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Não dá mais para pensar apenas nas mídiastradicionais. Em sintonia com as novastecnologias, que trazem possibil idadesdiferenciadas para as organizações, está aPaperCliQ. Alinhada às últimas tendências emcomunicação e marketing, a agência surgiu paraauxiliar o mundo corporativo a se posicionarestrategicamente no universo digital.

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Apesar de sua linha editorial e seus objetivos bem definidos – falar de cultura em Salvador – a revista Fraude não pode ser destacada do lugar em que é produzida, o Programa de Educação Tutorial (PET - MEC), nem de quem a produz, os doze bolsistas e a tutora, além de seus colaboradores. A cada ano o projeto Fraude é incrementado e cresce com a contribuição daqueles que chegam, passam e transitam pelo PET. As páginas da revista são expressões individuais e coletivas do que pensam, sonham e projetam seus criadores.

E essa edição é expressão clara disso. Continuamos nossa já tradicional aproximação com as histórias em quadrinhos e estampamos em nossas páginas uma HQ ficcional. A literatura está presente de novo, mas agora em áudio! E além disso, tratamos do que está acontecendo nas ruas de Salvador e do mundo: jornalismo, moda e publicidade espalhados pelas cidades.

A Fraude #7 está aí, feita por nós e para vocês. Leiam, comentem, critiquem. E até a próxima edição.

Editorial 7

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um guia para a fraude

editorias da fraude

agradecimentosA todos que colaboraram com texto, imagem, foto ou ilustração. A Quarteto de Cinco e DJ OX pelo som, ao

Coletivo Muito Barulho por Nada pela performance e ao River's Pub pelo espaço de lançamento. Ao artista Paul Stride-Noble por ter nos permitido ilustrar nossa capa com sua pixeltown. A Fabiane Oiticica pelos 13 retratos feitos

naquela manhã corrida. A Bruno Marcelo por desenhar e colorir uma de nossas páginas com seu criativo traço. A Mariana David por expor na revista uma de suas imaginativas fotografias. E ã ajuda de Rodrigo Lessa, que continuou

fraudando mesmo quando não era mais sua obrigação.

Economia da Cultura: Quando a cultura de consumo recria o consumo de cultura.

página 08

Cotidiano: No dia-a-dia da cidade há histórias que passam quase despercebidas... quase.

página 20

Imaginando: Ler histórias, ouvir histórias... Agora é hora de também vê-las.

página 39

Preliminares: Comece por aqui.página 06

Ciber: -arte, -tecnologia e -cultura.página 29

FragmentosFrações de histórias com um pouco de san-gue e divagações sentimentais. p.06

Costurando uma profissãoO perfil de Seu Andrade, um alfaiate que sobrevive às condições do mercado. p.11

O grande artistaComo trabalham os curadores, responsáveis pela montagem de exposições artísticas. p.08

Através do Quarto MundoConheça o coletivo de quadrinhistas que está movimentando o mercado editorial de revis-tas independentes. p.13

Mais fácil que aprender japonês em brailleApesar de ainda ocupar um tímido espaço nas livrarias, o audiolivro começa a criar um mercado de fiéis leitores – ou seriam ouvintes? p.17

Sex in the cityOutdoors de motéis espalhados por toda Salvador atraem clientes e causam polêmicas. p.20

Acarajé só com saladaEm busca do acarajé perfeito: as desventuras de uma vegetariana em Salvador. p.25

Cultura do desencantoNão é história, doutrina, ciência, seita ou religião: o que é, então, a Cultura Racional? p.23

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A revista Fraude é uma publicação do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (Petcom) da Universidade Federal da Bahia. O PET é um programa mantido pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, e é através do orçamento anual destinado ao Petcom que é paga a impressão da revista. As opiniões expressas neste veículo são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1000 exemplares. Ano 6, número 7, Salvador - Bahia. End.: Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. Tel.: 3283-6186. E-mail: [email protected]

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quem faz a fraudeTutora Petcom: Graciela NatansohnEditora-geral: Paula JanayEditor Ciber: Samuel BarrosEditor Cotidiano: João Araújo Editora Economia da Cultura: Carolina GuimarãesEditor Imaginando: Marcelo LimaDiretora de arte: Jéssica PassosDiagramação: Caio Sá Telles, Jéssica Passos, Matheus Santos, Renato Oselame, Rodrigo Lessa, Samuel BarrosAssessoria de comunicação: João Araújo, Luís Fernando Lisboa, Nelson Oliveira, Verena Paranhos Produção do lançamento: Carolina Guimarães, Elaine Morgana, Flávia Santana, Leonardo Pastor, Marcelo LimaRedatores e colaboradores: Alana Camara, Caio Sá Telles, Carolina Guimarães, Elaine Morgana, Jéssica Passos, João Araújo, Júlio Landim, Leonardo Pastor, Luís Fernando Lisboa, Marcel Ayres, Marcelo Lima, Nelson Oliveira, Paula Janay, Rodrigo Lessa, Samuel Barros, Tiago Canário, Verena ParanhosColaboradores de imagem: André Leal (p.39, 40, 41), Bruno Marcelo (43), Fabiane Oiticica (3), Kelvin Oliveira (34, 35, 36), Mariana David (42), Thácio Faria (8, 9, 10), Luís Fernando Lisboa (11), Arquivo pessoal (29). Capa: Paul Stride-Noble (ilustração) e Renato Oselame (montagem).

Uma pessoa de 8bitPixel art, Chiptune Music, Creative Commons, coletivos de artistas organizados na internet. De Manhattan a São Paulo, minusbaby. Pixel por pixel. p.29

Meu nome é Gal e desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal Conheça quem prefere os papéis de carta, selos e envelopes à comodidade e facilidade das mensagens instantâneas da internet. p.27

A sua sorte hojeQuem disse que o Orkut não pode mudar a sua vida? p.33

Jornalismo direto do celularNotícias na palma da mão. Os usos jornalísticos do celular para fazer e consumir notícias em qualquer hora e local. p.34

Moda de rua na rede Da passarela para as ruas, das ruas para os blogs, dos blogs para o mundo. Veja como a internet interfere no circuito da moda. p.37

Uma história de muitas cidadesA Fraude desmonta em HQ os quebra-cabeças que são nossas cidades. p.39

FernandaUma criança do interior do sertão baiano sob a lente da premiada fotógrafa Mariana David. p.42

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Era uma noiva. E trazia na mão duas chaves. Uma delas ela sabia que abriria as portas para as novida-des casamenteiras, todos diziam que feliz ela seria. A outra, já diria sua avó, selaria os convites malvados e pervertidos de homens que a dilace-ravam em beijos. Sobre esses beijos, ninguém da família sabia.

Então, a menina aguardou por mais alguns momentos, e preferiu ficar sentada ali, até decidir qual das chaves usaria. No seu quarto era um burburinho só e, enquanto ouvia todas as moças se preparem no seu quarto, a sua mão suava de aflições.

Era melhor assim, pensou a noiva.

Uma música de Cole Porter diz: Let's do it, let's fall... É aí, que alguns vão se apressar e se arriscar a dizer que não

pode ser in love. Afinal de contas, em tempos como esses, ninguém pode se apaixonar. Só que Caetano e mais alguns se perguntam, “por que fazem sempre tanta canção de amor?” Está, então, dado o problema. O melhor é não discutir sobre essas contradições e deixar que todos fiquem somente no do it? Porque, apesar de tudo, o do it é mais fácil e a melhor forma de conseguir deixar duas pessoas, ao menos temporariamente, satisfeitas.

Entretanto, não há escapatória, as palavras vêm à tona e é preciso perguntar: por que tanta canção de amor, se hoje não se pode mais amar? Explicação: vai ver que, se escrito com letras cheias de formas poéticas, o amor consiga rimar com quase tudo, inclusive com casal. Mas, o que combina mesmo com o dia-a-dia das relações é qualquer coisa que rime com corpóreo. En-tão, já que “os cidadãos no Japão fazem. Lá na China um bilhão fazem. Façamos, vamos amar”.

O que rima com amor?

Vestido de Noiva

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texto Luís Fernando Lisboa e Elaine Morgana

Fragmentos

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Fragmentos Para meu comparsa Gonzo

Em “Vaca Profana”, Caetano Veloso já dizia: “De perto ninguém é normal”. Com certeza, minha excentricidade exala pelos bares e becos soteropolitanos, pelos corredores do meu apart hotel e até mesmo por entre os computadores dessa redação. Drogas, sexo e rock n' roll. Dos entorpecen-tes, aspirei até o último pó. Da luxúria, ah... a luxúria. Dessa sacie-me até a última gota em lugares proibidos e com as figuras mais inusitadas. E de nada valeria tudo isso se “Girls, girls, girls”, do Mötley Crüe, “Sister Morphine”, dos Rolling Stones ou “O tempo não para”, de Cazuza não dessem a sonoplastia do meu viver.

Mas é hora de parar. 48. Oito anos depois dos 40. Oito a mais do que eu precisava ou queria. Chega de jogos. Che-ga de bebidas. Chega de escrever. Uma filosofia diz que o homem completo é aquele que tem um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Não deixo o legado de minhas anormalidades. Não sou ecologista. Escrevi livros, mas só em delírios é possível compreendê-los. Completo ou não, parto satisfeito. Não porque quero passear na taverna de Alvares de Azevedo ou na Pasárgada de Manuel Banderia. Pre- f i ro o inferno de Dante Alighier. E como a química de Lavoisier explica a fraude, que as homenagens a Hunter Thompson e Robespierre sejam parafrase-adas em meu epitáfio: “Passante, não chores mi-nha morte. Há uma promoção no Bar do Nando: ‘De luto por Antônio Pierreson, jornalista e escritor. 10% de desconto em todas as biritas fortes'”.

Aja seu velhaço. Coragem. Não vai doer.

“Enquanto todos me esquecem, eu me es-queço de todos.” Rasgou um pedaço daqui-lo que lhe entregaram e chamaram de vesti-do, e com o seu batom (ela não podia deixar barato) escreveu em letras garrafais: “Peguem o meu sapato embaixo da cama. Não me enterrem sem o vestido de noiva, porque a família morreria de vergonha. Mas é preciso que todos saibam: ‘Certas esposas (e leia-se maridos e casamentos, também) produzem câncer'”.

O livro de Nelson Rodrigues estava em sua mão direita, a mesma da aliança de noivado. Logo após encontrarem a noiva com a garganta cortada (como ela tinha aprendido nos contos que lera), o pai teve a certeza que meninas de família nunca devem ler contos estranhos.

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No seu livro “Guerras Culturais”, Tei-xeira Coelho, curador-coordenador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), afirma que “o curador é o grande artista” porque quando vamos a uma exposição, antes de vermos o trabalho do artista, propriamente dito, vemos o trabalho do curador. Ele é o responsável por todo o processo de montagem de uma exposição pública, desde a sua concepção, seleção das obras, organização do espaço, até de que forma ela será divulgada.

O Grande Artista

texto Carolina Guimarães e Leonardo Pastor

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Responsável pela montagem de exposições, o curador ajuda a definir o que o artista pretende passar para o público com a sua obra

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A curadoria não existe enquanto

profissão regulamentada no Brasil. O

primeiro curso superior para a forma-

ção de curadores foi criado somente

em 2008 pela PUC de São Paulo, o

bacharelado em “Artes: história, crítica

e curadoria”. A atividade da curadoria

vem sendo exercida ao longo dos anos

por profissionais de diversas áreas de

conhecimento. Veranice Gornik, pro-

prietária da galeria Prova do Artista,

em Salvador, trabalha no mercado de

arte há 33 anos, apesar de ser forma-

da em Administração. “Tem curado-

res que são museólogos, arquitetos,

administradores, donos de galeria ou

restauradores”, explica. Para fazer a

curadoria de uma exposição o funda-

mental é conhecer o acervo que será

exibido. As atividades de um curador são di-

versas e dependem muito do tipo de

mostra a ser montada. Mas, de modo

geral, é papel do curador selecionar os

trabalhos que serão expostos, definir

de que forma e em qual ordem eles

serão apresentados. Também cabe ao

curador planejar e produzir o catálo-

go da exposição: quais as informações

contidas, quantos serão impressos,

como será feita sua distribuição, além

de definir como será a abertura da ex-

posição e de que forma ela será posi-

cionada na imprensa. “Então, a função

do curador começa antes da exposição

e termina muito depois”, diz Veranice.

Curadoria e MuseologiaNo Brasil, é comum que se confun-

dam as atividades do curador com as

do museólogo – o profissional respon-

sável pela gerência dos museus. Isso

acontece porque aqui no país utiliza-

se a denominação curador apenas para designar o

responsável por uma exposição temporária. Já nos

Estados Unidos e na Europa, chama-se de cura-

dor o diretor de um museu. “O diretor de museu

na Europa e nos Estados Unidos muitas vezes é o

prefeito da cidade, é uma pessoa da área adminis-

trativa, de influência, mas também, naturalmente,

alguém que entenda daquele acervo. Então ele não

precisa ser necessariamente uma pessoa com uma

formação em história, por exemplo”, diz a museó-

loga Lícia Greco, coordenadora cultural do Museu

Carlos Costa Pinto em Salvador.

A maioria dos diretores de museu no Brasil é

formada em museologia, ou, pelo menos, com

alguma especialização na área. “O museólogo

exerce diversas funções dentro do museu, como a

programação cultural educativa, a documentação

da casa, toda a parte de conservação e também a

parte administrativa”, explica Lícia. Para um cura-

dor, não é necessário dominar todas essas áreas,

basta que conheça aquele acervo específico com o

qual pretende trabalhar. Porém, muitas vezes, um

museólogo trabalha na curadoria de uma exposi-

ção. Segundo Lícia, “quando existe uma exposi-

ção temporária ou quando o museu faz uma nova

montagem, elegendo objetos diferentes para uma

das salas, por exemplo, um museólogo da casa

pode ser o curador dessa exposição. Ele escolhe

os objetos, quais textos colocar, como vai dispor,

o tema...”

Curadoria e MercadoAs diferenças entre o curador e o museólogo são

fundamentais quando se fala na venda de obras de

arte. O profissional formado em museologia e que

trabalha dentro de um museu só exerce a curado-

ria de exposições sem cunho mercadológico, pois

não pode atuar diretamente na venda. “É proibido

até dar valor à peça no estatuto do museólogo. A

gente não pode se envolver com qualquer coisa

relacionada à venda de objetos de arte”, explica

Lícia. Mas, segundo ela, é possível que o artista

procure o museu para expor sua obra gratuitamen-

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te. “Nós podemos lidar com o artista se ele quiser compor uma exposição temporária. Ele vem, mostra seu acer-vo, nós vemos se é compatível com o espaço que temos, se o tema é com-patível com o museu e ele expõe sem falar em venda. Não pode haver nada que vá lembrar que aquilo vai ser co-mercializado, não dentro do museu”.

No setor das galerias o processo é diferente. “Aqui o foco é na comer-cialização mesmo”, explica Paulo Darzé, que há 26 anos trabalha no mercado de arte e é proprietário da Paulo Darzé Galeria de Arte, em Sal-vador. Os curadores podem entrar em contato diretamente com o artista e com a comercialização de seus tra-balhos.

Segundo Paulo, o preço das obras a serem comercializadas é definido pelo mercado. “Todo artista tem seu preço de mercado, não adianta in-ventar valores, é o mercado quem vai ditar”. Nesse caso, é muito mais difícil para os artistas iniciantes con-seguirem expor seus trabalhos. “Cus-ta muito caro fazer uma exposição com catálogos, convite, cobertura de imprensa, coquetel. Com um artista consagrado, você sabe que vai ter um retorno garantido, porque pelo menos os custos ele cobre através de suas vendas. Um artista novo pode ven-der uma exposição inteira, mas não vai cobrir os custos”, diz Veranice. Segundo os padrões internacionais, a galeria retém 33% dos lucros ge-rados por uma exposição. Na Bahia, porém, a maioria delas trabalha com um percentual maior, em geral 50%.

As exposições também podem ser montadas com apoio de recursos públicos. No ano de 2008, a Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) disponibilizou R$ 280 mil através de edital de apoio a projetos de curadoria e montagem de exposições no estado da Bahia.

Curador e ArtistaPara merecer um título como “grande artista”,

certamente o trabalho do curador tem impor-tância fundamental no mundo da arte. Seja nos museus ou nas galerias de arte, a presença de um curador na montagem da exposição ajuda a definir o que o artista pretende passar para o público com a sua obra.

“O olhar do curador é diferente. Ele se preocu-pa com o recorte a ser feito da obra. O curador pode pegar uma fase ou algumas fases do artista e a partir de um olhar seu montar a exposição”, diz Paulo.

Uma montagem mal feita prejudica o traba-lho, por isso ela deve ser discutida e analisada em conjunto. O curador e o artista precisam trabalhar em consonância para que a exposição seja configurada de modo a valorizar as obras de arte. Às vezes, ver uma exposição fora de ordem ou de contexto não impressiona tanto. Porém, uma curadoria bem feita pode levar o especta-dor a apreciar bem mais o trabalho, porque o curador teve sensibilidade e conhecimento su-ficiente para saber como distribuir as obras. As-sim, um curador deve montar uma exposição de forma a apresentar um sentido aproximando o máximo possível o espectador daquilo que o ar-tista tentou comunicar. “Você tem que ter uma sintonia. É como quem toca um violino: um ex-pert, e o outro é o maestro”, diz Veranice. E essa relação ajuda a definir o que é transitório e o que fica para sempre na história da arte. Verani-ce completa: “As pessoas não querem ver coisas passageiras. As pessoas querem eternizar”.

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Costurandouma

profissão

Linha, agulha, tesoura, giz e fita métri-ca. Esses são os instrumentos de trabalho e fiéis aliados de Antônio Andrade há 55 anos. Na rua Domingos Caetano, no Bar-balho, onde mantém um ateliê de “fundo de quintal”, é fácil encontrá-lo caso se pergunte aos vizinhos por ‘Seu Andrade’. Anos de trabalho o fizeram sentir na pele as mudanças das últimas décadas. Já não se encomenda mais roupa como antiga-mente. “Pra quê? Se tudo agora é indus-trializado, feito em larga escala e mais barato?”.

Na cidade de Ruy Barbosa, as coisas eram muito diferentes quando o menino Antônio, aos 15 anos, começou a costurar com sua avó. Logo ele pegou gosto pe-los cortes, numa época em que a maio-ria das pessoas frequentava alfaiatarias e movimentava a profissão. Da costura em casa para uma alfaiataria da região foi um pulo. Lá aprendeu a fazer os traços preci-sos que definiriam seus trabalhos e teve a certeza de que seguiria a profissão. “A gente aprendia a fazer uma coisa de cada vez: primeiro se especializava em calças, depois em camisas e, finalmente, os se-gredos de se fazer um bom paletó”.

Após passar por São Paulo e Feira de Santana, Seu Andrade veio para Salvador em 1970. Trabalhou no centro da cidade no momento de efervescência das alfaia-tarias. “Elas estavam espalhadas pela Pra-ça da Sé, Rua Chile e Praça da Misericór-dia. Eram mais de 50”. Nesse período, a cidade já tinha indústrias têxteis, mas os alfaiates conseguiam manter a cliente-la que primava pela elegância e preferia cortes feitos sob medida.

A trajetória de um alfaiateao longo das mudanças do mercado

texto Luís Fernando Lisboa e Verena Paranhos

foto Luís Fernando Lisboa

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Seu Andrade teve vontade de mudar a rotina quando já trabalhava há mais de uma década em várias alfaiatarias no Centro, “com um ou outro alfaiate que lhe pagasse melhor”. Uma oportunidade sur-giu ao ver em um anúncio de jornal que a Alfred - fábrica de roupa social masculi-na - oferecia vagas para alfaiates. Ele não perdeu tempo, logo pegou seus materiais e foi bater na porta da fábrica. Talvez esta não tenha sido uma vontade qualquer, mas sim um indicativo de que os tempos estavam mudando. Andrade foi aceito e teve 90 dias de adaptação ao sistema fa-bril. No entanto, conta orgulhoso que em 60 dias já estava totalmente adaptado à rotina produtiva imposta pela fábrica, que, segundo ele, era completamente di-ferente do caráter artesanal das alfaiata-rias. “De lá saiam 400 roupas diariamen-te. Só eu alinhavava 80 paletós por dia”.

Em 1996, quando percebeu que a Al-fred estava prestes a falir, Seu Andrade resolveu fazer um acordo com a fábrica e sair com algum dinheiro no bolso. Mon-tou sua própria alfaiataria no quintal de casa e passou a conquistar clientes fiéis na região. “No dia-a-dia sempre chegam muitos pedidos para fazer bainha, colocar botão ou velcro. Raramente costuro peças inteiras, só para clientes especiais”, conta. Na verdade, hoje ele prefere os serviços menores, pois o lucro é maior. “Eu cos-tumava cobrar R$ 150 por um conjunto de paletó, mas já não faço mais porque não compensa. Existem muitas indústrias fazendo roupas mais baratas em grande escala. Eu sairia no prejuízo”.

Os consertos substituíram a antiga de-

manda de se fazer roupa sob medida e hoje são a principal fonte de renda de Seu Andrade. No entanto, não extinguiram um dos princípios básicos da profissão: atender aos desejos dos clientes e ajeitar as coisas do jeito que eles querem. Os fregueses pedem para cortar ali, aumentar aqui, emendar acolá e o alfaiate está sem-pre preocupado para que tudo fique exa-tamente como lhe foi pedido. É por esse motivo que prefere não trabalhar com consertos de vestidos, já que “não sabe fazer”. “Não aprendi a consertar vestidos cheios de detalhes. Algumas clientes até saem chateadas quando digo que não faço e duvidam que eu esteja falando a verdade”. Tantos são os pedidos diários que as sacolas acumulam-se em sua pe-quena sala de trabalho. “Às vezes não dou conta”, diz.

O alfaiate mantém uma relação infor-mal com a clientela, baseada na confian-ça e no compromisso de ambas as partes. As pessoas deixam suas calças, camisas e bermudas para que sejam consertadas sem nem perguntar o preço. Toda a ne-gociação é feita quando os clientes vêm buscar. Entretanto, nem sempre a relação é harmoniosa: “Às vezes o serviço fica pronto, eu precisando de dinheiro e as pessoas não vêm pegar”.

Alguns convites para voltar a ter cartei-ra assinada já bateram à porta de Seu An-drade, no entanto o alfaiate preferiu con-tinuar como autônomo. Ele foi chamado para trabalhar em uma loja do Shopping Iguatemi fazendo pequenos consertos, aceitou, mas só ficou por três dias. “Toda hora era uma coisa ou outra. Uma corre-ria. Eu liguei e disse que não queria mais. Aqui eu trabalho sozinho, ninguém me abusa, eu vivo mais à vontade. Tudo que eu faço aqui, faria lá também.”

Outras propostas surgiram com a che-gada do Salvador Shopping à cidade, mas dessa vez Andrade nem cogitou aceitar. “Me ligaram oferecendo uma oportunida-de de emprego. Disseram que pagariam R$ 800 por mês, eu respondi que não queria. Grosseiramente, foram logo me dizendo que eu não sabia o que estava perdendo”. Seu Andrade sabia que não estava perdendo nada. Ele prefere contro-lar sua rotina, marcar seus próprios horá-rios e no fim das contas ganhar até mais.

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Em novembro de 2006, três artistas in-dependentes foram proibidos de vender suas revistas durante o tradicional evento paulista de quadrinhos Fest Comix por-que os estandes eram reservados apenas para publicações de editoras. Sem outra opção, o desenhista André Caliman e os roteiristas Leonardo Melo e Cadu Simões montaram uma mesinha em frente ao evento e venderam seus títulos para os frequentadores do festival. Novas tenta-tivas foram feitas em outros eventos de quadrinhos e a ideia deu certo: a mesi-nha de produtos independentes cresceu e passou a contar com a participação de mais artistas e suas revistas. Foi então que os precursores desta iniciativa notaram o quanto os quadrinhistas nacionais care-ciam de uma organização que pudesse oferecer visibilidade no mercado. Assim nasceu o Coletivo Quarto Mundo, que distribui e divulga as revistas em quadri-nhos independentes pelo país.

Qual é o destino dos quadrinhos independentes no Brasil?

texto Marcelo Lima e Marcel Ayres

Através do

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Os encalhes do mercado de quadrinhos A realidade que envolve o Coletivo

Quarto Mundo e o mercado de qua-drinhos nacionais é complicada e pou-

co explorada pela imprensa. As notícias veiculadas na maioria dos cadernos de cultura que dedicam algum espaço para quadrinhos são, geralmente, sobre adap-tações para o cinema e lançamentos de obras estrangeiras. Além disso, a maioria das editoras aposta na migração dos qua-drinhos das bancas para as livrarias, que possuem um público exigente e disposto a comprar publicações em formato de luxo. Sendo assim, os quadrinhos nacionais permanecem acessíveis apenas para uma pequena fatia de leitores.

De acordo com o jornalista Sidney Gus-man, editor-chefe do site Universo HQ [www.universohq.com], octacampeão do Troféu HQ Mix - uma espécie de Oscar dos quadrinhos – na categoria “Site so-bre Quadrinhos”, o grande problema do mercado de quadrinhos nacional é a au-sência de leitores. “É preciso formar pú-blico. Um processo que é lento, gradual, e vem sendo realizado”. Esse processo de

ao lançamento. “Montar uma publicação, pagar a gráfica do próprio bolso e depois ainda ter que distribuir, divulgar e vender é um trabalho duro que não tem nenhum retorno financeiro no começo”, conta André Caliman.

Como o cenário independente de quadrinhos cresceu muito mais do que a procura de trabalho das editoras, os quadrinhistas passaram a investir em di-versas iniciativas alternativas. A que vem ganhando mais destaque é o Coletivo Quarto Mundo.

Mas o que é o 4º Mundo? Formado por um grupo atuante de ar-

tistas, o Quarto Mundo tem como princi-pais objetivos distribuir, vender, divulgar e trocar experiências sobre a produção nacional de revistas em quadrinhos inde-pendentes. O Coletivo, que antes contava informalmente com algumas dezenas de profissionais da área, hoje reúne mais de cem pessoas de diversas cidades do Brasil. Através de uma lista de discussões e repre-sentados pelo site [www.4mundo.com], o grupo discute a presença em eventos de quadrinhos, novas ações, bate-papos em

formação de leitor pode ser claramente notado pela adesão crescente de obras em quadrinhos no Programa Nacional de Bibliotecas, que em 2008 selecionou 19 livros em quadrinhos de diferentes gê-neros para serem distribuídos em escolas públicas brasileiras. Ainda assim, os nú-meros deste mercado demonstram que há um longo caminho a ser percorrido, ainda mais quando se trata dos quadrinhos in-dependentes.

Uma grande parcela dos artistas nacio-nais trabalha sem o apoio de uma edito-ra e sem leis de fomento específicas para sua área. Com a popularização da inter-net, alguns obstáculos começaram a ser superados. A facilidade em divulgar e distribuir histórias em quadrinhos online, por exemplo, contribuiu para a visibilida-de dos profissionais independentes, além de estimular a produção de novos autores e estreitar os laços entre eles.

No entanto, o mercado de impressos, que continua sendo a principal emprega-dora dos quadrinhistas, ainda é bastante reduzido. Por causa disso, muitos autores são obrigados a fazer toda a produção da obra e custear todo o processo: da criação

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escolas, palestras e, principalmente, pro-curam maneiras eficientes de viabilizar um mercado nacional de HQs.

Durante a fase de implementação, o primeiro passo do Coletivo foi pensar em um sistema de trocas. Como os materiais independentes, em geral, são feitos em ti-ragens pequenas, dificilmente são aceitos pelas grandes distribuidoras de revistas, o que dificulta uma ampla circulação pelo território nacional. Para driblar as dificul-dades, os membros do Quarto Mundo es-palhados pelo Brasil trocam revistas entre si - via correio - e as vendem, cada um em sua respectiva cidade. Por meio de consignação, os representantes de cada cidade conseguem colocar estes produtos em bancas e comic shops.

Organizar uma distribuição indepen-dente e ações de divulgação têm sido os primeiros passos firmes do Coletivo, re-conhecido na mídia especializada e por prêmios importantes, como o HQ Mix e o Ângelo Agostini. Segundo Cadu Simões, “nunca antes tivemos tantos quadrinhos brasileiros sendo produzidos e publica-dos, seja de modo impresso por editoras ou independentes, através da internet,

com uma proporção alta de obras com qualidade acima da média. Isso sem falar na variedade. Há quadrinhos para todos os gostos”.

Para André Caliman, os quadrinhos in-dependentes possuem ainda maior liber-dade criativa, uma vez que “cada autor, por ser dono de sua revista, publica aquilo que acredita e gosta. Novos estilos e for-mas narrativas vão surgindo a partir dessa liberdade criativa”. Uma rápida olhada no checklist de revistas do informativo Quarto Mundo revela a diversidade de gêneros: das histórias detalhistas sobre o cotidiano na revista “Nanquim Descartá-vel” às breves narrativas feitas para serem digeridas durante um cafezinho, na publi-cação “Café Espacial”.

Vivendo de quadrinhos Como revelam a maioria dos quadri-

nhistas brasileiros, não é nada fácil ganhar dinheiro com quadrinhos produzidos para o mercado nacional e dificilmente algum profissional se mantém apenas produzin-do quadrinhos. Cadu Simões garante que são poucas as revistas distribu-ídas pelo Quarto Mundo que

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esgotam suas tiragens. Além disso, o lucro obtido é

reempregado pelos autores para im-pressão e produção de novos trabalhos. De acordo com Leonardo Santana, pro-prietário da loja online de quadrinhos in-dependentes Bodega do Leo, “o perfil dos compradores ainda é, em sua maioria, de pessoas que fazem quadrinhos. Mas essa é uma regra com várias e cada vez mais exceções”. Além disso, comenta que os gêneros mais consumidos ainda são os de heróis e de ação, apesar de os de terror também terem uma boa vendagem.

O coordenador do núcleo de vendas do Quarto Mundo, Leonardo Melo, afirma que demora muito tempo para que uma edição se esgote. Ele exemplifica contan-do que a sua revista, a “Quadrinhópole”, lançada em outubro de 2006, ainda não está esgotada mesmo possuindo a peque-na tiragem de 1000 exemplares. Como comparativo, o quadrinho da “Turma da Mônica Jovem” possui cerca de 400 mil exemplares de tiragem.

Em Salvador, o consumo de quadrinhos ainda é pequeno em comparação ao eixo Rio-São Paulo, mas, ainda assim, existe um nicho com gostos bem diferenciados que alimenta o mercado local. Segundo Larissa Martina, proprietária da soteropo-

e a uma

rede mais m a d u r a de venda de quadrinhos, vejo o meu trabalho chegar a um público diverso e mais abrangente, coisa que se-ria impossível se agisse sozinho”. Como o Coletivo divulga e arquiva o material já publicado pelos seus membros, ele acredita que haja “um estímulo à pro-dução porque o trabalho não fica den-tro de uma gaveta e através da internet ganha alcance, sai do eixo Rio-São Pau-lo, tornando o produto visível em vários pontos do país”.

Apesar da melhoria na distribuição e divulgação dos quadrinhos indepen-dentes, Cadu Simões acredita que a consolidação do mercado de quadri-nhos nacionais ainda está temporal-mente distante, em torno de “vinte anos de trabalho a ser realizado”. Sidney Gusman admite que a iniciativa Quarto Mundo chacoalhou o mercado editorial independente, embora esteja apenas em seus primeiros passos. “Em relação ao mercado como um todo, ainda é uma iniciativa tímida. O que é natural, pois é algo novo”, compara.

litana RV Cultura e Arte, na cidade é possível encontrar “desde aquele leitor que gosta de revistas de super-heróis das bancas, até o cara que quer ter edições gringas de luxo”.

Quando o assunto é quadrinho inde-pendente, Larissa diz que a procura tem crescido aos poucos na sua loja. “Recebo HQs independentes com uma certa frequ-ência e há um público que, embora seja pequeno, é muito interessado. Quando falamos em títulos nacionais de grandes editoras, como a Conrad e a Devir, a história muda. Títulos como ‘Chibata’ e ‘Estórias Gerais’, por exemplo, são mui-to procurados na loja”. Isso fica ainda mais claro através dos números. Segun-do pesquisa realizada pelo site Guia dos Quadrinhos em 2008, no Brasil há uma grande concentração de títulos nas mãos das grandes editoras. Das 296 editoras do país, 11 possuem 54,48% do total de títu-los, e 73,13% das edições.

Vamos sair da gaveta! A visibilidade dada ao artista que integra

o Quarto Mundo é acentuada, como ex-plica o designer e quadrinhista alagoano Marlon Tenório: “Graças ao blog 4Mundo

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“Meu primeiro livro em som foi um compilado de histórias infantis em LP de vinil. Escutei um audiolivro antes mesmo de aprender a ler e tenho este disco até hoje guardado na casa dos meus pais”. É assim que o consultor de comunicação Ricardo Meirelles, 28 anos, descreve suas primeiras experiências com os audioli-vros, cujo mercado atualmente encontra-se em expansão. Se antes os livros para ouvir eram voltados somente para certos segmentos de público, como as crianças ou os deficientes visuais, hoje eles come-çam a conquistar novos leitores no Brasil, com o surgimento de editoras especializa-das e novos títulos. Nos Estados Unidos, o mercado de audiolivros já é bastante desenvolvido, representando 9% dos lu-cros das editoras e movimentando cerca de US$ 1 bilhão por ano. Foi este sucesso que motivou segmentos editoriais brasi-leiros a investir nessa área. Passou-se a ampliar o alcance das narrativas faladas, cultivando uma simpatia crescente dos leitores que, antes, consumiam apenas li-vros impressos.

De acordo com a pesquisa “Retratos

texto Carolina Guimarães e Leonardo Pastor

Mais fácil queaprender japonês em

Literatura para ouvir: os audiolivros – livros gravados em áudio – vêm conquistando um segmento cada vez maior no mercado editorial brasileiro.

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de Leitura no Brasil” de 2008, realizada pelo Instituto Pró-Livro, 2,9 milhões de brasileiros consomem livros em formato de áudio. Apesar do número crescente, a porcentagem desse tipo de leitor ain-da representa apenas 3% do total, sendo muito inferior ao dos livros convencionais (50%) e se colocando na frente, apenas, dos livros em Braille (0,2%). Por outro lado, ao se analisar o tempo dedicado por semana para quem lê cada suporte, o li-vro em áudio aparece em terceiro lugar, com uma média de 2 horas e 11 minutos. Nesse quesito, perde apenas para textos na internet (2 horas e 24 minutos) e livros recomendados pela escola (2 horas e 12 minutos).

Primeiras vozes Em meio ao caótico trânsito paulista-

no, Marco Giroto, hoje proprietário da Audiolivro Editora, pensava em uma for-ma de aproveitar melhor o tempo gasto durante o trajeto de carro de sua casa até o local de trabalho. “Eu trabalhava em Barueri (grande São Paulo) e gastava duas horas para ir ao trabalho e duas para voltar”. Teve a ideia de se lançar em um mercado ainda inexistente no Brasil: o de livros em áudio. Atualmente, sua empresa é uma das maiores no segmento, abran-gendo obras que variam de edições de best-sellers como “Marley e Eu” a contos de Tchekhov. As principais vendas, claro, concentram-se nos livros já populares no mercado de livros impressos.

Foi a Audiolivro Editora, inclusive, a responsável pela inauguração da primei-ra livraria do país especializada em livros para ouvir. A loja está localizada em São Paulo e oferece ao leitor a possibilidade de adquirir tanto o audiolivro em CD

quanto em formato MP3. O leitor pode levar seu iPod, por exemplo, e transferir o arquivo de áudio por um preço menor.

O surgimento, logo em seguida, de ou-tras editoras no ramo acabou por favore-cer uma maior disseminação do formato de livro em áudio. É o que diz Paulo Lago, diretor da Editora Nossa Cultura: “O mer-cado está crescendo com o aumento do número de editoras especializadas, o que favorece o surgimento de novos títulos e a divulgação do formato entre o público em geral”.

A crescente popularidade dos audio-livros levou algumas editoras de livros impressos a investir nesse mercado em as-censão. A Plugme, pertencente ao grupo Ediouro, surgiu apenas em setembro de 2008 e já conta com uma grande varieda-de de títulos publicados. Patrick Osinski, responsável pela editora, mostra-se ain-da mais otimista este ano. Segundo ele, o mercado de audiolivros no Brasil está crescendo de maneira espetacular. Um dos motivos seria a praticidade que o au-diolivro oferece, podendo ser armazena-do em diferentes mídias. É possível, por exemplo, pagar para fazer o download de um arquivo de áudio, em formato MP3, e transportá-lo para um tocador de MP3 portátil, como o iPod, ou, ainda, para um aparelho celular e ouvi-lo em qualquer ambiente.

Outro fator importante para o aumento da popularidade dos audiolivros é a In-ternet. Para Marco Giroto, a rede é hoje um dos principais canais que auxiliam as pessoas a conhecer os audiolivros. “Sem a internet poderíamos estar bem atrasados no que diz respeito ao conhecimento do produto em todo o Brasil e também em Portugal que está começando agora e é

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É melhor ler um li-vro antes de dormir. É mais fácil ouví-lo, se estiver no carro indo para o trabalho

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Ricardo Meireles - consultor de comunicação

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um forte comprador de audiolivros bra-sileiros”, diz ele. Já no caso da editora Nossa Cultura, o principal meio de venda ainda é a livraria, apesar dos investimen-tos terem aumentado para a loja online, o que fez as vendas crescerem 30% desde 2008.

Novas sensações

Ana Maria Oliveira, 49 anos, profes-sora universitária da área de literatura, começou a ouvir audiolivros após com-prar algumas edições para sua mãe, de-ficiente visual. De início – e ainda hoje, em certos aspectos –, tinha dificuldade para reconhecer detalhes da construção do texto literário, visíveis apenas na ver-são escrita. “No meu caso, sinto falta do livro em papel. Leio mais livros em papel do que audiolivros. Acho que nossa per-cepção visual de um texto é mais fami-liar que a percepção auditiva”, explica. Ainda assim, fala que muitas pessoas têm resistência aos livros em áudio justamente por não conhecê-los. Há, de fato, pouco conhecimento em relação às potenciali-dades dos audiolivros. Para Marco Giroto, as livrarias devem ter um papel importan-te na popularização dos livros em áudio: “Por ser um produto novo, que poucas pessoas conhecem, as livrarias deveriam dar uma atenção maior aos audiolivros”.

Segundo Ricardo Meireles, uma das vantagens do audiolivro refere-se à capa-cidade de fácil deslocamento, já que não se mostra necessário carregar pesados li-vros de papel. Os dois tipos, na verdade, adequam-se a situações diferentes. “É me-lhor ler um livro antes de dormir. É mais fácil ouvi-lo se estiver no carro indo para o trabalho”, diz.

Inclusive, ele não acredita na substi-tuição dos livros escritos pelos de áudio. “Da mesma forma que ouço entrevistas em podcast e não deixo de ler outras escritas nas revistas, leio alguns tipos de livro e ouço outros”, reitera. Os audioli-

vros, na verdade, proporcionariam sen-sações diversas daquelas experimentadas pelos livros convencionais. “São mídias diferentes”, diz Ricardo.

Paulo Lago explica de forma semelhan-te: “A sensação de ouvir um livro é dife-rente de ler, mas é igualmente encantado-ra, já que permite ao leitor-ouvinte usar sua imaginação para viajar na história”.

Exatamente por se apresentar como uma nova forma de lidar com a narrativa, os audiolivros costumam agradar aos au-tores. O músico e escritor baiano Ricardo Cury, por exemplo, diz interessar-se por publicar um livro em áudio, incluindo sons e efeitos sonoros para complemen-tar o enredo. Dessa forma, o próprio autor poderia criar intervenções sonoras capa-zes de produzir efeitos difíceis de serem transmitidos pela escrita.

Outro fator importante é uma maior aproximação com o leitor, no caso de livros em áudio gravados pelo próprio autor. Segundo Paulo Lago, essa é uma forma de enriquecer o formato. Dá-se, as-sim, a chance do escritor representar, com sua voz, a história que criou. Um exem-plo muito popular é o do livro “Perdas e Ganhos” de Lya Luft, gravado pela própria autora. Marco Giroto diz ser possível esse tipo de gravação desde que o autor pos-sua disponibilidade e uma boa dicção. Os leitores, em geral, empolgam-se ao perce-ber que estão ouvindo um livro com a voz da pessoa responsável pela construção da história. “Imagine um audiolivro de Kafka narrado por ele mesmo!”, brinca Ricardo Cury.

Assim, o investimento na gravação de livros já populares em formato impresso, e as facilidades trazidas pela internet e to-cadores de MP3 ajudam os audiolivros a ganhar um espaço cada vez mais expres-sivo no mercado brasileiro. E os leitores-ouvintes podem experimentar aquela sen-sação esquecida, talvez, desde a infância: fechar os olhos e ouvir uma boa história.

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SEXin the

CITYO fenômeno das publicidades de motéis em Salvador

texto João Araújo e Nelson Oliveira

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Bolas de futebol em formato de coração perto do Estádio de Pituaçu. Ampulhetas simulando um corpo feminino em Brotas. Limões semelhantes a seios em Itapuã. O que essas imagens têm em comum para além da associação de objetos a partes de seres humanos? Todas elas ilustram outdo-ors publicitários de motéis de Salvador.

Para alguns, sofisticadas publicidades de produtos para os quais não se espe-ra nada além do vulgar. Para outros, um meio de satisfazer um voyeurismo ma-chista. O fato é que não há dados que comprovem se essas publicidades fun-cionam ou não. Ao menos funcionaram para Marcos Araújo, torcedor do Bahia. Incentivado por uma promoção do Deca-meron, divulgada em outdoors, que cedia estacionamento para clientes que fossem assistir a jogos no Estádio de Pituaçu, ele guardou seu automóvel no motel durante todo o campeonato baiano. “Pra mim era ótimo. Eu deixava o carro lá, não tinha problema com segurança ou estaciona-mento, via meu jogo e depois ia come-morar ou chorar as mágoas com minha namorada no motel”, diz Marcos.

Com o aparente crescimento do mer-

cado moteleiro, as publicidades estão es-palhadas por diversos pontos da cidade, passando a ser mais visíveis em seu con-junto. É interessante perceber que esses anúncios são graficamente bem realiza-dos, embora alguns profissionais achem que esse ramo da publicidade ainda não está consolidado. Para o designer Alceu Neto, que teve recentemente uma peça encomendada para um motel da cidade, “na Bahia não existe um mercado estrutu-rado para esse tipo de anúncio: a maioria dos empresários cresceu na unha, e pou-cos investem em marketing de verdade e publicidade”.

No entanto, existem alguns publicitá-rios que têm certa experiência neste setor, como Pedrinho da Rocha, que embora não viva apenas de publicidade de mo-téis, trabalha com essa demanda há dez anos, e já recebeu dois prêmios por ou-tdoors para este segmento. Para ele, as campanhas ganham visibilidade porque refletem um traço de nossa cultura, e, por isso, são anunciadas como as de qualquer outro produto, sem causar estranhamento aos transeuntes. “Os outdoors são revela-dores de um traço de nossas sociedade e

Os outdoors são revelado-res de um traço de nossa sociedade e sexualidade, e, portanto, de sua cultura

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Pedrinho da Rocha, publicitário

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sexualidade, e, portanto, de sua cultura. Por isso a maior parcela das pessoas reage com naturalidade às peças.”

Abaixo do nível do (a)mar Se, para Pedrinho da Rocha, os outdo-

ors se misturam às outras paisagens da cidade e à confusão de carros e pessoas sem causar estranheza, há aqueles que consideram que este tipo de publicidade pode ser invasiva. O publicitário e analis-ta de mercado Leonardo Araújo é um dos que sustentam essa opinião. Há dois anos, em seu blog [www.leonaraujo.com], ele já criticava o “baixo nível” das peças publicitárias do segmento de motéis de Salvador. Desde aquela época ele co-mentava algumas peças, por “remeterem grosseiramente a corpos femininos para impactarem um maior número de pesso-as”. Ele usava como exemplo duas peças. A primeira associava zonas erógenas do corpo a frutas, enquanto a outra, que tra-zia a imagem do tronco de uma mulher, falava sobre “desvendar os mistérios da Mata Atlântica”, numa clara alusão a pe-los pubianos. “Para muita gente este tipo de publicidade pode ser ofensiva. Não vi, nestes últimos dois anos, uma evolução nas propagandas para motéis. O volume de boas propagandas ainda é muito pe-queno”, ele afirma.

Leonardo ainda enfatiza que a exalta-ção do corpo feminino na propaganda pode fazer da mulher um objeto, o que

– se já foi um machismo comum no pas-sado – hoje é totalmente inaceitável. “A exaltação do feminino não pode romper a barreira ética e explorar a sexualidade na busca dos objetivos”. Pedrinho da Rocha, no entanto, acredita que suas criações evitam o chauvinismo. “Penso em tornar o produto desejável pelas mulheres. São elas que influenciam a decisão dos ho-mens nessa hora, mesmo que não digam nada. O ‘cara' sempre vai querer dar o melhor para elas”, conclui.

O designer Alceu Neto também acha que as publicidades são voltadas para os homens. De acordo com seu pensamen-to, tudo funciona de uma maneira mui-to reducionista. “Não conheço nenhum dono de motel que não seja homem, e, por mais que as mulheres sejam liberais, ainda são mulheres. Por isso a maioria das peças é voltada para os homens”, ele defende. Aline Nascimento, estudante de psicologia, acharia a opinião de Neto machista e vê no fato de grande parte das peças serem voltadas para os homens um aspecto nocivo: “Como mulher, me sin-to ofendida por essas publicidades. Eles [os publicitários] não entendem nada de sexualidade feminina. Se pensassem nas mulheres, não apelariam para o corpo fe-minino como objeto”.

Wet ‘n WildObservando o crescente filão das pu-

blicidades para motéis em Salvador, o

publicitário soteropolitano Paulo Diniz criou o concurso “Dia do Sexo Selva-gem” no fórum Hangar Network, que tem usuários de todo o Brasil. No fórum, que conta com mais de 33.300 membros, há uma seção específica para discussões de design, onde é comum a criação de pe-quenos concursos de edição de imagens. O desafio “Dia do Sexo Selvagem” foi au-dacioso, porque previa a criação de uma campanha inteira para um grande motel da cidade, em cima de uma data obvia-mente inexistente, e não apenas a edição de um outdoor. “Sexo é um tema atraente para qualquer um e bastante rico em pos-sibilidades de criação. Imaginei que seria mais fácil a adesão ao concurso se o tema fosse este. Além disso, usando um motivo como o ‘Dia do sexo selvagem' podería-mos ter, em minha opinião, um material divertido e com potencial de bom resulta-do para os participantes e espectadores”, afirma o publicitário.

Por conta da complexidade do traba-lho, no entanto, o concurso foi cancelado prematuramente, mas a própria iniciativa de Paulo Diniz aponta para uma crescen-te visibilidade do fenômeno na cidade, pelo menos entre os publicitários. Este é um mercado que vem se estruturando e já conta com profissionais que trabalham há anos na área. Quanto a qualquer po-lêmica que possam causar, Diniz afirma: “alguns anúncios são muito bacanas e al-guns outros exageram e soam grosseiros”.

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FRAUDE 2008/09 23FRAUDE 2009/10

Na biografia de Tim Maia, escrita por Nelson Motta, produtor musical e seu amigo íntimo, o período no qual o can-tor esteve ligado à Cultura Racional não recebe grandes atenções, mesmo sendo reconhecido como uma das mais produ-tivas fases do músico. Tim também nunca gostou de falar no assunto e até ordenou que os dois discos racionais que gravou fossem retirados das lojas. Desde então, seus adeptos ficaram conhecidos por se-rem apenas malucos que só se vestiam de branco e que acreditavam em seres extra-terrestres.

Foi para desvendar a Cultura Racional além das concepções de um magoado

Tim Maia e de um site oficial dogmático que, numa tarde quente de quarta, dribla-mos os camelôs do Centro de Salvador para chegarmos à Livraria Racional. O es-paço, localizado no quinto andar de um prédio envelhecido no largo do Relógio de São Pedro, é alugado e custeado por doações dos estudantes da Cultura. Fo-mos recebidos por Jandoval Conceição, que faz o trabalho de cuidar da livraria voluntariamente. Logo na chegada, ele advertiu: “Espera o Jorge chegar, que ele fala com vocês. Leio e releio os livros há 25 anos, tentando entender, mas ele sabe ainda mais”. Toda a concentração em ler e reler dos livros tem uma explicação:

para os racionais, a verdade absoluta se encontra tão somente nos 1006 livros es-critos pelo carioca Manoel Jacintho Coe-lho (MJC), criador da Cultura e conhecido como o Racional Superior. Quanto mais se lê, mais se entende.

É por isso que quem falou com a Fraude foi Jorge Luís Silva, bancário, 36 anos de estudo da obra de Seu Manoel. Ele foi nos encontrar em horário comercial, fazendo jus ao “dever de fazer propaganda deste conhecimento”. “Quando o trabalho é para a Fase Racional, a gente faz um es-forcinho”, justifica. O estudante explica que a Cultura Racional foi fundada em 1935, quando seres do Astral Superior,

O caminho do bem: leia logo, saiba logo. O caminho do bem: está na hora, é agora

Cultura do Desencanto

texto Caio Sá Telles e Nelson Oliveira

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plano espiritual onde viveriam seres mais evoluídos, entraram em contato com o Racional Superior. Para que se retorne a este plano, é fundamental que se desen-volva o raciocínio, dom dos seres huma-nos, até que seja alcançada a Imunização Racional.

O mapa do Brasil inscrito nas cami-sas brancas, que são características dos estudantes da Cultura, reforça que ela é uma manifestação restrita a nosso país. Seus seguidores acreditam que tudo pode ser explicado pelo que MJC escreveu: “o próprio Retiro Racional teria sido previsto por Nostradamus e pela Bíblia”. Jorge Luís afirma também que a Imunização Racio-nal protege de doenças: “quem não estu-da a Cultura Racional é suscetível a pegar doenças como AIDS e influenza A”.

Eu tive que subir lá no alto para ver Energia Racional

Depois de envolvimento com drogas e uma passagem de 15 anos pela Igreja Batista, Jorge Luís diz que sua vida mu-dou completamente após deixar para trás o que chama de falseamento da verdade. “Só conquistei a paz e a harmonia lendo o Livro Universo em Desencanto. E tem que ler e reler”. Para os seguidores da Cultura, templos religiosos são vistos como artifí-cios, distantes de qualquer naturalidade e, por isso, de uma verdadeira adoração a Deus.

Porém, os organismos da Cultura são permeados por uma organização extre-mamente rígida e hierárquica. Antes de morrer, em 1991, quem dava a última palavra sobre tudo era MJC, por ter o ra-ciocínio mais desenvolvido que todos os outros. Agora, a organização é presidida por Atna Jacintho Coelho, sua herdeira. A Varanda, como é conhecida a adminis-tração central, controla todos os núcleos racionais e todos os lucros obtidos com a venda de livros, discos ou qualquer outro produto racional. Ela se localiza no Re-

tiro Racional, fazenda situada em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, considerada uma espécie de Shangri-lá racional.

Os custos do Retiro são financiados pe-las vendas dos produtos racionais. A ali-mentação de seus moradores é produzida lá mesmo, através de criação de animais, cultivo de hortas e da panificadora comu-nitária. Jorge, pensando em seu bem estar, comprou um apartamento por lá, para abrigá-lo em sua viagem anual. Durante o restante do ano, o cômodo é ocupado por internos do Retiro. Para frequentá-lo, é necessário dar à TEFA (Tenda Espí-rita Francisco de Assis) uma contribuição mensal de sete reais. “Quando a pessoa vê a seriedade da coisa, a naturalidade, a paz e a harmonia que tem lá, ela não quer voltar mais”, atesta Jorge. Fernando Corisco, vocalista do Bando Virado No Móhi de Coentro, também já foi estudan-te e viveu no Retiro. Antes de se afastar da Cultura, “por circunstâncias da vida”, também gostava muito de lá. “Tive a opor-tunidade de conviver no Retiro Racional e presenciei coisas estranhas e belas. Isso me marcou”, afirma o forrozeiro.

No entanto, nem todos têm a mesma opinião sobre o que acontece no Retiro Racional. Carlos Senna, Fernando Mar-tines e Rafael Cabral, estudantes de jor-nalismo da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, fingiram serem estudantes ini-ciantes para escrever uma matéria. Eles se infiltraram e passaram um mês parti-cipando de todos os seus eventos, além de uma viagem de três dias para o Retiro Racional. “Lá funciona uma coisa meio Alemanha hitlerista. Uma devoção cega, xiita mesmo, tudo altamente hierarquiza-do”, opina Rafael.

Dentro da própria Cultura também há discordâncias e cisões. A administração racional avisa veementemente em seu site: “não temos núcleos ou filiais de es-pécie algum”. Porém, em Salvador, ape-nas a livraria que fica no largo do Relógio

‘‘Só conquistei a paz e a har-monia lendo o Livro Univer-so em Desencanto. Tem que ler e reler

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Jorgue Luís, maestro da banda União

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de São Pedro está registrada junto à admi-nistração central da Cultura. Outro grupo, que se reúne a dois quarteirões dali, no Largo Dois de Julho, não é reconhecido pela TEFA. Segundo Jorge, o outro grupo não procede de acordo com o que diz MJC. “Avisamos a eles que o que eles fa-zem não está dentro da nossa ética, mas eles insistem em dizer que há outro ra-cional evoluído, um tal João Andrade de Souza, de Cuiabá. Não gosto nem de falar desse assunto”, desconversa.

Edson Bonfim, coordenador da biblioteca racional dos dissidentes, rebate as acusações de Jorge e afirma que MJC havia previsto, no livro 301, que um estudante desenvolveria o raciocínio a níveis elevadíssimos. “Não é só porque Atna é filha do Racional Superior que também tem o raciocínio desenvolvido e não precisa ler os livros. Se tivesse lido, saberia o que seu pai havia escrito. Ela precisa entender que a Cultura Racional é um bem da humanidade e não propriedade privada”, denuncia. Também há divergência quanto às práticas racionais. Os “oficiais” não se vestem de branco o tempo todo, mas gostam de roupas claras, aceitam o consumo de álcool e tabaco de forma moderada, enquanto o grupo do Dois de Julho só usa roupas brancas e rejeita o álcool e o fumo. Os dissidentes também não pagam mensalidades e até criaram mais uma banda, a Banda da Cultura Racional. Edson também afirma que eles leem os livros na ordem, diferentemente do outro grupo. Metafórico, comemora sua nova fase: “Antes, eu só andava com o livro debaixo do braço, feito desodorante. Hoje, não”.

Artes racionaisDesde Tim Maia, a Cultura Racional

sempre foi muito ligada à produção de músicas. Atualmente, todo estudante que também é músico faz parte da big

band União Racional, composta por mais de mil membros espalhados pelo país. Jorge é um dos maestros do setor baiano, que costuma desfilar em datas cívicas. Segundo ele, a sua indicação aconteceu por uma inusitada ordem do próprio MJC. “Eu tinha sugerido a criação da banda, mas não tinha experiência. Por isso a coordenadora regional da CR não queria que eu fosse o maestro. Daí, quando ela foi a Belford Roxo com os dois candidatos à vaga para consultar seu Manoel, ele disse ‘escolhe o Jorge`. Ele nem sabia quem eu era, mas me indicou. Isso só foi possível porque ele está em todos os lugares”, afirma.

Fernando Corisco também já fez parte da banda União. Segundo ele, foi um período muito fértil da sua vida. “Era uma coisa boa e as pessoas envolvidas eram bastante agradáveis e inteligentes”, lembra. Atualmente, a banda ensaia todos os sábados na escola pública Góes Calmon, em Brotas, através de parcerias feitas com os órgãos do governo. O repertório é marcado por composições instrumentais próprias. Como as músicas não têm letras, a divulgação da Cultura Racional se dá através da caracterização dos membros, uniformizados com as camisas do mapa, e de bandeiras com os dizeres “Leia o Livro Universo em Desencanto”.

Qualquer lucro obtido pela banda, com apresentações ou direitos autorais das músicas, também vai para o Retiro Racional. Para Jorge, Tim Maia resolveu deixar a Cultura a partir do momento em que passou a divergir com a administração do Retiro e querer lucrar com seus discos racionais. Contudo, para mostrar que não tem rancor de Tim Maia, Jorge Luís sacou seu celular do bolso e colocou para tocar a raríssima “Escrituração Racional”. “Por mais que Tim tenha falado mal da Cultura, ele nos divulgou. Os curiosos vão pesquisar e ver que não é nada disso

que ele falou. Quem faz como ele nem sabe que está, na verdade, ajudando a nos divulgar”, interpreta.

As proezas do raciocínio desenvolvido

Não há dúvidas entre os estudantes da Cultura Racional de que seu Manoel era um ser único no Universo. Jorge mesmo afirma que sentia coisas inexplicáveis quando chegava perto dele. O maestro conta que, certa feita, a banda ia desfilar, mas chovia granizo. Seu Manoel incenti-vava: “Podem ir!”, mas ninguém se mo-via. Então, com um gesto de mãos, MJC teria clareado o céu para que a banda Ra-cional pudesse ir às ruas, cumprir o dever de divulgar este conhecimento. Fernando Corisco também testou os poderes do Ra-cional Superior. A mais de 100 metros de distância, perguntou baixinho: “O senhor é representante de Deus na Terra?”. Se-gundo Jorge, ele acenou afirmativamente com a cabeça, deixando todos os presen-tes emocionadíssimos.

Jorge afirmou ainda que já vivenciou outras “comprovações” do poder dos seres do Astral Superior, como doenças curadas por feixes de luzes. Ele afirma que, em uma época que estava com problemas estomacais e nas articulações do joelho, dormiu com um dos livros debaixo de seu travesseiro. No dia seguinte, seu sobrinho lhe confidenciara ter visto um feixe de luz envolvendo seu corpo e Jorge não mais sentia dores. Ele afirma que seres racionais apareceram em forma de feixes de luz, enquanto estudavam o Livro. Para quem acreditava que os seres do Astral Superior eram extraterrestres, Jorge dissipa especulações: o uso das naves espaciais no imaginário da Cultura é apenas alegórico. “Os seres racionais são bolas de luzes e a gente só usa a figura das naves espaciais para chamar a atenção”, explica.

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Acarajé só com salada

— Baiana, o vatapá leva camarão?— Com camarão é R$ 4,50, sem cama-

rão é R$ 3,00. — Não, eu perguntei se o vatapá leva

camarão. — Ah, minha filha, tudo leva camarão.

Vatapá, caruru, abará. Só a massa do aca-rajé que não leva.

Ao saber disso, meus dias de típica baia-na estavam condenados. Como conviver com o dilema quase existencial de ser baiana e vegetariana? Comer ou não co-mer o vatapá, tão tradicional no acarajé de cada dia, tão essencial na Semana Santa, tão substancial para uma existência com-pleta, tão...

Exageros à parte, não é fácil ser vegeta-riana e baiana ao mesmo tempo. Há quem consiga, esses são os nobres sofredores que se esqueceram dos prazeres da juven-tude e abdicaram da vida das moquecas, carurus, vatapás e todas as delícias que podem surgir em uma cidade litorânea. Não é fácil ser baiana, vegetariana e, além disso, gostar muito de acarajé. É preci-so resistir, diariamente, ao cheirinho de dendê, ao caldinho da moqueca, àqueles aparentemente inocentes pedacinhos de quiabo, misturados diabolicamente com camarão triturado.

Mas o que os olhos não veem a consci-

ência vegan não sente? Não dá para não pensar nos coitadinhos dos ca-

marõezinhos que passaram por um doloroso pro-cesso até chegar à banca das baianas de acarajé: pesca, morte, salga, decapitação, defumação, tri-turamento, afogamento póstumo em dendê incan-descente. Já me acusava um amigo: você come justamente os animaizinhos que passaram pelo processo mais doloroso de morte.

Um companheiro da causa vegetariana me deu a dica certa vez. Lá na Lapa tem um restauran-te vegetariano que às sextas-feiras serve comida baiana. Delícia. Pensei que todos os meus proble-mas alimentícios e éticos estavam resolvidos. Oh, deveria ser o céu! Todos os quitutes baianos, sem a parte chata dos camarõezinhos, sem a marca da morte de inocentes criaturinhas marítimas, pensei eu.

Mas nada é perfeito! Nada de acarajé, nada, nem um bolinho sequer. O acarajé mais próximo dali eram os vendidos na avenida Sete, que cus-tam só um real, com refrigerante incluso. O restau-rante tinha um conceito diferente do meu sobre o que é comida baiana. Conceito tão estranho que, para eles, comida baiana é abobrinha com pimen-ta e feijão com banana. Aí já é demais, eu tenho os meus princípios.

Não há escapatória, para matar a saudade da baianidade, da próxima vez, a baiana do acarajé vai sentir a tristeza em minha voz, ao ouvir:

— Me vê um, só com salada!

texto Paula Janay

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Meu nome é Gal e desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal

“Torço para que esta carta te encontre em paz, com saúde, alegria, amor, tanto a você quantos aos seus. Bom, como essa é a primeira carta, falarei de forma ampla sobre mim para que você me conheça.”

É assim que Sumara Santos, 39, que mora em Anápolis, Goiás, começa a sua apresentação, escrita em um típico papel de carta: perfumado, lilás, decorado com flores e corações. Com caneta de tinta pre-ta, ela nos conta sobre sua vida, sua filha e sobre sua recente separação do marido, que provocou a mudança de cidade e a troca de emprego. Ao se apresentar, nos diz como aqueles que se correspondem através de cartas entram em contato com seus novos correspondentes, desconheci-

Em tempos de redes sociais e conversas instantâneas na internet, há quem ainda prefira as mensagens escritas em papel e recebidas por correio

texto Jéssica Passos e Paula Janay

dos, mas que segundo Sumara, tornam-se seus novos amigos.

Sumara é amante de cartas e come-çou a se corresponder aos oito anos com uma tia de quem gostava muito, mas que morava em uma cidade diferente da sua. Apesar do início não ter sido bem suce-dido — suas cartas de criança não eram respondidas —, Sumara agora se corres-ponde com várias pessoas diferentes, com idades entre 15 e 65 anos.

Mas quem são essas pessoas que ain-da mantém o hábito de se corresponder por cartas? E o que as motiva a utilizar um meio de comunicação tão lento e que de-manda tanto tempo? O que leva alguém a sair do conforto de sua casa e ir até o

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correio enviar cartas para quem não co-nhece? João Machado Neto, 21, biólogo, começou a trocar cartas com outros cole-cionadores de cartões; Denis Gonçalves, 39, funcionário público, através de anún-cios publicados na revista Correio Astral, do João Bidu, famoso editor de revistas de horóscopo, achou a ideia da corres-pondência por cartas muito interessante e atualmente se corresponde com 50 des-conhecidos. Isabella Soares, 15, estudan-te, é vocalista de uma banda e entre as ati-vidades da escola e os shows, acha tempo para falar da sua vida através das cartas.

O que há de comum e o que une essas pessoas é a vontade de compartilhar ex-periências, acreditando que há mais bele-za em palavras escritas à mão. “Só quem recebe cartas entende isso, mas o fato de ter em suas mãos uma carta que foi feita para você, na qual a pessoa te dedicou minutos, faz do momento em que você pega a carta e se demora a abri-la uma emoção indescritível”, comenta Sumara.

O tempo nas cartas também é diferente do tempo das conversações diárias, das trocas de emails, dos programas de men-sagens instantâneas. “Na troca de cartas a interatividade não existe em tempo real, então você pode falar à vontade sem ser interrompido”, aponta Denis Gonçalves. Ele se mostra fascinado pelo que chama de uma interessante e estranha viagem no tempo: o que está escrito nas cartas é ao mesmo tempo novo e antigo. Novidade, para quem lê, e passado para quem escre-veu. Descartando ou ignorando a possibi-lidade de conversar através de mensagens

instantâneas e receber as respostas ime-diatamente, em tempo real, os amantes das cartas preferem o hiato entre o mo-mento em que escrevem e aquele no qual sua carta é recebida.

Dos classificados de papel aos blogs

Quem se interessa em trocar cartas pode encontrar pessoas para se corres-ponder nos tradicionais anúncios em revistas e jornais. Neles, as pessoas dis-ponibilizam seu endereço e manifestam suas preferências para essa correspon-dência – por exemplo, a idade da pessoa com quem se deseja corresponder, o ob-jetivo, se é para fazer amizades ou para procurar um relacionamento amoroso ou, simplesmente, trocar materiais colecioná-veis. Porém, atualmente, um dos modos mais utilizados de encontrar pessoas para trocar cartas é a internet. As redes sociais são úteis para o contato inicial. A maior comunidade sobre cartas do Orkut tem aproximadamente 25.000 pessoas. “Eu normalmente ‘fuço' o perfil do Orkut dos meus correspondentes antes de ‘conhecê-los'. Procuro pessoas com a mesma idade porque fica mais fácil de ter assuntos em comum”, conta Isabella.

Além de encontrar endereços de pes-soas desconhecidas em redes sociais, os amantes de cartas encontram outros correspondentes através de Decos e FB’s (Friendship Books). Decos e FBs são pe-quenos livros em que as pessoas anotam seus endereços, como em uma lista de classificados. Ao receber um Deco ou FB,

a pessoa escreve o seu endereço e passa para outro usuário, que também o passa para outra pessoa, e assim sucessivamen-te, até o preenchimento total do caderno, quando este deve retornar ao seu dono. Dependendo do tamanho, e da quantida-de de folhas, um FB pode demorar meses ou até anos para retornar ao seu proprie-tário.

Elisângela Martins, 30, tem um “FB” virtual. O Trocando Cartas [www.trocas-decartas.blogspot.com] têm anúncios e endereços de pessoas dos mais diferentes estados brasileiros. O amor de Elisângela por cartas a fez criar um blog para reunir endereços de pessoas que gostariam de se corresponder ou que já se correspondem, mas que desejam ampliar os seus conta-tos. “Queria expor na internet algo que fizesse os jovens de hoje escreverem. Eu queria mostrar, também, que é bem mais gostoso receber e escrever cartas do que mandar emails. É como voltar ao tempo dos nossos pais e avós”, explica Elisânge-la, a orgulhosa moderadora deste que é um dos maiores blogs desse segmento no Brasil.

Os correspondentes de cartas não são avessos à tecnologia, mas saudosos e en-tusiastas de um tipo diferente de conver-sação. O desejo da maioria dessas pessoas é conhecer outras, dos mais diferentes ti-pos, fazer contatos, amigos, compartilhar a sua vida. Das mensagens instantâneas ao papel colorido e perfumado, o objetivo é o mesmo: construir uma interface entre dois desconhecidos.

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Uma pessoa de

texto João Araújo e Nelson Oliveira

Uma entrevista com o artista minusbaby

Ele cresceu no Lower East Side de Ma-nhattan dos anos 80 e hoje faz músicas de influência tropicalista com tons dos vide-ogames de 8bit. Em artes visuais, trabalha com pixel art, trocando os motivos tradi-cionais dos videogames e alta tecnologia por figuras do cotidiano urbano. Morou na Inglaterra, em Portugal, na Espanha, em Porto Rico e no Brasil. E faz parte de um coletivo que produz eventos interna-cionais de música e é bastante ativo no ciberespaço. Fraude conheceu @minus-baby no Twitter e agora o traz para o meio impresso.

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rando a maioria dos videogames, eu estou ansioso para jogar “Fez”, da corporação Fez.

F: Como você descreveria seu traba-lho? Há muitas referências aos games?

m: Meses atrás em uma entrevista para a revista 8bit Today, eu consegui descrever meu trabalho sucintamente. Então, vou dizer a mesma coisa: “uma prática no pri-mitivismo, mas principalmente um golpe na tentativa de continuar várias tradições de uma vez só”. É fácil cair nas armadi-lhas da pixel art: referências de videoga-mes, cores brilhantes e imagens esotéri-cas só entendidas por jogadores, então eu tento algo um tanto (a bit) diferente. Ultimamente meu trabalho tem sido alta-mente baseado em fontes ou ilustrações.

F: O que diria ao público da Fraude sobre pixel art?

m: Pixel art é um tipo de arte digital feita com computadores e criada pixel a pixel e sem usar subterfúgios baseados em softwares para melhorar sua qualida-de, como o anti-aliasing. Sua base é uma linha simples com limites facilmente dis-cerníveis. Ela é, de muitas formas, a mídia dos sonhos de um maníaco por controle, porque tudo é controlado e comandado pelo próprio ilustrador.

ternacional de chip music, o Blip Festival, com o que há de mais novo em software e hardware. Alguns artistas já roubaram de nós. Eles falharam em perceber que vão morrer e nós não. Eles são a piada e eu sou imortal desde 2001.

F: Como definiria a estética “8bit”?m: É um termo guarda-chuva para des-

crever imagens que são, emulam ou fo-ram inspiradas por consoles de videoga-me, arcade e imagens bitmap. Em outras palavras, gráficos de videogames antigos.

F: Você jogava muito videogame na infância? Qual o seu console preferi-do?

m: Eu cresci numa época em que con-soles portáteis começaram a ficar mais interessantes e divertidos – o fim dos anos 80 e início dos 90. Eu tive sorte de mo-rar perto de uma locadora de videogame que também alugava os consoles. Era no bairro Lower East Side, de Manhattan, imagine. As coisas eram barra pesada por lá, então jogar videogame a noite toda até chegar ao último chefão era uma forma de escapismo. Se eu não conseguisse ze-rar antes de dormir, eu pausava e conti-nuava depois da escola. Tudo acabou no ginásio, com as crises de Mortal Kombat 3 e Tekken 2. Depois de passar anos igno-

Fraude: Por que e desde quando mi-nusbaby?

minusbaby: Eu era conhecido em 1998 como “SYS 64738” — meu comando fa-vorito do antigo modelo de computador Commodore 64 — e então me toquei que era um nome muito nerd, então eu disse algo que acabou pegando. Eu tra-balhava como tatuador no fim dos anos 90 e passava um tempo no estúdio ten-tando entender o modo como as curvas do corpo se relacionam com a tinta. Eu nem sei exatamente porquê, mas os clien-tes perguntavam “Você é casado? Tem fi-lho?” Cansado de responder, eu encurtei a resposta para “Sim, menos filho” (I am, minus baby). Isso os confundia durante um tempo, mas fez com que parassem de perguntar da minha vida. Há outro signifi-cado para o pseudônimo, que eu aos pou-cos parei de contar. Talvez na próxima eu conte.

F: Então vamos começar a falar do seu trabalho… O que é o 8bitpeoples?

m: 8bitpeoples é um coletivo de artis-tas com um objetivo claro: nunca morrer. Nós tentamos atingir essa meta lançando peças de arte originais e bons álbuns de chiptune music, música influenciada pe-los games, ou produzindo um evento in-

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F: E sobre a chiptune music e a re-lação do gênero com os videogames?

m: No início dos anos oitenta, quando as placas de som começaram a ficar sofis-ticadas o bastante para emular mais que um som de “plonk” de vez em quando, os videogames passaram a ter trilhas sono-ras, então músicos foram contratados para escrever as músicas. Como esperado, al-guns deles começaram a compor músicas para além dos jogos e assim começou a chip music. Essa é a versão simplificada. Anders Carlsson, ou GOTO80, descre-veu chiptune e chip music perfeitamente no seu blog, o [http://chipflip.wordpress.com]. Então, por favor, visitem-no ao in-vés de me darem ouvidos, porque eu sou canhoto e estou sub-cafeinado.

F: Artes visuais ou música, o que veio primeiro?

m: Bem, trabalho com artes visuais des-de criança. Um desenho do qual eu lem-bro especialmente é um de pombos en-graçados perto de uma lata de sementes. Eu tinha quatro anos. Quanto à música, eu comecei minha fase atual mais ou me-nos em 1997, com um conjunto de fitas de quatro faixas, um sampleador simples, que é uma máquina barata para mani-

pular as músicas, centenas de discos e brinquedos de criança. Em 1999, eu notei que aqueles experimentos musicais co-meçaram a soar como as músicas que um monte de gente disponibilizava no Scene.org (nota: scene.org é o maior repositório de músicas demo online). Então eu decidi tentar algo diferente. Baixei, usando uma conexão de internet roubada, uma cópia da GoatTracker, uma plataforma de pro-dução de música para o Commodore 64, e incorporei seus triângulos e quadrados no que eu já vinha fazendo. Algumas das melhores músicas foram parar na coletâ-nea Micro_Superstarz_2000 da Micromu-sic.net. Meus primeiros trabalhos para o 8bitpeoples, “Monkey Patch”, e “Strong Arctic Winds Take Terns”, curiosamente foram lançados pela Rappers I Know Re-cords. E eu nem faço rap.

F: E qual a conexão entre seus traba-lhos gráficos e sonoros?

m: Eu desenho e componho de modos similares em conceito, mas não em téc-nica. Busco equilibrar o que posso fazer com uma arte com o que não posso com a outra. Já aconteceu de eu parar de com-por para terminar o trabalho inicial com uma ilustração ou fotografia. Minha mú-

sica e meus trabalhos visuais tendem a se encontrar apenas com propósitos de-monstrativos como flyers, capas de álbuns e ensaios visuais informais. Ando pen-sando em me testar como VJ para poder controlar a parte visual durante minhas performances musicais. Seria gratificante converter narrativas musicais em luzes nas paredes.

F: Você parece tomar muitas inicia-tivas diferentes sem o suporte de gra-vadoras ou galerias. Como, quando e por que você começou a usar o esque-ma “faça você mesmo”?

m: A tradição de aprender coisas só para passar de ano ou receber salário é deprimente, e por isso adoto a ética do “faça você mesmo” desde o segundo grau. Eu larguei a escola umas duas vezes e passei um tempo em museus, bibliote-cas, zoológicos, lojas de discos e nas ruas. Acabei me rematriculando, me formei, fui aceito numa faculdade de artes bacana e larguei um ano e meio depois. Eu gosta-ria que o autodidatismo fosse visto como uma forte urgência em se satisfazer com o trabalho duro e autodeterminação, em vez de encarado como uma falha social. Coletivos de artistas como o 8bitpeoples

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A melhor maneira de se encontrar é se perder em benefício de outros.trabalho?

m: Em setembro de 2007, eu estava sentado em uma sala em São Roque, no topo de uma colina, olhando algumas árvores queimando na mata. O chei-ro familiar de pinheiros queimando foi desagradável, mas reconfortante. Brasil, no fim das contas, é um país de altos contrastes; opostos que se encontram no meio de uma mistura complexa de con-creto e madeira, ricos e pobres, devoção e festa. Sentei enquanto fumava um ci-garro e cheguei à conclusão de que eu – que, como muitos músicos que foram para o Brasil procurando por sua incrível voz e direção – era um dos poucos que faziam chiptune no país inteiro. Eu po-dia andar entre os pinheiros por horas, pedalar por entre as pousadas, dirigir por entre os incontáveis “Lanches” e se-ria difícil encontrar um músico do gêne-ro chip no meu caminho. Isso me afetou profundamente. Naquele momento, de-cidi ser como o Brasil; ser preto e bran-co, concreto e ferro, rico e pobre e orar enquanto festejo. Eu comecei a compor “São Roque (Bella/Boa)” naquela tarde e a terminei em Nova York. Eu aprendi so-bre uma habilidade natural de misturar tudo abraçando todos os lados, sejam filosóficos, culturais, sociais ou econô-micos, e fazer algo novo no processo. São Roque, e de grande modo, o pró-prio Brasil, me ajudou a encontrar meu caminho na música.

F: Seu último trabalho é intitulado “Saudade for Beginners”. “Saudade” é um tema comum na bossa nova. Ela influenciou de alguma forma esse trabalho?

m: Ela é muito sutil nesse álbum – ele deve mais à Tropicália e ao Afoxé em espírito, mas algumas músicas, especial-mente “El Camino de Tu Casa a la Mía” e “Ela Chegou” remetem à bossa nova por serem herdeiras da sua dissonância de cordas e melodias.

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É fácil cair nas armadilhas da pixel art: referências de video-games, cores brilhantes e ima-gens esotéricas só entendidas por jogadores, então eu tento algo um tanto (a bit) diferente

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e TATS CRU provam que produções não-tradicionais não estão tão fora do comum e devem ser encorajadas.

F: Falando em coletivos, como você avalia a importância de produções co-laborativas e coletivas?

m: Eu acho que isso é importante tan-to informal quanto profissionalmente. Quando eu colaboro com outros músi-cos, eu gosto de ser lembrado como “uma enciclopédia de jogos surrealistas”. Uma pequena crônica de trocadilhos bobos e quebra-cabeças prazerosos.

F: Você tem perfis em várias redes sociais. De que forma as acha impor-tante nesse contexto de colaboração?

m: Para uma cena em que há grande concentração de gênios tímidos, as redes sociais comprovaram-se como um modo útil para fomentar parcerias interessantes e inovações. Eu acredito piamente que se não fossem por fóruns, canais de IRC e outras formas populares de redes sociais, ainda seríamos um bando de músicos sem direção procurando uns pelos outros. É por isso que eu estou por todo canto, para abrir a possibilidade de fazer conexões musicais com alguém de bem longe.

F: É por isso que todo o seu trabalho está sob a licença Creative Commons?

m: Na verdade, prefiro ter algumas salva-guardas legais a não ter nenhuma. É verdade que essa não é uma solução a prova de falhas, por isso eu escolho licen-ciar minhas músicas de modo que permi-ta a qualquer um ouvi-las e compartilhá-las. Se alguém quiser “sampleá-las”, fazer um vídeo ou o que for, só o que precisam fazer é pedir. Isso também pode possibili-tar a colaboração, sempre deixando claro que minha música pode ser compartilha-da, talvez de modos mais profundos que através de um mero sample.

F: Para terminar, falemos um pou-co da época em que morou no Brasil. Como foi viver em São Paulo por três meses e como isso influenciou no seu

A pessoa que lê sua sorte está presa no trânsito. Enquanto ela não chega, envie um depoimento para alguém.

A imaginação é mais importante do que o conhecimento.

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A melhor maneira de se encontrar é se perder em benefício de outros.

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endo

das

coi

sas

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is d

e al

gum

tem

po.

A pessoa que lê sua sorte

não está se sentindo bem.

Esperamos que você esteja.

A pessoa que lê sua sorte está dormindo. Não a acorde.O melhor presente que você pode dar é um abraço: ele é tamanho único, e ninguém vai se importar se você quiser devolvê-lo.

O sucesso não é o final e o fracasso não é fatal: o que conta é a coragem para seguir em frente.

Faça o que é certo e não tema ninguém.

A pessoa que lê sua sorte está se casando hoje. Deseje a ele boa sorte!

A pessoa que lê sua sorte está presa no trânsito. Enquanto ela não chega, envie um depoimento para alguém.

O sucesso não é o final e o fracasso não é fatal: o que conta é a coragem para seguir em frente.

Muitas das grandes realizações do

mundo foram

feitas por homens

cansados e desanimados que

continuaram trabalhando.

A imaginação é mais importante do que o conhecimento.

A pontualidade é a virtude dos entediados (mas se você for a uma entrevista de emprego, não se atrase).Aprenda

algo hoje.

A dança é a

linguagem

oculta da

alma. Para saber o que vem

pela frente, fale com

quem

está voltando.

A pessoa que escreve sua sorte está sem ideias.

Todos ganham presentes, mas nem todos abrem o pacote.

A pessoa

que lê sua

sorte fugiu!

Ninguém

sabe onde ela

está... visite

o perfil de um amigo.

Os fracos nunca perdoam. O perdão é uma virtude dos fortes.

Se você não quer que ninguém saiba, não faça.

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Ela estava sentada no banco. Ele estava de passagem. Ele resolveu falar com ela - por que não?, pensou.

— Oi. Ahn... Posso falar com você um instante?

— Hum... Pode sim, você não tá interrompendo nada mesmo...

— Ah, certo. Ok, tá bom. Então. É que. Sabe como é, não sabe? Hehe – risadas nervosas –. Pode parecer meio idiotice o que eu vou falar, mas mais idiota ainda é o porquê de eu falar isso que eu vou falar. É, já tô aqui, agora não tem mais jeito, eu vou te falar. Na verdade, eu sempre precisei de um pequeno empurrãozinho para as coisas, porque nunca fui muito corajoso e sempre-sempre-sempre muito indeciso. Eu acabo deixando as coisas acontecerem tentando me preocupar o mínimo possível, agindo o mínimo possível e por consequência vivendo sempre o mínimo-mínimo possível. Mas eu me cansei disso, sabe? Cansei mesmo. Eu estava cansado já tem tempo, mas foi uma frase meio estúpida que li hoje de manhã que me fez perceber que eu tô mesmo cansado dessa merda toda porque eu me dei conta de tudo que eu estava perdendo, não assim perdendo-perdendo, mas deixando de ganhar, de conquistar, de aproveitar. Tá, eu sei que isso soa muito garoto-de-15-anos-que-quer-muito-carpe-diem-e-carpe-nocte. Nenhum de nós tem mais 15 anos e embora pouco tempo tenha passado na verdade parece que nossos 15 anos aconteceram noutra vida, não é mesmo? É meio surreal isso, se dar conta de que apenas cinco anos se passaram desde nossos 15 anos mas tanta coisa mudou, pra melhor ou pra pior, que a gente nem se reconhece mais. Mas eu gosto. De você. Eu gosto de você e quero passar mais tempo com você, além das horas que passamos sentados lado a lado na sala de aula de teorias disso ou daquilo

ou conversando nesses bancos horríveis desse pátio sempre muito cheio de gente que não gosto – e que você também não gosta, imagino, quer dizer, como gostar dessa gente toda? Impossível não é? É, eu acho. Então. É isso.

— Eu não entendi tudo o que você falou... Mas tô com uma dúvida. Que frase foi essa? Que te fez mudar, assim, tão de repente, dar essa guinada na sua vida? Não que isso seja ruim, não, ao contrário, meu deus, como eu preciso de uma guinada dessa, de repente, rápida, na minha vida também. Tudo estagnado, entende? Tudo sem eira nem beira, ahn?, estou meio nervosa, minha avó costuma dizer isso, sem eira nem beira, eu acho que nem sei o que significa, nem sei porque eu disse isso. O que eu quero realmente dizer é que enquanto você falava isso tudo o que você falou eu me lembrei de uma frase, uma frase meio boba, que eu li hoje antes de sair de casa e nem dei importância pra ela, porque, né, pra quê? Então nem dei bola e nem parei para pensar nela... Até então. Até você chegar aqui e dizer que uma frase meio boba te fez tomar uma atitude e querer mudar de vida. Agora que eu parei para pensar a frase que eu li faz todo o sentido e eu deveria ter notado na hora em que li, mas só fui notar agora, mas antes tarde do que nunca, não é? Oh deus, minha avó também costumava dizer essa, chega, acho que estou me humilhando mais do que... desculpa dizer, mas mais do que você quando disse que... que... gosta de mim?

— Não ria, mas a tal frase era a sorte de hoje do meu Orkut. Era : “Devemos ser a mudança que queremos ver“.

— E você não ria também, porque a minha sorte de hoje do Orkut foi: “Sorria. Isso basta”.

E então ele fechou o semblante, preocupado, e ela sorriu, despreocupada, e fez ele sorrir de volta.

A sua sortehoje

por Rodrigo Lessa

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Olho por olho e o mundo acabará cego.

Jornalismotexto Samuel Barros e Fernando Firminoilustração Kelvin Oliveira

dire

to

do celular

Com as câmeras portáteis, que servem também como telefone, não é mais preciso marcar hora com o acaso para testemunhar acontecimentos de interesse

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do celular

É carnaval em Salvador. Milhares de pessoas lotam o circuito da festa. Jorna-listas preparam sua parafernália técni-ca para fazer ecoar a folia pelos quatro cantos do planeta. As câmeras de TV são posicionadas em lugares estratégicos para fazer ver o máximo possível. As pessoas fazem pose, mandam beijos. No meio dos foliões, um repórter do jornal A Tarde saca seu Nokia N95 e começa a transmitir ao vivo. Ninguém dá muita importância, no princípio, até desconfiar que a coisa é séria. Aos poucos, descobre-se que a folia está sendo realmente transmitida ao vivo pelo celular. Do outro lado do mun-do, um espanhol que tem vontade de co-nhecer a Bahia, descobre por acaso que o festejo está sendo transmitido ao vivo por celular. Um, e depois outro, e mais outro, que podem estar com um celular na mão em qualquer lugar do mundo, inclusive ao lado, compõem o público. É a mobi-lidade da notícia através de dispositivos móveis conectados à internet. Na mesma página em que se assiste ao vídeo, um chat é organizado. Pessoas que estão na rua, em casa, no Brasil e fora do país tro-cam informações, curiosidades, falam de suas sensações e experiências em relação ao carnaval. As informações fluem de to-dos os cantos, com vários pontos de vista.

Situações como estas não são mais tes-tes da engenharia eletrônica, nem inter-venções de artistas. O uso de aparelhos móveis multifuncionais capazes de fazer registros em vídeo, áudio e texto é cada vez mais frequente, tanto para produzir quanto para consumir notícia. Pratica-mente qualquer um com grana suficien-te para comprar um desses “brinquedos” mais potentes tem a possibilidade de pro-duzir, enviar e receber informação em deslocamento pela cidade, com o auxílio de conexões Wi-Fi ou 3G – a tecnologia de terceira geração, conhecida como banda larga do celular. Percebendo essas pequenas mágicas proporcionadas pela técnica, vários meios de comunicação do Brasil – TV Band, O Globo, Extra (do Rio), A Tarde, JC Online (do Recife) – e outros

espalhados pelo mundo – como a agên-cia de notícias Reuters – têm equipado os seus repórteres com kits para produ-ção de informação em mobilidade, bem como vêm desenvolvendo plataformas ou versões móveis de seus sites para o acesso via celular.

Além de repórteres munidos com estes equipamentos portáteis, outras pessoas também os têm. Agora a possibilidade de qualquer pessoa flagrar acontecimentos de relevância social aumenta conside-ravelmente, diminuindo a necessidade de sorte, de estar no momento certo, na hora certa, como explica o professor Edu-ardo Pellanda, da PUC-RS, que pesquisa a internet móvel e seus usos: “O ganho é poder contar com milhares de câmeras conectadas prontas para ajudar a flagrar acontecimentos nas ruas. Além disso, as pessoas podem consumir informações de maneira mais intensa, o que necessita de mais pessoal para produzir este conteú-do”. Pellanda entende que a apropriação destas tecnologias pelas pessoas é um de seus usos em potencial. “Se olharemos casos como o pouso do avião no rio Hu-dson em Nova Iorque, observamos que a primeira foto foi tirada com um iPhone e enviada por Twitter. Quer dizer, ela foi publicada e compartilhada em uma velo-cidade que se aproxima do tempo real. Mais tarde os jornalistas usaram esta ima-gem para complementar suas matérias”, explica.

Para a produção de notícias, os novos equipamentos trazem inovações conside-ráveis. Com as câmeras espalhadas por todos os lados, tanto nas mãos de jorna-listas como do público, acontecimentos dos mais variados são passíveis de algum registro, mesmo que a qualidade da ima-gem seja suficiente apenas para ver as formas. “Se pensarmos que um repórter vai estar na rua para cobrir um fato, como um acidente de grandes proporções, com apenas um dispositivo na mão e ele vai poder enviar para a redação as primeiras fotos, abrir um sinal de vídeo para internet e enviar pequenos textos via SMS, o ga-

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A expectativa é que este novo meio de distribuição de conteúdo, apesar de con-vergente com as outras plataformas, tenha suas próprias potencialidades. “Creio que ainda vamos ver uma web móvel mais fluente, com recursos ricos e com um uso pertinente ao meio. Ainda estamos em fase de experimentações, de desenvolvi-mento de padrões e linguagens adequa-das”, explica Paulo Henrique Ferreira, do LanceNet, site de cobertura esportiva, e professor da Pós-Graduação em Mídias Digitais do SENAC-SP.

Diferente de outros grandes momen-tos de inovação tecnológica, ninguém espera que o celular decrete extinção a nenhuma outra mídia. A aposta está na convergência. O celular cumpre bem al-gumas demandas do cotidiano, mas não todas. Existirão trabalhos executados com maior proficiência no (já velho) desktop. No consumo diário de notícias, o profes-sor Antonio Fidalgo, da Universidade da Beira Interior, de Portugal, aposta que o celular vai cumprir a função de cardápio. “É o celular que vai dizer qual é a matéria a estudar ou qual é a matéria que está na agenda. E que vai chegar a nós em qual-quer circunstância, em qualquer lugar. A tela do celular parece mesmo com uma vitrine. É a primeira vitrine dos outros meios de informação jornalística”, afirma.

nho produtivo para o jornalismo é enor-me”, comemora Sidclei Sobral, designer do JC Online e um dos responsáveis pela operação das transmissões ao vivo deste grupo de comunicação.

Entretanto, o crescimento do uso de celulares para produzir e consumir notí-cias ainda enfrenta algumas dificuldades. As principais são o custo, tanto dos apa-relhos quanto do serviço de conexão das operadoras telefônicas, e o desconheci-mento das pequenas maravilhas que es-tes aparelhinhos podem fazer. Segundo Iloma Sales, editora do Mobi A Tarde, site para acesso via celular, “as operadoras não abrem a guarda. Acho que elas de-veriam abrir mais, porque conseguiriam um maior número de adesões”. No Brasil há, segundo dados da ANATEL, mais de 160 milhões de celulares em operação sendo que se mantém a média de 80% de pré-pagos e 20% de pós-pago. O grande problema ainda é o valor dos planos de telefonia, especialmente para 3G, que na modalidade ilimitado pode custar mais de R$ 100. “A falta de conhecimento da tec-nologia também é um problema porque as pessoas não gostam de ler manual. São poucas as pessoas que conhecem todas as utilidades do aparelho, por isso fica subu-tilizado”, complementa Iloma Sales.

A qualidade da conexão também pre-cisa melhorar. Como nas conexões banda larga domésticas, a tecnologia de terceira geração (a 3G) também sofre com as ins-tabilidades da rede, como interferências atmosféricas, o fluxo intenso de usuários e a falta de expansão da cobertura da ope-radora. “A grande barreira é a oscilação das redes. Mesmo sendo uma conexão

3G, nada nos garante sua estabilidade. E essa variável incide diretamente na quali-dade da transmissão, no caso de vídeo. Já para fotos, o problema é o tempo de trans-missão do arquivo até chegar à redação”, explica Sobral, do JC Online.

Sites MóveisAlém da possibilidade de produção de

conteúdo por celulares, há outra vertente do jornalismo móvel: a recepção, o aces-so através da internet móvel. Com o iPho-ne, smartphone ou “telefone inteligente”, houve uma expansão desse acesso devido à interface mais amigável e os recursos de tela sensível ao toque. O problema, en-tretanto, reside na falta de padrões para a construção de sites para mobile, tanto pela indefinição do tamanho das telas dos celulares quanto pela variação de nave-gadores móveis instalados nos aparelhos. O iPhone, por exemplo, utiliza uma tec-nologia distinta de outros smartphones, forçando pelo menos duas versões de sites móveis. Para resolver esta questão, a W3C, um consórcio internacional da World Wide Web, está realizando pes-quisas para estabelecer padrões para sites mobile como ocorre com a internet para desktops com padrões como XHTML, CSS e de acessibilidade. Enquanto os padrões mundiais não são fixados, quem produz conteúdo está testando formatos para se adequar à demanda e às exigências dos usuários em termos de interfaces. “Como a plataforma mobile é experimental no país como um todo, principalmente nessa área de jornalismo, então a gente trabalha muito com experimentação”, explica Ilo-ma Sales, do A Tarde.

Com as câmeras espalha-das por todos os lados, tan-to nas mãos de jornalistas como do público, aconte-cimentos os mais variados são passíveis de algum re-gistro

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FRAUDE 2008/09 37FRAUDE 2009/10 37

texto Alana Camara e Tiago Canário

Anos atrás, o único jeito de saber como as pessoas de diversos lugares do mundo se vestiam era através de revistas e jor-nais ou em programas de TV. Hoje, há uma maneira muito mais fácil e, em cer-ta medida, mais acessível de ficar atento ao modo como as pessoas se expressam, com suas roupas e acessórios, ao redor do planeta, em diferentes temperaturas. Baseados em fotografias de anônimos, os sites e blogs de street style - páginas virtu-ais para a veiculação de moda de rua, li-teralmente - têm chamado cada vez mais a atenção daqueles que se interessam por moda.

Ao tirar um pouco o foco dos editoriais produzidos pelos veículos especializados no tema e direcioná-lo para o que as pes-soas estão, de fato, usando nas ruas, esses espaços têm se tornado ferramentas im-portantes para quem produz, consome e recria moda. São meios de veiculação de tendências, que acabam por propagar os mais diversos estilos.

“Eu tenho duas pastinhas [no compu-tador]: uma de moda e outra de ideias le-gais de decoração. Salvo tudo, para não esquecer, e vou colecionando as imagens com as quais me identifico, de coisas que eu usaria”, explica Thysa Jackes, jor-nalista de moda. É assim que ela busca, diariamente, informações sobre o tema e inspirações para montar seus looks. Se as revistas nem sempre estão ao alcance e o mundo editorial dificilmente mapeia to-das as novas criações ao redor do mundo, principalmente em relação à moda que surge fora das grandes marcas, os blogs de street style, como os acessados pela jorna-lista, se configuram como uma importante

mídia para a exposição e a discussão des-ses conteúdos.

Frente às publicações impressas, geral-mente mensais, a grande vantagem des-sas páginas é a velocidade: a informação chega muito mais rápido. Com a internet, conteúdos são publicados quase que em tempo real, com o plus de poderem ser acessados gratuitamente. Outros benefí-cios, como ressalta Jackes, são o debate fomentado pelas diferentes opiniões pu-blicadas e a possibilidade de saber o que está acontecendo na moda internacional. “Como é que eu teria acesso às fotos de uma moça francesa, por exemplo?”, co-menta a jornalista a respeito do Garance Doré [www.garancedore.fr], um de seus blogs preferidos do gênero.

Para seus leitores, além da praticida-de de consumo, como a possibilidade de acessar as páginas pelo celular, em qual-quer hora ou local, a disponibilidade de conteúdos é mais completa. “A internet possibilita vídeos e fotos em alta resolu-ção, coisas que não encontramos num livro ou revista”, comenta Felipe Quei-roz, estudante de arquitetura. Há pou-co mais de um ano decidido a trabalhar com moda, Queiroz encontra em blogs de street style uma forma de aprimorar seus conhecimentos na área, de se man-ter informado sobre novas tendências e, é claro, de se inspirar. Assim como Jackes, o estudante também coleciona suas fotos preferidas, nas quais se baseia no mo-mento de montar suas produções ou de ir às compras. Entre a internet e o meio editorial gráfico, no entanto, as diferenças são maiores do que apenas uma forma de veiculação.

Blogs de street style se tornam referência para produtores e consumidores de moda

modaderuanarede

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A vida imita a moda — ou é o contrário?

Com o uso tanto da internet quanto de publicações especializadas para pesqui-sar tendências, o estilista baiano Tarcísio Almeida considera marcante a diferença de conteúdos entre blogs de street style e revistas de moda. “É uma relação entre o real e o ideal”, afirma. Apesar disso, o es-tilista admite a existência de um diálogo constante entre a moda das passarelas e a moda das ruas. Depois de quase três anos de visitas semanais a blogs do gênero, Tar-císio, que já apresentou seu trabalho em eventos como o Rio Moda Hype, o Dra-gão Fashion e o Barra Fashion, garante que saber o que as pessoas querem, usam e reinventam é fundamental. A partir das misturas propostas por anônimos, o esti-lista relaciona seus desenhos ao mundo à sua volta.

A opinião de Tarcísio Almeida é con-sonante com a do professor de moda João Braga, maior autoridade do país no assunto. Em entrevista à revista Claudia, ele explicou que as tendências desfiladas são apenas sugestões. “Quem dita a moda é a rua, ao legitimar a proposta. Quando o estilista faz o desfile não está lançan-do moda, mas propondo ideias que têm a ver com seu estilo e que poderão ou não encontrar ressonância no desejo de consumo que validará esta ou aquela tendência”, afirmou na edição publicada em julho de 2009. Em resumo, se por um lado as ruas são o alvo da moda, a moda também se alimenta dos sinais vindos do lugar ao qual ela quer chegar.

Sobre os diferentes estilos que pulu-lam nas ruas, Tarcísio é enfático: “Eles são os verdadeiros criadores, emprestam seus corpos”. Em outras palavras, ou nas palavras de Paula Reboredo, uma das responsáveis pelo blog Freakstyle [www.freakstyle-freakstyle.blogspot.com],feito em parceria com Gilberto França, “é in-formação fresquinha para quem trabalha

com produção e desenvolvimento de produto”. Além disso, como explica a blogueira, mais do que resignificarem a moda das passarelas e mesclá-la ao que é produzido nas ruas, esses anônimos unem moda à atitude.

Para ser fotografado para o Freaksty-le, o destaque brasileiro no gênero, não adianta estar apenas bem vestido, é pre-ciso afirmar uma personalidade própria. Criado há menos de dois anos e com cerca de 50 mil acessos mensais, o blog, conta Reboredo, escolhe minuciosamente as fotos veiculadas, já que se tornarão re-ferências para muitos. Para se ter ideia de sua importância, ele foi o único do país a participar do Wedding Dress #2 - Festival of Urban Fashion and Arts, evento parale-lo à Semana de Moda de Berlim, realiza-do em 2008. Com 23 países na disputa, o concurso elegeu, através de sites de street style, a região mais bem vestida do mun-do ’e o Brasil ficou em oitavo lugar.

‘Inspiração’ é a palavra de ordem

Direcionados para a captação de ten-dências e o estímulo de criatividade, são esses blogs e sites que ajudam a espalhar ideias de cores, acessórios e até produ-ções completas, que acabam virando tendência em uma temporada e que são reapropriadas para o uso nas ruas. “Não compro só porque está no blog ou na re-vista, procuro me inspirar. Mas uma vez rodei a Renner inteira atrás de um casaco que vi no [site] Garotas Estúpidas [www.garotasestupidas.com]”, confessa Thysa Jackes.

A ajuda se dá, também, como um em-purrãozinho na hora de arriscar alguma peça, acessório ou cor diferente. “Às ve-zes eu me sinto mais segura na hora de escolher uma peça, mais encorajada, pelo fato de ter visto nos blogs de moda várias pessoas usando e comentando a respei-to”, conta Laís Sangalo. Estudante de pu-

street style

Advanced Style - www.advancedstyle.blogspot.com

Dam Style – www.damstyle.blogspot.com

Face Hunter – www.facehunter.blogspot.com

Hel Looks – www.hel-looks.com

Looks Like Porto Alegre - www.lookslikepoa.com

Style Arena – www.style-arena.jp/en/street/

Street Peeper - www.streetpeeper.com/

na web

mais

blicidade e propaganda, Laís confere seus sites de moda preferidos duas vezes por semana, hábito que mantém há mais de cinco anos. Se vale à pena? “Quando eu fico na dúvida, mas lembro de ter visto aquilo como uma tendência, eu confio e compro. E não é que dá certo?”, revela.

Por reunirem muita informação, as páginas de street style acabam servindo como fonte de pesquisa gratuita também para empresas e designers, que tentam captar o estilo e o desejo das novas ge-rações. As grandes marcas sempre man-tiveram os olhos bem abertos às tendên-cias espontâneas, já que essa criatividade anônima também alimenta as ideias dos estilistas. E os chamados olheiros, que já faziam esse serviço há anos, agora têm uma nova e poderosa ferramenta em suas mãos.

Além disso, recentemente, os blogs e sites de street style foram “fraudados” por algumas marcas, servindo como ins-piração direta para suas publicidades. As campanhas das últimas coleções de in-verno da DKNY Jeans e da Anthropologie, por exemplo, trazem modelos usando as roupas das grifes como se tivessem sido flagradas na rua. No caso da DKNY, todas as fotos foram clicadas pelo americano Scott Schuman, autor do blog pioneiro no gênero, o The Sartorialist [www.thesarto-rialist.blogspot.com], que tem mais de 90 mil acessos por mês.

Apesar de todo o debate em torno das páginas virtuais de street style, sua explo-são na web pode ser justificada em uma única frase, proferida pelo próprio Schu-man. Quando indagado a respeito de seu trabalho, em entrevista ao site Erika Pa-lomino [www.erikapalomino.com.br], o criador da “Vogue dos blogs de moda” foi categórico: “Hoje em dia há jovens que vejo na rua que são mais inspiradores do que os que estão nas revistas”.

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FRAUDE 2009/10 42

Fernanda

Mariana David é fotógrafa de Salvador/BA e vencedora do Prêmio Fundação Cultural do Estado da Bahia, no Salão Regional de Artes Visuais da Bahia 2009 – Juazeiro.Email: [email protected]: http://www.flickr.com/people/marianadavid/

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Fernanda

Bruno Marcello é artista plástico residente em Salvador, participou de diversas exposições aqui e em Buenos Aires, onde fez uma especialização em

Pintura pela IUNA. Para essa edição da Fraude o artista nos presenteou com uma obra exclusiva.

Email: [email protected]: www.flickr.com/bua

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