algo que a gente não deu conta, porque nem tudo a gente dá conta.

A diretora Cláudia também se preocupa com formas de se adquirir o saber

e ressalta a importância que a teoria tem no diálogo com a prática:

A teoria é muito importante porque a gente estudou muito para isso e a prática sempre ajuda, sempre os dois juntos, a escola sempre buscou estar estudando muito e tenta praticar o que estuda fazendo interferência dentro dessa prática. Dessa forma não foi bom, então vamos fazer e ler uma outra coisa.

Acrescentou, ainda a diretora, que tem tentado promover um diálogo entre

o conhecimento teórico e a prática. E mais, o processo reflexivo sobre a prática é

vivenciado a partir de uma perspectiva crítica, assumida pelo coletivo. Para

Sacristán (1999), esse processo reflexivo desenvolve no professor a capacidade

de tomar decisões estratégicas:

O saber fazer, ou agir, e o saber sobre as ações é uma bagagem predisposta a ser utilizada nas ações posteriores acumulados como experiência individual e coletiva para interpretar o presente. A experiência faz a história, a partir da qual são enfrentados os desafios das ações do presente e do futuro e possui uma dupla face: saber fazer e esquemas cognitivos depurados é entrelaçados uns aos outros.

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Quando os professores dizem que possuem experiência, a possuem no sentido prático e cognitivo ao mesmo tempo, o que lhe confere estabilidade por dois motivos: por isso, a modificação dos professores implica alterações necessárias nas pautas práticas e nos esquemas teóricos vinculados às mesmas.(SACRISTÁN, 1999; p. 105)

Além da reflexão sobre a pratica e sua relação com a teoria, outro aspecto

destacado pelas professoras como importante para a constituição de seus

saberes foi a troca de experiência entre seus pares. De acordo com o depoimento

da professora Mara:

A troca de experiência ajuda muito o professor e isso a gente faz muito aqui na escola.

Como se vê, essa professora relata a importância da troca de experiências

na escola Chave do Saber e acredita na contribuição positiva que esta traz para o

desenvolvimento profissional de cada docente. Nesse sentido, a escola é vista

como um contexto significativo de aprendizagem. De acordo com Zeichner:

Uma maneira de pensar na prática reflexiva é encará-la como a vinda à superfície das teorias práticas do professor, para análise crítica e discussão. Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem mais uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento de sua profissão. (ZEICHNER, 1993; p. 22)

Como referência à atividade docente na escola pesquisada, foi realizada

numa rede de interações entre seus próprios pares, o que configura, de acordo

com Tardif (2002), um modo de construção do saber:

O papel dos professores na transmissão de saberes a seus pares não é exercido apenas no contexto formal das tarefas de animação de grupos. Cotidianamente, os professores partilham seus saberes uns com os outros através do material didático, dos “macetes”, dos modos de fazer, dos modos de organizar a sala de aula, etc. (TARDIF, 2002, p. 52)

Conforme ressalta esse autor, o professor quase não atua sozinho, mas

numa rede de interações com outras pessoas, começando com os alunos. Para

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ele os professores partilham suas certezas na relação com seus pares e, ao

defrontarem com os saberes produzidos pela experiência coletiva, objetivam seus

saberes tácitos.

Nessa medida, a professora Jane acredita que a troca de experiências tira

o professor do lugar de dono da verdade, e que a complementação do olhar do

outro é muita rica:

Outra coisa que faz a gente crescer é a troca, muitas vezes o que eu não vejo a outra vê. A complementação, é que é muito rica, porque muitas vezes a gente acha que não, que é dono da verdade, ninguém é dono da verdade, você está sempre aprendendo.

Também a professora Antônia reconhece que a troca de experiência é um

dos aspectos mais enriquecedores da prática docente. É nesse sentido que

Tardif, defende a idéia de que o docente não é somente um prático, mas também

um formador.

Eis o comentário da professora Antônia a respeito de troca de experiência

na escola:

Eu acho também que a vivência de cada um, a troca de experiência, eu acho que isso que mais enriquece, essa troca de experiência, quando tem relatos, aqui tinha muito de filmar o tipo de aula que a gente estava dando entendeu e depois discutir sobre aquela aula e isso era muito legal, eu acho que essa troca de experiência que enriquece.

Em outro momento da entrevista, retomando o tema de troca de

experiência, a professora Antônia relaciona essa troca com a discussão com os

colegas a respeito da essência do discurso dos autores que ela incorporou em

suas leituras. A palavra essência opõe-se à acidental na linguagem comum. Tem

o sentido de muito importante, de o mais importante. Nesse sentido, essa

professora afirma:

Eu busco muito nas leituras que eu faço, elas me ajudam muito, eu tenho dificuldade de guardar nome de autores, o que eu guardo é a essência do discurso de cada um, ás vezes eu falo: eu li isso, eu li aquilo...mas nem sei quem foi o autor, quem é que falou. ”Agora eu tenho uma dificuldade, eu leio e gosto de estar com alguém pra discutir,

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porque eu acho que cada leitor tem seu filtro, tem a sua visão, tem a sua forma de assimilar as coisas. Então eu leio e fico com a necessidade de discutir, ainda mais quando a gente tá estudando. Eu acho que quando você tá na postura de quem tá buscando, você tem necessidade de discutir.... “O que você tá pensando disso. Como é que você entendeu aquilo”. Eu acho que o estudo quando você tá construindo conhecimento, pra mim ele requer discussão e, às vezes, eu tenho muita dificuldade pra discutir com as pessoas aquilo que eu li , que eu assimilei, pra ver se é daquele jeito mesmo, como é que as pessoas estão entendendo isso. Às vezes eu entendo completamente diferente. E eu tenho essa preocupação como leitora, cada um lê e assimila de um jeito.

Na opinião da vice-diretora, a troca entre os professores - as trocas nos

trios - e a socialização das práticas no coletivo são momentos privilegiados para a

formação das professoras durante as reuniões pedagógicas:

A outra coisa que a gente faz para contribuir para a nossa formação são as reuniões, é um momento de estudo que a gente também troca experiência, fala do que deu e o que não deu certo, uma vê o trabalho da outra, comentam como estão fazendo os projetos, qual tipo de registro.

Mais adiante, ela diz:

Essas trocas eu acho que existem tanto formalmente quando a gente tem reunião coletiva, troca entre os trios, que é de 15 em 15 dias e também informalmente como na hora do café.

A visão dos atores da pesquisa é a visão defendida por Zeichner, Sacristán

e Tardif, os saberes dos professores não se limitam aos conhecimentos teóricos

obtido na universidade e nos cursos de formação. Como exemplo disso cito o

pensamento de Tardif:

[...] os professores se referem também a conhecimentos sociais partilhados, conhecimentos esses que possuem em comum com os alunos enquanto membros de uma sala de aula. Nesse mesmo sentido, sua integração e sua participação na vida cotidiana da escola e dos colegas de trabalho colocam igualmente em jogo conhecimentos e maneiras de ser coletivos, assim como diversos conhecimentos do trabalho partilhado entre os pares, notadamente a respeito dos alunos e dos pais, mas também no que se refere a atividade pedagógicas, material didático, programas de ensino, etc. (TARDIF, 2000a; p. 213 - Ano XX n. 73)

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Também a diretora Cláudia acredita, também, que a formação das

professoras está atrelada às trocas ocorridas no trio e em reuniões. Nesses

momentos as professoras partilham suas experiências e seus saberes. De acordo

com ela, a escola respeita horários destinados a reuniões com o intuito de garantir

a presença das professoras. Dificilmente a gente abre mão do tempo das

professoras, as reuniões da coordenação respeitam o tempo delas. É nesse

sentido que a diretora Cláudia entende que as reuniões são momentos de

formação das professoras. Seja nas reuniões individuais, coletivas ou nos trios, o

trabalho da direção é sempre guiado pelas discussões da prática e um aporte

teórico, no sentido de colaborar para a reflexão da prática das professoras. Ela

exemplifica isso em seu depoimento da seguinte maneira:

A gente tá fazendo sempre essa troca de leitura na escola, e eu acho também que estar sentando junto, conversar esse tempo no coletivo aqui e no trio, hoje é trio, o tempo de sentar e ouvir o outro, você tem uma opinião sobre aquilo, mas se você não tem esse outro prá estar te falando, você nem consegue consolidar a sua idéia, levar a diante e até mesmo se ela estiver errada você não tem ninguém pra esta te dando esse toque. Esses momentos coletivos aqui são muito bons, não dá para você avançar se não tem esses momentos, por isso que a gente tenta garantir esses momentos, dificilmente a gente abre mão do tempo das professoras, as reuniões da coordenação estão sempre respeitando o tempo delas, Porque você não vê ninguém nesse espaço que é delas fazendo outra coisa a não ser falando da criança, a não ser lendo uma teoria, escrevendo alguma coisa.

No mês de julho muitos livros da biblioteca da escola estão emprestados, as pessoas estão sempre inovando, lendo, eu li isso e achei legal, um indica para o outro, as professoras estão sempre fazendo essa troca.

Nesse sentido, o conhecimento profissional vai sendo construído e

reconstruído, em grande parte a partir de situações em que o professor se

envolve no contexto da escola. Como mostra Sacristán:

[...] logo veremos que essa cultura subjetiva não consiste em um produto e em um processo autônomos, isolados dos demais e das elaborações disponíveis da cultura objetiva (teorias moldadas por escrito, por exemplo) . Essa racionalidade, no plano da subjetividade, entra nos processos de aperfeiçoamento participando das razões de outros, em processos de diálogo, e também pode ser auxiliada pela teoria que chamamos científica. Não é nem mais nem menos do que um processo educativo de caráter intelectual. Decididamente trata-se de

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recuperar o conceito de formação, que significa transformação e enriquecimento pessoal a partir das concepções de outros, incluídas as objetivações que chamamos ciência. (SACRISTÁN, 1999; p. 50)

Nessa mesma linha de raciocínio, Nóvoa30 (s/d) defende a idéia de que o

professor deve ter a escola não só como lugar onde ensina, mas também como

um lugar onde se aprende. O contexto da instituição influencia o desenvolvimento

pessoal e profissional do coletivo de professores. Por isso, o autor defende a

seguinte idéia:

O aprender contínuo é essencial em nossa profissão, ele deve se concentrar em dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente. Sem perder de vista que estamos passando de uma lógica que separava os diferentes tempos de formação, privilegiando claramente a inicial, para a outra que percebe esse desenvolvimento como um processo. Aliás, é assim que deve ser mesmo. A formação é um ciclo que abrange a experiência do docente como aluno (educação de base), como aluno-mestre (graduação), como estagiário (práticas de supervisão), como iniciante (nos primeiros anos da profissão) e como titular (formação continuada). Esses momentos só serão formadores se forem objeto de um esforço de reflexão permanente. (NÓVOA s/d)

Apesar de o trio aparecer como um espaço de formação docente,

oferecendo ricas possibilidades de trocas de experiências e crescimento, ele é

motivo de opiniões diversas por parte dos profissionais da escola Chave do

Saber. Assim, a professora Jane tem a seguinte opinião:

Eu acho o trabalho do trio bom, rico. Porque cada uma tem um olhar, então, você tem um olhar maior e mais amplo e assim tem mais condições de discutir sobre as crianças, eu acho que isso requer a criança, mesmo porque cada uma tem uma competência e uma área que gosta e investi mais. Então, eu acho que hoje é muito mais rico, apesar de que a gente ainda tem dificuldades, porque estamos em período de adaptação, a gente está sempre se adaptando.

Ela acredita também que a organização do trabalho em trio contribui para

os projetos desenvolvidos em sala de aula, colaborando para ampliar o olhar do

professor. Eis seu relato:

30 Nóvoa, catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e presidente da Associação Internacional de História da Educação.

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É rico no trabalho com projeto também, porque num mesmo projeto só, amplia muitas áreas, e não precisa ser no mesmo projeto trabalharem as três, mas as três estarem com a mesma visão, é isso que é legal, a visão das três.

Já na perspectiva da professora Antônia, a organização do trio exige

rigidez com relação ao tempo destinado às reuniões de grupo, o que, muitas

vezes, impede continuar uma atividade. Outro aspecto negativo para Antônia diz

respeito à distância do tempo dos encontros dos trios:

O tempo é pequeno, é isso que eu estou te falando o tempo que a gente tem, que é toda sexta-feira, de quinze em quinze dias a gente se reúne duas horas pra discutir as propostas de trabalho das turmas. E é muito pouco tempo e é um tempo, como se diz, é um tempo longe do outro, você vai ter esse tempo para sentar e discutir, mas de quinze em quinze dias. E nesse espaço dos quinze dias, você vai conversando na sua organização de trio uma coisa atropelada, um passando pelo outro. Não tem aquela coisa de sentar os três pra discutir em tempos menores não. É só de quinze me quinze dias e acabou. O tempo pra mim acaba pegando, você está aqui desenvolvendo uma situação, você não tem como prever se vai gastar dez, quinze ou vinte minutos e com essa grade que a gente tem feito aqui no trabalho de trio, você às vezes tem que interromper pra poder atender esse tempo que está determinado.

Para a direção da escola, o trio também é motivo de controvérsias.

Segundo a supervisora Nilva, esta organização apresenta pontos positivos e

negativos, como relata:

Apesar de estar no segundo ano de experiência eu vejo pontos positivos e negativos, mais positivos do que negativos, eu acho que a inexperiência do grupo ainda faz aparecer alguma falhas, principalmente assim no coletivo porque a gente ainda não conseguiu se soltar dos trios para ir para o coletivo que era o objetivo, principalmente porque o projeto é da escola como um todo, como temos vários projetos que envolvem toda a escola, mas ainda tempos dificuldades, mas eu acho que é este ainda o caminho, facilita muito mais e requer muito mais trabalho. Tem muito mais coisas a serem exploradas então, eu acho que na Pedagogia de Projetos seria bem mais fácil o trabalho nos trios, você traz o que você conseguiu, descobriu daquele projeto, o trio tem metas no mesmo projeto, e vão somando e tornando o trabalho mais rico, mais proveitoso, mas para isto precisamos ajustar as arestas que a gente vem enfrentando.

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Argumenta, ainda, Nilva que uma das falhas dos trios é a ausência do

acompanhamento da direção ou supervisão. A proposta inicial seria cada trio ter

um representante, e este encontraria semanalmente com a direção e assumiria

um tempo menor em sala de aula. Na visão de Nilva:

É uma falha da coordenação no meu ver nessa organização do trabalho de trio, porque nós, eu sou uma só, no turno na manhã não tem supervisora, então quem exerce minha função é a Cláudia ou a Sandra, no encontro do trio nós não estamos presente para saber como está sendo desenvolvido o trabalho. Nós elegemos um coordenador para cada trio, mas até agora não está funcionando como deveria. É importante ter um dia de encontro entre a coordenação e o coordenador do trio para a gente discutir o trabalho e o professor apresentar um relatório do que está acontecendo, do que esta sendo vivenciado nas turmas. A coordenação hoje está sendo igual para todos e o coordenador do trio deveria ficar mais fora de sala e Ter um tempo junto conosco. Além disso, deveria ficar menos em sala para atuar como coordenador e isso nós não conseguimos a gente vai tentar no segundo semestre e reorganizar isso e ver o que acontece.

Quanto à diretora Cláudia, um dos principais pontos negativos da

organização do trabalho é a falta de unidade entre as professoras do próprio trio.

O trio, conforme ela relata, tem uma proposta mais ampla de troca e interação do

trabalho desenvolvido em sala de aula:

Essa organização de trio que hoje a gente a escola esta organizada, eu particularmente questiono, eu acho que no trabalho com projetos, por exemplo, fica complicado você trabalhar com trios, eu acho que acaba se fechando, as pessoas são diferentes, se o nosso objetivo maior é a criança ela ganha em ter três pessoas diferentes, mas perde também porque às vezes três pessoas diferentes não consegue fazer uma interação desse projeto, então a gente tem que pesar o que é melhor e o que é pior, tem trio que tem conseguido, de manhã tem dois trios que consegue dentro do que esta proposto uma unidade, estão fazendo os projetos juntas a gente vê que nos outros trios não, que as pessoas acabam definindo as coisas mais sozinhas e eu não sei se é isso que a escola buscou quando fez essa opção por trio, eu acho que essa opção por trio ela é mais ampla, não sei, eu acho que muitas professoras estão se isolando e então você não vê produção coletiva.

Na opinião da vice - diretora Sandra, o trio trabalha com a riqueza das

diversas habilidades que o professor possui. Esse é aspecto que ela identifica

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como positivo na organização do trio. Observo que sua visão do trio se aproxima

da relatada anteriormente pela professora Jane. Eis o seu relato a respeito:

Esse trabalho de trio resgata um pouco as habilidades do professor, porque cada um tem uma habilidade maior para uma área, então eu acho que as crianças ganham com isso, se o professor gosta mais de artes ele trabalha mais com artes, então no trio a gente tem essa questão de habilidades.

Além da troca de experiência que aparece no contexto informal, no trio e

nas reuniões coletivas, o tempo também aparece como um fator integrante na

formação dos saberes docentes. É o que afirmam as professoras Mara e Jane

respectivamente:

Ah eu acho que é o tempo mesmo, o estudo que a gente teve e à medida que você esta trabalhando com essa nova forma ai que você vai incorporando mais, é claro que pelas leituras, pelos colegas, pelo tipo de escola que você entra, mas eu acho que é mesmo o tempo é que ajuda a gente aprender.

A gente vai mudando é ao longo do tempo. O tempo, as leituras que a gente faz, o estudo, eu acho que vai mudando a mudança que a gente vai tendo é interna. À medida que você vai mudando internamente você solta tudo.

De fato, para Tardif (2000a), os saberes dos professores trazem uma

dimensão temporal, pois eles se desenvolvem ao longo de uma trajetória pré -

profissional e na carreira, ou seja, ao longo de um processo temporal de vida

profissional. Assim:

[...] o tempo não é, definitivamente, somente um meio - no sentido de um meio marinho ou aéreo – no qual estão imersos o trabalho, o trabalhador e seus saberes; também não é unicamente um dado objetivo caracterizado, por exemplo, pela duração administrativa das horas ou dos anos de trabalho. É também um dado subjetivo, no sentido de que contribui poderosamente para modelar a identidade do trabalhador. É apenas ao cabo de um certo tempo – tempo da vida profissional, tempo da carreira – que o eu pessoal, em contato com o universo de trabalho, vai pouco a pouco se transformando e torna-se um eu profissional. A própria noção de experiência, que está no cerne do eu profissional dos professores e de sua representação do saber ensinar, remete ao tempo, concebido como um processo de aquisição de um domínio do trabalho e de um certo conhecimento de si mesmo”. (TARDIF, 2000a; p. 239)

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A dimensão temporal foi também enfatizada pela professora Antônia ao

relatar uma mudança interna, surgida a partir de um tempo de experiência no

trabalho com projetos. A tentativa de ensinar de um jeito diferente, vivida pela

professora, é marcada pelo tempo, conforme mostra seu relato:

Eu tinha uma necessidade de trabalhar que eu não identificava como Pedagogia de Projetos, era uma postura mais construtivista, respeitando o processo e que nem eu mesma sabia que era isso. Os meus questionamentos e o tempo me levaram a isso. A resposta eu fui encontrar na Pedagogia de Projetos, mas era uma busca que eu tinha na minha prática, estar atendendo a necessidade da criança, caminhar com as coisas de acordo com o interesse delas e respeitar o processo. Eu já tinha alguma coisa interiorizada enquanto postura de trabalhar com Projeto, apesar de nem saber que isso chamava projeto. Mais ao longo do tempo a gente vai encontrando algumas respostas para as nossas posturas, que no meu caso, é uma postura sempre muito reflexiva.

A professora Mara também fala de uma mudança que incorporou com o

passar do tempo que interferiu positivamente, em sua postura:

A cada dia que a gente vai trabalhando a gente muda muito, a gente muda de postura até de uma escola pra outra. Aqui Na Chave do Saber trabalhamos muito com Pedagogia de Projetos, quando você menos assusta você está desenvolvendo projetos na outra escola. Eu acho que a gente muda muito com o tempo, tanto a postura, quanto o olhar que você tem com seu aluno.

Para Sacristán (1999), os professores vão adquirindo marcas da ação

educativa ao longo de determinado tempo e de sua interação com o contexto

institucional. De acordo com o autor:

É conveniente lembrar que a estabilidade da ação, sua continuidade, tem raízes na própria ação, na capacidade dos seres humanos de tornarem-se atores no decorrer de suas ações. Podemos expressar-nos com certa originalidade em cada momento, mas não podemos invertar-nos constantemente, ou seja: as marcas da ação geram cultura subjetiva. Com essa capitalização da ação em termos de experiência e de conhecimento sobre a mesma, que ocorre em cada indivíduo, não apenas economizamos, mas forjamos a identidade. Há também uma reprodução de si mesmo ao longo do tempo, adquirindo uma maneira de agir contínua, fundamentada em determinadas coordenadas que dão a

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cada pessoa um estilo pessoal estável, que, em contrapartida, pode dificultar sua adaptação a novas situações. (SACRISTÁN, 1999; p. 71)

O tempo também surge, em outro sentido, como um dificultador do

investimento na carreira, como acredita a professora Mara:

O tempo eu acho que uma coisa que pega muito, a gente vem trabalhando em duas escolas, quando chega a noite você vai procurar algum material e o tempo é reduzido porque também tem outras coisas pra a gente fazer. Aqui na escola nós estamos com o tempo muito curto também, a Chave do Saber, ela sempre ofereceu cursos eu até falei com a Jane e com a Antônia que eu estou sentindo falta desses estudos que a gente tinha, quando eu vim trabalhar aqui, a gente tinha muito estudo e esse ano eu não sei, está tudo muito atropelado.

Retomando a análise das reuniões, para a professora Antônia elas

continuam sendo uma prática na Chave do Saber. Contudo, em sua avaliação, a

atual organização do cotidiano da escola está levando ao empobrecimento das

reflexões sobres as práticas, fato que era comum ocorrer antes, como retrata este

depoimento:

A gente tinha os momentos para trocas no coletivo, falávamos como a gente estava encaminhando alguns projetos, algumas pessoas davam opiniões, a gente colhia idéias era muito rico. É uma questão da administração, é uma questão do nosso dia-a-dia, a organização nossa que está perdendo muito em relação à Pedagogia de Projeto. As discussões continuam sendo uma prática, contudo eu, particularmente, acho que a minha prática está muito mais empobrecida. A minha, eu estou fazendo a minha avaliação.

De acordo com esse fator comprometedor da formação do grupo é o tempo

gasto nas reuniões coletivas com questões de ordem administrativa, com

excessos de registros burocráticos além da falta de assiduidade de professores

por motivo de doença. São palavras de Antônia:

A gente está ficando muito nas discussões do administrativo, comprometendo os estudos, porque são tantas coisas que a Prefeitura manda de última hora que a gente vai correndo contra o tempo. Quase todo dia tem reunião na hora do recreio para discutir questões administrativas, avaliação de desempenho, paralisação, questão salarial, um monte de coisa. No momento da nossa reunião de estudo,

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lá vem questões administrativas e não são questões da administração atual, em todas as administrações tem problemas, mas cada ano que passa vai ficando pior. Antes não era assim a gente tinha tempo para estudar, estudávamos muito mais e nos organizávamos melhor. Hoje a correria está deixando muito a desejar o nosso estudo. Tem muita escrita para fazer, caderno de chamada que era uma escrita que a gente não fazia tanto, hoje, você tem que fazer muita coisa. Registra muita coisa no caderno e na verdade o tempo que você tem pra isso é muito curto. Não dá tempo pra você fazer tudo. Tem muito professor faltando por motivo de doença, e quando um professor falta tem que ajustar a rotina toda e o tempo diminui mais ainda.

Outro fator, apontado pela professora Antônia, que compromete as

reuniões é a falta de respeito dos colegas para ouvir o outro. Referiu-se, ainda

Antônia à dificuldade de alguns para apresentar idéias para o grupo de maneira

verdadeira e honesta:

Hoje em dia, as pessoas não nem essa escuta ninguém pára, quando eu falo, eu gosto que me olhem igual você está aqui agora, eu estou falando com você e sei que você tá me escutando, mas no grupo de estudo nas escolas isso acontece muito. A gente está falando as pessoas estão ansiosas, é muita conversa paralela. Eu nunca vi tanta conversa paralela igual em reunião de escola, as pessoas não si colocam, parece que tem medo de se colocar, tem medo de falar o que elas pensam e eu não gosto, quando eu não consigo falar do jeito que eu penso, com a minha honestidade eu prefiro ficar calada.

Insatisfação também pude perceber nos relatos da diretora e vice –

diretora. Assim, a vice-diretora Sandra comentou sua frustração em relação ao

acompanhamento do trabalho pedagógico das professoras. Ela acredita que seu

papel de membro da direção da escola e responsável pela formação continuada e

em serviço das professoras está deixando a desejar. O motivo disso, na opinião

dela, já mencionado também pela professora Antônia, é a intensa solicitação da

Rede Municipal. A propósito, eis seu relato:

As reuniões não têm acontecido como a gente gostaria, quando eu tenho um encontro marcado com o coordenador do trio, o que acontece, ligam da regional e diz você tem reunião amanhã, você tem que vir aqui então fica muito fragmentado. A gente não deu conta desse papel de está executando esse papel, é muito frustrante, demais da conta, a gente entra na sala e conversa com uma, com outra. No dia marcado para o encontro com a coordenadora do trio o telefone toca um dia antes e avisam, tem uma reunião na regional e tem que trazer um documento entendeu então não tem esta acompanhando o trabalho. Eu

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acho que no final do ano a gente vai ter que sentar para rediscutir essa organização porque o pedagógico esta prejudicado desde o ano passado.

Analisando o depoimento da diretora Cláudia, percebi, também a mesma

insatisfação da vice-diretora Sandra. Para Cláudia o tempo do estudo está sendo

ocupado por questões políticas e administrativas. A direção tenta resolver alguns

conflitos sem envolver o coletivo:

Complicado tem sido a direção está mais perto das professoras eu estou tão cansada, para a direção este ano é um ano atípico, porque a escola nunca vivenciou momentos tão conturbados igual este ano. Primeiro foi um processo de terceirização que a prefeitura implementou, depois foi a avaliação do desempenho e agora essa discussão do profissional da Educação Infantil e veio tudo muito junto assim, muitos problemas administrativos, problemas que não estão dentro daqui da escola, são muito maiores que os problemas daqui de dentro, infelizmente são coisas que não tem jeito de não mexer com o coletivo da escola. Por exemplo no início a terceirização, como é que você vira para um coletivo desse e fala que a escola vai ter que contratar e que se não for assim eles vão ter mobilizar e brigar, ir em assembléia e aí em que espaço que você tem pra esta articulando isso, é o espaço que o coletivo tem e se não fosse essa articulação com certeza a prefeitura tinha feito essa terceirização pela escola, depois a avaliação do desempenho a gente não acreditava que ela ia sair e a prefeitura fez a toque de caixa e deu no que deu aquela coisa horrível a nossa escola foi avaliada errada e essa confusão toda. Esse processo foi horrível, quer dizer, as coisas tem acontecido e a gente fica com uma ansiedade, querendo fazer tudo, querendo agradar todo mundo se não fosse a Sandra do meu lado eu poderia ter tido mais problemas porque ela por ser muito ponderada ajuda muito a gente conversa e tenta não esta passando todos os conflitos que a gente vê aí fora para o grupo porque vai acabar com esse furor todo do coletivo.

Mas não são só essas as dificuldades enfrentadas por essa diretora.

Mencionou também a dificuldade em articular um horário para convidar

profissionais para participarem das reuniões do grupo. Ela fez referência também

ao seu desejo de fazer um estudo verdadeiro. Em minha visão o sentido da

palavra verdadeiro pode ser interpretado como algo que aconteceria de verdade,

não tendo as reuniões apenas a denominação de grupo de estudo e na verdade,

caindo nas constantes situações de resoluções de problemas não atendendo,

pois, as de ordem pedagógico. A diretora Cláudia explica, com detalhes, essa

questão:

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A gente tinha dois projetos, eu e Sandra iríamos trazer uma pessoa para estar falando sobre o brincar nesse primeiro semestre e uma sexóloga da Apae. A sexóloga veio, mas só conseguimos montar um horário no final desse semestre, o brincar eu acho que nem no segundo semestre nós vamos conseguir colocar, então você fica assim em quê que você esta ajudando na formação dessas professoras, aí você fica com uma sensação de impotência você vê as pessoas interessadas, e ficamos pensando, talvez se tivesse tido feito o momento com o profissional sobre o brincar, talvez uma discussão sobre o portfólio, o registro estava muito mais fácil para as professoras fazerem, porque elas iam ter todo um embasamento teórico pra escrever, e aí a escola não proporcionou este momento para as professoras, como é que você faz um registro de brincadeira, como é que você consegue colocar no papel uma teoria se você não teve um embasamento de alguém, eu me sinto assim frustrada. Acho que no segundo semestre eu e a Sandra já conversamos, acho que vamos uma vez por mês fazer um grupo de estudo verdadeiro, e aí vai ter que ser sábado não vai ser sexta, porque dentro da nossa organização nós temos alguns sábados para pagar, então eu já estou olhando algumas pessoas, e correndo atrás para vir falar sobre alguns temas.

A diretora Nilva também acredita que a falta do tempo é um fator prejudicial

à formação continuada dos professores. De acordo com ela:

[...] quando a gente vê critica da escola hoje é justamente isso o professor com esta vida atribulada de trabalho em duas, três escolas ele não tem como pesquisar como aperfeiçoar o trabalho dele, ele não tem como ir além do que ele conhece porque ele não tem este tempo, e para trabalhar bem com a criança e fazer com que esta criança avance e tenha interesse por estudar ele tem que ter esta procura junto com o aluno, construir isto junto com o aluno então ele tem que pesquisar e é o tempo que ele quase não tem hoje.

Pude observar que a questão do tempo, de fato, incomoda muito as

diretoras. Sempre que possível, referiam-se a ele. Assim, o tempo aparece como

empecilho para a formação em serviço, do grupo de professoras já que a

dinâmica da escola era intensa o que, muitas vezes, obrigava o grupo a eleger

prioridades. Ressalta a diretora Cláudia:

Como a rede, a gente tem também um tanto de coisas para estar tratando. Nós deixamos muito a desejar os estudos sobre a pedagogia de projetos, mas a gente quer retomar os estudos igual aos que a gente tinha antes, com certeza eu quero retomar.

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O sentimento dessa diretora em relação ao estudo do conteúdo realizado

no trabalho com projetos era de insatisfação, pelo menos, à época em que

desenvolvia minha pesquisa. Por outro lado, manifestou-se o desejo de retomar

tais estudos com o grupo dada a sua importância. A professora Jane, que é

professora da Chave do Saber desde o seu surgimento, também fez referências

aos estudos da pedagogia de projetos. Em suas palavras:

[...] nós corremos atrás, tudo o que agente via em revistas, jornais, livros, e em outras escolas, a gente buscava mesmo, sabe? A gente via o que as pessoas estavam fazendo, a gente buscava dentro daquilo que agente estava pensando, parecíamos traça de livro.

Esse depoimento da professora Jane confirma a opinião da diretora

Cláudia. O tempo verbal utilizado pela professora, - o pretérito - denuncia certo

saudosismo relacionado a uma atitude de busca que parece não acontecer mais

na escola. Mais adiante, essa mesma professora aponta o fator financeiro como

outro empecilho. Nesse caso, reclama do fato de o próprio professor ter que

assumir o custo dos cursos de formação continuada. E disse: a gente tem que

estudar tem que investir com o nosso próprio suor, dinheiro, mas quase nunca

isso é possível.

Nessa mesma direção a diretora Nilva, como a professora Jane, referiu-se

ao salário como dificultador da formação continuada do professor. A propósito:

A prefeitura que fazia o pagamento à gente na realidade professor não tem condições de bancar, esses cursos são caríssimos porque trazem pessoas estrangeiras, o que há de mais moderno, então, o professor não tem dinheiro pra pagar. Depois que a prefeitura parou de bancar eu não fiz mais, eu só faço aquilo que ela banca, eu não tenho condições de freqüentar um curso desses, mesmo gostando e tentando investir, mas se eu for investir nisso vai me fazer falta no dia-a-dia, eu não vou cumprir com os meus compromissos. Então, a gente às vezes tem até muita vontade, chega folder dos cursos, mas hoje você não pode fazer com o salário que nós temos, não tem como, só mesmo essa formação em conjunto, são pouquíssimos professores que conseguem continuar, atualizando.

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De acordo com Vasconcelos (2001), é comum o aspecto salarial ser posto

como justificativa para algumas posturas dos professores. Mas não se deve

esquecer que,

[...] o que está em questão é algo muito mais profundo: com a remuneração dada hoje aos professores, está se colocando em risco o próprio futuro da profissão, uma vez que os jovens mais talentosos, como apontamos, mesmo que tenham uma inclinação para o magistério, sente-se totalmente desmotivados, ao constatar a situação dos professores, e para isto não precisam ir muito longe: basta ver seus próprios mestres. (VASCONCELOS, 2001; p. 183)

As professoras, por sua vez, também me apresentaram empecilhos que

afetavam a disposição para os estudos, como relata a professora Jane:

Nossa, eram textos e mais textos, estudávamos 7 de setembro, à noite, era grupo de estudo com Norma porque ela está aqui na escola desde o começo também, ela é psicóloga. E a gente começou a comprar livros e mais livros pra buscar, a gente começou a acreditar mesmo no construtivismo.

Minha análise acerca desses empecilhos, apontados pelas professoras foi

feita à luz das fases identificadas por Huberman.31 De acordo com os estudos

desse autor, as professoras já passaram da fase de estabilização na carreira, o

que significa o reconhecimento de pertença a um grupo profissional - a

independência. Já a fase de estabilização precede um sentimento de

competência pedagógica. A partir da fase da estabilização, os estudos

diversificam, as pessoas ficam mais ousadas e experimentam novas práticas de

ensino. Esta busca de novos desafios responde a um certo receio de cair na

rotina. Esta fase é chamada de diversificação. A fase de diversificação cede lugar

a um longo período denominado por Huberman pôr-se em questão. É nesse

momento em que as pessoas examinam o que já fizeram. Essa fase ocorre

geralmente no meio da carreira, período não muito preciso que se inicia aos 35

anos e prolonga-se até os 50, ou seja, entre os 15 e o 25 anos de carreira. O

31 Huberman desenvolveu um estudo sobre os ciclos de vida (1971,1974) e posteriormente (1979), se orientou no sentido da docência, sua opção é pesquisar o ciclo de vida profissional a partir da carreira.

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autor relata a importância de relativizar os períodos, mostrando que nem todas as

seqüências são vividas por todos e não têm que apresentar linearidade.

Aliado à fase de pôr-se em questão, apontada por Huberman, está o fato

de que a Pedagogia de Projetos já não representa inovação. A certeza de uma

prática de sucesso faz com que as professoras invistam menos.

Além da fase profissional, vivenciada pelos atores entrevistados, os

profissionais do Jardim Municipal Chave do Saber demonstravam, à época da

pesquisa, uma falta de estímulos com o trabalho. Segundo a diretora Cláudia,

motivada pelas políticas públicas municipais:

Atualmente a gente está pra sair da escola e eu acho que este fato é mesmo um balde de água fria na fogueira da Chave do Saber, porque você vê que as pessoas estão tão desestimuladas que a escola tem 15 anos, mas aqui tem pessoas que tem 17 anos que investe nisso, na verdade tem 10 anos que eu invisto, tudo que eu leio e busco é dentro da educação infantil. Se hoje a rede tem projetos formadores, muitos saíram aqui da Chave do Saber, se hoje tem um tanto de texto do brincar da música, do movimento, da pedagogia de projetos, muita coisa saiu aqui desse coletivo, que trabalha com a Pedagogia de Projetos que estudou pra isso que garantiu isso, eu acho que o momento nosso agora aqui, é muito pra baixo, o pessoal está muito desanimado, todo mundo...Ah! a gente esta indo embora sabe, então estamos desanimadas, sem motivação a prefeitura realmente ela esta perdendo, ela esta achando que ela esta economizando com esta política.

Expressou, também, em dado momento da entrevista, sua decepção em

relação ao trabalho feito pela Secretária Municipal de Educação (SMED). Daí

aproveitou a oportunidade para reforçar quanto os aspectos políticos

administrativos a consomem e, com isso, prejudicam a formação das professoras.

Pude observar que o cargo ocupado pela diretora levava-a, muitas vezes, a

momentos de desânimo, contrariando sua idéia de que administrar, gestar uma

escola fosse diferente podendo dedicar mais tempo ao pedagógico, conforme

comenta:

A Secretaria e a regional não estão muito preocupadas com o pedagógico não, elas estão preocupadas é com o administrativo, com as finanças, o pedagógico dentro da prefeitura não está como eu imaginava, eu imaginava que a escola, a parte pedagógica fosse mais respeitada, o administrativo é muito mais preocupante dentro da própria secretaria de educação do que o pedagógico. Eles estão preocupados em fazer, e acontecer, é visto que a avaliação do desempenho foi um

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fato desse, eles não viram se as escolas estavam preparadas para responder uma avaliação daquela, eles estavam preocupados em fazer, porque financeiramente pra eles era mais cômodo, então eu tenho tido momentos de muito desânimo, eu imaginava que administrar, gestar uma escola fosse diferente, eu pensei que poderia estar dedicando mais tempo para o pedagógico e eu não estou tendo tempo, não me sobra tempo, um dia você esta marcado de encontrar com um trio, aí ligam pra você e falam que as tantas horas eu tenho que estar lá e isso atrapalha o encontro com as professoras, compromete a formação, porque em que momento a direção vai estar mais junto delas, se a gente tem que estar passando para o coletivo todas as coisas administrativas, e então o pedagógico fica a desejar.

Já na visão da diretora Nilva, a Prefeitura passou a investir muito menos

nos cursos depois que se criou o CAPE. E para a vice-diretora Sandra, a

formação oferecida pelos profissionais do CAPE era de qualidade, até mesmo

porque não era qualquer pessoa conseguia entrar. Mas também apontou suas

críticas. Entretanto, na sua perspectiva:

A questão do CAPE é um pouco complicada, porque ele não atinge o público todo que deveria, quando tem um curso, uma palestra eles tiram um representante de cada escola, então é um público muito pequeno, é um universo muito pequeno em relação ao numero de professores que tem na rede, essa formação deveria ser na escola, porque é muito complicado você mandar uma pessoa e ela vai representando a escola. Mas cada um tem uma visão diferente quando assiste o curso e a pessoa privilegiada é quem foi e carrega o conhecimento.

Em suma, uma das críticas apresentadas pela maioria dos atores da

pesquisa refere-se ao investimento da rede em propostas de formação continuada

por representatividade. Essa forma de capacitação não é tão eficaz, pois beneficia

poucos, particularmente aqueles que têm a oportunidade de representar a escola.

Já na opinião da diretora Sandra o CAPE nem sempre oferece a escola a

demanda em determinado momento. Sendo assim, ela sugere o seguinte:

Deveria ser assim, partir da demanda da escola, da dificuldade da escola, então o CAPE se organizaria para oferecer uma formação na escola. Muitas vezes o que eles têm pra oferecer não é o que a escola precisa, não é a demanda da escola, então tem a demanda deles, mas da escola é outra, então eu acho que diverge um pouco há não ser que a gente faça igual a gente fez a gente precisa disso e você tão dispostos a esta ajudando a gente nisso, ai eu acho legal, mas nem sempre e assim eles tem uma proposta mas a demanda da escola é outra. A escola pode levar uma proposta, mas nem sempre eles podem atender

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porque eles são poucos, o número de pessoas que tem lá eles não dão conta de atender a demanda especifica daquela escola.

De acordo com o seu ponto de vista, a proposta de formação de

professores da rede é mais eficaz e interessante quando responde às demandas

da escola32. Os depoimentos da supervisora Nilva e da professora Jane revelaram

o mesmo sentimento da vice-diretora. Elas acreditam em propostas como o G90,

como revelam estes relatos:

A prefeitura destinou uma verba para o acompanhamento nas escolas para facilitar o trabalho e dar mais suporte para as escolas desenvolverem os projetos que estão com mais necessidade, onde a nossa está tendo demanda é sobre a sexualidade, já tivemos acompanhamento deles na questão do meio ambiente. Nós também solicitamos ajuda para montarmos um laboratório de ciências, porque tem muito tempo que a gente esta querendo montar esse laboratório.

Agora com o G90, a gente vai ter um suporte em cima daquilo que estamos precisando, a demanda que agente esta necessitando no momento é sobre a sexualidade e a gente não tem competência pra tudo, então é muito bom.

Apesar de acharem interessante a proposta de formação do G90, as

professoras criticaram sua organização do trabalho, questionaram o número de

profissionais reduzido para visitar e acompanhar as escolas e as visitas e

encontros em intervalos de tempo grande. Na visão deles, isso compromete a

qualidade do trabalho.

Todavia, o desencantamento vivido pelos atores da pesquisa no momento

da entrevista, não apagou o brilho da constante busca pelo saber, presente no

relato das professoras e diretoras do Jardim Municipal Chave do Saber. O prazer

advindo da produção do conhecimento é inegável e, quem sabe, motivo para

novos sonhos e investimentos. Nesse sentido, parece-me oportuno o comentário

da professora Jane:

Essa escola aqui é uma escola muito dinâmica, nós estamos sempre buscando, criando, e nunca esta 100%.... Um trabalho que a gente

32 No momento da pesquisa, a escola estava sendo acompanhada por profissionais da rede, que desenvolviam projeto denominado G90, cuja a proposta de trabalho era aprofundar a questão da sexualidade.

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gosta, a gente esta sempre em busca, nunca está satisfeito, isso significa que sempre queremos alguma coisa nova, renovar sempre...

Mas a escola, de um modo geral, está proporcionando, ela proporcionava e continua proporcionando, a escola, a nossa escola, Jardim Municipal Chave do Saber, não é a rede, é diferente, tá? A Chave do Saber tenta investir nisso sim, pra nós, pra equipe de professoras, quando a gente pede, a escola busca.

Para compreender essa forte ligação das professoras com a Escola Chave

do Saber, que é revelada na percepção da escola como um espaço onde pensar

e viver de outra maneira a educação era possível, parece-me necessário voltar à

gênese dessa instituição, ao momento de sua implantação. Muito da relação das

professoras com a escola se explica, em parte, pela sua história. Como já foi

mencionado, o Jardim Municipal Chave do Saber constitui desde sua criação uma

referência de luta, de sonho, de inovação. Ingredientes esses importantes para a

construção de uma escola inovadora e de qualidade para as camadas de classe

popular. Foram esses referenciais que levaram a ex-diretora Rosa e um grupo de

professoras a se aventurarem em mudanças de pensamentos e de práticas

pedagógicas, superando o modelo da pedagogia tradicional. A supervisora Nilva

faz referência a esses profissionais no seguinte relato:

Nós temos um privilégio na escola pública, desde que o Jardim Chave do Saber foi fundado, o grupo de profissionais foi escolhido, não foi imposto pelo sistema. Eram pessoas que realmente queriam trabalhar com Educação Infantil e que tinham um ideal neste segmento.

A ex-diretora Rosa, partindo de uma concepção de educação diferente do

modelo que vigorava em muitas escolas públicas e particulares naquela época

trouxe à tona questões presentes no universo de valores socioculturais das

professoras. A criação dessa escola influenciou os princípios que orientavam a

nova proposta influenciaram na organização da estrutura da escola e a cultura do

corpo docente. Nessa perspectiva, a atuação da diretora foi muito importante para

que a escola assumisse uma postura inovadora. Inovação, aqui, entendida no

sentido que lhe é atribuído por Carbonell, e traduz:

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[...] um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas. E, por sua vez, introduzir, em uma linha renovadora, novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da classe. (CARBONELL, 2002; p. 19)

Como assinala esse autor, a inovação educativa impõe um desafio às

professoras: construir uma nova maneira de pensar a educação e agir como tal.

Ora, romper com uma cultura profissional já interiorizada demanda tempo e

empenho da direção da sede junto ao corpo docente.

Nesse ponto, devo esclarecer, aqui, que o apoio dado pela direção da

escola foi considerado pelas entrevistadas um elemento-chave na definição da

filosofia da escola. Todas as professoras, diretoras e supervisoras realçaram a

competência da ex-diretora Rosa e seu desejo de começar uma escola inovadora,

partindo das experiências já vividas no coletivo. A professora Jane fez o seguinte

comentário a respeito:

A Rosa foi a primeira diretora daqui, da nossa escola, inclusive ela foi chamada justamente porque ela já tinha, tinha não, ela tem uma visão muito ampla sobre educação. Ela é uma pessoa muito, muito capacitada, eu sou apaixonada por ela até hoje, amo a Rosa. Ela acreditava no construtivismo e quando era professora ela fez um livro com textos dos alunos que foi premiado. Ela já acreditava na pedagogia de projetos.

Nessa época nossa diretora tinha uma vista muito além. Então ela foi chamada pra ser diretora aqui e foi onde a gente pôde buscar mesmo, a gente estudava de manhã, estudava à noite, feriado, pra gente não tinha nada que impedisse não, era buscar mesmo, livro, revista. Foi uma luta mesmo, do interesse nosso.

A professora Jane usa a expressão a gente para ilustrar uma situação de

busca que se deu no coletivo. Nesse sentido, Tardif afirma:

A atividade docente não se exerce sobre um objeto, sobre um fenômeno a ser conhecido, ou uma obra a ser produzida. Ela se desdobra concretamente numa rede de interações com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano é determinante e dominante, e onde intervém símbolos, valores, sentimentos, atitudes, que constituem matéria de interpretação e decisão, indexadas, na maior parte do tempo, a uma certa urgência. Essas interações são mediadas por diversos canais: discursos, comportamentos, maneiras de ser, etc. Elas exigem

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portanto do(a) s professores(a) s, não um saber sobre um objeto de conhecimento, nem um saber sobre uma prática e destinado principalmente a objetivá-la, mas uma capacidade de se comportar enquanto sujeito, ator e de ser uma pessoa em interação com outras pessoas. (TARDIF, 1991; p. 228)

Ainda a respeito da diretora Rosa, segundo a diretora Cláudia, ela já

pensava numa escola com uma prática diferente quando iniciou o trabalho no

Chave do Saber e conseguiu agregar o grupo em torno dessa idéia, despertando

um verdadeiro furor pedagógico. A supervisora Nilva e a professora Jane,

respectivamente fizeram os seguintes comentários a esse respeito:

Ela passou pra gente essa idéia de que era possível fazer algo diferente, quando ela formou o grupo ela encaminhou esse grupo pra esse trabalho. Ela é formada em Letras e Pedagogia também, ela era muito estudiosa, viajava muito, trabalhava muito com universidade e tinha uma visão muito avançada da Educação Infantil, aquilo que a LDB prevê, ela já tinha uma visão, ela sempre foi muito politizada, batalhava nos meios políticos e tinha bastante influencia.

Nós vamos ter que acreditar naquilo que a gente está fazendo, vamos correr atrás, vamos buscar, e nós fomos.

Por outro lado, a ex-diretora Rosa encontrou, no grupo de professoras,

pessoas interessadas, abertas a experimentar mudanças e com vontade de

compartilhar objetivos que visassem à transformação do espaço escolar. De

acordo com a professora Jane, para ser professora na Escola Municipal Chave do

Saber, era necessário identificar-se com os objetivos do grupo, vestir a camisa,

não medindo esforços para sua consecução.

Quem não engajasse, quem não estivesse de acordo, tudo bem, poderia ir embora, não tinha problema nenhum dizia a Rosa. E a gente ficou, porque realmente a gente sofria aqui, estudava, chegava aqui e não era nada daquilo, voltava tudo em dobro, sabe? Nós sofremos pra montar essa escola pra gente. Até abrir mesmo a cabeça da gente, porque a gente estava vindo de uma prática muito bitolada e pronta. E querendo ou não a gente vinha de uma coisa pronta, daquela coisa assim tradicional e a gente estava tentando montar uma coisa diferente, que na verdade não era nem diferente, na verdade a gente estava tentando buscar coisas que não fossem tão massacrantes para as crianças daquela idade.

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A preocupação de Rosa em unir as professoras em torno de um projeto

não era ocasional. Como Tardif, ela acreditava que:

Um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber – fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta.(TARDIF, 2002; p. 230)

A partir dessa visão de professor, Rosa acreditou que poderia formar uma

escola diferente, não sozinha, mas junto com um grupo de professoras que

utilizassem seus conhecimentos e suas experiências para se desenvolverem no

cotidiano escolar. Nessa perspectiva, Tardif, refere-se aos saberes docentes,

afirma que “todos os saberes que eles adquiriram durante a vida inteira e que

podem partilhar com um grande número de indivíduos, desempenham um papel

no ensino”. (TARDIF, 2002; p. 218)

Retornando ao depoimento da professora Jane, ela usa a palavra sofremos

para expressar o sentimento de cumplicidade do grupo em relação às mudanças

que elas desejavam construir. Assim, além do constante incentivo da ex-diretora

Rosa, o desejo e o compromisso das professoras foram fundamentais para que a

Chave do Saber constituísse uma escola diferente, pois como mostra Carbonel,

quando as inovações partem de propostas vindas de fora, sem participação dos

docentes, circunscrevem-se em mudanças periféricas. Segundo o autor:

As reformas verticais, concebidas de cima para baixo, assim como os modelos de mudanças baseados no saber dos especialistas e nas prescrições legais, reproduzem na escola a divisão técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e planejam e as que se limitam a receber instruções e executá-las mecânica e passivamente. (CARBONELL, 2002, p. 27)

As mudanças no Jardim Municipal Chave do Saber partiam de um

movimento de horizontalidade, fruto de um grupo que tinha vontade de tentar

percorrer outros caminhos em relação aos conteúdos e aos modos de aprender e

ensinar a educação infantil. Walling e Berg (1983), apud Hernández et al (2000)

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fazem uma distinção entre reforma e inovação, que vai ao encontro do que o

grupo da Chave do Saber buscava modificar:

A reforma é um processo que, em linhas principais, pretende modificar as metas e o marco global das atividades da instituição educativa, deixando em segundo plano a atenção aos métodos de trabalho escolar. No entanto, falar de inovação significa modificar as formas de atuação como resposta a mudanças nos alunos e implica uma organização diferente do trabalho, para a qual devem ser utilizados métodos mais eficazes.(HERNÁNDEZ et al, 2000; p. 26)

Com efeito, para empreender um trabalho inovador na escola foi preciso

muito querer e compromisso do grupo, o que exigiu novas aprendizagens e ricos

momentos de formação. Esses encontros são lembrados pela diretora Cláudia e

pela supervisora Nilva, respectivamente, nos seguintes comentários:

Esse grupo vinha estudava, lia, quer dizer não se ganhava nada por isso, era um investimento na formação mesmo, de conhecimento, que foi muito importante.

A gente tinha um grupo de estudo que encontrava duas, três vezes durante a semana, encontrava fora do horário de trabalho, durante a nossa formação a gente formou porque a gente queria ser um profissional de qualidade, não é porque a gente estava visando ganhar mais, foi porque a gente queria fazer um trabalho de qualidade com a criança.

Os profissionais da Chave do Saber assumiram, pois uma prática

organizada a partir dos projetos de trabalho concomitante com a perspectiva da

formação continuada. As professoras reviram suas práticas tradicionais e

tentaram dar um passo à frente. O rompimento da prática de cada uma

possibilitou/resultou um processo reflexivo, um movimento de ação – reflexão –

ação. A perspectiva assumida por essas professoras em seu processo formativo

pode ser mais bem entendida a partir das considerações de Zeicnher às

contribuições de Shon (1989) sobre o ensino enquanto prática reflexiva. Para

esse autor,

[...] a reflexão – na – ação refere-se aos processos de pensamento que se realizam no decorrer da ação, sempre que os professores têm necessidade de reenquadrar uma situação problemática à luz da informação obtida a partir da ação, desenvolvendo experiências para

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conseguir respostas mais adequadas. Aqui a reflexão serve para reformular as ações dos professores no decurso da sua intervenção profissional. Por outro lado, a reflexão – sobre – a – ação refere-se ao processo de pensamento que ocorre retrospectivamente sobre uma situação problemática e sobre as reflexões - na – ação produzidas pelo professor. (ZEICHNER, 1997; p. 126)

Observei, pois, esse processo reflexivo, atrelado ao investimento teórico,

citado pela diretora Cláudia e pela supervisora Nilva, na organização do cotidiano

pedagógico, desde a criação da escola. Carbonell cita o embasamento teórico

como um dos elementos necessários para que a inovação educativa não seja

feita apenas de acessório e aparência. A propósito, cito algumas frases-chave

extraídas da obra desse autor:

A inovação procura traduzir idéias na prática cotidiana, mas sem esquecer-se nunca da teoria, conceitos indissociáveis.

A inovação é conflituosa e gera um foco de agitação intelectual permanente.

A inovação procura converter as escolas em lugares mais democráticos, atrativos e estimulantes. (CARBONELL, 2002; p. 21)

Posto isso, retomo a análise do papel da ex-diretora Rosa na Chave do

Saber. Seu trabalho, baseado na valorização do trabalho coletivo e no estudo das

teorias no campo educacional, foi tema abordado pelas professoras. Elas

atribuem à ação de Rosa caráter mediador no processo de formação do grupo.

Nesse sentido, a atuação dela teria estimulado a construção da autonomia no

contexto das relações, conforme indica o depoimento da professora Jane, que

atua na escola desde seu surgimento:

[...] ela investia, ela buscava, ela mandava a gente buscar, ela fazia a gente correr. Ela é o tipo da pessoa que incentivava muito a gente. Porque a nossa visão aqui, realmente mudou muito, porque a Rosa ela abriu a nossa cabeça. A gente vinha daquele sistema anterior, silábico. Eu acreditei desde dessa época, que a gente ia crescer. A gente se reunia pra montar o projeto político pedagógico, estudava buscava, era Piaget, Emília Ferreiro, Vygotsky.

O uso da palavra mandava, pela professora Jane nesse comentário parece

ter o propósito de caracterizar uma situação estimuladora, já que em seguida ela

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faz referência à diretora como o tipo de pessoa que incentivava muito a gente. O

incentivo à busca aparece aliado à convivência solidária dela com a diretora. Isso

está claro na seguinte colocação dela: “quando eu tinha uma dificuldade a direção

sempre me ajudou”.

A professora Antônia também menciona a forma de relacionamento

estabelecida entre a ex-diretora Rosa e ela e de Rosa as outras professoras:

A diretora Rosa era uma pessoa muito próxima, a escola toda gostava dela, a gente conversava muito sobre o trabalho desenvolvido.

Aliás, segundo a supervisora Nilva, Rosa era atenta a tudo. A propósito, na

época de sua gestão, ela descobriu que o MEC desenvolvia um trabalho de

assessoria técnica, voltado para a educação infantil e conseguiu integrar a escola

nesse projeto, estabelecendo uma rede de trocas. Nilva, assim, relatou este fato:

A Rosa conseguiu que nós participássemos dos cursos que eram ministrados geralmente pelo MEC, nas férias e até mesmo no período de aula mesmo. Os profissionais que ministravam esses cursos começaram a conhecer a escola e duas delas se propuseram a fazer um trabalho de observação e assessoria33. Aqui na escola, com a pedagogia de projeto mesmo, já que era a visão da Rosa e da gente. Então nós formamos um grupo de cinco pessoas, duas supervisoras, que naquela época éramos duas supervisoras, Rosa e as duas profissionais do MEC. Cada uma de nós ficávamos em uma sala de aula e depois a gente socializava e relatava as práticas, em reunião coletiva, relatava tudo aquilo que tinha acontecido nas salas e era onde a gente procurava depois fazer as intervenções no dia de estudo, primeiro observava pra depois ter uma visão do todo quê estava acontecendo nas salas de aula. A partir daí, refletíamos para intervir com as mudanças, as professoras contavam como faziam as atividades, as vezes filmava a aula de uma professora e depois o grupo todo assistia e discutia. E interessante que nessa época a gente ia para algumas cidades aqui perto como Lagoa Santa, Betim, e fazia um intercâmbio. A gente ia mostrar como fazíamos o nosso trabalho e conhecer o trabalho de outras escolas.

A ex-diretora Rosa apostava na troca de experiências entre os professores

e na busca de apoios externos para impulsionar as reflexões sobre o trabalho

33 As assessoras publicaram, no final do trabalho na escola Chave do Saber, um artigo sobre o

trabalho com a Pedagogia de Projetos.

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pedagógico, fato apontado por Carbonell como um dos fatores básicos para

promover a inovação:

[...] é importante criar redes de escolas conectadas e associadas em função de diferentes objetivos, âmbitos de reflexão e trabalho e para projetos didáticos e institucionais específicos; assim como todo tipo de referentes e apoios externos que sirvam de bússola, contraste, intercâmbio, crítica identificação, cumplicidade e fidelidade. Estamos falando de referentes e ajudas tão diversas como podem ser assessoria externa que, mediante o conhecimento que proporciona a distância, estimula a reflexão e a tomada de decisões; a colaboração de professores e professoras de outros lugares que visitam as escolas entram nas classes e, com suas observações e críticas, enriquecem o conhecimento escolar e a prática docente, e abrem novas perspectivas de análise e de intervenção; ou a existência de coletivos e movimentos de renovação pedagógica. (CARBONELL, 2002, p. 31)

Como Carbonell (2002), Sacristán também defende a importância da

criação de conexões entre as escolas:

A estruturação da cultura compartilhada ajuda-nos a compreender como, por meio dela, são explicadas não apenas as práticas educativas institucionalizadas – a educação nas escolas – e as que são próprias do coletivo especializado de professores, mas a união desse âmbito prático profissionalizado com o de outros agentes que, em diferentes âmbitos, também geram prática educativa. (SACRISTÁN, 1999; p. 89)

Integrada a escola no referido projeto, duas profissionais do MEC

permaneceram no Jardim Municipal Chave do Saber por dois anos,

desenvolvendo o trabalho com projetos e auxiliando a elaboração do primeiro

Projeto Político Pedagógico da escola. Refletir sobre o currículo pensando na

organização através dos projetos de trabalho contribuiu para o grupo aprofundar

essa questão, já que a forma de organizar os conteúdos era com projetos desde o

início da escola, conforme comentários da Cláudia:

A Graça já veio com essa idéia de que a escola teria uma prática diferente, e já usava esse termo com projetos e o trabalho ia ser organizado só a partir de projetos.

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Assim sendo, o que tornou a escola Chave do Saber um espaço onde as

pessoas tiveram a oportunidade de pensar e viver de outra maneira foi, em

grande parte, a postura da ex-diretora Rosa, que contribuiu para configurar uma

identidade peculiar na cultura da escola e das professoras. No depoimento da

diretora Cláudia fica evidente o perfil que ficou construído no grupo e na escola:

O professor que vem para a Chave do Saber já vem sabendo que essa escola trabalha de uma maneira diferenciada. Eu acho que o coletivo dessa escola sempre participou de uma forma muito positiva, nunca vi aqui dentro da escola ninguém resistindo. Aqui tinha uma frase que eu não gosto de usar, mas que foi usada no início, quando a Graça estava: quem não se encaixa, não fica. Era a frase que a Rosa usava.O que ficou dessa frase é que esta é uma escola diferente e quem não acredita na proposta não fica. Eu acho que o que mudou foi isso, não é quem não se encaixa não fica, é quem não acredita, quem não busca, quem não sonha, não fica... Quem é acomodada, não acha espaço pra ficar na escola, mas se quer buscar, quer aprender acha espaço. A rotatividade aqui é pequena, porque o coletivo está aqui há muitos anos, poucas pessoas entram.

Com efeito, experiências inovadoras têm sido realizadas na Chave do

Saber. Assim, no ano em que realizei esta pesquisa, a Rede Municipal promoveu

um congresso. As escolas foram convidadas a apresentar percepção delas sobre

a implementação da proposta da Escola Plural. No caso da Escola Chave do

Saber as professoras montaram uma peça de teatro baseada na história dos três

porquinhos. A seguir, apresento a produção dessa peça.

Era uma vez três porquinhos, o Pedrito era o porquinho inovador (no caso,

era a Chave do Saber). O Palhaço era o porquinho da escola tradicional, que não

acreditava em nada, que não acreditava que a educação estava mudando. E o

Palito, que era aquele porquinho medroso, aceitava a mudança, mas estava

sempre com um pé atrás. O Pedrito, que era o porquinho inovador, possuía

verdadeiro furor pedagógico. Aí, aparece a dona Esmedina, Secretaria Municipal

de Educação (representando, na história, a SMED). Dona Esmedina reclamou

que do jeito que estava, não estava bom, que ela queria fazer umas reformas nas

casas. Aí, o Pedrito propôs, derrubar a casa e começar tudo de novo. Palito

propôs uns reparozinhos na casa, e o Palhaço achava que a casa estava boa.

Essa história era uma metáfora que traduzia a visão da escola Chave do

Saber em relação à Escola Plural. Segundo as professoras, quando a Escola

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Plural foi implantada, elas tinham conhecimento de coisas horrorosas que

ocorriam na rede. Por exemplo, o uso de práticas já muito ultrapassadas era

comum. Conheciam escolas que precisavam, apenas, de avançar um pouco mais.

Este era o caso da Chave do Saber, que se aproximava da nova proposta. Havia,

ainda, escolas que estavam além da Chave do Saber, na visão das professoras

em termos de inovação. Nesse cenário surge a Escola Plural para rever essas

questões.

Assim sendo, terminando a história entra em cena o Pedrito e diz: - Vamos

mudar. A gente vai dar um nome, todas as casas vão chamar Escola Plural, e aí

cada uma vai ter que ver o que vai precisar mexer na sua casa.

A meu ver, a metáfora escolhida pelas professoras é muita rica e pode ser

lida de várias maneiras. A escolha pela história dos três porquinhos, em que a

casa ocupa um lugar de destaque, pode ser vista como uma manifestação da

forte relação dos professores com a escola. Levar a público a idéia de que a casa

estava vivendo um processo de mudança (a Chave do Saber tinha muita coisa

para avançar) e que seus habitantes tinham grande disposição para isso (Pedrito

tinha verdadeiro furor pedagógico) pode ser entendido como reflexo do próprio

processo vivenciado pela escola no trabalho com projetos – o de refletir, na ação,

sobre a prática, que vai fazer da educação uma obra em constante construção.

Finalmente, ao adotar o nome plural, as professoras evidenciaram a diferença,

diferença essa que fez com que elas sintam orgulho em pertencerem à escola.

Orgulho também sente a vice-diretora Sandra:

Eu acho que o trabalho a Chave do Saber é referência pelo numero de estagiários que a gente recebe, pelo número de pessoas que tão fazendo Mestrado e Doutorado e vem aqui pra escola, então tem uma visão boa é um lugar onde as pessoas escolhem pra estar fazendo um estudo, que isso reflete o trabalho que a escola desenvolve.

Concluindo este tópico, pude perceber que, desde sua criação, a marca da

Chave do Saber é a busca de uma epistemologia de formação, baseada na

prática. E a prática é considerada, hoje, o ponto de partida mais viável para

pensar a formação do professor.

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6.3 – “Que professor eu quero ser?”

Esta pergunta, título deste tópico, condiz com a característica da escola em

estudo. Assim, fazer parte do grupo de profissionais da Escola Chave do Saber

envolveu vários aspectos: insatisfação com o modelo da escola tradicional com

que a escola vinha trabalhando; o desejo de construção de uma nova prática

docente; incessante busca de conhecimentos; reelaboração de saberes já

incorporados; movimento horizontal de busca coletiva; adesão às condições de

trabalho da escola. Tudo isso fez com que fazer parte do grupo dessa escola

fosse uma opção pessoal. E mostra a importância da organização escolar na

configuração do perfil profissional do professor.

Quanto à busca intensa do conhecimento, aparece, na maioria dos

depoimentos dos atores, atrelada ao trabalho com projetos. nesse sentido, eis o

que diz a professora Jane, se fosse outra pedagogia a gente estava quieta, mas

no trabalho com projetos o professor não pode ficar parado, não, ele tem que

correr atrás.

Na verdade as professoras da Chave do Saber buscavam uma prática

diferente da do ensino tradicional. Entretanto, o novo contexto da dinâmica

escolar que se desejava instaurar foi possibilitando a elas refletirem sobre suas

práticas e transformá-las. A vice-diretora Sandra, que antes de assumir essa

função era professora na escola, confessou-me:

O que mais me ajudou a trabalhar com a pedagogia de projetos foi à dificuldade que a gente tinha de estar trabalhando de um jeito tradicional.

A palavra dificuldade, utilizada pela diretora Sandra, pode ser entendida de

acordo com um dos sentidos utilizados por Ferreira, qual seja: situação crítica. De

fato, as professoras procuravam uma nova maneira de ensinar porque se

enxergavam em uma situação incômoda dentro do ensino tradicional.

O processo de mudança do ensino tradicional para uma prática mais

inovadora, vivido pelas professoras, partiu da reflexão da prática que estava

sendo desenvolvida, o que gerou novas possibilidades de pensar o processo

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educativo. A propósito, Zeichner (1993), destaca que os professores também são

portadores de teorias que podem contribuir para a melhoria das escolas. Ele

entende que o “conceito de professor como prático reflexivo reconhece a riqueza

da experiência que reside na prática dos bons professores” (p.17). Nesse sentido,

o autor leva em conta que a prática do professor é resultado de uma ou outra

teoria, quer ela seja reconhecida ou não:

Uma maneira de pensar na prática reflexiva é encará-la como a vinda à superfície das teorias práticas do professor, para análise crítica e discussão. Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber de suas falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem mais uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão. (ZEICHNER, 1993, p. 21-2)

O depoimento da supervisora Nilva acentua o empenho dos professores

em desenvolver uma prática em que se enxergassem. Em mais palavras, a gente

sempre fez um trabalho em que se viu. Este comentário demonstra que o grupo

de profissionais da escola sempre procurou desenvolver, na prática, um conceito

de educação em que acreditassem e assim, se identificam com suas ações.

Como exemplo de uma situação elaborada pela professora coletivamente,

a supervisora Nilva citou a reestruturação do PPP, para atender a uma demanda

ante as mudanças que foram surgindo na própria prática. Existia, então, a

necessidade de reescrita do PPP, já que o grupo estava se enxergando de um

jeito diferente. Tendo em vista reflexão do trabalho que vinha sendo desenvolvido.

Nesse sentido, a escola pode ser vista como instância de reflexão e formação do

grupo, como caracterizou a supervisora Nilva:

Nós estamos reestruturando o Projeto Político Pedagógico por exigência do nosso próprio trabalho que mudou muito. A reestruturação do PPP foi feita assim, os questionamentos eram colocados nos dias de estudo, o professor colocava a atuação dele e depois fazíamos o esboço do que deveria fazer parte das mudanças. Depois, no encontro geral dos dois turnos fechávamos cada item do projeto, então os professores todos eles tiveram muito empenho, a gente tinha pouco tempo pra encontrar, mas a gente fazia esses encontros a noite, na escola e fora da escola, porque no período de aula é essa correria.

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O modo como essa supervisora relatou a reescrita do PPP demonstra o

envolvimento do coletivo e a importância dada aos saberes das professoras na

construção de um novo projeto. É nesse sentido que Zeichner acredita na

perspectiva do professor como prático reflexivo e na reflexão enquanto prática

social. De acordo com o autor:

Grande parte do trabalho do movimento para o ensino reflexivo é a insistência na reflexão dos professores individuais, que devem pensar sozinhos sobre seu trabalho. Uma grande parte do discurso sobre o ensino reflexivo faz pouco sentido, pois fala – se pouco da reflexão enquanto prática social, através da qual grupos de professores podem apoiar e sustentar o crescimento uns dos outros. A definição de desenvolvimento do professor, como uma atividade que deve ser levada a cabo individualmente, limita muito as possibilidades de crescimento do professor. (ZEICHNER, 1993, p. 23)

Ora, a história individual, as vivências no cotidiano escolar de cada escola

trazem experiências diferentes para cada pessoa. Conforme já assinalei, a

identidade das professoras da Escola Chave do Saber foi sendo construída a

partir da negação de um modelo tradicional de ensino e da tentativa de

desenvolver práticas diferenciadas de outras escolas de educação infantil. O

desenvolvimento pessoal – profissional tende a configurar um processo identitário

marcado pela permanente construção e re-significação de saberes. De acordo

com Nóvoa, assim define identidade:

Não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar de em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, p.16)

Nesse sentido, um aspecto marcante que pude observar nos depoimentos

dos atores pesquisados, é o constante movimento de busca de identidade. Os

profissionais da escola apresentam um perfil marcado pela busca, modificado

pelo tempo, pela história de cada uma, o que configura uma maneira de se tornar

professor.

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Exemplo disso encontrei no depoimento da professora Mara. Relatou-me,

como o trabalho com projetos implicou novas concepções na sua postura de

professora, principalmente quanto à maneira de lidar com os conteúdos das

disciplinas e com os alunos. Ela evidenciou a busca pelo conhecimento, cujo o

significado, de acordo com Ferreira, é “ tratar de descobrir, de encontrar, de

conhecer, procurar.” Para a professora Mara:

Eu acho assim, que o professor quando vai trabalhar com Pedagogia de Projetos ele tem que estar desarmado e querendo sempre buscar coisas novas, aquele professor que não quer buscar, pensar, que ele acha que tem que ensinar só pelo tradicional esse professor não serve para trabalhar com Pedagogia de Projetos. Na Pedagogia de Projetos a gente não trabalha o conteúdo de maneira fragmentada, e ela envolve você estar aberto a aprender junto com os alunos o conhecimento, eu acho que tem que ser um professor que se sente envolvido não dá pra trabalhar sem ter um envolvimento não.

Essa maneira de agir peculiar que o trabalho com projetos provoca, no

professor, é realçada por Tardif na construção da identidade profissional34. O

autor acredita que:

É impossível compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la imediatamente na história dos próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento profissional. Nossas análises indicam que a socialização e a carreira dos professores não são somente o desenrolar de uma série de acontecimentos objetivos. Ao contrário, sua trajetória social e profissional ocasiona-lhes custos existenciais (formação profissional, inserção na profissão, choque com a realidade, aprendizagem na prática, descoberta de seus limites, negociação com os outros, etc.) e é graças aos seus recursos pessoais que podem encarar esses custos e assumi-los. Ora, é claro que esse processo modela a identidade pessoal e profissional deles, e é vivendo-o por dentro por assim dizer, que podem tornar-se professores e considerar-se como tais aos seus próprios olhos. (TARDIF, 2002, p. 107)

Como também pensa a professora Mara, trabalhar com projetos não é ficar

só naquele negócio do professor ficar dando folha e exercício pronto não. Por

outro lado, o professor também aprende, pois seu objeto de conhecimento se

refere tanto às ações que já realiza, quanto à relação que vai estabelecendo com

34 A análises apontada por Tardif é resultado de um itinerário de pesquisa e reflexão do autor, que vem percorrendo há doze anos a questão dos saberes que alicerçam o trabalho dos professores m escolas primárias e secundárias.

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seus processos de aprendizagem diante do conhecimento pretendido. Além de

Hernández, outros autores, como Caldeira (2002), focalizam a elaboração de um

projeto de ensino e mostram suas implicações. Assim, para Caldeira:

[..] a primeira grande mudança que temos de assumir ao elaborar um projeto de ensino diz respeito aos novos papéis atribuídos respectivamente ao aluno e ao professor. Assumir que ambos são sujeitos do processo educativo significa entender que professores e alunos investigam e aprendem. (CALDEIRA, 2002, p.19)

Ao trabalhar com projetos, o docente rompe com a postura que pressupõe

a visão tradicional. Desse modo, um novo perfil profissional vai sendo definido, o

professor e os conteúdos das disciplinas deixam de ser o centro de ensino, e o

professor assume o lugar de aprendiz e mediador de um processo. É nesse

sentido que a supervisora Nliva afirma que o importante é que os professores

busquem o conhecimento, estabelecendo uma comparação com o perfil do

professor tradicional. Este apesar de ser o centro do processo, não precisa buscar

o conhecimento com a mesma intensidade do professor que trabalha com

projetos. A supervisora Nilva explica esse processo da seguinte forma:

O professor, ele primeiro ele tem que ter um conhecimento mais profundo daquilo que ele vai trabalhar com o aluno, ele tem que buscar mais conhecimento porque o professor antes ele trabalhava com livro e seguia aquilo que estava no livro. Ele não se preocupava, hoje não, se ele não estiver atualizado dentro de tudo que é novo, ele não consegue trabalhar com a criança, não consegue seduzir esta criança, para que ela tenha vontade de aprender, a primeira postura que o professor tem que mudar é esta, ter conhecimento.

A diretora Cláudia acredita, ainda, que o trabalho com projetos é pautado

pela postura do professor como investigador. Isso, é o que o coloca em constante

situação de busca e mobilização de vários saberes. Para o entendimento e

desenvolvimento dos projetos, na visão da diretora Cláudia, os professores

necessitam aprender a trabalhar com eles. De acordo com essa diretora, o

professor que capaz de desenvolver essa pedagogia:

[...] sabe a teoria do trabalho com projetos, as teorias da educação, tem a prática, e as trocas de experiências...

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Ao meu ver, a opinião dessa diretora pode ser analisada a partir da idéia

defendida por Tardif, segundo a qual o professor ideal:

[...] deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos `as ciências da educação à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos. (TARDIF, 2002, p. 39)

A propósito, no depoimento da diretora Cláudia, ficou claro que o professor

mobiliza vários saberes, saberes da experiência, saberes da teoria da educação,

de uma teoria especializada. Ademais pode contar com a troca de experiências

como espaço de ampliação do seu olhar através do olhar do outro. Todos esses

saberes configuram a profissão de professor como uma profissão dotada de

saberes que não são únicos. De acordo com Tardif:

[...] o saber docente é plural, saber formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, do currículo, e da prática cotidiana, o saber saber docente parece, portanto, essencialmente heterogêneo. Mas essa heterogeneidade não se deve apenas à natureza dos saberes que se dizem presentes, ela decorre também da situação do corpo docente face aos demais grupos produtores e detentores de saberes e às instituições de formação. (TARDIF, 1991; p.231)

A importância da busca de novos saberes para o desenvolvimento do

trabalho com projetos foi destacada em vários momentos da pesquisa pelas

professoras da Escola Chave do Saber. Eis, portanto, mais esta opinião dada

pela professora Mara:

Trabalhar com projetos é trabalhoso porque você tem que buscar mesmo o conhecimento, você tem que buscar porque senão você não da conta, tem que procurar livros tem que ler muito mesmo, e não ficar só naquele negócio do professor ficar dando folha e exercício pronto.

Outro aspecto marcante na busca do conhecimento é a presença e o valor

das experiências compartilhadas entre as professoras da escola Chave do Saber.

Desde o início do funcionamento da escola, sempre houve espaço garantido para

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os momentos de troca e discussão de experiências. Isso propiciou a construção

de diferentes práticas e novos saberes, tendo como procedência, o debate

coletivo. Esse fato pode ser observado no seguinte relato da professora Jane:

Outra coisa que faz a gente crescer é a troca, muitas vezes o que eu não vejo a outra vê. A complementação é que é muito rica aqui na escola a gente troca muito com a colega, nas reuniões coletivas, sempre foi assim...

A importância desse processo de trabalho coletivo na constituição da

identidade dos professores é realçada por Sacristán (1999) da seguinte forma:

O saber – fazer de cada agente pessoal é nutrido pela informação prática do tipo de saber como coletivo e institucionalizado, e este é recriado e enriquecido por aquele. Cada professor não inventa ex-novos os métodos e as formas de fazer, mas nutre- se da prática coletiva. (SACRISTÁN, 1999; p.89)

Além de reconhecerem a importância da troca entre os pares e da busca

pelo conhecimento, as professoras Jane e Antônia reforçam a necessidade de

utilização de recursos variados no desenvolvimento do projeto. Essa necessidade

de busca se deve não só à explosão de informações no mundo contemporâneo

como também à intensidade com que elas são processadas. Isso determina uma

outra relação do professor com o conhecimento; o relevante para o indivíduo é

que ele possa entender e compreender melhor o mundo em que vive, analisando

as informações de formas mais complexas. Daí a necessidade de o professor

buscar várias fontes de informações. É o que mostram as professoras Jane e

Antônia respectivamente, nos depoimentos a seguir. Para elas, trata-se, inclusive,

de compromisso pedagógico:

Temos a biblioteca para a busca da pesquisa, porque na pedagogia de projetos a gente pesquisa muito mais. A gente precisa de muito mais conhecimento do que antes. Porque o professor tem que buscar, o aluno de hoje não é mais aquele aluno passivo, ele é ativo tanto quanto. Ele já vem com um conhecimento prévio muito grande e com isso a gente tem que investir também nos locais de busca, inclusive hoje a gente já pensa em fazer aqui na escola até sala de multimeios.

A pedagogia de Projeto te coloca à frente dessa postura, você tem que ir lá, você tem que olhar, você tem que ir atrás de materiais como:

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revistas, jornais, livros, noticiários, documentários, você tem que correr atrás dos recursos que vão te trazer conhecimento.

Por outro lado, trabalhar com o conhecimento na dinâmica da sociedade da

globalizada, da multi-culturalidade, contribuindo para a formação de alunos,

crianças, que também estão em constante transformação cultural, ética, e de

interesses e necessidades, exige formação contínua do professor, entendida,

aqui, como re – significação do seu processo identitário.

Isto posto, a mudança de postura que a pedagogia de projetos provoca no

professor é de tal maneira profunda que o leva a refletir sobre o significado de sua

ação pedagógica. Daí a pergunta da professora Antônia: que professor eu tenho

que ser?

Olha, eu agora, no momento, eu te falo com toda sinceridade durante a minha vida profissional, durante o tempo que eu encontrei diante de um aluno enquanto professora eu sempre parei pra perguntar o que esse aluno quer de mim ? O que ele precisa de mim? Porque eu tive muitos problemas com essas posturas dentro da escola, aquele professor tradicional que chegava com aquele tudo pronto e ditava de lá e a gente tinha que ficar caladinha no canto escutando aquilo e às vezes quando eu não queria escutar tinha que dormir, porque não podia fazer outra coisa. Isso me incomodou muito, isso eu vou levar pro resto da minha vida, essa reflexão: Que professor eu tenho que ser? Porque aquele que eu tive, eu não quero ser, não. Aquilo me incomodou muito.

A construção de identidade é um processo complexo, que envolve

dimensões pessoais e profissionais e que necessita de tempo, tempo para

acomodar as inovações e refazer as identidades. As ações e os saberes dos

professores são influenciados pelas características pessoais de cada um e pela

trajetória profissional. Diante disso, por que é que procedemos de determinada

forma na sala de aula. Nóvoa (1992) tem a resposta:

[...] obriga a evocar essa mistura de vontades, de gostos, de experiências, de acasos até, que foram consolidando gestos, rotinas, comportamentos com os quais nos identificamos como professores. Cada um tem o seu modo próprio de organizar as aulas, de se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos, um modo que constitui uma espécie de segunda pele profissional. (NÓVOA, 1992; p.16)

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No meu entendimento, ao se propor esta questão, Que professor eu tenho

que ser? a professora Antônia teve, como ponto de partida, um modelo negativo

que ela rejeita: Porque aquele que eu tive eu não quero ser não. Os trechos

seguintes, extraídos da entrevista, retratam esse modelo de professor que ela não

deseja ser:

Antigamente o professor chegava na sala e entregava tudo pronto para os alunos, ele não tinha que criar, refletir e estruturar, não tinha que inventar nada. Ele fazia aquilo dois, três, quatro, cinco anos tudo do mesmo jeito, eu tinha uma professora que guardava o estêncil quatro, cinco, seis anos e só ia reproduzindo todo ano a mesma coisa e guardava os cadernos com plano de aula para o ano seguinte não ter trabalho de fazer outro. E eu ficava completamente incomodada, porque como uma coisa hoje vai servir para o ano que vem, quem são esses alunos? Quais são os interesses deles? Eu nunca consegui fazer isso, eu tenho dificuldade até mesmo de planejar hoje a aula de amanhã. Eu me organizo assim, amanhã eu vou trabalhar com determinado assunto, então eu preciso de tais recursos, preciso daquilo ali mais perto. Mais assim, traçar linha por linha da minha postura eu acho muito complicado, de acordo com a necessidade eu vou mudando e tendo essa flexibilidade. Uma coisa que me incomoda muito na Pedagogia de Projeto é quando o professor às vezes não tem essa flexibilidade, que ela oferece ai, não possibilita esse olhar para estar construindo, reconstruindo, avaliando.

Eu tenho uma convicção, que a minha grande identificação com a pedagogia de projetos é a prática, é a forma de trabalhar com o aluno, ela possibilita tudo que eu não tive na escola quando eu estudava.

Afinal, para a professora Antônia, o professor ideal é aquele que está

atento aos interesses do aluno, que é flexível e capaz de se adaptar a mudanças.

Essas palavras da professora estão contidas no seguinte pensamento de

Hernández:

[...] a educação para a compreensão, pelo contrário, organiza-se a partir de dois eixos que se relacionam: aquilo que os alunos aprendem e a vinculação que esse processo de aprendizagem e a experiência da escola tem com suas vidas. (HERNÁNDEZ, 1998c.P.56)

Como evidencia seu depoimento, a postura da professora Antônia traz,

portanto, marcas de sua história de vida. Sua escolha pelo trabalho com projetos

não é ocasional, trata-se de uma opção pessoal, motivada pela rejeição à sua

experiência como aluna. A propósito, Tardif (2002) assinala que o saber docente

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também é personalizado, sua natureza não é apenas cognitiva, mas traz marcas

da sua história de vida35, de seus pensamentos, contextos de trabalho, traços de

sua cultura, experiências de sucesso e insucessos já vividos. Nesse sentido, os

saberes da professora Antônia também são conseqüências de noções pré-

concebidas da relação ensino aprendizagem herdadas da vivência escolar

anterior. Tardif ilustra bem essa questão:

Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõe-se que o futuro professor interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de valores, etc., os quais estruturam a sua personalidade e suas relações com os outros (especialmente com as crianças) e são reatualizados e reutilizados, de maneira não reflexiva, mas com grande convicção, na prática de seu ofício. (TARDIF, 2002; p.72)

Essa perspectiva apontada por Tardif - os saberes docentes também são

personalizados e trazem marcas individuais da história de vida de cada um - é

reforçada por Nóvoa, quando diz:

Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam as nossas maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal. (NÓVOA 1992; p.17)·

Por fim, ao findar minha entrevista com a professora Antônia, ela

apresentou-me uma mensagem, que propõe aos professores, meus colegas do

Curso de Mestrado, refletirem sobre os pontos – chave destacada por ela:

35 Tardif (2002, p.72) aponta, em seus estudos, as fontes pré-profissionais do saber ensinar e focaliza sobre a ausência de consenso em relação aos saberes adquiridos pela socialização. Schütz (1987) fala de um reservatório (stock) de categorias cognitivas e linguísticas. Berger e Luckman (1980), retomados por Dubar (1991), discutem os saberes pré-dados que funcionam como uma reserva de categorias. Bourdieu (1972;1980) associa estes esquemas ao que ele denominou (habitus). Os etnometodologistas (Coulon, 1990) comparam-no com regras pré-reflexivas que estruturam as interações cotidianas. Giddens (1987) chama-o de competência que estrutura a consciência prática. Na área do ensino, os trabalhos referentes às histórias de vida de professores remontam aos anos 80, e os que tratam da socialização pré-profissional datam somente de uma década.

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E não se esqueça de falar com seus professores, que quando eles estiverem dando aula, de pensar em: como era quando eu era aluno? De qual professor que eu mais gostei? Porque eu acho que essa reflexão faz a gente encontra muitas respostas e encontrar muitos caminhos para ensinar.

Em última análise, as falas das professoras indicam a construção de uma

identidade profissional. O trabalho com Pedagogia de Projetos faz com que elas

tenham uma marca que as identifica. Envolver em um projeto, que era inovador

para a época, e fazer parte do corpo docente da Escola Chave do Saber fez com

que elas assumissem essa inovação. À medida que as professoras inovaram sua

prática elas se viram de uma nova maneira. Isso as diferencia de outras colegas

de profissão. Essa diferença é motivo de orgulho, de identificação com a escola, o

que reafirma a opção por uma prática organizada através de projetos de trabalho.

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7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos dados coletados nesta pesquisa mostrou-me a importância

da opção das professoras da Escola Chave do Saber sobre o trabalho com a

Pedagogia de Projetos. Mostrou-me, também, o comprometimento delas com

essa proposta. Percebi também que essa pedagogia contribuiu para definição de

seu perfil profissional. Posso dizer que a análise dos dados confirmou o ideal de

Nóvoa (1992), - “produzir a escola como espaço de trabalho e formação do

professor, o que implica gestão democrática e participativa dos docentes nas

práticas curriculares, constituindo assim, redes de formação continuada”.

A adoção pelas professoras da Escola Chave do Saber de um projeto

pedagógico considerado inovador, distanciado de um modelo de ensino baseado

na lógica transmissiva, suscitou-lhes incessante busca de novos conhecimentos.

As professoras tinham dúvidas, mas também muitas certezas. Nesse quadro

merece destaque o desejo delas de buscar uma prática diferente. Segundo o

depoimento que se segue, tratava-se de:

[...] uma comunidade que lutava para não perder um espaço educativo para seus filhos, educadores que sonhavam “sonhos possíveis”, um espaço arborizado e bem cuidado e crianças, muitas crianças...Esses foram os principais ingredientes para se fazer uma escola de qualidade para a classe popular: o Jardim Municipal Chave do Saber. Nessa escola, esse não é um clichê, uma frase de efeito, é um compromisso político pedagógico, forjado na luta, no sonho, no estudo, na reflexão e na prática educativa. (ROSA361998, grifos meus)

Parafraseando as palavras de Carbonell (2002), cada professor foi uma

peça importante no quebra cabeça da construção da Chave do Saber. Era

composta por uma equipe docente estável e com atitude aberta a mudanças e,

sobretudo, com vontade de compartilhar objetivos para a transformação e

melhoria do ensino.

36 Trecho extraído da fala da ex-diretora Rosa, publicado na revista Tempo Dez (1998) em artigo entitulado Um pouco de história.

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Também digno de nota nessa escola foi à percepção das professoras com

relação à Chave do Saber. O professor é visto como um sujeito sóciocultural,

alguém que, na interação com o outro, constrói saberes em sua prática. Nessa

perspectiva, “a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função

de transmissão dos conhecimentos já constituídos” (TARDIF, 1991; p.218)

Também me chamou a atenção na análise dos dados a importância do

ambiente da escola na formação dos professores. Nessa escola, o ambiente foi

um elemento que estimulou a construção e (re) significação de saberes,

manifestados na preocupação com a formação continuada e em garantir às

professoras um clima de trabalho estimulante e, ao mesmo tempo, democrático.

Aliás, pude perceber que uma preocupação dessa escola, desde sua

criação, foi com a qualidade de seu profissional. Confirma o empenho da escola,

nesse sentido, o depoimento da professora Jane, a seguir:

[...] nós estudamos muito aqui, buscamos, corremos atrás, porque a gente queria ser profissional de qualidade... Essa escola aqui, ela é uma escola muito dinâmica, nós estamos sempre buscando, criando, e nunca esta 100%... um trabalho que a gente gosta, a gente esta sempre em busca, nunca esta satisfeita, isso significa que queremos sempre alguma coisa nova, renovar sempre.

Com referência à prática docente desenvolvida na escola, pude verificar

que é concebida como eixo de reflexão sobre o fazer pedagógico e a teoria

fornece suporte para um processo reflexivo que contribui para a compreensão do

trabalho docente, possibilitando às professoras atribuir-lhe novos sentidos e

significados.

Nesse ponto, vale lembrar algumas questões propostas pelas professoras:

o que eu estou fazendo? Por que faço? E com qual intenção? Quais são meus

objetivos? O que os alunos devem aprender na escola e para quê? Questões

como essas levam à uma visão de professor como crítico reflexivo, no sentido

que é utilizado por Zeichner:

[...] com o termo ensino reflexivo não pretendo dizer que os professores devem refletir apenas sobre o modo como aplicam na sala de aula as teorias geradas noutros sítios. Aquilo de que falo é de os professores

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criticarem e desenvolverem suas teorias práticas à medida que refletem sozinhos e em conjunto na ação e sobre ela, acerca do seu ensino e das condições sociais que modelam as suas experiências de ensino. (ZEICHNER 1993; p.22)

Em relação à formação do professor, a Chave do Saber preocupou-se em

oferecer às professoras momentos de discussão e reflexão da prática

pedagógica. Aliás, a ênfase nas ações desenvolvidas no contexto de sala de aula

traduz uma concepção segundo a qual o professor é um sujeito que se refaz na

ação de fazer e vê o processo educativo como um constante construir e

reconstruir. E não é outro o pensamento de Caldeira:

[...] concebendo o saber docente como um processo, e não como algo estático, acabado e definido sua renovação precisa estar constantemente penetrando a prática e vice - versa. Somente através de uma reavaliação crítica da prática docente, realizada de forma contínua, coletiva e através do intercâmbio constante de conhecimentos e práticas pode o professorado formar-se e aperfeiçoar-se no seu trabalho. (CALDEIRA, 2001; p.5)

Ilustra muito bem essa idéia a metáfora da história dos Três Porquinhos,

utilizada pelo corpo docente da escola; na educação, às vezes, a gente precisa

jogar tudo no chão, e começar tudo de novo e, às vezes, só precisa de uns

reparozinhos.

Prosseguindo a análise da prática, Nóvoa (1992), assinala que a maneira

como cada escola se produz interfere no contexto das práticas educativas. Assim

sendo, a Escola Chave do Saber ao constituir um espaço em que as professoras

concentraram seus sonhos e expectativas em relação ao ensino, espaço esse de

aprendizagem envolvendo professoras, alunos e, muitas vezes, a família; em que

os professores se vêem como co – responsáveis pela construção de um projeto

pedagógico, exerce grande influência no sentido que elas atribuem ao seu

trabalho. E isso reflete em seu fazer docente. Nessa perspectiva, ser professor

nessa escola adquire para elas um significado especial, que começa a ser

construído antes mesmo do ingresso no curso de formação. E se consolida numa

trajetória marcada por erros e acertos. Conforme ressalta Sacristán (1999, p.31)

”[...] como um ser humano que se expressa nas ações que empreende”.

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Tudo isso ajudou para que vissem a Escola Chave do Saber como uma

escola diferente, motivo de orgulho para aqueles que nela trabalham. Na

percepção delas, a escola se distingue das demais pela qualidade do ensino,

situando-se, nesse sentido, à margem da crise por que passa a escola pública, no

País.

Dito isso, pretendi, com este estudo, reforçar alguns aspectos que têm

merecido especial atenção nos estudos sobre a formação/profissão docente.

Refiro-me particularmente às pesquisas de Tardif, Zeichner e Sacristán aqui

mencionadas. Assim sendo, um dos aspectos que abordei diz respeito à

consideração ao pensamento do professor, à sua experiência e aos saberes

construídos na prática, ao longo de sua trajetória individual e profissional.

A ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de vista instrumental, sem ver os envolvimentos do sujeito – professor – e as conseqüências que tem para sua subjetividade que intervirá e se expressará em ações seguintes. (SACRISTÁN, 1999; p.31)

Verifiquei, também, neste trabalho que o ser professor constitui pela

mobilização e construção de vários saberes. Isso se dá num movimento imbricado

em que saberes configuram a identidade ao mesmo tempo em que são

constituídos por ela.

Nesse sentido, a formação inicial pode ser considerada como o primeiro

passo da formação continuada, tendo a prática reflexiva como elemento

integrante do processo de formação do professor. Esse tipo de formação, então,

supõe a idéia de um processo continuum, que ocorre ao longo da vida. Desse

modo, a formação continuada é vista como um percurso, “uma viagem aberta,

uma viagem que não pode estar antecipada, e uma viagem interior... [ ] em que

através da relação com as formas mais nobres, fecundas e belas da tradição

cultural alguém é levado até si mesmo” ( LARROSA, 1999,p.51)

Por fim, da análise das entrevistas, posso inferir que a escola, para o

professor, não é apenas um local de trabalho, mas um espaço de formação de

grande importância na construção de seu perfil profissional.

Finalmente, a pesquisa ofereceu elementos para a minha reflexão sobre o

processo de introdução de novas propostas na escola. Ficou claro para mim que

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o sucesso ou fracasso de iniciativas dessa natureza passam, diretamente, pelo

professor. A propósito Carbonell afirma:

A principal força impulsora da mudança são os professores e professoras que trabalham de forma coordenada e cooperativa nas escolas e que se comprometem a fortalecer a democracia escolar. Um compromisso que, seguindo um movimento de baixo para cima, orienta-se para a obtenção de uma educação integral que articula as experiências dos alunos e os problemas sociais reais com a cultura escolar, superando a visão estreita, tecnicista e academicista do rendimento escolar. Nesse sentido, é importante que as administrações sejam mais sensíveis ao reconhecimento e apoio das experiências de base e criem um clima mais favorável para a liberdade de ação docente e a renovação pedagógica. (CARBONELL, 2002; p.30).

Ao terminar este trabalho percebo a importância da realização de outros

estudos nessa linha de investigação, visando à maior compreensão do processo

de construção dos saberes docentes adquiridos no desenvolvimento profissional

do professor.

Não nego que este estudo trouxe-me inquietudes, inquietude, próprias de

trabalhos dessa natureza. Limitado pelo tempo, mas verdadeiro pela sensação de

ter vivido minha primeira experiência como pesquisadora, ele é um reflexo de

minha história, pois o fato de ser professora é que me motivou e tornou possível

sua realização.

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